RUI MORAIS
MIGUEL BANDEIRA
MARIA JOSÉ SOUSA
[EDITORES]
CELEBRAÇÃO
DO BIMILENÁRIO
DE AUGUSTO
AD NATIONES.
ETHNOUS KALLAIKON
CELEBRAÇÃO DO BIMILENÁRIO DE AUGUSTO
AD NATIONES. ETHNOUS KALLAIKON
Homenagem a Maria Helena da Rocha Pereira
RUI MORAIS
MIGUEL BANDEIRA
MARIA JOSÉ SOUSA
[EDITORES]
CELEBRAÇÃO
DO BIMILENÁRIO
DE AUGUSTO
AD NATIONES.
ETHNOUS KALLAIKON
ÍNDICE
PRÓLOGO
8
INTRODUÇÃO
12
AUGUSTO EM SUETÓNIO
16
(OS) MITOS DO SÉCULO DE AUGUSTO
32
AUGUSTO EM PLÍNIO O ANTIGO
40
EL TERRITORIO GALAICO DURANTE LAS GUERRAS
CÁNTABRAS: NUEVAS PERSPECTIVAS
54
PROBLEMÁTICAS E PERSPECTIVAS SOBRE A PRESENÇA
MILITAR NO NOROESTE HISPÂNICO NO TEMPO DE AUGUSTO:
O CASTRO DE ALVARELHOS
74
EL PROCESO DE URBANIZACIÓN DEL NOROESTE DENTRO
DE LA POLÍTICA AUGÚSTEA
84
O URBANISMO NOS CASTROS MERIDIONAIS EN ÉPOCA
DE AUGUSTO
96
A GALLAECIA MERIDIONAL EM TEMPOS DE AUGUSTO
112
DEL CASTRO A LA CIVITAS: DOMINACIÓN Y RESISTENCIA EN
EL NOROESTE HISPANO
124
BRACARA AUGUSTA E A REDE VIÁRIA AUGUSTANA
DO NOROESTE PENINSULAR
136
BRACARUM OPPIDUM AUGUSTA. OS DADOS DA CULTURA
MATERIAL
152
EPÍLOGO
166
PROBLEMÁTICAS E PERSPECTIVAS
SOBRE A PRESENÇA MILITAR
NO NOROESTE HISPÂNICO
NO TEMPO DE AUGUSTO:
O CASTRO DE ALVARELHOS
RUI CENTENO, RUI MORAIS E
ROBERTO BARTOLOMÉ ABRAIRA
(Faculdade de Letras da UP e CITCEM; Faculdade de
Letras da UP e Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos; Universidade de Santiago de Compostela)
Hoje em dia aceita-se, quase sem discussão, que os Galaicos foram submetidos por Roma
muito antes das guerras cantábricas, desde as operações militares levadas a cabo em 138-7 a.C. por
D. Júnio Bruto e, sobretudo, a partir da campanha de César no ano 61 a.C. (Morillo, 2002, 71;
Morillo, 2011, 12). No entanto, a historiografia tradicional faz ênfase na inclusão dos galaicos no
teatro de operações das guerras cantábricas (29-19 a.C.), hipótese descartada em recentes trabalhos
(Morillo, 2002, 67-93; 2014).
Como se sabe, esta posição não se enquadra na opinião defendida na década de quarenta do
século XX, por A. Schulten (1943, 174), que sugeriu a existência de um acampamento romano na
Colina da Cividade, em Braga, datado da terceira década antes de Cristo, no momento em que se
concretizou a última etapa da conquista da Hispânia. Esta tese não encontrou reflexo nas publicações recentes sobre a cidade romana (vide, entre outros estudos, Martins, 2011, 11).
Não há dúvida que o território dos Bracari se viu envolvido indiretamente nas campanhas
augustanas, desempenhando um papel de retaguarda durante o conflito. A sua proximidade geográfica com o território dos Ástures, dotava-o de uma especial relevância estratégica. A conquista
do território dos Ástures em 25 a.C. coloca, todavia, significativas incógnitas. Por um lado, era um
espaço geográfico mais complexo e diversificado que o dos Cântabros, compreendido entre o mar
Cantábrico, a Gallaecia, a oeste, e os povos da Meseta dominados por Roma, a sul. Com precisão, a
fronteira meridional, sem nenhum obstáculo geográfico visível, é difícil de definir. Os testemunhos
arqueológicos da conquista são, contudo, muito escassos, o que não permite reconstruir solidamente a tática implementada por Roma.
O ataque romano ao flanco ocidental da Astúria deve ter partido do território galaico, como
garantem os numerosos testemunhos da presença militar romana na rota desde o centro peninsular
até à região onde mais tarde se fundariam as cidades de Bracara Augusta e Lucus Augusti. O governador da Hispania Ulterior, P. Carísio, encontrava-se à frente das tropas que se dirigiram ao território ásture pela rota mais ocidental, ascendendo provavelmente pelas rotas que conduziam desde
o vale do Guadiana até ao norte. A penetração até à Meseta deve ter-se realizado desde o norte do
atual território português através da atual Galiza. Tranoy (1981, 139-140) admite que aquela campanha poderia ter sido orientada a partir da área galaica meridional, junto à costa do vale do Douro,
75
seguindo em direção ao território dos brácaros, ou mais interior, aproveitando o alinhamento de
depressões relacionadas com a falha Régua-Verín1.
Numerosas evidências apontam que o traçado da via XVII do Itinerário de Antonino, e patente
também na Tábua IV do Itinerário de Barro (Fernández Ochoa et al., 2012, 168-71), que liga a Asturia
Augustana e a Gallaecia meridional através da região de Trás-os-Montes, é uma das rotas romanas
mais antigas de toda a região, possivelmente utilizada durante a conquista pelas tropas de Carísio
(Morillo, 2009, 246; Morillo, 2014). Assim o confirmam tanto a dispersão dos achados numismáticos
(Blázquez Cerrato, 2002, 273-288), como os miliários augustanos e tiberianos (Lostal, 1992, 270;
Rodríguez Colmenero et al., 2004, 156-210).
De qualquer maneira, o controlo do território ásture estruturou-se em várias fases. Uma deve
ter afetado El Bierzo, território rodeado de montanhas, onde talvez devamos situar o cerco do Mons
Medullius. Talvez tenha sido objeto de um ataque em tenaz, combinada entre a Meseta e as bases
militares em território galaico. Num segundo momento, tiveram de se submeter os principais oppida
da vertente meridional da Cordilheira Cantábrica, como Lancia. Finalmente, a partir da própria
Meseta, penetrou-se até à franja marítima, através da chamada via Carisa, o principal caminho natural de comunicação entre ambos espaços. E não podemos descartar uma participação de tropas
estacionadas no território galaico na conquista do litoral ásture, já que as comunicações naturais
são muito fáceis. A própria presença em Lugo, ou nas suas redondezas, de um acampamento deste
momento indica claramente o seu papel como retaguarda do conflito, cujos cenários principais
foram as zonas montanhosas da Cordilheira Cantábrica e os Montes de León (cf. Morillo, 2014).
As guerras promovidas por Augusto contra os povos do noroeste contribuíram para afirmar
o prestígio do imperador em todo o mundo romano, porque permitiram encerrar a conquista do
território hispânico, iniciada cerca de dois séculos antes. A pacificação da Hispânia, apesar das
notícias de algumas sublevações na região até meados do século I, sempre controladas pelo exército,
abriu as portas à exploração dos recursos do NO Peninsular, em particular, das suas ricas jazidas
auríferas.
O sucesso destas campanhas militares, para além da sua importância para as finanças de Roma
e uma vez que foi a última guerra que contou com a presença do Imperador no teatro de operações
militares, muito contribuiu para difundir o prestígio de Augusto em todas as regiões do Império.
Evidentemente tal acontecimento foi utilizado pela propaganda imperial para divulgar as excecionais qualidades do Princeps como líder político e militar.
Por isso, não será de admirar que estas campanhas militares sejam longamente tratadas nas
fontes clássicas, referidas pelo próprio Augusto no relato dos seus feitos (Res Gestae 26), mostrando
que foi um episódio primordial para a pacificação do Império, sendo certamente muito evocado
mesmo depois da morte do fundador do Império.
Um testemunho do que acabamos de referir, poderá ter ocorrido numa região oriental do
Mediterrâneo, mais especificamente na cidade de Aphrodisias, na Cária, que vem sendo objeto de
escavações arqueológicas sistemáticas iniciadas nos anos sessenta do século passado por K.T Erim
(1987, 7-30) e continuadas por R.R.R. Smith, que revelaram um importante santuário, dominado
por um grande templo, dedicado a Afrodite e aos imperadores júlio-claudianos (Smith, 1987; 1988;
e principalmente 2011). Os achados de elementos arquitetónicos e de escultura permitiram uma
reconstituição muito completa do complexo de construções, apontando-se o reinado de Tibério
para o início sua edificação que se terá prolongado até Nero. Nos dois pórticos do sebasteion são
ilustrados em painéis esculpidos em baixo-relevo, os mais importantes feitos dos imperadores desta
dinastia. No pórtico norte, fachada sul, encontravam-se as personificações de povos, tendo os testemunhos epigráficos permitido identificar 16 dos povos derrotados pelos cinco imperadores júlio-claudianos. Entre 16 povos documentados pela epigrafia, 11 correspondem a povos submetidos
1. Esta hipótese é contrariada por Syme (1970, 100-101), que advoga uma ofensiva romana perpetrada de este para
oeste, a partir do triângulo León-Astorga-Benavente.
76 |
PROBLEMÁTICAS E PERSPECTIVAS SOBRE A PRESENÇA MILITAR NO NOROESTE HISPÂNICO NO TEMPO DE AUGUSTO
por Augusto, parecendo repercutir impacto que tiveram em todo o Império, na época, as ações
militares empreendidas pelo Princeps. Neste grupo de 11 povos representado no sebasteion de Aphrodisias aparecem os Galaicos, o único da Hispânia, indicando talvez que, por meados do Império,
já se havia generalizado a ideia de que a vitória de Augusto sobre os Galaicos constituiu a etapa
final da conquista da Hispânia. Talvez por terem sido os primeiros a ser controlados por Roma no
noroeste da Hispânia, os Galaicos adquiriram relevância entre os povos da região, o que terá contribuído para o uso desta designação, no senso comum romano, quando se referenciavam as populações que habitavam estes territórios, abarcando assim os Cântabros e Ástures, cujos etnónimos
teriam caído no «esquecimento» com o passar dos anos. Aliás, esta visão dos Galaicos como entidade definidora de uma região poderá mesmo remontar ao período das campanhas de D. Júnio
Bruto, o Galaico, que atravessou o Douro em 137 a.C. (Cruz Andreotti, 2006, 88).
Estas poderão ser algumas
das justificações possíveis para
que os Galaicos sejam o único
povo hispânico, subjugado por
Augusto, referenciado no santuário de Aphrodisias, onde existiria
um que painel reservado à personificação dos Galaicos e de que
resta apenas um fragmento da
base com parte da inscrição:
EΘΝΟ(υς) / ΚΑΛΛΑΙΚΩ(ν) (Smith,
2011, 108 e Est. 44. 22) (Fig. 1). A
sua composição seria idêntica,
por exemplo, à do painel dos
Dácios (Smith, 2011, 92-3 e Est.
26): a epígrafe na base legendava
Fig. 1. Aphrodisias: fragmento de base com inscrição EΘΝΟ(υς) / ΚΑΛΛΑΙΚΩ(ν) (Foto in Smith,
2011, Est. 44.22)
a personificação esculpida na
parte superior (Fig. 2).
Apesar da relevância deste testemunho, o sebasteion de Aphrodisias poderá revelar uma outra
relação com a Hispânia, que nos parece patente em outro painel, colocado na fachada nascente do
pórtico norte, ao centro no piso superior, onde se retrata, à esquerda, Augusto nú, com uma coroa
de folhas de carvalho e segurando talvez uma lança, ladeado por uma águia militar e por um troféu
constituído por uma couraça, elmo, polainas e um escudo redondo, tudo suportado por um cativo
ajoelhado (?); à direita do troféu apresenta-se a Niké/Victoria, envergando um chitón e um manto,
parecendo coroar o troféu com a mão direita (Smith, 2011, 128-31 e Ests. 46-7) (Fig. 3).
É evidente que esta cena, aliás frequente na iconografia romana, poderia simbolizar qualquer
uma ou todas as vitórias obtidas por Augusto sobre os diversos povos que foram dominados por
Roma. Contudo, como já atrás referimos, a vitória sobre os povos do noroeste teve um especial significado para o Princeps, mais não seja por ser a última grande guerra que preparou e comandou
em pessoa no terreno durante algum tempo. Este argumento, associado com a já enunciada epígrafe
referente ao Galaicos, dá certamente alguma força à possibilidade de identificação desta cena como
uma representação da vitória de Augusto na guerra da Hispânia. A este propósito, devemos recordar o tipo ilustrado no reverso dos quinários cunhados em Emerita por Públio Carísio, então Pro-
2. RIC2 1a-b; Cebrián Sánchez, 2013, 146-47, n.º 1-24. As emissões de denários e quinários de P. Carísio são normalmente datadas entre 25 a.C., data tradicionalmente aceite da fundação de Emerita (apesar de a documentação epigráfica recente fazer avançar este acontecimento para 24 a.C., vide Saquete e Álvarez Martinez, 2013, 281) e 1 de julho
de 23 a.C., ocasião em que Augusto é investido, pela primeira vez, pelo poder tribunício. A referência do poder tribunicio na titulatura da emissões em AE de Carísio tem sido utilizada pelos investigadores para as datar entre 1 de
77
Fig. 4. Quinário de Augusto cunhado por P. Carísio em Emerita (Foto R. Centeno)
Fig. 2. Aphrodisias: painel dos Dácios (Foto in Smith,
2011, Est. 26)
Fig. 3. Aphrodisias: painel de troféu entre Augusto e Niké (Foto in Smith, 2011, Est. 46)
pretor, no final das suas campanhas militares2; no reverso desta emissão apresenta-se uma composição similar à do painel de Aphrodisias, sendo a ausência do Princeps a principal diferença, que se
justifica, uma vez que Augusto aparece retratado no anverso (Fig. 4)3. Concluindo, os três elementos
principais da cena do baixo-relevo estão presentes neste quinário, o que, em nosso entender reforçará a interpretação proposta da cena representada neste painel do sebasteion.
Estas observações procuram destacar a importância que as guerras contra os Galaicos, Ástures
e Cântabros tiveram no início do período imperial, obrigando a uma constante investigação para
tentar esclarecer muitos aspetos obscuros, duvidosos e ainda desconhecidos, sendo fundamental,
para o efeito, a realização de trabalhos arqueológicos em sítios que possam estar relacionados direta
ou indiretamente com estes acontecimentos.
Nos últimos anos, os dados revelados por prospeções e escavações têm proporcionado consideráveis contributos sobre a problemática das Guerras Cantábricas, que permitiram reavaliar e
contrariar algumas «verdades indiscutíveis» criadas pela chamada historiografia tradicional4,
baseada em testemunhos escassos e fragmentários de algumas das fontes literárias que chegaram
julho de 23 a.C. e 30 de junho de 22 a.C. Apesar de pretendermos voltar em breve a este tema, de forma mais detalhada, podemos avançar que as emissões de AR e AE são em nosso entender contemporâneas (as diferenças nas
titulaturas resultarão, como seria de esperar, por estarmos em presença de moedas com dimensões distintas),
podendo datar do primeiro semestre de 22 a.C. (até 30 de junho), entre o final das operações militares de Carisius e
do seu mandato. Este numerário comemorando as vitórias militares e talvez o início da construção das muralhas da
cidade, terá servido para pagar aos veteranos do exército de Carísio que então se estabeleceram em Emerita.
3. Fora de Hispânia não existe qualquer outra emissão de Augusto que utilize o tipo representado no quinário de
Carísio, sendo muito frequente na amoedação do período republicano.
4. Sobre o assunto, vide Fernández Ochoa e Morillo, 1999; Morillo, 2008, 2011 e 2014.
78 |
PROBLEMÁTICAS E PERSPECTIVAS SOBRE A PRESENÇA MILITAR NO NOROESTE HISPÂNICO NO TEMPO DE AUGUSTO
até nós5. De facto, atualmente podem-se reconstruir as rotas de penetração do exército romano na
antiga Cantábria graças à descoberta de numerosos estabelecimentos militares, e começa a conhecer-se melhor como se efetuou a passagem da Meseta para a Asturia Transmontana (Morillo, 2008;
2011, 13-14; 2012).
A. Morillo e J. Salido (2010, 147) apontam no mesmo sentido quando sugerem que os abundantes bens provenientes da Bética se canalizaram até este teatro de operações por via marítima
até as Rias Baixas galegas e o percurso inferior do rio Minho, seguindo depois por via terrestre.
Cremos que, se apreciarmos os dados da cultura material até à data identificados, esta hipótese
está perfeitamente bem documentada, especialmente através da distribuição das ânforas Dressel 1
e Haltern 70 ao longo de toda a fachada atlântica, em particular no Noroeste da Península (Morais,
2005; 2007, 99-132; Carreras e Morais, 2011, 34-79; 2012, 419-441).
A possibilidade de ter sido instalada uma base de operações militares, sem dúvida como estação de circulação das tropas romanas até aos cenários bélicos setentrionais, situada a sul do rio
Minho é muito aceitável. A significativa presença militar romana neste setor já havia sido sugerida
pela abundância de moedas com reverso de caetra, cunhadas aquando das guerras cantábricas (Centeno, 1987, 240; Pérez González et al., 1995, 204-205; Centeno, 2010, 171-173). Isto mesmo parece ser
corroborado pelos achados dos tesouros monetários da Citânia de Sanfins e do Castro de Alvarelhos. Neste último local foram até à data recuperados um conjunto de objetos que serão indiciadores
de uma eventual presença militar no povoado, a saber:
– um elemento de escudo romano, datável a partir de finais do século II/princípios do século
I a.C., feita partir de uma única lâmina, com parte central hemisférica, e aletas de perfil trapezoidal com aberturas nos vértices para a fixação do escudo (Moreira, 2007, 40; 137-138,
n.º 256);
– a inscrição dedicada a Turiaco por L. Valerius Silvanus, soldado de VI legião romana, a Victrix (CIL II 5551; Le Roux, 1982, 182); outra (desaparecida), onde se registava a palavra CAESAR e o número XII (Torres, 1979, 32; Centeno, 2011, 364-65, que publica, pela primeira vez,
uma foto desta epígrafe);
– três tesouros monetários (encontrados em 1893, 1964 e 1971), respetivamente, compostos
por um conjunto de moedas de prata do reinado de Augusto até 2 a.C.-4 d.C.; um conjunto
5. Estas informações são recolhidas em Horácio, Patérculo Veleio, Suetónio, Floro, Dião Cássio, Orósio e Antologia
Palatina.
79
de cerca de 523 denários, cujos exemplares mais recentes são de Octaviano/
/Augusto (c. 32-27 a.C.); o terceiro, de
cronologia similar, com cerca de 5.000
moedas, parte das quais estudadas por
Joaquim Torres (1979) e um dos autores
(Centeno, 1987, 34-41);
– associados ao referido tesouro de 1971
encontraram-se nove lingotes de prata
(objetos que representariam um sistema
normalizado da quantidade de moedas
de prata que correspondia a um pagamento), dois quais com a inscrição
Fig. 5. Tesouro de Alvarelhos (1971): lingote em prata com inscrição CAESAR (Foto
CAESAR (Fig. 5), que encontram paraR. Centeno)
lelos noutras partes da Hispania e do
Império (mas sem inscrição), e poderão relacionar-se com a presença de legionários romanos, num momento próximo da data dos denários que fecham os tesouros de 1964 e de 1971
de Alvarelhos (Torres, 1979, 38-44; Centeno, 2011, 364-65);
– outros indicadores – ainda que indiretos – da importância deste local no processo de conquista e sua relação com o mundo itálico de tipo militar, nomeadamente um arnês de cavalo
e dois belos exemplares da torêutica romana, representada por uma pátera (Fig. 6) com o
fundo decorado com um legionário, rodeado por uma inscrição em ouro, e uma pequena
estátua de bronze com a figura de uma Nereida (Moreira, 2007, 38-9, 40, 136, n.º 251, 138-9,
n.º 256.1).
Este conjunto de dados permite pensar que Alvarelhos foi um sítio importante desde as primeiras etapas da conquista do Noroeste da Península, não só no contexto do abastecimento dos
exércitos nas zonas costeiras, mas também para assegurar alianças com as gentes locais e permitir
o abastecimento in loco dos exércitos.
A evidência arqueológica é, no entanto, contraditória, mas suficiente para deixar aberta a
questão de um possível acampamento já que é muito difícil identificar e diferenciar os testemunhos
relativos a um recinto militar construído em terra e madeira que teria facilitado a articulação das
relações entre civis e militares, que nesta região não parecem ter
sido conflituosas durante o processo de romanização, ou seja,
da penetração das estruturas oficiais, administrativas e
culturais de cariz romano. Não se tratava da presença
de um exército de conquista mas antes um exército de
ocupação, um instrumento mais ao serviço da administração romana, com funções de policiamento,
controle e reorganização sociopolítica. Nada teria
que ver com os acampamentos de campanha de
diversos tamanhos estabelecidos pelo exército
romano no interior do território cântabro e ásture
durante o duro processo de conquista, em que se
detetam inclusivamente batalhas e sistemas de assédio (cf. Peralta, 2002 e 2006).
Acrescente-se, ainda, a importância dos exércitos como agentes eficazes de integração política (Le
Roux, 1995, 84). O peso dos militares na vida das proFig. 6. Alvarelhos: Pátera com representação de legionário (Foto MNA)
víncias não residia no seu número mas antes no seu pres-
80 |
PROBLEMÁTICAS E PERSPECTIVAS SOBRE A PRESENÇA MILITAR NO NOROESTE HISPÂNICO NO TEMPO DE AUGUSTO
tígio e função na sociedade (Palao Vicente, 2010, 165; 167). Os contingentes militares cumpriam
certamente as funções de vigilância do território e participaram na construção das estruturas viárias e das primeiras infra-estruturas (Morillo, 2002, 82).
Admitimos, porém, que no estado atual dos conhecimentos a constatação a nível arqueológico é muito débil. As evidências arqueológicas disponíveis não constituem até ao momento argumento suficiente para propor a existência de um acampamento. Podem somente ser o testemunho
de um ambiente claramente militarizado nos finais do período republicano e os inícios do período
imperial.
BIBLIOGRAFÍA
BLÁZQUEZ CERRATO, C. (2002): «Circulación monetaria en el área occidental de la península ibérica. La
moneda en torno al “Camino de la Plata”», Archéologie et Histoire Romaine, 6, Montagnac.
CARRERAS, C.; MORAIS, R. (2011):« Las ánforas de Lucus Augusti», in C. Carreras Monfort, R. Morais e E.
González Fernández, coords., Ánforas romanas de Lugo: comercio romano en el Finis Terrae, Traballos
de Arqueoloxía, 3, Lugo, pp. 34-79.
CARRERAS, C.; MORAIS, R. (2012): «The Atlantic Roman Trade During the Principate: New Evidence from
the Western Façade», Oxford Journal of Archaeology 31(4), pp. 419-441.
CEBRIÁN SÁNCHEZ, M.A. (2013): La ceca romana de Augusta Emerita, Montpellier.
CENTENO, R.M.S. (1987): Circulação monetária no Noroeste de Hispânia até 192, Anexos Nvmmvs, 1, Porto.
CENTENO, R. (2010): «Um novo sestércio de Augusto com a caetra no reverso, aparecido em Brag»a, in R.
Morais, Bracara Augusta, Braga, pp. 171-173, 182, 194-195.
CENTENO, R.M.S. (2011): «Da República ao Império: reflexões sobre a monetização no ocidente da Hispânia»,
in M. P. García-Bellido, L. Callegarin e A. Jiménez Díez, eds., Barter, Money and Coinage in the Ancient
Mediterranean (10th-1st centuries BC), Anejos AEspA, LVIII, Madrid, pp. 355-367.
CRUZ ANDREOTTI, G. (2006): «Polibio y la integración histórico-geográfica de la Península Ibérica», in G.
Cruz Andreotti, P. Le Roux e P. Moret, eds.), La invención de una Geografía de la Península Ibérica, I.
La época republicana, Actas del Coloquio Internacional celebrado en la Casa de Velázquez de Madrid
entre el 3 y el 4 de marzo de 2005, Madrid, pp. 77-96.
ERIM, K.T. (1987): «25 ans de fouilles à Aphrodisias», in J. Genière e K. Erim, eds., Aphrodisias de Carie. Colloque du Centre de Rechercher Archéologiques de l’Université de Lille III, Paris, pp. 7-30.
FERNÁNDEZ OCHOA, C.; MORILLO, A. (1999): La Tierra de los Astures. Nuevas perspectivas sobre la
implantación romana en la antigua Asturia, Gijón.
FERNÁNDEZ OCHOA, C.; MORILLO CERDÁN, A.; GIL SENDINO, F. (2012): «El Itinerario de Barro. Cuestiones de autenticidad y lectura», Zephyrus LXX, pp. 151-79.
LE ROUX, P. (1982): L’Armée Romaine et l’Organisation des Provinces Ibériques d’Auguste a l’invasion de
409, Paris.
LE ROUX, P. (1995): Romains d’Espagne: cités et politique dans les provinces, Ier siècle av. J.-C.-IIIe siècle ap.
J.-C, Paris.
LOSTAL, J. (1992): Pros, Los miliarios de la provincia tarraconense, Zaragoza.
MARTINS, M. (2011): Braga romana, Braga.
MORAIS, R. (2005): «From Oppidum to Dives Bracara: the City Trade Through the Amphorae», in Late Roman
Coarse Wares, I (BAR International Series, 1340), Oxford, pp. 55-67.
MORAIS, R. (2007): «A via atlântica e o contributo de Gádir nas campanhas romanas na fachada noroeste da
península», Humanitas 59, Coimbra, pp. 99-132.
MOREIRA, A. B. (2007): Museu Municipal Abade Pedrosa. Coleção arqueológica, Santo Tirso.
MORILLO, A. (2002): «Conquista y estrategia: el ejército romano durante el periodo augusteo y julio-claudio
en la región septentrional de la península ibérica», in A. Morillo, coord., Arqueología militar romana en
Hispania, Anejos Gladius, 5, Madrid, pp. 67-93.
MORILLO, A. (2008): «De la imagen legendaria a la reconstrucción arqueológica: la conquista de los pueblos
cántabros», in J. R. Aja, M. Cisneros e J.L. Ramírez, eds., Los cántabros en la Antigüedad. La historia
frente al mito, Santander, pp. 105-119.
81
MORILLO, A. (2009): The Augustan Spanish experience: the origin of limes system, in A. Morillo, N. Hanel e
E. Martín, eds., Limes XX. Estudios sobre la Frontera Romana-Roman Frontier Studies, (Anejos de Gladius, 13), Madrid, pp. 239-252.
MORILLO, A. (2011): «The Roman occupation of the north of Hispania: war, military deployment and cultural
integration», in G. Moosbauer e R. Wiegels, eds., Fines imperii –imperium sine fine? Römische Okkupations– und Grenzpolitik im frühen Principat, Osnabrücker Forschungen zu Altertum und AntikeRezeption, 14, Leidorf, pp. 11-26.
MORILLO, A. (2014): «Arqueología de la conquista del Norte peninsular. Nuevas interpretaciones sobre las
campañas del 26-25 a.C.», in F. Cadiou e M. Navarro Caballero, eds., Conflits et sociétés en Hispanie à
l’époque de la conquête romaine (IIIe-Ier s. a.C.), Bordeaux, pp. 133-48.
MORILLO, A.; SALIDO, J. (2010): «El aprovisionamiento del ejército romano en Hispania. Transporte, almacenaje y redistribución», in J. J. Palao, ed., Militares y civiles en la antigua Roma: dos mundos diferentes,
dos mundos unidos, Salamanca, pp. 135-164.
PALAO VICENTE, J.J. (2010): «Una aproximación al estudio de las relaciones entre militares y civiles en Hispania durante el Alto Imperio», in J. J. Palao Vicente, coord., Militares y civiles en la antigua Roma: dos
mundos diferentes, dos mundos unidos, Salamanca, pp. 165-96.
PERALTA, E. (2002): «Los campamentos de las guerras cántabras de Iguña, Toranzo y Buelna (Cantabria)»,
in A. Morillo, coord., Arqueología militar romana en Hispania, Anejos Gladius, 5, Madrid, pp. 327-38.
PERALTA, E. (2006): «La revisión de las guerras cántabras: novidades arqueológicas en el norte de Castilla»,
in A. Morillo, ed., Arqueología militar romana en Hispania. Producción y abastecimiento en el ámbito
militar, León, pp. 535-43.
PÉREZ GONZÁLEZ, C.; ILLAREGUI GÓMEZ, E.; MORILLO CERDÁN, A. (1995): «Reflexiones sobre las
monedas de la caetra procedentes de Herrera de Pisuerga (Palencia)», in M.P. García-Bellido e R.M.S.
Centeno, eds., La moneda hispánica, ciudad y territorio, Anejos AEspA, XIV, Madrid, pp. 199-206.
RIC2C.H.V. Sutherland, The Roman Imperial Coinage, Vol. I. From 31 BC to AD 69, 2ª ed. rev., London, 1984.
RODRÍGUEZ COLMENERO, A.; FERRER SIERRA, S.; ÁLVAREZ SOREY, R.D. (2004): Miliarios e outras inscricións viarias romanas do Noroeste Hispánico (conventus bracarense, lucense e asturicense). Santiago
de Compostela.
SAQUETE, J.C.; ÁLVAREZ MARTÍNEZ, J.M. (2013): «Augusta Emerita: Novedades Epigráficas, Testimonios
Arqueológicos e Interpretaciones Históricas», in Govern i societat a la Hispània romana. Novetats epigràfiques. Homenatge a Géza Alföldy, Tarragona, pp. 279-290.
SCHULTEN, A. (1943): Los Cántabros y Astures y su guerra con Roma, Madrid.
SMITH, R.R.R. (1987): The Imperial Reliefs from the Sebasteion at Aphrodisias, The Journal of Roman Studies
77, London, pp. 87-138.
SMITH, R.R.R. (1988): Simulacra Gentium: the Ethne from the Sebasteion at Aphrodisias, The Journal of
Roman Studies 78, London, pp. 50-77.
SMITH, R.R.R. (2011): Aphrodisias VI: The Marble Reliefs from the Julian-claudian Sebasteion, Mainz.
SYME, R. (1970): The conquest of north-west Spain, in: Legio VIII Gemina, León, pp. 79-107.
TORRES, J. (1979): Tesouro monetário do Castro de Alvarelhos: estudo numismático – seriação cronológica e
histórica, separata de Boletim Curtural de Santo Tirso I, 2-3, Santo Tirso.
TRANOY, A. (1981): La Galice romaine. Recherches sur le Nord-Ouest de la Péninsule Ibérique dans l’Antiquité, Publications du Centre Pierre Paris, 7, Paris.
82 |
PROBLEMÁTICAS E PERSPECTIVAS SOBRE A PRESENÇA MILITAR NO NOROESTE HISPÂNICO NO TEMPO DE AUGUSTO
CELEBRAÇÃO DO BIMILENÁRIO DE AUGUSTO AD NATIONES. ETHNOUS KALLAIKON