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O Impressionismo e a Paisagem

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A INTERPRETAÇÃO DO ESPAÇO PELA ARTE: o impressionismo e


sua experiência com a paisagem
Fernando Barotti dos Santos1
Émilien Vilas Boas Reis2

RESUMO: A pesquisa responde se o impressionismo contribui para a formação de uma sociedade


paisagística. O ensaio analisa o estilo de pintura, com foco no impressionismo, enquanto arte sobre
a paisagem, movimento de ruptura com estilos artísticos anteriores. Para tanto, apresenta-se o
posicionamento histórico da arte e da paisagem, estabelecendo as condições atuais. Assim, utiliza-se
como marco Merleau-Ponty, identificando a relação da percepção do pintor com o espaço que retrata
na busca por desvelar o mundo e mostrar a realidade de quem observa a arte, contribuindo para a
formação de uma sociedade paisagística. O presente trabalho foi desenvolvido sob a metodologia
teórica e raciocínio dedutivo, com pesquisa bibliográfica e documental. Conclui-se que o
impressionismo pode auxiliar na construção de uma sociedade que valorize a paisagem.

Palavras-chave: Impressionismo, Paisagem, Percepção e Fenomenologia.

ABSTRACT: The research aims to answer if Impressionism contributes to the formation of a


landscape society. The essay analyzes painting style, focusing on impressionism, while art on the
landscape, movement of rupture with previous artistic styles. For this, the historical positioning of
art and landscape is presented, establishing the current conditions. Thus, we use landmarks such as
Merleau-Ponty, identifying the relation of the painter's perception to the space he portrays in his
quest to unveil the world and to show the reality of those who observe art, contributing to the
formation of a landscape society. The present work was developed under the theoretical methodology
and deductive reasoning, with bibliographical and documentary research. It is concluded that
Impressionism can help in the construction of a society that values the landscape.

Keywords: Impressionism, Landscape, Perception and Phenomenology.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho pesquisa a relação firmada entre a arte e o espaço, mais


precisamente o paisagístico. A arte acompanha a sociedade ao longo tempo, seja por meio
de desenhos ou esculturas que representam o cotidiano e fatos importantes, seja
representando as forças da natureza e suas divindades. Por outro lado, a paisagem é
resultado da compreensão cultural de determinado espaço, que tem a ele aderido valor,

1 Doutorando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Direito Ambiental e
Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC). Graduado em Direito pela
Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC). Professor Assistente da PUC-Minas. Assessor do Ministério
Público Federal de Minas Gerais. Pesquisador nas áreas de Filosofia do Direito, Hermenêutica, Direito e
Memória, Patrimônio Cultural, Paisagem, Direito e Sociedade. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1558-
5550 E-mail: fernando_barotti@hotmail.com
2 Pós-doutor em filosofia pela Universidade do Porto (UP). Doutor em filosofia pela Pontifícia Universidade

Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Mestre em Filosofia pela PPUC-RS. Graduado em Filosofia pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor adjunto da ESDHC em nível de graduação e pós-
graduação (mestrado e doutorado). ORCID: http://orcid.org/0000-0003-0729-522X. E-mail:
mboasr@yahoo.com.br

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afetividade e reconhecimento, por um grupo, uma sociedade ou até mesmo pela


humanidade. A arte ao longo do tempo foi incorporando estilo, formas e temáticas. Uma das
mais relevantes, foi o movimento impressionista, que surgiu a partir dos séculos XIX e XX,
consistindo num movimento de ruptura com o passado, em termo de formas de pinturas,
abordagens e uso de cores. O impressionismo permitiu que as obras captadas a partir dos
pintores, espaços, objetos e detalhes que lhes trouxessem significado, fossem reproduzidos,
posteriormente, nas telas. O resultado foi uma experiência única com obras que não tinham
contornos claros, e matizes de cores não utilizadas antes, além de lugares do cotidiano, não
imaginados de serem possíveis de reprodução.
O movimento permitiu ou o movimento fomentou uma relação entre obra de arte e
observador de modo a tornar o quadro um signo, um texto sem palavras, aberto à múltiplas
interpretações, a depender de quem a enxerga. O diálogo com o espaço deve envolver-se com
a paisagem. Como exemplo de importância na representação da paisagem na pintura está a
arte chinesa, que foi precursora nessa abordagem, trazendo esse sentimento e uma
metodologia para o entrosamento da arte com o cenário paisagístico. Como marco teórico
para fundamentar essa perspectiva da arte com a paisagem, utiliza-se Merleau-Ponty (1908-
1961), filósofo que trabalhou a fenomenologia e a percepção da arte. Sua posição se torna
importante para este trabalho, pois demonstra como a pintura se relaciona com a sociedade,
buscando no pintor Paul Cézanne fundamento para sua filosofia da percepção, uma vez que
o pintor se encontrava na transição entre escolas artísticas da época, inovando em sua arte.
O trabalho é divido em três partes, a primeira apresenta a constituição da arte e sua relação
com a sociedade; a segunda dá ao leitor parâmetros para a construção da paisagem e, por
fim, a terceira, que faz uma análise da relação entre pintura impressionista e paisagem. O
desenvolvimento do trabalho foi sob a metodologia filosófico-teórica e raciocínio dedutivo,
com pesquisa bibliográfica e documental. Como hipótese verifica-se a possibilidade de o
impressionismo contribuir para a formação de uma sociedade que busca uma relação com a
paisagem. Observa-se que o impressionismo pode auxiliar na construção de uma sociedade
que valorize a paisagem.

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O SUJEITO, A PERCEPÇÃO, A ARTE

A arte está presente na cultura desde o período dos humanos primitivos “[...] que
apanhavam terra colorida e modelavam toscamente as formas de um bisão na parede de
uma caverna; hoje, alguns compram suas tintas e desenham cartazes” (GOMBRICH, 2000,
p. 1), apresentando como manifestações artísticas ou um recorte no tempo. Os fatos
artísticos, portanto, são produtos culturais, resultados da experiência, da vida humana no
mundo como a expressão externalizada de quem vive e que perdura ao longo do tempo. As
obras artísticas são objetos inconstantes, não lineares, nem sempre concretos, presentes na
narrativa histórica e temporal, contudo, são indissociáveis do ser humano e da sua visão de
mundo. Assim, "[...] é importante ter em mente que a ideia de arte não é própria a todas as
culturas e que a nossa possui uma maneira muito específica de concebê-la" (COLI, 1995, p.
63-64), em relação à outra cultura existente. Artes são obras que emitem sentindo,
linguagem, representando o olhar do observador, visualizador de um instante, fato ou tema,
para ele cheio de significado, "É possível dizer, então, que arte, são certas manifestações da
atividade humana diante das quais nosso sentimento é admirativo [...]" (COLI, 1995, p. 4);
permitindo que outros também reconheçam as obras permanecidas no tempo. Teatro,
esculturas, pintura, música, poesia, narrativa, fotografia, etc., são formas artísticas de
representações. Essas maneiras de se observar o mundo, são interpretação dos ruídos "a
obra é um emissor, ela envia sinais que nós recebemos. O tempo, as distâncias culturais são
grandes causadores de ruídos, que interferem nos sinais enviados" (COLI, 1995, p. 70).
Assim:

[...] como cada observação é única e própria a cada observador, podemos


nomear mundo referencial o conjunto de sensações e experiencias vividas,
de sentimentos, observações e significações dadas pelo observador. Esse
mundo, que será sempre um mundo referencial próprio a cada um [...] se
diferencia da realidade uma vez que será o mundo vivenciado, percebido e
construído a parir de uma individualidade. (PINTO, 2004, p. 70).

Dessa forma, a pintura tem maior expressão, para esse trabalho, pois a subjetividade
do espaço apresenta-se na tela. De forma genérica, conceitua-se a técnica como método que
aplica pigmentos numa superfície, atribuindo-lhe diferentes gradações, tonalidades de
cores, texturas e formas, acompanhando a humanidade desde a pré-história, nos desenhos
rupestres elaborados nas cavernas por indivíduos primitivos. No período grego antigo não
foi explorada de forma substanciosa, sendo representativa de algumas representações
mitológicas, voltando à cena durante o período da Idade Medieval. No século XIX, têm o

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surgimento da fotografia, uma novidade da época com quem a pintura plástica divide o
espaço atualmente, contudo não perdendo importância como forma de registro e arte.
A pintura resulta do trabalho do pintor, é a consequência das circunstâncias, ações,
indo desde a percepção, cognição do fato, interpretação, até a impressão da imagem na tela.
Consiste, na visão do autor, dos signos, inseridos na linguagem, sua realidade e vivência.
"[...] aquilo a que chamamos 'obras de arte' não é fruto de uma atividade misteriosa, mas são
objetos feitos por seres humanos para seres humanos" (GOMBRICH, 2000, p. 8). Ao
reproduzir uma imagem em tela, abre-se caminho para o desvelamento da interpretação do
receptor, consiste em um texto sem palavras, que emana sentidos, um espaço de mensagem.
De tal modo que:

O emissor, ao codificar signos que serão o instrumento de seu trabalho, o faz


no suporte físico — o canal — tendo em vista que a mensagem, assim
organizada, será recebida e decodificada pelo receptor. Dessa forma, estão
estruturados os elementos mínimos de um processo comunicacional, onde
emissor, mensagem, receptor, canal e referente compõem um conjunto —
uma linguagem. Se for pintura, os elementos estruturados, os signos
organizados no suporte tela compõem uma mensagem onde os traços dessa
linguagem se fazem presentes (CHALHUB, 2003, p. 30).

A arte é um signo, destacando as relações entre o sujeito e o mundo, um canal para


percepções promovidas pelos sentidos sobre os eventos. Merleau-Ponty (1908-1961) filósofo
francês da escola da fenomenologia3 observou o comportamento do individuo com esse meio
(o mundo), destacando, na pintura a existência de uma dimensão privilegiada em que se
mostra o acontecer da percepção. "[...] Mostra que o homem cria objetos não apenas para se
servir utilitariamente deles, mas também para expressar seus sentimentos diante da vida e,
mais ainda, para expressar sua visão do momento histórico em que vive" (PROENÇA, 2005,
p. 7). Partindo das obras plásticas o pensador acredita que o "Ser" revela-se na pintura, ou
seja, as formas artísticas, enquanto um fenômeno dos sentidos que projetam a existência
humana, uma ontologia.

Quando invoca a experiencia do pintor, do músico ou do escritor, para


contrapô-las ao modo como a filosofia interpreta a experiencia, Merleau-
Ponty se demora naqueles instantes em que ver, ouvir ou falar-escrever

3 É uma corrente da filosofia que estuda a importância dos fenômenos da consciência. O resultado de todo
traçados subjetivo do conhecimento do individuo no mundo. Busca, assim, compreender as palavras, os signos
que representam as essências, suas significações na existência. Em outras palavras na fenomenologia: “a
própria coisa que se percebe, em que se pensa, de que se fala, tanto sobre o laço que une o fenômeno com o ser
de que é fenômeno, como sobre o laço que o une com o Eu para quem é fenômeno” (SILVA; LOPES; DINIZ,
2008, p. 255).

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atravessam a carapaça da cultura instituída e desnudam o originário de um


mundo visível, sonoro e falante. A expressão fissão no Ser manifesta a divisão
no interior da indivisão, a experiencia como aquele momento no qual um
visível (o corpo do pintor) se faz vidente sem sair da visibilidade e um vidente
se faz visível (o quadro) sem sair da visibilidade; no qual um ouvinte (o corpo
do musico) se faz sonoro, sem sair da sonoridade e um sonoro (a música) se
faz audível sem sair da sonoridade; no qual um falante (o corpo do escritor)
se faz dizível sem abandonar a linguagem e um dizível (o texto) se faz falante
sem sair da linguagem. A experiencia é cisão que não separa – o pintor traz
seu corpo para olhar o que não é ele [...] (CHAUÍ, 1994, p. 474, grifo do
autor).

Merleau-Ponty (2002) encontra no pintor Cézanne substrato para discorrer sua


tese, uma vez que a vida do pintor se desdobra em seu trabalho, sua subjetividade para com
o mundo exposta nos quadros. A pintura do artista pretendia retratar a natureza rompendo
quando a escola do realismo, cheio de detalhes fáticos do mundo e, ao mesmo tempo,
transitando no movimento impressionista, não se limitando as impressões causadas pela
contemplação a natureza. Percebe-se que pintor e obra se misturam, na ideia de que pintura
é a realização da percepção do autor. É a partir da figura de Cézanne, que Merleau-Ponty,
elabora sua percepção filosófica, sua ideia de fenomenologia, encontrando no excêntrico
artista, referências para seu pensamento fenomenológico da arte.

O ensaio “a dúvida de Cézanne” realiza dois movimentos simultâneos: o


primeiro interpreta a obra de arte como trabalho de transfiguração da vida –
a hereditariedade, as circunstâncias os hábitos e as influências – ou como
passagem da necessidade à liberdade e como trabalho motivado pela vida,
isto é, como expressão livre do que é necessário. O segundo movimento, que
abre e fecha o texto, expõe a essência da obra de arte como gênese sem fim e
trabalho interminável (CHAUÍ, 1994, p. 477).

A pintura é, sentido e linguagem, a ser interpretada, contudo, “[...] antes de ser e


para ser representação de uma realidade, deve ser primeiro metamorfose do mundo
percebido em universo peremptório e racional, e do homem empírico, confuso e incerto, em
caráter identificável.” (MERLEAU-PONTY, 2002, p. 80). Na obra não há a obrigação de
reprodução da realidade ou ligação com o rigor de detalhamento captado. A linguagem da
arte ultrapassa a objetividade, pois se vincula ao subjetivo de quem pinta. O pintor reproduz
a sua experiência de vida, "[...] a pintura pinta as condições da visibilidade segundo a sua
modalidade historial e não as condições da reprodução do real" (ESCOUBAS, 2006, p. 164).
A arte, como por exemplo, a pintura, é a descoberta do mundo, extraindo do meio
representados, sentido, percebidos pelo artista. É a verdade do Ser (descoberta ontológica)

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retirada da cena pintada. A percepção do pintor é a sua perspectiva de mundo, tudo aquilo
que de importante ao pintor é por ele apreendido, de modo que,

O quadro se relaciona, pois, com a “eclosão do ente”, com o seu desvelamento


— Unverborgenheit —, com aquilo que os gregos chamavam alêtheia:
verdade como desvelamento. É, pois, a “verdade” como desvelamento que
está em obra na obra de arte: a obra de arte é o “pôr-se em obra da verdade”.
Aqui, pois, a arte não é mais ilustração de alguma coisa, nem embelezamento
da existência — não é “cópia” da natureza, nem “alegoria” de uma sobre-
natureza, nem manifestação sensível do belo (ESCOUBAS, 2006, p. 167,
grifos do autor)

Merleau-Ponty (2013, p. 18) aponta-nos que “é oferecendo seu corpo ao mundo que
o pintor transforma o mundo em pintura”, ele participa do espaço e, ao expor sua técnica,
os traçados e impressões na tela, retrata o que sente. A percepção está nas obras e nos
detalhes imaginados, o autor, suas observações da facticidade, fazem parte do mundo, uma
vez que a frente da complexidade das artes de dos sujeitos observa-se que

[...] nunca temos diante de nós puros indivíduos, geleiras de seres insecáveis,
nem essências sem lugar e sem data, não que existam alhures, para além de
nosso alcance, mas porque somos experiências, isto é, pensamentos que
experimentam, atrás dele o peso do espaço, do tempo, do próprio Ser que
eles pensam, que, portanto, não têm sob seu olhar um espaço e um tempo
serial [...] (MERLEAU-PONTY, 2005, p. 114).

O espaço para, o pintor, é imprescindível no resultado da sua arte, por sua vez, a
pintura, localiza-se como entremeio do conjunto de elementos, desde as experiências que o
autor possui; a realidade que representa em tela; das percepções de quem cria e observa a
arte, desembocando em um cenário percebido, tornando-se "[...] fonte privilegiada para o
conhecimento dos desejos, anseios, maneiras de interpretar e representar o vivido, o
almejado [...]" (AVELINO; MORENO; GONÇALVES, 2012, p. 98). A implicação é uma arte
que alcança diversos indivíduos, emite sentidos no tempo, constituindo, um diálogo com o
lugar, uma ontologia (busca pelo Ser) e a experiência que as artes propõem aos sentidos
humanos, desvelando as verdades encontradas nas pinturas. Assim, conclui-se que:

Se a amplitude da significação dada por cada um ao objeto varia de acordo


com, digamos, sua experiencia do mundo, então podemos esperar que as
construções, as significações sobre a realidade sejam mais ou menos largas,
ou seja, que possam dar conta da realidade complexa com maus ou menos
riqueza de percepção. [...] Além disso, já observamos que essas construções
significativas não serão neutras, uma vez que serão fundadas sobre bases
bem situadas em relações social-históricas especificas, o que introduzimos
nestas reflexões como fazendo parte do objeto lato sensu de cada observador
(PINTO, 2004, p. 77-78).

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A forma como o artista promove uma concepção do espaço, permite que o retrado
do espaço em seus quadros dê uma abertura a interpretações, a consciência subjetiva do
autor, se manifesta na pintura, que interage com a subjetividade do interprete. Assim como
a arte a paisagem constitui-se como um local de percepção e, constitui-se a partir da visão
de indivíduos na coletividade como será estudado a seguir.

A PAISAGEM E O SUJEITO: um espaço em interpretação

A paisagem fora antes compreendida como uma porção de elementos naturais,


distante da presença humana, em um plano inferior, persistindo uma relação de dominação
dos sujeitos com a natureza. Entretanto esses aspectos começam a mudar, a noção de
paisagem aparece nas pinturas chinesas,

as figuras principais que aparecem na pintura de paisagem na China são a


montanha e a água. Observa-se, nas pinturas, a proporção dos elementos e
nenhum destaque especial dado ao ser humano quando nelas aparece [...] Os
manuais chineses de pintura indicavam que, para pintar uma paisagem, o
artista deveria visitar a paisagem várias vezes, retornar a seu estúdio, refletir
sobre ela e então pintá-la, o que pode ocorrer dias, meses ou até mesmo anos
depois (CUSTÓDIO, 2014, p. 14).

A pintura da paisagem pelos chineses compreende a percepção subjetiva do espaço


e das coisas, revelando os sentimentos vinculados ao lugar como parte da vida humana, um
laço afetivo. A subjetividade emprestada na pintura chinesa reforça a tese pontyana da
compreensão e representação da paisagem. A perspectiva de paisagem foi iniciada no
mundo oriental em tempo anterior ao ocidente, não promovendo pinturas em que a temática
central fosse a paisagem, para as culturas greco-romanas, eram apenas pano de fundo, para
explicações sobre as situações retratadas. Não havia para a arte ocidental uma importância
com a paisagem, mantendo essa ideia até a Idade Medieval (séculos V e XV), época em que
a referência paisagística aparecia nos desenhos de representações religiosas, sem que
atrapalhe o objetivo central, qual era, mostra as figuras da cena bíblica compondo uma cena,
aparecendo até menor do que o individuo (CUSTÓDIO, 2014).

A partir do século XIV, a paisagem começa a ter expressão em pinturas, como


pano de fundo das imagens de santos ou retratos do dia a dia [...] as paisagens
não eram mais que signos distribuídos ordenadamente no espaço sacro,
elemento que só confere unidade. É por isso que, na Idade Média, a
representação naturalista não oferece nenhum interesse, uma vez que se

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considerava que ela arriscaria estragar a função edificante da obra


(CUSTÓDIO, 2014, p. 28).

O Renascimento foi uma transição importante, uma mudança cultural e social, com
o surgimento de movimentos da Reforma e da Contra Reforma da Igreja, a formação dos
Estados, a pujança do conhecimento científico, a laicização do universo e a desmistificação
da natureza. Na pintura tinha-se a "[...] representação de um fragmento da natureza da
maneira mais fiel possível [o pintor] tinha que ser capaz de fazer estudos da natureza e
transferi-los para seus quadros" (GOMBRICH, 2000, p. 149). A partir dos séculos XVIII e
XIX, "[...] surgem diversas teorias, trabalhos e pensadores que formam a base da teoria da
paisagem física da Geografia hoje, especialmente Humboldt [...]" (CUSTÓDIO, 2014, p. 37),
trazendo, à escola alemã, estudo sobre o espaço geográfico permitindo uma construção de
um sentimento nacional. Promove-se a unificação da Prússia, hoje Alemanha, utilizando a
paisagem como fundamento, objetivando encontrar elementos que fossem característicos
desse povo e causando afetividade desse para com o espaço.
Percebe-se que a paisagem é resultante das interações sociais ao longo do tempo
com o espaço, o ser humano compreende que o local o qual ele habita tem alguma
importância para si e para a coletividade. “A essência das paisagens como ‘aparições’ está,
portanto, no espaço, no todo espacial como real-abstrato, porque em cada paisagem há uma
relação com uma realidade espacial potencial, em perpétua mudança” (SERPA, 2013, p. 171).
A paisagem ganha destaque no início da década de 1960 estendendo-se a 1970, inserindo na
Geografia conceitos culturais e humanistas. Nos anos posteriores a 1980 "[...] a investigação
em torno da simbologia da paisagem se transforma em uma das principais características
dos geógrafos que procuram formar aquilo que chamaram de 'Nova Geografia Cultural'[...]"
(RIBEIRO, 2007, p. 16) consistindo em estudos geomorfológicos e humanos do cenário
cultural. Compreende-se o cenário da paisagem como aquele que reúne elementos naturais
e não naturais permanecendo em constante transformação detendo duas perspectivas:
concreta e fenomenológica. A feição concreta da paisagem toma-se por fatores naturais
geológicos, geomorfológicos, climáticos, bem como, "[...] o resultado das marcas que a(s)
sociedade(s) humana(s) imprime na superfície terrestre ao longo do tempo" (VERDUM;
VIEIRA; PIMENTEL, 2016, p. 2-3). A concretude da paisagem revela ser o resultado das
transformações físicas e bioquímicas ocorridas no espaço por ações do homem ou do próprio
espaço.

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A paisagem é então da ordem cultural e pelo menos o produto de certo olhar


que não tem nada de natural, tornando-se assim um produto do artífice, do
artesão, a artialização de Alain Roger (1997). Para este trata-se de uma noção
subjetiva, entretanto se considera que não há representação (subjetivo) sem
o que representar (objeto). Sendo assim, a paisagem é, ao mesmo tempo,
subjetiva e objetiva, e este caráter indissociável objetivo-subjetivo é o mais
difícil de ser compreendido pelo espírito cartesiano da sociedade
(CUSTÓDIO, 2014, p. 47)

Enquanto fenômeno a paisagem tem o aspecto subjetivo daquele que percebe o lugar
tese proposta por Merleau-Ponty (2000), da identificação e relação com os signos, como
indicado por Custódio:

[...] o processo mental pelo qual o ser humano, através dos sentidos conhece
os objetos e interpreta os fatos da vida. Ela é formada por atos sensoriais -
moldados pela cultura, história e sociedade em que vive o indivíduo - que em
conjunto ou individualmente criam uma representação do mundo exterior.
(2014, p. 189).

Consequentemente, "cada pessoa, de acordo com a sua trajetória, consciência e


experiência, vê as paisagens de forma diferente e única [...]" (VERDUM; VIEIRA;
PIMENTEL, 2016, p. 3). As convergências dos olhares individuais constroem uma percepção
coletiva, que denominamos de cultura, o conjunto de expressões semelhantes de uma
determinada sociedade humana:

O aspecto fenomenológico da paisagem reside, então, nos diferentes – e


infinitos – modos do sujeito olhar, interpretar e transformar o espaço
geográfico. Dito de outra forma se compreende que essa leitura da paisagem
é uma construção contínua social e ao mesmo tempo particular, onde se
sobrepõem a identidade, os conhecimentos, a memória e os sentimentos de
cada pessoa, associados ao processo cultural que remete à organização
coletiva em que estamos inseridos, com toda sua carga simbólica (VERDUM;
VIEIRA; PIMENTEL, 2016, p. 3).

A simbologia inserida na geografia conceitua-se por Merleau-Ponty (2000), como


tudo aquilo que precede o ser humano, simbolismo, portanto é a "inserção de meus
movimentos, de minhas sensações, de todas as minhas condutas em sistemas de
equivalências interorgânicos e interindividuais. Um olho que perscruta a paisagem,
interrogação e resposta" (MERLEAU-PONTY, 2000, p. 362). Os signos precedem aos
sentidos, inseridos e captados no bojo social ou grupo de modo posterior. O cenário
paisagístico imerge como uma construção constante e não linear, ligados, à estrutura
cultural, uma vez que representa a história e memória dos cidadãos.

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Mas as paisagens nunca têm um único significado; sempre há a possibilidade


de diferentes leituras. Nem a produção, nem a leitura de paisagens são
inocentes. Ambas são políticas no sentido mais amplo do termo, uma vez que
estão enextricavelmente ligadas aos interesses materiais das várias classes e
posições de poder dentro da sociedade (DUNCAN, 1990, apud RIBEIRO,
2007, p. 23).

A paisagem enquanto um signo atravessa o tempo, podendo modificar sua acepção,


conceitos e arquitetura física por ações humanas ou naturais. Assim, uma paisagem pode
ainda se manter na lembrança dos habitantes em razão, da não existência do cenário,
outrora constituído. O que permanece é o sentimento de reconhecimento e importância,
necessitando trazer à paisagem a noção de pertencimento a ela, conforme se extrai do
pensamento a seguir:

A geografia baseia-se, na realidade, na união dos elementos físicos e culturais


da paisagem. O conteúdo da paisagem é encontrado, portanto, nas
qualidades físicas da área que são importantes para o homem e nas formas
do seu uso da área, em fatos de base física e fatos da cultura humana (SAUER,
1998, p. 29).

O desdobramento dessa nova perspectiva da paisagem, como relação entre o ser


humano e o espaço, revela-se ainda na contemporaneidade artística. A mutabilidade da
paisagem ocorre "[...] à medida que o indivíduo se desenvolve e forma a sua identidade no
tempo e no espaço histórico, compartilhando as experiências vividas, toma consciência das
suas potencialidades e capacidades humanas [...]" (SERRAGLIO; FERNANDES DE
AQUINO, 2016, p. 268). A pintura, o pintor e o espaço, dessa forma, é resultado da realidade
física de cada uma, contudo, também é fruto, de todo o aspecto subjetivo, afetivo e emocional
que consigo esses elementos carregam. Assim, no próximo item busca-se entender a arte
impressionista como representação da paisagem, uma vez que, a tela, apresenta-se como
consequência da relação sujeito e paisagem.

O OLHAR DO MOVIMENTO IMPRESSIONISTA SOBRE A PAISAGEM

Em abril de 1874, no ateliê do fotógrafo Maurice Nadar em Paris, a sociedade


francesa tinha o primeiro contato com o movimento impressionista, que viria a ser
consagrado: o estilo artístico mais influente na arte moderna. A exposição de quadros e
fotografias contava com artistas como Monet, Manet, Degas, Renoir e outros expoentes da
época. O nome do estilo de arte apresentado, Impressionismo, deriva da obra Impressão:
Nascer do Sol (1872), de Claude Monet, a partir do deboche de críticos. O movimento

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artístico inicia-se entre 1860 e 1870, a ideia primeira do impressionismo era de rompimento
com o passado estético realista e romântico e de seus temas, os quais eram críticos. O
"Impressionismo é a primeira forma artística que criou uma postura existencial capaz de
dissociar espírito e natureza" (SANDANELLO, 2014, p. 153), decorrente da observação
aberta dos efeitos da luz do sol sobre um objeto, registrando em tela os nuances provocados
pela iluminação no espaço. O instante e o lugar eram imprescindíveis nas obras, pois a cor
não é um valor intrínseco dos objetos, mas que estes adquirem variedades de tonalidades
quando estão sob a incidência da luz solar. Os efeitos da iluminação e do ar eram mais
relevantes do que a temática reproduzida, a proposta era apresentar uma impressão e as
percepções sensoriais iniciais registradas por um artista de um instante, pois os feitos da
incidência solar eram quase mágicos. Logo a visão impressionista confluir para u a ideia de
dinamismo do espaço:

A cidade não é somente um panorama abarcado com um só golpe de vista:


Paris ‘vista’ de Montmartre, Lyon do alto de Fourvières [...] ‘Nas turfeiras, as
poças de água parada perdidas entre os brejos,’ escreveu Demangeon,
evocando a planície da Ângila Oriental, ‘os canais caprichosos bordejados por
salgueiros, os pântanos solitários visitados no inverno por aves aquáticas,
tudo dando a impressão de uma natureza abandonada[...]’. (DARDEL, 2015,
p. 28, 30)

Como observa Sandanello, "o Impressionismo inicia um longo processo nas artes
pictóricas de dissociação entre significante e significado sob a autonomia das impressões
sensoriais, o que irá culminar, num momento posterior, nas vanguardas do século XX [...]"
(2014, p. 156). Há, nessa nova forma, de representar o espaço e pincelar as telas uma
mudança de comportamento, mais do que isso, surge uma novidade na concepção de mundo
pelos artistas, rompendo com as estruturas passadas. As mudanças trazidas pelos
impressionistas são visíveis e invisíveis, um gradiente de cores e formas de depositar sobre
a tela a tinta, são perceptíveis a olho nu. Fora as mudanças sensíveis, indica Sandanello
outras transformações:

Tal ocorre por uma mudança no tratamento das cores, que, ao invés de
evocar um conjunto maior de referências – políticas e históricas, no caso do
quadro mencionado de Delacroix; ou literárias, no caso de Ingres –, passam
a ser vistas enquanto sensações não interpretadas, numa tentativa de
reprodução do efeito total da visão [...] Assim, a paleta impressionista passa
a explorar a espectralização das cores, graduando sua variação em tons
neutros, em graus de calor e frio e de claridade e saturação" (SANDANELLO,
2014, p. 154)

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Constata-se uma mudança de temática: a mitologia, histórias lúdicas, grandes


romances ou grandes nomes de poder e riquezas não eram mais interessantes. Foram esses
temas substituídos em razão da onda cientificista empírica da época e do realismo artístico,
com o qual rompem, guardam ainda a importância pela realidade e daquilo que contorna
um objeto, pessoa ou o próprio pintor, ou seja , o cotidiano a vida do dia-a-dia passa a ser o
referencial de interesse dos pintores, refletindo a dinâmica da vida diária nas obras. A
pintura ganha nova atribuição no impressionismo, não quer só romper com o passado
estético, quer ele provocar, interagir com o meio e pessoas, deixar de ser um resultado
(sentido) único de um sujeito, quer ser dialético, ambíguo, possuir múltiplas interpretações.
O novo projeto das artes são consequências do momento que vivem os pintores que vivem
"[...] em meio à efervescência dos cafés, museus, vapores e trens de ferro que ligam as
grandes capitais europeias em questão de horas. É um mundo moderno, o mundo da
máquina fotográfica, e que não convive mais harmoniosa e orgulhosamente com o Clássico"
(CASTRO, 2008, p. 395-396).
Há dentro da intenção artística impressionista uma crítica à necessidade de
vivenciar o passado, o histórico, a fantasias, ao mesmo tempo de ser real em excesso nas
representações; não que o passado deva ser renegado, mas a experiencia do “agora” do que
está à frente do observador tem mais importância, pois é a vivência, o fenômeno se
manifestando e os sentidos percebendo. O Impressionismo põe "[...] em xeque o
academicismo oitocentista, refutando os temas e motivos exóticos, históricos e religiosos de
praxe. Seu elogio à liberdade e ao prazer individual não o impediu, porém, de revisitar
aqueles mesmos temas, sob um novo enfoque" (SANDANELLO, 2014 p.157). Busca-se com
eles revelar na pintura o que existe agora no mundo, o instante, que outro não conseguirá
ou não conseguiu distinguir como importante, expondo-o a interpretação. O que se percebe
de mais interessante, é a necessidade do pintor de expor o mundo que enxerga no quadro,
uma noção precária de paisagem, pois ainda está constituída na mente do artista. Ao
delimitar o espaço, logo visualiza o campo para observar as cores, um processo
interpretativo das cores do ambiente, reproduzindo-as em suas paletas. Logo após traça o
seu pincelar, não necessariamente de forma acadêmica, mas imprimindo seu subjetivismo,
na perspectiva do espaço dada ao artista e no uso dos pinceis.
A formatação da reprodução do ambiente é o primeiro passo, para uma tela que
exprima ou contenha indícios de uma paisagem, com o detalhe de que ainda, deve se
colocada a publico para que assim consiga perceber se há uma tela paisagística ali presente

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ou não. Existindo uma paisagem pintada, há um sentimento tanto pelo quadro quanto pelo
espaço que emprestou o seu instante. Então “a cor, o modelado, os odores do solo, o arranjo
vegetal se misturam com as lembranças, com todos os estados afetivos, com as ideias,
mesmo com aquelas que acreditamos serem as mais independentes” (DARDEL, 2015, p. 34),
para se fabricar o cenário, o pintar da tela é uma correspondência desses fenômenos
experimentado pelos artistas.
A constituição de uma tela paisagista dos impressionistas revela ser a mesma
conjuntura de construção da paisagem pela geografia. Custódio (2014) indica três itens que
estão presentes na formação de uma paisagem e, que podem ser encontradas nas obras de
artes. O primeiro elemento é o espacial constituído por elementos físicos, contidos no
espaço, compondo um todo, que são específicos em cada local onde são criadas. Muitos
pintores impressionistas escolhiam espaços abertos para suas representações, campos,
jardins, cafés e seus entorno ou grandes festas em salões. Tinham, como objetivo, retratar
no espaço, um instante único e digno reprodução do pintor para sua tela. Por isso a
importância do espaço para o autor, como lugar que outro não retrataria da mesma forma
se não por ele, pois a mutabilidade do espaço não permite que o pintor encontre o mesmo
espaço em outro momento.

[...] transformações espaciais, produzindo uma ruptura instauradora”. Sua


estranheza torna possível uma transgressão da lei do lugar, mantendo uma
relação entre o visível e o invisível, o material e o imaterial, constituindo-se
em variantes que retratam-se em projeções simbólicas e narrativas, as
sombras da prática cotidiana que consiste em aproveitar a ocasião e fazer da
memória o meio de transformar os lugares (CERTEAU, 1994, p. 161).

O segundo elemento, é o observador "[...] não é um indivíduo único, mas uma


comunidade que dá significação ao observado. Essa comunidade pode ser local, regional,
nacional ou mundial, mas sempre uma comunidade [...]". (CUSTÓDIO, 2014, p. 88). Os
sujeitos que observam a paisagem devem ser analisados e serem compreendidos no
contexto cultural e temporal que estão submetidos, contudo, é preciso que exista um laço
afetivo com o lugar, permitindo a existência de uma valorização positiva e a relevância da
função social do meio paisagístico para a sociedade. A pintura abre possibilidade de dar à
sociedade novas fontes de paisagem, com o movimento impressionista isso se torna mais
claro, já que, imprime em suas telas um espaço social ou natural anteriormente
desconhecido. Se antes não detinha importância para o observador, com o retrato da obra
exposta a quem quiser ver há uma abertura para considerar aquele ambiente uma paisagem.

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A dinâmica da paisagem se apresenta ou não, afetiva a determinado grupo, assemelha-se


aos quadros impressionistas, podendo ou não estabelecer um novo ambiente paisagístico.
Por fim percepção como terceiro elemento, é o que englobará todos os demais elementos e
ouras externalidades para a concretização da paisagem.

Ela é formada pela observação do elemento territorial pelo observador, ou


seja, é a representação que aquele elemento físico passa a ter para ele. Assim,
a paisagem vai além do elemento territorial puro e além do observador,
estando refletida, na imagem daquele território, a história dele, seus
sentimentos, e, por que não, seus anseios e desejo de bem estar. Essa
percepção é uma imagem gerada, e seria diferente dependendo do ponto de
observação e da formação cultural do observador. Este precisa sentir o
espaço, ver além do elemento físico que ele é, o que significa perceber o que
ele representa. (CUSTÓDIO, 2014, p. 90).

A percepção das telas impressionistas, a sua perspectiva da paisagem retorna a tese


de Merleau-Ponty, apesar de a percepção ser individualizada (por questões de cultura, idade
e experiências), os pontos de igual afetividade, formam a paisagem. A paisagem por ser uma
estrutura coletiva só poderá ser gerada em uma percepção de mesmo nível, um inconsciente
coletivo. Dessa forma, a figura retratada, por um impressionista, desde o momento em que
o pintor escolhe o ambiente, estabelece sua paleta de cores, até o ponto em que entrega a
tela para a sociedade, há a manifestação da percepção (existência de afetividade transmitida
gerando afetividade). Em decorrência, o lugar pintado também será percebido e construído
no cognitivo do grupo que observa a tela, é a percepção da percepção, que dará a constituição
da paisagem numa ótica artística. O impressionismo enquanto arte se revela oportuno na
representação da paisagem, ambas, são constituídas na subjetividade e lançadas à
sociedade, para que primeiro seja ou não considerado um espaço de afetividade ou que
transmita multiplicidade interpretativa e sentimental. O movimento impressionista,
portanto, é uma arte representativa da paisagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao posicionar a arte como uma forma de linguagem, que se relaciona com o espaço
e a percepção humana, pode-se confirmar que o impressionismo enquanto um movimento
artístico pode ser representativo da paisagem. A Arte acompanha a humanidade desde os
humanos primitivos, que modelavam a terra e pintavam paredes e, a arte nesse aspecto, as
detinha um significado de representação de um fato ou momento, ou de adoração às forças
naturais e deuses elementares. As artes são objetos não lineares, inconstantes, concretos ou

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abstratos, mas que emitem uma linguagem para quem a admira. São resultados da atividade
humana, que produzem interpretações, significados, diferentes e múltiplos ao longo da linha
do tempo. A pintura, no diapasão artístico, tem maior expressão, uma vez que a
subjetividade emitida por ela representa um objeto ou espaço, principalmente com na idade
média e posteriormente até o século XIX, quando começa a dividir espaço com a fotografia.
A pintura consagra-se pela forma que o pintor dispõe sobre a tela pigmentos, textura
e forma, imprimindo como resultado a sua observação do objeto escolhido para retratação.
A obra torna-se um signo manifestado da sua interpretação e vivência da realidade,
permitindo que o receptor observe aquele texto sem palavras e promova o desvelamento, a
interpretação do quadro, decodificando as mais variadas interpretações existentes. Merleau-
Ponty faz essa investigação a respeito da pintura, tomando como base as obras de Paul
Cézanne. O pintor retratava a natureza rompendo com o movimento artístico realista,
definido pela necessidade de rigor técnico, detalhes do mundo fático representados com
rigor, e um academicismo exacerbado, como única forma correta de produção de pintura.
Ao mesmo tempo Cézanne não se ligava ao impressionismo, não se limitando às impressões
decorrentes da contemplação do ambiente.
A arte, como a pintura, é a descoberta do mundo, e revela os meios representados,
além dos sentidos, percebidos pelo artista. É a descoberta ontológica retirada da cena
pintada. A percepção do pintor é posta na tela, registrando a sua perspectiva de mundo, tudo
aquilo que de importante ao pintor foi captado e transferido. O pintor é o instrumento para
a produção do texto sem palavras, resultado da sua percepção do meio, que será novamente
objeto de interpretação. O espaço é muitas vezes importante para possibilitar o diálogo entre
pintor, obra e espectador, desembocando na perspectiva da representação da paisagem nas
pinturas. Antes a paisagem era compreendida como porção de elementos naturais
desvinculado da presença do ser humano, porém, ao longo da dialética entre o espaço e
humanidade, tal ideia se modifica e, os elementos constantes no cenário são inseridos à vida
humana. Uma das primeiras culturas a inserir essa lógica paisagística foi a chinesa, que
retratava principalmente montanhas e água. Os chineses demonstraram serem uma das
primeiras sociedades paisagísticas, inserindo métodos e manuais para a promoção e
captação da paisagem, refletindo o sentimento do pintor e sua percepção do espaço,
similarmente à tese de Merleau-Ponty.
No mundo ocidental, com o renascentismo há uma mudança de paradigma. A
transformação cultural e o surgimento de novos paradigmas deram força às pinturas,

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retomando e refinando a temática grega e religiosa, nos traços, nas cores e a noção de espaço.
Hoje se compreende o espaço paisagístico como um fator que une elementos naturais e não
naturais estando em contínua transformação e se atrelando à sociedade.
A paisagem atravessa o tempo, pois é adaptável em detrimento a mudanças
geofísicas, antrópicas e de percepção humana. Diante dessa noção, pode-se afirmar que o
sentimento de preservação ou de uma nova estrutura paisagística depende da vontade social.
O compartilhamento da afetividade com o mesmo ou uma nova paisagem depende
exclusivamente da sociedade. Dessa forma paisagem e pintura se relacionam. O
impressionismo, movimento artístico nascido na modernidade, trouxe para a arte mais que
um novo estilo de tingir uma tela inaugurando um novo formato do pintor realizar sua obra.
Parte o impressionismo, inicialmente da captação, da escolha e percepção do autor, sobre o
ambiente e o detalhe que quis representar. As cores e traçados inovadores davam às telas
uma noção de movimento, ao mesmo tem uma necessidade de se interpreta lugar ou objeto
retratados, observando os detalhes elementos e contornos da obra para uma de muitos
matizes interpretativos. A paisagem e as pinturas impressionistas se assemelham, seja pela
necessidade de o observador interpretar ou mesmo, por sua construção. Essa aproximação
ocorre num primeiro momento individual, quando o artista capta o espaço, levando a
reprodução ou sentimento de afetividade, fornecendo à sociedade o resultado da obra.
Diante o pesquisado o impressionismo, enquanto texto e arte, possibilita a formação de uma
sociedade paisagística.

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