Brazil/Brasil Revista de Literatura Brasileira, 2021
A região portuária do Rio de Janeiro oitocentista possui profunda relação com o tráfico de africa... more A região portuária do Rio de Janeiro oitocentista possui profunda relação com o tráfico de africanos escravizados e representa, portanto, um espaço reprimido no inconsciente coletivo pelo processo de modernização da cidade. Essa imagem fica patente nos percursos que Rubião, protagonista de Quincas Borba, e que Gervásio Gomes, de A falência, fazem pela região. Embora o período narrado nas obras seja separado por cerca de vinte anos, em ambos os romances se percebe o estranhamento que a área provoca nos dois homens da elite fluminense, para quem trabalho encontra-se vinculado à escravidão, mesmo no contexto de substituição da mão de obra urbana escravizada pela de imigrantes. Por meio do mapeamento de ambos os percursos procuramos preencher as lacunas históricas presentes nos textos e que apontam para o escravismo como trauma histórico latente.
Este artigo tem por objetivo apresentar uma análise do conto “Capítulo dos chapéus”, publicado po... more Este artigo tem por objetivo apresentar uma análise do conto “Capítulo dos chapéus”, publicado por Machado de Assis em 1883 na revista A Estação, a partir da maneira como os itens do vestuário e os espaços da cidade são integrados à narrativa e quais são suas implicações na construção das personagens Marianna e Sophia. Para tanto, as metodologias adotadas foram a pesquisa em fontes primárias e a pesquisa bibliográfica, com ênfase em estudos compreendidos pelas áreas da moda e da história urbana. Dentre outras conclusões, observa-se, por meio dessa leitura, que a representação do vestuário e do espaço urbano em “Capítulo dos chapéus” não se presta somente à descrição de ambiente e personagens, constituindo um expediente estético que estrutura a trama.
Resumo: Romance a quatro maos escrito por Carlos & Carlos Sussekind, Armadilha para Lamartine ace... more Resumo: Romance a quatro maos escrito por Carlos & Carlos Sussekind, Armadilha para Lamartine aceita di-versas possibilidades de leitura devido a sua estrutura complexa. Entrecruzando duas geracoes — pai e filho — frente a relacao entre sanidade e loucura, a obra publicada em 1976 traca um retrato de uma familia burguesa brasileira dos anos 1950. Este trabalho procura utilizar-se do livro Maneirismo: o mundo como labirinto, de Gus-tav Hocke, citado de forma enigmatica ao final de Armadilha..., como chave de leitura para compreensao da nar-rativa deste. Desse modo, observamos como o uso de recursos maneiristas se reflete na construcao de uma narra-tiva ambigua que resulta, como em um jogo de espelhos, em uma representacao distorcida da realidade.
The short stories discussed in this text, “Cantiga de esponsais” (1883), “O machete” (1878), and ... more The short stories discussed in this text, “Cantiga de esponsais” (1883), “O machete” (1878), and “Um homem célebre” (1888), have in common the central presence of an internal conflict in their protagonists that is marked by the mismatch between desire and compositional capacity, which might reflect the impossibility of translating the Brazilian experience in the erudite form. In the stories, the central characters, men of the popular strata and of African descent, illustrate the life of musicians in Rio de Janeiro in the 19th century in three different moments – 1813, mid-century and 1870s – and, thus, present the inherent contradictions to the slave urban context of the period. Musical practice, like the labor of non-slaves, did not ensure social mobility, but it did place the musician in a different position in the urban environment. Mestre Romão, Inácio Ramos and Pestana have erudite training and live in spaces reserved for the city's popular strata while also dealing with el...
A forte presença do Rio de Janeiro na prosa machadiana aponta para a necessidade de uma investiga... more A forte presença do Rio de Janeiro na prosa machadiana aponta para a necessidade de uma investigação acerca dos procedimentos de inserção da cidade na narrativa de seus romances. A partir do trabalho de Franco Moretti e de Kevin Lynch, procuramos elaborar mapas/imagens de três romances de Machado de Assis: Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro como ponto de partida para compreensão dos procedimentos de representação da cidade no caso de narradores subjetivados. Iniciamos o trabalho pela contextualização histórica dos romances, para entender sua relação com as mudanças por que o Brasil passou ao
longo do século XIX. O cotejo dos três mapas revelou que o detalhamento da cidade está em relação direta com a natureza da narrativa, pois o romance com narrador em terceira pessoa, Quincas Borba, apresenta maior minúcia na representação do Rio. A partir disso, elaboramos um segundo estágio de análise que buscou identificar como o espaço urbano nos romances se cobre de significação. Os indícios textuais com que se vinculam ação e espaço puderam ser classificados em cinco categorias não excludentes de significação. Na sequência, aprofundamos nossa análise do romance Quincas Borba, em que a presença do espaço urbano se faz mais marcante. Pelo exame da linguagem, via estudos enunciativos de Émile Benveniste, concluímos que o narrador de Quincas Borba altera o tempo todo o efeito de realidade que se torna uma construção de sentido moldada pela oscilação entre enunciação histórica e de
discurso. Por meio da análise de dois percursos do protagonista pelas ruas da cidade,
identificamos que a oscilação das instâncias enunciativas faz com que a matéria histórica que confere verossimilhança à obra esteja em constante tensão com as idiossincrasias de um narrador em terceira pessoa subjetivado. Por fim, conclui-se que a dualidade da solução formal encontrada por Machado para este romance se adequa à representação da realidade fraturada brasileira.
Brazil/Brasil Revista de Literatura Brasileira, 2021
A região portuária do Rio de Janeiro oitocentista possui profunda relação com o tráfico de africa... more A região portuária do Rio de Janeiro oitocentista possui profunda relação com o tráfico de africanos escravizados e representa, portanto, um espaço reprimido no inconsciente coletivo pelo processo de modernização da cidade. Essa imagem fica patente nos percursos que Rubião, protagonista de Quincas Borba, e que Gervásio Gomes, de A falência, fazem pela região. Embora o período narrado nas obras seja separado por cerca de vinte anos, em ambos os romances se percebe o estranhamento que a área provoca nos dois homens da elite fluminense, para quem trabalho encontra-se vinculado à escravidão, mesmo no contexto de substituição da mão de obra urbana escravizada pela de imigrantes. Por meio do mapeamento de ambos os percursos procuramos preencher as lacunas históricas presentes nos textos e que apontam para o escravismo como trauma histórico latente.
Este artigo tem por objetivo apresentar uma análise do conto “Capítulo dos chapéus”, publicado po... more Este artigo tem por objetivo apresentar uma análise do conto “Capítulo dos chapéus”, publicado por Machado de Assis em 1883 na revista A Estação, a partir da maneira como os itens do vestuário e os espaços da cidade são integrados à narrativa e quais são suas implicações na construção das personagens Marianna e Sophia. Para tanto, as metodologias adotadas foram a pesquisa em fontes primárias e a pesquisa bibliográfica, com ênfase em estudos compreendidos pelas áreas da moda e da história urbana. Dentre outras conclusões, observa-se, por meio dessa leitura, que a representação do vestuário e do espaço urbano em “Capítulo dos chapéus” não se presta somente à descrição de ambiente e personagens, constituindo um expediente estético que estrutura a trama.
Resumo: Romance a quatro maos escrito por Carlos & Carlos Sussekind, Armadilha para Lamartine ace... more Resumo: Romance a quatro maos escrito por Carlos & Carlos Sussekind, Armadilha para Lamartine aceita di-versas possibilidades de leitura devido a sua estrutura complexa. Entrecruzando duas geracoes — pai e filho — frente a relacao entre sanidade e loucura, a obra publicada em 1976 traca um retrato de uma familia burguesa brasileira dos anos 1950. Este trabalho procura utilizar-se do livro Maneirismo: o mundo como labirinto, de Gus-tav Hocke, citado de forma enigmatica ao final de Armadilha..., como chave de leitura para compreensao da nar-rativa deste. Desse modo, observamos como o uso de recursos maneiristas se reflete na construcao de uma narra-tiva ambigua que resulta, como em um jogo de espelhos, em uma representacao distorcida da realidade.
The short stories discussed in this text, “Cantiga de esponsais” (1883), “O machete” (1878), and ... more The short stories discussed in this text, “Cantiga de esponsais” (1883), “O machete” (1878), and “Um homem célebre” (1888), have in common the central presence of an internal conflict in their protagonists that is marked by the mismatch between desire and compositional capacity, which might reflect the impossibility of translating the Brazilian experience in the erudite form. In the stories, the central characters, men of the popular strata and of African descent, illustrate the life of musicians in Rio de Janeiro in the 19th century in three different moments – 1813, mid-century and 1870s – and, thus, present the inherent contradictions to the slave urban context of the period. Musical practice, like the labor of non-slaves, did not ensure social mobility, but it did place the musician in a different position in the urban environment. Mestre Romão, Inácio Ramos and Pestana have erudite training and live in spaces reserved for the city's popular strata while also dealing with el...
A forte presença do Rio de Janeiro na prosa machadiana aponta para a necessidade de uma investiga... more A forte presença do Rio de Janeiro na prosa machadiana aponta para a necessidade de uma investigação acerca dos procedimentos de inserção da cidade na narrativa de seus romances. A partir do trabalho de Franco Moretti e de Kevin Lynch, procuramos elaborar mapas/imagens de três romances de Machado de Assis: Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro como ponto de partida para compreensão dos procedimentos de representação da cidade no caso de narradores subjetivados. Iniciamos o trabalho pela contextualização histórica dos romances, para entender sua relação com as mudanças por que o Brasil passou ao
longo do século XIX. O cotejo dos três mapas revelou que o detalhamento da cidade está em relação direta com a natureza da narrativa, pois o romance com narrador em terceira pessoa, Quincas Borba, apresenta maior minúcia na representação do Rio. A partir disso, elaboramos um segundo estágio de análise que buscou identificar como o espaço urbano nos romances se cobre de significação. Os indícios textuais com que se vinculam ação e espaço puderam ser classificados em cinco categorias não excludentes de significação. Na sequência, aprofundamos nossa análise do romance Quincas Borba, em que a presença do espaço urbano se faz mais marcante. Pelo exame da linguagem, via estudos enunciativos de Émile Benveniste, concluímos que o narrador de Quincas Borba altera o tempo todo o efeito de realidade que se torna uma construção de sentido moldada pela oscilação entre enunciação histórica e de
discurso. Por meio da análise de dois percursos do protagonista pelas ruas da cidade,
identificamos que a oscilação das instâncias enunciativas faz com que a matéria histórica que confere verossimilhança à obra esteja em constante tensão com as idiossincrasias de um narrador em terceira pessoa subjetivado. Por fim, conclui-se que a dualidade da solução formal encontrada por Machado para este romance se adequa à representação da realidade fraturada brasileira.
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longo do século XIX. O cotejo dos três mapas revelou que o detalhamento da cidade está em relação direta com a natureza da narrativa, pois o romance com narrador em terceira pessoa, Quincas Borba, apresenta maior minúcia na representação do Rio. A partir disso, elaboramos um segundo estágio de análise que buscou identificar como o espaço urbano nos romances se cobre de significação. Os indícios textuais com que se vinculam ação e espaço puderam ser classificados em cinco categorias não excludentes de significação. Na sequência, aprofundamos nossa análise do romance Quincas Borba, em que a presença do espaço urbano se faz mais marcante. Pelo exame da linguagem, via estudos enunciativos de Émile Benveniste, concluímos que o narrador de Quincas Borba altera o tempo todo o efeito de realidade que se torna uma construção de sentido moldada pela oscilação entre enunciação histórica e de
discurso. Por meio da análise de dois percursos do protagonista pelas ruas da cidade,
identificamos que a oscilação das instâncias enunciativas faz com que a matéria histórica que confere verossimilhança à obra esteja em constante tensão com as idiossincrasias de um narrador em terceira pessoa subjetivado. Por fim, conclui-se que a dualidade da solução formal encontrada por Machado para este romance se adequa à representação da realidade fraturada brasileira.
longo do século XIX. O cotejo dos três mapas revelou que o detalhamento da cidade está em relação direta com a natureza da narrativa, pois o romance com narrador em terceira pessoa, Quincas Borba, apresenta maior minúcia na representação do Rio. A partir disso, elaboramos um segundo estágio de análise que buscou identificar como o espaço urbano nos romances se cobre de significação. Os indícios textuais com que se vinculam ação e espaço puderam ser classificados em cinco categorias não excludentes de significação. Na sequência, aprofundamos nossa análise do romance Quincas Borba, em que a presença do espaço urbano se faz mais marcante. Pelo exame da linguagem, via estudos enunciativos de Émile Benveniste, concluímos que o narrador de Quincas Borba altera o tempo todo o efeito de realidade que se torna uma construção de sentido moldada pela oscilação entre enunciação histórica e de
discurso. Por meio da análise de dois percursos do protagonista pelas ruas da cidade,
identificamos que a oscilação das instâncias enunciativas faz com que a matéria histórica que confere verossimilhança à obra esteja em constante tensão com as idiossincrasias de um narrador em terceira pessoa subjetivado. Por fim, conclui-se que a dualidade da solução formal encontrada por Machado para este romance se adequa à representação da realidade fraturada brasileira.