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“FoI SERvIDA A SuAS
MAJESTADES uMA LAuTA CEIA”:
MANJARES DA vISITA RéGIA
AoS AçoRES EM 1901
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“A mAjEsTIC sUppER wAs
sERvEd TO hIs mAjEsTIEs”:
DELICACIES OF ThE ROyAL VISIT
TO ThE AzORES IN 1901
Guida Cândido*
Cláudia Silva Mataloto**
* Doutoranda em Patrimónios Alimentares: Culturas e Identidades – FLUC. Investigadora CECH – FLUC. Bolseira FCT
SFRH/BD/146062/2019
E-mail: guida.silva.candido@gmail.com
** Chefe da Divisão de Comunicação e Identidade Cultural – Empresa Municipal de Ambiente de Cascais
E-mail: claudia.mataloto@cm-cascais.pt
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CLÁUDIA SILVA MATALOTO
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Palavras-chave: Visita Real aos Açores; refeições
solenes; banquetes; viagens régias; comensalidade;
História da Alimentação.
ABSTRACT: In 1889 D. Carlos ascends the throne,
initiating a reign marked by diplomatic visits that
reflect the primacy of palace meals. The “service
in the Russian style”, started in the previous reign,
remained on the royal table and was disseminated by
the elites, materializing in the culinary literature and
etiquette manuals of the time. In the course of their
diplomatic action, in 1901 the couple of monarchs
visited the archipelagos of Madeira and the Azores,
where they were received by local authorities with all
the ceremonies and gallantry. The meals served to their
majesties and entourage stood out from that travel.
By then dominated by French cuisine, the period in
question saw the birth of the first publications that
sought to highlight the national cuisine and regional
dishes. This article seeks to characterize the different
meals of the royal family, namely traveling and family
meals, and also banquets, by analyzing the menus
served during the royal visit to the Azores and the
recipes evidenced in the culinary literature of the time.
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RESUMO: Em 1889, D. Carlos sobe ao trono, iniciando um reinado marcado pelas visitas diplomáticas evidenciando a primazia das refeições palacianas. O serviço à russa, iniciado no reinado anterior,
mantém-se na mesa real e é disseminado pelas elites,
materializando-se na literatura culinária e manuais de
etiqueta da época. Na senda da sua ação diplomática, o
casal de monarcas visita, em 1901, os arquipélagos da
Madeira e dos Açores, onde são recebidos com todas
as cerimónias e galanterias, destacando-se as refeições
servidas a suas majestades e comitiva. Dominada pela
cozinha francesa, a época em apreço vê nascer as primeiras publicações que procuram enaltecer a cozinha
nacional e os pratos regionais. Neste artigo, procura-se caracterizar as diferentes refeições da família régia,
nomeadamente os banquetes, as refeições de viagens
e as do quotidiano familiar, comparando-as com as
ementas servidas durante a visita real aos Açores e as
receitas evidenciadas na literatura culinária da época.
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GUIDA CÂNDIDO
Keywords: Royal Visit to the Azores; solemn meals;
banquets; royal trips; commensality; History of Food.
I – Comensalidade e literatura culinária no reinado de D. Carlos e D. Amélia
EM
Os comportamentos sociais, nomeadamente das classes privilegiadas e da Casa Real, sofrem alterações durante
o século XIX e na centúria seguinte. Nessa medida, a edição de manuais de etiqueta e civilidade têm nesse período
uma larga expansão, a que não é estranha a ascensão de um maior número de pessoas, dentro da sociedade, a formas
mais elegantes e distintas de viver. A produção de textos com este teor torna-se, pois, quase uma necessidade no
auxílio às boas práticas em sociedade. Naturalmente, esta questão não se verifica dentro da Casa Real e seus satélites,
uma vez que códigos, pragmáticas e regras de civilidade são bebidas desde a mais tenra idade, num processo natural
e espontâneo1.
A partir da segunda metade do século XIX, o serviço à russa já se encontra implementado na corte portuguesa,
por oposição ao serviço à francesa praticado anteriormente. De acordo com as palavras de Maria Amália Vaz de
Carvalho que publica em 1895 Arte de Viver em Sociedade, este serviço consiste em por na mesa os frutos, as flores, as
geleias, os plats montés, enfeitando consoante o bom gosto e riqueza de que se disponha, a mesa em torno da qual os criados
1
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CÂNDIDO, Guida. Comer como uma rainha. O receituário real do século XVI ao século XX. Lisboa: Dom Quixote. 2018: 17-18.
“FOI SERVIDA A SUAS MAJESTADES UMA LAUTA CEIA”
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fazem depois circular os pratos de jantar2. Os menus são subsidiários deste novo serviço, uma vez que os comensais
necessitam saber o que lhes será servido, sendo que, no serviço à francesa, todas as cobertas se encontram dispostas
na mesa. Assim, o menu, manuscrito ou datilografado, num pequeno cartão, normalmente apresenta-se enquadrado
por um desenho ou aguarela. Redigidos em francês, narram a estrutura da refeição, que difere em número de pratos
no que respeita ao almoço e ao jantar, sendo o último mais complexo. O rei D. Carlos tem apreço por menus.
Ademais, a coleção de menus da Casa Real de Bragança é extensa e significativa. No período em que habita o Paço
das Necessidades, entre 1889 e 1908, o rei colige um álbum de menus das refeições mais importantes oferecidas
pela Casa Real, incluindo igualmente menus de diferentes palácios e lugares onde se hospedam. A esta coleção
somam-se outros dispersos, perfazendo um total de 682, sobretudo respeitantes ao reinado de D. Carlos e de D.
Manuel II, reveladores das refeições associadas a eventos familiares, a viagens, a receções de figuras internacionais,
não olvidando o seu quotidiano familiar, onde se destacam os passeios, os piqueniques e as estadias a bordo do iate
Amélia3. São particularmente interessantes os últimos. Ao contrário dos restantes, que seguem a norma da redação
em francês, estes têm a singularidade de serem redigidos em português e decorados por D. Carlos, umas vezes com
belas aguarelas, noutras ocasiões, iluminados a carvão e lápis de cor sobre cartão. Destacam-se, nestas refeições,
pratos com categórico traço da cozinha portuguesa, pontuados por iguarias de cariz internacional. Resgatemos
desses menus o “pão de ló”, as “favas à portugueza”, os “capões com arroz”, o “leitão assado”, os “bifes à Portugueza”,
a “canja de galinha”, o “feijão carrapato à Portugueza”, o “arroz de pato no forno”, os “eiroz grelhado” e os célebres
“bolos de bacalhau”4, iguarias inevitavelmente associadas à matriz da cozinha tradicional portuguesa.
Em 1889, ano em que D. Carlos assume o trono, vêm a lume três publicações: O Cozinherio Popular das Famílias
Portuguezas e Brasileiras, da autoria de Anselmo Pinto de Queiroz, o Manual de Conserveira e o Manual de Cozinheira.
Todavia, são livros de cozinha burguesa, de qualidade inferior e pouco apropriada à mesa régia. O mesmo se verifica
com as edições em anos posteriores, nomeadamente O Cozinherio Portuguez, de Luísa Alves Macedo, em 1895,
e O Cosinheiro Popular dos Pobres e Ricos ou o Moderno Thesouro do Cosinheiro, coordenado por Micaela Brites de
Sá Carneiro, e que conhece edição já no século XX, em 19015. Escapa a este arrolamento o livro de Carlos Bento
da Maia - pseudónimo de Carlos Bandeira de Melo - Tratado Completo de Cozinha e de Copa. Trata-se de uma
obra bastante didática, não deixando de elencar um significativo número de receitas codificadas com a cozinha
requintada e internacional que emerge na mesa palaciana. A primeira edição data de 1903, em fascículos semanais.
No ano seguinte, é conhecida a primeira edição em livro, impressa pela editora Guimarães, de Lisboa6.
O capítulo mais extenso é dedicado às iguarias, que abarca grande variedade de carnes, pescados, vegetais e
legumes, num total de 944 receitas. Aos doces dedica 198 propostas, com as mais diversas sugestões, onde pontuam
as receitas de matriz francesa em diálogo com outras onde se identifica a herança nacional. Café; chá; chocolate
e conservas têm capítulos próprios e espaço ainda para um capítulo com 60 ementas, ainda ao jeito da literatura
culinária precedente. Fazendo justiça à característica educacional e formativa da obra, remata com um dicionário
com diversos termos culinários e alimentares.
O Tratado alcança um sucesso muito robusto, uma vez que nele assoma uma cozinha burguesa onde emergem
já algumas referências regionais com evidente eco popular, em oposição aos livros anteriores de alta cozinha de
2
CARVALHO, Maria Amália Vaz de. Arte de viver na sociedade. Sintra: Colares Editora. 2004: 86.
Menus da Família Real. Colecção do Museu-Biblioteca da casa de Bragança. (coord. Maria de Jesus Monge et al.). Fundação da Casa de
Bragança. 2019: 11-12.
4 Menus da Família Real. Colecção do Museu-Biblioteca da casa de Bragança. 2019: 98-105.
5 PEREIRA, Ana Marques, Mesa Real. Dinastia de Bragança. Lisboa: A Esfera dos Livros. 2012: 218.
6 MAIA, Carlos Bento da. Tratado Completo de Cozinha e de Copa. Lisboa: Livraria Guimarães & C.ª. 1904: 1-3.
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inspiração gaulesa. Considere-se que as ementas já referenciadas das refeições servidas a bordo do iate Amélia
refletem algumas das sugestões enunciadas no livro de Bento da Maia7.
Será neste livro, e, sobretudo, na literatura culinária do reinado de seu pai, D. Luís I, que se encontra correspondência
dos pratos elencados nas ementas régias. Neste particular, destaca-se O cozinheiro dos cozinheiros de Paul Plantier,
cuja primeira edição é de 1870. Com mais de mil receitas de cozinha e copa, e ainda com menus servidos à francesa,
o livro conhece várias reedições8. Reveste-se de expressiva influência francesa, descrevendo os diversos alimentos e
as diferentes formas de os tratar e manipular. A lista de vinhos franceses que devem acompanhar uma refeição arrola
várias dezenas de néctares que só estão ao alcance de algumas bolsas9. Ainda no campo das bebidas, aconselha sobre
a melhor forma de preparar uma boa infusão de chá preto e chá verde10. De resto, estes são consumidos na mesa real,
sobretudo em cenários especiais, como decorre do serviço de lunch buffet servido no Real Paço das Necessidades
por ocasião da primeira comunhão de S. A. o infante D. Manuel, em 3 de fevereiro de 1902. Além do chá verde e
preto, são igualmente servidos chocolate e café11.
Dado o universo explorado por Plantier, esta obra encontra-se mais em consonância com o contexto da mesa
real e aristocrática. O mesmo acontece com a obra de João da Matta, com edição em 1876. Trata-se de uma das mais
importantes edições culinárias do século XIX. A Arte de Cozinha abre com um conjunto de 10 menus para jantar e
respetivas receitas com a adoção do serviço à russa. De uma forma geral, este serviço é composto por um conjunto
de iguarias que desfilam na mesa num crescendo, iniciando a refeição com sopa, seguido de hors d’oeuvre, um prato
de relevo, as entradas – normalmente uma quente e outra fria –, um ponche à la romaine12 – bebida gelada que serve
de corta sabores –, o prato de assado - grande momento da refeição -, o entremeio salgado – normalmente vegetais
– e os entremeios doces, sorvetes e sobremesas, rematando a refeição com café, licores e conhaque, podendo
ainda surgir chá ou chocolate quente, muito usuais nos serviços de ceias. Este serviço é amplamente descrito pelo
cozinheiro, que lhe dedica um capítulo: Arte de Servir à Mesa. Como o próprio indica, trata-se de instruções para um
criado saber pôr a mesa e servir um jantar à russiana, que é a moda adoptada hoje pelas pessoas de distinção em todo o
mundo civilizado. Lembra a necessidade de o criado se apresentar asseado e bem trajado, dá indicações sobre a toalha
que melhor convém, as flores e os serviços de pratos, copos e talheres, a especificidade do serviço de sobremesas e
apresentação das frutas e, com regras muito definidas, o delicado e rigoroso serviço de vinhos, entre outras várias e
exaustivas notas de etiqueta, tão em voga e disseminados nos manuais de etiqueta e sociabilidade13.
No período em apreço, mantém-se a já exposta influência estrangeira nos livros de cozinha, com destaque para a
França. João da Matta não é imune a essa tendência, incluindo no seu livro diversas receitas de diferentes latitudes,
usando abundantemente de termos franceses afetos aos utensílios, técnicas e ingredientes. Não obstante o padrão
cosmopolita, o seu livro reflete, igualmente, um cunho identitário, com receitas que designa à portuguesa e, ainda,
dois jantares à antiga portuguesa. O prefácio da primeira edição d’ Arte de Cozinha é da responsabilidade de Alberto
7 A título de exemplo, indica-se o “pão de ló”, o “leitão assado”, o “feijão carrapato à Portugueza”, o “arroz de pato no forno”. MAIA. 1904:
596, 285, 246, 353.
8 PLANTIER, Paul. O Cozinheiro dos Cozinheiros. Lisboa: P. Plantier Editor. 1905: IX.
9 Idem: 611-614.
10 Idem: 567-657.
11 Lembre-se, ainda, as ceias no Real Paço da Ajuda nos dias 22 de março de 1905, aquando da visita de S. M. a Rainha de Inglaterra e os
príncipes da Dinamarca e a 27 de março do mesmo ano, quando recebem o Imperador da Alemanha. Menus da Família Real.. 2019: 92, 137138.
12 Revelador da importância desta bebida é a sua presença nos diversos livros de culinário do período em apreço. MATTA, João da. Arte de
Cosinha. Ed. Fac-símile. Belém: Governo do Estado do Pará. 2017: 68. PLANTIER. 1905: 614.
13 MATTA. 2017: 252-260.
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Pimentel, que sobre João da Matta afirma tem feito de Lisboa a miniatura culinária de Paris. Trata-se de uma inequívoca
defesa da cozinha francesa, em oposição às marcas portuguesas, que considera desprestigiantes, referindo que se
deve ao cozinheiro a possibilidade de os estrangeiros jantarem em Portugal sem comer dobrada, orelheira e canja, o que
faz com que os estrangeiros já nos não visitem receosos do porco e do arroz!14.
No seu livro, Matta dedica dois pratos às Família Real Portuguesa e Imperial Brasileira. Não obstante essas receitas,
muitas outras do seu livro deambulam pela mesa real em diversas ocasiões.
As refeições no paço revestem-se de muito requinte, com marcadores e ementas de fino gosto e diferentes mesas,
consoante a categoria das pessoas. Estes rituais são subsidiários de despesas avultadas. Os menus destas refeições,
bem como toda a documentação das despesas da ucharia, são indicadores das rotinas alimentares da Família
Real, assim como dos padrões de consumo, condutas sociais e dinâmicas económicas. A par das receitas de cariz
internacional, sobretudo francesas, emergem na mesa de D. Carlos e D. Amélia, com alguma expressividade, as
receitas de natureza regional, tais como as “Migas á alemtejana”, cuja receita surge na obra de Bento da Maia15.
Servidas no Paço de Vila Viçosa em diversas ocasiões, durante o reinado de D. Carlos, a 15 de janeiro de 1904, numa
caçada em Vila Viçosa, rivalizam com “Fricassé de poulets Dauphine”, a versão mais popular de fricassé, frequente na
mesa real como atestam os menus de 15 de abril de 1887 ou 29 de junho de 190816.
Sigamos a estrutura do serviço à russa. A sopa inicia a refeição e deve ser acompanhada com pelo menos duas
variedades de vinho, preferencialmente Madeira e Xerez17. Matta oferece ao leitor 21 receitas de sopa! Com massas,
carnes, pescados ou legumes, são diversas as suas propostas, em conformidade com o receituário da época, distinto e
sofisticado, a que as elites estão acostumadas. Algumas destas receitas estão, igualmente, patentes na obra de Plantier
e de Bento da Maia, nomeadamente a “sopa de purée de ervilhas verdes” ou a “sopa de Julianne”18. São habitualmente
servidas nas refeições no Palácio da Ajuda, a par de outras, numa variedade que chega quase à trintena. Uma sopa
mais elaborada, a “bisque de marisco”, procura ostentar sinais de requinte, próprios de um grupo social. Não será a
sopa comum nem mesmo nas mesas privilegiadas, pois, nos menus da Casa Real, surge em três ocasiões, associadas
a eventos festivos relevantes19 e está registada na obra de João da Matta20. Contudo, é a “canja de galinha” que reúne
a preferência da Família Real, sendo sugestiva a sua aparição numa dúzia de menus21.
Após a sopa, segue-se os hors d’oeuvre. Entre diversas iguarias, em que se destacam múltiplos “croquetes”, “rissoles”
e “oeufs”, assomam as “omelettes”. São onze as receitas na Arte de Cozinha, e servidas na mesa real, como a “omelette
Idem: XXII.
MAIA. 1904: 94.
16 Menus da Família Real. Colecção do Museu-Biblioteca da casa de Bragança. 2019: 219, 222. A técnica do “fricassé” é bastante usual neste
período. Nem mesmo Bento da Maia lhe é imune, apresentando no seu Tratado uma proposta mais rústica, “fricassé de beiço de vaca”. MAIA.
1904: 33.
17 CARVALHO. 2004: 84.
18 MATTA. 1876: 166, 101; PLANTIER. 1905: 794-795; MAIA. 1904: 426, 429. A “sopa Julianne” é servida três vezes na viagem a África do
Príncipe D. Luís Filipe, entre 1 de julho e 27 de setembro de 1907. Duas vezes abre o jantar no paquete África e é também a escolha do jantar
no Palácio do Governo Geral de Angola a 19 de julho desse ano. Menus da Família Real. Colecção do Museu-Biblioteca da casa de Bragança.
2019: 229.
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19 Jantar no Paço da Ajuda oferecido à embaixada inglesa que veio notificar a ascenção ao trono do rei Eduardo VII de Inglaterra, para
100 pessoas, a 30 de março de 1901; a 3 de fevereiro de 1902, no serviço de lunch buffet, servido no Paço das Necessidades a 120 pessoas
por ocasião da 1ª comunhão de S. A. o Senhor Infante D. Manuel e no jantar dado por S.M. a Rainha Regente no Paço das Necessidades ao
Ministério em 14 de Dezembro de 1902 (Menus da Família Real. Colecção do Museu-Biblioteca da casa de Bragança. 2019: 78, 93 e 108).
20 MATTA. 2017: 71. Não a designando com essa nomenclatura, Bento da Maia propõe uma “sopa de camarão” que se assemelha a esta
preparação. MAIA. 1904: 417.
21 Menus da Família Real... 2019: 176, 213.
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au naturel”, uma versão básica, contrapondo com elaborações mais sofisticadas, como “omelette au fine herbes”,
“omelette aux rognos”, ou, a mais evocada, “omelette au fromage Parmesan”22.
As “galantines”23 e os “vol-au-vents” constituem as mais icónicas sugestões nas entrées, a par do foie-gras. Na mesa
do soberano surgem cerca de três dezenas de receitas diferentes de “galantine”, servida diversas vezes na, já antes
evocada, viagem a África do Príncipe D. Luís Filipe, o mesmo se verificando com os “vol-au-vents” 24.
O principal prato das refeições é o assado, ou seja, o “rôti”, sendo o peru a ave que alcança mais prestígio,
ocupando o lugar maior nos banquetes e ocasiões solenes, como atesta o menu do jantar Grande em honra dos
oficiais da esquadra Russa, servido no Real Paço de Cascais em setembro de 1893, ou no almoço fino no Paço das
Necessidades, oferecido a um primo de Sua Majestade a Rainha, em 10 de maio de 189925. Bento da Maia dedica a esta
ave sete receitas, entre as quais o “peru assado”, designando-a como um “galináceo muito estimado”26.
Já os legumes não recebem o mesmo destaque na mesa palaciana, herança de épocas anteriores em que o seu
prestígio é diminuto e a sua presença residual entre os grupos sociais privilegiados. Ainda assim, neste particular,
destacam-se nos menus reais algumas receitas que pela sua preponderância sugerem a preferência dos comensais.
Estão neste caso os espargos. Podem-se contar aproximadamente 40 receitas com este produto, repetindo-se
consecutivamente três preparações mais comuns, “asperges à la créme”, “asperges à la sauce Hollandaise” e, o mais
usual, “asperges à la sauce mousseline”27. Nos entremets sucrès, as “charlotte” e os “pounding” gozam de grande
popularidade, não obstante convergirem na mesa régia os tradicionais arroz-doce e o leite-creme. Numa variedade
que alcança uma dúzia de preparações, destaca-se a “Charlotte au Chantilli”. Trata-se de uma receita francamente
célebre, constando em diversos menus da Casa Real portuguesa. Apresenta-se no almoço no Real Paço da Ajuda no
dia 4 de julho de 1896. Em 1901 é igualmente servida no Real Paço de Cascais e em Vila Viçosa28. Estas preparações
doces comparecem nas obras culinárias evocadas, tanto em João da Matta, que nos oferece a “Charlotte au Chantilli”,
“Charlotte à la russe” e “Charlotte de maçãs”29. Plantier regista as duas últimas30. De resto, também estas se encontram
por diversas ocasiões nas refeições palacianas. A encerrar este diálogo entre receitas comuns à mesa real e à literatura
culinária da época, veja-se Bento da Maia que, na extensa secção dedicada à doçaria, maioritariamente de inspiração
nacional, encontra espaço para a famosa “Charlota de Chantilly”31.
À semelhança de seus pais, D. Luís e D. Maria Pia, o casal de monarcas D. Carlos e D. Amélia, viajam com
regularidade pelas cortes europeias, onde são recebidos com copiosos banquetes. Também no país fazem as suas
deslocações, sumptuosamente rececionados em diversas localidades, nomeadamente em 1901, nas ilhas atlânticas
da Madeira e Açores, visita agora evocada.
Idem: 176, 223.
À semelhança de outras iguarias refinadas, o livro de Carlos Bento da Maia que pretende alcançar um público mais modesto, não deixa
de incluir receitas de “galantine”, atendendo à sua disseminação nas mesas mais refinadas. Tem, pois, as receitas da “galantine de galinha” e a
“galantine de vitela”. MAIA. 1904: 260-261.
24 Menus da Família Real... 2019: 219-220, 231.
25 Idem: 41, 59.
26 MAIA. 1904: 364-365. Naturalmente, consta do receituário de MATTA. 1977: 266 e PLANTIER. 1905: 789-790.
27 Menus da Família Real. Colecção do Museu-Biblioteca da casa de Bragança. 2019: 211, 212. De acordo com o que se tem apurado, também
João da Matta apresenta uma receita de “espargos à la sauce Hollandaise”. MATTA. 2017: 68. Por sua vez, Plantier oferece três propostas, entre
as quais “os espargos com molho branco”. PLANTIER. 1905: 776. No caso do Tratado Completo de Cozinha e de Copa, o autor propõe sete
receitas onde não constam as anteriormente referidas. MAIA. 1904: 234-235. 6
28 Menus da Família Real... 2019: 214.
29 MATTA. 2017: 79, 80 e 9.
30 PLANTIER. 1905: 479 e 497.
31 MAIA. 1904: 529.
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II – Refeições da viagem régia aos Açores
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O início do século XX é marcado pela distância da Família Real perante a população, passando a maior parte do
seu tempo confinada no ambiente reservado dos Paços Reais, afastada da realidade do seu país. Os seus membros
eram desconhecidos para os seus súbditos, à exceção da presença assídua em alguns locais como Sintra, Cascais,
Mafra, Vidigal (Vendas Nova) ou Vila Viçosa, onde passava períodos de férias ou estadias mais prolongadas, e onde
D. Carlos mantinha uma proximidade e convívio com os populares.
Com objetivo de recuperar a popularidade dos reis, dada a conjuntura política e social da altura, marcada pelas
atribulações conjurais, a intriga política, o desgaste do regime e falta de entusiasmo em relação aos monarcas, realiza-se a viagem da Família Real às ilhas Atlânticas, constituindo-se assim, o ano 1901 uma referência histórica para os
arquipélagos da Madeira e dos Açores, que recebem a visita do Rei D. Carlos e da Rainha D. Amélia, com pompa e
circunstância, pelas autoridades locais e por uma população entusiasmada e participativa 32.
Sobre esta visita, refere Eduardo Justo Nobre “mais do que uma invulgar exceção” passados mais de quatro
séculos da descoberta dos arquipélagos, a visita régia constitui “a primeira grande visita de Estado portuguesa do
século XX”33.
A viagem régia realiza-se entre 20 de junho e 14 de julho e tem início no arquipélago da Madeira, a 22 de junho,
passando depois aos Açores. Aqui, as autoridades locais, conscientes da importância desta visita, empenham todos
os esforços e despesas necessárias na sua organização, mesmo perante as dificuldades orçamentais conhecidas.
Eventualmente, este facto justifique que tenham sido visitadas, no arquipélago dos Açores, apenas três ilhas: Faial
(28 a 30 de junho), Terceira (1 a 4 de julho) e São Miguel (5 a 11 de julho), pois considera-se que as despesas a
efetuar nas restantes serão incomportáveis para os orçamentos camarários. Todavia, esta visita é encarada por todos
como uma grande oportunidade para a divulgação do património histórico, cultural e ambiental das ilhas, assim
como uma oportunidade para reforçar a unidade nacional e os povos insulares mostrarem o seu valor, capacidades
e as suas necessidades34.
Em grande medida, o sucesso da viagem fica a dever-se a Ernesto Rodolfo Hintze Ribeiro, cidadão micaelense,
que na altura exercia as funções de Presidente do Conselho. Visto como um “Homem de estado, amigo pessoal do
rei e monárquico convicto, Hintze Ribeiro prepara toda a viagem, sem descurar o mais ínfimo detalhe, procurando
acima de tudo garantir uma entusiástica e calorosa receção por parte das populações” 35.
A viagem régia suscita interesse internacional, uma vez que tem implícito o objetivo de reforço da soberania
portuguesa sobre os arquipélagos, muito cobiçados pelas potências de ambos os lados do Atlântico36.
A Família Real viaja a bordo do cruzador D. Carlos, sendo este acompanhado pelo iate real Amélia e da canhoeira,
que têm uma escolta estrangeira (brasileira, espanhola e inglesa), procurando homenagear os monarcas portugueses.
Assinale-se, igualmente, a presença de jornalistas de outras nações, conferindo-lhe um significado diplomático e
político37.
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SILVA, Susana. Em torno da visita régia de 1901 aos Arquipélagos da Madeira e dos Açores. Ponta Delgada: Universidade dos Açores. 2008: 162.
NOBRE por SILVA. 2008: 161.
SILVA. 2008: 158.
Idem: 162
Menus da Família Real... 2019: 80.
SILVA. 2008: 165.
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A comitiva integra várias personalidades nacionais e estrangeiras, conforme refere Hintze Ribeiro no seu
telegrama para o Ministro da Justiça, em Lisboa, e publicado na edição da época do Diario Illustrado, sobre a visita
a Angra nesse dia:
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Às duas da tarde da tarde, havendo recepção oficial, compareceram o bispo, o cabido, autoridades civis, militares e judiciais,
oficialidade dos navios de guerra portugueses e estrangeiros, e da guarnição, a camara municipal e as pessoas mais qualificadas
da cidade. Foi muito concorrida38.
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Os telegramas de Hintze Ribeiro, publicados no Diario Illustrado, nas edições coevas, constituem um relato “in
loco” dos 14 dias da viagem régia e do seu intenso programa, onde se destacam as atividades lúdicas e recreativas,
nomeadamente as celebrações à mesa como os almoços, alguns em ambiente descontraído e popular, e os banquetes
oficiais e ceias, com os seus característicos bailes.
Embora não refira as ementas servidas, Hintze Ribeiro relata o número de convidados presentes nestas celebrações, assim como o ambiente da refeição:
Em uma aresta do mais alto da montanha, dominando o oceano de um lado e Sete Cidades do outro, foi servido um almoço
de setenta talheres, offerecido a Suas Magestades pela junta geral do distrito, terminado o qual os Reis regressaram a Ponta
Delgada39.
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A villa estava toda engalanada, e constante chuva de flores caia sobre a carruagem real. Desde Ponta Delgada até às Furnas
Suas Magestades vieram em trimpho. O almoço foi a meio caminho da Ribeirinha. Alli apareceu muito povo com filarmónicas
e descantes, sempre dominando a viva alegria pela presença dos nossos reis. (Diario Illustrado, 9 de julho de 1901).
Ainda sobre este almoço na sequência da visita às Furnas, Hintze Ribeiro acrescenta:
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Quando Suas Magestades embarcaram em um bote para atravessar a lagôa, muita gente rompeu em vivas aclamações, as
quaes as repetiram no desembarque e ao sahir para a propriedade de José Canto, onde foi oferecido almoço, servido debaixo de
elegantes barracas, e a todas as pessoas que acompanharam Suas Magestades em numero de 5040.
A 1 hora da tarde foram ao governo civil onde a junta geral do distrito ofereceu um banquete de cento e cinquenta talheres.
A casa formosamente ornada, da concorrência selecta; entusiasmo caloroso (…) El-Rei fez delicado e eloquente brinde ao
districto de Ponta Delgada (…). Terminado o banquete partiram suas Magestades para a praia a fim de embarcarem41.
Os horários e estruturas das refeições mantêm-se durante esta visita, conforme os relatos de Hintze Ribeiro:
O jantar de gala realisou-se 8 horas da noite. El Rei, significando quanto o comovera e á Rainha a recepção que tiveram aqui,
brindou pelas prosperidades da Terceira42.
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Diario Illustrado. 6 de julho de 1901.
Diario Illustrado. 8 de julho de 1901.
Diario Illustrado, 10 de julho de 1901.
Diario Illustrado. 11de julho de 1901.
Diario Illustrado. 6 de julho, de 1901.
“FOI SERVIDA A SUAS MAJESTADES UMA LAUTA CEIA”
As ceias, servidas em bailes ou outros eventos, constituem um capítulo muito importante na sociabilidade
gastronómica dos finais do século XIX e início do século seguinte, tanto na Família Real como na sociedade mais
distinta. Nos Açores,
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Suas Magestades foram hontem ao baile do Club onde entraram ás 11 horas da noite. O Club estava repleto e o baile
animadíssimo (...). Suas Magestades percorreram as salas conversando com diferentes pessoas a quem expressaram a sua viva
satisfação pela maneira brilhante e amiga porque aqui foram recebidos43.
No livro de João da Mata encontra-se a seguinte recomendação:
Antes de se servir a ceia se sirva um chá com bandejas de doces diferentes. Depois serve-se dois ou três serviços de neve com fofos
e obreias. No intervalo de cada serviço de neve serve-se bebidas diferentes quentes e frias. Quando se serve a primeira roda de
neve devem ir quatros criados cada um com a sua bandeja, com as minutas da ceia, a oferecer a todas as pessoas que se acham
nas salas 44.
II.
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No que se refere aos pratos servidos durante a viagem régia, estes são comuns aos servidos no Continente, na
mesma época e em ocasiões similares. Desde os almoços oficiais, aos mais descontraídos, ao ar livre, em que a
etiqueta é menos rigorosa, não esquecendo os jantares de gala, com maior cerimónia e s relevés e entrées, sempre em
maior número. São, ainda, apresentadas algumas ceias, servidas durante os requintados bailes.
No âmbito da viagem régia aos Açores, destacam-se duas refeições pelo ambiente em que são servidas, com mais
ou menos etiqueta, pelos respetivos menus, nomeadamente a sua estrutura e pratos e, finalmente, pelo paralelismo
que se estabelece com outras refeições servidas, na mesma época, no continente. Evoquem-se, então, almoço nos
Capelinhos e jantar no Paço de Ponta Delgada.
a) Almoço nos Capelinhos, Ilha do Faial, a 30 de junho de 1901
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O almoço nos Capelinhos, na ilha do Faial, realiza-se no dia 30 de junho de 1901. É oferecido pela Câmara
Municipal da Horta e enquadra-se na visita do Rei D. Carlos e da Rainha D. Amélia às obras de construção do Farol
da Ponta dos Capelinhos (1894-1903). Trata-se de um almoço servido num ambiente mais informal, ao ar livre,
cuja ementa, de estrutura simples, integra pratos portugueses, iguarias e produtos locais. Contudo, sobressai nesta
refeição a abundância das carnes e dos peixes, a qualidade dos vinhos, os doces, características de uma dieta mais
variada das classes privilegiadas.
O menu deste almoço apresenta-se manuscrito em português e com três fotografias impressas. Da ementa
servida, constam os seguintes pratos:
Cracas | Canja de galinha | Peixe com molho de Alcaparras | Redondos de vaca com tuberas | Guizado de frangos
à portuguesa | Salada de Lagosta | Perú assado com molho de trufas | Salada melee | Puding diplomático | Ovos reais,
Manjar real e doces, Sortidos | Vinhos do Pico, Madeira, Porto e Champagne.
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Diario Illustrado, 8 de julho, de 1901.
MATA, João. Arte de Cozinha. Lisboa: Vega. 1993: 360
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Os pratos apresentados revelam a preocupação de servir o produto nacional e local. Das iguarias locais, destacam-se as cracas,
crustáceos comuns nas rochas das costas açorianas que são cozinhados em água do mar e servidos, ainda hoje, como entrada regional.
Eventualmente por se tratar de um almoço de carácter mais informal,
não falta a Canja de galinha, uma exigência à mesa da Família Real,
desde os tempos da Rainha D. Maria Pia, e que D. Carlos não dispensa, tal como o seu pai. A canja de galinha com arroz branco é também servida no Real Paço de Vila Viçosa. É, ainda, servida durante a
visita, em outra ocasião, concretamente no almoço no Real Paço do
Funchal, a 22 de junho de 1901, embora com a designação “Potage
de poule à la Reine”. No iate Amélia, a sopa de galinha é um prato
recorrente45.
Relativamente ao Peixe cozido com molho de alcaparras, encontramos semelhança com um prato do receituário gastronómico de
Cascais, onde o peixe cozinhado é a pescada. De resto, a localização
da vila não é alheia à importância da comunidade piscatória. A partir
de 1870, a Família Real por lá se instala, no período do ano consagrado à prática dos banhos de mar. Este prato encontra-se referido
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Menus da Família Real... 2019: 48,49, 88, 98, 99. 101 e 103
Fig. 1 – Almoço nos Capelinhos, a 30.06.1901, fotografia in “Menus
da Família Real”, facultada pela Scribe, Produções Culturais, Lda e
Fundação da Casa de Bragança;
Fig. 2 – Ementa do Almoço nos Capelinhos, a 30.06.1901, fotografia
in “Menus da Família Real”, facultada pela Scribe, Produções
Culturais, Lda e Fundação da Casa de Bragança.
“FOI SERVIDA A SUAS MAJESTADES UMA LAUTA CEIA”
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no respetivo receituário, como um original de 1903 da família Possolo, e que se preserva até à década de 50 do século
XX, constando na ementa diária do Club da Parada, fundado em 187946. Sobre este elegante e aristocrático club,
sabe-se que ali se realizam jogos de ténis, sendo comum a participação de D. Carlos, tiro com arco, tiro aos pombos
e festas de caridade promovidas pelas senhoras da aristocracia. O acesso é bastante restrito e elitista.
A salada de lagosta, servida no almoço do Capelinhos, poderá ser semelhante às servidas na época, no continente,
na mesa da Família Real, em diversas ocasiões. Na obra Culinária Portuguesa de António de Oliveira Bello, publicada
pela primeira vez nos anos 1930 do século XX, encontra-se uma receita de “Salada de Lagosta à Moda de Cascais”47.
Na obra de João da Mata, encontramos a referência à salada de Lagosta à portugueza48.
Contudo, o grande destaque na mesa real, anteriormente referido, é o assado, sobretudo o peru (Dindon Rôti),
aqui servido com molho de trufas, embora muito comumente servido com outras guarnições em várias ocasiões,
inclusive a bordo e durante esta viagem49.
No que se refere às sobremesas servidas, os Ovos reais merecem especial destaque por se tratar de um doce
frequentemente servido em banquetes e nas mesas das famílias, em particular durante as celebrações pascais,
remontando a sua origem ao século XII. Embora não se tenham encontrado em outras ementas da Família Real, há
referências a esta especialidade confecionada pelas monjas franciscanas do convento de Santa Clara, de Amarante,
encomendadas pela antiga aristocracia de Entre o Douro e o Minho. Também os ovos reais surgem como um doce
do Convento da Madre de Deus de Monchique, em Miragaia (Porto), assim como dos mosteiros micaelenses50. De
acordo com Guilherme Felgueiras, “No Convento de Santo André, de Ponta Delgada, a maneira como as religiosas
os manipulava foi recolhida pelo Dr. Luís Bernardo Leite de Ataíde, na obra Etnografia, arte e Vida Antiga dos
Açores”51.
Quanto ao manjar real, presente na cozinha dos grandes banquetes desde a época seiscentista52, é referido no
receituário de vários conventos e comunidades religiosas. Plantier e João da Mata incluem esta iguaria nas suas
obras, sendo que o segundo a apresenta como uma versão portuguesa, descrevendo passo a passo a sua confeção,
cujo preparo é à base de galinha, miolo de pão, amêndoa e açúcar53.
b) Jantar no Paço de Ponta Delgada, na ilha de S. Miguel, a 06 de julho de 1901
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Atente-se no jantar servido no Paço de Ponta Delgada, a 6 de julho. Segundo a descrição de Hintze Ribeiro,
às oito horas houve jantar de gala de oitenta talheres. El-Rei, agradecendo a maneira como como suas Suas Magestades
haviam sido recebidas, de que jamais se esquecerão, brindou a Ponta Delgada. (Diario Illustrado, 7 de julho de 1901).
MOREIRA, Raquel e MATALOTO, Cláudia. Receitas de Reis e Pescadores. Lisboa: Casa das Letras. 2017: 126.
Idem: 88.
48 MATA. 1993: 233.
49 Menus da Família Real... 2019: 39 a 41, 43 a 48 e 50 a 51.
50 FELGUEIRAS, Guilherme. Portugal Lambareiro. Doçaria conventual, caseira e especialidades regionais. Receitas de A a Z. Maia: Círculo de
Leitores. 2018: 429.
51 Idem
52 Idem: 372.
53 PLANTIER. 1905: 331 e 332.
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O menu apresentado era composto dos seguintes pratos: Consommé á la Sévignè | Petites timbales aux truffes |
Poisson à la Commodore | Noix de veau à la jardinière | Mousse de jambon à la Diplomate| Punch glacé à l’anglaise |
Dindon à la Périgueux | Asperges glacés sauce Chantilly | Pouding à L’italienne | Gelée à l’ananas | Glace.
Temos como primeiro prato um Consommè à la Sévignè. Trata-se de uma receita muito comum, a partir do final
do século XIX e até ao início do século XX. Escofier publica esta receita em 1903. O Consommè é uma especialidade
da cozinha francesa. Trata-se de um caldo de carne ou galinha, clarificado. É habitual acrescentar-lhe vegetais
finamente cortados, cogumelos ou pedaços, previamente cozidos, de galinha ou lagosta. Esta versão diz respeito
a um consomê de frango decorado com quenelles de recheio de frango branco, alface refogada, ervilha verde e
cerefólio. João da Matta refere que o consommè se prepara estufando algumas aves, carnes e fêveras de presunto, até
ficar o caldo apurado e grosso; estando assim, tira-se-lhe a gordura54. Comum nos menus reais, aparece referido no
menu de 14 de abril de 1890, servido no Palácio de Belém55.
Servem-se Petites timbales aux truffles: tarteletes feitas com camadas de trufas, língua de boi em pickles e carne
de frango em purê, revestidas com molho de vinho Madeira. Este prato surge num menu de 1884, servido à Família
Real Portuguesa em Nice, château d’Eu56. Trata-se de uma receita que ainda hoje integra o receituário internacional.
Destaca-se, igualmente, neste jantar, o prato de carne, Noix de veau à la jardinière, usual nas refeições reais, em várias
versões, conforme podemos verificar nas publicações da época57. Também o mestre João da Matta, apresenta a sua
versão, em português, com uma descrição pormenorizada da sua confeção58.
Na pausa antes do assado é servido um Punch glacé à l’anglaise, uma receita que consta no receituário francês
clássico, desde Escoffier até Le Cordon blue. Consiste numa bebida preparada à base de rum, sumo, açúcar e chá.
Pode ser preparada ainda com vinho tinto, champanhe ou outro licor aromático. O Ponche ou “Punch” persiste nos
menus da Família Real, servido de várias formas como “Ponche à la Royale”, “ Punch au Sherry Brandy”, “Punch
glacé á L’Impératrice”, “Punch glacé, au marranquin ou marrasquim”, Punch glacé à la reine”, “Punch glacé a la
romaine”, “Punch glacé à impériale”, “Punch glacé à lá française”, “Punch glacé aux liqueurs”, “Punch galcé a l’amiral”.
Uma vez mais, é apresentada uma receita de peru assado. O Dindon à la périguex, também servida em outros
jantares da Família Real, nomeadamente no Real Paço das Necessidades, para homenagear convidados estrangeiros 59.
Seguem-se Asperges glacés sauce Chantilly, um prato comum do serviço à russa que consta dos clássicos do século
XIX. Trata-se de um creme de espargos e chalotas, sendo utilizado na sua confeção frutas e servido com chantilly. É
comum encontrarmos Asperges nos menus da Casa Real, nomeadamente nas refeições servidas durante esta viagem
régia60. No final da refeição, é servida Gelée à l’ananas. Este fruto, introduzido nos Açores por meados do século XIX
como planta ornamental, depressa ultrapassa a condição de elemento decorativo e integra os consumos das casas
mais abastadas. Estamos assim perante uma iguaria secular, preparada com um produto local. A conservação das
frutas e o seu consumo, neste formato, no final da refeição, é uma tradição que remonta ao século XVI, sendo comum
nas mesas mais abastadas. Francisco Martinez Motiño, cozinheiro-mor da dinastia filipina, imprime, em 1611, a
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MATA. 1993: 307.
Menus da Família Real... 2019: 40.
Idem: 36.
CHEZ, J. et BARBA, N. Le cuisinier royal: ou l'Art de faire la cuisine, la patisserie et tout ce qui concerne l'office, pour toutes les fortune. 1820: 51.
MATTA. 1993: 44.
Menus da Família Real... 2019: 45 e 46.
Idem: 84, 86.
“FOI SERVIDA A SUAS MAJESTADES UMA LAUTA CEIA”
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obra Arte, Cocina, Pastelaria, Vizcocheria e Conservaria, validando a inclusão formal de conservas nos banquetes da
realeza ibérica61.
Por fim, é servido o Glace, o tão apetecido Sorvete, moda estrangeira também adaptada pela elite da época e que
encerra a refeição. O Cosinheiro dos Cosinheiros, de Plantier, em 1870, apresenta gelados ou sorvetes de fruta e explica
o uso da sorveteira, assim como um método para a gelar artificialmente. Mais tarde, João da Matta, no seu livro Arte
da Cozinha, de 1876, apresenta várias receitas de gelado e sorvete de leite e frutas, além de explicar a confeção do
sorvete, em detalhe. Na Novíssima Arte da Cozinha, de 1889, surgem sorvetes de frutas e flores, assim como de café
e marrasquino. Também Carlos Bento da Maia publica receitas de gelados utilizando frutas, chocolate e de leite e
amêndoas e os sorvetes de baunilha e chá62. O Glace está presente em vários menus da época e constitui, até aos
nossos dias, uma forma prazerosa de terminar uma refeição mais requintada.
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CÂNDIDO. 2018: 64.
BRAGA, Isabel. Gelados: história de uma doce e fresca tentação. Sintra: Colares Editora. 2003: 74 e 94.
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