Concepção da Capa: Mestre Ivan Therra
Uma homenagem ao Mestre Julinho
Mestre da Cultura Popular da Região Praieira Gaúcha
Desenho Gráfico e Editoração:
PalavrAreia Editora Popular
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
T412m
Therra, Ivan.
Mar Negro do Sul / Ivan Therra. – Cidreira: PalavrAreia
Editora Popular, 2022.
16 p.: il. (Coleção Poéticas Praieiras / coordenação de
Mestre Ivan Therra)
ISBN 978-65-998578-1-2
1. Literatura gaúcha - Contos. 2. Literatura praieira. 3.
Casa da Cultura do Litoral. I. Título. II. Therra, Ivan. III. Série.
CDU 869.0(816.5)-34
Catalogação elaborada por Francine Conde Cabral
CRB-10/2606
Este livro é produzido com papel 100%
reciclado de madeira reflorestada
omarisco.com
CasadaCulturadoLitoral
51.99981.5593
CasadaCulturadoLitoral
A PalavrAreia apresenta a Coleção
Poéticas Praieiras, que reúne os mais
destacados pesquisadores, escritores,
trabalhadoras da cultura e seus estudos
sobre a cultura popular da região praieira
gaúcha. O propósito é possibilitar às
comunidades praieiras o acesso a publicações que
sejam identificadas com a história, o imaginário e os jeitos
cotidianos da nossa gente da beira. Nossa poética
praieira passa pela singularidade da palavra dita com o
vento na boca, pela passada dançada, deixada feito uma
lembrança nas areias brancas, pelo ritmo incessante das
ondas, pelo som bonito dos ventos que promove a
transformação do cenário de mar, dunas, pensamentos e
lagoas. Essa é a poética da nossa gente da beira.
Mestre Ivan Therra é filósofo,
pós graduado em artes e mestre
das culturas populares. Realiza um
trabalho de pesquisa das culturas
populares na região praieira
gaúcha. Ele é vice-presidente do
CEC - Conselho Estadual de
Cultura do RS, é membro do
Colegiado das Culturas Populares do RS e membro do
Comitê Cultura Viva do RS. Mestre Ivan Therra é escritor,
pesquisador e poeta é membro da AELN - Academia dos
Escritores do Litoral Norte RS. Músico e compositor
vencedor de vários festivais de música do RS. Cineasta
premiado e editor do Jornal O Marisco. Idealizador e
fundador da Casa da Cultura do Litoral e coordenador do
Ponto de Cultura Flor da Areia.
Tropeiros do Litoral
Tropeiro - Debret
Muito antes das primeiras expedições oficiais, que
invadiram as terras do sul, para agregar este território
para a Coroa Portuguesa. Muitos índios, brancos e
negros já tinham percorrido o famoso Caminho da Praia.
Trajeto que ia, pela beira, desde Laguna até a região
missioneira, onde iam prear o gado chimarrão, deixado
solto desde o massacre dos índios nas reduções
jesuíticas. Os Tropeiros do Litoral levavam tropas de
milhares de cabeças de gado para alimentar São Paulo e
Minas Gerais. Nas expedições de ocupação, os índios
Carijós mostravam o caminho, o povo negro foi trazido
para o trabalho mais pesado e com o tempo fundaram
diversos quilombos, enquanto os brancos vieram para
ocupar o território. Esses pioneiros de chapéu de palha,
palas de algodão, olhos surrados pelo vento e pele
misturada e cansada de sol, eram conhecidos como: Os
Tropeiros do Litoral.
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Preando o gado - Debret
Depois do massacre dos índios, as missões jesuíticas
ficaram abandonadas. Toda a criação do gado ficou solta
pelos campos e com o passar do tempo o gado foi se
reproduzindo em um local de excelentes pastagens.
Assim foi se formando imensos rebanhos com milhares
de cabeças de gado. E a este gado solto foi dado o nome
de Gado Chimarrão. Expedições vinham de Laguna e
São Vicente pelo Caminho da Praia, rumo aos campos
missioneiros para capturar o gado orelhano e levá-lo para
abastecer o mercado em São Paulo e Minas Gerais. Os
Tropeiros do Litoral foram os pioneiros a percorrer os
caminhos ensinados pelos índios, pela beira da praia e
pelos campos de cima da serra. Nesta longa e cansativa
jornada, foram surgindo as paragens, uma das mais
antigas é a paragem das Cidreiras. Depois esta paragens
viraram estâncias e charqueadas onde a carne do gado
era salgada, para abastecer o povo do norte.
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Charqueadas - Debret
Levar milhares de cabeças de gado desde os campos
missioneiros até São Paulo e Minas Gerais era realmente
uma grande façanha. Foi absurdamente desgastante,
tanto para as pessoas da comitiva, quanto para o gado
que chegava descaído no local de abate. Para evitar esse
imenso esforço, que desperdiçava muitas cabeças de
gado ao longo caminho, foi que os proprietários de terras
resolveram abater o gado, e salgar a carne para fazer o
charque, assim a carne chegaria em menos tempo e com
menor desperdício. Para implantar o sistema precisava
de braços para o trabalho bruto, e foi assim que os
estancieiros gaúchos escravizaram as pessoas negras,
que foram forçadas a trabalhar nas charqueadas em
condições precárias e desumanas. As pessoas negras
foram trazidas para o trabalho forçado nas charqueadas
formando uma das maiores populações negras do RS, só
comparadas as populações das plantações de cana no
litoral norte do RS.
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Moenda - Debret
O povo negro não veio, foi trazido. A grande maioria
das pessoas negras que foram trazidas para a Província
de São Pedro do Rio Grande do Sul, era Bantus, muitas
originárias das regiões do Congo, Maçambique e Angola
(Ndongo e Matamba). Eles foram trazidos para trabalhar,
principalmente, nas plantações de cana de açúcar, no
litoral norte e nas charqueadas no litoral sul. No litoral
norte o povo negro trabalhava nos chamados engenhos
de bangue. Eles fugiam das plantações de cana, indo
para o alto da serra ou para o ermo das regiões praieiras.
Na cabeça da serra fundaram o Quilombo do Morro Alto,
um dos mais famosos do RS. E pela beira da praia
fundaram a Vila da Fumaça e a Vila da Viola, duas vilas
africanas localizadas na Praia da Cidreira.
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Mestre Faustino, Rainha Ginga e Rei do Congo / Acervo Jornal O Marisco
A primavera com suas cores e perfumes chega
anunciando que lá no Quilombo do Morro Alto, há mais de
duzentos anos e por ordem da Rainha Ginga, está
novamente reunida a comunidade negra, para começar
os festejos dos Maçambiques. Os dançantes estão
vestidos de branco, com fitas azuis para a ala da Rainha
Ginga e vermelhas do Rei do Congo. Um avental
adornado e gorro com tirantes. Presas nas panturrilhas,
as massacaias, que são pequenos cestinhos com
lágrimas de Nossa Senhora e Guizos. Os Maçambiques
são descendentes do povo negro aquilombado no Morro
Alto, de onde resistem por séculos. O protagonismo é da
Rainha Ginga, uma mulher que comanda o auto folclórico
religioso dos maçambiques, uma das manifestações
mais expressiva da cultura negra no Rio Grande do Sul.
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Rainha Ginga / Acervo do Jornal O Marisco
Rainha Ginga, Rainha Preta, Francisca Dias, se criou
na comunidade dos Maçambiques de Osório. Desde
guria participando e fortalecendo a cultura da sua gente.
Mulher negra, herdeira da coroa, A Rainha Preta é a
Rainha Ginga que luta pelos direitos dos quilombolas
viverem nas suas terras, luta por políticas públicas de
apoio aos Maçambiques, resiste pela dignidade de sua
gente. Viva a Rainha Ginga! Viva a Rainha Preta!
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Ensaio de Promessa Quicumbí / Ponto de Cultura Coração de Tambor
Uma promessa foi feita e a graça foi alcançada. É hora
de pagamento de promessa na região da península do
litoral do RS. O Rei do Congo aceitou a promessa e a
comunidade negra de Tavares já está reunida para mais
uma noite de encontros, cantorias, tambores e muita fé
em Nossa Senhora do Rosário. As candinhas estão
soando, os tambores estão batendo e as duas velas
foram acesas para iluminar a caixinha. O povo negro da
península trouxe da África o seu auto religioso, que foi
sincretizado e assim resiste há mais de duzentos anos,
dividindo o som dos tambores africanos com a devoção à
Nossa Senhora do Rosário. Uma graça foi alcançada e é
preciso pagar a promessa, vai haver canto e dança ao
som dos tambores pela noite inteira, Salve o Rei do
Congo, Salve a irmandade dos Quicumbís da Península.
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Príncipe Custódio / Imagem de domínio público
No ano de 1864, chega ao Brasil, Osuanlele Okizi
Erupê. Aqui adotou o nome, Custódio Joaquim de
Almeida, e ficou conhecido como Príncipe Custódio. Um
homem negro da realeza africana, que foi exilado quando
a Inglaterra invadiu o seu território e para não assassinar
seu povo, obrigou o Príncipe ao exílio. O Príncipe
Custódio fixou residência na Rua Lopo Gonçalves,
Cidade Baixa, em Porto Alegre no ano de 1901. Na sua
residência, cercado por seus súditos, Custódio recebia
políticos importantes para aconselhamentos. Ao Príncipe
é atribuida a estruturação e o desenvolvimento do
Batuque Gaúcho. Passava a temporada de verão na
Praia da Cidreira, onde realizava as suas obrigações
religiosas. Em Cidreira, no dia 2 de fevereiro, deitava
oferendas para homenagear a Mãe Iemanjá, dando
origem a centenária Festa de Iemanjá de Cidreira.
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Príncipe Custódio / Imagem de domínio público
Mestre Julinho / Acervo do Jornal O Marisco
Mestre Julinho foi pescador e músico da Praia da
Cidreira, e buscou na memória, pela história da sua avó,
que o levava, de pequeno, para uma festa muito linda,
onde a comunidade negra da beira, cantava e dançava
ao som dos tambores praieiros. Mestre Julinho ensinou,
para quem quis aprender, as batidas e viradas, as
cantorias e os movimentos dos autos de manifestação da
cultura nesse nosso mar negro do sul. Mestre Julinho
participando do Grupo de Cultura Popular Kikumbí,
ajudou a criar o ritmo praieiro, com base nas sua
lembranças de guri. Mestre Julinho ensinou e foi
fundamental para o desenvolvimento da cultura praieira.
COLEÇÃO POÉTICAS PRAIEIRAS
A palavra do Professor Dr. Ioswaldyr Bittencourt
No balanço das corporeidades
negro-africanas chegaram negros e
negras, tropeando pelos caminhos
terrestres, mas também por entrelagoas fundando quilombos, ou ainda,
pela beira dos mares do sul, com seus
tambores, cantos e danças; Reis e
Rainhas negros do maçambique e
quicumbis, nobreza negra sem ter que
atravessar o mar, mas que dialoga com
Prof. Dr. Ioswaldyr Bittencourt
mestres e mestras do Kikumbi, como
fora com Mestre Julinho, nascidos da união entre o mar e a areia,
em cuja praia de Cidreira havia sido abençoado pelo Príncipe
Custódio, realeza africana do Benin. É deste modo, trazendo a
riqueza da gente da Beira, que o Mestre Ivan Therra, além da
história, nos apresenta as memórias, os rituais, as sonoridades e
as poéticas singulares, inaugurando a Coleção Poéticas
Praieiras, com “Mar Negro do Sul”, PalavrAreia Editora Popular.
Certamente, haveremos de ter muitas narrativas e poéticas no
devir praieiro.
omarisco.com
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