O que acontece com as reflexões sobre terra e territorialidade quando reconhecemos que seus “usos... more O que acontece com as reflexões sobre terra e territorialidade quando reconhecemos que seus “usos, costumes e tradições” são informados, sobretudo, por relações de gênero? Este dossiê irá explorar tal questão partindo de uma abordagem de gênero que situe, no centro da análise, os princípios de distinção e composição envolvidos na criação de corpos e pessoas. Neste sentido, como as relações de gênero produzem a e são produzidas pela terra onde se vive? A “casa”, enquanto lugar por excelência das práticas femininas de criação e cuidado dos corpos, surge assim em sua dimensão pragmática, performativa. No cotidiano ou nos momentos rituais, os modos de hospitalidade e circulação de alimentos, pessoas e conversas informam um certo “fazer comunidade” implicado no pertencimento à “terra”. Buscando por este caminho observar as mútuas implicações entre “terra” e “gênero”, pretendemos reunir trabalhos com diferentes recortes subdisciplinares da antropologia para explorar contrastes, cruzamentos e aproximações.
Partindo das etnografias das autoras, uma realizada junto a agricultores/as familiares do povo do... more Partindo das etnografias das autoras, uma realizada junto a agricultores/as familiares do povo dos Buracos e outra junto aos Karo-Arara, um povo indígena falante de uma língua Tupi Ramarama, este artigo investiga as relações elicitadas através da agência feminina na cozinha e da produção, circulação e compartilhamento de comida e bebida. Trata-se de tentar cruzar fronteiras entre duas tradições bem estabelecidas na antropologia brasileira: os estudos do campesinato e a etnologia indígena. Buscamos mostrar como, em diversos contextos etnográficos indígenas, quilombolas e camponeses, a cozinha é um dispositivo de criação através do qual se constituem, e também se desfazem, corpos, pessoas e coletividades necessariamente implicados em terras e territórios específicos. palavras-chave Mulheres, cozinha, comida, bebida, relação.
A partir de uma mensagem viral de Whatsapp que recebi de forma inesperada de uma antiga amiga do ... more A partir de uma mensagem viral de Whatsapp que recebi de forma inesperada de uma antiga amiga do povo dos Buracos, passo a examinar a relação entre os movimentos familiares relativos à terra dos Buracos e o tratamento cuidadoso dado às narrativas que eu escutara ali sobre o assassinato de um sindicalista rural, parente desse povo. Exploro o silêncio dessas narrativas de memória em relação ao que eu pré-estabelecera sorrateiramente como expressão política daquele assassinato. O silêncio, vale antecipar, resultava de um deslocamento daquilo que eu projetava como ‘a dimensão política dos fatos’. No lugar das menções à luta sindical, que eu esperaria ouvir nas narrativas de seus parentes, eu ouvira sobre o sangue grosso na sua cabeça aberta, quebrando o encanto de seu corpo fechado. Esses elementos se repetiam em praticamente todas as versões, como um ritornelo, em geral encerrando o causo.
Introdução à seção temática "Mulheres, territorialidades e epistemologias feministas – confl... more Introdução à seção temática "Mulheres, territorialidades e epistemologias feministas – conflitos, resistências e (re)existências", escrita por suas organizadoras Fabrina Furtado, Ana Carneiro e Dibe Ayoub.
Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas
Resumo Como as grandes corporações de base extrativista lidam com os povos por elas impactados? A... more Resumo Como as grandes corporações de base extrativista lidam com os povos por elas impactados? A pergunta orientou esta revisão bibliográfica, que faz parte do projeto “Implicações políticas do capitalismo extrativista: movimentos sociais e condições de exercício dos direitos na Amazônia brasileira”, mas tem como foco o que acontece fora do Brasil. A partir do repertório levantado, identifica-se um aspecto central na forma pela qual as corporações exercem seu poder: a criação contínua de ambiguidades, contradições, paradoxos, incertezas. Sustentam-se, dessa forma, os processos jurídicos kafkianos e a consequente não resolução de conflitos, a precarização da vida junto às perspectivas de desenvolvimento local, a narrativa ético-moral empresarial, articulada à desregulação da ação estatal e das garantias sociais, em nome da ‘governança’, e daí por diante. Lançando foco sobre os efeitos concretos dessa linguagem ambígua, veremos que a ‘responsabilidade social corporativa’ em geral não...
Como abordar a ‘violência obstétrica’ em uma escola pública no mesmo momento em que o Ministério ... more Como abordar a ‘violência obstétrica’ em uma escola pública no mesmo momento em que o Ministério da Saúde despacha sobre a inadequação do termo? Exploraremos este problema de fundo a partir da descrição de um projeto de extensão realizado em uma escola estadual em Porto Seguro (BA), envolvendo a Universidade Federal do Sul da Bahia e o Coletivo Parto Seguro: pelo fim da violência obstétrica. Por fim, as conversas entre a antropóloga coordenadora do projeto, as ativistas do Coletivo e jovens estudantes da rede de ensino estadual levam-nos a apontar brevemente para um possível caminho de abordagem da violência obstétrica no debate público.
A partir dos trabalhos etnográficos apresentados neste volume, problematizamos a ideia de movimen... more A partir dos trabalhos etnográficos apresentados neste volume, problematizamos a ideia de movimento buscando mapear diferentes formas de concebê-lo. Os contrastes e aproximações entre as elaborações nativas sobre o movimento, observadas em contextos variados, permitem-nos não apenas destacar distinções entre experiências etnográfi cas particulares de mobilidade como também diferenciar possibilidades de abordagem. Dimensões intensivas e extensivas, diversidade de direções, durações, percursos, ritmos, velocidades, práticas, agenciamentos, e relações com desacelerações, pousos e paradas ajudam-nos a apurar, precisar e ressaltar formas específi cas com que o movimento surge à análise, sempre como princípio organizador da descrição de dinâmicas sociais. Os trabalhos analisados apontam para possibilidades de classificações e formações coletivas não perceptíveis quando tomamos por estáticas as realidades estudadas.
Como abordar a ‘violência obstétrica’ em uma escola pública no mesmo momento em que o Ministé... more Como abordar a ‘violência obstétrica’ em uma escola pública no mesmo momento em que o Ministério da Saúde despacha sobre a inadequação do termo? Exploraremos este problema de fundo a partir da descrição de um projeto de extensão realizado em uma escola estadual em Porto Seguro (BA), envolvendo a Universidade Federal do Sul da Bahia e o Coletivo Parto Seguro: pelo fim da violência obstétrica. Por fim, as conversas entre a antropóloga coordenadora do projeto, as ativistas do Coletivo e jovens estudantes da rede de ensino estadual levam-nos a apontar brevemente para um possível caminho de abordagem da violência obstétrica no debate público.
Sciences humaines et sociales 18 | 2020 Habiter : maison et espace social, 2020
Dans le sertão du Minas Gerais (Brésil), les expressions « temps des fêtes » (tempo da folia) ... more Dans le sertão du Minas Gerais (Brésil), les expressions « temps des fêtes » (tempo da folia) et « temps de la politique » (tempo da política), utilisées par les habitants, désignent des périodes de l’année durant lesquelles ils circulent plus qu’à l’habitude, intensifiant les visites qu’ils se rendent les uns les autres. La maison apparaît alors comme un lieu central doté d’une force propre qui impulse ces déplacements, créant les conditions d’un sentiment d’appartenance sociale et politique.
A partir da etnografia dos Buracos, povoado de pequenos agricultores no Sertão norte-mineiro, Bra... more A partir da etnografia dos Buracos, povoado de pequenos agricultores no Sertão norte-mineiro, Brasil, lanço foco sobre momentos de "cisma" nos quais determinadas relações pessoais colocam-se em risco devido a conversas truncadas. Este risco é objeto de preocupação constante dos buraqueiros, que em geral se autoproclamam pessoas de "boa prosa" e "consideração"; contrárias às "cismas". Esta preocupação atenta aos riscos da prosa guarda alguns pontos de comparação com as atitudes de receio e cautela que os agricultores do Bocage francês desenvolvem diante do "sistema de feitiçaria" etnografado por Jeanne Favret-Saada. Tal etnografia serve aqui para, no contraste, explicitar como, nos Buracos, o risco da prosa não é uma ameaça à vida social, mas ao contrário, é-lhe constitutivo, quiçá desejado e buscado através do humor.
Neste dossiê, propomos explorar a combinação entre o tema da casa (ou da domesticidade), na es... more Neste dossiê, propomos explorar a combinação entre o tema da casa (ou da domesticidade), na esteira de uma trajetória consistente nos estudos do rural, e a questão da corporalidade (incluindo classificações da comida; comensalidade e consubstancialidade; construção da pessoa; criação de intimidade), particularmente presente nos estudos voltados aos povos indígenas e de matriz afro. Sob a ampla rubrica dos "povos tradicionais", abre-se a possibilidade de novas combinações entre temas clássicos da narrativa agrária e uma série de situações antes postas como marginais pelo paradigma do campesinato. O enfoque etnográfico-entendido aqui a um só tempo como técnica de campo e método de análise-promove recombinações, cruzamentos criativos entre as diferentes tradições disciplinares voltadas a povos intimamente ligados à terra e ao território. Assim, somando-se à seleção dos artigos elaborados para este dossiê, apresentamos duas preciosidades que-diferentes entre si no tocante aos debates teóricos aos quais se remetem-servem-nos ao intuito de homenagear recombinações etnográficas que hoje nos inspiram no caminho dessas discussões: uma entrevista exclusiva com Ellen Woortmann e um artigo escrito por Jeanne Favret-Saada e Josée Contreras em 1990. Boa parte dos artigos aqui reunidos tem origem no Simpósio Pós-Graduado (SPG) "Casa, comida e gênero: olhares etnográficos", realizado no 41º Encontro Anual da Anpocs, em outubro de 2017. Não à toa, é sobretudo através do viés de gênero que o cruzamento temático entre casa e corporalidade promove uma discussão crescente e atépoucoatépouco tempo
Em função de um episódio ocorrido durante uma ação de visitação promovida, em 2015, pelo P... more Em função de um episódio ocorrido durante uma ação de visitação promovida, em 2015, pelo Projeto de Turismo Ecocultural de Base Comunitária do Território Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu, recupero dados coletados por uma pesquisa etnográfica realizada, entre 2006 e 2009, com o Povo dos Buracos, abrangido pelo projeto. No episódio, alguns agricultores recusavam-se a cobrar dinheiro a turistas que visitariam suas casas. Contrariamente, as coordenadoras da ação diziam ser necessário precificar a estadia dos turistas nas casas dos agricultores para que estes conseguissem gerar renda. Que espécie de relação outra com os turistas poderia ser desejada se não a da troca mercantil? Não se trata aqui de estabelecer externalidade entre dois mundos supostamente opostos, um dos laços comunitários, outro do mercado. O objetivo é indagar sobre como certas composições relacionais assumem maneiras específicas de lidar com o dinheiro. Por este caminho, ao final do artigo exploro a ideia de uma “filosofia política” presente nas práticas sertanejas de visita.
R E S U M O A partir dos trabalhos etnográfi cos apresentados neste volume, problematizamos a ide... more R E S U M O A partir dos trabalhos etnográfi cos apresentados neste volume, problematizamos a ideia de movimento buscando mapear diferentes formas de concebê-lo. Os contrastes e aproximações entre as elaborações nativas sobre o movimento, observadas em contextos variados, permitem-nos não apenas destacar distinções entre experiências etnográfi cas particulares de mobilidade como também diferenciar possibilidades de abordagem. Dimensões intensivas e extensivas, diversidade de direções, durações, percursos, ritmos, velocidades, práticas, agenciamentos, e relações com desacelerações, pousos e paradas ajudam-nos a apurar, precisar e ressaltar formas específi cas com que o movimento surge à análise, sempre como princípio organizador da descrição de dinâmicas sociais. Os trabalhos analisados apontam para possibilidades de classifi cações e formações coletivas não perceptíveis quando tomamos por estáticas as realidades estudadas. A B S T R A C T Based on the ethnographic works presented in this issue, we problematize the idea of movement. It intends to map the distinct manners to conceive it. From the contrasts and convergences observed on native formulation of movement, given varied contexts, it is possible to draw not only the distinctions among particular ethnographic experiences of mobility, but also bring different possibilities to approach them. Thus, intensive and extensive dimensions, diversity of directions, durations, paths, rhythms, paces, practices, agencies, and their relationship with deceleration, pauses and resting, help us to enhance and highlight specifi c forms under which the movement comes to the analysis, arising as an organizing principle of social dynamics. This approach, consisting here by the analysis of those selected papers, points towards possibilities of social classifi cations and collective units that cannot be apprehend when taking for granted the studied realities as motionless. K E Y W O R D S movement, duration, differentiation, social forms.
A antiga Fazenda dos Buracos está situada em um cânion cavado pelo rio Pardo, que corta a extensa... more A antiga Fazenda dos Buracos está situada em um cânion cavado pelo rio Pardo, que corta a extensa área de chapada — " o geralzão " — antigamente coberta pelo cerrado e hoje dominada por grandes monoculturas de soja e ca-pim. Mais preservada, a terra dos Buracos segue o Pardo, que vai recebendo outros rios até desaguar no médio São Francisco, cerca de 150 quilômetros longe dali, perto de Januária. A fazenda foi comprada por João Branco, avô dos que hoje são " os antigos " do lugar. João trouxe com ele a esposa e dois outros casais — um formado pela irmã dele, outro pelo irmão dela — que se estabeleceriam ali como " agregados " 1 dos primeiros, morando nas beiradas do rio Três Passagens, em áreas menos férteis que as dos proprietários da fazenda. Ao longo das últimas quatro gerações, os descendentes desses três casais foram casando entre si, compondo o hoje chamado " povo dos Buracos " , que se espalha por cerca de 50 casas entre o Pardo e seus afluentes. É tudo primo, dizem-me os buraqueiros. Inicialmente soava-lhes estranho que uma moça do Rio de Janeiro estivesse vivendo entre eles, diante do que eu me justificava sobre meu tra-balho, pesquisar o parentesco do povo dos Buracos. Eles em geral assentiam com a cabeça e me orientavam, Você tem que ouvir os causos dos antigos! Esses povo antigo e velho é que sabem contar os causos do povo! Depois de alguns meses nos quais visitei e conversei tanto com os antigos quanto com seus filhos, netos e bisnetos, alguns buraqueiros me cumprimentaram pelo feito, De tanto caminhar e prosear nas casas tudo, daqui a um pouco você vai estar conhecendo o povo dos Buracos melhor do que os daqui! Para chegar ao " povo " , portanto, tive desde o início que atravessar os " causos ". Explorarei aqui a articulação entre estes termos, com ênfase neste último, tratando-os como conceitos nativos particularmente frutíferos quando
O que acontece com as reflexões sobre terra e territorialidade quando reconhecemos que seus “usos... more O que acontece com as reflexões sobre terra e territorialidade quando reconhecemos que seus “usos, costumes e tradições” são informados, sobretudo, por relações de gênero? Este dossiê irá explorar tal questão partindo de uma abordagem de gênero que situe, no centro da análise, os princípios de distinção e composição envolvidos na criação de corpos e pessoas. Neste sentido, como as relações de gênero produzem a e são produzidas pela terra onde se vive? A “casa”, enquanto lugar por excelência das práticas femininas de criação e cuidado dos corpos, surge assim em sua dimensão pragmática, performativa. No cotidiano ou nos momentos rituais, os modos de hospitalidade e circulação de alimentos, pessoas e conversas informam um certo “fazer comunidade” implicado no pertencimento à “terra”. Buscando por este caminho observar as mútuas implicações entre “terra” e “gênero”, pretendemos reunir trabalhos com diferentes recortes subdisciplinares da antropologia para explorar contrastes, cruzamentos e aproximações.
Partindo das etnografias das autoras, uma realizada junto a agricultores/as familiares do povo do... more Partindo das etnografias das autoras, uma realizada junto a agricultores/as familiares do povo dos Buracos e outra junto aos Karo-Arara, um povo indígena falante de uma língua Tupi Ramarama, este artigo investiga as relações elicitadas através da agência feminina na cozinha e da produção, circulação e compartilhamento de comida e bebida. Trata-se de tentar cruzar fronteiras entre duas tradições bem estabelecidas na antropologia brasileira: os estudos do campesinato e a etnologia indígena. Buscamos mostrar como, em diversos contextos etnográficos indígenas, quilombolas e camponeses, a cozinha é um dispositivo de criação através do qual se constituem, e também se desfazem, corpos, pessoas e coletividades necessariamente implicados em terras e territórios específicos. palavras-chave Mulheres, cozinha, comida, bebida, relação.
A partir de uma mensagem viral de Whatsapp que recebi de forma inesperada de uma antiga amiga do ... more A partir de uma mensagem viral de Whatsapp que recebi de forma inesperada de uma antiga amiga do povo dos Buracos, passo a examinar a relação entre os movimentos familiares relativos à terra dos Buracos e o tratamento cuidadoso dado às narrativas que eu escutara ali sobre o assassinato de um sindicalista rural, parente desse povo. Exploro o silêncio dessas narrativas de memória em relação ao que eu pré-estabelecera sorrateiramente como expressão política daquele assassinato. O silêncio, vale antecipar, resultava de um deslocamento daquilo que eu projetava como ‘a dimensão política dos fatos’. No lugar das menções à luta sindical, que eu esperaria ouvir nas narrativas de seus parentes, eu ouvira sobre o sangue grosso na sua cabeça aberta, quebrando o encanto de seu corpo fechado. Esses elementos se repetiam em praticamente todas as versões, como um ritornelo, em geral encerrando o causo.
Introdução à seção temática "Mulheres, territorialidades e epistemologias feministas – confl... more Introdução à seção temática "Mulheres, territorialidades e epistemologias feministas – conflitos, resistências e (re)existências", escrita por suas organizadoras Fabrina Furtado, Ana Carneiro e Dibe Ayoub.
Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas
Resumo Como as grandes corporações de base extrativista lidam com os povos por elas impactados? A... more Resumo Como as grandes corporações de base extrativista lidam com os povos por elas impactados? A pergunta orientou esta revisão bibliográfica, que faz parte do projeto “Implicações políticas do capitalismo extrativista: movimentos sociais e condições de exercício dos direitos na Amazônia brasileira”, mas tem como foco o que acontece fora do Brasil. A partir do repertório levantado, identifica-se um aspecto central na forma pela qual as corporações exercem seu poder: a criação contínua de ambiguidades, contradições, paradoxos, incertezas. Sustentam-se, dessa forma, os processos jurídicos kafkianos e a consequente não resolução de conflitos, a precarização da vida junto às perspectivas de desenvolvimento local, a narrativa ético-moral empresarial, articulada à desregulação da ação estatal e das garantias sociais, em nome da ‘governança’, e daí por diante. Lançando foco sobre os efeitos concretos dessa linguagem ambígua, veremos que a ‘responsabilidade social corporativa’ em geral não...
Como abordar a ‘violência obstétrica’ em uma escola pública no mesmo momento em que o Ministério ... more Como abordar a ‘violência obstétrica’ em uma escola pública no mesmo momento em que o Ministério da Saúde despacha sobre a inadequação do termo? Exploraremos este problema de fundo a partir da descrição de um projeto de extensão realizado em uma escola estadual em Porto Seguro (BA), envolvendo a Universidade Federal do Sul da Bahia e o Coletivo Parto Seguro: pelo fim da violência obstétrica. Por fim, as conversas entre a antropóloga coordenadora do projeto, as ativistas do Coletivo e jovens estudantes da rede de ensino estadual levam-nos a apontar brevemente para um possível caminho de abordagem da violência obstétrica no debate público.
A partir dos trabalhos etnográficos apresentados neste volume, problematizamos a ideia de movimen... more A partir dos trabalhos etnográficos apresentados neste volume, problematizamos a ideia de movimento buscando mapear diferentes formas de concebê-lo. Os contrastes e aproximações entre as elaborações nativas sobre o movimento, observadas em contextos variados, permitem-nos não apenas destacar distinções entre experiências etnográfi cas particulares de mobilidade como também diferenciar possibilidades de abordagem. Dimensões intensivas e extensivas, diversidade de direções, durações, percursos, ritmos, velocidades, práticas, agenciamentos, e relações com desacelerações, pousos e paradas ajudam-nos a apurar, precisar e ressaltar formas específi cas com que o movimento surge à análise, sempre como princípio organizador da descrição de dinâmicas sociais. Os trabalhos analisados apontam para possibilidades de classificações e formações coletivas não perceptíveis quando tomamos por estáticas as realidades estudadas.
Como abordar a ‘violência obstétrica’ em uma escola pública no mesmo momento em que o Ministé... more Como abordar a ‘violência obstétrica’ em uma escola pública no mesmo momento em que o Ministério da Saúde despacha sobre a inadequação do termo? Exploraremos este problema de fundo a partir da descrição de um projeto de extensão realizado em uma escola estadual em Porto Seguro (BA), envolvendo a Universidade Federal do Sul da Bahia e o Coletivo Parto Seguro: pelo fim da violência obstétrica. Por fim, as conversas entre a antropóloga coordenadora do projeto, as ativistas do Coletivo e jovens estudantes da rede de ensino estadual levam-nos a apontar brevemente para um possível caminho de abordagem da violência obstétrica no debate público.
Sciences humaines et sociales 18 | 2020 Habiter : maison et espace social, 2020
Dans le sertão du Minas Gerais (Brésil), les expressions « temps des fêtes » (tempo da folia) ... more Dans le sertão du Minas Gerais (Brésil), les expressions « temps des fêtes » (tempo da folia) et « temps de la politique » (tempo da política), utilisées par les habitants, désignent des périodes de l’année durant lesquelles ils circulent plus qu’à l’habitude, intensifiant les visites qu’ils se rendent les uns les autres. La maison apparaît alors comme un lieu central doté d’une force propre qui impulse ces déplacements, créant les conditions d’un sentiment d’appartenance sociale et politique.
A partir da etnografia dos Buracos, povoado de pequenos agricultores no Sertão norte-mineiro, Bra... more A partir da etnografia dos Buracos, povoado de pequenos agricultores no Sertão norte-mineiro, Brasil, lanço foco sobre momentos de "cisma" nos quais determinadas relações pessoais colocam-se em risco devido a conversas truncadas. Este risco é objeto de preocupação constante dos buraqueiros, que em geral se autoproclamam pessoas de "boa prosa" e "consideração"; contrárias às "cismas". Esta preocupação atenta aos riscos da prosa guarda alguns pontos de comparação com as atitudes de receio e cautela que os agricultores do Bocage francês desenvolvem diante do "sistema de feitiçaria" etnografado por Jeanne Favret-Saada. Tal etnografia serve aqui para, no contraste, explicitar como, nos Buracos, o risco da prosa não é uma ameaça à vida social, mas ao contrário, é-lhe constitutivo, quiçá desejado e buscado através do humor.
Neste dossiê, propomos explorar a combinação entre o tema da casa (ou da domesticidade), na es... more Neste dossiê, propomos explorar a combinação entre o tema da casa (ou da domesticidade), na esteira de uma trajetória consistente nos estudos do rural, e a questão da corporalidade (incluindo classificações da comida; comensalidade e consubstancialidade; construção da pessoa; criação de intimidade), particularmente presente nos estudos voltados aos povos indígenas e de matriz afro. Sob a ampla rubrica dos "povos tradicionais", abre-se a possibilidade de novas combinações entre temas clássicos da narrativa agrária e uma série de situações antes postas como marginais pelo paradigma do campesinato. O enfoque etnográfico-entendido aqui a um só tempo como técnica de campo e método de análise-promove recombinações, cruzamentos criativos entre as diferentes tradições disciplinares voltadas a povos intimamente ligados à terra e ao território. Assim, somando-se à seleção dos artigos elaborados para este dossiê, apresentamos duas preciosidades que-diferentes entre si no tocante aos debates teóricos aos quais se remetem-servem-nos ao intuito de homenagear recombinações etnográficas que hoje nos inspiram no caminho dessas discussões: uma entrevista exclusiva com Ellen Woortmann e um artigo escrito por Jeanne Favret-Saada e Josée Contreras em 1990. Boa parte dos artigos aqui reunidos tem origem no Simpósio Pós-Graduado (SPG) "Casa, comida e gênero: olhares etnográficos", realizado no 41º Encontro Anual da Anpocs, em outubro de 2017. Não à toa, é sobretudo através do viés de gênero que o cruzamento temático entre casa e corporalidade promove uma discussão crescente e atépoucoatépouco tempo
Em função de um episódio ocorrido durante uma ação de visitação promovida, em 2015, pelo P... more Em função de um episódio ocorrido durante uma ação de visitação promovida, em 2015, pelo Projeto de Turismo Ecocultural de Base Comunitária do Território Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu, recupero dados coletados por uma pesquisa etnográfica realizada, entre 2006 e 2009, com o Povo dos Buracos, abrangido pelo projeto. No episódio, alguns agricultores recusavam-se a cobrar dinheiro a turistas que visitariam suas casas. Contrariamente, as coordenadoras da ação diziam ser necessário precificar a estadia dos turistas nas casas dos agricultores para que estes conseguissem gerar renda. Que espécie de relação outra com os turistas poderia ser desejada se não a da troca mercantil? Não se trata aqui de estabelecer externalidade entre dois mundos supostamente opostos, um dos laços comunitários, outro do mercado. O objetivo é indagar sobre como certas composições relacionais assumem maneiras específicas de lidar com o dinheiro. Por este caminho, ao final do artigo exploro a ideia de uma “filosofia política” presente nas práticas sertanejas de visita.
R E S U M O A partir dos trabalhos etnográfi cos apresentados neste volume, problematizamos a ide... more R E S U M O A partir dos trabalhos etnográfi cos apresentados neste volume, problematizamos a ideia de movimento buscando mapear diferentes formas de concebê-lo. Os contrastes e aproximações entre as elaborações nativas sobre o movimento, observadas em contextos variados, permitem-nos não apenas destacar distinções entre experiências etnográfi cas particulares de mobilidade como também diferenciar possibilidades de abordagem. Dimensões intensivas e extensivas, diversidade de direções, durações, percursos, ritmos, velocidades, práticas, agenciamentos, e relações com desacelerações, pousos e paradas ajudam-nos a apurar, precisar e ressaltar formas específi cas com que o movimento surge à análise, sempre como princípio organizador da descrição de dinâmicas sociais. Os trabalhos analisados apontam para possibilidades de classifi cações e formações coletivas não perceptíveis quando tomamos por estáticas as realidades estudadas. A B S T R A C T Based on the ethnographic works presented in this issue, we problematize the idea of movement. It intends to map the distinct manners to conceive it. From the contrasts and convergences observed on native formulation of movement, given varied contexts, it is possible to draw not only the distinctions among particular ethnographic experiences of mobility, but also bring different possibilities to approach them. Thus, intensive and extensive dimensions, diversity of directions, durations, paths, rhythms, paces, practices, agencies, and their relationship with deceleration, pauses and resting, help us to enhance and highlight specifi c forms under which the movement comes to the analysis, arising as an organizing principle of social dynamics. This approach, consisting here by the analysis of those selected papers, points towards possibilities of social classifi cations and collective units that cannot be apprehend when taking for granted the studied realities as motionless. K E Y W O R D S movement, duration, differentiation, social forms.
A antiga Fazenda dos Buracos está situada em um cânion cavado pelo rio Pardo, que corta a extensa... more A antiga Fazenda dos Buracos está situada em um cânion cavado pelo rio Pardo, que corta a extensa área de chapada — " o geralzão " — antigamente coberta pelo cerrado e hoje dominada por grandes monoculturas de soja e ca-pim. Mais preservada, a terra dos Buracos segue o Pardo, que vai recebendo outros rios até desaguar no médio São Francisco, cerca de 150 quilômetros longe dali, perto de Januária. A fazenda foi comprada por João Branco, avô dos que hoje são " os antigos " do lugar. João trouxe com ele a esposa e dois outros casais — um formado pela irmã dele, outro pelo irmão dela — que se estabeleceriam ali como " agregados " 1 dos primeiros, morando nas beiradas do rio Três Passagens, em áreas menos férteis que as dos proprietários da fazenda. Ao longo das últimas quatro gerações, os descendentes desses três casais foram casando entre si, compondo o hoje chamado " povo dos Buracos " , que se espalha por cerca de 50 casas entre o Pardo e seus afluentes. É tudo primo, dizem-me os buraqueiros. Inicialmente soava-lhes estranho que uma moça do Rio de Janeiro estivesse vivendo entre eles, diante do que eu me justificava sobre meu tra-balho, pesquisar o parentesco do povo dos Buracos. Eles em geral assentiam com a cabeça e me orientavam, Você tem que ouvir os causos dos antigos! Esses povo antigo e velho é que sabem contar os causos do povo! Depois de alguns meses nos quais visitei e conversei tanto com os antigos quanto com seus filhos, netos e bisnetos, alguns buraqueiros me cumprimentaram pelo feito, De tanto caminhar e prosear nas casas tudo, daqui a um pouco você vai estar conhecendo o povo dos Buracos melhor do que os daqui! Para chegar ao " povo " , portanto, tive desde o início que atravessar os " causos ". Explorarei aqui a articulação entre estes termos, com ênfase neste último, tratando-os como conceitos nativos particularmente frutíferos quando
Como as grandes corporações de base extrativista lidam com os povos por elas impactados? A perg... more Como as grandes corporações de base extrativista lidam com os povos por elas impactados? A pergunta orientou esta revisão bibliográfica, que faz parte do projeto “Implicações políticas do capitalismo extrativista: movimentos sociais e condições de exercício dos direitos na Amazônia brasileira”, mas tem como foco o que acontece fora do Brasil. A partir do repertório levantado, identifica-se um aspecto central na forma pela qual as corporações exercem seu poder: a criação contínua de ambiguidades, contradições, paradoxos, incertezas. Sustentam-se, dessa forma, os processos jurídicos kafkianos e a consequente não resolução de conflitos, a precarização da vida junto às perspectivas de desenvolvimento local, a narrativa ético-moral empresarial, articulada à desregulação da ação estatal e das garantias sociais, em nome da ‘governança’, e daí por diante. Lançando foco sobre os efeitos concretos dessa linguagem ambígua, veremos que a ‘responsabilidade social corporativa’ em geral não ameniza, e sim viabiliza a perpetuação e a intensificação da violência contra as vidas impactadas pelas atividades corporativas
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