Metamorfônicos: obra e discussões
Cleomar Rocha1
Wilder Fioramonte2
Resumo
Este artigo apresenta a instalação de arte tecnológica Metamorfônicos e traz à tona
discussões sobre interatividade, cibernética e imprevisibilidade no contexto da arte
interativa. Na obra, interatores podem sintetizar ou, simplesmente, acionar sons que
vão se deslocar do meio digital do computador para o meio físico de criaturas cinéticas
ávidas por transmutar as vibrações sonoras nos mais variados traços de tinta sobre
papel.
Palavras-chave
interatividade, cibernética, imprevisibilidade, arte interativa.
Metamorfônicos: work and discussions
Abstract
This paper presents the technological art installation Metamorfônicos and brings to
the fore discussions about interactivity, cybernetics and unpredictability in the context of interactive art. In the work, interactors can synthesize or simply trigger sounds
that will move from the digital medium of the computer to the physical medium of
kinetic creatures eager to transmute sound vibrations in the most varied traces of ink
on paper.
Keywords
interactivity, cybernetics, unpredictability, interactive art.
Introdução
Metamorfônicos consiste de uma instalação de arte tecnológica que opera nas dimensões sonora, visual e cinética. A poética inicial desejada era a de uma criatura que
pudesse realizar desenhos ou pinturas a partir de músicas, admitindo-se algum grau
1
Cleomar Rocha, pós-doutor em Poéticas Interdisciplinares (UFRJ). Professor da Universidade Federal de Goiás. Coordenador do Laboratório de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação
em Mídias Interativas da UFG (Media Lab / UFG). Pesquisador do CNPq e artista.
E-mail: cleomarrocha@gmail.com
2
Wilder Fioramonte, mestrando em Arte e Cultura Visual pela FAV / UFG. Bolsista pela FAPEG.
Colaborador do Media Lab / BR. E-mail: wilder.ufg@gmail.com
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de imprevisibilidade como atributo de suas performances e permitindo a interferência
de um ou mais interatores, tal qual um dançarino improvisador incubido de criar pinturas no chão enquanto se move ao ritmo da música, influenciado, ainda, pelos sons
emitidos pelo público participante.
Até então, a proposta não se distinguia tanto das de outras obras já existentes,
tais como Painting Robots Orchestra (2013) e BeBot (2017) de Leonel Moura ou Interactive Robotic Painting Machine (2011) de Benjamin Grosser. A ideia era a de criar um
novo trabalho artístico, desenvolvido sobre a poética da interatividade e da imprevisibilidade em obras de arte tecnológica. O emprego de pequenos alto-falantes de vibração em conjunto com outros materiais leves dispensou aparatos eletromecânicos mais
complexos e nos conduziu à novas abordagens poéticas, inicialmente fundadas sobre
aspectos cinéticos, avançando em seguida para modos de interatividade. Graças a um
desvio na forma de utilizar os peculiares dispositivos sonoros, baseados em vibração,
as criaturas se tornaram reprodutoras de áudio capazes de improvisar coreografias e
desenhos a partir, somente, das próprias vibrações mecânicas provenientes dos sons
entoados pelos alto-falantes. Assim, diante desse cenário com “ares robóticos”, porém
ausente de servo motores, engrenagens e rodas, as criaturas metamorfônicas deram
à obra especificidades que acabaram distinguindo-la de outras obras, aparentemente
similares.
Em termos de sua composição geral, Metamorfônicos conta com um computador
que é o responsável por receber os inputs dos interatores, realizar os devidos processamentos e enviar saídas sonoras para um amplificador, que eleva a potência dos
sinais de áudio provenientes do computador e os encaminha, adequadamente, para
os alto-falantes de uma criatura metamorfônica. Esta, por sua vez, inicia sua dança e
produz seus rastros de tinta, os aspectos cinéticos e visuais da obra. Sobre o aspecto
sonoro, é necessário ressaltar que as frequências mais graves dos sons reproduzidos são as que têm maior impacto na movimentação das criaturas. Por este motivo,
durante o processo de edição das amostras de áudio ou da programação da síntese
sonora, algumas vezes se tornou necessária a aplicação de filtros e equalizações que
realçaram os graves nos trechos em que essas frequências eram pouco perceptíveis.
O agente propulsor
Dada a importância do alto-falante de vibração para este trabalho e por ser um item
tecnológico ainda pouco conhecido e utilizado, consideramos relevante dedicar alguns
parágrafos sobre ele.
A principal diferença entre um alto-falante tradicional (Imagem 1, o dispositivo
maior) e o alto-falante de vibração (Imagem 1, o dispositivo menor) - como é chamado
nos sites de compras de produtos3, é que enquanto o primeiro possui um cone, com diâmetro desproporcionalmente largo, que vibra e produz as ondas sonoras diretamente
no ar com a potência final desejada, o segundo possui no lugar do cone, uma pequena
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base circular plana feita de algum material rígido, porém móvel, que ao ser fixada à
uma superfície plana e sólida qualquer, faz com que esta receba as vibrações da base
do dispositivo e se torne a principal geradora do som. Aqui, a superfície em contato
com a base desse tipo de dispositivo desempenha, da sua maneira, a função do cone
do alto-falante tradicional, sendo que a intensidade e demais características do som
gerado vão depender não somente da fonte sonora reprodutora, mas, principalmente,
do tipo do material da superfície e da forma volumétrica em que ela se dispõe.
Imagem 1: Alto-falante tradicional (o maior) e alto-falante de vibração (o menor).
Fonte: acervos pessoais dos autores.
É válido ressaltar que o alto-falante de vibração é um artefato tecnológico que
já vinha sendo utilizado pelos autores deste trabalho em algumas das instalações
midiáticas do novo projeto expográfico do museu Casa de Cora Coralina4, mais especificamente nas instalações sonoras de uma das paredes da Casa (Parede que Sussurra) e do jardim, além de sua utilização no trabalho artístico Sonoridades Coralinas,
apresentado no 16o. Encontro Internacional de Arte e Tecnologia, em Brasília, em
2017. Para a realização destas instalações, o entendimento básico das dinâmicas de
intensidade, de timbre e de propagação do som nas superfícies foi o suficiente, já que
o referido dispositivo teve sua aplicação dentro do contexto de sua função usual - a
de reproduzir sons por meio de algum material plano acoplado à sua base.
Por outro lado, conforme já introduzimos, na obra Metamorfônicos lançamos mão
de outro potencial de utilização desse tipo de dispositivo percebido durante as experimentações: o de ser agente propulsor de movimento a partir das vibrações sonoras
reproduzidas.
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As criaturas metamorfônicas
Passada a explicação sobre o alto-falante de vibração, faremos agora um retrospecto
do processo criativo - a metamorfose que definiu e redefiniu sucessivas vezes aquelas que se colocam como dispositivo de saída da obra: as criaturas metamorfônicas.
No princípio, eram apenas recortes de placas de isopor ou de foam5, canetas diversas, pedaços de fios elétricos e alguns outros materiais que encontramos em nossas casas, como caixinhas de papelão, tampinhas de caneta, entre outros itens. Após
alguns furos, cortes, encaixes, colagens e músicas tocando, começaram a surgir os
primeiros modelos das criaturas fônicas (Imagem 2), incubidas do desafio sinestésico
de “imprimirem” os sons que recebem.
Imagem 2: exemplares da primeira fase de criação dos seres metamorfônicos.
Fonte: acervos pessoais dos autores.
Neste cenário, o alto-falante de vibração é o coração da criatura. Ao ser fixado
em uma região plana e alimentado por sons, ele pode bombear o seu sangue - as
vibrações sonoras, distribuindo-as por todo o corpo do bicho, incluindo a sua “pata
desenhista”, uma caneta com tinta. Dessa forma, as batidas desse coração sonoro,
principalmente por conta das frequências mais graves, conduzem a criatura à uma
inevitável dança. E a cada “passo” dançado, um registro visual é deixado pela caneta.
Os modelos da Imagem 3 compõem a segunda fase de desenvolvimento das
criaturas metamorfônicas, em que procurou-se testar diferentes arranjos de materiais, quantidades de canetas e posições dos alto-falantes com o objetivo de explorar
possibilidades de locomoção e de desenho.
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Imagem 3: exemplares da segunda fase de criação dos seres metamorfônicos.
Fonte: acervos pessoais dos autores.
Durantes os testes, foi observado que as criaturas da fase inicial tendiam a entrar
em uma trajetória circular em loop6 por conta da tensão nos fios dos alto-falantes ou
tendiam a ficar estagnadas em um “bate e volta” nas barreiras em torno do papel,
quando presentes. Por essa razão, em alguns dos exemplares da segunda fase foram
feitas modificações em suas estruturas que possibilitaram que essas criaturas tivessem mais facilidade para mudar de direção e sair dos loops. Todavia, foi na terceira
fase (Imagem 4) que essa questão foi melhor resolvida. Ao serem construídos alguns
modelos simétricos com a caneta no centro e pernas laterais pendentes podendo se
revezar na função de apoio, a troca de direção ficou consideravelmente facilitada.
Imagem 4: exemplares da terceira fase de criação dos seres metamorfônicos.
Fonte: acervos pessoais dos autores.
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Foi constatado, também, que as criaturas com dois alto-falantes, ao invés de
apenas um, conseguem uma maior dinâmica em suas movimentações por servirem-se
do sistema estéreo existente nos arquivos de músicas, já que nesse sistema os dois
alto-falantes podem ser utilizados de forma independente, resultando em diferentes
combinações de vibrações pelo corpo da criatura metamorfônica. Por fim, notou-se
que a utilização de mais de dois alto-falantes torna a criatura deveras pesada, limitando sobremaneira sua locomoção.
Estas etapas de modificações e adaptações nas vibrantes criaturas nos remetem,
mantendo as devidas especificidades, aos processos evolutivos do desenvolvimento
das esculturas cinéticas de Theo Jansen7. Em Strandbeesten (Imagem 5), o artista
constrói suas criaturas com tubos plásticos e garrafas PET concebidas para se locomover - ou até sobreviver - sozinhas, contando apenas com o vento das praias como
propulsor da locomoção. Aos poucos, Jansen vai adaptando a mecânica da criatura
para que ela consiga, por exemplo, inverter a direção quando encontra água e evitar
um “afogamento”. No caso das criaturas metamorfônicas, as consecutivas adaptações
surgiram do desejo de dinamizar a movimentação e o rastro visual dessas criaturas,
bem como da expectativa de evitar situações limitantes da locomoção das mesmas,
a exemplo dos loops já comentados.
Imagem 5: Strandbeesten (animais de praia) de Theo Jansen.
Fonte: site da Internet8 .
Interatividade, Cibernética e Imprevisibilidade em Metamorfônicos
Quando tratamos de obras de arte interativa, é comum recorrermos à classificações e
modelos que tentam conceituar o aspecto interativo envolvido. Neste sentido, vamos
lançar mão de conceitos empregados por Couchot (2003), Rocha (2018) e Murray
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(2003) para levar adiante a discussão e resvalar, em seguida, no contexto da obra
Metamorfônicos.
Entre as teorizações de Couchot (2003), estão as concepções de primeira e segunda interatividade. No primeiro caso, o modelo se caracteriza pelo processamento
do sistema, mediante inputs e outputs, sempre centrando o sistema, em operações
de estímulo e resposta.
De maneira análoga, enquanto a primeira interatividade se interessava pelas
interações entre o computador e homem, num modelo estímulo resposta ou
ação reação, a segunda se interessa mais pela ação enquanto guiada pela
percepção, pela corporeidade e pelos processos sensório-motores, pela autonomia (ou pela “autopoïese”). (COUCHOT, 2003, 32)
Na segunda interatividade, o modelo se complexifica, distribuindo sua relevância
com o usuário e seus modos de interação, não o limitando a ser somente como um
acionador de comandos. Couchot (2003) recorre a duas categorias para explicar sua
concepção de interatividade: a primeira, centrada em interatividade dentro dos sistemas, chamada de endógena, e a segunda, centrada na interatividade de um usuário
com o sistema, chamada exógena. O autor esclarece que a segunda categoria abarca
a primeira, sendo, portanto, endógena e exógena ao mesmo tempo, visto que sempre
o sistema processará informações.
Couchot (2003) explica que a sugestão dos termos primeira e segunda interatividade veio da analogia com a primeira e segunda cibernética, conhecidas também
por cibernética de primeira e de segunda ordem. Rocha (2018) nos revela que a cibernética surgiu em meados do século XX como o estudo dos sistemas reguladores,
tendo abrangência vinculada à teoria de controle e teoria geral de sistemas, mas que
encontrou sua maior adoção nas áreas da computação. Enquanto na cibernética de
primeira ordem o observador não era tido como um elemento a ser observado, ou seja,
o observador não era colocado como elemento do sistema, na cibernética de segunda
ordem, proposta entre 1968 e 1975 por Heinz von Foerster, dentre outros, o observador
passa a ser considerado como um elemento do sistema, caracterizando o que foi denominado por cibernética da cibernética, numa inclusão que põe o próprio observador
ou usuário a compor a complexidade dos estudos cibernéticos. Assim, na cibernética
de segunda ordem e na segunda interatividade o papel do usuário/interator é ponto
fundamental para se compreender as concepções de interação e complexidade da
comunicação usuário-sistema (ROCHA, 2018, p. 2-3).
Retomando a Metamorfônicos, devemos ter em mente que a instalação não é um
sistema cibernético propriamente dito, mas, enquanto obra de arte interativa, encontra
paralelos conceituais com a teoria cibernética que auxiliam na contextualização dos
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processos interativos. No caso da obra, estes processos vão depender dos modos
específicos de sua execução, descritos adiante.
No primeiro modo de execução, o que se tem é a mera reprodução de alguma
música que vai afetar a obra ao provocar a dança das criaturas sonoras, não havendo
intervenção humana, exceto como proponentes das músicas a serem tocadas no início
de cada execução. Este modo restringe-se, portanto, à primeira interatividade, já que
predominam as interações entre os elementos internos da própria obra, confirmando
o caráter endógeno da interatividade.
No segundo modo, além da opção de reprodução de música do primeiro modo,
são disponibilizadas uma ou mais interfaces ligadas ao computador com as quais os
interatores podem acionar os sons que vão agitar as criaturas. Em um primeiro caso,
amostras sonoras são disparadas por meio de acionamentos de teclas de um teclado de computador. Neste cenário, o interator se coloca somente como acionador de
comandos. Portanto, ainda estamos diante de uma primeira interatividade, onde o
processamento centrado no sistema revela o caráter predominantemente endógeno
da interatividade. Em um segundo caso, por outro lado, ao invés de simples acionamentos, o interator pode participar da geração e manipulação sonora com ações de
gestos de mãos e de dedos reconhecidas por um sensor Leap Motion. Neste outro cenário, estamos diante de processamentos com alto nível de complexidade, característicos da segunda interatividade. Desta forma, o usuário não é somente um acionador
de comandos, já que elementos naturais de seu comportamento, enquanto usuário
subjetivo, estão incluídos no processo interativo, caracterizando o aspecto exógeno
da interatividade.
As fotos da Imagem 6 e da Imagem 7 mostram, respectivamente, apresentações
da obra nos modos sem interator e com interator. A primeira apresentação se deu na
Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás. A música reproduzida foi
“Ato IV: Enterro Cósmico”, do artista Edgar Franco. A segunda apresentação ocorreu
durante o primeiro dia do Colóquio de Linguagens Midiáticas da Faculdade de Educação / UFG, em 2018. Neste evento, os interatores utilizaram um teclado de computador
para a reprodução de amostras sonoras relacionadas, principalmente, ao universo dos
jogos eletrônicos de 8 bits.
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Imagem 6: momento de execução da obra sem a presença de interatores.
Fonte: acervos pessoais dos autores.
Imagem 7: momento de execução da obra com a presença de interator.
Fonte: acervos pessoais dos autores.
Em decorrência das interações físicas / mecânicas entre as criaturas metamorfônicas e o meio natural, surge um grau de imprevisibilidade nas perspectivas cinética
e visual de saída. Logo, um mesmo som, por exemplo, pode produzir respostas cinéticas e visuais diferentes a cada emissão, metamorfoseando o sentimento de agência
do interator por conta das imprevisíveis transformações. Sobre os termos agência e
transformação, Murray os apontam como sendo alguns dos prazeres característicos
dos ambientes eletrônicos. Para ela, a agência é “capacidade gratificante de realizar ações significativas e ver os resultados de nossa decisões e escolhas” (MURRAY,
2003, p.27) e a transformação está relacionada à característica dos computadores de
“oferecerem incontáveis maneiras para mudanças de formas” (MURRAY, 2003, p.153).
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Diante da referida imprevisibilidade nas saídas cinéticas e visuais de Metamorfônicos, é razoável supormos que a agência sentida pelo interator, neste contexto, seja diferente daquela experimentada em uma situação hipotética em que os deslocamentos
e rastros de desenhos são totalmente predeterminados. No primeiro caso, o interator é
frequentemente surpreendido pela performance da criatura metamorfônica, cabendo
a ele tentar (ou não) “domar o bicho”. Enquanto que no segundo caso, o total determinismo retira de cena o elemento surpresa. Neste ponto, cabe fazer uma distinção.
A imprevisibilidade das respostas cinéticas e visuais de Metamorfônicos não se trata
de aleatoriedade, já que existe uma percepção da relação de causa e efeito entre os
elementos influenciadores e as saídas resultantes. Dentre estes elementos, podemos
elencar os mais perceptíveis: as vibrações sonoras reproduzidas, as diferentes tensões nos fios dos alto-falantes a cada momento e as diferentes posições de equilíbrio
da criatura. De toda forma, quanto mais imprevisíveis forem as respostas cinéticas
e visuais no momento de interação, mais elas se aproximam de uma perspectiva de
aleatoriedade, podendo comprometer o sentido de agência do interator, tal como defende Rocha (2018) ao falar de aleatoriedade, traçando um paralelo entre sistemas
cibernéticos e obras interativas :
Com a aleatoriedade do sistema, em seus feedbacks, quebra-se a perspectiva
de causalidade regular, pela imprevisibilidade dada. Embora continue sabido
que um feedback há de existir, a ação propriamente dita não é previsível,
torna-se um jogo de dados, com qualquer ação como um possível. De outro
lado, trabalhos que assumem a aleatoriedade como partido poético, desnorteiam por completo o interator, restando a ele crer que sua agência produziu,
de fato, aquele feedback. Nesse ponto, a fruição é mais de base cognitiva, já
que a experiência se mantém nesse campo, que perceptiva. (ROCHA, 2018, 6)
Por esta razão, a obra vem sofrendo seguidas modificações no sentido de aumentar as chances do interator poder assumir um certo nível de consciência e de
controle sobre as respostas cinéticas e visuais. Por outro lado, não há imprevisibilidade
perceptível na dimensão sonora das saídas da obra. O interator toma consciência das
respostas sonoras em pouco tempo de experimentação, após o que, a agência e a
transformação vinculadas à essa dimensão ficam a cargo do processo de composição
musical engendrado pelo interator.
Oscilações Finais!?!?!?
Trabalhar com Metamorfônicos implica em oscilações frequentes, não só pelo movimento ondulatório das vibrações e dos sons reproduzidos na obra, mas também
pelas múltiplas dimensões envolvidas - a interatividade, a cinética, o visual e o sonoro
- todas merecendo o seu momento de destaque e de reflexão, numa tarefa só possi-
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bilitada por meio da alternância, das oscilações. Com as suas existências conjuntas na
obra, as dimensões interativas, cinéticas, visuais e sonoras ao mesmo tempo em que
competem pela atenção do interator, complementam-se, resultando em oscilantes
experiências e fruições estéticas, de acordo com a subjetividade de cada indivíduo.
Enquanto uns, por exemplo, preferem investir mais na improvisação com os sons,
para só depois ver os rumos tomados pela criatura metamorfônica e os seus rastros
de tinta, outros optam por focar mais na locomoção do bicho, procurando influenciar
ativamente os seus rastros, pelos sons emitidos.
Diante dessa obra multifacetada, faz-se oscilar a primeira e a segunda interatividade, o imprevisível e o determinado, o cibernético da computação e o estético da
fruição, o imaterial do digital e o tangível do meio físico. E foi com essa riqueza oscilante que Metamorfônicos despontou não só como uma obra interativa, mas também
como uma plataforma experimental em continuidade, estimulando práticas artísticas
e pesquisas teóricas vinculadas à arte tecnológica.
Imersos nessa plataforma de experimentações, pudemos comparar, por exemplo,
as agências dos interatores que só acionam amostras sonoras por meio de um teclado,
com as de interatores que produzem os sons por meio de gestos reconhecidos por
um sensor. Pudemos comparar, também, as experiências de agências desses dois
interatores com a experiência de um participante que só observa o registro visual da
obra em função da música tocada. Por certo que se tratam de experiências diferenciadas. O interator que produz os sons por meio de gestos reconhecidos pelo sensor,
vivencia uma experiência de segunda interatividade, sentindo um controle que vem
do corporal, da subjetividade da percepção humana, portanto totalmente diferente
do sentimento de agência do interator que só pressiona teclas para acionar sons. Do
lado do participante que só observa os registros visuais sendo criados por influência
da música tocada, a experiência estética se dá somente no âmbito de contemplação,
não podendo se falar de agência, neste caso.
Pudemos, por fim, tomar reflexões sobre as influências dos níveis de imprevisibilidade nos processos interativos da obra, confirmando que quanto mais próximo
de uma aleatoriedade, menor o sentimento de agência do interator, podendo causar
frustração pela quebra no sentido dialógico entre interator e obra. Portanto, há de se
atentar para uma eficaz relação entre poética e interatividade, efetivada no balanço
entre a agência e a transformação.
Agradecimentos
Ao prof. Dr. Edgar Franco que, dentre as várias contribuições, deu-nos a acertada indicação de utilização das canetas hidrográficas nas criaturas e nos ajudou com testes
de interatividade com o seu sintetizador de som, marcando a trajetória inicial da obra.
Ao prof. Dr. Hugo A. Dantas do Nascimento, pelos encorajamentos e valiosas sugestões.
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A Lauriane Campos Barbosa, pelos incentivos e por todo apoio durante a montagem da obra nas apresentações.
Notas
3
Os alto-falantes de vibração que utilizamos nesse trabalho só foram encontrados para com-
4
Mais detalhes das instalações midiáticas do novo projeto expográfico do museu Casa de Cora
pra em sites de importação como o AliExpress.
Coralina podem ser encontrados no artigo “A nova casa de Cora Coralina: projeto expográfico
e mídias interativas”, dos mesmos autores, disponível na página de anais do evento #16.ART:
https://art.medialab.ufg.br/p/22555-16-art-2017.
5
As placas de foam são constituídas de espuma sintética laminada e podem ser encontradas
em gráficas e em algumas papelarias especializadas.
6
Ciclo repetitivo.
7
As esculturas cinéticas de Theo Jansen, citadas no artigo, não se tratam de obras interativas, nem de trabalhos computacionais, mas sim de arte cinética. A comparação de Strandbeesten com a obra Metamorfônicos se dá apenas em relação aos aspectos cinéticos das
criaturas metamorfônicas, que são os dispositivos de saída da obra, não fazendo sentido, por
tanto, incluir na comparação outros aspectos de Metamorfônicos, tais como a interatividade,
a computação e a dimensão sonora.
8
Disponível em: https://br.pinterest.com/pin/402227810446122340
Referências
COUCHOT, Edmond. A Segunda Interatividade. Em direção a novas práticas
artísticas. In DOMINGUES, Diana (org.). Arte e Vida no Século XXI: Tecnologia,
Ciência e Criatividade. São Paulo: Unesp, 2003, p. 27-38.
. Automatização de técnicas figurativas: rumo à imagem autônoma. In:
DOMINGUES, Diana (org.). Arte, ciência e tecnologia: Passado, presente e
desafios. São Paulo: UNESP, 2009, pp. 397-406.
MURRAY, Janet. Hamlet no Holodeck. São Paulo : UNESP/Itaú Cultural, 2003.
ROCHA, Cleomar. Percepção e controle na mídia interativa. No prelo, 2018.
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