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DOI: http://dx.doi.org/10.20396/san.v30i00.8670705 Dossiê – Artigo Original Fome e insegurança alimentar em povo indígena. Ferreira, et al. SEGURANÇA alimentar e nutricional Elementos de (in)segurança alimentar no povo indígena potiguara Mendonça do Amarelão, Rio Grande do Norte. Thainá Targino Ferreira1*, Gabriel Dantas de Carvalho Vilar2, Washington José de Souza3, Dinara Leslye Macedo4 e Silva Calazans e Nila Patrícia Freire Pequeno5 A situação alimentar dos povos indígenas que residem em território potiguar acompanha dificuldades de outros povos originários. O objetivo do artigo é analisar o perfil socioeconômico, de insegurança alimentar e antropométrico dos indígenas residentes no território potiguar Mendonça do Amarelão. A pesquisa ocorreu em duas etapas, entre fevereiro e maio de 2022. Como resultado, a maioria dos indígenas são adultos maiores de 18 anos, sendo 53,5% homens. Contudo, destaca-se a liderança feminina nas decisões sobre o território. A maioria se declara agricultor familiar, tendo como principal fonte de renda o beneficiamento da castanha do caju (Anacardiun occidentale L.). A maior parte das famílias (75,3%) vive com renda per capita de cerca de 250 reais. A insegurança alimentar estava presente na maioria das famílias, sendo 33,2% na forma leve. Verificou-se também que 39,6% da população estava com o peso adequado segundo o IMC, 52,8%, acima do peso. Conclui-se que a baixa renda obtida pelas famílias, mesmo com as políticas públicas (PPs), não é suficiente para garantir a segurança alimentar da população indígena investigada. A situação é agravada pela dificuldade de manter a atividade produtiva e falta da demarcação oficial do território. Palavras-chave: Povos Indígenas, Segurança Alimentar, Direito Humano à Alimentação Adequada. Elements of food (in)security in the potiguara indigenous people Mendonça do Amarelão, Rio Grande do Norte. The food situation of the indigenous peoples residing in Potiguar territory follows the difficulties of other native peoples. The objective of the article is to analyze the socioeconomic, food insecurity and anthropometric profile of the indigenous people living in the potiguar territory of Mendonça do Amarelão. The survey took place in two stages, between February and May 2022. As a result, most indigenous people are adults over 18 years of age, 53.5% of whom are men. However, female leadership in decisions about the territory stands out. Most declare themselves to be family farmers, whose main source of income is processing cashew nuts (Anacardiun occidentale L.). Most families (75.3%) live on a per capita income of around 250 reais. Food insecurity was present in most families, with *Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Departamento de Nutrição. Endereço para correspondência: E-mail: thaina.targino1@gmail.com. ID ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7539-9798. 2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Departamento de Nutrição. E-mail: gabrielvilarne@gmail.com. ID ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2842-9039. 3 Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Departamento de Administração Pública e Gestão Social. E-mail: wsufrn@gmail.com. ID ORCID: 0000-0001-6295-2806. 4 Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Departamento de Ciências Administrativas. E-mail: dinaraleslyemscalazans@gmail.com. ID ORCID: http://orcid.org/00000003-4884-8599. 5 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Departamento de Nutrição. E-mail: nilapfp@gmail.com. ID ORCID: http://orcid.org/0000-0003-1279-2554. 1 Segur. Aliment. Nutr., Campinas, v. 30, p. 1-12. e023004. 2023 1 DOI: http://dx.doi.org/10.20396/san.v30i00.8670705 Dossiê – Artigo Original Fome e insegurança alimentar em povo indígena. Ferreira, et al. 33.2% in the mild form. It was also found that 39.6% of the population had adequate weight according to BMI, 52.8% were overweight. It is concluded that the difficulty in maintaining the productive activity and the low income obtained by the families, even with the public policies (PPs), is not enough to guarantee the food security of the investigated indigenous population, aggravated by the lack of official demarcation of the territory. Keywords: indigenous people, food security, human right to adequate food. Submetido em: 14/08/2022 Aceito em: 26/04/2023 INTRODUÇÃO/OBJETIVOS Para Josué de Castro, a fome não é um fenômeno natural, e sim social, produto da exploração humana e desigualdade na distribuição dos recursos naturais. Em ''Geografia da Fome'', Josué de Castro classifica a fome de diferentes maneiras, que são utilizadas até os dias de hoje. A fome endêmica é de característica cotidiana, permanente, constituída por um regime de subalimentação e carência de nutrientes, mas não necessariamente do alimento[1]. Quando o indivíduo está privado do seu direito à alimentação, ele se encontra no estado de insegurança alimentar e nutricional que consiste também em uma alimentação não adequada nutricionalmente, com excessos de alimentos prejudiciais à saúde[2]. Apesar de as doenças carenciais e as doenças crônicas não transmissíveis relacionadas à alimentação apresentarem causas complexas, possuem em comum a presença de dietas nutricionalmente inadequadas que resultam em diversas formas de má nutrição[3]. No debate político brasileiro a trajetória da fome no Brasil é dividida em 5 principais momentos[4]. O primeiro momento é caracterizado pelo debate de acesso ao alimento. Entre 1995 e 2002, segundo momento, a pauta é a fome em relação à desigualdade social. Durante esse período, políticas voltadas para a segurança alimentar e nutricional se mostraram como a melhor resposta para o enfrentamento de questões estruturais, entretanto a fome ainda era associada unicamente ao acesso ao alimento. O terceiro momento (2003-2010) é marcado pela criação do Programa Fome Zero, conjunto de programas criados pelo governo federal com propósito de combater as causas imediatas e subjacentes da fome, e posteriormente o desenvolvimento de políticas de segurança alimentar e nutricional, com foco no alimento de qualidade. No quarto momento, definido pelos autores o período de 2011 a 2015, é caracterizado pela saída do Brasil do Mapa da fome. No entanto, a pobreza, desigualdade social e insegurança alimentar ainda faziam parte do cenário nacional. O processo vivenciado atualmente teve inicio a partir de 2016, com congelamento de gastos públicos, cortes em programas sociais, desmontes da rede de equipamentos públicos de segurança alimentar e nutricional, além do crescente apoio ao agronegócio[4]. Previsto na declaração Universal dos direitos humanos[5], o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) é direito fundamental e social de todos os cidadãos e obrigação do Estado. No Brasil, instituiu-se a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei n. 11.346, de 15 de setembro de 2006), onde se prevê a obrigação do poder público em garantir o DHAA, bem como a instituição de mecanismos de denúncia às violações e exigibilidade desse direito. Para o estabelecimento do DHAA, é adotado o conceito de Segurança Alimentar e Nutricional, definido como “o direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis”[6]. Com isso, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional tem o objetivo de implementar o direito humano à alimentação adequada a partir de ações intersetoriais e com participação social. Segur. Aliment. Nutr., Campinas, v. 30, p. 1-12. e023004. 2023 2 DOI: http://dx.doi.org/10.20396/san.v30i00.8670705 Dossiê – Artigo Original Fome e insegurança alimentar em povo indígena. Ferreira, et al. Atualmente, no Brasil, existem cerca de 462 terras indígenas regularizadas que representam cerca de 12,2% do território nacional, localizadas em todos os diferentes biomas. No último censo demográfico, em 2010, 896 mil pessoas se declararam ou se consideraram indígenas no Brasil, sendo 572 mil (63,8%) residentes em áreas rurais. Desse total, 57,7% residiam em Terras Indígenas oficialmente reconhecidas (IBGE 2010) contabilizando-se aproximadamente 305 etnias de povos indígenas, preservando 274 línguas[7]. A situação de vulnerabilidade, causada pelas transformações ambientais e socioeconômicas em que os povos indígenas estão inseridos[8][9], favorece o aumento da insegurança alimentar em virtude das condições de acesso ao alimento[10]. As mudanças que ocorreram ao longo da história impactaram no estilo de vida, sobretudo nas práticas alimentares[11]. Antes, os povos dependiam da própria produção para sua subsistência com práticas de caça, pesca e agricultura, no entanto, com a invasão das terras, exploração de seus recursos e escravização dos indígenas, as comunidades foram perdendo o acesso a água, comida e, principalmente, território[12]. Tal processo histórico culminou para condições de vida escassas, onde o principal meio de sobrevivência passou a ser a oferta de mão de obra. A forma de vida dessa população é responsabilizada pela desigualdade na saúde, saneamento ambiental, pela degradação e limitação do território e competência do Estado[13]. A maior aproximação das aldeias aos grandes centros urbanos, a inserção da comunidade indígena à comunidade não indígena e aquisições culturais decorrentes desse processo culminou no surgimento de características do perfil de morbimortalidade[14] mais aproximado ao não indígena, como o surgimento de doenças crônicas não transmissíveis e práticas de estilo de vida não recomendadas como o alcoolismo e maior consumo de industrializados[14][15]. Tais mudanças também são reflexos do sistema brasileiro tipicamente capitalista, a não demarcação das terras pela União, e a falta de apoio do Estado brasileiro em relação a políticas públicas efetivas para a melhoria do modo de vida[16]. A situação alimentar e nutricional dos povos indígenas que residem em território potiguar acompanha dificuldades de outros povos originários, pouco reconhecidos pela sociedade civil, com dados ainda muito limitados quando comparados com o restante da população brasileira e ocupando pautas secundárias para o Estado, não sendo, ainda, considerados em suas especificidades étnicas em vários campos do direito, inclusive no acesso a políticas de saúde diferenciadas[15][17]. No estado do Rio Grande do Norte, cerca de 17 territórios indígenas são reconhecidos pela Fundação Nacional do Índio, distribuídos em sete povos: Tapuias, Caboclos, Potiguara, Catu, Ibirapi, Mendonça e Tarairiú, sendo a etnia potiguara a com maior número de indivíduos. Em 2017, a estimativa populacional era de cerca de 4.000 indígenas no território do RN[10], entretanto, não possuem terras oficialmente demarcadas pelo Estado - condição que favorece entraves locais relacionados ao uso do território[7]. Adiciona-se a esse fato vulnerabilidades na aquisição de recursos e gestão de potencialidades produtivas e organização da produção e comercialização, mediadas por relações de gênero. Esses fatores sobrepõem-se na explicação de precariedades na segurança e soberania alimentar[18]. Pesquisa na comunidade indígena potiguar Sagitrabanda, em contexto não pandêmico, evidenciou situação alimentar vulnerável daquelas famílias indígenas, tanto pela restrição quanto pela absoluta falta de alimentos, o que permitiu a inferência de fenômeno similar para os povos em todo o estado[10]. Estudos têm apontado o aumento da insegurança alimentar em povos indígenas durante a pandemia, acrescido pelo contexto de vulnerabilidade política, epidemiológica e ambiental históricas[19][20][21]. É limitado, todavia, conhecimento e interesse específicos acerca da insegurança alimentar entre povos indígenas durante esse período. No Rio Grande do Norte, como resultado de ações que incluem (in)segurança alimentar entre povos indígenas durante a pandemia Covid-19, realizadas pelo Ministério Público Federal, foi identificada a inexistência de atenção à saúde indígena - que relaciona indicadores de segurança alimentar, renda e acesso à alimentação saudável[22], ratificada pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e reforçada pela ausência de cadastro de indígenas no estado[17]. Junto a isso, há também o isolamento, as disputas territoriais, invisibilidade política e exclusão Segur. Aliment. Nutr., Campinas, v. 30, p. 1-12. e023004. 2023 3 DOI: http://dx.doi.org/10.20396/san.v30i00.8670705 Dossiê – Artigo Original Fome e insegurança alimentar em povo indígena. Ferreira, et al. social que comprometem o alcance da soberania alimentar e direitos humanos de povos indígenas[10]. Assim, esta pesquisa tem como objetivo identificar,, tendo como base, o território Mendonça do Amarelão, o perfil socioeconômico e antropométrico entre povos indígenas da região, para, dessa forma, identificar os elementos de (in)segurança alimentar e nutricional da comunidade. A Insegurança Alimentar e Nutricional foi então avaliada por meio da EBIA-G[23], validada em populações de etnia guarani. A EBIA-G surgiu da necessidade de desenvolver e testar uma escala de insegurança alimentar em comunidades indígenas brasileiras, já que essas populações não foram testadas na validação da EBIA original, e pela dificuldade de adaptação linguística às comunidades indígenas. Mais resumida, a EBIA-G contém apenas seis perguntas: METODOLOGIA O estudo é derivado do projeto "Dimensões que influenciam a segurança alimentar de indígenas: um estudo com as etnias pertencentes ao território potiguar", aprovado no comitê de Ética em Pesquisa do HUOL-UFRN, CAAE nº 09097919.3.0000.5292. Constitui-se de estudo de caso, de natureza aplicada, transversal, com objetivo exploratório-descritivo e possui abordagem quali-quantitativa. A pesquisa foi realizada com 315 famílias da comunidade indígena Mendonça do Amarelão, de etnia Potiguara, cujo território não é oficialmente demarcado pela União. Esta, é a maior comunidade indígena do estado do Rio Grande do Norte, localizando-se na zona rural do município de João Câmara, distante 80 km da capital, Natal. A pesquisa foi realizada entre fevereiro e maio de 2022, e consistiu em duas (2) etapas: aplicação de questionário, que incluiu questões socioeconômicas, a EBIA-G e avaliação antropométrica. Devido às limitações decorrentes do isolamento social, como medida protetiva para evitar a proliferação da Covid-19, que impossibilitou a presença dos pesquisadores na comunidade na primeira etapa da pesquisa, o questionário foi aplicado pelas lideranças da comunidade, previamente capacitadas pela equipe da pesquisa. Salienta-se que a aplicação de um questionário censitário com o objetivo de averiguar a situação de trabalho, renda e acesso às políticas públicas já constitui uma iniciativa da própria comunidade, com recenseadores selecionados pela liderança indígena. Assim, com a anuência de sua liderança (cacica), os pesquisadores aprimoraram esse instrumento e incluíram questões relativas à segurança alimentar e nutricional, a partir da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, EBIA-G (guarani)[23]. 1° No mês passado, vocês nesta casa comeram sempre (todos os dias) comida saudável, boa para a saúde? 2° No mês passado, teve dia de você passar o dia todo sem comer nada, por que não tinha comida em casa? 3° No mês passado, teve dia que vocês tiveram que comer menos comida para deixar a comida para as crianças? 4° No mês passado as crianças e os jovens da casa comeram todos os dias comida que faz crescer com saúde? 5° No mês passado teve dia em que as crianças e jovens da casa comeram menos quantidade de comida do que o necessário, por que tinha pouca comida? 6° No mês passado teve dia em que as crianças e jovens da casa passaram o dia todo sem comer e foram dormir querendo comer, por que não tinha comida? Na segunda etapa da pesquisa, a coleta de dados antropométricos ocorreu em nível domiciliar, realizado in loco pela equipe de pesquisadores, sendo coletados os dados de peso e altura de todos os membros da família. O peso foi mensurado utilizando balança eletrônica com capacidade para 150kg e precisão de 50 g. A aferição da estatura foi realizada por meio de estadiômetro portátil com precisão de 1,0 mm e base antiderrapante. Os dados do questionário socioeconômico foram coletados com o suporte da plataforma Epicollect 5, o que viabilizou o preenchimento dos dados em modo off line no celular dos recenseadores, Segur. Aliment. Nutr., Campinas, v. 30, p. 1-12. e023004. 2023 4 DOI: http://dx.doi.org/10.20396/san.v30i00.8670705 Dossiê – Artigo Original Fome e insegurança alimentar em povo indígena. Ferreira, et al. considerando que, dentro desse território indígena, apenas na Associação de moradores e na escola local há internet. Após a coleta, fez-se o upload dos dados, sendo tabulados em planilha Excel, e posteriormente analisados por meio de estatística descritiva simples. Para análise dos dados, a EBIA-G foi classificada em Segurança Alimentar e três níveis de insegurança alimentar (leve, moderado e grave) a partir dos escores finais contabilizados das respostas[23]. A classificação do estado antropométrico foi realizada a partir do IMC - Índice de Massa Corporal, utilizando a classificação da Organização Mundial da Saúde[24]. Os dados de antropometria foram coletados em formulário físico e posteriormente transcritos e analisados em planilhas do Excel. Foi classificado como baixo peso IMC <18,5 kg/m2; peso normal ou eutrófico IMC maior ou igual a 18,5 kg/m2 e menor que 25,0 kg/m2; sobrepeso IMC maior ou igual a 25,0 kg/m2 e menor que 30,0 kg/m2; e obesidade, IMC maior ou igual a 30,0 kg/m2. RESULTADOS E DISCUSSÃO Verificou-se que a maioria da população é composta por adultos maiores de 18 anos (61,8%), e destes, 53,5% é constituída por homens. No entanto, percebe-se a predominância feminina nas tomadas de decisões da comunidade e iniciativas comunitárias, a começar pelo exemplo da liderança da comunidade, uma cacica. Na comunidade dos Mendonça do Amarelão, a principal fonte de renda de 77,8% das famílias é oriunda do beneficiamento da castanha de caju (Anacardium occidentale L.), atividade herdada dos antigos Mendonças (primeiros indígenas de origem Tapuia que chegaram à região no início do século XX, migrantes do Brejo da Paraíba e de aldeamentos indígenas do Rio Grande do Norte), que usufruíam da grande quantidade de cajueiros da região (Gráfico 1). Gráfico 1. Distribuição percentual de famílias indígenas que beneficiam a castanha de caju (Anacardium occidentale L.) no território Mendonça do Amarelão, 2022. Fonte: Dados da pesquisa, 2022. Porém, devido ao clima seco da região, a maioria dos cajueiros foi perdida, devido à quebra sequencial de safra durante 5 anos de estiagem, e também com a morte de elevado número de plantas, Segur. Aliment. Nutr., Campinas, v. 30, p. 1-12. e023004. 2023 5 DOI: http://dx.doi.org/10.20396/san.v30i00.8670705 Dossiê – Artigo Original Fome e insegurança alimentar em povo indígena. Ferreira, et al. em especial daquelas mais antigas, obrigando os moradores a comprarem a castanha de outros locais, como dos estados do Ceará e do Piauí e outros municípios do Rio Grande do Norte, para então beneficiá-la – com elevada dependência de atravessadores[25]. Foi observado ainda nesse estudo que o montante de castanhas beneficiadas por todas as famílias é de 49 toneladas por semana, cerca de 196 toneladas de castanha de caju por mês, o que dá, em média 622,2 quilos de castanha beneficiadas por família/mês (Gráfico 2). Contudo, a safra do caju (Anacardiun occidentale L.) na região perdura em média 5 meses, variando entre os meses de outubro a abril, obrigando os indígenas a buscarem outras atividades produtivas no período de entressafra. Gráfico 2: Beneficiamento semanal de castanha de caju (Anacardium occidentale L.) por família no território indígena Mendonça do Amarelão, no período de safra, 2022. Fonte: Dados da pesquisa, 2022. Apesar do grande volume de beneficiamento, a renda é obtida de forma desigual entre as famílias, devido a presença de atravessadores (que ficam com a maior parte do lucro da atividade), o que obriga as famílias a buscarem outra fonte de renda. Observou-se, em parte das famílias analisadas, a utilização da castanha de caju na fabricação de outros produtos para venda, como doces e bolos. Além de agregar valor para a comercialização, evidencia-se nesse contexto, a necessidade de preservação da cultura e identidade da comunidade, que se firmou em torno da castanha do caju, e a relação intrínseca com o território[24]. A maior parte das famílias (75,3%, n=125) vive com até um salário-mínimo por mês (gráfico 3), completada pela renda obtida de trabalhos formais e do benefício de prestação continuada (BPC), em sua maioria. Salienta-se que a maioria das famílias é composta, em média, por 5 membros, podendo-se estimar uma renda per capita de 260,00 reais ou menos. Segur. Aliment. Nutr., Campinas, v. 30, p. 1-12. e023004. 2023 6 DOI: http://dx.doi.org/10.20396/san.v30i00.8670705 Dossiê – Artigo Original Fome e insegurança alimentar em povo indígena. Ferreira, et al. Gráfico 3. Distribuição do número (n) de famílias indígenas por renda familiar per capita mensal no território Mendonça do Amarelão, 2022. Fonte: Dados da pesquisa, 2022. Em relação ao acesso às políticas públicas, 42,9% das famílias possuem cadastro no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e 64,4% são beneficiadas pelo Programa Auxílio Brasil. O estudo observou também que 29 famílias atendem aos critérios do programa Auxílio Brasil, no entanto, ainda não haviam conseguido acesso a esse programa de transferência de renda. A aquisição de alimentos na comunidade é obtida por meio de produção própria (produção agropecuária limitada em quintais próprios ou coletivos), compra em mercados locais, e doações. Cerca de 78% das famílias entrevistadas se autodeclaram agricultores, 23,2% mantêm a prática da caça e 7,6% pescam; 97,5% das famílias utilizavam a maior parte da produção para consumo próprio, e apenas 2,5% vendiam produtos cultivados. Dentre os alimentos produzidos destacam-se o feijão (25,6%), milho (24,9%), frutas (17,5%) e hortaliças (4,6%) (gráfico 4). E em relação a criação de animais, a maioria das famílias cria galinhas (76,4%), com criações, ainda, de suínos (7,1%), bovinos (6,4%) e caprinos (2,2%). Segur. Aliment. Nutr., Campinas, v. 30, p. 1-12. e023004. 2023 7 DOI: http://dx.doi.org/10.20396/san.v30i00.8670705 Dossiê – Artigo Original Fome e insegurança alimentar em povo indígena. Ferreira, et al. Gráfico 4. Distribuição percentual dos itens cultivados (para consumo humano e animal) pelas famílias indígenas no território Mendonça do Amarelão, 2022. Fonte: Dados da pesquisa, 2022. A escassez de água na região, situada no Semiárido Nordestino, e sujeita a longos períodos de estiagem e seca, dificulta a atividade agropecuária da comunidade. A água existente (salobra ou salina) é oriunda dos poços artesianos, têm vazões baixas e está contaminada por coliformes fecais e metais pesados, segundo análise realizada pela UFRN e pelo Diagnóstico Preliminar Técnico- Participativo do Plano Municipal de Saneamento Básico da região[26]. Para suprir a escassez de água, semanalmente a comunidade é abastecida por carrospipa do governo municipal e do Exército, sendo a água disponibilizada para a comunidade nas cisternas públicas e nas cisternas instaladas em alguns domicílios. Ao total, cerca de 70% das famílias são beneficiadas. No entanto, a água fornecida não supre a necessidade para a produção agrícola de toda a comunidade, e observa-se que apenas 42,5% das famílias conseguem produzir ao longo de um ano, enquanto 57,5% cultivam apenas durante o período chuvoso. Devido a essa dificuldade, observou-se que cerca de metade das famílias adquire água de carrospipa de empresas privadas, tanto para consumo próprio, como para as atividades agropecuárias. Em relação à insegurança alimentar (IA), observou-se que 33,2% (n=89) das famílias estavam em IA leve, 3,7% (n= 10) em IA moderada e 0,4% (n= 1) em IA grave (Gráfico 5). Segur. Aliment. Nutr., Campinas, v. 30, p. 1-12. e023004. 2023 8 DOI: http://dx.doi.org/10.20396/san.v30i00.8670705 Dossiê – Artigo Original Fome e insegurança alimentar em povo indígena. Ferreira, et al. Gráfico 5. Prevalência da Insegurança Alimentar nas famílias indígenas no território Mendonça do Amarelão, 2022. Fonte: Dados da pesquisa, 2022 Esses resultados foram menores aos encontrados no início de 2020, em momento anterior à pandemia de Covid 19, quando dados preliminares coletados revelaram 100% de insegurança alimentar em uma amostra de domicílios da comunidade, sendo 33,8% na forma grave[27]. Esses dados quando comparados aos da insegurança alimentar no Brasil em 2022[28] mostram diferenças. A insegurança alimentar leve no país atingiu um percentual inferior (28%) ao encontrado no território Mendonça do Amarelão, enquanto a insegurança moderada e a grave se mostram menos agravadas na comunidade indígena estudada que os resultados nacionais (15,2% e 15,5% respectivamente). Pode-se deduzir que os menores percentuais de IA na comunidade investigada ocorrem provavelmente devido a doação mútua de alimentos entre as famílias, além da complementação da alimentação por meio do cultivo de alimentos e criação de pequenos animais. Cabe destacar também que, durante os anos de 2020 e 2021, pico da pandemia ocasionada pelo coronavírus no Brasil, a comunidade recebeu doações emergenciais de alimentos de instituições governamentais e não governamentais, o que possibilitou em uma melhora momentânea no processo de aquisição dos alimentos pelas famílias. Apesar da retomada plena do beneficiamento da castanha de caju no início de 2022 (paralisada até então devido à pandemia de Covid 19), os resultados aqui descritos apontam que a insegurança alimentar e nutricional no território se mantém prevalente desde 2020, atingindo atualmente mais de um terço da comunidade; fato que pode ser agravado pela carência local de acesso à água de qualidade, tanto para consumo humano quanto para as atividades agropecuárias. Um ponto a ser destacado também, é que, apesar de parte das famílias receberem renda do beneficiamento da castanha de caju, do Auxílio Brasil, das aposentadorias e/ou do BPC, as condições de vida da comunidade, incluídas as alimentares, são precárias, devido à escassez e irregularidade de políticas públicas, especialmente as de acesso à água. E, embora o território esteja Segur. Aliment. Nutr., Campinas, v. 30, p. 1-12. e023004. 2023 9 DOI: http://dx.doi.org/10.20396/san.v30i00.8670705 Dossiê – Artigo Original Fome e insegurança alimentar em povo indígena. Ferreira, et al. localizado na região do Semiárido Nordestino, existem alternativas que vêm sendo negligenciadas pelo governo, como por exemplo, a perfuração de poços, a ampliação da quantidade de cisternas e o abastecimento via adutora. Em relação à avaliação antropométrica (Gráfico 6), os dados mostraram um cenário preocupante na comunidade, onde apenas 39,6% da população estava com o peso adequado segundo o IMC, sendo que 7,5% dos indivíduos foram classificados com baixo peso, 22,6% com sobrepeso, e 30,2% com obesidade. Gráfico 6. Classificação do estado nutricional da população, segundo o Índice de massa corporal (IMC), no território Mendonça do Amarelão, 2022. Fonte: Dados da pesquisa, 2022. CONCLUSÃO A fome está de volta ao cenário nacional e os seus efeitos se dissipam também sobre os povos indígenas, em especial, no território indígena Mendonça do Amarelão. O estudo apontou que a fome está relacionada à insuficiência das políticas públicas para complementação da renda familiar, e ao limitado acesso à água. A água é condição essencial para a manutenção da vida, e o seu limitado acesso no território pesquisado colabora para uma dupla violação do Direito Humano à Alimentação Adequada (alimentos e água). A insegurança hídrica é o fator mais relevante para explicar a insegurança alimentar e nutricional nesse território. Em adição, consideramos que as rendas obtidas pelas famílias, por meio das atividades produtivas ou por repasses de políticas públicas, são insuficientes para garantir a segurança alimentar. Por escassez de água e/ou de Segur. Aliment. Nutr., Campinas, v. 30, p. 1-12. e023004. 2023 10 DOI: http://dx.doi.org/10.20396/san.v30i00.8670705 Dossiê – Artigo Original Fome e insegurança alimentar em povo indígena. Ferreira, et al. alimento, em virtude de restrições para a atividade agropecuária, aproximadamente 40% das famílias estão em insegurança alimentar. Finalmente, destaca-se que a ausência da demarcação da terra indígena dos Mendonça do Amarelão aumenta a insegurança alimentar no território, pois traz prejuízo à reprodução física e cultural do território, impede o impulsionamento das atividades de plantio e criação de animais, e mantém o território sob constantes ameaças de invasão de suas terras por interesses privados. AGRADECIMENTOS Agradecemos a incubadora Oasis pelo auxílio no transporte necessário para a coleta de campo. FINANCIAMENTOS Pró-reitoria de pesquisa da UFRN. CONFLITOS DE INTERESSE Nada a declarar. FUNÇÕES DOS AUTORES Thainá Targino - coleta de dados em campo, tabulação dos dados, revisão bibliográfica, desenvolvimento do artigo; Gabriel Vilar - coleta de dados em campo, tabulação dos dados, desenvolvimento do artigo; Washington Souza – leitura e correções do artigo; Dinara Calazans - leitura e correções do artigo; Nila Pequeno - coleta de dados em campo, leitura e correções do artigo. REFERÊNCIAS [1] Castro J. Geografia da fome (o dilema brasileiro: pão ou aço). 10a Ed. Rio de Janeiro: Antares Achiamé; 1982. [2] Cruz S. Características e Tendências Contemporâneas da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil: do Programa Fome Zero ao SISAN. [dissertação de mestrado]. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2018. 123 p. [3] Frutuoso MF, Viana CV. Quem inventou a fome são os que comem: da invisibilidade à enunciação – uma discussão necessária em tempos de pandemia. Interface - Comunicação, Saúde, Educação [Internet]. 2021 [citado 23 ago 2022];25. 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