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25 46 54 63 Notícias da Rede 01 Portugal • • • • Quando o Tâmega se vê ao espelho… Mediação de conflitos: para além de um modo alternativo Agência de Consultoria Social Construindo um Observatório de Luta contra a Pobreza em Lisboa Dossier • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Envelhecer activamente… O que se perde e o que se ganha com o avanço da idade Envelhecimento bem sucedido Mitos e preconceitos da velhice Aproximar gerações: o caminho da educação Envelhecimento e emprego Novas tecnologias & idosos: exclusões e soluções Envelhecimento demográfico Participação activa da população idosa na sociedade Animação sociocultural com idosos: perspectivas de intervenção Envelhecer com projecto – o valor do Sujeito Cuidados informais na velhice: o apoio familiar Políticas sociais gerontológicas Respostas sociais para pessoas idosas – a intervenção do Estado Políticas Sociais que respondam às necessidades dos idosos Envelhecimento activo em Farminhão O equilíbrio psíquico do idoso e a dinâmica A doença do envelhecimento Observatório do Envelhecimento Envelhecimento no distrito da Guarda Notícias da Rede Europa • • Inclusão Activa – uma estratégia integrada Encontro Europeu de Pessoas em Situação de Pobreza Europa Social em Análise • • Presidência Francesa Projectos do FSE - a dimensão transnacional Destaque • PNAI 2008-2011 – As propostas da REAPN índice Rediteia 41 02 03 Editorial 02 Editorial Decidimos dedicar este primeiro número do Rediteia de 2008 ao tema do Envelhecimento Activo. Esta escolha esteve relacionada com uma opção estratégica estabelecida no início do ano, aquando da elaboração do Plano de Actividades para 2008, de estudar aprofundadamente dois grupos etários que em Portugal enfrentam situações gravosas do ponto de vista da pobreza e exclusão social. Trata-se dos idosos e das crianças. São mais que conhecidos os números que atestam a pobreza nestes dois grupos etários e estes números escondem por detrás situações humanas muito penosas, que exigem da nossa parte uma consciência moral e cívica atenta e comprometida. É esse o papel da REAPN e de muitas outras organizações não governamentais que quotidianamente procuram minimizar os efeitos da pobreza e exclusão social e contribuir para uma sociedade mais equitativa e coesa. Esta escolha está também relacionada com as prioridades do Plano Nacional de Acção para a Inclusão 2006-2008 que definiu como uma das suas linhas de força – combater a pobreza das crianças e dos idosos, através de medidas que assegurem os seus direitos básicos de cidadania. Este plano governamental é para nós um importante instrumento ao serviço da estratégia nacional de combate à pobreza e por isso incorporamos o seu conteúdo na intervenção da REAPN. Isto é, procuramos desenvolver a nossa missão com base em determinados princípios orientadores e também tendo por base este importante instrumento. Daí que exista consonância em termos de acções/actividades propostas para o ano de 2008, nomeadamente o trabalho a desenvolver no âmbito do envelhecimento activo e da pobreza infantil. Na base destes dois problemas que afectam a sociedade portuguesa está a família, que constitui a célula fundamental e um valor inalienável da sociedade. A família constituiu desde sempre o espaço privilegiado de realização da pessoa, da vivência e da transmissão de valores humanos, espirituais, afectivos, culturais e de reforço da solidariedade entre gerações, o que torna evidente a necessidade de se desenvolverem políticas que promovam as potencialidades da família e que respondam às suas necessidades, aos seus direitos e aos seus deveres. editorial É essencial conceber e desenvolver de forma integrada, global e coerente uma política da família que tenha em conta os diferentes elementos que a compõem. No caso concreto da população idosa, cuja percentagem cresceu exponencialmente nos últimos anos, importa promover o envelhecimento activo, reconhecendo a acção desenvolvida pelos mais idosos, valorizando o seu contributo e destacando o papel positivo que desempenham na família e na sociedade em geral. Com esta publicação procuramos aflorar o tema do Envelhecimento Activo através de contributos de diferentes entidades públicas e privadas e individualidades (peritos, investigadores) que se dedicam ao estudo ou à intervenção directa junto desta população. Consideramos que, pela diversidade de artigos e pela abrangência de sub-temas analisados, este número da Rediteia constitui uma mais-valia para o leitor e uma importante ferramenta de trabalho para a REAPN e para os seus associados na prossecução do objectivo de conhecer melhor este fenómeno. Esta edição constitui assim um ponto de partida no trabalho desenvolvido pela REAPN nesta área, que se complementa com diferentes acções desenvolvidas pelos Núcleos Distritais sobre o mesmo tema (acções de formação, grupos de trabalho, seminários, etc.). De igual modo, o trabalho encetado pela sede nacional ao nível da dinamização de um Grupo de Trabalho sobre o tema do Envelhecimento Activo, irá produzir no segundo semestre de 2008 um documentomarco sobre este tema, contando com a colaboração de uma perita nacional sobre a matéria. Por outro lado, a breve prazo, contaremos com um núcleo duro de instituições que desenvolvem a sua actividade nesta área. Esta edição é assim um ponto de partida que esperamos que possa abrir outras portas e estimule o conhecimento e a capacidade prepositiva sobre o tema do envelhecimento activo, possibilitando o exercício da cidadania e a alegria de ser útil durante o tempo de vida que Deus lhe conceder. Pe. Agostinho Jardim Moreira Presidente da Direcção da REAPN Quando o Tâmega se vê ao espelho… reconhece-se à margem das outras regiões do país Claudia Albergaria claudia.albergaira@reapn.org 03 É chegada a hora de reafirmarmos que os concelhos da sub-região do Tâmega integram um território que está, de facto, à margem das outras regiões do país. Os números e os testemunhos apresentados no estudo “Nas Margens do Tâmega: mercado de trabalho, pobreza e exclusão: interacções e intervenções”, confirmam a persistência da pobreza nesta sub-região, associada não só ao desemprego mas também ao mau emprego e a outros factores estigmatizantes e impeditivos de vivências pessoais e sociais dignas e realizadoras. O grande objectivo do projecto passou pela elaboração de um instrumento de apoio à acção local, pelo que temos de garantir que a informação chegue ao maior número de actores possível, para que todos se possam apropriar dela e contribuir para a mudança e para a definição de estratégias mais fundamentadas. Assim, para além da publicação em livro do estudo realizado, criaram-se outros produtos tais como um CD-ROM e um sub-domínio na página web da REAPN www.reapn.org/porto-tamega. Este espaço na Internet constitui também uma fonte de informação privilegiada, não só sobre o conteúdo do próprio estudo mas de todas as acções do projecto, assim como das estruturas de acompanhamento e avaliação constituídas, direccionando também os visitantes para outros links de interesse. A disseminação do conhecimento e do trabalho desenvolvido com este projecto não terminou com o seminário final, cabe agora a todos nós divulgar os produtos, e, mais do que tudo, trabalhar sobre o conhecimento produzido para o transportar para a prática. O facto de se terem criado estruturas de acompanhamento, monitorização e avaliação, ao longo do desenvolvimento do projecto, permitiu ir construindo relações de proximidade entre os actores locais, com todos os benefícios daí resultantes. De facto um dos impactos do projecto prende-se precisamente com o incremento das parcerias / mobilização de actores públicos e privados do território em análise, a avaliar pela assiduidade e participação das instituições nas reuniões de monitorização, nas reuniões da Parceria de Desenvolvimento, Comissão de acompanhamento e outros eventos tais como as sessões de apresentação do projecto e o seminário final. Temos consciência que o contacto com um número elevado de instituições (aproximadamente 200) por si só, não garante que o trabalho em rede seja efectivo. Sabemos que o tempo é um factor fundamental ao nível da consolidação das parcerias, mas, neste caso, a heterogeneidade das instituições (pelas áreas do social com que trabalham e pela função que algumas exercem ao nível das políticas de emprego e do mercado de trabalho) e a disponibilidade que revelaram para colaborar no projecto garantiu o envolvimento e a participação necessária para que o instrumento de acção criado – o estudo – seja apropriado por todos como algo em que estiveram envolvidos desde o inicio, com o qual se identificam e por isso devem assumir, de certa forma, a responsabilidade que possuem ao nível da participação na definição e implementação de planos de acção mais concertados e integradores. 1. Projecto desenvolvido entre Julho de 2007 e Junho de 2008 e co-financiado pela CCDR-Norte, no âmbito do Programa Operacional da Região Norte, medida 1.4 – Valorização e Promoção Regional e Local. portugal Com base na avaliação realizada ao longo do projecto podemos afirmar que o balanço é francamente positivo, desde logo pelo produto principal do projecto que para além de um diagnóstico exaustivo da realidade destes concelhos constituirá também, como já referimos, um importante instrumento de apoio à intervenção local, nomeadamente, pelas pistas de acção estratégicas delineadas. notícias da rede Os principais resultados do estudo elaborado no âmbito do projecto "O Impacto do (Des)emprego na Pobreza e Exclusão Social no Porto-Tâmega – Pistas de Acção Estratégicas"1 foram apresentados publicamente no passado dia 18 de Junho, no seminário final que se realizou na fundação Dr. António Cupertino de Miranda, no Porto. Este evento, constituiu um encontro importante quer porque correspondeu à divulgação de um estudo que se pretende útil à intervenção social nestes concelhos, quer porque permitiu o debate de ideias e de estratégias de acção entre peritos das áreas abordadas e com responsabilidades ao nível da inclusão social, autarcas e outros actores sócio institucionais locais, com base no princípio da participação e da troca de experiências. Valeu igualmente pelo impacto que teve na comunicação social, esperando-se que contribua para a sensibilização da sociedade civil e do próprio Estado para as questões das desigualdades sociais decorrentes do mau emprego e do desemprego, nesta região do país. Quando o Tâmega se vê ao espelho… notícias da rede portugal 04 Do contacto com os actores locais emergiu uma preocupação transversal a todos e que diz respeito, precisamente, à dificuldade que existe em trabalhar efectivamente em rede, como parceiros e não como adversários. A consciência de que este é o caminho correcto na luta contra a pobreza está fortemente presente na consciência de todos, mas os obstáculos são consideráveis, nomeadamente os que se prendem com a cultura organizacional de algumas instituições e organismos assim como com a falta de alguns recursos (técnicos, financeiros e materiais) que condicionam a disponibilidade para, nomeadamente, acedermos a formação específica que prepare os técnicos e dirigentes para as novas formas de trabalhar em parceria. Aqui, é óbvia a importância que adquire as redes sociais concelhias e as plataformas que existem para partilha de saberes e tomadas de posição, nomeadamente as plataformas supra concelhias. O que se verifica é que as redes sociais estão em estádios diferentes de desenvolvimento nestes concelhos e isso reflecte-se fortemente na eficácia da intervenção social local. Torna-se imperativo, portanto, a continuidade do trabalho nestes concelhos e com estas instituições, publicas e privadas, que pela importância da função que exercem se tornam pedras basilares na luta contra a pobreza. O projecto assumiu igualmente uma função importante ao nível da sensibilização da sociedade em geral e dos actores locais em particular, para os problemas reais desta sub-região, não só através das actividades desenvolvidas ao longo do projecto, mas também pela acção persistente dos mass media desde a fase de apresentação pública do projecto até ao seu encerramento. O Seminário final teve grande cobertura mediática, por parte da imprensa local, regional e nacional, tendo sido alvo de atenção também por parte de rádios locais, e de algumas estações de televisão, o que se torna essencial pois a informação faz parte de um dos primeiros níveis da escada da participação, sem a qual não podemos exercer uma cidadania activa, reivindicar direitos e reclamar responsabilidades. Apresentamos alguns níveis em que consideramos que o projecto teve um impacto positivo, mas não podemos esquecer que a nossa preocupação central prende-se com o impacto que o projecto poderá ter na vida das pessoas que vivem em situação de pobreza, o que deverá ser, predominantemente, avaliado à posteriori, pois tratando-se de um projecto que teve como principal produto um estudo de investigação social e a identificação de um conjunto de pistas de acção, espera-se a curto-médio prazo que essas pistas sejam apropriadas pelos actores locais, fundamentalmente pelos actores que detêm o poder público local, e que daqui resulte um plano estratégico, supra-municipal, com vista ao desenvolvimento local e à promoção da inclusão social. Espera-se, antes de mais, que esse plano deixe de ser “um plano” com a maior brevidade possível e passe a ser a estratégia implementada, concreta, que oriente todos os que intervêm na área do social, e todos os outros que aí têm também responsabilidades, pois a pobreza é um problema que a todos diz respeito. Não podemos deixar de referir que um estudo de investigação é sempre um produto inacabado, desde logo porque a realidade social está em constante mutação. Nenhum estudo social consegue abordar todas as dimensões de um problema tão complexo como o da pobreza. Temos contudo a certeza que as opções metodológicas adoptadas foram ao encontro de uma necessidade identificada – a de aprofundar a complexa relação que se estabelece entre o desemprego (ou o mau emprego) e a pobreza, provando-nos que ter um emprego não garante ao cidadão sair da situação de pobreza em que se encontra, nem o impede de entrar nesta situação após o ter conseguido. Torna-se pois fundamental colocar outros estudos, que abordem as questões da pobreza e do desenvolvimento local sustentado, sobre a mesa, pois as diferentes perspectivas de análise da realidade garantem a sua complementaridade, sobretudo os que se realizaram nos mesmos territórios. Para além disso, será importante realizar estudos dentro da mesma abordagem para outros concelhos não abrangidos por este projecto e que, pela sua proximidade territorial Quando o Tâmega se vê ao espelho… devem ser contemplados em termos de planos estratégicos para esta região, pois a permeabilidade dos problemas sociais é muito significativa, especialmente quando a distancia geográfica é reduzida. A pobreza e a exclusão social limitam o ser humano enquanto ser bio-psico-social, o que se reflecte, em última instância, na destruição da sua própria identidade e auto-estima. Assim, também a identidade colectiva desta sub-região do Tâmega se vê fragilizada, vendo no seu espelho o reflexo de uma região, em certa medida, esquecida e negligenciada relativamente a outras regiões do país, e por isso mais desprovida de recursos e de oportunidades. Torna-se portanto fundamental distinguir, no âmbito da acção social, as respostas “curativas” das respostas “preventivas”, accionando umas e outras de acordo com as especificidades e exigências das situações e, o que não é menos importante, identificar e rentabilizar as potencialidades da região, de forma a torná-la atractiva para grandes investidores – com vista à inovação e ao desenvolvimento da região, à criação de postos de trabalho e ao reforço das identidades locais, que se encontram debilitadas em termos da sua auto-imagem, o que condiciona pela negativa o empreendedorismo (interno e externo) imprescindível para reverter o caminho que este território está a seguir. 05 Não podemos, por todos estes motivos, dar por encerrado este trabalho mas sim reafirmar a nossa coresponsabilidade e comprometimento, relativamente à continuidade do trabalho em rede, nesta e noutras regiões do nosso país, em prol dos mais desfavorecidos, e com eles, porque são eles que, pela negação que lhes é dada do direito a um emprego digno e ao acesso a outros direitos fundamentais, vivem com o futuro comprometido e com o presente enredado nas tramas da pobreza e da exclusão social. No seu romance político-social “Utopia”, Thomas More (1478-1535)2, defende a ideia de que a evolução de uma sociedade passa pelo privilegiar o investimento na construção da paz, e não pelo facto de canalizar dispendiosos recursos humanos e materiais para a guerra. Pouco se alterou quase seis séculos depois! Foi necessário aguardar as últimas duas décadas do século passado para se observar a mudança de paradigma anunciado pelo humanista inglês, com o desenvolvimento e maior visibilidade dos movimentos e organizações pacifistas. Vinda do Canadá e dos Estados Unidos, nascidos, tal como refere Bonafé-Schmitt3 de movimentos religiosos (Quakers) e cívicos (Comunauty Board), a resolução alternativa de litígios (conciliação, negociação, arbitragem, mediação), enquanto ideologia de harmonia e pacificação social, transpôs-se, nos anos 80, para a velha Europa. Também aqui foram as organizações e universidades católicas que desenvolveram a mediação, numa fase inicial essencialmente a mediação familiar, enquanto método alternativo de resolução de conflitos. pelos sistemas judiciais vigentes. Estes assumem-se, deveras, como mais justos, mais democráticos, mas contudo também e paradoxalmente como mais morosos, mais custosos, mais complexos… A dimensão alternativa da resolução de litígios colocase então perante o recurso a um sistema judicial inoperante face à democratização do seu acesso e à diversificação das fragmentações culturais, sociais e familiares. Porquê “Resolução Alternativa”? Será que se mantém esse “mal-estar na civilização” ao qual se refere Sigmund Freud 4 decorrente das tendências destrutivas e anti-sociais do Homem para o qual a paz nunca será algo de espontâneo e natural! Assim, surgem os meios alternativos de gestão de conflitos, e entre eles a mediação na sua interacção com o sistema judicial: como uma forma de luta contra os disfuncionamentos do sistema judicial, como uma espécie de justiça informal, auto-intitulada justiça de proximidade, ou um modo de resolver a litigiosidade do sistema judicial formal. Para além de alternativa Felizmente o pensamento humanista e democrático também levou à deslocação da passagem ao acto violento para algo de mais aceitável: os duelos, as lutas e vinganças decorrem agora atentamente enquadradas 1. 2. 3. 4. Mediadora, Presidente da Associação Fórum-Mediação More, Thomas. Utopia, Edições Europa-América, Mem-Martins,1995 Bonafé-Schmitt, Jean-Pierre. La médiation: une autre justice. Paris, Syros, 1992. Freud, Sigmund O mal-estar na civilização - Rio de Janeiro, Imago Editora, 1969. notícias da rede Angela Maria Lopez1 angemlopes@gmail.com para além de um modo alternativo portugal Mediação de conflitos Mediação de conflitos notícias da rede portugal 06 afirma-se como “restaurativa” ou ainda “reparadora”, propondo-se impulsionar reparações, reinserções, reconhecimentos de responsabilidade. Esta versão menos formal e mais democrática da aplicação da justiça tem o mérito de instalar uma espécie de igualdade imaginária entre o alegado agressor e a sua alegada vítima. Proporciona um cariz democrático ao promover a liberdade e a responsabilidade individual na procura de um solução partilhada, com a ajuda de um interveniente que se pretende neutro e imparcial, ambicionando uma decisão que se quer satisfatória para os intervenientes e cuja dimensão legal se encontra preservada pela validação do sistema jurídico. efectiva eficácia nem a uma maior operacionalidade do sistema judicial. Em França, segundo este investigador, apenas 2% do contencioso em matéria civil é resolvida através de meios alternativos de resolução de conflitos (MARC). Em Portugal, se analisarmos os dados estatísticos do Ministério da Justiça no âmbito da jurisdição civil ao nível das acções declarativas dos tribunais de 1ª instância (estatísticas da Justiça 1996-2005 ) e os dados estatísticas do Gabinete de Resolução Alternativa de Litígios que apontam para 30% de acordos após conclusão do processo de mediação, não chegaremos a 1%. A mediação aparece assim, numa primeira fase, em Inglaterra, em França e na Bélgica, como um modo de descongestionar a instituição judicial, acabando nesses países, onde foi implementada desde meados dos anos 80, por ser qualificada de justiça de segunda classe porque a ela recorria apenas quem não dispunha de meios para alimentar um processo judicial. Na verdade, nem nesses países, nem em Portugal, há memória de qualquer político, grande empresário ou outra personalidade de destaque ter recorrido à mediação. Os últimos dados vindos a público referentes à mediação familiar (Jornal de notícias de 17 de Janeiro de 2008) apontam que num país onde decorrem cerca de 20 mil divórcios por ano (não existem indicadores estatísticos das separações de uniões de facto), em seis meses apenas se registaram 539 solicitações de recurso à mediação, das quais menos de metade, 202 prosseguiram com o processo de mediação. Foi ainda apelidada pelos próprios operadores dos sistemas judiciais, descrentes da sua eficácia, de “justiça aspirina”, defendendo que a mediação enquanto forma de “justiça suave”5 se revela apenas viável para a resolução de males menores… A partir de meados dos anos 80, apareceram os primeiros textos jurídicos e orientações a enquadrar a prática da mediação assim como as recomendações da União Europeia que enquadram e institucionalizam a mediação como forma de pacificação de conflitos. A área da família foi a primeira, e de forma preponderante, a ser abrangida face à implosão dos sistemas familiares tradicionais e do surgimento de novas organizações familiares. O recurso à mediação familiar e posteriormente às outras áreas estruturou-se, na Europa e em Portugal enquanto forma de regulação da litigiosidade à sombra do sistema judicial, continuando a ser encarada pelos diferentes poderes políticos apenas como modos extra-judiciais de resolução das pendências processuais. Tal orientação é a tónica dominante na Resolução do Conselho de Ministros nº172/2007, de 6 de Novembro de 2007, que encara a promoção da mediação como uma das vias possíveis para o descongestionamento dos tribunais nomeadamente na área da jurisdição civil, familiar e laboral, ambicionando reduzir os mais de 100 000 processos pendentes nos tribunais. Tal encanto do sistema judicial pela mediação não se entende. Há mais de dez anos que Bonnafé Schmitt6 tem vindo a detectar que o investimento na mediação enquanto meio extra-judicial não corresponde nem a uma Poderá haver sem dúvidas falhas ao nível do sistema de divulgação. Todavia num país em que até recentemente só se ouvia falar de mediação imobiliária, podemos questionar a pertinência da preocupação do sistema judicial em criar respostas que não correspondem a uma necessidade expressa da sociedade civil, mas apenas à organização do próprio sistema e de preocupações políticas. Será uma resposta do sistema judicial indutora de um comportamento, ou deverá o sistema judicial enquadrar uma preocupação e uma necessidade dos cidadãos? Segundo Jean-Louis Lascoux7 tal ocorre porque a mediação foi abraçada em alguns países pelo paradigma jurídico que encara a resolução de conflitos dando a primazia à preocupação de enquadramento jurídico do conflito, em segundo lugar ao aspecto técnico e apenas para terminar à dimensão afectiva da questão. Nesta perspectiva, as diferentes correntes de implementação da mediação encontram-se relacionadas com as diferentes formas de conceber as relações interpessoais e a própria concepção da inscrição do Homem face à sua autonomia e liberdade individual. Articula tais concepções com a relação entre a mediação e o sistema judicial: uma preconiza, tal como em Portugal, que a especificidade da mediação está 5. Tradução possível da expressão francesa “Justice Douce” 6. Responsável Científico do Master Europeu de Mediação do Instituto Universitário Kurt Bosch – Suiça e investigador do Conselho nacional de investigação cientifica em mediação (França) 7. Presidente da Chambre Professionnelle de la Négociation et de la Médiation e interveniente no Primeiro Seminário Internacional. Mediação de conflitos: paradigma e metodologia de intervenção 24 e 25 de Janeiro de 2007 – Aveiro e no segundo Seminário Internacional de Mediação de Conflitos 19 e 20 de Maio de 2008 – Gondomar em que a REAPN e a Associação Fórum-Mediação foram duas das entidades promotoras. Mediação de conflitos A perspectiva da inclusão da mediação enquanto promoção da liberdade e responsabilidade individual e colectiva inscreve-se numa inversão desse paradigma de intervenção em que o reconhecimento da dimensão afectiva e técnica da prevenção e resolução de conflitos seria validada por um vínculo no espaço jurídico. Ou seja as pessoas não devem recorrer à mediação porque a solução jurídica é demasiado onerosa a todos os níveis, mas sim dirigir-se ao sistema judicial porque falharam outras formas existentes na sociedade civil de gestão da litigiosidade. Para isso teríamos que nos distanciar de uma perspectiva jurídica da mediação de modo a promover um paradigma mais filosófico na perspectiva de desenvolvimento filogenético do pensamento humano. Aqui o mediador é, para além de um pedagogo da comunicação, um profissional que acompanha a reflexão dos intervenientes num conflito no sentido de lhes permitir a resolução do mesmo de forma pacífica, sem submissão, sem constrangimentos. A intervenção do mediador enquanto profissional da comunicação e das relações humanas, neutro independente e imparcial, situa-se na arte da comunicação edificada em volta da criação ou recriação de vínculos construtivos das pessoas em conflito em todos os espaços da sociedade civil. É nesta preocupação e filosofia de intervenção que se inscreve a construção de parcerias da Associação Fórum-Mediação com entidades da sociedade civil tal como o protocolo formalizado com a Rede Europeia Anti-Pobreza aquando do segundo seminário internacional realizado em parceria com a Câmara Municipal de Gondomar. De facto a intervenção do mediador pode inscreverse em quatro grandes dimensões que não são exclusivas: 1. uma prática de mediação/conhecimento referente a uma intervenção técnica com um quadro e um processo estruturado, em que o mediador recorre a instrumentos específicos; 07 3. uma prática de mediação educativa em que a lógica de intervenção do mediador se inscreve na educação para a cidadania; 4. uma prática de mediação securização, em que a intervenção do mediador é instrumentalizada numa preocupação de controle social no sentido de colmatar as tensões de um serviço ou de um de um espaço social e político. Para além dos usos e abusos associados à prática da mediação, a mediação é antes de mais um processo de comunicação ética decorrente da responsabilidade e da autonomia dos intervenientes. A intervenção do mediador enquadra-se num processo estruturado que exige formação específica e contínua e que não depende da boa-vontade pacificadora de qualquer interveniente. Restabelecer qualidade comunicacional não é algo que se improvisa ou se aprende em cursos intensivos de curta duração. A prática do mediador é uma disciplina com saber-fazer específico que se distancia das grelhas normativas e valorativas do comportamento humano. A qualidade relacional e comunicacional é algo que se aprende e que se ensina, para além de espaço extrajudiciais e judiciais, nas escolas, nas associações, nos movimentos cívicos, nos contextos laborais. Os manipuladores de opinião já interiorizaram isso e o recurso a agências de comunicação pela classe politica era ainda recentemente notícia. Se a comunicação verbal e/ou falta dela é o que nos torna humanos, sendo também identificada como a fonte essencial de tantos desentendimentos e conflitos não será imperativo dar-lhe maior relevância na sociedade em que vivemos para não ficar apenas ao alcance de alguns privilegiados que frequentam cursos seminários qualificados de “desenvolvimento pessoal” na área da comunicação? Defender uma cultura de mediação, com o seu quadro de intervenção e instrumentos específicos, é promover portugal O sistema judicial do Québec, já contornou, desde Setembro 1997, por tal concepção, tornando a sessão inicial de informação obrigatória sobre o processo de mediação. 2. uma prática de mediação/comunicação em que o mediador desempenha um papel de pedagogo da comunicação para restabelecer relações de confiança; notícias da rede na livre vontade das partes para recorrer à mediação; outra defende que a especificidade da mediação não está na iniciativa de mediação mas na sua conclusão: na liberdade contratual entre os intervenientes. Um conflito sendo sempre algo que constrange a disponibilidade dos intervenientes para resolver de forma não adversarial a situação, é considerado ilusório, no espaço judicial num sentido lato, que as pessoas recorram de livre vontade à mediação. Mediação de conflitos 08 a qualidade das relações humanas, efectuando, tal como refere Bonafé-Schmitt,8 um trabalho de desconstrução sobre o “dissensus” para reconhecer o outro na sua alteridade. Afinal, acredito enquanto mediadora que, apesar de muito longe, estamos um pouco menos afastados da construção utópica de Thomas More, pensando que uma sociedade em evolução é aquela que privilegia não o consenso mas a criação de estruturas e formas alargadas, diversificadas e construtivas de gestão dos conflitos, em que a mediação poderá ser um pouco mais de que uma via alternativa…. 8. Opus.cit. Agência de Consultoria Social notícias da rede portugal Pe. Agostinho Jardim Moreira geral@reapn.org No passado dia 8 de Maio teve lugar, na Universidade Católica (Porto) a conferência de imprensa de lançamento da Agência de Consultoria Social (ACS). Com este evento pretendemos dar a conhecer a criação de uma nova estrutura, de âmbito nacional, que permitirá lançar um novo fôlego sobre a qualificação de Organizações Sociais Sem Fins Lucrativos. A ACS tem como missão apoiar estas organizações no desenvolvimento de processos integrados de qualificação organizacional, bem como sensibilizar o sector e demais partes interessadas para a necessidade de se empenharem neste desafio. O nascimento da ACS só foi possível porque nos antecede um período de gestação que remonta a Outubro de 2004, altura em que foi aprovado o Projecto ACREDITAR – Agência de Consultoria Social financiado pela Iniciativa Comunitária EQUAL. Na base da criação da ACS encontra-se um percurso já consolidado de partenariado e de experimentação de metodologias e instrumentos de qualificação, assim como de partilha de valores e princípios que moldam as estratégias e os instrumentos de qualificação que se pretende promover junto destas organizações sociais sem fins lucrativos. Através do referido projecto1 procurou-se promover modelos e estratégias capazes de sustentar o crescimento e a progressiva qualificação do sector social. Entre Novembro de 2004 e Outubro de 2007, o projecto diagnosticou as necessidades de qualificação existentes nas organizações deste sector, procurou envolver e sensibilizar técnicos e dirigentes para as questões da Qualidade e da Consultoria Social, apoiou 12 organizações em processos de qualificação, criou a imagem corporativa da Agência de Consultoria Social, juntamente com o seu website, e criou um produto – as Linhas de Orientação para a Qualificação Organizacional – que reflecte a experiência obtida com este percurso, mas que, sobretudo, constitui-se como um instrumento útil de sensibilização e de apoio à qualificação das organizações. Desta forma, tivemos a oportunidade de reforçar a nossa capacidade de trabalho em parceria, aprofundar conhecimentos interinstitucionais, harmonizar e consensualizar valores e princípios, ensaiar respostas de consultoria social e estruturar a nossa visão estratégica sobre o que pretendemos para este sector, para a intervenção social e para a Agência de Consultoria Social. Sintetizando, criamos uma base sólida que permitirá sustentar a autonomização e o desenvolvimento desta Agência. Gostaria ainda de sublinhar que a ACS procurará marcar uma diferença face a outras estruturas de consultoria que cada vez mais penetram no sector das organizações sociais sem fins lucrativos. Importa reforçar que estamos 1. Promovido em parceria pela Rede Europeia Anti-Pobreza / Portugal, a Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Norte e a União Distrital da Instituições Particulares de Segurança Social – Porto. Agência de Consultoria Social É essencial um “salto” de qualidade das organizações sociais sem fins lucrativos se quisermos a passagem de um lógica assistencialista para uma lógica de prevenção e de promoção do desenvolvimento social. Não podemos esquecer-nos que estas organizações desempenham hoje um papel fundamental na definição e na implementação de respostas sociais, participando, de forma cada vez mais activa, no desenho de estratégias locais de inclusão e protecção social que, pela sua proximidade face aos problemas, garantem uma maior eficácia. Estas organizações são um elemento crucial e incontornável da protecção social. Cerca de 70% das respostas sociais resultam de acordos entre o Estado e as diferentes Instituições deste Sector (mais de 13.000 respostas sociais), e, a médio prazo, a sustentação do sistema de protecção social em Portugal necessitará de um ainda mais forte Terceiro Sector. Para finalizar gostaria de deixar uma última mensagem: a qualificação das organizações sociais sem fins lucrativos deve ser compreendida como um investimento. Este é um investimento das organizações, tendo em vista o seu desenvolvimento organizacional e a promoção de respostas sociais mais capazes, mas é também um investimento do Estado Português. Com um Terceiro Sector frágil, qualquer política de inclusão e coesão social terá sempre uma fraca viabilidade. A este nível, é assim de toda a relevância e importância estratégica que os Fundos Estruturais possam constituir uma valiosa oportunidade e seja capaz de proporcionar as necessárias condições para o reforço deste inevitável processo de qualificação sustentável das organizações sociais sem fins lucrativos. Também aqui Portugal não deverá desperdiçar mais oportunidades... Nota: Artigo elaborado com base na intervenção do Presidente da REAPN, Pe. Jardim Moreira, por ocasião da conferência de imprensa de lançamento da ACS. Foto: Ana Silva, in Jornalismo.net 2. Coordenado em Portugal pela Dra. Raquel Campos. 09 portugal Consideramos que é apenas através desta complementaridade de competências que poderemos promover uma qualidade organizacional que seja instrumental para uma intervenção social mais eficaz e uma maior capacidade de lutar contra a pobreza e exclusão social. Efectivamente, os processos de qualificação não podem estar alienados do objectivo último destas organizações. Pelo contrário, a urgência de processos e mecanismos de qualificação destas organizações prende-se exactamente com a necessidade de uma maior capacitação da intervenção social. É essencial termos consciência de que este sector ocupa um espaço próprio na área social e que tem um impacto substancial na sociedade portuguesa. Assim, refira-se que, segundo dados do Projecto Comparativo do Sector Não Lucrativo Português da Universidade Johns Hopkins,2 as despesas deste sector, em 2002, representaram 4,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Por outro lado, este sector empregava quase um quarto de milhão de trabalhadores (4,2% da população activa), 70% em funções remuneradas e os restantes em regime de voluntariado. A estes valores acresce um forte potencial de crescimento que se verifica nesta área, uma diversidade das áreas de actividade económica nas quais intervêm, uma dinamização de novos produtos e novos mercados, e seu papel na supressão de necessidades sociais não satisfeitas pelos sectores público e/ou privado lucrativo. notícias da rede perante uma estrutura cujo surgimento está sustentado numa parceria que agrega experiências e competências organizacionais diferentes e complementares, nomeadamente conhecimentos sobre o sector das organizações sem fins lucrativos, sobre a intervenção social, sobre a gestão e sobre a qualidade. É através da congregação destas competências que poderemos alcançar o nosso objectivo de apoiar organizações em processos integrados de qualificação organizacional – processos de qualificação que estão em consonância não só com os requisitos da qualidade, mas também com os requisitos e com as especificidades destas organizações, da sua cultura institucional, das suas respostas sociais e do público com o qual trabalham. Consideramos que os processos de qualificação devem ser efectivamente adaptados às características e às especificidades do sector, permitindo assim reforçar as suas virtudes e evitando o risco de uma descaracterização destas organizações e da sua cultura específica. Para tal, sublinhamos a importância da ACS como uma estrutura capaz de proporcionar equipas de consultores sociais que conciliam essa diversidade de conhecimentos e de competências. 10 Construindo um Observatório de Luta Contra a Pobreza em Lisboa Sérgio Aires sergio.aires@reapn.org Elizabeth Santos elizabeth.santos@reapn.org notícias da rede portugal Com a consciência que para intervir de forma eficaz é necessário conhecer e planear, e num contexto onde os fenómenos sociais sofrem fortes e rápidas alterações, as estruturas e os instrumentos de observação e diagnóstico social são cada vez mais elementos essenciais para a luta contra a pobreza e a exclusão social. É neste sentido que a Rede Europeia Anti-Pobreza / Portugal, em parceria com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, promove desde 2007 o Observatório de Luta contra a Pobreza na Cidade de Lisboa. Tendo como base o lema “Observar, Reflectir, Propor, Agir e Avaliar”, este Observatório pretende garantir não só a produção de conhecimento sobre a realidade sócio-económica de Lisboa, mas também a construção e experimentação de metodologias e de instrumentos, teóricos e práticos, que permitam apoiar a tomada de decisões estratégicas orientadas para a inserção de pessoas socialmente desfavorecidas e a operacionalização de metodologias de investigação-acção no combate à pobreza. A observação social, para permitir uma construção de conhecimento tão completa quanto possível, deve ser alvo de uma reflexão cuidada sobre o seu modelo de funcionamento e de construção de instrumentos válidos e adequados ao objecto e ao âmbito de observação que pretendemos. Jordi Estivill, no Panorama dos Observatórios de Luta Contra a Pobreza e a Exclusão Social, um dos primeiros produtos do Observatório de Lisboa, chama a atenção para alguns riscos deste processo de observação social: Primeiro, que o instrumento poderá não ser o apropriado para observar, ou seja um microscópio não serve para estudar os planetas e um telescópio não é útil para examinar os microrganismos. Segundo, se ficarmos fascinados pelo instrumento e pela sua sofisticação poderemos ver-nos impedidos de ver as estrelas. Terceiro, que o valor do mesmo costuma estar na sua continuidade, periodicidade, sistematização, acumulação e globalidade. Quatro, que a visão seja artificial. Quinto, que se manipule o instrumento, a informação e o fenómeno estudado enviesando-o. Sexto, que os resultados fiquem arquivados no laboratório. Assim, a construção de um Observatório que pretende abarcar diferentes dimensões de intervenção representa um objectivo ambicioso, de grande complexidade e, como tal, carece de tempo para a necessária maturação de metodologias, para a confrontação com outras experiências congéneres e para um planeamento do seu modelo de funcionamento. O primeiro ano do Observatório de Luta contra a Pobreza na Cidade de Lisboa foi orientado para a constituição de uma base sólida que permitisse dar sustentabilidade à sua acção, nomeadamente através de: recolha e sistematização conhecimento sobre os diferentes modelos de Observatórios de Luta contra a Pobreza existentes; da articulação com organizações que promovem respostas de combate a pobreza e exclusão social na cidade de Lisboa, assim como com peritos e instituições que promovem investigação social; de um levantamento e de uma análise dos principais indicadores disponíveis nesta área geográfica permitindo assim obter uma primeira imagem da situação de pobreza e exclusão social em Lisboa; do levantamento de políticas e medidas cujos âmbitos de intervenção abarcam a Cidade de Lisboa; do levantamento das respostas sociais existentes; da reflexão alargada sobre o seu modelo de funcionamento; e da elaboração de um plano estratégico para três anos (2008-2010). Para assinalar este primeiro ano de trabalho, a REAPN organizou no passado dia 26 de Fevereiro um Seminário Internacional sob o tema “Construindo um Observatório de Luta Contra a Pobreza em Lisboa”. Com este Seminário procurou-se exceder o objectivo de apresentação do Observatório e dos seus primeiros resultados, para permitir igualmente um debate alargado sobre os diferentes modelos de observação social. Desta forma, este seminário contou com um primeiro painel, moderado pelo Prof. Jordi Estivill, sobre Observatórios Sociais na Europa onde foram apresentadas as experiências do Observatório da Catalunha (Espanha), do Club de l’ Observation Sociale de Rhône Alpes (França), do Observatório de Construindo um Observatório A Observação Social na Europa: em direcção a uma rede de Observatórios Locais Existe uma grande pluralidade de Observatórios na Europa que se distinguem pelo seu âmbito territorial, pelo seu estatuto, pelos seus objectivos, pela sua focalização em temáticas abordadas, pela diversidade de fontes de financiamento, pelo seu público alvo preferencial, pelas metodologias utilizadas e, finalmente, pelos produtos e pelas recomendações produzidas. Neste seminário foi possível conhecer um pouco dessa diversidade. Entre os Observatórios apresentados encontravam-se estruturas de nível local, regional e nacional; Observatórios públicos, privados e mistos; Observatórios com uma forte mobilização do trabalho de voluntariado e Observatórios mais profissionalizados; Observatórios que se baseiam em dados estatísticos e Observatórios que valorizam os dados qualitativos; Observatórios que promovem a uma observação partilhada e participada e Observatórios que acentuam a importância da legitimidade e do carácter científicos da observação; Observatórios centrados na temática da pobreza em geral e Observatórios cujo foco de observação se concentra em fenómenos mais específicos tais como a exclusão social extrema; Observatórios que procuram dar voz às populações em situação de pobreza e Observatórios com uma maior intervenção ao nível da administração pública; Observatórios com e sem experiência de trabalho em rede com outros Observatórios; etc. Esta diversidade de modelos de funcionamento e a promoção da aprendizagem mútua entre diferentes contextos e práticas, através da partilha de conhecimentos sobre as metodologias de observação, a construção de indicadores e instrumentos de análise, as estratégias de divulgação dos resultados ou de lobby político, e, sobretudo, um maior conhecimento sobre os fenómenos de pobreza e sobre os impactos 11 Foi precisamente nesse sentido que O Observatório de Lisboa lançou o repto para a constituição de uma rede europeia de Observatórios locais. Esta proposta foi abraçada pelos diferentes participantes, estando já agendada a realização de um novo seminário internacional em Barcelona (14 e 15 de Novembro de 2008). Agora será necessário iniciar um trabalho conjunto de reflexão sobre como concretizar esta ideia, constituir e reforçar parcerias, consensualizar objectivos, metodologias de intervenção e resultados esperados e, naturalmente, mobilizar as necessárias fontes de financiamento. Esta proposta de uma rede europeia de Observatório faz ainda mais sentido quando a Comissão Europeia, na sua Comunicação de 17 de Outubro de 2007 intitulada "Modernizar a protecção social na perspectiva de maior justiça social e coesão económica: avançar com a inclusão activa das pessoas mais afastadas do mercado de trabalho", manifestou o seu interesse em apoiar uma “em parceria com as redes de autoridades locais, prestadores de serviços e ONG, para acompanhar e promover as melhores práticas, em particular no que diz respeito ao acesso a serviços de qualidade”. Há assim uma janela de oportunidades que não deverá ser desperdiçada. Construindo um Observatório para Lisboa O outro objectivo do Seminário Internacional foi a apresentação do modelo de funcionamento para o Observatório de Luta contra a Pobreza em Lisboa e dos seus primeiros resultados. O acesso a informações mais pormenorizadas sobre o modelo de funcionamento deste Observatório, o Plano Estratégico, o Plano de Acção e os produtos desenvolvidos até ao momento podem ser obtidos através da página da Internet do Observatório: http://observatorio-lisboa.reapn.org. Relativamente ao modelo de funcionamento, o Observatório tem como âmbito territorial o Concelho de Lisboa, existindo a possibilidade de uma ampliação futura, e possui os seguintes objectivos: • Recolher, analisar e sistematizar informação, mantendo-a disponível, actualizada e apresentada sob portugal O segundo painel, por outro lado, foi dedicado a apresentação do Observatório de Lisboa, seguido de uma mesa redonda com a participação de peritos nacionais (Elsa Pegado, Manuela Silva e Casimiro Balsa) e internacionais (Elisabeth Maurel, Jan Vranken e Vito Telesca) para a reflexão sobre o modelo proposto para o Observatório de Lisboa. das medidas políticas são factores de enriquecimento da observação social e da luta contra a pobreza ao nível da União Europeia que devem ser promovidos, rentabilizados e estimulados. notícias da rede Budapeste (Hungria), do Observatório do Centro de Serviços e Programação para a Inclusão Social da Província de Potenza (Itália) e do OASeS – Research Unit on Poverty, Social Exclusion and the City – Antuérpia (Bélgica). Construindo um Observatório 12 diferentes formatos e produtos que deverão poder constituir-se como recursos para os diferentes públicos-alvo do Observatório; uma importante metodologia para o funcionamento deste Observatório, há, no entanto, outras metodologias que devem igualmente ser realçadas: • Produzir e difundir conhecimentos aprofundados • A sistematização e análise de informação quantitativa sobre determinados fenómenos específicos e particularmente relevantes para a caracterização dos principais problemas de pobreza e exclusão social; • Mobilizar e fazer participar todos os actores relevantes fazendo do Observatório uma verdadeira realidade de investigação-acção; • Elaborar propostas concretas para a melhoria das políticas, programas e acções de combate à pobreza. O seu público-alvo é variado, consoante os diferentes objectivos e produtos. notícias da rede portugal Será através dos Relatórios que serão apresentados os resultados obtidos pelo Observatório. Estes relatórios terão uma periodicidade bienal, sendo que em cada ano será produzida uma actualização dos mesmos e serão disponibilizados diferentes produtos. Entre estes produtos destacam-se as bases de dados e recursos, as Células de Observação e Monitorização e uma revista. As Células de Observação e Monitorização serão um canal de promoção de uma observação partilhada e participada. Serão constituídas três Células onde serão envolvidos: • Técnicos das instituições com intervenção na cidade de Lisboa; • Peritos e investigadores; • Pessoas em situação de pobreza. Através destas três células será possível qualificar e validar os dados obtidos através de diferentes fontes. Se estas Células de Observação e Monitorização serão e qualitativa disponível; • A promoção de estudos específicos; • O desenvolvimento de painéis de beneficiários (e ex-beneficiários) de programas e medidas específicas tendo em vista a produção de um barómetro. Da reflexão conjunta proporcionada por este Seminário Internacional saíram importantes sugestões de melhoria, assim como, chamadas de atenção para os riscos associados a um projecto tão ambicioso quanto este. Entre as sugestões destacam-se, por exemplo, a constituição de um Conselho Cientifico, assim como numa aposta no aprofundamento de conceitos, de metodologias e de validação de dados que garantam a credibilidade e legitimidade científica que uma estrutura deste tipo necessita. A credibilidade e a legitimidade são essenciais para garantir a função de lobby e influenciar as políticas e medidas políticas de luta contra a pobreza. A complexidade e o carácter ambicioso do modelo do Observatório de Luta contra a Pobreza de Lisboa foram factores sublinhados pelos diferentes peritos que participaram nesta mesa de debate. Neste contexto é importante garantir um sistema de regulação e gestão baseado numa capacidade estratégica que permita uma definição clara de programas e de prioridades. O estabelecimento de um primeiro ano orientado para a reflexão e construção do modelo de funcionamento do Observatório, do qual resultou o Plano Estratégico 2008-2010, foi assim essencial para garantir a sua sustentabilidade. dossier 14 Envelhecer Activamente… Paula Cruz paula.cruz@reapn.org “A vitalidade das nossas sociedades depende cada vez mais da participação activa das pessoas idosas. Neste sentido, o desafio primordial está na promoção de uma cultura que valorize a experiência e o conhecimento que acresce com a idade. Devemos proporcionar as condições económicas e sociais que permitam às pessoas de todas as idades uma integração plena na sociedade, que passa pela liberdade em decidir como se relacionam e podem contribuir para a sociedade e se sintam realizadas neste processo”. dossier OIT, An inclusive society for an ageing population: the employment and social protection challenge, Madrid, 8-12 Abril de 2002. O envelhecimento está na ordem do dia. Podíamos encarar esta afirmação de um duplo ponto de vista: por um lado, porque a população idosa assume um papel fundamental na nossa sociedade, por outro lado, porque assistimos a dramáticas alterações demográficas que trazem mudanças significativas ao nível político, social, económico, cultural, etc. Quer num aspecto, quer noutro são necessárias acções específicas, integradas, estratégicas que previnam e contrariem os efeitos do envelhecimento, sempre tendo presente a procura do bem-estar de todas as pessoas e a defesa do bem-comum. promoção da saúde e do bem-estar na velhice e a criação de ambientes emancipadores e propícios. Tendo em conta que os idosos constituem um dos grupos em situação de maior risco face à pobreza e à exclusão social e o envelhecimento é um fenómeno ao qual se atribui cada vez mais a característica de ‘activo’, a Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal entendeu como fundamental desenvolver um conhecimento mais aprofundado sobre o fenómeno, procurando, ao mesmo tempo, produzir mudanças ao nível das práticas institucionais e na maior eficácia das políticas sociais. Ao mesmo tempo, a opção pelo tema do Envelhecimento Activo vem de encontro a uma das prioridades estratégicas inscritas em Plano de Trabalho da REAPN e que se encontra ligada ao Plano Nacional de Acção Para a Inclusão 2006-2008 no qual foi definido como prioridade política a necessidade de combater a pobreza das crianças e dos idosos, através de medidas que assegurem os seus direitos básicos de cidadania. Em 2002, a preocupação pela adopção de um plano assentava no reconhecimento de que o mundo estava a assistir a um crescimento rápido, e em grande escala, do número de pessoas idosas e que, por isso, havia necessidade de criar condições ao nível das sociedades para potenciar as capacidades daquelas a todos os níveis. Um novo conceito e orientação Em Abril de 2002, em Madrid, na Segunda Assembleia Geral sobre o Envelhecimento, os Governos lançaram o desafio para a construção de um Plano Internacional de acção para o Envelhecimento no sentido de “responder às oportunidades e desafios da população idosa no século XXI e para promover o desenvolvimento de uma sociedade para todas as idades”1. A acção dirigia-se em três direcções fundamentais: as pessoas de idade e o desenvolvimento; a Esta urgência na construção de um Plano não era nova, visto que já antes em 1982 as Nações Unidas tinham estabelecido o 1º Plano Internacional, também conhecido por Plano de Viena de acção para o envelhecimento 2. Posteriormente em 1991 foram lançados os Princípios das Nações Unidas para as Pessoas Idosas 3 que se reuniam em 5 categorias: independência; participação; cuidados; realização pessoal e dignidade. Nos 19 artigos que compõem a Declaração Política4 é importante destacar dois que se revelam importantes. O primeiro que se destaca prende-se com o apelo para a inclusão da questão do “envelhecimento” nas Agendas Políticas e de Desenvolvimento, assim como nas Estratégias para a Erradicação da Pobreza e na procura da promoção da participação activa deste grupo na economia global em todos os países, combatendo assim a marginalização crescente que é característica, cada vez mais, da população idosa (artigo 7º). Um segundo artigo (artigo 12º) refere a importância de que as pessoas idosas “tenham a oportunidade para trabalharem durante o tempo que assim o desejarem e que se sintam aptas para, em trabalho produtivo e satisfatório, continuando a aceder à educação e a 1. UN, Report of the Second World Assembly on Ageing, Madrid, 8-12 de Abril de 2002 (http://www.un.org/esa/socdev/ageing/secondworld02.html). 2. ttp://www.un.org/ageing/vienna_intlplanofaction.html 3. http://www.un.org/ageing/un_principles.html 4. UN, Report of the Second World Assembly on Ageing, Madrid, 8-12 de Abril de 2002, p.2-5. (http://www.un.org/esa/socdev/ageing/secondworld02.html) Envelhecer Activamente… A noção de envelhecimento activo tem a sua origem na Organização Mundial de Saúde (OMS) e define-se como o processo de optimização das oportunidades para a saúde, participação e segurança no sentido de reforçar a qualidade de vida à medida que as pessoas forem envelhecendo.5 Esta noção pretende despertar nas pessoas a consciência pelo seu potencial bem-estar físico, social e mental ao longo da vida e participar na sociedade, ao mesmo tempo que lhes é providenciada protecção, segurança e cuidados adequados sempre que precisarem. Para a OMS estar activo significa participar de um modo contínuo em todo o tipo de assuntos da vida, sejam eles do foro social, económico, cultural, espiritual ou cívico. No mesmo sentido ter saúde refere-se ao bem-estar físico, mental e social no sentido de garantir uma condição de autonomia e dependência da pessoa idosa. De um modo ou de outro o conceito de Envelhecimento Activo da OMS veio despertar a atenção dos países para um fenómeno em contínuo crescimento e com consequências consideráveis, merecendo, por isso, uma atenção particular por parte de cada um dos países. As políticas No contexto europeu e nacional é possível identificar um conjunto de documentos que marcam a estratégia que foi sendo delineada para fazer face a estas crescentes alterações demográficas. Em termos gerais a União promove uma visão holística do envelhecimento, tendo em conta que se está perante um fenómeno que diz respeito a todo o ciclo de vida humana e a todas as dimensões da vida social. Apesar desta visão em torno do envelhecimento o que se vai verificando nos vários documentos da UE é uma preocupação pela intervenção ao nível de dois eixos em particular: aumentar/prolongar a participação das pessoas no emprego e proceder a uma modernização dos sistemas de protecção social. Na verdade se pensarmos na noção de envelhecimento activo, que para a Organização Mundial de Saúde abarca todas as dimensões da vida do indivíduo, ela assume para a UE um carácter mais “técnico” centrando-se no esforço de manter as pessoas o mais tempo possível no mercado de trabalho na tentativa de enfrentar o desafio das rápidas alterações demográficas. Esta vertente orientada mais para o emprego deixa a descoberto um importante eixo que é também central à situação das pessoas idosas. O eixo da inclusão social perdeu a sua força com a Estratégia de Lisboa Renovada e com o novo método aberto de coordenação para a protecção e inclusão social. Tendo em conta que estamos perante um dos grupos em maior risco de pobreza e exclusão social ficam, com estas novas orientações políticas, a descoberto um conjunto de factores que resultam directamente desta problemática, como as dificuldades no acesso aos serviços e recursos, a dificuldade no acesso à informação, o isolamento, o distanciamento da família, as baixas condições de habitabilidade, a fraca participação cívica, etc. Todo um conjunto de factores que são contraditórios a uma estratégia que se pretende que seja de envelhecimento activo. 15 No contexto nacional o Programa do actual Governo6 faz referência ao envelhecimento activo como o caminho a seguir para se alcançar mais emprego e mais produtividade. Neste sentido são apontadas duas orientações políticas. Uma que passa pela maior sustentabilidade do sistema de segurança social e outra por garantir o direito ao trabalho para todos os trabalhadores. Em termos nacionais a valorização do emprego para a promoção do envelhecimento activo precisa de ser relativizada. A taxa de emprego a nível nacional das pessoas com idades entre os 45-64 anos e com mais de 65 anos tem vindo a aumentar nestes últimos anos. Segundo o relatório a Situação Social na União Europeia, Portugal (50.1%) é um dos países que já alcançou a meta de Estocolmo de aumentar até 2010 a taxa de emprego dos trabalhadores com idades entre os 55 e 64 anos em 50%. A média de idade de saída do mercado de trabalho foi de 63.1 anos em 2005, sendo ligeiramente superior à média europeia que foi de 60.7 anos. Apesar dos valores a situação em Portugal relativamente à população idosa reveste-se de algumas características que merecem ser demonstradas (e exploradas) de modo a percebermos como o fenómeno do envelhecimento activo é percebido e trabalhado a nível nacional. Desde logo, os níveis de escolarização e qualificação da população portuguesa ainda apresentam valores baixos face à média europeia. Portugal possui uma das mais altas percentagens (mais de 30%) de jovens com baixas qualificações que já não se encontram no sistema educativo e em nenhum tipo de formação educacional. No que diz respeito à aprendizagem ao longo da vida os valores não são muito elevados. A percentagem de pessoas com idades entre os 25 e 64 5. http://www.who.int 6. Presidência do Conselho de Ministros, Programa do XVII Governo Constitucional, 2005-2009. Consultar: http://www.portugal.gov.pt dossier programas de formação. O empowerment das pessoas idosas e a promoção da sua total participação são elementos essenciais para o envelhecimento activo”. Envelhecer Activamente… 16 anos que participaram em momentos educativos ou de formação foi para Portugal de 3.8%, muito abaixo da média da UE(27) que foi de 9.6% (2006). Relativamente à continuidade da participação em formação educacional potenciada pelas empresas foi para Portugal cerca de 1/5 por comparação aos países do Norte da Europa em que cerca de metade dos funcionários de todas as empresas participam em cursos desta natureza. Esta situação tende a agravarse ao nível dos grupos etários mais elevados. Para além da pouca expressão da formação, Portugal caracteriza-se também pelos baixos salários dos trabalhadores, pelas baixas reformas, por possuir ainda uma taxa significativa de desemprego de longa duração e pelo risco de pobreza e exclusão associado a esta população idosa. Neste sentido será interessante questionar em que medida podemos falar de uma participação activa da população idosa? Existe todo um conjunto de concepções erradas em torno dos trabalhadores mais velhos que condicionam igualmente o seu nível de participação na sociedade. dossier No conjunto das várias políticas que realçam a importância da promoção do envelhecimento activo na intervenção com a população idosa prevalece uma lacuna referente à luta contra a pobreza. O Programa do XVII Governo Constitucional refere que no que diz respeito às medidas de combate à pobreza e à exclusão social, o grupo dos idosos, pela fragilidade que lhe é característica, é reconhecido como prioridade primeira da acção governativa. O Plano Nacional de Acção para a Inclusão7 – instrumento que agrega as medidas de política que visam o combate à pobreza e à exclusão social – reflecte esta preocupação do Governo. O PNAI 2006-2008 seleccionou como prioridade 3 áreas de grande vulnerabilidade ao nível nacional: uma primeira prioridade visa o combate à persistência da pobreza das crianças e dos idosos, através de medidas que assegurem os seus direitos básicos de cidadania; uma segunda prioridade tem como objectivo corrigir as desvantagens na educação e formação/qualificação e uma terceira e última prioridade visa ultrapassar as discriminações, reforçando nomeadamente a integração das pessoas com deficiência e dos imigrantes. Apesar de no Plano não haver qualquer tipo de referência ao conceito de envelhecimento activo, este deve ser encarado como fundamental numa estratégia que vise o combate à pobreza desta população e a promoção da coesão social. Algumas das medidas apontadas no PNAI direccionadas para os Idosos visam a melhoria do acesso a bens e serviços de qualidade; a atribuição de uma prestação monetária que contribua para um aumento do rendimento mensal, procurando combater a pobreza monetária que é significativa ao nível deste grupo; um reforço da rede de equipamentos e serviços, aumentando a sua cobertura; apoios ao nível da requalificação habitacional, permitindo melhores condições habitacionais, contribuindo assim para uma maior autonomia dos idosos e aumentando a sua permanência em casa; e medidas que visem uma melhoria nos cuidados de saúde. Podem ainda ser identificadas outras medidas que transversalmente contribuem para uma maior inclusão social desta população. Destaco as medidas que visam elevar os níveis de qualificação e a certificação escolar e profissional de pessoas adultas em idade activa. Não se pode afirmar que a orientação destas medidas não visam uma melhoria das condições de vida dos idosos e uma redução do fenómeno da pobreza e da exclusão, no entanto, é importante referir que subsistem um conjunto de lacunas que precisam de ser rectificadas num próximo plano a ser definido e no próprio processo de implementação das medidas. Desde logo, o facto do PNAI não ter estabelecido como meta a redução da taxa de pobreza dos idosos; um segundo aspecto a destacar, o facto dos indicadores definidos para avaliação dos objectivos de intervenção serem na sua maioria (para não dizer quase exclusivamente) indicadores quantitativos o que não permite perceber o impacto efectivo das medidas na redução da pobreza; um terceiro elemento prende-se com a eficácia de medidas específicas como o Complemento Solidário para Idosos (CSI) e a Rede de Cuidados Continuados Integrados (RCCI). No primeiro caso a medida veio trazer um complemento aos baixos rendimentos dos idosos, provando, assim, a vulnerabilidade económica dos mesmos. No entanto, falta perceber em que medida este complemento trouxe mudanças significativas na melhoria das condições de vida dos idosos. No segundo caso, a RCCI propôs-se constituir um conjunto de serviços e equipas dirigidos a pessoas em situação de dependência. Embora o modelo vise a intervenção integrada e articulada entre o sector da saúde e a segurança social, verifica-se uma forte componente de serviços da área da saúde. É necessário delinear indicadores mais qualitativos de avaliação desta medida que passe por perceber o nível de satisfação dos idosos e das suas famílias, assim como das suas necessidades e o impacto deste tipo de serviços na melhoria efectiva do bemestar do idoso. Num momento em que Portugal assiste a um aumento do envelhecimento da sua população; em que os idosos continuam a ser uma das categorias em maior situação de vulnerabilidade face ao fenómeno da pobreza e da exclusão social; em que Portugal detém ao nível europeu uma das maiores taxas de emprego das pessoas com idades entre os 55 e os 64 anos, mas detém por oposição uma das maiores taxas de pobreza 7. O Plano Nacional de Acção para a Inclusão 2006-2008 pode ser consultado em: http://www.pnai.pt Envelhecer Activamente… O envelhecimento activo deve ser aqui encarado não só como uma forma de prolongar a presença das pessoas idosas na vida activa, mas também garantir que no prolongamento da sua vida o idoso tenha acesso a todo o tipo de bens e serviços que lhe garanta uma melhor qualidade de vida e o máximo de autonomia e independência possível. As Organizações No discurso das Organizações parece haver uma ideia clara do papel activo que o idoso tem e pode prestar à sociedade. Quando colocada9 a questão Ser Idoso é… as respostas destes profissionais revelam na sua generalidade uma percepção muito positiva sobre a condição do idoso. Este é entendido como uma pessoa com uma grande experiência de vida que pode transmitir aos mais novos os conhecimentos adquiridos; um detentor de sabedoria; um cidadão com direitos e deveres; uma pessoa que merece viver uma vida digna. Poucos são aqueles que referem aspectos negativos como o facto de ser uma pessoa que enfrenta dificuldades no dia-a-dia em virtude da sociedade não estar preparada para responder às suas necessidades, ou então o facto de ser dependente e frágil. Na verdade as opiniões positivas contrastam com a percepção que estes profissionais têm dos problemas que os idosos enfrentam no quotidiano. Ou seja, a percepção sobre o que é ser idoso, embora positiva, parece não ter correspondência na prática quando somos confrontados com as dificuldades destas pessoas. Os profissionais reconhecem as potencialidades dos idosos e a sua mais valia na sociedade, mas reconhecem igualmente um conjunto de dificuldades que são um obstáculo à concretização desse papel positivo. Dificuldades identificadas: 1. Dificuldades do foro pessoal relacionadas com as perdas de papeis sociais, com a solidão, situações de dependência, etc. 2. Dificuldades do foro económico, tais como os baixos recursos económicos e a vulnerabilidade face à pobreza. 3. Dificuldades do foro social/relacional que se referem a ausência de redes de suporte familiar ou de vizinhança, mas também a situações de violência e de exploração. 4. Dificuldades do foro institucional, ou seja, falta de repostas que possam garantir a qualidade de vida dos idosos, as desigualdades nos apoios, a falta de iniciativas da comunidade e as fracas condições habitacionais. Num segundo nível de análise procurou-se perceber as dificuldades de intervenção das Organizações. Os problemas detectados na intervenção com a população idosa podem ser agrupados nas seguintes dimensões: 17 1. Problemas ao nível da população idosa, ou seja, as oscilações existentes ao nível do foro emocional, o modo de vida de muitos idosos, a mudança na valorização do papel dos idosos são obstáculos sentidos pelas Organizações na mobilização e motivação destas pessoas. 2. Problemas ao nível dos serviços de apoio à Terceira Idade que transmitem pela própria estrutura que possuem a imagem de um idoso enquanto pessoa dependente e incapaz; as faltas de condições físicas dos serviços e a sua desadequação às necessidades; a ausência de serviços inovadores; a falta de profissionais com qualificações adequadas, mas também a sua fraca valorização pessoal, o não envolvimento dos idosos no seu projecto de vida e o desgaste dos próprios cuidadores (formais e informais). 3. Problemas ao nível do Estado/Políticas sociais. Embora a maior parte dos problemas mencionados anteriormente estejam relacionados com esta última dimensão, destacou-se aqui, em particular, a preocupação com a qualidade e a qualificação das respostas sociais, assim como, as baixas comparticipações do Estado. Os vários problemas identificados pelas Organizações, quer relativamente à população idosa, quer relativamente à intervenção com esta população devem ser vistos de um modo articulado e integrado. Uma acção ao nível do envelhecimento activo deve ser encarada como estratégica, ou seja, com intervenção em várias frentes, não só ao nível da mobilização e auscultação dos próprios idosos, mas também nas mudanças a realizar em termos de respostas sociais dirigidas à terceira idade e dos profissionais que com eles trabalham e, sobretudo, na adopção de uma política de envelhecimento que tenha em vista várias dimensões que a este fenómeno dizem respeito: família, saúde, habitação, emprego, educação, cultura, etc. 8. Segundo o Relatório Conjunto de Protecção Social e Inclusão Social de 2007 a taxa de risco de pobreza entre as pessoas que se encontravam empregadas era para a UE25 cerca de 8%, sendo para Portugal de 14%. Segundo o mesmo relatório para alcançar o objectivo de reduzir o número de pessoas em risco de pobreza até 2010, o fenómeno dos trabalhadores pobres (in-work poverty) precisa de ser resolvido. O relatório pode ser consultado em: http://ec.europa.eu/employment_social/spsi/joint_reports_en.htm#2007 9. A listagem de problemas e necessidades que aqui são apresentados resultam de um pequeno questionário feito aos associados da REAPN, mas também de algumas sessões de trabalho realizadas juntos de Organizações que trabalham com idosos na cidade de Lisboa. Estas sessões foram organizadas pelo Grupo de Trabalho do Envelhecimento da Rede Social de Lisboa e foram dinamizadas por 2 elementos do Gabinete de Investigação e Projectos da REAPN (que também participa no Grupo de Trabalho através da técnica do Núcleo Distrital de Lisboa). Foram dinamizadas 4 sessões de trabalho. As reflexões e as preocupações manifestadas por estas Organizações no que diz respeito à população idosa e à intervenção com a mesma foram muito semelhantes, e em alguns casos complementares às que nos foram enviadas pelos nossos associados um pouco por todo o país. dossier ao nível da população empregada (working poor)8; em que o baixo montante das pensões coloca os idosos numa situação de fragilidade económica que precisa de ser contrariada, é necessário apostar na definição de uma verdadeira política do envelhecimento que articule diferentes áreas de intervenção. 18 O que se perde e o que se ganha com o avanço da idade Daniel Serrão rdd23956@mail.telepac.pt Tenho oitenta anos e alguns meses. Vou escrever sobre a minha experiência, analisada à luz dos mais modernos conceitos da neurobiologia do envelhecimento humano. Dividirei este texto em duas partes. Na primeira tratarei do que se perde e na segunda do que se ganha, à medida que o tempo passa por nós e deixa as suas marcas. Recordo José Régio “… o tempo já me pôs as mãos na face: é em caveira que ela me evolui…”. O que se perde Os seres humanos são criaturas animais e têm as capacidades físicas necessárias à luta pela sobrevivência num mundo natural que é inóspito. Estas capacidades vão sendo perdidas à medida que a idade avança. Correr, ver e ouvir, estratégias essenciais de defesa, vão perdendo a eficiência quando a sobrevivência já não é biologicamente importante, ou seja depois da procriação que garante a manutenção da espécie. Direi que, na verdade, a natureza dá-nos as condições e capacidades para que consigamos procriar porque é a sobrevivência da espécie que a biologia protege e não a dos indivíduos que, em cada momento, a integram. Então, a perda de resistência física na marcha e na corrida, a visão menos perfeita e a audição incorrecta, representam sinais de perda de condições de estar na vida que já não são essenciais ao desempenho de um papel social relacionado com a reprodução e a sobrevivência pessoal. dossier Em pessoas de saúde normal estas perdas manifestamse, lentamente, a partir dos sessenta anos, ou um pouco antes, e são progressivas. Agora, que o número de pessoas com mais de sessenta anos não cessa de aumentar em todo o mundo mais evoluído e, também, em Portugal há cada vez mais propostas para combater estas perdas. Assim, são numerosas as ofertas de sistema de intervenção sobre o sistema muscular e ósteo-articular, desde os Spa, sana per acqua, ao jogging, à fisioterapia preventiva e a outras propostas, tudo com o objectivo de atrasar o aparecimento de perdas na capacidade muscular que se reflectem na facilidade de locomoção e no funcionamento articular, em especial da articulação do joelho e tíbio-társica. A perda de visão é, em regra, provocada pela opacidade progressiva do cristalino, vulgo, catarata. A cirurgia oftalmológica moderna permite que, em poucos minutos, o cristalino opacificado seja substituído por um cristalino artificial de grande qualidade e a pessoa retome uma visão normal. Se a perda de visão resulta, porém, de atrofia senil da retina, não há tratamento eficaz e as esperanças estão postas na colocação na retina de células nervosas progenitoras que possam transformar-se em cones e bastonetes retinianos, substituindo os que se perderam com a idade. Mas por enquanto só há resultados em animais de experiência. A diminuição da acuidade auditiva com o progresso da idade pode ser atenuada com diversos tipos de próteses que ajustam os sons recebidos à área perceptiva onde se mantém capacidade auditiva. Também nesta área a investigação procura soluções mais eficazes usando implantes intra-cerebrais. Mas não há resultados comparáveis com os dos implantes cocleares nos surdos de nascença. A este propósito cabe uma referência a toda a medicina de substituição que parece apostada em dar viabilidade ao mito da Salamandra que será o da substituição de órgãos perdidos ou “estragados” como a salamandra substitui uma pata perdida. Subjacente a este mito está a convicção subconsciente de que um dia se irá conseguir a imortalidade corporal. Também toda a cirurgia plástica procura esconder os sinais físicos do envelhecimento, criando uma aparência de juventude no aspecto exterior do corpo. A perda da acuidade cognitiva geral vai-se manifestando com o avanço da idade, de forma igualmente progressiva e a um ritmo variável, consoante as condições físicas gerais da pessoa. É sempre mais rápido este ritmo nos que têm uma patologia vascular subjacente, que reduz a irrigação sanguínea dos órgãos, mesmo que não haja acidentes isquémicos cerebrais ou cardíacos evidentes. O mesmo se observa nos hipertensos, nos diabéticos tipo II, nos obesos, nos que abusam de álcool mesmo sem dependência, nos reformados inactivos e nos que vivem em solidão com contacto humano mínimo e ocasional. A consciência destas perdas deve levar o próprio, com apoio da família, a adaptar toda a sua forma de viver e actuar na sociedade, de modo a minimizar os efeitos negativos das perdas e a potenciar todas as capacidades que permanecem e que são muitas. Um aspecto pouco focado e em relação ao qual parece haver um silêncio cúmplice e envergonhado, diz respeito ao componente sexual em relação com a idade. O que se perde e o que se ganha Ora isto é um erro e tem como consequência que a pessoa não se sente capaz de falar com um médico ou psicólogo sobre a sua actividade sexual e sobre a possibilidade de obter satisfação sexual, orgasmo, em qualquer idade. Muitas vezes a própria imprensa, quando noticia que houve um casamento num lar de idosos, usa um tom jocoso e irónico como se estivesse a dizer: para que é que estes velhos se foram casar? O amor humano não é feito só de desempenho genital e de penetração coital. A sexualidade humana tem um importante componente de emoção e afecto, de carinho e prazer corporal difuso, de convívio espiritual e anímico, e de tudo isto resulta um prazer convivial, que é da maior importância na relação de homem e mulher, em qualquer idade, e maximamente nas idades mais avançadas. Quem acompanha idosos, sejam familiares, sejam profissionais, deve ter em grande conta este aspecto da sexualidade, pois muitas vezes o silêncio é fonte de tensões depressivas e de desinteresse de viver. Os idosos podem ter uma rica e variada vida sexual e não devem ter qualquer pudor ou reserva em a assumirem de forma pública e de sobre ela falarem com naturalidade e verdade e sem que sejam considerados ridículos ou desajustados pelos outros. É bom que cada um antecipe estas perdas físicas e vá preparando uma boa estratégia para as superar, à medida que vão surgindo. O que se ganha É da sabedoria popular que os velhos são reserva de sabedoria e experiência pelo que devem ser ouvidos e respeitados. Pelo menos no mundo rural, esta regra ainda é conhecida e seguida. Claro que a experiência de viver não é, por si só, garantia de sabedoria. Mas é uma possibilidade que não deve ser descartada à partida pois pode dar algum bom resultado. Pelo menos na China, os Governantes devem ter mais de 70 anos para darem algumas garantias de capacidade e prudência. Mas esta velha máxima popular terá alguma justificação que não seja apenas pragmática? Tem. E quem o comprova é o neurologista clínico Elkhonon Goldberg no livro que intitulou “O Paradoxo da Sabedoria” (The Wisdom Paradox) e que tem este saboroso subtítulo: Como o seu cérebro fica melhor à medida que fica mais velho. Claro que não vou poder resumir aqui o livro, mas vou passar a mensagem essencial. Está comprovado, para além de qualquer dúvida científica que, ao contrário do que era dogma na neuroanatomia, as células neuronais, que ao longo da vida vão morrendo, são substituídas por células novas fornecidas por células estaminais residentes no próprio cérebro e que são activadas pelas perdas. Como sucede na pele ou no fígado. 19 Contudo esta reparação e substituição das células perdidas não se faz de um modo cego: célula perdida, célula substituída. È uma reparação estratégica que privilegia as áreas cerebrais indispensáveis à manutenção da vida, ou seja os centros de vida vegetativa no tronco cerebral, depois as áreas onde se situa toda a vida emocional e afectiva, ou seja as estruturas supra-talâmicas e da base cerebral, como o sistema límbico e a amígdala cerebral, e, por fim, a área do córtex cerebral indispensável para o exercício das capacidades humanas superiores, como a reflexão intelectual abstracta e o raciocínio lógico-dedutivo. Esta é a última área na linha da substituição de células perdidas, a partir das células progenitoras cerebrais. Assim sendo, com a idade, o cérebro humano vai funcionando mais como um órgão predominantemente capacitado para interpretar as percepções no nível afectivo do que como um órgão que “destila” um saber abstracto e intelectual. Ganhamos em afecto o que perdemos em fria lógica e as nossas decisões passam a poder ser mais humanizadas e governadas, essencialmente, pelos afectos e pelas emoções. Por isso se diz, e bem, que a idade sénior é idade da sabedoria, entendendo por sabedoria a forma de usar os conhecimentos científicos e das ciências humanas e sociais para o melhor bem de cada ser humano e para a melhoria da condição humana em geral. E quanto mais se exercer esta capacidade de acolher, ouvir e ajudar o outro, mais o nosso cérebro emocional receberá mais células e estará melhor apetrechado para exercer esta forma de sabedoria que caracteriza a idade sénior. É por tudo isto que o envelhecimento tem de ser um tempo de actividade e não um tempo de repouso estarrecido a olhar para uma mesa vazia, sem pessoas à nossa volta, sem convivência, sem problemas para resolver. É importante ter problemas porque o idoso não vai usar o método do problem solving para decidir, mas decidirá com base no pattern recognition. Ou seja integrará o problema na sua experiência passada, para o reconhecer, e, ao reconhecê-lo, sabe logo qual é a melhor solução. Não precisa de raciocínio lógico complicado. Decidirá melhor e mais depressa. Eis o que ganhamos com o progresso da idade. E este ganho é fonte de uma permanente alegria que é o sinal distintivo de um envelhecimento saudável e activo. dossier O estereótipo é que o idoso(a) não tem actividade sexual. Um neto ou neta de 17 anos não será capaz de conceber e aceitar que o seu avô ou a sua avó tenham vida sexual, imaginando que a chama do amor está definitivamente extinta com a idade. 20 Envelhecimento bem sucedido António M. Fonseca afonseca@porto.ucp.pt A tendência para o crescimento da população idosa é um dos traços mais salientes da sociedade portuguesa actual. Portugal enfrenta presentemente uma realidade que, sendo comum à generalidade dos países europeus, só agora começa a ganhar um impacto social relevante: baixas taxas de natalidade e de mortalidade, com um aumento significativo do peso dos idosos no conjunto da população total do país. dossier Esta nova ordem social comporta inevitavelmente uma série de implicações cuja extensão e intensidade vamos apreendendo aos poucos. Por exemplo, nunca como hoje se encheram tanto as prateleiras de livros que mostram o caminho para atingir o sucesso a todos os níveis e incrementar, também na velhice, a felicidade e a qualidade de vida. O novo “mercado dos idosos” não é excepção e multiplicam-se as receitas de “como viver bem até aos 90 anos”, de “como preparar a reforma”, de “como preservar a saúde e manter-se jovem”, em suma, de “como viver com qualidade”, num misto de conselhos práticos sobre alimentação e exercício físico, gestão financeira, vida espiritual ou mesmo sobre as formas mais adequadas para reagir aos problemas comuns com que os idosos se confrontam. A ideia de que é possível “envelhecer com sucesso” surgiu nos anos 60 e definia então quer um mecanismo de adaptação às condições específicas da velhice, quer a procura de um equilíbrio entre as capacidades do indivíduo e as exigências do ambiente. Quatro décadas após os primeiros esforços de conceptualização daquilo que se entende hoje por envelhecimento positivo ou bem sucedido, a abordagem neste domínio vai muito para além da consideração de variáveis psicológicas, integrando o papel que dimensões como a saúde, o funcionamento mental, a alimentação e o exercício físico, as relações sociais, os hábitos quotidianos, etc., desempenham na tarefa de bem envelhecer. A expressão “envelhecimento bem sucedido” é hoje uma expressão de uso comum tanto na literatura especializada, como no domínio público; uma navegação pelas páginas da Internet através do motor de pesquisa Google conduz-nos a mais de dois milhões e meio de sites dedicados a esta temática, o que diz bem da importância que os “segundos 50 anos de vida” adquirem na aldeia global que a Internet representa. Um dos principais contributos para a afirmação deste conceito ao longo dos anos 80 e 90 resultou de um importante estudo levado a efeito nos Estados Unidos pela Fundação MacArthur – lançado em 1984 e intitulado justamente Estudo da Fundação MacArthur –, cujos principais resultados são sintetizados na obra Successful Aging1. O Estudo da Fundação MacArthur, que teve uma enorme repercussão na opinião pública norte-americana, ensaia uma resposta a três questões fundamentais acerca do envelhecimento humano: O que significa envelhecer com sucesso? O que deve cada um de nós fazer para lidar de forma bem sucedida esta tarefa da existência? Que mudanças na sociedade permitirão que cada vez mais homens e mulheres envelheçam com sucesso? A razão de ser destas questões prende-se, segundo os autores do estudo, com a necessidade de ultrapassar uma visão sobre o envelhecimento centrada em aspectos relacionados com doenças, incapacidades de vária ordem e declínio em geral, substituindo-a por uma abordagem que encara o envelhecimento numa perspectiva global, valorizando os seus aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Neste sentido, o Estudo da Fundação MacArthur reuniu um conjunto de 16 especialistas de vários ramos – da sociologia às neurociências, passando pela medicina, psicologia e biologia –, com o objectivo final de desenvolver as bases conceptuais de uma “nova gerontologia”. Esta abordagem interdisciplinar do processo de envelhecimento permitiu alcançar, efectivamente, uma compreensão positiva do funcionamento humano na velhice. Assim, nos últimos anos, em larga medida devido aos avanços das ciências médicas, psicológicas e sociais, mas também porque o envelhecimento generalizado da população do mundo ocidental converteu o fenómeno em algo “comum”, a velhice passou a ser simplesmente considerada como mais um estádio na vida das pessoas, na continuidade dos anteriores. Na sequência de estudos como o já citado da Fundação MacArthur, esta inversão na representação da velhice tem feito com que, progressivamente, sejam destruídos uma série de estereótipos e de mitos de pendor negativo, fazendo emergir uma imagem de normalidade associada ao acto de envelhecer, transmitida por noções como actividade, autonomia ou capacidade de realização. No seu conjunto, poderemos dizer que as teorias de envelhecimento bem sucedido vêem os indivíduos idosos como pró-activos, regulando a sua qualidade de vida pela definição de objectivos e lutando para os atingir, servindo-se para tal de recursos que são úteis 1. Rowe, J., Kahn, R. (1998). Successful aging. New York: Pantheon Books. Envelhecimento bem sucedido para a adaptação a mudanças relacionadas com a idade e envolvendo-se activamente na preservação do seu bem-estar. Tais objectivos estão dirigidos, habitualmente, para áreas como a saúde, a autonomia pessoal, a estabilidade emocional, a auto-estima, o casamento, a vida familiar e as relações de amizade, parecendo existir consenso na caracterização de um envelhecimento bem sucedido em torno dos seguintes critérios: adequado desempenho físico e cognitivo, ausência de patologias e incapacidades graves, manutenção do controlo primário e envolvimento na vida, adopção de estratégias de coping adequadas para lidar com os desafios inerentes ao processo de envelhecimento2. Mas não há uma forma única de envelhecer com sucesso. O factor individual surge como determinante para se afirmar a inexistência de um caminho único de evolução, podendo diferentes pessoas percorrerem diferentes percursos de envelhecimento mantendo uma idêntica satisfação de vida e alcançando um idêntico sucesso. Daqui resulta que há diferenças sensíveis quanto ao modo como o processo de envelhecimento decorre, quer de acordo com o contexto cultural de referência, quer de pessoa para pessoa relativamente a diversos aspectos tidos geralmente como determinantes para o seu bem-estar, como sejam as condições económicas, a saúde física, as redes sociais de pertença e de apoio, ou o grau de satisfação de necessidades psicológicas. Em nosso entender, o conceito de envelhecimento bem sucedido só faz sentido numa perspectiva ecológica, visando o indivíduo no seu contexto sociocultural, integrando a sua vida actual e passada, ponderando uma dinâmica de forças entre as pressões ambientais e as suas capacidades adaptativas. No caso português, não temos dúvidas sobre a necessidade de aumentar e melhorar os serviços disponibilizados aos idosos e os cuidados que lhes são prestados, através de medidas várias que tenham em consideração os aspectos psicossociais do bem-estar psicológico na velhice, privilegiando os serviços e os cuidados que permitam um aumento da qualidade de vida no sentido mais abrangente do termo. 21 Num outro sentido, mas com uma mesma preocupação ecológica, Fernández-Ballesteros 3 defende que o envelhecimento “com êxito”, “competente” ou “activo”, ultrapassa o conceito de “envelhecimento saudável”, ao considerar que a participação do indivíduo na sociedade e os sistemas de segurança social que esta oferece constituem elementos imprescindíveis para se poder falar num envelhecimento bem sucedido: “o envelhecimento satisfatório, competente, com êxito e activo, requer tanto do esforço de uma sociedade solidária (através dos sistemas de protecção sanitária e social) como do próprio indivíduo que é agente do seu desenvolvimento pessoal e, em boa medida, da sua saúde, da sua participação e da sua segurança”4. 2. Fonseca, A.M. (2005). O envelhecimento bem sucedido. In C. Paúl e A.M. Fonseca (coord.), Envelhecer em Portugal. Psicologia, saúde e prestação de cuidados. Lisboa: Climepsi. 3. Fernández-Ballesteros, R. (dir.) (2002). Vivir con vitalidad, Vol I – Envejecer bien. Qué es y cómo lograrlo. Madrid: Ediciones Pirámide. 4. Fernández-Ballesteros, R. (dir.) (2002). Ob. Cit., p.16. Mitos e preconceitos da velhice Sónia Rodrigues Formadora e Educadora Social A sociedade actual encontra-se perante uma situação contraditória: por um lado confronta-se com o crescimento em massa da população idosa, fruto do aumento da esperança média de vida, e por outro lado, omite-se ou adopta atitudes preconceituosas sobre a velhice, retardando assim uma efectiva implementação de medidas que visem minorar situações de dependência e dificultando a liberdade de ser do idoso. Ao contrário do que deveria acontecer, e infelizmente, temos uma sociedade que cultiva a imagem, a actividade, a beleza, o dinamismo, a produtividade. Uma sociedade voltada para o consumo e que encara o envelhecimento, o ser idoso ou velho de forma negativa. De facto esta fase etária da vida é caracterizada por uma diminuição das capacidades físicas, psicológicas e sociais. Há necessidade de estímulo efectivo às capacidades da pessoa idosa, mantendo o seu papel social como pessoa capaz, para esta não ser conduzida a um ciclo de vida negativo levando o indivíduo a dossier Portugal, à semelhança do que se passa na União Europeia, apresenta pouco dinamismo demográfico, predominando uma estrutura etária cada vez mais envelhecida com baixos níveis de fecundidade e mortalidade. Foi noticiado recentemente que no nosso país por cada 100 jovens existem 238 idosos. Mitos e preconceitos da velhice 22 adoptar um papel de doente e dependente. Mas a maioria dos problemas ligados ao envelhecimento não são causados pela diminuição das funções cognitivas. São sobretudo outro tipo de problemas, como a perda de papéis, as diversas situações de stresse, a doença, o cansaço, o desenraizamento, e outros traumatismos que vão dificultar a adaptação das pessoas idosas. A velhice é de facto uma etapa especialmente intensa de perdas de papéis (Garcia, 2002) ao longo dos anos de forma progressiva (filhos que saem de casa, reforma, viuvez, etc.). Todavia, ser Idoso, velho, terceira idade, senescente …, ou como o queiram chamar, é, acima de tudo, «SER HUMANO». Para ultrapassar estas situações, o idoso terá que reequacionar os seus objectivos pessoais, de forma a adaptar-se conservando a sua auto-estima, para continuar a viver com o melhor bem-estar possível. É sobretudo necessário que o próprio idoso seja capaz de conseguir viver com as transformações que lhe ocorrem a nível físico, psíquico e social e encare o envelhecimento como mais um ciclo de vida que se abre e que deve ser vivido por ele, não como um luto, mas, e antes de mais, como uma etapa a ultrapassar de forma positiva. Hall et al. (1997:39,40) apresentam esta ideia de forma esquemática para nos ajudar a perceber e a reflectir melhor sobre esta questão. O ciclo de vida negativo: um ciclo vicioso de doença no idoso 1. Diminuição das capacidades fisicas, mentais ou sociais 2. Rótulo de incapacidade por instituições de pretação de cuidados 4. Auto-reconhecimento de doença ou incapacidade 3. Desenvolvimento do papel de doente ou dependente; negligência de capacidades dossier O ciclo de vida positivo 1. Manutenção de uma vida confortável 4. Manutenção das possibilidades de desenvolvimento 2. Segurança emocional e suporte 3. Manutenção dos papéis sociais definido como “capaz” Fonte: Hall et al., (1997:39,40) É portanto de extrema importância haver uma mudança de mentalidades, uma mudança não só no idoso, mas na sociedade. Encarar a pessoa idosa como pessoas ricas porque possuem anos de formação, de crescimento, de desenvolvimento e amadurecimento e têm por isto a possibilidade de desaprender as «tolices» de toda uma vida, de perceber as próprias ilusões, aprofundar a compreensão, a compaixão, ampliar horizontes, refinar o sentido de justiça, não da regida por leis, mas a da igualdade, reciprocidade e equidade nas relações entre as pessoas. Esta nova etapa é uma oportunidade para libertar e utilizar energias e capacidades, muitas retidas pela falta de tempo e que podem servir como processos de crescimento e desenvolvimento interior e espiritual. De facto cada vez mais vemos pessoas idosas a participar e até dirigir acções de voluntariado como membros integrados na sociedade em que vivem, que contribuem plenamente para o seu desenvolvimento, a frequentarem universidades seniores, a tirarem cursos de computadores, de línguas, de artes… A praticarem exercício físico, a viajarem, a levarem os netos à escola ou a tomarem conta deles, a serem a grande ajuda emocional e financeira dos filhos. Idosos que se preocupam com a sua qualidade de vida; e não se trata só de tratarem de doenças físicas que causam malestar, mas sobretudo de qualidade de vida em termos de bem-estar psíquico, são agentes activos e preocupados com o seu processo de envelhecimento. Indivíduos que ainda continuam a amar ou em busca do amor, que acreditam na vida e tentam aproveitar o tempo que lhes resta a frazer o que a falta de tempo não deixou. É fundamental que o idoso mantenha a sua participação contínua em questões sociais, económicas, culturais, cívicas e espirituais, e este é um desafio a todos nós cidadãos, familiares e futuros idosos e igualmente ao Estado através da tomada de decisões e execução de políticas nesta área. De forma conclusiva a velhice tem que ser encarada como o início de uma nova etapa da vida, que se bem preparada e estimulada pode ser promissora em termos de realizações de projectos, planos e sonhos que foram adiados e que se esquecermos os mitos e preconceitos e considerarmos o potencial de experiência e sabedoria acumulados da pessoa idosa, terá grandes benefícios. O idoso deve por isso ser aceite como um ser humano activo, participativo, saudável, uma pessoa com vida, capaz e com vontade de aprender, que quer e procura o prazer a alegria e a felicidade. Aproximar gerações Cristina Palmeirão1 cpalmeirao@netcabo.pt o caminho da educação 23 A alteração dos paradigmas demográficos e o prolongamento do ciclo de vida das pessoas alarga grandemente a necessidade de novas oportunidades e novas sinergias, especialmente, no domínio sociopedagógico. Compreender a sociedade presente requer um esforço empenhado face à celeridade das mutações económicas, ao progresso da ciência e às novas tecnologias e, mormente, sobre as atitudes perante as pessoas idosas. É facto que a “anciania é uma idade objectivamente nova” (Pereira, 1999, p. 14), porquanto se trata de um fenómeno que irrompe de forma inalterável no devir do século passado. A propósito do envelhecimento da população portuguesa, há quem afirme ser o século vinte “o século de modernização demográfica portuguesa” (Rosa & Vieira, 2003, p. 119). Com efeito, foi o desequilíbrio entre os níveis de natalidade e de mortalidade que mudaram a dinâmica populacional e que inibiram o crescimento natural das populações. Um processo inédito que faz aumentar progressivamente o número de pessoas idosas e que nos prolonga a vida por mais anos. Mas, à medida que conquistamos mais anos à morte, as relações intergeracionais tendem a fragilizar-se. Problemas de legitimidade social, de participação e de reconhecimento geram vulnerabilidades e desencantos crescentes que interpelam de forma decisiva as políticas sociais contemporâneas, enquanto instrumentos de intervenção idóneos para proporcionar o bem-estar e protecção social aos cidadãos em situação de risco social, nomeadamente, no que respeita às medidas de carácter sociopedagógico. Alimentar uma sociedade multigeracional pujante e equitativa requer empenho e um compromisso autêntico no sentido de gerar atitudes positivas e facilitadoras de um clima interpessoal de cordialidade e de amizade (Palmeirão, C., 2008, p. 83). Nesse horizonte, é preciso desenvolver uma matriz que reconheça e assegure, tal como proclama a Declaração Universal dos Direitos Humanos, “um ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais”. Globalmente, há, na actualidade, um outro olhar sobre o fenómeno relativo à velhice e ao envelhecimento, circunstância que se inscreve no impacto produzido pelos Planos de Acção Internacional de Viena (1982), de Madrid (2002) e da expansão institucional da gerontologia, cuja motivação é a de “promover modelos de intervenção gerontológicos adequados às necessidades reais da população geronte e da própria sociedade” (Palmeirão, 2007b, p. 63). Definitivamente, o que se pretende é fazer nascer uma consciência mais esclarecida e estreitar vínculos de cooperação capazes de melhorar a vida das pessoas. Nesse pressuposto faz sentido pensarmos a educação intergeracional, enquanto processo de capacitação da pessoa para o pleno exercício da sua civilidade, da eliminação dos preconceitos por razões de idade e contra o medo do nosso envelhecimento. Ou seja, uma via nova para a edificação de uma solidariedade intergeracional propícia ao desenvolver e fortalecer a equidade e a reciprocidade entre as gerações. Aperfeiçoar competências interpessoais A Educação Intergeracional, compreendida no seu âmbito mais abrangente é um processo que visa o desenvolvimento e aperfeiçoamento das competências humanas, das relações entre gerações e, contemporaneamente, de “uma consciência intergeracional” (Sáez Carreras, 2002, p. 111) capaz de recriar responsabilidades e propiciar elos de solidariedade alternativos às práticas comuns de convivência geracional (Palmeirão, 2007b, p. 80). No presente, a comunicação humana está marcada por elementos e estruturas que aceleram a mobilidade e a movimentação dos indivíduos ao longo de fronteiras (reais e virtuais) dantes intransponíveis. Todavia, a relação entre cidadãos torna-se mais distante e os seus laços mais atenuados (Palmeirão, 2008, p. 85). É verdade que o mundo actual beneficia da uma gigantesca e veloz rede de conexões. Porém, insuficientes para gerar oportunidades e vínculos consistentes com os propósitos de uma sociedade mais humana e “efectivamente catalisadora da multirreferencialidade do humano (Carvalho, 2000, p. 117). Cabe, assim, procurar novas dimensões de socialização, de educação 1. Docente da Faculdade de Educação e Psicologia/UCP dossier A singularidade da nossa era Aproximar gerações 24 e de interacção, onde se oferecem oportunidades reais de contacto e onde à imprevisibilidade da sociedade actual se contrapõe uma atitude de vida mais desafiadora e aberta à mudança. O desenvolvimento da humanidade resulta de um movimento contínuo de aprendizagem ao longo da vida e onde o respeito pela vida de todas as pessoas evidencia a importância da educação na sua perspectiva mais global. Pensar a velhice e a pessoa idosa de forma mais esclarecida e mais positiva são alguns dos pressupostos da Educação Intergeracional e, nesse sentido, importa não esquecer que está ainda por conseguir uma verdadeira cultura de ancianidade. “A pensar os dias futuros, a questão que se coloca é a de apreender e explicar o processo gradual da ancianidade e, simultaneamente, potenciar lugares facilitadores de participação e educação entre gerações” (Palmeirão, 2007b, p. 89). De todo o modo, as práticas de educação e de intervenção intergeracional são uma realidade já bastante conhecida e em crescimento nas principais cidades do mundo (e.g. Foyster, 2001; Jelenec, Petra & Steffens, Melanie C, 2002; Lambrinou, Sourtzi, Kalokermou & Lemonidou, 2005; Meshel & McGlynm, 2004). No plano nacional, os programas de educação intergeracional são ainda exíguos. Apesar disso, são excelentes apontadores de mudança e do romper de uma outra consciência fase à problemática das sociedades multigeracionais (Quadro 1). Aprendizagens sentidas Investigar de que forma a interacção geracional promove o conhecimento e possibilita o desenvolvimento de atitudes, saberes e competências entre gerações foi o repto apontado ao grupo de trabalho6 criado com o propósito de consubstanciar um desejo gerado a partir da nossa prática lectiva. O projecto Redes de Encontro Intergeracionais é um projecto de natureza sociopedagógica, desenvolvido durante o ano lectivo de 2005/20067. Entre adultos e crianças, o número de pessoas participantes, no Redes de Encontro Intergeracionais, ultrapassou a meia centena8. O programa decorreu de forma sequencial, invocando para o efeito uma estratégia ecléctica (Creswell, 2002, Sousa, 2005, Palmeirão, 2008, p. 87) enquanto filosofia de acção entre o desenvolvimento do programa curricular (da escola e do lar) e as acções definidas pelos participantes (juniores e seniores). Das aprendizagens na sala de aulas, visitas, encontros, momentos de convívio, teatro, dramatização, declamação e leitura resultam momentos ímpares de interacção e de aprendizagem activa (Fotos, 1,2 e 3). Sessão a sessão, os testemunhos confirmam, de forma peremptória, o poder da educação Intergeracional como mediador e facilitador do processo de aprendizagem intergeracional, enquanto acção ajustada para gerar novas formas de pensar a pessoa idosa e de potenciar as relações intergeracionais (Palmeirão, 2007b, p. 205-283) (Fotos 4, 5 e 6). Das narrativas dos participantes directos e indirectos (crianças, pessoas idosas, professores, pais e mães e colaboradores do lar) sobrevêm considerações significativas sobre a validade sociopedagógica da educação intergeracional enquanto via possível para aproximar idades e gerações de forma esclarecida e sentida. A educação intergeracional é, nas palavras dos pais e mães dos meninos e meninas participantes nas Quadro 1 - Dimensões Nacionais dossier Contexto Designação Os idosos revisitam a escola2 Escolar Objectivo - Promover o relacionamento entre diferentes gerações; - Criar momentos de partilha de saberes e experiências; - Valorizar a pessoa idosa. Venha aprender connosco e ensinar-nos também o que sabe3 - Motivar e responsabilizar um grupo de jovens; Aconchego4 - Inibir a desertificação da baixa portuense; - Criar momentos de oportunidades relacionais. - Combater a solidão da população idosa. Comunitário Clube da Vida Local5 - Promover acções de sensibilização. - Construir espaços de partilha entre gerações. Fonte: Palmeirão, C. (2007b), p. 113 Aproximar gerações Bibliografia Baptista, I. (2008). Pedagogia Social: uma ciência, um saber profissional, uma filosofia de acção. Cadernos de Pedagogia Social. Educação e Solidariedade Social. Lisboa: UCP, p. 7-30 Carvalho, A. (2000). A contemporaneidade como utopia. Porto. Edições Afrontamento Estivil, J.; Veiga, F.; Albergaria, A.C. & Vicente, M. J. (2006). Pequenas experiências, grandes esperanças. Porto: REAPN Foyster, E. (2001). Parenting was for life, not just for childhood: the role of parents in the married lives of their children in early Modern England. The Historical Association. Published by Blackwell publishers. USA Jelenec, P. & Steffens, M. C. (2002). Implicit attitudes toward elderly woman and men. 2: p.15-22 Lambrinou, E.; Sourtzi, Kalokerinou, A. & Lemonidou, C. (2005). Reliability and validity of the Greek version of Kogan’s Old People Scale. Journal of Clinical Nursing, 14, p. 1241-1247 Meschel, D. S. & Mcglynn, R. P. (2004). Intergeneracional contact, attitudes, and stereotypes of adolescents and older people. Educational Gerontology, 30, p. 457-479 Pereira, M. (1999). «Etarização» e intervenção social. Intervenção Social. (20), Lisboa: ISSS Palmeirão, C. (2008). A educação intergeracional no horizonte da Educação Social: compromisso do nosso tempo. Cadernos de Pedagogia Social. Lisboa: UCP, p. 81-100 Palmeirão, C. (2007). O esforço do nosso tempo. Aprender na e com a vida as respostas da Pedagogia Social. Cadernos de Pedagogia Social. Lisboa: UCP, p. 125-134 Palmeirão, C. (2007b). A interacção geracional como estratégia educativa: um contriburo para o desenvolvimento de atitudes, saberes e competências entre gerações. Porto. FPCEUP (Tese de Doutoramento) Palmeirão, C. (2002). Derrubar para mudar. Terceira idade: uma questão para a Educação Social. Educação Social. Porto: UPT, p. 35-49 Sáez Carreras, J. (2002). Hacia la educatión intergeneracional. Concepto y posibilidades. Pedagogia social y programas intergeracionales: Educación de personas mayores. Archidona, Ediciones Aljibe, p. 99-112 Rosa, M.J. & Vieira, C. (2003). A população portuguesa no século XX. Lisboa: ICS 2. Projecto desenvolvido no Concelho de Santa Maria da Feira, realizado por crianças do 1º Ciclo do Ensino Básico e pessoas idosas, 2001. 3. Projecto desenvolvido no ano lectivo 2002/2003, pela Escola Básica EB2,3 de Gomes Eanes de Azurara, em Mangualde. 4. Programa Intergeracional Comunitário, iniciado em 2003/2004 na Cidade do Porto, trata-se de um Programa da responsabilidade da Fundação para o Desenvolvimento Social do Porto, Federação Académica do Porto e Câmara Municipal do Porto. 5. Projecto inserido na dinâmica do Clube da Vida Local - tipologia de Projecto 4.4.3.1. - Sistemas de Apoios Técnicos e Financeiros às Organizações Não Governamentais - Pequena Subvenção, integrada na medida 4.4. - Promoção da Igualdade de Oportunidades entre Homens e Mulheres do Programa Emprego, Formação e Desenvolvimento Local. 6. Estivil, J.; Veiga, F.; Albergaria, A.C. & Vicente, M. J. (2006). Pequenas experiências, grandes esperanças. Porto: REAPN 7. Elaborado no âmbito da nossa tese de doutoramento. 8. O Grupo de Intervenção juvenil contava 20 crianças - 9 raparigas e 11 rapazes e o grupo sénior contava 5 mulheres e 5 homens maiores de 65 anos de idade, sendo a média de idades de 76,2 anos (Palmeirão, 2007b, p. 213). Fotos 1, 2 e 3 - Momentos de interacção na sala de aula e no lar 25 Fotos 4, 5 e 6 - Testemunhos de relações intergeracionais dossier Redes de Encontro Intergeracionais, “a valorização das aprendizagens mútuas entre as crianças e os idosos” e, obviamente, “a aprendizagem da amizade e da solidariedade”, traduzida de forma clara na vontade de “continuar a visitar as pessoas mais velhas” e, ainda, no contentamento que as crianças exteriorizavam nos dias em que acolhiam ou visitavam os «seus mais velhos amigos». No final fica um pensamento e um conhecimento diferente a propósito da velhice e do envelhecimento. Das composições elaboradas pelas crianças os escritos revelam detalhes e uma mensagem muito mais positiva quer no que respeita à atitude das próprias crianças, quer à escola, quer e aos próprios idosos. E, de uma imagem «vestida» de estereótipos e de vulnerabilidades, emerge uma imagem física e social mais activa e menos fragilizada. No caso dos adultos os testemunhos são positivos e muito optimistas em relação às oportunidades criadas a partir da intervenção e da educação intergeracional, nomeadamente, no eclodir de uma nova atitude e responsabilidade para com as pessoas idosas. A “aproximação saudável entre várias gerações” é, de facto, um excelente contributo em prol de uma sociedade inclusiva afirma a mãe de uma das «nossas» crianças e, “um contributo essencial para a melhoria dos sentimentos de auto-estima e integração social dos nossos idosos” explica a responsável do lar onde residem os senhores e as senhoras idosas. A propósito das mudanças experimentadas e/ou sentidas as respostas não podiam ser mais positivas. Todos os participantes que tivemos oportunidade de auscultar referiram que foi um tempo diferente de aprender e de conviver com diferentes idades e gerações. António Margarido, um dos senhores idosos participantes no projecto testemunha que: 26 Envelhecimento e emprego Carlos Manuel Gonçalves* cmgves@letras.up.pt Isabel Dias* dos trabalhadores mais velhos Portugal apresenta mutações demográficas de ampla escala e com importantes repercussões sociais, económicas e culturais. A população residente no país decresceu nos anos sessenta do século XX, fruto da intensificação do processo emigratório, para na década seguinte (em especial na segunda metade) aumentar expressivamente na sequência do retorno das ex-colónias, sofrendo, nos anos oitenta, uma quebra do dinamismo demográfico. Nos dez anos posteriores foi patente um acréscimo populacional resultante dos fluxos imigratórios e do aumento da população idosa (65 e mais anos). Todavia, nos anos mais recentes, assiste-se a uma desaceleração do ritmo de crescimento a que possivelmente não é estranho o abandono do país por uma fracção relevante de imigrantes, como reacção ao actual contexto de crise de emprego. Se a evolução dos fluxos migratórios, com as suas variações, é decisiva para a explicação do movimento populacional, igualmente deve ser dado idêntico relevo à tendência pesada de forte redução do crescimento natural da população. Assiste-se à quebra da taxa de natalidade e do índice sintético de fecundidade – as mulheres residentes no país têm cada vez menos filhos e mais tardiamente no seu ciclo de vida (não sendo possível assegurar a reprodução das gerações). Intimamente associado a estas tendências demográficas e ao aumento continuado do prolongamento da vida (consequência de melhorias significativas, face ao passado, na saúde e na qualidade de vida), a estrutura etária da população altera-se substancialmente. É patente o envelhecimento demográfico da população traduzido no aumento significativo do peso relativo do grupo dos 65 e mais anos e do correspondente aos 15-54 anos e redução do mais jovem (menos de 15 anos). O andamento dos índices de envelhecimento e de dependência dos idosos são bem elucidativos das dinâmicas demográficas nos últimos trinta anos. Embora subsistam algumas diferenças, de escala e de natureza, as mutações apontadas são igualmente patentes nos outros países da União Europeia (UE). Destacam-se o baixo crescimento ou mesmo declínio demográfico, as reduzidas taxas de natalidade e de fecundidade e o envelhecimento populacional destacam-se. Em 2005, a UE registava uma população de 491 milhões, em que 16% tinha menos de 15 anos, 67% entre os 15-64 anos e 17% mais de 65 anos. As estimativas da UE para 2050 apontam para que o grupo etário intermédio se reduza para 56,7%, verificandose uma tendência idêntica nos jovens - 13,4% enquanto o grupo mais idoso atingiria os 29,9%. A UE deixou de ter dinamismo demográfico. Novas interrogações e desafios ganharam espaço e são objecto de discussão nos contextos institucionais e políticos da Europa. O envelhecimento populacional coloca necessariamente, em termos diferentes do passado, as relações entre a idade (e os ciclos de vida em geral) e a participação dos indivíduos no mercado de trabalho1. As previsíveis mutações na demografia 1. Sobre as tendências demográficas na Europa e as questões das relações entre emprego e idade consulte-se, entre outras fontes, a informação disponibilizada pela UE em http://europa.eu/pol/socio/index_pt.htm. Os dados estatísticos sobre a UE usados no presente texto foram retirados de http://epp.eurostat.ec.europa.eu dossier Indicadores demográficos sobre Portugal Anos Taxa Bruta de Natalidade (permilagem) Índice Sintético Esperança de Esperança de de Fecundidade vida à nascença vida à nascença (permilagem) Homens Mulheres 1960 24,1 3,2 60,7 1970 20,0 3,0 64,2 1981 15,5 2,1 1991 11,8 2001 10,9 2006 10,0 Estrutura etária da Índice de População Residente (%) Dependência dos idosos 0-14 15-64 65 e + anos anos anos Índice de Longevidade Índice de Envelhecimento 66,4 35,7 27 11,0 29,2 62,9 70,8 34,9 34 12,7 28,5 61,9 9,7 69,1 76,7 34,83 46 15,6 25,1 63,3 11,5 1,6 70,3 77,3 9,0 72 18,2 19,4 66,7 13,9 1,5 73,5 80,3 41,9 104 20,9 15,9 67,6 16,5 1,4 74,9 81,3 44,9 112 25,4 15,4 67,3 17,3 8,0 Fonte: INE, Censos Populacionais e Estatísticas Demográficas Envelhecimento e emprego Ao nível do espaço europeu emergiram, em especial a partir da segunda metade dos anos noventa do século passado, um conjunto diversificado de leituras, de propostas e de medidas políticas com vista a reduzir as consequências das mutações demográficas, em termos económicos, sociais e culturais. Assiste-se ao aprofundamento de um discurso valorizador social e economicamente da velhice3. Recusa-se definitivamente uma imagem negativa da velhice. Implementam-se políticas sociais, de natureza diferenciada, que conferem uma substância a tal segmento populacional, a par de apontarem para a integração social e económica dos idosos, revalorizando o papel destes como consumidores e produtores de riqueza. Em simultâneo, defende-se um novo padrão de equilíbrio entre as gerações, diferente do que possibilitou, nomeadamente nos países centrais da UE, a sedimentação do Estado-providência e do modelo político democrático-parlamentar e económico de matriz capitalista. Esse novo “contrato”, ainda numa fase de implementação, assenta em formas mais complexas de solidariedade inter-geracional (no quadro de uma perspectiva de ciclo de vida) e de inclusão social. A principal resposta às mutações demográficas vem sendo dada no plano do mercado de trabalho. A Estratégia Europeia do Emprego passou a incorporar, explicitamente a partir do início deste século, uma directiva precisa para os Estados membros – aumentar a oferta de mão-de-obra e promover o envelhecimento activo4. No caso do envelhecimento pretende-se, genericamente, manter e incentivar o ingresso dos activos mais idosos (55-64 anos) no emprego. A UE definiu dois objectivos: aumentar para 50% até 2010 a taxa de emprego da população do grupo etário dos 55-64 anos (Conselho Europeu de Estocolmo, de 2001); acréscimo gradual em cerca de 5 anos na idade média efectiva, até 2010, em que os indivíduos deixam o mercado de trabalho (Conselho Europeu de Barcelona, 2002). Aquela directiva é entendida, pelas instâncias políticas da UE, como o principal meio para garantir no futuro um crescimento económico sustentado, que contribuiria para compensar, pelo menos em parte, o avolumar dos encargos financeiros decorrentes do envelhecimento demográfico. A esta perspectiva, de natureza mais económica, junta-se uma outra, embora menos determinante – o prolongamento da vida activa é benéfico para os trabalhadores, em termos da sua inclusão social, como igualmente possibilitaria o aproveitamento das competências e, principalmente, da experiência dos mais idosos. Recorde-se que toda esta argumentação tem subjacente um desiderato político – possibilitar que o prolongamento da vida seja acompanhado por uma extensão temporal da presença no mercado de trabalho. 27 A partir de um balanço, necessariamente sintético, sobre a promoção do envelhecimento activo nos Estados membros da UE (nomeadamente em Portugal), nos anos mais recentes, sobressai o uso generalizado de medidas políticas como a supressão dos incentivos à reforma antecipada, aumento da idade legal de reforma, mudança do regime de cálculo das pensões e reconfiguração do sistema de protecção social. Os Estados europeus mobilizaram as medidas que a curto e a médio prazo mais podem contribuir para o prolongamento da presença no mercado de trabalhos dos activos mais idosos e, concomitantemente, desincentivar a sua saída precoce (face aos novos padrões de gestão da idade). Em alguns países, o 2. Facto que nos coloca no grupo de países com maior participação dos mais velhos no mercado de trabalho e que deve ser lido como expressando uma recusa de passagem à reforma por força dos baixos montantes das pensões que uma parcela deles irá auferir. 3. Importa sublinhar que o termo velhice (tal como o de idade) é uma construção social, sempre referenciada a coordenadas espácio-temporais e, por isso, objecto necessariamente de um exercício de relativização analítica. 4. Igualmente nos documentos da UE é utilizada a expressão “envelhecimento em actividade”. No presente texto, o termo envelhecimento activo (ou envelhecimento em actividade) abrange as políticas de manutenção e incremento da presença dos indivíduos com idades compreendidas entre os 55 e os 64 anos no mercado de trabalho. É usual na literatura encontrar-se para aquele termo um significado mais amplo - para além da inserção no mercado de trabalho, igualmente abrange medidas que promovam a inserção social dos idosos, atenuem os processos de discriminação dos mais velhos, facilitem o acesso às actividades culturais e recreativas, aos cuidados de saúde e fomentem as solidariedades intergeracionais, tanto na família como nos diversos contextos sociais. dossier europeia acima apontadas, e desde que não exista um substancial crescimento populacional (por via do aumento dos fluxos imigratórios ou de um saldo natural francamente positivo), conduzirão a que o volume da população europeia em idade activa (15-64 anos) diminuirá e a sua idade média aumentará pelo peso crescente dos activos mais velhos (55-64 anos). É expectável que a proporção destes activos no total dos activos (15-64 anos) evoluirá de 27%, em 2010, para 49% em 2050. Na actualidade, a taxa de emprego relação entre a população empregada e a população total – no conjunto da população com 55-64 anos é baixa (na UE-27 essa é de 44,7% e em Portugal de 50,9%)2. Por sua vez, a idade média de abandono do mercado de trabalho com a passagem à reforma situava-se na UE-27, em 2005, em 61,0 anos e no nosso país em 63,1 anos (registando-se uma ligeira subida face aos valores dos finais do século XX). Se associarmos a tais factos o aumento da esperança de vida aos 60 anos que vem ocorrendo no passado recente (em 2004 era 20,3 anos para a UE-25 e 20,1 anos para Portugal), tudo aponta para a forte dificuldade de manter a longo prazo um crescimento económico sustentado, com repercussões negativas nas receitas fiscais, na sustentabilidade financeira dos sistemas de protecção social (cada vez mais pressionados pelo envelhecimento demográfico), colocando, deste modo, em causa o modelo social e económico. Envelhecimento e emprego dossier 28 caminho tomado tem sido objecto de forte contestação por parte dos sindicatos e de outras organizações políticas. Particularmente isso é mais notório quando se impuseram alterações que colocaram em causa direitos conquistados no passado e expectativas construídas durante anos face às condições de transição do emprego para a reforma. Os discursos mais promissores sobre o alongamento da vida activa dificilmente ganham uma ampla audiência junto dos trabalhadores mais idosos, particularmente junto daqueles com baixas qualificações académicas, com actividades profissionais desvalorizadas em termos simbólicos e materiais, com uma vida de trabalho marcada pelo desgaste da sua condição física e com pesadas dificuldades de adaptação aos “novos tempos” da gestão das pessoas nas organizações económicas. Para estes (que representam em Portugal e em outros países europeus uma parcela relevante dos trabalhadores de 55-64 anos), a reforma é percepcionada com uma fase do ciclo de vida de “descanso” que poderá, em parte, servir de momento de compensação face às vicissitudes da fase anterior. Embora sem amplitude das medidas políticas acima apontadas, outras vêm sendo tomadas pelos Estados membros da UE (ou estão em agenda), no sentido de apoiar os trabalhadores mais velhos (55-64 anos), como por exemplo: legislação contra a sua discriminação no acesso ao emprego, na progressão nas carreiras profissionais e na inserção na formação profissional; protecção contra o seu despedimento; criação de programas específicos de formação profissional, de acções direccionadas para a sua reinserção no emprego (quando desempregados e que se podem estender aos inactivos) e de incentivos financeiros compensatórios à sua permanência no mercado de trabalho. São, ainda, de acrescentar os apoios financeiros aos empregadores para a manutenção dos trabalhadores mais velhos nas empresas, a manutenção de boas condições de saúde e segurança no trabalho (de modo a prevenir-se a perda de produtividade por ausências ao trabalho), a criação de formas flexíveis de organização do trabalho (que permitam ajustamentos entre as capacidades físicas e cognitivas dos trabalhadores e as tarefas dos postos de trabalho ou a progressiva transição para a reforma). Entre nós ainda é bastante incipiente a concretização de medidas políticas de natureza semelhante5. Uma aplicação mais abrangente das medidas apontadas terá que necessariamente ser enquadrada por acções de sensibilização e divulgação do envelhecimento activo, em particular junto dos empregadores. Com efeito, recorrentemente estes posicionam-se negativamente face ao alongamento da vida activa dos seus trabalhadores mais velhos, porquanto consideram que impossibilita uma renovação etária e qualificacional da mão-de-obra, que seria a custos baixos para as empresas se, em alternativa, mobilizassem para o efeito os processos de reformas antecipadas. Estratégia que transferiria para o erário público os encargos daquela renovação, tal como aconteceu nos anos oitenta e parte dos anos noventa do século passado em Portugal e em outros países europeus. No presente texto abordámos, de modo bastante sintético, algumas das questões que o envelhecimento ac tivo coloca às sociedades europeias e, particularmente, a Portugal. No caso do nosso país, importa, em jeito de conclusão, ter presente que factores como a actual crise de emprego e a fraca dinâmica económica, a persistência de atitudes e compor tamentos discriminatórios face aos trabalhadores mais velhos, as débeis qualificações académicas e profissionais de uma parcela significativa destes, a ausência generalizada no tecido empresarial de processos de gestão da idade são importantes condicionantes ao desenvolvimento do envelhecimento activo. Bibliografia Pestana, Nuno Nóbrega (2003), Trabalhadores mais velhos: Políticas públicas e práticas empresariais. Contributos para uma política nacional de envelhecimento activo, Lisboa, DGERT/MSST. Centeno, Luís Gomes (coord.) (2007), Envelhecimento e perspectivas de luta contra as barreiras da idade no emprego, Lisboa, IEFP. (*)Sociólogos. Professores e investigadores da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 5. Confira-se sobre o envelhecimento activo no país, os textos de Pestana (2003) e de Centeno (2007), entre outro. O Plano Nacional de Emprego 20052008 apresenta as medidas políticas previstas para o período. Novas Tecnologias & Idosos Teresa Almeida Pinto1 tpinto@byweb.pt exclusões e soluções 29 Para além do processo biológico e psicológico, o envelhecimento é um processo social e cultural (Pinto, F.C. & Osório, A.R. 2007). Hipócrates definiu o apogeu do homem aos 56 anos. Aristóteles acreditava que a perfeição do corpo se completava aos 35 anos e a da alma aos 56 anos. Para Dante, chegava-se à velhice aos 45 anos (Vargas, 1994 apud Filho, 2003). Esta evolução é também aplicável às novas tecnologias, condenadas à certeza se serem futuras “ex-novas tecnologias” logo que outras mais recentes as remetam para um quotidiano sem significado ou até mesmo para quotidiano nenhum. Muitas foram as novas tecnologias que pela incapacidade de se adequarem às necessidades e desejos da humanidade, passaram quase directamente do nascimento promissor ao desuso irretornável. (R)evoluções Em meados do século XVIII e início do século XIX, com a Revolução Industrial, centrada em valores de produtividade, exploração da força motora e consumismo, passou-se a valorizar a inovação e o conhecimento novo, rejeitando-se o saber feito pelo acumulado de experiências, decorrente da idade biológica. As pessoas mais velhas, sem grande potencial de evolução ou capacidade para gerar lucros, passam a ocupar um lugar marginal e o envelhecimento começa a ser sinónimo de degeneração e decadência. Esta íntima relação entre o desenvolvimento económico, os processos produtivos e a tecnologia, foi terreno fértil para alimentar a ideia de que os idosos, improdutivos e obsoletos devem dar lugar às gerações jovens, com maior disposição para o trabalho e dotadas de conhecimentos mais actualizados (Peres, 2005). Os idosos devem ser “retirados” do trabalho e a palavra “retired” (reforma, na língua berço da Revolução Industrial - o inglês), aproxima-se com precisão dessa ideia de exclusão. Nascia uma sociedade industrializada, movida pelas máquinas a vapor e mais tarde pela electricidade, onde os idosos, sem qualquer expectativa de retorno produtivo, eram desvalorizados pela sua débil capacidade braçal e discriminados no acesso à educação e renovação de conhecimentos, que lhes poderia permitir a utilização das novas tecnologias. No século XX uma Revolução técnico-científica sem precedentes, permitiu o avanço das telecomunicações, informática, electrónica e áreas afins. As denominadas Novas Tecnologias de Comunicação e Informação, em especial o computador e a Internet, conquistaram uma importância extrema no desenvolvimento planetário e posicionaram-se na base da construção de uma nova sociedade que requer o uso cada vez mais intenso de conhecimentos e informações que se renovam a uma velocidade vertiginosa. Os idosos continuaram a ser um dos grupos mais tecnoexcluido2 da sociedade e o termo “info-exclusão”3, que se refere à exclusão ou acesso desigual às informações divulgadas via informática e consequentemente ao conhecimento, que move toda a sociedade, passou a ser aplicado a alguns grupos sociais, onde os idosos se incluem. Mas não foi apenas da digitalização da sociedade que os idosos foram excluídos. Preteridos do mercado de trabalho e marginalizados dos centros de decisão, mesmo familiar, só a partir da segunda metade do século XX movimentos sociais começaram a apelar à segurança e participação dos idosos no circuito de bens e riquezas sócio-culturais. No século XXI a velhice conquistou a quarta idade. No mundo ocidental, a imagem do idoso que se reforma e fica à espera da morte num cenário de grande dependência financeira e incapacidade física, deixou de ser o paradigma comum. Por se ter tornado num fenómeno global, na última década o envelhecimento tem sido alvo de campanhas desmistificadoras e os idosos, objecto de múltiplos estudos. Embora ainda pouco presentes nas práticas quotidianas, conceitos como o envelhecimento activo e bem sucedido, a info-inclusão e a educação/formação ao longo da vida, são agora frequentemente usados em espaços de reflexão teórica e em promissores planos de actuação política. 1. Fundadora e Coordenadora, desde 1999, do Projecto TiO - Terceira Idade Online: www.projectotio.net 2. Tecno-exclusão: situação de alguém com reduzidas ou sem competências para operar com equipamentos tecnologicamente avançados. 3. Info-exclusão: Constatação de que o mundo pode ser dividido em duas partes, constituídas respectivamente por aqueles que têm acesso – e capacidade de utilizar – as tecnologias da informação e comunicação modernas e aqueles que o não têm. in Glossário da Sociedade da Informação da Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação. dossier Falar de idosos e novas tecnologias encerra por si só duas ambiguidades de contornos pouco claros: a noção de idoso é subjectiva e não tem consenso universal enquanto que as novas tecnologias inevitavelmente serão velhas e ultrapassadas, num futuro incógnito. Novas Tecnologias & Idosos dossier 30 Mitos e fobias O medo desproporcional, persistente e repulsivo de envelhecer ou mesmo o ódio pelas pessoas idosas é habitualmente designado por Gerontofobia e baseiase quase sempre em fantasias e estereótipos negativos. Os mitos, estereótipos, preconceitos e a ignorância envolvem os condicionalismos físicos, comportamentos sociais e até mesmo as convicções religiosas das pessoas mais velhas. A tecnofobia (medo pelas tecnologias modernas), foi facilmente incorporada na lista de estereótipos associados às pessoas idosas. A base deste novo estereótipo assenta na crença de que os idosos são avessos às novas tecnologias, de forma consciente e deliberada e não como fruto do percurso histórico e condicionalismos que ditaram a sua info-exclusão. A sustentar este estereótipo apresentam-se argumentos de que os idosos não cresceram com a ascensão das novas tecnologias e por conseguinte têm dificuldades em incorpora-las no seu dia-a-dia, e têm também dificuldades de aprendizagem acentuadas neste domínio. Sustenta-se ainda, por reminiscência com outros estereótipos sociais, que algumas das novas tecnologias, como é o caso da Internet, são essencialmente um meio de diversão e lazer ou uma ferramenta para a evolução profissional, e que por isso os idosos não apreciam ou necessitam de qualquer uma destas vantagens oferecidas por essas tecnologias. Na realidade, este afastamento das tecnologias tem raízes ancestrais e no caso português são agravadas por um percurso histórico marcado pelo atraso social, económico e cultural. As causas que mais contribuem para a exclusão dos indivíduos da utilização dos computadores e Internet, estão directamente relacionados com a idade, baixo nível de escolaridade e baixo rendimento económico. Por conseguinte, Portugal apresenta várias características potenciadoras da info-exclusão da população idosa. Para além destes, acrescem ainda outros condicionalismos referentes à acessibilidade e usabilidade de alguns equipamentos tecnológicos. A indústria que produz e comercializa as novas tecnologias, movida pelas necessidades e interesses da grande maioria das pessoas, assumiu como “minoria de excluídos” os idosos, quando na actualidade e tendencialmente cada vez mais, os idosos constituem uma importante fatia da população. Actualmente, 35,2% da população da União Europeia, (35,3% em Portugal) tem mais de 50 anos de idade (Eurostat, 2007). Os desafios e as oportunidades actuais A nível Europeu, a Comissão Europeia criou um Programa (“Assistência à autonomia no domicílio numa sociedade em envelhecimento”), que financia a investigação e a concepção de tecnologias inovadoras, adaptadas às necessidades dos idosos no seu ambiente doméstico (habitações "inteligentes") e/ou no seu ambiente de trabalho. (Parlamento Europeu, 2007) Pretende-se incentivar o desenvolvimento da “gerontotecnologia”, que resulta da colaboração de engenheiros e geriatras, sendo o trabalho desenvolvido aplicado no campo dos cuidados médicos (aparelhos médicos de utilização caseira ou profissional, como é o caso da telemedicina), nos transportes (carros e bicicletas especiais ou autocarros-táxis), casas, lares e centros de reabilitação “inteligentes”, têxteis “inteligentes” que incorporam aparelhos electrónicos na roupa de uso diário e muitas outras aplicações tecnológicas que aumentam a autonomia e independência dos idosos e facilitam o seu dia a dia, sem colidir com a sua privacidade e dignidade. Em Portugal, vive-se um ambiente particularmente propício para a alfabetização digital dos idosos. As políticas públicas, a sociedade civil e os próprios idosos estão conscientes da necessidade de se inserirem na sociedade cada vez mais informatizada. Os serviços de Governo em linha (vulgo e-governement), incentivam e em algumas situações impõem que a comunicação com as estruturas públicas seja feita por via electrónica: marcar uma consulta, apresentar uma reclamação, pagar impostos, requerer pensões, comunicar com a administração local e central, etc. Por outro lado, são cada vez mais as instituições e espaços públicos que oferecem e fomentam à utilização da Internet gratuitamente. Este ambiente favorável à info-inclusão dos idosos, justifica-se plenamente porque as tecnologias, para além de reduzirem o isolamento, contribuem para a melhoria da auto-estima e competências pessoais dos idosos, também melhoram a sua qualidade de vida, ao fomentarem a sua autonomia e participação social. Actualmente a diminuição de algumas capacidades físicas (como a visão e destreza motora), não é argumento para que os idosos não utilizem as tecnologias de informação e comunicação. Os equipamentos permitem hoje múltiplas adaptações e formas de utilização. Escolher e programar os equipamentos de acordo com as necessidades individuais de cada idoso, é fundamental para motiválo à sua aceitação e utilização regular. Os conteúdos e as razões para a sua aprendizagem também devem ser fomentadas. Provavelmente a maior barreira a ser desmistificada é a que resulta da própria motivação do idoso. Sem perseverança, sobretudo em momentos de dificuldade, é provável que alguns desistam antes de atingir os objectivos inicialmente propostos. Neste grupo etário, os argumentos de motivação devem ter em Novas Tecnologias & Idosos consideração as necessidades e interesses decorrente de todo um percurso de vida. Deve ainda ter-se em consideração o facto de que um ambiente de aprendizagem não formal ou informal, que não intimide o idoso e respeite o seu ritmo de aprendizagem, pode ser mais favorável que uma estrutura de ensino estruturada ou muito formal. Os adultos e em particular os idosos estão mais motivados para uma aprendizagem com utilidade prática e que não resulte apenas em mais um conhecimento teórico, sem consequências para o dia a dia. O apelo às vantagens reais que as tecnologias podem trazer para a vida de um idoso, tendo em consideração todas as suas vivências e expectativas, é o melhor ponto de partida para uma alfabetização informática bem sucedida. 31 Bibliografia e Webgrafia Comissão Europeia. (2007). Envelhecer bem na sociedade da informação. Danis, C. & Solar, C. (2001). Aprendizagem e desenvolvimento de adultos. Lisboa: Edições Instituto Piaget. Filho, J.(2003). A interacção do idoso com os caixas de autoatendimento bancário. Parlamento Europeu (2007). Assistência à autonomia no domicílio numa sociedade em envelhecimento. Peres, M. (2005). A andragogia no limiar da relação entre velhice, Trabalho e educação. Pinto, F.C., Osório, A.R. (2007) As pessoas idosas: contexto social e intervenção educativa, Lisboa: Instituto Piaget. Envelhecimento demográfico em Portugal Adelaide Fernandes Pires Malainho amalinho@eseb.ipbeja.pt O envelhecimento demográfico é consequência da modificação da estrutura etária da população. Podemos falar de envelhecimento de topo quando observamos um aumento relativo da população idosa no topo da pirâmide, e de envelhecimento de base quando se observa uma descida relativa da população jovem na base da pirâmide. “Pela redução do nível de mortalidade aumenta a esperança de vida e, desta forma, aumentam os efectivos no topo da pirâmide; pela redução da natalidade, diminui onúmero de nascimentos e, por isso, diminuem os efectivos na base.” Em 2001 assiste-se a um aumento populacional de 5%, a população residente em dez anos passou de 9.867.147 pessoas para 10.356.117, verificando-se um aumento substancial das pessoas com 65 e mais anos de idade como já se referiu, na leitura do gráfico anterior respeitante a 1991. No gráfico n.º 3 pode observar-se a variação em termos percentuais da população do ano 1991 a 2001. Em dez anos, Portugal sofreu um aumento populacional geral de 5%. Esse aumento foi maior na região do Algarve, com uma percentagem de 15,8%, assistindo-se a uma redução da população com uma percentagem negativa de 3,3% na Região Autónoma da Madeira. Pode-se observar ainda uma baixa populacional em todo o país na faixa etária dos zero aos catorze anos sendo mais evidente na Região Autónoma da Madeira. Apesar do decréscimo desta faixa populacional, ela foi inferior no Algarve (-5,3%), é também nesta região onde se pode verificar o maior crescimento da população da faixa etária dos 15 aos 24 anos de idade, seguida da Região Autónoma dos Açores com uma percentagem de crescimento de 2,9%. É no Algarve que a faixa da população economicamente activa dos 25 aos 64 anos teve o maior aumento com uma percentagem de 22,5%. dossier O Mundo e concretamente Portugal, está a sofrer os efeitos do envelhecimento demográfico. A estrutura da população portuguesa apresenta já características de duplo envelhecimento, sendo que o aumento da esperança média de vida, é algo que todos nos devemos orgulhar, por todas as razões por demais conhecidas. Mas a par do aumento da esperança de vida, assiste-se ao declínio da fecundidade e à consequente não renovação da população portuguesa. Com o aumento progressivo do número de pessoas idosas, sobretudo das muito idosas, estudos revelam, ainda que tem aumentado também a probabilidade de ocorrência de situações de dependência física, psíquica e social. Como se pode verificar através do gráfico n.º 1 e respectiva legenda, em 1991 a totalidade da população residente em Portugal rondava cerca de dez milhões de habitantes (9.867.147). E o total da população com 65 e mais anos de idade era já constituído por 1.342.744. Envelhecimento demográfico 32 Gráfico 1 - População residente em 1991 Fonte: Recenseamentos Gerais da População, INE, 2001 O Alentejo é a região onde a população economi- camente activa menos se faz sentir. O facto de maior relevância é o aumento acelerado da população com 65 e mais anos em todo o país, observando que Lisboa foi a que sofreu o maior aumento dessa faixa populacional, (32,4%) contra 5,5% na Região Autónoma dos Açores que teve o menor aumento em percentagem de pessoas idosas. A franja populacional, das pessoas que contam 65 e mais anos, enquadradas no grupo dos economicamente não activos, e que vivem, quase exclusivamente das suas parcas pensões de reforma, o que constitui a sua grande maioria, estudos revelam que não reúne condições mínimas de sobrevivência. Se aliarmos este dado ao facto de um número significativo destas mesmas pessoas, se encontrarem numa situação de dependência e de perda de autonomia e de não poderem contar com o apoio dos familiares mais directos, porque não existe retaguarda familiar ou porque a família, quando existe, se encontra a residir no estrangeiro, ou numa outra região distante do país, ou ainda porque, mesmo entre nós portugueses, já quase não existe a coabitação ea cooperação entre gerações, devido às alterações que se fizeram sentir na dossier Gráfico 2 – População residente em 2001 Fonte: Recenseamentos Gerais da População, INE, 2001 Envelhecimento demográfico estrutura familiar, a situação assume grande complexidade. O problema é tanto ou mais complexo quando o número de pessoas idosas em situações de dependência, a vários níveis, está a aumentar e, as instituições existentes, em todo o país, não respondem a essas situações consideradas específicas, mas cujos contornos se tornam cada vez mais difíceis. Na sociedade economicista global, que tem vindo a ser implementada “os reformados” constituem cada vez mais um encargo económico que a sociedade deve suportar. Quando Bismark definiu a idade de 65 anos como a idade da reforma, definição que pela generalidade dos autores foi defendida com o o início da terceira idade, era pressuposto que a força de trabalho da população activa permitisse suportar os encargos decorrentes do pagamento das reformas. Acontece que o limite de esperança de vida, então previsível, tem vindo a ser alargado devido ao progresso de investigação clínica. Por outro lado o índice de natalidade tem vindo a diminuir. Em termos globais poderemos confirmar o que tem vindo a ser considerado-a população economicamente activa tem vindo a diminuir enquanto a população enquadrada no âmbito da definição dos reformados tem vindo a aumentar. Se bem que isto constitua uma análise economicista e, de momento, abstemos-nos de comentar, não podemos deixar de reconhecer que a terceira idade vem constituindo um encargo económico crescente para a sociedade actual. Daí, a procura de soluções que possibilitem uma diminuição de custos no acompanhamento da terceira idade, que passam pelo relançamento e proliferação de organizações de ajuda humanitária, o recurso à figura de voluntariado, dos apelos lançados à sociedade civil e os crescentes apoios dados às instituições privadas que têm por escopo a valência da terceira idade. Em nosso entender estamos perante respostas de caris caritativo, onde o factor económico assume particular relevância. Existe uma preocupação quantitativa e não qualitativa, que, no fundo, traduz a globalização desumanizada que se vem implementando nas sociedades contemporâneas. Cada vez mais, as pessoas representam números ou índices que, servem de base à definição e implementação de políticas governamentais. 33 47 Relacionando ao acima referido, a questão das políticas neoliberais, que defendem a redução do papel do Estado na provisão dos serviços e, apelam para que essa responsabilidade se transfira para a “sociedade civil”, faremos nossas as frases de Carlos Montaño (2002): “Efectivamente, enquanto a atenção às necessidades por via das políticas sociais do Fonte: Recenseamentos Gerais da População, INE, 2001 dossier Gráfico 3 – Variação percentual da população residente de 1991 a 2001 Envelhecimento demográfico 34 Welfare se rege por um princípio universalista- todos contribuem para financiar esses serviços de assistência -, a saída destas respostas da órbita estatal reforça a substituição paulatina da solidariedade baseada em direitos universais pelas formas particulares e voluntárias de solidariedade “(Montaño, 2002: 167). BIBLIOGRAFIA Barroco, Lúcia, 2003 Ética e Serviço Social – Fundamentos Ontológicos, 2ª ed., São Paulo, Cortez. Beauvoir, Simone, 1970 A Velhice, São Paulo, Brasil, Difusão, Europeia do Livro Bonetti, S.A., Silva, M.V., Sales, M.A., Gonnelli,Valéria (orgs) 2000 Serviço Social e Ética- Convite a uma nova praxis, São Paulo, Brasil, Ed.Cortez Comissão das Comunidades EUROPEIAS, 1993 Política Social Europeia: Opções para a União, Livro Verde, Bruxelas, SPOCE. Comissão das Comunidades Europeias,1994 Política Social Europeia: Como Avançar com a União , Livro Branco, Bruxelas, SPOCE. Comissão das Comunidades Europeias, 1993 Protecção Social na Europa , Bruxelas, SPOCE. Governo Provisório da República Portuguesa, 1975 Programa de Política Económica e Social , Lisboa. Hall, M. R. P., Maclennan, N.W. J. e lye, M. D. M., 1997 Cuidados Médicos ao Doente Idoso , 1ª ed., Lisboa, Climepsi. (Tradução: Dra. Marina Dinis). Haddad, Eneida, 1986 A Ideologia da Velhice, São Paulo, Cortez. Karsch, Ursula M. Simon, 1998 Envelhecimento com dependência: revelando cuidadore s, São Paulo, Editora da PUC- S. P. Montaño, Carlos, 2002 Terceiro Setor e Questão Social: Critica ao padrão emergente de intervenção social , São Paulo, Cortez. Ministério da Solidariedade e Segurança Social, 1990 Comissão Nacional para a Política de Terceira Idade , Lisboa, Manual de Serviços Instituições Associações de e para Pessoas Idosas. Netto, António Jordão, 2003 Gerontologia Básica Editorial Lemos, São Paulo, Brasil: 1997. São Paulo; [Lima, Peru]: CELATS: 2003. Neves, Ilídio, 2001 Dicionário Técnico e Jurídico de Protecção Social, Coimbra, Coimbra Editora. Quaresma, Maria de Lourdes, 2004 O sentido das Idades da Vida. Interrogar a solidão e a dependência, Lisboa. Cesdet Edições, Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa Santos, Boaventura (org.) 1993 Portugal: Um Retracto Singular, Porto, Afrontamento. Comissão Nacional para a Política da Terceira Idade 1965 65 e Mais Anos os Números em Portugal , Lisboa, Direcção Geral da Família. Debert, Guita Grin, 1999 A Reinvenção da Velhice: Socialização e Processos de Reprivatização do Envelhecimento, São Paulo, Brasil, Editora da Universidade de São Paulo. Fernandes, Ana Alexandra, 1997 Velhice e Sociedade: demografia e políticas sociais em Portugal , Oeiras, Celta Editora. Participação activa da população idosa na sociedade Luís Jacob luisjacob@socialgest.pt dossier Perante as proporções que o envelhecimento populacional está a atingir no Ocidente, um dos principais desafios que se impõe às sociedades está em permitir que as pessoas tenham uma vida mais longa e ao mesmo tempo desfrutem de uma velhice saudável e com qualidade de vida. Esse desejo está presente nas sociedade, nas instituições, nos media e de maneira especial nos próprios idosos. “Os projectos de velhice são idealizados com actividades de gozo, de afectividade, de relações inter-geracionais solidárias, na presença da família, numa convicção/esperança de vida autónoma e independente senão até á morte, pelo menos até muito próximo dela” (Vaz, 2008, p. 169). O segredo de um envelhecimento bem sucedido é a forma como se prepara a velhice, pois os comportamentos adoptados ao longo da vida reflectirse-ão na fase final desta. Efectivamente, uma determinada percentagem dos idosos aproveita esta última fase da vida para se dedicar a outros prazeres, mantendo-se activos, quer seja a trabalhar, a estudar, a exercer voluntariado ou procurando aumentar as suas competências pessoais e sociais. Num trabalho realizado por Fernández-Ballesteros (2002) foram revistos os diferentes modelos sobre o envelhecimento activo ou positivo, formulados numa perspectiva populacional e individual por um conjunto de autores e organizações, verificando-se que todos eles destacavam o modelo populacional de Participação activa Mas o que é o envelhecimento activo? A OMS (2002, p. 23) define o envelhecimento activo como “o processo de optimização das oportunidades de saúde, participação e segurança visando a melhoria do bem-estar das pessoas à medida que envelhecem” ou como referem Requejo e Pinto, (2007), “o processo de maximização das oportunidades para a saúde e participação social, com o objectivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem.” No envelhecimento activo consideram-se três áreas principais de intervenção: a biológica, a intelectual e a emocional. A velhice acarreta, inevitavelmente, alterações físicas e biológicas, portanto é necessário eleger, ao longo da vida, hábitos alimentares saudáveis, praticar exercício físico regularmente, moderar a exposição solar, vigiar as mudanças que ocorrem no nosso corpo para agir atempadamente a possíveis desequilíbrios orgânicos e nunca esquecer de dar ao nosso organismo o repouso que este necessita. Ao nível intelectual é necessário estimular as funções cognitivas, como a memória, a atenção e o raciocínio, para que estas se desenvolvam e fortifiquem. Para isto é conveniente manter hábitos de leitura, pensar e reflectir sobre o que se passa no mundo que nos rodeia, tomar posições ou procurar entender outros pontos de vista, construir críticas construtivas, fazer jogos intelectualmente estimulantes (palavras cruzadas, xadrez, charadas, etc.), escrever, fazer renda, etc. Para a saúde emocional é necessário que o nosso nível de motivação e relacional seja elevado. Não há dúvidas que se não estivermos motivados não vamos agir em conformidade com os comportamentos que sabemos que devemos adoptar para mantermos uma boa saúde física e mental. Devemos ser capazes de criar e manter uma imagem positiva de nós próprios mesmo aceitando o eventual declínio físico que é inevitável com o progresso da idade. A promoção do envelhecimento activo, como movimento colectivo, é um dos princípios estratégicos promovidos pelas Nações Unidas e pela Comunidade Europeia (por exemplo a iniciativa 2010) para uma nova perspectiva de desenvolvimento social, para as actuais e futuras gerações. Nem sempre a participação activa dos mais velhos tem estado na ordem dos trabalhos, Requejo e Pinto (2007) referem que foram diversos os acontecimentos internacionais que marcaram a política social em relação às pessoas idosas a partir dos anos setenta, altura em que se vislumbraram as primeiras tendências para o acentuado envelhecimento da população. O primeiro acontecimento importante deu-se com a realização da I Assembleia Mundial do Envelhecimento de Viena, em 1982. Quase uma década depois a Assembleia das Nações Unidas a favor dos idosos, em 1991, que orientou os princípios gerais básicos da política social para a promoção positiva desta faixa etária. 35 Como resultado, destacam-se três aspectos fundamentais: a) Proporcionar nesta fase da vida oportunidade de realização pessoal através de uma série de actividades, entre as quais se incluem as de formação contínua e aprendizagem ao longo da vida. b) Preparação para esse papel na fase de reforma. c) Desenvolvimento de um papel activo na sociedade. Vinte anos após Viena, a II Assembleia Mundial do Envelhecimento das Nações Unidas em Madrid em 2002, subordinada ao lema “uma sociedade para todas as idades” produziu quatro considerações: a) O desenvolvimento individual durante toda a vida; b) As relações multigeracionais; c) A relação mútua entre envelhecimento da população e o desenvolvimento; d) A situação das pessoas idosas. A III Assembleia Mundial Assembleia do envelhecimento das Nações Unidas realizada em León (Espanha) a 7 e 8 de Novembro de 2007, na qual participamos como relator, reforçou a importância de se criar uma imagem positiva das pessoas idosas, através do sistema educacional e campanhas nos media, mostrando o desenvolvimento de actividades onde os mais velhos dão a sua contribuição quer na família, quer na sociedade. Defendeu-se a participação dos mais velhos na política e nos órgãos de poder (serem os idosos a criarem e refutarem as leis que lhes digam respeito), considerouse importante que o meio envolvente seja propício à educação permanente; defendeu-se o livre acesso às novas tecnologias e à informação e incentivou-se o voluntariado e a acção cívica. Foram referidos também os maus tratos e abandono dos mais velhos, sendo necessária uma protecção especial para estes casos. Perante esta evolução da sociedade, como é que os idosos podem participar mais activa e regularmente na comunidade? Pensamos que o fundamental nos seniores, como em qualquer idade, é a educação e o conhecimento. Só dossier envelhecimento activo da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) e o modelo individual de envelhecimento com êxito de Rowe e Khan (1997). Participação activa 36 através da formação e educação, nomeadamente para a cidadania, é possível conseguir que as pessoas se empenhem e tenham “armas” que lhes permitam disputar o seu lugar na sociedade. Neste campo destacamos o projecto das Universidades Seniores (www.rutis.org), o programa Novas Oportunidades, a educação de adultos, os cursos de informática para seniores (www.seniorvirtual.net), os blogs e sites geridos por seniores e os cursos livres. Devemos igualmente destacar o voluntariado, área onde os seniores ocupam já uma faixa importante. No voluntariado os mais velhos podem ser actores directos ou indirectos, neste caso assumindo cargos de direcção, nomeadamente nas IPSS. O voluntariado normalmente exercido pelos mais velhos focaliza-se na acção social/humanitária, na cultura (ex: como guias de museus) e no ensino (Universidades Seniores e cursos livres). Na política não é muito frequente ver idosos como agentes dinamizadores, mas os casos que existem são de estadistas de grande valor, como Nelson Mandela (93 anos), Mário Soares (83 anos) ou Wiston Churchil (tinha 69 anos no fim da II Guerra Mundial). Infelizmente também há casos em que a idade mais avançada não ajudou a desenvolver as políticas mais democráticas e sensatas. Tal como na política, nos negócios o lugar de maior destaque normalmente é destinado aos mais novos. Mas o tempo em que só os jovens valiam está ultrapassado e hoje em dia muitas empresas recorrem aos serviços dos seus funcionários mais velhos, em alguns casos como consultores externos, depois de se terem reformado. Ver o exemplo da Asociação Portuguesa de Consultores Seniores. dossier As artes são onde os idosos têm apesar de tudo mais possibilidades de participarem activamente na sociedade com as suas criações. É impossível não referenciar Manuel de Oliveira, Miguel Torga, Fernando Pessa ou Júlio Resende. Recentemente assistimos ao nascimento do projecto da banda inglesa The Zimmers. Constituído por 40 idosos (o líder tem 90 anos) que quiseram envelhecer de uma forma saudável e pró-activa e que para tal decidiram fundar uma banda rock com a ajuda de personalidades influentes da indústria musical. Já actuaram em vários países e o vídeo no Youtube teve mais de cinco milhões de visitas. Ver “Zimmers” e “My Generation” no www.youtube.com. As instituições de acolhimento de idosos são por norma autoritárias e espaços de pouca privacidade e é necessário dar voz aos gostos e preferências dos utentes. Por exemplo os utentes/clientes poderem participar na elaboração da ementa, escolher a hora de acordarem e de se deitarem, quem lhes dá as higienes, terem um horário de visitas mais alargado ou poderem ter televisão/telefone no quarto. De realçar o papel vital e impulsionador que os mais velhos assumem na família, apesar do senso comum dizer o contrário, as estatísticas e os estudos comprovam que os idosos ainda têm um lugar muito importante na família em todos os seus aspectos (relacionais, financeiros, afectivos, etc.). Em forma de conclusão podemos afirmar que a participação activa dos mais velhos na sociedade se vai construindo gradualmente, primeiro pela força dos números e depois pelo acumular das pressões sociais, políticas e económicas que incentivam a isso. Como exemplo temos o aumento da idade para contrair empréstimo à habitação que até há pouco tempo tinha como limite os 65 anos e passou agora para os 80. Sem dúvida que tendo idosos mais informados e dinâmicos, como os “novos idosos”, este movimento social tenderá a evoluir mais rapidamente e caminharemos de facto para um sociedade intergeracional. Todos temos a ganhar com a valorização da pessoa mais velha, é sempre possível aprender e ensinar. Bibliografia Fernández-Ballesteros, R. (2002) – Envejecimiento satisfactorio. In: Martínez Laja, comp. (2002 b) - Corazón y cerebro, a ecuación crucial de envejecimiento. Madrid Organização Mundial de Saúde (2002) – Active Ageing. Genebra. WHO Requejo Osório, A. e Pinto Cabral, F. (2007) - As pessoas Idosas Contexto Social e Intervenção Educativa. Instituto Piaget. Lisboa Rowe y Khan. RL. (1997) – Successful aging. The Gerontologist. 37: p. 433-440. Vaz, Ester (2008), A velhice na primeira pessoa, Editorial Novembro, Lisboa. Animação sociocultural com idosos perspectivas de intervenção 37 João Lima Fernandes fernandes.joaolima@gmail.com Envelhecer na actualidade, tem-se revelado um processo, cujos contornos não são consensuais, prevalecendo ainda a representação de tal implicar perdas irreversíveis, sem possibilidade de potenciar o que existe na própria pessoa. As alterações, são observadas no sentido restrito, como se não ocorressem ao longo do processo de vida e apenas num estádio tardio. Nada mais errado, na medida em que o Ser Humano é alguém em permanente mutação, denotando maior ou menor dificuldade em se adaptar, dependendo dos mais variados factores, tanto internos como externos. Considera-se ainda que falar em Animação, está associado inevitavelmente à autonomia e à capacida de de decisão individual e muitos têm sido os exemplos de actividades que para isso concorrem. Mas quando falamos de população institucionalizada, não é consensual a forma como poderemos definir autonomia. Contudo, o aumento significativo do número de gerontes, e o “peso” que representam para o sistema social, implica a emergência de novas formas de olhar para este processo. Este conceito surge sempre associado a indicadores, que apresentam a pessoa como detentora de acção e vontade, mas será apenas isto? Ou o conceito poderá abranger outras dimensões e áreas, associadas ao bemestar individual? Partindo de uma noção mais abrangente de autonomia, considera-se igualmente que esta, passa pela percepção de si e pela adaptação, não num sentido conformista (tão vulgar nesta idade), mas antes num processo de aceitação e de eventual funcionamento face à realidade que se tem. Ainda nas palavras do mesmo autor, Animação é também uma atitude, isto é, implica por parte do animador um conjunto de características que fazem dele um elemento catalizador de todo o processo, devolvendo a autonomia e a vontade aos elementos alvo da Animação. Tendo em conta Ander-Egg, a Animação é uma prática estruturada e organizada, baseada num conhecimento que se tem do meio, da população e dos indivíduos que a compõem. Daqui se depreende a necessidade de pensar as actividades e tarefas, tendo em conta as características das pessoas com quem se vai intervir, ao nível do seu potencial e limitações, de modo a que a intervenção tenha como objectivo a autonomia e vontade da própria pessoa. Assim há a considerar em Animação, dois vectores basilares: “Animação com…” e “Animação para…”. Num primeiro caso estaremos a falar de “envolver” a pessoa no processo de Animação, explorando o potencial existente, e promovendo a capacidade de criar objectivos individuais, em aspectos que poderão inicialmente ser associados à manutenção de práticas quotidianas, de modo a que o sujeito possa manter e/ou melhorar o seu funcionamento, criando assim espaço para a “manutenção da autonomia”. No segundo caso, associamos a acção a um conjunto de tarefas, que para além do meramente ocupacional, devem contemplar o processo de manutenção de capacidades, quaisquer que elas sejam, desde as meramente funcionais, até às basicamente sensoriais. Para as pessoas que ainda denotam alguma autonomia dossier A Animação, no seu sentido específico enquanto forma de intervenção, reúne características e condições que a elegem como prática de eleição para o trabalho com este grupo etário. Mas falar de Animação, é actualmente algo complexo, quer pelas “evoluções” nas práticas observadas, quer pelo surgimento de conceitos que do ponto de vista teórico-prático se podem confundir, conduzindo por vezes a situações em que não é clara a definição e a forma de intervir. Relativamente à população idosa, então esta falta de clareza e rigor por parte da falada prática de Animação, assume contornos de maior confusão. É vulgar observarmos práticas em que a mera ocupação está patente, quer pela forma, quer pelos conteúdos com que se vai implementando. A objectivação das diferentes tarefas que se executam, a falta de rigor desde a sua concepção, organização, desenvolvimento e avaliação, denotam, por um lado o papel que erradamente se atribui à Animação e por outro as dificuldades/lacunas que os curriculas de Animação apresentam concretamente nesta área tão importante. Animação sociocultural com idosos 38 funcional, deverá sempre pensar-se numa estratégia centrada na “Animação com…”, de modo a permitir a ligação ao real, nem que seja explorando as fantasias e ideias da própria pessoa, interligando-as com as actividades e tarefas propostas. Existem processos em que o “feed-back” do sujeito a quem a Animação se destina, não é objectivo, nem observável como pode ser o caso de algumas pessoas acamadas e/ou casos de processo demencial instalado. Nesta área, muito há a fazer, de modo a potenciar práticas adequadas, bem como entendimentos por parte das hierarquias, no que toca à essência da pessoa Humana. Para estes inevitavelmente pensa-se um processo de Animação centrado numa estratégia de “Animação para…”. Assim no processo de Animação com Idosos, há que ter em conta alguns aspectos: a) Enquadrar a pessoa face às suas características e face ao meio em que está inserida (residência, centro de dia/convívio, Lar, etc.); b) Perceber o grau de autonomia da pessoa e quando possível, ajudá-la a considerar o seu estado, não como factor limitativo, mas antes como potenciador da realização de tarefas que de outro modo não concretizaria; c) Perspectivar com a pessoa os seus gostos pessoais e encontrar tarefas que possam para lá de ir ao encontro daqueles, potenciar na pessoa um processo de evolução ou manutenção das suas capacidades actuais; d) Estabelecer com a pessoa um calendário de execução de cada tarefa, implicando-a no processo, como importante, quer para a concretização da actividade, quer para ela própria; e) Avaliar com a pessoa o processo em que está envolvida; dossier f) Encontrar com a pessoa alternativas para a realização de tarefas, que apesar de serem indicadas para aquela pessoa, possam não surtir o efeito desejado. Convém ter em conta que o processo de Animação é individual, pois cada pessoa tem sempre um ritmo próprio, devendo o animador enquadrar o indivíduo no colectivo. Ao nível da especificidade das tarefas, enquadradas nas actividades definidas, encontramos na literatura e nos fóruns de discussão, listagens extensas com o mais variado tipo de exemplos. Contudo a ligação da pessoa à realização das suas tarefas individuais, parece ser o ponto de partida para toda a actividade. Através da concretização (em muitos casos apoiada) de tarefas quotidianas e rotineiras, permite-se a manutenção da ligação ao real, permitindo igualmente que a pessoa não perca a sua capacidade de realização, a sua importância enquanto inserido num grupo social, as suas capacidades cognitivas, etc. No processo de apoio à realização, contamos ainda com a criação do espaço empático, que permite o estabelecimento de um relacionamento de maior proximidade, criando assim lugar para a precisão de outro tipo de actividades e tarefas, com especificidades diferenciadas. Quando esta situação não é possível, por limitações da pessoa, quer físicas, quer psíquicas, devemos apoiarnos na estrutura técnica existente e encontrar /definir tarefas que permitam pelo menos a manutenção do estado actual da pessoa. Muitos exemplos podem ser encontrados, em que esta situação ocorre, sendo por isso possível dizer que existe sempre uma margem significativa de sucesso. Para a concretização de um processo como o que temos tentado descrever, revela-se necessária a criação de um projecto, assente na realidade contextual das pessoas, nas características individuais de cada um e tendo como pano de fundo a obtenção de resultados que se verifiquem tanto quanto possível, mensuráveis. Se atendermos às características individuais e ao meio em que a pessoa se insere, observamos que se torna relativamente simples encontrar tarefas que se enquadrem num processo de potenciação da autonomia, seja funcional, seja relativa, na medida em que aquelas têm em conta as necessidades e desejos da própria pessoa. Deste modo também se revela igualmente obvio a forma como poderemos avaliar a “evolução” de cada pessoa, face a si própria e face ao processo de Animação enquanto elemento indutor da autonomia e da capacidade decisória de cada interveniente, deixando a avaliação de ser um “monstro” que muitas vezes os técnicos descuram desnecessariamente. É também a partir desta, que é possível definir/encontrar outro tipo de actividades e tarefas, que permitam a “evolução” da própria pessoa, aumentando assim o leque de respostas e de perspectivas inerentes à autonomia. Tendo em conta esta estrutura, a Animação assume um espaço/papel de que há muito tempo anda arredada, que é a criação de espaços individuais de autonomia, dando sentido à sua “definição base” que é o “dar vida…” e potenciar autonomias nas pessoas a quem se destina, fornecendo identificações, adaptações e estruturas que permitem o reconhecimento e a apropriação individual de cada pessoa, implicando-a com os recursos de que dispõe, no seu processo de vida. Envelhecer com projecto o valor do Sujeito 39 Maria de Lourdes Quaresma lourdes.quaresma@cm-lisboa.pt A OCDE define o envelhecimento activo como "a capacidade das pessoas que avançam em idade terem uma vida produtiva na sociedade e na economia. O que quer dizer que possam determinar a forma como repartem o tempo entre as actividades de aprendizagem, o trabalho, o lazer e os cuidados a outros.” (OCDE, 2002) Projectar o futuro pelo tempo acrescido que nos dá o alongamento da vida adulta constitui um desafio para os indivíduos e para a sociedade: abre janelas para um horizonte de vida que se prolonga, confere sentido para os indivíduos e é detonador do sentido que a sociedade dá a esta oportunidade de viver mais anos. Envelhecimento activo: desafios ao nível da sociedade Uma estratégia de envelhecimento activo consequente é indissociável da promoção da igualdade de oportunidades e da não discriminação pela idade e por género no acesso à qualificação, ao emprego e à formação. As recomendações da 2ª Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento explicitam o princípio da participação na vida social, económica e política, a par do acesso a oportunidades de emprego, com horários e condições de trabalho adequadas, protecção adequada das pessoas idosas mais pobres, no respeito pela sua dignidade e integridade, protecção contra as formas de exploração de que podem ser alvo, assegurando o respeito pelos seus direitos fundamentais. A construção do envelhecimento como experiência positiva, mais consentânea com a conquista da longevidade que marca o século XXI, confere à formação ao longo da vida um papel essencial. As preocupações com a educação e formação das pessoas com mais de 50 anos estão claramente associadas às questões do emprego e do prolongamento da vida activa, embora tenham a maior importância na manutenção de uma actividade profissional, social ou cultural no pós reforma. Ou seja, o envelhecimento activo, como sabemos, tem representado uma estratégia de governação dos sistemas de segurança social, em especial na Europa, de forma a retardar e ou a evitar as saídas precoces do mercado de emprego. A necessidade de adequar a arquitectura dos sistemas de protecção social a um ciclo de vida que se reestrutura e se alonga, exige soluções que combinem o estímulo ao emprego e à melhoria das qualificações sociais com a protecção social e os direitos e condições de trabalho decente 1 . Combinar a oferta de emprego com formação, eliminando as formas de segregação pela idade, como se determina no Tratado de Amesterdão, são condicionantes relevantes da garantia do direito a envelhecer com dignidade e segurança. Assim sendo, será interessante referir alguns dados da informação disponível sobre esta problemática Trabalho recente da Comissão Europeia (2005)2 dá conta da participação das pessoas dos diferentes grupos de idades na formação (%). A média europeia (25 países) é de 50% para o grupo 24-34 anos e 30% para o grupo 55-64 anos, apresentando Portugal percentagens superiores, respectivamente 54% e 33%, embora no que concerne à educação permanente associada à formação no grupo 25-64, as percentagens sejam menos favoráveis para Portugal quando comparadas com a Finlândia, França, Alemanha, Holanda e Inglaterra. As médias destes países estão entre 46% e 50% na formação contínua (1999), não ultrapassando Portugal 17%. Aliás, a participação dos trabalhadores do grupo de idades 55-64 na formação situava-se em 7,4%, no caso português (2002). Da mesma forma, os dados do Terceiro Inquérito às Condições de Trabalho (2000) situam Portugal a grande distância dos países já referidos. Por outro lado, e de acordo com a mesma fonte, Portugal apresenta uma situação bem desfavorável em termos de qualificações acima do secundário nos diferentes grupos de idades (35% no grupo 25-34, 20% no grupo 35-44, 14% no grupo 45-54 e 8% no grupo 55-64, sendo que a média 1. IEFP, Estudos, 37, 2007, Envelhecimento e Perspectivas de Criação de Emprego e Necessidades de Formação para a Qualificação de Recursos Humanos. 2. Ageing and Employment, EC, 2005 dossier O conceito de envelhecimento activo emerge associado a uma nova concepção do envelhecer nas nossas sociedades. Alarga os parâmetros etários com que têm sido trabalhadas as questões do envelhecimento e abrange outros patamares da vida adulta, com especial relevância para o período a montante da reforma. Envelhecer com projecto 40 da OCDE é respectivamente 75%, 69%, 61% e 50%, próximas das médias da maioria dos países europeus). Ou seja, estamos perante o desafio de um esforço acrescido neste domínio, por todas as razões, e também pela necessidade de favorecer o bem envelhecer de todas as gerações. relações horizontais, numa lógica de associação por interesses, afinidades e pertença geracional. Envelhecimento activo: questões do sujeito A segunda ordem de factores enunciados é essencialmente da responsabilidade colectiva. Inseremse, por um lado, no quadro da oferta de oportunidades e, por outro lado, na esfera da protecção social: preventiva, curativa e reparadora. Envelhecer de forma activa constitui uma estratégia de inserção social, vivida como experiência individual assente na possibilidade dos indivíduos poderem optar por manter uma actividade remunerada ou não, mantendo a sua ligação à sociedade em geral e à sua comunidade, em particular. O projecto de uma vida adulta prolongada interpela o indivíduo - quem sou eu, onde estou, para onde vou (Micael Pereira). É exigente: exige esforço, é expressão de liberdade e de autonomia, está associado ao conceito de progresso, tenta controlar o futuro, altera a percepção do tempo e permite encarar a realidade como relacional. Podemos afirmar que ele responde, de alguma forma, à necessidade de controle dos riscos de envelhecimento. Alguns teóricos do PROACTIVE AGEING3 identificaram comportamentos que classificaram como mais favoráveis quer à reconstrução dos laços sociais quer dos papéis e dos estatutos, com efeitos positivos no envelhecimento e na prevenção dos riscos: riscos sociais (isolamento e solidão); riscos ambientais (barreiras, habitação desadequada); riscos de saúde (incapacidades e dependências). Esquematicamente, agrupam-nos em dois grandes grupos que resultam do entrosamento entre o potencial do indivíduo e as oportunidades que o colectivo oferece: • Internos (auto-estima, capacidade de relação com os outros, satisfação pessoal); • Externos (rendimentos, redes de inserção, acesso à dossier tecnologia, acesso aos cuidados de saúde, a serviços de proximidade). Os primeiros estão associados às redes de sociabilidade, intergeracionais e intrageracionais. Umas e outras são da maior relevância na prevenção da solidão e isolamento social. As relações intergeracionais inscrevem-se essencialmente no círculo familiar, mas abrangem hoje outras formas de convivência que podem reforçar o sentido da utilidade social dos mais velhos e o reconhecimento do seu papel na sociedade, como é o caso das actividades de voluntariado. A par destas formas de sociabilidade, e acompanhando escolhas de projecto nesta fase da vida, emergem as Constituem redes de suporte extra familiares, sustentam e viabilizam a participação cívica e cultural, entre as quais as associações de reformados e as academias seniores são expressões relevantes. Globalmente, reforçam claramente a componente preventiva, pondo em evidência a necessidade de investimento na informação e na formação como estratégia de empoderamento dos indivíduos que avançam em idade e fazem a transição trabalho profissional/reforma. Valorizam o papel social, económico e cultural destas pessoas, enfatizam a prevenção/controle dos riscos ao longo do percurso de vida, sem minimizar a protecção dos riscos. Garantir dignidade e segurança no processo de envelhecer revela-se, pois, indissociável da valorização do desenvolvimento das capacidades e das competências sociais dos indivíduos, reconhecimento a que cada pessoa tem direito. Trabalhos de investigação gerontológica (Projecto PAQUID) apresentam resultados consistentes com o que vimos referindo: as pessoas mais escolarizadas estão duas vezes mais representados entre as pessoas autónomas mais velhas. O que nos permite afirmar que os níveis de autonomia e de bem-estar nas idades avançadas estão associados a melhores níveis de escolarização e de participação social. A própria experiência de envelhecimento activo vem pondo em evidência a relevância deste factor, o que certamente constituirá uma exigência acrescida para todos os que no seu quotidiano põem o seu saber e experiência ao serviço dos mais velhos e dos que vão envelhecendo. Cabe aqui salientar que uma estratégia global de envelhecimento activo não pode deixar de integrar situações decorrentes da persistência de desigualdades pessoais e espaciais que afectam sobretudo as gerações mais idosas (elevados índices de pobreza associada a problemas de habitat, a défices de acesso a serviços de proximidade com qualidade, a problemas de saúde e a isolamento). Embora estas situações exijam o reforço da componente reparadora/inclusiva da protecção social da velhice, esta será tão melhor sucedida quanto mais se inserir numa lógica de empoderamento, contrariando práticas assistencialistas. 3. Emerging Lifestyles and Proactive Options for Successful Ageing, Eva Kahana et al, International Ageing, 2003, nº2 Envelhecer com projecto Por outras palavras, seja qual for o contexto em que cada um se encontra ou as dificuldades e défices que o limitam, envelhecer activamente continua a ser uma exigência pessoal e colectiva. Melhorar as competências sociais, valorizar a criatividade, oferecer serviços de qualidade, adequados e em tempo útil, são estratégias de promoção da autonomia a accionar na intervenção em situações de dependência, numa lógica de intervenção centrada no sujeito, o que quer dizer que envelhecimento activo não legitima uma nova dicotomia velhice autónoma/velhice dependente, a qual apenas reforça velhos estereótipos, medos e irracionalidades face ao envelhecimento e à velhice. Em síntese, num contexto sem paralelo na história, em que perspectivas de melhorias significativas da esperança de vida se abrem para biliões de pessoas no planeta, os benefícios previsíveis do envelhecer bem e da constituição do fantástico potencial humano decorrente do aumento substancial do número de adultos mais velhos, é um dado que não pode ser negligenciado. Ao contrário, valorizá-lo como oportunidade constitui um desafio para a decisão política e para a sociedade. As associações de reformados e seniores que por toda a parte se vão constituindo são reveladores deste potencial. Em Portugal o seu desenvolvimento, em especial nos últimos cinco anos, é expressão de uma extraordinária vitalidade, motora em muitos casos de processos de genuína intergeracionalidade. 41 Envelhecer ou a vida a inventar, como propõe Christian Lalive D’Épinay, será o contributo para (re)inventar a sociedade do século XXI, na solidariedade e no conhecimento que procure o que nos pode juntar e unir num projecto comum. Bibliografia Des Réformes pour une Société Vieillissante, OCDE, 2000 Le Droit de Vieillir, Bernadette Puijalon, Jacqueline Trincaz, Ed Fayard, 2000 Emerging Lifestyles and Proactive Options for Successful Ageing, Revista Ageing International, volume 28, 2003, nº2 Envelhecimento e Velhice, Um Guia para a Vida, Beltrina Côrte et all, Vetor Editora, S. Paulo, 2006 Le Réveil de Mathusalem,´l’avenir appartient à ceux qui savent vieillir, Frank Schleiermacher, Ed Robert Lafont,2006 O Sentido das Idades da Vida, interrogar a solidão e a dependência, ML Quaresma, A A Fernandes, Dinah Ferreira, Micael Pereira, Ed CESDET, 2004 A evolução das aspirações e necessidades da população envelhecidanovas perspectivas de actuação e intervenção, Maria de Lourdes Quaresma e Susana Graça, Cadernos Sociedade e Trabalho,VII,2006 Cuidados informais na velhice o apoio familiar Isabel Lage ilage@ese.uminho.pt O envelhecimento demográfico tem vindo a aumentar em Portugal. A realidade portuguesa dá conta que, entre 1960 e 2001 o fenómeno do envelhecimento demográfico se traduziu por um decréscimo de cerca de 36% da população jovem e um incremento de 140% da população idosa. Em 2001, foram recenseados 1702120 indivíduos idosos o que corresponde a 16,4% da população geral, destes 59% são mulheres. A percentagem de famílias com, pelo menos, um idoso é de 32,5% e, dentro destas, 50,5% são idosos a viverem sós e 48,1% correspondem a casais de idosos (INE, 2002). “Ser idoso é uma condição plural dos indivíduos que têm o privilégio de experimentar vidas longas. A condição de ser idoso compreende-se na sequência das histórias de vida e corresponde a padrões diversificados de comportamentos e contextos. As várias formas de envelhecer incluem idosos bem sucedidos e activos, mas também idosos incapazes, com autonomia limitada pela doença e pelo contexto onde vivem” (Paúl, Fonseca, Martín e Amado, 2005, p. 75). Estima-se que existam nove milhões de pessoas idosas muito dependentes, 3% das quais vive na Europa. De entre as pessoas idosas com mais de 65 anos, 3 a 5% dossier Haverá poucas realidades tão universais como o envelhecimento. O envelhecimento das populações, também denominado de transição demográfica, é um fenómeno social actual com consequências sociais e económicas e com repercussões, na saúde e bem-estar individual das pessoas. Cuidados informais na velhice 42 são muito dependentes, 10% com mais de 75 anos são muito dependentes, e 25% são-no parcialmente (Joël, 2001). De acordo com Keennan (2000/2001) cerca de 20% das pessoas com mais de 65 anos têm necessidades funcionais significativas e requerem algum tipo de cuidados. Cresce, assim, a exigência real e potencial de cuidados complexos por longos períodos de tempo e cresce também a possibilidade de que as famílias e, em particular as mulheres, se tornem cuidadores (Matthews, Dunbar, Jacob, Serika e McDowell, 2004). Cuidar faz parte da história, experiência e valores da família, até ao ponto de a função assistencial ser considerada como uma tarefa directamente sua. Cuidar um familiar idoso é, nos dias de hoje, uma exigência cada vez mais normativa que obriga as famílias a definir e redefinir as suas relações, obrigações e capacidades (Lage, 2005). Autores como Wright e Bell (2004) e Ward-Griffin e McKeever (2000), consideram que, na actualidade, as famílias são reconhecidas como o maior contexto para a promoção e manutenção da independência e da saúde dos seus membros e como a principal entidade prestadora de cuidados em situações de dependência dos seus familiares. dossier Tal como refere Leandro (2001), um certo movimento «familialista» parece tomar corpo, uma vez que, perante um arsenal de questões sociais de difícil resolução, se volta, de novo, a fazer apelo à família e às comunidades locais, procurando encontrar aí remédio para um conjunto de problemas sociais não resolvidos, entre os quais os custos de certos encargos com a saúde dos idosos. Na perspectiva de Joel (2002), a crise dos sistemas de saúde e da protecção social no decurso das últimas duas décadas, resultante em boa parte do envelhecimento das populações, deu de novo às famílias a responsabilidade dos cuidados a prestar aos familiares, e fez com que os Estados descobrissem o papel central ocupado pela família nos cuidados aos seus familiares em situação de doença e dependência. Este apelo à solidariedade familiar acabou por desencadear nos países ocidentais o desenvolvimento de algumas medidas políticas tendentes, senão à desinstitucionalização, pelo menos à institucionalização o mais tardia possível, nas melhores condições e só quando considerada necessária. A família surge, então, como um elemento importante de solução. Nos diferentes países europeus, passa a assistir-se a um discurso comum centrado na preservação da autonomia e dignidade da pessoa idosa, no qual a manutenção no domicílio aparece como uma solução a privilegiar a todo o custo. Os cuidados informais aos idosos implicam, pois, em grande medida, a família, na qual se destaca a figura do cuidador principal. O cuidador principal é a pessoa que proporciona a maior parte dos cuidados ao idoso, aquele sobre quem recai a maior parte da responsabilidade e que não é remunerado pelos serviços que presta (Jamuna, 1997). Segundo Ângelo (2000), ao longo do seu ciclo de vida, a família de idosos passa por alguns eventos significativos que compõem uma transição ou acontecimento de vida e que, de algum modo, determinam as relações familiares e o seu potencial de assistência, ou seja, exigem um processo de mudança não só na estrutura como nas funções da família. As transições ou acontecimentos de vida nas famílias que têm idosos ocorrem no momento em que papéis e responsabilidades se começam a transferir entre as gerações, particularmente quando os pais recorrem aos filhos para qualquer tipo de ajuda. A importância das transições para a dinâmica familiar reside não apenas na aprendizagem que daí advém, mas nomeadamente na aceitação de novos papéis, tanto por parte do idoso, como dos restantes membros da família. Este processo é frequentemente vivido como uma crise, não só pelas exigências materiais que determina, mas também pelas transformações na forma de definir todos os elementos presentes na experiência familiar. Para Watson (1998), habitualmente, as mudanças que intervêm na vida das pessoas assumem particular importância porque podem afectar a saúde. As crises de saúde são acontecimentos críticos na vida das famílias, reconhecidos como determinantes em tornar as famílias uma população de risco. As famílias em risco são, por isso, vulneráveis à deterioração física, mental, e também da sua função. Embora o cuidado familiar prestado a idosos dependentes esteja longe de ser uma realidade homogénea e se observe uma variabilidade na forma como cada cuidador responde à sua situação particular (Aneshensel, Pearlin, Mullan, Zarit e Whittlatch, 1995), a investigação revela que os cuidadores familiares podem sofrer de problemas de saúde, problemas sociais e profissionais, que fazem deste grupo de pessoas, pessoas de risco, que Cuidados informais na velhice Estas consequências dão conta da necessidade de centrar na família toda a atenção. A família pode ser considerada como um sistema, uma vez que existe uma interdependência entre os seus membros que a faz funcionar como uma unidade, de maneira que as necessidades ou problemas de saúde de um dos seus membros o afectam não só a ele, mas também à família como grupo. Consequentemente, a atenção a dar à saúde não deve limitar-se à doença que a pessoa tem, mas à pessoa que tem a doença, e à família, uma vez que a doença é um processo colectivo que afecta toda a unidade familiar. Contudo, deve dizer-se, que em termos de saúde, é ainda relativamente escassa a prática profissional que tende a integrar os cuidados ao indivíduo como os cuidados à família (Úbeda Bonet, 1995). Consequentemente, no que concerne à orientação dos serviços sociais e de saúde, estes, devem incorporar a atenção à família como um elemento chave no cuidado à pessoa idosa, tendo em vista a promoção da saúde e a qualidade de vida das famílias cuidadoras. Na perspectiva de Wright e Bell (2004) e Úbeda Bonet (1995), adoptar uma prática profissional centrada na família, implica por um lado o abandono do modelo biomédico e de intervenção unidireccional e, por outro, a adopção de um modelo integral, no qual os problemas individuais são vistos no âmbito do quadro familiar e social que o rodeia e na participação de todas as pessoas implicadas no processo de cuidados. Referências Aneshensel, C. S.; Pearlin, L. I.; Mullan, J.T.; Zarit, S. H.; Whittlatch, C. J. (1995). Profiles in caregiving: the unexpected career. San Diego: Academic Press. 43 Ângelo, M. (2000). O Contexto familiar, In Y. A. Duarte e M. J. Diogo (eds.), Atendimento domiciliar: Um enfoque gerontológico (pp. 27-31). São Paulo: Atheneu. Hanson, S. M. H. (2001). Family assessment and intervention, In S. M. H. Hanson, Family health care nursing: theory, practice and research (pp.171-195). Philadelphia: F. A. Davis Publishers. INE. (2002). O envelhecimento em Portugal. 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Philadelphia: Davis. dossier apresentam uma morbilidade consideravelmente superior à de indivíduos da mesma faixa etária que não estão sujeitos a esse tipo de sobrecarga (Pinquart e Sorensen, 2003). Entre os efeitos negativos para a saúde, associados ao cuidado informal às pessoas idosas, estão o aumento dos níveis de depressão, ansiedade e percepção de fraca saúde, limitações de ordem pessoal impostas pelo cuidado, nomeadamente, restrição da vida pessoal e de lazer, e também a negligência das necessidades mais básicas, as quais ficam subordinadas às do idoso dependente, bem como, conflitos de papeis (Pinquart e Sorensen, 2003; Ory, Lee, Tennstedet e Schulz, 2000). 44 Políticas sociais gerontológicas Inácio Martín 1 jmartin@ua.pt Elvira Lopes 2 elvira.mp.lopes@gmail.com Todos os países enfrentam vários desafios na hora de desenvolver políticas sociais para a terceira idade, mas em Portugal, estes centram-se no financiamento das diferentes medidas políticas e na formação de know-how em termos de políticas sociais gerontológicas. As propostas desde 2005 4) Rendimento Solidário para Idosos (RSI); Os distintos países têm diferentes formas de desenvolver os programas de cuidado das pessoas idosas (Kosberg, 1994). Existem alguns trabalhos de política social comparada neste âmbito dos quais podemos destacar os contributos de Kammerman (1997), Teicher, Thrust, e Vigilance (1986), os de Kosberg (1994), e mas recentemente o trabalho do Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales que serviu de base para a Ley de la Dependencia (Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales - MTAS, 2005). 5) Programa de Conforto Habitacional para pessoas Idosas (PCHI). Em qualquer destes trabalhos, Portugal não estava incluído nas análises comparativas. dossier Sem conhecer especificamente a soma orçamentada para a rubrica da Acção Social destinada a Equipamentos Sociais para Pessoas Idosas por parte da Segurança Social em termos de protocolos para o financiamento da equipamentos mais clássicos (Lares de Idosos - LI, Serviço de Apoio Domiciliário - SAD, Centro de Dia – CDI, etc.) deduz-se que progressivamente possa ser maior, uma vez que a estimativa de despesa com os acordos de cooperação com o Sector Social deverá aumentar 6,8% em 2008 (Ministério das Finanças e da Administração Pública - MFAP, 2008), sendo que na rubrica de Acção Social (para a totalidade da Acção Social) foi orçamentada em 1.549 milhões de euros (MFAP, 2008). Portugal desenvolveu as suas políticas sociais macro para a terceira idade assentes num modelo assistencialista, e operacionalizadas sobretudo com através de protocolorizações com Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSS). Este modelo assistencialista não foi modificado, nem parece surgir alternativas ao mesmo. Não obstante, desde 2005 foram desenvolvidas cinco políticas sociais para a terceira idade, sendo as quais: Estes programas não visam modificar o modelo anterior, apenas o completar complexificando o sistema de cuidados oferecido às pessoas idosas. De seguida serão analisadas globalmente estas medidas políticas para a terceira idade sendo cada uma individualmente avaliada no Quadro 1. Entende-se que as medidas políticas para a terceira idade analisadas são observadas seguindo a perspectiva de representar políticas top-down (centralizadas e promotoras do internamento). Todas as medidas são políticas macro com uma perspectiva top-down. As políticas macro (normalmente desenvolvidas pelos governos centrais) seguem tendo um impacto enorme na vida das pessoas idosas (Walker, 2006). Não obstante, a mais moderna noção de inovação nas políticas sociais para a terceira idade caracteriza-se por programas descentralizados, desenvolvidos no âmbito local mas que têm implicações a nível central (Kraan et al., 1993), referindose claramente a modelos botton-up, sustendo-se a nível meso e micro (Walker, 2006), caracterizados pela sua flexibilidade, por uma maior interligação entre o sistema formal e informal, tornando este último mais forte, e ainda, por uma mudança na forma de entender os papeis das entidades reguladoras como não burocratizadas (Kraan et al., 1993). Acontece que Portugal caracteriza-se pela sua centralização completa no desenho de políticas macro num organismo central nacional que é a Segurança Social. Esta centralização de todas as políticas na Segurança Social torna mais difícil o desenvolvimento de políticas sociais com uma orientação botton-up. 1) Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais (PARES); 2) Rede Nacional de Cuidados Continuados (RNCC); 3) Modelos de Qualidade para Centros de Dia e Serviços de Apoio Domiciliário; 1. Secção Autónoma de Saúde da Universidade de Aveiro, e Unidade de Investigação e Formação em Adultos e Idosos (UnIFai). 2. Licenciada em Sociologia pela de Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Investigadora júnior no Centro de Investigação em Ciências Sociais, Universidade do Minho. Políticas sociais gerontológicas 45 Quadro 1 Novas políticas sociais gerontológicas implementadas em Portugal desde 2005 Programa Modelo Político Limitações Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais (PARES) Financiamento de entidades promotoras de respostas sociais baseando-se em critérios de avaliação que não a tipologia dos utentes ou dos serviços específicos prestados. Não mostra uma política clara de desenvolvimento de serviços sociais comunitários, mantendo preferência por respostas de internamento. Rede Nacional de Cuidados Continuados (RNCC) - Criar um terceiro sistema intermédio entre o sistema social e o sistema de saúde; - Criação de um modelo muito complexo baseado num sistema de integração por coordenação; - Sistema baseado em unidades de pequena dimensão. - Dificuldade na sustentabilidade do modelo de financiamento. Criação de indicadores de processo que descrevem as tarefas da organização. - Não existe uma ligação clara entre Modelo de Normalização promovido pela Segurança Social e o Sistema de Acreditação ISO9001, nem com o sistema de fiscalização de respostas sociais; Modelos de Qualidade para Centros de Dia e Serviços de Apoio Domiciliário - Os indicadores relativos ao Critério C (mínimo considerado pelo modelo) implicam um grau de dificuldade bastante elevado; - Vantagens para as organizações promotoras do sistema pouco claras. - Forte controlo anti-fraude (tendência para existir mais verdadeiros-falsos); - Complementaridade com outras medidas como a atribuição de benefícios em saúde, que se traduzem em apoios financeiros (parciais) na compra de medicamentos, óculos e próteses dentárias renováveis. Programa de Conforto Habitacional para pessoas Idosas (PCHI) Fundo financeiro estatal com gestão autárquica. Processo administrativo denso, principalmente no que se refere aos Rendimentos Anuais do Agregado Fiscal do Filho do(s) Requerentes(s). - Selecção dos candidatos muito difícil (desenvolvida a partir da Rede Social); - Programa que implica um grande investimento financeiro por utente. dossier Rendimento Solidário para Idosos (RSI) Políticas sociais gerontológicas dossier 46 A ANMP (2007) e o MFAP (2008) confirmam como provável um cenário em que a acção social (e igualmente o desenvolvimento de políticas sociais para a terceira idade) possa passar a curto prazo para a responsabilidade do poder local. De facto, actualmente surge esta tendência no Programa de Conforto Habitacional para Pessoas Idosas (PCHI), sendo que de facto, no PCHI o fundo financeiro é estatal correspondente à Segurança Social a sua gestão passará pelas autarquias, com a participação da respectiva Rede Social na escolha dos beneficiários. A descentralização de competências da Segurança Social para o poder locar pode facilitar o desenvolvimento duma maior orientação botton-up das políticas sociais, mas não é inevitável, podendo-se correr o risco duma nova descentralização do poder local, o que seria tão negativo como o cenário actual. Associada a esta orientação top-down na definição das políticas sociais em Portugal, encontra-se preferência pela institucionalização, por conseguinte, a aposta em equipamentos institucionais (como Lares de Idosos e o Programas de Cuidados Continuados de Internamento), em vez de programas comunitários (como o Serviço de Apoio Domiciliário, Centros de Dia e o Programa de Cuidados Continuados Comunitários). Esta perspectiva é errada e contradiz entre outras as recomendações da ONU (2002). O modo como a Rede Nacional de Cuidados Continuados (RNCC) e o Projecto PARES se desenvolvem são um modelo da promoção de respostas de internamento. A RNCC cresceu principalmente em termos de internamento através das Unidades de Convalescença, Unidades de Média Duração e Reabilitação, Unidades de Longa Duração e Manutenção, e por último Unidades de Cuidados Paliativos, e não em programas comunitários como os Cuidados Continuados Domiciliários e os Cuidados Paliativos Domiciliários. Uma dinâmica semelhante acontece no desenvolvimento do Programa PARES que desenvolveu principalmente serviços de Lares de Idosos. As recomendações em termos de políticas sociais para terceira idade propunham normalmente como estratégia o desenvolvimento de respostas que tendem a manter a pessoa idosa no seu domicílio normal (OCDE, 2005), o que as presentes medidas em Portugal não favorecem. Os principais desafios: o financiamento e o aumento do know-how Todos os países enfrentam vários desafios na hora de desenvolver políticas sociais para a terceira idade, mas em Portugal, estes centram-se em dois especificamente: o financiamento das diferentes medidas políticas (1º desafio), assim como a formação de know-how em termos de políticas sociais gerontológicas (2º desafio). A resolução dos problemas de financiamento é um dos entraves das políticas de promoção do cuidado em Europa (Alber e Köhler, 2004). Não obstante, Portugal terá peculiaridades relativamente a este desafio, para além do normal incremento da procura de serviços de cuidado e duma possível falta de capacidade de financiamento pública que acompanhe a procura de serviços de cuidados, e que se relaciona com o facto de existir neste momento dois sistemas completamente diferentes com sistemas de financiamento também diferentes, havendo por um lado, um sector de serviços sociais financiados pela Segurança Social, e por outro a RNCC financiada de forma mista entre os Ministério da Saúde e da Segurança Social. A falta de clarificação entre os dois sistemas pode fazer com que se produza o sub-financiamento de um deles. Num interessante documento da OCDE (1997), problematiza-se acerca de um ponto essencial do desenvolvimento de políticas para a promoção do cuidado, que é a capacidade dos decisores políticos de conseguirem desenvolver melhores medidas políticas para cada país. Parece que todos os países necessitaram de melhorar o seu know-how em termos do desenho, implementação e avaliação de cada uma das medidas, em especial as medidas sociais ligadas à terceira idade. Referências bibliográficas ANMP (2007). Transferência de competências: Acção Social (Documento aprovado no XVII Congresso da ANMP). Ponta Delgada: ANMP. Disponível em Acesso em: 22 Jun. 2008. Alber, J. e Köhler, U. (2004) Health and care in an enlarged Europe. Dublin: European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions. Kammerman, S.B. (1976). Community services for the aged: The view from eight countries, Gerontologist, 16(6), 529-537. Kosberg, J.I. (1994). International handbook on services for the elderly. Westport, CO: Greenwood Press. Ministério das Finanças e da Administração Pública (2008). Orçamento do Estado: Relatório. Lisboa: Ministério das Finanças e da Administração Pública. Disponível em Acesso em: 22 Jun. 2008. 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As estatísticas demográficas demonstram que este fenómeno ocorre à escala mundial, com especial incidência nos países mais desenvolvidos. Actualmente, residem em Portugal cerca de um milhão e oitocentas mil pessoas, com 65 e mais anos. No entanto, é indiscutível que a longevidade da população é um dos maiores triunfos da humanidade mas é, igualmente, um dos maiores desafios que se coloca às sociedades actuais, pois, tem um forte impacto nas diferentes estruturas: familiares, sociais, económicas, culturais, políticas, entre outras. Os países de todo mundo estão confrontados com a necessidade de se adaptarem com rapidez e eficácia às transformações demográficas, inerentes ao envelhecimento da população que ocorrem nas sociedades contemporâneas, garantindo a sustentabilidade dos sistemas de protecção social e a promoção de novas respostas capazes de fazer face aos problemas sociais emergentes. Em 2002, na sequência da II Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento em Madrid, a Organização Mundial de Saúde estipulou como meta para a primeira década do século XXI o Envelhecimento Activo, com o lema “Demos anos à vida, precisamos dar vida aos anos”. Esta abordagem baseia-se no reconhecimento dos direitos humanos das pessoas idosas e nos princípios de independência, participação, dignidade, assistência e auto-realização. Ao reconhecermos que as pessoas idosas são cada vez mais saudáveis e mais instruídas, e que sê-lo-ão ainda mais no futuro, é imperativo o desenvolvimento e dinamização de respostas cada vez mais adequadas às suas exigências e expectativas. Esta visão trás, sobretudo, uma mudança de paradigma, pois, quebra com a intervenção do passado que apenas procurava responder às necessidades. Respostas no contexto português Em Portugal as questões relacionadas com o envelhecimento têm assumido um peso crescente em todas as esferas de acção política. Por ocasião da adopção do Plano de Acção de Madrid sobre o Envelhecimento estava já em desenvolvimento, em Portugal, um conjunto de acções em favor dos idosos que congregava uma articulação interministerial, designadamente ao nível do Plano Nacional para o Emprego (PNE) e do Plano Nacional de Acção para a Inclusão (PNAI), instrumentos de planeamento estratégico. As medidas desenvolvidas no nosso país, na óptica do mainstreaming das questões do envelhecimento, visam, nomeadamente, a participação activa dos mais idosos na sociedade; o acesso e permanência dos idosos no mundo laboral; a criação de um sistema de aprendizagem ao longo da vida e promoção do envelhecimento activo; a adequação das respostas e esquemas de protecção social às mutações demográficas e sociais; a promoção da solidariedade intergeracional; a promoção de uma vida mais autónoma e de maior qualidade; o alargamento da rede de equipamentos e serviços de apoio e integração a comunidades de pertença. A inclusão do envelhecimento em diversos programas de acção e medidas, aplicadas de forma coordenada e consistente, tem-se traduzido no aumento das situações e dos riscos cobertos, dos níveis de protecção conferidos, bem como nas alterações nos critérios de elegibilidade, permitindo que um número maior de pessoas aceda às prestações, aos serviços e aos equipamentos sociais. Assiste-se, assim, a um crescimento gradual das despesas com a protecção social aos idosos, bem como a um crescente envolvimento por parte dos diferentes organismos da Administração Pública, dos parceiros sociais e das instituições particulares de solidariedade social. Programas e Medidas de maior impacto Com o intuito de proporcionar aos idosos um envelhecimento com saúde e bem-estar e garantir o dossier O crescente envelhecimento da população resulta em boa parte do aumento da esperança média de vida e dos assinaláveis progressos registados pelos indicadores gerais de saúde nas últimas décadas, confirmando a evolução positiva das condições de vida em Portugal. As projecções conhecidas relativamente à evolução da população em Portugal nas próximas décadas apontam para uma duplicação do peso da população com idade superior a 65 anos, realidade que será acompanhada de uma evolução significativa no número de anos de vida esperados ao atingir os 65 anos. Em 2050 estima-se que a população total residente do país seja de aproximadamente 9,3 milhões de habitantes, sendo que apenas 55,1% estarão em idade potencialmente activa. Na mesma data calcula-se que por cada pensionista activo não chegarão a existir dois adultos em idade activa (mais concretamente 1,73). Respostas sociais para pessoas idosas 48 apoio à dependência o Programa do XVII Governo para 2005-2009, propôs-se, nomeadamente, a: • Lançar e concretizar a Rede de Cuidados Continuados Integrados; • Generalizar o Apoio Domiciliário Integrado, instrumento central de promoção da autonomia e de prevenção da institucionalização; • Lançar o Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais (PARES) e o Programa de Apoio ao Investimento em Equipamentos Sociais (PAIES); • Lançar um Programa de qualificação habitacional nos espaços rurais; • Implementar o Complemento Solidário para Idosos; • Promover a Estratégia Nacional para o Envelhecimento Activo. O acesso da população idosa aos cuidados necessários de saúde e de acção social nem sempre tem sido garantido, principalmente quando ao envelhecimento se associa a perda de autonomia. No entanto, algumas medidas têm contribuído positivamente para a garantia desse acesso, entre as quais se destaca a criação da Rede Nacional de Cuidados Continuados. A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (Decreto-Lei n.º 101/2006) tem por objectivo a prestação de cuidados continuados integrados a pessoas que, independentemente da idade, se encontrem em situação de dependência. Muito embora o modelo criado não se destine especificamente a pessoas idosas, é sabido que a idade é um factor potenciador de situações associadas a complicações de saúde que poderão remeter para a protecção das situações de dependência. dossier Com o objectivo de melhorar a participação social, económica, política e cultural dos idosos, Portugal tem reforçado o investimento em equipamentos sociais facilitadores da integração. Neste sentido, foi criado o Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais (PARES). Com este Programa procura-se estimular, através de recursos financeiros exclusivamente provenientes dos resultados líquidos dos jogos sociais, o investimento privado em equipamentos sociais, com a finalidade aumentar, desenvolver e consolidar a capacidade instalada em respostas sociais. Com o PARES serão criadas 15.000 novos postos de trabalho e 45.700 vagas em equipamentos, o que corresponde a um aumento de 10% das respostas sociais e destas, 17.570 serão vagas em equipamentos para as pessoas idosas. Ao PARES acresce o Programa de Apoio ao Investimento em Equipamentos Sociais (PAIES) que enfatiza o apoio à iniciativa privada lucrativa, concedendo incentivos ao investimento, apoiando as entidades promotoras e permitindo condições mais favoráveis de recurso ao crédito. A pobreza dos idosos em Portugal revelava-se um problema grave e em certa medida pouco conhecido. A questão é que, frequentemente, a pobreza monetária dos idosos está associada a outros problemas como deficientes condições de habitação, dificuldades de mobilidade e elevados gastos com problemas de saúde que agravam a já difícil situação de 28% de idosos em risco de pobreza. O combate à pobreza entre a população idosa traduziuse principalmente na criação do Complemento Solidário para Idosos, instituído pelo Decreto-Lei n.º 323/2005, de 29 de Dezembro, com vista a assegurar aos idosos um rendimento não inferior a 400 euros por referência a 12 meses. O montante desta prestação corresponde à diferença entre o valor dos recursos do requerente e o valor de referência do complemento – € 4.800 por ano para pessoa isolada e € 8.400 por ano tratando-se de casal. Os beneficiários deste complemento têm benefícios adicionais referentes às despesas de saúde, nomeadamente através da comparticipação do Estado em 50% das despesas com medicamento (da parcela do preço não comparticipada), na aquisição de óculos e lentes e ainda em próteses dentárias removíveis. Outra medida importante e, de algum modo, complementares ao CSI são o Programa Conforto Habitacional para Pessoas Idosas, lançado com o objectivo de prevenir a dependência e a institucionalização dos cidadãos mais idosos. Por fim, é importante referir a importância da estratégia para o envelhecimento activo, que consta do Plano Nacional de Emprego 2005-2008 e que tem dois eixos fundamentais: • Estimular os trabalhadores a permanecerem mais tempo no mercado de trabalho e desincentivar a saída precoce do mercado de trabalho; • Relançar a inserção dos cidadãos mais velhos em actividades de interesse social, nomeadamente Programas Ocupacionais e o novo Programa Voluntariado Sénior. Referimos apenas algumas das medidas mais emblemáticas do esforço que tem sido feito para melhorar os índices de protecção social da população idosa. Apesar dos avanços que se têm verificado nos últimos anos, é necessário um olhar permanente para a realidade em que vivem as pessoas idosas, pois, só assim se consegue continuar a melhorar a sua qualidade de vida. O modelo de intervenção, mais centrado nas exigências e expectativas, tem de ser dinâmico e integrado, adaptando-se cada vez mais a essa realidade. Políticas Sociais que respondam às necessidades dos idosos Maciej Kucharczyk AGE1 Social Inclusion Policy Officer 49 Apesar das pessoas com mais de 50 anos representarem uma larga e diversificada faixa da população da União Europeia, com um importante contributo económico e social para a sociedade, encontram-se entre os grupos mais vulneráveis e enfrentam, frequentemente, a discriminação com base na idade, combinada, muitas vezes, com outras formas de discriminação tais como o género, a raça, a deficiência ou a orientação sexual. Do ponto de vista demográfico, estima-se que a proporção da população com mais de 65 anos passe dos actuais 17%, para cerca de 28% em 2050. Estimase ainda que a população com mais de 80 anos, que actualmente representa 4% da população, atinja os 10% em 2050. Estes dados significam que se a percentagem da população mais idosa que enfrenta situações de pobreza e de exclusão social se mantém, os números de pessoas em risco de pobreza aumentarão. Apesar destes dados e projecções – que revelam que as pessoas idosas se encontram entre os grupos mais discriminados e mais excluídos da população – os idosos nem sempre se encontram no topo das prioridades das políticas sociais. Olhando para as causas específicas da pobreza nos idosos, não se pode ignorar que a combinação de vários factores tais como: o baixo rendimento, saúde débil, discriminação com base na idade, incapacidade física ou mental, isolamento, abuso e acesso limitado aos serviços, contribuem ainda mais para o aumento do risco de pobreza e exclusão social deste grupo. Por todas estas razões, é necessária uma abordagem estruturada, integrada e focalizada para combater o risco de pobreza e de exclusão social entre os mais velhos, tanto a nível nacional como da UE. Os governos europeus que se encontram numa estado menos avançado, a este nível, devem fazer face a este desafio, uma vez que tende a tornar-se cada vez mais difícil encontrar soluções eficazes para o enfrentar. Esta abordagem integrada é proposta no contexto da União Europeia no processo conhecido como o Método Aberto da Coordenação aplicado à protecção social e à inclusão social que tem como objectivo coordenar e incentivar os Estados-membros a combater a pobreza e a exclusão social, e reformar os seus sistemas de protecção social. Este trabalho é feito com base nos intercâmbios de boas práticas e na aprendizagem mútua no âmbito da chamada Agenda de Lisboa, uma estratégia transversal que pretende conciliar um crescimento económico sustentado, mais e melhores empregos, e maior coesão social na Europa, até 2010. Entretanto, no domínio da inclusão social, a acção da UE não refere directamente a população mais idosa como um grupo alvo, mas propõe diversas soluções e medidas transversais entre os seus desafios chave: • quebrar o círculo de transmissão da pobreza intergeracional (especialmente entre as crianças); • promover mercados de trabalho inclusivos; • garantir habitação condigna para todos; • combater a discriminação e promover a integração das pessoas com deficiência, minorias étnicas e imigrantes; • combater a exclusão financeira e o sobre-endividamento. Consequentemente, ao procurar soluções que respondam às necessidades e expectativas dos mais idosos, a AGE apela à UE e aos responsáveis políticos nacionais para considerar não apenas a questão do 1. A Plataforma Europeia das Pessoas Idosas é uma rede europeia de organizações de pessoas com mais de 50 anos, reunindo 150 organizações de toda a UE e representando mais de 22 milhões de idosos através dos seus associados. A AGE procura dar voz e promover os interesses de 140 milhões de habitantes com idade igual ou superior a 50 anos e aumentar o reconhecimento e conhecimento das oportunidades e desafios que surgem com o envelhecimento da nossa sociedade de forma a construirmos uma Europa para todas a idades. dossier A importância para combater a pobreza entre os mais idosos, na Europa, pode ser comprovada não só pelas estatísticas bem como pelas projecções relativamente ao envelhecimento da sociedade. O anexo estatístico do Relatório Conjunto sobre Protecção Social e Inclusão Social da UE (2007) revela que a população total da União Europeia (25 Estados-membros) tem uma taxa de risco de pobreza de 16%, por comparação com uma taxa de 19% para as crianças entre os 0-17 anos e os idosos com mais de 65 anos. Estes dois grupos detêm a taxa mais elevada relativamente a outros grupos desfavorecidos. É interessante verificar que, de acordo com os mesmos dados, os idosos eram o grupo mais exposto à pobreza em 12 dos 25 países da UE. De notar ainda que esta média pode encobrir diferenças muito maiores entre a situação das pessoas idosas e a restante população. Por exemplo, a taxa de risco de pobreza das mulheres como mais de 65 anos, em Espanha, era de 32%, comparada com 17% nas mulheres entre os 18-64 anos ou mesmo de 15% para os homens entre os 18-64 anos. Políticas Sociais 50 rendimento e/ou das dificuldades relacionados com o mercado de trabalho que este grupo enfrenta, mas que aborde igualmente o risco de exclusão social em geral, que inclui todas as questões, tais como: o isolamento social, a falta da participação cívica, as barreiras no acesso aos serviços sociais e de saúde básicos e a actividades culturais, as desigualdades do género, os fracos apoios ao nível da comunidade e vizinhança, etc.. No âmbito de um projecto de intercâmbio transnacional, AGE/inc 2005-2007, a representação da AGE na República Checa, França, Alemanha, Grécia, Irlanda, Lituânia e Reino Unido mobilizaram os seus membros para se envolverem no processo de consulta precedente aos planos nacionais de acção na inclusão social 2006-2008. Organizaram reuniões participativas, a nível local, com os idosos que viviam em situação de pobreza e que se traduzia no envolvimento das pessoas mais idosas e mais vulneráveis da comunidade. O objectivo destas reuniões era dar voz aos idosos, vítimas da pobreza e exclusão social, no sentido de identificar as suas necessidades em termos de inclusão social. Reflectindo diferentes contextos sociais, económicos e culturais, a voz das pessoas idosas não pode reivindicar a cientificidade, mas pode reforçar a investigação académica, apresentando as realidades complexas que enfrentam no seu quotidiano. As necessidades e aspirações identificadas pelos mais idosos em sete países europeus reflectem preocupações muito idênticas em outros Estadosmembros. Assim, a selecção das questões, que se apresentam em seguida, ilustra algumas das mais urgentes e reais necessidades que as pessoas idosas que vivem em situação de pobreza e de exclusão social pedem para serem abordadas pelos responsáveis políticos nacionais e europeus. dossier Transportes – República Checa O que é necessário? Os transportes gratuitos devem ser extensivos a todos os pensionistas, assim como a nível geográfico de forma a permitir a mobilidade das pessoas. Medidas específicas destinadas aos transportes nas áreas rurais poderão ter um efeito muito positivo na inclusão dos idosos que vivem em comunidades mais isoladas. Os Fundos Estruturais poderiam ser utilizados, especialmente nos novos Estados-membros, para melhorarem as infra-estruturas ao nível dos transportes. Os horários e informação sobre ligações deveriam ser mais claras e acessíveis. A infra-estrutura global necessita de responder às necessidades dos idosos, nomeadamente veículos mais acessíveis, pavimentos em bom estado, etc.. Maior acessibilidade não é apenas uma preocupação dos idosos mas uma questão que diz respeito à sociedade em geral. Cada um de nós deveria apelar para todos tivessem acesso aos meios de transporte. Serviços de Saúde – França O que é necessário? O acesso universal à assistência na doença deveria ter por base os recursos dos indivíduos e não o seu estatuto financeiro. Um bom relacionamento social pode ajudar as pessoas a manterem-se saudáveis. A prevenção e os serviços de intervenção precoce são vitais para garantir a saúde e o bem-estar das pessoas. Educação sobre como viver e envelhecer saudavelmente. O voluntariado é necessário para apoiar o trabalho dos profissionais. Devemos ter em consideração aqueles que têm dependentes a seu cargo (ex. casais e crianças onde uma pessoa está sozinha a cuidar de um familiar). O apoio financeiro deveria ser disponibilizado para pessoas que têm dependentes a seu cargo, mas deve ser reconhecido que estas pessoas não podem fazer tudo sozinhas e que o apoio financeiro, embora importante não é suficiente. O tempo das pessoas que cuidam de dependentes deve ser tido em consideração pois deve ser dada mais atenção à qualidade do serviço que prestam e não à quantidade. Medidas, serviços e tratamento devem ser personalizados. Activação profissional de pessoas com 50+ Alemanha O que é necessário? Pensões à medida para responderem a situações especificas das pessoas como mais de 50 anos. Isto é, devem ser tidos em conta, no cálculo das pensões, os períodos de desemprego, devem promover-se benefícios fiscais de poupanças de reforma. Desenvolver conceitos inovadores para lidar com a actividade profissional dos trabalhadores mais velhos tal como a promoção de actividades de voluntariado em vez de forçar estes trabalhadores a aceitarem emprego sem perspectivas reais a médio e a longo prazo de uma pensão ou rendimento decente; apoiar medidas alternativas de emprego. Dedicar uma atenção especial às diferenças estruturais e aos níveis de desenvolvimento do mercado de trabalho. Políticas Sociais • A resolução de problemas do desemprego massivo • Aumentar o nível de infra-estruturas para cuidados e do aumento e dimensão do risco de pobreza entre as pessoas 50+ anos na Alemanha de Leste exige uma combinação abrangente e a longo prazo de medidas ao nível do emprego, prestações sociais, saúde, participação cívica, etc. temporários assim como o número de camas disponíveis em determinadas áreas. • A informação sobre o acesso aos serviços sociais deve estar disponível em diferentes línguas para que os imigrantes mais velhos e os membros de minorias étnicas possam ter acesso a estes serviços. • Os profissionais têm que avaliar quando estão perante casos onde é necessário um cuidado especial e uma sensibilidade relativamente às especificidades culturais, como é o caso das mulheres muçulmanas idosas. • É necessário um co-financiamento estrutural a longo prazo (para além do financiamento de base do projecto) para desenvolver um trabalho contínuo sobre questões de envelhecimento e minorias étnicas. • Incluir nas organizações para pessoas idosas serviços para trabalhar com imigrantes. • Melhores recursos e remuneração para os que tomam conta dos doentes, especialmente os que prestam este serviço ao domicílio. • Garantir que as pessoas (menos do que 5%) que necessitam de cuidados continuados por um período de 2 anos ou menos, os recebem enquanto tal e quando os necessitam. • Fazer com que seja um direito das pessoas idosas receberem os cuidados de que necessitam uma vez que se tornam mais debilitados e mais necessitados à medida que a idade avança. Habitação e Aquecimento – A experiência da Lituânia O que é necessário? • As questões não se limitam ao aquecimento no Inverno uma vez que também há problemas com o calor no Verão. • Aumentar as medidas de segurança, especialmente nas áreas mais isoladas. • Sensibilizar as pessoas que se encontram entre os 40 e 50 anos sobre quais serão as suas necessidades futuras de forma a melhor prepararem a velhice. • Habitação condigna, a preços razoáveis e de tamanho • Incluir sessões de informação sobre como trabalhar reduzido de forma a melhor satisfazer as necessidades de habitação dos idosos. com imigrantes mais velhos nos currículos globais de formação. • É necessário aumentar os serviços de apoio domi- • Ter em consideração a questão do estatuto económico em complementaridade com a idade, género, etnicidade, quando se analisa a situação de imigrantes mais velhos ou membros de minorias étnicas. • Ter em atenção as barreiras culturais e linguísticas à participação. Cuidados continuados de saúde para os mais idosos e vulneráveis – Irlanda O que é necessário? • A criação de um cartão de saúde para todos com idades entre os 65-69 anos de forma a promover o acesso à saúde e a cuidados médicos no período critico dos 5 anos que antecede os 70. • Documentação que reúna claramente os direitos e os benefícios existentes para as pessoas mais velhas ao nível dos serviços de saúde e dos cuidados continuados. • A existência de locais suficientes que ofereçam cuidados continuados de forma a satisfazer as necessidades das pessoas idosas na sua área de residência. ciliário para que aqueles que desejem ficar nas suas casas o possam fazer por um período o mais longo possível. • Envolver as pessoas idosas no planeamento comunitário para assegurar que as áreas envolventes continuam a ser acessíveis para os idosos. • Devem ser canalizados mais fundos para o desenvolvimento regional, especialmente ao nível da habitação em áreas rurais. Rendimento – A experiência do Reino Unido O que é necessário? • Garantir uma pensão básica compensadora para todos. Todos aqueles que se encontram numa situação mais vulnerável deveriam ter acesso automático a uma boa pensão de forma a ajudar as pessoas idosas com mais dificuldades a manterem a sua dignidade de respeito. • Explicar às pessoas que devem reivindicar os seus direitos junto dos sistemas de segurança social. • Avaliar a adequação do rendimento com base no que as pessoas necessitam – incluindo serviços de dossier Raça e etnia – Grécia O que é necessário? • O PNAI deve contemplar medidas de integração para imigrantes com mais de 60 anos, como acontece com a população mais jovem. 51 Políticas Sociais 52 saúde, aquecimento, transportes – uma vez que a pobreza não pode apenas ser medida em termos monetários. • Os períodos de licença para tomar conta de dependentes devem ser contabilizados – crianças ou familiares idosos - no cálculo das reformas. • Informação clara e abrangente sobre os seus direitos das pessoas idosos. Quando os responsáveis políticos tiverem que oferecer oportunidades de formação e de empowerment para as pessoas mais idosas, a abordagem participativa na avaliação das suas necessidades deve tornar-se um elemento fundamental na formulação das políticas, a todos os níveis. A AGE acredita veemente que o envolvimento directo das pessoas idosas, que vivem em situação de pobreza e de exclusão social, na definição das políticas permitirá que as suas vidas e realidades pessoais sirvam de base ao desenvolvimento e desenho das políticas de inclusão social que lhes são dirigidas. Envelhecimento activo em Farminhão Mónica Marques (1) e Vera Silva (2) associacao.dt@sapo.pt O envelhecimento é um processo activo e permanente a que todos estamos sujeitos e que vem sofrendo alterações ao longo dos tempos, devido à modernização, a novas tecnologias, evolução da medicina e da esperança de vida, novas experiências, contactos, saberes e diferentes perspectivas de ver a vida. dossier A velhice é um momento de olhar para trás e tirar conclusões do passado, de aceitar a inevitabilidade das provações, das dificuldades e de transmitir aos jovens o saber e a experiência dos Homens. É a oportunidade de deitar contas à vida, como sujeito activo, agente válido do imediato, que pensa e quer continuar a intervir na construção de uma sociedade melhor, combatendo a insolidariedade e o desrespeito. É também neste contexto que surge a Associação de Solidariedade Social Recreativa e Desportiva da Freguesia de Farminhão que é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, que se dedica ao apoio: a crianças, jovens, família, à integração social, aos cidadãos na velhice invalidez e em situação de falta ou diminuição de meios de subsistência ou capacidade para o trabalho, promoção e protecção da saúde, nomeadamente através de prestação de cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação, educação e formação profissional dos cidadãos e resolução de problemas habitacionais das populações e à promoção cultural, recreativa e desportiva dos seus Associados, da população local e limítrofes. Como instituição inovadora e dinamizadora, apoia e incentiva a componente cultural, pelo que dispõe de uma Escola de Música, um Grupo de Cantares “Flamiam” e uma Escola de Rendas de Bilros (arte antiga existente na Freguesia de Farminhão). Relativamente às valências existentes na área da infância, dispõe de Berçário, destinado a 8 crianças dos 4 aos 12 meses, sala de Creche para 12 crianças de 1 aos 2 anos, sala de Creche para 16 crianças dos 2 aos 3 anos, Jardim de Infância com 22 crianças dos 3 aos 6 anos, fazendo também o prolongamento do Jardim de Infância Público a 19 crianças e as A.T.L a 51 crianças em idade escolar. Relativamente às valências existentes na área da 1. 2. Técnica Superior de Educação Social Animadora Sócio Cultural Envelhecimento activo em Farminhão O facto desta instituição enquadrar respostas sociais na área da infância/ juventude e na área da terceira idade, permite levar a cabo inúmeras actividades conjuntas e trocas intergeracionais que são sempre uma mais valia para quem delas usufrui e uma forma de motivar e dar continuidade a partilhas activas de saberes, experiências e o reviver do passado em que os avós eram “agentes de sabedoria” respeitados e ouvidos pelos mais pequenos, “os netos”. Ao longo dos tempos, e com vista a proporcionar aos utentes desta instituição uma resposta com mais qualidade, dinamismo e conhecimentos diferenciados a Direcção tem vindo a apostar num quadro de pessoal técnico pelo que conta com Técnica Superior de Educação Social, Animadora Sociocultural, Nutricionista, Psicóloga, Professor de Educação Física, Médico, Enfermeiro, colaborador com formação na área musical, para além de todo o quadro de pessoal essencial para garantir o apoio e bem estar dos utentes e de quem a ela recorre. Os idosos, utentes das várias valências provêm maioritariamente de meio rural em que o seu meio de subsistência era a agricultura, tendo ainda a mentalidade de que o recurso às várias respostas sociais é um ultimo meio, pelo que nos leva a ter muitas pessoas com limitações e dependências físicas e psíquicas, o que muitas das vezes condiciona o acompanhamento, e a diversidade de actividades a desenvolver, uma vez que têm que ser adaptadas aos seus gostos, vivências, interesses, necessidades, capacidades e limitações. No entanto, temos por objectivo evoluir, dinamizar, apoiar e ajudar a crescer. Assim, em conjunto tentamos desenvolver um projecto de actividades diversificadas, cujo tema, este ano é a Natureza, atendendo à proveniência e experiência de vida do público-alvo a que se destinam e abertas ao exterior, pelo que estabelecemos parcerias com outras instituições similares com vista a promover o contacto e reencontro entre idosos e abrir a Associação de Farminhão a outras instituições, permitindo uma troca de saberes e um crescimento conjunto. É de realçar a motivação e gosto dos idosos em participarem nas actividades de educação física, reabilitação e motricidade humana e a alegria ao verificarem que a melhoria e a recuperação de algumas capacidades e competências físicas é possível e uma mais valia para a sua autonomia. 53 Não podemos também esquecer que quando a lavoura era a sua vida a música e a cantoria eram uma constante, pelo que a animação musical contribui para uma maior acalmia, para o reviver e relembrar de tempos idos, bem como para desenvolver capacidades cognitivas por vezes “adormecidas”. Na rotina diária institucional tentamos motivar os idosos a terem um papel activo e participativo, colaborando em pequenas tarefas, auxiliando o outro quando possível, decorando e tratando de parte do jardim exterior, emitindo a sua opinião, auxiliando no crescimento e dinamização desta que é a “casa” de todos. Também a família não é descurada, pelo que se tenta estabelecer uma relação de proximidade, apoio e interajuda, com vista a uma maior estabilidade do idoso que ao se sentir apoiado pela família de origem e por esta “nova família” da qual todos fazemos parte, terá uma maior integração, envolvimento e aceitação da nova condição de vida em que ele próprio é o principal objectivo. Tendo consciência das necessidades e do grande número de idosos existentes na Freguesias de Farminhão e limítrofes, é intenção desta instituição vir a alargar futuramente as suas infra estruturas, dando origem a um Lar Residencial com vista a acolher aqueles que dentro em breve serão os “novos idosos” com uma experiência de vida e contactos mais urbanizados, viajados, com vivências e graus de habilitação académica que lhes conferem um maior rigor e maiores expectativas nas respostas sociais a esperar para a sua velhice. Esta pretensão de desenvolvimento seria facilitada caso se verifica-se a revisão dos acordos de cooperação e consciencialização por parte das entidades competentes da necessidade do alargamento das respostas sociais na área da Terceira Idade. A velhice é só mais uma fase da vida com muito para dar e receber, em que se pode ser criativo, activo e interventivo é o que esperamos com a nossa modesta acção, que faz com que dia após dia “esta pequena família” se vá tornando cada vez maior. Consideramos que uma pessoa, já com idade avançada pode despertar para a realização criadora invulgar e ainda nos pode dar, não a noção de algum problema motivado pela idade, mas a alegria do gosto pela vida e pela humanidade, devendo para tal ter consciência que pode contar com o nosso apoio, acompanhamento e com uma palavra amiga. dossier terceira idade dispõe de Lar de Idosos com 48 utentes (25 dos quais dependentes), Centro de Dia com 20 utentes e Apoio Domiciliário realizado a 65 idosos. 54 O equilíbrio psíquico do idoso e a dinâmica Oscar Ribeiro1 oribeiro@ua.pt Envelhecer é, em si mesmo, um processo natural e um homem de 65 ou 75 anos, desde que não queira ser mais jovem, será tão saudável como um de 30 ou 50. Infelizmente nem sempre estamos de bem com a nossa idade, no nosso íntimo é frequente andarmos adiantados, mas mais frequente ainda é sermos apanhados e ultrapassados – a consciência e a disposição íntima estão menos amadurecidas do que o próprio corpo, reagem contra as suas manifestações naturais, exigem dele algo que este já não consegue cumprir. dossier Herman Hesse in Elogio da Velhice Entender o processo de envelhecimento é compreender de forma abrangente os aspectos individuais e colectivos da vida, estar a par da sua heterogeneidade e dos compassos assíncronos que o podem caracterizar. Herman Hesse, prémio Nobel da literatura em 1946 e um dos maiores escritores do século passado, numa das obras na qual se dedica a um dos seus últimos desafios enquanto escritor, a aceitação espirituosa da velhice e a proximidade da morte, traça de modo singular a interacção, muitas vezes desconcertada, dos diferentes ritmos de envelhecer, do possível desequilíbrio psíquico que deles pode emanar e dos respectivos esforços de adaptação necessários para uma sua interacção compensatória. Numa sucessão de textos intimistas e reflexivos, Hesse expõe a importância de se reconhecer a percepção das alterações como poderosos determinantes da acção individual, a centralidade da sabedoria para o balanço, tão harmonioso quanto possível, das forças que falham com as que ainda permitem o desenvolvimento, e a necessidade de aceitar, com naturalidade, as várias transformações que ocorrem com o inexorável passar do tempo. Enveredar por processos de adaptação capazes de promover reflexões maturadas de si mesmo e das reais alterações ocorridas não se vislumbra, porém, um procedimento fácil. Não se trata apenas de reconhecer que se tem um corpo que insiste em “envelhecer depressa demais” ou saber-se detentor de uma mente que, mantendo-se desperta, deve ponderar as inconsequências de um “espírito jovem”; é sobretudo reconhecer e actuar sobre o acervo de acontecimentos que assolam o quotidiano e que afectam inevitavelmente a dinâmica e a estabilidade psicológica. À medida que envelhecemos, a arquitectura afectiva complexifica-se. Os sucessivos desafios com os quais nos deparamos diariamente, e consubstanciados pelos receios de incapacidade e dependência da família ou pela contiguidade da morte traduzem-se, não raras vezes, em angústias existenciais e sentimentos de vulnerabilidade emocional e social. Seja pelo desaparecimento da função produtiva que se vê marcada por uma perda de sentido e utilidade e diminuição de possibilidades económicas; pela viuvez que arrasta consigo o desaparecimento do papel social de cônjuge; ou pelas consequências de um processo de institucionalização e respectivas demandas adaptativas, a verdade é que face a estes possíveis cenários é frequente a entrega do idoso a atitudes depressivas de passividade, de desânimo e de recusa do exterior. Atitudes que se vêm marcadas, inclusive, por fenómenos hipocondríacos pautados por preocupações exageradas com o corpo ou pelo receio permanente de estar doente e que remetem para um lugar de destaque a centralidade do binómio corposaúde na estrutura identitária do idoso, já que é naquele que se avalia a extensão do que é possível fazer no dia-a-dia e a respectivo grau de autonomia, e se revelam poderosos dispositivos de regulação quotidiana tantas vezes cadenciados pela toma da medicação e/ou por contactos com o farmacêutico ou com o médico de família. Este tipo de reactividade às perdas e/ou alterações presentes na velhice, sendo muitas vezes marcada pela presença de sintomas psicológicos de tristeza clínica, pelo agravamento das relações sociais, e por uma possível degradação do estado de saúde (ou a antecipação ansiosa de diminuição física ou mental), configuram processos que tendem a instaurar um reforço, directo e indirecto, do declínio geral do funcionamento cognitivo e físico do idoso bem como da fragilidade emocional em que muitas vezes se encontra. A entrega à doença e à melancolia, a alienação do presente, a submersão num estado de desolação e resignação conformista, ou mesmo a negação da velhice são cenários frequentes; no entanto, na perspectivação do indivíduo que envelhece, a imposição de uma visão redutora e miserabilista da condição de velho e a circunscrição dos respectivos 1. Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro O equilíbrio psíquico do idoso Perspectivar o processo de envelhecimento como um processo de desenvolvimento requer o reconhecimento da capacidade contínua de aprendizagem e de plasticidade, bem como da competência para enfrentar de modo optimizado as demandas do quotidiano. Presentemente, sabe-se que, além das atitudes realistas sobre as alterações físicas e psíquicas e de dimensões incontornáveis como o estado de saúde (real e percebido) e a estabilidade económica, são vários os factores que favorecem o bem-estar e a satisfação na velhice, como sejam a preservação da autonomia, pelo menos ao nível psicológico e social (traduzíveis na noção de controlo e participação, respectivamente), o envolvimento continuado na vida da comunidade e em actividades gratificantes, a aceitação por parte do grupo social, a promoção e manutenção de planos de futuro, a existência de objectivos de vida e a liberdade individual. Todos estes, no seu conjunto, configuram um modelo psicológico de velhice bem-sucedida que, não ignorando os antecedentes pessoais e sociais de cada indivíduo, salientam um envolvimento efectivo e afectivo com a realidade, a manutenção de projectos e de objectivos, ainda que o corpo não facilite o cumprimento desses desejos e a sociedade imponha algumas limitações de execução. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, um dos pilares do envelhecimento activo, enquanto processo de optimização das oportunidades de saúde, participação e segurança com vista a melhorar a qualidade de vida das pessoas à medida que envelhecem, são os factores relacionados com aspectos pessoais, onde se incluem, precisamente, os psicológicos. Da capacidade de resolver problemas e de se adaptar a mudanças e perdas (inteligência e capacidade cognitiva), às escolhas pessoais de comportamentos ajustados e à preparação da reforma, os indícios de envelhecimento activo e longevidade contemplam uma articulação estreita entre perdas e ganhos. As primeiras, potencialmente compensadas pela sabedoria, pela acumulação progressiva de conhecimentos e experiências, poderão ser trabalhadas à luz de programas psicossociais capazes de potenciar, entre outros aspectos, o desenvolvimento de crenças de auto-eficácia, o encorajamento de controlo, a promoção de comportamentos pro-sociais, a estimulação de capacidades cognitivas ao longo do ciclo de vida e, sobretudo, o reconhecimento e capitalização das experiências individuais e as potencialidades dos mais velhos, ajudando-os a melhorar a sua qualidade de vida e a sua satisfação. Recriar competências, reconstruir significados em ligação com o tempo presente e validar objectos de afecto, impõem-se, neste contexto, como premissas de actuação para quem se dispõe a trabalhar com os idosos e a promover o seu bem-estar psicológico. 55 Homens e mulheres apresentam algumas diferenças em relação às suas adaptações ao envelhecimento, mas regra geral fazem-no de forma ajustada, não diferindo muito da população mais jovem no que se refere à capacidade de resolver problemas. Serão assolados, sim, por declínios desenvolvimentais mais acentuados, característicos da última etapa da vida, que exigem um confronto diário com a diminuição das capacidades e com o aumento da probabilidade de acontecimentos não normativos como o aparecimento de doenças. A articulação com o fracasso, sendo inerente à aquisição de declínio das competências individuais, pode efectivamente resultar em mecanismos de desequilíbrio psíquico, mas este pode (e é-o muito frequentemente) pautado por manifestações do potencial individual para motivar processos compensatórios que assegurem a continuação de um desenvolvimento possível. Remetendo-nos, de novo, às palavras de Herman Hesse, envelhecer possui, tal como qualquer dos estádios da vida, os seus próprios valores, o seu próprio encanto, a sua própria sabedoria. Esta, traduzível num conhecimento factual da pragmática da vida, impõese como uma das grandes vantagens de envelhecer e como um elemento central para enfrentar qualquer desafio, logo que devidamente balizado pelas restrições e potencialidades de um corpo envelhecido, de uma mente desejavelmente ciente disso, e de uma sociedade capaz de reconhecer o significado de envelhecer sem exigir dos seus actores um referencial de actuação etário que não é o seu. dossier esforços adaptativos a reacções negativas é desconsiderar as capacidades do idoso que canaliza os seus recursos para o aumento ajustado de actividades, para o desenvolvimento de projectos, e que apresenta atitudes de domínio capazes de promover uma adaptação competente e satisfatória ao envelhecer. Com efeito, perspectivar a dinâmica psíquica do idoso não se prende apenas com a interpretação dos mecanismos inerentes a um ajuste às perdas; pressupõe, ao invés, contemplar processos de desenvolvimento conducentes ao crescimento pessoal e considerar, em simultâneo, a importância de aspectos como o optimismo disposicional (visão favorável da vida), a confiança e a segurança enquanto expressão de um sentimento de integração, de aperfeiçoamento de competências e de participação activa e diferenciada na sociedade. 56 A doença do envelhecimento Lia Fernandes1 lia.fernandes@mail.telepac.pt Como fenómeno dos tempos modernos, tem-se vindo a assistir a um aumento exponencial da população idosa em todo o mundo, tendo-se atingido cerca de 580 milhões de pessoas com mais de 60 anos e prevendo-se que em 2020 se atinja 690 milhões de idosos. Destes, cerca de 171 milhões encontram-se no mundo em desenvolvimento, sendo justamente a fracção que verifica o crescimento mais acentuado, esperando-se que aumente nove vezes até 2050 (OMS, 2007). Em todo o mundo, estima-se que seja a faixa etária acima dos 80 anos, a que mais rapidamente se expande na população idosa. dossier O fenómeno de aumento da população idosa decorre quer do seu crescimento em termos absolutos, nomeadamente pelo aumento da esperança de vida (dada a melhoria das condições sanitárias, nutricionais, cuidados de saúde básicos e avanços da medicina) quer do seu aumento relativo (dada a baixa de natalidade) (Castro-Caldas et al, 2005). Em particular a expectância de vida é determinada sobretudo pelas doenças, tendo as infecções do século passado sido erradicadas ou controladas e substituídas pelas doenças crónicas degenerativas dos tempos actuais. Assim os indivíduos permanecem saudáveis por muito mais tempo, aumentando a morbilidade sobretudo após os 70 anos, tornando-se frequentes as doenças crónicas e as demências, em particular a doença de Alzheimer. No que respeita às mulheres, vivem em média mais sete anos do que os homens, estando implicados nesta vantagem selectiva, vários factores como o efeito de cohorte das situações de guerra; o aumento dos comportamentos de risco de saúde, para o sexo masculino; ainda a maior propensão destes para doenças cardiovasculares; a possibilidade de uma verdadeira vantagem biológica baseada no género feminino (Moritz et al, 1990; Finch et al, 1996; OMS, 2007). Qualquer que seja a explicação, existem mais 15% de mulheres idosas do que homens, sendo que neste acréscimo de anos de vida se tornam mais propensas a doenças como artrite, défices visuais e auditivos e doença de Alzheimer e verificam maior número de hospitalizações (Verbrugge, 1989; Melding et al, 2001). O envelhecimento é geralmente entendido como um processo de acumulação de mudanças ao longo do tempo, que desencadeiam ao nível das diversas estruturas e sistemas de um organismo a perda de função, o declínio e finalmente a morte. Contudo, dada a sua subjectividade implica uma fundamentação em diversas perspectivas. Assim, recorre-se à definição da idade cronobiológica (Hayflick, 1994), largamente usada na maior parte das sociedades como discriminante para atribuição de determinados benefícios ou serviços sociais; a idade biológica como uma alternativa, hoje mais sustentada no conceito comum de parecer mais velho ou mais jovem, ao invés dos registos de saúde e tendo em conta que o envelhecimento actua em diferentes células, em diferentes ritmos e em diferentes pessoas, este conceito apresenta também as suas limitações; outro conceito, o da idade social, corresponde às expectativas sobre as normas e papeis que os idosos devem desempenhar nas sociedades (Maaka, 1993); por último, a idade psicológica ou o grau no qual o indivíduo atinge a sua maturidade em termos de desenvolvimento pessoal. É uma idade que é frequentemente sentida como décadas inferior à idade cronobiológica. É por este motivo que grande parte dos idosos com 80 anos se acha demasiado jovem para dar entrada em unidades geriátricas. Não havendo uma única teoria que dê explicação cabal para o fenómeno do envelhecimento, aceita-se hoje a existência de um intercruzamento e sobreposição de diferentes explicações, sendo dado como adquirido a existência de uma base de programação genética, a qual é influenciada positiva ou negativamente pelas circunstâncias ambientais e modificada pelos estilos de vida tais como o aporte calórico, a nutrição, a exposição solar, o fumo, o álcool, o exercício físico e os comportamentos saudáveis (Zeiter, 1999; Kennaway, 1999). 1. Médica Psiquiatra – Assistente Hospitalar Graduada do Serviço de Psiquiatria do Hospital S. João do Porto (responsável pela Consulta de Gerontopsiquiatria do referido serviço). Mestrado e Doutoramento em Medicina/Saúde Mental pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Investigadora da UNIFAI (Unidade de Investigação e Formação sobre Adultos e Idosos) da Universidade do Porto. É vogal da direcção da APG (Associação Portuguesa de Gerontopsiquiatria); membro fundador e membro da actual direcção do GEECD (Grupo de Estudos do Envelhecimento Cerebral e Demências); membro da IPA (International Psychogeriatric Association). A doença do envelhecimento Na maior parte dos trabalhos publicados (Lindessay, 1990; Phillips, 1994; Garfein, 1995) sustenta-se que o envelhecimento, associado com maior número de comorbilidades e a dificuldade de adaptação psicológica, aumentam também o risco de desenvolvimento de problemas mentais, nestas idades (Gatz et al, 1985; Copeland et al, 2002). Deste modo, idosos com alta hospitalar recente, são considerados com maior risco de adoecerem física ou psicologicamente. Em segundo lugar nesta posição de desvantagem, estariam os viúvos, os que vivem sós, e os idosos com dificuldades socio-económicas. Curiosamente os solteiros e casais sem filhos não parecem apresentar situações de particular risco (Pollock, 1981; Taylor, 1994). Sabe-se igualmente hoje, que o contacto social e uma boa rede de suporte são extraordinariamente benéficos para as pessoas idosas, com comprovada vantagem de aumento da função imunológica, diminuindo deste modo a vulnerabilidade para certas doenças (Banks et al, 1994; Wenger, 1997). Nas redes constituídas por familiares de idosos com nível de necessidades elevado com situações de grau acentuado de dependência física ou mental, estabelecem-se situações de maior isolamento, stress e sobrecarga sobretudo ao nível dos cuidadores, o que torna emergente uma intervenção sistémica em termos de saúde mental (Zarit, 1980; Morris, 1988; Gonçalves-Pereira, 2006). Esta abordagem poderá assumir uma forma mais clássica do modelo de intervenção em terapia familiar, ou a aplicação de modelos de tipo psicoeducacional ou mesmo de intervenções comunitárias em rede, muitas vezes envolvendo a própria articulação interinstitucional, num trabalho que não dispensa uma envolvência multidisciplinar (De Shazer et al, 1984; Bleathman et al, 1988; Benbow et al, 1997: Peisah et al, 2006). 57 De qualquer modo, de todos os acontecimentos de vida no envelhecimento, a doença física, constitui a ocorrência mais frequente e aquela que marca de forma mais decisiva este período de vida, tornando-se na perda mais significativa (Davies, 1996; Shock, 1984; Busse, 1985; Gijsen et al, 2001; Hill et al, 2002). Os lutos e as perdas sociais seriam assim relegadas para segundo plano na importância de ocorrência quando comparadas com as primeiras (Krause, 1994; Murrel, 1984). A vertente de incapacidade crónica de uma doença, está correlacionada directamente com o stress psicológico, depressão, hospitalização mais prolongada e suicídio no idoso (Aneshensel et al, 1984; Arling, 1987; Catel, 1988; Kennedy, 1989; Lindesay, 1990; Hill et al, 2002). Evidentemente que esta influência tem de ser vista de uma forma reciprocamente interactiva, isto é, a doença influencia o indivíduo idoso mas também a forma como este reage, afecta a evolução e o prognóstico da doença. dossier Por outro lado o envelhecimento altera a homeostase do organismo aumentando a sua vulnerabilidade à doença. Em todo este processo existe, subjacentemente, uma resposta individual a nível psicológico. Mesmo sendo estas alterações de um nível celular e orgânico, estabelece-se um limite a partir do qual se dá o reconhecimento individual das mesmas, desencadeando uma resposta e uma adaptação (Whitbourne, 1996). Neste sentido foram realizados dois grandes estudos longitudinais de referência mundial, sobre cohortes de envelhecimento, o Baltimore Aging Study (Shock et al, 1984) e o Duke Longitudinal Study (Busse & Maddox, 1985), tendo esclarecido sobre os efeitos do envelhecimento isolados, ou em conjugação com a doença, bem como sobre as respostas que os indivíduos davam a ambas situações. Deste modo estabeleceu-se que algumas perdas eram consequência inevitável apenas do envelhecimento e não relacionáveis à doença, cujos processos se desenvolviam muito lentamente. Algumas outras perdas, de evolução lenta e progressiva deviamse fundamentalmente a doenças como demência tipo Alzheimer e artrite. As perdas mais repentinas estavam directamente relacionadas com a doença. Estes estudos acrescentam que algumas mudanças primárias desencadeiam outras, secundárias, repercutindo-se em perdas inevitáveis, às quais o organismo tenta responder, e que por sua vez, conduzem a mais perdas ou mudanças. Por último, os factores relacionados com o estilo de vida, parecem influenciar de forma decisiva a ocorrência e progressão de doenças relacionadas com a própria idade (Hayflick, 1994). A doença do envelhecimento 58 Neste contexto, quando confrontado com a evidência objectiva de perda de saúde, o idoso reage frequentemente com um estado de descrença, de raiva e de sofrimento profundo. E esta primeira apreciação da realidade torna-se crucial para a resposta subsequente (Lazarus, 1998). Trata-se assim de um processo em que são feitas duas avaliações sequenciadas: numa primeira fase o doente considera o significado pessoal do agente stressante e numa segunda fase avalia as opções para mudar a situação (Folkman et al, 1987). Na primeira apreciação da situação de doença, são avaliados múltiplos factores tais como a instalação aguda, a sequencia evolutiva dos acontecimentos ligados à doença, o impacto nos papeis sociais previamente estabelecidos, a percepção individual desta situação ameaçante, o estado de saúde físico e emocional inicial do doente, o suporte social percebido, os traços de personalidade, o sentido de controlo da situação e por último a percepção do estigma associado à doença (Ridder et al, 2001; Roech et al, 2001). dossier Este processo de avaliação primário do adoecer influencia e determina o processo de avaliação secundário, durante o qual se activam os mecanismos de superação para lidar com a doença, isto é os pensamentos e as acções usadas para restaurar o estado individual de equilíbrio psicológico. Este pode ser readquirido de duas formas fundamentais: a primeira, modificando a relação entre o indivíduo e o ambiente, fonte do problema; a segunda regulando a resposta emocional associada ao mesmo (Folkman, 1980; Lazarus, 1980, 1998). São particularmente importantes neste âmbito os conceitos de auto-eficácia (crença nas competências individuais para lidar com as situações) e expectativas de evolução (crença no sucesso das estratégias envolvidas) (Bandura, 1977; Simper, 1985). É considerado como determinante de um envelhecimento com sucesso, a existência de uma elevada crença de auto-eficácia, permitindo uma percepção da incapacidade funcional, independente da limitação física (Seeman et al, 1999; Stanton et al, 2001) para além de um comprovado efeito na melhoria ao nível das competências imunológicas (Wiedenfeld et al, 1990; Banks et al, 1994). Neste âmbito têm vindo recentemente, a ser desenvolvidos programas psicoeducacionais no sentido da promoção e desenvolvimento destas competências para lidar com as mais diversas situações de doença crónica (Gonçalves-Pereira, 2006; Fernandes, 2006). Lidar com uma doença na terceira idade, é, deste modo, uma tarefa de grande complexidade envolvendo uma multiplicidade de factores que condicionam a apreciação do problema e determinam os processos de superação do mesmo com as inerentes emoções envolvidas e de acordo com a própria individualidade (Lazarus, 1998). Consequentemente cada resposta a uma doença será sempre única. Para um idoso a vertente médica de uma doença é apenas uma pequena parte da história. A resposta psicológica individual, a capacidade resiliência e a adaptabilidade afectam o adoecer de cada paciente. Os aspectos relativos à personalidade tornam-se determinantes da forma como se procede à avaliação primária e secundária dos efeitos adversos da doença e da subsequente adaptação. Mecanismos inadequados de superação, de tipo mais passivo (como negação, evitamento, regressão e catastrofização), conduzem a maus resultados, com diminuição do funcionamento geral e aumento do risco de incapacidade, levando por sua vez ao prolongamento das hospitalizações, reduzindo a qualidade de vida e antecipando a institucionalização (Emery et al, 1981, 1982; Butler, 1991; Devins et al, 1996; Holahan et al, 1996; Wolff et al, 2002). É por isso, tarefa prioritária dos profissionais de saúde, compreender antes de mais, como os idosos respondem, se adaptam e superam a doença, para então poderem de forma mais adequada intervir com estratégias para lidar com as dificuldades, melhorando as possibilidades de resultados positivos, transformando a intervenção final num processo verdadeiramente integrador e eficaz (Fernandes, 2006). Observatório do Envelhecimento Filomena Gerardo Direcção de Acção Social da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa 59 Este artigo ilustra o trabalho desenvolvido no âmbito do Observatório do Envelhecimento da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, dando conta dos seus objectivos, projectos em curso, e potencialidades, numa instituição que incorpora na sua missão o combate à pobreza contribuindo para a promoção da inclusão social da população mais idosa. Este Observatório, criado com o intuito de analisar as problemáticas ligadas ao Envelhecimento, tem o seu foco de observação privilegiado na cidade de Lisboa que é o seu território de intervenção principal. Podendo a cidade de Lisboa ser considerada uma cidade sénior, verifica-se a necessidade de aprofundar o estudo sobre o fenómeno do envelhecimento, assim como a diversificação, o aperfeiçoamento e o incremento das respostas sociais que são o suporte de apoio para a população mais idosa. A pertinência de um Observatório do Envelhecimento à escala da cidade de Lisboa, no quadro de uma experiência de articulação com outros actores públicos e privados que partilham as mesmas preocupações constituem condições favoráveis e passíveis para o desenvolvimento de um trabalho de planeamento estratégico, sustentado em análises prospectivas de base territorial. Com vista a responder às necessidades emergentes colocadas pelo aumento do número de idosos na cidade, a Misericórdia de Lisboa dispõe de um largo espectro de actividades no domínio da Acção Social local, com recursos humanos especializados e numerosos equipamentos, habilitados por diversas valências, parte significativa dos quais com valências para aquela população. Até há pouco tempo as respostas sociais mais frequentes para a pessoa idosa eram configuradas pelo Centro de Dia, pelo Apoio Domiciliário e pelo Lar. Estas respostas que se mantêm imprescindíveis, contudo, têm sido complementadas por outras que emergem no sentido de dar solução a outro tipo de necessidades da população idosa, tais como, respostas de apoio temporário, como é o caso das residências temporárias, assim como, alternativas habitacionais, como é o exemplo das residências assistidas. Deste modo, a maior longevidade e a heterogeneidade do envelhe- cimento conduz há necessidade de adaptar as respostas sociais existentes, dimensionando-as à medida das necessidades de cada pessoa idosa. Conhecer a realidade para agir melhor: Observatório do Envelhecimento Os observatórios são instrumentos auxiliares da comunidade em geral, e dos decisores institucionais em particular, cujos resultados podem apoiar a formulação de propostas concretas para questões específicas que são passíveis de ser estudadas. Podem identificar-se como objectivos genéricos de um Observatório os seguintes: conhecer a realidade efectiva dos fenómenos, perspectivar a sua evolução, tornar esses mesmos resultados acessíveis de forma a apoiar a tomada de decisão. Estes são alguns dos objectivos de apoio ao planeamento e à gestão. Do ponto de vista da construção do conhecimento o Observatório pode constituir e melhorar continuamente um banco de conhecimento sobre fenómenos estudados, assim como promover a sua disseminação. É neste contexto que a SCML se propõe criar o Observatório do Envelhecimento fruto de um processo de reflexão e discussão sobre a necessidade de promover a sistematização de conhecimento interno e sobre o ambiente externo no âmbito do fenómeno do envelhecimento. A criação deste instrumento de produção e gestão de conhecimento surge ainda, e tal como enfatiza Estivil (2007:5) “da necessidade de dar visibilidade e de aprofundar o conhecimento sobre os fenómenos de dossier A pertinência de analisar o envelhecimento Observatório do Envelhecimento 60 pobreza e exclusão social; do aumento do interesse em explorar novos métodos de análise e monitorização de fenómenos e da crescente importância da planificação social, do sistema de indicadores, diagnóstico e avaliação da acção”. A pertinência de um Observatório do Envelhecimento no contexto da SCML consiste na possibilidade deste apoiar a investigação numa óptica da pesquisa acção. Em suma contribuir para a construção de um espaço de reflexão que permita levar à adequação das respostas em termos da oferta de Serviços e Equipamentos, de forma ajustada e com qualidade às necessidades dos actuais e potenciais utentes. Perante a emergência de novas problemáticas ligadas ao envelhecimento e as mutações sociais, que ocorrem a um ritmo acelerado, torna-se imprescindível que sejam pensadas medidas e programas prospectivos para responder aos novos desafios. O Observatório do Envelhecimento constitui-se, assim, como um instrumento para a produção de conhecimento sobre as mudanças sociais e para apoiar a Direcção de Acção Social da SCML na (re)definição de formas de intervenção cada vez mais ajustadas às necessidades e capacidades das pessoas idosas. A observação das dinâmicas sociais sobre o envelhecimento nos equipamentos da SCML e na Cidade de Lisboa, permite conhecer a evolução do fenómeno, a sua expressão territorial na cidade, a configuração de modos de vida diferenciados, as condições objectivas de existência, as necessidades emergentes que configuram formas de envelhecer diferenciadas e que importa conhecer e compreender para melhor adaptar as respostas existentes e promover a criação de novas respostas. Deste modo, delineou-se um modelo de recolha de informação e produção de conhecimento, assim como actividades e acções que dão forma e estruturam o Observatório. Deste modo, o Observatório visa a sistematização e produção de informação e conhecimento proveniente de fontes de vária ordem (estatísticas, bibliográficas, temáticas, etc.), para informar/formar os vários interventores e apoiar os decisores internos. Modelo do Observatório do Envelhecimento SCML Base do conhecimento do Observatório do Envelhecimento da SCML dossier Informação interna Quantitativa e qualitativa Fontes de informação Produtos Produção de relatórios temáticos Adaptação e divulgação de boas práticas Projectos de investigação Newsletter Bases de Dados Bibliográficas Informação externa INE Observatórios Nacionais e Estrangeiros Centros de Investigação nacionais e Estrangeiros Bibliotecas/literatura científica Políticas Sociais Rede Social Observatório do Envelhecimento Organização de sessões de partilha de experiências e resultados de intervenção No sentido de promover a disseminação de boas práticas ao nível interno, promovem-se sessões de partilha e benchmarking interno. (Ex: Realizou-se uma sessão entre Serviços de Apoio Domiciliário, cujo objectivo foi o de promover o inter-conhecimento de serviços e a partilha de boas práticas sobre a redução do isolamento de pessoas idosas). Constituição de bases de dados Assente na pesquisa regular sobre bibliografia1, artigos e informação de sites Gerontológicos e Geriátricos e indicadores quantitativos na área do envelhecimento têm-se constituído bases de dados com informação. Edição e divulgação de uma Newsletter Com o propósito de reforçar a comunicação interna e de se constituir como um instrumento informativo/ formativo, sustentada pela recolha de informação e notícias na área do envelhecimento, foi criada uma Newsletter, com uma periodicidade trimestral2. Estabelecimento de parcerias formais e informais Um dos grandes objectivos do Observatório é o de promover e potenciar relações entre a SCML e instituições externas com interesse relevante em matérias de investigação ou boas práticas no âmbito da gerontologia3. Com vista à concretização desse objectivo o Observatório tem estabelecido contactos com entidades nacionais e internacionais com vista a aperfeiçoar práticas de intervenção e à adequação permanente das respostas à diversidade e complexidade das necessidades colocadas pelos idosos e suas famílias. Realização de estudos temáticos No quadro das parcerias nacionais firmadas foi desenvolvido um estudo em colaboração com o Centro de Estudos Territoriais do ISCTE sobre cuidadores informais4, cujo principal objectivo foi o de aprofundar o conhecimento sobre o perfil e necessidades dos cuidadores informais (familiares, vizinhos ou amigos), no sentido de adaptar e/ou criar serviços de suporte à actividade de apoio à prestação de cuidados. Georeferenciação na área do envelhecimento A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, está a incorporar um Sistema de Informação Geográfica5 no contexto da actividade do Observatório de Envelhecimento. Este sistema tem por objectivo a criação e gestão de informação, produzindo conhecimento através de indicadores geo- referenciados ao território, potenciando assim um novo conhecimento sobre o fenómeno do envelhecimento. Este sistema constitui-se como uma ferramenta que aumenta a rapidez e a eficácia na articulação de dados de diferente natureza como sejam, por exemplo, dados socio demo- gráficos do Censos do INE, dados da Carta Social sobre equipamentos sociais, informação sobre serviços públicos e privados, equipamentos de lazer, acessibilidades, entre outros, levando assim à construção de vários tipos de análise mais ou menos complexas e interligadas entre si. 61 Este sistema de georreferenciação de fenómenos no território possibilita uma análise multi- dimensional e interdisciplinar, facilitando a compreensão da estruturação do envelhecimento ao nível do território. Este instrumento de gestão da informação, com a maisvalia de estar associado ao território, permite apoiar o planeamento e a gestão de novas respostas sociais em função da evolução do fenómeno do envelhecimento. Permite apoiar a decisão para a criação de respostas sociais de modo mais fundamentado. Trata-se de um sistema que vem potenciar a aptidão de gestão da informação, aumentando e aprofundando o conhecimento sobre as realidades sociais na cidade de Lisboa, introduzindo mais uma variável explicativa – o território de intervenção. Em suma o Observatório do Envelhecimento da SCML, nesta fase de desenvolvimento, pretende constituirse como um instrumento de reflexão interna e de aprofundamento de questões relacionadas com o envelhecimento, que sejam potenciadoras de melhorias na prática profissional dos técnicos com vista a contribuir para uma maior qualidade de vida dos cidadãos mais idosos. Bibliografia AVV, 2000, “Conhecer melhor para Agir melhor – A experiência dos Observatórios” , Actas do Seminário, Évora, 4 e 5 de Maio. Estivil, Jordi, 2007, Panorama de los observatórios sobre a luta contra a pobreza - aportaciones para el observatório de luta contra a pobreza na cidade de Lisboa, REAPN (policopiado) Guerra, Isabel, 2003, Plano Estratégico da Acção Social 2004-2008 – CETCESIS, (policopiado) 1. A bibliografia recolhida assume um carácter generalista, mas também se encontra organizada temáticas como exemplo refira-se: cuidadores informais, processo de envelhecimento, abuso e mau-trato a idosos, saúde, trabalho interdisciplinar, entre outros. 2. A Newsletter é composta por secções de artigos, bibliografia e sites temáticos e por notícias (onde são divulgados eventos, cursos de formação, seminários, congressos, etc.). 3. Centro de Estudos Territoriais do ISCTE, Ministério da Administração Interna; Fundação Matia (Espanha), Project Mundial sur la participation des aînés aux décisions (rede internacional no quadro de actuação da ONU). 4. Trata-se do Estudo Prospectivo sobre à adequação de respostas às necessidades dos cuidadores informais dos utentes idosos da SCML, cuja apresentação se encontra neste número da Revista Cidade Solidária. 5. Esta colaboração decorre da assinatura de um Protocolo e da parceria a Acção 3 do EQUAL, no âmbito da disseminação do Sistema de Monitorização do Ministério da Administração Interna Referência de enquadramento à EQUAL dossier No sentido de responder aos seus objectivos o Observatório de Envelhecimento realiza várias actividades e produtos: 62 Envelhecimento no distrito da Guarda Dina Cruz UBI_CES Subordinado ao tema do envelhecimento demográfico e as suas consequências sociais, foram organizadas pelo Núcleo Distrital da Guarda da REAPN duas mesas redondas com o objectivo de caracterizar e diagnosticar neste mesmo território a temática em causa. Através da utilização da técnica de brainstorming, foi possível diagnosticar alguns problemas sociais que afectam os mais velhos no distrito da Guarda. Participaram nesta discussão técnicos de IPSS que trabalham directamente com idosos, responsáveis e técnicos de projectos cuja intervenção recai sobre este grupo-alvo e representantes de autarquias locais. Quando é debatida a temática do envelhecimento é inevitável abordar a vulnerabilidade a que muitos idosos estão sujeitos devido aos fracos recursos económicos que possuem devido, sobretudo, à principal, e muitas vezes única, componente de receita económica ser originária de pensões cujos valores são reduzidos. dossier A mutação das relações sociais contribui para o agravamento dos problemas que os idosos enfrentam nos nossos dias, nomeadamente no que se refere à falta de suporte familiar. A nível familiar várias transformações se verificaram, os papéis dentro das próprias famílias também alteraram e deu-se um afastamento geográfico. Por outro lado o Estado não incentiva nem apoia o suporte da família ao idoso, nem em termos financeiros nem na disponibilização de formação específica dirigida a familiares que cuidam dos idosos não institucionalizados, no sentido de os capacitar para responderem às especificidades que afectam os idosos. Todavia, a falta de suporte familiar não se verifica somente em casos de idosos não institucionalizados. Quando a institucionalização acontece, segundo os presentes, a família deixa de se envolver tão assiduamente nas questões dos seus idosos, chegando a desresponsabilizar-se totalmente pelo seu cuidado, deixando exclusivamente para as instituições esta responsabilidade. Associada aos dois pontos anteriores surge a solidão: um dos maiores problemas sociais que atinge os idosos. Tal acontece derivado de uma série de motivos, alguns já aqui mencionados como o afastamento geográfico dos familiares e as suas responsabilidades profissionais, os fracos recursos económicos e outros como a falta de mobilidade dos idosos, as relações sociais de vizinhança enfraquecidas, etc. Muitas são as imagens sociais relacionadas à velhice e, infelizmente, aquelas que se destacam normalmente não são as positivas. Este estigma social associado à velhice é muitas vezes veiculado pelos próprios idosos. Esta auto-imagem é, de algum modo, reforçada pela sociedade e também pelas próprias famílias e instituições de apoio ao idoso que minimizam as suas capacidades e a sua importância para a sociedade, chegando mesmo a infantilizá-los retirando-lhes poder de decisão. Os presentes nas sessões referiram que a mudança social tem de ser feita localmente, através da implementação de políticas sociais locais dirigidas a idosos tendo em conta o contexto de cada Concelho, pois cada território possui recursos e potencialidades que poderão ser revertidas a favor de ofertas aos idosos com maior qualidade. Nota: As conclusões das Mesas Redondas (Guarda e Pinhel) podem ser consultadas em http://www.reapn.org/agenda_visualizar.php?ID=140 Alguns dados demográficos do distrito da Guarda Índice de envelhecimento: 185,2 Índice de dependência de idosos: 40,7 Índice de dependência de jovens: 22 25% de pessoas com 65 ou mais anos 6,4% de pessoas com 80 ou mais anos Fonte: Dados trabalhados a partir de informação do INE, Censos 2001 Inclusão Activa Júlio Paiva julio.paiva@reapn.org Uma estratégia integrada 63 A EAPN esteve sempre fortemente envolvida na discussão promovida pela Comissão Europeia sobre Inclusão Activa. Esta iniciativa foi acolhida favoravelmente no seio da organização e foi considerada como uma excelente oportunidade para um novo impulso na luta contra a pobreza e a inclusão social, promovendo a noção de inclusão activa - conjunto de políticas públicas que associam o acesso a um rendimento mínimo adequado, acesso ao emprego, quando esta opção é viável e acesso a serviços de qualidade. Estas propostas, na opinião da EAPN, apresentam uma série de potencialidades e a sua discussão e compreensão é um objectivo primordial para as redes nacionais, assim como a sua aplicação prática. A EAPN entende que esta discussão é tanto mais importante quanto, no contexto político actual, a Inclusão Activa fica reduzida em grande parte, ao reforço das políticas de activação. Activa frente aos decisores políticos, constituindo uma primeira etapa da estratégia da lobby da organização no que concerne a este tema, visando influenciar o conteúdo dos “Princípios comuns” adoptados pelo Conselho da Europa. • Reforçar as capacidades no seio das redes nacionais, no que toca à Inclusão Activa (tomada de consciência das potencialidades políticas da iniciativa da Comissão; troca de experiências entre organizações, onde a acção integrada reflecte a noção de inclusão activa). Com base no documento “Propostas da EAPN relativas aos princípios alternativos de inclusão activa” poderemos fazer o resumo das posições da organização após todo o processo iniciado em 2006 pela Comissão. Para a EAPN, em matéria de inclusão activa, deve existir sempre um conjunto de princípios dominantes, que devem enquadrar este tema nos Direitos do Homem: ou seja, no respeito pela dignidade humana tal como está consagrado em vários documentos tais como o Tratado de Roma e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, Tratado de Lisboa (através da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais) e da Convenção para a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais do Conselho da Europa. Trata-se fundamentalmente de reconhecer de que todos os seres humanos são intrinsecamente respeitáveis, independentemente da idade, género, origem social ou étnica, religião ou orientação sexual, “Todos são membros da família humana”1. Este respeito A ausência de toda a discriminação Toda negação dos direitos fundamentais do homem a uma vida digna representa uma discriminação. A este nível convêm lembrar a existência de duas directivas comunitárias que definem uma série de princípios que salvaguardam as pessoas no seio da U.E. como um nível mínimo de protecção jurídica contra toda e qualquer forma de discriminação - a Directiva sobre Igualdade Racial e a Directiva Quadro sobre o Emprego. O respeito pelas necessidades e preferências do indivíduo O reconhecimento de obstáculos específicos à realização de certos direitos fundamentais: remuneração adequada, acesso a serviços de qualidade, trabalho decente e o direito a participar enquanto igual na vida social. Uma abordagem holística, multidimensional e integrada A multidimensionalidade dos fenómenos da pobreza, obriga a que a abordagem da inclusão activa seja encarada como fazendo parte de um pacote integrado, onde os seus três pilares sejam interpretados de maneira global. Se não for esta estratégia corre o risco de instrumentalizar os pobres ao insistir exageradamente no “valor económico” através de fortes medidas de activação, mais do que no reconhecimento do “valor humano”. 1. Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem europa • Promover e divulgar a visão da EAPN sobre a Inclusão pela dignidade humana reconhece implicitamente que, nenhuma pessoa deve ser tratada como um meio, mas sim como um fim, nenhum ser humano deve ser instrumentalizado, nem visto apenas como um valor económico. Deste conjunto de princípios genéricos sobressaem ainda: notícias da rede Com base nestes pressupostos as Task Forces da EAPN da Inclusão Social, do Emprego e dos Fundos Estruturais, organizaram em colaboração com a EAPN França um seminário sobre esta temática, no dia 13 de Junho em Paris, com dois grandes objectivos: Inclusão Activa 64 Participação e inclusão Participação activa de todas as partes. A estratégia de inclusão activa integrada não terá o sucesso desejado, se as pessoas directamente implicadas não forem envolvidas em todas as fases da implementação das medidas (da concepção à avaliação). A participação neste sentido não é apenas um elemento acoplado, mas uma parte essencial da eficácia das políticas. notícias da rede europa Os três pilares da inclusão activa foram objecto de tratamento diferenciado em grupos de trabalho específicos. As principais conclusões subscreveram genericamente o documento – base já referenciado: O rendimento mínimo adequado deve garantir um nível de vida conforme a “dignidade humana”, particularmente num contexto de agravamento da inflação e dos preços. Se entendermos “nível adequado” a recomendação 92 da Declaração dos Direitos do Homem: “os recursos suficientes e uma assistência social para viver conforme a dignidade humana” ou ainda no Relatório conjunto sobre inclusão social de 2002: “rendimento adaptado e de recursos que permitam viver em dignidade humana… e participar na sociedade enquanto membro de corpo inteiro”, percebemos claramente, que o nível e a medida dos rendimentos deve ser relativo, adaptado às circunstâncias de cada Estado membro, ou mesmo ao nível regional/local, reflectindo assim os diferentes níveis de vida, contudo, o limiar da pobreza representa por si mesmo um indicador relativo, (60% do rendimento mediano dum país ou duma região). Este rendimento terá igualmente de ter em conta, outros factores, tais como as diferenças entre agregados familiares e os diferentes grupos–alvo desta intervenção (famílias monoparentais, imigrantes, pessoas portadoras de deficiência…). Contudo, o desafio principal consistirá em garantir as necessidades destas pessoas no seu quotidiano assegurando um rendimento adequado e definir critérios–chave para definir um “pacote” a partir do qual se possa estabelecer os custos relativos a serviços e produtos de base reconhecidos e adaptados a contextos nacionais e regionais, para “uma vida com dignidade”. A este nível é interessante ter em conta o projecto da EAPN Irlanda sobre o estabelecimento de mínimos sociais, com o recurso a focus groups onde participavam pessoas em situações de pobreza e pessoas com um rendimento considerado razoável, para definir “rendimento adequado”. A EAPN preconiza também o estabelecimento de normas financeiras indexadas de níveis de rendimentos adequados, que sejam alvo de uma avaliação regular e que possam constituir um instrumento para “medir” este rendimento em cada país/região. Independentemente do valor atribuído, existem outros princípios-chave, que na opinião da EAPN deverão estar presentes na aplicação deste pilar fundamental da inclusão activa: 1) A separação da atribuição do rendimento adequado em relação á obrigação de aceitar, não importa que tipo de trabalho, sem ter em conta o seu valor financeiro ou os custos sobre o plano social e pessoal. Esta obrigação do direito a um rendimento mínimo adequado indexada a uma definição estreita do “make work pay” ou “ disponibilidade activa para o trabalho”, vai contra o respeito pelas capacidades do indivíduo de determinar quais são as opções que o poderão ajudar a melhorar a sua qualidade de vida. Neste sentido, é sempre positivo sublinhar o direito ao trabalho, mas o trajecto de inclusão deve ser entendido como uma procura para um trabalho digno, estável e atraente, este tipo de posição reforça, muitas vezes, a desconfiança e acentua a comunicação negativa entre os serviços de Emprego e as pessoas que estes serviços tentam ajudar. 2) Clareza, transparência e eficácia. Todos os sistemas implementados ao nível da U.E. relativos à atribuição do rendimento mínimo adequado, devem tender para a simplificação, demonstrando processos e resultados transparentes e insistindo fortemente sobre o melhoramento dos meios a utilizar, para garantir a eficácia destas políticas públicas. 3) Continuidade. Criar condições para garantir um rendimento adequado, às pessoas que transitam de situações de beneficiários de um subsídio para um trabalho e vice-versa, tornando a sua vida quotidiana imprevisível ao nível dos rendimentos. 4) Tornar o trabalho atraente. Através do estabelecimento de uma hierarquia positiva entre rendimento e salário: recorrer ao rendimento social adequado como um instrumento positivo, garantindo a segurança necessária à activação, onde os subsídios deveriam servir de motivação positiva para fazer face aos custos e riscos durante um período de desemprego. A ligação entre rendimento adequado e salário mínimo deve centrar-se nos direitos e esta ligação será mais eficaz, criando uma hierarquia progressiva com base no rendimento adequado, e que assegure que o salário mínimo seja fixado de maneira significativa a um nível superior. Outro pilar da Inclusão Activa, diz respeito ao direito a ter acesso a um trabalho decente e a uma participação plena na sociedade. Este pilar assenta no direito ao trabalho mais do que na obrigação para o trabalho e baseia-se no pressuposto de que as pessoas desejam trabalhar, ser úteis à comunidade e zelar pelo bem- Inclusão Activa Ter um trabalho decente implica uma aprendizagem ao longo da vida e um suporte por parte das entidades competentes na promoção de um trabalho estável e O último pilar da inclusão activa, diz respeito ao direito ao acesso a serviços sociais acessíveis e de qualidade, como suporte à inclusão, respeitando a dignidade humana, a segurança e com especial atenção aos grupos mais vulneráveis. Neste capítulo, a EAPN faz ainda referência à responsabilização dos utilizadores e à participação nas decisões por eles tomadas, no que diz respeito às opções de cada consumidor, em especial os mais desfavorecidos, num processo que implique a planificação e a coordenação de todos os serviços sociais indispensáveis ao bem-estar de cada um e como suporte fundamental para a inclusão: saúde, educação, transportes, energia e os serviços mais implicados no processo individual de cada pessoa a incluir: emprego, formação profissional. O acesso a um rendimento mínimo adequado e a serviços sociais de qualidade representam a base que garantirá as pré-condições essenciais para uma activação eficaz e verdadeiramente inclusiva. Encontro Europeu de Pessoas em Situação de Pobreza Júlio Paiva julio.paiva@reapn.org Fazer ouvir a voz daqueles que são confrontados com a pobreza, perante aqueles que elaboram políticas que visam reduzir a pobreza e a exclusão social ao nível dos Estados Membros da União Europeia e encorajar o desenvolvimento de actividades de inserção de grupos marginalizados no processo de procura de soluções e na formulação de estratégias e de medidas que visam melhorar a sua situação, foram os principais objectivos do 7º Encontro das Pessoas em Situação de Pobreza, realizado em Bruxelas, nos dias 16 e 17 de Maio. Foi por iniciativa da Presidência Belga em 2001, que se iniciaram estes Encontros, inspirados nas experiências de participação que se desenvolveram desde 1994 neste país, particularmente através dos relatórios anuais sobre pobreza redigidos em conjunto com pessoas em situação de pobreza, o governo belga propôs a organização de uma reunião ao nível dos estados da U.E. A principal conclusão desse encontro, foi a demonstração de competência e capacidade de análise dos delegados face aos fenómenos de exclusão, assim como a capacidade de revindicação e de formulação de propostas para aumentar os níveis de participação 65 europa O processo de activação implica a análise correcta dos obstáculos colocados no caminho para a inclusão de cada indivíduo, reconhecendo os direitos das pessoas e a valorização das suas opções, este processo terá necessariamente de ser individualizado, na medida do possível, “feito à medida” e ter em conta a multidimensionalidade dos problemas. de qualidade, respeitando as necessidades de cada um, estas dimensões só serão alcançáveis se houver uma verdadeira parceria integrada de todos os parceiros: serviços sociais, empresas, sindicatos e das próprias pessoas. nas decisões que afectam as suas vidas. Em 2003 a Presidência Grega retomou esta iniciativa, confiando à EAPN a preparação do Encontro. Nesse ano, o tema central do debate foi as “boas práticas em matéria de participação”. Neste encontro, ficou demonstrada a impor tância dos processos participativos e da experiência pessoal dos próprios delegados, com um apelo final, dirigido às entidades nacionais e europeias: as pessoas em situação de pobreza expressaram a vontade e a exigência de diálogo com os decisores das políticas que lhes são dirigidas. notícias da rede estar da sua família. As políticas de activação devem assentar numa visão que favoreça a responsabilização e a motivação para que as pessoas em situação de pobreza melhorem as suas competências e as suas capacidades, a sua saúde física e mental e que estabeleçam contactos sociais tendentes à participação e ao exercício da sua cidadania. A via da Obrigação, favorece à visão dos “pobres que merecem e os que não merecem, dos que estão aptos para o trabalho e daqueles que não querem trabalhar”, uma verdadeira política de activação inclusiva deverá insistir no apoio e acompanhamento necessários à inclusão social, investindo em recursos que visem a integração no mercado de trabalho como elemento de promoção social num sentido mais largo. Encontro Europeu notícias da rede europa 66 O Encontro de 2004, permitiu desenvolvimentos importantes em matéria de preparação das delegações nacionais, tendo como tema a participação enquanto processo plural. Este encontro foi ainda marcado pela inversão da lógica organizacional dos anteriores. As “autoridades” são consideradas como “convidadas” das pessoas em situação de pobreza, modificando a concepção até aí em vigor, por outro lado, são ainda participantes nos workshops organizados durante o encontro, para promover “as trocas directas” de opinião, sendo o fim do encontro consagrado a um debate aberto entre os delegados e os decisores políticos. Deste encontro resultou um DVD com entrevistas aos participantes de diversas nacionalidades, tendo sido largamente utilizado pelas redes nacionais da EAPN para sensibilizar os decisores políticos a promover encontros nacionais e regionais, que a partir desse ano começaram a ser progressivamente promovidos. A evolução das temáticas desenvolvidas ao longo dos encontros determinou que a Presidência Luxemburguesa promovesse um 4º encontro sobre a “percepção da pobreza”. Tratava-se de debater o “olhar” dos diversos actores sobre este fenómeno, em particular o papel dos media. As diferentes delegações levaram diversos materiais alusivos à “imagem da pobreza” que serviram para a realização de uma exposição sobre o tema e a publicação de um catálogo. O 5ª Encontro, significou um regresso às questões de base. Sobre a Presidência Austríaca, o tema escolhido foi: “Como vivemos o nosso dia a dia”. O trabalho desenvolvido na fase de preparação acentuou, no decorrer do encontro, toda a força e o dinamismo dos delegados, que apresentaram durante a sessão plenária um cartaz, que representava a sua experiência, bem como a sua visão da situação no seu país e do seu próprio processo participativo. Em 2007, o 6º encontro, propôs-se fazer um balanço de todo o trabalho realizado durante todos estes anos ao nível nacional e europeu. Sobre a Presidência Alemã, e intitulado: “Progressos realizados, etapas futuras”, o Encontro teve como metodologia a visualização do tema escolhido através de objectos simbólicos, sem minimizar os progressos conseguidos até então. Os delegados sublinharam que o objectivo da erradicação da pobreza até 2010 não se vislumbra possível, bem pelo contrário, os sinais visíveis da pobreza e da exclusão social aumentaram. A participação portuguesa A REAPN acompanhou a realização destes encontros desde o início e foi parceiro activo em todo este processo. A organização da delegação portuguesa teve um processo evolutivo que foi acompanhando toda a dinâmica europeia: se em todos os encontros as delegações foram essencialmente constituídas por pessoas em situação de pobreza e exclusão social ou que em algum momento da sua vida experienciaram estas situações, a sua preparação, composição, âmbito geográfico e implicação em processos participativos foi evoluindo ao longo dos anos. As primeiras delegações foram constituídas em torno do trabalho desenvolvido pelos núcleos da REAPN, que foram implicando pessoas em situação de pobreza em projectos que os próprios núcleos acompanharam ou desenvolveram. Com o decorrer dos anos e particularmente a partir de 2004, o projecto Activar a Participação, teve um papel importante, particularmente na mobilização de pessoas em situação de pobreza em processos participativos em quatro distritos do país: Porto, Braga, Coimbra e Évora. As delegações entre os anos 2004 e 2007 foram compostas por delegados implicados neste projecto. Ainda em 2007, o efeito da multiplicação em várias redes nacionais destes encontros, proporcionou à REAPN a realização de três fóruns Regionais com pessoas em situação de pobreza e/ou exclusão social. A realização deste evento tripartido (Norte, Centro e Sul) seguiu uma metodologia e uma organização análoga aos encontros europeus, tendo em conta a representatividade de cada um dos distritos (mesmo número de delegados) e seguindo uma estratégia de participação das pessoas em situação de pobreza, tendo em conta eixos fundamentais de actuação: reforço da democracia pela participação co-responsável da sociedade civil; ter no princípio da subsidiariedade uma orientação primordial; observar, monitorizar e avaliar de uma forma participada todos os resultados; promover a escuta e a dinamização da participação activa de todos os cidadãos, particularmente dos que enfrentam situações de pobreza e exclusão social. Foi a partir dos fóruns regionais que se organizou a delegação ao 7º Encontro Europeu, inaugurando um processo de selecção a partir de assembleias de pessoas em situação de pobreza. O 7º Encontro teve como temática o debate sobre os quatro pilares centrais da luta contra a pobreza: os serviços sociais, os serviços de interesse geral, a habitação e o rendimento mínimo. Esta delegação foi composta de 4 elementos (além do coordenador nacional) com delegados de Viana do Castelo, Leiria, Lisboa e Portalegre. O relatório deste encontro será brevemente disponibilizado em português na página da Internet da REAPN, com as principais conclusões e recomendações às entidades presentes. Será no entanto interessante, embora apenas com um carácter Encontro Europeu Em relação a Portugal, parece-me urgente, deixar de dar cursos de formação, os quais não são utilizados, ou então dá-los mas colocar de imediato as pessoas nas respectivas áreas, melhorando assim a falta de emprego. É necessário aumentar o ordenado mínimo nacional visto este não dá para viver. Das duas uma, ou se come ou se paga a renda, água e luz. Na habitação é necessário haver um controlo por parte do estado; deveriam de existir regras para o valor a aplicar as rendas das casas. Nós, os considerados pobres, temos de deixar de ter vergonha, não somos ou estamos pobres porque queremos (na maior parte das vezes) mas sim, porque não nos são dadas condições. Devemos procurar informação para sabermos a que temos direito, só assim podemos exigir ajuda. Actuando assim estamos a contribuir para o bem-estar de todos. Estando bem somos agradáveis uns para os outros! Trabalhamos de boa vontade! Temos mais saúde! Educamos melhor as nossas crianças e jovens! Estamos mais disponíveis para olhar pelos mais velhos! Estamos mais aptos a respeitar o ambiente! Enfim, seremos felizes!!!” “Sobre o evento em que participámos, gostei do contacto com as pessoas de línguas diferentes e que apesar de ser assim acho que se conseguiu uma comunicação entre todos. Espero que tudo o que foi dito venha a servir para sensibilizar os Srs. da União Europeia. Esperando também que todos os países da U.E. venham a aderir ao Rendimento Mínimo Garantido. Também gostava que com tudo o que ouviram os Srs. Comissários da U.E. presentes neste evento, de todos os problemas existentes em toda U.E., entre as pessoas mais carenciadas, que começassem a actuar para pelo menos minimizar alguns dos problemas que foram citados”. “Realmente fiquei emocionado com todo aquele evento em defesa dos pobres e ao mesmo tempo também fiquei comovido da maneira como as pessoas exprimiam, dizendo a verdade de tudo aquilo que se passa nesta velha Europa.” Os Encontros Europeus de Pessoas em Situação de Pobreza contêm um historial significativo sobre o processo de Participação, iniciado em 2000 na Assembleia-geral da EAPN em Barcelona, que definiu este processo como sendo: “Uma parte essencial da estratégia de inclusão “. O grupo de Trabalho sobre a questão da Participação da EAPN, cujo principal objectivo é a reflexão sobre esta questão fez uma análise cuidada sobre os progressos obtidos e “componentes-chave” em todo este processo e a sua evolução desde 2001: 67 • A posição central que as Pessoas em Situação de Pobreza ocupam nestes Encontros. • A vontade cada vez maior das Pessoas em Situação de Pobreza de dialogar com os decisores políticos e a sua implicação. • O carácter recorrente dos Encontros. Desde 2002, que se realizam ininterruptamente. • O efeito multiplicado. Um número crescente de redes nacionais realiza à escala nacional, regional e local, encontros centrados na participação e no diálogo com as instâncias políticas e com os técnicos e ou dirigentes das instituições. • O aprofundamento da fase preparatória aos Encontros, assim como a possibilidade da sua continuidade. • O recurso a metodologias criativas favorecendo a europa “Considero importante encontros desta natureza, para nos dar a conhecer um pouco a realidade dos diversos países. É verdade que nos apercebemos que alguns estão, a todos os níveis sociais, num patamar mais elevado que o nosso, com eles podemos aprender a melhorar as nossas condições e formas a aplicar. Encontrei países, infelizmente, muito piores que o nosso. A evolução do processo de participação expressão de todos os presentes. • A publicação de comunicados das Presidências Europeias aos Conselhos de Ministros sensibiliza esta instituição à colocação da questão da pobreza nas agendas política e à necessidade de incrementar processos participativos. • A visibilidade destes Encontros. Os relatórios (disponíveis em português, na página www.eapn.org e nos sites das sucessivas Presidências), a preparação dos Encontros que ao longo dos anos implicou um número crescente de pessoas, o que contribuiu para chamar a atenção de diversos decisores políticos nacionais, regionais e locais, a produção de materiais audiovisuais (emissões de TV em diversos países, DVD, três exposições, catálogos). A Presidência Checa (1º semestre de 2009) já assegurou a realização do 8º Encontro, através do seu Secretário de Estado para os Assuntos Sociais no 7º Encontro. Mais uma vez a REAPN organizará e far-se-á representar através de uma delegação. notícias da rede ilustrativo, apresentar alguns depoimentos dos delegados: 68 Presidência francesa segundo semestre de 2008 Angelina Lopes angelina.lopes@reapn.org europa social em análise Entre os dias 1 de Julho e 31 de Dezembro de 2008 a França assume a Presidência da União Europeia, tendo definido como grandes prioridades: a energia e o clima, as questões migratórias, a agricultura, a segurança e a defesa. A dimensão social das políticas europeias, bem como os valores que caracterizam o modelo social europeu são um dos pontos da agenda durante o segundo semestre deste ano. No âmbito da Agenda Social europeia a presidência pretende que o debate viabilize a abordagem de novos temas como a demografia e suas consequências no mercado do trabalho, e a situação dos seniores; a mundialização e o lugar que a Europa deve preservar; a diversidade e a luta contra a pobreza. Deverá igualmente ser levada a cabo uma reflexão sobre os instrumentos da Europa social: legislativos, financeiros, convencionais, método aberto de coordenação. Tal reflexão terá ainda por objecto reforçar a dimensão social do mercado interno. A presidência atribuirá particular importância à inclusão activa das pessoas mais afastadas do mercado do trabalho (tema há muito debatido pela Rede Europeia Anti-Pobreza - EAPN), no sentido de serem definidos princípios comuns, com base numa recomendação da Comissão. Favorecerá igualmente programas de experimentações sociais inovadoras, os intercâmbios de experiências e o estabelecimento de redes europeias de excelência. Neste contexto, será promovida a Mesa Redonda Europeia sobre Pobreza e Exclusão Social em Marselha, a 15 e 16 de Outubro, consagrando justamente os seus trabalhos ao tema da inclusão activa. E, tal como nos anos anteriores, a Rede Europeia Anti-Pobreza / Portugal estará presente a vários níveis. Os temas da flexigurança, emprego, direito do trabalho e mobilidade serão trabalhados em colaboração com o Parlamento Europeu com objectivo de adopção das directivas sobre “Organização do Tempo Laboral”, e “Protecção dos Trabalhadores Temporários”. A luta contra as discriminações e a promoção da igualdade entre homens e mulheres são outros pontos a trabalhar. De facto, continuam a ser necessários esforços para se progredir em matéria de igualdade entre homens e mulheres, como melhorar a qualidade do emprego feminino, colmatar os desvios remuneratórios persistentes, e facilitar a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar. A saúde e os serviços de interesse económico geral e serviços sociais de interesse geral são fundamentais para a promoção da coesão social e territorial da União. Daí que a presidência pretenda prosseguir o debate sobre a protecção jurídica dos serviços de interesse económico geral, garantindo, assim, que a especificidade da sua missão e as suas características próprias sejam consideradas nas abordagens sectoriais. Em Dezembro de 2007, o Conselho Europeu estimava que o desenvolvimento de uma política europeia global no domínio das migrações continuava a ser uma prioridade fundamental da União e sublinhava, com o tal, a necessidade de um compromisso político renovado neste domínio. É a este apelo que a presidência francesa responderá propondo, aos seus parceiros, que adoptem, em Conselho Europeu, um Pacto Europeu sobre a Imigração e o Asilo. Tal Pacto terá por ambição assentar os alicerces de uma política comum reforçada num espírito de responsabilidade e de solidariedade, com base nas três dimensões da Abordagem Global das Migrações, incluindo uma melhor organização das migrações legais, um combate mais eficaz contra a imigração clandestina, e a promoção de uma estreita parceria entre países de origem, de trânsito e de destino dos migrantes. No âmbito do Pacto a presidência francesa apelará a que se organize a imigração legal, tendo em conta as necessidades e as capacidades de acolhimento dos Estados-Membros; a favorecer a integração; a combater a imigração clandestina, assegurando nomeadamente o afastamento efectivo dos imigrantes ilegais, protegendo melhor a Europa com o aperfeiçoamento da eficácia nos controlos das fronteiras; a construir uma Europa do asilo; e a construir uma parceria com os países de origem e de trânsito dos migrantes, ao serviço do seu desenvolvimento. Todas as medidas que serão levadas a cabo inscrever-se-ão na sequência dos Programas de Tampere (19992003) e de Haia (2004-2009), bem como da comunicação da Comissão de 17 de Junho sobre uma política de imigração comum para a Europa. No contexto do 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem (em 2008), a presidência Presidência francesa continuará a promover, os direitos do Homem e a sua universalidade. As formas de violência sobre as mulheres merecerão grande destaque. No que respeita ao Tratado de Lisboa, a presidência francesa irá aplicar as conclusões do Conselho Europeu de 19 e 20 Junho de 2008. O Conselho Europeu regressará a esta questão por altura da sua reunião de 15 Outubro de 2008, a fim de examinar a via a seguir. Notas Site presidência Francesa http://www.eu2008.fr/PFUE/lang/fr 69 Programa da Presidência em português http://www.eu2008.fr/webdav/site/PFUE/shared/Programme PFUE/Programme_PT.pdf Conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Bruxelas de 19/20 de Junho de 2008 http://www.consilium.europa.eu/ueDocs/cms_Data/docs/pressData /pt/ec/101357.pdf A dimensão transnacional O Progama EQUAL conduziu a desenvolvimentos muito positivos que esperamos ver continuados, especialmente no que ser refere ao enfoque dado aos grupos desfavorecidos e à parceria com a sociedade civil. Neste contexto Elodi Fazi, Policy Officer da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN), endereçou algumas questões ao Dr. Rui Fiolhais, Gestor do Programa POPH, sobre a dimensão transnacional e a parceria no Programa POPH. E.F. – Portugal prevê a promoção de projectos transnacionais específicos, financiados pelo FSE nos domínios da parceria e da inclusão activa de pessoas em situação de pobreza que se encontram mais afastadas do mercado de trabalho? R. F. – Sim, é possível para as organizações que trabalham nesse campo desenvolvam projectos dirigidos a pessoas que vivem em situação de pobreza e ainda que parte do projecto tenha uma componente transnacional. Essa dimensão poderá centrar-se em diferentes grupos, formadores e formandos ou apenas em aspectos específicos ao nível da metodologia de trabalho. E.F. – Sendo um dos requisitos chaves do regulamento do Fundo Social Europeu (artigo 5, 3.1.e), está previsto algum projecto sobre “parceria com a sociedade civil”? R. F. – Os projectos dirigidos a pessoas ou grupos socialmente desfavorecidos tem como um dos requisitos de selecção o enfoque na questão da parceria, uma vez que é um elemento chave de sucesso para a inclusão, destas pessoas ou grupos, na comunidade em geral. Por outro lado, faz parte de uma estratégia de rentabilizar recursos e conhecimentos entre as diversas organizações, para abordar os problemas e os percursos da inclusão de pessoas ou grupos em territórios ou comu- nidades onde estes fenómenos têm uma expressão mais forte. E. F. – Quando é que as áreas vão ser definidas? R. F. – Já foram definidas e estão na base da selecção e aprovação das candidaturas. E. F. – Com que países está prevista, ou será possível, a cooperação? R. F. – Como todos os Estados Membros da UE. E. F. – Qual vai ser o co-fianciamento exigido? Estão previstas a facilidades ao nível de cofinanciamento? R. F. – Esta questão faz parte do projecto, sendo uma decisão do promotor definir o montante a utilizar na componente transnacional. A percentagem de co-fianciamento exigida será sempre igual, independentemente do projecto ter ou não uma dimensão transnacional. E. F. – As ONG’s foram envolvidas no diálogo sobre a dimensão transnacional e serão parceiras de projectos? R. F. – Esta questão é também da responsabilidade das ONGs. Estas apenas necessitam de apresentar à autoridade de gestão, um plano de trabalho e identificar o(s) parceiro(s) com querem trabalhar. E. F. – Onde podemos encontrar mais informação sobre esta matéria? R. F. – Existe mais informação, em português, em:www.phop.qren.pt. Está também a ser preparado um documento técnico que aborda estas questões e que reúne informação importante para os promotores dos projectos para que possam incorporar estes aspectos, mais facilmente, nas propostas de trabalho. E. F. – Quando será lançado o primeiro período de candidaturas? R. F. – Já foi lançado. Consideramos no entanto abrir um novo período de candidaturas no final de 2008, início de 2009. Esta informação será também disponibilizada no site do Programa. europa social em análise nos projectos do FSE 70 PNAI 2008-2011 propostas da REAPN destaque destaque Numa altura em que se aproxima a data da submissão do PNAI 2008-2011 à Comissão Europeia (próximo dia 15 de Setembro), a REAPN elaborou um documento onde reflecte sobre a implementação do PNAI 2006-2008, e apresenta alguns contributos e recomendações para o PNAI 2008-2011. Desde a primeira geração do PNAI (2001-2003) que a Rede Europeia Anti-Pobreza/ Portugal assumiu uma posição bastante activa por considerar que a Estratégia Europeia para a Inclusão Social é assumidamente, no quadro da União Europeia, uma conquista importante no sentido de se atingir o objectivo, definido na Cimeira de Lisboa em 2000, de promover um impacto decisivo na erradicação da Pobreza até 2010. situando-se em 6,9%, ao passo que a média europeia é de 4,9%. Isto significa que não tem havido um esforço político suficientemente forte na criação de mecanismos capazes de promover a coesão económica e social e a solidariedade, ou que, no limite, as estratégias que o Governo Português tem adoptado em matéria de luta contra a pobreza e inclusão social não tem sido bem sucedidas. No quadro das instituições nacionais a REAPN apresentou várias tomadas de posição e promoveu inúmeros momentos de reflexão sobre esta matéria, assim como um conjunto alargado e diversificado de iniciativas (projectos, acções de formação, workshops de sensibilização e informação, campanhas, etc.) que envolvem não só os actores sócio-institucionais chave no domínio da luta contra a pobreza e exclusão social, mas também aqueles indivíduos que vivem em situações de vulnerabilidade social e ainda a população em geral. Temos assim uma preocupação extrema com a divulgação e conhecimento/esclarecimento do PNAI junto de um público mais alargado, considerando-o um instrumento de planeamento e de estratégia que deve assumir uma real aplicabilidade do ponto de vista das políticas públicas (não só das políticas no domínio social) e da intervenção social em Portugal. É fundamental que da parte do Governo nacional haja uma preocupação e um compromisso político em (re)centrar a dimensão da coesão social na concretização da Estratégia de Lisboa. A vertente da coesão social que, no actual contexto, parece estar um pouco arredada da Estratégia de Lisboa renovada, deverá, em nosso entender, ser evidente nos compromissos do Governo Nacional em termos do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) e dos Programas Operacionais Regionais e Temáticos que lhe dão corpo. O contexto actual que o nosso país enfrenta exige respostas eficazes no domínio da inclusão social, sob pena de, em 2013, nos encontrarmos num cenário de ainda maior distanciamento face à União Europeia, com as gravíssimas consequências que numa Europa em alargamento tal poderá produzir. Para que o PNAI seja um instrumento eficaz no combate à pobreza em Portugal, a REAPN considera que é fundamental que ele seja assumido por todos – políticos, técnicos e cidadãos em geral – como um documento estratégico de referência, no qual se identificam metas, programas, medidas e indicadores (quantitativos e qualitativos) que permitam monitorizar e avaliar a eficácia de uma estratégia nacional de luta contra a pobreza. Por outro lado, a grande esperança depositada no Programa das Rede Social no processo de monitorização do PNAI 2006-2008 não foi concretizada na maior parte dos casos por falta de documentação estratégica de referência, por falta de harmonização de procedimentos entre as diferentes Redes Sociais, por falta de recursos humanos especializados e também por falta de espírito de trabalho em rede. A situação nacional dos fenómenos de pobreza e exclusão social enquadra-se hoje num contexto muito desfavorável em termos globais. Portugal é mais uma vez apontado, no último relatório sobre a Situação Social na União Europeia 2007, como o líder (a par da Lituânia) das desigualdades sociais. O fosso entre ricos e pobres continua a ser o maior da União Europeia, O facto das metas estabelecidas à partida não terem sido demasiado ambiciosas e se encontrarem em harmonia com as medidas elencadas noutros programas governamentais, terá com toda a certeza consequências ao nível dos resultados alcançados no fim do período de vigência do PNAI (ao nível da sua avaliação) e sobretudo em domínios tão críticos como os da pobreza infantil e dos idosos. PNAI 2008-2011 Algumas propostas e recomendações Criar, no âmbito da Comissão Inter-ministerial de Acompanhamento do PNAI, uma task force que possa avaliar a implementação do PNAI 2006-2008 e preparar um plano de actividades detalhado do PNAI 2008-2011; Criar um espaço de participação e auscultação, e promover uma sensibilização geral para as questões da pobreza e exclusão social; Clarificar o papel das pessoas em situação de desfavorecimento social na implementação da estratégia de inclusão social e incluir no novo plano acções/projectos/iniciativas que garantam a mobilização, auscultação (participada) e a participação efectiva das pessoas em situação de pobreza de uma forma consistente e permanente; Definir um conjunto de acções no âmbito do Ano Europeu contra a Pobreza (2010), que favoreçam a visibilidade pública do fenómeno da pobreza e exclusão social. 2010 será uma oportunidade para desenhar e implementar acções que favoreçam uma reflexão alargada sobre a temática da pobreza e exclusão social, bem como para o envolvimento e comprometimento das entidades competentes; Definir medidas políticas e acções concretas que permitam uma redução efectiva da taxa de pobreza infantil e da taxa de pobreza dos idosos ; Retomar, ao nível do PNAI, a integração não só dos imigrantes, mas também das minorias étnicas, em particular, as comunidades ciganas, definindo metas e medidas pró-activas que visem uma intervenção clara e efectiva nas problemáticas que lhes estão inerentes: pobreza exclusão, racismo, discriminação. Os fenómenos da pobreza extrema devem também ser objecto de uma atenção específica; Promover uma metodologia que favoreça uma apropriação do Plano por parte das diferentes instâncias que têm o papel de implementar as medidas políticas nele inscritas - educação, saúde, habitação, emprego, acção social. Desde o seu início que o PNAI parece carecer de falta de legitimidade política e pública, apesar de se tratar de um instrumento estruturador e estratégico, de ponto de vista da inclusão social em Portugal; 71 Privilegiar estudos de investigação que permitam conhecer a fundo alguns dos fenómenos mais prementes ao nível da pobreza e exclusão social em Portugal. A REAPN vem defendendo que devem ser criadas as bases para a construção de um Observatório Nacional de Combate à Pobreza que permita um conhecimento actualizado e permanente sobre o fenómeno da Pobreza e da Exclusão Social dotado de uma capacidade de investigação-acção; Prever medidas concretas que vão de encontro às novas formas de pobreza. Relativamente ao fenómeno crescente do sobre-endividamento das famílias importa criar medidas que possam conhecer a incidência do fenómeno e actuar ao nível da sua prevenção, bem como nível da responsabilidade social das empresas ligadas ao sector financeiro; Definir metas concretas no sentido de atacar a taxa de pobreza nos idosos, nomeadamente através do aumento das pensões. A tendência do aumento do número de idosos em Portugal é uma realidade, o que exige um reforço do sistema de protecção social. É importante criara medidas que promovam o envelhecimento activo e que conduzam ao aumento da taxa de natalidade no nosso país; Adoptar uma política (monitorizada) de capacitação e qualificação dos equipamentos sociais financiados pela Segurança Social (lares, centros de dia, creches, internatos, etc.), com vista a garantir serviços de maior qualidade, adequados às necessidades e aos diferentes públicos-alvo. A qualificação das organizações sociais deve ser encarada como um investimento num sector que, ainda actualmente, garante uma enorme parte da protecção social em Portugal; Proceder a uma análise da eficácia da medida Rendimento Social de Inserção. Importa analisar a primeira fase de implementação e o impacto da medida a nível dos seus beneficiários. Associada a esta medida encontram-se os esquemas de inclusão activa, que importa serem postos em marcha. A este nível é particularmente importante quer em termos de macro-política, quer em termos de concertação de respostas locais privilegiar a destaque Assim, o que nos preocupa neste momento, é perceber se as medidas estabelecidas e implementadas ao longo destes 3 anos foram eficazes na redução da taxa de pobreza infantil e dos idosos, muito embora estas não tenham sido metas definidas explicitamente no documento (poverty proofing). A questão principal que se coloca é a seguinte: será que as medidas apresentadas ao nível da primeira prioridade permitiram alcançar um impacto positivo nas taxas de pobreza? PNAI 2008-2011 72 construção de mais e melhores “pontes” entre as estratégias de emprego e as estratégias de inclusão social; É absolutamente imperioso que o PNAI integre e seja consequente na aplicação de medidas que reforcem o trabalho em rede e a cooperação inter-institucional (pública e privada). A emergência social que se adivinha vai exigir maior criatividade e flexibilidade e uma definitiva coordenação de esforços e de políticas que tem que ser incentivada e monitorizada. Naturalmente, este é um âmbito de intervenção em que importa ter presente as preciosas possibilidades que, no âmbito dos Fundos Estruturais Comunitários (Quadro de Referência Estratégico Nacional), poderão contribuir para a concretização de tais desafios. Determinações da União Europeia para o PNAI 2008-2011 A Comissão Europeia lançou em Março de 2008 um guia para a preparação dos Relatórios Nacionais de Protecção Social e Inclusão Social 2008-2011. Nesse documento é referido que o primeiro ciclo do Método Aberto de Coordenação integrado 2006-2008 está prestes a ser concluído. Foi conseguida uma interacção positiva entre os Relatório Nacionais de protecção e inclusão social e os Programas Nacionais de Reforma. Nesta base o Comité de Protecção Social e a Comissão Europeia acordaram em propor a manutenção dos Objectivos Comuns adoptados no Concelho Europeu em Março de 2006 e manter um ciclo de 3 anos4 alinhado com a Estratégia para o Crescimento e o Emprego. destaque Nesse guia é referido que os Relatórios Nacionais devem ser compostos por quatro partes. A primeira parte deverá conter uma abordagem geral com uma avaliação da situação social, e deve ser concluída com uma apresentação da estratégia de cada estado-membro para o novo ciclo. As partes 2, 3 e 4 deverão começar com uma análise dos progressos alcançados em relação às prioridades identificadas no Relatório de 2006-2008, os desafios específicos de cada país identificados no Relatório conjunto de 2007 e as Recomendações específicas para cada país definidas no quadro da Estratégia para o Crescimento e o emprego. É enfatizada a necessidade de promover uma boa coordenação entre a preparação dos Relatórios Nacionais e o PNACE. Na preparação dos Planos Nacionais de Acção para a Inclusão os Estados-membros devem tomar em conta as lições da implementação do primeiro ciclo do Método Aberto de Coordenação integrado e das anteriores gerações do PNAI. A natureza estrutural da pobreza e da exclusão implicam a necessidade de continuidade e reafirmase nesse mesmo documento que a pobreza infantil e a inclusão activa emergem como prioridades chave, assim como a integração social de migrantes. No documento da Comissão afirma-se ainda que a preparação do PNAI deve ser rentabilizada como uma forma de aumentar a visibilidade e o debate sobre a pobreza e exclusão social, quer ao nível do público em geral, quer entre os decisores políticos, actores – chave e parlamentos nacionais. Notas Propostas da REAPN para o PNAI 2008-2011 http://www.reapn.org/documentos_visualizar.php?ID=88 Site do Plano Nacional de Acção para a Inclusão e PNAI 2006-2008 www.pnai.pt O processo de protecção social e inclusão social http://ec.europa.eu/employment_social/spsi/strategy_reports_en.htm