Na reflexão sobre tão sensível tema, consideramos fundamental que se afronte sem temor alguns conceitos que têm permanecido na sociedade enquanto políticas institucionais intocáveis, geridas politicamente sem discussão pública e de um...
moreNa reflexão sobre tão sensível tema, consideramos fundamental que se afronte sem temor alguns conceitos que têm permanecido na sociedade enquanto políticas institucionais intocáveis, geridas politicamente sem discussão pública e de um modo geral sem serem oportunamente ajustadas em face da perda de validade. Esta reflexão a que aludimos está muito para além dos arranjos florais das cidades, das intervenções de superfície ou fachadismo dos bairros históricos, ou deste ou daquele espaço público ou edifício. A reflexão que é necessária fazer com seriedade só poderá evoluir se incluir, sem filtros, os habitantes das áreas objecto de intervenção, onde a cidadania não será apenas um direito mas sobretudo onde esse direito será mediado pela equidade directa desses cidadãos no seio da sociedade; onde os agentes da administração pública do Estado e/ou de interesses exclusivos financeiros privados, não manipulem previamente os dados, chamando a si a exclusiva competência, por direito de formação técnica, a decidir/definir o que será ou não correcto para aquela comunidade. A pré-formatação de soluções é uma prática corrente que tendencialmente se repete ao se pretender padronizar modelos sociais de bairros em vias de requalificação e/ou realojamento. A complexidade das configurações comunais próprias de unidades de vizinhança sedimentadas ao longo de gerações e que correspondem a uma unidade cultural de bairro não devem ser sujeitas a pressão de uma qualquer imagem estereotipada de desenho arquitectónico, com especial realce para aquele que resulta objectivamente da produção icónica de objectos de consumo mediático do seu autor que a procura legitimar apenas e tão-somente no seu exclusivo interesse. A aproximação às reais necessidades das populações em situação de carência socioeconómica e/ou em simultâneo, alojadas em zonas de fortes condicionalismos de enquadramento urbano e infra-estrutural deficitário não podem continuar a ser secundarizadas em função dessa condição. Verifica-se nestas circunstâncias a inversão dos valores, ou seja, a regulamentação patrimonial, apenas se preocupa(ou) com a imagem do conjunto urbano e/ou determinados edifícios olvidando as necessidades básicas e os direitos de alcançar níveis de habitabilidade dignos e de senso comum. Não é assim possível continuar permanentemente a falar da reabilitação e/ou recuperação urbana sem que a premissa mobilizadora não seja a consolidação da estrutura sociocultural em articulação com a regeneração ambiental e urbana. Em Portugal, o processo SAAL foi a experiência que mais se aproximou desse desígnio embora, desafortunadamente, não tenha tido tempo de sedimentação para se redimensionar e ajustar a novas realidades que o tempo democrático trouxe 1. 1 Sobre este assunto veja-se a investigação de Bandeirinha (2007).