ETNOLOGIA INDÍGENA NO BRASIL: DOS PRIMÓRDIOS AOS ESTUDOS DE
GÊNERO
INDIGENOUS ETHNOLOGY IN BRAZIL: FROM BEGGININGS TO GENDER
STUDIES
Raquel Pereira Rocha de Paula Arruda1
Resumo: Este artigo apresenta um breve panorama da trajetória dos estudos etnológicos,
sobretudo em terras nacionais. Aborda a questão de gênero enquanto um campo de investigação
privilegiado no âmbito da Antropologia. A trajetória dos estudos etnológicos parte de
Malinowski e seu trabalho com a comunidade trobriandesa, passa pelos funcionalistas como
Kuper e Radcliffe-Brown, este nomeado em Oxford para a primeira cátedra em antropologia
social. Em terras brasileiras, a partir de meados do século XIX, os estudos etnológicos emergem
desde indianistas como Gonçalves Dias, bem como, através de trabalhos posteriores,
propriamente antropológicos, como os de Nimuendaju e Darcy Ribeiro. No campo desses
estudos destacam-se as investigações a respeito da construção de gênero no âmbito da etnologia
indígena brasileira, que tendo como ponto de partida o trabalho do Projeto Harvard Brazil
Central (PHBC), coordenado por Malbrury-Lewis, evolui rumo aos questionamentos mais atuais
a respeito da projeção da cultura ocidental capitalista sobre as etnias indígenas.
Palavras-chave: Etnologia indígena; Gênero; Antropologia.
Abstract: This article presents a brief overview of the trajectory of ethnological studies,
especially in national lands. It addresses the issue of gender, as a privileged field of research
within the scope of Anthropology. The trajectory of ethnological studies starts from Malinowski
and his work with the Trobriandean community, goes through the functionalists like Kuper and
Radcliffe-Brown, who was appointed in Oxford for the first chair in social anthropology. In
Brazilian lands, from the middle of the 19th century, ethnological studies emerged from
Indianists such as Gonçalves Dias, as well as, through later works, properly anthropological,
such as those by Nimuendaju and Darcy Ribeiro. In the field of these studies, the investigations
regarding gender construction within the scope of Brazilian indigenous ethnology stand out,
which, starting with the work of the Harvard Brazil Central Project (PHBC), coordinated by
Malbrury-Lewis, evolves towards more about the projection of Western capitalist culture on
indigenous ethnicities.
Key-words: Indigenous Ethnology; Gender; Anthropology.
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Na literatura antropológica Malinowski é apresentado como fundador da antropologia
social na Grã-Bretanha por ter estabelecido pioneiramente um intenso trabalho de campo na
comunidade trobriandesa. Durante os quinze anos que passou na London School of Economics foi
o único etnógrafo no país. Por isso, toda uma geração de seguidores argumenta que a
1
Doutora em Antropologia social pela Unicamp-SP. Atua como professora no Centro Universitário Arnaldo Horácio
Ferreira - UNIFAAHF em Luís Eduardo Magalhães-BA.
107
antropologia social começou nas ilhas Trobriand em 1914. Esta grande reputação persiste, na
visão de Kuper (1973), não obstante a simplicidade das formulações teóricas de Malinowski. De
acordo com Kuper, Malinowski baseou sua monografia em uma nova perspectiva e acabou
liderando uma revolução funcionalista.
Figura 1: Mapa das Ilhas Trobriand
Fonte: Imagem disponível no site:
https://www.magnusmundi.com/ilhas-trobriand-as-ilhas-do-amor-do-oceano-pacifico/. Acesso em 20/03/2020
Kuper (1973) argumenta que os funcionalistas rejeitaram não só difusionismo, mas todo o
esforço de uma geração em prol de abordagens teóricas originais. Nas primeiras páginas do seu
Argonautas do Pacífico Ocidental (1922), Malinowski definiu o seu próprio ponto de vista,
referenciando-se nas principais abordagens das mencionadas escolas, trazendo assim, segundo
Kuper, um novo realismo à antropologia social, com suas novas técnicas de observação.
Em termos de influência, destaca-se ainda a de Durkheim2 e da escola de Paris, que já
havia atraído a atenção de Radcliffe-Brown3 antes da Primeira Guerra Mundial, e que continuou a
influenciar os antropólogos sociais britânicos.
2
Émile Durkheim (1858-1917) foi um sociólogo francês, considerado como o pai da Sociologia e fundador da
chamada Escola Sociológico Francês. Juntamente com Karl Marx e Max Weber, é tido como um dos pilares dos
estudos sociológicos.
3
Alfred Radcliffe-Brown (1881-1955) foi um antropólogo inglês. Nasceu em Birmingham, Inglaterra, no dia 17 de
janeiro de 1881.
108
Radcliffe-Brown, em 1937, foi nomeado em Oxford para a primeira cátedra em
antropologia social. Foi dentro do “pequeno mundo da antropologia britânica”, diz Kuper, que ele
alcançou notoriedade. Assumiu o lugar de Malinowski na liderança da antropologia e influenciou
algumas das principais figuras da próxima geração. Radcliffe-Brown introduziu a disciplina
teórica francesa da sociologia, e trouxe mais rigor aos conceitos, com a ajuda dos novos trabalhos
de campos.
Outros dois estudiosos que se destacaram no campo da etnologia entre as décadas de 1930
e 1940 foram Leach4 e Gluckman5, debatedores entre si foram, sobretudo, preocupados com o
avanço teórico estabelecido a partir da década de 1930.
Nos anos de 1950 começa a crescer a influência dos estudos desenvolvidos por LéviStrauss6 por conta das teorias sobre ‘classificação e lógica primitivas’. Mais tarde surge ligação
com a teoria da troca de Mauss7, e com outras, como a linguística estrutural de Jakobson8.
1. ESTUDOS ETNOLÓGICOS NO BRASIL
No Brasil, é a partir de meados do século XIX, que se iniciam as primeiras tarefas de
caráter etnológico. Pesquisadores autodidatas começam a realizar levantamentos sobre a vida das
populações indígenas. Embora houvesse por parte desses autores uma preocupação com o futuro
dessas populações, aparecia em seus escritos a suposta situação de inferioridade biológica e
social dos povos nativos, próprio ao modo de pensar da época. Por outro lado, já mostravam o
incômodo com o problema do contato interétnico, tratado daí por diante, segundo os recursos
teóricos de cada época.
4
Edmund Ronald Leach nasceu em Lancashire, Inglaterra, em 7 de novembro de 1910 e faleceu em 6 de janeiro de
1989. Graduou-se em Matemática e Ciências Mecânicas no Clare College de Cambridge em 1932. E, em 1937
estudou Antropologia Social com Bronislaw Malinowski.
5
Herman Max Gluckman (Johanesburgo, 26 de janeiro de 1911 — Jerusalém, 13 de abril de 1975) foi um
antropólogo sul-africano, de cidadania britânica. Mais conhecido por ser o fundador da Escola de Manchester
de antropologia.
6
Claude Lévi-Strauss (1908-2009) foi um antropólogo, sociólogo e humanista francês. Considerado o mestre da
Antropologia Modern e um dos maiores pensadores do século XX.
7
Marcel Mauss (1872-1950) é considerado o pai da Antropologia Francesa e importante sociólogo. Mauss nasceu
em Épinal, França, formou-se em Filosofia e especializou-se em História das Religiões. É sobrinho do sociólogo
Émile Durkheim, estudou com o tio e foi seu assistente. Participou da formação da Escola Sociológica Francesa, da
qual Durkheim foi o fundador.
8
Roman Osipovich Jakobson (1896 - 1982) foi um pensador russo, considerado um dos mais importantes linguistas
do século XX e um pioneiro da análise estrutural da linguagem, da poesia e da arte.
109
Entre esses pesquisadores podemos citar: o poeta indianista Antônio Gonçalves Dias, que
participou de uma expedição exploradora às províncias do Brasil setentrional projetada pelo
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 1859; Gonçalves Dias, que na Amazônia dedicouse a estudos linguísticos (Schaden & Borges Pereira, 1967) e deixou trabalhos etnológicos de
base bibliográfica como Amazonas (1853), publicado na Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, onde fala sobre as lendárias mulheres guerreiras que motivaram o nome
do rio Amazonas.
Outro destaque como cronista é Von Martius, um botânico cuja contribuição foi grande,
tanto para a Etnologia como para a Linguística. O trabalho de Martius, publicado nos meados do
século XIX, revelou-se ponto de partida para os etnólogos. Esses e outros autores foram citados
no trabalho de Egon Schaden e João Baptista Borges Pereira (1967).
Destaca-se também nesse período o engenheiro, militar e jornalista Euclides da Cunha. Os
sertanejos de Canudos e os do sudoeste da Amazônia foram retratados em páginas célebres por
ele.
É na segunda década do século XX, contudo, que se iniciam os trabalhos de dois autores
que teriam grande influência nos meios intelectuais brasileiros: Roquette Pinto e Oliveira Viana.
O primeiro formado em Medicina, publica em 1917 seu livro Rondônia, onde apresenta os dados
que obteve em sua viagem, e também descreve as terras dos índios Paresi e Nhambiquaras em
1912. Roquette Pinto trabalhou com Antropologia Física. Oliveira interessou-se, sobretudo, pelo
estudo da organização familiar e política, pesquisando principalmente as populações do Sudeste e
do Sul, ainda fundamentava sua interpretação nas idéias de hierarquia racial.
Os primeiros etnólogos estrangeiros que procuraram o Brasil eram, sobretudo, alemães e
estavam mais interessados nas sociedades indígenas. Egon Schaden dedicou um trabalho a esses
pesquisadores (Schaden, 1980). Karl von den Steinen, foi o primeiro desses etnólogos alemães.
Realizou uma expedição em 1884, descendo o rio Xingu até a foz. De 1887 a 1888 fez sua
segunda expedição entre os xinguanos. De formação evolucionista o autor procurou entender,
entre os xinguanos, a origem de uma série de técnicas e costumes.
Paul Ehrenreich, nos anos de 1884 e 1885 esteve entre os Botocudos do Rio Doce, depois
participou da segunda expedição de Steinen ao Xingu; em seguida nos anos de 1888 e 1889 fez
pesquisa entre os Karajá; e, por fim, visitou, no Purus, os Paumarí, Yamamadí e Apurinan.
Schaden destaca seu estudo sobre mitologia, onde argumenta sobre a existência de três ciclos
110
míticos, cada um relacionado a um tronco linguístico: Tupí-Guaraní, Aruák e Karíb. Baldus
(1954) e suas duas expedições ao Xingu ocorridas entre 1896 e 1898, ficou conhecido pelo
estudos sobre os vários tipos de arcos e flechas produzidos no Brasil
Max Schmidt em 1900, outro alemão que fez expedição ao Xingu, visitando em seguida
os Guató no Mato Grosso, destacou-se por seus trabalhos sobre economia e tecnologia, sobretudo
os que dizem respeito dos índios do tronco Aruák. Outros pesquisadores alemães estiveram em
terras brasileiras. Porém, entre as décadas 1920 e 1930, as pesquisas vão arrefecendo tanto em
seu caráter evolucionista, como difusionista; decresce o número de pesquisadores alemães, mas a
maioria ainda continua a vir do exterior. Sendo que alguns desses procuram se estabelecer no
Brasil ou nos países vizinhos.
Alfred Métraux, nascido na Suíça, trabalhou no período de 1928 a 1934 na Universidade
de Tucumán, na Argentina. Deixou uma extensa obra sobre índios de várias regiões da América
do Sul. A respeito do Brasil, os trabalhos mais importantes foram sobre cultura material e religião
dos Tupinambás.
Um pesquisador das sociedades indígenas, nascido na Alemanha, considerado de elevada
importância na etnologia por conta da extensão de seu trabalho é Curt Nimuendajú. Veio jovem
para o Brasil, chegando aqui na primeira década de século XX, e não dispunha de formação
universitária. Trabalhou inicialmente com os Guaraní, dos quais recebeu o nome de Nimuendajú,
e assim passou a assinar seus trabalhos. Além de suas obras mais extensas sobre os Guaraní, os
Xerente, os Canelas, os Apinayé e os Tukúna, Nimuendajú deixou inúmeros trabalhos sobre
língua, mitologia, história, de diversos grupos indígenas, e ainda um mapa etno-histórico dos
índios do Brasil, acompanhado de uma enorme bibliografia consultada (NIMUENDAJÚ, 1981).
Nimuendajú manteve larga correspondência com o antropólogo Robert Lowie, nascido
em Viena, mas radicado nos Estados Unidos. Lowie, que traduziu para o inglês as principais
monografias de Nimuendajú, chamou a atenção para a importância do estudo das sociedades Jê
(Lowie, 1959).
Em 1934 criou-se a primeira Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Brasil na
Universidade de São Paulo. Na mesma época fundou-se também a Escola de Sociologia e
Política. Foram contratados pela USP vários mestres estrangeiros, entre eles, Roger Bastide,
Emílio Willems, Claude Lévi-Strauss e Herbert Baldus, Donald Pierson na ESP, e RadcliffeBrown que atuou como professor visitante por breve período, durante a segunda guerra mundial,
111
Em 1935 Gilberto Freyre assume na recém-criada Universidade do Distrito Federal do
Rio de Janeiro como primeiro professor de Antropologia e ocupa a cátedra de Sociologia,
enquanto Arthur Ramos ficava com a de Psicologia Social. Por volta de 1939 cria-se a
Universidade do Brasil, que absorve a Universidade do Distrito Federal. Arthur Ramos ocupa,
nesta universidade, a cátedra de Antropologia e Etnologia. Surgem os primeiros estudantes
brasileiros interessados em Ciências Sociais e fazem cursos de pós-graduação no exterior, como
Eduardo Galvão, na Universidade de Colúmbia.
Florestan Fernandes faz mestrado orientado por Heber Baldus e defende doutorado na
Escola de Filosofia da USP. Donald Pierson forma-se e trabalha como professor em Chicago e
ministra aulas na Escola de Sociologia e Política em São Paulo. Arthur Ramos ocupa cadeira de
psicologia social da Universidade do Distrito Federal e ministra aula de antropologia física,
condensou sua experiência nos dois grossos volumes de sua Introdução à Antropologia brasileira
(1943). Egon Shaden, aluno de Levi-Strauss funda a revista Pindorama onde publica em 1938
seu primeiro artigo em alemão. Heber Baldus torna-se catedrático de etnologia brasileira na
Escola de Sociologia e Política em São Paulo, cargo que ocupou até falecer.
Darcy Ribeiro é aluno de Donald Pierson na Escola de Sociologia e Política. Curt
Nimuendaju inicia seus estudos nas comunidades indígenas. Nina Rodrigues funda pesquisa
sobre etnologia negra; Eduardo Galvão, no final da década atua como naturalista voluntário no
Museu Nacional do Rio de Janeiro. Levi-Strauss faz pesquisa entre os Bororo; escreve o primeiro
artigo em português na revista do arquivo municipal; ajuda a fundar a escola de sociologia da
USP e o departamento de antropologia e se constitui enquanto pai do estruturalismo. Charles
Wagler, antropólogo norte americano da Columbia, estuda no Rio de Janeiro a língua portuguesa
levantando fontes para a sua pesquisa com os Tapirapé na Biblioteca do Museu Nacional.
Gilberto Freire ocupa cadeira de antropologia social e cultural em Pernambuco e organiza o
movimento em defesa do folclore de Câmara Cascudo e organiza Congresso afro brasileiro em
Recife.
Os anos 1930 contextualizam os estudos com os seguintes enfoques: mudança social,
mudança cultural ou aculturação. Tais estudos tiveram por objeto tanto os grupos indígenas
quanto a população negra, e ainda, imigrantes europeus e asiáticos e seus descendentes.
112
Em 1955 cria-se a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), que se mantém em
atividade até hoje. A ABA teve como precursora a Sociedade Brasileira de Antropologia e
Etnologia, fundada em 1941, cujo primeiro presidente foi Arthur Ramos.
Na década 1940, Donald Pierson representa a confluência da sociologia e da antropologia
e torna-se um dos grandes estimulares do desenvolvimento dessa disciplina. Arthur Ramos funda
a Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnografia e lança livro sobre os Bororo. Heber Baldus
trabalha no Museu de Antropologia em São Paulo. Gilberto Freire ministra aulas em Recife. Um
importante estudo da década foi o realizado pelo casal Virgínia e James Watson sobre os Kayová
no Mato Grosso do Sul.
Na década seguinte, destacam-se os trabalhos do casal Murphy sobre os Mundurukú do
rio Tapajós, um trabalho considerado pioneiro nos estudos de gênero; os de Eduardo Galvão
sobre os índios do alto rio Negro, além do trabalho inicial de Roberto Cardoso de Oliveira sobre
os Terêna. No final dos anos 1950, alguns pesquisadores, em evidência Darcy Ribeiro (1957)
chamam a atenção para o problema das frentes de expansão, que desloca as populações indígenas
para a sociedade industrial.
Egon Schaden (1965) faz um balanço geral sobre os estudos de aculturação realizados até
então, inclusive os seus trabalhos sobre os Guaraní. Eduardo Galvão examina os estudos de
aculturação realizados em anos imediatamente anteriores e, inspirado em Julian Steward,
estabelece algumas metas para estudos futuros (Galvão, 1957).
Neste período destacam-se os trabalhos de Florestan Fernandes sobre os Tupinambá
(1963, 1970) com base nos cronistas dos séculos XVI e XVII. De Egon Schaden A mitologia
heróica de tribos indígenas do Brasil (1959) onde relaciona relatos mitológicos dos Kadiwéu,
Borôro, Kaingâng, Guaraní-Apapokuva, Mundurukú e índios do alto rio Negro às respectivas
organizações sociais e o trabalho de Darcy Ribeiro sobre a religião e a mitologia dos Kadiwéu,
(1980). Evidenciam-se também trabalhos como o do norte-americano Jules Henry, que estudou
os Xoklêng, de Santa Catarina. Na mesma época Nimuendajú continua descrevendo sociedades
falantes da língua Jê, tal como os Xoklêng, mostrando a existência de uma organização social
altamente formalizada.
Relativamente à pesquisa de campo propriamente, apesar da propagada hegemonia da
abordagem funcionalista deste período, no Brasil demorou-se a se estabelecer o longo e intensivo
trabalho de campo nas pesquisas com povos indígenas. Perduram aqui as expedições por extensas
113
regiões, com visitas curtas a vários grupos indígenas, como faziam os primeiros pesquisadores
alemães, ainda que agora voltadas para outros interesses. Herbert Baldus e Eduardo Galvão, por
exemplo, ao invés das longas e extensas expedições, parecem ter preferido visitas curtas a vários
grupos indígenas. O trabalho de Egon Schaden também se baseia em visitas curtas, mas sempre
em comunidades Guaraní. De um modo geral foram pesquisadores não radicados no Brasil, e
talvez por essa razão, que fizeram trabalhos de campo longos e num só grupo, como Jules Henry,
Robert Murphy, já citados, ou o norte-americano William Crocker entre os Canelas do Maranhão
e o inglês David Maybury-Lewis entre os Xavante. Cabe notar, ainda, que nesse período
continuavam as pesquisas de Curt Nimuendajú que, além de curtas e muito freqüentes visitas a
muitos grupos indígenas, permaneceu períodos mais longos em alguns deles.
Nos anos 1960, a Etnologia no Brasil começa a passar por várias mudanças tanto
institucionais, quanto de orientação paradigmática. A perspectiva estruturalista substitui a
interpretação funcionalista. O marxismo se destaca como um importante instrumento de análise.
Além disso, o papel do pesquisador frente à sociedade estudada passa por um reexame.
A Antropologia Urbana se desenvolve através do estudo da migração rural-urbana e da
vida nas favelas, e pesquisadores começam a demonstrar interesse a respeito da Antropologia
Médica ou da Saúde.
O projeto de Roberto Cardoso de Oliveira Estudo de áreas de fricção interétnica no
Brasil (1964) contribuiu para a construção de uma nova maneira de abordar as relações entre as
sociedades indígenas e a capitalista. É um projeto que nasce do descontentamento com a noção
de aculturação9.
Com base na noção de fricção interétnica10 se realizaram, entre outros, o trabalho do
próprio Cardoso de Oliveira (1964) sobre os Tukúna da fronteira Brasil-Colômbia-Peru, o
trabalho de Roque Laraia sobre os Suruí e os Akuáwa e o de Roberto da Matta sobre os Gaviões,
todos grupos do Pará, o de Julio Cezar Melatti sobre os Krahó do norte de Goiás Índios e
criadores, (1967) e O messianismo Krahó (1972), o de Sílvio Coelho dos Santos sobre os índios
9
A aculturação é um conceito que se refere ao processo que de assimilação de elementos culturais de um grupo
humano por parte de outro, de tal forma, que um povo adquire uma nova cultura em detrimento da cultura própria. A
colonização costuma ser a causa mais comum de aculturação. Atualmente esse termo caiu em desuso pelo seu caráter
essencialista.
10
A expressão fricção interétnica constituiu-se por um bom tempo um dos principais conceitos da etnologia indígena
brasileira. Em vez de tratar analiticamente as sociedades indígenas como totalidades fechadas e auto – explicáveis
em seus próprios termos, os pesquisadores dessa perspectiva enfatizam a necessidade de se entender os grupos
indígenas em relação a incorporação dos costumes urbanos e capitalistas da sociedade brasileira.
114
de Santa Catarina (1970 / 1973), o de Cecília Vieira Helm sobre os Kaingâng do Paraná, o de
Edson Soares Diniz sobre Os índios Makuxi do Roraima (1972).
Posteriormente a noção de etnia passou a fundamentar muitos trabalhos dentro da
etnologia. Os anos 1970 foram marcados por um esforço, que continua a vigorar, de etnólogos
que buscaram colaborar com os povos indígenas pesquisados, na obtenção de soluções para seus
problemas mais urgentes, como demarcação de terras, assistência médica, acesso a educação
formal, administração direta pelos índios de sua produção para mercado, entre outros.
Estudos sobre a estrutura social nas sociedades indígenas ganharam impulso neste
período. Essa nova fase se deve, em parte, ao trabalho de pesquisa que o grupo liderado por
David Maybury-Lewis desenvolveu entre os Xavante, a partir do final da década de 1950 em
Havard. Com base nessa experiência inicial, esses pesquisadores desenvolveram um projeto
referente aos índios do Brasil central, sobretudo da família linguística Jê, para ser realizado por
seus alunos de Harvard e, acoplado ao projeto Estudo comparativo das sociedades indígenas do
Brasil, de Roberto Cardoso de Oliveira, por pesquisadores do Museu Nacional.
Como resultado desse projeto temos os trabalhos de Terence Turner e Joan Bamberger
sobre os Kayapó, de Jean Carter Lave e Dolores Newton sobre os Krikatí, de John Christopher
Crocker sobre os Borôro, de Roberto da Matta sobre os Apinayé (1976) e de Julio Cezar Melatti
sobre os Krahó. Trabalhos em linha semelhante aos dos citados projetos foram realizados na
Universidade de São Paulo, por Lux Vidal sobre os Xikrín, Renate Viertler sobre os Borôro,
Maria Aracy Lopes da Silva sobre os Xavante e, na Unicamp, por Maria Manuela Carneiro da
Cunha sobre os Krahó. Enfim, se no período anterior tinham sido as sociedades do tronco Tupi as
mais estudadas, neste agora eram as da família Jê que recebiam inicialmente mais atenção.
Ainda como trabalhos paralelos ao projeto Harvard-Museu Nacional ou dele derivados se
podem citar o de William Crocker sobre os Canelas, iniciado no final da década de 1950, o de
Robert Hahn sobre os Erikpátsa, o de Zarco Levak sobre os Borôro, o de Richard Heelas sobre os
Panará, isto é, os Kreén Akarôre, o de Simone Dreyfus sobre os Kayapó, iniciado no final da
década de 1950, o de Gustaaf Verswijver sobre os Menkranotí, o de Gregory Urban sobre os
Xokléng, de Santa Catarina, o de David Price sobre os Nambiquaras.
Nos anos 1970, além de continuar o interesse pelos Jê, retoma-se a atenção por mais três
áreas, o alto Xingu, o alto rio Negro e Roraima, sendo que as duas primeiras tenham sido
estudadas no período anterior, nas suas características mais gerais, por Eduardo Galvão. No alto
115
Xingu temos os trabalhos de George Zarur sobre os Awetí (1975), de Thomas Gregor sobre os
Mehináku (1982), de Ellen Basso sobre os Kalapálo, de Pedro Agostinho sobre os Kamayurá, de
Carmen Junqueira também sobre os Kamayurá (1975), de Eduardo Viveiros de Castro sobre os
Yawalapití, de Patrick Menget sobre os Txikâo, de Anthony Seeger sobre os Suyá (1980) e o já
citado trabalho sobre os Kreên Akarorê de Richard Heelas. E temos sobre os Yanomami, as
pesquisas de Alcida Rita Ramos, Kenneth Taylor e Bruce Albert.
Os grupos do tronco Tupi, entretanto, não ficaram esquecidos, Roque Laraia realizou um
estudo comparativo sobre os grupos Suruí e Akuáwa do Pará, Kaapór do Maranhão e Kamayurá
do Xingu entre outros.
A década de 1980/90 até os dias atuais o trabalho etnológico continua desenvolvendo-se
com o surgimento de novos pesquisadores que não estão relacionados acima, sendo que, no
contexto do período compreendido entre as décadas de 1970 e 1980 crescem os estudos de gênero
dentro do contexto da etnologia indígena, sendo que, até então, a questão de gênero não se
colocava enquanto um assunto de importância para o entendimento das sociedades indígenas.
Com relação aos pesquisadores das sociedades Jê, a partir da década de 1960, o número
aumentou cumulativamente incluindo: Lux Vidal (1977), Manuela Carneiro da Cunha (1978),
Anthony Seeger (1981), Aracy Lopes da Silva (1986), Gustaaf Verswijver (1992), Laura Graham
(1995) e Greg Urban (1996) Vanessa Lea (1986), Agenor Farias (1990), Odair Giraldin (2000) e
Raquel Rocha (2010). Contudo, relativamente à teoria antropológica, após a segunda guerra
mundial, o autor que mais a inspirou foi, sem dúvida, Lévi-Strauss.
2. A QUESTÃO DE GÊNERO
Relativamente aos estudos sobre gêmeo, o trabalho do Projeto Harvard Brazil Central
(PHBC) coordenado por Malbruy-Lewis não somente relegou as mulheres à periferia, mas
incrementou outra oposição: entre o biológico e social. Os homens monopolizam a vida social,
cerimonial, política, enquanto as mulheres, tidas como “menos sociais e mais próximas da
natureza”, ocupam a periferia em função de suas atividades, onde se delimita a aldeia (sociedade)
da floresta circundante (natureza), contentando-se com os afazeres domésticos (cuidado com as
crianças e preparação dos alimentos).
116
Turner (1973) argumentou que a área doméstica Jê-Bororo constitui a infraestrutura para a
superestrutura masculina, permitindo aos homens dominar e controlar as mulheres que ocuparia
o nível “inferior da estrutura social”. E Bamberger descreve o domínio feminino como
fracamente social (1967, p. 128), para esta autora “a localização das mulheres na periferia da
aldeia simboliza seu papel apolítico e marginal na sociedade Kayapó”.
O debate feminista da década de 1970 estabeleceu a universalidade da dominação
masculina através da associação das mulheres à esfera doméstica e à natureza, versus a
associação dos homens à esfera pública e à cultura, que se constituiu enquanto um pano de fundo
para os estudos do PHBC.
O PHBC incorporou a perspectiva feminista da década de 1970 que enfatizou a
universalidade da dominância masculina e, na tentativa de explicá-la, recorreu à oposição entre a
cultura ou sociedade e a natureza, algo que acabou associando as mulheres à natureza. Lea
(1986) procurou enfocar o mundo feminino, embora autores como Turner tenha enfatizado o
masculino, considerou importante a instituição das “matri-casas”, enquanto relacionada tanto a
homens como a mulheres.
No campo dos estudos de gênero nas populações indígenas, há uma conclusão recorrente
que não é necessariamente a visão de uma pesquisadora feminina que se diferencia da visão do
pesquisador masculino. Mais importante é a projeção de categorias ocidentais num universo
alheio, como por exemplo, a oposição entre público e privado.
De acordo com Lea (1986), a velha noção hierárquica estática, do tipo gangorra
(dominação / subordinação), obscurece mais que ilumina. O conceito de englobamento permite
uma visão mais nuançada; ora a mulher engloba, por exemplo, quando seu choro é ouvido pela
aldeia inteira; ora é englobada, por exemplo, quando os homens tomam decisões relativas ao
mundo dos brancos.
O debate sobre a noção de dominação masculina, para alguns autores(as) ganhou força
através da formulação de Lévi-Strauss, em Estruturas Elementares do Parentesco (1949) que
teria abordado a mulher como um valor (ou um bem) escasso nas sociedades humanas (homens
trocam mulheres). Na tentativa de fugir das acusações de viés masculino o autor explica, porém
que pode-se pensar o modelo de forma inversa, ou seja, mulheres trocando homens. O
entendimento do modelo permaneceria, porém, o autor lembra que, na prática tal coisa não
acontece. (1949, p.153)
117
Lasmar (1999) lembra que por outro lado, negar a priori a dominação masculina é uma
opção que também envolve riscos, e o maior deles é o de se substituir uma retórica por outra,
estando ambas referenciadas ao antropólogo.
3. A INVISIBILIDADE DA MULHER INDÍGENA
A invisibilidade da mulher indígena nos trabalhos etnológicos estimulou o aumento dos
estudos de gênero na etnologia indígena, nos últimos anos. Lasmar (1999) chama a atenção,
entretanto, para o fato de que a efervescência teórica nos estudos de gênero nos anos 1970 e 1980
teve pouca participação das sociedades indígenas. Para a autora as principais causas são:
•
Hegemonia da perspectiva masculina nas ciências sociais.
•
Estrutura sócio-cultural interna das sociedades indígenas sul-americanas com a
segregação sexual do espaço e das atividades.
•
O papel masculino de agente do contato com o mundo exterior.
•
Valorização da caça e da guerra, existência de rituais secretos masculinos de
importância central e a ausência de rituais correlatos para as mulheres.
•
Estagnação teórica e o isolamento da etnologia americanista em relação às outras
etnologias regionais.
•
A predominância da ideologia do bom selvagem gerando 'fossilização' da
etnologia americana até a década de 70.
•
Poucos estudos e falta de homogeneidade conceitual.
Com o desenvolvimento dos estudos etnológicos, para a autora, cresceu o interesse pelo
tema do gênero na Amazônia. Nos últimos anos pesquisas realizadas principalmente por
mulheres (ex: V. Lea, MacCallum e Patrícia M. Rodrigues) trabalhos onde a perspectiva feminina
não aparece como mero resíduo fez com que a dimensão do gênero fosse incorporada pouco a
pouco às análises dos etnólogos que se debruçavam sobre outros assuntos, uma vez que recorta a
quase totalidade dos aspectos da vida social dos povos estudados.
Para Lasmar:
118
A concepção da humanidade degradada do indígena incidiu com bastante força sobre o
elemento feminino O papel das iniciadoras sexuais e a decrepitude física das velhas
índias, vistos pelas lentes da misoginia cristã e interpretados a partir da teoria da
degradação natural, deram origem a uma representação da velha como reservatória de
lascívea da sociedade tupinambá (...) Essa concepção generalizava a equação entre
feminino e a luxúria: sexualidade supostamente exacerbada e falta de pudor – do que da
perspectiva dos primeiros observadores aparece como insígnia da decadência moral dos
habitantes do Novo Mundo - eram atributos das mulheres: nesse caso, os homens foram
relativamente poupados. (1999, p. 146)
A despeito da importância do enfoque sobre as mulheres indígenas que motivou o
desenvolvimento dos estudos de gênero na etnologia indígena, há atualmente uma tendência em
desenvolvimento que é de dar os estudos de gênero a dimensão do aspecto relacional. Essa
abertura busca abranger a análise de outros temas, para além da questão da dominação masculina
nas sociedades indígenas, tais como a construção do corpo, tanto feminino, quanto masculino
desde o estado fetal; casamento, teoria da concepção; separação conjugal e suas motivações;
envelhecimento e sexualidade entre outros.
4. O TRABALHO DE CAMPO
A etnografia de gênero, como o estudo de outros temas, depende da continuidade do
chamado ‘trabalho de campo’. E sabemos que em última estância o produto desse trabalho, desde
a coleta de dados até a análise final passa pelo ‘olhar’ do etnólogo, fato gerador de debate dentro
da Etnologia.
Mariza Peirano (1990) lembra que vários fatores, como o contexto sócio-histórico, o estilo
da orientação teórica, o meio em que a pesquisa é desenvolvida e até mesmo a personalidade do
pesquisador interfere na construção do estilo autoral o que traz como consequência a convivência
de estilos diversificados dentro da etnologia, assim como no âmbito mais abrangente da
antropologia. Podemos dizer que nos últimos vinte anos a visibilidade da antropologia tem
crescido no âmbito das ciências sociais no Brasil e neste contexto os trabalhos etnológicos.
De acordo com Peirano (1990) a antropologia se concebe como um desdobramento da
sociologia européia do séc XIX, sendo que no Brasil as Ciências Sociais foram
institucionalizadas nos anos 1930 sob o manto da filosofia, que abrigava na época estudos hoje
diferenciados como sociologia, antropologia e ciência política. Na etnologia, entretanto, ao se
119
contrastar os conceitos do pesquisador com os conceitos nativos, ressalta-se a formulação de uma
ideia de humanidade construída através das diferenças.
A autora lembra que a etnologia tem, sem dúvida, como marco de seus passos iniciais o
desafio proposto por Malinowski ao confrontar a vida dos trobriandeses de carne-e-osso com as
grandes terias evolucionistas do início do século XX. Esse diálogo com o ‘outro’ explícita que o
estranhamento constitui-se não apenas na via pela qual se dá o confronto de diferentes ‘teorias’
mas, também, um meio de auto-reflexão.
Interessante a reflexão que traz o texto de Peirano de que mesmo que a pesquisa de
campo caracterize esta área de estudos, ela não é o objetivo final do antropólogo. Já se disse que
a antropologia estuda problemas e não povos (Evans-Pritichard, 1950) e, mais recentemente, que
os antropólogos não estudam aldeias, mas em aldeias (Geertz, 1989, p. 32).
A autora explica assim a importância da pesquisa de campo:
Foi o kula de Malinowski que permitiu a Marcel Mauss conceber o ‘fato social total’ e
ajudou Karl Polanyi a discernir a ‘grande transformação’ no ocidente, as observações de
EP sobre os Nuer descentralizados, as de Geertz sobre o theatre-state em Bali, as de
Staley Tambiah sobre a galactic polity asiática, ou as de Edmund Leach sobre a
alternância (PEIRANO, p. 35)
Esse caráter da pesquisa etnográfica que propõe uma construção de uma concepção de
humanidade com base nas diferenças revela o ocidente como uma entre várias possibilidades de
realização humana.
De acordo com Geertz (1978) praticar a etnografia é estabelecer relações, selecionar
informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário e assim
por diante. Mas não são essas coisas, as técnicas e os processos determinados, que definem o
empreendimento, o que o etnógrafo enfrenta, de fato, é uma multiplicidade de estruturas
conceituais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são
simultaneamente estranhas, irregulares e não explícitas. Para Geertz o etnógrafo diante desses
fatos, tem que, de alguma forma, primeiro apreender e depois apresentar. De acordo com autor:
Fazer a etnografia é como tentar ler (no sentido de ‘construir uma leitura de’) um
manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e
comentários tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, mas com
exemplos transitórios de comportamento modelado. (1978, p. 15)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos de gênero no contexto da etnologia, assim como a etnologia no contexto da
antropologia, e esta no âmbito maior das ciências humanas, vêm se desenvolvendo apesar de
todas as dificuldades econômicas e políticas colocadas à realização de pesquisas de campo e
mesmo para o crescimento e visibilidade das ciências humanas no Brasil. Um desenvolvimento
que se deve à teimosia e a grande curiosidade de seus estudiosos, que buscam entre outras coisas,
a realização de uma autorreflexão, fundamentados (pelo menos em parte), na percepção de que se
constituem enquanto representantes de uma humanidade recortada por diferenças e igualdades,
motivadas pelo desejo de subsidiar estratégias de enfrentamento das consequências provocadas
pelos conflitos sociais pautados na falta de tolerância social e, na busca, por quem sabe, auxiliar
na construção de uma consciência maior de nossa própria existência.
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