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MAR NEGRO DO SUL

2023, MAR NEGRO DO SUL

Um trabalho de pesquisa da cultura popular da região praieira gaúcha realizado pelo Mestre Ivan Therra e publicado pela PalavrAreia Editora Popular na Coleção Poéticas Praieiras, destacando as personagens que constroem os pensamentos da raiz das culturas populares da região praieira gaúcha.

Concepção da Capa: Mestre Ivan Therra Uma homenagem ao Mestre Julinho Mestre da Cultura Popular da Região Praieira Gaúcha Desenho Gráfico e Editoração: PalavrAreia Editora Popular Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) T412m Therra, Ivan. Mar Negro do Sul / Ivan Therra. – Cidreira: PalavrAreia Editora Popular, 2022. 16 p.: il. (Coleção Poéticas Praieiras / coordenação de Mestre Ivan Therra) ISBN 978-65-998578-1-2 1. Literatura gaúcha - Contos. 2. Literatura praieira. 3. Casa da Cultura do Litoral. I. Título. II. Therra, Ivan. III. Série. CDU 869.0(816.5)-34 Catalogação elaborada por Francine Conde Cabral CRB-10/2606 Este livro é produzido com papel 100% reciclado de madeira reflorestada omarisco.com CasadaCulturadoLitoral 51.99981.5593 CasadaCulturadoLitoral A PalavrAreia apresenta a Coleção Poéticas Praieiras, que reúne os mais destacados pesquisadores, escritores, trabalhadoras da cultura e seus estudos sobre a cultura popular da região praieira gaúcha. O propósito é possibilitar às comunidades praieiras o acesso a publicações que sejam identificadas com a história, o imaginário e os jeitos cotidianos da nossa gente da beira. Nossa poética praieira passa pela singularidade da palavra dita com o vento na boca, pela passada dançada, deixada feito uma lembrança nas areias brancas, pelo ritmo incessante das ondas, pelo som bonito dos ventos que promove a transformação do cenário de mar, dunas, pensamentos e lagoas. Essa é a poética da nossa gente da beira. Mestre Ivan Therra é filósofo, pós graduado em artes e mestre das culturas populares. Realiza um trabalho de pesquisa das culturas populares na região praieira gaúcha. Ele é vice-presidente do CEC - Conselho Estadual de Cultura do RS, é membro do Colegiado das Culturas Populares do RS e membro do Comitê Cultura Viva do RS. Mestre Ivan Therra é escritor, pesquisador e poeta é membro da AELN - Academia dos Escritores do Litoral Norte RS. Músico e compositor vencedor de vários festivais de música do RS. Cineasta premiado e editor do Jornal O Marisco. Idealizador e fundador da Casa da Cultura do Litoral e coordenador do Ponto de Cultura Flor da Areia. Tropeiros do Litoral Tropeiro - Debret Muito antes das primeiras expedições oficiais, que invadiram as terras do sul, para agregar este território para a Coroa Portuguesa. Muitos índios, brancos e negros já tinham percorrido o famoso Caminho da Praia. Trajeto que ia, pela beira, desde Laguna até a região missioneira, onde iam prear o gado chimarrão, deixado solto desde o massacre dos índios nas reduções jesuíticas. Os Tropeiros do Litoral levavam tropas de milhares de cabeças de gado para alimentar São Paulo e Minas Gerais. Nas expedições de ocupação, os índios Carijós mostravam o caminho, o povo negro foi trazido para o trabalho mais pesado e com o tempo fundaram diversos quilombos, enquanto os brancos vieram para ocupar o território. Esses pioneiros de chapéu de palha, palas de algodão, olhos surrados pelo vento e pele misturada e cansada de sol, eram conhecidos como: Os Tropeiros do Litoral. 4 5 Preando o gado - Debret Depois do massacre dos índios, as missões jesuíticas ficaram abandonadas. Toda a criação do gado ficou solta pelos campos e com o passar do tempo o gado foi se reproduzindo em um local de excelentes pastagens. Assim foi se formando imensos rebanhos com milhares de cabeças de gado. E a este gado solto foi dado o nome de Gado Chimarrão. Expedições vinham de Laguna e São Vicente pelo Caminho da Praia, rumo aos campos missioneiros para capturar o gado orelhano e levá-lo para abastecer o mercado em São Paulo e Minas Gerais. Os Tropeiros do Litoral foram os pioneiros a percorrer os caminhos ensinados pelos índios, pela beira da praia e pelos campos de cima da serra. Nesta longa e cansativa jornada, foram surgindo as paragens, uma das mais antigas é a paragem das Cidreiras. Depois esta paragens viraram estâncias e charqueadas onde a carne do gado era salgada, para abastecer o povo do norte. 6 Charqueadas - Debret Levar milhares de cabeças de gado desde os campos missioneiros até São Paulo e Minas Gerais era realmente uma grande façanha. Foi absurdamente desgastante, tanto para as pessoas da comitiva, quanto para o gado que chegava descaído no local de abate. Para evitar esse imenso esforço, que desperdiçava muitas cabeças de gado ao longo caminho, foi que os proprietários de terras resolveram abater o gado, e salgar a carne para fazer o charque, assim a carne chegaria em menos tempo e com menor desperdício. Para implantar o sistema precisava de braços para o trabalho bruto, e foi assim que os estancieiros gaúchos escravizaram as pessoas negras, que foram forçadas a trabalhar nas charqueadas em condições precárias e desumanas. As pessoas negras foram trazidas para o trabalho forçado nas charqueadas formando uma das maiores populações negras do RS, só comparadas as populações das plantações de cana no litoral norte do RS. 7 Moenda - Debret O povo negro não veio, foi trazido. A grande maioria das pessoas negras que foram trazidas para a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, era Bantus, muitas originárias das regiões do Congo, Maçambique e Angola (Ndongo e Matamba). Eles foram trazidos para trabalhar, principalmente, nas plantações de cana de açúcar, no litoral norte e nas charqueadas no litoral sul. No litoral norte o povo negro trabalhava nos chamados engenhos de bangue. Eles fugiam das plantações de cana, indo para o alto da serra ou para o ermo das regiões praieiras. Na cabeça da serra fundaram o Quilombo do Morro Alto, um dos mais famosos do RS. E pela beira da praia fundaram a Vila da Fumaça e a Vila da Viola, duas vilas africanas localizadas na Praia da Cidreira. 8 Mestre Faustino, Rainha Ginga e Rei do Congo / Acervo Jornal O Marisco A primavera com suas cores e perfumes chega anunciando que lá no Quilombo do Morro Alto, há mais de duzentos anos e por ordem da Rainha Ginga, está novamente reunida a comunidade negra, para começar os festejos dos Maçambiques. Os dançantes estão vestidos de branco, com fitas azuis para a ala da Rainha Ginga e vermelhas do Rei do Congo. Um avental adornado e gorro com tirantes. Presas nas panturrilhas, as massacaias, que são pequenos cestinhos com lágrimas de Nossa Senhora e Guizos. Os Maçambiques são descendentes do povo negro aquilombado no Morro Alto, de onde resistem por séculos. O protagonismo é da Rainha Ginga, uma mulher que comanda o auto folclórico religioso dos maçambiques, uma das manifestações mais expressiva da cultura negra no Rio Grande do Sul. 9 Rainha Ginga / Acervo do Jornal O Marisco Rainha Ginga, Rainha Preta, Francisca Dias, se criou na comunidade dos Maçambiques de Osório. Desde guria participando e fortalecendo a cultura da sua gente. Mulher negra, herdeira da coroa, A Rainha Preta é a Rainha Ginga que luta pelos direitos dos quilombolas viverem nas suas terras, luta por políticas públicas de apoio aos Maçambiques, resiste pela dignidade de sua gente. Viva a Rainha Ginga! Viva a Rainha Preta! , 10 Ensaio de Promessa Quicumbí / Ponto de Cultura Coração de Tambor Uma promessa foi feita e a graça foi alcançada. É hora de pagamento de promessa na região da península do litoral do RS. O Rei do Congo aceitou a promessa e a comunidade negra de Tavares já está reunida para mais uma noite de encontros, cantorias, tambores e muita fé em Nossa Senhora do Rosário. As candinhas estão soando, os tambores estão batendo e as duas velas foram acesas para iluminar a caixinha. O povo negro da península trouxe da África o seu auto religioso, que foi sincretizado e assim resiste há mais de duzentos anos, dividindo o som dos tambores africanos com a devoção à Nossa Senhora do Rosário. Uma graça foi alcançada e é preciso pagar a promessa, vai haver canto e dança ao som dos tambores pela noite inteira, Salve o Rei do Congo, Salve a irmandade dos Quicumbís da Península. , , Príncipe Custódio / Imagem de domínio público No ano de 1864, chega ao Brasil, Osuanlele Okizi Erupê. Aqui adotou o nome, Custódio Joaquim de Almeida, e ficou conhecido como Príncipe Custódio. Um homem negro da realeza africana, que foi exilado quando a Inglaterra invadiu o seu território e para não assassinar seu povo, obrigou o Príncipe ao exílio. O Príncipe Custódio fixou residência na Rua Lopo Gonçalves, Cidade Baixa, em Porto Alegre no ano de 1901. Na sua residência, cercado por seus súditos, Custódio recebia políticos importantes para aconselhamentos. Ao Príncipe é atribuida a estruturação e o desenvolvimento do Batuque Gaúcho. Passava a temporada de verão na Praia da Cidreira, onde realizava as suas obrigações religiosas. Em Cidreira, no dia 2 de fevereiro, deitava oferendas para homenagear a Mãe Iemanjá, dando origem a centenária Festa de Iemanjá de Cidreira. 11 12 Príncipe Custódio / Imagem de domínio público Mestre Julinho / Acervo do Jornal O Marisco Mestre Julinho foi pescador e músico da Praia da Cidreira, e buscou na memória, pela história da sua avó, que o levava, de pequeno, para uma festa muito linda, onde a comunidade negra da beira, cantava e dançava ao som dos tambores praieiros. Mestre Julinho ensinou, para quem quis aprender, as batidas e viradas, as cantorias e os movimentos dos autos de manifestação da cultura nesse nosso mar negro do sul. Mestre Julinho participando do Grupo de Cultura Popular Kikumbí, ajudou a criar o ritmo praieiro, com base nas sua lembranças de guri. Mestre Julinho ensinou e foi fundamental para o desenvolvimento da cultura praieira. COLEÇÃO POÉTICAS PRAIEIRAS A palavra do Professor Dr. Ioswaldyr Bittencourt No balanço das corporeidades negro-africanas chegaram negros e negras, tropeando pelos caminhos terrestres, mas também por entrelagoas fundando quilombos, ou ainda, pela beira dos mares do sul, com seus tambores, cantos e danças; Reis e Rainhas negros do maçambique e quicumbis, nobreza negra sem ter que atravessar o mar, mas que dialoga com Prof. Dr. Ioswaldyr Bittencourt mestres e mestras do Kikumbi, como fora com Mestre Julinho, nascidos da união entre o mar e a areia, em cuja praia de Cidreira havia sido abençoado pelo Príncipe Custódio, realeza africana do Benin. É deste modo, trazendo a riqueza da gente da Beira, que o Mestre Ivan Therra, além da história, nos apresenta as memórias, os rituais, as sonoridades e as poéticas singulares, inaugurando a Coleção Poéticas Praieiras, com “Mar Negro do Sul”, PalavrAreia Editora Popular. Certamente, haveremos de ter muitas narrativas e poéticas no devir praieiro. omarisco.com CasadaCulturadoLitoral 51.99981.5593 CasadaCulturadoLitoral