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Planfavi: Sistema De Farmacovigilância Em Plantas Medicinais

Editorial: Plantas Medicinais e Neurologia O uso da fitoterapia como recurso terapêutico tem aumentado, de forma significativa, nos últimos anos, apresentando um papel fundamental na atenção primária à saúde e sendo consolidado pelas diretrizes da atual Política Nacional de Medicina Natural e Práticas Complementares e da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, desenvolvidas pelo Ministério da Saúde. Neste sentido, muitos estudos têm sido realizados com o objetivo de se obter novos compostos de origem vegetal para as mais diversas enfermidades, pois a procura de novos alvos farmacológicos é uma constante, tendo as plantas medicinais recebido especial atenção.

BOLETIM PLANFAVI Nº 34 abril / junho 2015 SISTEMA DE FARMACOVIGILÂNCIA EM PLANTAS MEDICINAIS Coordenação Geral: Ricardo Tabach Colaboradores: Ana Cecília B. Carvalho (Anvisa), Bianca Alves Pereira, Juliana Mourão Ravasi, Julino A. R. Soares Neto, Lucas O. Maia e Sabrina Alves Pereira. Edição: Joaquim Mauricio Duarte-Almeida (UFSJ) Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas Departamento de Medicina Preventiva – Unifesp www.cebrid.epm.br / planfavi-cebrid.webnode.com/ E-mail: cebrid.unifesp@gmail.com Revisão: Edna Myiake Kato (USP) Supervisão Geral: E. A. Carlini. Editorial Editorial: Plantas Medicinais e Neurologia O uso da fitoterapia como recurso terapêutico tem aumentado, de forma significativa, nos últimos anos, apresentando um papel fundamental na atenção primária à saúde e sendo consolidado pelas diretrizes da atual Política Nacional de Medicina Natural e Práticas Complementares e da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, desenvolvidas pelo Ministério da Saúde. Neste sentido, muitos estudos têm sido realizados com o objetivo de se obter novos compostos de origem vegetal para as mais diversas enfermidades, pois a procura de novos alvos farmacológicos é uma constante, tendo as plantas medicinais recebido especial atenção. No caso das disfunções neurológicas, a obtenção de produtos de origem vegetal seguros e eficazes poderiam ser utilizados como uma opção terapêutica importante, uma vez que os medicamentos atualmente disponíveis no mercado geralmente provocam reações adversas significativas, prejudicam a adesão ao tratamento e diminuem a qualidade de vida dos pacientes. Contudo, ao contrário do que acontece no tratamento da doença de Alzheimer, onde os agentes anticolinesterásicos – principal forma de tratamento – podem ser obtidos de plantas medicinais, como é o caso da galantamina, em relação às outras disfunções neurológicas sempre houve uma escassez de estudos abordando a relação entre elas e os produtos à base de plantas medicinais. Uma análise mais recente da literatura e dos eventos científicos nesta área revelou uma pequena, porém positiva, mudança deste cenário, com um aumento do número de trabalhos abordando este tema. No X Congresso Paulista de Neurologia, realizado em Junho de 2015 na cidade de Guarujá/SP, foi possível verificar alguns destes estudos, com resultados bastante promissores, durante a mesa redonda “Cuidados Integrativos”. Nesta oportunidade, além das plantas mais conhecidas utilizadas para o tratamento destas disfunções como o Ginkgo biloba e algumas espécies de Galanthus, foram apresentados os resultados dos estudos não-clinicos e clínicos realizados com outras plantas, como por exemplo a Mucuna pruriens e a Salvia miltiorrhiza para o tratamento da Doença de Parkinson e a Salvia officinalis e Salvia lavandulifolia para o tratamento da Doença de Alzheimer. Outros resultados dignos de nota foram aqueles obtidos com os derivados da Cannabis sativa principalmente para o tratamento de alguns casos de epilepsia e de esclerose múltipla, resistentes à medicação convencional, com resultados bastante significativos. Embora os mecanismos de ação destas plantas ainda não estejam completamente esclarecidos, os resultados obtidos até o momento revelaram um potencial terapêutico significativo e bastante promissor, mas que ainda precisa ser confirmado com novos estudos clínicos, a fim de se tornarem uma alternativa importante para o tratamento destes pacientes. Ricardo Tabach Coordenador do Planfavi 1 1. Planta em Foco Harpagophytum procumbens DC. ex Meisn. (Pedaliaceae) Harpagophytum procumbens é uma planta herbácea perene cujas raízes tuberosas primárias e secundárias são utilizadas na medicina tradicional africana. É encontrada nas regiões desérticas do sul e sudeste da África. O nome popular – “garra do diabo” - decorre da morfologia dos frutos lenhosos que se apresentam cobertos por farpas espinhosas e curvadas. Entretanto, é nos órgãos subterrâneos que se encontra uma mistura heterogênea de substâncias com propriedades medicinais. Sinonímia popular: harpago, unha-do-diabo, artiglio del diavolo, harpagophytum, devil’sclaw (inglês), e griffe du diable (francês). Usos populares: tratamento de doenças reumáticas, diabete, arteriosclerose, problemas digestivos, dos rins e da bexiga e atividade ocitócica, tanto na condução do trabalho de parto, como na eliminação da placenta retida. Estudo em tecido uterino de ratas demonstrou, de fato, atividade uterotônica e espasmogênica. Fitoquímica: iridoides glicosilados, açúcares, triterpenóides, fitosteróis, ácidos aromáticos e flavonóides. Os glicosídeos são: harpagosídeo, harpagideo e procumbideo. O composto principal é o harpagosídeo que pertence ao grupo químico dos iridoides glicosilados, cujo conteúdo na droga vegetal é de 0,5-1,6%. Farmacologia: A garra do diabo é indicada para indigestão e para o tratamento de apoio nos distúrbios músculo-esqueléticos degenerativos. O efeito antiinflamatório é devido à ação do harpagosídeo na biossíntese de eicosanóides, termo utilizado para identificar prostaglandinas, leucotrienos e tromboxanos. O efeito terapêutico desta planta pode estar associado com a biotransformação e formação de harpagogenina, por meio da hidrólise ácida ou enzimática do harpagosídeo. Referências: Klein, S. et al. (eds). The Complet German Comission e monographs: Therapeutic Guide to Herbal Medicines. Austin: American Botanical Council, 1998. Fontaine, J. et al. Biological analysis of Harpagophytum procumbens DC. II. Pharmacological analysis of the effects of harpagoside, harpagide and harpagogenine on the isolated guinea-pig ileum. J Pharm Belg. 36:321-4, 1981. Salvi, R.M. & Heuser, E.D. Interações medicamentos x fitoterápicos: em busca de uma prescrição racional. EDIPUCRS, Porto Alegre (RS), 2008. Schulz, V; Hänsel, R; Tyler, V. Fitoterapia Racional - um guia para as ciências da saúde. Barueri: Manole, 2002. Resumo dos estudos a) Atividade anti-inflamatória da Garra- do -Diabo Este trabalho avaliou a atividade anti-inflamatória in vitro de alguns constituintes da garra-do-diabo. Os extratos e os compostos isolados foram testados em macrófagos com a finalidade de verificar o seu efeito sobre a liberação de citocinas e óxido nítrico e sobre a expressão da Cox 1 e 2. Também foi avaliado o efeito destes compostos sobre a ativação do sistema complemento no soro humano. Os resultados mostraram que os extratos, bem como os feniletanoides e o verbascosídeo (seu principal constituinte ativo), tem um grande potencial anti-inflamatório, comparável ou até mesmo maior do que o harpagosídeo, o principal constituinte a que atribui o efeito anti-inflamatório desta planta. Gyurkovska, V. et al. Anti-inflamatory activity of Devil’s claw in vitro systems and their active constituents. Food Chem.125: 171-178, 2011. b) Garra-do-Diabo inibe o apetite O efeito analgésico e anti-inflamatório da Harpagophytum procumbens (garra do diabo) é bastante conhecido. Embora também existam relatos do seu uso popular como inibidor do apetite, há poucas evidências científicas a respeito deste efeito. Este trabalho avaliou o efeito do extrato seco obtido da raiz da garra do diabo sobre o consumo de alimentos em camundongos. Os resultados mostraram um significativo efeito anorexígeno desta planta sendo que os mecanismos de ação estão relacionados com a modulação do receptor GHS-R1, um importante receptor implicado na estimulação do apetite. Os autores concluíram que o extrato obtido das raízes de H. procumbens pode ser considerado como uma nova fonte de compostos bioativos inibidores do apetite, representando uma alternativa segura e atrativa em relação aos medicamentos tradicionais, os quais estão frequentemente associados a efeitos colaterais severos. Torres-Fuentes, C. et al. Devil’s Claw to Suppress Appetite – Ghrelin Receptor Modulation Potential of a Harpagophytum procumbens Root Extract. Plos One. 9(7): 1-11, 2014 Outros estudos: Bae et al. Cholinesterase inhibitors from the roots of Harpagophytum procumbens. Arch. Pharm. Res. 37: 1124-1129, 2014. Georgiev et al. Bioactive metabolite production and stress related hormones in Devil’s claw cell suspension cultures grown in bioreactors. Appl. Microbiol Biotechnol. 89: 1683-1691, 2011. Georgiev et al. Antioxidant activity of devil’s claw cell biomass and its active constituents. Food Chem.. 121: 967-972, 2010. 2 2. Reações adversas no Exterior 2.1. Boldo e Imunossupressores: uma combinação perigosa!!! Diversas espécies de plantas conhecidas popularmente como boldo são amplamente utilizadas na medicina popular para o tratamento de doenças gastrointestinais, com poucos relatos de reações adversas ou interações medicamentosas. Recentemente foi descrito o caso a seguir, envolvendo o Peumus boldus Mol. (boldo chileno): “Um homem de 78 anos, de origem hispânica, com histórico de diabetes mellitus, hipertensão e um transplante de rim, ocorrido em 2005, apresentou-se ao médico para consulta de rotina em 2009/2010. Nenhuma queixa foi relatada pelo paciente e o exame físico estava normal. Exames laboratoriais mostraram níveis séricos baixos de tracolimo, um imunossupressor utilizado regularmente por pessoas transplantadas, e também de creatinina, um indicador da função renal. Após os exames, o paciente revelou que estava tomando boldo há duas semanas para ‘limpar o fígado’. Uma semana após a interrupção do consumo de boldo, os níveis séricos de tracolimo retornaram ao normal, compatíveis com a dose de 2 mg/dia que o paciente tomava”. A análise deste caso sugere uma interação medicamentosa entre o boldo e o tracolimo e ressalta a importância do monitoramento do consumo de medicamentos de origem vegetal, especialmente em pacientes com comorbidades utilizando múltiplos medicamentos com janelas terapêuticas estreitas. Referência: Carbajal et al. Case report: boldo (Peumus boldus) and tacrolimus interaction in a renal transplant patient. Transplantation Proceedings 46, 2400-2402, 2014. 2.2. Cuidado: lorazepam não combina com plantas ansiolíticas A grande maioria dos usuários de fitoterápicos ainda acredita que os mesmos são seguros e sem efeitos colaterais. Porém muitas interações entre os medicamentos convencionais e os fitoterápicos têm sido descritas nos últimos anos. O presente estudo relata o caso de um paciente que se automedicou com Valeriana officinallis L. e Passiflora incarnata L. enquanto estava em tratamento com o lorazepam. O paciente apresentava tremores nas mãos, tontura e fadiga muscular, dentre outros sintomas, 32 horas antes do diagnóstico clínico, sem apresentar nenhum outro tipo de sintoma neurológico. Seu histórico familiar descartou doença de Parkinson e de Wilson. Já o seu histórico clínico revelou um transtorno generalizado de ansiedade e distúrbios do sono. O paciente fazia uso de lorazepam (2mg/dia) regularmente há dois meses. Quatro dias antes do atendimento, o paciente passou a ingerir diariamente uma infusão de Passiflora e Valeriana, sem apresentar efeitos adversos. Após três dias o mesmo passou a tomar Passiflora e Valeriana em comprimidos com intervalo de uma hora antes de dormir, o que diminuiu os seus tremores e gerou sonolência. Porém, no quarto dia de tratamento, foram reportados grandes tremores nas mãos, tontura e palpitações seguidas por uma grande sonolência. Observou-se uma grande agitação e fala compulsiva durante o exame clínico, sendo que todos os seus exames não mostraram nenhuma alteração. Foi relatado ao paciente que o episódio foi, provavelmente, causado pela interação entre as plantas medicinais e o lorazepam. A retirada da Passiflora e Valeriana fez com que estes sintomas desaparecessem. O lorazepam e outros benzodiazepínicos são descritos como causadores de tremores e a Valeriana, em altas doses, pode também provocar tremores nas mãos, fadiga, contrações abdominais, aperto no peito, tontura e midríase. A Passiflora, em altas doses, causa náusea e tontura, sintomas também relatados pelo paciente. Os sintomas apresentados pelo paciente foram causados provavelmente por um efeito sinérgico de todos os medicamentos que estavam sendo utilizados sobre o sistema GABAérgico, provocando severos efeitos adversos. Carrasco, M.C. et al. Interactions of Valeriana officinalis L. and Passiflora incarnata L. in a Patient Treated with Lorazepam. Phytother Res 23: 1795-1796, 2009. 3. Alerta 3.1. Anvisa suspende produtos fitoterápicos. A Anvisa suspendeu, em todo o território nacional, a fabricação, distribuição, divulgação, comercialização e uso dos produtos fitoterápicos Espinheira Santa, Menoflora, Anti-depressivo, Energiflora, 30 Ervas Emagrecedor. Segundo a Anvisa, os produtos foram fabricados por Flora Brasil Produtos Naturais, uma empresa sem autorização de funcionamento. Por isso, todos os produtos comercializados por ela estão irregulares. A Anvisa determinou a apreensão e inutilização das unidades encontradas no mercado dos produtos citados e todos os outros medicamentos fabricados por esta empresa. A medida está na Resolução nº 981, publicada no dia 30.03.2015 no Diário Oficial da União. Referência: Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Anvisa suspende produtos fitoterápicos e saneantes sem registro da Agência. Sala de Imprensa, 30 de março de 2015. 3 para o desenvolvimento e conservação.In: Alexiades, M.N. y Shanley, P. (eds.) Productos forestales, medios de subsistencia y conservación: Estudios de caso sobre sistemas de manejo de productos forestales no maderables. Volumen 3 América Latina. Centro para La Investigación Florestal Internacional (CIFOR), Indonesia, 2004. 4. Curiosidades A pupunha é afrodisíaca? A presença da pupunha (Bactris gasipaes Kunth) em florestas abertas aparentemente maduras é um indicador da ocupação humana no passado. Há dez mil anos atrás, os primeiros habitantes da Amazônia começaram a usar a madeira dura, durável e flexível da pupunha para fazer tigelas e arcos, arpões, lanças e outros objetos. Antes do aparecimento das ferramentas de metal, grupos indígenas usavam facões de madeira de pupunha para cortar a vegetação mais tenra. Ao longo de milhares de anos, árvores de pupunha com características levemente diferentes foram sendo plantadas dentro das comunidades e nas suas vizinhanças. O processo de fertilização cruzada foi gerando novas plantas com frutos maiores e mais ricos em amido, apreciados pelos indígenas. As árvores eram selecionadas pelo tamanho e cor dos seus frutos ou por terem troncos com menos e menores espinhos. Com o tempo, a variação no tamanho e cor dos frutos foi aumentando. Hoje, as maiores variedades de frutos de pupunha na Amazônia ocidental podem pesar até 200 gramas cada, o que faz deles mais uma refeição do que um aperitivo! A chegada da estação da pupunha era tradicionalmente celebrada com festivais da colheita e abundantes quantidades de cerveja caissuma. Não surpreendia, então, que nove meses mais tarde havia um grande número de nascimento de bebês nas comunidades que cultivavam e consumiam pupunha. Essa coincidência, é claro, não passou despercebida e hoje a pupunha é considerada um afrodisíaco, especialmente na Colômbia. Todavia, a importância cultural da pupunha diminuiu ao longo dos anos, a ponto de ser considerada agora um alimento secundário, a não ser para alguns grupos indígenas das florestas tropicais, onde a pupunha continua a ter sua importância como uma cultura alimentar de subsistência e como bebida ritual. 5. Mitos e Realidades Guaco pode ser utilizada como antiofídico? Muitas espécies são citadas nos relatos populares com esta atividade, no entanto quando testadas, grande parte não se mostram efetivas. O guaco poderia ser mais uma planta, no entanto, estudos de pesquisadores da Unaerp e USP publicados no Journal of Etnopharmacology em 2005 mostraram que o extrato aquoso (das raízes, das caules ou das folhas desta planta) pode neutralizar eficientemente o veneno da jararaca (Bothrops sp.) e da cascavel (Crotalus durissus). Novos estudos são necessários para elucidar o mecanismo de ação, bem como a melhor forma de uso do produto, antes de ser considerado como um tratamento alternativo para a soroterapia. Maiorano V.A. et al. Antiophidian properties of the aqueous extract of Mikania glomerata. J. Ethnopharmacol. 102:364-370, 2005. 6. Plan-News 10th International Congress of Pharmaceutical Sciences – CIFARP Ribeirão Preto/SP, 5-9 setembro. http://www.cifarp.com.br/ X Simpósio Brasileiro de Farmacognosia Juazeiro/BA – 16-19 de setembro de 2015 http://www.plamevasf.univasf.edu.br/ XXX Reunião Anual da FESBE Faculdade de Medicina USP – São Paulo Capital 09-12 de setembro http://www.fesbe.org.br/fesbe2015/ Referência: Clement, C.R. e van Leeuwen, J. Sub-utilização da pupunha (Bactris gasipaes Kunth) na Amazônia Central: História, cadeia de produção, e implicações ______________________________________________________________________________________________ BOLETIM PLANFAVI SISTEMA DE FARMACOVIGILÂNCIA DE PLANTAS MEDICINAIS DEPARTAMENTO DE MEDICINA PREVENTIVA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO IMPRESSO Rua Botucatu, 740 – 4º andar 04023-062 – São Paulo – SP Telefone: 11- 5576-4997 http://www.cebrid.epm.br http://www.facebook.com/planfavi 4