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Como produzimos a fala

RESUMO: A capacidade de produzir fala tem sido considerada um dos feitos mais árduos e complexos dos seres humanos, o qual requer o trabalho em conjunto de vários componentes processuais do sistema cognitivo humano (LEVELT, 1989). Como tal, parece plausível alegar que a maioria dos aprendizes de uma segunda língua (L2) experimentam algumas dificuldades em desenvolver esta habilidade, como resultado das diferenças na maneira de como os falantes processam a linguagem em primeira língua (L1) e em segunda língua (L2). Este artigo revisa alguns modelos de produção da linguagem tanto em L1 quanto em L2 a fim de apresentar os processos e mecanismos cognitivos que subjazem a habilidade oral e, dessa forma, tentar apontar algumas razões pelas quais aprendizes de uma segunda língua acham tão difícil falar fluentemente e eficientemente uma L2. ABSTRACT: The ability to speak has been considered one of human beings' most complex and arduous endeavor, which requires the conjoint work of several processing components in the human cognitive system (LEVELT, 1989). As such, it seems plausible to claim that most second language (L2) learners have experienced some difficulties in developing this ability as a result of differences in the way speakers process language in L1 and in L2. This paper reviews some models of language production both in L1 and in L2, aiming at presenting the cognitive mechanisms and processes underlying the speaking ability, so as to try to provide some reasons why learners find it so difficult to speak fluently and efficiently in an L2.

Como produzimos a fala? Donesca Cristina Puntel Xhafaj Mestranda do curso de Letras Inglês e Literatura Correspondente - Universidade Federal de Santa Catarina. Gicele Vergine Vieira Prebianca Mestre e doutoranda em Letras Inglês e Literatura Correspondente pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente atuando como professora de inglês no Instituto Blumenauense de Ensino Superior – IBES e na Associação Educacional do Vale do Itajaí-Mirim – ASSEVIM. Universidade Federal de Santa Catarina RESUMO: A capacidade de produzir fala tem sido considerada um dos feitos mais árduos e complexos dos seres humanos, o qual requer o trabalho em conjunto de vários componentes processuais do sistema cognitivo humano (LEVELT, 1989). Como tal, parece plausível alegar que a maioria dos aprendizes de uma segunda língua (L2) experimentam algumas dificuldades em desenvolver esta habilidade, como resultado das diferenças na maneira de como os falantes processam a linguagem em primeira língua (L1) e em segunda língua (L2). Este artigo revisa alguns modelos de produção da linguagem tanto em L1 quanto em L2 a fim de apresentar os processos e mecanismos cognitivos que subjazem a habilidade oral e, dessa forma, tentar apontar algumas razões pelas quais aprendizes de uma segunda língua acham tão difícil falar fluentemente e eficientemente uma L2. PALAVRAS-CHAVE: Produção oral, Modelos de Fala, Primeira Língua (L1), Segunda Língua (L2). ABSTRACT: The ability to speak has been considered one of human beings’ most complex and arduous endeavor, which requires the conjoint work of several processing components in the human cognitive system (LEVELT, 1989). As such, it seems plausible to claim that most second language (L2) learners have experienced some difficulties in developing this ability as a result of differences in the way speakers process language in L1 and in L2. This paper reviews some models of language production both in L1 and in L2, aiming at presenting the cognitive mechanisms and processes underlying the speaking ability, so as to try to provide some reasons why learners find it so difficult to speak fluently and efficiently in an L2. KEYWORDS: Oral Production, Speech Models, First Language (L1), Second Language (L2). 1. Introdução O desejo de falar uma outra língua, e o que é mais, de falá-la fluentemente é freqüentemente o ideal que move a maioria das pessoas que decidem aprender uma língua estrangeira (KORMOS e DÉNES, 2004). Na nossa experiência no ensino de segunda língua (L2) Neste artigo não fazemos distinção entre os termos “segunda língua” e “língua estrangeira”. – Inglês- inúmeras vezes nos deparamos com alunos e/ou pais de alunos decepcionados com seu desempenho. Não raro alunos adultos chegam a nós com um dilema que, ousamos dizer, é reincidente: o indivíduo consegue ler, entender, por muitas vezes até escrever na L2, mas se sente frustrado pela incapacidade de se expressar oralmente naquela língua. Alguns têm conhecimento formal de regras gramaticais e inclusive vocabulário extenso, porém ainda assim não conseguem alcançar seu objetivo principal – o de se expressar de forma clara e eficiente em L2 como são capazes de fazer em sua primeira língua (L1). Mas, o quão parecida é a produção oral em L1 e em L2? Willem Levelt, autor de um dos modelos de fala em L1 mais ambiciosos e influentes da área, declara: a maioria dos componentes que permitem a produção da fala [em L1] funcionam de forma extremamente automática, como um reflexo, e essa automatização é que permite que os componentes trabalhem paralelamente, condição necessária para que a fala seja gerada fluentemente e ininterruptamente Tradução livre do original, feita pelas autoras. (LEVELT, 1989, p.2). Mesmo sem maior conhecimento sobre o modelo de Levelt, analisando-se apenas esta frase, é possível inferir que a produção da fala em L2 não pode ocorrer exatamente desta forma, afinal, fala fluente e ininterrupta em uma L2 certamente descreve a exceção, e não a regra do que vimos diariamente em nossas salas de aula. Neste artigo fazemos a revisão de cinco propostas, feitas por diferentes autores, para como a fala é produzida em L1 e em L2. Inicialmente focamos em dois modelos de fala em L1, o proposto por Levelt (1989) e o proposto por Dell (1986). Em seguida passamos para a descrição de três modelos de fala em L2 – aquele proposto por Green (1986), o de De Bot (1992) e o de Poulisse e Bongaerts (1994). Concluímos o artigo com a discussão do quão diferente, ou similar, é a produção da fala em L1 ou em L2, de acordo com os modelos propostos e tentamos assim, fornecer insumos que ajudem a aplacar a frustração vista tão freqüentemente nos olhos de falantes de L2 enquanto lutam contra o inevitável – aquele momento em que há tanto a ser dito mas simplesmente não conseguem fazê-lo. 2. A produção da fala por monolíngües Esta sessão revisa dois modelos de produção oral em falantes monolíngües. O primeiro deles, desenvolvido por Dell (1986), tem como princípio fornecer base teórica para dados empíricos, sendo que o autor visa explicar certos padrões de erros encontrados na fala espontânea de monolíngües em estudos comportamentais. No segundo modelo, por outro lado, Levelt (1989) propõe uma teoria mais consistente e ambiciosa, uma vez que o autor tenta explicar todo processo de produção da fala, desde sua conceitualização até a verbalização da mensagem oral. 2.1 Dell (1986) Com o intuito de oferecer uma explicação teórica para os erros encontrados no discurso espontâneo de alguns falantes monolíngües, Dell (1986) sugere um modelo de produção da fala especialmente elaborado para detalhar de que maneira falantes monolíngües selecionam e produzem foneticamente determinados itens lexicais a fim de transmitir suas intenções comunicativas. De acordo com Dell, o léxico mental dos falantes é composto por três camadas de nós (nodes). A primeira contém os nós semânticos (nós que representam o conceito a ser verbalizado); a segunda é constituída por nós lexicais (nós que representam as palavras ou itens lexicais), e a terceira é formada por nós fonéticos (nós que representam os fonemas). Estas camadas estão conectadas por ligações excitantes/provocantes (excitatory) e bidirecionais. Ou seja, quando determinada unidade semântica recebe estímulo externo, a mesma ativa todos os itens lexicais da camada lexical que compartilham de suas características, os quais, por sua vez, ativam todos os fonemas necessários a sua verbalização. Como as ligações entre uma camada e outra são bidirecionais, outras palavras que contém os mesmos fonemas podem ser ativadas também. A seleção lexical é, então, um processo de competição no qual o item mais ativo da categoria gramatical apropriada é escolhido. Segundo Dell, erros na seleção dos itens lexicais podem acontecer quando os mesmos são ativados por compartilhar características semânticas e/ou fonológicas com o item alvo. No modelo proposto por Dell, a seleção dos fonemas acontece semelhantemente à seleção dos itens lexicais, isto é, os mais ativos são os selecionados para preencher as lacunas do “esqueleto” (frame) fonológico. Dell explica que esse “esqueleto” fonológico determina o número e o tipo de sílabas, sons e entonações necessárias à verbalização dos itens lexicais. 2.2 Levelt De acordo com Levelt (1989), a fala fluente e intencional requer a execução de várias atividades mentais e muita atenção por parte do falante. Em seu modelo, especialmente proposto para explicar a produção da fala por monolíngües (L1), Levelt sugere que a construção da mensagem verbal envolve processos conceituais e lingüísticos, uma vez que os falantes devem decidir o que comunicar e como expressar tal intenção comunicativa. Levelt chama este estágio de fase do planejamento (planning phase). É nesta fase que a geração da mensagem acontece, através de macro- e micro-planejamentos (macro-/micro-planning). Enquanto no macro-planejamento os falantes planejam o conteúdo da mensagem e seus objetivos comunicativos, no micro–planejamento os mesmos decidem qual tipo de discurso é mais apropriado para comunicar a mensagem ao interlocutor. Ambos processos ocorrem no primeiro dos quatro componentes responsáveis pelo processamento da fala – o Conceitualizador (Conceptualizer). O produto final desta fase é chamado de mensagem pré-verbal (preverbal message) e servirá como matéria prima para o próximo componente do modelo – o Formulador (Formulator). É no Formulador que os falantes produzem as estruturas gramaticais e fonológicas da mensagem. Levelt propõe que as características gramaticais estão armazenadas no léxico mental dos falantes e segundo ele, é através da ativação dos lemmas (entidades que contém o significado das palavras) que os falantes acessam as informações necessárias para expressar a mensagem em questão. De acordo com Dörnyei and Kormos (1998), a ativação e seleção do lemma desengatilham os processos sintáticos e morfológicos de construção da mensagem. No entanto, um lemma somente será ativado se o mesmo atender a todas as especificações da mensagem pré-verbal. Uma vez isso acontecendo, o lemma específico é selecionado juntamente com suas regras de construção sintáticas. As regras de construção sintáticas estão armazenadas no codificador gramatical (Grammatical Encoder) e representam as categorias sintáticas que são utilizadas na construção de frases nominais (noun phrases), verbais (verbal phrases) e preposicionais (prepositional phrases). O resultado da seleção do lemma e suas regras de construção sintática é, então, armazenado no Syntactic Buffer e é chamado de surface structure – “uma fileira ordenada de lemmas agrupados em frases e sub-frases de vários tipos” (LEVELT, 1989, p.11). O léxico mental também armazena os lexemas (lexemes) (entidades que contém as formas fonológicas e morfológicas dos itens lexicais). Os lexemas são adicionados aos itens lexicais através do processo de codificação fonológica (Phonological Encoding). O resultado desse processo é chamado, segundo Levelt, de plano fonético ou articulatório (ou ainda, discurso interno – internal speech), o qual consiste de um conjunto de regras de como articular um determinado pedaço de fala. Este plano fonético é então enviado ao próximo componente do modelo, o Articulador (Articulator). A função do Articulador é transformar o discurso interno em externo, controlando os músculos articulatórios responsáveis pela execução dos sons, tais como “lábios, língua, dentes, palato alveolar, velum, glote, cavidade bucal e respiração” (BYGATE, 2001, p.16). Talvez um dos componentes mais interessantes do modelo proposto por Levelt seja o Sistema de Compreensão da Fala (Speech Comprehension System). De acordo com Levelt, os falantes podem monitorar e corrigir as disfluências tanto em seu discurso interno quanto externo. Como explicado por Dörnyei and Kormos (1995), há três momentos durante o processamento da fala em que o discurso pode ser monitorado. O primeiro acontece antes da mensagem ser enviada ao Formulador, quando o falante pode conferir se a mensagem pré-verbal corresponde ao que ele tinha previamente conceitualizado. No segundo momento, o monitoramento pode ocorrer após os processos de formulação da mensagem e antes da surface structre ser enviada ao Articulador. Neste ponto, o falante tem acesso ao seu discurso interno. Finalmente, o monitoramento também pode acontecer após a articulação da mensagem, quando o falante confere se o que foi dito faz sentido e foi lingüisticamente bem formulado. No modelo de produção da fala de Levelt, os componentes são vistos como especialistas relativamente autônomos. Isto significa dizer que cada componente precisa somente da sua matéria prima específica e dos seus procedimentos (procedures) para funcionar. Sendo assim, o codificador gramatical (Grammatical Encoder), por exemplo, é o único componente que é capaz de transformar informação conceitual em relações sintáticas, uma vez que lhe seja fornecido sua matéria prima específica – a mensagem pré-verbal. Da mesma forma, o produto do codificador gramatical – a surface structure, servirá como matéria prima para o codificador fonológico (Phonological Encoder), e o próximo componente do modelo receberá o produto desse processo, ou seja, o discurso interno. Segundo Levelt, cada componente do modelo consiste de vários sub-componentes que podem ser mais ou menos autônomos entre si. Além de serem iniciados somente com um tipo específico de matéria prima, os componentes não compartilham informação entre si, ou seja, não há interferência de um componente no processo executado por outro. Se feedback entre os componentes fosse permitido, os processadores teriam acesso a toda informação do sistema, exigindo assim, uma série de regras e procedimentos (algoritmos) para processar esse grande montante de informação em tempo real. Por outro lado, um certo grau de antecipação é permitido no modelo, o que torna possível o funcionamento dos componentes em paralelo, e conseqüentemente, a produção da fala em alta velocidade. Esse trabalho em paralelo dos componentes só é possível porque, segundo Levelt, seu modelo de produção da fala permite o que o autor chama de processo incremental (incremental processing). Ou seja, cada componente pode começar a funcionar com qualquer fragmento da sua matéria prima específica, processando a linguagem em diferentes estágios, desde a geração da mensagem até sua articulação. 3. A produção da fala por bilíngües A próxima sessão revisa três importantes modelos de produção da fala em bilíngües (L2) baseados em Levelt (1989) e em suas hipóteses quanto à produção da fala em L1. Estes modelos juntos fornecem uma idéia de como certas características da L1 são incorporadas à produção oral em L2. São eles: Green (1986), de Bot (1992) e Poulisse e Bongaerts (1994). Segundo De Bot (1992), uma versão bilíngüe para o modelo de Levelt deve explicar todos os fenômenos encontrados na fala de falantes bilíngües mais ou menos equilibrados com relação ao seu controle sobre cada língua. As questões mais importantes são: (1) o modelo deve explicar como dois sistemas podem ser usados independentemente ou misturados dependendo da situação; (2) influências de uma língua sobre a outra devem ser contempladas; (3) o fato de um bilíngüe poder usar mais de uma língua não deve gerar uma desaceleração significativa do processo; (4) já que a maioria dos bilíngües jamais se torna “totalmente” bilíngüe é preciso que o sistema seja capaz de lidar com o fato de que o domínio sobre os dois sistemas não é igual; e (5) o modelo deve ser capaz de arcar com um número potencialmente ilimitado de línguas. 3.1 Green (1986) A motivação de Green para propor esse modelo foi apresentar um modelo de fala que pudesse representar a produção oral tanto de pessoas com deficiências na produção da fala (afásicos) quanto de pessoas sem déficit algum. Uma das possíveis explicações para o fato de danos cerebrais afetarem a produção da fala era de que tal dano destruía ou isolava componentes do sistema da fala que, intacto, permitiria desempenho normal. Essa interpretação entretanto, não conseguia explicar os erros encontrados na fala de não-afásicos e nem alguns padrões de recuperação de afásicos bilíngües relatados por Paradis, Goldblum, e Abidi (1982). Green então propõe uma explicação alternativa para o motivo pelo qual danos cerebrais afetam a produção oral. De acordo com ele, o problema encontrado por afásicos, especialmente bilíngües (pelo menos quando os problemas são temporários), está em controlar sistemas de linguagem intactos (ênfase adicionada) e não em ter um sistema avariado. Erros também são comuns na fala de bilíngües normais e, uma vez mais, refletem falta de controle (que pode ocorrer por uma série de razões tais quais distração ou estresse). Para que esse controle seja exercido sobre o funcionamento do sistema (ou sistemas, no caso de bilíngües) de produção de linguagem, recursos são utilizados tanto para excitar quanto para inibir um sistema. Por esta razão Green prevê um resource generator (gerador de recursos) o qual fabricaria tais recursos a uma certa velocidade, que, para evitar dificuldades no controle dos sistemas, deveria ser igual ou superior a velocidade com a qual os recursos estão sendo consumidos. A energia produzida pelo “gerador de recursos” é necessária para a regulação do aumento ou diminuição da ativação dos componentes internos do(s) sistema(s). Para a seleção de uma palavra, por exemplo, é necessário regular a quantidade de ativação que a mesma recebe para que alcance um dado patamar e se torne disponível como uma opção de resposta. Além disso, para que uma específica palavra seja selecionada, a ativação da palavra escolhida deve exceder a dos seus competidores, os quais devem ter seus níveis de ativação reduzidos. De acordo com Green, compreensão e produção da linguagem são subsistemas separáveis e diferentes línguas dependem de diferentes sistemas. No caso de bilíngües normais, apesar de apenas uma língua ser selecionada para produção (língua selecionada), outra língua Uma segunda ou terceira língua., que é usada regularmente pelo indivíduo, pode estar afetando o processo corrente (língua ativa). Se essa outra língua não é usada regularmente, ela ainda assim continua armazenada na memória de longo prazo, apesar de não ter nenhuma influência no processo corrente (língua adormecida). A ativação de duas (ou mais) línguas, ao mesmo tempo, vai resultar tanto em atrasos em nanimg (nomeação) em qualquer uma das línguas (MÄGISTE, 1979), quanto em interferência (GROSJEAN, 1982). Ser capaz de falar duas (ou mais) línguas também pode causar “code-switching” (alternância de código - elementos de uma língua aparecem na fala produzida em outra língua). Para que a fala seja produzida em apenas uma das línguas ativas, um specifier (“especificador”) é necessário para definir como o sistema deve ser controlado se a pessoa quer falar somente na L1, por exemplo. A língua escolhida (L1) deve ser reconhecida (através de “etiquetas” “Tags” no original. ligadas a palavras ou estruturas distinguindo as diferentes línguas) e os dispositivos para produzi-la devem ser selecionados, enquanto a produção do outro sistema de linguagem (L2) é inibida. Para que a seleção de uma língua ocorra é importante então que, além de um aumento na ativação da L1 (a língua selecionada), ocorra a supressão da L2 (a outra língua ativa). Tal supressão pode ser feita tanto pela própria L2 (supressão interna), ou pela L1 (supressão externa). Conforme o número de línguas que um sujeito fala aumenta, os problemas de controle também devem se tornar mais freqüentes já que várias línguas podem estar ativas ao mesmo tempo. Para reduzir o problema de controle em poliglotas, Green especula que pode haver um limite no número de sistemas de linguagem que podem estar ativos ao mesmo tempo. Entretanto, tal restrição não é parte desse modelo. 3.2 De Bot De Bot defende que falar não é fundamentalmente diferente para monolíngües ou bilíngües e, portanto, na sua adaptação do modelo de Levelt (1989) para explicar a produção oral em L2, ele apenas fez as mudanças realmente necessárias para explicar descobertas empíricas. O componente do conhecimento do modelo, ou seja, o conhecimento declarativo que o falante possui não depende da língua em que o mesmo deseja falar. Sendo assim, uma vez que esse é o mecanismo que informa o Conceitualizador sobre registro, como proposto por Levelt (1989), o componente do conhecimento também tem que estar ciente das convenções a serem utilizadas em diferentes situações comunicativas e deve, assim, informar o Conceitualizador sobre qual a língua mais apropriada a ser utilizada num dado contexto. É provável que no Conceitualizador o planejamento do conteúdo da mensagem (macro-planejamento) também não dependa da língua na qual a mensagem será produzida, o que quer dizer que quando queremos expressar a idéia ou intenção de “convidar o interlocutor para ir ao cinema” não é preciso ter decidido em que língua vamos fazer isso, já que nesse estágio a mensagem é não-lingüística. Já para o planejamento da forma dessa mensagem, o micro-planejamento, é necessário que se saiba a língua escolhida para que a codificação seja feita especificamente para aquela língua. Deduz-se, portanto, que a escolha da língua se dá no conceitualizador, na fase do macro-planejamento. De acordo com o modelo de De Bot, pessoas bilíngües contam com apenas um léxico que, apesar de ser possivelmente vasto, é organizado de tal forma que a seleção de palavras se dá com rapidez e precisão. Para que isto aconteça, De Bot adota a Hipótese de Subgrupos Subset Hypothesis no original. (PARADIS, 1987) para explicar a organização interna do léxico. Se esta hipótese é seguida, itens lexicais de uma língua seriam resgatados do léxico como um grupo, reduzindo assim drasticamente as opções de escolha quando a seleção de “lemmas” acontece. Assim como Green (1986), De Bot também propõe que os elementos lexicais têm um número de características diferentes e, para que um deles se torne ativo, o mesmo tem que ser estimulado até um certo nível mínimo. Outro ponto em comum com o modelo do Green é que bilíngües não podem simplesmente ligar ou desligar suas línguas. Apesar de apenas uma língua poder ser selecionada, pode haver mais línguas ativas (as quais deveriam fazer tudo o que a língua selecionada faz, menos produzir fala) ou adormecidas. Com relação ao Formulador, De Bot prevê que o conhecimento procedural necessário para produzir diferentes línguas também será diferente, pelo menos para línguas que são lingüisticamente distantes (por exemplo Português e Japonês seriam com certeza mais distantes do que Português e Espanhol) e isso prevê a existência de Formuladores diferentes para cada língua. Esta colocação, contudo, acabou por gerar várias críticas ao modelo proposto por De Bot já que, para que a alternância de código entre línguas ocorra, é necessário que o planejamento da mensagem aconteça concomitantemente em cada Formulador. Como não existe limite no número de línguas que um indivíduo possa falar, também não existe limite no número de Formuladores desnecessariamente Esses planos podem ser julgados desnecessários já que, na maioria das vezes, esta mensagem jamais será produzida oralmente. planejando linguagem ao mesmo tempo e isto deixa o modelo de De Bot extremamente não-econômico. Com relação à codificação fonológica, Levelt toma as sílabas como unidades básicas da execução articulatória, então o plano fonético nada mais é do que uma série de programas de sílabas, tipicamente automatizados, que não tem que ser fabricados a partir do zero cada vez que uma palavra é produzida. Em bilíngües, contudo, o nível de automatização vai provavelmente depender do nível de proficiência do indivíduo em uma dada língua, porém, é provável que bilíngües com níveis mais avançados de proficiência dependam de um só grupo de programas de sílabas para as diferentes línguas. No que diz respeito à articulação, uma vez mais seguindo as propostas de Levelt, De Bot aprova o modelo “controle com referência no modelo” “Model referenced control” no original.. A proposta deste modelo é de que os falantes têm um modelo interno do som a ser produzido e um modelo interno do seu próprio sistema de fala, de modo que o indivíduo sabe como esse sistema deve ser ajustado para produzir um som específico. Para ser capaz de articular a fala com precisão o falante bilíngüe deve ter modelos para todas as sílabas das diferentes línguas que fala. Finalmente, se cada língua tem um Formulador, é natural esperar que exista um sistema de compreensão oral separado para cada língua também. Nessa primeira versão do modelo de produção da fala em bilíngües, De Bot deixa uma importante questão não resolvida, a da relação entre conceitos e itens lexicais – se um conceito que precisa ser exprimido em uma língua não possui o item lexical correspondente para expressá-lo, isso vai causar problemas no Formulador durante o estágio de codificação gramatical (isto é, quando lemmas são selecionadas do léxico). A idéia de que o Conceitualizador de alguma forma “sabe” sobre a disponibilidade de itens lexicais quando a mensagem pré-verbal é gerada vai contra a premissa modular do modelo de Levelt, que não permite feedback entre os diferentes componentes. Uma possível solução para esse problema é trazida por De Bot e Schreuder (1993). Segundo os autores, o problema de lexicalização deixado sem solução por De Bot (1992) pode ser resolvido com a inclusão de um novo componente ao modelo de fala proposto por Levelt (1989) – o Verbalizador (BIERWISCH E SCHREUDER, 1992). Em poucas palavras, o Conceitualizador apresenta ao sistema fragmentos de linguagem e o Verbalizador conecta pedaços dessa estrutura conceitual a representações semânticas dos lemmas no léxico mental. Já que línguas diferentes podem lexicalizar os componentes de uma estrutura conceitual de forma diferente Ex. Português – “Ele viu.”, Inglês “He has seen.”., quando o Verbalizador tenta fazer a conexão de um fragmento da mensagem desejada a um lemma ele leva em consideração o contexto e assim divide a mensagem em pedaços apropriados a uma dada língua. Para que o Verbalizador saiba qual padrão de linguagem deve seguir ao dividir a estrutura conceitual, a língua escolhida vem acoplada à mensagem pré-verbal, na forma de uma dica “Cue” no original.. O Verbalizador então extrai a informação sobre a língua escolhida da mensagem pré-verbal e pode fragmentar a mensagem em porções que podem ser lexicalizadas naquela língua. 3.3 Poulisse e Bongaerts (1994): De acordo com Poulisse e Bongaerts (1994), o modelo proposto por De Bot (1992) é particularmente problemático no que diz respeito à escolha da língua na qual o falante vai se comunicar. Os autores alegam que o modelo não explica claramente como os falantes são capazes de conduzir dois (ou mais) planos de fala (speech plans) simultaneamente, uma vez que, segundo De Bot, a seleção da língua faz parte da mensagem pré-verbal, portanto, já especificando em que língua a fala será processada. Com o objetivo de tentar resolver esta aparente falha no modelo de De Bot, Poulisse e Bongaerts (1994) propõem um modelo no qual a escolha da língua a ser produzida é feita na mensagem pré-verbal (assim como proposto por De Bot e Schreuder,1993), sendo idealizada como um componente lingüístico da mensagem. Tal componente, juntamente com a informação específica anexada aos itens lexicais armazenados no léxico mental servirão como atributos na ativação e seleção dos lemmas necessários à formulação da mensagem verbal. Poulisse e Bongaerts (1994) alegam que a seleção lexical ocorre através do mecanismo de spreading activation. Isto é, para que um item lexical em L2 seja selecionado o mesmo precisa receber um montante de ativação maior do que o seu equivalente em L1. Isso porque, segundo os autores, os itens lexicais em L1 e L2 são armazenados em um único conjunto e não em diferentes sub-conjuntos como proposto por De Bot (1992). Segundo os autores, além de conter informações conceituais, as palavras (ou itens lexicais) de um léxico bilíngüe também precisam carregar algumas características específicas da língua em questão para serem selecionadas. Sendo assim, Poulisse e Bongaerts sugerem que os itens lexicais são rotulados com etiquetas que informam suas características lingüísticas (language tags), especificando assim, a que língua pertencem. Para selecionar a palavra “boy”, por exemplo, seriam necessárias especificações conceituais tais como “boy = [+human], [+male], [+young], [- adult], [+ English]” (POULISSE e BONGAERTS, 1994, p. 216). Esse é um procedimento necessário porque, de acordo com Poulisse (1997), alguns itens lexicais em L1 podem compartilhar certas características conceituais com itens em L2 e, dessa forma, conseqüentemente, receber ativação também. Ao idealizarem que a mensagem pré-verbal possui um componente lingüístico especificando em que língua a fala será produzida (nesse caso algo do tipo [+L2]), Poulisse e Bongaerts são capazes de explicar alternâncias de código (code-switches) intencionais ou não na produção oral em L2. Segundo eles, enquanto o uso intencional de L1 é determinado pela especificação ou escolha da língua na mensagem pré-verbal, mudanças de código não intencionais de L1 para L2 são vistas por Poulisse e Bongaerts como deslizes (slips-of-the-tongue), uma vez que os itens lexicais são erroneamente selecionados. Apesar de que grande parte das adaptações propostas por Poulisse e Bongaerts ao modelo proposto por Levelt (1989) diz respeito à organização do léxico e à seleção dos itens lexicais por falantes bilíngües, os mesmos fazem algumas sugestões com relação aos aspectos morfológicos e fonológicos da formulação da mensagem oral. Segundo eles, os morfemas inflexionais são empregados de acordo com a língua em uso, isto é, quando a fala é produzida em L1, todos os morfemas tendem a pertencer ao sistema lingüístico da L1, o mesmo acontecendo com morfemas de L2 em casos nos quais a fala é processada nessa mesma língua. No tocante aos aspectos fonológicos, Poulisse e Bongaerts afirmam que os mesmos são determinados pela língua dos itens lexicais selecionados (uma idéia já apresentada por Levelt (1989) em seu modelo de produção da fala em L1). Os autores também concordam com De Bot (1992) concluindo que os falantes bilíngües devem ter um grande estoque de padrões de sons e tons (pitch) que podem ser utilizados tanto para produzir fala em L1 quanto em L2. Igualmente, a exemplo dos itens lexicais, fonemas em L1 e L2 são armazenados em um único depósito e possuem etiquetas lingüísticas (language tags) indicando a que língua pertencem. 4. Conclusão Em um artigo de 1998, Fortkamp traz uma série de diferenças observadas em estudos empíricos, conduzidos por uma série de pesquisadores, na produção oral em L1 e em L2. Segundo ela, esses estudos mostram que: (1) A produção oral de não-nativos tende a reproduzir a organização da L1 mas acontece com um maior número de pausas, que tomam uma maior parte do discurso, com mais hesitações e com uma menor velocidade (DESCHAMPS, 1980; RAUPACH, 1980); (2) A fluência de não-nativos depende do contexto (RIGGENBACH, 1991) e da estrutura da tarefa (EJZENBERG, 1992); e (3) Falantes não-nativos fluentes têm várias características em comum enquanto não-nativos que não são fluentes são “não-fluentes” de diferentes formas (RIGGENBACH, 1989; OLYNYK, D’ANGLEJAN, SAKOFF, 1990; EJZENBERG, 1992; FREED, 1995). Fica bastante claro, ao analisarmos as conclusões dos estudos revisados por Fortkamp (1998), que o produto da produção oral, ou seja, a fala em si difere bastante quando é feita em L1 ou em L2. Podemos, no entanto, dizer que estas diferenças refletem processos distintos na produção da linguagem em L1 e L2? De acordo com os modelos revisados parece que sim. Mesmo concordando com De Bot (1992) quando ele defende que a produção oral em L1 e em L2 não é fundamentalmente diferente e que, portanto deveríamos ter um único modelo que descrevesse tanto a produção em L1 quanto a produção em L2, por enquanto é difícil dizer que algum dos três modelos de produção em L2 revisados no presente artigo cumpra essa promessa. Apesar de serem contribuições inegáveis para o entendimento de um processo tão complexo quanto o da produção da fala, nenhum desses modelos, compreensivelmente, consegue esgotar a infinidade de detalhes que devem ser explicados quando temos indivíduos com capacidade de produzir (separadamente ou não) diferentes línguas. O ponto principal é que, apesar de ser aparentemente fácil, a produção oral é, por si só, um processo extremamente intricado para o qual ainda não temos todas as respostas. Quando pensamos em uma L2, este processo se torna claramente ainda mais complexo e demanda muito mais esforço cognitivo dos indivíduos. É preciso então ficar claro, para qualquer aprendiz de L2 que sonha com o ideal de falar em uma segunda língua tão facilmente quanto o faz na primeira, que realmente as coisas não são tão simples quanto parecem e a dificuldade experimentada por esses indivíduos nada mais faz do que colocar tal processo em câmera lenta já que o mesmo acontece de uma forma muito mais controlada. É somente nesses momentos que podemos entender que a laboriosa fala em L2 é totalmente esperada e compreensível; o que é diferente, fantástico, fascinante, quase milagroso é a produção oral rápida, correta, e fácil em L1. 5.Referências BIERWISCH, M., SCHEUDER, R. From concepts to lexical items. Cognition, 42, p.23-60, 1992. DE BOT, K. A Bilingual Production Model: Levelt’s ‘Speaking’ Model Adapted. Applied Linguistics, v. 13, p.1-24, 1992. DE BOT, K., SCHREUDER, R. Word production and the bilingual lexicon. In: SCHREUDER R. & WELTENS, B. (Eds.) The bilingual lexicon. 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