Como a ordem social é possível? Por que o mundo social não descamba mais facilmente para o caos o... more Como a ordem social é possível? Por que o mundo social não descamba mais facilmente para o caos ou para a “guerra de todos contra todos”? O presente livro sustenta que parte da resposta a essas questões clássicas da teoria sociológica se encontra no anseio universal do agente humano por “segurança ontológica”, isto é, por uma experiência do mundo e de si como imbuídos de ordem, justificação e sentido. Na sua primeira parte, a obra explora versões dessa tese nos trabalhos de autores tão diversos quanto Weber, Berger, Bourdieu, Giddens, Sartre, Heidegger e Ernest Becker. Em seguida, o texto aprofunda a discussão sobre a segurança ontológica pelo exame do seu reverso: as experiências de insegurança existencial radical descritas na literatura sobre a esquizofrenia. Nesse sentido, ao propor um exercício em “heurística da insanidade” ou “epistemologia insana”, o livro defende não apenas uma compreensão da loucura a partir da teoria social, mas também um repensar crítico da teoria social a partir da loucura.
O trabalho examina os quadros teórico-metodológicos de análise da vida social avançados por Pierr... more O trabalho examina os quadros teórico-metodológicos de análise da vida social avançados por Pierre Bourdieu e Anthony Giddens, acompanhando como cada um destes autores ataca o problema clássico da relação indivíduo/sociedade. Situando a teoria da prática de Bourdieu e a teoria da estruturação de Giddens no contexto mais amplo da reflexão sociológica contemporânea, o estudo percorre em detalhe os caminhos de ambos na tentativa de superação de dicotomias analíticas que atravessam a história do pensamento científico-social no século XX, tais como subjetivismo/objetivismo, individualismo/holismo, determinismo/voluntarismo e micro/macrossociologia. Esta exegese desemboca, por fim, na caracterização da teoria da prática e da teoria da estruturação como versões distintas de um modelo praxiológico de investigação do mundo social, um enfoque que tem como pedra de toque a tese de que a caracterização da vida societária como fluxo ininterrupto de práticas configura-se como o ponto de partida mais frutífero para a construção de um retrato acurado dos processos simultâneos de constituição da sociedade pelos agentes e de constituição dos agentes pela sociedade.
Resenha de: BOURDIEU, Pierre. O baile dos celibatários:
crise da sociedade camponesa no Béarn. Sã... more Resenha de: BOURDIEU, Pierre. O baile dos celibatários: crise da sociedade camponesa no Béarn. São Paulo: Unifesp, 2021.
Diversas perspectivas teóricas sustentam que a lógica sistêmica do capitalismo contemporâneo depe... more Diversas perspectivas teóricas sustentam que a lógica sistêmica do capitalismo contemporâneo depende, no seu funcionamento cotidiano, de formas particulares de subjetividade. Da indústria midiática de conteúdo “motivacional” até o recurso a psicofármacos como instrumentos de otimização da própria conduta, são múltiplos os “dispositivos” mediante os quais os indivíduos buscam corresponder aos modelos de individualidade requeridos pelo capitalismo atual. A linguagem foucaultiana da “produção de subjetividades”, cujos méritos analíticos despontam em variados estudos sobre a “governamentalidade” neoliberal, tem razão em sublinhar o grau em que os modos de agir, pensar e sentir das subjetividades individuais são moldados por aqueles dispositivos na contemporaneidade. Por outro lado, fenômenos como o sono, o doping e a inação depressiva mostram que aqueles dispositivos subjetivantes encontram “protestos” orgânico-psíquicos e “resistências passivas” na própria subjetividade que procuram moldar. Mapeando tais dinâmicas conflitivas entre dispositivos e resistências, o artigo percorre quatro eixos argumentativos, cada um dos quais privilegiando uma contribuição autoral particular: as reflexões de Alain Ehrenberg sobre o recurso a drogas de alteração do estado de consciência como instrumentos de otimização do desempenho na “sociedade do doping”; as cogitações de Jonathan Crary sobre o sono como obstáculo à colonização completa da subjetividade pelo imaginário capitalista da atividade ininterrupta; a interpretação sistêmica e política da depressão como efeito estrutural do “realismo capitalista” formulada pelo crítico cultural Mark Fisher; e, finalmente, a análise da psicopatologia como “protesto” levada a efeito pela filósofa feminista Susan Bordo, central para a apreensão da ambiguidade inerente às “resistências passivas” discutidas no trabalho.
Resumo O artigo explora momentos decisivos em que Bourdieu enfrentou, nos planos teórico e empíri... more Resumo O artigo explora momentos decisivos em que Bourdieu enfrentou, nos planos teórico e empírico, o problema sociológico das relações entre as estruturas do espaço social e as estruturas do espaço físico. Ao questionar a leitura ingênua segundo a qual o relacionismo antissubstancialista de seu pensamento teria destituído o autor francês de instrumentos analíticos necessários à elucidação dos ambientes físicos da vida social, o texto recupera insights geográficos abrigados em ocasiões-chave da obra sociológica de Bourdieu: a etnossociologia da sociedade argelina, o que inclui as investigações do espaço edificado da casa cabila e do “desenraizamento” forçado de camponeses; as pesquisas sobre os efeitos da crescente urbanização de sua região nativa do Béarn nos anos de 1960; finalmente, as reflexões sobre o espaço citadino que ele produziu em fase tardia de sua carreira.
Resumo Nessa inteligente biografia, a filósofa inglesa Kate Kirkpatrick rastreia, em perspectiva ... more Resumo Nessa inteligente biografia, a filósofa inglesa Kate Kirkpatrick rastreia, em perspectiva histórica, a trajetória existencial pela qual Beauvoir “tornou-se” Beauvoir. O livro acompanha como a pensadora francesa fez de sua própria personalidade-no-mundo um projeto deliberado, o qual teve de enfrentar uma série de resistências “ad feminam” oriundas de seu cenário sociocultural. Com base na leitura atenta dos diários que Beauvoir manteve durante seus tempos de estudante, publicados somente em 2008, Kirkpatrick lança nova luz sobre a evolução intelectual da pensadora francesa. Quando passa da sua juventude à sua maturidade e velhice, a biografia nunca perde de vista o complexo engajamento de Beauvoir com suas circunstâncias socio-históricas. Tal combinação de análise biográfica com um exercício em história cultural se mostra especialmente fecunda no trato da conturbada recepção de O segundo sexo e das respostas criativas da autora a essa recepção. Ademais, o livro de Kirkpatrick ...
Abstract: Hartmut Rosa is a Professor of Sociology at the University of Jena, and one of the most... more Abstract: Hartmut Rosa is a Professor of Sociology at the University of Jena, and one of the most original and prolific critical social theorists of our time. The connections between the theoretical and substantive concerns of Rosa's work, on the one hand, and the analytical purposes of this issue of Civitas dedicated to “existential sociology”, on the other, are manifold. Rosa's arguments on how acceleration as a social-structural trend of late modernity throws light upon intimate dilemmas of individual self-identity, for instance, could certainly be interpreted as (existential) sociological imagination at its best. The same goes for Rosa's subtlety and ingenuity in capturing human modes of relating to the world in his theory of resonance, which apprehends the intermingling of bodily, affective, evaluative and cognitive dimensions in a manner that could be deemed “existential” - in a broad and original sense of the word - as broad and original is also the conception of ...
Resumo Neste livro, Peter Berger relata como sua perspectiva quanto à relação entre modernidade e... more Resumo Neste livro, Peter Berger relata como sua perspectiva quanto à relação entre modernidade e religião se transformou, ao longo das últimas décadas, à luz de desenvolvimentos socio-históricos transcorridos ao redor do mundo. Tal mudança de perspectiva o levou a substituir sua anterior teoria da secularização por uma teoria do pluralismo. Enquanto a primeira pressupunha que a modernidade provoca necessariamente um declínio da religião, tanto na ordem institucional como nas consciências individuais, a segunda sustenta que a transformação fundamental provocada pela modernização é uma adaptação multiforme da religião à pluralidade moderna de discursos, visões de mundo e esferas institucionais. Em vez de cenário de uma tendência ao desaparecimento da religião, a modernidade seria marcada pela coexistência entre o discurso secular e diferentes discursos religiosos, os quais se apresentam aos indivíduos como opções a serem escolhidas, não como pressupostos naturais e autoevidentes. Com...
A partir de um diálogo com Michel Foucault, o artigo aborda os aspectos analíticos e morais do pr... more A partir de um diálogo com Michel Foucault, o artigo aborda os aspectos analíticos e morais do problema da “compreensibilidade” da loucura. Os aspectos analíticos envolvem saber se a loucura é compreensível ou, pelo menos, quão compreensível ela pode ser tornada a um ponto de vista exterior. Os aspectos morais dizem respeito às atitudes normativas que é legítimo assumir em face de vivências, falas e práticas “loucas”, sobretudo quando estas se mostram opacas, ao menos a um primeiro olhar, diante de esquemas “normais” de interpretação. Entrecruzando a discussão está uma crítica – de alcance mais geral, porém também aplicável a Foucault – à tendência de certa filosofia, ciência social e psicanálise a negligenciar modalidades “apolíneas” de loucura em prol de suas formas “dionisíacas”, sejam as últimas patologizadas como “regressões” ou celebradas como subversões de dispositivos psíquicos de poder.
Based on the articles that make up the dossier, the organizers reflect on different ways of conce... more Based on the articles that make up the dossier, the organizers reflect on different ways of conceiving and carrying out an existential sociology.
A partir de um diálogo com Michel Foucault, o artigo aborda os aspectos analíticos e morais do pr... more A partir de um diálogo com Michel Foucault, o artigo aborda os aspectos analíticos e morais do problema da “compreensibilidade” da loucura. Os aspectos analíticos envolvem saber se a loucura é compreensível ou, pelo menos, quão compreensível ela pode ser tornada a um ponto de vista exterior. Os aspectos morais dizem respeito às atitudes normativas que é legítimo assumir em face de vivências, falas e práticas “loucas”, sobretudo quando estas se mostram opacas, ao menos a um primeiro olhar, diante de esquemas “normais” de interpretação. Entrecruzando a discussão está uma crítica – de alcance mais geral, porém também aplicável a Foucault – à tendência de certa filosofia, ciência social e psicanálise a negligenciar modalidades “apolíneas” de loucura em prol de suas formas “dionisíacas”, sejam as últimas patologizadas como “regressões” ou celebradas como subversões de dispositivos psíquicos de poder.
Com base nos artigos que compõem o dossiê, os organizadores refletem
sobre diferentes modos de co... more Com base nos artigos que compõem o dossiê, os organizadores refletem sobre diferentes modos de conceber e levar a efeito uma sociologia existencial.
O artigo examina a “virada praxiológica” nas ciências sociais da segunda metade do século xx, vir... more O artigo examina a “virada praxiológica” nas ciências sociais da segunda metade do século xx, virada manifesta em teorias que, a despeito de suas discordâncias quanto a questões diversas, se ancoram todas em uma ontologia processual que toma o mundo social como domínio de práticas. Concentrando-se nas semelhanças, mais do que nas diferenças, entre as variadas vertentes de praxiologia, o artigo oferece uma pintura ideal-típica da virada praxiológica na teoria social. Partindo de suas fontes filosóficas na fenomenologia existencial e na pragmática da linguagem, o texto trata de sete postulados presentes, ainda que sob diferentes roupagens, nas teorias praxiológicas de autores como Giddens, Garfinkel, Taylor, Bourdieu e Latour. Como “guinadas internas” que se combinam na praxiologia, aqueles postulados incluem as viradas existencial, culturalista, habitual, corporal, objetal, intersubjetivista e multidimensional.
O artigo é parte de um programa de pesquisa em "heurística da insanidade", o qual explora o poder... more O artigo é parte de um programa de pesquisa em "heurística da insanidade", o qual explora o poder analítico de ferramentas sociológicas na compreensão da esquizofrenia, assim como a relevância de investigações da experiência esquizofrênica para a teoria social, sobretudo no que toca às concepções de agência, experiência e subjetividade que nela vigoram. No seio deste programa mais geral, o trabalho revisita perspectivas dramatúrgicas sobre a relação entre self e sociedade, entrecruzando tais perspectivas com a literatura psiquiátrica acerca de pertur-bações "esquizoides" no relacionamento do sujeito com o mundo e consigo próprio. Se as visões dramatúrgicas da subjetividade criticam, no plano teórico, o pressuposto de senso comum de que haveria um "eu" estável e nitidamente distinto das máscaras teatrais que ele "veste" na vida social cotidiana, algumas perturbações da autoidentidade ou senso de si na esquizofrenia são concretizações existenciais, efetivamente vividas, dessa dissolução do "eu" em um feixe de papéis ou identidades sociais. Palavras-chave: Autoidentidade. Papel social. Fenomenologia. Esquizofrenia. Sociologia drama-túrgica.
O artigo arrisca uma interpretação sociológica da suposta "pandemia de depressão" que assola a co... more O artigo arrisca uma interpretação sociológica da suposta "pandemia de depressão" que assola a contemporaneidade. Os mal-estares psíquicos comumente descritos como experiências depressivas são compreendidos à luz das formas de subjetividade produzidas ou, pelo menos, encorajadas pela modernidade tardia. Com base no retrato sócio-histórico do "novo espírito do capitalismo" formulado por Boltanski e Chiapello, o texto defende que os atributos de iniciativa, empreendedorismo e adaptabilidade tornaram-se imperativos da individualidade contemporânea não somente no mundo do trabalho, mas também em diversos outros domínios existenciais, tais como o cuidado com o corpo e as relações erótico-afetivas. Sem desconsiderar a inflação de diagnósticos psiquiátricos como parte das causas por trás da alegada pandemia de depressão na atualidade, o trabalho sustenta que as formas muito reais de sofrimento psíquico classificadas nesses termos são a moeda reversa, por assim dizer, de demandas sistêmicas pela autorrealização individual: o colapso depressivo da iniciativa e a ausência de "projetos" substituem o "empreendedorismo de si"; a interrupção do movimento sobrepuja a adaptabilidade flexível do self a uma sociedade de mudanças aceleradas; e a experiência do isolamento existencial substitui a esperada comunicabilidade do sujeito-trabalhador contemporâneo como infatigável networker. O trabalho conclui com uma reflexão sobre os limites que a civilização contemporânea coloca à "ecologia psíquica" e à "economia energética" dos indivíduos nela imersos.
Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, n.91, 2020
Em resposta à influência global da sociologia de Pierre Bourdieu, o estudo das condições sociais ... more Em resposta à influência global da sociologia de Pierre Bourdieu, o estudo das condições sociais que governaram a recepção de sua obra em diferentes contextos nacionais tem atraído um número crescente de pesquisadores ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Ancorado em trabalhos voltados à história da recepção da obra de Bourdieu no cenário intelectual brasileiro, assim como em uma investigação em curso sobre a correspondência do autor com pesquisadores do Brasil, o presente artigo busca mostrar como as circunstâncias daquela recepção condicionaram as diferentes imagens atribuídas ao sociólogo francês nas ciências sociais brasileiras ao longo dos últimos 50 anos. Fatores como o andamento das traduções brasileiras de seus escritos e os conflitos internos ao campo intelectual nacional em torno de distintas agendas de pesquisa resultaram, afirmamos no presente texto, em retratos de Bourdieu que salientaram diferentes facetas do seu trabalho sociológico in toto, tais como a etnografia das classes populares, a sociologia da cultura nas suas facetas “restrita” e “ampliada” e, finalmente, a interpretação da(s) sociedade(s) de classe. A presença ambivalente da praxiologia estrutural de Bourdieu nas reflexões sobre teoria social no Brasil também será discutida, com ênfase especial sobre as implicações inauditas de sua crítica da “teoria teórica” para o problema das “ideias fora do lugar” em um cenário intelectual periférico.
O artigo acompanha a passagem do "realismo transcendental" ao "naturalismo crítico" no trabalho d... more O artigo acompanha a passagem do "realismo transcendental" ao "naturalismo crítico" no trabalho de Roy Bhaskar, com um foco especial sobre a "ontologia estratificada" que o autor extraiu de suas análises das ciências naturais e sociais. Ao unir suas caracterizações ontológicas da natureza e da sociedade sob o guarda-chuva filosófico do "realismo crítico", Bhaskar retrata o mundo como um conjunto de "sistemas abertos" nos quais entidades dotadas de potenciais causais intrínsecos, ao entrarem em complexas relações que ativam ou bloqueiam tais potenciais, geram sequências de eventos. Transposta para a investigação do mundo social, essa ontologia disposicional evita tanto a redução individualista quanto a reificação coletivista, reconhecendo a realidade das estruturas sociais sem negar que a efetivação de seus poderes causais é mediada pelos poderes causais dos agentes humanos por elas influenciados. O texto é concluído com a apresentação de um dos modelos da estratificação ontológica da vida social oriundos do realismo crítico. Ao tomar os níveis individual, interacional, institucional, estrutural e cultural da sociedade como relativamente autônomos e, ao mesmo tempo, interinfluentes, uma teoria social realista supera reducionismos a priori e oferece uma orientação analítica fecunda para a pesquisa empírica do mundo social. Palavras-chave: Realismo transcendental; naturalismo crítico; filosofia das ciências naturais; filosofia das ciências sociais; ontologia estratificada.
Como a ordem social é possível? Por que o mundo social não descamba mais facilmente para o caos o... more Como a ordem social é possível? Por que o mundo social não descamba mais facilmente para o caos ou para a “guerra de todos contra todos”? O presente livro sustenta que parte da resposta a essas questões clássicas da teoria sociológica se encontra no anseio universal do agente humano por “segurança ontológica”, isto é, por uma experiência do mundo e de si como imbuídos de ordem, justificação e sentido. Na sua primeira parte, a obra explora versões dessa tese nos trabalhos de autores tão diversos quanto Weber, Berger, Bourdieu, Giddens, Sartre, Heidegger e Ernest Becker. Em seguida, o texto aprofunda a discussão sobre a segurança ontológica pelo exame do seu reverso: as experiências de insegurança existencial radical descritas na literatura sobre a esquizofrenia. Nesse sentido, ao propor um exercício em “heurística da insanidade” ou “epistemologia insana”, o livro defende não apenas uma compreensão da loucura a partir da teoria social, mas também um repensar crítico da teoria social a partir da loucura.
O trabalho examina os quadros teórico-metodológicos de análise da vida social avançados por Pierr... more O trabalho examina os quadros teórico-metodológicos de análise da vida social avançados por Pierre Bourdieu e Anthony Giddens, acompanhando como cada um destes autores ataca o problema clássico da relação indivíduo/sociedade. Situando a teoria da prática de Bourdieu e a teoria da estruturação de Giddens no contexto mais amplo da reflexão sociológica contemporânea, o estudo percorre em detalhe os caminhos de ambos na tentativa de superação de dicotomias analíticas que atravessam a história do pensamento científico-social no século XX, tais como subjetivismo/objetivismo, individualismo/holismo, determinismo/voluntarismo e micro/macrossociologia. Esta exegese desemboca, por fim, na caracterização da teoria da prática e da teoria da estruturação como versões distintas de um modelo praxiológico de investigação do mundo social, um enfoque que tem como pedra de toque a tese de que a caracterização da vida societária como fluxo ininterrupto de práticas configura-se como o ponto de partida mais frutífero para a construção de um retrato acurado dos processos simultâneos de constituição da sociedade pelos agentes e de constituição dos agentes pela sociedade.
Resenha de: BOURDIEU, Pierre. O baile dos celibatários:
crise da sociedade camponesa no Béarn. Sã... more Resenha de: BOURDIEU, Pierre. O baile dos celibatários: crise da sociedade camponesa no Béarn. São Paulo: Unifesp, 2021.
Diversas perspectivas teóricas sustentam que a lógica sistêmica do capitalismo contemporâneo depe... more Diversas perspectivas teóricas sustentam que a lógica sistêmica do capitalismo contemporâneo depende, no seu funcionamento cotidiano, de formas particulares de subjetividade. Da indústria midiática de conteúdo “motivacional” até o recurso a psicofármacos como instrumentos de otimização da própria conduta, são múltiplos os “dispositivos” mediante os quais os indivíduos buscam corresponder aos modelos de individualidade requeridos pelo capitalismo atual. A linguagem foucaultiana da “produção de subjetividades”, cujos méritos analíticos despontam em variados estudos sobre a “governamentalidade” neoliberal, tem razão em sublinhar o grau em que os modos de agir, pensar e sentir das subjetividades individuais são moldados por aqueles dispositivos na contemporaneidade. Por outro lado, fenômenos como o sono, o doping e a inação depressiva mostram que aqueles dispositivos subjetivantes encontram “protestos” orgânico-psíquicos e “resistências passivas” na própria subjetividade que procuram moldar. Mapeando tais dinâmicas conflitivas entre dispositivos e resistências, o artigo percorre quatro eixos argumentativos, cada um dos quais privilegiando uma contribuição autoral particular: as reflexões de Alain Ehrenberg sobre o recurso a drogas de alteração do estado de consciência como instrumentos de otimização do desempenho na “sociedade do doping”; as cogitações de Jonathan Crary sobre o sono como obstáculo à colonização completa da subjetividade pelo imaginário capitalista da atividade ininterrupta; a interpretação sistêmica e política da depressão como efeito estrutural do “realismo capitalista” formulada pelo crítico cultural Mark Fisher; e, finalmente, a análise da psicopatologia como “protesto” levada a efeito pela filósofa feminista Susan Bordo, central para a apreensão da ambiguidade inerente às “resistências passivas” discutidas no trabalho.
Resumo O artigo explora momentos decisivos em que Bourdieu enfrentou, nos planos teórico e empíri... more Resumo O artigo explora momentos decisivos em que Bourdieu enfrentou, nos planos teórico e empírico, o problema sociológico das relações entre as estruturas do espaço social e as estruturas do espaço físico. Ao questionar a leitura ingênua segundo a qual o relacionismo antissubstancialista de seu pensamento teria destituído o autor francês de instrumentos analíticos necessários à elucidação dos ambientes físicos da vida social, o texto recupera insights geográficos abrigados em ocasiões-chave da obra sociológica de Bourdieu: a etnossociologia da sociedade argelina, o que inclui as investigações do espaço edificado da casa cabila e do “desenraizamento” forçado de camponeses; as pesquisas sobre os efeitos da crescente urbanização de sua região nativa do Béarn nos anos de 1960; finalmente, as reflexões sobre o espaço citadino que ele produziu em fase tardia de sua carreira.
Resumo Nessa inteligente biografia, a filósofa inglesa Kate Kirkpatrick rastreia, em perspectiva ... more Resumo Nessa inteligente biografia, a filósofa inglesa Kate Kirkpatrick rastreia, em perspectiva histórica, a trajetória existencial pela qual Beauvoir “tornou-se” Beauvoir. O livro acompanha como a pensadora francesa fez de sua própria personalidade-no-mundo um projeto deliberado, o qual teve de enfrentar uma série de resistências “ad feminam” oriundas de seu cenário sociocultural. Com base na leitura atenta dos diários que Beauvoir manteve durante seus tempos de estudante, publicados somente em 2008, Kirkpatrick lança nova luz sobre a evolução intelectual da pensadora francesa. Quando passa da sua juventude à sua maturidade e velhice, a biografia nunca perde de vista o complexo engajamento de Beauvoir com suas circunstâncias socio-históricas. Tal combinação de análise biográfica com um exercício em história cultural se mostra especialmente fecunda no trato da conturbada recepção de O segundo sexo e das respostas criativas da autora a essa recepção. Ademais, o livro de Kirkpatrick ...
Abstract: Hartmut Rosa is a Professor of Sociology at the University of Jena, and one of the most... more Abstract: Hartmut Rosa is a Professor of Sociology at the University of Jena, and one of the most original and prolific critical social theorists of our time. The connections between the theoretical and substantive concerns of Rosa's work, on the one hand, and the analytical purposes of this issue of Civitas dedicated to “existential sociology”, on the other, are manifold. Rosa's arguments on how acceleration as a social-structural trend of late modernity throws light upon intimate dilemmas of individual self-identity, for instance, could certainly be interpreted as (existential) sociological imagination at its best. The same goes for Rosa's subtlety and ingenuity in capturing human modes of relating to the world in his theory of resonance, which apprehends the intermingling of bodily, affective, evaluative and cognitive dimensions in a manner that could be deemed “existential” - in a broad and original sense of the word - as broad and original is also the conception of ...
Resumo Neste livro, Peter Berger relata como sua perspectiva quanto à relação entre modernidade e... more Resumo Neste livro, Peter Berger relata como sua perspectiva quanto à relação entre modernidade e religião se transformou, ao longo das últimas décadas, à luz de desenvolvimentos socio-históricos transcorridos ao redor do mundo. Tal mudança de perspectiva o levou a substituir sua anterior teoria da secularização por uma teoria do pluralismo. Enquanto a primeira pressupunha que a modernidade provoca necessariamente um declínio da religião, tanto na ordem institucional como nas consciências individuais, a segunda sustenta que a transformação fundamental provocada pela modernização é uma adaptação multiforme da religião à pluralidade moderna de discursos, visões de mundo e esferas institucionais. Em vez de cenário de uma tendência ao desaparecimento da religião, a modernidade seria marcada pela coexistência entre o discurso secular e diferentes discursos religiosos, os quais se apresentam aos indivíduos como opções a serem escolhidas, não como pressupostos naturais e autoevidentes. Com...
A partir de um diálogo com Michel Foucault, o artigo aborda os aspectos analíticos e morais do pr... more A partir de um diálogo com Michel Foucault, o artigo aborda os aspectos analíticos e morais do problema da “compreensibilidade” da loucura. Os aspectos analíticos envolvem saber se a loucura é compreensível ou, pelo menos, quão compreensível ela pode ser tornada a um ponto de vista exterior. Os aspectos morais dizem respeito às atitudes normativas que é legítimo assumir em face de vivências, falas e práticas “loucas”, sobretudo quando estas se mostram opacas, ao menos a um primeiro olhar, diante de esquemas “normais” de interpretação. Entrecruzando a discussão está uma crítica – de alcance mais geral, porém também aplicável a Foucault – à tendência de certa filosofia, ciência social e psicanálise a negligenciar modalidades “apolíneas” de loucura em prol de suas formas “dionisíacas”, sejam as últimas patologizadas como “regressões” ou celebradas como subversões de dispositivos psíquicos de poder.
Based on the articles that make up the dossier, the organizers reflect on different ways of conce... more Based on the articles that make up the dossier, the organizers reflect on different ways of conceiving and carrying out an existential sociology.
A partir de um diálogo com Michel Foucault, o artigo aborda os aspectos analíticos e morais do pr... more A partir de um diálogo com Michel Foucault, o artigo aborda os aspectos analíticos e morais do problema da “compreensibilidade” da loucura. Os aspectos analíticos envolvem saber se a loucura é compreensível ou, pelo menos, quão compreensível ela pode ser tornada a um ponto de vista exterior. Os aspectos morais dizem respeito às atitudes normativas que é legítimo assumir em face de vivências, falas e práticas “loucas”, sobretudo quando estas se mostram opacas, ao menos a um primeiro olhar, diante de esquemas “normais” de interpretação. Entrecruzando a discussão está uma crítica – de alcance mais geral, porém também aplicável a Foucault – à tendência de certa filosofia, ciência social e psicanálise a negligenciar modalidades “apolíneas” de loucura em prol de suas formas “dionisíacas”, sejam as últimas patologizadas como “regressões” ou celebradas como subversões de dispositivos psíquicos de poder.
Com base nos artigos que compõem o dossiê, os organizadores refletem
sobre diferentes modos de co... more Com base nos artigos que compõem o dossiê, os organizadores refletem sobre diferentes modos de conceber e levar a efeito uma sociologia existencial.
O artigo examina a “virada praxiológica” nas ciências sociais da segunda metade do século xx, vir... more O artigo examina a “virada praxiológica” nas ciências sociais da segunda metade do século xx, virada manifesta em teorias que, a despeito de suas discordâncias quanto a questões diversas, se ancoram todas em uma ontologia processual que toma o mundo social como domínio de práticas. Concentrando-se nas semelhanças, mais do que nas diferenças, entre as variadas vertentes de praxiologia, o artigo oferece uma pintura ideal-típica da virada praxiológica na teoria social. Partindo de suas fontes filosóficas na fenomenologia existencial e na pragmática da linguagem, o texto trata de sete postulados presentes, ainda que sob diferentes roupagens, nas teorias praxiológicas de autores como Giddens, Garfinkel, Taylor, Bourdieu e Latour. Como “guinadas internas” que se combinam na praxiologia, aqueles postulados incluem as viradas existencial, culturalista, habitual, corporal, objetal, intersubjetivista e multidimensional.
O artigo é parte de um programa de pesquisa em "heurística da insanidade", o qual explora o poder... more O artigo é parte de um programa de pesquisa em "heurística da insanidade", o qual explora o poder analítico de ferramentas sociológicas na compreensão da esquizofrenia, assim como a relevância de investigações da experiência esquizofrênica para a teoria social, sobretudo no que toca às concepções de agência, experiência e subjetividade que nela vigoram. No seio deste programa mais geral, o trabalho revisita perspectivas dramatúrgicas sobre a relação entre self e sociedade, entrecruzando tais perspectivas com a literatura psiquiátrica acerca de pertur-bações "esquizoides" no relacionamento do sujeito com o mundo e consigo próprio. Se as visões dramatúrgicas da subjetividade criticam, no plano teórico, o pressuposto de senso comum de que haveria um "eu" estável e nitidamente distinto das máscaras teatrais que ele "veste" na vida social cotidiana, algumas perturbações da autoidentidade ou senso de si na esquizofrenia são concretizações existenciais, efetivamente vividas, dessa dissolução do "eu" em um feixe de papéis ou identidades sociais. Palavras-chave: Autoidentidade. Papel social. Fenomenologia. Esquizofrenia. Sociologia drama-túrgica.
O artigo arrisca uma interpretação sociológica da suposta "pandemia de depressão" que assola a co... more O artigo arrisca uma interpretação sociológica da suposta "pandemia de depressão" que assola a contemporaneidade. Os mal-estares psíquicos comumente descritos como experiências depressivas são compreendidos à luz das formas de subjetividade produzidas ou, pelo menos, encorajadas pela modernidade tardia. Com base no retrato sócio-histórico do "novo espírito do capitalismo" formulado por Boltanski e Chiapello, o texto defende que os atributos de iniciativa, empreendedorismo e adaptabilidade tornaram-se imperativos da individualidade contemporânea não somente no mundo do trabalho, mas também em diversos outros domínios existenciais, tais como o cuidado com o corpo e as relações erótico-afetivas. Sem desconsiderar a inflação de diagnósticos psiquiátricos como parte das causas por trás da alegada pandemia de depressão na atualidade, o trabalho sustenta que as formas muito reais de sofrimento psíquico classificadas nesses termos são a moeda reversa, por assim dizer, de demandas sistêmicas pela autorrealização individual: o colapso depressivo da iniciativa e a ausência de "projetos" substituem o "empreendedorismo de si"; a interrupção do movimento sobrepuja a adaptabilidade flexível do self a uma sociedade de mudanças aceleradas; e a experiência do isolamento existencial substitui a esperada comunicabilidade do sujeito-trabalhador contemporâneo como infatigável networker. O trabalho conclui com uma reflexão sobre os limites que a civilização contemporânea coloca à "ecologia psíquica" e à "economia energética" dos indivíduos nela imersos.
Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, n.91, 2020
Em resposta à influência global da sociologia de Pierre Bourdieu, o estudo das condições sociais ... more Em resposta à influência global da sociologia de Pierre Bourdieu, o estudo das condições sociais que governaram a recepção de sua obra em diferentes contextos nacionais tem atraído um número crescente de pesquisadores ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Ancorado em trabalhos voltados à história da recepção da obra de Bourdieu no cenário intelectual brasileiro, assim como em uma investigação em curso sobre a correspondência do autor com pesquisadores do Brasil, o presente artigo busca mostrar como as circunstâncias daquela recepção condicionaram as diferentes imagens atribuídas ao sociólogo francês nas ciências sociais brasileiras ao longo dos últimos 50 anos. Fatores como o andamento das traduções brasileiras de seus escritos e os conflitos internos ao campo intelectual nacional em torno de distintas agendas de pesquisa resultaram, afirmamos no presente texto, em retratos de Bourdieu que salientaram diferentes facetas do seu trabalho sociológico in toto, tais como a etnografia das classes populares, a sociologia da cultura nas suas facetas “restrita” e “ampliada” e, finalmente, a interpretação da(s) sociedade(s) de classe. A presença ambivalente da praxiologia estrutural de Bourdieu nas reflexões sobre teoria social no Brasil também será discutida, com ênfase especial sobre as implicações inauditas de sua crítica da “teoria teórica” para o problema das “ideias fora do lugar” em um cenário intelectual periférico.
O artigo acompanha a passagem do "realismo transcendental" ao "naturalismo crítico" no trabalho d... more O artigo acompanha a passagem do "realismo transcendental" ao "naturalismo crítico" no trabalho de Roy Bhaskar, com um foco especial sobre a "ontologia estratificada" que o autor extraiu de suas análises das ciências naturais e sociais. Ao unir suas caracterizações ontológicas da natureza e da sociedade sob o guarda-chuva filosófico do "realismo crítico", Bhaskar retrata o mundo como um conjunto de "sistemas abertos" nos quais entidades dotadas de potenciais causais intrínsecos, ao entrarem em complexas relações que ativam ou bloqueiam tais potenciais, geram sequências de eventos. Transposta para a investigação do mundo social, essa ontologia disposicional evita tanto a redução individualista quanto a reificação coletivista, reconhecendo a realidade das estruturas sociais sem negar que a efetivação de seus poderes causais é mediada pelos poderes causais dos agentes humanos por elas influenciados. O texto é concluído com a apresentação de um dos modelos da estratificação ontológica da vida social oriundos do realismo crítico. Ao tomar os níveis individual, interacional, institucional, estrutural e cultural da sociedade como relativamente autônomos e, ao mesmo tempo, interinfluentes, uma teoria social realista supera reducionismos a priori e oferece uma orientação analítica fecunda para a pesquisa empírica do mundo social. Palavras-chave: Realismo transcendental; naturalismo crítico; filosofia das ciências naturais; filosofia das ciências sociais; ontologia estratificada.
O artigo explora o uso de temas feministas na publicidade contemporânea, com ênfase na apropriaçã... more O artigo explora o uso de temas feministas na publicidade contemporânea, com ênfase na apropriação publicitária da noção de “empoderamento”. A análise desse “feminismo da mercadoria” demonstra que, a despeito de potenciais aspectos emancipatórios, os usos publicitários do conceito de empoderamento revelam um sentido individualizante que se afina ideologicamente com o ethos do capitalismo tardio e com formas de subjetivação que enfatizam a autoconsciência, o autogoverno, a independência, o sucesso individual e a liberdade para fazer escolhas. Tal inflexão destoa dos compromissos coletivistas com transformações estruturais antes atrelados ao conceito pelo feminismo de segunda onda. Se o slogan feminista de que “o pessoal é político” vinculava a autotransformação individual à transformação social, a proposta de empoderamento veiculada no femvertising esvazia aqueles compromissos através da sugestão implícita de que “o político é pessoal”. O artigo ilustra tais argumentos com o exame de uma campanha publicitária promovida pela marca de absorventes Always, enfatizando como a dimensão política do feminismo de segunda onda, presente em reflexões como as de Carol Gilligan e de Iris M. Young, pode ser apropriada de forma a compatibilizá-la ao ethos neoliberal e suas formas específicas de subjetivação.
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crise da sociedade camponesa no Béarn. São
Paulo: Unifesp, 2021.
encontram “protestos” orgânico-psíquicos e “resistências passivas” na própria subjetividade que procuram moldar. Mapeando tais dinâmicas conflitivas entre dispositivos e resistências, o artigo percorre quatro eixos argumentativos, cada um dos quais privilegiando uma contribuição autoral particular: as reflexões de Alain Ehrenberg sobre o recurso a drogas de alteração do estado de consciência como instrumentos de otimização do desempenho na “sociedade do doping”; as cogitações de Jonathan Crary sobre o sono como obstáculo à colonização completa da
subjetividade pelo imaginário capitalista da atividade ininterrupta; a interpretação sistêmica e política da depressão como efeito estrutural do “realismo capitalista” formulada pelo crítico cultural Mark Fisher; e, finalmente, a análise da psicopatologia como “protesto” levada a efeito pela filósofa feminista Susan Bordo, central para a apreensão da ambiguidade inerente às “resistências passivas” discutidas no trabalho.
exterior. Os aspectos morais dizem respeito às atitudes normativas que é legítimo assumir em face de vivências, falas e práticas “loucas”, sobretudo quando estas se mostram opacas, ao menos a um primeiro olhar, diante de esquemas “normais” de interpretação. Entrecruzando a discussão está uma crítica – de alcance mais geral, porém também aplicável a Foucault – à tendência de certa filosofia, ciência social e psicanálise a negligenciar modalidades “apolíneas” de loucura em prol de suas formas “dionisíacas”, sejam as últimas patologizadas como “regressões” ou celebradas como subversões de dispositivos psíquicos de poder.
sobre diferentes modos de conceber e levar a efeito uma sociologia existencial.
recepção de sua obra em diferentes contextos nacionais tem atraído um número crescente de pesquisadores ao redor
do mundo, inclusive no Brasil. Ancorado em trabalhos voltados à história da recepção da obra de Bourdieu no cenário
intelectual brasileiro, assim como em uma investigação em curso sobre a correspondência do autor com pesquisadores do Brasil, o presente artigo busca mostrar como as circunstâncias daquela recepção condicionaram as diferentes
imagens atribuídas ao sociólogo francês nas ciências sociais brasileiras ao longo dos últimos 50 anos. Fatores como o
andamento das traduções brasileiras de seus escritos e os conflitos internos ao campo intelectual nacional em torno
de distintas agendas de pesquisa resultaram, afirmamos no presente texto, em retratos de Bourdieu que salientaram
diferentes facetas do seu trabalho sociológico in toto, tais como a etnografia das classes populares, a sociologia da
cultura nas suas facetas “restrita” e “ampliada” e, finalmente, a interpretação da(s) sociedade(s) de classe. A presença
ambivalente da praxiologia estrutural de Bourdieu nas reflexões sobre teoria social no Brasil também será discutida,
com ênfase especial sobre as implicações inauditas de sua crítica da “teoria teórica” para o problema das “ideias fora do
lugar” em um cenário intelectual periférico.
crise da sociedade camponesa no Béarn. São
Paulo: Unifesp, 2021.
encontram “protestos” orgânico-psíquicos e “resistências passivas” na própria subjetividade que procuram moldar. Mapeando tais dinâmicas conflitivas entre dispositivos e resistências, o artigo percorre quatro eixos argumentativos, cada um dos quais privilegiando uma contribuição autoral particular: as reflexões de Alain Ehrenberg sobre o recurso a drogas de alteração do estado de consciência como instrumentos de otimização do desempenho na “sociedade do doping”; as cogitações de Jonathan Crary sobre o sono como obstáculo à colonização completa da
subjetividade pelo imaginário capitalista da atividade ininterrupta; a interpretação sistêmica e política da depressão como efeito estrutural do “realismo capitalista” formulada pelo crítico cultural Mark Fisher; e, finalmente, a análise da psicopatologia como “protesto” levada a efeito pela filósofa feminista Susan Bordo, central para a apreensão da ambiguidade inerente às “resistências passivas” discutidas no trabalho.
exterior. Os aspectos morais dizem respeito às atitudes normativas que é legítimo assumir em face de vivências, falas e práticas “loucas”, sobretudo quando estas se mostram opacas, ao menos a um primeiro olhar, diante de esquemas “normais” de interpretação. Entrecruzando a discussão está uma crítica – de alcance mais geral, porém também aplicável a Foucault – à tendência de certa filosofia, ciência social e psicanálise a negligenciar modalidades “apolíneas” de loucura em prol de suas formas “dionisíacas”, sejam as últimas patologizadas como “regressões” ou celebradas como subversões de dispositivos psíquicos de poder.
sobre diferentes modos de conceber e levar a efeito uma sociologia existencial.
recepção de sua obra em diferentes contextos nacionais tem atraído um número crescente de pesquisadores ao redor
do mundo, inclusive no Brasil. Ancorado em trabalhos voltados à história da recepção da obra de Bourdieu no cenário
intelectual brasileiro, assim como em uma investigação em curso sobre a correspondência do autor com pesquisadores do Brasil, o presente artigo busca mostrar como as circunstâncias daquela recepção condicionaram as diferentes
imagens atribuídas ao sociólogo francês nas ciências sociais brasileiras ao longo dos últimos 50 anos. Fatores como o
andamento das traduções brasileiras de seus escritos e os conflitos internos ao campo intelectual nacional em torno
de distintas agendas de pesquisa resultaram, afirmamos no presente texto, em retratos de Bourdieu que salientaram
diferentes facetas do seu trabalho sociológico in toto, tais como a etnografia das classes populares, a sociologia da
cultura nas suas facetas “restrita” e “ampliada” e, finalmente, a interpretação da(s) sociedade(s) de classe. A presença
ambivalente da praxiologia estrutural de Bourdieu nas reflexões sobre teoria social no Brasil também será discutida,
com ênfase especial sobre as implicações inauditas de sua crítica da “teoria teórica” para o problema das “ideias fora do
lugar” em um cenário intelectual periférico.