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Notícias da Rede
01
Portugal
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Quando o Tâmega se vê ao espelho…
Mediação de conflitos: para além de um modo alternativo
Agência de Consultoria Social
Construindo um Observatório de Luta contra a Pobreza em Lisboa
Dossier
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Envelhecer activamente…
O que se perde e o que se ganha com o avanço da idade
Envelhecimento bem sucedido
Mitos e preconceitos da velhice
Aproximar gerações: o caminho da educação
Envelhecimento e emprego
Novas tecnologias & idosos: exclusões e soluções
Envelhecimento demográfico
Participação activa da população idosa na sociedade
Animação sociocultural com idosos: perspectivas de intervenção
Envelhecer com projecto – o valor do Sujeito
Cuidados informais na velhice: o apoio familiar
Políticas sociais gerontológicas
Respostas sociais para pessoas idosas – a intervenção do Estado
Políticas Sociais que respondam às necessidades dos idosos
Envelhecimento activo em Farminhão
O equilíbrio psíquico do idoso e a dinâmica
A doença do envelhecimento
Observatório do Envelhecimento
Envelhecimento no distrito da Guarda
Notícias da Rede
Europa
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Inclusão Activa – uma estratégia integrada
Encontro Europeu de Pessoas em Situação de Pobreza
Europa Social em Análise
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Presidência Francesa
Projectos do FSE - a dimensão transnacional
Destaque
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PNAI 2008-2011 – As propostas da REAPN
índice
Rediteia 41
02
03
Editorial
02
Editorial
Decidimos dedicar este primeiro número do Rediteia de 2008 ao tema do Envelhecimento Activo. Esta escolha
esteve relacionada com uma opção estratégica estabelecida no início do ano, aquando da elaboração do Plano de
Actividades para 2008, de estudar aprofundadamente dois grupos etários que em Portugal enfrentam situações
gravosas do ponto de vista da pobreza e exclusão social. Trata-se dos idosos e das crianças. São mais que conhecidos
os números que atestam a pobreza nestes dois grupos etários e estes números escondem por detrás situações
humanas muito penosas, que exigem da nossa parte uma consciência moral e cívica atenta e comprometida. É esse
o papel da REAPN e de muitas outras organizações não governamentais que quotidianamente procuram minimizar
os efeitos da pobreza e exclusão social e contribuir para uma sociedade mais equitativa e coesa.
Esta escolha está também relacionada com as prioridades do Plano Nacional de Acção para a Inclusão 2006-2008
que definiu como uma das suas linhas de força – combater a pobreza das crianças e dos idosos, através de medidas
que assegurem os seus direitos básicos de cidadania. Este plano governamental é para nós um importante instrumento
ao serviço da estratégia nacional de combate à pobreza e por isso incorporamos o seu conteúdo na intervenção da
REAPN. Isto é, procuramos desenvolver a nossa missão com base em determinados princípios orientadores e também
tendo por base este importante instrumento. Daí que exista consonância em termos de acções/actividades propostas
para o ano de 2008, nomeadamente o trabalho a desenvolver no âmbito do envelhecimento activo e da pobreza
infantil.
Na base destes dois problemas que afectam a sociedade portuguesa está a família, que constitui a célula fundamental
e um valor inalienável da sociedade. A família constituiu desde sempre o espaço privilegiado de realização da pessoa,
da vivência e da transmissão de valores humanos, espirituais, afectivos, culturais e de reforço da solidariedade entre
gerações, o que torna evidente a necessidade de se desenvolverem políticas que promovam as potencialidades da
família e que respondam às suas necessidades, aos seus direitos e aos seus deveres.
editorial
É essencial conceber e desenvolver de forma integrada, global e coerente uma política da família que tenha em
conta os diferentes elementos que a compõem. No caso concreto da população idosa, cuja percentagem cresceu
exponencialmente nos últimos anos, importa promover o envelhecimento activo, reconhecendo a acção desenvolvida
pelos mais idosos, valorizando o seu contributo e destacando o papel positivo que desempenham na família e na
sociedade em geral.
Com esta publicação procuramos aflorar o tema do Envelhecimento Activo através de contributos de diferentes
entidades públicas e privadas e individualidades (peritos, investigadores) que se dedicam ao estudo ou à intervenção
directa junto desta população. Consideramos que, pela diversidade de artigos e pela abrangência de sub-temas
analisados, este número da Rediteia constitui uma mais-valia para o leitor e uma importante ferramenta de trabalho
para a REAPN e para os seus associados na prossecução do objectivo de conhecer melhor este fenómeno. Esta
edição constitui assim um ponto de partida no trabalho desenvolvido pela REAPN nesta área, que se complementa
com diferentes acções desenvolvidas pelos Núcleos Distritais sobre o mesmo tema (acções de formação, grupos de
trabalho, seminários, etc.). De igual modo, o trabalho encetado pela sede nacional ao nível da dinamização de um
Grupo de Trabalho sobre o tema do Envelhecimento Activo, irá produzir no segundo semestre de 2008 um documentomarco sobre este tema, contando com a colaboração de uma perita nacional sobre a matéria. Por outro lado, a breve
prazo, contaremos com um núcleo duro de instituições que desenvolvem a sua actividade nesta área.
Esta edição é assim um ponto de partida que esperamos que possa abrir outras portas e estimule o conhecimento
e a capacidade prepositiva sobre o tema do envelhecimento activo, possibilitando o exercício da cidadania e a
alegria de ser útil durante o tempo de vida que Deus lhe conceder.
Pe. Agostinho Jardim Moreira
Presidente da Direcção da REAPN
Quando o Tâmega se vê ao espelho…
reconhece-se à margem das outras regiões do país
Claudia Albergaria
claudia.albergaira@reapn.org
03
É chegada a hora de reafirmarmos que os concelhos da sub-região do Tâmega integram um
território que está, de facto, à margem das outras regiões do país. Os números e os testemunhos
apresentados no estudo “Nas Margens do Tâmega: mercado de trabalho, pobreza e exclusão:
interacções e intervenções”, confirmam a persistência da pobreza nesta sub-região, associada não
só ao desemprego mas também ao mau emprego e a outros factores estigmatizantes e impeditivos
de vivências pessoais e sociais dignas e realizadoras.
O grande objectivo do projecto passou pela elaboração
de um instrumento de apoio à acção local, pelo que
temos de garantir que a informação chegue ao maior
número de actores possível, para que todos se possam
apropriar dela e contribuir para a mudança e para a
definição de estratégias mais fundamentadas. Assim,
para além da publicação em livro do estudo realizado,
criaram-se outros produtos tais como um CD-ROM e
um sub-domínio na página web da REAPN www.reapn.org/porto-tamega. Este espaço na Internet
constitui também uma fonte de informação
privilegiada, não só sobre o conteúdo do próprio
estudo mas de todas as acções do projecto, assim como
das estruturas de acompanhamento e avaliação
constituídas, direccionando também os visitantes para
outros links de interesse. A disseminação do
conhecimento e do trabalho desenvolvido com este
projecto não terminou com o seminário final, cabe
agora a todos nós divulgar os produtos, e, mais do que
tudo, trabalhar sobre o conhecimento produzido para
o transportar para a prática.
O facto de se terem criado estruturas de acompanhamento, monitorização e avaliação, ao longo do
desenvolvimento do projecto, permitiu ir construindo
relações de proximidade entre os actores locais, com
todos os benefícios daí resultantes. De facto um dos
impactos do projecto prende-se precisamente com o
incremento das parcerias / mobilização de actores
públicos e privados do território em análise, a avaliar
pela assiduidade e participação das instituições nas
reuniões de monitorização, nas reuniões da Parceria
de Desenvolvimento, Comissão de acompanhamento
e outros eventos tais como as sessões de apresentação
do projecto e o seminário final.
Temos consciência que o contacto com um número
elevado de instituições (aproximadamente 200) por si
só, não garante que o trabalho em rede seja efectivo.
Sabemos que o tempo é um factor fundamental ao
nível da consolidação das parcerias, mas, neste caso,
a heterogeneidade das instituições (pelas áreas do
social com que trabalham e pela função que algumas
exercem ao nível das políticas de emprego e do
mercado de trabalho) e a disponibilidade que revelaram
para colaborar no projecto garantiu o envolvimento e
a participação necessária para que o instrumento de
acção criado – o estudo – seja apropriado por todos
como algo em que estiveram envolvidos desde o inicio,
com o qual se identificam e por isso devem assumir,
de certa forma, a responsabilidade que possuem ao
nível da participação na definição e implementação
de planos de acção mais concertados e integradores.
1. Projecto desenvolvido entre Julho de 2007 e Junho de 2008 e co-financiado
pela CCDR-Norte, no âmbito do Programa Operacional da Região Norte, medida
1.4 – Valorização e Promoção Regional e Local.
portugal
Com base na avaliação realizada ao longo do projecto
podemos afirmar que o balanço é francamente positivo,
desde logo pelo produto principal do projecto que
para além de um diagnóstico exaustivo da realidade
destes concelhos constituirá também, como já
referimos, um importante instrumento de apoio à
intervenção local, nomeadamente, pelas pistas de
acção estratégicas delineadas.
notícias da rede
Os principais resultados do estudo elaborado no âmbito
do projecto "O Impacto do (Des)emprego na Pobreza
e Exclusão Social no Porto-Tâmega – Pistas de Acção
Estratégicas"1 foram apresentados publicamente no
passado dia 18 de Junho, no seminário final que se
realizou na fundação Dr. António Cupertino de Miranda,
no Porto. Este evento, constituiu um encontro
importante quer porque correspondeu à divulgação
de um estudo que se pretende útil à intervenção social
nestes concelhos, quer porque permitiu o debate de
ideias e de estratégias de acção entre peritos das áreas
abordadas e com responsabilidades ao nível da inclusão
social, autarcas e outros actores sócio institucionais
locais, com base no princípio da participação e da troca
de experiências. Valeu igualmente pelo impacto que
teve na comunicação social, esperando-se que
contribua para a sensibilização da sociedade civil e do
próprio Estado para as questões das desigualdades
sociais decorrentes do mau emprego e do desemprego,
nesta região do país.
Quando o Tâmega se vê ao espelho…
notícias da rede
portugal
04
Do contacto com os actores locais emergiu uma
preocupação transversal a todos e que diz respeito,
precisamente, à dificuldade que existe em trabalhar
efectivamente em rede, como parceiros e não como
adversários. A consciência de que este é o caminho
correcto na luta contra a pobreza está fortemente
presente na consciência de todos, mas os obstáculos
são consideráveis, nomeadamente os que se prendem
com a cultura organizacional de algumas instituições
e organismos assim como com a falta de alguns
recursos (técnicos, financeiros e materiais) que
condicionam a disponibilidade para, nomeadamente,
acedermos a formação específica que prepare os
técnicos e dirigentes para as novas formas de trabalhar
em parceria. Aqui, é óbvia a importância que adquire
as redes sociais concelhias e as plataformas que existem
para partilha de saberes e tomadas de posição,
nomeadamente as plataformas supra concelhias. O
que se verifica é que as redes sociais estão em estádios
diferentes de desenvolvimento nestes concelhos e isso
reflecte-se fortemente na eficácia da intervenção social
local. Torna-se imperativo, portanto, a continuidade
do trabalho nestes concelhos e com estas instituições,
publicas e privadas, que pela importância da função
que exercem se tornam pedras basilares na luta contra
a pobreza.
O projecto assumiu igualmente uma função importante
ao nível da sensibilização da sociedade em geral e dos
actores locais em particular, para os problemas reais
desta sub-região, não só através das actividades
desenvolvidas ao longo do projecto, mas também pela
acção persistente dos mass media desde a fase de
apresentação pública do projecto até ao seu
encerramento. O Seminário final teve grande cobertura
mediática, por parte da imprensa local, regional e
nacional, tendo sido alvo de atenção também por parte
de rádios locais, e de algumas estações de televisão, o
que se torna essencial pois a informação faz parte de
um dos primeiros níveis da escada da participação,
sem a qual não podemos exercer uma cidadania activa,
reivindicar direitos e reclamar responsabilidades.
Apresentamos alguns níveis em que consideramos que
o projecto teve um impacto positivo, mas não podemos
esquecer que a nossa preocupação central prende-se
com o impacto que o projecto poderá ter na vida das
pessoas que vivem em situação de pobreza, o que
deverá ser, predominantemente, avaliado à posteriori,
pois tratando-se de um projecto que teve como
principal produto um estudo de investigação social e
a identificação de um conjunto de pistas de acção,
espera-se a curto-médio prazo que essas pistas sejam
apropriadas pelos actores locais, fundamentalmente
pelos actores que detêm o poder público local, e que
daqui resulte um plano estratégico, supra-municipal,
com vista ao desenvolvimento local e à promoção da
inclusão social. Espera-se, antes de mais, que esse plano
deixe de ser “um plano” com a maior brevidade possível
e passe a ser a estratégia implementada, concreta, que
oriente todos os que intervêm na área do social, e
todos os outros que aí têm também responsabilidades,
pois a pobreza é um problema que a todos diz respeito.
Não podemos deixar de referir que um estudo de
investigação é sempre um produto inacabado, desde
logo porque a realidade social está em constante
mutação. Nenhum estudo social consegue abordar
todas as dimensões de um problema tão complexo
como o da pobreza. Temos contudo a certeza que as
opções metodológicas adoptadas foram ao encontro
de uma necessidade identificada – a de aprofundar a
complexa relação que se estabelece entre o
desemprego (ou o mau emprego) e a pobreza,
provando-nos que ter um emprego não garante ao
cidadão sair da situação de pobreza em que se
encontra, nem o impede de entrar nesta situação após
o ter conseguido.
Torna-se pois fundamental colocar outros estudos,
que abordem as questões da pobreza e do
desenvolvimento local sustentado, sobre a mesa, pois
as diferentes perspectivas de análise da realidade
garantem a sua complementaridade, sobretudo os que
se realizaram nos mesmos territórios. Para além disso,
será importante realizar estudos dentro da mesma
abordagem para outros concelhos não abrangidos por
este projecto e que, pela sua proximidade territorial
Quando o Tâmega se vê ao espelho…
devem ser contemplados em termos de planos
estratégicos para esta região, pois a permeabilidade
dos problemas sociais é muito significativa,
especialmente quando a distancia geográfica é
reduzida.
A pobreza e a exclusão social limitam o ser humano
enquanto ser bio-psico-social, o que se reflecte, em
última instância, na destruição da sua própria
identidade e auto-estima. Assim, também a identidade
colectiva desta sub-região do Tâmega se vê fragilizada,
vendo no seu espelho o reflexo de uma região, em
certa medida, esquecida e negligenciada relativamente
a outras regiões do país, e por isso mais desprovida de
recursos e de oportunidades. Torna-se portanto
fundamental distinguir, no âmbito da acção social, as
respostas “curativas” das respostas “preventivas”,
accionando umas e outras de acordo com as
especificidades e exigências das situações e, o que não
é menos importante, identificar e rentabilizar as
potencialidades da região, de forma a torná-la atractiva
para grandes investidores – com vista à inovação e ao
desenvolvimento da região, à criação de postos de
trabalho e ao reforço das identidades locais, que se
encontram debilitadas em termos da sua auto-imagem,
o que condiciona pela negativa o empreendedorismo
(interno e externo) imprescindível para reverter o
caminho que este território está a seguir.
05
Não podemos, por todos estes motivos, dar por
encerrado este trabalho mas sim reafirmar a nossa coresponsabilidade e comprometimento, relativamente
à continuidade do trabalho em rede, nesta e noutras
regiões do nosso país, em prol dos mais desfavorecidos,
e com eles, porque são eles que, pela negação que
lhes é dada do direito a um emprego digno e ao acesso
a outros direitos fundamentais, vivem com o futuro
comprometido e com o presente enredado nas tramas
da pobreza e da exclusão social.
No seu romance político-social “Utopia”, Thomas More (1478-1535)2, defende a ideia de que a
evolução de uma sociedade passa pelo privilegiar o investimento na construção da paz, e não
pelo facto de canalizar dispendiosos recursos humanos e materiais para a guerra. Pouco se alterou
quase seis séculos depois! Foi necessário aguardar as últimas duas décadas do século passado
para se observar a mudança de paradigma anunciado pelo humanista inglês, com o
desenvolvimento e maior visibilidade dos movimentos e organizações pacifistas.
Vinda do Canadá e dos Estados Unidos, nascidos, tal
como refere Bonafé-Schmitt3 de movimentos religiosos
(Quakers) e cívicos (Comunauty Board), a resolução
alternativa de litígios (conciliação, negociação,
arbitragem, mediação), enquanto ideologia de
harmonia e pacificação social, transpôs-se, nos anos
80, para a velha Europa. Também aqui foram as
organizações e universidades católicas que
desenvolveram a mediação, numa fase inicial
essencialmente a mediação familiar, enquanto método
alternativo de resolução de conflitos.
pelos sistemas judiciais vigentes. Estes assumem-se,
deveras, como mais justos, mais democráticos, mas
contudo também e paradoxalmente como mais
morosos, mais custosos, mais complexos…
A dimensão alternativa da resolução de litígios colocase então perante o recurso a um sistema judicial
inoperante face à democratização do seu acesso e à
diversificação das fragmentações culturais, sociais e
familiares.
Porquê “Resolução Alternativa”?
Será que se mantém esse “mal-estar na civilização” ao
qual se refere Sigmund Freud 4 decorrente das
tendências destrutivas e anti-sociais do Homem para
o qual a paz nunca será algo de espontâneo e natural!
Assim, surgem os meios alternativos de gestão de
conflitos, e entre eles a mediação na sua interacção
com o sistema judicial: como uma forma de luta contra
os disfuncionamentos do sistema judicial, como uma
espécie de justiça informal, auto-intitulada justiça de
proximidade, ou um modo de resolver a litigiosidade
do sistema judicial formal. Para além de alternativa
Felizmente o pensamento humanista e democrático
também levou à deslocação da passagem ao acto
violento para algo de mais aceitável: os duelos, as lutas
e vinganças decorrem agora atentamente enquadradas
1.
2.
3.
4.
Mediadora, Presidente da Associação Fórum-Mediação
More, Thomas. Utopia, Edições Europa-América, Mem-Martins,1995
Bonafé-Schmitt, Jean-Pierre. La médiation: une autre justice. Paris, Syros, 1992.
Freud, Sigmund O mal-estar na civilização - Rio de Janeiro, Imago Editora, 1969.
notícias da rede
Angela Maria Lopez1
angemlopes@gmail.com
para além de um modo alternativo
portugal
Mediação de conflitos
Mediação de conflitos
notícias da rede
portugal
06
afirma-se como “restaurativa” ou ainda “reparadora”,
propondo-se impulsionar reparações, reinserções,
reconhecimentos de responsabilidade. Esta versão
menos formal e mais democrática da aplicação da
justiça tem o mérito de instalar uma espécie de
igualdade imaginária entre o alegado agressor e a sua
alegada vítima. Proporciona um cariz democrático ao
promover a liberdade e a responsabilidade individual
na procura de um solução partilhada, com a ajuda de
um interveniente que se pretende neutro e imparcial,
ambicionando uma decisão que se quer satisfatória
para os intervenientes e cuja dimensão legal se
encontra preservada pela validação do sistema jurídico.
efectiva eficácia nem a uma maior operacionalidade
do sistema judicial. Em França, segundo este
investigador, apenas 2% do contencioso em matéria
civil é resolvida através de meios alternativos de
resolução de conflitos (MARC). Em Portugal, se
analisarmos os dados estatísticos do Ministério da
Justiça no âmbito da jurisdição civil ao nível das acções
declarativas dos tribunais de 1ª instância (estatísticas
da Justiça 1996-2005 ) e os dados estatísticas do
Gabinete de Resolução Alternativa de Litígios que
apontam para 30% de acordos após conclusão do
processo de mediação, não chegaremos a 1%.
A mediação aparece assim, numa primeira fase, em
Inglaterra, em França e na Bélgica, como um modo de
descongestionar a instituição judicial, acabando nesses
países, onde foi implementada desde meados dos anos
80, por ser qualificada de justiça de segunda classe
porque a ela recorria apenas quem não dispunha de
meios para alimentar um processo judicial. Na verdade,
nem nesses países, nem em Portugal, há memória de
qualquer político, grande empresário ou outra
personalidade de destaque ter recorrido à mediação.
Os últimos dados vindos a público referentes à
mediação familiar (Jornal de notícias de 17 de Janeiro
de 2008) apontam que num país onde decorrem cerca
de 20 mil divórcios por ano (não existem indicadores
estatísticos das separações de uniões de facto), em seis
meses apenas se registaram 539 solicitações de recurso
à mediação, das quais menos de metade, 202
prosseguiram com o processo de mediação.
Foi ainda apelidada pelos próprios operadores dos
sistemas judiciais, descrentes da sua eficácia, de “justiça
aspirina”, defendendo que a mediação enquanto forma
de “justiça suave”5 se revela apenas viável para a
resolução de males menores…
A partir de meados dos anos 80, apareceram os
primeiros textos jurídicos e orientações a enquadrar a
prática da mediação assim como as recomendações
da União Europeia que enquadram e institucionalizam
a mediação como forma de pacificação de conflitos. A
área da família foi a primeira, e de forma preponderante,
a ser abrangida face à implosão dos sistemas familiares
tradicionais e do surgimento de novas organizações
familiares. O recurso à mediação familiar e
posteriormente às outras áreas estruturou-se, na Europa
e em Portugal enquanto forma de regulação da
litigiosidade à sombra do sistema judicial, continuando
a ser encarada pelos diferentes poderes políticos apenas
como modos extra-judiciais de resolução das
pendências processuais.
Tal orientação é a tónica dominante na Resolução do
Conselho de Ministros nº172/2007, de 6 de Novembro
de 2007, que encara a promoção da mediação como
uma das vias possíveis para o descongestionamento
dos tribunais nomeadamente na área da jurisdição
civil, familiar e laboral, ambicionando reduzir os mais
de 100 000 processos pendentes nos tribunais.
Tal encanto do sistema judicial pela mediação não se
entende.
Há mais de dez anos que Bonnafé Schmitt6 tem vindo
a detectar que o investimento na mediação enquanto
meio extra-judicial não corresponde nem a uma
Poderá haver sem dúvidas falhas ao nível do sistema
de divulgação. Todavia num país em que até recentemente só se ouvia falar de mediação imobiliária,
podemos questionar a pertinência da preocupação
do sistema judicial em criar respostas que não
correspondem a uma necessidade expressa da
sociedade civil, mas apenas à organização do próprio
sistema e de preocupações políticas. Será uma resposta
do sistema judicial indutora de um comportamento,
ou deverá o sistema judicial enquadrar uma
preocupação e uma necessidade dos cidadãos?
Segundo Jean-Louis Lascoux7 tal ocorre porque a
mediação foi abraçada em alguns países pelo
paradigma jurídico que encara a resolução de conflitos
dando a primazia à preocupação de enquadramento
jurídico do conflito, em segundo lugar ao aspecto
técnico e apenas para terminar à dimensão afectiva da
questão. Nesta perspectiva, as diferentes correntes de
implementação da mediação encontram-se
relacionadas com as diferentes formas de conceber as
relações interpessoais e a própria concepção da
inscrição do Homem face à sua autonomia e liberdade
individual.
Articula tais concepções com a relação entre a
mediação e o sistema judicial: uma preconiza, tal como
em Portugal, que a especificidade da mediação está
5. Tradução possível da expressão francesa “Justice Douce”
6. Responsável Científico do Master Europeu de Mediação do Instituto Universitário Kurt Bosch – Suiça e investigador do Conselho nacional de investigação
cientifica em mediação (França)
7. Presidente da Chambre Professionnelle de la Négociation et de la Médiation
e interveniente no Primeiro Seminário Internacional. Mediação de conflitos:
paradigma e metodologia de intervenção 24 e 25 de Janeiro de 2007 – Aveiro
e no segundo Seminário Internacional de Mediação de Conflitos 19 e 20 de
Maio de 2008 – Gondomar em que a REAPN e a Associação Fórum-Mediação
foram duas das entidades promotoras.
Mediação de conflitos
A perspectiva da inclusão da mediação enquanto
promoção da liberdade e responsabilidade individual
e colectiva inscreve-se numa inversão desse paradigma
de intervenção em que o reconhecimento da dimensão
afectiva e técnica da prevenção e resolução de conflitos
seria validada por um vínculo no espaço jurídico. Ou
seja as pessoas não devem recorrer à mediação porque
a solução jurídica é demasiado onerosa a todos os
níveis, mas sim dirigir-se ao sistema judicial porque
falharam outras formas existentes na sociedade civil
de gestão da litigiosidade.
Para isso teríamos que nos distanciar de uma
perspectiva jurídica da mediação de modo a promover
um paradigma mais filosófico na perspectiva de
desenvolvimento filogenético do pensamento humano.
Aqui o mediador é, para além de um pedagogo da
comunicação, um profissional que acompanha a
reflexão dos intervenientes num conflito no sentido
de lhes permitir a resolução do mesmo de forma
pacífica, sem submissão, sem constrangimentos. A
intervenção do mediador enquanto profissional
da comunicação e das relações humanas, neutro
independente e imparcial, situa-se na arte da comunicação edificada em volta da criação ou recriação de
vínculos construtivos das pessoas em conflito
em todos os espaços da sociedade civil.
É nesta preocupação e filosofia de intervenção que se
inscreve a construção de parcerias da Associação
Fórum-Mediação com entidades da sociedade civil tal
como o protocolo formalizado com a Rede Europeia
Anti-Pobreza aquando do segundo seminário
internacional realizado em parceria com a Câmara
Municipal de Gondomar.
De facto a intervenção do mediador pode inscreverse em quatro grandes dimensões que não são
exclusivas:
1. uma prática de mediação/conhecimento referente
a uma intervenção técnica com um quadro e um
processo estruturado, em que o mediador recorre a
instrumentos específicos;
07
3. uma prática de mediação educativa em que a lógica
de intervenção do mediador se inscreve na educação
para a cidadania;
4. uma prática de mediação securização, em que a
intervenção do mediador é instrumentalizada numa
preocupação de controle social no sentido de colmatar
as tensões de um serviço ou de um de um espaço
social e político.
Para além dos usos e abusos associados à prática da
mediação, a mediação é antes de mais um processo
de comunicação ética decorrente da responsabilidade
e da autonomia dos intervenientes. A intervenção do
mediador enquadra-se num processo estruturado que
exige formação específica e contínua e que não
depende da boa-vontade pacificadora de qualquer
interveniente. Restabelecer qualidade comunicacional
não é algo que se improvisa ou se aprende em cursos
intensivos de curta duração. A prática do mediador é
uma disciplina com saber-fazer específico que se
distancia das grelhas normativas e valorativas do
comportamento humano.
A qualidade relacional e comunicacional é algo que se
aprende e que se ensina, para além de espaço
extrajudiciais e judiciais, nas escolas, nas associações,
nos movimentos cívicos, nos contextos laborais. Os
manipuladores de opinião já interiorizaram isso e o
recurso a agências de comunicação pela classe politica
era ainda recentemente notícia.
Se a comunicação verbal e/ou falta dela é o que nos
torna humanos, sendo também identificada como a
fonte essencial de tantos desentendimentos e conflitos
não será imperativo dar-lhe maior relevância na
sociedade em que vivemos para não ficar apenas ao
alcance de alguns privilegiados que frequentam cursos
seminários qualificados de “desenvolvimento pessoal”
na área da comunicação?
Defender uma cultura de mediação, com o seu quadro
de intervenção e instrumentos específicos, é promover
portugal
O sistema judicial do Québec, já contornou, desde
Setembro 1997, por tal concepção, tornando a sessão
inicial de informação obrigatória sobre o processo de
mediação.
2. uma prática de mediação/comunicação em que o
mediador desempenha um papel de pedagogo da
comunicação para restabelecer relações de confiança;
notícias da rede
na livre vontade das partes para recorrer à mediação;
outra defende que a especificidade da mediação não
está na iniciativa de mediação mas na sua conclusão:
na liberdade contratual entre os intervenientes. Um
conflito sendo sempre algo que constrange a
disponibilidade dos intervenientes para resolver de
forma não adversarial a situação, é considerado ilusório,
no espaço judicial num sentido lato, que as pessoas
recorram de livre vontade à mediação.
Mediação de conflitos
08
a qualidade das relações humanas, efectuando,
tal como refere Bonafé-Schmitt,8 um trabalho de
desconstrução sobre o “dissensus” para reconhecer o
outro na sua alteridade.
Afinal, acredito enquanto mediadora que, apesar de
muito longe, estamos um pouco menos afastados da
construção utópica de Thomas More, pensando que
uma sociedade em evolução é aquela que privilegia
não o consenso mas a criação de estruturas e formas
alargadas, diversificadas e construtivas de gestão dos
conflitos, em que a mediação poderá ser um pouco
mais de que uma via alternativa….
8. Opus.cit.
Agência de Consultoria Social
notícias da rede
portugal
Pe. Agostinho Jardim Moreira
geral@reapn.org
No passado dia 8 de Maio teve lugar, na Universidade Católica (Porto) a conferência de imprensa
de lançamento da Agência de Consultoria Social (ACS). Com este evento pretendemos dar a
conhecer a criação de uma nova estrutura, de âmbito nacional, que permitirá lançar um novo
fôlego sobre a qualificação de Organizações Sociais Sem Fins Lucrativos. A ACS tem como missão
apoiar estas organizações no desenvolvimento de processos integrados de qualificação
organizacional, bem como sensibilizar o sector e demais partes interessadas para a necessidade
de se empenharem neste desafio.
O nascimento da ACS só foi possível porque nos
antecede um período de gestação que remonta a
Outubro de 2004, altura em que foi aprovado o Projecto
ACREDITAR – Agência de Consultoria Social financiado
pela Iniciativa Comunitária EQUAL. Na base da criação
da ACS encontra-se um percurso já consolidado de
partenariado e de experimentação de metodologias e
instrumentos de qualificação, assim como de partilha
de valores e princípios que moldam as estratégias e os
instrumentos de qualificação que se pretende
promover junto destas organizações sociais sem fins
lucrativos.
Através do referido projecto1 procurou-se promover
modelos e estratégias capazes de sustentar o
crescimento e a progressiva qualificação do sector
social. Entre Novembro de 2004 e Outubro de 2007, o
projecto diagnosticou as necessidades de qualificação
existentes nas organizações deste sector, procurou
envolver e sensibilizar técnicos e dirigentes para as
questões da Qualidade e da Consultoria Social, apoiou
12 organizações em processos de qualificação, criou a
imagem corporativa da Agência de Consultoria Social,
juntamente com o seu website, e criou um produto –
as Linhas de Orientação para a Qualificação Organizacional – que reflecte a experiência obtida com este
percurso, mas que, sobretudo, constitui-se como um
instrumento útil de sensibilização e de apoio à
qualificação das organizações.
Desta forma, tivemos a oportunidade de reforçar a
nossa capacidade de trabalho em parceria, aprofundar
conhecimentos interinstitucionais, harmonizar e
consensualizar valores e princípios, ensaiar respostas
de consultoria social e estruturar a nossa visão
estratégica sobre o que pretendemos para este sector,
para a intervenção social e para a Agência de
Consultoria Social. Sintetizando, criamos uma base
sólida que permitirá sustentar a autonomização e o
desenvolvimento desta Agência.
Gostaria ainda de sublinhar que a ACS procurará marcar
uma diferença face a outras estruturas de consultoria
que cada vez mais penetram no sector das organizações
sociais sem fins lucrativos. Importa reforçar que estamos
1. Promovido em parceria pela Rede Europeia Anti-Pobreza / Portugal, a
Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Norte e a União Distrital
da Instituições Particulares de Segurança Social – Porto.
Agência de Consultoria Social
É essencial um “salto” de qualidade das organizações
sociais sem fins lucrativos se quisermos a passagem
de um lógica assistencialista para uma lógica de
prevenção e de promoção do desenvolvimento social.
Não podemos esquecer-nos que estas organizações
desempenham hoje um papel fundamental na
definição e na implementação de respostas sociais,
participando, de forma cada vez mais activa, no
desenho de estratégias locais de inclusão e protecção
social que, pela sua proximidade face aos problemas,
garantem uma maior eficácia. Estas organizações são
um elemento crucial e incontornável da protecção
social. Cerca de 70% das respostas sociais resultam de
acordos entre o Estado e as diferentes Instituições deste
Sector (mais de 13.000 respostas sociais), e, a médio
prazo, a sustentação do sistema de protecção social
em Portugal necessitará de um ainda mais forte Terceiro
Sector.
Para finalizar gostaria de deixar uma última mensagem:
a qualificação das organizações sociais sem fins
lucrativos deve ser compreendida como um
investimento. Este é um investimento das organizações,
tendo em vista o seu desenvolvimento organizacional
e a promoção de respostas sociais mais capazes, mas
é também um investimento do Estado Português. Com
um Terceiro Sector frágil, qualquer política de inclusão
e coesão social terá sempre uma fraca viabilidade. A
este nível, é assim de toda a relevância e importância
estratégica que os Fundos Estruturais possam constituir
uma valiosa oportunidade e seja capaz de proporcionar
as necessárias condições para o reforço deste inevitável
processo de qualificação sustentável das organizações
sociais sem fins lucrativos. Também aqui Portugal não
deverá desperdiçar mais oportunidades...
Nota:
Artigo elaborado com base na intervenção do Presidente da REAPN,
Pe. Jardim Moreira, por ocasião da conferência de imprensa de
lançamento da ACS.
Foto: Ana Silva, in Jornalismo.net
2. Coordenado em Portugal pela Dra. Raquel Campos.
09
portugal
Consideramos que é apenas através desta
complementaridade de competências que poderemos
promover uma qualidade organizacional que seja
instrumental para uma intervenção social mais eficaz
e uma maior capacidade de lutar contra a pobreza e
exclusão social. Efectivamente, os processos de
qualificação não podem estar alienados do objectivo
último destas organizações. Pelo contrário, a urgência
de processos e mecanismos de qualificação destas
organizações prende-se exactamente com a
necessidade de uma maior capacitação da intervenção
social.
É essencial termos consciência de que este sector ocupa
um espaço próprio na área social e que tem um impacto
substancial na sociedade portuguesa. Assim, refira-se
que, segundo dados do Projecto Comparativo do Sector
Não Lucrativo Português da Universidade Johns
Hopkins,2 as despesas deste sector, em 2002, representaram 4,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Por
outro lado, este sector empregava quase um quarto
de milhão de trabalhadores (4,2% da população activa),
70% em funções remuneradas e os restantes em regime
de voluntariado. A estes valores acresce um forte
potencial de crescimento que se verifica nesta área,
uma diversidade das áreas de actividade económica
nas quais intervêm, uma dinamização de novos
produtos e novos mercados, e seu papel na supressão
de necessidades sociais não satisfeitas pelos sectores
público e/ou privado lucrativo.
notícias da rede
perante uma estrutura cujo surgimento está sustentado
numa parceria que agrega experiências e competências
organizacionais diferentes e complementares,
nomeadamente conhecimentos sobre o sector das
organizações sem fins lucrativos, sobre a intervenção
social, sobre a gestão e sobre a qualidade. É através da
congregação destas competências que poderemos
alcançar o nosso objectivo de apoiar organizações em
processos integrados de qualificação organizacional –
processos de qualificação que estão em consonância
não só com os requisitos da qualidade, mas também
com os requisitos e com as especificidades destas
organizações, da sua cultura institucional, das suas
respostas sociais e do público com o qual trabalham.
Consideramos que os processos de qualificação devem
ser efectivamente adaptados às características e às
especificidades do sector, permitindo assim reforçar
as suas virtudes e evitando o risco de uma
descaracterização destas organizações e da sua cultura
específica. Para tal, sublinhamos a importância da ACS
como uma estrutura capaz de proporcionar equipas
de consultores sociais que conciliam essa diversidade
de conhecimentos e de competências.
10
Construindo um Observatório
de Luta Contra a Pobreza em Lisboa
Sérgio Aires
sergio.aires@reapn.org
Elizabeth Santos
elizabeth.santos@reapn.org
notícias da rede
portugal
Com a consciência que para intervir de forma eficaz é necessário conhecer e planear, e num contexto
onde os fenómenos sociais sofrem fortes e rápidas alterações, as estruturas e os instrumentos de
observação e diagnóstico social são cada vez mais elementos essenciais para a luta contra a pobreza
e a exclusão social. É neste sentido que a Rede Europeia Anti-Pobreza / Portugal, em parceria com a
Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, promove desde 2007 o Observatório de Luta contra a Pobreza
na Cidade de Lisboa. Tendo como base o lema “Observar, Reflectir, Propor, Agir e Avaliar”, este
Observatório pretende garantir não só a produção de conhecimento sobre a realidade sócio-económica
de Lisboa, mas também a construção e experimentação de metodologias e de instrumentos, teóricos
e práticos, que permitam apoiar a tomada de decisões estratégicas orientadas para a inserção de
pessoas socialmente desfavorecidas e a operacionalização de metodologias de investigação-acção no
combate à pobreza.
A observação social, para permitir uma construção
de conhecimento tão completa quanto possível, deve
ser alvo de uma reflexão cuidada sobre o seu modelo
de funcionamento e de construção de instrumentos
válidos e adequados ao objecto e ao âmbito de
observação que pretendemos. Jordi Estivill, no
Panorama dos Observatórios de Luta Contra a Pobreza
e a Exclusão Social, um dos primeiros produtos do
Observatório de Lisboa, chama a atenção para alguns
riscos deste processo de observação social:
Primeiro, que o instrumento poderá não ser o apropriado
para observar, ou seja um microscópio não serve para
estudar os planetas e um telescópio não é útil para
examinar os microrganismos. Segundo, se ficarmos
fascinados pelo instrumento e pela sua sofisticação
poderemos ver-nos impedidos de ver as estrelas. Terceiro,
que o valor do mesmo costuma estar na sua
continuidade, periodicidade, sistematização,
acumulação e globalidade. Quatro, que a visão seja
artificial. Quinto, que se manipule o instrumento, a
informação e o fenómeno estudado enviesando-o.
Sexto, que os resultados fiquem arquivados no
laboratório.
Assim, a construção de um Observatório que pretende
abarcar diferentes dimensões de intervenção
representa um objectivo ambicioso, de grande
complexidade e, como tal, carece de tempo para a
necessária maturação de metodologias, para a
confrontação com outras experiências congéneres
e para um planeamento do seu modelo de
funcionamento.
O primeiro ano do Observatório de Luta contra a
Pobreza na Cidade de Lisboa foi orientado para a
constituição de uma base sólida que permitisse dar
sustentabilidade à sua acção, nomeadamente através
de: recolha e sistematização conhecimento sobre os
diferentes modelos de Observatórios de Luta contra
a Pobreza existentes; da articulação com organizações
que promovem respostas de combate a pobreza e
exclusão social na cidade de Lisboa, assim como com
peritos e instituições que promovem investigação
social; de um levantamento e de uma análise dos
principais indicadores disponíveis nesta área
geográfica permitindo assim obter uma primeira
imagem da situação de pobreza e exclusão social em
Lisboa; do levantamento de políticas e medidas cujos
âmbitos de intervenção abarcam a Cidade de Lisboa;
do levantamento das respostas sociais existentes;
da reflexão alargada sobre o seu modelo de
funcionamento; e da elaboração de um plano
estratégico para três anos (2008-2010).
Para assinalar este primeiro ano de trabalho, a REAPN
organizou no passado dia 26 de Fevereiro um
Seminário Internacional sob o tema “Construindo um
Observatório de Luta Contra a Pobreza em Lisboa”.
Com este Seminário procurou-se exceder o objectivo
de apresentação do Observatório e dos seus primeiros
resultados, para permitir igualmente um debate
alargado sobre os diferentes modelos de observação
social.
Desta forma, este seminário contou com um primeiro
painel, moderado pelo Prof. Jordi Estivill, sobre
Observatórios Sociais na Europa onde foram
apresentadas as experiências do Observatório da
Catalunha (Espanha), do Club de l’ Observation Sociale
de Rhône Alpes (França), do Observatório de
Construindo um Observatório
A Observação Social na Europa:
em direcção a uma rede de Observatórios Locais
Existe uma grande pluralidade de Observatórios na
Europa que se distinguem pelo seu âmbito territorial,
pelo seu estatuto, pelos seus objectivos, pela sua
focalização em temáticas abordadas, pela diversidade
de fontes de financiamento, pelo seu público alvo
preferencial, pelas metodologias utilizadas e,
finalmente, pelos produtos e pelas recomendações
produzidas. Neste seminário foi possível conhecer
um pouco dessa diversidade. Entre os Observatórios
apresentados encontravam-se estruturas de nível
local, regional e nacional; Observatórios públicos,
privados e mistos; Observatórios com uma forte
mobilização do trabalho de voluntariado e
Observatórios mais profissionalizados; Observatórios
que se baseiam em dados estatísticos e Observatórios
que valorizam os dados qualitativos; Observatórios
que promovem a uma observação partilhada e
participada e Observatórios que acentuam a
importância da legitimidade e do carácter científicos
da observação; Observatórios centrados na temática
da pobreza em geral e Observatórios cujo foco de
observação se concentra em fenómenos mais
específicos tais como a exclusão social extrema;
Observatórios que procuram dar voz às populações
em situação de pobreza e Observatórios com uma
maior intervenção ao nível da administração pública;
Observatórios com e sem experiência de trabalho em
rede com outros Observatórios; etc.
Esta diversidade de modelos de funcionamento e a
promoção da aprendizagem mútua entre diferentes
contextos e práticas, através da partilha de
conhecimentos sobre as metodologias de observação,
a construção de indicadores e instrumentos de análise,
as estratégias de divulgação dos resultados ou de
lobby político, e, sobretudo, um maior conhecimento
sobre os fenómenos de pobreza e sobre os impactos
11
Foi precisamente nesse sentido que O Observatório
de Lisboa lançou o repto para a constituição de uma
rede europeia de Observatórios locais. Esta proposta
foi abraçada pelos diferentes participantes, estando
já agendada a realização de um novo seminário
internacional em Barcelona (14 e 15 de Novembro de
2008).
Agora será necessário iniciar um trabalho conjunto
de reflexão sobre como concretizar esta ideia,
constituir e reforçar parcerias, consensualizar
objectivos, metodologias de intervenção e resultados
esperados e, naturalmente, mobilizar as necessárias
fontes de financiamento.
Esta proposta de uma rede europeia de Observatório
faz ainda mais sentido quando a Comissão Europeia,
na sua Comunicação de 17 de Outubro de 2007
intitulada "Modernizar a protecção social na perspectiva
de maior justiça social e coesão económica: avançar
com a inclusão activa das pessoas mais afastadas do
mercado de trabalho", manifestou o seu interesse em
apoiar uma “em parceria com as redes de autoridades
locais, prestadores de serviços e ONG, para acompanhar
e promover as melhores práticas, em particular no que
diz respeito ao acesso a serviços de qualidade”. Há assim
uma janela de oportunidades que não deverá ser
desperdiçada.
Construindo um Observatório para Lisboa
O outro objectivo do Seminário Internacional foi a
apresentação do modelo de funcionamento para o
Observatório de Luta contra a Pobreza em Lisboa e
dos seus primeiros resultados.
O acesso a informações mais pormenorizadas sobre
o modelo de funcionamento deste Observatório, o
Plano Estratégico, o Plano de Acção e os produtos
desenvolvidos até ao momento podem ser obtidos
através da página da Internet do Observatório:
http://observatorio-lisboa.reapn.org.
Relativamente ao modelo de funcionamento, o
Observatório tem como âmbito territorial o Concelho
de Lisboa, existindo a possibilidade de uma ampliação
futura, e possui os seguintes objectivos:
• Recolher, analisar e sistematizar informação, mantendo-a disponível, actualizada e apresentada sob
portugal
O segundo painel, por outro lado, foi dedicado a
apresentação do Observatório de Lisboa, seguido de
uma mesa redonda com a participação de peritos
nacionais (Elsa Pegado, Manuela Silva e Casimiro Balsa)
e internacionais (Elisabeth Maurel, Jan Vranken e Vito
Telesca) para a reflexão sobre o modelo proposto para
o Observatório de Lisboa.
das medidas políticas são factores de enriquecimento
da observação social e da luta contra a pobreza ao
nível da União Europeia que devem ser promovidos,
rentabilizados e estimulados.
notícias da rede
Budapeste (Hungria), do Observatório do Centro de
Serviços e Programação para a Inclusão Social da
Província de Potenza (Itália) e do OASeS – Research
Unit on Poverty, Social Exclusion and the City –
Antuérpia (Bélgica).
Construindo um Observatório
12
diferentes formatos e produtos que deverão poder
constituir-se como recursos para os diferentes
públicos-alvo do Observatório;
uma importante metodologia para o funcionamento
deste Observatório, há, no entanto, outras metodologias que devem igualmente ser realçadas:
• Produzir e difundir conhecimentos aprofundados
• A sistematização e análise de informação quantitativa
sobre determinados fenómenos específicos e
particularmente relevantes para a caracterização dos
principais problemas de pobreza e exclusão social;
• Mobilizar e fazer participar todos os actores
relevantes fazendo do Observatório uma verdadeira
realidade de investigação-acção;
• Elaborar propostas concretas para a melhoria das
políticas, programas e acções de combate à pobreza.
O seu público-alvo é variado, consoante os diferentes
objectivos e produtos.
notícias da rede
portugal
Será através dos Relatórios que serão apresentados
os resultados obtidos pelo Observatório. Estes
relatórios terão uma periodicidade bienal, sendo que
em cada ano será produzida uma actualização dos
mesmos e serão disponibilizados diferentes produtos.
Entre estes produtos destacam-se as bases de dados
e recursos, as Células de Observação e Monitorização
e uma revista.
As Células de Observação e Monitorização serão um
canal de promoção de uma observação partilhada e
participada.
Serão constituídas três Células onde serão envolvidos:
• Técnicos das instituições com intervenção na cidade
de Lisboa;
• Peritos e investigadores;
• Pessoas em situação de pobreza.
Através destas três células será possível qualificar
e validar os dados obtidos através de diferentes fontes.
Se estas Células de Observação e Monitorização serão
e qualitativa disponível;
• A promoção de estudos específicos;
• O desenvolvimento de painéis de beneficiários (e
ex-beneficiários) de programas e medidas específicas tendo em vista a produção de um barómetro.
Da reflexão conjunta proporcionada por este
Seminário Internacional saíram importantes sugestões
de melhoria, assim como, chamadas de atenção para
os riscos associados a um projecto tão ambicioso
quanto este. Entre as sugestões destacam-se, por
exemplo, a constituição de um Conselho Cientifico,
assim como numa aposta no aprofundamento de
conceitos, de metodologias e de validação de dados
que garantam a credibilidade e legitimidade
científica que uma estrutura deste tipo necessita. A
credibilidade e a legitimidade são essenciais para
garantir a função de lobby e influenciar as políticas e
medidas políticas de luta contra a pobreza.
A complexidade e o carácter ambicioso do modelo
do Observatório de Luta contra a Pobreza de Lisboa
foram factores sublinhados pelos diferentes peritos
que participaram nesta mesa de debate.
Neste contexto é importante garantir um sistema de
regulação e gestão baseado numa capacidade
estratégica que permita uma definição clara de
programas e de prioridades. O estabelecimento de
um primeiro ano orientado para a reflexão e
construção do modelo de funcionamento do
Observatório, do qual resultou o Plano Estratégico
2008-2010, foi assim essencial para garantir a sua
sustentabilidade.
dossier
14
Envelhecer Activamente…
Paula Cruz
paula.cruz@reapn.org
“A vitalidade das nossas sociedades depende cada vez mais da participação activa das pessoas
idosas. Neste sentido, o desafio primordial está na promoção de uma cultura que valorize a
experiência e o conhecimento que acresce com a idade. Devemos proporcionar as condições
económicas e sociais que permitam às pessoas de todas as idades uma integração plena na
sociedade, que passa pela liberdade em decidir como se relacionam e podem contribuir para a
sociedade e se sintam realizadas neste processo”.
dossier
OIT, An inclusive society for an ageing population: the employment and social protection challenge,
Madrid, 8-12 Abril de 2002.
O envelhecimento está na ordem do dia. Podíamos
encarar esta afirmação de um duplo ponto de vista:
por um lado, porque a população idosa assume um
papel fundamental na nossa sociedade, por outro lado,
porque assistimos a dramáticas alterações
demográficas que trazem mudanças significativas ao
nível político, social, económico, cultural, etc. Quer
num aspecto, quer noutro são necessárias acções
específicas, integradas, estratégicas que previnam e
contrariem os efeitos do envelhecimento, sempre tendo
presente a procura do bem-estar de todas as pessoas
e a defesa do bem-comum.
promoção da saúde e do bem-estar na velhice e a
criação de ambientes emancipadores e propícios.
Tendo em conta que os idosos constituem um dos
grupos em situação de maior risco face à pobreza e à
exclusão social e o envelhecimento é um fenómeno
ao qual se atribui cada vez mais a característica de
‘activo’, a Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal
entendeu como fundamental desenvolver um
conhecimento mais aprofundado sobre o fenómeno,
procurando, ao mesmo tempo, produzir mudanças ao
nível das práticas institucionais e na maior eficácia das
políticas sociais. Ao mesmo tempo, a opção pelo tema
do Envelhecimento Activo vem de encontro a uma das
prioridades estratégicas inscritas em Plano de Trabalho
da REAPN e que se encontra ligada ao Plano Nacional
de Acção Para a Inclusão 2006-2008 no qual foi definido
como prioridade política a necessidade de combater a
pobreza das crianças e dos idosos, através de medidas
que assegurem os seus direitos básicos de cidadania.
Em 2002, a preocupação pela adopção de um plano
assentava no reconhecimento de que o mundo estava
a assistir a um crescimento rápido, e em grande escala,
do número de pessoas idosas e que, por isso, havia
necessidade de criar condições ao nível das sociedades
para potenciar as capacidades daquelas a todos os
níveis.
Um novo conceito e orientação
Em Abril de 2002, em Madrid, na Segunda Assembleia
Geral sobre o Envelhecimento, os Governos lançaram
o desafio para a construção de um Plano Internacional
de acção para o Envelhecimento no sentido de
“responder às oportunidades e desafios da população
idosa no século XXI e para promover o
desenvolvimento de uma sociedade para todas as
idades”1. A acção dirigia-se em três direcções fundamentais: as pessoas de idade e o desenvolvimento; a
Esta urgência na construção de um Plano não era nova,
visto que já antes em 1982 as Nações Unidas tinham
estabelecido o 1º Plano Internacional, também
conhecido por Plano de Viena de acção para o
envelhecimento 2. Posteriormente em 1991 foram
lançados os Princípios das Nações Unidas para as
Pessoas Idosas 3 que se reuniam em 5 categorias:
independência; participação; cuidados; realização
pessoal e dignidade.
Nos 19 artigos que compõem a Declaração Política4 é
importante destacar dois que se revelam importantes.
O primeiro que se destaca prende-se com o apelo para
a inclusão da questão do “envelhecimento” nas Agendas
Políticas e de Desenvolvimento, assim como nas
Estratégias para a Erradicação da Pobreza e na procura
da promoção da participação activa deste grupo na
economia global em todos os países, combatendo
assim a marginalização crescente que é característica,
cada vez mais, da população idosa (artigo 7º).
Um segundo artigo (artigo 12º) refere a importância
de que as pessoas idosas “tenham a oportunidade para
trabalharem durante o tempo que assim o desejarem
e que se sintam aptas para, em trabalho produtivo e
satisfatório, continuando a aceder à educação e a
1. UN, Report of the Second World Assembly on Ageing, Madrid, 8-12 de Abril de
2002 (http://www.un.org/esa/socdev/ageing/secondworld02.html).
2. ttp://www.un.org/ageing/vienna_intlplanofaction.html
3. http://www.un.org/ageing/un_principles.html
4. UN, Report of the Second World Assembly on Ageing, Madrid, 8-12 de Abril de
2002, p.2-5. (http://www.un.org/esa/socdev/ageing/secondworld02.html)
Envelhecer Activamente…
A noção de envelhecimento activo tem a sua origem
na Organização Mundial de Saúde (OMS) e define-se
como o processo de optimização das oportunidades para
a saúde, participação e segurança no sentido de reforçar
a qualidade de vida à medida que as pessoas forem
envelhecendo.5
Esta noção pretende despertar nas pessoas a
consciência pelo seu potencial bem-estar físico, social
e mental ao longo da vida e participar na sociedade, ao
mesmo tempo que lhes é providenciada protecção,
segurança e cuidados adequados sempre que precisarem.
Para a OMS estar activo significa participar de um modo
contínuo em todo o tipo de assuntos da vida, sejam eles
do foro social, económico, cultural, espiritual ou cívico.
No mesmo sentido ter saúde refere-se ao bem-estar
físico, mental e social no sentido de garantir uma
condição de autonomia e dependência da pessoa idosa.
De um modo ou de outro o conceito de Envelhecimento Activo da OMS veio despertar a atenção dos
países para um fenómeno em contínuo crescimento e
com consequências consideráveis, merecendo, por
isso, uma atenção particular por parte de cada um dos
países.
As políticas
No contexto europeu e nacional é possível identificar
um conjunto de documentos que marcam a estratégia
que foi sendo delineada para fazer face a estas
crescentes alterações demográficas.
Em termos gerais a União promove uma visão holística
do envelhecimento, tendo em conta que se está
perante um fenómeno que diz respeito a todo o ciclo
de vida humana e a todas as dimensões da vida social.
Apesar desta visão em torno do envelhecimento o que
se vai verificando nos vários documentos da UE é uma
preocupação pela intervenção ao nível de dois eixos
em particular: aumentar/prolongar a participação das
pessoas no emprego e proceder a uma modernização
dos sistemas de protecção social. Na verdade se
pensarmos na noção de envelhecimento activo, que
para a Organização Mundial de Saúde abarca todas as
dimensões da vida do indivíduo, ela assume para a UE
um carácter mais “técnico” centrando-se no esforço de
manter as pessoas o mais tempo possível no mercado
de trabalho na tentativa de enfrentar o desafio das
rápidas alterações demográficas.
Esta vertente orientada mais para o emprego deixa a
descoberto um importante eixo que é também central
à situação das pessoas idosas. O eixo da inclusão social
perdeu a sua força com a Estratégia de Lisboa Renovada
e com o novo método aberto de coordenação para a
protecção e inclusão social. Tendo em conta que
estamos perante um dos grupos em maior risco de
pobreza e exclusão social ficam, com estas novas
orientações políticas, a descoberto um conjunto de
factores que resultam directamente desta problemática,
como as dificuldades no acesso aos serviços e recursos,
a dificuldade no acesso à informação, o isolamento, o
distanciamento da família, as baixas condições de
habitabilidade, a fraca participação cívica, etc. Todo
um conjunto de factores que são contraditórios a uma
estratégia que se pretende que seja de envelhecimento
activo.
15
No contexto nacional o Programa do actual Governo6
faz referência ao envelhecimento activo como o
caminho a seguir para se alcançar mais emprego e
mais produtividade. Neste sentido são apontadas duas
orientações políticas. Uma que passa pela maior
sustentabilidade do sistema de segurança social e outra
por garantir o direito ao trabalho para todos os
trabalhadores.
Em termos nacionais a valorização do emprego para
a promoção do envelhecimento activo precisa de ser
relativizada. A taxa de emprego a nível nacional das
pessoas com idades entre os 45-64 anos e com mais
de 65 anos tem vindo a aumentar nestes últimos anos.
Segundo o relatório a Situação Social na União
Europeia, Portugal (50.1%) é um dos países que já
alcançou a meta de Estocolmo de aumentar até 2010
a taxa de emprego dos trabalhadores com idades entre
os 55 e 64 anos em 50%. A média de idade de saída do
mercado de trabalho foi de 63.1 anos em 2005, sendo
ligeiramente superior à média europeia que foi de 60.7
anos.
Apesar dos valores a situação em Portugal relativamente à população idosa reveste-se de algumas
características que merecem ser demonstradas (e
exploradas) de modo a percebermos como o fenómeno
do envelhecimento activo é percebido e trabalhado a
nível nacional.
Desde logo, os níveis de escolarização e qualificação
da população portuguesa ainda apresentam valores
baixos face à média europeia. Portugal possui uma das
mais altas percentagens (mais de 30%) de jovens com
baixas qualificações que já não se encontram no
sistema educativo e em nenhum tipo de formação
educacional. No que diz respeito à aprendizagem ao
longo da vida os valores não são muito elevados. A
percentagem de pessoas com idades entre os 25 e 64
5. http://www.who.int
6. Presidência do Conselho de Ministros, Programa do XVII Governo Constitucional,
2005-2009. Consultar: http://www.portugal.gov.pt
dossier
programas de formação. O empowerment das pessoas
idosas e a promoção da sua total participação são
elementos essenciais para o envelhecimento activo”.
Envelhecer Activamente…
16
anos que participaram em momentos educativos ou
de formação foi para Portugal de 3.8%, muito abaixo
da média da UE(27) que foi de 9.6% (2006).
Relativamente à continuidade da participação em
formação educacional potenciada pelas empresas foi
para Portugal cerca de 1/5 por comparação aos países
do Norte da Europa em que cerca de metade dos
funcionários de todas as empresas participam em
cursos desta natureza. Esta situação tende a agravarse ao nível dos grupos etários mais elevados.
Para além da pouca expressão da formação, Portugal
caracteriza-se também pelos baixos salários dos
trabalhadores, pelas baixas reformas, por possuir ainda
uma taxa significativa de desemprego de longa duração
e pelo risco de pobreza e exclusão associado a esta
população idosa. Neste sentido será interessante
questionar em que medida podemos falar de uma
participação activa da população idosa? Existe todo
um conjunto de concepções erradas em torno dos
trabalhadores mais velhos que condicionam
igualmente o seu nível de participação na sociedade.
dossier
No conjunto das várias políticas que realçam a
importância da promoção do envelhecimento activo
na intervenção com a população idosa prevalece uma
lacuna referente à luta contra a pobreza. O Programa
do XVII Governo Constitucional refere que no que diz
respeito às medidas de combate à pobreza e à exclusão
social, o grupo dos idosos, pela fragilidade que lhe é
característica, é reconhecido como prioridade primeira
da acção governativa. O Plano Nacional de Acção para
a Inclusão7 – instrumento que agrega as medidas de
política que visam o combate à pobreza e à exclusão
social – reflecte esta preocupação do Governo. O PNAI
2006-2008 seleccionou como prioridade 3 áreas de
grande vulnerabilidade ao nível nacional: uma primeira
prioridade visa o combate à persistência da pobreza
das crianças e dos idosos, através de medidas que
assegurem os seus direitos básicos de cidadania; uma
segunda prioridade tem como objectivo corrigir as
desvantagens na educação e formação/qualificação e
uma terceira e última prioridade visa ultrapassar as
discriminações, reforçando nomeadamente a
integração das pessoas com deficiência e dos
imigrantes.
Apesar de no Plano não haver qualquer tipo de
referência ao conceito de envelhecimento activo, este
deve ser encarado como fundamental numa estratégia
que vise o combate à pobreza desta população e a
promoção da coesão social.
Algumas das medidas apontadas no PNAI
direccionadas para os Idosos visam a melhoria do
acesso a bens e serviços de qualidade; a atribuição de
uma prestação monetária que contribua para um
aumento do rendimento mensal, procurando combater
a pobreza monetária que é significativa ao nível deste
grupo; um reforço da rede de equipamentos e serviços,
aumentando a sua cobertura; apoios ao nível da
requalificação habitacional, permitindo melhores
condições habitacionais, contribuindo assim para uma
maior autonomia dos idosos e aumentando a sua
permanência em casa; e medidas que visem uma
melhoria nos cuidados de saúde.
Podem ainda ser identificadas outras medidas que
transversalmente contribuem para uma maior inclusão
social desta população. Destaco as medidas que visam
elevar os níveis de qualificação e a certificação escolar
e profissional de pessoas adultas em idade activa.
Não se pode afirmar que a orientação destas medidas
não visam uma melhoria das condições de vida dos
idosos e uma redução do fenómeno da pobreza e da
exclusão, no entanto, é importante referir que
subsistem um conjunto de lacunas que precisam de
ser rectificadas num próximo plano a ser definido e no
próprio processo de implementação das medidas.
Desde logo, o facto do PNAI não ter estabelecido como
meta a redução da taxa de pobreza dos idosos; um
segundo aspecto a destacar, o facto dos indicadores
definidos para avaliação dos objectivos de intervenção
serem na sua maioria (para não dizer quase
exclusivamente) indicadores quantitativos o que não
permite perceber o impacto efectivo das medidas na
redução da pobreza; um terceiro elemento prende-se
com a eficácia de medidas específicas como o
Complemento Solidário para Idosos (CSI) e a Rede de
Cuidados Continuados Integrados (RCCI). No primeiro
caso a medida veio trazer um complemento aos baixos
rendimentos dos idosos, provando, assim, a
vulnerabilidade económica dos mesmos. No entanto,
falta perceber em que medida este complemento
trouxe mudanças significativas na melhoria das
condições de vida dos idosos. No segundo caso, a RCCI
propôs-se constituir um conjunto de serviços e equipas
dirigidos a pessoas em situação de dependência.
Embora o modelo vise a intervenção integrada e
articulada entre o sector da saúde e a segurança social,
verifica-se uma forte componente de serviços da área
da saúde. É necessário delinear indicadores mais
qualitativos de avaliação desta medida que passe por
perceber o nível de satisfação dos idosos e das suas
famílias, assim como das suas necessidades e o impacto
deste tipo de serviços na melhoria efectiva do bemestar do idoso.
Num momento em que Portugal assiste a um aumento
do envelhecimento da sua população; em que os idosos
continuam a ser uma das categorias em maior situação
de vulnerabilidade face ao fenómeno da pobreza e da
exclusão social; em que Portugal detém ao nível
europeu uma das maiores taxas de emprego das
pessoas com idades entre os 55 e os 64 anos, mas
detém por oposição uma das maiores taxas de pobreza
7. O Plano Nacional de Acção para a Inclusão 2006-2008 pode ser consultado
em: http://www.pnai.pt
Envelhecer Activamente…
O envelhecimento activo deve ser aqui encarado não
só como uma forma de prolongar a presença das
pessoas idosas na vida activa, mas também garantir
que no prolongamento da sua vida o idoso tenha
acesso a todo o tipo de bens e serviços que lhe garanta
uma melhor qualidade de vida e o máximo de
autonomia e independência possível.
As Organizações
No discurso das Organizações parece haver uma ideia
clara do papel activo que o idoso tem e pode prestar
à sociedade. Quando colocada9 a questão Ser Idoso é…
as respostas destes profissionais revelam na sua
generalidade uma percepção muito positiva sobre a
condição do idoso. Este é entendido como uma pessoa
com uma grande experiência de vida que pode
transmitir aos mais novos os conhecimentos adquiridos;
um detentor de sabedoria; um cidadão com direitos e
deveres; uma pessoa que merece viver uma vida digna.
Poucos são aqueles que referem aspectos negativos
como o facto de ser uma pessoa que enfrenta
dificuldades no dia-a-dia em virtude da sociedade não
estar preparada para responder às suas necessidades,
ou então o facto de ser dependente e frágil. Na verdade
as opiniões positivas contrastam com a percepção que
estes profissionais têm dos problemas que os idosos
enfrentam no quotidiano. Ou seja, a percepção
sobre o que é ser idoso, embora positiva, parece não
ter correspondência na prática quando somos
confrontados com as dificuldades destas pessoas. Os
profissionais reconhecem as potencialidades dos idosos
e a sua mais valia na sociedade, mas reconhecem
igualmente um conjunto de dificuldades que são um
obstáculo à concretização desse papel positivo.
Dificuldades identificadas:
1. Dificuldades do foro pessoal relacionadas com as
perdas de papeis sociais, com a solidão, situações de
dependência, etc.
2. Dificuldades do foro económico, tais como os baixos
recursos económicos e a vulnerabilidade face à pobreza.
3. Dificuldades do foro social/relacional que se referem
a ausência de redes de suporte familiar ou de
vizinhança, mas também a situações de violência e
de exploração.
4. Dificuldades do foro institucional, ou seja, falta de
repostas que possam garantir a qualidade de vida
dos idosos, as desigualdades nos apoios, a falta de
iniciativas da comunidade e as fracas condições
habitacionais.
Num segundo nível de análise procurou-se perceber
as dificuldades de intervenção das Organizações.
Os problemas detectados na intervenção com a
população idosa podem ser agrupados nas seguintes
dimensões:
17
1. Problemas ao nível da população idosa, ou seja, as
oscilações existentes ao nível do foro emocional, o
modo de vida de muitos idosos, a mudança na
valorização do papel dos idosos são obstáculos sentidos
pelas Organizações na mobilização e motivação destas
pessoas.
2. Problemas ao nível dos serviços de apoio à Terceira
Idade que transmitem pela própria estrutura que
possuem a imagem de um idoso enquanto pessoa
dependente e incapaz; as faltas de condições físicas
dos serviços e a sua desadequação às necessidades; a
ausência de serviços inovadores; a falta de profissionais
com qualificações adequadas, mas também a sua fraca
valorização pessoal, o não envolvimento dos idosos
no seu projecto de vida e o desgaste dos próprios
cuidadores (formais e informais).
3. Problemas ao nível do Estado/Políticas sociais.
Embora a maior parte dos problemas mencionados
anteriormente estejam relacionados com esta última
dimensão, destacou-se aqui, em particular, a
preocupação com a qualidade e a qualificação
das respostas sociais, assim como, as baixas
comparticipações do Estado.
Os vários problemas identificados pelas Organizações,
quer relativamente à população idosa, quer
relativamente à intervenção com esta população
devem ser vistos de um modo articulado e integrado.
Uma acção ao nível do envelhecimento activo deve
ser encarada como estratégica, ou seja, com
intervenção em várias frentes, não só ao nível da
mobilização e auscultação dos próprios idosos, mas
também nas mudanças a realizar em termos de
respostas sociais dirigidas à terceira idade e dos
profissionais que com eles trabalham e, sobretudo, na
adopção de uma política de envelhecimento que tenha
em vista várias dimensões que a este fenómeno dizem
respeito: família, saúde, habitação, emprego, educação,
cultura, etc.
8. Segundo o Relatório Conjunto de Protecção Social e Inclusão Social de 2007 a taxa
de risco de pobreza entre as pessoas que se encontravam empregadas era para
a UE25 cerca de 8%, sendo para Portugal de 14%. Segundo o mesmo relatório
para alcançar o objectivo de reduzir o número de pessoas em risco de pobreza
até 2010, o fenómeno dos trabalhadores pobres (in-work poverty) precisa de ser
resolvido. O relatório pode ser consultado em:
http://ec.europa.eu/employment_social/spsi/joint_reports_en.htm#2007
9. A listagem de problemas e necessidades que aqui são apresentados resultam
de um pequeno questionário feito aos associados da REAPN, mas também de
algumas sessões de trabalho realizadas juntos de Organizações que trabalham
com idosos na cidade de Lisboa. Estas sessões foram organizadas pelo Grupo
de Trabalho do Envelhecimento da Rede Social de Lisboa e foram dinamizadas
por 2 elementos do Gabinete de Investigação e Projectos da REAPN (que também
participa no Grupo de Trabalho através da técnica do Núcleo Distrital de Lisboa).
Foram dinamizadas 4 sessões de trabalho. As reflexões e as preocupações
manifestadas por estas Organizações no que diz respeito à população idosa e
à intervenção com a mesma foram muito semelhantes, e em alguns casos
complementares às que nos foram enviadas pelos nossos associados um pouco
por todo o país.
dossier
ao nível da população empregada (working poor)8; em
que o baixo montante das pensões coloca os idosos
numa situação de fragilidade económica que precisa
de ser contrariada, é necessário apostar na definição
de uma verdadeira política do envelhecimento que
articule diferentes áreas de intervenção.
18
O que se perde e o que se ganha
com o avanço da idade
Daniel Serrão
rdd23956@mail.telepac.pt
Tenho oitenta anos e alguns meses. Vou escrever sobre a minha experiência, analisada à luz dos
mais modernos conceitos da neurobiologia do envelhecimento humano. Dividirei este texto em
duas partes. Na primeira tratarei do que se perde e na segunda do que se ganha, à medida que
o tempo passa por nós e deixa as suas marcas. Recordo José Régio “… o tempo já me pôs as mãos
na face: é em caveira que ela me evolui…”.
O que se perde
Os seres humanos são criaturas animais e têm as
capacidades físicas necessárias à luta pela sobrevivência
num mundo natural que é inóspito. Estas capacidades
vão sendo perdidas à medida que a idade avança.
Correr, ver e ouvir, estratégias essenciais de defesa, vão
perdendo a eficiência quando a sobrevivência já não
é biologicamente importante, ou seja depois da
procriação que garante a manutenção da espécie. Direi
que, na verdade, a natureza dá-nos as condições e
capacidades para que consigamos procriar porque é
a sobrevivência da espécie que a biologia protege e
não a dos indivíduos que, em cada momento, a
integram.
Então, a perda de resistência física na marcha e na
corrida, a visão menos perfeita e a audição incorrecta,
representam sinais de perda de condições de estar na
vida que já não são essenciais ao desempenho de um
papel social relacionado com a reprodução e a
sobrevivência pessoal.
dossier
Em pessoas de saúde normal estas perdas manifestamse, lentamente, a partir dos sessenta anos, ou um pouco
antes, e são progressivas.
Agora, que o número de pessoas com mais de sessenta
anos não cessa de aumentar em todo o mundo mais
evoluído e, também, em Portugal há cada vez mais
propostas para combater estas perdas. Assim, são
numerosas as ofertas de sistema de intervenção sobre
o sistema muscular e ósteo-articular, desde os Spa,
sana per acqua, ao jogging, à fisioterapia preventiva e
a outras propostas, tudo com o objectivo de atrasar o
aparecimento de perdas na capacidade muscular que
se reflectem na facilidade de locomoção e no
funcionamento articular, em especial da articulação
do joelho e tíbio-társica.
A perda de visão é, em regra, provocada pela opacidade
progressiva do cristalino, vulgo, catarata. A cirurgia
oftalmológica moderna permite que, em poucos
minutos, o cristalino opacificado seja substituído por
um cristalino artificial de grande qualidade e a pessoa
retome uma visão normal. Se a perda de visão resulta,
porém, de atrofia senil da retina, não há tratamento
eficaz e as esperanças estão postas na colocação na
retina de células nervosas progenitoras que possam
transformar-se em cones e bastonetes retinianos,
substituindo os que se perderam com a idade. Mas por
enquanto só há resultados em animais de experiência.
A diminuição da acuidade auditiva com o progresso
da idade pode ser atenuada com diversos tipos de
próteses que ajustam os sons recebidos à área
perceptiva onde se mantém capacidade auditiva.
Também nesta área a investigação procura soluções
mais eficazes usando implantes intra-cerebrais. Mas
não há resultados comparáveis com os dos implantes
cocleares nos surdos de nascença.
A este propósito cabe uma referência a toda a medicina
de substituição que parece apostada em dar viabilidade
ao mito da Salamandra que será o da substituição de
órgãos perdidos ou “estragados” como a salamandra
substitui uma pata perdida. Subjacente a este mito
está a convicção subconsciente de que um dia se irá
conseguir a imortalidade corporal. Também toda a
cirurgia plástica procura esconder os sinais físicos do
envelhecimento, criando uma aparência de juventude
no aspecto exterior do corpo.
A perda da acuidade cognitiva geral vai-se manifestando
com o avanço da idade, de forma igualmente
progressiva e a um ritmo variável, consoante as
condições físicas gerais da pessoa. É sempre mais rápido
este ritmo nos que têm uma patologia vascular
subjacente, que reduz a irrigação sanguínea dos órgãos,
mesmo que não haja acidentes isquémicos cerebrais
ou cardíacos evidentes. O mesmo se observa nos
hipertensos, nos diabéticos tipo II, nos obesos, nos que
abusam de álcool mesmo sem dependência, nos
reformados inactivos e nos que vivem em solidão com
contacto humano mínimo e ocasional.
A consciência destas perdas deve levar o próprio, com
apoio da família, a adaptar toda a sua forma de viver
e actuar na sociedade, de modo a minimizar os efeitos
negativos das perdas e a potenciar todas as capacidades
que permanecem e que são muitas.
Um aspecto pouco focado e em relação ao qual parece
haver um silêncio cúmplice e envergonhado, diz
respeito ao componente sexual em relação com a
idade.
O que se perde e o que se ganha
Ora isto é um erro e tem como consequência que a
pessoa não se sente capaz de falar com um médico ou
psicólogo sobre a sua actividade sexual e sobre a
possibilidade de obter satisfação sexual, orgasmo, em
qualquer idade. Muitas vezes a própria imprensa,
quando noticia que houve um casamento num lar de
idosos, usa um tom jocoso e irónico como se estivesse
a dizer: para que é que estes velhos se foram casar?
O amor humano não é feito só de desempenho genital
e de penetração coital. A sexualidade humana tem um
importante componente de emoção e afecto, de
carinho e prazer corporal difuso, de convívio espiritual
e anímico, e de tudo isto resulta um prazer convivial,
que é da maior importância na relação de homem e
mulher, em qualquer idade, e maximamente nas idades
mais avançadas.
Quem acompanha idosos, sejam familiares, sejam
profissionais, deve ter em grande conta este aspecto
da sexualidade, pois muitas vezes o silêncio é fonte de
tensões depressivas e de desinteresse de viver. Os
idosos podem ter uma rica e variada vida sexual e não
devem ter qualquer pudor ou reserva em a assumirem
de forma pública e de sobre ela falarem com
naturalidade e verdade e sem que sejam considerados
ridículos ou desajustados pelos outros.
É bom que cada um antecipe estas perdas físicas e vá
preparando uma boa estratégia para as superar, à
medida que vão surgindo.
O que se ganha
É da sabedoria popular que os velhos são reserva de
sabedoria e experiência pelo que devem ser ouvidos
e respeitados. Pelo menos no mundo rural, esta regra
ainda é conhecida e seguida. Claro que a experiência
de viver não é, por si só, garantia de sabedoria. Mas é
uma possibilidade que não deve ser descartada à
partida pois pode dar algum bom resultado. Pelo
menos na China, os Governantes devem ter mais de
70 anos para darem algumas garantias de capacidade
e prudência.
Mas esta velha máxima popular terá alguma justificação
que não seja apenas pragmática?
Tem. E quem o comprova é o neurologista clínico
Elkhonon Goldberg no livro que intitulou “O Paradoxo
da Sabedoria” (The Wisdom Paradox) e que tem este
saboroso subtítulo: Como o seu cérebro fica melhor à
medida que fica mais velho.
Claro que não vou poder resumir aqui o livro, mas vou
passar a mensagem essencial.
Está comprovado, para além de qualquer dúvida
científica que, ao contrário do que era dogma na neuroanatomia, as células neuronais, que ao longo da vida
vão morrendo, são substituídas por células novas
fornecidas por células estaminais residentes no próprio
cérebro e que são activadas pelas perdas. Como sucede
na pele ou no fígado.
19
Contudo esta reparação e substituição das células
perdidas não se faz de um modo cego: célula perdida,
célula substituída. È uma reparação estratégica que
privilegia as áreas cerebrais indispensáveis à
manutenção da vida, ou seja os centros de vida
vegetativa no tronco cerebral, depois as áreas onde se
situa toda a vida emocional e afectiva, ou seja as
estruturas supra-talâmicas e da base cerebral, como o
sistema límbico e a amígdala cerebral, e, por fim, a área
do córtex cerebral indispensável para o exercício das
capacidades humanas superiores, como a reflexão
intelectual abstracta e o raciocínio lógico-dedutivo.
Esta é a última área na linha da substituição de células
perdidas, a partir das células progenitoras cerebrais.
Assim sendo, com a idade, o cérebro humano vai
funcionando mais como um órgão predominantemente capacitado para interpretar as percepções
no nível afectivo do que como um órgão que “destila”
um saber abstracto e intelectual. Ganhamos em afecto
o que perdemos em fria lógica e as nossas decisões
passam a poder ser mais humanizadas e governadas,
essencialmente, pelos afectos e pelas emoções. Por
isso se diz, e bem, que a idade sénior é idade da
sabedoria, entendendo por sabedoria a forma de usar
os conhecimentos científicos e das ciências humanas
e sociais para o melhor bem de cada ser humano e
para a melhoria da condição humana em geral.
E quanto mais se exercer esta capacidade de acolher,
ouvir e ajudar o outro, mais o nosso cérebro emocional
receberá mais células e estará melhor apetrechado
para exercer esta forma de sabedoria que caracteriza
a idade sénior.
É por tudo isto que o envelhecimento tem de ser um
tempo de actividade e não um tempo de repouso
estarrecido a olhar para uma mesa vazia, sem pessoas
à nossa volta, sem convivência, sem problemas para
resolver.
É importante ter problemas porque o idoso não vai
usar o método do problem solving para decidir, mas
decidirá com base no pattern recognition. Ou seja
integrará o problema na sua experiência passada, para
o reconhecer, e, ao reconhecê-lo, sabe logo qual é a
melhor solução. Não precisa de raciocínio lógico
complicado. Decidirá melhor e mais depressa.
Eis o que ganhamos com o progresso da idade.
E este ganho é fonte de uma permanente alegria que
é o sinal distintivo de um envelhecimento saudável e
activo.
dossier
O estereótipo é que o idoso(a) não tem actividade
sexual. Um neto ou neta de 17 anos não será capaz de
conceber e aceitar que o seu avô ou a sua avó tenham
vida sexual, imaginando que a chama do amor está
definitivamente extinta com a idade.
20
Envelhecimento bem sucedido
António M. Fonseca
afonseca@porto.ucp.pt
A tendência para o crescimento da população idosa é um dos traços mais salientes da sociedade
portuguesa actual. Portugal enfrenta presentemente uma realidade que, sendo comum à
generalidade dos países europeus, só agora começa a ganhar um impacto social relevante: baixas
taxas de natalidade e de mortalidade, com um aumento significativo do peso dos idosos no
conjunto da população total do país.
dossier
Esta nova ordem social comporta inevitavelmente uma
série de implicações cuja extensão e intensidade vamos
apreendendo aos poucos. Por exemplo, nunca como
hoje se encheram tanto as prateleiras de livros que
mostram o caminho para atingir o sucesso a todos os
níveis e incrementar, também na velhice, a felicidade
e a qualidade de vida. O novo “mercado dos idosos”
não é excepção e multiplicam-se as receitas de “como
viver bem até aos 90 anos”, de “como preparar a
reforma”, de “como preservar a saúde e manter-se
jovem”, em suma, de “como viver com qualidade”, num
misto de conselhos práticos sobre alimentação e
exercício físico, gestão financeira, vida espiritual ou
mesmo sobre as formas mais adequadas para reagir
aos problemas comuns com que os idosos se
confrontam.
A ideia de que é possível “envelhecer com sucesso”
surgiu nos anos 60 e definia então quer um mecanismo
de adaptação às condições específicas da velhice, quer
a procura de um equilíbrio entre as capacidades do
indivíduo e as exigências do ambiente. Quatro décadas
após os primeiros esforços de conceptualização daquilo
que se entende hoje por envelhecimento positivo ou
bem sucedido, a abordagem neste domínio vai muito
para além da consideração de variáveis psicológicas,
integrando o papel que dimensões como a saúde, o
funcionamento mental, a alimentação e o exercício
físico, as relações sociais, os hábitos quotidianos, etc.,
desempenham na tarefa de bem envelhecer. A
expressão “envelhecimento bem sucedido” é hoje uma
expressão de uso comum tanto na literatura
especializada, como no domínio público; uma
navegação pelas páginas da Internet através do motor
de pesquisa Google conduz-nos a mais de dois milhões
e meio de sites dedicados a esta temática, o que diz
bem da importância que os “segundos 50 anos de vida”
adquirem na aldeia global que a Internet representa.
Um dos principais contributos para a afirmação deste
conceito ao longo dos anos 80 e 90 resultou de um
importante estudo levado a efeito nos Estados Unidos
pela Fundação MacArthur – lançado em 1984 e
intitulado justamente Estudo da Fundação MacArthur
–, cujos principais resultados são sintetizados na obra
Successful Aging1. O Estudo da Fundação MacArthur,
que teve uma enorme repercussão na opinião pública
norte-americana, ensaia uma resposta a três questões
fundamentais acerca do envelhecimento humano: O
que significa envelhecer com sucesso? O que deve
cada um de nós fazer para lidar de forma bem sucedida
esta tarefa da existência? Que mudanças na sociedade
permitirão que cada vez mais homens e mulheres
envelheçam com sucesso?
A razão de ser destas questões prende-se, segundo os
autores do estudo, com a necessidade de ultrapassar
uma visão sobre o envelhecimento centrada em
aspectos relacionados com doenças, incapacidades de
vária ordem e declínio em geral, substituindo-a por
uma abordagem que encara o envelhecimento numa
perspectiva global, valorizando os seus aspectos
biológicos, psicológicos e sociais. Neste sentido, o
Estudo da Fundação MacArthur reuniu um conjunto de
16 especialistas de vários ramos – da sociologia às
neurociências, passando pela medicina, psicologia e
biologia –, com o objectivo final de desenvolver as
bases conceptuais de uma “nova gerontologia”. Esta
abordagem interdisciplinar do processo de
envelhecimento permitiu alcançar, efectivamente, uma
compreensão positiva do funcionamento humano na
velhice.
Assim, nos últimos anos, em larga medida devido aos
avanços das ciências médicas, psicológicas e sociais,
mas também porque o envelhecimento generalizado
da população do mundo ocidental converteu o
fenómeno em algo “comum”, a velhice passou a ser
simplesmente considerada como mais um estádio na
vida das pessoas, na continuidade dos anteriores. Na
sequência de estudos como o já citado da Fundação
MacArthur, esta inversão na representação da velhice
tem feito com que, progressivamente, sejam destruídos
uma série de estereótipos e de mitos de pendor
negativo, fazendo emergir uma imagem de
normalidade associada ao acto de envelhecer,
transmitida por noções como actividade, autonomia
ou capacidade de realização.
No seu conjunto, poderemos dizer que as teorias de
envelhecimento bem sucedido vêem os indivíduos
idosos como pró-activos, regulando a sua qualidade
de vida pela definição de objectivos e lutando para os
atingir, servindo-se para tal de recursos que são úteis
1.
Rowe, J., Kahn, R. (1998). Successful aging. New York: Pantheon Books.
Envelhecimento bem sucedido
para a adaptação a mudanças relacionadas com a idade
e envolvendo-se activamente na preservação do seu
bem-estar. Tais objectivos estão dirigidos,
habitualmente, para áreas como a saúde, a autonomia
pessoal, a estabilidade emocional, a auto-estima, o
casamento, a vida familiar e as relações de amizade,
parecendo existir consenso na caracterização de um
envelhecimento bem sucedido em torno dos seguintes
critérios: adequado desempenho físico e cognitivo,
ausência de patologias e incapacidades graves,
manutenção do controlo primário e envolvimento na
vida, adopção de estratégias de coping adequadas para
lidar com os desafios inerentes ao processo de
envelhecimento2.
Mas não há uma forma única de envelhecer com
sucesso. O factor individual surge como determinante
para se afirmar a inexistência de um caminho único de
evolução, podendo diferentes pessoas percorrerem
diferentes percursos de envelhecimento mantendo
uma idêntica satisfação de vida e alcançando um
idêntico sucesso. Daqui resulta que há diferenças
sensíveis quanto ao modo como o processo de
envelhecimento decorre, quer de acordo com o
contexto cultural de referência, quer de pessoa para
pessoa relativamente a diversos aspectos tidos
geralmente como determinantes para o seu bem-estar,
como sejam as condições económicas, a saúde física,
as redes sociais de pertença e de apoio, ou o grau de
satisfação de necessidades psicológicas.
Em nosso entender, o conceito de envelhecimento
bem sucedido só faz sentido numa perspectiva
ecológica, visando o indivíduo no seu contexto sociocultural, integrando a sua vida actual e passada,
ponderando uma dinâmica de forças entre as pressões
ambientais e as suas capacidades adaptativas. No caso
português, não temos dúvidas sobre a necessidade de
aumentar e melhorar os serviços disponibilizados aos
idosos e os cuidados que lhes são prestados, através
de medidas várias que tenham em consideração os
aspectos psicossociais do bem-estar psicológico na
velhice, privilegiando os serviços e os cuidados que
permitam um aumento da qualidade de vida no sentido
mais abrangente do termo.
21
Num outro sentido, mas com uma mesma preocupação
ecológica, Fernández-Ballesteros 3 defende que o
envelhecimento “com êxito”, “competente” ou “activo”,
ultrapassa o conceito de “envelhecimento saudável”,
ao considerar que a participação do indivíduo na
sociedade e os sistemas de segurança social que esta
oferece constituem elementos imprescindíveis para se
poder falar num envelhecimento bem sucedido: “o
envelhecimento satisfatório, competente, com êxito e
activo, requer tanto do esforço de uma sociedade
solidária (através dos sistemas de protecção sanitária
e social) como do próprio indivíduo que é agente do
seu desenvolvimento pessoal e, em boa medida, da
sua saúde, da sua participação e da sua segurança”4.
2. Fonseca, A.M. (2005). O envelhecimento bem sucedido. In C. Paúl e A.M. Fonseca
(coord.), Envelhecer em Portugal. Psicologia, saúde e prestação de cuidados.
Lisboa: Climepsi.
3. Fernández-Ballesteros, R. (dir.) (2002). Vivir con vitalidad, Vol I – Envejecer bien.
Qué es y cómo lograrlo. Madrid: Ediciones Pirámide.
4. Fernández-Ballesteros, R. (dir.) (2002). Ob. Cit., p.16.
Mitos e preconceitos da velhice
Sónia Rodrigues
Formadora e Educadora Social
A sociedade actual encontra-se perante uma situação
contraditória: por um lado confronta-se com o
crescimento em massa da população idosa, fruto do
aumento da esperança média de vida, e por outro lado,
omite-se ou adopta atitudes preconceituosas sobre a
velhice, retardando assim uma efectiva implementação
de medidas que visem minorar situações de
dependência e dificultando a liberdade de ser do idoso.
Ao contrário do que deveria acontecer, e infelizmente,
temos uma sociedade que cultiva a imagem, a
actividade, a beleza, o dinamismo, a produtividade.
Uma sociedade voltada para o consumo e que encara
o envelhecimento, o ser idoso ou velho de forma
negativa.
De facto esta fase etária da vida é caracterizada por
uma diminuição das capacidades físicas, psicológicas
e sociais. Há necessidade de estímulo efectivo às
capacidades da pessoa idosa, mantendo o seu papel
social como pessoa capaz, para esta não ser conduzida
a um ciclo de vida negativo levando o indivíduo a
dossier
Portugal, à semelhança do que se passa na União Europeia, apresenta pouco dinamismo
demográfico, predominando uma estrutura etária cada vez mais envelhecida com baixos níveis
de fecundidade e mortalidade. Foi noticiado recentemente que no nosso país por cada 100 jovens
existem 238 idosos.
Mitos e preconceitos da velhice
22
adoptar um papel de doente e dependente. Mas a
maioria dos problemas ligados ao envelhecimento não
são causados pela diminuição das funções cognitivas.
São sobretudo outro tipo de problemas, como a perda
de papéis, as diversas situações de stresse, a doença,
o cansaço, o desenraizamento, e outros traumatismos
que vão dificultar a adaptação das pessoas idosas. A
velhice é de facto uma etapa especialmente intensa
de perdas de papéis (Garcia, 2002) ao longo dos anos
de forma progressiva (filhos que saem de casa, reforma,
viuvez, etc.). Todavia, ser Idoso, velho, terceira idade,
senescente …, ou como o queiram chamar, é, acima
de tudo, «SER HUMANO».
Para ultrapassar estas situações, o idoso terá que
reequacionar os seus objectivos pessoais, de forma a
adaptar-se conservando a sua auto-estima, para
continuar a viver com o melhor bem-estar possível. É
sobretudo necessário que o próprio idoso seja capaz
de conseguir viver com as transformações que lhe
ocorrem a nível físico, psíquico e social e encare o
envelhecimento como mais um ciclo de vida que se
abre e que deve ser vivido por ele, não como um luto,
mas, e antes de mais, como uma etapa a ultrapassar
de forma positiva. Hall et al. (1997:39,40) apresentam
esta ideia de forma esquemática para nos ajudar a
perceber e a reflectir melhor sobre esta questão.
O ciclo de vida negativo: um ciclo vicioso de doença
no idoso
1. Diminuição das capacidades
fisicas, mentais ou sociais
2. Rótulo de incapacidade por
instituições de pretação
de cuidados
4. Auto-reconhecimento de
doença ou incapacidade
3. Desenvolvimento do papel
de doente ou dependente;
negligência de capacidades
dossier
O ciclo de vida positivo
1. Manutenção de uma
vida confortável
4. Manutenção das possibilidades
de desenvolvimento
2. Segurança emocional
e suporte
3. Manutenção dos papéis sociais
definido como “capaz”
Fonte: Hall et al., (1997:39,40)
É portanto de extrema importância haver uma
mudança de mentalidades, uma mudança não só no
idoso, mas na sociedade. Encarar a pessoa idosa como
pessoas ricas porque possuem anos de formação, de
crescimento, de desenvolvimento e amadurecimento
e têm por isto a possibilidade de desaprender as
«tolices» de toda uma vida, de perceber as próprias
ilusões, aprofundar a compreensão, a compaixão,
ampliar horizontes, refinar o sentido de justiça, não da
regida por leis, mas a da igualdade, reciprocidade e
equidade nas relações entre as pessoas.
Esta nova etapa é uma oportunidade para libertar e
utilizar energias e capacidades, muitas retidas pela falta
de tempo e que podem servir como processos de
crescimento e desenvolvimento interior e espiritual.
De facto cada vez mais vemos pessoas idosas a
participar e até dirigir acções de voluntariado como
membros integrados na sociedade em que vivem, que
contribuem plenamente para o seu desenvolvimento,
a frequentarem universidades seniores, a tirarem cursos
de computadores, de línguas, de artes… A praticarem
exercício físico, a viajarem, a levarem os netos à escola
ou a tomarem conta deles, a serem a grande ajuda
emocional e financeira dos filhos. Idosos que se
preocupam com a sua qualidade de vida; e não se trata
só de tratarem de doenças físicas que causam malestar, mas sobretudo de qualidade de vida em termos
de bem-estar psíquico, são agentes activos e
preocupados com o seu processo de envelhecimento.
Indivíduos que ainda continuam a amar ou em busca
do amor, que acreditam na vida e tentam aproveitar o
tempo que lhes resta a frazer o que a falta de tempo
não deixou.
É fundamental que o idoso mantenha a sua
participação contínua em questões sociais, económicas, culturais, cívicas e espirituais, e este é um desafio
a todos nós cidadãos, familiares e futuros idosos e
igualmente ao Estado através da tomada de decisões
e execução de políticas nesta área.
De forma conclusiva a velhice tem que ser encarada
como o início de uma nova etapa da vida, que se bem
preparada e estimulada pode ser promissora em termos
de realizações de projectos, planos e sonhos que foram
adiados e que se esquecermos os mitos e preconceitos
e considerarmos o potencial de experiência e sabedoria
acumulados da pessoa idosa, terá grandes benefícios.
O idoso deve por isso ser aceite como um ser humano
activo, participativo, saudável, uma pessoa com vida,
capaz e com vontade de aprender, que quer e procura
o prazer a alegria e a felicidade.
Aproximar gerações
Cristina Palmeirão1
cpalmeirao@netcabo.pt
o caminho da educação
23
A alteração dos paradigmas demográficos e o prolongamento do ciclo de vida das pessoas alarga
grandemente a necessidade de novas oportunidades e novas sinergias, especialmente, no domínio
sociopedagógico. Compreender a sociedade presente requer um esforço empenhado face à
celeridade das mutações económicas, ao progresso da ciência e às novas tecnologias e, mormente,
sobre as atitudes perante as pessoas idosas.
É facto que a “anciania é uma idade objectivamente
nova” (Pereira, 1999, p. 14), porquanto se trata de um
fenómeno que irrompe de forma inalterável no devir
do século passado. A propósito do envelhecimento da
população portuguesa, há quem afirme ser o século
vinte “o século de modernização demográfica
portuguesa” (Rosa & Vieira, 2003, p. 119). Com efeito,
foi o desequilíbrio entre os níveis de natalidade e de
mortalidade que mudaram a dinâmica populacional e
que inibiram o crescimento natural das populações.
Um processo inédito que faz aumentar progressivamente o número de pessoas idosas e que nos
prolonga a vida por mais anos.
Mas, à medida que conquistamos mais anos à morte,
as relações intergeracionais tendem a fragilizar-se.
Problemas de legitimidade social, de participação e de
reconhecimento geram vulnerabilidades e desencantos
crescentes que interpelam de forma decisiva as políticas
sociais contemporâneas, enquanto instrumentos de
intervenção idóneos para proporcionar o bem-estar e
protecção social aos cidadãos em situação de risco
social, nomeadamente, no que respeita às medidas de
carácter sociopedagógico. Alimentar uma sociedade
multigeracional pujante e equitativa requer empenho
e um compromisso autêntico no sentido de gerar
atitudes positivas e facilitadoras de um clima
interpessoal de cordialidade e de amizade (Palmeirão,
C., 2008, p. 83). Nesse horizonte, é preciso desenvolver
uma matriz que reconheça e assegure, tal como
proclama a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
“um ideal comum a atingir por todos os povos e todas as
nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos
da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se
esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver
o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por
medidas progressivas de ordem nacional e internacional,
o seu reconhecimento e a sua aplicação universais”.
Globalmente, há, na actualidade, um outro olhar sobre
o fenómeno relativo à velhice e ao envelhecimento,
circunstância que se inscreve no impacto produzido
pelos Planos de Acção Internacional de Viena (1982),
de Madrid (2002) e da expansão institucional da
gerontologia, cuja motivação é a de “promover modelos
de intervenção gerontológicos adequados às
necessidades reais da população geronte e da própria
sociedade” (Palmeirão, 2007b, p. 63). Definitivamente,
o que se pretende é fazer nascer uma consciência mais
esclarecida e estreitar vínculos de cooperação capazes
de melhorar a vida das pessoas. Nesse pressuposto faz
sentido pensarmos a educação intergeracional,
enquanto processo de capacitação da pessoa para o
pleno exercício da sua civilidade, da eliminação dos
preconceitos por razões de idade e contra o medo do
nosso envelhecimento. Ou seja, uma via nova para a
edificação de uma solidariedade intergeracional
propícia ao desenvolver e fortalecer a equidade e a
reciprocidade entre as gerações.
Aperfeiçoar competências interpessoais
A Educação Intergeracional, compreendida no seu
âmbito mais abrangente é um processo que visa o
desenvolvimento e aperfeiçoamento das competências humanas, das relações entre gerações e, contemporaneamente, de “uma consciência intergeracional”
(Sáez Carreras, 2002, p. 111) capaz de recriar responsabilidades e propiciar elos de solidariedade
alternativos às práticas comuns de convivência
geracional (Palmeirão, 2007b, p. 80).
No presente, a comunicação humana está marcada
por elementos e estruturas que aceleram a mobilidade
e a movimentação dos indivíduos ao longo de fronteiras
(reais e virtuais) dantes intransponíveis. Todavia, a
relação entre cidadãos torna-se mais distante e os seus
laços mais atenuados (Palmeirão, 2008, p. 85). É verdade
que o mundo actual beneficia da uma gigantesca e
veloz rede de conexões. Porém, insuficientes para gerar
oportunidades e vínculos consistentes com os
propósitos de uma sociedade mais humana e
“efectivamente catalisadora da multirreferencialidade
do humano (Carvalho, 2000, p. 117). Cabe, assim,
procurar novas dimensões de socialização, de educação
1.
Docente da Faculdade de Educação e Psicologia/UCP
dossier
A singularidade da nossa era
Aproximar gerações
24
e de interacção, onde se oferecem oportunidades reais
de contacto e onde à imprevisibilidade da sociedade
actual se contrapõe uma atitude de vida mais
desafiadora e aberta à mudança. O desenvolvimento
da humanidade resulta de um movimento contínuo
de aprendizagem ao longo da vida e onde o respeito
pela vida de todas as pessoas evidencia a importância
da educação na sua perspectiva mais global.
Pensar a velhice e a pessoa idosa de forma mais
esclarecida e mais positiva são alguns dos pressupostos
da Educação Intergeracional e, nesse sentido, importa
não esquecer que está ainda por conseguir uma
verdadeira cultura de ancianidade. “A pensar os dias
futuros, a questão que se coloca é a de apreender e
explicar o processo gradual da ancianidade e,
simultaneamente, potenciar lugares facilitadores de
participação e educação entre gerações” (Palmeirão,
2007b, p. 89).
De todo o modo, as práticas de educação e de
intervenção intergeracional são uma realidade já
bastante conhecida e em crescimento nas principais
cidades do mundo (e.g. Foyster, 2001; Jelenec, Petra
& Steffens, Melanie C, 2002; Lambrinou, Sourtzi,
Kalokermou & Lemonidou, 2005; Meshel & McGlynm,
2004). No plano nacional, os programas de educação
intergeracional são ainda exíguos. Apesar disso, são
excelentes apontadores de mudança e do romper de
uma outra consciência fase à problemática das
sociedades multigeracionais (Quadro 1).
Aprendizagens sentidas
Investigar de que forma a interacção geracional
promove o conhecimento e possibilita o
desenvolvimento de atitudes, saberes e competências
entre gerações foi o repto apontado ao grupo de
trabalho6 criado com o propósito de consubstanciar
um desejo gerado a partir da nossa prática lectiva. O
projecto Redes de Encontro Intergeracionais é um
projecto de natureza sociopedagógica, desenvolvido
durante o ano lectivo de 2005/20067. Entre adultos e
crianças, o número de pessoas participantes, no Redes
de Encontro Intergeracionais, ultrapassou a meia
centena8. O programa decorreu de forma sequencial,
invocando para o efeito uma estratégia ecléctica
(Creswell, 2002, Sousa, 2005, Palmeirão, 2008, p. 87)
enquanto filosofia de acção entre o desenvolvimento
do programa curricular (da escola e do lar) e as acções
definidas pelos participantes (juniores e seniores). Das
aprendizagens na sala de aulas, visitas, encontros,
momentos de convívio, teatro, dramatização,
declamação e leitura resultam momentos ímpares de
interacção e de aprendizagem activa (Fotos, 1,2 e 3).
Sessão a sessão, os testemunhos confirmam, de forma
peremptória, o poder da educação Intergeracional
como mediador e facilitador do processo de
aprendizagem intergeracional, enquanto acção
ajustada para gerar novas formas de pensar a pessoa
idosa e de potenciar as relações intergeracionais
(Palmeirão, 2007b, p. 205-283) (Fotos 4, 5 e 6).
Das narrativas dos participantes directos e indirectos
(crianças, pessoas idosas, professores, pais e mães e
colaboradores do lar) sobrevêm considerações
significativas sobre a validade sociopedagógica da
educação intergeracional enquanto via possível para
aproximar idades e gerações de forma esclarecida e
sentida. A educação intergeracional é, nas palavras dos
pais e mães dos meninos e meninas participantes nas
Quadro 1 - Dimensões Nacionais
dossier
Contexto
Designação
Os idosos revisitam a escola2
Escolar
Objectivo
- Promover o relacionamento entre diferentes gerações;
- Criar momentos de partilha de saberes e experiências;
- Valorizar a pessoa idosa.
Venha aprender connosco e ensinar-nos
também o que sabe3
- Motivar e responsabilizar um grupo de jovens;
Aconchego4
- Inibir a desertificação da baixa portuense;
- Criar momentos de oportunidades relacionais.
- Combater a solidão da população idosa.
Comunitário
Clube da Vida Local5
- Promover acções de sensibilização.
- Construir espaços de partilha entre gerações.
Fonte: Palmeirão, C. (2007b), p. 113
Aproximar gerações
Bibliografia
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uma filosofia de acção. Cadernos de Pedagogia Social. Educação e
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Foyster, E. (2001). Parenting was for life, not just for childhood: the role
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The Historical Association. Published by Blackwell publishers. USA
Jelenec, P. & Steffens, M. C. (2002). Implicit attitudes toward elderly
woman and men. 2: p.15-22
Lambrinou, E.; Sourtzi, Kalokerinou, A. & Lemonidou, C. (2005). Reliability and validity of the Greek version of Kogan’s Old People Scale.
Journal of Clinical Nursing, 14, p. 1241-1247
Meschel, D. S. & Mcglynn, R. P. (2004). Intergeneracional contact,
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(20), Lisboa: ISSS
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Social. Lisboa: UCP, p. 81-100
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Palmeirão, C. (2007b). A interacção geracional como estratégia educativa:
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Educación de personas mayores. Archidona, Ediciones Aljibe, p. 99-112
Rosa, M.J. & Vieira, C. (2003). A população portuguesa no século XX.
Lisboa: ICS
2. Projecto desenvolvido no Concelho de Santa Maria da Feira, realizado por
crianças do 1º Ciclo do Ensino Básico e pessoas idosas, 2001.
3. Projecto desenvolvido no ano lectivo 2002/2003, pela Escola Básica EB2,3 de
Gomes Eanes de Azurara, em Mangualde.
4. Programa Intergeracional Comunitário, iniciado em 2003/2004 na Cidade do
Porto, trata-se de um Programa da responsabilidade da Fundação para o
Desenvolvimento Social do Porto, Federação Académica do Porto e Câmara
Municipal do Porto.
5. Projecto inserido na dinâmica do Clube da Vida Local - tipologia de Projecto
4.4.3.1. - Sistemas de Apoios Técnicos e Financeiros às Organizações Não
Governamentais - Pequena Subvenção, integrada na medida 4.4. - Promoção
da Igualdade de Oportunidades entre Homens e Mulheres do Programa
Emprego, Formação e Desenvolvimento Local.
6. Estivil, J.; Veiga, F.; Albergaria, A.C. & Vicente, M. J. (2006). Pequenas experiências,
grandes esperanças. Porto: REAPN
7. Elaborado no âmbito da nossa tese de doutoramento.
8. O Grupo de Intervenção juvenil contava 20 crianças - 9 raparigas e 11 rapazes
e o grupo sénior contava 5 mulheres e 5 homens maiores de 65 anos de idade,
sendo a média de idades de 76,2 anos (Palmeirão, 2007b, p. 213).
Fotos 1, 2 e 3 - Momentos de interacção na sala de aula e no lar
25
Fotos 4, 5 e 6 - Testemunhos de relações intergeracionais
dossier
Redes de Encontro Intergeracionais, “a valorização das
aprendizagens mútuas entre as crianças e os idosos”
e, obviamente, “a aprendizagem da amizade e da
solidariedade”, traduzida de forma clara na vontade de
“continuar a visitar as pessoas mais velhas” e, ainda, no
contentamento que as crianças exteriorizavam nos
dias em que acolhiam ou visitavam os «seus mais velhos
amigos».
No final fica um pensamento e um conhecimento
diferente a propósito da velhice e do envelhecimento.
Das composições elaboradas pelas crianças os escritos
revelam detalhes e uma mensagem muito mais positiva
quer no que respeita à atitude das próprias crianças,
quer à escola, quer e aos próprios idosos. E, de uma
imagem «vestida» de estereótipos e de vulnerabilidades, emerge uma imagem física e social mais
activa e menos fragilizada. No caso dos adultos os
testemunhos são positivos e muito optimistas em
relação às oportunidades criadas a partir da intervenção
e da educação intergeracional, nomeadamente, no
eclodir de uma nova atitude e responsabilidade para
com as pessoas idosas. A “aproximação saudável entre
várias gerações” é, de facto, um excelente contributo
em prol de uma sociedade inclusiva afirma a mãe de
uma das «nossas» crianças e, “um contributo essencial
para a melhoria dos sentimentos de auto-estima e
integração social dos nossos idosos” explica a
responsável do lar onde residem os senhores e as
senhoras idosas.
A propósito das mudanças experimentadas e/ou
sentidas as respostas não podiam ser mais positivas.
Todos os participantes que tivemos oportunidade de
auscultar referiram que foi um tempo diferente de
aprender e de conviver com diferentes idades e
gerações. António Margarido, um dos senhores idosos
participantes no projecto testemunha que:
26
Envelhecimento e emprego
Carlos Manuel Gonçalves*
cmgves@letras.up.pt
Isabel Dias*
dos trabalhadores mais velhos
Portugal apresenta mutações demográficas de ampla escala e com importantes repercussões
sociais, económicas e culturais. A população residente no país decresceu nos anos sessenta do
século XX, fruto da intensificação do processo emigratório, para na década seguinte (em especial
na segunda metade) aumentar expressivamente na sequência do retorno das ex-colónias, sofrendo,
nos anos oitenta, uma quebra do dinamismo demográfico. Nos dez anos posteriores foi patente
um acréscimo populacional resultante dos fluxos imigratórios e do aumento da população idosa
(65 e mais anos).
Todavia, nos anos mais recentes, assiste-se a uma
desaceleração do ritmo de crescimento a que
possivelmente não é estranho o abandono do país por
uma fracção relevante de imigrantes, como reacção ao
actual contexto de crise de emprego. Se a evolução
dos fluxos migratórios, com as suas variações, é decisiva
para a explicação do movimento populacional,
igualmente deve ser dado idêntico relevo à tendência
pesada de forte redução do crescimento natural da
população. Assiste-se à quebra da taxa de natalidade
e do índice sintético de fecundidade – as mulheres
residentes no país têm cada vez menos filhos e mais
tardiamente no seu ciclo de vida (não sendo possível
assegurar a reprodução das gerações). Intimamente
associado a estas tendências demográficas e ao
aumento continuado do prolongamento da vida
(consequência de melhorias significativas, face ao
passado, na saúde e na qualidade de vida), a estrutura
etária da população altera-se substancialmente. É
patente o envelhecimento demográfico da população
traduzido no aumento significativo do peso relativo
do grupo dos 65 e mais anos e do correspondente aos
15-54 anos e redução do mais jovem (menos de 15
anos). O andamento dos índices de envelhecimento e
de dependência dos idosos são bem elucidativos das
dinâmicas demográficas nos últimos trinta anos.
Embora subsistam algumas diferenças, de escala e de
natureza, as mutações apontadas são igualmente
patentes nos outros países da União Europeia (UE).
Destacam-se o baixo crescimento ou mesmo declínio
demográfico, as reduzidas taxas de natalidade e de
fecundidade e o envelhecimento populacional
destacam-se. Em 2005, a UE registava uma população
de 491 milhões, em que 16% tinha menos de 15 anos,
67% entre os 15-64 anos e 17% mais de 65 anos. As
estimativas da UE para 2050 apontam para que o grupo
etário intermédio se reduza para 56,7%, verificandose uma tendência idêntica nos jovens - 13,4% enquanto o grupo mais idoso atingiria os 29,9%.
A UE deixou de ter dinamismo demográfico. Novas
interrogações e desafios ganharam espaço e são
objecto de discussão nos contextos institucionais e
políticos da Europa. O envelhecimento populacional
coloca necessariamente, em termos diferentes do
passado, as relações entre a idade (e os ciclos de vida
em geral) e a participação dos indivíduos no mercado
de trabalho1. As previsíveis mutações na demografia
1. Sobre as tendências demográficas na Europa e as questões das relações entre
emprego e idade consulte-se, entre outras fontes, a informação disponibilizada
pela UE em http://europa.eu/pol/socio/index_pt.htm.
Os dados estatísticos sobre a UE usados no presente texto foram retirados de
http://epp.eurostat.ec.europa.eu
dossier
Indicadores demográficos sobre Portugal
Anos
Taxa Bruta de
Natalidade
(permilagem)
Índice Sintético Esperança de
Esperança de
de Fecundidade vida à nascença vida à nascença
(permilagem)
Homens
Mulheres
1960
24,1
3,2
60,7
1970
20,0
3,0
64,2
1981
15,5
2,1
1991
11,8
2001
10,9
2006
10,0
Estrutura etária da
Índice de
População Residente (%)
Dependência
dos idosos
0-14 15-64 65 e +
anos anos anos
Índice de
Longevidade
Índice de
Envelhecimento
66,4
35,7
27
11,0
29,2
62,9
70,8
34,9
34
12,7
28,5
61,9
9,7
69,1
76,7
34,83
46
15,6
25,1
63,3
11,5
1,6
70,3
77,3
9,0
72
18,2
19,4
66,7
13,9
1,5
73,5
80,3
41,9
104
20,9
15,9
67,6
16,5
1,4
74,9
81,3
44,9
112
25,4
15,4
67,3
17,3
8,0
Fonte: INE, Censos Populacionais e Estatísticas Demográficas
Envelhecimento e emprego
Ao nível do espaço europeu emergiram, em especial
a partir da segunda metade dos anos noventa do século
passado, um conjunto diversificado de leituras, de
propostas e de medidas políticas com vista a reduzir
as consequências das mutações demográficas, em
termos económicos, sociais e culturais.
Assiste-se ao aprofundamento de um discurso
valorizador social e economicamente da velhice3.
Recusa-se definitivamente uma imagem negativa da
velhice. Implementam-se políticas sociais, de natureza
diferenciada, que conferem uma substância a tal
segmento populacional, a par de apontarem para a
integração social e económica dos idosos, revalorizando
o papel destes como consumidores e produtores de
riqueza. Em simultâneo, defende-se um novo padrão
de equilíbrio entre as gerações, diferente do que
possibilitou, nomeadamente nos países centrais da UE,
a sedimentação do Estado-providência e do modelo
político democrático-parlamentar e económico de
matriz capitalista. Esse novo “contrato”, ainda numa
fase de implementação, assenta em formas mais
complexas de solidariedade inter-geracional (no quadro
de uma perspectiva de ciclo de vida) e de inclusão
social.
A principal resposta às mutações demográficas vem
sendo dada no plano do mercado de trabalho. A
Estratégia Europeia do Emprego passou a incorporar,
explicitamente a partir do início deste século, uma
directiva precisa para os Estados membros – aumentar
a oferta de mão-de-obra e promover o envelhecimento
activo4. No caso do envelhecimento pretende-se,
genericamente, manter e incentivar o ingresso dos
activos mais idosos (55-64 anos) no emprego. A UE
definiu dois objectivos: aumentar para 50% até 2010
a taxa de emprego da população do grupo etário dos
55-64 anos (Conselho Europeu de Estocolmo, de 2001);
acréscimo gradual em cerca de 5 anos na idade média
efectiva, até 2010, em que os indivíduos deixam o
mercado de trabalho (Conselho Europeu de Barcelona,
2002). Aquela directiva é entendida, pelas instâncias
políticas da UE, como o principal meio para garantir
no futuro um crescimento económico sustentado, que
contribuiria para compensar, pelo menos em parte, o
avolumar dos encargos financeiros decorrentes do
envelhecimento demográfico. A esta perspectiva, de
natureza mais económica, junta-se uma outra, embora
menos determinante – o prolongamento da vida activa
é benéfico para os trabalhadores, em termos da sua
inclusão social, como igualmente possibilitaria o
aproveitamento das competências e, principalmente,
da experiência dos mais idosos. Recorde-se que toda
esta argumentação tem subjacente um desiderato
político – possibilitar que o prolongamento da vida
seja acompanhado por uma extensão temporal da
presença no mercado de trabalho.
27
A partir de um balanço, necessariamente sintético,
sobre a promoção do envelhecimento activo nos
Estados membros da UE (nomeadamente em Portugal),
nos anos mais recentes, sobressai o uso generalizado
de medidas políticas como a supressão dos incentivos
à reforma antecipada, aumento da idade legal de
reforma, mudança do regime de cálculo das pensões
e reconfiguração do sistema de protecção social. Os
Estados europeus mobilizaram as medidas que a curto
e a médio prazo mais podem contribuir para o
prolongamento da presença no mercado de trabalhos
dos activos mais idosos e, concomitantemente,
desincentivar a sua saída precoce (face aos novos
padrões de gestão da idade). Em alguns países, o
2. Facto que nos coloca no grupo de países com maior participação dos mais
velhos no mercado de trabalho e que deve ser lido como expressando uma
recusa de passagem à reforma por força dos baixos montantes das pensões
que uma parcela deles irá auferir.
3.
Importa sublinhar que o termo velhice (tal como o de idade) é uma construção
social, sempre referenciada a coordenadas espácio-temporais e, por isso,
objecto necessariamente de um exercício de relativização analítica.
4. Igualmente nos documentos da UE é utilizada a expressão “envelhecimento
em actividade”. No presente texto, o termo envelhecimento activo (ou
envelhecimento em actividade) abrange as políticas de manutenção e
incremento da presença dos indivíduos com idades compreendidas entre os
55 e os 64 anos no mercado de trabalho. É usual na literatura encontrar-se
para aquele termo um significado mais amplo - para além da inserção no
mercado de trabalho, igualmente abrange medidas que promovam a inserção
social dos idosos, atenuem os processos de discriminação dos mais velhos,
facilitem o acesso às actividades culturais e recreativas, aos cuidados de saúde
e fomentem as solidariedades intergeracionais, tanto na família como nos
diversos contextos sociais.
dossier
europeia acima apontadas, e desde que não exista um
substancial crescimento populacional (por via do
aumento dos fluxos imigratórios ou de um saldo natural
francamente positivo), conduzirão a que o volume da
população europeia em idade activa (15-64 anos)
diminuirá e a sua idade média aumentará pelo peso
crescente dos activos mais velhos (55-64 anos). É
expectável que a proporção destes activos no total dos
activos (15-64 anos) evoluirá de 27%, em 2010, para
49% em 2050. Na actualidade, a taxa de emprego relação entre a população empregada e a população
total – no conjunto da população com 55-64 anos é
baixa (na UE-27 essa é de 44,7% e em Portugal de
50,9%)2. Por sua vez, a idade média de abandono do
mercado de trabalho com a passagem à reforma
situava-se na UE-27, em 2005, em 61,0 anos e no nosso
país em 63,1 anos (registando-se uma ligeira subida
face aos valores dos finais do século XX). Se associarmos
a tais factos o aumento da esperança de vida aos 60
anos que vem ocorrendo no passado recente (em 2004
era 20,3 anos para a UE-25 e 20,1 anos para Portugal),
tudo aponta para a forte dificuldade de manter a longo
prazo um crescimento económico sustentado, com
repercussões negativas nas receitas fiscais, na
sustentabilidade financeira dos sistemas de protecção
social (cada vez mais pressionados pelo envelhecimento demográfico), colocando, deste modo, em
causa o modelo social e económico.
Envelhecimento e emprego
dossier
28
caminho tomado tem sido objecto de forte contestação
por parte dos sindicatos e de outras organizações
políticas. Particularmente isso é mais notório quando
se impuseram alterações que colocaram em causa
direitos conquistados no passado e expectativas
construídas durante anos face às condições de transição
do emprego para a reforma. Os discursos mais
promissores sobre o alongamento da vida activa
dificilmente ganham uma ampla audiência junto dos
trabalhadores mais idosos, particularmente junto
daqueles com baixas qualificações académicas, com
actividades profissionais desvalorizadas em termos
simbólicos e materiais, com uma vida de trabalho
marcada pelo desgaste da sua condição física e com
pesadas dificuldades de adaptação aos “novos tempos”
da gestão das pessoas nas organizações económicas.
Para estes (que representam em Portugal e em
outros países europeus uma parcela relevante dos
trabalhadores de 55-64 anos), a reforma é
percepcionada com uma fase do ciclo de vida de
“descanso” que poderá, em parte, servir de momento
de compensação face às vicissitudes da fase anterior.
Embora sem amplitude das medidas políticas acima
apontadas, outras vêm sendo tomadas pelos Estados
membros da UE (ou estão em agenda), no sentido de
apoiar os trabalhadores mais velhos (55-64 anos), como
por exemplo: legislação contra a sua discriminação no
acesso ao emprego, na progressão nas carreiras
profissionais e na inserção na formação profissional;
protecção contra o seu despedimento; criação de
programas específicos de formação profissional, de
acções direccionadas para a sua reinserção no emprego
(quando desempregados e que se podem estender
aos inactivos) e de incentivos financeiros compensatórios à sua permanência no mercado de
trabalho. São, ainda, de acrescentar os apoios
financeiros aos empregadores para a manutenção dos
trabalhadores mais velhos nas empresas, a manutenção
de boas condições de saúde e segurança no trabalho
(de modo a prevenir-se a perda de produtividade por
ausências ao trabalho), a criação de formas flexíveis de
organização do trabalho (que permitam ajustamentos
entre as capacidades físicas e cognitivas dos
trabalhadores e as tarefas dos postos de trabalho ou
a progressiva transição para a reforma). Entre nós ainda
é bastante incipiente a concretização de medidas
políticas de natureza semelhante5.
Uma aplicação mais abrangente das medidas
apontadas terá que necessariamente ser enquadrada
por acções de sensibilização e divulgação do
envelhecimento activo, em particular junto dos
empregadores. Com efeito, recorrentemente estes
posicionam-se negativamente face ao alongamento
da vida activa dos seus trabalhadores mais velhos,
porquanto consideram que impossibilita uma
renovação etária e qualificacional da mão-de-obra,
que seria a custos baixos para as empresas se, em
alternativa, mobilizassem para o efeito os processos
de reformas antecipadas. Estratégia que transferiria
para o erário público os encargos daquela renovação,
tal como aconteceu nos anos oitenta e parte dos anos
noventa do século passado em Portugal e em outros
países europeus.
No presente texto abordámos, de modo bastante
sintético, algumas das questões que o envelhecimento
ac tivo coloca às sociedades europeias e,
particularmente, a Portugal. No caso do nosso país,
importa, em jeito de conclusão, ter presente que
factores como a actual crise de emprego e a fraca
dinâmica económica, a persistência de atitudes e
compor tamentos discriminatórios face aos
trabalhadores mais velhos, as débeis qualificações
académicas e profissionais de uma parcela significativa destes, a ausência generalizada no tecido
empresarial de processos de gestão da idade são
importantes condicionantes ao desenvolvimento do
envelhecimento activo.
Bibliografia
Pestana, Nuno Nóbrega (2003), Trabalhadores mais velhos: Políticas
públicas e práticas empresariais. Contributos para uma política nacional
de envelhecimento activo, Lisboa, DGERT/MSST.
Centeno, Luís Gomes (coord.) (2007), Envelhecimento e perspectivas
de luta contra as barreiras da idade no emprego, Lisboa, IEFP.
(*)Sociólogos. Professores e investigadores da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto.
5. Confira-se sobre o envelhecimento activo no país, os textos de Pestana
(2003) e de Centeno (2007), entre outro. O Plano Nacional de Emprego 20052008 apresenta as medidas políticas previstas para o período.
Novas Tecnologias & Idosos
Teresa Almeida Pinto1
tpinto@byweb.pt
exclusões e soluções
29
Para além do processo biológico e psicológico, o
envelhecimento é um processo social e cultural (Pinto,
F.C. & Osório, A.R. 2007). Hipócrates definiu o apogeu
do homem aos 56 anos. Aristóteles acreditava que a
perfeição do corpo se completava aos 35 anos e a da
alma aos 56 anos. Para Dante, chegava-se à velhice aos
45 anos (Vargas, 1994 apud Filho, 2003).
Esta evolução é também aplicável às novas tecnologias,
condenadas à certeza se serem futuras “ex-novas
tecnologias” logo que outras mais recentes as remetam
para um quotidiano sem significado ou até mesmo
para quotidiano nenhum. Muitas foram as novas
tecnologias que pela incapacidade de se adequarem
às necessidades e desejos da humanidade, passaram
quase directamente do nascimento promissor ao
desuso irretornável.
(R)evoluções
Em meados do século XVIII e início do século XIX, com
a Revolução Industrial, centrada em valores de
produtividade, exploração da força motora e
consumismo, passou-se a valorizar a inovação e o
conhecimento novo, rejeitando-se o saber feito pelo
acumulado de experiências, decorrente da idade
biológica. As pessoas mais velhas, sem grande potencial
de evolução ou capacidade para gerar lucros, passam
a ocupar um lugar marginal e o envelhecimento
começa a ser sinónimo de degeneração e decadência.
Esta íntima relação entre o desenvolvimento
económico, os processos produtivos e a tecnologia, foi
terreno fértil para alimentar a ideia de que os idosos,
improdutivos e obsoletos devem dar lugar às gerações
jovens, com maior disposição para o trabalho e dotadas
de conhecimentos mais actualizados (Peres, 2005). Os
idosos devem ser “retirados” do trabalho e a palavra
“retired” (reforma, na língua berço da Revolução
Industrial - o inglês), aproxima-se com precisão dessa
ideia de exclusão.
Nascia uma sociedade industrializada, movida pelas
máquinas a vapor e mais tarde pela electricidade, onde
os idosos, sem qualquer expectativa de retorno
produtivo, eram desvalorizados pela sua débil
capacidade braçal e discriminados no acesso à
educação e renovação de conhecimentos, que lhes
poderia permitir a utilização das novas tecnologias.
No século XX uma Revolução técnico-científica sem
precedentes, permitiu o avanço das telecomunicações,
informática, electrónica e áreas afins. As denominadas
Novas Tecnologias de Comunicação e Informação, em
especial o computador e a Internet, conquistaram uma
importância extrema no desenvolvimento planetário
e posicionaram-se na base da construção de uma nova
sociedade que requer o uso cada vez mais intenso de
conhecimentos e informações que se renovam a uma
velocidade vertiginosa.
Os idosos continuaram a ser um dos grupos mais tecnoexcluido2 da sociedade e o termo “info-exclusão”3, que
se refere à exclusão ou acesso desigual às informações
divulgadas via informática e consequentemente ao
conhecimento, que move toda a sociedade, passou a
ser aplicado a alguns grupos sociais, onde os idosos
se incluem.
Mas não foi apenas da digitalização da sociedade que
os idosos foram excluídos. Preteridos do mercado de
trabalho e marginalizados dos centros de decisão,
mesmo familiar, só a partir da segunda metade do
século XX movimentos sociais começaram a apelar à
segurança e participação dos idosos no circuito de
bens e riquezas sócio-culturais.
No século XXI a velhice conquistou a quarta idade. No
mundo ocidental, a imagem do idoso que se reforma
e fica à espera da morte num cenário de grande
dependência financeira e incapacidade física, deixou
de ser o paradigma comum. Por se ter tornado num
fenómeno global, na última década o envelhecimento
tem sido alvo de campanhas desmistificadoras e os
idosos, objecto de múltiplos estudos.
Embora ainda pouco presentes nas práticas
quotidianas, conceitos como o envelhecimento activo
e bem sucedido, a info-inclusão e a educação/formação
ao longo da vida, são agora frequentemente usados
em espaços de reflexão teórica e em promissores planos
de actuação política.
1.
Fundadora e Coordenadora, desde 1999, do Projecto TiO - Terceira Idade Online:
www.projectotio.net
2. Tecno-exclusão: situação de alguém com reduzidas ou sem competências
para operar com equipamentos tecnologicamente avançados.
3. Info-exclusão: Constatação de que o mundo pode ser dividido em duas partes,
constituídas respectivamente por aqueles que têm acesso – e capacidade de
utilizar – as tecnologias da informação e comunicação modernas e aqueles
que o não têm. in Glossário da Sociedade da Informação da Associação para
a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação.
dossier
Falar de idosos e novas tecnologias encerra por si só duas ambiguidades de contornos pouco
claros: a noção de idoso é subjectiva e não tem consenso universal enquanto que as novas
tecnologias inevitavelmente serão velhas e ultrapassadas, num futuro incógnito.
Novas Tecnologias & Idosos
dossier
30
Mitos e fobias
O medo desproporcional, persistente e repulsivo de
envelhecer ou mesmo o ódio pelas pessoas idosas é
habitualmente designado por Gerontofobia e baseiase quase sempre em fantasias e estereótipos negativos.
Os mitos, estereótipos, preconceitos e a ignorância
envolvem os condicionalismos físicos, comportamentos
sociais e até mesmo as convicções religiosas das
pessoas mais velhas.
A tecnofobia (medo pelas tecnologias modernas), foi
facilmente incorporada na lista de estereótipos
associados às pessoas idosas. A base deste novo
estereótipo assenta na crença de que os idosos são
avessos às novas tecnologias, de forma consciente e
deliberada e não como fruto do percurso histórico e
condicionalismos que ditaram a sua info-exclusão.
A sustentar este estereótipo apresentam-se argumentos de que os idosos não cresceram com a ascensão
das novas tecnologias e por conseguinte têm
dificuldades em incorpora-las no seu dia-a-dia, e têm
também dificuldades de aprendizagem acentuadas
neste domínio.
Sustenta-se ainda, por reminiscência com outros estereótipos sociais, que algumas das novas tecnologias,
como é o caso da Internet, são essencialmente um
meio de diversão e lazer ou uma ferramenta para a
evolução profissional, e que por isso os idosos não
apreciam ou necessitam de qualquer uma destas
vantagens oferecidas por essas tecnologias. Na
realidade, este afastamento das tecnologias tem raízes
ancestrais e no caso português são agravadas por um
percurso histórico marcado pelo atraso social,
económico e cultural.
As causas que mais contribuem para a exclusão dos
indivíduos da utilização dos computadores e Internet,
estão directamente relacionados com a idade, baixo
nível de escolaridade e baixo rendimento económico.
Por conseguinte, Portugal apresenta várias características potenciadoras da info-exclusão da população
idosa. Para além destes, acrescem ainda outros
condicionalismos referentes à acessibilidade e
usabilidade de alguns equipamentos tecnológicos.
A indústria que produz e comercializa as novas
tecnologias, movida pelas necessidades e interesses
da grande maioria das pessoas, assumiu como “minoria
de excluídos” os idosos, quando na actualidade e
tendencialmente cada vez mais, os idosos constituem
uma importante fatia da população. Actualmente,
35,2% da população da União Europeia, (35,3% em
Portugal) tem mais de 50 anos de idade (Eurostat,
2007).
Os desafios e as oportunidades actuais
A nível Europeu, a Comissão Europeia criou um
Programa (“Assistência à autonomia no domicílio numa
sociedade em envelhecimento”), que financia a
investigação e a concepção de tecnologias inovadoras,
adaptadas às necessidades dos idosos no seu ambiente
doméstico (habitações "inteligentes") e/ou no seu
ambiente de trabalho. (Parlamento Europeu, 2007)
Pretende-se incentivar o desenvolvimento da
“gerontotecnologia”, que resulta da colaboração de
engenheiros e geriatras, sendo o trabalho desenvolvido
aplicado no campo dos cuidados médicos (aparelhos
médicos de utilização caseira ou profissional, como é
o caso da telemedicina), nos transportes (carros e
bicicletas especiais ou autocarros-táxis), casas, lares e
centros de reabilitação “inteligentes”, têxteis
“inteligentes” que incorporam aparelhos electrónicos
na roupa de uso diário e muitas outras aplicações
tecnológicas que aumentam a autonomia e
independência dos idosos e facilitam o seu dia a dia,
sem colidir com a sua privacidade e dignidade.
Em Portugal, vive-se um ambiente particularmente
propício para a alfabetização digital dos idosos. As
políticas públicas, a sociedade civil e os próprios idosos
estão conscientes da necessidade de se inserirem na
sociedade cada vez mais informatizada. Os serviços de
Governo em linha (vulgo e-governement), incentivam
e em algumas situações impõem que a comunicação
com as estruturas públicas seja feita por via electrónica:
marcar uma consulta, apresentar uma reclamação,
pagar impostos, requerer pensões, comunicar com a
administração local e central, etc. Por outro lado, são
cada vez mais as instituições e espaços públicos que
oferecem e fomentam à utilização da Internet
gratuitamente.
Este ambiente favorável à info-inclusão dos idosos,
justifica-se plenamente porque as tecnologias, para
além de reduzirem o isolamento, contribuem para a
melhoria da auto-estima e competências pessoais dos
idosos, também melhoram a sua qualidade de vida,
ao fomentarem a sua autonomia e participação social.
Actualmente a diminuição de algumas capacidades
físicas (como a visão e destreza motora), não é
argumento para que os idosos não utilizem as
tecnologias de informação e comunicação. Os
equipamentos permitem hoje múltiplas adaptações e
formas de utilização. Escolher e programar os
equipamentos de acordo com as necessidades
individuais de cada idoso, é fundamental para motiválo à sua aceitação e utilização regular. Os conteúdos e
as razões para a sua aprendizagem também devem
ser fomentadas.
Provavelmente a maior barreira a ser desmistificada é
a que resulta da própria motivação do idoso. Sem
perseverança, sobretudo em momentos de dificuldade,
é provável que alguns desistam antes de atingir os
objectivos inicialmente propostos. Neste grupo etário,
os argumentos de motivação devem ter em
Novas Tecnologias & Idosos
consideração as necessidades e interesses decorrente
de todo um percurso de vida. Deve ainda ter-se em
consideração o facto de que um ambiente de
aprendizagem não formal ou informal, que não intimide
o idoso e respeite o seu ritmo de aprendizagem, pode
ser mais favorável que uma estrutura de ensino
estruturada ou muito formal. Os adultos e em particular
os idosos estão mais motivados para uma
aprendizagem com utilidade prática e que não resulte
apenas em mais um conhecimento teórico, sem
consequências para o dia a dia.
O apelo às vantagens reais que as tecnologias podem
trazer para a vida de um idoso, tendo em consideração
todas as suas vivências e expectativas, é o melhor ponto
de partida para uma alfabetização informática bem
sucedida.
31
Bibliografia e Webgrafia
Comissão Europeia. (2007). Envelhecer bem na sociedade da informação.
Danis, C. & Solar, C. (2001). Aprendizagem e desenvolvimento de adultos.
Lisboa: Edições Instituto Piaget.
Filho, J.(2003). A interacção do idoso com os caixas de autoatendimento bancário.
Parlamento Europeu (2007). Assistência à autonomia no domicílio
numa sociedade em envelhecimento.
Peres, M. (2005). A andragogia no limiar da relação entre velhice, Trabalho
e educação.
Pinto, F.C., Osório, A.R. (2007) As pessoas idosas: contexto social e
intervenção educativa, Lisboa: Instituto Piaget.
Envelhecimento demográfico
em Portugal
Adelaide Fernandes Pires Malainho
amalinho@eseb.ipbeja.pt
O envelhecimento demográfico é consequência da modificação da estrutura etária da população.
Podemos falar de envelhecimento de topo quando observamos um aumento relativo da população
idosa no topo da pirâmide, e de envelhecimento de base quando se observa uma descida relativa
da população jovem na base da pirâmide. “Pela redução do nível de mortalidade aumenta a
esperança de vida e, desta forma, aumentam os efectivos no topo da pirâmide; pela redução da
natalidade, diminui onúmero de nascimentos e, por isso, diminuem os efectivos na base.”
Em 2001 assiste-se a um aumento populacional de
5%, a população residente em dez anos passou de
9.867.147 pessoas para 10.356.117, verificando-se
um aumento substancial das pessoas com 65 e mais
anos de idade como já se referiu, na leitura do
gráfico anterior respeitante a 1991.
No gráfico n.º 3 pode observar-se a variação em termos
percentuais da população do ano 1991 a 2001. Em
dez anos, Portugal sofreu um aumento populacional
geral de 5%. Esse aumento foi maior na região do
Algarve, com uma percentagem de 15,8%,
assistindo-se a uma redução da população com uma
percentagem negativa de 3,3% na Região Autónoma
da Madeira. Pode-se observar ainda uma baixa
populacional em todo o país na faixa etária dos zero
aos catorze anos sendo mais evidente na Região
Autónoma da Madeira. Apesar do decréscimo desta
faixa populacional, ela foi inferior no Algarve (-5,3%),
é também nesta região onde se pode verificar o maior
crescimento da população da faixa etária dos 15 aos
24 anos de idade, seguida da Região Autónoma
dos Açores com uma percentagem de crescimento
de 2,9%. É no Algarve que a faixa da população
economicamente activa dos 25 aos 64 anos teve o
maior aumento com uma percentagem de 22,5%.
dossier
O Mundo e concretamente Portugal, está a sofrer os
efeitos do envelhecimento demográfico. A estrutura
da população portuguesa apresenta já características
de duplo envelhecimento, sendo que o aumento da
esperança média de vida, é algo que todos nos
devemos orgulhar, por todas as razões por demais
conhecidas. Mas a par do aumento da esperança de
vida, assiste-se ao declínio da fecundidade e à
consequente não renovação da população portuguesa.
Com o aumento progressivo do número de
pessoas idosas, sobretudo das muito idosas, estudos
revelam, ainda que tem aumentado também a
probabilidade de ocorrência de situações de
dependência física, psíquica e social.
Como se pode verificar através do gráfico n.º 1 e
respectiva legenda, em 1991 a totalidade da população
residente em Portugal rondava cerca de dez milhões
de habitantes (9.867.147). E o total da população com
65 e mais anos de idade era já constituído por 1.342.744.
Envelhecimento demográfico
32
Gráfico 1 - População residente em 1991
Fonte: Recenseamentos Gerais da População, INE, 2001
O Alentejo é a região onde a população economi- camente
activa menos se faz sentir. O facto de maior relevância
é o aumento acelerado da população com 65 e mais
anos em todo o país, observando que Lisboa foi a que
sofreu o maior aumento dessa faixa populacional, (32,4%)
contra 5,5% na Região Autónoma dos Açores que teve o
menor aumento em percentagem de pessoas idosas.
A franja populacional, das pessoas que contam 65 e mais
anos, enquadradas no grupo dos economicamente não activos, e que vivem, quase exclusivamente
das suas parcas pensões de reforma, o que constitui a
sua grande maioria, estudos revelam que não reúne
condições mínimas de sobrevivência.
Se aliarmos este dado ao facto de um número
significativo destas mesmas pessoas, se encontrarem
numa situação de dependência e de perda de
autonomia e de não poderem contar com o apoio
dos familiares mais directos, porque não existe
retaguarda familiar ou porque a família, quando
existe, se encontra a residir no estrangeiro, ou
numa outra região distante do país, ou ainda porque,
mesmo entre nós portugueses, já quase não
existe a coabitação ea cooperação entre gerações,
devido às alterações que se fizeram sentir na
dossier
Gráfico 2 – População residente em 2001
Fonte: Recenseamentos Gerais da População, INE, 2001
Envelhecimento demográfico
estrutura familiar, a situação assume grande
complexidade.
O problema é tanto ou mais complexo quando o
número de pessoas idosas em situações de
dependência, a vários níveis, está a aumentar e, as
instituições existentes, em todo o país, não
respondem a essas situações consideradas específicas,
mas cujos contornos se tornam cada vez mais difíceis.
Na sociedade economicista global, que tem vindo
a ser implementada “os reformados” constituem
cada vez mais um encargo económico que a
sociedade deve suportar.
Quando Bismark definiu a idade de 65 anos como a
idade da reforma, definição que pela generalidade
dos autores foi defendida com o o início da terceira
idade, era pressuposto que a força de trabalho da
população activa permitisse suportar os encargos
decorrentes do pagamento das reformas.
Acontece que o limite de esperança de vida, então
previsível, tem vindo a ser alargado devido ao
progresso de investigação clínica. Por outro lado o
índice de natalidade tem vindo a diminuir.
Em termos globais poderemos confirmar o que tem
vindo a ser considerado-a população economicamente activa tem vindo a diminuir enquanto a
população enquadrada no âmbito da definição dos
reformados tem vindo a aumentar.
Se bem que isto constitua uma análise economicista
e, de momento, abstemos-nos de comentar, não
podemos deixar de reconhecer que a terceira idade
vem constituindo um encargo económico crescente
para a sociedade actual. Daí, a procura de soluções
que possibilitem uma diminuição de custos no
acompanhamento da terceira idade, que passam
pelo relançamento e proliferação de organizações
de ajuda humanitária, o recurso à figura de
voluntariado, dos apelos lançados à sociedade civil e
os crescentes apoios dados às instituições privadas
que têm por escopo a valência da terceira idade.
Em nosso entender estamos perante respostas de
caris caritativo, onde o factor económico assume
particular relevância. Existe uma preocupação
quantitativa e não qualitativa, que, no fundo, traduz a
globalização desumanizada que se vem implementando nas sociedades contemporâneas.
Cada vez mais, as pessoas representam números ou
índices que, servem de base à definição e
implementação de políticas governamentais.
33
47
Relacionando ao acima referido, a questão das políticas
neoliberais, que defendem a redução do papel do
Estado na provisão dos serviços e, apelam para
que essa responsabilidade se transfira para a
“sociedade civil”, faremos nossas as frases de Carlos
Montaño (2002): “Efectivamente, enquanto a atenção
às necessidades por via das políticas sociais do
Fonte: Recenseamentos Gerais da População, INE, 2001
dossier
Gráfico 3 – Variação percentual da população residente de 1991 a 2001
Envelhecimento demográfico
34
Welfare se rege por um princípio universalista- todos
contribuem para financiar esses serviços de assistência -, a saída destas respostas da órbita estatal
reforça a substituição paulatina da solidariedade
baseada em direitos universais pelas formas
particulares e voluntárias de solidariedade “(Montaño,
2002: 167).
BIBLIOGRAFIA
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Fernandes, Ana Alexandra, 1997 Velhice e Sociedade: demografia e
políticas sociais em Portugal , Oeiras, Celta Editora.
Participação activa
da população idosa na sociedade
Luís Jacob
luisjacob@socialgest.pt
dossier
Perante as proporções que o envelhecimento populacional está a atingir no Ocidente, um dos
principais desafios que se impõe às sociedades está em permitir que as pessoas tenham uma vida
mais longa e ao mesmo tempo desfrutem de uma velhice saudável e com qualidade de vida.
Esse desejo está presente nas sociedade, nas
instituições, nos media e de maneira especial nos
próprios idosos. “Os projectos de velhice são
idealizados com actividades de gozo, de afectividade,
de relações inter-geracionais solidárias, na presença
da família, numa convicção/esperança de vida
autónoma e independente senão até á morte, pelo
menos até muito próximo dela” (Vaz, 2008, p. 169).
O segredo de um envelhecimento bem sucedido é a
forma como se prepara a velhice, pois os
comportamentos adoptados ao longo da vida reflectirse-ão na fase final desta.
Efectivamente, uma determinada percentagem dos
idosos aproveita esta última fase da vida para se
dedicar a outros prazeres, mantendo-se activos, quer
seja a trabalhar, a estudar, a exercer voluntariado ou
procurando aumentar as suas competências pessoais
e sociais.
Num trabalho realizado por Fernández-Ballesteros
(2002) foram revistos os diferentes modelos sobre o
envelhecimento activo ou positivo, formulados numa
perspectiva populacional e individual por um conjunto
de autores e organizações, verificando-se que todos
eles destacavam o modelo populacional de
Participação activa
Mas o que é o envelhecimento activo?
A OMS (2002, p. 23) define o envelhecimento activo
como “o processo de optimização das oportunidades
de saúde, participação e segurança visando a melhoria
do bem-estar das pessoas à medida que envelhecem”
ou como referem Requejo e Pinto, (2007), “o processo
de maximização das oportunidades para a saúde e
participação social, com o objectivo de melhorar a
qualidade de vida à medida que as pessoas
envelhecem.”
No envelhecimento activo consideram-se três áreas
principais de intervenção: a biológica, a intelectual e
a emocional. A velhice acarreta, inevitavelmente,
alterações físicas e biológicas, portanto é necessário
eleger, ao longo da vida, hábitos alimentares saudáveis,
praticar exercício físico regularmente, moderar a
exposição solar, vigiar as mudanças que ocorrem no
nosso corpo para agir atempadamente a possíveis
desequilíbrios orgânicos e nunca esquecer de dar ao
nosso organismo o repouso que este necessita.
Ao nível intelectual é necessário estimular as funções
cognitivas, como a memória, a atenção e o raciocínio,
para que estas se desenvolvam e fortifiquem. Para isto
é conveniente manter hábitos de leitura, pensar e
reflectir sobre o que se passa no mundo que nos rodeia,
tomar posições ou procurar entender outros pontos
de vista, construir críticas construtivas, fazer jogos
intelectualmente estimulantes (palavras cruzadas,
xadrez, charadas, etc.), escrever, fazer renda, etc.
Para a saúde emocional é necessário que o nosso nível
de motivação e relacional seja elevado. Não há dúvidas
que se não estivermos motivados não vamos agir em
conformidade com os comportamentos que sabemos
que devemos adoptar para mantermos uma boa saúde
física e mental. Devemos ser capazes de criar e manter
uma imagem positiva de nós próprios mesmo
aceitando o eventual declínio físico que é inevitável
com o progresso da idade.
A promoção do envelhecimento activo, como
movimento colectivo, é um dos princípios estratégicos
promovidos pelas Nações Unidas e pela Comunidade
Europeia (por exemplo a iniciativa 2010) para uma nova
perspectiva de desenvolvimento social, para as actuais
e futuras gerações.
Nem sempre a participação activa dos mais velhos tem
estado na ordem dos trabalhos, Requejo e Pinto (2007)
referem que foram diversos os acontecimentos
internacionais que marcaram a política social em
relação às pessoas idosas a partir dos anos setenta,
altura em que se vislumbraram as primeiras tendências
para o acentuado envelhecimento da população.
O primeiro acontecimento importante deu-se com a
realização da I Assembleia Mundial do Envelhecimento
de Viena, em 1982. Quase uma década depois a
Assembleia das Nações Unidas a favor dos idosos, em
1991, que orientou os princípios gerais básicos da política
social para a promoção positiva desta faixa etária.
35
Como resultado, destacam-se três aspectos fundamentais:
a) Proporcionar nesta fase da vida oportunidade de
realização pessoal através de uma série de actividades,
entre as quais se incluem as de formação contínua e
aprendizagem ao longo da vida.
b) Preparação para esse papel na fase de reforma.
c) Desenvolvimento de um papel activo na sociedade.
Vinte anos após Viena, a II Assembleia Mundial do
Envelhecimento das Nações Unidas em Madrid em
2002, subordinada ao lema “uma sociedade para todas
as idades” produziu quatro considerações:
a) O desenvolvimento individual durante toda a vida;
b) As relações multigeracionais;
c) A relação mútua entre envelhecimento da população
e o desenvolvimento;
d) A situação das pessoas idosas.
A III Assembleia Mundial Assembleia do envelhecimento das Nações Unidas realizada em León (Espanha)
a 7 e 8 de Novembro de 2007, na qual participamos
como relator, reforçou a importância de se criar uma
imagem positiva das pessoas idosas, através do sistema
educacional e campanhas nos media, mostrando o
desenvolvimento de actividades onde os mais velhos
dão a sua contribuição quer na família, quer na
sociedade.
Defendeu-se a participação dos mais velhos na política
e nos órgãos de poder (serem os idosos a criarem e
refutarem as leis que lhes digam respeito), considerouse importante que o meio envolvente seja propício à
educação permanente; defendeu-se o livre acesso às
novas tecnologias e à informação e incentivou-se o
voluntariado e a acção cívica. Foram referidos também
os maus tratos e abandono dos mais velhos, sendo
necessária uma protecção especial para estes casos.
Perante esta evolução da sociedade, como é que os
idosos podem participar mais activa e regularmente
na comunidade?
Pensamos que o fundamental nos seniores, como em
qualquer idade, é a educação e o conhecimento. Só
dossier
envelhecimento activo da Organização Mundial de
Saúde (OMS, 2002) e o modelo individual de
envelhecimento com êxito de Rowe e Khan (1997).
Participação activa
36
através da formação e educação, nomeadamente para
a cidadania, é possível conseguir que as pessoas se
empenhem e tenham “armas” que lhes permitam
disputar o seu lugar na sociedade.
Neste campo destacamos o projecto das Universidades
Seniores (www.rutis.org), o programa Novas Oportunidades, a educação de adultos, os cursos de informática para seniores (www.seniorvirtual.net), os blogs
e sites geridos por seniores e os cursos livres.
Devemos igualmente destacar o voluntariado, área
onde os seniores ocupam já uma faixa importante. No
voluntariado os mais velhos podem ser actores directos
ou indirectos, neste caso assumindo cargos de direcção,
nomeadamente nas IPSS. O voluntariado normalmente
exercido pelos mais velhos focaliza-se na acção
social/humanitária, na cultura (ex: como guias de
museus) e no ensino (Universidades Seniores e cursos
livres).
Na política não é muito frequente ver idosos como
agentes dinamizadores, mas os casos que existem são
de estadistas de grande valor, como Nelson Mandela
(93 anos), Mário Soares (83 anos) ou Wiston Churchil
(tinha 69 anos no fim da II Guerra Mundial). Infelizmente
também há casos em que a idade mais avançada não
ajudou a desenvolver as políticas mais democráticas e
sensatas.
Tal como na política, nos negócios o lugar de maior
destaque normalmente é destinado aos mais novos.
Mas o tempo em que só os jovens valiam está
ultrapassado e hoje em dia muitas empresas recorrem
aos serviços dos seus funcionários mais velhos, em
alguns casos como consultores externos, depois de se
terem reformado. Ver o exemplo da Asociação
Portuguesa de Consultores Seniores.
dossier
As artes são onde os idosos têm apesar de tudo mais
possibilidades de participarem activamente na
sociedade com as suas criações. É impossível não
referenciar Manuel de Oliveira, Miguel Torga, Fernando
Pessa ou Júlio Resende.
Recentemente assistimos ao nascimento do projecto
da banda inglesa The Zimmers. Constituído por 40
idosos (o líder tem 90 anos) que quiseram envelhecer
de uma forma saudável e pró-activa e que para tal
decidiram fundar uma banda rock com a ajuda de
personalidades influentes da indústria musical. Já
actuaram em vários países e o vídeo no Youtube teve
mais de cinco milhões de visitas. Ver “Zimmers” e “My
Generation” no www.youtube.com.
As instituições de acolhimento de idosos são por norma
autoritárias e espaços de pouca privacidade e é
necessário dar voz aos gostos e preferências dos
utentes. Por exemplo os utentes/clientes poderem
participar na elaboração da ementa, escolher a hora
de acordarem e de se deitarem, quem lhes dá as
higienes, terem um horário de visitas mais alargado
ou poderem ter televisão/telefone no quarto.
De realçar o papel vital e impulsionador que os mais
velhos assumem na família, apesar do senso comum
dizer o contrário, as estatísticas e os estudos
comprovam que os idosos ainda têm um lugar muito
importante na família em todos os seus aspectos
(relacionais, financeiros, afectivos, etc.).
Em forma de conclusão podemos afirmar que a
participação activa dos mais velhos na sociedade se vai
construindo gradualmente, primeiro pela força dos
números e depois pelo acumular das pressões sociais,
políticas e económicas que incentivam a isso. Como
exemplo temos o aumento da idade para contrair
empréstimo à habitação que até há pouco tempo tinha
como limite os 65 anos e passou agora para os 80.
Sem dúvida que tendo idosos mais informados e
dinâmicos, como os “novos idosos”, este movimento social
tenderá a evoluir mais rapidamente e caminharemos de
facto para um sociedade intergeracional. Todos temos a
ganhar com a valorização da pessoa mais velha, é sempre
possível aprender e ensinar.
Bibliografia
Fernández-Ballesteros, R. (2002) – Envejecimiento satisfactorio. In:
Martínez Laja, comp. (2002 b) - Corazón y cerebro, a ecuación crucial de
envejecimiento. Madrid
Organização Mundial de Saúde (2002) – Active Ageing. Genebra. WHO
Requejo Osório, A. e Pinto Cabral, F. (2007) - As pessoas Idosas Contexto
Social e Intervenção Educativa. Instituto Piaget. Lisboa
Rowe y Khan. RL. (1997) – Successful aging. The Gerontologist. 37: p.
433-440.
Vaz, Ester (2008), A velhice na primeira pessoa, Editorial Novembro,
Lisboa.
Animação sociocultural com idosos
perspectivas de intervenção
37
João Lima Fernandes
fernandes.joaolima@gmail.com
Envelhecer na actualidade, tem-se revelado um processo, cujos contornos não são consensuais,
prevalecendo ainda a representação de tal implicar perdas irreversíveis, sem possibilidade de
potenciar o que existe na própria pessoa.
As alterações, são observadas no sentido restrito, como
se não ocorressem ao longo do processo de vida e
apenas num estádio tardio. Nada mais errado, na
medida em que o Ser Humano é alguém em
permanente mutação, denotando maior ou menor
dificuldade em se adaptar, dependendo dos mais
variados factores, tanto internos como externos.
Considera-se ainda que falar em Animação, está
associado inevitavelmente à autonomia e à capacida
de de decisão individual e muitos têm sido os exemplos
de actividades que para isso concorrem. Mas quando
falamos de população institucionalizada, não é
consensual a forma como poderemos definir
autonomia.
Contudo, o aumento significativo do número de
gerontes, e o “peso” que representam para o sistema
social, implica a emergência de novas formas de olhar
para este processo.
Este conceito surge sempre associado a indicadores,
que apresentam a pessoa como detentora de acção e
vontade, mas será apenas isto? Ou o conceito poderá
abranger outras dimensões e áreas, associadas ao bemestar individual?
Partindo de uma noção mais abrangente de autonomia,
considera-se igualmente que esta, passa pela
percepção de si e pela adaptação, não num sentido
conformista (tão vulgar nesta idade), mas antes num
processo de aceitação e de eventual funcionamento
face à realidade que se tem.
Ainda nas palavras do mesmo autor, Animação é
também uma atitude, isto é, implica por parte do
animador um conjunto de características que fazem
dele um elemento catalizador de todo o processo,
devolvendo a autonomia e a vontade aos elementos
alvo da Animação.
Tendo em conta Ander-Egg, a Animação é uma prática
estruturada e organizada, baseada num conhecimento
que se tem do meio, da população e dos indivíduos
que a compõem. Daqui se depreende a necessidade
de pensar as actividades e tarefas, tendo em conta as
características das pessoas com quem se vai intervir,
ao nível do seu potencial e limitações, de modo a que
a intervenção tenha como objectivo a autonomia e
vontade da própria pessoa.
Assim há a considerar em Animação, dois vectores
basilares: “Animação com…” e “Animação para…”.
Num primeiro caso estaremos a falar de “envolver” a
pessoa no processo de Animação, explorando o
potencial existente, e promovendo a capacidade de
criar objectivos individuais, em aspectos que poderão
inicialmente ser associados à manutenção de práticas
quotidianas, de modo a que o sujeito possa manter
e/ou melhorar o seu funcionamento, criando assim
espaço para a “manutenção da autonomia”.
No segundo caso, associamos a acção a um conjunto
de tarefas, que para além do meramente ocupacional,
devem contemplar o processo de manutenção de
capacidades, quaisquer que elas sejam, desde as
meramente funcionais, até às basicamente sensoriais.
Para as pessoas que ainda denotam alguma autonomia
dossier
A Animação, no seu sentido específico enquanto forma
de intervenção, reúne características e condições que
a elegem como prática de eleição para o trabalho com
este grupo etário.
Mas falar de Animação, é actualmente algo complexo,
quer pelas “evoluções” nas práticas observadas, quer
pelo surgimento de conceitos que do ponto de vista
teórico-prático se podem confundir, conduzindo por
vezes a situações em que não é clara a definição e a
forma de intervir.
Relativamente à população idosa, então esta falta de
clareza e rigor por parte da falada prática de Animação,
assume contornos de maior confusão.
É vulgar observarmos práticas em que a mera ocupação
está patente, quer pela forma, quer pelos conteúdos
com que se vai implementando. A objectivação das
diferentes tarefas que se executam, a falta de rigor
desde a sua concepção, organização, desenvolvimento
e avaliação, denotam, por um lado o papel que
erradamente se atribui à Animação e por outro as
dificuldades/lacunas que os curriculas de Animação
apresentam concretamente nesta área tão importante.
Animação sociocultural com idosos
38
funcional, deverá sempre pensar-se numa estratégia
centrada na “Animação com…”, de modo a permitir a
ligação ao real, nem que seja explorando as fantasias
e ideias da própria pessoa, interligando-as com as
actividades e tarefas propostas.
Existem processos em que o “feed-back” do sujeito a
quem a Animação se destina, não é objectivo, nem
observável como pode ser o caso de algumas pessoas
acamadas e/ou casos de processo demencial instalado.
Nesta área, muito há a fazer, de modo a potenciar
práticas adequadas, bem como entendimentos por
parte das hierarquias, no que toca à essência da pessoa
Humana.
Para estes inevitavelmente pensa-se um processo de
Animação centrado numa estratégia de “Animação
para…”.
Assim no processo de Animação com Idosos, há que
ter em conta alguns aspectos:
a) Enquadrar a pessoa face às suas características e
face ao meio em que está inserida (residência, centro
de dia/convívio, Lar, etc.);
b) Perceber o grau de autonomia da pessoa e quando
possível, ajudá-la a considerar o seu estado, não como
factor limitativo, mas antes como potenciador da
realização de tarefas que de outro modo não
concretizaria;
c) Perspectivar com a pessoa os seus gostos pessoais
e encontrar tarefas que possam para lá de ir ao encontro
daqueles, potenciar na pessoa um processo de
evolução ou manutenção das suas capacidades actuais;
d) Estabelecer com a pessoa um calendário de
execução de cada tarefa, implicando-a no processo,
como importante, quer para a concretização da
actividade, quer para ela própria;
e) Avaliar com a pessoa o processo em que está
envolvida;
dossier
f) Encontrar com a pessoa alternativas para a realização
de tarefas, que apesar de serem indicadas para aquela
pessoa, possam não surtir o efeito desejado.
Convém ter em conta que o processo de Animação é
individual, pois cada pessoa tem sempre um ritmo
próprio, devendo o animador enquadrar o indivíduo
no colectivo.
Ao nível da especificidade das tarefas, enquadradas
nas actividades definidas, encontramos na literatura e
nos fóruns de discussão, listagens extensas com o mais
variado tipo de exemplos.
Contudo a ligação da pessoa à realização das suas
tarefas individuais, parece ser o ponto de partida para
toda a actividade.
Através da concretização (em muitos casos apoiada)
de tarefas quotidianas e rotineiras, permite-se a
manutenção da ligação ao real, permitindo igualmente
que a pessoa não perca a sua capacidade de realização,
a sua importância enquanto inserido num grupo social,
as suas capacidades cognitivas, etc.
No processo de apoio à realização, contamos ainda
com a criação do espaço empático, que permite o
estabelecimento de um relacionamento de maior
proximidade, criando assim lugar para a precisão de
outro tipo de actividades e tarefas, com especificidades
diferenciadas.
Quando esta situação não é possível, por limitações
da pessoa, quer físicas, quer psíquicas, devemos apoiarnos na estrutura técnica existente e encontrar /definir
tarefas que permitam pelo menos a manutenção do
estado actual da pessoa. Muitos exemplos podem ser
encontrados, em que esta situação ocorre, sendo por
isso possível dizer que existe sempre uma margem
significativa de sucesso.
Para a concretização de um processo como o que temos
tentado descrever, revela-se necessária a criação de
um projecto, assente na realidade contextual das
pessoas, nas características individuais de cada um e
tendo como pano de fundo a obtenção de resultados
que se verifiquem tanto quanto possível, mensuráveis.
Se atendermos às características individuais e ao meio
em que a pessoa se insere, observamos que se torna
relativamente simples encontrar tarefas que se
enquadrem num processo de potenciação da
autonomia, seja funcional, seja relativa, na medida em
que aquelas têm em conta as necessidades e desejos
da própria pessoa.
Deste modo também se revela igualmente obvio a
forma como poderemos avaliar a “evolução” de cada
pessoa, face a si própria e face ao processo de Animação
enquanto elemento indutor da autonomia e da
capacidade decisória de cada interveniente, deixando
a avaliação de ser um “monstro” que muitas vezes os
técnicos descuram desnecessariamente.
É também a partir desta, que é possível definir/encontrar outro tipo de actividades e tarefas, que
permitam a “evolução” da própria pessoa, aumentando
assim o leque de respostas e de perspectivas inerentes
à autonomia.
Tendo em conta esta estrutura, a Animação assume
um espaço/papel de que há muito tempo anda
arredada, que é a criação de espaços individuais de
autonomia, dando sentido à sua “definição base” que
é o “dar vida…” e potenciar autonomias nas pessoas a
quem se destina, fornecendo identificações, adaptações
e estruturas que permitem o reconhecimento e a
apropriação individual de cada pessoa, implicando-a
com os recursos de que dispõe, no seu processo de
vida.
Envelhecer com projecto
o valor do Sujeito
39
Maria de Lourdes Quaresma
lourdes.quaresma@cm-lisboa.pt
A OCDE define o envelhecimento activo como "a
capacidade das pessoas que avançam em idade terem
uma vida produtiva na sociedade e na economia. O
que quer dizer que possam determinar a forma como
repartem o tempo entre as actividades de
aprendizagem, o trabalho, o lazer e os cuidados a
outros.” (OCDE, 2002)
Projectar o futuro pelo tempo acrescido que nos dá o
alongamento da vida adulta constitui um desafio para
os indivíduos e para a sociedade: abre janelas para um
horizonte de vida que se prolonga, confere sentido
para os indivíduos e é detonador do sentido que a
sociedade dá a esta oportunidade de viver mais anos.
Envelhecimento activo: desafios ao nível da
sociedade
Uma estratégia de envelhecimento activo consequente
é indissociável da promoção da igualdade de
oportunidades e da não discriminação pela idade e
por género no acesso à qualificação, ao emprego e à
formação.
As recomendações da 2ª Assembleia Mundial sobre o
Envelhecimento explicitam o princípio da participação
na vida social, económica e política, a par do acesso a
oportunidades de emprego, com horários e condições
de trabalho adequadas, protecção adequada das
pessoas idosas mais pobres, no respeito pela sua
dignidade e integridade, protecção contra as formas
de exploração de que podem ser alvo, assegurando o
respeito pelos seus direitos fundamentais.
A construção do envelhecimento como experiência
positiva, mais consentânea com a conquista da
longevidade que marca o século XXI, confere à
formação ao longo da vida um papel essencial. As
preocupações com a educação e formação das pessoas
com mais de 50 anos estão claramente associadas às
questões do emprego e do prolongamento da vida
activa, embora tenham a maior importância na
manutenção de uma actividade profissional, social ou
cultural no pós reforma. Ou seja, o envelhecimento
activo, como sabemos, tem representado uma
estratégia de governação dos sistemas de segurança
social, em especial na Europa, de forma a retardar e ou
a evitar as saídas precoces do mercado de emprego. A
necessidade de adequar a arquitectura dos sistemas
de protecção social a um ciclo de vida que se reestrutura
e se alonga, exige soluções que combinem o estímulo
ao emprego e à melhoria das qualificações sociais com
a protecção social e os direitos e condições de trabalho
decente 1 . Combinar a oferta de emprego com
formação, eliminando as formas de segregação pela
idade, como se determina no Tratado de Amesterdão,
são condicionantes relevantes da garantia do direito
a envelhecer com dignidade e segurança.
Assim sendo, será interessante referir alguns dados da
informação disponível sobre esta problemática
Trabalho recente da Comissão Europeia (2005)2 dá
conta da participação das pessoas dos diferentes
grupos de idades na formação (%). A média europeia
(25 países) é de 50% para o grupo 24-34 anos e 30%
para o grupo 55-64 anos, apresentando Portugal
percentagens superiores, respectivamente 54% e 33%,
embora no que concerne à educação permanente
associada à formação no grupo 25-64, as percentagens
sejam menos favoráveis para Portugal quando
comparadas com a Finlândia, França, Alemanha,
Holanda e Inglaterra. As médias destes países estão
entre 46% e 50% na formação contínua (1999), não
ultrapassando Portugal 17%. Aliás, a participação dos
trabalhadores do grupo de idades 55-64 na formação
situava-se em 7,4%, no caso português (2002). Da
mesma forma, os dados do Terceiro Inquérito às
Condições de Trabalho (2000) situam Portugal a grande
distância dos países já referidos. Por outro lado, e de
acordo com a mesma fonte, Portugal apresenta uma
situação bem desfavorável em termos de qualificações
acima do secundário nos diferentes grupos de idades
(35% no grupo 25-34, 20% no grupo 35-44, 14% no
grupo 45-54 e 8% no grupo 55-64, sendo que a média
1. IEFP, Estudos, 37, 2007, Envelhecimento e Perspectivas de Criação de Emprego
e Necessidades de Formação para a Qualificação de Recursos Humanos.
2. Ageing and Employment, EC, 2005
dossier
O conceito de envelhecimento activo emerge associado a uma nova concepção do envelhecer nas
nossas sociedades. Alarga os parâmetros etários com que têm sido trabalhadas as questões do
envelhecimento e abrange outros patamares da vida adulta, com especial relevância para o período
a montante da reforma.
Envelhecer com projecto
40
da OCDE é respectivamente 75%, 69%, 61% e 50%,
próximas das médias da maioria dos países europeus).
Ou seja, estamos perante o desafio de um esforço
acrescido neste domínio, por todas as razões, e também
pela necessidade de favorecer o bem envelhecer de
todas as gerações.
relações horizontais, numa lógica de associação por
interesses, afinidades e pertença geracional.
Envelhecimento activo: questões do sujeito
A segunda ordem de factores enunciados é
essencialmente da responsabilidade colectiva. Inseremse, por um lado, no quadro da oferta de oportunidades
e, por outro lado, na esfera da protecção social:
preventiva, curativa e reparadora.
Envelhecer de forma activa constitui uma estratégia
de inserção social, vivida como experiência individual
assente na possibilidade dos indivíduos poderem optar
por manter uma actividade remunerada ou não,
mantendo a sua ligação à sociedade em geral e à sua
comunidade, em particular.
O projecto de uma vida adulta prolongada interpela
o indivíduo - quem sou eu, onde estou, para onde vou
(Micael Pereira). É exigente: exige esforço, é expressão
de liberdade e de autonomia, está associado ao
conceito de progresso, tenta controlar o futuro, altera
a percepção do tempo e permite encarar a realidade
como relacional.
Podemos afirmar que ele responde, de alguma
forma, à necessidade de controle dos riscos de
envelhecimento.
Alguns teóricos do PROACTIVE AGEING3 identificaram
comportamentos que classificaram como mais
favoráveis quer à reconstrução dos laços sociais
quer dos papéis e dos estatutos, com efeitos positivos
no envelhecimento e na prevenção dos riscos: riscos
sociais (isolamento e solidão); riscos ambientais
(barreiras, habitação desadequada); riscos de saúde
(incapacidades e dependências).
Esquematicamente, agrupam-nos em dois grandes
grupos que resultam do entrosamento entre o
potencial do indivíduo e as oportunidades que o
colectivo oferece:
• Internos (auto-estima, capacidade de relação com os
outros, satisfação pessoal);
• Externos (rendimentos, redes de inserção, acesso à
dossier
tecnologia, acesso aos cuidados de saúde, a serviços
de proximidade).
Os primeiros estão associados às redes de sociabilidade,
intergeracionais e intrageracionais. Umas e outras são
da maior relevância na prevenção da solidão e
isolamento social. As relações intergeracionais
inscrevem-se essencialmente no círculo familiar, mas
abrangem hoje outras formas de convivência que
podem reforçar o sentido da utilidade social dos mais
velhos e o reconhecimento do seu papel na sociedade,
como é o caso das actividades de voluntariado. A par
destas formas de sociabilidade, e acompanhando
escolhas de projecto nesta fase da vida, emergem as
Constituem redes de suporte extra familiares,
sustentam e viabilizam a participação cívica e cultural,
entre as quais as associações de reformados e as
academias seniores são expressões relevantes.
Globalmente, reforçam claramente a componente
preventiva, pondo em evidência a necessidade de
investimento na informação e na formação como
estratégia de empoderamento dos indivíduos que
avançam em idade e fazem a transição trabalho
profissional/reforma. Valorizam o papel social,
económico e cultural destas pessoas, enfatizam a
prevenção/controle dos riscos ao longo do percurso
de vida, sem minimizar a protecção dos riscos.
Garantir dignidade e segurança no processo de
envelhecer revela-se, pois, indissociável da valorização
do desenvolvimento das capacidades e das
competências sociais dos indivíduos, reconhecimento
a que cada pessoa tem direito.
Trabalhos de investigação gerontológica (Projecto
PAQUID) apresentam resultados consistentes com o
que vimos referindo: as pessoas mais escolarizadas
estão duas vezes mais representados entre as pessoas
autónomas mais velhas. O que nos permite afirmar
que os níveis de autonomia e de bem-estar nas idades
avançadas estão associados a melhores níveis de
escolarização e de participação social.
A própria experiência de envelhecimento activo vem
pondo em evidência a relevância deste factor, o que
certamente constituirá uma exigência acrescida para
todos os que no seu quotidiano põem o seu saber e
experiência ao serviço dos mais velhos e dos que vão
envelhecendo.
Cabe aqui salientar que uma estratégia global de
envelhecimento activo não pode deixar de integrar
situações decorrentes da persistência de desigualdades
pessoais e espaciais que afectam sobretudo as gerações
mais idosas (elevados índices de pobreza associada a
problemas de habitat, a défices de acesso a serviços
de proximidade com qualidade, a problemas de saúde
e a isolamento). Embora estas situações exijam o reforço
da componente reparadora/inclusiva da protecção
social da velhice, esta será tão melhor sucedida quanto
mais se inserir numa lógica de empoderamento,
contrariando práticas assistencialistas.
3. Emerging Lifestyles and Proactive Options for Successful Ageing, Eva
Kahana et al, International Ageing, 2003, nº2
Envelhecer com projecto
Por outras palavras, seja qual for o contexto em que
cada um se encontra ou as dificuldades e défices que
o limitam, envelhecer activamente continua a ser uma
exigência pessoal e colectiva. Melhorar as competências
sociais, valorizar a criatividade, oferecer serviços de
qualidade, adequados e em tempo útil, são estratégias
de promoção da autonomia a accionar na intervenção
em situações de dependência, numa lógica de
intervenção centrada no sujeito, o que quer dizer que
envelhecimento activo não legitima uma nova
dicotomia velhice autónoma/velhice dependente, a
qual apenas reforça velhos estereótipos, medos e
irracionalidades face ao envelhecimento e à velhice.
Em síntese, num contexto sem paralelo na história, em
que perspectivas de melhorias significativas da
esperança de vida se abrem para biliões de pessoas no
planeta, os benefícios previsíveis do envelhecer bem
e da constituição do fantástico potencial humano
decorrente do aumento substancial do número de
adultos mais velhos, é um dado que não pode ser
negligenciado. Ao contrário, valorizá-lo como
oportunidade constitui um desafio para a decisão
política e para a sociedade. As associações de
reformados e seniores que por toda a parte se vão
constituindo são reveladores deste potencial. Em
Portugal o seu desenvolvimento, em especial nos
últimos cinco anos, é expressão de uma extraordinária
vitalidade, motora em muitos casos de processos de
genuína intergeracionalidade.
41
Envelhecer ou a vida a inventar, como propõe Christian
Lalive D’Épinay, será o contributo para (re)inventar a
sociedade do século XXI, na solidariedade e no
conhecimento que procure o que nos pode juntar e
unir num projecto comum.
Bibliografia
Des Réformes pour une Société Vieillissante, OCDE, 2000
Le Droit de Vieillir, Bernadette Puijalon, Jacqueline Trincaz, Ed Fayard,
2000
Emerging Lifestyles and Proactive Options for Successful Ageing, Revista
Ageing International, volume 28, 2003, nº2
Envelhecimento e Velhice, Um Guia para a Vida, Beltrina Côrte et all,
Vetor Editora, S. Paulo, 2006
Le Réveil de Mathusalem,´l’avenir appartient à ceux qui savent vieillir,
Frank Schleiermacher, Ed Robert Lafont,2006
O Sentido das Idades da Vida, interrogar a solidão e a dependência,
ML Quaresma, A A Fernandes, Dinah Ferreira, Micael Pereira, Ed CESDET,
2004
A evolução das aspirações e necessidades da população envelhecidanovas perspectivas de actuação e intervenção, Maria de Lourdes
Quaresma e Susana Graça, Cadernos Sociedade e Trabalho,VII,2006
Cuidados informais na velhice
o apoio familiar
Isabel Lage
ilage@ese.uminho.pt
O envelhecimento demográfico tem vindo a aumentar
em Portugal. A realidade portuguesa dá conta que,
entre 1960 e 2001 o fenómeno do envelhecimento
demográfico se traduziu por um decréscimo de cerca
de 36% da população jovem e um incremento de 140%
da população idosa. Em 2001, foram recenseados
1702120 indivíduos idosos o que corresponde a 16,4%
da população geral, destes 59% são mulheres. A
percentagem de famílias com, pelo menos, um idoso
é de 32,5% e, dentro destas, 50,5% são idosos a viverem
sós e 48,1% correspondem a casais de idosos (INE,
2002).
“Ser idoso é uma condição plural dos indivíduos que
têm o privilégio de experimentar vidas longas. A
condição de ser idoso compreende-se na sequência
das histórias de vida e corresponde a padrões
diversificados de comportamentos e contextos. As
várias formas de envelhecer incluem idosos bem
sucedidos e activos, mas também idosos incapazes,
com autonomia limitada pela doença e pelo contexto
onde vivem” (Paúl, Fonseca, Martín e Amado, 2005, p.
75).
Estima-se que existam nove milhões de pessoas idosas
muito dependentes, 3% das quais vive na Europa. De
entre as pessoas idosas com mais de 65 anos, 3 a 5%
dossier
Haverá poucas realidades tão universais como o envelhecimento. O envelhecimento das populações,
também denominado de transição demográfica, é um fenómeno social actual com consequências
sociais e económicas e com repercussões, na saúde e bem-estar individual das pessoas.
Cuidados informais na velhice
42
são muito dependentes, 10% com mais de 75 anos
são muito dependentes, e 25% são-no parcialmente
(Joël, 2001). De acordo com Keennan (2000/2001)
cerca de 20% das pessoas com mais de 65 anos têm
necessidades funcionais significativas e requerem
algum tipo de cuidados.
Cresce, assim, a exigência real e potencial de cuidados
complexos por longos períodos de tempo e cresce
também a possibilidade de que as famílias e, em
particular as mulheres, se tornem cuidadores
(Matthews, Dunbar, Jacob, Serika e McDowell, 2004).
Cuidar faz parte da história, experiência e valores da
família, até ao ponto de a função assistencial ser
considerada como uma tarefa directamente sua.
Cuidar um familiar idoso é, nos dias de hoje, uma
exigência cada vez mais normativa que obriga as
famílias a definir e redefinir as suas relações,
obrigações e capacidades (Lage, 2005).
Autores como Wright e Bell (2004) e Ward-Griffin e
McKeever (2000), consideram que, na actualidade, as
famílias são reconhecidas como o maior contexto
para a promoção e manutenção da independência e
da saúde dos seus membros e como a principal
entidade prestadora de cuidados em situações de
dependência dos seus familiares.
dossier
Tal como refere Leandro (2001), um certo movimento
«familialista» parece tomar corpo, uma vez que,
perante um arsenal de questões sociais de difícil
resolução, se volta, de novo, a fazer apelo à família e
às comunidades locais, procurando encontrar aí
remédio para um conjunto de problemas sociais não
resolvidos, entre os quais os custos de certos encargos
com a saúde dos idosos.
Na perspectiva de Joel (2002), a crise dos sistemas de
saúde e da protecção social no decurso das últimas
duas décadas, resultante em boa parte do
envelhecimento das populações, deu de novo às
famílias a responsabilidade dos cuidados a prestar
aos familiares, e fez com que os Estados descobrissem
o papel central ocupado pela família nos cuidados
aos seus familiares em situação de doença e
dependência. Este apelo à solidariedade familiar
acabou por desencadear nos países ocidentais o
desenvolvimento de algumas medidas políticas
tendentes, senão à desinstitucionalização, pelo menos
à institucionalização o mais tardia possível, nas
melhores condições e só quando considerada
necessária. A família surge, então, como um elemento
importante de solução. Nos diferentes países
europeus, passa a assistir-se a um discurso comum
centrado na preservação da autonomia e dignidade
da pessoa idosa, no qual a manutenção no domicílio
aparece como uma solução a privilegiar a todo o
custo.
Os cuidados informais aos idosos implicam, pois, em
grande medida, a família, na qual se destaca a figura
do cuidador principal. O cuidador principal é a pessoa
que proporciona a maior parte dos cuidados ao idoso,
aquele sobre quem recai a maior parte da
responsabilidade e que não é remunerado pelos
serviços que presta (Jamuna, 1997).
Segundo Ângelo (2000), ao longo do seu ciclo de
vida, a família de idosos passa por alguns eventos
significativos que compõem uma transição ou
acontecimento de vida e que, de algum modo,
determinam as relações familiares e o seu potencial
de assistência, ou seja, exigem um processo de
mudança não só na estrutura como nas funções da
família. As transições ou acontecimentos de vida nas
famílias que têm idosos ocorrem no momento em
que papéis e responsabilidades se começam a
transferir entre as gerações, particularmente quando
os pais recorrem aos filhos para qualquer tipo de
ajuda. A importância das transições para a dinâmica
familiar reside não apenas na aprendizagem que daí
advém, mas nomeadamente na aceitação de novos
papéis, tanto por parte do idoso, como dos restantes
membros da família. Este processo é frequentemente
vivido como uma crise, não só pelas exigências
materiais que determina, mas também pelas
transformações na forma de definir todos os
elementos presentes na experiência familiar.
Para Watson (1998), habitualmente, as mudanças que
intervêm na vida das pessoas assumem particular
importância porque podem afectar a saúde. As crises
de saúde são acontecimentos críticos na vida das
famílias, reconhecidos como determinantes em tornar
as famílias uma população de risco. As famílias em
risco são, por isso, vulneráveis à deterioração física,
mental, e também da sua função.
Embora o cuidado familiar prestado a idosos
dependentes esteja longe de ser uma realidade
homogénea e se observe uma variabilidade na forma
como cada cuidador responde à sua situação
particular (Aneshensel, Pearlin, Mullan, Zarit e
Whittlatch, 1995), a investigação revela que os
cuidadores familiares podem sofrer de problemas de
saúde, problemas sociais e profissionais, que fazem
deste grupo de pessoas, pessoas de risco, que
Cuidados informais na velhice
Estas consequências dão conta da necessidade de
centrar na família toda a atenção. A família pode ser
considerada como um sistema, uma vez que existe
uma interdependência entre os seus membros que a
faz funcionar como uma unidade, de maneira que as
necessidades ou problemas de saúde de um dos seus
membros o afectam não só a ele, mas também à
família como grupo. Consequentemente, a atenção
a dar à saúde não deve limitar-se à doença que a
pessoa tem, mas à pessoa que tem a doença, e à
família, uma vez que a doença é um processo colectivo
que afecta toda a unidade familiar.
Contudo, deve dizer-se, que em termos de saúde, é
ainda relativamente escassa a prática profissional que
tende a integrar os cuidados ao indivíduo como os
cuidados à família (Úbeda Bonet, 1995).
Consequentemente, no que concerne à orientação
dos serviços sociais e de saúde, estes, devem
incorporar a atenção à família como um elemento
chave no cuidado à pessoa idosa, tendo em vista a
promoção da saúde e a qualidade de vida das famílias
cuidadoras. Na perspectiva de Wright e Bell (2004) e
Úbeda Bonet (1995), adoptar uma prática profissional
centrada na família, implica por um lado o abandono
do modelo biomédico e de intervenção unidireccional
e, por outro, a adopção de um modelo integral, no
qual os problemas individuais são vistos no âmbito
do quadro familiar e social que o rodeia e na
participação de todas as pessoas implicadas no
processo de cuidados.
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Wright, L. M.; Leahey, M. (2000). Nurses and families: a guide to family
assessment and intervention (3rd ed.). Philadelphia: Davis.
dossier
apresentam uma morbilidade consideravelmente
superior à de indivíduos da mesma faixa etária que
não estão sujeitos a esse tipo de sobrecarga (Pinquart
e Sorensen, 2003). Entre os efeitos negativos para a
saúde, associados ao cuidado informal às pessoas
idosas, estão o aumento dos níveis de depressão,
ansiedade e percepção de fraca saúde, limitações de
ordem pessoal impostas pelo cuidado, nomeadamente, restrição da vida pessoal e de lazer, e
também a negligência das necessidades mais básicas,
as quais ficam subordinadas às do idoso dependente,
bem como, conflitos de papeis (Pinquart e Sorensen,
2003; Ory, Lee, Tennstedet e Schulz, 2000).
44
Políticas sociais gerontológicas
Inácio Martín 1
jmartin@ua.pt
Elvira Lopes 2
elvira.mp.lopes@gmail.com
Todos os países enfrentam vários desafios na hora de desenvolver políticas sociais para a terceira
idade, mas em Portugal, estes centram-se no financiamento das diferentes medidas políticas e na
formação de know-how em termos de políticas sociais gerontológicas.
As propostas desde 2005
4) Rendimento Solidário para Idosos (RSI);
Os distintos países têm diferentes formas de
desenvolver os programas de cuidado das pessoas
idosas (Kosberg, 1994). Existem alguns trabalhos de
política social comparada neste âmbito dos quais
podemos destacar os contributos de Kammerman
(1997), Teicher, Thrust, e Vigilance (1986), os de Kosberg
(1994), e mas recentemente o trabalho do Ministerio
de Trabajo y Asuntos Sociales que serviu de base para
a Ley de la Dependencia (Ministerio de Trabajo y Asuntos
Sociales - MTAS, 2005).
5) Programa de Conforto Habitacional para pessoas
Idosas (PCHI).
Em qualquer destes trabalhos, Portugal não estava
incluído nas análises comparativas.
dossier
Sem conhecer especificamente a soma orçamentada
para a rubrica da Acção Social destinada a Equipamentos
Sociais para Pessoas Idosas por parte da Segurança
Social em termos de protocolos para o financiamento
da equipamentos mais clássicos (Lares de Idosos - LI,
Serviço de Apoio Domiciliário - SAD, Centro de Dia – CDI,
etc.) deduz-se que progressivamente possa ser maior,
uma vez que a estimativa de despesa com os acordos
de cooperação com o Sector Social deverá aumentar
6,8% em 2008 (Ministério das Finanças e da
Administração Pública - MFAP, 2008), sendo que na
rubrica de Acção Social (para a totalidade da Acção
Social) foi orçamentada em 1.549 milhões de euros
(MFAP, 2008).
Portugal desenvolveu as suas políticas sociais macro
para a terceira idade assentes num modelo
assistencialista, e operacionalizadas sobretudo com
através de protocolorizações com Instituições Privadas
de Solidariedade Social (IPSS). Este modelo
assistencialista não foi modificado, nem parece surgir
alternativas ao mesmo. Não obstante, desde 2005
foram desenvolvidas cinco políticas sociais para a
terceira idade, sendo as quais:
Estes programas não visam modificar o modelo
anterior, apenas o completar complexificando o
sistema de cuidados oferecido às pessoas idosas.
De seguida serão analisadas globalmente estas
medidas políticas para a terceira idade sendo cada
uma individualmente avaliada no Quadro 1.
Entende-se que as medidas políticas para a terceira
idade analisadas são observadas seguindo a
perspectiva de representar políticas top-down
(centralizadas e promotoras do internamento).
Todas as medidas são políticas macro com uma
perspectiva top-down. As políticas macro (normalmente
desenvolvidas pelos governos centrais) seguem tendo
um impacto enorme na vida das pessoas idosas (Walker,
2006). Não obstante, a mais moderna noção de
inovação nas políticas sociais para a terceira idade
caracteriza-se por programas descentralizados,
desenvolvidos no âmbito local mas que têm
implicações a nível central (Kraan et al., 1993), referindose claramente a modelos botton-up, sustendo-se a nível
meso e micro (Walker, 2006), caracterizados pela sua
flexibilidade, por uma maior interligação entre o
sistema formal e informal, tornando este último mais
forte, e ainda, por uma mudança na forma de entender
os papeis das entidades reguladoras como não
burocratizadas (Kraan et al., 1993).
Acontece que Portugal caracteriza-se pela sua
centralização completa no desenho de políticas macro
num organismo central nacional que é a Segurança
Social. Esta centralização de todas as políticas na
Segurança Social torna mais difícil o desenvolvimento
de políticas sociais com uma orientação botton-up.
1) Programa de Alargamento da Rede de
Equipamentos Sociais (PARES);
2) Rede Nacional de Cuidados Continuados (RNCC);
3) Modelos de Qualidade para Centros de Dia e
Serviços de Apoio Domiciliário;
1.
Secção Autónoma de Saúde da Universidade de Aveiro, e Unidade de
Investigação e Formação em Adultos e Idosos (UnIFai).
2. Licenciada em Sociologia pela de Faculdade de Letras da Universidade do
Porto. Investigadora júnior no Centro de Investigação em Ciências Sociais,
Universidade do Minho.
Políticas sociais gerontológicas
45
Quadro 1
Novas políticas sociais gerontológicas implementadas em Portugal desde 2005
Programa
Modelo Político
Limitações
Programa de Alargamento da
Rede de Equipamentos Sociais
(PARES)
Financiamento de entidades
promotoras de respostas sociais
baseando-se em critérios de
avaliação que não a tipologia
dos utentes ou dos serviços
específicos prestados.
Não mostra uma política clara de
desenvolvimento de serviços
sociais comunitários, mantendo
preferência por respostas de
internamento.
Rede Nacional de Cuidados
Continuados (RNCC)
- Criar um terceiro sistema
intermédio entre o sistema social
e o sistema de saúde;
- Criação de um modelo muito
complexo baseado num sistema
de integração por coordenação;
- Sistema baseado em unidades
de pequena dimensão.
- Dificuldade na sustentabilidade
do modelo de financiamento.
Criação de indicadores de
processo que descrevem as
tarefas da organização.
- Não existe uma ligação clara
entre Modelo de Normalização
promovido pela Segurança Social
e o Sistema de Acreditação
ISO9001, nem com o sistema de
fiscalização de respostas sociais;
Modelos de Qualidade para
Centros de Dia e Serviços de
Apoio Domiciliário
- Os indicadores relativos ao
Critério C (mínimo considerado
pelo modelo) implicam um grau
de dificuldade bastante elevado;
- Vantagens para as organizações
promotoras do sistema pouco
claras.
- Forte controlo anti-fraude
(tendência para existir mais
verdadeiros-falsos);
- Complementaridade com outras
medidas como a atribuição de
benefícios em saúde, que se
traduzem em apoios financeiros
(parciais) na compra de medicamentos, óculos e próteses
dentárias renováveis.
Programa de Conforto Habitacional para pessoas Idosas (PCHI)
Fundo financeiro estatal com
gestão autárquica.
Processo administrativo denso,
principalmente no que se refere
aos Rendimentos Anuais do
Agregado Fiscal do Filho do(s)
Requerentes(s).
- Selecção dos candidatos muito
difícil (desenvolvida a partir da
Rede Social);
- Programa que implica um
grande investimento financeiro
por utente.
dossier
Rendimento Solidário para
Idosos (RSI)
Políticas sociais gerontológicas
dossier
46
A ANMP (2007) e o MFAP (2008) confirmam como
provável um cenário em que a acção social (e
igualmente o desenvolvimento de políticas sociais para
a terceira idade) possa passar a curto prazo para a
responsabilidade do poder local. De facto, actualmente
surge esta tendência no Programa de Conforto
Habitacional para Pessoas Idosas (PCHI), sendo que
de facto, no PCHI o fundo financeiro é estatal
correspondente à Segurança Social a sua gestão passará
pelas autarquias, com a participação da respectiva
Rede Social na escolha dos beneficiários.
A descentralização de competências da Segurança
Social para o poder locar pode facilitar o desenvolvimento duma maior orientação botton-up das
políticas sociais, mas não é inevitável, podendo-se
correr o risco duma nova descentralização do poder
local, o que seria tão negativo como o cenário actual.
Associada a esta orientação top-down na definição das
políticas sociais em Portugal, encontra-se preferência
pela institucionalização, por conseguinte, a aposta em
equipamentos institucionais (como Lares de Idosos
e o Programas de Cuidados Continuados de Internamento), em vez de programas comunitários (como
o Serviço de Apoio Domiciliário, Centros de Dia e o
Programa de Cuidados Continuados Comunitários).
Esta perspectiva é errada e contradiz entre outras as
recomendações da ONU (2002). O modo como a Rede
Nacional de Cuidados Continuados (RNCC) e o Projecto
PARES se desenvolvem são um modelo da promoção
de respostas de internamento. A RNCC cresceu
principalmente em termos de internamento através
das Unidades de Convalescença, Unidades de Média
Duração e Reabilitação, Unidades de Longa Duração e
Manutenção, e por último Unidades de Cuidados
Paliativos, e não em programas comunitários como os
Cuidados Continuados Domiciliários e os Cuidados
Paliativos Domiciliários. Uma dinâmica semelhante
acontece no desenvolvimento do Programa PARES que
desenvolveu principalmente serviços de Lares de
Idosos.
As recomendações em termos de políticas sociais para
terceira idade propunham normalmente como
estratégia o desenvolvimento de respostas que tendem
a manter a pessoa idosa no seu domicílio normal (OCDE,
2005), o que as presentes medidas em Portugal não
favorecem.
Os principais desafios: o financiamento e o aumento
do know-how
Todos os países enfrentam vários desafios na hora de
desenvolver políticas sociais para a terceira idade, mas
em Portugal, estes centram-se em dois especificamente:
o financiamento das diferentes medidas políticas (1º
desafio), assim como a formação de know-how em
termos de políticas sociais gerontológicas (2º desafio).
A resolução dos problemas de financiamento é um dos
entraves das políticas de promoção do cuidado em
Europa (Alber e Köhler, 2004). Não obstante, Portugal
terá peculiaridades relativamente a este desafio, para
além do normal incremento da procura de serviços de
cuidado e duma possível falta de capacidade de
financiamento pública que acompanhe a procura de
serviços de cuidados, e que se relaciona com o facto
de existir neste momento dois sistemas completamente
diferentes com sistemas de financiamento também
diferentes, havendo por um lado, um sector de serviços
sociais financiados pela Segurança Social, e por outro
a RNCC financiada de forma mista entre os Ministério
da Saúde e da Segurança Social. A falta de clarificação
entre os dois sistemas pode fazer com que se produza
o sub-financiamento de um deles.
Num interessante documento da OCDE (1997),
problematiza-se acerca de um ponto essencial do
desenvolvimento de políticas para a promoção do
cuidado, que é a capacidade dos decisores políticos
de conseguirem desenvolver melhores medidas
políticas para cada país. Parece que todos os países
necessitaram de melhorar o seu know-how em termos
do desenho, implementação e avaliação de cada uma
das medidas, em especial as medidas sociais ligadas
à terceira idade.
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Respostas sociais para pessoas idosas
a intervenção do Estado
Cristina Fangueiro
cristina.fangueiro@seg-social.pt
47
O envelhecimento da população é uma realidade à qual não podemos fugir. As estatísticas
demográficas demonstram que este fenómeno ocorre à escala mundial, com especial incidência
nos países mais desenvolvidos. Actualmente, residem em Portugal cerca de um milhão e oitocentas
mil pessoas, com 65 e mais anos.
No entanto, é indiscutível que a longevidade da
população é um dos maiores triunfos da humanidade
mas é, igualmente, um dos maiores desafios que se
coloca às sociedades actuais, pois, tem um forte
impacto nas diferentes estruturas: familiares, sociais,
económicas, culturais, políticas, entre outras.
Os países de todo mundo estão confrontados com a
necessidade de se adaptarem com rapidez e eficácia
às transformações demográficas, inerentes ao
envelhecimento da população que ocorrem nas
sociedades contemporâneas, garantindo a
sustentabilidade dos sistemas de protecção social e a
promoção de novas respostas capazes de fazer face
aos problemas sociais emergentes.
Em 2002, na sequência da II Assembleia Mundial sobre
o Envelhecimento em Madrid, a Organização Mundial
de Saúde estipulou como meta para a primeira década
do século XXI o Envelhecimento Activo, com o lema
“Demos anos à vida, precisamos dar vida aos anos”.
Esta abordagem baseia-se no reconhecimento dos
direitos humanos das pessoas idosas e nos princípios
de independência, participação, dignidade, assistência
e auto-realização. Ao reconhecermos que as pessoas
idosas são cada vez mais saudáveis e mais instruídas,
e que sê-lo-ão ainda mais no futuro, é imperativo o
desenvolvimento e dinamização de respostas cada vez
mais adequadas às suas exigências e expectativas. Esta
visão trás, sobretudo, uma mudança de paradigma,
pois, quebra com a intervenção do passado que apenas
procurava responder às necessidades.
Respostas no contexto português
Em Portugal as questões relacionadas com o
envelhecimento têm assumido um peso crescente em
todas as esferas de acção política.
Por ocasião da adopção do Plano de Acção de Madrid
sobre o Envelhecimento estava já em desenvolvimento,
em Portugal, um conjunto de acções em favor dos
idosos que congregava uma articulação interministerial,
designadamente ao nível do Plano Nacional para o
Emprego (PNE) e do Plano Nacional de Acção para a
Inclusão (PNAI), instrumentos de planeamento
estratégico.
As medidas desenvolvidas no nosso país, na óptica do
mainstreaming das questões do envelhecimento,
visam, nomeadamente, a participação activa dos mais
idosos na sociedade; o acesso e permanência dos
idosos no mundo laboral; a criação de um sistema de
aprendizagem ao longo da vida e promoção do
envelhecimento activo; a adequação das respostas e
esquemas de protecção social às mutações
demográficas e sociais; a promoção da solidariedade
intergeracional; a promoção de uma vida mais
autónoma e de maior qualidade; o alargamento da
rede de equipamentos e serviços de apoio e integração
a comunidades de pertença.
A inclusão do envelhecimento em diversos programas
de acção e medidas, aplicadas de forma coordenada
e consistente, tem-se traduzido no aumento das
situações e dos riscos cobertos, dos níveis de protecção
conferidos, bem como nas alterações nos critérios de
elegibilidade, permitindo que um número maior de
pessoas aceda às prestações, aos serviços e aos
equipamentos sociais. Assiste-se, assim, a um
crescimento gradual das despesas com a protecção
social aos idosos, bem como a um crescente
envolvimento por parte dos diferentes organismos da
Administração Pública, dos parceiros sociais e das
instituições particulares de solidariedade social.
Programas e Medidas de maior impacto
Com o intuito de proporcionar aos idosos um
envelhecimento com saúde e bem-estar e garantir o
dossier
O crescente envelhecimento da população resulta em
boa parte do aumento da esperança média de vida e
dos assinaláveis progressos registados pelos
indicadores gerais de saúde nas últimas décadas,
confirmando a evolução positiva das condições de vida
em Portugal.
As projecções conhecidas relativamente à evolução da
população em Portugal nas próximas décadas apontam
para uma duplicação do peso da população com idade
superior a 65 anos, realidade que será acompanhada
de uma evolução significativa no número de anos de
vida esperados ao atingir os 65 anos.
Em 2050 estima-se que a população total residente
do país seja de aproximadamente 9,3 milhões de
habitantes, sendo que apenas 55,1% estarão em idade
potencialmente activa. Na mesma data calcula-se que
por cada pensionista activo não chegarão a existir dois
adultos em idade activa (mais concretamente 1,73).
Respostas sociais para pessoas idosas
48
apoio à dependência o Programa do XVII Governo para
2005-2009, propôs-se, nomeadamente, a:
• Lançar e concretizar a Rede de Cuidados Continuados
Integrados;
• Generalizar o Apoio Domiciliário Integrado, instrumento central de promoção da autonomia e de
prevenção da institucionalização;
• Lançar o Programa de Alargamento da Rede de
Equipamentos Sociais (PARES) e o Programa de Apoio
ao Investimento em Equipamentos Sociais (PAIES);
• Lançar um Programa de qualificação habitacional nos
espaços rurais;
• Implementar o Complemento Solidário para Idosos;
• Promover a Estratégia Nacional para o Envelhecimento
Activo.
O acesso da população idosa aos cuidados necessários
de saúde e de acção social nem sempre tem sido
garantido, principalmente quando ao envelhecimento
se associa a perda de autonomia. No entanto, algumas
medidas têm contribuído positivamente para a garantia
desse acesso, entre as quais se destaca a criação da
Rede Nacional de Cuidados Continuados.
A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados
(Decreto-Lei n.º 101/2006) tem por objectivo a
prestação de cuidados continuados integrados a
pessoas que, independentemente da idade, se
encontrem em situação de dependência. Muito embora
o modelo criado não se destine especificamente a
pessoas idosas, é sabido que a idade é um factor
potenciador de situações associadas a complicações
de saúde que poderão remeter para a protecção das
situações de dependência.
dossier
Com o objectivo de melhorar a participação social,
económica, política e cultural dos idosos, Portugal tem
reforçado o investimento em equipamentos sociais
facilitadores da integração.
Neste sentido, foi criado o Programa de Alargamento
da Rede de Equipamentos Sociais (PARES). Com este
Programa procura-se estimular, através de recursos
financeiros exclusivamente provenientes dos resultados
líquidos dos jogos sociais, o investimento privado em
equipamentos sociais, com a finalidade aumentar,
desenvolver e consolidar a capacidade instalada em
respostas sociais. Com o PARES serão criadas 15.000
novos postos de trabalho e 45.700 vagas em
equipamentos, o que corresponde a um aumento de
10% das respostas sociais e destas, 17.570 serão vagas
em equipamentos para as pessoas idosas.
Ao PARES acresce o Programa de Apoio ao Investimento
em Equipamentos Sociais (PAIES) que enfatiza o apoio
à iniciativa privada lucrativa, concedendo incentivos
ao investimento, apoiando as entidades promotoras e
permitindo condições mais favoráveis de recurso ao
crédito.
A pobreza dos idosos em Portugal revelava-se um
problema grave e em certa medida pouco conhecido.
A questão é que, frequentemente, a pobreza monetária
dos idosos está associada a outros problemas como
deficientes condições de habitação, dificuldades de
mobilidade e elevados gastos com problemas de saúde
que agravam a já difícil situação de 28% de idosos em
risco de pobreza.
O combate à pobreza entre a população idosa traduziuse principalmente na criação do Complemento
Solidário para Idosos, instituído pelo Decreto-Lei n.º
323/2005, de 29 de Dezembro, com vista a assegurar
aos idosos um rendimento não inferior a 400 euros por
referência a 12 meses. O montante desta prestação
corresponde à diferença entre o valor dos recursos do
requerente e o valor de referência do complemento –
€ 4.800 por ano para pessoa isolada e € 8.400 por ano
tratando-se de casal. Os beneficiários deste
complemento têm benefícios adicionais referentes às
despesas de saúde, nomeadamente através da
comparticipação do Estado em 50% das despesas
com medicamento (da parcela do preço não
comparticipada), na aquisição de óculos e lentes e
ainda em próteses dentárias removíveis.
Outra medida importante e, de algum modo,
complementares ao CSI são o Programa Conforto
Habitacional para Pessoas Idosas, lançado com o
objectivo de prevenir a dependência e a institucionalização dos cidadãos mais idosos.
Por fim, é importante referir a importância da estratégia
para o envelhecimento activo, que consta do Plano
Nacional de Emprego 2005-2008 e que tem dois eixos
fundamentais:
• Estimular os trabalhadores a permanecerem mais
tempo no mercado de trabalho e desincentivar a saída
precoce do mercado de trabalho;
• Relançar a inserção dos cidadãos mais velhos em
actividades de interesse social, nomeadamente
Programas Ocupacionais e o novo Programa
Voluntariado Sénior.
Referimos apenas algumas das medidas mais
emblemáticas do esforço que tem sido feito para
melhorar os índices de protecção social da população
idosa. Apesar dos avanços que se têm verificado nos
últimos anos, é necessário um olhar permanente para
a realidade em que vivem as pessoas idosas, pois, só
assim se consegue continuar a melhorar a sua
qualidade de vida. O modelo de intervenção, mais
centrado nas exigências e expectativas, tem de ser
dinâmico e integrado, adaptando-se cada vez mais a
essa realidade.
Políticas Sociais
que respondam às necessidades dos idosos
Maciej Kucharczyk
AGE1 Social Inclusion Policy Officer
49
Apesar das pessoas com mais de 50 anos representarem uma larga e diversificada faixa da
população da União Europeia, com um importante contributo económico e social para a sociedade,
encontram-se entre os grupos mais vulneráveis e enfrentam, frequentemente, a discriminação
com base na idade, combinada, muitas vezes, com outras formas de discriminação tais como o
género, a raça, a deficiência ou a orientação sexual.
Do ponto de vista demográfico, estima-se que a
proporção da população com mais de 65 anos passe
dos actuais 17%, para cerca de 28% em 2050. Estimase ainda que a população com mais de 80 anos, que
actualmente representa 4% da população, atinja os
10% em 2050. Estes dados significam que se a
percentagem da população mais idosa que enfrenta
situações de pobreza e de exclusão social se mantém,
os números de pessoas em risco de pobreza
aumentarão.
Apesar destes dados e projecções – que revelam que
as pessoas idosas se encontram entre os grupos mais
discriminados e mais excluídos da população – os
idosos nem sempre se encontram no topo das
prioridades das políticas sociais. Olhando para as causas
específicas da pobreza nos idosos, não se pode ignorar
que a combinação de vários factores tais como: o baixo
rendimento, saúde débil, discriminação com base na
idade, incapacidade física ou mental, isolamento, abuso
e acesso limitado aos serviços, contribuem ainda mais
para o aumento do risco de pobreza e exclusão social
deste grupo.
Por todas estas razões, é necessária uma abordagem
estruturada, integrada e focalizada para combater o
risco de pobreza e de exclusão social entre os mais
velhos, tanto a nível nacional como da UE. Os governos
europeus que se encontram numa estado menos
avançado, a este nível, devem fazer face a este desafio,
uma vez que tende a tornar-se cada vez mais difícil
encontrar soluções eficazes para o enfrentar. Esta
abordagem integrada é proposta no contexto da União
Europeia no processo conhecido como o Método
Aberto da Coordenação aplicado à protecção social e
à inclusão social que tem como objectivo coordenar e
incentivar os Estados-membros a combater a pobreza
e a exclusão social, e reformar os seus sistemas de
protecção social. Este trabalho é feito com base nos
intercâmbios de boas práticas e na aprendizagem
mútua no âmbito da chamada Agenda de Lisboa, uma estratégia transversal que pretende conciliar um
crescimento económico sustentado, mais e melhores
empregos, e maior coesão social na Europa, até 2010.
Entretanto, no domínio da inclusão social, a acção da
UE não refere directamente a população mais idosa
como um grupo alvo, mas propõe diversas soluções e
medidas transversais entre os seus desafios chave:
• quebrar o círculo de transmissão da pobreza intergeracional (especialmente entre as crianças);
• promover mercados de trabalho inclusivos;
• garantir habitação condigna para todos;
• combater a discriminação e promover a integração
das pessoas com deficiência, minorias étnicas e
imigrantes;
• combater a exclusão financeira e o sobre-endividamento.
Consequentemente, ao procurar soluções que
respondam às necessidades e expectativas dos mais
idosos, a AGE apela à UE e aos responsáveis políticos
nacionais para considerar não apenas a questão do
1. A Plataforma Europeia das Pessoas Idosas é uma rede europeia de organizações
de pessoas com mais de 50 anos, reunindo 150 organizações de toda a UE e
representando mais de 22 milhões de idosos através dos seus associados. A
AGE procura dar voz e promover os interesses de 140 milhões de habitantes
com idade igual ou superior a 50 anos e aumentar o reconhecimento e
conhecimento das oportunidades e desafios que surgem com o envelhecimento
da nossa sociedade de forma a construirmos uma Europa para todas a idades.
dossier
A importância para combater a pobreza entre os mais
idosos, na Europa, pode ser comprovada não só pelas
estatísticas bem como pelas projecções relativamente
ao envelhecimento da sociedade. O anexo estatístico
do Relatório Conjunto sobre Protecção Social e Inclusão
Social da UE (2007) revela que a população total da
União Europeia (25 Estados-membros) tem uma taxa
de risco de pobreza de 16%, por comparação com uma
taxa de 19% para as crianças entre os 0-17 anos e os
idosos com mais de 65 anos. Estes dois grupos detêm
a taxa mais elevada relativamente a outros grupos
desfavorecidos. É interessante verificar que, de acordo
com os mesmos dados, os idosos eram o grupo mais
exposto à pobreza em 12 dos 25 países da UE. De notar
ainda que esta média pode encobrir diferenças muito
maiores entre a situação das pessoas idosas e a restante
população. Por exemplo, a taxa de risco de pobreza
das mulheres como mais de 65 anos, em Espanha, era
de 32%, comparada com 17% nas mulheres entre os
18-64 anos ou mesmo de 15% para os homens entre
os 18-64 anos.
Políticas Sociais
50
rendimento e/ou das dificuldades relacionados com o
mercado de trabalho que este grupo enfrenta, mas
que aborde igualmente o risco de exclusão social em
geral, que inclui todas as questões, tais como: o
isolamento social, a falta da participação cívica, as
barreiras no acesso aos serviços sociais e de saúde
básicos e a actividades culturais, as desigualdades do
género, os fracos apoios ao nível da comunidade e
vizinhança, etc..
No âmbito de um projecto de intercâmbio
transnacional, AGE/inc 2005-2007, a representação da
AGE na República Checa, França, Alemanha, Grécia,
Irlanda, Lituânia e Reino Unido mobilizaram os seus
membros para se envolverem no processo de consulta
precedente aos planos nacionais de acção na inclusão
social 2006-2008. Organizaram reuniões participativas,
a nível local, com os idosos que viviam em situação de
pobreza e que se traduzia no envolvimento das pessoas
mais idosas e mais vulneráveis da comunidade. O
objectivo destas reuniões era dar voz aos idosos, vítimas
da pobreza e exclusão social, no sentido de identificar
as suas necessidades em termos de inclusão social.
Reflectindo diferentes contextos sociais, económicos
e culturais, a voz das pessoas idosas não pode
reivindicar a cientificidade, mas pode reforçar a
investigação académica, apresentando as realidades
complexas que enfrentam no seu quotidiano.
As necessidades e aspirações identificadas pelos mais
idosos em sete países europeus reflectem
preocupações muito idênticas em outros Estadosmembros. Assim, a selecção das questões, que se
apresentam em seguida, ilustra algumas das mais
urgentes e reais necessidades que as pessoas idosas
que vivem em situação de pobreza e de exclusão social
pedem para serem abordadas pelos responsáveis
políticos nacionais e europeus.
dossier
Transportes – República Checa
O que é necessário?
Os transportes gratuitos devem ser extensivos a
todos os pensionistas, assim como a nível geográfico
de forma a permitir a mobilidade das pessoas.
Medidas específicas destinadas aos transportes nas
áreas rurais poderão ter um efeito muito positivo na
inclusão dos idosos que vivem em comunidades
mais isoladas.
Os Fundos Estruturais poderiam ser utilizados,
especialmente nos novos Estados-membros, para
melhorarem as infra-estruturas ao nível dos
transportes.
Os horários e informação sobre ligações deveriam
ser mais claras e acessíveis.
A infra-estrutura global necessita de responder às
necessidades dos idosos, nomeadamente veículos
mais acessíveis, pavimentos em bom estado, etc..
Maior acessibilidade não é apenas uma preocupação
dos idosos mas uma questão que diz respeito à
sociedade em geral. Cada um de nós deveria apelar
para todos tivessem acesso aos meios de transporte.
Serviços de Saúde – França
O que é necessário?
O acesso universal à assistência na doença deveria
ter por base os recursos dos indivíduos e não o seu
estatuto financeiro.
Um bom relacionamento social pode ajudar as
pessoas a manterem-se saudáveis.
A prevenção e os serviços de intervenção precoce
são vitais para garantir a saúde e o bem-estar das
pessoas.
Educação sobre como viver e envelhecer saudavelmente.
O voluntariado é necessário para apoiar o trabalho
dos profissionais.
Devemos ter em consideração aqueles que têm
dependentes a seu cargo (ex. casais e crianças onde
uma pessoa está sozinha a cuidar de um familiar).
O apoio financeiro deveria ser disponibilizado para
pessoas que têm dependentes a seu cargo, mas deve
ser reconhecido que estas pessoas não podem fazer
tudo sozinhas e que o apoio financeiro, embora
importante não é suficiente.
O tempo das pessoas que cuidam de dependentes
deve ser tido em consideração pois deve ser dada
mais atenção à qualidade do serviço que prestam e
não à quantidade.
Medidas, serviços e tratamento devem ser personalizados.
Activação profissional de pessoas com 50+
Alemanha
O que é necessário?
Pensões à medida para responderem a situações
especificas das pessoas como mais de 50 anos. Isto
é, devem ser tidos em conta, no cálculo das pensões,
os períodos de desemprego, devem promover-se
benefícios fiscais de poupanças de reforma.
Desenvolver conceitos inovadores para lidar com a
actividade profissional dos trabalhadores mais velhos
tal como a promoção de actividades de voluntariado
em vez de forçar estes trabalhadores a aceitarem
emprego sem perspectivas reais a médio e a longo
prazo de uma pensão ou rendimento decente; apoiar
medidas alternativas de emprego.
Dedicar uma atenção especial às diferenças
estruturais e aos níveis de desenvolvimento do
mercado de trabalho.
Políticas Sociais
• A resolução de problemas do desemprego massivo
• Aumentar o nível de infra-estruturas para cuidados
e do aumento e dimensão do risco de pobreza entre
as pessoas 50+ anos na Alemanha de Leste exige
uma combinação abrangente e a longo prazo de
medidas ao nível do emprego, prestações sociais,
saúde, participação cívica, etc.
temporários assim como o número de camas
disponíveis em determinadas áreas.
• A informação sobre o acesso aos serviços sociais
deve estar disponível em diferentes línguas para que
os imigrantes mais velhos e os membros de minorias
étnicas possam ter acesso a estes serviços.
• Os profissionais têm que avaliar quando estão
perante casos onde é necessário um cuidado especial
e uma sensibilidade relativamente às especificidades
culturais, como é o caso das mulheres muçulmanas
idosas.
• É necessário um co-financiamento estrutural a longo
prazo (para além do financiamento de base do
projecto) para desenvolver um trabalho contínuo
sobre questões de envelhecimento e minorias étnicas.
• Incluir nas organizações para pessoas idosas serviços
para trabalhar com imigrantes.
• Melhores recursos e remuneração para os que
tomam conta dos doentes, especialmente os que
prestam este serviço ao domicílio.
• Garantir que as pessoas (menos do que 5%) que
necessitam de cuidados continuados por um período
de 2 anos ou menos, os recebem enquanto tal e
quando os necessitam.
• Fazer com que seja um direito das pessoas idosas
receberem os cuidados de que necessitam uma vez
que se tornam mais debilitados e mais necessitados
à medida que a idade avança.
Habitação e Aquecimento – A experiência da Lituânia
O que é necessário?
• As questões não se limitam ao aquecimento no
Inverno uma vez que também há problemas com o
calor no Verão.
• Aumentar as medidas de segurança, especialmente
nas áreas mais isoladas.
• Sensibilizar as pessoas que se encontram entre os
40 e 50 anos sobre quais serão as suas necessidades
futuras de forma a melhor prepararem a velhice.
• Habitação condigna, a preços razoáveis e de tamanho
• Incluir sessões de informação sobre como trabalhar
reduzido de forma a melhor satisfazer as necessidades de habitação dos idosos.
com imigrantes mais velhos nos currículos globais
de formação.
• É necessário aumentar os serviços de apoio domi-
• Ter em consideração a questão do estatuto económico em complementaridade com a idade, género,
etnicidade, quando se analisa a situação de imigrantes mais velhos ou membros de minorias étnicas.
• Ter em atenção as barreiras culturais e linguísticas à
participação.
Cuidados continuados de saúde para os mais idosos
e vulneráveis – Irlanda
O que é necessário?
• A criação de um cartão de saúde para todos com
idades entre os 65-69 anos de forma a promover o
acesso à saúde e a cuidados médicos no período
critico dos 5 anos que antecede os 70.
• Documentação que reúna claramente os direitos e
os benefícios existentes para as pessoas mais velhas
ao nível dos serviços de saúde e dos cuidados
continuados.
• A existência de locais suficientes que ofereçam
cuidados continuados de forma a satisfazer as
necessidades das pessoas idosas na sua área de
residência.
ciliário para que aqueles que desejem ficar nas suas
casas o possam fazer por um período o mais longo
possível.
• Envolver as pessoas idosas no planeamento
comunitário para assegurar que as áreas envolventes
continuam a ser acessíveis para os idosos.
• Devem ser canalizados mais fundos para o
desenvolvimento regional, especialmente ao nível
da habitação em áreas rurais.
Rendimento – A experiência do Reino Unido
O que é necessário?
• Garantir uma pensão básica compensadora para
todos. Todos aqueles que se encontram numa
situação mais vulnerável deveriam ter acesso
automático a uma boa pensão de forma a ajudar as
pessoas idosas com mais dificuldades a manterem
a sua dignidade de respeito.
• Explicar às pessoas que devem reivindicar os seus
direitos junto dos sistemas de segurança social.
• Avaliar a adequação do rendimento com base no
que as pessoas necessitam – incluindo serviços de
dossier
Raça e etnia – Grécia
O que é necessário?
• O PNAI deve contemplar medidas de integração para
imigrantes com mais de 60 anos, como acontece
com a população mais jovem.
51
Políticas Sociais
52
saúde, aquecimento, transportes – uma vez que a
pobreza não pode apenas ser medida em termos
monetários.
• Os períodos de licença para tomar conta de dependentes devem ser contabilizados – crianças ou familiares idosos - no cálculo das reformas.
• Informação clara e abrangente sobre os seus direitos
das pessoas idosos.
Quando os responsáveis políticos tiverem que oferecer
oportunidades de formação e de empowerment para
as pessoas mais idosas, a abordagem participativa na
avaliação das suas necessidades deve tornar-se um
elemento fundamental na formulação das políticas, a
todos os níveis. A AGE acredita veemente que o
envolvimento directo das pessoas idosas, que vivem
em situação de pobreza e de exclusão social, na
definição das políticas permitirá que as suas vidas e
realidades pessoais sirvam de base ao desenvolvimento
e desenho das políticas de inclusão social que lhes são
dirigidas.
Envelhecimento activo em Farminhão
Mónica Marques (1) e Vera Silva (2)
associacao.dt@sapo.pt
O envelhecimento é um processo activo e permanente a que todos estamos sujeitos e que vem
sofrendo alterações ao longo dos tempos, devido à modernização, a novas tecnologias, evolução
da medicina e da esperança de vida, novas experiências, contactos, saberes e diferentes
perspectivas de ver a vida.
dossier
A velhice é um momento de olhar para trás e tirar
conclusões do passado, de aceitar a inevitabilidade
das provações, das dificuldades e de transmitir aos
jovens o saber e a experiência dos Homens. É a
oportunidade de deitar contas à vida, como sujeito
activo, agente válido do imediato, que pensa e quer
continuar a intervir na construção de uma sociedade
melhor, combatendo a insolidariedade e o desrespeito.
É também neste contexto que surge a Associação de
Solidariedade Social Recreativa e Desportiva da
Freguesia de Farminhão que é uma Instituição
Particular de Solidariedade Social, que se dedica ao
apoio: a crianças, jovens, família, à integração social,
aos cidadãos na velhice invalidez e em situação de
falta ou diminuição de meios de subsistência ou
capacidade para o trabalho, promoção e protecção da
saúde, nomeadamente através de prestação de
cuidados de medicina preventiva, curativa e de
reabilitação, educação e formação profissional dos
cidadãos e resolução de problemas habitacionais das
populações e à promoção cultural, recreativa e
desportiva dos seus Associados, da população local e
limítrofes.
Como instituição inovadora e dinamizadora, apoia e
incentiva a componente cultural, pelo que dispõe de
uma Escola de Música, um Grupo de Cantares “Flamiam” e uma Escola de Rendas de Bilros (arte antiga
existente na Freguesia de Farminhão).
Relativamente às valências existentes na área da
infância, dispõe de Berçário, destinado a 8 crianças dos
4 aos 12 meses, sala de Creche para 12 crianças de 1
aos 2 anos, sala de Creche para 16 crianças dos 2 aos
3 anos, Jardim de Infância com 22 crianças dos 3 aos
6 anos, fazendo também o prolongamento do Jardim
de Infância Público a 19 crianças e as A.T.L a 51 crianças
em idade escolar.
Relativamente às valências existentes na área da
1.
2.
Técnica Superior de Educação Social
Animadora Sócio Cultural
Envelhecimento activo em Farminhão
O facto desta instituição enquadrar respostas sociais
na área da infância/ juventude e na área da terceira
idade, permite levar a cabo inúmeras actividades
conjuntas e trocas intergeracionais que são sempre
uma mais valia para quem delas usufrui e uma forma
de motivar e dar continuidade a partilhas activas de
saberes, experiências e o reviver do passado em que
os avós eram “agentes de sabedoria” respeitados e
ouvidos pelos mais pequenos, “os netos”.
Ao longo dos tempos, e com vista a proporcionar aos
utentes desta instituição uma resposta com mais
qualidade, dinamismo e conhecimentos diferenciados
a Direcção tem vindo a apostar num quadro de pessoal
técnico pelo que conta com Técnica Superior de
Educação Social, Animadora Sociocultural,
Nutricionista, Psicóloga, Professor de Educação Física,
Médico, Enfermeiro, colaborador com formação na
área musical, para além de todo o quadro de pessoal
essencial para garantir o apoio e bem estar dos utentes
e de quem a ela recorre.
Os idosos, utentes das várias valências provêm
maioritariamente de meio rural em que o seu meio de
subsistência era a agricultura, tendo ainda a
mentalidade de que o recurso às várias respostas sociais
é um ultimo meio, pelo que nos leva a ter muitas
pessoas com limitações e dependências físicas e
psíquicas, o que muitas das vezes condiciona o
acompanhamento, e a diversidade de actividades a
desenvolver, uma vez que têm que ser adaptadas aos
seus gostos, vivências, interesses, necessidades,
capacidades e limitações.
No entanto, temos por objectivo evoluir, dinamizar,
apoiar e ajudar a crescer. Assim, em conjunto tentamos
desenvolver um projecto de actividades diversificadas,
cujo tema, este ano é a Natureza, atendendo à
proveniência e experiência de vida do público-alvo a
que se destinam e abertas ao exterior, pelo que
estabelecemos parcerias com outras instituições
similares com vista a promover o contacto e reencontro
entre idosos e abrir a Associação de Farminhão a outras
instituições, permitindo uma troca de saberes e um
crescimento conjunto.
É de realçar a motivação e gosto dos idosos em
participarem nas actividades de educação física,
reabilitação e motricidade humana e a alegria ao
verificarem que a melhoria e a recuperação de algumas
capacidades e competências físicas é possível e uma
mais valia para a sua autonomia.
53
Não podemos também esquecer que quando a lavoura
era a sua vida a música e a cantoria eram uma constante,
pelo que a animação musical contribui para uma maior
acalmia, para o reviver e relembrar de tempos idos,
bem como para desenvolver capacidades cognitivas
por vezes “adormecidas”.
Na rotina diária institucional tentamos motivar os idosos
a terem um papel activo e participativo, colaborando
em pequenas tarefas, auxiliando o outro quando
possível, decorando e tratando de parte do jardim
exterior, emitindo a sua opinião, auxiliando no
crescimento e dinamização desta que é a “casa” de
todos.
Também a família não é descurada, pelo que se tenta
estabelecer uma relação de proximidade, apoio e interajuda, com vista a uma maior estabilidade do idoso
que ao se sentir apoiado pela família de origem e por
esta “nova família” da qual todos fazemos parte, terá
uma maior integração, envolvimento e aceitação da
nova condição de vida em que ele próprio é o principal
objectivo.
Tendo consciência das necessidades e do grande
número de idosos existentes na Freguesias de
Farminhão e limítrofes, é intenção desta instituição vir
a alargar futuramente as suas infra estruturas, dando
origem a um Lar Residencial com vista a acolher aqueles
que dentro em breve serão os “novos idosos” com uma
experiência de vida e contactos mais urbanizados,
viajados, com vivências e graus de habilitação
académica que lhes conferem um maior rigor e maiores
expectativas nas respostas sociais a esperar para a sua
velhice.
Esta pretensão de desenvolvimento seria facilitada caso
se verifica-se a revisão dos acordos de cooperação e
consciencialização por parte das entidades
competentes da necessidade do alargamento das
respostas sociais na área da Terceira Idade.
A velhice é só mais uma fase da vida com muito para
dar e receber, em que se pode ser criativo, activo e
interventivo é o que esperamos com a nossa modesta
acção, que faz com que dia após dia “esta pequena
família” se vá tornando cada vez maior.
Consideramos que uma pessoa, já com idade avançada
pode despertar para a realização criadora invulgar e
ainda nos pode dar, não a noção de algum problema
motivado pela idade, mas a alegria do gosto pela vida
e pela humanidade, devendo para tal ter consciência
que pode contar com o nosso apoio, acompanhamento
e com uma palavra amiga.
dossier
terceira idade dispõe de Lar de Idosos com 48 utentes
(25 dos quais dependentes), Centro de Dia com 20
utentes e Apoio Domiciliário realizado a 65 idosos.
54
O equilíbrio psíquico do idoso
e a dinâmica
Oscar Ribeiro1
oribeiro@ua.pt
Envelhecer é, em si mesmo, um processo natural e um homem de 65 ou 75 anos, desde que não
queira ser mais jovem, será tão saudável como um de 30 ou 50. Infelizmente nem sempre estamos
de bem com a nossa idade, no nosso íntimo é frequente andarmos adiantados, mas mais frequente
ainda é sermos apanhados e ultrapassados – a consciência e a disposição íntima estão menos
amadurecidas do que o próprio corpo, reagem contra as suas manifestações naturais, exigem dele
algo que este já não consegue cumprir.
dossier
Herman Hesse in Elogio da Velhice
Entender o processo de envelhecimento é
compreender de forma abrangente os aspectos
individuais e colectivos da vida, estar a par da sua
heterogeneidade e dos compassos assíncronos que o
podem caracterizar. Herman Hesse, prémio Nobel da
literatura em 1946 e um dos maiores escritores do
século passado, numa das obras na qual se dedica a
um dos seus últimos desafios enquanto escritor, a
aceitação espirituosa da velhice e a proximidade da
morte, traça de modo singular a interacção, muitas
vezes desconcertada, dos diferentes ritmos de
envelhecer, do possível desequilíbrio psíquico que
deles pode emanar e dos respectivos esforços de
adaptação necessários para uma sua interacção
compensatória. Numa sucessão de textos intimistas e
reflexivos, Hesse expõe a importância de se reconhecer
a percepção das alterações como poderosos
determinantes da acção individual, a centralidade da
sabedoria para o balanço, tão harmonioso quanto
possível, das forças que falham com as que ainda
permitem o desenvolvimento, e a necessidade de
aceitar, com naturalidade, as várias transformações
que ocorrem com o inexorável passar do tempo.
Enveredar por processos de adaptação capazes de
promover reflexões maturadas de si mesmo e das reais
alterações ocorridas não se vislumbra, porém, um
procedimento fácil. Não se trata apenas de reconhecer
que se tem um corpo que insiste em “envelhecer
depressa demais” ou saber-se detentor de uma mente
que, mantendo-se desperta, deve ponderar as
inconsequências de um “espírito jovem”; é sobretudo
reconhecer e actuar sobre o acervo de acontecimentos que assolam o quotidiano e que afectam
inevitavelmente a dinâmica e a estabilidade psicológica.
À medida que envelhecemos, a arquitectura afectiva
complexifica-se. Os sucessivos desafios com os quais
nos deparamos diariamente, e consubstanciados pelos
receios de incapacidade e dependência da família ou
pela contiguidade da morte traduzem-se, não raras
vezes, em angústias existenciais e sentimentos de
vulnerabilidade emocional e social. Seja pelo
desaparecimento da função produtiva que se vê
marcada por uma perda de sentido e utilidade e
diminuição de possibilidades económicas; pela viuvez
que arrasta consigo o desaparecimento do papel social
de cônjuge; ou pelas consequências de um processo
de institucionalização e respectivas demandas
adaptativas, a verdade é que face a estes possíveis
cenários é frequente a entrega do idoso a atitudes
depressivas de passividade, de desânimo e de recusa
do exterior. Atitudes que se vêm marcadas, inclusive,
por fenómenos hipocondríacos pautados por
preocupações exageradas com o corpo ou pelo receio
permanente de estar doente e que remetem para um
lugar de destaque a centralidade do binómio corposaúde na estrutura identitária do idoso, já que é naquele
que se avalia a extensão do que é possível fazer no dia-a-dia e a respectivo grau de autonomia, e se revelam
poderosos dispositivos de regulação quotidiana tantas
vezes cadenciados pela toma da medicação e/ou por
contactos com o farmacêutico ou com o médico de
família.
Este tipo de reactividade às perdas e/ou alterações
presentes na velhice, sendo muitas vezes marcada pela
presença de sintomas psicológicos de tristeza clínica,
pelo agravamento das relações sociais, e por uma
possível degradação do estado de saúde (ou a
antecipação ansiosa de diminuição física ou mental),
configuram processos que tendem a instaurar um
reforço, directo e indirecto, do declínio geral do
funcionamento cognitivo e físico do idoso bem como
da fragilidade emocional em que muitas vezes se
encontra. A entrega à doença e à melancolia, a
alienação do presente, a submersão num estado de
desolação e resignação conformista, ou mesmo a
negação da velhice são cenários frequentes; no entanto,
na perspectivação do indivíduo que envelhece, a
imposição de uma visão redutora e miserabilista da
condição de velho e a circunscrição dos respectivos
1. Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro
O equilíbrio psíquico do idoso
Perspectivar o processo de envelhecimento como
um processo de desenvolvimento requer o
reconhecimento da capacidade contínua de
aprendizagem e de plasticidade, bem como da
competência para enfrentar de modo optimizado as
demandas do quotidiano. Presentemente, sabe-se que,
além das atitudes realistas sobre as alterações físicas
e psíquicas e de dimensões incontornáveis como o
estado de saúde (real e percebido) e a estabilidade
económica, são vários os factores que favorecem o
bem-estar e a satisfação na velhice, como sejam a
preservação da autonomia, pelo menos ao nível
psicológico e social (traduzíveis na noção de controlo
e participação, respectivamente), o envolvimento
continuado na vida da comunidade e em actividades
gratificantes, a aceitação por parte do grupo social, a
promoção e manutenção de planos de futuro, a
existência de objectivos de vida e a liberdade individual.
Todos estes, no seu conjunto, configuram um modelo
psicológico de velhice bem-sucedida que, não
ignorando os antecedentes pessoais e sociais de cada
indivíduo, salientam um envolvimento efectivo e
afectivo com a realidade, a manutenção de projectos
e de objectivos, ainda que o corpo não facilite o
cumprimento desses desejos e a sociedade imponha
algumas limitações de execução.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, um
dos pilares do envelhecimento activo, enquanto
processo de optimização das oportunidades de saúde,
participação e segurança com vista a melhorar a
qualidade de vida das pessoas à medida que
envelhecem, são os factores relacionados com aspectos
pessoais, onde se incluem, precisamente, os
psicológicos. Da capacidade de resolver problemas e
de se adaptar a mudanças e perdas (inteligência e
capacidade cognitiva), às escolhas pessoais de
comportamentos ajustados e à preparação da reforma,
os indícios de envelhecimento activo e longevidade
contemplam uma articulação estreita entre perdas e
ganhos. As primeiras, potencialmente compensadas
pela sabedoria, pela acumulação progressiva de
conhecimentos e experiências, poderão ser trabalhadas
à luz de programas psicossociais capazes de potenciar,
entre outros aspectos, o desenvolvimento de crenças
de auto-eficácia, o encorajamento de controlo, a
promoção de comportamentos pro-sociais, a estimulação de capacidades cognitivas ao longo do ciclo
de vida e, sobretudo, o reconhecimento e capitalização
das experiências individuais e as potencialidades dos
mais velhos, ajudando-os a melhorar a sua qualidade
de vida e a sua satisfação. Recriar competências,
reconstruir significados em ligação com o tempo
presente e validar objectos de afecto, impõem-se, neste
contexto, como premissas de actuação para quem se
dispõe a trabalhar com os idosos e a promover o seu
bem-estar psicológico.
55
Homens e mulheres apresentam algumas diferenças
em relação às suas adaptações ao envelhecimento,
mas regra geral fazem-no de forma ajustada, não
diferindo muito da população mais jovem no que se
refere à capacidade de resolver problemas. Serão
assolados, sim, por declínios desenvolvimentais mais
acentuados, característicos da última etapa da vida,
que exigem um confronto diário com a diminuição das
capacidades e com o aumento da probabilidade de
acontecimentos não normativos como o aparecimento
de doenças. A articulação com o fracasso, sendo
inerente à aquisição de declínio das competências
individuais, pode efectivamente resultar em
mecanismos de desequilíbrio psíquico, mas este pode
(e é-o muito frequentemente) pautado por
manifestações do potencial individual para motivar
processos compensatórios que assegurem a
continuação de um desenvolvimento possível.
Remetendo-nos, de novo, às palavras de Herman Hesse,
envelhecer possui, tal como qualquer dos estádios da
vida, os seus próprios valores, o seu próprio encanto,
a sua própria sabedoria. Esta, traduzível num
conhecimento factual da pragmática da vida, impõese como uma das grandes vantagens de envelhecer e
como um elemento central para enfrentar qualquer
desafio, logo que devidamente balizado pelas restrições
e potencialidades de um corpo envelhecido, de uma
mente desejavelmente ciente disso, e de uma
sociedade capaz de reconhecer o significado de
envelhecer sem exigir dos seus actores um referencial
de actuação etário que não é o seu.
dossier
esforços adaptativos a reacções negativas é
desconsiderar as capacidades do idoso que canaliza
os seus recursos para o aumento ajustado de
actividades, para o desenvolvimento de projectos, e
que apresenta atitudes de domínio capazes de
promover uma adaptação competente e satisfatória
ao envelhecer. Com efeito, perspectivar a dinâmica
psíquica do idoso não se prende apenas com a
interpretação dos mecanismos inerentes a um ajuste
às perdas; pressupõe, ao invés, contemplar processos
de desenvolvimento conducentes ao crescimento
pessoal e considerar, em simultâneo, a importância de
aspectos como o optimismo disposicional (visão
favorável da vida), a confiança e a segurança enquanto
expressão de um sentimento de integração, de
aperfeiçoamento de competências e de participação
activa e diferenciada na sociedade.
56
A doença do envelhecimento
Lia Fernandes1
lia.fernandes@mail.telepac.pt
Como fenómeno dos tempos modernos, tem-se vindo a assistir a um aumento exponencial da
população idosa em todo o mundo, tendo-se atingido cerca de 580 milhões de pessoas com mais
de 60 anos e prevendo-se que em 2020 se atinja 690 milhões de idosos. Destes, cerca de 171
milhões encontram-se no mundo em desenvolvimento, sendo justamente a fracção que verifica
o crescimento mais acentuado, esperando-se que aumente nove vezes até 2050 (OMS, 2007). Em
todo o mundo, estima-se que seja a faixa etária acima dos 80 anos, a que mais rapidamente se
expande na população idosa.
dossier
O fenómeno de aumento da população idosa decorre
quer do seu crescimento em termos absolutos,
nomeadamente pelo aumento da esperança de vida
(dada a melhoria das condições sanitárias, nutricionais,
cuidados de saúde básicos e avanços da medicina)
quer do seu aumento relativo (dada a baixa de
natalidade) (Castro-Caldas et al, 2005).
Em particular a expectância de vida é determinada
sobretudo pelas doenças, tendo as infecções do século
passado sido erradicadas ou controladas e substituídas
pelas doenças crónicas degenerativas dos tempos
actuais. Assim os indivíduos permanecem saudáveis
por muito mais tempo, aumentando a morbilidade
sobretudo após os 70 anos, tornando-se frequentes as
doenças crónicas e as demências, em particular a
doença de Alzheimer. No que respeita às mulheres,
vivem em média mais sete anos do que os homens,
estando implicados nesta vantagem selectiva, vários
factores como o efeito de cohorte das situações de
guerra; o aumento dos comportamentos de risco de
saúde, para o sexo masculino; ainda a maior propensão
destes para doenças cardiovasculares; a possibilidade
de uma verdadeira vantagem biológica baseada no
género feminino (Moritz et al, 1990; Finch et al, 1996;
OMS, 2007). Qualquer que seja a explicação, existem
mais 15% de mulheres idosas do que homens, sendo
que neste acréscimo de anos de vida se tornam mais
propensas a doenças como artrite, défices visuais e
auditivos e doença de Alzheimer e verificam maior
número de hospitalizações (Verbrugge, 1989; Melding
et al, 2001).
O envelhecimento é geralmente entendido como um
processo de acumulação de mudanças ao longo do
tempo, que desencadeiam ao nível das diversas
estruturas e sistemas de um organismo a perda de
função, o declínio e finalmente a morte. Contudo, dada
a sua subjectividade implica uma fundamentação em
diversas perspectivas. Assim, recorre-se à definição da
idade cronobiológica (Hayflick, 1994), largamente usada
na maior parte das sociedades como discriminante
para atribuição de determinados benefícios ou serviços
sociais; a idade biológica como uma alternativa, hoje
mais sustentada no conceito comum de parecer mais
velho ou mais jovem, ao invés dos registos de saúde
e tendo em conta que o envelhecimento actua em
diferentes células, em diferentes ritmos e em diferentes
pessoas, este conceito apresenta também as suas
limitações; outro conceito, o da idade social,
corresponde às expectativas sobre as normas e papeis
que os idosos devem desempenhar nas sociedades
(Maaka, 1993); por último, a idade psicológica ou o
grau no qual o indivíduo atinge a sua maturidade em
termos de desenvolvimento pessoal. É uma idade que
é frequentemente sentida como décadas inferior à
idade cronobiológica. É por este motivo que grande
parte dos idosos com 80 anos se acha demasiado jovem
para dar entrada em unidades geriátricas.
Não havendo uma única teoria que dê explicação cabal
para o fenómeno do envelhecimento, aceita-se hoje a
existência de um intercruzamento e sobreposição de
diferentes explicações, sendo dado como adquirido a
existência de uma base de programação genética, a
qual é influenciada positiva ou negativamente pelas
circunstâncias ambientais e modificada pelos estilos
de vida tais como o aporte calórico, a nutrição, a
exposição solar, o fumo, o álcool, o exercício físico e os
comportamentos saudáveis (Zeiter, 1999; Kennaway,
1999).
1. Médica Psiquiatra – Assistente Hospitalar Graduada do Serviço de Psiquiatria
do Hospital S. João do Porto (responsável pela Consulta de Gerontopsiquiatria
do referido serviço).
Mestrado e Doutoramento em Medicina/Saúde Mental pela Faculdade de
Medicina da Universidade do Porto.
Investigadora da UNIFAI (Unidade de Investigação e Formação sobre Adultos
e Idosos) da Universidade do Porto.
É vogal da direcção da APG (Associação Portuguesa de Gerontopsiquiatria);
membro fundador e membro da actual direcção do GEECD (Grupo de Estudos
do Envelhecimento Cerebral e Demências); membro da IPA (International
Psychogeriatric Association).
A doença do envelhecimento
Na maior parte dos trabalhos publicados (Lindessay,
1990; Phillips, 1994; Garfein, 1995) sustenta-se que o
envelhecimento, associado com maior número de
comorbilidades e a dificuldade de adaptação
psicológica, aumentam também o risco de
desenvolvimento de problemas mentais, nestas idades
(Gatz et al, 1985; Copeland et al, 2002).
Deste modo, idosos com alta hospitalar recente, são
considerados com maior risco de adoecerem física ou
psicologicamente. Em segundo lugar nesta posição de
desvantagem, estariam os viúvos, os que vivem sós, e
os idosos com dificuldades socio-económicas.
Curiosamente os solteiros e casais sem filhos não
parecem apresentar situações de particular risco
(Pollock, 1981; Taylor, 1994).
Sabe-se igualmente hoje, que o contacto social e uma
boa rede de suporte são extraordinariamente benéficos
para as pessoas idosas, com comprovada vantagem
de aumento da função imunológica, diminuindo deste
modo a vulnerabilidade para certas doenças (Banks et
al, 1994; Wenger, 1997). Nas redes constituídas por
familiares de idosos com nível de necessidades elevado
com situações de grau acentuado de dependência
física ou mental, estabelecem-se situações de maior
isolamento, stress e sobrecarga sobretudo ao nível dos
cuidadores, o que torna emergente uma intervenção
sistémica em termos de saúde mental (Zarit, 1980;
Morris, 1988; Gonçalves-Pereira, 2006). Esta abordagem
poderá assumir uma forma mais clássica do modelo
de intervenção em terapia familiar, ou a aplicação de
modelos de tipo psicoeducacional ou mesmo de
intervenções comunitárias em rede, muitas vezes
envolvendo a própria articulação interinstitucional,
num trabalho que não dispensa uma envolvência
multidisciplinar (De Shazer et al, 1984; Bleathman et
al, 1988; Benbow et al, 1997: Peisah et al, 2006).
57
De qualquer modo, de todos os acontecimentos de
vida no envelhecimento, a doença física, constitui a
ocorrência mais frequente e aquela que marca de forma
mais decisiva este período de vida, tornando-se na
perda mais significativa (Davies, 1996; Shock, 1984;
Busse, 1985; Gijsen et al, 2001; Hill et al, 2002). Os lutos
e as perdas sociais seriam assim relegadas para segundo
plano na importância de ocorrência quando
comparadas com as primeiras (Krause, 1994; Murrel,
1984).
A vertente de incapacidade crónica de uma doença,
está correlacionada directamente com o stress
psicológico, depressão, hospitalização mais prolongada
e suicídio no idoso (Aneshensel et al, 1984; Arling, 1987;
Catel, 1988; Kennedy, 1989; Lindesay, 1990; Hill et al,
2002).
Evidentemente que esta influência tem de ser vista de
uma forma reciprocamente interactiva, isto é, a doença
influencia o indivíduo idoso mas também a forma como
este reage, afecta a evolução e o prognóstico da doença.
dossier
Por outro lado o envelhecimento altera a homeostase
do organismo aumentando a sua vulnerabilidade à
doença. Em todo este processo existe, subjacentemente,
uma resposta individual a nível psicológico. Mesmo
sendo estas alterações de um nível celular e orgânico,
estabelece-se um limite a partir do qual se dá o
reconhecimento individual das mesmas,
desencadeando uma resposta e uma adaptação
(Whitbourne, 1996). Neste sentido foram realizados
dois grandes estudos longitudinais de referência
mundial, sobre cohortes de envelhecimento, o
Baltimore Aging Study (Shock et al, 1984) e o Duke
Longitudinal Study (Busse & Maddox, 1985), tendo
esclarecido sobre os efeitos do envelhecimento
isolados, ou em conjugação com a doença, bem como
sobre as respostas que os indivíduos davam a ambas
situações. Deste modo estabeleceu-se que algumas
perdas eram consequência inevitável apenas do
envelhecimento e não relacionáveis à doença, cujos
processos se desenvolviam muito lentamente. Algumas
outras perdas, de evolução lenta e progressiva deviamse fundamentalmente a doenças como demência tipo
Alzheimer e artrite. As perdas mais repentinas estavam
directamente relacionadas com a doença. Estes estudos
acrescentam que algumas mudanças primárias
desencadeiam outras, secundárias, repercutindo-se
em perdas inevitáveis, às quais o organismo tenta
responder, e que por sua vez, conduzem a mais perdas
ou mudanças. Por último, os factores relacionados com
o estilo de vida, parecem influenciar de forma decisiva
a ocorrência e progressão de doenças relacionadas
com a própria idade (Hayflick, 1994).
A doença do envelhecimento
58
Neste contexto, quando confrontado com a evidência
objectiva de perda de saúde, o idoso reage
frequentemente com um estado de descrença, de raiva
e de sofrimento profundo. E esta primeira apreciação
da realidade torna-se crucial para a resposta
subsequente (Lazarus, 1998).
Trata-se assim de um processo em que são feitas duas
avaliações sequenciadas: numa primeira fase o doente
considera o significado pessoal do agente stressante
e numa segunda fase avalia as opções para mudar a
situação (Folkman et al, 1987).
Na primeira apreciação da situação de doença, são
avaliados múltiplos factores tais como a instalação
aguda, a sequencia evolutiva dos acontecimentos
ligados à doença, o impacto nos papeis sociais
previamente estabelecidos, a percepção individual
desta situação ameaçante, o estado de saúde físico e
emocional inicial do doente, o suporte social percebido,
os traços de personalidade, o sentido de controlo da
situação e por último a percepção do estigma associado
à doença (Ridder et al, 2001; Roech et al, 2001).
dossier
Este processo de avaliação primário do adoecer
influencia e determina o processo de avaliação
secundário, durante o qual se activam os mecanismos
de superação para lidar com a doença, isto é os
pensamentos e as acções usadas para restaurar o estado
individual de equilíbrio psicológico. Este pode ser
readquirido de duas formas fundamentais: a primeira,
modificando a relação entre o indivíduo e o ambiente,
fonte do problema; a segunda regulando a resposta
emocional associada ao mesmo (Folkman, 1980;
Lazarus, 1980, 1998).
São particularmente importantes neste âmbito os
conceitos de auto-eficácia (crença nas competências
individuais para lidar com as situações) e expectativas
de evolução (crença no sucesso das estratégias
envolvidas) (Bandura, 1977; Simper, 1985). É
considerado como determinante de um envelhecimento com sucesso, a existência de uma elevada
crença de auto-eficácia, permitindo uma percepção
da incapacidade funcional, independente da limitação
física (Seeman et al, 1999; Stanton et al, 2001) para
além de um comprovado efeito na melhoria ao nível
das competências imunológicas (Wiedenfeld et al,
1990; Banks et al, 1994). Neste âmbito têm vindo
recentemente, a ser desenvolvidos programas
psicoeducacionais no sentido da promoção e
desenvolvimento destas competências para lidar com
as mais diversas situações de doença crónica
(Gonçalves-Pereira, 2006; Fernandes, 2006).
Lidar com uma doença na terceira idade, é, deste modo,
uma tarefa de grande complexidade envolvendo uma
multiplicidade de factores que condicionam a
apreciação do problema e determinam os processos
de superação do mesmo com as inerentes emoções
envolvidas e de acordo com a própria individualidade
(Lazarus, 1998). Consequentemente cada resposta a
uma doença será sempre única.
Para um idoso a vertente médica de uma doença é
apenas uma pequena parte da história. A resposta
psicológica individual, a capacidade resiliência e a
adaptabilidade afectam o adoecer de cada paciente.
Os aspectos relativos à personalidade tornam-se
determinantes da forma como se procede à avaliação
primária e secundária dos efeitos adversos da doença
e da subsequente adaptação. Mecanismos inadequados de superação, de tipo mais passivo (como
negação, evitamento, regressão e catastrofização),
conduzem a maus resultados, com diminuição do
funcionamento geral e aumento do risco de
incapacidade, levando por sua vez ao prolongamento
das hospitalizações, reduzindo a qualidade de vida e
antecipando a institucionalização (Emery et al, 1981,
1982; Butler, 1991; Devins et al, 1996; Holahan et al,
1996; Wolff et al, 2002).
É por isso, tarefa prioritária dos profissionais de
saúde, compreender antes de mais, como os idosos
respondem, se adaptam e superam a doença, para
então poderem de forma mais adequada intervir
com estratégias para lidar com as dificuldades,
melhorando as possibilidades de resultados
positivos, transformando a intervenção final num
processo verdadeiramente integrador e eficaz
(Fernandes, 2006).
Observatório do Envelhecimento
Filomena Gerardo
Direcção de Acção Social da Santa Casa
da Misericórdia de Lisboa
59
Este artigo ilustra o trabalho desenvolvido no âmbito do Observatório do Envelhecimento da
Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, dando conta dos seus objectivos, projectos em curso, e
potencialidades, numa instituição que incorpora na sua missão o combate à pobreza contribuindo
para a promoção da inclusão social da população mais idosa. Este Observatório, criado com o
intuito de analisar as problemáticas ligadas ao Envelhecimento, tem o seu foco de observação
privilegiado na cidade de Lisboa que é o seu território de intervenção principal.
Podendo a cidade de Lisboa ser considerada uma
cidade sénior, verifica-se a necessidade de aprofundar
o estudo sobre o fenómeno do envelhecimento, assim
como a diversificação, o aperfeiçoamento e o
incremento das respostas sociais que são o suporte de
apoio para a população mais idosa. A pertinência de
um Observatório do Envelhecimento à escala da cidade
de Lisboa, no quadro de uma experiência de articulação
com outros actores públicos e privados que partilham
as mesmas preocupações constituem condições
favoráveis e passíveis para o desenvolvimento de um
trabalho de planeamento estratégico, sustentado em
análises prospectivas de base territorial.
Com vista a responder às necessidades emergentes
colocadas pelo aumento do número de idosos na
cidade, a Misericórdia de Lisboa dispõe de um largo
espectro de actividades no domínio da Acção Social
local, com recursos humanos especializados e
numerosos equipamentos, habilitados por diversas
valências, parte significativa dos quais com valências
para aquela população.
Até há pouco tempo as respostas sociais mais
frequentes para a pessoa idosa eram configuradas pelo
Centro de Dia, pelo Apoio Domiciliário e pelo Lar.
Estas respostas que se mantêm imprescindíveis,
contudo, têm sido complementadas por outras que
emergem no sentido de dar solução a outro tipo de
necessidades da população idosa, tais como, respostas
de apoio temporário, como é o caso das residências
temporárias, assim como, alternativas habitacionais,
como é o exemplo das residências assistidas.
Deste modo, a maior longevidade e a heterogeneidade
do envelhe- cimento conduz há necessidade de adaptar
as respostas sociais existentes, dimensionando-as à
medida das necessidades de cada pessoa idosa.
Conhecer a realidade para agir melhor:
Observatório do Envelhecimento
Os observatórios são instrumentos auxiliares da
comunidade em geral, e dos decisores institucionais
em particular, cujos resultados podem apoiar a
formulação de propostas concretas para questões
específicas que são passíveis de ser estudadas. Podem
identificar-se como objectivos genéricos de um
Observatório os seguintes: conhecer a realidade
efectiva dos fenómenos, perspectivar a sua evolução,
tornar esses mesmos resultados acessíveis de forma a
apoiar a tomada de decisão. Estes são alguns dos
objectivos de apoio ao planeamento e à gestão.
Do ponto de vista da construção do conhecimento
o Observatório pode constituir e melhorar continuamente um banco de conhecimento sobre
fenómenos estudados, assim como promover a sua
disseminação.
É neste contexto que a SCML se propõe criar o Observatório do Envelhecimento fruto de um processo de
reflexão e discussão sobre a necessidade de promover
a sistematização de conhecimento interno e sobre o
ambiente externo no âmbito do fenómeno do
envelhecimento.
A criação deste instrumento de produção e gestão de
conhecimento surge ainda, e tal como enfatiza Estivil
(2007:5) “da necessidade de dar visibilidade e de
aprofundar o conhecimento sobre os fenómenos de
dossier
A pertinência de analisar o envelhecimento
Observatório do Envelhecimento
60
pobreza e exclusão social; do aumento do interesse
em explorar novos métodos de análise e monitorização
de fenómenos e da crescente importância da
planificação social, do sistema de indicadores,
diagnóstico e avaliação da acção”.
A pertinência de um Observatório do Envelhecimento
no contexto da SCML consiste na possibilidade deste
apoiar a investigação numa óptica da pesquisa acção.
Em suma contribuir para a construção de um espaço
de reflexão que permita levar à adequação das
respostas em termos da oferta de Serviços e
Equipamentos, de forma ajustada e com qualidade às
necessidades dos actuais e potenciais utentes.
Perante a emergência de novas problemáticas ligadas
ao envelhecimento e as mutações sociais, que ocorrem
a um ritmo acelerado, torna-se imprescindível que
sejam pensadas medidas e programas prospectivos
para responder aos novos desafios. O Observatório do
Envelhecimento constitui-se, assim, como um
instrumento para a produção de conhecimento sobre
as mudanças sociais e para apoiar a Direcção de Acção
Social da SCML na (re)definição de formas de
intervenção cada vez mais ajustadas às necessidades
e capacidades das pessoas idosas.
A observação das dinâmicas sociais sobre o
envelhecimento nos equipamentos da SCML e na
Cidade de Lisboa, permite conhecer a evolução do
fenómeno, a sua expressão territorial na cidade, a
configuração de modos de vida diferenciados, as
condições objectivas de existência, as necessidades
emergentes que configuram formas de envelhecer
diferenciadas e que importa conhecer e compreender
para melhor adaptar as respostas existentes e promover
a criação de novas respostas.
Deste modo, delineou-se um modelo de recolha de
informação e produção de conhecimento, assim como
actividades e acções que dão forma e estruturam o
Observatório.
Deste modo, o Observatório visa a sistematização e
produção de informação e conhecimento proveniente
de fontes de vária ordem (estatísticas, bibliográficas,
temáticas, etc.), para informar/formar os vários
interventores e apoiar os decisores internos.
Modelo do Observatório do Envelhecimento SCML
Base do conhecimento do
Observatório do Envelhecimento da SCML
dossier
Informação interna
Quantitativa e qualitativa
Fontes de
informação
Produtos
Produção de relatórios temáticos
Adaptação e divulgação de boas
práticas
Projectos de investigação
Newsletter
Bases de Dados Bibliográficas
Informação externa
INE
Observatórios Nacionais e
Estrangeiros
Centros de Investigação nacionais e
Estrangeiros
Bibliotecas/literatura científica
Políticas Sociais
Rede Social
Observatório do Envelhecimento
Organização de sessões de partilha de experiências
e resultados de intervenção
No sentido de promover a disseminação de boas
práticas ao nível interno, promovem-se sessões de
partilha e benchmarking interno. (Ex: Realizou-se uma
sessão entre Serviços de Apoio Domiciliário, cujo
objectivo foi o de promover o inter-conhecimento de
serviços e a partilha de boas práticas sobre a redução
do isolamento de pessoas idosas).
Constituição de bases de dados
Assente na pesquisa regular sobre bibliografia1, artigos
e informação de sites Gerontológicos e Geriátricos e
indicadores quantitativos na área do envelhecimento
têm-se constituído bases de dados com informação.
Edição e divulgação de uma Newsletter
Com o propósito de reforçar a comunicação interna e
de se constituir como um instrumento informativo/
formativo, sustentada pela recolha de informação e
notícias na área do envelhecimento, foi criada uma
Newsletter, com uma periodicidade trimestral2.
Estabelecimento de parcerias formais e informais
Um dos grandes objectivos do Observatório é o de
promover e potenciar relações entre a SCML e
instituições externas com interesse relevante em
matérias de investigação ou boas práticas no âmbito
da gerontologia3. Com vista à concretização desse
objectivo o Observatório tem estabelecido contactos
com entidades nacionais e internacionais com vista a
aperfeiçoar práticas de intervenção e à adequação
permanente das respostas à diversidade e
complexidade das necessidades colocadas pelos idosos
e suas famílias.
Realização de estudos temáticos
No quadro das parcerias nacionais firmadas foi
desenvolvido um estudo em colaboração com o Centro
de Estudos Territoriais do ISCTE sobre cuidadores
informais4, cujo principal objectivo foi o de aprofundar
o conhecimento sobre o perfil e necessidades dos
cuidadores informais (familiares, vizinhos ou amigos),
no sentido de adaptar e/ou criar serviços de suporte
à actividade de apoio à prestação de cuidados.
Georeferenciação na área do envelhecimento
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, está a
incorporar um Sistema de Informação Geográfica5 no
contexto da actividade do Observatório de
Envelhecimento. Este sistema tem por objectivo a
criação e gestão de informação, produzindo
conhecimento através de indicadores geo-
referenciados ao território, potenciando assim
um novo conhecimento sobre o fenómeno do
envelhecimento. Este sistema constitui-se como uma
ferramenta que aumenta a rapidez e a eficácia na
articulação de dados de diferente natureza
como sejam, por exemplo, dados socio demo- gráficos
do Censos do INE, dados da Carta Social sobre
equipamentos sociais, informação sobre serviços
públicos e privados, equipamentos de lazer,
acessibilidades, entre outros, levando assim à
construção de vários tipos de análise mais ou menos
complexas e interligadas entre si.
61
Este sistema de georreferenciação de fenómenos no
território possibilita uma análise multi- dimensional e
interdisciplinar, facilitando a compreensão da
estruturação do envelhecimento ao nível do território.
Este instrumento de gestão da informação, com a maisvalia de estar associado ao território, permite apoiar o
planeamento e a gestão de novas respostas sociais em
função da evolução do fenómeno do envelhecimento.
Permite apoiar a decisão para a criação de respostas
sociais de modo mais fundamentado. Trata-se de um
sistema que vem potenciar a aptidão de gestão da
informação, aumentando e aprofundando o
conhecimento sobre as realidades sociais na cidade
de Lisboa, introduzindo mais uma variável explicativa
– o território de intervenção.
Em suma o Observatório do Envelhecimento da SCML,
nesta fase de desenvolvimento, pretende constituirse como um instrumento de reflexão interna e de
aprofundamento de questões relacionadas com o
envelhecimento, que sejam potenciadoras de melhorias
na prática profissional dos técnicos com vista a
contribuir para uma maior qualidade de vida dos
cidadãos mais idosos.
Bibliografia
AVV, 2000, “Conhecer melhor para Agir melhor – A experiência dos
Observatórios” , Actas do Seminário, Évora, 4 e 5 de Maio.
Estivil, Jordi, 2007, Panorama de los observatórios sobre a luta contra a
pobreza - aportaciones para el observatório de luta contra a pobreza
na cidade de Lisboa, REAPN (policopiado)
Guerra, Isabel, 2003, Plano Estratégico da Acção Social 2004-2008 – CETCESIS, (policopiado)
1. A bibliografia recolhida assume um carácter generalista, mas também se
encontra organizada temáticas como exemplo refira-se: cuidadores informais,
processo de envelhecimento, abuso e mau-trato a idosos, saúde, trabalho
interdisciplinar, entre outros.
2. A Newsletter é composta por secções de artigos, bibliografia e sites temáticos
e por notícias (onde são divulgados eventos, cursos de formação, seminários,
congressos, etc.).
3. Centro de Estudos Territoriais do ISCTE, Ministério da Administração Interna;
Fundação Matia (Espanha), Project Mundial sur la participation des aînés aux
décisions (rede internacional no quadro de actuação da ONU).
4. Trata-se do Estudo Prospectivo sobre à adequação de respostas às necessidades
dos cuidadores informais dos utentes idosos da SCML, cuja apresentação se
encontra neste número da Revista Cidade Solidária.
5. Esta colaboração decorre da assinatura de um Protocolo e da parceria a Acção
3 do EQUAL, no âmbito da disseminação do Sistema de Monitorização do
Ministério da Administração Interna Referência de enquadramento à EQUAL
dossier
No sentido de responder aos seus objectivos o
Observatório de Envelhecimento realiza várias
actividades e produtos:
62
Envelhecimento no distrito da Guarda
Dina Cruz
UBI_CES
Subordinado ao tema do envelhecimento demográfico e as suas consequências sociais, foram
organizadas pelo Núcleo Distrital da Guarda da REAPN duas mesas redondas com o objectivo de
caracterizar e diagnosticar neste mesmo território a temática em causa. Através da utilização da
técnica de brainstorming, foi possível diagnosticar alguns problemas sociais que afectam os mais
velhos no distrito da Guarda. Participaram nesta discussão técnicos de IPSS que trabalham
directamente com idosos, responsáveis e técnicos de projectos cuja intervenção recai sobre este
grupo-alvo e representantes de autarquias locais.
Quando é debatida a temática do envelhecimento é
inevitável abordar a vulnerabilidade a que muitos
idosos estão sujeitos devido aos fracos recursos
económicos que possuem devido, sobretudo, à
principal, e muitas vezes única, componente de receita
económica ser originária de pensões cujos valores são
reduzidos.
dossier
A mutação das relações sociais contribui para o
agravamento dos problemas que os idosos enfrentam
nos nossos dias, nomeadamente no que se refere à
falta de suporte familiar. A nível familiar várias
transformações se verificaram, os papéis dentro das
próprias famílias também alteraram e deu-se um
afastamento geográfico. Por outro lado o Estado não
incentiva nem apoia o suporte da família ao idoso,
nem em termos financeiros nem na disponibilização
de formação específica dirigida a familiares que cuidam
dos idosos não institucionalizados, no sentido de os
capacitar para responderem às especificidades que
afectam os idosos. Todavia, a falta de suporte familiar
não se verifica somente em casos de idosos não
institucionalizados. Quando a institucionalização
acontece, segundo os presentes, a família deixa de se
envolver tão assiduamente nas questões dos seus
idosos, chegando a desresponsabilizar-se totalmente
pelo seu cuidado, deixando exclusivamente para as
instituições esta responsabilidade.
Associada aos dois pontos anteriores surge a solidão:
um dos maiores problemas sociais que atinge os idosos.
Tal acontece derivado de uma série de motivos, alguns
já aqui mencionados como o afastamento geográfico
dos familiares e as suas responsabilidades profissionais,
os fracos recursos económicos e outros como a falta
de mobilidade dos idosos, as relações sociais de
vizinhança enfraquecidas, etc.
Muitas são as imagens sociais relacionadas à velhice
e, infelizmente, aquelas que se destacam normalmente
não são as positivas. Este estigma social associado à
velhice é muitas vezes veiculado pelos próprios idosos.
Esta auto-imagem é, de algum modo, reforçada pela
sociedade e também pelas próprias famílias e
instituições de apoio ao idoso que minimizam as suas
capacidades e a sua importância para a sociedade,
chegando mesmo a infantilizá-los retirando-lhes poder
de decisão.
Os presentes nas sessões referiram que a mudança
social tem de ser feita localmente, através da
implementação de políticas sociais locais dirigidas a
idosos tendo em conta o contexto de cada Concelho,
pois cada território possui recursos e potencialidades
que poderão ser revertidas a favor de ofertas aos idosos
com maior qualidade.
Nota:
As conclusões das Mesas Redondas (Guarda e Pinhel)
podem ser consultadas em
http://www.reapn.org/agenda_visualizar.php?ID=140
Alguns dados demográficos do distrito
da Guarda
Índice de envelhecimento: 185,2
Índice de dependência de idosos: 40,7
Índice de dependência de jovens: 22
25% de pessoas com 65 ou mais anos
6,4% de pessoas com 80 ou mais anos
Fonte: Dados trabalhados a partir de informação do INE,
Censos 2001
Inclusão Activa
Júlio Paiva
julio.paiva@reapn.org
Uma estratégia integrada
63
A EAPN esteve sempre fortemente envolvida na discussão promovida pela Comissão Europeia
sobre Inclusão Activa. Esta iniciativa foi acolhida favoravelmente no seio da organização e foi
considerada como uma excelente oportunidade para um novo impulso na luta contra a pobreza
e a inclusão social, promovendo a noção de inclusão activa - conjunto de políticas públicas que
associam o acesso a um rendimento mínimo adequado, acesso ao emprego, quando esta opção
é viável e acesso a serviços de qualidade. Estas propostas, na opinião da EAPN, apresentam uma
série de potencialidades e a sua discussão e compreensão é um objectivo primordial para as redes
nacionais, assim como a sua aplicação prática. A EAPN entende que esta discussão é tanto mais
importante quanto, no contexto político actual, a Inclusão Activa fica reduzida em grande parte,
ao reforço das políticas de activação.
Activa frente aos decisores políticos, constituindo
uma primeira etapa da estratégia da lobby da
organização no que concerne a este tema, visando
influenciar o conteúdo dos “Princípios comuns”
adoptados pelo Conselho da Europa.
• Reforçar as capacidades no seio das redes nacionais,
no que toca à Inclusão Activa (tomada de consciência
das potencialidades políticas da iniciativa da
Comissão; troca de experiências entre organizações,
onde a acção integrada reflecte a noção de inclusão
activa).
Com base no documento “Propostas da EAPN relativas
aos princípios alternativos de inclusão activa” poderemos
fazer o resumo das posições da organização após todo
o processo iniciado em 2006 pela Comissão.
Para a EAPN, em matéria de inclusão activa, deve existir
sempre um conjunto de princípios dominantes, que
devem enquadrar este tema nos Direitos do Homem:
ou seja, no respeito pela dignidade humana tal como
está consagrado em vários documentos tais como o
Tratado de Roma e a Declaração Universal dos Direitos
do Homem, Tratado de Lisboa (através da Carta
Europeia dos Direitos Fundamentais) e da Convenção
para a Protecção dos Direitos Humanos e das
Liberdades Fundamentais do Conselho da Europa.
Trata-se fundamentalmente de reconhecer de que
todos os seres humanos são intrinsecamente
respeitáveis, independentemente da idade, género,
origem social ou étnica, religião ou orientação sexual,
“Todos são membros da família humana”1. Este respeito
A ausência de toda a discriminação
Toda negação dos direitos fundamentais do homem a
uma vida digna representa uma discriminação. A este
nível convêm lembrar a existência de duas directivas
comunitárias que definem uma série de princípios que
salvaguardam as pessoas no seio da U.E. como um
nível mínimo de protecção jurídica contra toda e
qualquer forma de discriminação - a Directiva sobre
Igualdade Racial e a Directiva Quadro sobre o Emprego.
O respeito pelas necessidades e preferências do
indivíduo
O reconhecimento de obstáculos específicos à
realização de certos direitos fundamentais: remuneração adequada, acesso a serviços de qualidade,
trabalho decente e o direito a participar enquanto igual
na vida social.
Uma abordagem holística, multidimensional e
integrada
A multidimensionalidade dos fenómenos da pobreza,
obriga a que a abordagem da inclusão activa seja
encarada como fazendo parte de um pacote integrado,
onde os seus três pilares sejam interpretados de
maneira global. Se não for esta estratégia corre o
risco de instrumentalizar os pobres ao insistir
exageradamente no “valor económico” através de fortes
medidas de activação, mais do que no reconhecimento
do “valor humano”.
1.
Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem
europa
• Promover e divulgar a visão da EAPN sobre a Inclusão
pela dignidade humana reconhece implicitamente
que, nenhuma pessoa deve ser tratada como um meio,
mas sim como um fim, nenhum ser humano deve ser
instrumentalizado, nem visto apenas como um valor
económico. Deste conjunto de princípios genéricos
sobressaem ainda:
notícias da rede
Com base nestes pressupostos as Task Forces da EAPN
da Inclusão Social, do Emprego e dos Fundos
Estruturais, organizaram em colaboração com a EAPN
França um seminário sobre esta temática, no dia 13 de
Junho em Paris, com dois grandes objectivos:
Inclusão Activa
64
Participação e inclusão
Participação activa de todas as partes. A estratégia de
inclusão activa integrada não terá o sucesso desejado,
se as pessoas directamente implicadas não forem
envolvidas em todas as fases da implementação das
medidas (da concepção à avaliação). A participação
neste sentido não é apenas um elemento acoplado,
mas uma parte essencial da eficácia das políticas.
notícias da rede
europa
Os três pilares da inclusão activa foram objecto de
tratamento diferenciado em grupos de trabalho
específicos. As principais conclusões subscreveram
genericamente o documento – base já referenciado:
O rendimento mínimo adequado deve garantir um
nível de vida conforme a “dignidade humana”,
particularmente num contexto de agravamento da
inflação e dos preços. Se entendermos “nível adequado”
a recomendação 92 da Declaração dos Direitos do
Homem: “os recursos suficientes e uma assistência social
para viver conforme a dignidade humana” ou ainda no
Relatório conjunto sobre inclusão social de 2002: “rendimento adaptado e de recursos que permitam viver em
dignidade humana… e participar na sociedade enquanto
membro de corpo inteiro”, percebemos claramente, que
o nível e a medida dos rendimentos deve ser relativo,
adaptado às circunstâncias de cada Estado membro, ou
mesmo ao nível regional/local, reflectindo assim os
diferentes níveis de vida, contudo, o limiar da pobreza
representa por si mesmo um indicador relativo, (60% do
rendimento mediano dum país ou duma região). Este
rendimento terá igualmente de ter em conta, outros
factores, tais como as diferenças entre agregados
familiares e os diferentes grupos–alvo desta intervenção
(famílias monoparentais, imigrantes, pessoas portadoras
de deficiência…). Contudo, o desafio principal consistirá
em garantir as necessidades destas pessoas no seu
quotidiano assegurando um rendimento adequado e
definir critérios–chave para definir um “pacote” a partir
do qual se possa estabelecer os custos relativos a serviços
e produtos de base reconhecidos e adaptados a contextos
nacionais e regionais, para “uma vida com dignidade”.
A este nível é interessante ter em conta o projecto da EAPN
Irlanda sobre o estabelecimento de mínimos sociais, com
o recurso a focus groups onde participavam pessoas em
situações de pobreza e pessoas com um rendimento
considerado razoável, para definir “rendimento
adequado”. A EAPN preconiza também o estabelecimento de normas financeiras indexadas de níveis de
rendimentos adequados, que sejam alvo de uma
avaliação regular e que possam constituir um instrumento
para “medir” este rendimento em cada país/região.
Independentemente do valor atribuído, existem outros
princípios-chave, que na opinião da EAPN deverão
estar presentes na aplicação deste pilar fundamental
da inclusão activa:
1) A separação da atribuição do rendimento adequado
em relação á obrigação de aceitar, não importa que tipo
de trabalho, sem ter em conta o seu valor financeiro ou
os custos sobre o plano social e pessoal. Esta obrigação
do direito a um rendimento mínimo adequado
indexada a uma definição estreita do “make work pay”
ou “ disponibilidade activa para o trabalho”, vai contra
o respeito pelas capacidades do indivíduo de
determinar quais são as opções que o poderão ajudar
a melhorar a sua qualidade de vida. Neste sentido, é
sempre positivo sublinhar o direito ao trabalho, mas o
trajecto de inclusão deve ser entendido como uma
procura para um trabalho digno, estável e atraente,
este tipo de posição reforça, muitas vezes, a
desconfiança e acentua a comunicação negativa entre
os serviços de Emprego e as pessoas que estes serviços
tentam ajudar.
2) Clareza, transparência e eficácia. Todos os sistemas
implementados ao nível da U.E. relativos à atribuição
do rendimento mínimo adequado, devem tender para
a simplificação, demonstrando processos e resultados
transparentes e insistindo fortemente sobre o
melhoramento dos meios a utilizar, para garantir a
eficácia destas políticas públicas.
3) Continuidade. Criar condições para garantir um
rendimento adequado, às pessoas que transitam de
situações de beneficiários de um subsídio para um
trabalho e vice-versa, tornando a sua vida quotidiana
imprevisível ao nível dos rendimentos.
4) Tornar o trabalho atraente. Através do estabelecimento de uma hierarquia positiva entre rendimento
e salário: recorrer ao rendimento social adequado como
um instrumento positivo, garantindo a segurança
necessária à activação, onde os subsídios deveriam
servir de motivação positiva para fazer face aos custos
e riscos durante um período de desemprego. A ligação
entre rendimento adequado e salário mínimo deve
centrar-se nos direitos e esta ligação será mais eficaz,
criando uma hierarquia progressiva com base no
rendimento adequado, e que assegure que o salário
mínimo seja fixado de maneira significativa a um nível
superior.
Outro pilar da Inclusão Activa, diz respeito ao direito a
ter acesso a um trabalho decente e a uma participação
plena na sociedade. Este pilar assenta no direito ao
trabalho mais do que na obrigação para o trabalho e
baseia-se no pressuposto de que as pessoas desejam
trabalhar, ser úteis à comunidade e zelar pelo bem-
Inclusão Activa
Ter um trabalho decente implica uma aprendizagem
ao longo da vida e um suporte por parte das entidades
competentes na promoção de um trabalho estável e
O último pilar da inclusão activa, diz respeito ao direito
ao acesso a serviços sociais acessíveis e de qualidade,
como suporte à inclusão, respeitando a dignidade
humana, a segurança e com especial atenção aos
grupos mais vulneráveis. Neste capítulo, a EAPN faz
ainda referência à responsabilização dos utilizadores
e à participação nas decisões por eles tomadas, no que
diz respeito às opções de cada consumidor, em especial
os mais desfavorecidos, num processo que implique a
planificação e a coordenação de todos os serviços
sociais indispensáveis ao bem-estar de cada um e como
suporte fundamental para a inclusão: saúde, educação,
transportes, energia e os serviços mais implicados no
processo individual de cada pessoa a incluir: emprego,
formação profissional.
O acesso a um rendimento mínimo adequado e a
serviços sociais de qualidade representam a base que
garantirá as pré-condições essenciais para uma
activação eficaz e verdadeiramente inclusiva.
Encontro Europeu
de Pessoas em Situação de Pobreza
Júlio Paiva
julio.paiva@reapn.org
Fazer ouvir a voz daqueles que são confrontados com a pobreza, perante aqueles que elaboram
políticas que visam reduzir a pobreza e a exclusão social ao nível dos Estados Membros da União
Europeia e encorajar o desenvolvimento de actividades de inserção de grupos marginalizados no
processo de procura de soluções e na formulação de estratégias e de medidas que visam melhorar
a sua situação, foram os principais objectivos do 7º Encontro das Pessoas em Situação de Pobreza,
realizado em Bruxelas, nos dias 16 e 17 de Maio.
Foi por iniciativa da Presidência Belga em 2001, que se
iniciaram estes Encontros, inspirados nas experiências
de participação que se desenvolveram desde 1994
neste país, particularmente através dos relatórios anuais
sobre pobreza redigidos em conjunto com pessoas em
situação de pobreza, o governo belga propôs a
organização de uma reunião ao nível dos estados da
U.E. A principal conclusão desse encontro, foi a
demonstração de competência e capacidade de análise
dos delegados face aos fenómenos de exclusão, assim
como a capacidade de revindicação e de formulação
de propostas para aumentar os níveis de participação
65
europa
O processo de activação implica a análise correcta dos
obstáculos colocados no caminho para a inclusão de
cada indivíduo, reconhecendo os direitos das pessoas
e a valorização das suas opções, este processo terá
necessariamente de ser individualizado, na medida
do possível, “feito à medida” e ter em conta a
multidimensionalidade dos problemas.
de qualidade, respeitando as necessidades de cada
um, estas dimensões só serão alcançáveis se houver
uma verdadeira parceria integrada de todos os
parceiros: serviços sociais, empresas, sindicatos e das
próprias pessoas.
nas decisões que afectam as suas vidas.
Em 2003 a Presidência Grega retomou esta iniciativa,
confiando à EAPN a preparação do Encontro. Nesse
ano, o tema central do debate foi as “boas práticas
em matéria de participação”. Neste encontro, ficou
demonstrada a impor tância dos processos
participativos e da experiência pessoal dos próprios
delegados, com um apelo final, dirigido às entidades
nacionais e europeias: as pessoas em situação de
pobreza expressaram a vontade e a exigência de
diálogo com os decisores das políticas que lhes são
dirigidas.
notícias da rede
estar da sua família. As políticas de activação devem
assentar numa visão que favoreça a responsabilização
e a motivação para que as pessoas em situação de
pobreza melhorem as suas competências e as suas
capacidades, a sua saúde física e mental e que
estabeleçam contactos sociais tendentes à participação
e ao exercício da sua cidadania. A via da Obrigação,
favorece à visão dos “pobres que merecem e os que não
merecem, dos que estão aptos para o trabalho e daqueles
que não querem trabalhar”, uma verdadeira política de
activação inclusiva deverá insistir no apoio e
acompanhamento necessários à inclusão social,
investindo em recursos que visem a integração no
mercado de trabalho como elemento de promoção
social num sentido mais largo.
Encontro Europeu
notícias da rede
europa
66
O Encontro de 2004, permitiu desenvolvimentos
importantes em matéria de preparação das delegações
nacionais, tendo como tema a participação enquanto
processo plural. Este encontro foi ainda marcado pela
inversão da lógica organizacional dos anteriores. As
“autoridades” são consideradas como “convidadas” das
pessoas em situação de pobreza, modificando a
concepção até aí em vigor, por outro lado, são ainda
participantes nos workshops organizados durante o
encontro, para promover “as trocas directas” de opinião,
sendo o fim do encontro consagrado a um debate
aberto entre os delegados e os decisores políticos.
Deste encontro resultou um DVD com entrevistas aos
participantes de diversas nacionalidades, tendo sido
largamente utilizado pelas redes nacionais da EAPN
para sensibilizar os decisores políticos a promover
encontros nacionais e regionais, que a partir desse ano
começaram a ser progressivamente promovidos.
A evolução das temáticas desenvolvidas ao longo dos
encontros determinou que a Presidência Luxemburguesa promovesse um 4º encontro sobre a
“percepção da pobreza”. Tratava-se de debater o “olhar”
dos diversos actores sobre este fenómeno, em
particular o papel dos media. As diferentes delegações
levaram diversos materiais alusivos à “imagem da
pobreza” que serviram para a realização de uma
exposição sobre o tema e a publicação de um catálogo.
O 5ª Encontro, significou um regresso às questões de
base. Sobre a Presidência Austríaca, o tema escolhido
foi: “Como vivemos o nosso dia a dia”. O trabalho
desenvolvido na fase de preparação acentuou, no
decorrer do encontro, toda a força e o dinamismo dos
delegados, que apresentaram durante a sessão plenária
um cartaz, que representava a sua experiência, bem
como a sua visão da situação no seu país e do seu
próprio processo participativo.
Em 2007, o 6º encontro, propôs-se fazer um balanço
de todo o trabalho realizado durante todos estes anos
ao nível nacional e europeu. Sobre a Presidência Alemã,
e intitulado: “Progressos realizados, etapas futuras”, o
Encontro teve como metodologia a visualização do
tema escolhido através de objectos simbólicos, sem
minimizar os progressos conseguidos até então. Os
delegados sublinharam que o objectivo da erradicação
da pobreza até 2010 não se vislumbra possível, bem
pelo contrário, os sinais visíveis da pobreza e da
exclusão social aumentaram.
A participação portuguesa
A REAPN acompanhou a realização destes encontros
desde o início e foi parceiro activo em todo este
processo. A organização da delegação portuguesa teve
um processo evolutivo que foi acompanhando toda a
dinâmica europeia: se em todos os encontros as
delegações foram essencialmente constituídas por
pessoas em situação de pobreza e exclusão social ou
que em algum momento da sua vida experienciaram
estas situações, a sua preparação, composição, âmbito
geográfico e implicação em processos participativos
foi evoluindo ao longo dos anos.
As primeiras delegações foram constituídas em torno
do trabalho desenvolvido pelos núcleos da REAPN,
que foram implicando pessoas em situação de pobreza
em projectos que os próprios núcleos acompanharam
ou desenvolveram. Com o decorrer dos anos e
particularmente a partir de 2004, o projecto Activar a
Participação, teve um papel importante, particularmente na mobilização de pessoas em situação de
pobreza em processos participativos em quatro distritos
do país: Porto, Braga, Coimbra e Évora. As delegações
entre os anos 2004 e 2007 foram compostas por
delegados implicados neste projecto.
Ainda em 2007, o efeito da multiplicação em várias
redes nacionais destes encontros, proporcionou à
REAPN a realização de três fóruns Regionais com
pessoas em situação de pobreza e/ou exclusão social.
A realização deste evento tripartido (Norte, Centro e
Sul) seguiu uma metodologia e uma organização
análoga aos encontros europeus, tendo em conta a
representatividade de cada um dos distritos (mesmo
número de delegados) e seguindo uma estratégia de
participação das pessoas em situação de pobreza,
tendo em conta eixos fundamentais de actuação: reforço da democracia pela participação co-responsável da
sociedade civil; ter no princípio da subsidiariedade
uma orientação primordial; observar, monitorizar e
avaliar de uma forma participada todos os resultados;
promover a escuta e a dinamização da participação
activa de todos os cidadãos, particularmente dos que
enfrentam situações de pobreza e exclusão social. Foi
a partir dos fóruns regionais que se organizou a
delegação ao 7º Encontro Europeu, inaugurando um
processo de selecção a partir de assembleias de pessoas
em situação de pobreza.
O 7º Encontro teve como temática o debate sobre os
quatro pilares centrais da luta contra a pobreza: os
serviços sociais, os serviços de interesse geral, a
habitação e o rendimento mínimo. Esta delegação foi
composta de 4 elementos (além do coordenador
nacional) com delegados de Viana do Castelo, Leiria,
Lisboa e Portalegre. O relatório deste encontro será
brevemente disponibilizado em português na página
da Internet da REAPN, com as principais conclusões e
recomendações às entidades presentes. Será no
entanto interessante, embora apenas com um carácter
Encontro Europeu
Em relação a Portugal, parece-me urgente, deixar
de dar cursos de formação, os quais não são
utilizados, ou então dá-los mas colocar de imediato
as pessoas nas respectivas áreas, melhorando assim
a falta de emprego. É necessário aumentar o
ordenado mínimo nacional visto este não dá para
viver. Das duas uma, ou se come ou se paga a renda,
água e luz. Na habitação é necessário haver um
controlo por parte do estado; deveriam de existir
regras para o valor a aplicar as rendas das casas.
Nós, os considerados pobres, temos de deixar de ter
vergonha, não somos ou estamos pobres porque
queremos (na maior parte das vezes) mas sim,
porque não nos são dadas condições. Devemos
procurar informação para sabermos a que temos
direito, só assim podemos exigir ajuda. Actuando
assim estamos a contribuir para o bem-estar de
todos. Estando bem somos agradáveis uns para os
outros! Trabalhamos de boa vontade! Temos mais
saúde! Educamos melhor as nossas crianças e jovens!
Estamos mais disponíveis para olhar pelos mais
velhos! Estamos mais aptos a respeitar o ambiente!
Enfim, seremos felizes!!!”
“Sobre o evento em que participámos, gostei do
contacto com as pessoas de línguas diferentes e que
apesar de ser assim acho que se conseguiu uma
comunicação entre todos. Espero que tudo o que foi
dito venha a servir para sensibilizar os Srs. da União
Europeia. Esperando também que todos os países
da U.E. venham a aderir ao Rendimento Mínimo
Garantido. Também gostava que com tudo o que
ouviram os Srs. Comissários da U.E. presentes neste
evento, de todos os problemas existentes em toda
U.E., entre as pessoas mais carenciadas, que
começassem a actuar para pelo menos minimizar
alguns dos problemas que foram citados”.
“Realmente fiquei emocionado com todo aquele
evento em defesa dos pobres e ao mesmo tempo
também fiquei comovido da maneira como as
pessoas exprimiam, dizendo a verdade de tudo
aquilo que se passa nesta velha Europa.”
Os Encontros Europeus de Pessoas em Situação de
Pobreza contêm um historial significativo sobre o
processo de Participação, iniciado em 2000 na
Assembleia-geral da EAPN em Barcelona, que definiu
este processo como sendo: “Uma parte essencial da
estratégia de inclusão “. O grupo de Trabalho sobre a
questão da Participação da EAPN, cujo principal
objectivo é a reflexão sobre esta questão fez uma
análise cuidada sobre os progressos obtidos e
“componentes-chave” em todo este processo e a sua
evolução desde 2001:
67
• A posição central que as Pessoas em Situação de
Pobreza ocupam nestes Encontros.
• A vontade cada vez maior das Pessoas em Situação
de Pobreza de dialogar com os decisores políticos
e a sua implicação.
• O carácter recorrente dos Encontros. Desde 2002,
que se realizam ininterruptamente.
• O efeito multiplicado. Um número crescente de
redes nacionais realiza à escala nacional, regional e
local, encontros centrados na participação e no
diálogo com as instâncias políticas e com os técnicos
e ou dirigentes das instituições.
• O aprofundamento da fase preparatória aos
Encontros, assim como a possibilidade da sua
continuidade.
• O recurso a metodologias criativas favorecendo a
europa
“Considero importante encontros desta natureza,
para nos dar a conhecer um pouco a realidade dos
diversos países. É verdade que nos apercebemos que
alguns estão, a todos os níveis sociais, num patamar
mais elevado que o nosso, com eles podemos
aprender a melhorar as nossas condições e formas
a aplicar. Encontrei países, infelizmente, muito piores
que o nosso.
A evolução do processo de participação
expressão de todos os presentes.
• A publicação de comunicados das Presidências
Europeias aos Conselhos de Ministros sensibiliza
esta instituição à colocação da questão da pobreza
nas agendas política e à necessidade de incrementar
processos participativos.
• A visibilidade destes Encontros. Os relatórios
(disponíveis em português, na página www.eapn.org
e nos sites das sucessivas Presidências), a preparação
dos Encontros que ao longo dos anos implicou um
número crescente de pessoas, o que contribuiu para
chamar a atenção de diversos decisores políticos
nacionais, regionais e locais, a produção de materiais
audiovisuais (emissões de TV em diversos países,
DVD, três exposições, catálogos).
A Presidência Checa (1º semestre de 2009) já assegurou
a realização do 8º Encontro, através do seu Secretário
de Estado para os Assuntos Sociais no 7º Encontro.
Mais uma vez a REAPN organizará e far-se-á representar
através de uma delegação.
notícias da rede
ilustrativo, apresentar alguns depoimentos dos
delegados:
68
Presidência francesa
segundo semestre de 2008
Angelina Lopes
angelina.lopes@reapn.org
europa social em análise
Entre os dias 1 de Julho e 31 de Dezembro de 2008 a França assume a Presidência da União Europeia,
tendo definido como grandes prioridades: a energia e o clima, as questões migratórias, a agricultura,
a segurança e a defesa. A dimensão social das políticas europeias, bem como os valores que
caracterizam o modelo social europeu são um dos pontos da agenda durante o segundo semestre
deste ano.
No âmbito da Agenda Social europeia a presidência
pretende que o debate viabilize a abordagem de novos
temas como a demografia e suas consequências no
mercado do trabalho, e a situação dos seniores; a
mundialização e o lugar que a Europa deve preservar;
a diversidade e a luta contra a pobreza. Deverá
igualmente ser levada a cabo uma reflexão sobre os
instrumentos da Europa social: legislativos, financeiros,
convencionais, método aberto de coordenação. Tal
reflexão terá ainda por objecto reforçar a dimensão
social do mercado interno.
A presidência atribuirá particular importância à inclusão
activa das pessoas mais afastadas do mercado do
trabalho (tema há muito debatido pela Rede Europeia
Anti-Pobreza - EAPN), no sentido de serem definidos
princípios comuns, com base numa recomendação da
Comissão. Favorecerá igualmente programas de
experimentações sociais inovadoras, os intercâmbios
de experiências e o estabelecimento de redes europeias
de excelência. Neste contexto, será promovida a Mesa
Redonda Europeia sobre Pobreza e Exclusão Social
em Marselha, a 15 e 16 de Outubro, consagrando
justamente os seus trabalhos ao tema da inclusão
activa. E, tal como nos anos anteriores, a Rede Europeia
Anti-Pobreza / Portugal estará presente a vários níveis.
Os temas da flexigurança, emprego, direito do trabalho
e mobilidade serão trabalhados em colaboração com
o Parlamento Europeu com objectivo de adopção das
directivas sobre “Organização do Tempo Laboral”, e
“Protecção dos Trabalhadores Temporários”.
A luta contra as discriminações e a promoção da
igualdade entre homens e mulheres são outros pontos
a trabalhar. De facto, continuam a ser necessários
esforços para se progredir em matéria de igualdade
entre homens e mulheres, como melhorar a qualidade
do emprego feminino, colmatar os desvios
remuneratórios persistentes, e facilitar a conciliação
entre a vida profissional e a vida familiar.
A saúde e os serviços de interesse económico geral e
serviços sociais de interesse geral são fundamentais
para a promoção da coesão social e territorial da União.
Daí que a presidência pretenda prosseguir o debate
sobre a protecção jurídica dos serviços de interesse
económico geral, garantindo, assim, que a especificidade da sua missão e as suas características
próprias sejam consideradas nas abordagens sectoriais.
Em Dezembro de 2007, o Conselho Europeu estimava
que o desenvolvimento de uma política europeia global
no domínio das migrações continuava a ser uma
prioridade fundamental da União e sublinhava, com
o tal, a necessidade de um compromisso político
renovado neste domínio. É a este apelo que a
presidência francesa responderá propondo, aos seus
parceiros, que adoptem, em Conselho Europeu, um
Pacto Europeu sobre a Imigração e o Asilo. Tal Pacto
terá por ambição assentar os alicerces de uma política
comum reforçada num espírito de responsabilidade e
de solidariedade, com base nas três dimensões da
Abordagem Global das Migrações, incluindo uma
melhor organização das migrações legais, um combate
mais eficaz contra a imigração clandestina, e a
promoção de uma estreita parceria entre países de
origem, de trânsito e de destino dos migrantes.
No âmbito do Pacto a presidência francesa apelará a
que se organize a imigração legal, tendo em conta as
necessidades e as capacidades de acolhimento dos
Estados-Membros; a favorecer a integração; a combater
a imigração clandestina, assegurando nomeadamente
o afastamento efectivo dos imigrantes ilegais,
protegendo melhor a Europa com o aperfeiçoamento
da eficácia nos controlos das fronteiras; a construir uma
Europa do asilo; e a construir uma parceria com os
países de origem e de trânsito dos migrantes, ao serviço
do seu desenvolvimento.
Todas as medidas que serão levadas a cabo inscrever-se-ão na sequência dos Programas de Tampere (19992003) e de Haia (2004-2009), bem como da
comunicação da Comissão de 17 de Junho sobre uma
política de imigração comum para a Europa.
No contexto do 60º aniversário da Declaração Universal
dos Direitos do Homem (em 2008), a presidência
Presidência francesa
continuará a promover, os direitos do Homem e a sua
universalidade. As formas de violência sobre as
mulheres merecerão grande destaque.
No que respeita ao Tratado de Lisboa, a presidência
francesa irá aplicar as conclusões do Conselho Europeu
de 19 e 20 Junho de 2008. O Conselho Europeu
regressará a esta questão por altura da sua reunião de
15 Outubro de 2008, a fim de examinar a via a seguir.
Notas
Site presidência Francesa
http://www.eu2008.fr/PFUE/lang/fr
69
Programa da Presidência em português
http://www.eu2008.fr/webdav/site/PFUE/shared/Programme
PFUE/Programme_PT.pdf
Conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Bruxelas de
19/20 de Junho de 2008
http://www.consilium.europa.eu/ueDocs/cms_Data/docs/pressData
/pt/ec/101357.pdf
A dimensão transnacional
O Progama EQUAL conduziu a desenvolvimentos muito positivos que esperamos ver continuados,
especialmente no que ser refere ao enfoque dado aos grupos desfavorecidos e à parceria com a
sociedade civil. Neste contexto Elodi Fazi, Policy Officer da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN),
endereçou algumas questões ao Dr. Rui Fiolhais, Gestor do Programa POPH, sobre a dimensão
transnacional e a parceria no Programa POPH.
E.F. – Portugal prevê a promoção de projectos
transnacionais específicos, financiados pelo FSE
nos domínios da parceria e da inclusão activa de
pessoas em situação de pobreza que se encontram
mais afastadas do mercado de trabalho?
R. F. – Sim, é possível para as organizações que
trabalham nesse campo desenvolvam projectos
dirigidos a pessoas que vivem em situação de pobreza
e ainda que parte do projecto tenha uma componente
transnacional. Essa dimensão poderá centrar-se em
diferentes grupos, formadores e formandos ou apenas
em aspectos específicos ao nível da metodologia de
trabalho.
E.F. – Sendo um dos requisitos chaves do
regulamento do Fundo Social Europeu (artigo 5,
3.1.e), está previsto algum projecto sobre “parceria
com a sociedade civil”?
R. F. – Os projectos dirigidos a pessoas ou grupos
socialmente desfavorecidos tem como um dos
requisitos de selecção o enfoque na questão da
parceria, uma vez que é um elemento chave de sucesso
para a inclusão, destas pessoas ou grupos, na
comunidade em geral. Por outro lado, faz parte de uma
estratégia de rentabilizar recursos e conhecimentos
entre as diversas organizações, para abordar os
problemas e os percursos da inclusão de pessoas ou
grupos em territórios ou comu- nidades onde estes
fenómenos têm uma expressão mais forte.
E. F. – Quando é que as áreas vão ser definidas?
R. F. – Já foram definidas e estão na base da selecção
e aprovação das candidaturas.
E. F. – Com que países está prevista, ou será possível,
a cooperação?
R. F. – Como todos os Estados Membros da UE.
E. F. – Qual vai ser o co-fianciamento exigido?
Estão previstas a facilidades ao nível de cofinanciamento?
R. F. – Esta questão faz parte do projecto, sendo uma
decisão do promotor definir o montante a utilizar na
componente transnacional. A percentagem de
co-fianciamento exigida será sempre igual,
independentemente do projecto ter ou não uma
dimensão transnacional.
E. F. – As ONG’s foram envolvidas no diálogo sobre
a dimensão transnacional e serão parceiras de
projectos?
R. F. – Esta questão é também da responsabilidade das
ONGs. Estas apenas necessitam de apresentar à
autoridade de gestão, um plano de trabalho e
identificar o(s) parceiro(s) com querem trabalhar.
E. F. – Onde podemos encontrar mais informação
sobre esta matéria?
R. F. – Existe mais informação, em português,
em:www.phop.qren.pt. Está também a ser preparado
um documento técnico que aborda estas questões e
que reúne informação importante para os promotores
dos projectos para que possam incorporar estes
aspectos, mais facilmente, nas propostas de trabalho.
E. F. – Quando será lançado o primeiro período de
candidaturas?
R. F. – Já foi lançado. Consideramos no entanto abrir
um novo período de candidaturas no final de 2008,
início de 2009. Esta informação será também
disponibilizada no site do Programa.
europa social em análise
nos projectos do FSE
70
PNAI 2008-2011
propostas da REAPN
destaque
destaque
Numa altura em que se aproxima a data da submissão do PNAI 2008-2011 à Comissão Europeia
(próximo dia 15 de Setembro), a REAPN elaborou um documento onde reflecte sobre a
implementação do PNAI 2006-2008, e apresenta alguns contributos e recomendações para o PNAI
2008-2011.
Desde a primeira geração do PNAI (2001-2003) que a
Rede Europeia Anti-Pobreza/ Portugal assumiu uma
posição bastante activa por considerar que a Estratégia
Europeia para a Inclusão Social é assumidamente, no
quadro da União Europeia, uma conquista importante
no sentido de se atingir o objectivo, definido na Cimeira
de Lisboa em 2000, de promover um impacto decisivo
na erradicação da Pobreza até 2010.
situando-se em 6,9%, ao passo que a média europeia
é de 4,9%. Isto significa que não tem havido um esforço
político suficientemente forte na criação de mecanismos capazes de promover a coesão económica e
social e a solidariedade, ou que, no limite, as estratégias
que o Governo Português tem adoptado em matéria
de luta contra a pobreza e inclusão social não tem sido
bem sucedidas.
No quadro das instituições nacionais a REAPN
apresentou várias tomadas de posição e promoveu
inúmeros momentos de reflexão sobre esta matéria,
assim como um conjunto alargado e diversificado de
iniciativas (projectos, acções de formação, workshops
de sensibilização e informação, campanhas, etc.) que
envolvem não só os actores sócio-institucionais chave
no domínio da luta contra a pobreza e exclusão social,
mas também aqueles indivíduos que vivem em
situações de vulnerabilidade social e ainda a população
em geral. Temos assim uma preocupação extrema com
a divulgação e conhecimento/esclarecimento do PNAI
junto de um público mais alargado, considerando-o
um instrumento de planeamento e de estratégia que
deve assumir uma real aplicabilidade do ponto de vista
das políticas públicas (não só das políticas no domínio
social) e da intervenção social em Portugal.
É fundamental que da parte do Governo nacional haja
uma preocupação e um compromisso político em
(re)centrar a dimensão da coesão social na
concretização da Estratégia de Lisboa. A vertente da
coesão social que, no actual contexto, parece estar um
pouco arredada da Estratégia de Lisboa renovada,
deverá, em nosso entender, ser evidente nos
compromissos do Governo Nacional em termos do
Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) e
dos Programas Operacionais Regionais e Temáticos
que lhe dão corpo. O contexto actual que o nosso país
enfrenta exige respostas eficazes no domínio da
inclusão social, sob pena de, em 2013, nos
encontrarmos num cenário de ainda maior
distanciamento face à União Europeia, com as
gravíssimas consequências que numa Europa em
alargamento tal poderá produzir.
Para que o PNAI seja um instrumento eficaz no combate
à pobreza em Portugal, a REAPN considera que é
fundamental que ele seja assumido por todos –
políticos, técnicos e cidadãos em geral – como um
documento estratégico de referência, no qual se
identificam metas, programas, medidas e indicadores
(quantitativos e qualitativos) que permitam monitorizar
e avaliar a eficácia de uma estratégia nacional de luta
contra a pobreza.
Por outro lado, a grande esperança depositada no
Programa das Rede Social no processo de
monitorização do PNAI 2006-2008 não foi concretizada
na maior parte dos casos por falta de documentação
estratégica de referência, por falta de harmonização
de procedimentos entre as diferentes Redes Sociais,
por falta de recursos humanos especializados e
também por falta de espírito de trabalho em rede.
A situação nacional dos fenómenos de pobreza e
exclusão social enquadra-se hoje num contexto muito
desfavorável em termos globais. Portugal é mais uma
vez apontado, no último relatório sobre a Situação
Social na União Europeia 2007, como o líder (a par da
Lituânia) das desigualdades sociais. O fosso entre ricos
e pobres continua a ser o maior da União Europeia,
O facto das metas estabelecidas à partida não terem
sido demasiado ambiciosas e se encontrarem em
harmonia com as medidas elencadas noutros
programas governamentais, terá com toda a certeza
consequências ao nível dos resultados alcançados no
fim do período de vigência do PNAI (ao nível da sua
avaliação) e sobretudo em domínios tão críticos como
os da pobreza infantil e dos idosos.
PNAI 2008-2011
Algumas propostas e recomendações
Criar, no âmbito da Comissão Inter-ministerial de
Acompanhamento do PNAI, uma task force que
possa avaliar a implementação do PNAI 2006-2008
e preparar um plano de actividades detalhado do
PNAI 2008-2011;
Criar um espaço de participação e auscultação, e
promover uma sensibilização geral para as questões
da pobreza e exclusão social;
Clarificar o papel das pessoas em situação de
desfavorecimento social na implementação da
estratégia de inclusão social e incluir no novo plano
acções/projectos/iniciativas que garantam
a mobilização, auscultação (participada) e a
participação efectiva das pessoas em situação de
pobreza de uma forma consistente e permanente;
Definir um conjunto de acções no âmbito do Ano
Europeu contra a Pobreza (2010), que favoreçam a
visibilidade pública do fenómeno da pobreza e
exclusão social. 2010 será uma oportunidade para
desenhar e implementar acções que favoreçam uma
reflexão alargada sobre a temática da pobreza e
exclusão social, bem como para o envolvimento e
comprometimento das entidades competentes;
Definir medidas políticas e acções concretas que
permitam uma redução efectiva da taxa de pobreza
infantil e da taxa de pobreza dos idosos ;
Retomar, ao nível do PNAI, a integração não só dos
imigrantes, mas também das minorias étnicas, em
particular, as comunidades ciganas, definindo metas
e medidas pró-activas que visem uma intervenção
clara e efectiva nas problemáticas que lhes estão
inerentes: pobreza exclusão, racismo, discriminação.
Os fenómenos da pobreza extrema devem também
ser objecto de uma atenção específica;
Promover uma metodologia que favoreça uma
apropriação do Plano por parte das diferentes
instâncias que têm o papel de implementar as
medidas políticas nele inscritas - educação, saúde,
habitação, emprego, acção social. Desde o seu início
que o PNAI parece carecer de falta de legitimidade
política e pública, apesar de se tratar de um
instrumento estruturador e estratégico, de ponto
de vista da inclusão social em Portugal;
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Privilegiar estudos de investigação que permitam
conhecer a fundo alguns dos fenómenos mais
prementes ao nível da pobreza e exclusão social
em Portugal. A REAPN vem defendendo que devem
ser criadas as bases para a construção de um
Observatório Nacional de Combate à Pobreza que
permita um conhecimento actualizado e
permanente sobre o fenómeno da Pobreza e da
Exclusão Social dotado de uma capacidade de
investigação-acção;
Prever medidas concretas que vão de encontro às
novas formas de pobreza. Relativamente ao
fenómeno crescente do sobre-endividamento das
famílias importa criar medidas que possam conhecer
a incidência do fenómeno e actuar ao nível da sua
prevenção, bem como nível da responsabilidade
social das empresas ligadas ao sector financeiro;
Definir metas concretas no sentido de atacar a taxa
de pobreza nos idosos, nomeadamente através do
aumento das pensões. A tendência do aumento do
número de idosos em Portugal é uma realidade, o
que exige um reforço do sistema de protecção
social. É importante criara medidas que promovam
o envelhecimento activo e que conduzam ao
aumento da taxa de natalidade no nosso país;
Adoptar uma política (monitorizada) de capacitação
e qualificação dos equipamentos sociais financiados
pela Segurança Social (lares, centros de dia, creches,
internatos, etc.), com vista a garantir serviços de
maior qualidade, adequados às necessidades e aos
diferentes públicos-alvo. A qualificação das
organizações sociais deve ser encarada como um
investimento num sector que, ainda actualmente,
garante uma enorme parte da protecção social em
Portugal;
Proceder a uma análise da eficácia da medida
Rendimento Social de Inserção. Importa analisar a
primeira fase de implementação e o impacto da
medida a nível dos seus beneficiários. Associada a
esta medida encontram-se os esquemas de inclusão
activa, que importa serem postos em marcha. A
este nível é particularmente importante quer em
termos de macro-política, quer em termos de
concertação de respostas locais privilegiar a
destaque
Assim, o que nos preocupa neste momento, é perceber
se as medidas estabelecidas e implementadas ao longo
destes 3 anos foram eficazes na redução da taxa de
pobreza infantil e dos idosos, muito embora estas não
tenham sido metas definidas explicitamente no
documento (poverty proofing). A questão principal
que se coloca é a seguinte: será que as medidas
apresentadas ao nível da primeira prioridade
permitiram alcançar um impacto positivo nas taxas de
pobreza?
PNAI 2008-2011
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construção de mais e melhores “pontes” entre as
estratégias de emprego e as estratégias de inclusão
social;
É absolutamente imperioso que o PNAI integre e seja
consequente na aplicação de medidas que reforcem
o trabalho em rede e a cooperação inter-institucional
(pública e privada). A emergência social que se
adivinha vai exigir maior criatividade e flexibilidade
e uma definitiva coordenação de esforços e de políticas que tem que ser incentivada e monitorizada.
Naturalmente, este é um âmbito de intervenção em
que importa ter presente as preciosas possibilidades
que, no âmbito dos Fundos Estruturais Comunitários
(Quadro de Referência Estratégico Nacional), poderão
contribuir para a concretização de tais desafios.
Determinações da União Europeia para o PNAI
2008-2011
A Comissão Europeia lançou em Março de 2008 um
guia para a preparação dos Relatórios Nacionais de
Protecção Social e Inclusão Social 2008-2011.
Nesse documento é referido que o primeiro ciclo do
Método Aberto de Coordenação integrado 2006-2008
está prestes a ser concluído. Foi conseguida uma
interacção positiva entre os Relatório Nacionais de
protecção e inclusão social e os Programas Nacionais
de Reforma. Nesta base o Comité de Protecção Social
e a Comissão Europeia acordaram em propor a
manutenção dos Objectivos Comuns adoptados no
Concelho Europeu em Março de 2006 e manter um
ciclo de 3 anos4 alinhado com a Estratégia para o
Crescimento e o Emprego.
destaque
Nesse guia é referido que os Relatórios Nacionais devem
ser compostos por quatro partes.
A primeira parte deverá conter uma abordagem geral
com uma avaliação da situação social, e deve ser
concluída com uma apresentação da estratégia de
cada estado-membro para o novo ciclo.
As partes 2, 3 e 4 deverão começar com uma análise
dos progressos alcançados em relação às prioridades
identificadas no Relatório de 2006-2008, os desafios
específicos de cada país identificados no Relatório
conjunto de 2007 e as Recomendações específicas para
cada país definidas no quadro da Estratégia para o
Crescimento e o emprego. É enfatizada a necessidade
de promover uma boa coordenação entre a preparação
dos Relatórios Nacionais e o PNACE.
Na preparação dos Planos Nacionais de Acção para a
Inclusão os Estados-membros devem tomar em conta
as lições da implementação do primeiro ciclo do
Método Aberto de Coordenação integrado e das
anteriores gerações do PNAI.
A natureza estrutural da pobreza e da exclusão
implicam a necessidade de continuidade e reafirmase nesse mesmo documento que a pobreza infantil e
a inclusão activa emergem como prioridades chave,
assim como a integração social de migrantes.
No documento da Comissão afirma-se ainda que a
preparação do PNAI deve ser rentabilizada como uma
forma de aumentar a visibilidade e o debate sobre a
pobreza e exclusão social, quer ao nível do público em
geral, quer entre os decisores políticos, actores – chave
e parlamentos nacionais.
Notas
Propostas da REAPN para o PNAI 2008-2011
http://www.reapn.org/documentos_visualizar.php?ID=88
Site do Plano Nacional de Acção para a Inclusão e PNAI 2006-2008
www.pnai.pt
O processo de protecção social e inclusão social
http://ec.europa.eu/employment_social/spsi/strategy_reports_en.htm