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Seminário Dos Ratos

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“SEMINÁRIO DOS

RATOS” (1977)
Lygia Fagundes Telles
Sobre a autora
• Lygia Fagundes da Silva Telles ; São Paulo, 19 de abril de 1923.

• Ciranda de Pedra (1954) é considerada por Antonio Candido a obra em que a autora alcança a
maturidade literária. LFT também considera esse romance o marco inicial de suas obras
completas. O que ficou para trás, “são juvenilidades”.

• A década de 1970 foi de intensa atividade literária e marca o início da sua consagração na
carreira. LFT publicou, então, alguns de seus livros mais importantes: Antes do Baile
Verde (1970), cujo conto que dá título ao livro recebeu o Primeiro Prêmio no Concurso
Internacional de Escritoras, na França. As Meninas (1973), romance que recebeu os Prêmios
Jabuti, Coelho Neto da Academia Brasileira de Letras e “Ficção” da Associação Paulista de
Críticos de Arte. Seminário dos Ratos (1977) foi premiado pelo PEN Clube do Brasil. O livro de
contos Filhos Pródigos (1978) seria republicado com o título de um de seus contos A Estrutura
da Bolha de Sabão (1991).
• A consagração definitiva viria com o Prêmio Camões (2005), distinção maior
em língua portuguesa pelo conjunto de obra.

• Vivendo a realidade de uma escritora do terceiro mundo LFT considera sua


obra de natureza engajada, ou seja, comprometida com a difícil condição do
ser humano em um país de tão frágil educação e saúde. Participante desse
tempo e dessa sociedade a escritora procura apresentar através da palavra
escrita a realidade envolta na sedução do imaginário e da fantasia.

• LFT já declarou em uma entrevista: “A criação literária? O escritor pode ser


louco, mas não enlouquece o leitor, ao contrário, pode até desviá-lo da
loucura. O escritor pode ser corrompido, mas não corrompe. Pode ser
solitário e triste e ainda assim vai alimentar o sonho daquele que está na
solidão”.  
Contexto histórico
• Ditadura militar
• Governo de Ernesto Geisel (1974 – 1979)
• AI – 5
• Operação Brother Sam
• Exílio de Chico Buarque e outros artistas.
O livro
•O livro de contos Seminário dos Ratos, de Lygia Fagundes Telles,
foi publicado em 1977.

• Sobre a obra, disse a autora: "São 14 textos que giram em torno


de temas que me envolvem desde que comecei a escrever: a
solidão. O amor e o desamor. O medo. A loucura. A morte - tudo
isso que aí está em redor. E em nós. Quando fico deprimida vejo
claramente essas três espécies em extinção: o índio, a árvore e o
escritor. Mas reajo: não sei trabalhar sem a esperança no coração".
“Que século, meu Deus! — exclamaram os ratos
e começaram a roer o edifício.”
(Carlos Drummond de Andrade - poema “Edifício
Esplendor”)
O título
• O conto aparece em livro homônimo, no ano de 1977.

• O próprio nome do conto "Seminário dos ratos" já causa uma


inquietação. Um seminário evoca atividade intelectual.

• Também traz uma ambiguidade: seminário no qual se discutirá


a problemática dos ratos, ou seminário no qual os ratos serão
participantes?
O conto
• Conto narrado em terceira pessoa --- trata-se de uma alegoria de nossas
estruturas políticos-burocráticas.

• VII Seminário dos Roedores, uma reunião de burocratas, sob a coordenação do


Secretário do Bem-Estar Público e Privado, tendo como assessor o Chefe de
Relações Públicas.

• A narrativa é dividia em duas partes: na primeira, por meio de diálogos das


personagens citada, há a preparação do evento; já a segunda parte, contempla
o que ocorreu após a invasão dos ratos.
• A primeira personagem apresentada no conto é o Chefe das Relações Públicas, ”um
jovem de baixa estatura, atarracado, sorriso e olhos extremamente brilhantes”.

• Secretário do Bem Estar Público e Privado, que é tratado como Excelência


– ”homem descorado e flácido, de calva úmida e mãos acetinadas [...] voz branda, com
um leve acento lamurioso.” Esse se encontra com uma enfermidade que ataca seu pé
– a gota. Prejudicando sua plena autoridade.

• As personagens desse conto são nomeadas através de suas ocupações profissionais e


cargos hierárquicos, havendo, portanto uma focalização proposital nos papéis
sociais.

• O local do seminário é um casarão do governo afastado da cidade. Neste local os


políticos dispõem de todo luxo possível como piscinas térmicas, carros, jatinhos e
telefones.
• Outras personagens são: Assessor da Presidência da RATESP,
Diretor das Classes Conservadoras Armadas e Desarmadas, a
delegação americana composta pelo Delegado de
Massachussetts, um suposto segurança e uma secretária, Miss
Glória.

“Por que botar todo mundo a par de nossas mazelas? De nossas


deficiências? Devíamos só mostrar o lado positivo não apenas da
sociedade mas da nosso família. De nós mesmos [...] O senhor, que é
um candidato em potencial, desde cedo precisa ir aprendendo essas
coisas, moço. Mostrar só o lado positivo, só o que pode nos
enaltecer.”
• O jovem Relações Públicas conta que a primeira crítica levantada fora a própria
escolha do local para o seminário – uma casa de campo isolada - e a segunda questão
se referia aos gastos demasiados para torná-la habitável: ”tem tanto edifício em
disponibilidade, que as implosões até já se multiplicam para corrigir o excesso. E nós
gastando milhões para restaurar esta ruína....”

• “estou apostando como é da esquerda, estou apostando. Ou, então, amigo dos ratos.”

• O primeiro barulho: “um barulho tão esquisito, como se viesse do fundo da terra, subiu
depois para o teto... Não ouviu mesmo?”

• Questão da mídia: “Boa tática, meu jovem, é influenciar no começo e no fim todos os
meios de comunicação do país. Esse é o objetivo.”

• O segundo barulho: “Está ouvindo? Está ouvindo? O barulho. Ficou mais forte agora!
• O jovem secretário sai da sala e encontra o Diretor das Classes Conversadoras
Armadas e Desarmada:
• “E esse cheiro? O barulho diminuiu, mas não está sentindo um cheiro? — Franziu
a cara. — Uma maçada! Cheiros, barulhos e o telefone que não funciona... Por
que o telefone não está funcionando? Preciso me comunicar com a Presidência e
não consigo, o telefone está mudo!”

• Neste momento surge a personagem do cozinheiro-chefe, que anuncia a


rebelião dos animais: ”Pela alma de minha mãe, quase morri de susto quando
entrou aquela nuvem pela porta, pela janela, pelo teto, só faltou me levar e mais
a Euclides! ” - os ratos haviam comido tudo, só se salvara a geladeira.

• Os ratos devastaram toda a infra-estrutura do VII Seminário de Roedores.


• “Com olhar silencioso foi acompanhando um chinelo de
debrum de pelúcia que passou a alguns passos do avental
embolado no tapete: o chinelo deslizava, a sola voltada
para cima, rápido como se tivesse rodinhas ou fosse puxado
por algum fio invisível. Foi a última coisa que viu, porque
nesse instante a casa foi sacudida nos seus alicerces. As
luzes se apagaram. Então, deu se a invasão, espessa como
se um saco de pedras borrachosas tivesse sido despejado em
cima do telhado e agora saltasse por todos os lados numa
treva dura de músculos, guinchos e centenas de olhos
luzindo negríssimos.”
• Do ataque rapidíssimo dos roedores, salva-se somente o chefe das
relações públicas, que se refugia entrincheirando-se na geladeira.

• Aqui tem-se o início do segundo bloco. Em flashback, avisa-se ao


leitor que, após os acontecimentos daquele dia, houve um inquérito:
• “Lembrava-se de ter aberto a porta da geladeira. Espiou. Um tênue raio
de luar era a única presença na cozinha esvaziada. Foi andando pela
casa completamente oca, nem móveis, nem cortinas, nem tapetes. Só
as paredes. E a escuridão. Começou então um murmurejo secreto,
rascante, que parecia vir da Sala de Debates e teve a intuição de que
estavam todos reunidos ali, de portas fechadas. Não se lembrava
sequer de como conseguiu chegar até o campo, não poderia jamais
reconstituir a corrida, correu quilômetros. Quando olhou para trás, o
casarão estava todo iluminado.”
Referências textuais
• Revolução de 32 e no golpe de 64. Esta verbalização aponta indícios de que a sede do sétimo
seminário é o Brasil, ao menos como inspirador do país ficcional do texto.

• Música “Gota d’água”, de Chico Buarque --- o jovem assessor associa a doença a música, o que
desagrada o chefe.

• "Lata d’água", música de carnaval tipicamente brasileira.

• Texto de abertura do Drummond.

• É como se a narrativa quisesse enfatizar as coisas boas do país, em contraponto com a situação
política vigente.
A questão política
• A resistência é discutida em “Seminário dos ratos”, como tema, ao representar
determinada época da história nacional, mas também como forma de escrita
estetizada, pois há a utilização de elementos insólitos para representar o país
fictício atravancado por um governo opressor.

• Manipulação da informação, com o intuito de apresentar o desenvolvimento


do país e lesar a imagem da resistência, camuflando a corrupção praticada
pelos militares. “- Gastando milhões? Bilhões estão consumindo esses demônios,
por acaso ele ignora as estáticas? Estou apostando como é da esquerda, estou
apostando. Ou então, amigo dos ratos.”
• “— O povo, o povo — disse o Secretário do Bem-Estar Público, entrelaçando as
mãos. A voz ficou um brando queixume. — Só se fala em povo e no entanto o
povo não passa de uma abstração.
— Abstração, Excelência?
— Que se transforma em realidade quando os ratos começam a expulsar os
favelados de suas casas. Ou a roer os pés das crianças da periferia, então, sim, o
povo passa a existir nas manchetes da imprensa de esquerda. Da imprensa
marrom. Enfim, pura demagogia. Aliada às bombas dos subversivos, não
esquecer esses bastardos que parecem ratos — suspirou o Secretário,
percorrendo languidamente os botões do colete. Desabotoou o último. — No
Egito Antigo resolveram esse problema aumentando o número de gatos. Não sei
por que aqui não se exige mais da iniciativa privada, se cada família tivesse em
casa um ou dois gatos esfaimados...
— Mas Excelência, não sobrou nenhum gato na cidade, já faz tempo que a
população comeu tudo. Ouvi dizer que dava um ótimo cozido! “
• Os ratos como imagem de um povo faminto de liberdade e
justiça que refletem (se duplicam) no conto literário.

•O epílogo do conto prova a existência do povo, sob forma de


ratos rebelados, que mostra sua revolta e vingança, ao contrário
da crença do secretário, de que ele não existiria.
O fantástico/ o dualismo
• O evento sobrenatural do conto é o comportamento anormal dos roedores na
mansão. Nele, os ratos agem de maneira ordenada, aplicando até estratégias de
guerra.

• A manifestação se sucede de modo gradual a partir de quatro fases: 1) inicia-se


com um barulho ; 2) passa-se para um cheiro; 3) desenvolve-se por uma aparência
disforme e, por fim; 4) é sentida por meio da mordida .

• O fato de o evento ter um caráter oscilante – “aumenta e diminui […] aqui perto e
ao mesmo tempo tão longe” (TELLES 1998, p. 162) –, também produz ansiedade,
fazendo a aflição crescer.
• Um dado interessante é como o Cozinheiro-Chefe tratou o
evento. Ele utiliza o termo “aquela nuvem”, e ainda dizendo que,
quando chegaram à cozinha, eles consumiram tudo: “até os
panos de prato eles comeram” (TELLES 1998, p. 163). E, ainda,
“Uma trempe deles virou o caldeirão de lagostas e a lagostada se
espalhou no chão, foi aquela festa, não sei como não se
queimaram na água fervendo.” (TELLES 1998, p. 163) .

• Além de terem uma forma aterradora e terrificante, eles


possuíam uma fome que consumia tudo, ignorando até a água
escaldante. Tais características são típicas do gênero Fantástico.
•A narração promove inversões características de narrativas fantásticas, no
sentido de humanizar os ratos. E também busca animalizar as personagens,
através do uso expressivo de verbos, como farejar e rosnar, para assim
conferir atributos animais, relacionados com a postura de pessoas.
• “Pela alma da minha mãe, doutor, me representou um homem vestido de
rato! “

• Homens com atitudes de ratos e ratos com posturas de homens: a


animalidade associada à irracionalidade humana.

• A inversão de papéis realizada entre os animais e os homens apresenta-se


como a principal característica do fantástico e do duplo nesse tenso
universo representado no conto.
Observações especiais
• No início do conto, a gravata representa o status, o prestígio, o mundo das
aparências. Já no final, aparece como símbolo de sobrevivência. Há aqui,
portanto, uma transformação de um símbolo em função das ameaças e do
perigo que se apresentaram à personagem, modificando o contexto.

• Estatueta da justiça, tem os olhos vendados, empunha a espada e a


balança. Desta, um dos pratos está empoeirado, numa alusão à situação de
injustiças em que vive o país.

• O uso constante da cor verde , fazendo referência ao militarismo.


Conclusão
• Todo o conto é filtrado por indicativos do fantástico, tendo seus
limites no alegórico. Predomina a inversão e os animais
corporificam o duplo. E sob esta capa do fantástico, Lygia
compôs um conto denunciador da situação do nosso país
naquele períodos, produzindo uma literatura de resistência.

• Resistir significa “[...] não ser dominado (por impulso, vontade,


ideia, influência, etc); não aceitar [...] não se deixar convencer
[...]” , ou seja, resistir é combater constantemente forças
exteriores .
E fim!

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