ATOS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO – PPGE/ME FURB
ISSN 1809– 0354
v. 4, nº 1, p. 122-140, jan./abr. 2009
SIMBIOSE: PRÉ-SUPOSTO PARA UMA EDUCAÇÃO HUMANIZADORA
SIMBIOSIS: PRESUPUESTO PARA UNA EDUCACIÓN HUMANIZADORA
Roque Strieder
Strieder@unoescsmo.edu.br
Cleidiana Watte
cleitte@zipmail.com.br
RESUMO. O presente artigo visa trazer para o debate perspectivas diferentes das
usuais, fundamentando o processo humanizador. A concepção de uma evolução da
vida e dos próprios seres humanos, tendo como base a colaboração, desmonta
muito do que considerávamos saber. Revelar como a condição de humanização, a
condição de sobrevivência da espécie se fundamenta na colaboração e na ajuda
mútua e o leque de implicações humanas, envolvidas na discussão colaborativa,
exige muita honestidade, mas também, cautela para não alimentar mais uma vez
falsas expectativas. Cabe olhar a trajetória evolutiva da humanidade como trajetória
que, durante milhões de anos, manteve a aglutinação de gens em grupos
cooperativos. Apostamos na educação como sendo uma das portas imprescindíveis
para uma humanidade mais sensível, mais colaboradora, mais participativa e mais
atenciosa para com o outro. E isso só terá sentido se comprometido com o bemviver-com-os-outros, assegurado também no espaço da educação escolar.
Palavras-chave: Educação, colaboração, humanização.
RESUMEN. El presente artículo tiene como objetivo traer para el debate
perspectivas distintas de las usuales, fundamentando el proceso humanizador. La
concepción de una evolución de vida y de los propios seres humanos, teniendo
como base la colaboración, desmonta mucho de lo que considerábamos saber.
Revelar como la condición de humanización, la condición de supervivencia de la
especie se fundamenta en la colaboración y en la ayuda mutua y en una cantidad
de implicaciones humanas, envueltas en la discusión colaborativa, exige mucha
honestidad, pero también, cautela para no alimentar más una vez falsas
expectativas. Cabe mirar el trayecto evolutivo de la humanidad como un trayecto
que, durante millones de años, mantuve la aglutinación de genes en equipos
cooperativistas. Acreditamos en la educación como siendo una de las puertas
imprescindibles para una humanidad más sensible, más colaboradora, más
participativa y que busca tener más atención con los demás. Y, eso, solo tendrá
sentido si comprometido con el bien vivir de los otros, asegurando también el
espacio de la educación escolar.
Palabras llave: Educación, colaboración, humanización.
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A indeterminada natureza humana
A natureza humana é indeterminada, é versátil e não linear. Somos unos e
múltiplos, indivíduos e coletivos, competitivos e colaborativos. Somos complexos –
Homo complexus (MORIN, 2000) -, mantemos relações de interdependência com
tudo e todos, vivemos em uma dinâmica caótica. Navegamos em ondas de furor e
ódio, mas também ancorados nas sábias brisas do amor. Somos seres inebriados
em ondas de angústia e de ansiedade, mas também fruímos no gozo do bem-viver.
Somos seres racionais nutridos por conhecimentos comprovados, mas andamos
envoltos em mitos e quimeras cultuando ilusões e magias. Mergulhamos em sendas
e brechas onde o incontrolável se manifesta nas profundas formas das afetividades,
perpassadas, constantemente, pelos sonhos, pelas angústias, pelos desejos, pelos
medos e pelas esperanças. Somos complexus, somos indeterminados, somos seres
humanos.
É pertinente reconhecer nossa dualidade: Homo sapiens e Homo demens.
Como sapiens manifestamos nossa racionalidade. Como demens comparecemos
com nossas loucuras. Pervagado pelas duas dimensões, oscilamos por entre a
condição de produtores, de técnicos, de construtores, de estéticos, de eróticos, de
conscientes e inconscientes, de mágicos, religiosos e neuróticos; cantamos,
gozamos, nos divertimos, dançamos, imaginamos e fantasiamos. Todas essas
manifestações se entrecruzam, se dispersam se compõem e envolvem indivíduos e
conforme os indivíduos em seus grupos, comunidades e, em diferentes momentos.
A seguir e, sem a pretensão de exaurir o tema, nem mesmo alimentar sonhos
idílicos sobre a humanidade, pretendemos mostrar uma outra face também presente
no processo da humanização: a dimensão colaborativa. São momentos, de certa
forma indistintos, todos revelando confiança na solidariedade humanizadora.
Dimensões da e na linguagem
No estudo da evolução e dos rumos da humanização, reconhecidos por
estudiosos das biociências como MORIN (1975), MATURANA e VARELA (1995),
RIDLEY (2000), entre outros, admite-se que a morfogênese da humanização seja
resultado de um complexo processo de interações e interferências no genoma
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constitutivo, no cérebro/mente e no contexto social/cultural. Os Homo sapiens
sapiens evoluíram e constituíram-se através de um processo de melhoramento e
aumento da complexidade sistêmica e capacidade de aprendizagem.
O Homo sapiens/demens, como também os demais sistemas vivos, em seu
caminhar evolutivo, o fazem de maneira tal a constituir-se como um processo de
melhoramento o que significa aumento de complexidade. A complexidade tem a ver
com formas diferenciadas de viver, conviver e existir de maneira sistêmica, de
perceber o planeta e evoluir cerebralmente. A concepção sistêmica “diz respeito [...]
a
sistemas
vivos,
cognitivos
e
sociais,
[...]
dotados
de
capacidade
de
complexificação e de aprendizagem” (LERBERT, 1997, p. 23).
A nova antropologia deseja compreender o porquê e como ocorreram as
modificações no fenótipo ontogênico da linhagem humana; compreender o modo de
vida diferente que passou a ser conservado; tenta compreender o processo evolutivo
dentro desse novo modo de vida no contexto de seres portadores de inovações.
Para Maturana, a origem da linguagem está intimamente ligada ao
estabelecimento de um domínio de relações consensuais de condutas. Essas
condutas exigem uma história de “encontros recorrentes na aceitação mútua
suficientemente intensa e prolongada” (1998, p. 96).
O domínio de relações consensuais de condutas fez parte do contexto vivencial
dos homínidas que, por volta de cinco milhões e setecentos e cinqüenta mil anos
(REICHHOLF, 1995), viveram na África. O modo de vida que eles começaram a
construir centra-se na coleta. Uma coleta que implica em compartilhar alimentos e na
colaboração do macho e da fêmea na criação e no cuidado para com os filhotes.
Inicia-se um modo de vida que passa a centrar-se, cada vez mais, em encontros de
convivência com base na sensualidade. Na medida em que se intensificam os
encontros sensuais inicia-se a prática sexual frontal e, a fêmea passa a desejar a sexualidade
como forma de prazer. Para que isso se torne possível seu corpo sofre inúmeras modificações.
Desenvolve uma série de atrativos erógenos que a tornam atraente ao macho para além do
período de fertilidade, quando o atraía pelo sentido do olfato e com base nos feromônios (MORIN,
1975).
Os primeiros grupos humanos iniciaram o processo de humanização quando
passaram a conservar esse modo de vida grupal, sustentado no cuidado mútuo, na
colaboração e no compartilhar de alimentos. Um modo de vida que, tendo o cuidado
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e a ajuda mútua como centralidade, tornou possível a linguagem. Linguagem que
passa a ser percebida como um meio para sobreviver e manter as relações de
interdependência no interior dos nichos vitais que estão sendo construídos.
Pode-se afirmar que o fato de convivermos com os outros, construindo nossos
nichos vitais e estabelecendo relações através da linguagem, nos constitui
efetivamente como humanos. A possibilidade e o desenvolvimento da linguagem
traz características essencialmente humanas, vinculadas com a aproximação, a
aceitação mútua e o desejo de trocar-se coisas entre uns e outros. O humano se
conservou através de um modo de vida que tornou e continua tornando possível a
linguagem. A linguagem humana é aberta e acontece em forma de teia enredada e
sistêmica. Ela pode ser elaborada, re-elaborada e faz parte de nossa constituição
grupal.
Nas pistas da simbiogênese
No mundo moderno, diante da forte presença da economia de mercado,
priorizando a satisfação do interesse próprio, será possível educar crianças, jovens e
adultos para desejarem afirmar a vida como um processo evolutivo coletivo,
simbiótico e voltado para o bem de todos? Para crer na possibilidade de tal
educação é preciso entender que somos movidos pelo desejo de conviver com o
outro e que nossa condição humana é bem mais profunda e complexa do que os
reducionismos propostos e defendidos por Hobbes, Hegel, Smith e outros. É preciso
reconhecer que o amor, a cooperação, a evolução da linguagem e a solidariedade
fizeram
e fazem
parte
da
constituição humana
e
que, através
desses
sentimentos/ações nos humanizamos enquanto espécie.
É nesse sentido que inúmeros novos pressupostos sobre a evolução começam
a ser admitidos. Todos, de uma maneira geral, concebem a vida em evolução,
porque os seres humanos aprenderam a cooperar e manter a vida através da
simbiogênese, ou seja, a criação de novas formas de vida por meio da cooperação,
associação e interdependência entre seres. O físico Fritjof Capra afirma com
insistência: “estamos começando a reconhecer a cooperação contínua e a
dependência mútua entre todas as formas de vida como aspectos centrais da
evolução” (1997, p. 185).
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A cooperação foi a maneira utilizada pelas colônias de bactérias para se
manterem vivas. Um exemplo dessa evolução cooperativa é expresso pela bióloga
sistêmica
Margulis:
“Muitas
espécies
construíram
imensas
colônias
-
emaranhamentos microbianos multinivelados nos quais as camadas superiores
queimavam e morriam, mas, formavam um escudo, com seus corpos mortos, para
proteger as partes inferiores” (Apud CAPRA, 1997, p. 190).
De maneira colaborativa, a vida continuou incessantemente surgindo e
evoluindo. Capra sustenta que as formas de vida só se mantiveram em ambientes
extremamente adversos, pela opção à simbiose/colaboração. Diferentes espécies
colaboram e ajudam-se mutuamente compartilhando de material genético para se
complementarem e tornarem-se mais resistentes. Assim, “grandes reuniões dessas
equipes de bactérias podem operar com coerência de um único organismo,
executando tarefas que nenhuma delas pode realizar individualmente” (CAPRA,
1997, p. 190).
Fissuras na rodada competitiva
Nos tornamos humanos com base nas relações que estabelecemos com os
outros. Essas relações podem ocorrer em forma de simbiose ou de conflito, muitas
vezes de forma simultânea. Talvez seja necessário aceitar que não podemos fazer tudo o que
queremos, mas também não nos é viável fazermos somente o que os outros querem que
façamos.
Na visão do consumismo, somos, cada vez mais, reduzidos a consumidores e
produtores. Cada dia temos a sensação que a convivência humana e a criação de
laços afetivos e colaborativos, quando encontram espaço nas relações, dão-se de
maneira secundária. Ao mesmo tempo em que idolatramos o trabalho na forma
capitalista, como fonte de dignidade, criamos uma consciência individualista de vida
social, porque apostamos na realização de desejos individuais em primeira instância.
Como não há espaço para os mais de seis bilhões de Homo sapiens, terem o
mesmo potencial de consumo, a condição de existência para os excluídos torna-se
cada vez mais difícil. Mas, mesmo diante de tantas dificuldades, os desejos e ações
simbióticas não são inexistentes. Almejar a felicidade, possibilitada pelo convívio
social colaborativo, é prática diária de grande contingente humano, que vivencia as
relações de interdependência de maneira fervorosa.
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Nos pontos cegos da crença competitiva podem radicar inúmeras novas
interfaces do relacionamento humano para platôs menos arbitrários e menos
convergentes para a conflitividade e a competição. No complexo mundo relacional
dos humanos, as plicas rizomáticas (DELEUZE e GUATTARI, 1995), nas quais
circulam nossos desejos e nas quais se lançam nossas existências, é também
resgatável um sentido humanizador de convivência. Se, no imaginário das grandes
bifurcações, nas quais o vir-a-ser humano in-habita também as bordas e nem todos
se movem sob a estreita lógica competitiva, o reconhecimento mútuo e a
colaboração marcam presença por detrás do conflito competitivo. Talvez já tenha
ocorrido demasiada perda de tempo no esforço e no reforço do princípio organizativo
único da sociedade humana em torno do fundamento da competição. Abrir mão
desse princípio permite conjugar a emergência humana em outras veredas. Em
veredas em que o reconhecimento, o entendimento e a colaboração também são
possuidores de contributos possíveis por que desejados. Esse é o sonho de Capra:
O reconhecimento da simbiose como força evolutiva importante
tem profundas implicações filosóficas. Todos os organismos
maiores, inclusive nós mesmos, somos testemunhas vivas do
fato de que práticas destrutivas não funcionam a longo prazo.
No fim, os agressores sempre destroem a si mesmos, abrindo
caminho para outros que sabem como cooperar e como
progredir. A vida é muito menos uma luta competitiva pela
sobrevivência do que o triunfo da cooperação e da
criatividade. Na verdade, desde a criação das primeiras
células nucleadas, a evolução procedeu por meio de arranjos
de cooperação e de co-evolução cada vez mais intrincados
(1997, p. 193, grifos nossos).
Humanização: a inefável presença colaborativa
A cooperação simbiótica (ROSNAY, 1997) pode ser percebida na espécie
humana e foi fundamental para que a nossa espécie continuasse a sua trajetória
evolutiva. Dentre as inúmeras hipóteses sobre o surgimento do humano e da
humanização, temos a do nascimento prematuro de bebês símios antropóides
marcando o desencadear da nossa evolução (REICHHOLF, 1995). Esses bebês, por
serem totalmente dependentes dos adultos, principalmente para se alimentarem e
se locomoverem requeriam maiores cuidados, proximidades, toques e atos
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carinhosos. Os grupos homínidas transformaram a comunicação corporal/emocional
em fonte repleta de sensibilidade e passaram a desenvolver mais profundamente a
afetividade. Os adultos passaram a manifestar afeto e atenção para com os filhotes
e assumiram a responsabilidade do cuidado. Essa convivência coletiva e de ajuda
mútua fez surgir e reforçar os traços de relacionamento humano dos quais somos,
ainda hoje, dependentes. Na afirmação de Capra: “Os primeiros seres humanos [...]
caçando juntos, também partilhavam seus alimentos e essa partilha dos alimentos,
tornou-se outro catalisador para a civilização e a cultura humana, originando
finalmente as dimensões míticas, espirituais e artísticas da consciência humana”
(1997, p. 205).
A exigência de cuidado, a presença intensa e extensa da mãe, a
amamentação, até a possibilidade do filhote alimentar-se sozinho, foi condição
fundamental para promover a humanização. O macho participa de forma direta na
obtenção de alimentos, seja para a mãe durante a gravidez, ou mesmo depois do
nascimento até que a criança e a mãe estejam em condições de cuidarem a si
próprias.
Da relação alimentar decorre uma reflexão em direção à simbiogênese que
enobrece o processo de humanização. É a mulher que necessita de uma
alimentação mais rica em proteínas e não o homem. É ela que precisa de elementos
nutritivos ricos em fósforo e proteínas já que são esses elementos nutritivos
necessários para o desenvolvimento estrutural do feto. Diferentemente, o homem
precisa tão somente o necessário para o seu crescimento e a regularidade de seu
metabolismo. O homem precisa de alimentos ricos em “combustível”, ou seja,
alimentos energéticos. Ele precisa de lipídeos e glucídios, dos quais obtém a energia
necessária para sair e procurar alimentos (REICHHOLF, 1995). São esses alimentos
energéticos que lhe disponibilizam uma musculatura mais consistente do que na
mulher. No seio dessa simbiogênese, na relação alimentar, encontram-se princípios
de humanização.
Enquanto o homem caça e traz carne, alimento rico em proteínas, a mulher se
dedica à coleta e ao cultivo de tubérculos ricos em amido. Assim, a mulher dispõe
dos alimentos fornecedores de energia e o homem dispõe dos alimentos estruturais.
Segundo Reichholf (1995) os papéis estão invertidos. Aquilo que um sexo obtém, o
outro necessita. Aqui reside um dos importantes princípios originários do processo
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de humanização. Essa forte ligação e inter-dependência entre os sexos não se
encontra tão acentuada em outras espécies, nem na dos parentes mais próximos.
Para Reichholf (1995), a coesão e troca entre macho e fêmea, ou entre homem
e mulher, é garantia de êxito para a sobrevivência da espécie Homo. Permanecer
juntos também é fundamental no período de gestação e no período de cuidados ao
bebê até a sua parcial auto-suficiência. O pré-suposto da colaboração e do cuidado
é imprescindível para que a espécie homínida se consolide e não seja condenada ao
fracasso evolutivo. Reichholf (1995), assegura que o pacto firmado entre os sexos,
no qual o homem garante o alimento que a mulher necessita e a mulher garante o
alimento que o homem precisa, constitui-se no suporte evolutivo da espécie e mais,
numa das condições da caminhada, rumo à humanização. Há colaboração, ajuda
mútua, altruísmo recíproco no qual ambos os sexos saem ganhando. Os homens
têm bons motivos para investir na mulher com a qual pretendem ter filhos.
A neotonia
O fenômeno da permanência de algumas espécies e inclusive da espécie
humana numa fase longa de desenvolvimento é conhecido como neotonia
(ASSMANN e MO SUNG, 2000). Na maioria dessas espécies, a fase neotênica se
estabelece entre a juventude e a maturidade sexual, nos humanos ele se estende
pela vida toda.
O
desenvolvimento
humano
encontra-se
profundamente
vinculado
à
alimentação. A relação humano-alimentação não foi uma simples transferência de
produtos das mães para os bebês através do útero, mas uma relação simbiótica
entre duas vidas, agora dependentes uma da outra. A aquisição e o
desenvolvimento da inteligência, associada ao desenvolvimento cerebral, está ligada
também à capacidade por parte da mulher de suportar as dores do parto.
As mulheres só os devem ter podido suportar, porque elas, no
seio dos grupos humanos, podiam estar certas de receber os
cuidados necessários por parte dos seus homens. Se
estivessem entregues a si próprias, ou se, como as leoas,
tivessem de efectuar, elas próprias, a maior parte do esforço de
captura de presas, este trabalho de parto ter-se-ia tornado
impossível. Nunca a mulher grávida teria suportado, sozinha,
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os esforços que estavam associados à vida nas savanas
(REICHHOF, 1995, p. 209).
A convivência e a ajuda mútua oportunizaram aos filhotes aumentar a
complexidade do cérebro. Depois da solidificação dos ossos cranianos, não há mais
possibilidade de aumento do volume cerebral, mas um aumento de conexões e
aprendizagem. O cuidado dispensado ao recém-nascido é fundamental para que os
sentidos desenvolvam seus potenciais de forma completa.
A sensação de bem-estar da criança alia-se profundamente com a satisfação
do receber alimento. Segundo Montagu (1988), o desenvolvimento orgânico, da
corporeidade da criança, tem uma relação profunda com as sensações agradáveis
presentes no seu espaço convivencial. O funcionamento perfeito dos órgãos tem
uma relação estreita com a qualidade do cuidado dispensado às crianças. Montagu
relata experiência realizada com 173 crianças, acompanhadas do nascimento até os
dez anos de idade, incluindo crianças que foram amamentadas e outras que não
foram: “... verificou-se que as crianças que não tinham sido amamentadas
apresentavam quatro vezes mais infecções respiratórias, vinte vezes mais diarréia,
vinte e duas vezes mais infecções variadas, oito vezes mais eczemas, vinte e uma
vezes mais asma, e vinte e sete vezes mais febre de feno” (1988, p. 89).
Segundo Montagu, existem inúmeras pesquisas que comprovam que o
desenvolvimento intelectual e a capacidade de socialização têm a ver com a
intensidade dos cuidados recebidos enquanto criança. A neotenia é uma
demonstração evidente da importância de um contexto de solidariedade para a
saúde física, psicológica e social dos seres humanos. O nascer pré-maturo está
aliado a uma profunda concepção de confiança: o cuidado necessário terá
continuidade no útero externo. A parceria simbiótica, como segundo útero, torna-se
importante, não apenas para o nascimento, mas também para permitir o
crescimento. Esse crescimento se faz acompanhar de crescentes graus de
complexidade. É um complexo jogo de negociações, de sonhos projetados, de
ações inter-ligadas, de trocas recíprocas, todas tentando contribuir para
a
realização de “desejos miméticos” (GIRARD, 1990). Desejos que se concretizam
num complexo entre-jogo de competições, de sucessos que, constantemente conflitam
com os desejos miméticos dos outros que conosco compartilham o espaço/mundo.
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Convivência em grupos
Cada ser humano significa uma porção de coisas para si mesmo e para os
outros. Nossa vida é constituída tanto por nós como pelos outros, numa intensa e
profunda ligação. O surgimento da vida e a possibilidade de nascer constituem uma
forma de simbiose. Nascemos por que há outros seres humanos que nos
possibilitam nascer. Desenvolvemo-nos aprendendo, através da colaboração dos
outros seres e do ambiente, do qual fazemos parte, além da nossa pré-disposição
individual para viver. Ao nascer, e durante toda a nossa vida, somos eu, você e nós
ao mesmo tempo. Pierre Lévy confirma essa interdependência:
todos os seres que encontramos “são” [...] nós mesmos. Todos
trazem uma parte essencial de nosso enigma, são telegramas
cifrados, mistérios que temos que esclarecer para nos
compreender e nos tornar quem de fato somos. [...] cada um
desses seres nos constituem. Detém o segredo de nossa
identidade [...] Eles nos criam e nós os criamos (2001, p. 88).
Passamos a viver numa teia pessoal e impessoal de afetos, qualidades e
desejos de conviver com o outro ou não, que nascem ou morrem a todo o instante.
Em cada ação, pensamento, emoção e percepção, despertam para a magia da
existência/convivência. Para Hélcion Ribeiro (1998, p. 08) “cada um tem diante de si
um tu e um nós, e participa igualmente de uma história maior da qual nem sempre
se alcança ou compreende o significado.” No entanto, a individualidade de cada ser
deve reafirmar o compromisso da realização humana enquanto seres coletivos.
Somos humanos enquanto relação entre individual e coletiva e não representamos,
individualmente, a espécie humana. Somos uma dimensão do social. Só há relações
e construção do eu porque convivemos com os outros, mesmo que às vezes os
negamos. Nós nos realizamos somente quando em simbiose de relações entre o ser
individual e coletivo. Somos nós e nossos novelos de relações internas/externas nos
explicando e nos estendendo pela nossa coletividade. Quando renunciamos a nós
mesmos, em favor do coletivo, nos afirmamos como sendo uma totalidade humana
na comunhão, na reciprocidade e no respeito. Não conseguimos viver isolados de
outros humanos por um longo tempo. A companhia de alguém nos é aconchegante
e nos completa.
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Considerando que a sociedade Homo sapiens sapiens é ampla e complexa,
que somos mais de seis bilhões de particularidades, individualidades constituídas no
social e que vivemos numa sociedade capitalista que supervaloriza o individualismo,
não podemos negar a complexidade das relações sociais. Não há como enquadrar a
população mundial em categorias porque anulamos umas em detrimento das outras.
O fortalecimento das identidades individuais se torna possível quando ancoradas no
desejo de compartilhar a vida com os outros em seus espaços de convivência.
Observa-se que o ser individual/grupal, não é realidade separada, mas
complementar, convive em um mesmo sistema e se constitui um ao outro. Essa
simbiose, indivíduo/sociedade com suas desordens, incertezas, ambigüidades,
complementariedades, relações e antagonismos constituem uma característica
comum a todas as sociedades humanas. Para Morin:
a relação entre indivíduo para com o grupo, é comandada por
um princípio duplo de cooperação-solidariedade, por um lado, e
de competição-antagonismo, pelo outro. A relação de indivíduo
para com indivíduo, por vezes solidária e [...] conflitante,
alimenta o duplo princípio complementar/antagônico da
organização social, que se afirma, na sociedade antropóidica,
com mais complexidade do que nas outras sociedades de
primatas (1975, p. 43).
Somos indivíduos porque fazemos parte de uma sociedade. Sem a existência
das individualidades não haveria os fenômenos sociais, tampouco sistemas sociais.
Para que exista um sistema social é preciso haver interações colaborativas. As
relações sociais são fenômenos simbióticos. A simbiose consiste numa relação de
convivência grupal, muito além dos interesses individuais. Ela pode chegar a tal
nível de complexidade que o sucesso da comunidade depende do sucesso de cada
um de seus membros enquanto que o sucesso de cada membro depende do
sucesso da comunidade como um todo (MATURANA e VARELA, 1995). Segundo
Maturana, “a conduta social está fundada na cooperação e não na competição”
(1997, p. 206). Em outro momento Maturana afirma:
Não é a agressão a emoção fundamental que define o humano,
mas o amor, a coexistência na aceitação do outro como um
legítimo outro na convivência. Não é a luta o modo fundamental
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de relação humana, mas a colaboração. Falamos de
competição e luta criando um viver em competição e luta, e não
só entre nós, mas também com o meio natural que nos
possibilita. Assim, dizem que os humanos devemos lutar e
vencer as forças naturais para sobreviver, como se isso tenha
sido e seja a forma normal do viver. Mas não é assim. A
história da humanidade na guerra, na dominação que subjuga,
e na apropriação que exclui e nega o outro, se origina no
patriarcado. Na Europa, que é nossa fonte cultural, antes do
patriarcado se vivia na harmonia com a natureza, no gozo da
congruência com o mundo natural, na maravilha de sua beleza
– não na luta com ela (1998, p. 34).
Assim, também na educação, não aprendemos sozinhos. Educadores e
educandos se oportunizam e criam momentos de cooperação e ajuda mútua para
que a aprendizagem ocorra. As crianças precisam perceber que fazem parte de um
todo coletivo porque, apesar de existir uma visão cultural de individualismo, nem
tudo e todos se movem através dela. O amor, a ajuda e o respeito ainda marcam
presença em meio a tantos conflitos. Podemos negar sensações fatalistas e
aumentar expectativas quanto a possibilidade de crer que as inter-relações
simbióticas podem ser e são formas concretas de vida. Manifestamos diariamente
nossos desejos e paixões através de relações comportamentais entre humanos e
demais formas vivas e não vivas.
A evolução da espécie humana esteve ligada ao processo de evolução grupal.
Conviver em grupo significa ter a oportunidade de construir relacionamentos
simbióticos e/ou competitivos, afetivos e/ou opressores (MATURANA e VARELA,
1995).
A sociedade humana está repleta de grupos, associações, clubes,
instituições, corporações e agremiações. As organizações não governamentais, os
grupos de formação de jovens, os grupos de apoio aos dependentes de drogas,
entre outros, em suas diretrizes, propõem políticas de ações que no fundo visam ao
bem comum. Esses grupos, apesar das inúmeras contradições, nos trazem o alento
de que, de forma incipiente, deseja-se o espalhamento de mais sensibilidade
solidária. Ser e viver, de forma solidária, significa responsabilizar-se pela vida nas
suas mais diferentes formas e manifestações, tendo o amor e a ternura como
suportes.
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Apesar da tendência para conviver em grupos, a simbiose e a solidariedade
não foram os princípios dessas convivências e relacionamentos nos últimos séculos.
Também é consenso, na nova antropologia, que no longo processo evolutivo, rumo
à humanização, a humanidade não referenda a acolhida como marco principal. Se o
ser humano faz a sociedade, que o faz através da convivência, então, cabe-nos
reconhecer que nossos desejos precisam estar relacionados aos desejos de bemestar dos outros.
Desafios permanentes são lançados a humanidade: substituir a concepção de
que a vida é uma “guerra de todos contra todos” e de que vivemos em um mundo
regado exclusivamente pelo jogo de interesses individuais; de despertar a
sensibilidade para a convivência coletiva; de recuperar a sensibilidade social e
garantir um espaço para todos construindo argumentos para dizer não aos
sentimentos de exclusão dos considerados ‘perdedores da economia de mercado’.
Se nos aventurarmos por essas fissuras, veremos que nossa sensibilidade
cooperativa e solidária não é inexistente, mas sim que foi e continua sendo impedida
de forma impiedosa. “A história evolutiva da sociedade humana não se apresenta
como uma história de indivíduos. Nos caracterizamos por uma sociedade formada
por grupos. Aprendemos a conceber o mundo em termos de grupo e a perceber a
nós mesmos pertencendo a um grupo” (STRIEDER, 2002, p. 185).
O egoísmo, a competição, o confronto e a indiferença não podem ser vistos
como condições intrínsecas e sem alternativas para os humanos. Podemos e
devemos apostar nos discretos desejos de simbiose, tão fundamentais para manter
a vida e a aprendizagem. Nossa evolução não é resultando, somente, da luta
competitiva pela sobrevivência, nem da sobrevivência dos mais fortes, a vida não é
uma guerra de todos contra todos, porque, se houve muita competição também
houve colaboração e a prova disso é a ainda existência da humanidade.
Evoluímos como animais sociais. Mais do que qualquer outra espécie
dedicamo-nos ao pensamento social coletivo, criamos o mundo da cultura e valores
integrando-os ao meio natural.
Os sistemas vivos, e dentre eles os humanos,
encontram-se potencialmente em condições de mudar e evoluir por meio de um
complexo entre-jogo de interações que fazem da coletividade o seu baluarte.
A simbiose entre os seres humanos
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A história mostra que sobrevivem aqueles que cultivam o hábito da ajuda
mútua e colaboração. Portanto, é muito provável que seja falsa a lei do mais forte e
equivocada a hipótese de que os mais aptos conquistam longevidade. A vida longa
torna-se benesse dos grupos e espécies que sustentam suas relações na
cooperação, na ajuda mútua, na simbiose.
É momento de reconhecer o quanto é estimulante o espetáculo da cooperação
que se espalha pelo mundo afora. O quanto é espetacular uma pessoa ser doadora
de sangue, doadora de órgãos, dedicando partes de seu dia-a-dia prestando
solidariedade. Se não o fizermos, corremos o risco de nos tornarmos cada vez mais
insensíveis ao outro e a casca de nosso lado demens se engessar cada vez mais.
A cooperação insiste fortemente em fazer parte de nossa natureza, mesmo que
teimosamente deitada numa longa noite de incognoscibilidade. A organização social, como afirma
Ridley, “não é invenção de pensadores. Ela evoluiu como parte de nossa natureza. É, tanto
quanto nosso corpo, produto dos genes” ( 2000, p. 15).
Nossa vida integra uma teia de conexões que nos ligam aos pais, aos irmãos,
aos amigos, aos companheiros, ao próximo com face, ao distante sem face no
ciberespaço. Estamos ligados aos nossos superiores, ligados a grupos, a partidos, a
times de futebol, a empresas, à natureza, aos encontros, entre outros. Somos
incapazes de viver sem a presença do outro. Mesmo e apesar de sermos também
misantropos (STRIEDER e PILLA, 2002), a convivência com-os-outros é
impostergável. Somos incapazes de uma auto-suficiência completa e plena. Temos
necessidade de permutar coisas e habilidades com outros seres humanos. Nós
somos radicalmente dependentes de outros, muito mais do que qualquer outro
primata ou animal de outra espécie. A trajetória evolutiva da humanidade, durante
milhões de anos, manteve a aglutinação de gens em grupos cooperativos. Olhar
nossos ancestrais, em suas trajetórias evolutivas, sempre aglutinados em
sociedades
colaboradoras,
é
importante
para
despedidas
gradativas
do
localizacionismo que não permite visualizar a nós mesmos para além do
superficialismo de nossa pele.
A simbiose é desafio de educadores e comunidade escolar. Ela pode ser
vivenciada na escola, quando e, a partir do momento em que vivenciamos o respeito
pelo nosso agir e pelo agir do outro. Pode ser vivenciada quando criamos um
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ambiente educativo apto para a prática da investigação. Quando tornamos possível
um ambiente de respeito às diferenças e ao livre curso do desenvolvimento das
potencialidades dos educandos. A simbiose pode ser vivenciada quando
aprendemos a importância do ouvir o outro e de lhe estender a mão. Ela pode ser
vivenciada quando começamos a perceber que a capacidade de sonhar não pode
ser eliminada, suprimida e nem minimizada. A simbiose torna-se presente quando
nossas linguagens são convites para a solidariedade, para o encontro, para
manifestações de coleguismo e de entre-ajuda. A simbiose será vivência quando
passamos a conceber o outro como diferente e ainda assim integrante de uma única
e mesma espécie: a espécie Homo sapiens sapiens (MORIN, 2000).
Um espaço de simbiose pauta-se na sensibilidade, no cuidado tenro e no
carinho compartilhado com os demais e também com outras formas vivas e não
vivas, constituintes do grande todo. Ao consolidar práticas de simbiose, valorizando
a cooperação, ela será alavanca da construção coletiva. Os Parâmetros Curriculares
Nacionais – PCNs - alertam: “a maioria das escolas tende a ser apenas um local de
trabalho individualizado e não uma organização com objetivos próprios, elaborados
e manifestados pela ação coordenada de seus diversos profissionais” (2001, p. 48).
A proposta disciplinar está contribuindo na formação para vivências e práticas
egoístas e individualistas (ASSMANN e MO SUNG, 2000). A educação disciplinar
nos leva à visões fragmentadas sobre a vida e o mundo. Falta superar a lacuna do
pensar e do agir colaborativo.
O PCNs afirmam que, para tornar possível o pensar e o agir coletivo, é
necessário o compromisso de assumir a “co-responsabilidade de todos os membros
da comunidade escolar, para além do planejamento de início de ano ou dos
períodos de ‘reciclagem’”(2001, p. 48).
Numa escola colaborativa não cabe espaço para a vivência exclusiva de
emoções como medo, opressão, desrespeito e egoísmo. Construir vínculos com o
conhecimento, através de relacionamentos amigáveis, é uma das formas de
realização pessoal. Segundo os PCNs:
um dos objetivos da educação escolar é que os alunos
aprendam a [...] conviver em grupo de maneira produtiva e
cooperativa. Dessa forma, são fundamentais as situações em
que possam aprender a dialogar, a ouvir o outro e ajudá-lo, a
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pedir ajuda, aproveitar críticas, explicar um ponto de vista,
coordenar ações para obter sucesso em sua tarefa conjunta. É
essencial aprender procedimentos dessa natureza e valorizálos como forma de convívio escolar e social. Trabalhar em
grupo de maneira cooperativa é sempre uma tarefa difícil,
mesmo para adultos convencidos de sua necessidade (2001, p.
97).
Os PCNs nos propõem uma educação pautada num trabalho grupal, na
formação de educandos capazes de tomar decisões coletivas. Nos convocam para
estarmos “adotando atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças,
respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito” (2001, p. 107).
No semblante do inconcluível: sonhando uma escola educadora
O cenário antropológico não pode esgotar-se num sonho idílico de que a
organização social da humanidade possa regar-se, um dia, tão somente pela face do
amor (MATURANA, 1998) ou da simbiose (ROSNAY, 1997). Fazê-lo seria atitude
mesquinha de desconsideração da complexa construção dos espaços relacionais
ocorridos até aqui.
Nossa viagem, suscinta e incompleta, deixa evidente, o quanto nos movemos e
alimentamos de nossa, no mínimo, dupla dimensão: Homo sapiens/demens. Com
base nessa dupla dimensão não desejamos alentar cenários idílicos que possam
induzir a imaginários equivocados sobre formas de vivência e de convivência.
Não há como renunciar ou negar que nascemos e nos desenvolvemos como
seres carentes de solidariedade e de afetividade. A espécie humana está precisando
conciliar-se consigo mesma. Trazer de volta e reviver os benefícios da solidariedade,
da ajuda mútua, da colaboração, enfim, vivenciar o que poderíamos denominar de
uma “segunda neotenia” (ASSMANN e MO SUNG, 2000) são desafios a serem
assumidos pela humanidade.
A acolhida solidária passa pela reafirmação da mentalidade de que a ajuda
mútua e a vivência simbiótica são condições inequívocas para a construção de
desejos de afirmação concreta de todas as vidas ameaçadas pela des-atenção e
pela
indiferença.
É
nesse
sentido
que
reafirmamos
ser
importante
o
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desenvolvimento de uma “segunda neotenia”, ou a retomada vivencial daqueles
aspectos que tornaram possível o processo de humanização.
Num plano antropológico, é preciso reconhecer que a humanidade ainda colhe
a sede pela acolhida e pela afirmação concreta de todas as vidas. Esta sede, por
mais difícil que se nos pareça reconhecer, alenta muito mais para as dinâmicas
convergentes e dialogantes do que para a confrontação competitiva. Ainda vale a
pena admitir que nos tornamos solidários a partir do momento em que percebemos
que a nossa felicidade está intimamente ligada aos relacionamentos de cooperação.
A sociabilidade, a ajuda mútua e a cooperação, na busca de alimentos, constituem o
grande diferencial na longa trajetória da humanização. Se, pela ajuda mútua e pela
cooperação nos tornamos quem somos e o que somos, talvez a sua retomada possa
proporcionar o salto para a vivência solidária.
A vivência será mais fácil se a educação transformar-se em difusora de
acolhida e de reconhecimento. Apostamos na educação como sendo uma das
portas imprescindíveis para uma humanidade mais sensível, mais colaboradora e
mais atenciosa para com o outro. Fazê-lo é ter como ponto de partida a realidade
vivencial do processo de humanização: ajuda mútua, cuidado, desejo de felicidade
estendido ao outro. Diante dessa história real, e não necessariamente oficial, o
processo educacional alenta esperanças por uma acolhida solidária e fraterna.
ROQUE STRIEDER
Possui Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (1996).
Doutorado em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (1999). Atuou
como pró-reitor de pesquisa, pós-graduação e extensão da Universidade do Oeste
de Santa Catarina no período de maio de 2000 até maio de 2008. Atualmente é
editor da revista Visão Global da Unoesc. Professor do programa de Mestrado em
Educação da Unoesc. Professor em cursos de graduação e especialização. Atua
como pesquisador em projetos de pesquisa da Unoesc, do PIBIC/CNPq e da
Fapesc, bem como em projetos com fomento local. Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Educação, atuando principalmente nos seguintes temas:
educação, humanização, aprendizagem, valores e ética.
CLEIDIANA WATTE
Possui graduação em pedagogia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina
(2002) e especialização pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (2003). Tem
experiência na área de Educação.
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STRIEDER, Roque e PILLA, Carla. Dos misantropos aos antrohpos: rumo à
humanização. In: Visão Global. São Miguel do Oeste: UNOESC, ano 06, n. 20, p.
271/296, dez., 2002.