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O Sagrado e o Divino

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O SAGRADO E O DIVINO COMO MITOS DA MENTE SOB O

PENSAMENTO DE CHARLES TALIAFERRO

Otávio Leonardo Carneiro Sabbá Guimarães1

Universidade Estadual do Centro-Oeste


otaviosabbaguimaraes@gmail.com

Resumo: Este trabalho pretende abordar os diversos conceitos que circundam as crenças pessoais e
sociais e suas respectivas características dentro dos fundamentos da filosofia analítica e das teorias
do filósofo norte-americano Charles Taliaferro. O objetivo da pesquisa será evidenciar os padrões
lógicos e racionais da crença no cotidiano e na estruturação das pessoas como seres pensantes (por
meio da consciência), enquanto imersas na sociedade. Também requer justificar ou delimitar as
razões da crença enquanto submersa sob as teorias metafísicas que distinguem aquilo que é Sagrado
daquilo que é profano, utilizando os conhecimentos de base do filósofo Mircea Eliade. Em resumo,
este trabalho tem por iniciativa apresentar os diversos fatos e características da crença, suas variadas
perspectivas durante o percorrer da história do mundo e, consequentemente da sociedade. Para uma
adequada análise e justificativa das crenças religiosas, se fará uso da teoria da consciência, proposta
por Taliaferro.
Palavras-chave: Consciência, Crença, Filosofia analítica, Sagrado, Profano.

Abstract: This work aims to address the various concepts that surround personal and social beliefs
and their respective characteristics within the foundations of analytical philosophy and the theories
of the American philosopher Charles Taliaferro. The aim of the research will be to highlight the
logical and rational patterns of belief in daily life and in the structuring of people as thoughting
beings (through consciousness), while immersed in society. It also requires justifying or delimiting
the reasons for belief while submerged under metaphysical theories that distinguish what is sacred
from what is profane, using the basic knowledge of the philosopher Mircea Eliade. In summary, this
work has the initiative to present the various facts and characteristics of belief, its varied
perspectives during the history of the world and, consequently, of society. For an adequate analysis
and justification of religious beliefs, the theory of consciousness proposed by Taliaferro will be
used.
Keywords: Consciousness, Belief, Analytical Philosophy, Sacred, Profane.

Introdução

Crer e compreender é o único sentido da existência do indivíduo enquanto ser pensante e


livre, junto a esse sentido também se é atribuída as características de direito e dever, pois o
indivíduo enquanto potência tem por compromisso natural 2 evoluir e para tal feito se é necessário
crer mesmo que seja na descrença3. Quando este indivíduo é submetido a credos dogmáticos ou
ideológicos tem a livre opção de acolher tais ideais ou repreendê-los à prática da vida, ou seja, os
ignorar para sua vivência.
Tendo em vista a necessidade primordial da crença na vida do indivíduo, que se fez presente
durante todo o percurso da humanidade e, consequentemente, da sociedade 4, e suas etapas
crescentes e sempre novas, a crença prossegue tendo um único formato, o mítico. Assim como os
1
Graduando em Filosofia (Licenciatura) pela Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná. Sargento pela
Supremus Ordo Templi Internationalis.
2
De sua condição humana.
3
Professando o ato de descrer.
métodos lógicos atualmente utilizados em várias áreas da sociedade dependem de conhecimentos da
antiguidade para estarem em função, as histórias e suas curtas narrativas, as historietas, sejam elas
físicas ou imaginárias são em sua maioria herdeiras da metodologia mítica, educativa e duvidosa do
pensamento humano, descendentes do ensino tradicional, familiar e social da cultura grega.
Logo, quando se é apresentada uma narrativa, seja ela longa ou curta, se faz necessário criar
um vínculo entre o conteúdo e a realidade ou a imaginação 5 e, a partir desse vínculo pode-se
englobar qualquer coisa para fazer parte da narrativa, mesmo que possua um caráter totalmente
abstrato, ademais qualquer elemento contido nas narrativas serve de material para estudo ou
comprovação científica e teórica. Quer a característica científica contida nas narrativas possua um
significado aparentemente real ou não, ela continuará a fazer parte da grande narrativa que é a
crença, considerando o mundo material como um contínuo conglomerado de crenças e que somente
existe por elas.

Desenvolvimento

Desde o início de tudo, os homens pensavam e a nenhum ponto chegavam senão à


suposições ou ideias soltas, porém isso os dava como qual um incentivo para se aprofundarem
naquilo que tão pouco conheciam e isso de certa forma os mantinha sempre em busca do novo com
o “velho”, a crença primeira, o início do pensamento. Para cada suposição/hipótese se é necessária
uma explicação, mas como alcançar uma explicação sem instrumentos? Talvez seja mais simples
para a metafísica responder do que a própria ciência, pelo menos na antiguidade. Quando o
conhecimento era escasso e pequeno, as crenças divinas, ou seja, que transcendiam o intelecto e
mundo humanos, respondiam perguntas básicas, aferiam explicações para hipóteses e suposições do
cotidiano.
Ao decorrer do tempo se observou necessário uma mudança de pensamento, uma nova visão de
mundo. E, por meio dos gregos (antigos) – a partir de Tales de Mileto – o pensamento crítico se
desenvolveu de forma quase plena6, fazendo-se duvidar daquilo que se tinha por certeza, tal como o
princípio divino das coisas, a origem divina dos homens, a razão do agir, entre outras coisas.
Conforme se desenvolveu a filosofia pré-socrática, os homens perceberam que suas crenças
se tornaram frágeis em relação à verdade das coisas. Porém, ao possuírem tal percepção,
inconscientemente criavam novas crenças, não religiosas, mas racionais, teóricas. A começar pelo
primeiro filósofo7, Tales de Mileto tinha a crença de que a origem das coisas era a água 8, e que tudo
dependia da umidade para existir e se manter – uma crença racionalista. A arché das coisas foi um
dos primeiros fundamentos da transição da crença divina como algo absoluto para a crença
racionalista, que justificaria e comprovaria as hipóteses surgidas. As circunstâncias em que os
primeiros pensadores9 se encontravam até o momento10 eram de uma realidade voltada a princípios
longínquos, que não se podia tocar ou ver, isto é, algo muito abstrato. Entretanto essa realidade foi
marcada por intenso aprendizado, o conhecimento passado por meio das poesias e dos mitos, mitos
estes que consolidaram a antiguidade pré-cristã.
4
Através do progresso do pensamento, que passou por variadas etapas, tais como a de descoberta, de análise,
questionamento, hipótese e certificação.
5
Pode ser aferida, a priori, como crença.
6
Tendo em vista a falta de uma metodologia própria para a comprovação de fatos e hipóteses.
7
Como concebe Aristóteles.
8
“[...] o mesmo homem postula como espécie de axioma que todas as coisas estão cheias de deuses. Daí que a nossa
própria conclusão imediata seja a de que, para ele, a água não é apenas um dos deuses, mas o maior de todos.”
(GILSON, 2019, p. 24). Assim como Étienne explana sobre o pensamento “metafísico” de Tales de Mileto, também
contrapõe o mesmo em um sentido racionalista, tal qual empregado na crença religiosa – como elemento mítico – “Por
outras palavras, quando Tales diz que o mundo está cheio de deuses, não quer realmente dizer «deuses». Apenas se
refere a uma energia física e puramente natural, tal como a água, por exemplo, a qual, de acordo com a sua própria
doutrina, é o primeiro princípio de todas as coisas.” (Ibid., p.25).
9
Em virtude do conhecimento quase puro ou puramente racional, além do mais, os outros pensadores apenas sujeitavam
o conhecimento ao que transcendia o real e a matéria, a metafísica.
10
Em que os gregos se encontravam, apenas crendo sem possuírem a veracidade de suas crenças.
Após o surgimento do pensamento crítico dos primeiros filósofos, a sociedade grega
modificou sua forma de ver o mundo e as coisas, porém representando de outros modos suas antigas
crenças. Se o paganismo helenista deu lugar à fé bizantina, instaurada pela ortodoxia cristã, as
pequenas ações modeladas às crenças comuns do dia a dia também deram lugar ao novo orfismo 11
filosófico – quando assim o pensamento se voltou para a razão, essência e fim das coisas (no novo
mundo transformado pela religião cristã) o pensamento dionisíaco da origem das coisas foi
modelado ao pensamento de um “Orfeu cristão”, onde todas as formas de pensar se voltaram para a
morte de Cristo e seus fins.
Com o passar do tempo, as crenças escatológicas atingiram seus objetivos 12 e passaram a ser
deixadas de lado, dando vez a uma nova mudança de pensamento, sem mais perseguições teóricas
(como aconteceu com as heresias ou cismas), mas sim partindo do princípio, o princípio perseguido
e aniquilado, o início das teorias e correntes do pensamento, desde a era de Tales de Mileto ou
Aristóteles. O paganismo não importava, pois o conhecimento tinha de ser desenvolvido a qualquer
custo, para provar e comprovar as novas crenças cristãs, portanto a filosofia proporcionou a crença,
tal como a crença proporcionou o avanço da filosofia e, consequentemente, as demais ciências e
correntes do pensamento humano.
O filósofo alemão, Friedrich Nietzsche, diz em uma de suas obras algo relacionado a isso:

História abscondita. Todo grande homem exerce uma força retroativa: toda a
história é novamente posta na balança por causa dele, e milhares de
segredos do passado abandonam seus esconderijos – rumo ao Sol dele. Não
há como ver o que ainda se tornará história. Talvez o passado esteja ainda
essencialmente por descobrir! Tantas forças retroativas são ainda
necessárias!
(A Gaia Ciência I-34, p.78)

Uma história e um recomeço teórico sempre a frente, sugerido pelas forças do pensamento
sempre renovado, ou seja, há sempre algo que movimenta o pensamento e proporciona novas
descobertas e esse elemento é a crença, que transita em várias correntes de uma só vez, que percorre
de diversos modos as variadas concepções de mundo.
Os mitos, assim como a história são elementos narrativos com cunhos morais e práticos que
sempre se atualizam, de diversas maneiras para cada realidade de uma forma própria, dando início à
conjuntos éticos e educacionais. Esses mitos são renovados com a constante mudança do
pensamento humano, como quando a Cidade de Deus, de Santo Agostinho passou de uma utopia
meramente teórica para uma prática religiosa - algo velho se tornou novo - que fora incrustada na
vida de fé dos fiéis católicos e ortodoxos.

As religiões que deitam suas raízes nessa época operaram a passagem


cognitiva das explicações narrativas do mito para um logos que discrimina

11
Alusão ao momento em que o povo grego vivia sob a influência do pensamento orfista, este que deu início à um novo
modo de vida grego. “Saudemos nele o grande iniciador da Grécia, o Ancestral da Poesia e da Música, concebidas
como reveladoras da verdade eterna. [...] A adoração dos santuários, a tradição dos iniciados, o grito dos poetas, a voz
dos filósofos – e, mais do que todo o resto, sua obra, a Grécia orgânica – são testemunhas de sua realidade viva!”
(SCHURÉ, 2000, p.182, 185). Talvez o pensamento orfista possa ter dado início a um momento de ouro da Grécia
Antiga em estrutura e cultura, isto é, em sua composição política (dois poderes: religioso e político), educacional (os
ensinamentos eram passados por meio dos ensinos religiosos), religioso (a poesia era tida como instrumento para a
pregação dos mitos dionisíacos) e cultural, já que a religião de Dionísio foi precursor no uso dos mitos como
instrumento de propagação político-religiosa, tal como a era medieval fez com as biografias dos santos e apóstolos,
constituindo uma crença sobre as autoridades sociais, isto é, a religiosa e a política – os poderes espiritual e temporal –
que auxiliaram na inserção da distinção entre os conteúdos sagrados e profanos (aquilo que se devia almejar e aquilo
que se devia evitar).
12
Uma vez que as teorias sobre vida e destino pós-morte estavam completas e fixadas no ensino teológico e filosófico –
coisa que deixou de ser após o fim da Idade Média com o Iluminismo – e também quando os conhecimentos da fé e de
sua profissão já estavam enraizados na vida da maioria dos principais povos da antiguidade.
essência e aparência de modo semelhante ao que ocorreu com a filosofia
grega. Desde o Concílio de Nicéia, a filosofia também passou a se apropriar,
pelo caminho de uma “helenização do cristianismo” de muitos conceitos e
motivos histórico-salvíficos da tradição monoteísta.
(HABERMAS, 2007, p.161)

O modo como Jürgen expõe os ideais religiosos, como mitos, por meio do pensamento de
Lutz-Bachmann, é algo significativo para o entendimento do pensamento de Mircea Eliade e de
Charles Taliaferro, já que ambos propõe uma espiritualidade passada por meio de um conjunto de
regras e normas (ritos e propriamente um conjunto moral), além do elemento central que fora
alterado conforme o pensamento mítico e místico foi evoluindo, como na Idade Média que os mitos
se tornaram parte dos Sermões cristãos (de teólogos). Para Habermas todas estas transformações,
dos ideais filosóficos, feita pela religião foram cruciais para o desenvolvimento da sociedade e de
sua organização, porém em seu determinado período. Em resumo à sua explanação, os mitos
religiosos tiveram uma influência política e moral que determinou uma “filosofia teológica” e uma
ética voltada aos princípios individualistas das crenças religiosas, por meio de teorias e práticas, ele
compara tudo isso à organização social da Grécia antiga – fundamentada sobre os mitos com
aspectos políticos, éticos e morais – por meio da “religião mítica”.
De fato, que ao expor os “mitos religiosos”13, se tinha a noção básica da filosofia dos antigos
gregos pré cristianização, a noção primeira do mito que é a de uma história composta por elementos
em sua maioria de natureza antirrealista, quase totalmente abstrata, que não podia ser tangível pelos
seres humanos14, porém se havia uma moral (tal como nas narrativas infantis, como por exemplo, as
fábulas), uma conclusão. E essa exposição de conteúdo designava uma série de elementos que se
atualizavam sempre, embora sua aparência não se alterasse, como no caso das tradições que
continuaram a possuir o mesmo potencial e a mesma essência15 apesar das reformas por elas sofrida.
Do mesmo modo intercalado16 que Nietzsche aponta em suas ideias, o filósofo norte
americano, Charles Taliaferro, concebe suas teorias, tendo passagens pela antropologia e pela
filosofia – sociedade e pensamento -. Ele diz que, para que se possa ter definitivamente uma crença,
primeiro se é necessário possuir a percepção do que é a crença (mesmo que sem nenhum
conhecimento17, o a prática empirista do cotidiano), se é necessário saber de onde a crença se
origina (qual sua origem), e ter ciência da natureza das coisas de modo não racional como um
todo18, assim como afirma a seguir:

From the fact that a property is supervenient on the behavior of lower level
elements it simply does not follow that there is nothing there except the
behavior of the lower level elements. In the case of, for example,
consciousness, we have a supervenient, but nonetheless nonreducible
property. That, indeed, is the difference between, for example, heat and

13
Conjunto de elementos teóricos e práticos, as histórias e as tradições que se moldavam e se moldam em forma de
crença (dogmática).
14
Este mesmo contexto ocorre na atualidade, quando se concebe a ideia de que Deus está longe dos homens em uma
relação física, porém próximo em termos teológicos da crença. Pode-se perceber tal aspecto na Doutrina Católica
Apostólica (que não somente pertence exclusivamente à Igreja Romana mas se faz presente nas doutrinas Sui Juris)
onde há a dogmática da proximidade de Deus para com sua criação, anulando os aspectos céticos da física por meio do
Dogma da Eucaristia – “Com efeito, no sentir de São João Damasceno [De fide orthod, lib. 4, cap.13], este sacramento
nos liga com Cristo, faz-nos participar de Sua Carne e Divindade, une-nos e congrega-nos uns aos outros, articula-nos,
por assim dizer, num só corpo no mesmo Cristo.” (Catecismo Romano, Cap. IV, II, 4, p.279).
15
Já que está não se altera pois é um elemento natural, permanente e imanente aos novos contextos surgidos com o
passar do tempo (por exemplo um pássaro não deixará de ser pássaro nos diversos momentos históricos, ele sempre
permanecerá em sua condição).
16
“Intercalado” entre história e filosofia.
17
Aparente.
18
Já que o racionalismo puro por si só descarta hipóteses antirrealistas, do imaginário (como a metafísica, em sua
maioria teórica).
consciousness. Consciousness is a separate and nonreducible property.
(TALIAFERRO, 2005, p.75)19

Com as palavras de John Searle, Charles Taliaferro evidencia que a consciência é algo
inseparável da condição humana em seu pensar, tornando assim obrigatório o conhecimento prévio
das coisas por meio da natureza das ações, descartando os argumentos realistas sobre a condição do
pensamento humano ser de forma plena algo racional, que descarta os fenômenos não visíveis
(como há no antirrealismo).
Ainda assim, quando Taliaferro abrange a questão da consciência como elemento natural da
condição humana para sua evolução20, critica os filósofos e pensadores continentais que propõem
hipóteses sem fundamentação clara e concisa, mas que ao mesmo tempo criticam a metafísica
analítica21.
Se Taliaferro propõe um estilo conciso do pensamento (assim como todos os analíticos) para
que a crença esteja bem fundamentada e para que então possa ser defendida como algo natural e
não-intencional, sem que haja um propósito criado a partir do pensamento para que seja autêntico 22.
Para Charles há a particularidade de cada realidade, de cada crença, sendo que apesar de serem
autônomas são interdependentes, pois se não o fossem, seriam ilegítimas e, consequentemente, não
verdadeiras.
Agora, se cada crença for própria de seu “estilo”, elas terão algo em comum, a Divindade
que nelas habita e forma, sendo assim, possuirão caráter conciso e consciente. Atuam em
uniformidade, porém de diversas maneiras, isto é, cada qual com suas peculiaridades, mas voltadas
para o mesmo princípio. Para ele, independe a categoria que cada uma possui (exclusivista ou
outra), pois todas estão no mesmo nível, possuindo um caráter salvífico igual. Embora a
categorização das crenças não seja crucial para este trabalho, o caráter da consciência, que o
filósofo norte-americano propõe é essencial para o entendimento e formação da crença, pois só por
meio dela é que se há as coisas.
Tal como o mundo é presente de crenças, logo ele deve ser formado pela consciência, o que
institui um formato unilateral do estudo sobre as visões religiosas, deixando-as no mesmo contexto
prático e teórico, mesmo que possuam tradições distintas e até opostas.
O modelo proposto por Charles Taliaferro engloba conceitos que transcendem a física e a lei
da natureza das coisas, tal abordagem fora feita pelo renomado filósofo romeno Mircea Eliade em
seu conjunto de obras, em especial no Sagrado e o Profano, sua obra mais consagrada e que
consagrou um novo horizonte ao pensamento metafísico.
Na “essência das religiões”, como caracteriza o subtítulo de sua obra, Eliade aborda o
contexto de espaço e tempo, até então deixada de lado por insuficiência teórica de outros autores
como Rudolf Otto ou mesmo Santo Agostinho. Ao denotar que os conceitos da fé e crença partem
do próprio homem, Mircea transforma a Cidade de Deus de Agostinho em realidade, por meio da
ligação que a criatura tem com o criador em sua obra do cotidiano, a vida23.
E, ao dizer que a matéria divina está ao mesmo tempo longe do das criaturas por que
simplesmente deseja se retirar da presença humana mesmo não a abandonando24, faz um
comparativo entre a utopia do paraíso (a Cidade de Deus) e a profanidade do mundo (a cidade dos
homens/cidade terrena). Mas, talvez para Eliade o mais difícil não tenha sido separar o Sagrado do
Profano e sim constituir que a Opus Dei, isto é, Obra de Deus está cheia de impurezas.
Se o livre-arbítrio, presente nas teorias agostinianas, era dado a cada homem de modo
igualitário e sem distinção25, como então o homem estava preso? Talvez por sua ignorância e
incompreensão dos fenômenos divinos, isso não significa que o sagrado não habita mais no homem
19
Apud. E. Lepore e R. Van Gulick, 1991, p.182.
20
Dentro da corrente humanista em que crê e defende.
21
Dentro do pensamento de Taliaferro como um todo (conferências, periódicos e obras).
22
Em sua essência, pois a natureza das coisas não é criada, ela simplesmente existe e subsiste por si mesma, sem que
haja a intervenção do pensamento e fenômenos humanos.
23
Em todos os aspectos.
24
Apud. Mircea Eliade, 2018, p.103.
a partir do momento em que ele se “profaniza”, mas sim que ele deixa de permanecer na divindade
da criação, tornando-se parte do mundo e de suas impurezas. Mircea ao analisar o livre-arbítrio
percebe que as crenças necessariamente não estão contidas no livre-arbítrio, ou seja, elas são por si
mesmas naturais, novamente o contexto instituído posteriormente por Taliaferro se faz presente.
Quando a crença se torna parte do indivíduo, ela não o faz por si mesma, mas sim por sua
condição natural, isto é, a crença é natural, tal como a essência divina é natural em cada homem.
Porém, tal como é a essência, a crença se faz inerente às vontades humanas 26, sugestionando os
comportamentos naturais do indivíduo, seria tal coisa semelhante aos hábitos adquiridos
gradativamente quando um indivíduo adentra na sociedade. Para tal alusão, há um trecho
selecionado que explana esta ligação natural entre a natureza do ser e suas crenças:

Ainda que se reúna a ela pelas vias complexas que lhes são pessoais, Hegel
conservou a noção de essência tal qual uma longa tradição lhe transmitiu, e
pode-se inclusive dizer que ele salientou preferencialmente o lado menos
técnico dela. A essência do ser, com efeito, é para ele sobretudo o que o ser
tem de “essencial”, isto é, o que ele é verdadeiramente ou, ao menos, o que
ele é enquanto é verdadeiramente. Apressemo-nos, contudo, em acrescentar
que essa primeira interpretação de um termo antigo requer aqui uma
elucidação completamente nova. O ser, do qual se parte em vista de
reencontrar a essência, não é senão o ser (Sein). Em si, como imediatamente
posto com a determinação que faz dele um ser-aí, ele é um Dasein.
Suponhamos agora que esse ser entre na ordem da relação. A primeira e a
mais simples de todas aquelas que ele pode acolher é aquela que ele tem
consigo mesmo. […]
(GILSON, 2016, p.264)

Em contrapartida da filosofia analítica, o filósofo “continental” Hegel sugere que a essência


seja algo que simplesmente o é, sem imposições de fatores exteriores e tampouco interiores, pois
não se é possível nascer com algo totalmente pronto - ela se modela com os fenômenos e elementos
da natureza, isto é, em parte o ser já é ser, porém não completo -. De certo modo, a crença é
formada por sua própria natureza, porém não em completo, ou seja, ela adquire formas com o
passar do tempo, ela por si mesma é algo, mas se transforma em diversos elementos com o passar
do tempo, sem perder sua essência, seus fundamentos. Para simplificar, tomando por exemplo a
crença da misticidade de Jesus Cristo, no início a crença que se tinha era a de que Jesus era somente
Deus e se fez homem, possuindo apenas a natureza divina, porém com o passar do tempo após as
discussões teológicas e cristológicas, se concebeu a teoria da união hipostática, isto é, de que Jesus
Cristo possuía as duas naturezas, divina e humana, se fazendo presente pelas duas – a cristologia e,
consequentemente, a teologia concebe atualmente esta teoria.
Do mesmo modo que o filósofo francês sugere a essência como fundamento central e
insubstituível da vida de qualquer criatura, para Charles Taliaferro não é necessária uma essência,
mas sim uma natureza que parte da consciência. Embora o filósofo norte-americano tenha objeções
quanto a uma forma de naturalismo, aquela que “admite a legitimidade da explicação proposital,
mas a concebe como um tipo especial de explicação causal”, segundo o filósofo Andrew Melnyck
no Great Debate (2007)27, Taliaferro contrapõe Melnyck por afirmar a crença pelo princípio
evolutivo de Darwin28.
Ainda que se utilize de um aspecto para evidenciar como fundamento da crença (a
consciência), diz o seguinte:

25
Metáfora (uma analogia bíblica) para demonstrar a totalidade e imensidade de algo, no caso do ato divino de dar a
liberdade aos seres.
26
Livres e redundantes em suas vãs ilusões.
27
Via The Secular Web em: < https://infidels.org/author/charles-taliaferro/>.
28
Presente na Introdução do livro “Naturalism”, de 2008.
According to a prominent, representative version od idealism, all ostensibly
material objects are actually units of conscious experience, the manifestation
of one or many minds. An idealism may employ this theory to analyze
claims about material objects such as the assertion that there is a book in
front of you as a claim about a wide range of experiences that you and
others are having or would have [...].
(TALIAFERRO, 2005, p.23)

O filósofo coloca como objeto de estudo e reflexão a questão do material, como algo dentro
do idealismo e por esta orientação de pensamento (corrente) se há o alcance da crença, tendo em
vista que ela se dá pelos meios naturais, porém com fenômenos metafísicos. Para Taliaferro, além
dos objetos materiais, o corpo é um ponto a ser abordado para tratar da crença.
Qualquer objeto material está sujeito à sofrer algo, seja em relação à criação de um objeto
(em teoria ou prática) seja na mudança do objeto, por meio da mente. A “mente” como Taliaferro
sugere no texto é um meio de controle e interação para com o mundo e as coisas, e neste meio está
seu objeto de ação, a crença consciente. “Materialists at this point might declare a plague on both
houses and submit that neither version of dualism can account for casual traffic between the
physical and mental, whether this be one-way or two-way.” (Ibid., p.163), para Charles – que
defende o empirismo –, a relação entre o ceticismo dos não crentes – materialistas – e a crença é
algo totalmente questionável, pois por mais que Taliaferro defenda a matéria como algo necessário e
proveniente da natureza, ele contraria a questão de que a matéria deve ser a única substância do
conhecimento e existência das coisas.
Assim como no caso de Jesus Cristo, os conteúdos: Sagrado e Profano, tornam-se nas ideias
de Mircea Eliade objetos de caraterização, simplesmente porque para ele os homens sentem horror
pelo profano, tendo ciência29 daquilo que se sagrado preferem permanecer nele para o bem estar
deles mesmos, pois quem constrói o Sagrado são eles em uma pequena esfera de expansão da Obra
Divina. Se, quando o Divino sabe que pode deixar o restante do trabalho para os homens, os
homens também sabem quando é a hora de terminarem o trabalho deixado pelo Criador, como
representa o filósofo: “Retiram-se30, pois, para o Céu, deixando na Terra um filho ou um demiurgo,
para acabar ou aperfeiçoar a Criação.” (ELIADE, 2018, p.103).
Para Eliade os mitos são importantes para a construção do Sagrado e do Profano, tal como a
consciência é para Taliaferro31, sendo que:

O mito conta uma história sagrada, quer dizer, um acontecimento primordial


que teve lugar no começo do Tempo, ab initio. Mas contar uma história
sagrada equivale a revelar um mistério, pois as personagens do mito não são
seres humanos: são deuses ou Heróis civilizados. Por esta razão suas gesta
constituem mistérios: o homem não poderia conhece-los se não lhe fossem
revelados. O mito é, pois, a história do que se passou in illo tempore, a
narração daquilo que os deuses ou os Seres divinos fizeram no começo do
Tempo. “Dizer” um mito é proclamar o que se passou ab origine. Uma vez
que “dito”, quer dizer, revelado, o mito torna-se verdade apodítica: funda a
verdade absoluta.
(Ibid. p.84)

A concepção que Eliade possui da função do mito é a chave da crença, já que a crença é um
mito e como o mundo está cheio de crenças, o mundo, por assim dizer, é mítico. O mundo é parte
do real porém com bem presentes não reais, frutos dos imaginário hipotético dos seres humanos, já

29
O que Charles Taliaferro trata em suas obras, a consciência legítima do pensamento que sucede a crença.
30
Os “Seres supremos” (ELIADE, 2018, p.103).
31
Porém em contextos diversos.
que a evolução da humanidade e da sociedade é fruto das hipóteses humanas – quando surge uma
dúvida, os homens procuram solucioná-la, criando novas formas de explicar determinada dúvida,
formas práticas e teóricas –, isto é parte do que diz Eliade “deixando na Terra um filho ou um
demiurgo, para acabar ou aperfeiçoar a Criação”, ou seja, esta “missão”, este dever, é parte da
natureza humana já projetada.
Quando Mircea recorre à fenômenos sociológicos como a relação entre o mal e o impuro
para separar a criação (Sagrada) dos fatores mundanos (Profano), ele o faz com base em sua
fé/crença ortodoxa, na qual fora instruído desde pequeno, não que isso justifique sua filosofia, mas
talvez que a altera de certa maneira. Sendo instituições religiosas distintas, a Igreja Ortodoxa e a
Igreja Católica possuem o mesmo nível dogmático e teológico, em perspectivas gerais, coisa que
Charles Taliaferro denota em suas obras, já que para ele, por maiores que sejam as diferenças entre
as crenças, sempre serão próximas umas das outras em seus fins e constituições estruturais.
“Conceito e compreensão perspicaz, construção e descoberta, interpretação e experiência
não momentos que não podem ser isolados uns dos outros, nem mesmo no processo de pesquisa.”
(HABERMAS, 2007, p.190), ao apresentar tais apontamentos, Jürgen Habermas completa, de certa
forma, as propostas empíricas para a defesa e consciência da crença, anteriormente apresentadas por
Charles Taliaferro e Mircea Eliade, não que estes pequenos métodos científicos e teóricos não
tenham sua importância nas obras dos filósofos estadunidense e romeno, porém não são de
fundamental interesse para suas pesquisas e trabalhos, sendo que apenas o “empirismo linguístico”,
na linguagem até então era evidenciado. Porém o uso da linguagem por meio dos analíticos torna
isso (o assunto) algo mais escasso, sendo que grande parte das crenças não pode (aparentemente)
ser provada pela razão cognitiva do meio físico e natural. Muitos dos conceitos de crença são
puramente metafísicos, porém nem todos, como por exemplo as crenças práticas do cotidiano.
Entretanto, cada ponto da filosofia de Habermas denota a importância da crença enquanto
fator religioso, isto é, que move por meio de uma espécie de “fé” nos atos comuns e corriqueiros,
em meio à sociedade. Para o filósofo alemão, a crença atua de forma essencial na organização dos
homens, agindo de forma natural no meio social e humano. A crença é aquilo que move as pessoas,
aquilo que inspira para buscar novas descobertas e aquilo que organiza, tudo isso de modo
simplesmente inerente à vontade humana, pois atua junto ao que o indivíduo é por sua condição
natural, em todos os aspectos.
A partir do idealismo transcendental de Kant, pode-se obter uma melhor concepção racional
do que é de fato a crença, como um mito – como o próprio Mircea afirma –, como algo que é
imanente à condição das vontades humanas, tendo em vista o livre-arbítrio 32. Ainda dentro da
questão teórica, se há a necessidade de provar a crença, pelo menos para que seja aceita na
sociedade supostamente tolerante33 e, tal feito somente se faz a partir do convencimento dos
idealismos religiosos e não religiosos (já que a crença é não somente religiosa) com embasamentos
práticos, técnicos e teóricos, embasamentos estes que ocorreram de diversas formas, como pela
educação, catequização, estruturação governamental, entre outras formas.

Permita-me retornar [...] à noção de teodicéia e à imagem do tribunal. O júri


não pode condenar meramente porque o balanço da evidência se mostra
contra o acusado, mas somente se a culpa é estabelecida além da dúvida
razoável. Muitos, naturalmente, crêem que a quantidade de sofrimento torna
realmente a criação divina tão improvável a ponto de colocar a não-
existência de Deus além da dúvida razoável. Mas, se a defesa puder produzir
uma narrativa que, embora possa não parecer a muitos ser a mais plausível
32
Sem sofrer interferência, pois a crença não é algo simplesmente imposto aos seres humanos pelo Criador, não é um
instrumento de controle ou uma espécie de prisão racional que sugestiona o constante culto ao divino, mas sim é um
instrumento de evolução e aperfeiçoamento da Criação, da Obra -Apud. Eliade, 2018, p.103 -.
33
Habermas afirma no capítulo IV, dedicado exclusivamente à Tolerância e seus variados aspectos, que a tolerância
definitiva somente foi alcançada a pouco tempo, já que as crenças religiosas regiam governos para se opor aos
“opositores partidários”, isto é, àqueles que não pertenciam à mesma fé, como ocorreu com Henrique VIII e a
perseguição aos cristãos não anglicanos (incluindo os próprios protestantes).
inferência a partir dos fatos do mundo, seja, não obstante, coerente com
esses fatos, então sai avaliação poderá se manter.
(COTTINGHAM, 2008, p.59-60)

Apesar do trecho acima ser uma defesa à crença da existência divina, ou seja, de Deus, ele se
aplica exatamente à relação de plausibilidade das crenças em geral, que possuem caráter abstrato,
mas bem fundamentadas em si mesmas. E no percurso de defesa da crença se há, novamente, a
consciência de Taliaferro e a simples negação do Profano pelo conhecimento do Sagrado de Eliade.
Embora esteja muito bem fundamentado o processo de defesa de John Cottingham, se é
necessário analisar e distinguir ainda a relação entre o restante do pluralismo das crenças, a matéria
de Sagrado e Divino. Se outrora, ao decorrer do trabalho, fora apresentadas as relações entre o
Sagrado e o Profano, a crença e a justificativa, se faz necessário fundamentar a relação entre as
matérias metafísicas do Sagrado e do Divino.
Para Mircea, o Divino faz parte de um conjunto de “Seres supremos” que transpassam o
conhecimento humano34, Santo Agostinho afirma a mesma coisa, porém de forma mais “poética”.
Mas o Divino não é somente parte de um simples conjunto impensável, pois faz-se presente no
cotidiano, nas matérias, nas teorias e sobretudo nas crenças como um todo, tudo isso por meio da
descoberta do ser pelo ser em potência, o pequeno e frágil indivíduo, um reflexo (inacabado) 35 da
Criação.
Se, o indivíduo é ser em potência, está presente em algo, em um projeto Maior, talvez um
conjunto de criações sagradas, sendo que este é uma delas. Quando se fala em “Criação”, se insinua
várias coisas em uma, fundamentadas unicamente no maior projeto de literatura religiosa, se assim
se pode dizer, a Bíblia, as Sagradas Escrituras. Livros tão antigos e tão novos, que escreveram a
sociedade e continuam escrevendo, por meio de seus mitos, de seus aspectos morais,
governamentais e até científicos.
Jürgen Habermas diz o seguinte para tais ideias: “Para descobrir a lei moral e reconhece-la
como pura e simplesmente obrigatória não se necessita mais de fé num Deus criador do mundo nem
de uma fé num Deus salvador. /A moral do igual respeito por cada um vale independentemente de
qualquer tipo de contexto religioso.” (2007, p.239), para Habermas a religião deixou de exercer um
fator sobre a moral social, e apenas se centrou no aspecto espiritual, principalmente pelo problema
do sincretismo religioso. Tanto para Charles quanto para Jürgen, a religião professa aquilo que
ensina por meio de uma moral social compartilhada por variados credos, porém tendo suas
particularidades, como no caso dos rituais religiosos.
A moral deixou de depender unicamente das teorias religiosas para possuir autoridade,
autenticidade, e passou a exercer um poder sobre as individualidades e diversos aspectos daqueles
que creem, a fim de promover o bem-estar e uma organização social à todos. Charles se preocupa
com os problemas sociais surgidos a partir de ideologias religiosas próprias, porém não exclui a
“excelência” dos indivíduos como seres sagrados, pertencentes à espiritualidade de Deus.
O indivíduo, imerso na realidade divina, criada em seu redor, procura descobrir esse divino,
mas o que sempre encontra é o Sagrado, que se fundamenta a partir de si mesmo 36. Ora, cada ser
34
Semelhante à visão cristã do Deus teísta encontrado nas crenças cristãs ortodoxas e primeiras (como a das Igrejas
Católicas). Talvez, novamente, isso seja reflexo da educação que o autor, Mircea Eliade, recebeu em sua vida, e do
contexto cristão tradicional em que estava inserido.
35
Inacabado pois deve ser terminado em seu ciclo de vida, no devotamento aos princípios que o cercam, na descoberta
de sua essência, na procura de si mesmo e, por conseguinte, no aperfeiçoamento dos Projetos Divinos.
36
Suas crenças tomam partida de seus passos, pois por natureza elas são a constituição do próprio indivíduo, como por
exemplo a crença de Santo Anselmo que negava-se a olhar o Divino com a racionalidade, a fim de confiar receber todo
o conhecimento deste mesmo Ser Divino, em sua célebre frase diz: “Não busco compreender para crer, mas crer para
compreender”, da mesma forma que sua confiança suma na crença de que somente Deus pode dar as coisas, seu
sustento, atualmente se há a mesma “profissão de fé”: “Senhor e Deus nosso, ainda que a inteligência humana seja
incapaz de compreender o vosso incomparável poder e a vossa imensa glória, expressar a vossa infinita misericórdia e o
vosso amor pela humanidade, volvei, Senhor, o vosso bondoso olhar sobre nós [...].” In: Sagrada e Divina Liturgia de
São João Crisóstomo, Oração da Primeira Antífona. p.11. (Edição Padres Basilianos: Prudentópolis, PR, 2009).
Assim como com Anselmo, os cristãos católicos permanecem com a mesma crença se incapacidade perante Deus e suas
(em potência)37 possui o Sagrado em si, sendo parte da Criação 38, logo deve voltar ao Criador e
perceber então que “todas as coisas estão cheias de deuses”, como afirma Tales de Mileto, perceber
que o mundo é cercado pelo sagrado e abrange o absoluto 39 como ponto de partida e ponto de
chegada.
Mas, apesar do indivíduo ter consciência de que possui o Sagrado, ou melhor, de que é Templo do
Sagrado, prefere muitas vezes o Profano40 justamente por não possuir verdadeiramente o
conhecimento do que é o Sagrado41. Em resumo, o indivíduo acha que saber o que possui, acha que
conhece aquilo que procura, porém de nada sabe e de nada conhece senão pelo conhecimento do
próprio Sagrado e do próprio Divino.

Conclusões

O indivíduo é nada mais e nada menos do que o ser em potência, como afirma Santo Tomás
de Aquino, ele deve voltar-se para si mesmo para conseguir encontrar, ao menos ver, sua essência -
que é parte do Sagrado dada pelo Divino -. Durante este meio tempo o que lhe resta é conhecer no
mínimo aquilo em que acredita, o “motor imóvel” que o permite prosseguir sempre a frente, suas
crenças (LAUAND, 2014).
Para o compromisso do crer, se é necessário mais do que conhecer, se é preciso ter
consciência e perceber que a fé, as crenças estão lado a lado com a arte do viver, como detalha o
filósofo Charles Taliaferro uma de suas obras (TALIAFERRO, 2011). Dando então parte do que
Mircea Eliade diz a respeito da matéria do Sagrado, de que o próprio indivíduo é movido por ela de
forma natural e constante, onde as crenças são apenas instrumentos de aperfeiçoamento da criatura
que tem por desígnio único completar, terminar ou melhorar a Criação (ELIADE, 2018).
Pode-se concluir, portanto, que a crença é o centro da vida do indivíduo, ou seja, sem ela
nada se pode fazer, tanto o indivíduo quanto a sociedade (por ser regida pelas crenças – como
afirma Habermas -), o mundo está repleto de crenças e é feito, organizado e modelado por elas.
Unicamente cabe aos seres humanos, enquanto tendo a certeza da matéria divina presente neles,

características, pedindo apenas que Ele lhes conceda o necessário para sua subsistência, não como um ato de
“mendigar”, mas talvez de conhecer sua fragilidade e então recorrer ao único ser verdadeiramente perfeito, segundo as
mesmas doutrinas.
37
Segundo a proposta Tomista.
38
“E todos ficaram repletos do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia
se exprimirem.” (At 2,4). Este episódio bíblico foi chamado de “Milagre de Pentecostes”, acontecendo no local
instruído por Jesus Cristo em sua aparição para que o início da jornada dos apóstolos. Mas não é apenas um simples
acontecimento eclesiástico (já que esta era a primeira constituição da Igreja), ele se utiliza de uma metáfora, que relata
exatamente o que o Antigo Testamento relatou com a história da Torre de Babel, que todos receberam o sopro de Deus
e começaram a falar em diversas línguas, ou seja, este todos simboliza a totalidade dos seres vivos e o falar em outras
línguas era referente a diferenciação das culturas e dos povos, porém todos tem em comum que receberam o Espírito
Santo, ou seja, uma “parte de Deus”. Para os leigos este trecho se refere apenas aso apóstolos, quando no caso se dirige
à todos de maneira geral, do mesmo modo que ocorreu com o mito judaico da Torre de Babel.
39
“2 s. A metafísica tradicional tem um conceito do Absoluto, uma realidade última, omni-abrangente, aquilo que existe
necessariamente e de nada mais depende, por vezes concebido como um ser pessoal ou quase pessoal.”. In: MAUTNER,
Thomas. Dicionário de Filosofia. p. 37. Vários tradutores. (Lisboa, Portugal: Edições 70, 2011).
40
Afirmação que contraria o pensamento de Mircea Eliade.
41
“Sagrado (sacré) – O que vale absolutamente, a ponto de não poder ser tocado sem sacrilégio, salvo com precauções
particulares. O sagrado é um mundo à parte, como o representante, neste, do outro. É separado, ou deve sê-lo, do
cotidiano, do leigo, do simplesmente humano. É por isso que a palavra diz mais do que a dignidade – e diz sem dúvida
demais. O sagrado merece mais que o simples respeito: ele merece, ou antes, requer veneração, adoração, “temor e
tremor”, como um misto de pavor e de fascínio. A palavra, nesse sentido estrito, pertence ao vocabulário religioso: o
sagrado se opõe ao profano, como o divino ao humano ou como o sobrenatural à natureza. Se não há nem deuses nem
sobrenatural, como creio, esse sagrado não é senão uma palavra, que aplicamos a sentimentos arcaicos ou ilusórios.
Num sentido mais geral e mais vago, às vezes chama-se de sagrado o que parece ter um valor absoluto, merecendo por
isso um respeito incondicional. In: COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Trad. de Eduardo Brandão. 1.
ed. p.531-532 (São Paulo: Martins Fontes, 2003).
finalizar o Projeto Divino. Assim como para se formular hipóteses se é necessário possuir
evidências, para se tornar puramente Sagrado, isto é, voltar-se totalmente à sua essência, é preciso
ter consciência de sua condição (como ser em potência), de seus fins (sobre o absoluto) e dar os
passos que sua natureza o sugestiona a dar, simplesmente o indivíduo não pode fazer mais que isso
porque não está a seu alcance fazê-lo.
As crenças, portanto, são obtidas a partir das religiões, que, fundamentadas em raízes
próprias criam “mitos” condizentes à era em que exercem influência, e para tal criação mítica, se
diferem em matéria de logos, daquela que existia na antiguidade grega, abrangendo um contexto
mais comunitário, social (HABERMAS, 2007).
Em uma relação social, as crenças na atualidade, devem possuir uma tolerância igualitária,
segundo o liberalismo clássico, para que dessa forma haja uma “democratização” no seguimento
das crenças, como forma de garantir o direito à liberdade de pensamento para o bem-estar social de
todos, ainda que as crenças sejam individuais, segundo Jürgen Habermas (2007).
No que se refere à liberdade, o indivíduo também vive por meio daquilo que professa
livremente, pois possui uma condição de pensamento livre e lógica, a consciência, como retrata
Charles Taliaferro. O filósofo declara além da liberdade do pensamento e da crença, que a
consciência (como princípio para a crença e sua prática) envolve fatores não apenas individuais,
mas essencialmente sociais.
Taliaferro fundamenta, a partir de uma visão proeminente do idealismo, que todos os objetos
ostensivamente materiais são na verdade unidades de experiência consciente, sendo então a
manifestação de uma ou muitas mentes (TALIAFERRO, 2005), da mesma forma que o autor aborda
a questão do material, abordará a relação entre a matéria física dos indivíduos (as pessoas e suas
personalidades e corpos) com a matéria espiritual (a crença), assim como faz Mircea Eliade (2018).
A profissão religiosa ocorre após o indivíduo estar consciente de seus aspectos (como o
misticismo da crença) em meio à sua vivência – sua relação com o mundo material –, Charles
explana esta ligação de “homem-corpo” como uma opção para justificar os fenômenos que ocorrem
em meio aos seres crentes, alguns (fenômenos) decorrentes da vivência da prática religiosa,
conforme aferido por Taliferro (2005). As vontades e desejos humanos correspondem à realidade
mundana, “profana” dos indivíduos, sendo assim necessária uma abertura, por meio de uma
iniciação, ao mundo (constituído pela matéria divina) para a separação entre o Sagrado e o Profano,
este processo se dá por meio da crença consciente (ELIADE, 2018).

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