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Centro de Estudos Gerais Instituto de Arte e Comunicação Social Programa de Pós –graduação em Ciência da Arte Cinara de Andrade Silva Hélio Oiticica – arte como experiência participativa Niterói, 2006 Cinara de Andrade Silva Hélio Oiticica – arte como experiência participativa Dissertação apresentada ao Curso de Pós –graduação em Ciência da Arte do Instituto de Arte e Comunicação Social, Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre. Área de concentração: Teoria da Arte Orientador: Wallace Barbosa Niterói, 2006 Centro de Estudos Gerais Instituto de Arte e Comunicação Social Pós –graduação em Ciência da Arte Cinara de Andrade Silva Hélio Oiticica – arte como experiência participativa Niterói, 2006 ____________________________________________________________________________________ Cinara de Andrade Silva, Hélio Oiticica – arte como experiência participativa / Cinara de Andrade Silva, Niterói, 2006. 135 .il.color, Dissertação apresentada ao Mestrado em Ciência da Arte, Universidade Federal Fluminense, 2006, Referência Bibliográfica: f. 130 -133 Palavras-chave: Hélio Oiticica –– Obras – Textos – Poética - Participação –vivência – Descondicionamento – Vontade Construtiva – Antiarte - Utopia _________________________________________________________________________ Cinara de Andrade Silva Hélio Oiticica – arte como experiência participativa Dissertação apresentada ao Pós –graduação em Ciência da Arte do Instituto de Arte e Comunicação Social, Universidade Federal Fluminense, Para obtenção do grau de Mestre em Ciência da Arte Área de concentração: Teoria da Arte Banca Examinadora: Wallace Barbosa José Maurício Saldanha Alvarez Vera Beatriz Siqueira Niterói, 2006 Agradecimentos Odete, Dora, Ricardo e Moisés pelo apoio e convivência na luta diária. Sandor Buys pelas contribuições durante todo o processo Wallace pela orientação José Maurício pelo incentivo Sônia Ferraz por ter me orientado nos momentos iniciais Vera Beatriz Siqueira pela disponibilidade e conhecimentos compartilhados na graduação e no período do mestrado Daniel Ruiz pela tradução do resumo para o inglês Professores e colegas do Mestrado pelo ambiente propício ao desenvolvimento pessoal e intelectual. Programa de Pós-Graduação em Ciência da Arte pela oportunidade de cursar o mestrado. Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo financiamento da bolsa de mestrado. Centro de Arte Hélio Oiticica e Projeto Hélio Oiticica que possibilitaram conhecer as obras e textos do artista através das exposições e publicações. Biblioteca do Centro Cultural Banco do Brasil pelo acesso aos livros para que fosse efetivada a pesquisa. vii SUMÁRIO Lista de ilustrações.....................................................................................................................ix Resumo...........................................................................................................................................x Abstract.........................................................................................................................................xi Introdução....................................................................................................................................12 CAPÍTULO I - O Percurso artístico de Hélio Oiticica ...................................................17 1.1 A construção da obra de Oiticica no espaço real......................................................................19 1.2. - Arte Concreta e Neoconcreta e a adesão de Oiticica...........................................................28 1.2.1. - Processo de inserção da arte concreta no Brasil...............................................................28 1.2.1.1. - Influências da Escola de Ulm na arte concreta brasileira .......................................................29 1.2.1.2 - Neoconcretismo................................................................................................................31 1.2.2 - Hélio Oiticica e a arte da década de 1960...........................................................................33 1.2.2.1 - Racionalismo e irracionalismo na arte internacional e brasileira.....................................33 1.2.2.2 - Nova Objetividade: posicionamento artístico, político e ético.........................................36 1.2.2.2.1 - Nova Objetividade ...........................................................................................................38 CAPÍTULO II - O Processo de participação......................................................................42 2.1 - A construção no espaço em Oiticica......................................................................................43 2.2 - A participação na obra de Oiticica.........................................................................................48 2.3 - Tendência ao objeto..............................................................................................................55 2.4 - Deslimite entre as artes..........................................................................................................61 2.5 - Obra aberta.............................................................................................................................65 2.6 - Participação............................................................................................................................67 2.6.1 - Tempo de participação.....................................................................................................................70 viii CAPÍTULO III - Arte e Vida..................................................................................................72 3.1 - Tomada de posição política, social e ética..........................................................................72 3.1.1 - Tropicália............................................................................................................................77 3.1.2 - Vontade Construtiva............................................................................................................79 3.1.3 – Antropofagia.......................................................................................................................80 3.2 – Descondicionamento............................................................................................................81 3.2.1 – Éden....................................................................................................................................81 3.2.2 – Condicionamento................................................................................................................84 3.2.3 - Despertar da criatividade.....................................................................................................86 3.2.4 - Consciência de si.................................................................................................................87 3.2.5 - Liberdade.............................................................................................................................89 3.3 – Utopia e Antiarte.................................................................................................................91 3.3.1- Barracão...............................................................................................................................93 3.3.2- Manhattan Brutalista...........................................................................................................94 3.3.3- Delirium Ambulatorium......................................................................................................96 4 - Considerações finais ...........................................................................................................98 Apêndice I - Formação e atividade artística..............................................................................103 Apêndice II - Catálogo incompleto de obras ............................................................................115 Ilustrações..................................................................................................................................123 Bibliografia................................................................................................................................130 Referências: apêndice I - II e ilustrações......................................................................................134 ix LISTA DE ILUSTRAÇÕES Folha no 121 Fig. 1 Guache. – Sem título Fig. 2 Guache – Grupo Frente Fig. 3 Metaesquema Fig. 4 Metaesquema Folha no 122 Fig. 5 Metaesquema Fig. 6 Monocromáticos ou Invenções Fig. 7 Relevos Neoconcretos Fig. 8 Bilaterais Folha no 123 Fig. 9 Relevo Espacial Fig. 10 Núcleos Fig. 11 Invenção da Luz Fig. 12 Projeto Cães de Caça Folha no 124 Fig. 13 Bólide Vidro Fig. 14 Bólide Caixa Fig.15 Bólide Área Fig.16 Bólide Caixa 22 – Mergulho do Corpo Folha no 125 Fig. 17 Bólide Caixa 18 Fig. 18 Parangolé Bandeira Fig. 19 Parangolé Capa o Folha n 126 Fig. 20 Parangolé Tenda Fig. 21 Parangolé Estandarte Fig. 22 Ninhos Fig. 23 Tropicália x Folha no 127 Fig. 24 Éden (planta-baixa) Fig. 25 Manhattan Brutalista Fig. 26 Delirium Ambulatorium x RESUMO Na presente dissertação, pretende-se, a partir da identificação dos principais pontos de discussão na constituição da poética de Hélio Oiticica, desenvolver essas questões em paralelo com algumas de suas obras, observando sua produção como um todo que se constitui em participação do público, objeto artístico e seus textos. Isso com o intuito de contribuir para a reflexão sobre seu processo artístico na relação obra-poética-público-sistema. Com essa finalidade, foram escolhidos os seguintes itens e obras para serem analisados: o deslimite entre as artes e a tendência ao objeto nas obras Metaesquemas; Monocromáticos (Invenções); Relevos Neoconcretos; Bilaterais e Relevos Espaciais; a participação do público nos Bólides, Núcleos, Penetráveis, Parangolés e Ninhos; a vontade construtiva e antropofágica na Tropicália ; o descondicionamento proposto no Éden; a utopia da antiarte presente nas proposições do projeto Barracão, da apropriação Manhattan Brutalista e da performance Delirium Ambulatorium ao se oporem à institucionalização. Esses pontos de questionamento, presentes em suas obras e textos, foram levantados, inicialmente, para essa dissertação, a partir do texto do artista e, posteriormente, também contribuíram, especificamente, para pensar sobre sua poética, os livros (op. cit) de Maria José Justino; de Celso Favaretto; e de Paola Berenstein Jacques. Pôde-se perceber, no decorrer da dissertação, como utopia maior que conduz o seu fazer, a aproximação arte e vida através do “delírio ambulatório” da participação que movimenta os espaços na busca de si mesmo. Por isso, recolocando a questão de Jacques, “é preciso pensar em conservar a noção de participação e, ao mesmo tempo, conservar os espaços em movimento” (Jacques, 2003, p. 150). Isso pode ser percebido como questão definitiva na poética de Oiticica que, se observada por esse posicionamento crítico, aponta a necessidade do descondicionamento para se alcançar a liberdade interior que seria ampliada para o entorno. Palavras-chave: Hélio Oiticica. Obras e textos. Poética. Descondicionamento. Liberdade. Vontade construtiva. Antiarte. Utopia. Participação. Vivência. xi ABSTRACT The present work intends to identify the main issues concerning the construction of Hélio Oiticica poetics, thus, developing these questions alongside an analysis of portions of his body of work, here considered as the resultant of artistic object, its relation with the participant and his writings. It also intends to contribute to the discussion of his creative process in relation to the work/poetics/viewer-participant/art system equation. The folowing works and its related issues were choosen as the object of our analysis: the crossing of boundaries between fine arts in Metaesquemas, Monocromáticos (Invenções), Relevos Neoconcretos, Bilaterais and Relevos Espaciais and its propositions towards the object; active participation in Bólides, Núcleos, Penetráveis, Parangolés and Ninhos; “vontade construtiva e antropofágica” in Tropicália; deconditioning in Éden; antiinstitutionalization utopia present in the anti- art proposals of Barracão, Manhattan Brutalista and Delirium Ambulatorium. Keywords: Hélio Oiticica. Works and writings. Participation. Art and life. Deconditioning. Freedom. INTRODUÇÃO Na presente dissertação, pretende-se, a partir da identificação dos principais pontos de importância na constituição da poética de Hélio Oiticica, desenvolver essas questões em paralelo e diante de algumas de suas obras. Em resumo, são esses itens e obras escolhidos para análise ao longo da dissertação: o deslimite entre as artes e a tendência ao objeto nas obras Metaesquemas, Monocromáticos ou Invenções, Relevos Neoconcretos, Bilaterais e Relevos Espaciais; a participação do público nos Bólides, Núcleos, Penetráveis, Parangolés e Ninhos ; a vontade construtiva e antropofágica na Tropicália; o descondicionamento proposto no Éden; a utopia da antiarte presente nas proposições do projeto Barracão, da apropriação Manhattan Brutalista e da performance Delirium Ambulatorium ao se oporem à institucionalização. Esses pontos de questionamento, presentes em suas obras e textos, foram levantados, inicialmente, para essa dissertação, a partir do texto do artista Esquema Geral da Nova Objetividade, das coletâneas de seus textos, Aspiro ao Grande Labirinto e o catálogo Hélio Oiticica, lançado pela Rio Arte. Definidos os enfoques, posteriormente, também contribuíram, especificamente, para o pensar sobre sua poética, os livros: Seja marginal, seja herói: modernidade e pós-modernidade em Hélio Oiticica, da Maria José Justino; A invenção de Hélio Oiticica, de Celso Favaretto; e a Estética da ginga, de Paola Berenstein Jacques. Outras fontes auxiliares relevantes, principalmente, para a produção dos apêndices e do capítulo I, foram os sites da faculdade Estácio, < www.estacio.br >, e o do Itaú Cultural, <www.itaucultural.org.br>. No capítulo I, O percurso artístico de Hélio Oiticica, são apontadas algumas das principais produções e acontecimentos importantes na sua formação com uma abordagem sintética das obras e conceitos que constituem sua poética. Essa análise se apresenta de forma sintética nos apêndices I e II, Formação e Atividade Artística e o Catálogo incompleto de obras de Hélio Oiticica. Incompleto, pois, os dados, para a construção deste, foram retirados de alguns livros, citados na bibliografia, disponíveis no mercado e não de fontes primárias. Mas, as informações conseguidas se mostraram suficientes para se obter parâmetros de observação do seu processo artístico e, por isso, não houve necessidade de se registrar uma maior amostra de suas obras. Na outra parte desse capítulo, como forma de abordagem mais ampla de seu processo artístico, é observada sua relação com os movimentos concretos e neoconcretos e com a 13 manifestação da Nova Objetividade. Isso porque, como no capítulo II e III serão desenvolvidos alguns pontos que tem como base seu texto- manifesto da Nova Objetividade, se considerou importante possibilitar esse cotejamento de idéias entre esse texto e o da dissertação. Com a mesma intenção, se produz, nesse capítulo, os textos sobre as artes concretas e neoconcretas e outros movimentos e manifestações. A concepção de Nova Objetividade é desenvolvida por Hélio Oiticica nos textos Situação das Vanguardas no Brasil (1966) e Esquema Geral da Nova Objetividade (1967), declarada na exposição- manifesto de 1967 no MAM-Rio, juntamente com Antonio Dias, Vergara, Gerchman, L. Clark, L. Pape, Glauco Rodrigues, Escosteguy e outros. A Nova Objetividade pretende marcar o posicionamento das ditas vanguardas brasileiras incluindo vários grupos artísticos: Neoconcreto, Poesia participante (Gullar), Opinião (teatro), Cinema Novo, Realismo Carioca, Popcreto e Realismo Mágico. Oiticica define, de maneira ampla, a Nova Objetividade em seis itens: 1- vontade construtiva geral, 2- tendência para objeto ao ser negado e superado o quadro de cavalete, 3- participação do espectador (corporal, táctil, visual, semântica, etc), 4- abordagem e tomada de posição em relação aos problemas políticos, sociais e éticos, 5- tendências para proposições coletivas e conseqüente abolição dos “ismos”, 6 – ressurgimento e novas formulações do conceito de anti-arte Assim, em alguns itens dos capítulos II (O processo de participação) e III (Arte e vida), se reorganizou pontos de caracterização da Nova Objetividade, como a Tendência ao objeto, a Participação, a Tomada de posição política, social e ética da vontade construtiva e antropofágica e a Antiarte. Os outros ite ns dos capítulos, como o Obra aberta, o Descondicionamento e o Deslimite entre as artes, foram sendo percebidos pela constância e ênfase com que o artista coloca essas questões em seus demais textos citados acima. Assim, analisados e relacionados, esses pontos são desenvolvidos, aqui, à luz de autores que também discutiram esse assunto. A tendência ao objeto participativo, no Brasil, está relacionada ao processo, iniciado por Lygia Clark e Hélio Oiticica, que os neoconcretos aprofundam a partir de diálogo intenso com as questões modernistas de desconstrução do espaço clássico de representação, propiciando a quebra da moldura e o fim da base na escultura, iniciadas pelo Cubismo, passando por outros movimentos modernos como Der Blaue Reiter, Neoplasticismo, Suprematismo e Construtivismo. 14 Contemporaneamente, o processo moderno para superação do conceito tradicional de arte é intensificado e há então um desgaste do que seria cada campo artístico, concorrendo para um “deslimite” das linguagens artísticas. Música, pintura, dança, teatro, arquitetura, palavra escrita se inter-relacionam na poética das obras de Hélio Oiticica. Essa questão é discutida através dos conceitos de teatralidade, arte-ambiental e do interesse das demais artes pelo teatro da experiência estendida no tempo. O conceito de arte ambiental se refere à participação do espectador pela vivência do espaço como espectador-ator de uma estrutura arquitetônica, não estrutural, numa relação musical presente na simultaneidade das cores entre si quando experimentadas. Assim como o deslimite entre as artes e a tendência ao objeto, o fato de sua poética incluir a proposta da obra aberta é essencial para que haja a participação do público que interfere na obra corporalmente e em sua significação. A questão da participação na arte ambiental se verifica, na obra de Oiticica, a partir da década de 60, quando se definem as suas obras que passam a acontecer no espaço real dando prosseguimento à pesquisa construtivista de superar o espaço bidimensional do quadro e integrar a arte ao espaço externo. Inicia este percurso a partir de seus trabalhos com placas de cor das obras: Invenções ou Monocromáticos, Bilaterais, Relevos Espaciais e Núcleos, depois, amplia sua produção com outros grupos de obras que denomina Bólides, Penetráveis, Parangolés e Manifestações Ambientais. Nesses, há também a “estrutura-cor” em que o plano se torna elemento ativo e o espectador vai se relacionar com campos de cor, mas as experiências com a cor se tornam mais vivenciais, pois a estrutura incorpora o espaço que é movimentado pelo “participador”. Proposta esta que irá permear toda sua trajetória artística baseada na abordagem fenomenológica de Merleau-Ponty que considera percepção estética dentro da dimensão do tempo vivido, subjetivo, sensorial. Mas essa participação sensorial, corporal e vivencial, quando ampliada, é também política, social e ética, modificando seu entorno através da “tomada de posição” e da antropofagia que, para Oiticica, são constitutivas da “vontade construtiva”, base da va nguarda brasileira que pretende construir uma cultura brasileira não submetida ao colonialismo. Oiticica e a maioria dos artistas brasileiros da década de 60 estavam imbuídos do ideal de modificação do mundo, principalmente, reforçado pela necessidade de se oporem ao regime ditatorial. Mas lutavam com 15 críticas sociais, buscando maior aproximação com as causas populares, denunciando as injustiças sociais através de textos, atitudes e da própria arte. Então Oiticica, com a série Parangolés desenvolve uma arte ambiental, criando obras em ações performáticas com o intuito de estar mais próximo da vida e transformar a realidade através de experiências sensoriais e da consciência de si, denominadas Suprassensorial. Com os Bólides, Parangolés e apropriações participa de manifestações coletivas da cultura popular como a escola de samba, o jogo de futebol, penetra no cotidiano favela. É o ambiental ampliado para vida fora dos museus e galerias. Motivações estas presentes nas manifestações ambientais como o Opinião 65 (1965), Apocalipopótese (1967), Bandeiras na Praça (1968), que exacerbam o conceito de vivência na arte, reformulando o conceito desta. No entanto, estas propostas criativas incluíam também a produção de objetos que poderiam ser absorvidos pelo sistema de arte. Mas, Oiticica observa que apenas essa parte material da criação poderia ser consumida pois a vivência da obra e suas significações pessoais não permitem apropriações. Esse caráter de sua obra é potencializado quando, numa experimentação de liberdade criativa, inicia obras antiartísticas que se desobjetificam como nas perrformances e se afastam da criação autoral como nas apropriações. Essas proposições exacerbam o que já vinha sendo explorado através de uma linguagem geométrica com a proposta de consciência de si por meio dos sentidos que mesmo contendo uma presença forte da cor e da forma, também abria espaço para exacerbação da participação do espectador a ponto de diluir ao máximo a intervenção do artista na obra. Assim, pretendia modificar a função da obra que passaria de objeto vendável para incentivo à criação e liberdade. Por isso, enfatizava a proposição afirmando que o artista não é aquele que faz a obra, mas sim aquele que propõe vivências, o que coloca o artista como propositor e o público como criador, portanto não considera o artista como gênio criador ao incluir a participação do público. Contribuem para essa proposta, a exacerbação dos delimites entre as artes na produção de obras que não se definem em um tipo específico de arte, mas integram características de várias formas de arte, constituindo um híbrido que, contemporaneamente, são as performances e instalações ou instaurações conforme Tunga as denomina, (Rolnik, 2002, p. 312) que se colocam no espaço como um campo aberto e não fechado e composicional com o qual alguns modernistas, como Mondrian e Malevitch, procuravam romper. Volta a atenção para a antiarte levantada por 16 Duchamp e pelos Dadaístas no início do século XX e, depois, retomada pela arte conceitual na década de 60. Assim, critica o sistema de arte e a “mercadificação” das obras de arte, propondo a não materialidade dessas com a criação de propostas de participação de uma arte coletiva. Portanto, são estes os pontos de abordagem do capítulo III, Arte e vida: Tomada de posição política, social e ética, Descondicionamento e Antiarte e utopia como formas desenvolvidas pelo artista, para ir de encontro ao institucional e ampliar a relação arte e vida. O posicionamento político, social e ético se refere à necessidade de se opor ao colonialismo através da vontade construtiva que devoraria atropofagicamente as influências externas, criando uma cultura brasileira, com referência ao Oswald de Andrade no Manifesto Antropofágico da Semana de 1922. Mas isso só seria possível com o objetivo de descondicionamento em sua busca utópica pela liberdade através do descondicionamento do público com o despertar criativo e consciência de si. Estas são propostas da obra aberta e participativa, também presente na antiarte, contra o sistema e o mercado de arte. Assim, o termo utopia se coloca como um lugar ideal a ser alcançado, perseguido pelo artista para que fosse possível a vida comunitária livre e humanista em fim. Assim, pretendo, finalmente, com a presente dissertação, contribuir para a reflexão sobre o processo artístico de Hélio Oiticica, uma vez que suas obras estão em face da problemática, mas necessária, apropriação institucional na atualidade que as expõe, muitas vezes, indevidamente, sem a possibilidade de participação, as distanciando do púb lico com o argumento de serem originais que devem ser conservados a esse custo. CAPÍTULO I O PERCURSO ARTÍSTICO DE HÉLIO OITICICA Como forma de apreensão ampla da produção artística de Hélio Oiticica e seu processo criativo, serão abordados obras, conceitos e os acontecimentos relevantes em sua carreira em todo seu percurso artístico que passa pelo Concretismo carioca, Neoconcretismo, Nova Objetividade 1 e, em uma nova etapa, quando vai residir no exterior durante 9 anos, primeiro como artista convidado na Sussex University da Inglaterra em 1969 e depois, em 1970, com bolsa concedida pelo Guggenheim nos Estados Unidos, retornando ao Brasil só em 1978. De maneira geral, em cada um desses momentos de sua produção artística, inserido ou não em movimentos, esteve presente a liberdade de criação individual no coletivo, pois a sua produção se constitue na experimentalidade das obras abertas, participativas e com um referencial construtivista. Cria pela síntese dialética e fusão orgânica de elementos, não se restringindo à uma só linguagem artística e à um só procedimento, isso porque “os fios soltos do experimental são energias q brotam para um número aberto de possibilidades” (Oiticica apud Favaretto, 1992, p. 204)2 . Ao mesmo tempo, busca “organizar o delírio“ (Boulez apud Campos, 1996 b, p.219), em seu “delirante abandono e ordem meticulosa, intelecto e transe” (Campos apud Brett, 1996 b, p. 222), criando categorias abertas de obras múltiplas, nomeadas, numeradas, pensadas em textos, mas sem se fechar em classificações a priori, pois fazem parte de seu processo criativo como percebe Guy Brett: “Escrevia sem parar, como um acompanhamento de seu trabalho, escrevia tanto que é talvez preferível encarar os dois como uma só atividade, uma corrente incessante de invenção e pensamento” (1996 b, p. 207). Com o seu texto Esquema geral da Nova Objetividade, motivado pela necessidade de um posicionamento das vanguardas brasileiras diante da realidade, mostra novamente a intenção de organizar ao reuni- las, nem que seja em tese, em torno de características e objetivos comuns, porém, configurados de forma ampla. Isto permite a reunião de diferentes correntes artísticas em uma mesma exposição- manifesto como a Nova Objetividade em que 1 manifestações estas que serão abordadas especificamente no item seguinte deste capítulo em que se pretende traçar um panorama destas. 2 Experimentar o Experimental (1972). Navilouca. Rio de Janeiro, 1973, Reproduzido em Arte em Revista n o 5. 18 determina suas intenções de participação, provocando o diálogo entre as esferas artísticas, sociais, políticas e éticas com o objetivo de firmar posição quanto a necessidade de se criar uma cultura brasileira livre do colonialismo através da antropofagia cultural como defende Oiticica. Dessa forma, pretende, em sua produção, aproximar arte e vida, integrando-as, formando ciclos “de dentro para fora e de fora para dentro” como na letra da música de Walter Franco. Assim, a participação no interior da obra tem desdobramentos em direção à realidade através da participante, invertendo o processo criativo do artista que partiu de suas experiências no espaço real como alimentadora de sua produção. Isto ocorre em vários momentos de sua carreira em que pode-se relacionar: a criação do Parangolé com sua aproximação com a comunidade da Mangueira e membros da sua escola de samba; e também, a criação dos Quasi-cinemas e a produção de seu próprio filme com a participação em filmes como ator e produção de Penetráveis para filmes. Estes são exemplos de seu processo dinâmico de criação que não está isolado, pesquisando uma linguagem específica, mas que inclui o caráter variante dentro do invariante aberto, pois há interesse pela obra aberta à participação no significado ao se desdobrar o significante-obra. De maneira geral, o trabalho Oiticica une várias categorias artísticas (artes plásticas, dança, poesia, arquitetura, teatro) criando outras formas próprias de arte, com ordens inventadas por ele como Penetráveis, Bólides, Parangolés, Núcleos, etc. Cada obra é nomeada e numerada, fazendo parte de uma determinada série, pois, como observa Brett: “[f]ace às categorias de arte existentes, Oiticica sempre quis propor o seu próprio sistema de ordens que se cingiriam e entrelaçariam em todos níveis, do objeto ao corpo, à arquitetura, a ‘totalidades ambientais’, incorporando o ‘dado’ e o ‘construído’, a natureza e a cultura.” (1996 b, p. 208). Textos são escritos sobre cada uma dessas séries de obras como forma paralela de criação. Completa o processo, a elaboração de idéias através de projetos em plantas-baixas, desenhos e maquetes que acabam por adquirir uma importância em si como obras. Sua produção é constantemente reinventada e aberta para que não se restrinja em classificações. Isso ocorre por exemplo quando se apropria de sua produção e cria grandes ambientes com séries de Penetráveis, Parangolés e Bólides, formando o Éden (1969) e a Tropicália (1967) em que são desenvolvidos os conceitos de Crelazer e Suprasensorial. Nesses conjuntos, as vivências são ampliadas para um lazer não reprimido e interiorizado. Dando prosseguimento a esse processo experimental que busca o afastamento de suas obras do consumo institucional das galerias e congelamento das propostas pelos museus, Hélio 19 Oiticica desenvolve ready-mades, performances e apropriações como manifestações que se inserem em seu processo criativo. Numa tentativa de delinear um objetivo geral de Hélio Oiticica, pode-se afirmar que a maioria de suas obras tem em comum a características de serem experimentais e “abertas” para que haja participação do público e este possa, através do contato interiorizado com as obras e da sensibilização dos seus sentidos unidos ao pensamento sobre si mesmos, iniciar seu processo de descondicionamento através da consciência de si e do despertar criativo para buscar a liberdade interior e poder libertar tudo o que lhe é externo, desde as relações pessoais até o âmbito político e social. 1.1 - A construção da obra de Oiticica no espaço real 3 Hélio Oiticica inicia seus estudos artísticos, em 1954, com Ivan Serpa que seguia tendências concretistas como artista, mas não procurava influenciar seus alunos nesse sentido. Da mesma forma, esse lidera o Grupo Frente, não excluindo artistas integrantes que desenvolviam manifestações não concretas. Oiticica passa, então, a integrar esse grupo um ano depois de sua criação e permanece até a dissolução em 1956. Produz uma série de quadros em tela e em guache sobre cartão em 1955, explorando a linguagem abstrata geométrica, mas de forma que minimizasse ou colocasse em movimento a relação figura e fundo, que se alternariam diante da percepção, expandindo a forma em seus limites. As cores que utiliza também contribuem para esse roçar das formas que tem seus limites tantalizados. Experimenta composições no ritmo horizontal- vertical mondrianesco ou seriado em pequenos fragmentos como em Max Bill. Continua esse processo de exploração dos limites do quadro com os Metaesquemas (1957-1978) mas, agora, as formas se destacam do fundo para ganharem movimento, fragmentadas e sulcadas ou transpondo os limites das margens. Em 1959, passa a integrar o grupo neoconcreto4 compartilhando, com esse, afinidades com a arte não- figurativa geométrica, como o Neoplasticismo, Construtivismo, Suprematismo e Escola de Ulm, e o questionamento do fechamento em limites racionalistas dos concretistas de São Paulo 5 . Desenvolve o rompimento do espaço ilusório para a participação vivencial, juntamente com Lygia Clark e Lygia Pape, ao firmar o processo de questionamento do suporte, relacionando obra e seu entorno, com os Monocromáticos (Invenções} (1959). São 3 Algumas das obras aqui abordadas serão especificamente observadas nos capítulos seguintes 4 vide apêndice I, f. 31 vide apêndice I, f. 30 5 20 conjuntos de placas de madeira que se destacam levemente da parede e formam um painel fragmentado de cor, pois cada placa é pintada, uniformemente, com cores quentes, ou, como denomina, “cor-luz” (amarelo, laranja e vermelho) que se diferenciam em tons próximos. Assim, produz objetos e não quadros com figuras representadas, pois a forma se apresenta e o fundo é a própria parede do ambiente como no atelier de Mondrian. A construção diretamente no espaço, sem nenhum apoio ou referência aos quadros, ocorre, inicialmente, com os Bilaterais (1959-1960) e com os Relevos Espaciais (1959-1960). São finas placas de madeira, pintada e como que dobradas origamicamente, presas por fios transparentes e mantidas suspensas, permitindo que o espectador circule entorno e passe por baixo deste, descobrindo diferentes faces e ângulos como que acompanhando seu desdobrar. Depois, com os Núcleos (1960-63), Penetráveis (1960-80), Bólides (1963), Parangolés (1964-79) e, mais tarde, com os Ninhos (1969), se acentua o caráter da “vivência”, pois os participadores são solicitados a se relacionarem corporalmente com a obra, seja entrando nela, seja vestindo ou manipulando-a. Todos os sentidos são simultaneamente participantes para o conhecimento sensorial das formas e das totalidades significativas abertas às escolhas, valorações, pensamentos, afetividades, desejos, interiorizações. Essa relação fenomenológica com o mundo, que na obra está acentuada, permite a percepção total, significativa, em que o “sujeito se comunica com o mundo de modo intercorporal entre outros sujeitos, objetos e consigo mesmo” como sintetiza Marilena Chauí (2003, p.135). Nos Núcleos, se determina um espaço específico onde há possibilidade de circulação do espectador entre paredes vazadas formadas por várias placas retangulares de madeira pintada, suspensas por fios e dispostas nuclearmente. Já nos Penetráveis, o espaço interno e o externo estão bem definidos, separados por paredes. No seu interior, o espectador-participador percorre um caminho labiríntico com diferentes possibilidades de percepção de textura, sons, cores, através do caminhar por pisos de pedra, de água, folha ou palha, são paredes translúcidas; opacas com madeira pintada; ou ainda, de grade, com frases escritas. Processo esse que inicia em 1960-61 e só retomará em 1967 com o projeto Tropicália. Tendo Penetráveis como base, cria projetos que,como esse, incluem outras formas de percepção através das performances, sons, imagens e poemas. Em 1961, elabora seu primeiro projeto, realizado somente em maquete, o Cães de Caça, que incluiria, além de um conjunto de Penetráveis, o Teatro Integral de Reynaldo Jardim e o Poema Enterrado de Ferreira Gullar. 21 Saindo desse plano arquitetural, que solicita o deslocamento corporal no seu caminhar como um dos possibilitadores da experiência, o artista cria uma esfera mais intimista e individualizada na relação do participante consigo mesmo, mediada, agora, pelo contato entre o objeto sensorial e o manipular, pois são as mãos, e não os pés, os pontos de contato e encontro entre os corpos. Isso ocorre nos Bólides, que buscam a relação corpórea e desejosa do tátil- visual pela manipulação de pigmentos em bacias ou cubas de vidro e com descobertas de pigmento-poema-fotos abrindo faces de caixas de madeira. Inaugura, em sua poética, outra relação com o corpo e com o espaço ao criar em 1964 os Parangolés que apresenta, pela primeira vez, em 1965, no evento Opinião 656 com integrantes da Escola de Samba da Mangueira, passistas vestindo os Parangolés e a bateria com seu ritmo. Assim, a força dionisíaca do samba, música e dança temporaliza o espaçocorpo-obra e constrói a liga, ressoante e repercussiva, entre o Parangolé e o participante que, ao vestir as capas ou carregar as tendas e bandeiras, está de tal forma integrado com a obra, que cria o espaço com sua movimentação durante a manifestação coletiva. Essa atuação, com cada Parangolé, também é experienciada no contato com a materialidade da obra, em cor, textura, forma, peso e movimento, e provocada nas frases inscritas nos tecidos desses como: Da adversidade, vivemos; Seja herói, seja marginal; Incorporo a revolta; Estou possuído. Em 1966, dentro dessa proposta de fusão dos espaços vividos e artísticos, apresenta, na exposição Opinião 667 sua apropriação Mesa de Bilhar em que os participantes vestiriam camisas coloridas e jogariam bilhar, fazendo “vir à tona a plasticidade da ação-cor-ambiente”, como a “notívaga sala de Van Gogh” (Oiticica, 1986, p. 81). Outra apropriação também desse período, mas que não sofre nenhuma intervenção do artista, a não ser no próprio ato de se apropriar como obra, é o Bólide Lata, pois como explica o artista: A experiência da lata-fogo, a que me referi, está em toda parte servindo de sinal luminoso para a noite - é a obra que isolei na anonimidade da sua origem --- existe aí como que uma ‘apropriação geral’: quem viu a lata-fogo isolada como uma obra não poderá deixar de lembrar que é uma obra, ao ver, na calada da noite, as outras espalhadas como que sinais cósmicos, simbólicos, pela cidade: juro de mãos postas que nada existe de mais emocionante que estas latas sós, iluminando a noite (fogo que nunca se apaga) --- são uma ilustração da vida: o fogo dura e de repente se apaga um dia, mas enquanto dura, é eterno. (ibidem, p. 80) Retoma esse tipo de experiência somente em 1978 com os ready-mades e os “objetos –semimágicos-trouvés” em que os espaços do mundo e da obra, da experiência na obra e na 6 7 vide apêndice I, f. 36 vide apêndice I f. 36 22 vida se confundem, interpenetrando-se e, assim, questiona a necessidade de instituição de espaços próprios para a arte que a separam do mundo ambiente. Critica também, na exposição manifesto Nova Objetividade8 em 1967, a cultura colonialista brasileira e incita ao posicionamento antropofágico da vontade construtiva para deglutir as influências externas na construção de uma cultura brasileira. Participa da exposição com o projeto Tropicália que coloca essa questão da brasilidade ao inserir elementos do imaginário tropical como araras e panos estampados nos Penetráveis, contrastando com uma televisão ligada como fator redutor do sensorial e participativo. Nesse período de grande engajamento popular e fermentação artística, também há o acirramento da censura em 1968 pela promulgação do AI – 5 (Ato Institucional no 5). Então, muitas manifestações e mobilizações são impedidas de serem realizadas, assim como, são exilados artistas e teóricos. Antes disso, Hélio Oiticica ainda permanece no Brasil este ano de 1968 e realiza duas manifestações artísticas: Bandeiras na Praça com o estandarte Seja Marginal, Seja Herói em Ipanema; e a Apocalipopótese, em frente ao MAM-RJ, com os Parangolés, os Ovos de Lygia Pape, as Urnas Quentes de Antonio Manuel e o Dog’Act de Rogério Duarte. Assim percebe essa manifestação como: Contato grupal coletivo: não imposição de uma “idéia estética grupal”, mas a experiência do Grupo aberto num contato coletivo direto. Antonio Manuel - Urnas quentes: o flan, que outrora era como o desenho ou gravura-matriz na parede, está encerrado na caixa hermética que é aberta a marteladas e ele ali está: o flan-mensagempanfleto, como um poema adormecido [...] documento trágico do sofrer anônimo na opressão [...] Lygia Pape – Ovos: [...] seriam o exemplo clássico de algo puramente experimental, por isso mesmo, diretamente eficaz; estar, furar, sair o contínuo ‘reviver’ e ‘refazer’, na tarde, na luz, na gente: o ovo é o que de mais generoso se pode dar: é nascer e alimentar, aqui também – o ovo do ovo. Rogério Duarte – dentro da manifestação, a redundância: a apresentação do apresentável: o ato dos cães, com domador e tudo [...] na tarde, o show dos cães - Rogério discursa – o spot de luz dos cineastas cai sobre a cena – cinema ou happening? [...] Cheguei tarde com capas novas de Parangolé: [...] a faixa feita no corpo que um nordestino veste: é a capa ‘Gileasa’ que fiz dedicada a Gilberto Gil; [...] o corpo e a faixa que se enrosca e se transforma no ato de descobrir o corpo, do jogo de descobrir como pode ser vestida [...] Rosa Corrêa veste Seja Marginal, Seja Herói – Balalaika, Caetelesvelásia - a barba de Macalé espreita algo – 8 vide apêndice I, f. 36 e 38. 23 Frederico, Guevarcália – Nininha da Mangueira, Xoxoba – Torquato, a ‘Capa 1’ – Bidu, Bulau, Santa Tereza, Mirim, Manga e Mosquito são escalas emotivas – onde estou, que sons e atos e pensamentos nos rodeiam – é a prática ou o ato? – é o pensammento ou o fato? [...] é a primeira prática que se repetirá até ser prática constante da liberdade-lazer [...] (1986, pp. 129-130). 9 Mas, a partir do ano seguinte, de 1969 até 1978, passa a morar no exterior: um ano em Londres e, depois de um breve retorno ao Brasil, vive 8 anos em Nova York, onde realiza uma série de experiências artísticas com seus Ninhos e Penetráveis, participa de filmes e faz o seu próprio. Apesar de distante, mantém vínculo com o Brasil e, a partir de 1971, através dos Heliotapes, faz gravações e transcrições enviadas de Nova York para as publicações no Pasquim e para a coluna Geléia Geral de Torquato Neto, se corresponde assiduamente com artistas e intelectuais. Em Londres, 1969, realiza uma exposição individual, mais tarde denominada por ele de Withechapel Experience, com o seu projeto Éden em que reúne diversas de suas obras ambientais produzidas até então, como os Parangolés, os Bólides, os Núcleos e as apropriações, além de uma série de novos penetráveis e os Ninhos. Ainda na Inglaterra, é indicado artista residente na Sussex University de Brighton e instala, junto com os estudantes, uma segunda versão dos Ninhos, proposta ambiental de participação coletiva iniciada no Éden. Com os Ninhos, há o retorno ao espaço construído, mas agora, com as proposta do Crelazer e do Suprassensorial desenvolvidos dentro do projeto Éden (1969) e em seus apartamentos em Nova York (1970-1978). São pequenas camas individuais, separadas por panos que podem ser transpostos facilmente formando um conjunto de dois andares, há a junção do separado, acolhimento, interiorização, ao mesmo tempo que, a possibilidade de cohabitação do coletivo e do individual no mesmo espaço proposicional. Já em 1970, participa de exposição Information, no MOMA, com os Ninhos e ganha bolsa da fundação Guggenheim, indo residir em Nova Iorque na 2nd Avenue. Apartamento em que irá morar até 1974 e construir o Ninho: Babylonest que fará parte do filme de Julio Bressane, Lágrima Pantera à Míssil. No apartamento da Christopher Street, onde mora até 1978, fará outro Ninho, o Hendrixis. Assim, Oiticica, além de participar de filmes como ator e com suas obras, em Nova York, aproxima sua linguagem artística à do cinema e realiza o filme Agripina é Roma Manhattan, em 1972. Depois, em 1973, cria o conceito de quasicinema que irá, inicialmente, desenvolver com a série Block-Experiments in Cosmococa - program in progress. São 9 22/29 outubro de 1969. 24 ambientes que se aproximam da idéia do Crelazer dos Bólides Cama e Área, mas com um fator menos interiorizador, os slides, que têm a cocaína como intervenção em cima de imagens de livros, discos, jornais e fotos. Cria também o quasi-cinema Helena inventa Angela Maria, slides que evocam a cantora popular brasileira dos anos 50. Com os Quasi-cinema (1973-1975), explora a linguagem fotográfica ao projetar, nas paredes, slides de processos criativos que transformam outras imagens prontas com intervenções. Isso, em ambientes com música e com diferentes tipos de chão, como areia, espuma, madeira, para se deitar e observar a seqüência de slides projetada simultaneamente, envolvendo o espectador que escolhe a melhor maneira de observar. Nesses, o som e a imagem, de maneira geral, confluem em seus motivos com o descansar sensorial, deitar-se para ver e ouvir. Resumidamente, pode-se apontar isso em algumas Cosmococas: no Nocagions (CC4), utiliza imagem do livro de John Cage, Notations, música dele em um ambiente com piscina; da mesma maneira, no Ono Object (CC2), faz slide da capa do livro de Yoko Ono com sua foto e sua música, o chão é de espuma com objetos geométricos coloridos de espuma; no Hendrix War (CC5), utiliza, do seu disco War Heroes, a imagem da capa e música, para serem vistas e ouvidas deitado em uma das várias redes de diferentes cores. Após retornar ao Brasil em 1978, participa de várias manifestações artísticas, filmes e exposições, inicia a produção de uma série de obras mais desmaterializadas, que incluem o acaso e possuem menor intervenção do artista como nos seus ready-mades, nos objetos semimágico trouvé (Avenida Presidente Vargas-Kyoto-Gaudí e Manhattan Brutalista) e nas performances como a Delirium Ambulatorium durante o evento Mitos Vadios. Dando continuidade a esse processo, em 1979, Rio de Janeiro, no bairro do Caju, realiza o evento Programa in progress Kleemania, em homenagem a Paul Klee, primeiro dos acontecimentos urbanos, para o qual convida vários artistas, realizando, nesse evento, o Contra-Bólide Devolver a terra à terra que consiste numa “contra operação poética da que gerou o BÓLIDE”... (Oiticica,1996 b, p.202) 10 e descreve: ...”Nesta operação CONTRA-BÓLIDE, pego uma forma de madeira de 80 x 80 x 10 cm e preencho-a de terra preta trazida de outro lugar: mas em vez de ser esta colocada num container é ela colocada nesta cerca sem fundo: o fundo é a própria terra da localidade onde foi colocada a forma: a forma é então retirada deixando então TERRA SOBRE TERRA q ali foi CONTRA-BÓLIDE passa a ser então em vez de obra uma espécie de programa-obra in progress q pode ser repetido quando houver ocasiãonecessidade para tal”...(ibidem). 10 Texto inédito. 25 Mas por seu processo ser experimental e in progress, como define, era possível, para Oiticica, retomar as apropriações e os Penetráveis, e continuar, em paralelo, por exemplo, com os Metaesquemas e Parangolés, pois suas produções se intercomunicam e se realimentam, permitindo que não se fechem. Isso ocorre, também, no Penetrável Rijanviera, que explora diferentes tecituras, transparências na linguagem arquitetural, e é criado nesse mesmo período em que se envolvia com o fazer na efemeridade dos acontecimentos momentâneos como nas apropriações e performances. Com a mesma proposta de desprendimento autoral e matérico inventa o seu ContraBólide no 2 em 1980, apresentado, no Morro da Mangueira, seu último evento, o Esquenta pro Carnaval. Assim descreve seu pla nejamento para o evento e o Contra-Bólide: Agora estou me preparando para a Mangueira. Um evento onde vários artistas participarão. Para mim, é melhor levar a descoberta do urbano à favela do que ir lá fazer um filme.Um negócio complicado de explicar. Sei que tenho de pegar uns ladrilhos. Tenho uma tábua de 60 x 60. Vou colocar uns ladrilhos nela e a área vai funcionar como área para maquete e área local. Uma coisa mini e máxi ao mesmo tempo. Quero colocar esse quadrado ladrilhado num determinado local e deixar lá por um determinado tempo. Depois, transfiro para outro lugar. Em seguida, trago para casa no fim do dia. Mais adiante, ele vai servir para outra finalidade. Fica, assim, como uma espécie de espaço limitado-ilimitado. Posso, de repente, improvisar uma maquete em cima dele e depois retirar. [...] (Oiticica apud Jacques, 2003, p.130) 11 Então, como grande parte de sua produção passava por textos, maquetes, plantasbaixas, desenhos explicativos, foi possível observar vários projetos que estavam para serem realizados como constata nesse depoimento em 1979: Em Nova Iorque, escrevi muitos textos desenvolvendo teorias, e comecei, também, a desenvolver novos tipos de Penetráveis e uma coisa que chamo Parangoplays. São performances para serem levadas a cabo. [...] Tenho duas gavetas de fichários, só desses textos, que eu chamo de Conglomerado [...] e algumas maquetes eu comecei a fazer lá, e estou desenvolvendo aqui; são maquetes para serem feitas em grandes espaços, que eu quero fazer em grande escala, para as pessoas entrarem, em espaços públicos [...] (Oiticica apud Favaretto, p. 215) 12 Nos anos 60, eu produzi muito no Brasil e senti necessidade de dar direção a tudo aquilo. Essa ordenação de idéias, o Conglomerado, com o título geral em francês, Newyorkaises (novaiorquinas) é dividido em blocos: Bodwise – o mais importante – centraliza a experiência do corpo, é onde trato da relação com o corpo, a descoberta do corpo, o rock. Outro bloco, experimentalidade na Arte Brasileira, 11 12 Entrevis ta para Jorge Guinle Filho, “A última entrevista de Hélio Oiticica” In: Inteview, abril de 1980. Entrevista a H. B. Hollanda / C. M. A. Pereira (1979). Patrulhas Ideológicas, Marc. Reg. São Paulo, Brasiliense, 1980, pp. 142-143. 26 focaliza vários artistas, como Lygia Clark, Lygia Pape, Ivan Cardoso. Há blocos de projetos de performances, como Sptlo, Bosta get lost, Branco no branco, O Mundo como Guarida ou CC, este com Neville de Almeida. (ibidem).13 Assim, convive com a necessidade de realizar projetos e de poder considerá-los como obras em si, dispensando sua fatura num desprendimento do objeto e existindo somente como idéia. Então, conclui em sua última entrevista em 1980: ”eu estou querendo essa coisa toda que eu chamo de Conglomerado, porque isso aí foi uma coisa intencional, de não ficar criando objetos.” (Oiticica apud Jacques, 2003, p. 127) 14 Mas, nesse mesmo período, inicia um projeto de construção de grandes placas coloridas de 5x5 metros que seriam instaladas no parque ecológico do Tietê em São Paulo, formando “corredores de cor”. Este projeto, parece dar continuidade ao seu processo de antropofagia de sua própria criação, em que se alimenta e recria a partir do já construído, desconstruindo e refazendo, num contínuo espiral. Seria também a efetivação da suas intenções de criar topos permanentes para a experienciação da relação do sensorialconsciência de si através do descondicionamento que pretendia levar o participador a atingir a liberdade individual multiplicada para o coletivo. Diante dessa pulsante carreira, tão integrada às suas vivências que faziam mover e autogerar-se, público e obra se acercam ainda mais. No entanto, seguem, agora, as obras, o caminho necessário para a permanência do diálogo com o mundo atual: a institucionalização, que permitirá a pesquisa, a exposição e a reflexão sobre sua obra e, portanto, sua permanência e duração. Mas o desafio está no modo como isto será efetivado. Esta iniciativa parte então de seus irmãos César e Cláudio Oiticica que criam o Projeto Hélio Oiticica em 1981 com o objetivo de expor, manter e organizar obras, imagens e textos do artista, que possibilitaria o acesso à pesquisa. Isso resulta nas duas coletâneas de textos do artista: Aspiro ao Grande Labirinto e o catálogo Hélio Oiticica da Rio Arte; o livro Cartas 1964 – 1974, publicação de suas correspondências com Lygia Clark; a disponibilização, na internet, de documentos manuscritos do artista através da Enciclopédia do Itaú Cultural, Programa Hélio Oiticica. Outras ações que asseguram essas intenções, são, além das exposições, a montagem de projetos inéditos, como o Penetrável Magic Square 5, De Luxe (1977), e a criação, em 1996, do Centro de Arte Hélio Oiticica, juntamente com a prefeitura do Rio de Janeiro, com o projeto de manter uma sala de exposição permanente de suas obras. 13 Entrevista a Gardênia Garcia, Arte Hoje , ano 2, no 16, out. 1978 14 Entrevista para Jorge Guinle Filho, A última entrevista de Hélio Oiticica, In: Interview, abril de 1980. 27 Mas, como em muitas obras contemporâneas, essa aproximação obra-instituiçãopúblico na atualidade não ocorre sem que haja conflito entre as intenções do artista e a apropriação de suas obras. Porém, esse questionamento será mais claramente apontado nas considerações finais. Depois dessa breve apresentação do seu percurso artístico e de suas obras, é necessário, agora, para que se observe de forma ampla seu processo, considerar os movimentos, manifestações e artistas que contribuíram na construção de sua poética. Assim, na seção seguinte, são apontadas relações do artista com a arte concreta, neoconcreta e com a manifestação Nova Objetividade. 28 1.2 - ARTE CONCRETA E NEOCONCRETA E A ADESÃO DE OITICICA 1.2.1 - PROCESSO DE INSERÇÃO DA ARTE CONCRETA NO BRASIL Até a década de 50, o Brasil ainda não tinha se posicionado frente às modificações estéticas iniciadas por Cézanne que pôs fim ao uso da perspectiva e do ilusionismo15 . O cenário das artes plásticas brasileiras era, predominantemente, ocupado por artistas institucionalizados como Portinari, Di Cavalcanti, seguidos por Segall e Pancetti. O que deixava artistas como Alfred Volpi e Milton Dacosta à margem da visibilidade. Portinari pretendia dialogar com a pintura cubista mas conseguia somente “uma leitura anedótica”, como afirma Gullar (1999), não se desfazendo de bases perspectivas e românticas destruídas pelo cubismo. Portanto, com Portinari como referência “incontestável”, a pintura moderna brasileira perdia em desenvolvimento de uma linguagem mais autônoma que tivesse inserção na História da Arte como um todo. Mas as novas gerações de artistas já vinham produzindo pesquisas isoladas na linguagem geométrica abstrata, principalmente, no Rio de Janeiro e São Paulo. Mas, aos poucos, ia se conquistando mais espaço de mobilização em torno dessa questão da arte abstrata que modificaria a realidade da arte brasileira então contrária às pesquisas artísticas autônomas. Uma das demonstrações de incentivo e abertura para se implementar a linguagem geométrica no Brasil foi a Bienal de São Paulo de 1951. Nesse ano na Bienal, é concedido, pelo júri internacional, o Grande Prêmio de Escultura para A Unidade Tripartida do concretista Max Bill. Esse mesmo júri premiou a “jovem pintura nacional” de Ivan Serpa que também desenvolvia a linguagem concreta. Outro fator que influenciou a inserção da arte concreta no Brasil foi a criação da Escola Superior da Forma de Ulm 16 da Alemanha, uma das principais divulgadoras do movimento concreto na América La tina. Isto incentiva, na Argentina, o grupo concretista 15 Processo este que os cubistas darão seguimento evidenciando a autonomia do quadro em relação à realidade com as colagens que, ao trazerem elementos diretos da realidade para o quadro, desobrigam o artista a produzir virtuosisticamente e artesanalmente símiles da realidade e, ao mesmo tempo, aproximam elementos do mundo e produção estética que os resignifica. Assim, a relação entre arte e realidade deixa de ser empírica, investigativa presente no impressionismo. 16 A Escola Superior da Forma tem início em 1951 e é fundada por Max Bill, da qual fez parte até 1956. 29 liderado por Tomás Maldonado. Já no Brasil, o crítico Mário Pedrosa (1900-1981), que escreve, em 1949, tese que relaciona arte e Gestalt, e portanto, atento ao movimento concreto, se torna o único fomentador do concretismo no país até 1950. Mobiliza artistas novos como Ivan Serpa e Almir Mavigner que seguiram firmemente esta linha de pesquisa: Mavigner entra para a Escola de Ulm e Serpa, em 1954, leciona desenho e pintura no MAM-RJ, onde se formaria a semente do Grupo concretista carioca (Frente) integrado também por alguns de seus ex-alunos como Hélio Oiticica. Coube ao Grupo Frente17 (1954-56) e ao Ruptura18 (1951-59) de São Paulo abrirem espaço para a pesquisa da linguagem geométrica. No entanto, estes grupos mantinham direcionamentos opostos. Enquanto o Grupo Frente tinha uma linha de pesquisa mais aberta a experimentações, o Ruptura procurava seguir rigidamente os preceitos e objetivos concretistas, inclusive com intenções de inserção na indústria. Em manifesto, o Ruptura defende a concepção de arte como "um meio de conhecimento deduzível de conceitos" (Itaú cultural, 2005). O Grupo Frente, que apesar de ter a Bauhaus, De Stijl e a Escola de Ulm como referência estética, soube não se fechar em código s estéticos rígidos e desenvolver na linguagem geométrica “um campo aberto à experiência e indagação” (Gullar, 1996, p.233). Afasta-se assim das formulações apriorísticas dos concretos de São Paulo que, seguindo a teoria da Gestalt, ilustram o problema perceptivo com produções que buscam a dinâmica visual e a construção seriada influenciada pelas concepções de Max Bill. Já os concretos do Rio de Janeiro tinham uma preocupação mais pictórica da cor como matéria e da forma como expressão e significado, e não, simplesmente, como fatos de visão. 1.2.1.1 - Influências da Escola de Ulm na arte concreta brasileira A arte concreta desenvolvida pela Escola Superior da Forma de Ulm tinha como objetivo dar prosseguimento aos preceitos da Bauhaus formando profissionais comprometidos com o desenvolvimento social. Mas, aquela procura se diferenciar dessa em alguns aspectos: 17 Grupo Frente: liderado por Ivan Serpa (1923-1973) e composto pelos artistas Aluísio Carvão (1920-2001), Abraham Palatinik (1928), Lygia Pape (1927-2004), Franz Weissmann (1911), Lygia Clark (1920 - 1988), Hélio Oiticica (1937-1980), Décio Vieira (1922-1988), Rubem Ludolf (1932), César Oiticica (1939), Amilcar de Castro (1920-2002). 18 Grupo Ruptura: integrado pelos artistas Waldemar Cordeiro (1925-1973), Geraldo de Barros (1923-1998), idealizadores do grupo, e por Anatol Wladyslaw (1913), Lothar Charoux (1912-1987), Féjer (1923-1989), Leopoldo Haar (1910-1954), Luiz Sacilotto (1924-2003) . 30 enquanto na Bauhaus a personalidade do artista se diluiria com a finalidade de alcançar uma obra coletiva, na Escola Superior da Forma havia a atenção para a formação individual como designer. Isto contribuiria para que a forma não se esgotasse em função, pois, se a função encontra a forma ideal, não é mais necessária a pesquisa da forma. No entanto, se o designer intervir com sua invenção pessoal, estará dialogando com a beleza, o que faz expandir a forma.(Gullar, 1996, passim) Portanto, a objetividade e a ligação com a matemática da arte concreta de Max Bill está relacionada à vontade de inserção da arte na sociedade através da indústria, tornando a arte algo concreto, verificável. No entanto, a matemática não era utilizada no sentido estrito, mas incorporada como “ritmo e relações”, como “leis que têm seus elementos originários no pensamento individual de seus inovadores” (Bill apud Gullar, 1996, p. 214). A cor, para Bill e os concretos suíços, é mais um elemento concreto que cria campos de energia e ritmos. Os concretos recolocam o problema do espaço levantado por Mondrian ao afirmarem que este conjunto de elementos, que forma o quadro, não é bidimensional, mas pluridimensional se considerarmos a pintura “em função do seu efeito, de sua ação - de seu sentido - e não como objeto fechado em si mesmo” (ibidem) Assim, Max Bill extrapola o conceito original de arte concreta criado por Theo Van Doesburg como constituída de elementos como linha cor, superfície que seriam concretos, se opondo ao conceito de arte abstrata formada por imagens abstraídas da natureza. Max Bill não nega o conceito original de arte concreta, mas considera a arte concreta como produtora de objetos concretos que fazem parte da realidade e que só podem ser concebidos em relação ao espectador que o percebe no espaço real e psíquico. Outro fator que confirma esta relação mais próxima entre arte, espectador e ambiente é a ausência de base ou pedestal das esculturas e não uso de moldura nas pinturas. No entanto, como o concretista , no campo perceptivo, está baseado em descobertas da Gestalt, age como inventor que manipula formas e informações visuais, o que torna a relação, espectador-obra, externa, não existencial e não significativa. Os concretos, por possuírem esse caráter cientificista e funcionalista, pretendiam fazer parte da sociedade através da produção industrial, mas sem questionamentos de ordem política, contribuem, involuntariamente, com o projeto político-econômicos construtivo, nacionalistas e desenvolvimentista da América Latina, como ocorreu, no Brasil, no governo de Getúlio Vargas (1951-1954) e de Juscelino Kubitschek (1956-1960). Isto recolocava a arte concreta brasileira na dependência entre forma e função em que a teoria, como a Gestalt, a Semiótica de Peirce e a Teoria da Informação de Nobert Wiener, 31 se coloca à frente da pesquisa estética, levando a arte a um “reducionismo tecnicista” como aponta Ronaldo Brito (1999, p.56). Esses limites da arte concreta paulista e a diferença entre esses e o Grupo Frente são explicitados a partir da Exposição Nacional de Arte Concreta, realizada em 1956 em São Paulo e em 1957 no Rio de Janeiro. Mas, logo depois, há a dissolução do Frente e reagrupamento de artistas em torno do Neoconcretismo. Os neoconcretos redirecionam a discussão, buscando o “vértice” da pesquisa concreta (ibidem, p.58), e assim, se acirra a oposição ao grupo concreto paulista de Waldemar Cordeiro. 1.2.1.2 – NEOCONCRETISMO O Neoconcretismo, do qual fará parte, mais tarde, Hélio Oiticica, pretendem rever a teoria concretista e, dando um passo além, seguem o caminho aberto pelo Grupo Frente. Lançam manifesto, em 1959, com a adesão de Amílcar de Castro, Ferreira Gullar (teórico e poeta do grupo), Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spanúdis. Depois, juntam-se ao grupo, Willys de Castro, Hércules Barsotti, Décio Vieira, Hélio Oiticica entre outros. Muitos destes, antes integrantes do Grupo Frente, dão seguimento à pesquisa da arte não figurativa geométrica, revendo os caminhos traçados desde o cubismo, passando pelo neoplasticismo, construtivismo, suprematismo até a arte concreta e firmam posição, no sentido de reabrir caminho para uma linguagem visual autônoma, não representativa, contrária ao que vinha ocorrendo com o grupo concreto de São Paulo. Este, seguindo os preceitos da Escola de Ulm, colocava a ciência à frente da estética, tendo como parâmetro, não criativo mas representacional, a Gestalt e a matemática, esquecendo que “a obra de arte supera os mecanismos sobre o qual repousa” (Gullar, 1996, p. 246). A razão não está acima da sensibilidade para os neoconcretos que não deixam de buscar a objetividade, pois, percebem que mental e sensorial estão integrados corporalmente, “os sentidos se simbolizam” no corpo (Merleau-Ponty apud Gullar, 1996, p. 247). Segundo Ronaldo Brito (1999, p. 56), da mesma forma que a fenomenologia de Merleau-Ponty se opunha à Gestalt, o grupo neoconcreto faz frente ao concretismo de São Paulo, pois o Neoconcreto propõe o retorno ao humanismo, ao existencialismo e à arte como expressão, sem abdicar a objetividade. Mostravam a necessidade de revalorizar o homem enquanto ser e não como agente social e econômico como almejavam os concretistas. Para os neoconcretos, a inserção social ocorre através da transformação dos indivíduos com pequenas revoluções individuais subjetivas. O posicionamento crítico libertário do Neoconcretismo era 32 apolítico, quase marginal, o que permitia maior liberdade de pesquisa pela ausência de confronto com o mercado. Isto contribuía para que o neoconcretismo seguisse o caminho da expressão e não o do reducionismo da produção que o concretismo brasileiro levava a arte. Assim, faz avançar a pesquisa da linguagem geométrica racionalista, buscando o retorno ao humanismo, mas sem ser retrógrado, tradicional, e opera no limite entre o racional e o irracional, o subjetivo e orgânico. Com este intuito, abre espaço para o experimental, permitindo o envolvimento de artista e espectador, sujeitos comprometidos em realizar a existência da obra em sua totalidade. Dessa forma, inclui a participação do espectador que passa a ser “participador”, pois faz com que a obra aconteça de fato completando a criação do artista. Para que todo esse processo fosse possível, o Neoconcretismo rompe com as categorias tradicionais de belas-artes, como já vinha acontecendo nos Estados Unidos e Europa, e então a obra passa a habitar o espaço real integrada às dinâmicas do mundo e se afasta da aura destacada e especial que as artes se colocavam ao se afastarem do real através da moldura na pintura, do pedestal e base na escultura, do palco italiano na dança e teatro, etc. O espaço antes metafísico da arte tornava necessária a existência de uma passagem entre o real e o ilusório, como o da moldura, para que ficasse clara essa distinção entre esses dois mundos. Já na arte neoconcreta, tempo e espaço são reais e se constroem no momento da participação. Os neoconcretistas, Hélio Oiticica com os Relevos Espaciais (1959-60), Lygia Clark com os Bichos (1959), e Lygia Pape com o Livro da Criação (1960), aprofundam essa questão da participação, esgarçando ao máximo a linguagem concreta. Estas, são obras do início de suas pesquisas sobre participação que, mais tarde, irão adensar as características relacionais do tempo não mecânico e interiorizado pela vivência de cada participador e não pela ação-reação diante da obra e, assim, recuperam e repotencializam o vivido, pois aproximam arte e vida. Willys de Castro, Franz Weissmann, Hércules Barsotti, Aloísio Carvão e Amílcar de Castro, não “rompem com os postulados construtivos” como Oiticica, Pape e Clark, operando no “vértice da tradição construtiva”, segundo Ronaldo Brito (1999, p. 58), mas igualmente produzem com liberdade criativa e experimental. Dessa forma, Oiticica e Lygia Clark percorrem o processo de construção de obraobjeto-significativa-relacional, a partir de 1959, que envolve a questão do fim do quadro como espaço ilusório e a integração do objeto artístico no espaço do mundo, integrando fatores racionalistas construtivos e “irracionalistas”, vivenciais. 33 1.2.2 - HÉLIO OITICICA E ARTE DA DÉCADA DE 1960 1.2.2.1 - RACIONALISMO E IRRACIONALISMO19 NA ARTE INTERNACIONAL E BRASILEIRA Para melhor compreensão da especificidade de características do Neoconcretismo e da complexidade de movimentos e fatores que integraram a Nova Objetividade como exposiçãomanifesto, dos quais Hélio Oiticica participou e que constituem o seu processo criativo, é preciso situá- los num âmbito mais amplo, histórico e conceitual. Assim, será feito um pequeno paralelo do conceito de racionalismo e irracionalismo na história da arte internacional com a brasileira no recorte entre as décadas de 1950 e 1960. Nesses períodos, como observam Argan (1999, p.555) e Brito (1999, p.37), enquanto havia segmentos predominantes da linguagem do dito Informal nos Estados Unidos, como Pollock e De Kooning, e, na Europa, o grupo Cobra Holandês, na América Latina, principalmente, no Brasil e Argentina, havia a continuidade da tradição construtiva influenciados pela Escola Superior da Forma de Ulm. O concretismo, o Informal e outros grupos, podem ser percebidos diante da separação de duas correntes de pensamento, racionalista e irracionalista, que davam prosseguimento a diferentes movimentos artísticos do início do século XX como o construtivismo e o dadaísmo. O concretismo da Escola de Ulm pretende desenvolver o projeto da Bauhaus construtivista que privilegiam o pensamento racionalista. Outros grupos, como o Informal americano e europeu, o Novo Realismo e o Realismo Fantástico entre outros, colocavam a arte em “crise como ciência européia” (Argan, 2002, p.555) ao compartilharem do pensamento dadaístas e surrealistas que valorizavam procedimentos artísticos do irracionalismo. Então, retomando a linha histórica de influências, se observa que, no início do século XX, o Construtivismo e o Dadaísmo abriram duas frentes de pesquisa em que o Surrealismo se situa entre. Os construtivistas abrem uma frente raciona lista de inserção da arte através da 19 O conceito de razão utilizado no texto é percebido como razão discursiva ou raciocínio, ou seja, “conhecimento que exige provas e demonstrações de verdades que estão sendo conhecidas ou investigadas” (Chauí, 2003, p.66). Por conseguinte, o conceito de irracional utilizado se opõe a este pensamento “racional, discursivo, intelectual” e se constitui como “intuição sensível, empírica, psicológica” (Chauí, 2003, p. 65) 34 indústria que os concretistas iriam seguir. Já os dadaístas proporcionam outras perspectivas de arte que privilegiam o irracional, a crítica ao sistema de arte, fazendo “antiarte” que não produz obras, mas ações desconcertantes, absurdas, críticas e destruidoras do estabelecido. Já o surrealismo pretende modificar a sociedade com engajamentos políticos do grupo, e dessa forma se insere na sociedade ao mesmo tempo que levanta a importância do inconsciente e do irracional na constituição do pensamento humano. O projeto construtivo, de inserção da arte na sociedade através da indústria, é levado a termo pela Bauhaus que, assim como os dadaístas, duvidam da validade da autonomia da arte que a Escola de Paris desenvolve. Então, a Bauhaus retoma a funcionalidade da arte enquanto o dadaísmo critica a sociedade e as instituições de arte empreendendo ações imprevisíveis e absurdas. Ambas afirmam, dessa forma, a morte da arte de pesquisa estética pura. Assim, dando prosseguimento ao pensamento irracionalista e crítico do Dadaísmo, na década de 60, o Novo Realismo e a Nova Figuração europeus operam imagens estéticas com relação à sociedade de consumo, alterando ou revelando a lógica do comportamento desta. No Nouveau Realisme, Arman apropria objetos e desmembra e/ou acumula; Rotella e Hans fazem o décollage em cartazes publicitários; Christo faz os empaquetages, envolvendo desde pequenos objetos até monumentos e ambientes naturais. Já na Nova Figuração, apesar de se utilizar a pintura como meio, não há o retorno às técnicas e à figuração tradicionais, mas a utilização destas para desconstruí- las. Isso pode ser percebido em Francis Bacon que ao retirar camadas da superfície do quadro, o faz como que descarnando-o e, assim, revela a decadência da humanidade e do quadro enquanto espaço de criação construtora e racionalista. A poética do Informal, como do Grupo Cobra e da action painting de Pollock e De Kooning, compartilha desse fazer irracionalista, mas, estão mais distanciados de qualquer relação mais direta com a sociedade que os artistas citados acima, pois estão voltados para seu próprio fazer, se remetem a si mesmos. Suas ações imprimem o gesto ou movimentos corporais do artista, como no dripping (técnica de gotejamento) de Pollock que deixa vestígios do seu percurso na matéria. Assim, a construção espaço-temporal ocorre no momento do fazer, não há representação mas apresentações de si mesmo, não há racionalismo projetivo mas acaso dos acontecimentos. Analisando essas produções da poética do Informal européia e americana, Argan as percebe como início da “crise da arte como ciência européia”, pois, como poética em que prevalece o fazer, a prática está acima da teoria, portanto, há renúncia da história da civilização do conhecimento que “colocava o agir na dependência do conhecer” (Argan, 2002, p.555). Essa crise humanista, do pós 2a Guerra, ocorre no mesmo contexto em que o poder 35 econômico e cultural se desloca da Europa para os Estados Unidos que, por ser um país jovem e não possuir o peso histórico europeu, não enfrentou tal crise. O ímpeto progressista americano é de se construir no presente e essa presentificação da ação é constitutiva da action painting. Mais tarde, na década de 1960, esse fazer momentâneo, mas positivo da action painting, que une corpo-agir-pensar, pode ser colocado em oposição ao pensamento tecnicista americano aliado à cultura da imagem. No entanto, estes fatores tecnicistas e da valorização da imagem constituem paralelos da Pop arte americana de Warhol e Linchtenstein, pois aproximam a arte da produção da mitologia da cultura de massa (HQ, TV, publicidade, jornais, etc) que consome imagens tornadas rapidamente obsoletas e substituídas por outras. Diante deste quadro de crise humanista da arte européia e hegemonia da cultura americana da imagem, o Brasil vive a “crise da arte como ciência européia”, pois esta “transforma nosso quadro de referencial da cultura, orientado pela norma ‘universal’ européia” (Venâncio, 1998, p.94). Uma vez que, o Brasil como país periférico, ex-colônia européia, possui forte influência intelectual apesar de se constituir como país multicultural. Então há um novo desvio das pesquisas em arte no Brasil na década de 60. Enquanto no Brasil, na década de 50, a frente racionalista se desenvolve com o concretismo brasileiro, logo depois, na década de 60, o Neoconcretismo rompe com o racionalismo funcional concreto e se aproxima de procedimentos dadaístas, apesar de manterem alguma relação com a linguagem concreta e construtivista. Mas esse diálogo com as diferentes linguagens, de acordo com a tendência da produção artística nacional, é critico em relação às culturas estrangeiras. Buscam a emancipação cultural frente à tradição colonizada, como na retomada da antropofagia, do conceito de Oswald de Andrade, pela Nova Objetividade que procurava se diferenciar da Pop e da Op arte, seja as reinterpretando, como os Popcretos20 e os Neorealistas21 cariocas, seja rompendo com a linguagem concreta como os Neoconcretos. Também na década de 1960, seguindo a linha de maior ênfase irracionalista, se desenvolvem no Brasil, tendências neofigurativas fantásticas, como o de José Roberto Aguilar, e surrealista como o do Realismo Mágico de Wesley Duke Lee, se distanciando da figuração representativa, mas alusiva, expressiva. No entanto, Daisy Peccinini observa (1999, p. 20) que logo estes perdem o caráter de vanguarda quando outros movimentos brasileiros se direcionam para a linguagem não surrealista de grupos que participaram da Nova 20 Pedro Escosteguy, Roberto Magalhães, Waldemar Codeiro e Augusto de Campos. 21 Antônio Dias, Rubens Gerchman e Carlos Vergara. 36 Objetividade. Porém um novo impulso surrealizante acontece com a vinda do Grupo Phases ao Brasil em 1964, atingindo vários continentes, reúne produções de muitos artistas e segue paralelo aos outros grupos que participaram da Nova Objetividade. 1.2.2.2 - NOVA OBJETIVIDADE22 : POSICIONAMENTO ARTÍSTICO, POLÍTICO E ÉTICO Eventos como o Opinião 65, Opinião 66 e o Nova Objetividade23 , ocorridos no MAMRJ, assim como Proposta 65 e Proposta 66 de São Paulo, procurando aproximar arte e vida, fomentavam debates para discutir a necessidade da tomada de posição política e ética da produção artística brasileira, mediante o recente golpe de 1964 pelos militares. Mas, quando há o acirramento da repressão, essa mobilização artística é desfeita e muitos artistas são obrigados a se exilar. A Opinião 65 24 , exposição no MAM-RJ em 1965, reuniu artistas da Escola de Paris e brasileiros comprometidos com a ruptura com a arte abstrata.. Essa exposição marca uma nova etapa da vanguarda carioca, na década de 60, antecipando alguns posicionamentos da Nova Objetividade, em 1967, como os Neorealistas cariocas que fazem uma leitura antropofágica da Pop arte americana adequando ao momento atual e regional. Na inauguração desta exposição, Hélio Oiticica participa com os Parangolés, levados a público pela primeira vez, com integrantes da escola de samba da Mangueira, alguns usando os Parangolés (capas, tendas e bandeiras). Mas foi impedido de continuar sua performance dentro do MAM, pois o espaço de exposição não estava preparado para tal manifestação com passistas e bateria da escola de samba. Então organiza um protesto em frente ao Museu. 22 Nova Objetividade é observada aqui em três significados inter-relacionados: 1-Esquema Geral da Nova Objetividade: texto escrito por Hélio Oiticica que procura reunir as vanguardas brasileiras em torno de seis características comuns, 2- Exposição-manifesto, 3- Seis características e posicionamentos desenvolvidos em seu texto Esquema Geral da Nova Objetividade e que pretende dar um caráter de unidade aberta, ou seja, preservando as características de cada grupo e de cada artista, sem reuni-los objetivamente, mas no âmbito das intenções. 23 Fundadores/organizadores: Carlos Vergara, Frederico Morais, Hélio Oiticica, Mário Barata, Maurício Nogueira Lima, Pedro Escosteguy, Rubens Gerchman, Waldemar Cordeiro. Integrantes: Aluísio Carvão, Anna Maria Maiolino, Antônio Dias, Carlos Vergara, Flávio Império, Gastão Manuel Henrique, Geraldo de Barros, Glauco Rodrigues, Hélio Oiticica, Ivan Serpa, Lygia Clark, Lygia Pape, Marcello Nitsche, Maria do Carmo Secco, Maurício Nogueira Lima, Nelson Leirner, Pedro Escosteguy, Raymundo Colares, Roberto Magalhães, Rubens Gerchman, Teresa Simões, Waldemar Cordeiro. ( 24 Participaram: Adzak, Vanarsky, Christoforou e os brasileiros Ângelo e Adriano de Aquino, Pedro G. Escosteguy, Antônio Dias, entre outros , com a posterior adesão de Hélio Oiticica de Wladimir Cordeiro. 37 Na Opinião 66, a vanguarda brasileira se posicionava contra o meio tradicional de arte (a pintura) que era utilizada pelos neofigurativos da Escola de Paris. Propunham o abandono do quadro como suporte e a utilização de objetos para se aproximarem do público, seu cotidiano e vivências. Dentro desta perspectiva artística, Hélio Oiticica apresenta o projeto de apropriação Sala de Bilhar em que pessoas vestindo camisas de determinadas cores ficariam jogando bilhar e ludicamente participando da apropriação, envolvidos pelas cores do ambiente e roupas. A Proposta 66 foi um evento que pretendia examinar a situação da arte no Brasil através de seminários e a Proposta 65, um balanço crítico dos realismos. Hélio Oiticica, Frederico de Morais e Pedro Escosteguy eram os principais pensadores dessa vanguarda brasileira que propunha a participação do espectador e o uso de objetos nas proposições que abrangessem o homem sensorial e não só o visual, mas o subjetivo, o existencial, o coletivo e o individual. Este participante, assim como o artista, estaria centrado no problema da relação com a realidade e na atuação positiva sobre ela, a modificando. Hélio Oiticica firma posição como participante de uma vanguarda artística brasileira através de características e intenções definidas nos textos Situação das Vanguardas no Brasil (1966) e Esquema Geral da Nova Objetividade (1967), declarado como manifesto juntamente com Antonio Dias, Vergara, Gerchman, Lygia Clark, Lygia Pape, Glauco Rodrigues, Escosteguy e outros artistas na abertura da exposição Nova Objetividade em 1967 no MAMRJ. Nessa mostra, instala os Penetráveis PN2 e PN3 como Tropicália, poética que influenciaria o movimento musical do Tropicalismo. A Nova Objetividade, pretendendo ser mais abrangente e atingir a vanguarda brasileira em esfera nacional, marca o posicionamento das ditas vanguardas brasileiras incluindo vários grupos artísticos: Grupo Neoconcreto, Poesia participante (Gullar), Grupo Opinião (teatro), Cinema Novo, Realismo Carioca, Popcreto, Realismo Mágico. Quatro críticos brasileiros influenciaram com seus pensamentos, obras e atuações em vários setores culturais e contribuíram para a evolução e eclosão da Nova Objetividade: Ferreira Gullar, Frederico de Morais, Mário Pedrosa e Mário Schemberg. Oiticica define, de maneira ampla, a Nova Objetividade em seis itens: 1- vontade construtiva geral, 2- tendência para objeto ao ser negado e superado o quadro de cavalete, 3- participação do espectador (corporal, táctil, visual, semântica, etc), 4- abordagem e tomada de posição em relação aos problemas políticos, sociais e éticos, 5- tendências para proposições coletivas e conseqüente abolição dos “ismos”, 6 – ressurgimento e novas formulações do conceito de 38 antiarte. Como síntese do espírito da Nova Objetividade e situação da vanguarda da época, Oiticica (1996 b, p.119) 25 lança o lema e grito de alerta: “Da adversidade vivemos!“ 1.2.2.2.1 - Nova Objetividade Torna-se necessário, aqui, se fazer um resumo do texto Esquema Geral da Nova Objetividade de Oiticica, que inclui estes seis pontos da Nova Objetividade, pois se constitui uma das bases de discussão desta dissertação. 1-Vontade Construtiva A vontade construtiva é a necessidade de construção de uma cultura nacional, pois, como país subdesenvolvido, sofre pressão externa de outras culturas hegemônicas como Europa e Estados Unidos. Assim, a antropofagia, conceituada por Oswald de Andrade, e a vontade construtiva seriam as armas criativas contra esse domínio exterior. Mas, apesar disso, o país ainda sofre o colonialismo cultural. Oiticica, então, sugere que haja uma Superantropofagia que absorva por completo o colonialismo no Brasil. Por isso e para isso, como afirma Oiticica (ibidem, p. 111), é preciso: procurar características nossas; objetivar um estado criador geral (vanguarda brasileira) em busca de uma solidificação cultural; agrupar esforços criadores individuais tendo como motivador a vontade construtiva. 2-Tendência ao objeto ao ser negado e superado o quadro de cavalete. No Brasil, esse processo de negação do quadro até a chegada ao objeto tem início com Lygia Clark, em 1954, com a desintegração do quadro tradicional, mais tarde, do plano, do espaço pictórico até a saída para o espaço real, arquitetural, com seus Casulos, e depois, com os Bichos. Esse processo, que ela construiu lentamente, em outros artistas, a partir de 1959, aparece de forma muito mais rápida: em Hélio Oiticica é quase imediato: passa dos Metaesquemas (1958, guache sobre cartão), para os Monocromáticos ou Invenções (1959, pintura sem figura- fundo, quadro se destaca da parede), logo depois, sai da parede para o espaço com os Bilaterais e os Relevos Espaciais, em 1959 (placas de cor geométricas de madeira, soltas da parede, penduradas por fios transparentes). Mais tarde, Antônio Dias e Rubens Gerchman processam a dissolução das estruturas de modo “violento” e “dramático”, como afirma Oiticica (1996 b, p.111), envolvendo vários processos como o “dialético 25 Publicado no catálogo para Nova Objetividade Brasileira no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1967. 39 realista” que Mário Schemberg formulou. Processo este também presente anteriormente em Gullar na formulação do conceito de “não-objeto” e no livro Cultura Posta em Questão que propõe uma poesia e cultura participantes dos problemas brasileiros da época. Pedro Escosteguy segue a proposição realista que também foi fomentada pelo Cinema Novo. Hélio Oiticica, compartilhando dessa vontade “realista” de participação social, cria com Gerchman, em 1966, o Parangolé social, apesar do Parangolé já possuir essa característica, que assim, foi reforçada. Antônio Dias, com seu antiquadro, Nota sobre a morte imprevista, influencia outros artistas na abordagem do problema do objeto. Também desenvolvem a pesquisa com objetos: Roberto Magalhães com seus macro e micro-objetos, Carlos Vergara com seus anti-desenhos encerrados em plásticos, Glauco Rodrigues com suas manifestações ambientais (balões e formas em plástico), Zílio com estruturas participantes, entre outros, como o grupo visual de São Paulo (Hércules Barsotti e Aliberti) e o Realismo Mágico de Wesley Duke Lee, depois, centrado no Grupo Rex, também Nelson Lerner, Fajardo e Nasser. Sem citar os que já vinham trabalhando a questão do objeto anteriormente como Lygia Pape com o Livro da Criação, Ivan Serpa, Willys de Castro e Aloísio Carvão. A partir desse momento, se desenvolvem, no Brasil, vários processos de passagem para o objeto. Em São Paulo, Waldemar Cordeiro, em 1964-65, com o Popcreto que desintegra o objeto e seu significado. Dois anos depois, redireciona o objeto para outro campo semântico ao propor a apropriação de objetos cotidianos, objetos não mais criados, mas como coisa trazida para o universo da arte e vice- versa. Esse processo de desestetização do objeto com um fim contemplativo já vinha fazendo parte de várias poéticas que buscavam o objeto relacional, participativo, do público participador e não espectador. Em Caminhando de Lygia Clark, o objeto não existe para ser visto, exposto, mas só no ato da participação. O mesmo ocorre com os Parangolés de Hélio Oiticica, a estrutura do objeto é o corpo do participante que, ao se movimentar, revela-o. 3-Participação do espectador A participação do espectador se torna possível pela quebra do quadro e a chegada ao objeto ou ao relevo e antiquadro que a maioria da vanguarda brasileira desenvolve em sua poética, após o processo iniciado por Lygia Clark entre 1954 e 1959. Os objetos permitem que as obras sejam abertas, assim, o espectador, agora participador, através da manipulação ou participação sensorial-corporal, pode completar o significado da obra tendo uma participação semântica e criando sua própria obra. 40 4 - Tomada de posição em relação a problemas políticos, sociais e éticos O Brasil, a partir do golpe de 1964, passa a viver uma época de constante acirramento da repressão, ao mesmo tempo, que movimentos populares se organizam e mobilizam também a área cultural como um instrumento de conscientização da população, como o CPC (Centro Popular de Cultura) da década de 60, que Ferreira Gullar irá participar. Como Gullar, desde e o Concretismo (1954) e o Neoconcretismo (1959), tem importante participação intelectual nestes grupos, influenciando idéias, defendendo posicionamentos e divulgando concepções, também traz, para dentro dos movimentos artísticos, direcionamentos participativos de atuação política social, como podemos confirmar neste trecho em que é citado por Oiticicano texto: (...) não compete ao artista tratar de modificações no campo estético como se fora uma segunda natureza, um objeto em si, mas sim procurar, pela participação total, erguer os alicerces de uma totalidade cultural, operando transformações profundas na consciência do homem, que de espectador passivo dos acontecimentos passaria a agir sobre eles usando os meios que lhes coubessem: a revolta, o protesto, o trabalho construtivo para atingir essa transformação. (Gullar apud Oiticica, 1996 b, p. 116) 26 De maneira geral, a vanguarda brasileira se direciona para uma inserção cultural mais ampla, com soluções coletivas, pois não pretende formar uma elite isolada. Escosteguy se adianta nesse sentido como o primeiro a produzir uma obra de participação política com a Pintura Táctil em 1963. Então, de acordo com esse direcionamento, a Nova Objetividade propõe a discussão dos problemas políticos, sociais e éticos, o protesto contra o colonialismo cultural, a volta ao interesse do artista pelos problemas humanos, pelo ambiente, pela vida enfim. Assim, produz obras com a intenção de mobilizar consciências, colaborando na revolução, participando de sua época e de seu povo como almeja Gullar. 5 – Tendência a uma arte coletiva A arte coletiva pode ser uma produção individual que é colocada em contato com o público das ruas ou uma proposição de atividade criativa na criação da obra. Estas são propostas que a vanguarda brasileira tem desenvolvido desde que alguns artistas iniciaram esse processo: Hélio Oiticica com os Parangolés, Lygia Clark com o Caminhando, Antônio Dias, Gerchman e Vergara com os happenings, Escosteguy com o projeto parque de 26 Publicado no catálogo para Nova Objetividade Brasileira no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1967 41 diversões. Mais recentemente, Glauco Rodrigues e outros têm prosseguido a pesquisa da obra aberta. Outro fator fundamental, para o incentivo da intensificação da pesquisa da obra aberta e arte coletiva, foi a redescoberta27 , por alguns artistas contemporâneos, de manifestações populares organizadas, como as escolas de samba, ranchos, frevos, futebol e feiras ou manifestações espontâneas, casuais como a arte de rua e a antiarte. 6 – O ressurgimento do problema da antiarte A antiarte é retomada pela vanguarda brasileira não apenas com o intuito de se contrapor à arte e aos conceitos do passado, trazendo uma nova arte e derrubando culturas, mas pretende criar condições de participação popular através de obras experimentais, proposicionistas, abertas às intervenções semânticas e sensorial-corporal do público. A partir desses posicionamentos de Oiticica sobre a arte, são aprofundados, no capítulo II, alguns pontos como a tendência ao objeto, o deslimite entre as artes e a obra aberta, relevantes para a compreensão de sua poética participativa. 27 Esse tipo de descoberta da cultura popular como fonte de pesquisa para criação também se verifcou no movimento modernista de 1922. 42 CAPÍTULO II O PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO Nesse capítulo, se pretende analisar a participação na obra de Hélio Oiticica, pois esta característica é considerada aqui o ponto central da obra e que permite ao “participador”se aproximar dos objetivos do artista: descondicionamento, consciência de si e liberdade interior. Sem a participação, a obra é somente objeto, uma vez que, não se mostra na contemplação mas na relação com o participador. A cor e a forma estão no espaço e seus tempos são percebidos na interação com o tempo interior daquele que vê, se movimenta, toca e percebe com todos os sentidos, pois, como afirma Comte-Sponville (2000, p.23), “o espaço é a condição de todos os corpos; o tempo, de todos os acontecimentos”. Essa maneira de participar, de uma interação interior-exterior, física-psicológica, é possibilitada pela corporificação da obra, ou seja, seu espaço deixa de ser ilusionista e passa a dividir o mesmo espaço que o público circula. O que possibilitou isso foi o fato das artes plásticas terem absorvido características da quarta dimensão, do movimento próprio de outras artes como o teatro, a dança e a música. No entanto, o movimento em Hélio Oiticica não é cinético, autônomo, mas o que move a obra é a energia física-psíquica-biológica do participador que se torna experiência vivencial. Mas essa experienciação seria condicionada e mecânica se a obra não fosse aberta para que o público participasse criativamente ao agir, pensar e significar a obra. Por isso a necessidade de, no percurso deste capítulo, discutir: O delimite entre as artes, “tendência ao objeto”, a obra aberta e a “participação” que formam entre si canais comunicantes e estruturantes da obra. Assim são percebidos, aqui, quando abordados na poética de Oiticica. Mas também são analisados separadamente para permitir o aprofundamento específico de cada um desses. 43 2.1 - A CONSTRUÇÃO NO ESPAÇO EM OITICICA Hélio Oiticica, durante todo seu percurso criativo, de 1950 a 1980, experimenta essa transição para o espaço do “mundo em comum” e a ocupação desse de diferentes formas: seja através de produção de objetos relacionais, da apropriação de ambientes comuns ou da construção de espaços próprios para serem percorridos e experimentados. Com essa espacialização de suas obras, a temporalidade estendida, vivencial, também passa a constituir sua poética que inclui o participante. Mas isso só ocorre, efetivamente, a partir dos Bilaterais e Relevos Espaciais, quando se inicia a ocupação do espaço com a criação de obras relacionais. No entanto, o início do seu processo criativo ocorre no plano bidimensional, com a planificação do espaço não representacional. Durante o período em que participa do Grupo Frente, cria pinturas de guache sobre cartão com grandes planos de cor sem relação figura-fundo, mantendo referência à Mondrian (figura 1, f.121), o movimento ocorre pelos diferentes tons de cores e tamanhos das formas-planos. Formas fragmentadas do espaço como tramas, como nas pinturas de Max Bill (figura 2, f. 121), também são exploradas. Já havia, nessas suas primeiras experiências, a “fricção” dos limites do quadro com o rompimento da margem e o uso da superfície como plano total, inteiro, sem profundidade. Já nos Metaesquemas, a cor deixa de ser fator primordial, antes importante nos guaches, pois o aspecto gráfico se torna central nessa experiência, seja na linha que constrói, distorcendo e oscilando a forma (figura 3, f. 121), seja na linha orgânica criada entre os espaços da forma (figura 4, f. 121). Por isso, essa observação de Oiticica sobre a dubiedade dos Metaesquemas entre desenho e pintura: “uma coisa que fica entre; que não é nem pintura nem desenho, mas na realidade uma evolução da pintura, como se fosse um programa determinado dentro da pintura. [...] Eu quis limpar a cor e deixava 44 o papelão cru; por isso, é que não chamo estes trabalhos de desenhos” (Oiticica apud Favaretto, 1992, p. 52).28 Por essa intensa exploração do espaço com a construção de estruturas de transcendência, ou “meta” “esquema”, os Metaesquemas são considerados, por Oiticica, em seu processo, os precursores da forma no espaço real, prenunciando os Bilaterais, Relevos Espaciais e Núcleos. Isso porque, mesmo utilizando os materiais das experiências anteriores, guache sobre cartão, reformula a espacialidade, trabalhando a contradição figura- fundo, e, assim, afirma ou ultrapassa a margem, seja pela fragmentação e movimentação plástica da forma, seja pela explosão do limite da forma que ultrapassa o quadro (figura 5, f. 122). Características e intenções essas que se aproximam, então, do quadro Composições em vermelho, amarelo, azul (1927) de Mondrian. Outro paralelo pode ser feito entre alguns Metaesquemas, em que há a quebra da estrutura de planos figurados através da movimentação virtual (figura 3, f.121), e o quadro de Malevitch Quadrado vermelho (1915) em que essa movimentação está sutilmente sugerida. No entanto, nesses quadros de Oiticica, há um trepidar das formas que separa o todo em distorcidos fragmentos. Mesmo assim, esses fragmentos mantêm suas totalidades isola das: partes de um todo e o todo das partes. Dessa forma, os elementos do quadro ganham autonomia, se deslocam do plano, se corporificam como no quadro Quadrado preto sobre fundo branco (1913) de Malevitch sem criar profundidade, pois tudo acontece na superfície bidimensional do quadro. Mas, Oiticica pretendia transpor o plano através da “diluição estrutural além do espaço puramente pictórico” 29 (Oiticica apud Favaretto, 1992, p.52) 30 . Processo esse iniciando na experiência seguinte, com os Monocromáticos ou Invenções, e o desenvolvimento do “não objeto” criativo, pois já não há mais relação figura- fundo, o suporte foi integrado na estrutura e o fundo é o mundo. Oiticica escreve sobre essa fase de mudança efetiva para criação no espaço em comum: 28 Do texto original:Entrevista a Joge Guinle Filho (1980). “A última entrevista de Hélio Oiticica”, Interview, abr. 1980. 29 Essas preocupações de alcançar o objetivismo, através da simplificação da cor e forma, superação do espaço plástico e construção no espaço, também eram objetivos neoplasticistas, suprematistas e construtivistas com o fim de evitar o individualismo e para que fosse possível integrar arte e vida. 30 Catálogo da retrospectiva de Oiticica na galeria de arte de São Paulo, fev-mar. 1986. 45 Toda a min ha transição do quadro para o espaço começou em 1959. Havia eu então chegado ao uso de poucas cores, ao branco principalmente, com duas cores diferenciadas, ou até os trabalhos em que usava uma só cor, pintada em uma ou duas direções. Isto, ao meu ver, não significava somente uma depuração extrema, mas a tomada de consciência do espaço como elemento totalmente ativo, insinuandose, aí, o conceito de tempo. Tudo o que era antes fundo, ou também suporte para o ato e a estrutura da pintura, transforma-se em elemento vivo; a cor quer manifestar-se íntegra e absoluta nessa estrutura quase diáfana, reduzida ao encontro dos planos ou à limitação da própria extremidade do quadro.(Oiticica, 1986, p. 50) Nas Invenções (figura 6, f. 122), o plano já não é suporte para figurar, mas estrutura-cor temporal, “elemento ativo”, “duração” e não passivo para representação. As placas de cor, estão aderidas à parede e espalhadas nesse espaço, como no ateliê de Mondrian. São umas de suas primeiras experiências no espaço real, juntamente com os Bilaterais e Relevos Espaciais, tendo em comum também a utilização das cores: branco, amarelo, laranja e “vermelho- luz”, denominadas por Oiticica de cores-luz. Essas se mostraram importantes para suas experiências, pois, como define Favaretto (1992, p. 87) por suas propriedades luminosas, passam do “pigmentar estático” para o “luminoso dinâmico”, fazendo vibrar a estrutura, expandindo-a ainda mais em direção ao espaço real. Porém, esse pulsar é diferenciado no branco por possuir uma “duração silenciosa, densa, metafísica” (Oiticica, 1986, p. 45). Nas Invenções, as cores- luz são em tons próximos, monocromias, portanto, não há distanciamento entre as placas por contrastes de cor, o que permite o “desenvolvimento nuclear da cor”, ou seja, sua “duração no espaço e no tempo em busca da dimensão infinita da cor” (ibidem, p. 40). Oiticica explica essa relação da cor no espaço tempo como sendo produzido pelo “desenvolvimento nuclear da cor” que define como: [...] um desenvolvimento que seria como se a cor pulsasse de seu estado estático para a duração; como se ela pulsasse de dentro do seu núcleo e se desenvolvesse. Não se trata pois do problema de cor tonal propriamente dito, mas pelo seu caráter de “intermediação” (que também preside, muitas vezes, o problema tonal) de uma busca dessa dimensão infinita da cor, em relação com a estrutura, o espaço e o tempo. (ibidem) A cor passa a ser estrutura no espaço e no tempo, fundidos em uma única dimensão. Essa estrutura, em algumas Invenções, se apresenta fragmentada em várias pequenas estruturas, 46 compondo o todo que se constitui pela proximidade entre as placas, como ocorre nos Núcleos. Mas é essa fragmentação que permite que a obra acentue o seu caráter transitório entre a terceira e a quarta dimensão, pois as placas, ao se espalharem pela parede, possibilitam ao público percorrer o espaço expandido do todo, não somente através da visualidade, mas se colocando corporalmente diante da obra. Estabelece, assim, outras relações de ritmo e movimento com as cores, fo rmas e espaços da obra. É o tempo do participador que se mistura ao da estrutura da obra numa relação existencial. Estão propostas, portanto, já nas Invenções, as relações temporais que serão desenvolvidas durante grande parte do seu processo artístico. Os Relevos Neoconcretos (figura 7, f. 122) tem relação estrutural com as Invenções e também com o Ovo e Casulo de Lygia Clark quanto a essa temporalidade estendida, se destacando da parede, mas se apresentam isoladamente, não em conjunto como nas Invenções. Os Relevos se aproximam de outra experiência, os Metaesquemas (figura 5), por “deslizar organicamente” em sua estrutura (Oiticica, 1996 b, p. 35)31, formando, sobre si mesmo, pontos de tensão que movimentam virtualmente e transformam o que seria um retângulo anteriormente. Os Bilaterais (figura 8, f. 122) são como alguns desses Relevos, mas se espacializam de fato, abandonam a parede como apoio, e assim, se revelam suas duas faces, permitido serem contornados, pois estão suspensos por fios. Apesar disso, ma ntêm a linearidade de sua forma, sem se expandirem em volume e direções, ocupando, principalmente, o plano vertical do espaço. Mesmo assim, dinamizam um campo ampliado pluridimensional ao retomarem a experiência da espacialidade que pede a participação corporal ativa do público iniciada nas Invenções. Nos Relevos Espaciais (figura 9, f. 123), é desenvolvida também a espacialidade temporalizada pela participação, sendo que, sua evolução, enquanto forma, é “não linear” como observa Favaretto (1992, p. 61), dobrando e desdobrando-se, fechando e abrindo-se, formando espaços internos e externos e criando maior movimentação em sua estrutura. Por isso, ocupam uma multiplicidade de planos espaciais e proporcionam ao participador uma relação mais circular, espiralada, não só de frente e verso, mas de um continuum de descobertas a cada passo e ângulo novo, como nos contra-relevos de Tatlin e nas esculturas de Amílcar de Castro. 31 Cor, Tempo e Estrutura, 21 de novembro de 1960, Publicado no Jornal do Brasil, Suplemento Dominical, Rio de Janeiro, 26 de Novembro de 1960. 47 Pode-se perceber, então, até aqui, no processo criativo de Oiticica, com as Invenções, os Relevos, os Bilaterais e os Relevos Espaciais, a experiência de instauração da obra no mundo em comum que estabelece, através da comunicação entre os espaços da obra e do mundo, um ciclo de resignificação de ambos. Característica essa presente em muitas obras contemporâneas ou num espaço em obra na relação entre o mundo da obra e o mundo em comum que Tassinari define em três pontos importantes: Primeiro, o espaço da obra e o espaço do mundo em comum comunicam-se por meio dos sinais do fazer da obra, e, numa tal comunicação, sob um aspecto, o espaço do mundo se altera, sob outro, permanece inalterado. Segundo, também o mundo da obra e o mundo em comum comunicam-se por sinais do fazer, e, do mesmo modo, o mundo em comum se altera e persiste. Terceiro, a relação do espectador com a obra é, ao mesmo tempo, de inclusão e de exclusão no espaço e no mundo da obra. O momento da exclusão vem da impossibilidade de espectador desconectar-se de todo do espaço em comum, visto que um espaço em obra necessita ter aí seus apoios. A obra solicita o espectador para o seu mundo, mas ela só se individua completada pelo mundo em comum que o espectador não abandona inteiramente, mesmo quando a obra o conecta intensamente a ela. (Tassinari, 2001, p.94) Nessas experiências, Oiticica cria obras de construção objetiva, sintética, que se expandem no espaço real através de sua estrutura-cor-temporal, vibrando musicalmente seus tons de “cor- luz”. Imanta, assim, seu entorno e convida a participar do espaço-obra que, só dessa forma, está completo em seu significado. Quando as obras de Oiticica se espacializam, com os Bilaterais e os Relevos Espaciais, essas se apresentam como “o um” envolvido pelo entorno, incluindo o “participador”. Essas obras, por possuírem um caráter de objeto, são experimentadas como o centro do acontecimento, há uma gravitação em torno delas, sem que se estabeleça, no entanto, uma relação contemplativa. Já na maioria de suas obras seguintes, a partir dos Núcleos, a obra se abre para a participação mais efetiva e, assim, dissolve esse centro participativo de convergência visual. Agora, esse centro se desloca para o próprio participador, que é envolvido pela obra. O “todo” (obra) envolve o “um” (participador). Portanto, diante dessa mudança de ênfase na obra de Oiticica, será analisada mais de perto essa questão da participação e do conceito de obra aberta e como constituem suas obras: Núcleos, Bólides, Penetráveis e Parangolés. 48 2.2 - A PARTICIPAÇÃO NA OBRA DE OITICICA O artista, o papel dele é deslanchar no participador, que é o ex-espectador, o estado de invenção. [...] as pessoas normais se transformam em artistas plásticos [...] eu não me transformei num artista plástico, eu me transformei num deslanchador de estados de invenção. (Oiticica apud Jacques, 2003, p. 109) 32 Oiticica, apesar da proposta de obra aberta, se preocupa com a forma com que a participação ocorrerá e entra em conflito ao perceber o grau de indeterminação que permite a obra, pois o outro, o participante, se faz um parceiro desconhecido na realização da obra, uma vez que esta se completa no ato participativo. Esse conflito está evidenciado em sua carta para Lygia Clark: Este negócio de participação realmente é terrível, pois é o próprio imponderável que se revela em cada pessoa, a cada momento, como uma posse: também senti, como você, várias vezes, essa necessidade de matar o espectador ou participante, o que é bom, pois dinamiza interiormente a relação, a participação e mostra que não há, como vem acontecendo por aí, uma estetização da participação: a maioria criou um academicismo dessa relação (Oiticica apud Justino, 1998, pp.128-129).33 Isso porque, ao criar a proposição deseja que a participação seja um diálogo com a sua poética e não um uso do objeto sem consciência da proposição como observa ao se referir aos seus penetráveis: No “penetrável”, o espaço ambiental o penetra o envolve num só tempo. Mas, fora daí, onde situar o penetrável ? Talvez nasça daí a necessidade de criar o que chamo de projetos. Não que sejam socles dos penetráveis (que idéia mais superficial seria), mas que “guardem” essas obras, criem como que prelúdios a sua compreensão. Que sentido teria atirar um “penetrável” num lugar qualquer, mesmo numa praça pública, sem procurar qualquer espécie de integração e preparação para contrapor ao seu sentido unitário? Essa necessidade é profunda e importante, não só pela origem da própria idéia como para evitar que a mesma se perca em gratuidade de colocação, local, etc. Que adiantaria possuir a obra “unidade”, se esta unidade fosse largada à mercê de um local onde não só não coubesse como idéia, assim como se não houvesse a possibilidade de sua plena vivência e compreensão? (Oiticica, 1986, p. 43). 32 33 A arte penetrável de Hélio Oiticica – entrevista com Ivan Cardoso (1979) (In: Folha de São Paulo, 16.11.1985). In: Lygia Clark e Hélio Oiticica. Rio: Funarte, 1987, p.17. 49 Por isso, projetos, maquetes, desenhos e textos compõe sua poética com a intenção de incluir todo o processo criativo como parte da obra e permitindo o acesso a esse pelo participador. Este, consciente da obra como um todo ao se relacionar com a própria estrutura da obra, é envolvido por essa e torna-se o centro da ação participativa, consciente e presentificadora. Assim, o artista procura se afastar do papel de criador para oferecer maior autonomia ao público que não é mais contemplador mas também criador ao participar. Posicionamento que considera próprio da anti-arte: compreensão e razão de ser do artista não mais como um criador para a contemplação, mas como um motivador para a criação – a criação se completa pela participação do espectador, agora ... participador [..] não há a proposição de um elevar o espectador a um nível de criação, a uma metarrealidade, ou impor-lhe uma idéia ou um padrão estético correspondentes àqueles conceitos de arte, mas dar–lhes uma simples oportunidade de participação para que ele ache aí algo que queira realizar – é pois uma realização criativa, o que propõe o artista, [...] isenta de premissas morais, intelectuais ou estéticas [...] (Oiticica, 1986, p. 7778). Nos Núcleos, (figura 10, f.123) esse envolvimento é possibilitado pela fragmentação do todo em placas de cor que remetem às Invenções, mas aqui, suspensas por fios, formam, em alguns Núcleos, espaços internos vazados para serem percorridos. São espaços separados do entorno por um movimento nuclear em espiral, labiríntico da estrutura que se fecha envolvendo e abre espaços, fendas a serem percorridas. O corpo da cor-luz das placas pontua esse caminhar com seu ritmo musical vibrante que se expande em direção ao espaço indo ao encontro do participador como que tingindo-o, tal a proximidade entre as placas e ele. Esse ritmo, criado pela cor no espaço fragmentado e repetido da obra, se relaciona com o próprio tempo do movimento estendido do participador e permite uma percepção intersubjetiva, pois não se constitui num tempo regular e homogêneo como do relógio, mas num tempo elástico, múltiplo e heterogêneo da relação. São campos de cor suspensos ou, como observa Favaretto (1992, p. 85), “arquiteturas espacializadas”. Caráter esse também inaugural, no processo de Oiticica, enquanto espaço criado dentro de outro espaço, o do “mundo em comum”. Procedimento que será desenvolvido nos Penetráveis e, mais tarde, nos Ninhos. Até os Núcleos, a ênfase era na visualidade, mesmo sendo através da cor corporificada. Com os Penetráveis (figura 11, f. 123), o caráter vivencial expandido se torna o centro da 50 experimentação de Oiticica com a proposta de “transformar processos de arte em sensações da vida” (Oiticica, 1996 b, p. 12)34 que denomina participação “supra-sensorial”. Desenvolve essa proposta nos Penetráveis formando secções, cortes no espaço com paredes de cor que criam um ambie nte interno a ser percorrido, proporcionando uma vivência sensorial que inclui o corpo todo do participante. A série de Penetráveis, dentro do seu longo processo nas décadas de 1960 e 1970, é desenvolvida nas mais diferentes formas: no projeto Éden, são campus experimentais de vivência sensorial com a proposta do Crelazer como nos Penetráveis: de água no Iemanjá, de folha no Lololiana e de palha no Cannabiana; são criados locus que sugerem maior introspecção como na tenda Caetano-Gil como descreve Oiticica: “A tenda preta enigmática concentra o esconder-se, como um ovo, e dentro a música de Caetano e Gil não é uma imagem superposta, mas uma nova relação do mundo escondido, um sentido que se alia ao tato, mas sem se erguer em ‘imagens táteis’ ” (Oiticica, 1996 b, p. 136).35 Já na série Magic Square e no seu projeto Corredores de Cor para o parque ecológico do Tietê em São Paulo, desenvolve grandes campos de cor; nos Penetráveis Invenção da Luz e Rijanviera, há um caráter sutil e leve da luz através de transparências de peles finas e esticadas. Muitos dos seus Penetráveis foram criados para fazerem parte de projetos como os Projeto Cães de Caça (figura 12, f. 123), o Tropicália, o Éden e o Newyorkaises que desenvolvem proposta multiartística, sensorial, temporal do vivenciado, envolvendo diversas manifestações artísticas como performance, música, poesia e incluem também outras obras suas como Bólides, Parangolés, Ninhos e Núcleos. O caráter labiríntico e o domínio sobre esse labirinto, através de maquetes e plantasbaixas, são constantes em seus Penetráveis. O tempo mítico criado em seus espaços propõe ao participante perceber a si mesmo num contato com a dimensão primitiva das sensações, pensamentos e desejos. Ao perder-se no caminho, tudo parece sem significado, seguir para encontrar o desconhecido. Procurar a saída é voar nas asas de Ícaro ou prender-se nos fios de Ariadne. Seguir é encontrar o Minotauro. Mesmo Dédalo sem o mapa do labirinto se perde na complexidade do caminho. Mas se perder está no mesmo trajeto de se encontrar, pois como 34 35 Éden, In:catálogo Hélio Oiticica, Whitechapel Gallery, Londres, 1969 In: Revista Vozes, Petrópolis, 6 de agosto de 1970 51 afirma Santarcangelli: “o homem, que por muito tempo se perdeu no emaranhado do caminho, descobre, quando, finalmente, atinge o fim de suas perigrinações, que o último mistério de sua busca, o deus absconditus ou monstro, era ele mesmo”, porque o “último conhecimento é o de si mesmo, a compreensão do próprio eu, refletida na própria consciência” (Santarcangelli apud Jacques, 2003, p. 73).36 A própria lógica criativa de Oiticica segue o antagonismo dessa construção labiríntica que é racional, arquitetônica e precisa, mas é, ao mesmo tempo, experimental, feita de cantos obscuros, em que, de dentro, o participante não pode ter uma visão do todo. Então o homem se perde na precariedade da desorientação, na ebriedade da razão. Assim, o único centro possível torna-se o do si mesmo, uma vez que, o caminho de volta, de saída não está na arquitetura, mas nos percursos e trajetos de Dionísio onde o labirinto se transforma, pois: não é mais arquitetura, tornou-se sonoro, tornou-se música. [...] Para que a música se libere, será necessário passar para outro lado, lá onde os territórios tremem, ou as arquiteturas se desmancham, lá onde os ethos se misturam, onde emerge um forte canto da Terra, o grande refrão que transmuta todos os ares que ele traz e faz acontecerem.. (Deleuze apud Jacques, 2003, p. 86) 37 Dessa forma, aquele que se deixa perder vai ao encontro de si. Com esse mesmo intuito dos Penetráveis, os Bólides são objetivados, criando obras relacionais que proporcionem a possibilidade de, através da descoberta sensorial na participação, ativar um espaço-tempo da consciência. Mas apesar do participador também ser envolvido pela obra, não há um percurso como nos Penetráveis, o movimento é estático, não transcorre no espaço. É um movimento do manipular pigmentos como nos Bólides-Vidro (figura 13, f. 124), abrir gavetas como nos Bólides-Caixa (figura 14, f. 124), deitar em áreas de feno e areia como nos Bólides-Área (figura 15, f. 124). Por isso, a relação não é arquitetural, mas de dois corpos: objeto e participador. Algumas dessas estruturas-corpos englobativas dos Bólides são “transobjetos” pois não se tratam de construções planejadas do artista, mas sim objetos encontrados como recipientes de vidro, bacia ou apropriações como caixa d’água em Mergulho do Corpo (Bólide caixa 22) (figura 16, f. 124), ou lata de sinalização como no Bólide Lata. Hélio Oiticica enfatiza que esses objetos não são achados ao acaso, mas sim fruto de uma identificação da procura de uma determinada estrutura com a forma do objeto, portanto, não é um ato aleatório, 36 SANTARCANGELLI, Paolo, In:Lê livre dês labyrinthes, histoire d’um mythe et d’um symbole, Paris, Gallimard, 1974, p. 218) 37 DELEUZE, Gilles, Mystère d’Ariane selon Nietzsche, In: Critique et clinique, Lês éditions de Minuit, Paris, 1993, p. 132, (T.d.a) 52 mas decidido e escolhido. Assim, repudia a passividade e a indiferença diante das coisas, interfere, cria, modifica e, ao mesmo tempo, deixa em aberto para que o participador faça o mesmo, dotado de vontade. Por isso, a negativa diante do conceito acaso relacionado ao seus Bólides: Nada mais infeliz poderia ser dito do que a palavra acaso, como se houvesse eu achado ao acaso um objeto, a cuba, e daí criado uma obra; não ! A obstinada procura daquele objeto já indicava a identificação a priori de uma idéia com a forma objetiva que foi achada depois, não ao acaso ou na multiplicidade das coisas onde foi escolhido, mas visada sem indecisão no mundo dos objetos, não como um deles que me fala à vontade criativa, mas como único possível à realização da idéia criativa intuída a priori e que, ao realizar-se no espaço e no tempo, identifica sua vontade estrutural apriorística com a estrutura aberta do objeto já existente, aberta porque já predisposta a que o espírito a capte. (Oiticica,1986, p. 64) Esse mesmo espírito especulativo de Oiticica ao criar seus Bólides é compartilhado com os participantes que na relação com essas obras olham por frestas, manipulam pigmentos, desdobram faces, descobrindo poemas, fotos e cores. Esses elementos artísticos estão fundidos no caráter sensorial das obras: poemas e imagens fotográficas como no Poema Caixa 2 em Homenagem ao Cara de Cavalo (Bólide Caixa 18) (figura 17, f. 125). São, como define o artista, “estruturas de inspeção”, “espaços poéticos-táteis e pigmentares de contenção” (Oiticica apud Favaretto, 1996, p. 91).38 Cabe observar que essa característica de fundir outras artes, como poesia e fotografia, são desenvolvidas também nos Penetráveis e Parangolé, e se encontram, de modo geral, em sua poética, aspectos da dança, música, arquitetura e teatralidade que se integram à plasticidade da suas obras, formando um todo inseparável que rompe com categorias de arte num caminho próprio da arte contemporânea. Nos Parangolés, é, exatamente, através dessa abertura integrativa na sua relação com a dança e música que se desfaz qualquer construção arquitetural ou objetificada, pois o dionisíaco não conhece limites espaciais, vibra o ar, penetra os corpos e os faz pulsar. Assim, o corpo não só é envolvido pela obra, mas se torna a sua estrutura ao vesti- la. O espaço da obra, então, se torna ilimitado, pois é o mesmo ocupado, momentaneamente, pelo participador que usa os Parangolés Bandeira (figura 18, f.125), Capa (figura 19, f.125), Tenda (figura 20, f.126) ou Estandarte 38 Entrevistas a Joge Guinle Filho e a Ivan Cardoso (loc. Cit.); a Heloísa Buarque de Hollanda/ Carlos Augusto M. Pereirra, Patrulhas ideológicas, São Paulo, Brasiliense, 1980, p. 142; Objeto na Arte: Brasil Anos 60, p. 189. 53 (figura 21, f.126) em manifestações ambientais pontuadas pelo samba-música e samba-dança. Cor, palavras poéticas, fotografia são fundidas pela dança que agita, revelando camadas de cortecido pelo intenso movimento do part icipador que, ao se juntar a outros Parangolés, imanta o ambiente com sua energia. Portanto, a dança, nesse, não é coreografia para palco, não é performance, nem manifestação popular, mas propõe a “liberação inventiva das capacidades de play” (Oiticica, 1996 b, p. 166)39 pela embriaguez dionisíaca do ato imanente, lúcido, expressivo e fluente da improvisação e imersão no ritmo “onde o intelecto permanece como que obscurecido por uma força mítica interna, individual e coletiva.” (Oiticica apud Jacques, 2003, p.72)40 Dessa forma, o Parangolé, estando ligado, organicamente, com o todo do acontecimento, que inclui outros Parangolés, dança e música, só é ativado em sua estrutura quando contido nesse todo, o que torna a participação integral impossibilitada fora deste. Por isso, vestir as asas murchas dos Parangolés dentro de salas de exposição é não participar de sua proposta experimental de voar nas “asa delta do êxtase” como definiu Haroldo de Campos: o usuário acaba quase que se metamorfoseando num pássaro surpreendente e aquelas capas (que, postas em sossego, têm apenas o aspecto de asas fechadas e quase murchas de um pássaro), de repente, com o usuário, com o corpo do usuário, elas esplendem e decolam como um vôo transfigurador, investidas de vida pela própria presença do usuário e espectador. (Campos, 1996 b, p. 218) Assim, os Parangolés fizeram parte de vários eventos com passistas e a bateria da Escola de Samba da Mangueira como no Opinião 65 (1965), nas Manifestações Coletivas Bandeiras na Praça (1968) e no Apocalipopótese (1968). No entanto, em 1969, em seu projeto Éden, cria um grande espaço de participação que inclui várias de suas obras (Parangolés, Penetráveis, Bólides, e Ninhos) e os Parangolés são colocados à disposição do público para serem vestidos, percebidos como abrigo, envolvidos pelas cores dos tecidos, pois todo o restante das obras formam um lugar de introspecção, descobertas sutis, do caminhar sensorial que pede vagar nos movimentos, distante da energia do movimento “parangoleico”. Viver o Crelazer e o Suprasssensorial no Éden não parece comportar a dança-samba ou dança-rock que constitui a poética do Parangolé, pois este é “transbordamento”, “cresce em espaços não cultivados”, “cresce entre, no meio das 39 40 Texto inédito A dança na minha experiência . In: Aspiro ao Grande Labirinto, ed. Rocco, Rio de Janeiro, 1986, p.72 54 coisas” como na movimentação rizomática do mato assim definido por Miller. (Deleuze apud Jacques, 2003, p. 137)41 O Parangolé funda seu território momentâneo que se estabelece no ato da criação coletiva do acontecimento do evento, para depois, o abandonar, pois não pretende demarcar um solo ou pertencer a ele. Diferindo assim, do processo arquitetural, consolidador dos Penetráveis e Ninhos que possuem um caráter “arborescente” (Jacques, 2003, p. 141) de pertencimento à uma terra. Os Ninhos (figura 22, f. 126), construídos no Éden, são compartimentados em pequenos espaços de recolhimento individualizados, mas entre esses, por suas divisórias serem de pano, a comunicação fica facilitada, tornando possíveis, assim, o coletivo e o individual, o contato e o isolamento. Já nos Ninhos Babylonest e Hendrixists montados em seus apartamentos em Nova York, são acentuados esse caráter de abrigo, lugar seguro para o devaneio, lembranças e, como no Bólide Área, para a “espera do sol interno, do lazer não repressivo.” (Oiticica, 1996 b, 136)42 Esse processo de interiorização, que leva às descobertas e consciência de si, remete diretamente à imagem do ninho como abrigo provisório do pássaro que acaba de nascer, é a renovação do renascer a cada dia. Mas esse ninho vivido não é facilmente descoberto, pois só se revela quando abandonado a cada ciclo de nascimento. Bachelard escreve sobre essa dificuldade da descoberta: “Tardiamente descoberto na floresta de inverno, o ninho vazio zomba do seu descobridor. O ninho é um esconderijo da vida alada. Como pôde ficar invisível ? Invisível sob o céu, longe dos sólidos esconderijos da terra ?”, (2003, p. 106-107) O ninho abandonado perde sua invisibilidade e é encontrado caído no chão. Não sendo mais abrigo, pode ser recolhido como objeto, como testemunho do que já foi e, assim, estudado, observado, colecionado, mas não habitado. “Assim, o velho ninho entra na categoria dos objetos. Quanto mais diversos forem os objetos, mais simples se tornará o conceito. À força de colecionar os ninhos, deixa-se a imaginação tranqüila. Perde-se o contato com o ninho vivo.” (ibidem, p. 107) Essa mesma relação de passagem entre o vivido e o objeto pode ser constatada em exposições recentes das obras de Oiticica. Como estas obras precisam da participação do tempo vivido do participador, o não reconhecimento desse caráter de sua poética, reduz a obra a objeto 41 Gilles Deleuze e Félix Guattari, Mille Plateaux, Les éditions de Minuit, 1980, p. 19. 42 As possibilidades do Crelazer, In: Revista Vozes, Petrópolis, 6 de agosto de 1970. 55 quando impede a participação do público como atitude para conservar o original e, assim manter um acervo. Essa atitude é agravada com a não produção de réplicas, que permitiriam a participação, e a montagem de seus projetos com interpretações não condizentes com a proposta do artista. Para aprofundar essas questões do posicionamento do artista contra a absorção de suas obras pelo institucional, se desenvolve o capítulo III, Arte e Vida, onde se procura colocar em evidência ações do artista diante do mundo ao propor o descondicionamento, a vontade construtiva e antropofágica e a utopia.da antiarte. Mas cabe ainda aqui serem observadas algumas outras questões que constituem a poética de Oiticica que são: a tendência ao objeto, o deslimite entre as artes, obra aberta e participação. Estas puderam ser percebidas, anteriormente, nesse capítulo em algumas de suas obras em que se mostraram enfatizadas determinadas características dentro do seu processo criativo. No entanto, para que tais pontos pudessem ser desenvolvidos, foram analisados em separado de sua obra. 2.3 - TENDÊNCIA AO OBJETO A recorrência ao objeto, como manifestação artística, se torna bastante ampliada em alguns artistas e movimentos ocidentais das décadas de 1960 e 1970. Mas esta estratégia criativa está baseada num longo e lento processo modernista de modificação do espaço pictórico ilusionista, de origem renascentista, para um espaço planificado, transformando a tela em anteparo, sem a profundidade perspectiva. Assim, se abre, para a arte contemporânea, um “campo pleno de possibilidades”, como afirma Tassinari (2001, p.12), que exacerba o uso da tela até transformá- la em objeto significado no espaço real, ou melhor definindo, se transforma em “não-objeto”, segundo a teoria de Ferreira Gullar (1999 b, p. 289). Esse processo de objetificação da arte, na contemporaneidade, inclui o rompimento com as categorias de arte e assimilação de características presentes em vários gêneros, como ocorreu com a performance, o happenning, a instalação, as esculturas cinéticas, etc. No entanto, está implícita, em algumas dessas manifestações artísticas, a negação do mesmo objeto em prol de: 56 uma maior participação do público na obra; reconsideração da figura do artista como criador; questionamento do estatuto da arte e das instituições que a legitimam. Portanto, o objeto hoje, negado ou afirmado, dá continuidade à desconstrução modernista do espaço pictórico iniciado pelos impressionistas que , ao abandonarem o ateliê e buscarem o contato direto com a luz natural, pintando ao ar livre, desidealizam a forma e o espaço: este vai se planificando, se torna mais próximo, a profundidade existente é não perspectiva e quebrada por planos, não há somente um ponto de vista, as formas perdem o contorno linear, se dissolvem no espaço, figura e fundo se misturam, o que tende a trazer tudo para um único plano. As pinceladas aparentes, as cores fortes contrastantes, o não “preparo” da tela, deixando-a à mostra em algumas partes, são outros fatores de desconstrução-construção. Assim, se afirma a oposição entre o modernismo, que “usou a arte para chamar a atenção para a arte,” e a arte ilusionista, que dissimula os meios, usando a “arte para esconder a arte”, como define Greenberg (1986, p.98). Este autor (passim, 1986) considera fundamental a enfatização dos meios próprios da pintura (suporte, tinta, espaço) para a definição do Modernismo, concordando com Maurice Denis que observou que “um quadro – antes de ser um cavalo de batalha, uma mulher nua, uma anedota – é, essencialmente, uma superfície plana coberta de cores disposta de certa maneira.” (Gullar, 1999 b, p.290) Com esses procedimentos, o quadro deixa de ser representação, mas apresentação de uma realidade outra, afirmada pela bidimensionalidade evidente. Isso torna o espectador consciente da autonomia do quadro em relação à realidade. Portanto, o tema, o belo, a maestria técnica para atingir o ilusionismo óptico não são mais valores de qualidade buscados pelos artistas, mas sim, autonomia, originalidade e autenticidade. Outro fator gerado pela planificação do espaço é a impossibilidade do espectador se colocar no mesmo ponto de vista do pintor e entrar no quadro, como ocorre nos quadros com perspectiva renascentista que permite essa superposição de subjetividades durante o ato contemplativo do espectador que vê através do olhar único do artista. Já nos modernos, a experiência visual é distanciada, pois “[e]nquanto que os antigos mestres criaram uma ilusão de espaço em que nos era possível imaginar que estávamos andando, a ilusão criada por um pintor moderno é a de que se pode ver e através do qual se pode viajar, mas somente com a vista.” (Greenberg, 1986, p.102). Isso porque o “espaço em obra” (Tassinari, passim, 2001) quase não possui interior, expõe “sinais do fazer”, trazendo o espectador para o espaço imanente da obra, o 57 que faz com que a ação não ocorra dentro de um espaço transcendente de personagens, mas na superfície objetiva da obra. Dentro desse processo de mudança da concepção do espaço, está Cézanne, considerado como aquele que redimensionou as questões espaciais impressionistas e abriu outras possibilidades na história da arte que os cubistas desenvolveriam. Essa importância de Cézanne para a história da arte talvez tenha motivado Tassinari a recriar a sabida impossibilidade de registro da origem dessa outra formulação de espaço e a desejar que uma pincelada branca de Cézanne fosse uma das “nascentes” da arte moderna e contemporânea: Olhar a Ponte Maincy [1879-80] também não é o mesmo que olhar a Carta de amor [Veermer, 1667]. [...] Os pontos de vistas já são vários em Cézanne. Entre a superfície da pintura e seu aprofundar-se, surge uma pulsação que diferentes planos – que agora convergem, ora não – acabam por percutir. As pinceladas mostram bem essa pulsação e a acentuam. Estão na tela, recobrem-na, e são também folhagens, sombras, reflexos. Destes últimos, um parece ter escapado. A pincelada branca que bóia sobre o riacho está meio solta na pintura. Puxa todo o motivo para a superfície.[...] A pequena pincelada de Cézanne já está sobre a tela à maneira de um obstáculo para o olhar disposto sobre um anteparo. Se a arte moderna formou a arte contemporânea – e esta, antes de ser seu fim, é seu desdobramento - uma de suas nascentes bem poderia ser essa pequena pincelada branca.(Tassinari, 2001, p. 152–153) Cézanne, em paralelo à construção espacial-estrutural africana, influencia Picasso no início de seu processo de rompimento radical com o espaço tradicional enfatizado em seu quadro Les Demoiselles Davignon (1906-1907). Depois, Picasso e Braque desenvolvem essa fusão das coisas no espaço durante o cubismo de 1911, e assim “[o] espaço ganha solidez e as coisas se espacializam”, pois o contorno se abre unindo seres e espaço (Tassinari, 2001, p.38). Há, portanto, a tendência à eliminação do objeto representado que suprematistas como Malevitch e neoplasticistas como Mondrian também buscavam. Malevitch defende a “supremacia da sensibilidade na arte” através da redução da aparência do mundo natural pelo uso de formas geométricas como “ausência de objeto”: “Do ponto de vista dos suprematistas, as aparências exteriores da natureza não apresentam nenhum interesse: essencial, é a sensibilidade em si mesma, independente do meio em que teve origem” (Malevitch apud Gullar, 1999 b, p. 134). 58 Isso pode ser percebido, com maior clareza, no seu quadro “Quadrado preto sobre fundo branco” (1913) e, depois, no “Branco sobre branco” (1918). Mas a contradição está na existência de “objetos dessa ausência” (Gullar, 1999 b, p. 136), pois as formas geométricas figuradas no quadro criam o espaço pictórico diferenciando o fundo. Somente mais tarde em 1926, essa contradição desaparece quando constrói pinturas no espaço com as maquetes arquiteturais, e, assim, rompe com o espaço de representação. Mondrian, assim como Malevitch, pretendia eliminar elementos de aparência, subjetivos e individuais com o uso de uma linguagem que se remetesse à sua própria plástica. Com este fim, utilizam formas geométricas simples (retângulo), cores primárias e equilíbrio assimétrico de composição, rompendo com a idéia de margem como delimitadora de espaço, o que faz com que as formas percam sua integridade fechada, criando uma passagem para o espaço do mundo. Apesar dessa proposta de autonomia plástica do neoplasticismo, havia, no pensamento formador deste, a preocupação em se chegar à integração entre arte e vida. Os próprios ritmos verticais e horizontais, acentuados por linhas pretas, se baseavam na relação do homem com a natureza como “síntese de forças contrárias” que os regem (Gullar, 1999 b, p.168). Assim, pode-se afirmar que Mondrian e Malevitch apontavam para o fim do quadro como espaço de representação e expressão individual para a integração de uma arte coletiva na sociedade. Percebe-se que no Cubismo, Neoplasticismo e Suprematismo, quando a linguagem se desenvolve dentro da tela, permanece o impasse da representação e do espaço metafórico. Com o mesmo intuito, outros caminhos são trilhados na arte abstrata não geométrica: iniciados por Kandinsky, em 1910, com a Primeira aquarela abstrata, e pelo movimento raionista de Larionov em 1913, e, mais tarde nas décadas de 1950 e 1960, com a Action painting e o Informal, respectivamente. Nesses, os objetos são dissolvidos em cores, movimentos e signos que se expandem na tela. Assim, sem as delimitações de forma, o fundo tende a desaparecer. Há , então, ausência de objeto representado, mas não questionam a tela como espaço privilegiado de atuação, separado do espaço do mundo. 59 Esse contato da tela com espaço do “mundo em comum” pode ser constatado no cubismo de 1912-1914, quando Picasso e Braque trazem para a tela fragmentos como areia, estopa, jornal, papel de parede, modificando a concepção de espaço e influenciando vários artistas. A partir disso, pode-se estabelecer, aqui, relações de dois tipos com esses procedimentos: um, de perceber a tela como “anteparo” (Tassinari, 2001, passim) como em Jasper Johns e Fontana; outro, desconsiderando o quadro, exacerbar essa ação moderna que traz objetos comuns para a esfera da arte como em Duchamp e Kurt Schwitters. O espaço moderno como território do fazer, cria a possibilidade de generalizar a colagem como ação de trazer objetos comuns para a esfera da arte. Duchamp potencializa a colagem, de forma crítica, com seus ready-mades que possuem aspectos absurdos com os dadaístas e o objet trouvé surrealista, ou acumulados como gesto que une arte e vida como em Kurt Schwitters. Nesse artista, outra relação se estabelece: a esfera do objeto único se rompe para englobar outros objetos e habitar o espaço entorno. Já Johns e Fontana se voltam, mais uma vez, para a tela e afirmam sua “inteireza opaca” (Tassinari, 2001, passim) substituindo a ficção pela realidade. Johns se aproxima do âmbito do cotidiano fixando objetos comuns - como vassouras, cobertores, xícaras - deixa a tinta escorrer, escreve sobre a tela com indicações explicativas como em Fool’s house (1962). A tela, neste, é um espaço de ação e não contemplação, são quase que registros de intervenções cotidianas. Fontana também objetifica a tela, impossibilitando qualquer “simulação espacial,” ao cortar sua superfície com talho rápido e preciso. Com esse gesto, estabelece a continuidade entre o espaço do plano e o espaço externo. Destrói e constrói ao mesmo tempo, pois ao destruir a “simulação espacial”, “recupera uma verdade” (Argan, 1999, p.632). Verdade esta que se mostra no ato, ao cortar a tela revelando suas intenções definidas aqui por ele: Como pintor [...] não quero fazer um quadro; desejo abrir o espaço, criar uma nova dimensão para a Arte [...] não intento decorar uma superfície, mas, ao contrário, romper suas limitações dimensionais. Para lá das perfurações, uma nova liberdade nos espera, embora também tão certa como o fim da arte. (Fontana apud Pedrosa, 1986, p. 165) 60 A liberdade que Fontana afirma se refere às possibilidades criadas a partir de uma ruptura de parâmetros que é uma constante no modernismo. Por exemplo, Tatlin e Rodchenko, com seus contra-relevos, e Malevitch, com suas arquiteturas suprematistas, são definitivos na eliminação da contradição figura- fundo, na quebra da necessidade da moldura, inserindo a obra diretamente no espaço externo, sem intermediários. Da mesma forma, no plano da escultura, foi eliminada a base por uma série de desconstruções: fim do espaço ficcional literário, eliminação da massa escultural, uso de materiais não tradicionais, utilização do cinetismo. Tudo isso coloca a escultura no mundo como objeto significado. Portanto, como percebe Gullar: [r]omper a moldura e eliminar a base não são, de fato, questões de natureza meramente técnica ou física: trata-se de um esforço do artista para libertar-se do quadro convencional da cultura, para reencontrar aquele “deserto”, de que nos fala Malevitch, onde a obra aparece, pela primeira vez, livre de qualquer significação que não seja seu próprio aparecimento (Gullar, 1999 b, p. 293) No Brasil, como já apontado anteriormente, a vanguarda artística, da década de 1960, dá continuidade a esses processos de instauração da arte no “mundo em comum” (Tassinari, 2001, passim), sendo Lygia Clark, apontada como deflagradora dessa desintegração do quadro tradicional até a saída para o espaço do “mundo em comum”, com os Casulos e Bichos. O mesmo processo, mas relativo à escultura, ocorre com Amílcar de Castro e Franz Weissman que liberaram a escultura da base. Dessa vanguarda artística brasileira, principalmente, os neoconcretos, assim como seus referenciais da vanguarda russa de Tatlin com os contra-relevo e a de Malevitch com sua arquitetura suprematista, são considerados um dos poucos que produziram “não-objetos” pois, como afirma Gullar (1999 b, p. 296), somente os “não-objetos” “funda[m] em si mesmo[s] sua significação”, uma vez que não representam nada exterior a eles, mas se fazem presentes sem intermediários ao eliminarem a oposição figura-fundo, habitando o espaço externo ao plano. 61 2.4 - DESLIMITE ENTRE AS ARTES Essa inserção da arte no “mundo em comum” ocorre paralelo ao despojamento dos próprios limites de gênero artístico em que não são utilizadas linguagens artísticas específicas, e sim, elementos característicos dessas como forma, cores, espaços, movimentos e materiais. Assim define Gullar essas mudanças de concepção: E finalme nte chegou-se ao momento atual, em que o artista já não se preocupa em fazer pintura ou escultura, para, através delas, reencontrar a experiência primeira do mundo: tenta precipitar diretamente essa experiência. É uma redescoberta do mundo: as formas , as cores, o espaço, não pertencem a esta ou àquela linguagem artística, mas à experiência viva e indeterminada do homem (Gullar, 1999, p. 299). Isto, como vimos, decorreu de um lento processo, não facilmente aceito pela crítica no início do modernismo com os impressionistas que acentuaram as características próprias da pintura (bidimensionalidade, tinta, tela, etc). Tais características são consideradas por Greenberg (Krauss, 1998, p. 354)43 como “essência do modernismo” que contribuem para fixar cada disciplina em “sua área de competência”. Assim, no início do modernismo, a separação entre as artes como gênero se acentuou, afirmando suas características próprias. Isto pode ser percebido pela literatura de críticos e historiadores da arte das primeiras décadas do século XX, como E.H Gombrich, Clive Bell e Keneth Clark que, como observa Battcock (1986, p.16) “ocuparam-se do estilo, filosofia, relação entre as artes plásticas e outras artes”. Porém, no interior do próprio modernismo, houve o gradual afrouxamento dessa delimitação dos campos com algumas tentativas de integração como na Art Nouveau, em 1910, e mais tarde, a partir da década de 1920, na Bauhaus, que dando prosseguimento à pesquisa construtivista, tinham o objetivo de unir o fazer artístico ao espaço social através da indústria. Mas, o que havia tanto na Art Nouveau quanto na Bauhaus, então, era uma atuação multiartística, sem que seus limites fossem rompidos. Isto ocorre por exemplo com Oskar Schlemer, que desenvolve, dentro da Bauhaus, pesquisa de diferentes formas de ocupação do espaço pelo corpo 43 In: GREENBERG, Clement, Modrrnist Painting, Arts Yearsbook 4, (1913) 62 juntamente com os estudos de desenho cênico em que os participantes criam, em grupo, todos os componentes que envolvem a dança: desde a coreografia, a ação cênica e a dança, até a arquitetura do teatro e a cenografia. Já na contemporaneidade, pode-se notar o acirramento dos limites entre os gêneros artísticos na década de 1960, quando, após essa instauração da obra no “mundo em comum”, alguns artistas criam “novas formas sintetizadas” (King, 1986, p.52), como a arte cinética, happening, performance e a instalação, que utilizam a quarta dimensão teatral do tempo estendido, da experiência vivida pelo público na obra, que se torna participante ativo na significação desta. Diante dessas mudanças de parâmetros, críticos conservadores, como Michael Fried, não “aceitaram o fato de que as tradicionais distinções entre as várias artes est[ivessem] gradualmente desaparecendo” (Battcock, 1986, p. 16). Assim, tendo, como valor, a separação entre as artes, percebem negativamente a aproximação da arte com a teatralidade. Fried, em seu ensaio Arte e objetitude (1967), explicita essa idéia afirmando que: “o teatro e a teatralidade se encontram, hoje em dia, em pé de guerra, não apenas com a pintura modernista (ou a pintura e escultura modernistas), mas com a arte em si e, até o ponto em que as diferentes artes podem ser descritas como modernistas, com sensibilidade modernista em si [...] O sucesso, até mesmo, a sobrevivência das artes, passou a depender, cada vez mais, de sua capacidade de vencer o teatro” (Krauss, 1998, p. 243).44 Apesar das resistências, essa relação com a teatralidade continua a se desenvolver nas décadas de 1960 e 1970, dando prosseguimento e aderindo outras significações a pesquisas modernistas. No início do século XX, alguns artistas prenunciam essa pesquisa da movimentação não simulada na esfera da arte com a criação de uma arte cinética. Um exemplo disso é a Contrução cinética (1920) de Naum Gabo formada por hastes metálicas com um vibrador elétrico que gera movimentos mecânicos e frenéticos, desmaterializando a obra e criando formas fluidas e efêmeras. Já nos móbiles de Calder, como no Armadilha de Lagosta e Cauda de Peixe (1939), formas esguias e equilibradas balançam, levemente, suspensas por fio transparentes, 44 FRIED, Michael, art and Objecthood, Art Form, V , 1967, p. 31 . 63 conformando “desenhos tetradimensionais,” pois o movimento transcorre no tempo, intermitente, ocasional, através da força do vento e intervenção do público. Daí a sugestão de organicidade da obra, pois gera o contato entre o objeto, o homem e as forças naturais, envolve o volitivo integrador do homem no mundo. Outro tipo de relação mais direta com a teatralidade é desenvolvida mais tarde, 1961, por Robert Morris em sua obra Colunas que ocupa o espaço tradicional do teatro, o palco, mas se coloca não como objeto cênico, e sim como atuante “personagem”, pois dispensa a participação para se movimentar, que, com um breve deslocamento e atuação não literária, se movimenta como que entre o acaso e a vontade própria. Krauss assim descreve a sua “atuação”: Abrem-se as cortinas. No centro do palco, vê-se uma coluna [cinza, de 2,4 metros de altura e 60 centímetros de lado, feita de compensado] erguendo-se verticalmente. Não há nada no palco. Durante três minutos e meio, nada acontece; ninguém entra ou sai. Subitamente, a coluna desaba. Passam-se outros três minutos e meio. Fecham-se as cortinas.(Krauss, 1998, p. 241) Essa mesma relação com o palco na colocação do que seriam obras-objetos como atuantes foi experimentada, em 1958, nos Balés Neoconcretos de Lygia Pape em que utiliza formas geométricas e movimentação destas no palco através de bailarinos.Como descreve: [...] O trabalho se estruturou a partir do poema Olho/Alvo de Reinaldo Jardim, que era constituído dessas duas palavras distribuídas espacialmente das mais diversas maneiras, provocando assim uma espécie de coreografia, uma verdadeira dança. A partir daí eu criei para a palavra ‘olho’ quatro cilindros para dois metros de altura, com 70 cm de diâmetro, pintados de branco, e para a palavra ‘alvo’, qua tro paralelogramos pintados de zarcão: todos de madeira e com rolimãs na base, o que os vazia deslizar suavemente no palco. Assim, com o movimento geral, criava-se uma coreografia em cima do poema do Reinaldo, ou seja, uma leitura visual coreografada do poema. Usamos bailarinos profissionais do Teatro Municipal, o que deu à movimentação, beleza e sincronia. [...] (Pape, 1983, p. 45) Já nos Bichos (1959) de Lygia Clark a movimentação da obra não ocorre de forma autônoma, mas depende internamente da participação do público, desdobrando-a para que revele sua lógica relacional. Portanto, não há o sentido de personagem, de teatro, que separa a obra do público espectador, se aproximando, nesse sentido, do happening e da performance. 64 O happening dos anos 60 também tem referência no teatro enquanto ação, mas nega suas características tradicionais. Proveniente da pesquisa de artistas plásticos futuristas e dadaístas, é uma desconstrução artaudiana do teatro com influência de seu teatro da crueldade como observa Susan Sotang: “em primeiro lugar, seu tratamento suprapessoal ou impessoal das pessoas; em segundo, sua ênfase no espetáculo e no som, com um desdém pela palavra; e, em terceiro, seu professado objetivo de tomar a platéia de assalto” (Krauss, 1998, p. 276-277).45 O tempo de duração é indeterminado, seguindo a “lógica dos sonhos” (Ibid. p. 280) sem início, meio e fim definidos, sem “clímax ou consumação”. As apresentações são conjuntos de sketches improvisados em locais alternativos. A partir do happening e das várias outras inovações nos campos das artes, se desenvolve a performance. Na mesma linha de pesquisa do happening, a performance, por não ser uma linguagem de ruptura, com quebra de convenções, como no happening, amplia o fator estético e elabora mais a cena, com menos uso do improviso. Esta se estabelece como linguagem entre as décadas de 1970 e 1980 nos Estados Unidos e Europa, se espalhando por várias outras partes do mundo, inclusive no Brasil, denominada por Cohen (1989) de “teatro do artista plástico”, é concebida como fusão de diferentes artes, pois foi criada por artistas plásticos que já tinham rompido com as formas tradicionais de arte e tinham implantadoa arte ambiental e interativa. Com base nas artes plásticas e nas artes cênicas, muitas vezes, utiliza vídeo e som. A expressão cênica não segue o modo convencional: o atuante pode ser, além do performer, um boneco, um animal ou um objeto; o texto pode ser verbal não narrativo, aproveitando a sonoridade das palavras e não seu conteúdo, ou, simplesme nte, pode eliminar o texto, enfatizando a imagem plástica da cena; o espaço de atuação não é o palco italiano, mas qualquer lugar que acomode atuante e espectadores como praça, piscina, elevador. Assim, o atuante está mais próximo do público e do espectador na forma estética ou do público participante na forma ritual ; o tempo de duração não é definido, podendo se estender por várias horas, pois inclui a improvisação, o imprevisto, a espontaneidade, apesar de haver um roteiro a ser seguido. Aproxima arte do cotidiano dos participantes, podendo até haver a ritualização dos atos comuns da vida como comer, dormir, andar, etc. Todas estas formas de se construir a performance, através de um trabalho, normalmente, individual em que um artista acumula funções de atuar, criar texto e roteiro com questionamento 45 SOTANG, Susan, Against Interpretaition. Londres: Eyre, 1967; Nova York: Ferrar, Straus & Giroux, 1967, p. 273 65 dos limites das artes, têm como objetivo criar um espaço livre de pesquisa estética, pessoal, levando ao desenvolvimento psicofísico com a autoconsciência do corpo, da voz e da expressão. Por isso, não há preocupação em agradar o público e levantar recursos financeiros, se sustentando como uma arte experimental que pretende aproximar arte e vida. Portanto, essas diferentes formas e processos de inserção da obra no espaço em comum e o deslimite entre as artes estão intimamente ligados entre si e relacionados à teatralidade, pois utilizam o tempo estendido da obra autônoma e atuante ou da obra relacional que convida o público a participar do seu processo, resignificando-a. Isso mostra a abertura conquistada pela obra ao habitar o mundo em comum e o conter esse deslimite entre as artes. 2.5 - OBRA ABERTA Segundo Umberto Eco (1976, p. 280)46 o discurso aberto, próprio da arte de vanguarda, renova a percepção e o modo de compreensão das coisas, pois, por se apresentar em sua ambigüidade, problematiza a obra, causando estranhamento, rompendo hábitos e normas. A obra aberta convida o fruidor a “intervir com atos de escolha” e a “constituir a realidade sob o impulso da mensagem estética”. No entanto, a estrutura de re lação fruitiva da obra aberta, ao propiciar múltiplas perspectivas de fruição, seja na interpretação ou na execução, não altera a singularidade da obra, pois está implícita, nas intenções do artista, a possibilidade da perspectiva individual do fruidor. O próprio projeto criativo do artista já possui a intenção de abertura para que o fruidor faça a obra com o autor e tenha “infinitas leituras”, pois a obra está “aberta a germinações contínuas com o fruidor” (ibidem, p. 63). Como analisa Umberto Eco: O autor oferece, em suma, ao fruidor, uma obra a acabar: não sabe exatamente de que maneira a obra poderá ser levada a termo, mas sabe que a obra levada a termo será, sempre e apesar de tudo, a sua obra, não outra, e que, ao terminar o diálogo interpretativo ter-se-á concretizado uma forma que é a sua forma, ainda que organizada por outra de um modo que não podia prever completamente: pois ele, 46 Para Umberto Eco, o conceito de obra aberta é um “modelo teórico”, “independente da existência factual” de obras abertas (Eco, 1976, p. 29) No entanto, apesar de utilizar seu conceito como base para pensar obra aberta, procuro transpor o seu modelo para observar a poética de Hélio Oiticica. 66 substancialmente, havia proposto algumas possibilidades já racionalmente organizadas, orientadas e dotadas de exigências orgânicas de desenvolvimento. (ibidem, p. 62) Assim, apesar dessa liberdade interpretativa, indeterminação dos resultados, imprevisibilidade das escolhas, essa relação obra- fruidor é sempre um “convite à inserção no mundo desejado pelo autor” (ibidem. p. 61 - 62). Esse diálogo intepretativo entre obra e fruidor é abordado por Umberto Eco como um campo delimitado pelo autor, o que afasta a possibilidade da obra ser “confundida” com uma forma qualquer de elementos casuais. Isto porque a obra, como fruto da intenção do autor, cria um “campo de escolhas realizadas” antes de um “campo de escolhas a realizar pelo fruidor” (ibid.. p. 172). Mas com a antiarte, até essa autoria será contestada com a exacerbação da participação, construção mínima ou zero do artista, agora, propositor. Dessa forma, a arte contemporânea, por possuir consciência crítica da relação interpretativa, propõe a abertura da obra como parte de sua poética e o intérprete também se torna consciente de seus “atos de liberdade” (ibid. p. 41 - 42) ao ocupar o centro ativo na relação com a obra aberta que é “passível de mil interpretações diferentes, sem que isso redunde em alteração de sua irreproduzível singularidade. Cada fruição é, assim, uma interpretação e uma execução, pois, em cada fruição, a obra revive dentro de uma perspectiva original” (ibid. p. 40). Essa consciência crítica diferencia a obra aberta da abertura que toda obra de arte possui ao permitir um certo grau de liberdade de resposta. No entanto, apesar de, em outros momentos da história da arte, já haver essa consciência da subjetividade interpretante, ocorreu, como no Renascimento, justamente o contrário, o fechamento da obra de forma que um único modo certo de observar a obra fosse possível, o do autor. Porém, com o Modernismo, há ruptura com essa ordem tradicional, linear, fechada, objetiva e se iniciam pesquisas estéticas que incluem o acaso, o indeterminado e o ambíguo, com o propósito de renovar a relação com o mundo. No entanto, isso ocorre em vários momentos da história da arte, quando artistas rompem, não com um fim em si mesmo, com padrões gastos que são repetidos pelo simples fato de estarem estabelecidos, aceitos, não causando estranheza ou rejeição. Por isso, há adequação ao mesmo: aquele que, já não servindo aos propósitos, se mantém por costume e falta de questionamento dos propósitos. Os modernos, conscientes disso, 67 aceleram esse processo de rupturas que vem se intensificando até hoje na pós- modernidade que faz a criação ocorrer por “colagens” de linguagens e estilos. Na estrutura de uma obra, está implícita a relação com o espectador e, portanto, com o participante, uma vez que é necessária a disponibilidade de um sujeito que, ao se relacionar com a obra, seja ativada sua potência. Assim, parte-se do pressuposto que todo espectador disponibilizado é participante, pois nenhuma obra de arte é totalmente fechada às interpretações. Então, o dito espectador seria um participante passivo e o “participante” seria aquele que é ativo na relação com a obra. Visto dessa forma, o que está em questão é o tipo de participação possibilitada pela obra que depende de sua estrutura total, não somente espacial na tendência ao objeto, mas também temporal, no tempo de participação, e semântica na relação com a obra aberta. Por isso, a participação ativa ocorre necessariamente numa obra aberta que cria problemas, levando o participante a questionar, se colocar, procurar significações dentro de seu próprio repertório, buscar outros, circular idéias, mudar de direção e, assim, quebrar convenções e regras estabelecidas tanto na arte quanto na vida cotidiana, ampliando seu modo de ver e agir no mundo. 2.6 – PARTICIPAÇÃO A obra aberta proporciona a participação ativa em que o participante compartilha com o artista a semantização da obra, então, em uma obra não aberta, a participação seria passiva dentro de um processo linear, unilateral. As diferenças se mantêm entre esses dois tipos básicos de participação, escolhidos aqui para serem analisadas suas diferentes formas, seja quando solicitam a ênfase na visualidade, seja na corporeidade do participante. Na participação ativa pela visualidade, o espaço é bidimensional, tudo ocorre na superfície, sem ilusões, sem se remeter a um outro que não esteja presente materialmente diante do participante: a tinta e a tela não são meios para representar uma outra realidade, mas constroem uma realidade em si mesma, questionando seus próprios meios e procedimentos. 68 Assim, o participante, consciente disso e possibilitado pela própria ordem conscientizadora da obra, se co loca diante da tela como portador dos mesmos conhecimentos do artista. Dessa forma, as diferenças entre público e artista se minimizam, pois esse já não se coloca como gênio, dotado de habilidades, técnicas e saberes diferenciados, únicos. Mondrian e Malevitch são exemplos desse intuito de tornar o público consciente das estruturas das obras, se opondo a essa separação entre público e arte. Com esse fim, reduzem as formas às estruturas mínimas que estão na base de formação da visualidade, seja no quadro, seja no mundo. A participação passiva pela visualidade, portanto, se diferencia da ativa se opondo a essas questões. O espaço é ilusório, pois ao esconder a sua construção, cria uma sensação de similaridade com o mundo. O mesmo ocorre com procedimentos com a tinta e a tela em que as pinceladas não aparentes contribuem para que a tela funcione como “janela” e não como “anteparo” conforme observa Tassinari (2001, p. 29). Esse espaço de representação ilusório, perspectivado, iniciado no Renascimento, projeta um outro lugar, para além da superfície material da tela, pois se faz como “janela” para o ver, o contemplar. Já no Modernismo, há uma busca pela desconstrução desse espaço ideal e proposição da tela plana, rasa, como lugar do fazer e não somente do ver. Outro fator que conduz o público à passividade visual é a figuração de códigos já elaborados por esse mesmo, proporcionando o conforto da identificação e a imediata comunicação. Isso porque, a imagem revela temas narrativos comuns ao público que, muitas vezes, procura se colar, ainda mais, a essa identificação através da carga emocional e moralista como no quadro O médico (1891) de Luke Fields, duramente criticado por Clive Bell, na época, por sugerir emoções falsas e fáceis: [...] Nele a forma não é usada como objeto de emoção, mas como meio de sugerir emoções. Isto bastaria para torna-lo nugatório; mas é pior que nugatório, pois a emoção que sugere é falsa. O que sugere não é piedade e admiração, mas um sentimento de complacência com a nossa própria piedade e generosidade. É sentimental. [...] (Harrison, 1998 b, p. 152).47 Essas características literárias e narrativas, presentes na modernidade e que os impressionistas procuravam romper, no Barroco italiano, estavam ligadas à função religiosa em sua maioria. A temática recorrente, portanto, permitia que a imagem fosse projetada para fora da 47 BELL, Clive, Camille Pissaro: Impressionism, Landscape and Rural Labour. Catálogo da exposição.Londres: R. Thompson, 1990 69 tela e completada no plano da imaginação, pois o público já detinha informações suficientes para entender o que estava sendo representado ou apenas sugerido pelo artista como na escultura Davi (1623-1624) de Gianlorenzo Bernini. Neste, Davi é representado num momento de tensão corporal e psicológica em que se contorce para lançar a pedra que irá matar o gigante. Assim, apesar desse último não ter sido representado, a cena dispensou qualquer complemento para ser entendida no seu significado literário. Contrários, como os modernos, a esse espaço ilusório, alguns artistas contemporâneos aprofundaram a participação ativa através de obras que incluem a relação corporal total do participante, trazendo os demais sentidos, como tato, olfato, audição e paladar, para o mesmo plano de importância da visualidade, antes sensorialidade privilegiada. Percebem, assim, fenomenologicamente, o homem na sua relação com o mundo. Não são ações mecânicas, pontuais que acionam botões e iniciam processos, movimentos autônomos, com participação corporal passiva do público. Mas são temporalidades estendidas no espaço que inclui o participante em todo seu processo, pois a obra, sendo aberta, possibilita ao participante criar significados, relações, interiorizações no desenvolver da obra ao manuseá-la, vesti- la ou até percorrer seus espaços, integrando o corpo da obra ao do participante numa ação volitiva. Isso pode ser observado como proposta de alguns artistas como Lygia Clark, Lygia Pape e mais tarde em Cildo Meirelles. A obra A casa é corpo. Penetração, ovulação, germinação e expulsão (1968) é um exemplo entre vários em que Lygia Clark desenvolve a proposta de participação corporal do público. Nesta obra, há um conjunto de “penetráveis” em que o público, ao entrar em cada compartimento, é motivado a despertar diferentes sensações táteis e simbólicas de: “penetração”, com um chão instável de espuma; “ovulação”, num espaço a ser percorrido, todo preenchido com bolas de ar até o teto; “germinação”, entrando em uma grande bolsa de plástico transparente em forma de gota; e “expulsão”, em espaço com chão de bolas e fios finos e grossos pendurados no teto e pendendo até o chão. Ao sair desse último penetrável, a pessoa encontra um espelho deformador de imagem. Esse conjunto de penetráveis em contraste com o espelho fecham a idéia do sentido de interioridade e exterioridade entre o que é tátil e a imagem que engana, pois assim aproximadas, mostram suas distâncias. Por isso, Lygia Clark define essa obra como uma “experiência tátil, fantasmática e simbólica da interioridade do corpo” (1999, p.229). 70 Lygia Pape, em sua obra Divisor (1968), propôs que um toldo plástico com fendas fosse estendido horizontalmente numa sala, dividindo-a em dois. Um vento gelado passaria por cima e um quente por baixo. Isso para que as pessoas, ao inserirem suas cabeças nas fendas se sentissem desconectadas, corpo e cabeça por causa da diferença de temperatura de cima e de baixo. Assim, Lygia Pape chama a atenção para a discussão da separação mente e corpo, oposição entre racional e irracional, intelectual e emocional. No Espelho Cego (1970) de Cildo Meireles o vidro do espelho é substituído por uma massa plástica maleável. Dessa maneira, colo ca em paralelo duas formas de percepção, a visual e a tátil, e a impossibilidade de substituir uma pela outra. A imaterialidade fria da imagem é aproximada do sentido tátil da matéria - textura, temperatura, densidade – através da relação direta, corporal entre as matérias do participador (quem toca) e objeto (o que é tocado). Paulo Herkenhoff define essa experiência participativa como geratriz da contraditória significação tátil em que a “manipulação da superfície reflexiva experimenta a carnalidade da imagem” (Herkenhoff, 2000, p. 71). Já em obras de participação corporal mecânica ou passiva, o corpo da obra desenvolve sua temporalidade no espaço de forma autônoma, pois prescinde, quase que inteiramente, do participador que se limita a acionar seus mecanis mos para que funcione como nas obras citadas aqui de Gabo e Calder.48 2.6.1 – Tempo de Participação Pode-se perceber, então, que a participação ativa, tanto corporal quanto a visual numa obra aberta, se diferencia da participação passiva por proporciona r ao participante uma modificação interna em sua consciência através dos próprios meios da obra. Estes não são colocados para representar algo externo mas para serem vivenciados nesse momento e lugar. Isto explicita à percepção do participador o tempo como tempo vivido, como tempo da consciência que transcorre no presente, pois o aqui e agora é o único que existe corporalmente. ComteSponville citando Crisipo, sintetiza essa idéia da corporalidade do tempo presente na frase: 48 vide 62 deste capítulo 71 “Somente o presente existe; o passado e o futuro subsistem (como objetos incorporais: no caso do pensamento), mas não existem de modo algum (como objetos reais: como corpos)” (Crisipo apud Comte-Sponville, 2000, p.50) 49 . No presente, lembramos do passado e projetamos o futuro que são vividos nos momentos do agora, pois, mesmo que a consciência se dirija para o acontecido, ou, para o que irá acontecer, esses pensamentos ocorrem sempre a partir de elaborações, seletivas e reflexivas, interpretadas e feitas no presente. Essa mesma construção do pensamento se produz a partir da fluidez do vivido que nunca permanecerá em sua integridade no presente, ficando os vestígios materiais do passado nos livros, filmes, fotos e objetos em geral, etc; e os vestígios imateriais na memória em relatos, canções, danças, etc. A memória, por sua vez, contém lembranças que não, necessariamente, estão no plano da consciência, mas misturadas, escondidas no corpo. Talvez por isso, Lygia Clark se referisse à “nostalgia do corpo” em suas experiências e Hélio Oiticica, na busca da consciência de si em suas obras, procurasse a integração de todos os sentidos, pois, como afirma Comte-Sponville: “Se não se responde à pergunta ‘Quem é você?’ mostrando o corpo, não é que sejamos outra coisa ou mais: é que o essencial do corpo não se vê, e nem por isso é menos corporal.” (2000, p. 102). Por isso, o estar no presente é também corporal, não só em pensamento mas no próprio ato de existir, como ser e fazer, através de sua vontade na potência de agir e querer. Assim, o ser muda e permanece no tempo que é de inexplicável presença. “Mas [...] não se trata de explicá- la, já que não podemos, mas de habitá- la, mas de vivê- la: trata-se de ser presente à presença, o que é atenção, prece ou sabedoria.” (ibidem. p.145). 49 V. Goldschmidt, Le système stoicien et l’idée de temps, p. 31 CAPÍTULO III ARTE E VIDA .”Não quero mais separar minha experiência da vida real”... 50 (Oiticica,1996 b, p.135) Dando continuidade à estratégia de abordagem da obra de Hélio Oiticica através dos principais pontos de relevância desenvolvidos em sua poética, este capítulo final contém a análise de seus posicionamentos na relação arte e vida que desenvolve com ações políticas sociais e éticas em diferentes facetas, como na vontade construtiva, antropofagia, antiarte, descondicionamento e utopia. Esta questão da fricção e rompimento de barreiras entre arte e vida talvez seja a que melhor resuma o processo de Oiticica e de quase toda uma geração de artistas das décadas de 1960 e 1970. Nesse artista, essa aproximação arte e vida ocorre desde a sua tendência ao objeto através da inter-relação entre as artes até a efetivação da participação direta possibilitada por serem obras experimentais e abertas. Isso se efetua com o constante exercício de tornar o artista um propositor, que, ao permitir aumento da participação do público, pretende os utópicos objetivos do despertar criativo, descondicionamento, consciência de si e liberdade interior e exterior. Portanto, sua atuação passa do âmbito do individual para o social, processo que será observado a seguir nesse capítulo. 3.1 - TOMADA DE POSIÇÃO POLÍTICA, SOCIAL E ÉTICA Sobre a função política da arte, assim Oiticica se pronunciou: “Sempre tem e deve ter, mas não ter isso como um alvo especial, mas sim como elemento; se a atividade é não repressiva, será política automaticamente” (Oiticica apud Favaretto p.118)51 Havia, mundialmente, no período dos anos 1960 e 1970, muitos movimentos sociais de resistência diante de uma série de acontecimentos políticos opressores como as ditaduras na América Latina, Guerras na África e sudeste asiático como a do Viatnã, militarismo e racismo dos Estados Unidos. O motor dessas lutas sociais, anticolonialista, antiimperialista e 50 51 Carta à Guy Brett, 2 de abril de 1968 Entrevista In: AYALA, Walmir (org.), A Criação Plástica em Questão, Vozes, Petrópolis, 1970 73 reação da nova esquerda, era o nacionalismo, buscando proteger os interesses de seu país que se circunscrevia através de sua identidade cultural e étnica. Isso influenciou o posicionamento de alguns artistas que se propuseram a agir criticamente através de suas produções artísticas e engajamento político em discussões, mobilizações e participação direta diante dessas questões. Alguns desses artistas, na década de 1970, se organizaram em grupos ativistas como a Assembléia dos Artistas pela mudança Cultural em Nova York, Grupo de Alocação de Artistas em Londres, Art & Language nos Estados Unidos e Inglaterra e o Centro Popular de Cultura no Brasil, tendo, como característica em comum, a atuação política e social direta através da conscientização popular da necessidade de transformação das estruturas socioeconômica e do sistema de poder. O CPC pretendia, segundo Ferreira Gullar (2002, p. 26), produzir obras para e com a massa marginalizada, atuando em espetáculos de rua e, também, ensinando a ler com o intuito de trabalhar a conscientização política. No entanto, isso não significava que, necessariamente, havia reduções do artístico em função do político, pois, como afirma Joe Baer: “A ação política não precisa inibir a criação artística, as duas atividades são dessemelhantes, mas não incompatíveis” (Lipard, p. 179, 1986). Os artistas engajados voltaram suas atenções para problemas políticos, sociais e éticos se aproximando de grupos populares e suas questões. Pretendem assim, transformar consciências, denunciar injustiças, participar diretamente dos problemas que afetam o mundo, influindo e modificando-os, não se isolando em problemas estéticos. No Brasil, são grupos como os, denominados por Mário Schenberg, “realistas”, o Cinema Novo e o Teatro Opinião que marcam importante posição nesse sentido de arte participante. Essa abrangência em diferentes áreas artísticas indica a contaminação por esse espírito revolucionário que não era privilégio das artes e pretendia atuar também no âmbito da ciência, educação, política e ética e revolucionar, como afirma Lee Lozano (Lipard, 1986, p. 179), no campo da sexualidade, das drogas e através da revolução pessoal. Era esse tipo de revolução interior, individual que outros artistas, como Joseph Beuys e Hélio Oiticica, estavam interessados, pois não atuavam artisticamente com o intuito de mudar diretamente a situação política e social, mas tinham a intenção de modificar as consciências individuais para que essas experiências na arte se multiplicassem na vida. Beuys desenvolve um simbolismo pessoal de suas experiências mitologizadas da II Guerra Mundial na performance denominada Coiote, eu gosto da América e a América gosta de mim (1974) em que convive durante uma semana com um coiote, dialogando com ele num espaço cercado com tela de arame em que dorme sobre uma palha, se envolve em cobertor de 74 feltro e utiliza outros elementos como lanterna, par de luvas e uma turbina. Cada um desses componentes da performance possui um significado simbólico para Beuys. Por exemplo, o coiote que, como o próprio artista define, refere-se aos “animais e aos povos americanos nativos ameaçados de extinção pelo materialismo capitalista” (Harrison, 1998 a, p. 220,). Em Hélio Oiticica, esse sentido transformador é claramente intencionado em seu projeto Éden em que era proposto o desenvolvimento pessoal através do incentivo à busca de um viver descondicionado que incluísse a consciência de si, a criatividade e a liberdade. Cria, assim, um ambiente, para o exercício desses valores, em que une várias de suas obras como os Bólides, Penetráveis, Parangolés e Ninhos. Além dessa atuação do artista se dar no plano do individual, assim como Beuys, Oiticica alimenta sua criação desse fluxo contínuo entre suas experiências pessoais e sua criação, intercâmbiando arte-vida, o que torna mais orgânica essa relação. Isso cria a impressão de descomprometimento e não militância, porém sua atuação, dentro de seu percurso, é crítica e consciente. A própria aproximação de Oiticica dos grupos populares, especificamente da comunidade da Mangueira, ocorre casualmente, através de uma relação de amizade entre os moradores da Mangueira e o artista. Este passa a participar como passista da Escola de Samba da Mangueira, trazendo elementos dessa vivência para a criação dos Parangolés e, ao mesmo tempo, inclui a comunidade nas apresentações com passistas e a bateria da comunidade. O mesmo processo acontece com sua obra Bólide Caixa 18 em homenagem ao Cara de Cavalo, bandido assassinado pela polícia. Havia entre eles uma relação de amizade e, diante da brutalidade da morte do amigo, presta essa homenagem incorporando á sua obra a imagem da foto de jornal do Cara de Cavalo morto. Assim, apesar dessa naturalidade da aproximação com o popular e o marginalizado, Oiticica mantém um olhar crítico sobre as injustiças e preconceitos da sociedade quanto ás classes desfavorecidas economicamente, sem folc lorizar e idealizar essa relação criativa. Outros setores dessa arte crítica que questionam o sistema se voltariam especificamente para a contraditória relação da arte com museus e galerias, como, por exemplo, a Land Art, a Arte Conceitual e a Anti-arte. Nestas, o artista crítico, para Victor Burgin (Harrison, 1998 a, p.221)52 , pretende “interromper esse fluxo de representações, diagnosticar e revelar seus mecanismos, cumprindo, assim, um papel de libertação das pessoas do âmbito das instituições – tangíveis e intangíveis – que controlam, cada vez mais, suas vidas”, como o que ocorre nos meios de comunicação de massa. 52 BURGIN, Victor. The absence of presence: conceptualism and post-modernisms. In: 1975-1972: When the attitudes become form. Catálogo de exposição. Kettlesyard, Cambrige and Fruitmarket, Edinburgo, 1984, pp. 1724. 75 Diferente posicionamento se revela diante da premência de participação política, é o de que a arte deve ser autônoma e o artista separado do cidadão comprometido politicamente. Nesse sentido afirma Judd: “Os artistas deveriam politizar-se como cidadãos, manifestando-se e protestando quando necessário, mas a arte deveria estar livre de responsabilidades políticas e ser usada apenas ‘quando o propósito for extremamente importante e quando nada mais puder ser feito’ “ (Frascina, 1998, p. 98). 53 No entanto, mesmo alguns artistas que procuraram se posicionar criticamente diante do poder institucionalizado dos museus e galerias não conseguiram se manter totalmente fora do sistema, tendo suas obras transformadas em mercadorias pelos marchands. Desssa forma ocorre com a Land Art e a Arte Pública que, em geral, criam espaços independentes das galerias, mas o alto custo envolvido na construção da obra impossibilita a independência do artista que tem que recorrer a um patrocinador, restando ao artista somente a participação política passiva ao selecioná- lo, visando a concordância deste com seus ideais. Talvez, diante disso, caiba frisar a observação de Walter Benjamin em 1930 (Frascina, 1998, p.99) sobre a necessidade da arte política “subverter o sistema normal de recepção, apropriação e mercantilização”. Isso significa que não basta apenas tentar escapar do sistema de arte, mas deve-se enfrentá-lo afim de evitar suas apropriações. Para isso, Benjamin (Frascina, 1998, p. 120) propõe que autores e produtores relacionem três elementos: 1- “a técnica avançada” em que forma e conteúdo se desenvolvam no mesmo nível da vanguarda burguesa; 2- “tendência política correta” do socialismo não doutrinário, não stalinista; 3“postura subversiva” nas relações de produção e consumo, ligados aos marchands, museus e críticos. Benjamin (Frascina, 1998, p. 120) ainda observa que um tipo de arte que impede o consumo da obra como mercadoria é a criação através de imagens produzidas em massa, pois assim, perde o caráter de obra de arte e a aura do individualismo criativo. Cita, como exemplo desse procedimento subversivo, as fotomontagens de John Heartfield ao multiplicar seu trabalho em capa para periódico marxista. Mas há também ressalvas feitas por Benjamin (Harrison, 1998 a, p.221) e Teodor Adorno (Frascina, 1998, p. 97) sobre arte política. Aquele aponta as diferenças entre a estetização da política utilizada no fascismo e a politização da arte pelos socialistas. Já Adorno desconfia de todas as formas culturais dotadas de mensagem, pois foram utilizadas como propaganda política na Alemanha fascista, na Rússia stalinista e na América capitalista. 53 JUDD, Donald. Entrevista. Artigo: The artist and politics: a symposium, In: Revista Art Forum, vol. IX, no 1, 1970, p. 37. 76 Outro problema a ser observado na arte de protesto é o risco reducionista que Hans Haacke aponta ao se referir às pinturas que eram declarações políticas à maneira de cartazes: Simpatizo com seus sentimentos, mas não tenho certeza se o modo retórico como alguns deles o fazem está no mesmo nível de operação de seus alvos. Quando se faz pintura de protesto, a tendência é ficar abaixo do nível de sofisticação do mecanismo que se está atacando. É muito gratificante, emocionalmente, apontar o dedo para alguma atrocidade e dizer: este é o sacana responsável por isso. Mas, na verdade, uma vez exposta num lugar público, a obra só se dirige a pessoas que compartilham desses sentimentos e já estão convencidas. Os apelos e condenações não fazem a gente pensar.(Frascina, 1998, p. 119).54 No extremo oposto da arte engajada, está a arte autônoma contemporânea que se afasta de qualquer significação externa aos seus meios em que forma e conteúdo estão unidos. Mas essa autonomia pictórica, que pode ser observada no Expressionismo Abstrato, também não impediu que suas obras fossem apropriadas por entidades institucionais para representar o Ocidente livre da Guerra Fria em oposição ao Realismo Socialista. Portanto, a não inserção política, como não ideologia, é por si mesma, ideológica em sua omissão. Mesmo que o artista não proponha criar uma obra como veículo de conscientização do público, o seu posicionamento, na relação de sua obra com o meio, pode ser participante e responsável. Helio Oiticica buscava essa conscientização do público através de suas obras e se preocupava com a questão da autonomia cultural diante de pressões colonizadoras e imperialistas. Percebia que, na vanguarda brasileira, havia uma mobilização para a construção da cultura brasileira que denominava de vontade construtiva. Isso seria possível, segundo ele, com a antropofagia que digere as influências externas modificando-as e apropriando-se delas. Por isso, serão tratados, aqui, este posicionamento político na arte brasileira através da vontade construtiva e a antropofagia, presentes também na sua obra Tropicália. Essa vontade construtiva permeia toda uma caracterização da arte de vanguarda brasileira, das décadas de 1960 e 1970, definida por Oiticica em seu texto Esquema Geral da Nova Objetividade em 1966. Então, a partir desse posicioname nto participante, o artista desenvolve sua obra a Tropicália em 1967, marcando referência à essas questões que envolvem a construção de uma identidade brasileira autônoma. 54 Entrevista de Hans Haacke a M. Gordon. In: Art and Politics, Strata, vol 1, no 2, 1975, p. 8. 77 3.1.1 - TROPICÁLIA Já havia, dentro de seu processo criativo com os Parangolés em 1964, esse voltar-se para o sentido participante ao se aproximar de grupos populares da Mangueira que influenciou na criação dessa sua obra, integrando a manifestação do samba em sua poética, por isso foi considerado por Oiticica como a semente da Nova Objetividade e Tropicália: [...] Tropicália é a primeiríssima tentativa consciente, objetiva de impor uma imagem, obviamente, brasileira ao contexto atual da vanguarda e das manifestações em geral da arte nacional. Tudo começou com a formação do Parangolé em 1964, com toda minha experiência com o samba, com a descoberta dos morros, da arquitetura orgânica das favelas cariocas (e conseqüentemente outras, como as palafitas do Amazonas) e principalmente, das construções espontâneas, anônimas dos grandes centros urbanos – a arte das ruas, das coisas inacabadas, dos terrenos baldios etc. Parangolé foi o início, a semente, se bem que ainda num plano de idéias universalista (volta ao mito, incorporação sensorial etc.) da conceituação da Nova Objetividade e da Tropicália [...] (1996 b, p. 124) 55 No entanto, Oiticica, ao se utilizar de estereótipos do que seriam representantes da cultura brasileira, a exuberância da natureza em cores fortes, inverte essa superficialidade, permitindo ao participante ultrapassar o engano da imagem pronta ao penetrar no próprio mito do exotismo que, ao ser vivenciado, perde sua condição de imagem inatingível e idealizada e, assim se desmitifica. Essa tautologia do mito presentificado para ser desmitificado, questionando sobre si mesmo e seu processo, também opera sobre a impossibilidade de se construir uma cultura brasileira que não seja através da antropofagia, pois a idéia de uma brasilidade pura do tropical se mostra totalmente artificial. Essa desconstrução do mito está na estrutura da própria obra em que são colocados em paralelo, nos dois Penetráveis que constituem a Tropicália (figura 23, f. 123), elementos naturais, tropicais – como arara, areia, plantas, estampas com motivos florais de cores fortes – os elementos tecnológicos - como uma televisão em funcionamento ao fundo do Penetrável – e o aspecto vivencial da obra que une esses elementos díspares. O caráter vivencial da obra, além de se constituir na participação do público, está também na própria motivação pessoal do artista ao construir a partir de lugares relacionados com seu imaginário afetivo: Eu tinha a idéia de me apropriar de lugares que eu amava, de lugares reais, onde eu me sentia vivo. Na realidade, o Penetrável Tropicália, na sua multiplicidade de idéias tropicais, era um tipo de 55 Tropicália - 4 de março de 1968, Publicado no Folha de São Paulo, Folhetim, São Paulo, 8 de janeiro de 1984 78 condensação de lugares reais. Tropicália é um tipo de mapa. Um mapa do Rio e um mapa da minha imaginação. É um mapa dentro do qual se pode entrar. (Oiticica apud Jacques, 2003, p. 82).56 Numa clara alusão à suas primeiras experiência s ao subir o morro da Mangueira, compara, descrevendo a sua sensação ao participar do Tropicália: “parecia estar dobrando as quebradas do morro”, “pisando a terra outra vez”. (Oiticica, 1996 b, p. 124).57 No entanto, o participador é levado a construir suas próprias significações e tempos interiores através das diversas experiências táteis-sensoriais abertas, indo de encontro ao imagético processado do que seria o tropical brasileiro e que trabalha na passividade do espectador. Mas o outro elemento do Tropicália, a televisão, funciona reforçando também o aspecto da imagem que é apresentada, revelada através de um de seus meios de comunicação. A imagem, agora, em sua forma midiática, é veiculada em seu aspecto intangível, pulsando luzes e formas sedutoras, nega a participação e, por isso, se mostra como boca que devora o participador e cospe imagens, pois, como observa Oiticica, “é a imagem que devora então o participador, pois ela é mais ativa que seu criador sensorial” (1996 b, p. 124).58 Apesar dessa constatação do poder dominante da imagem como geradora de simulacros no Tropicália, sua atuação é desvelada ao ser vivenciado o contraste entre a imagem corporificada do tropical, que pode ser vivida, percebida e participada, e a imagem imaterial veiculada pela televisão. Assim, seu efeito ilusório, condicionante é amenizado ao tornar o participador consciente disso. Dessa forma, o artista coloca a questão da brasilidade diante de seus possíveis estereótipos e da busca do descondicionamento do participador ao ser provocado a desfazer esses estereótipos do que seria a imagem de Brasil a ser consumido como produto e imagem. Assim como nessa obra, o descondicionamento é objetivo de várias de suas obras. Mas, da mesma maneira que Tropicália é paradigmática na colocação do problema do que é brasilidade, em sua proposta do Éden, esse fator do descondicionamento é explorado, amplamente, através da experiência do Suprassensorial e Crelazer. Por isso, o Éden será observado no item Descondicionamento. Mas antes, é necessário a recolocação dos termos vontade construtiva e antropofagia, importantes para a sua tomada de posição política, social e ética. 56 In Studio Internacional, março de 1969. Tropicália - 4 de março de 1968, Publicado no Folha de São Paulo, Folhetim, São Paulo, 8 de janeiro de 1984 58 ibidem. 57 79 3.1.2 - VONTADE CONSTRUTIVA “Só boto o bibop no meu samba quando o Tio Sam pegar no tamborim” (Gordurinha) A vontade construtiva da vanguarda brasileira assume um posicionamento crítico e participante com o intuito de unir forças contra a dominação cultural e econômica que impõe a permanência do Brasil como país dependente e subdesenvolvido. Mas a atuação dessa vanguarda está no campo cultural, correndo paralelamente às ações políticas sociais na busca da defesa dos interesses nacionais e pretendendo criar uma identidade cultural brasileira. São causas em que o homem, como cidadão e artista participante, procura frentes de compromisso crítico diante da realidade brasileira, evitando reducionismos ao não forçar uma definição a priori do que seja arte nacional, pois isso não se coloca como parâmetro valorativo da obra e do artista, mesmo porque a demarcação do que seja nacional é impossível e artificial, uma vez que, a cultura é interrelacional, não obedecendo limites políticos-geográficos dos países, mescla experiências transnacionais. Parte desse processo de formação cultural se constitui por relações além de macro e regionais também micro em que o artista coloca suas questões pessoais, subjetivas, diante de acontecimentos no plano sócio-político-econômico. É, nessa teia de relações , que a cultura se desenvolve, o que torna, mais do que inócua, indesejável a tentativa de fechar uma definição do que seja o caráter de determinada cultura nacional, pois são a liberdade interna, dos artistas ou dos atores participantes, e externa, do meio, que possibilitam a criação, a diversidade e a continuidade do processo cultural. Justamente, por essa liberdade, mas sem deixar de observar a necessária dinâmica transnacional da cultura, que as vanguardas construtivas se colocam criticamente contra a imposição de valores e modelos da cultura dominante a serem imitados pelos subdesenvolvidos. Os artistas, aliados aos críticos de arte, desejam, dessa maneira, se inserirem na luta contra a dependência, denunciando essas condições de vida no país e mostrando outras possibilidades ao público por meios artísticos e não artísticos como debates, manifestos e textos críticos. Portanto, a brasilidade, almejada pela vontade construtiva, é colocada de forma aberta e crítica com o intuito de fazer frente a qualquer domínio externo. Dessa forma, não há delimitação de tema nacional e forma própria, ideal, mas sim, a construção antropofágica de uma linguagem coerente com o processo vivido pelo artista, sem que haja a simples imitação de influências estilísticas. 80 Pode-se citar, dessa forma, alguns exemplos na história da arte e literatura brasileiras que estão no processo de formação de linguagem de identidade brasileira como o Indianismo, Realismo, Parnasianismo, Simbolismo, Naturalismo e Modernismo em que, como Ferreira Gullar (2002, p.186) observa, o caráter desses movimentos brasileiros se diferencia, de seus referenciais internacionais de origem, construindo, às vezes, temas e características que estão inseridas no processo de formação cultural brasileiro. No entanto, é somente no Modernismo que esse processo de deglutição cultural está no nível da consciência crítica e intencionada, visando a antropofagia dos referenciais estrangeiros, reelaborando-os na construção da cultura brasileira. Posicionamento esse marcado no Manifesto Antropófago escrito por Oswald de Andrade em 1928. Esse caráter antropofágico também foi ressaltado mais tarde, em 1967, por Hélio Oiticica em seu manifesto Nova Objetividade, por isso cabe aqui traçar um paralelo com a Super-Antropofagia da vontade construtiva. 3.1.3 - ANTROPOFAGIA A antropofagia oswaldiana quer, ao contrapor valores dos “povos cultos e cristianizados” ao dos “antropófagos”, ressaltar a liberdade e valores indígenas, como representantes legítimos da brasilidade, e criticar o sistema opressor do colonizador, agora capitalista, que se baseia na lógica, no determinismo, na razão e na separação cristã do espírito e corpo em detrimento desse. Já o antropófago, em caminho inverso, possui vida comunitária igualitária, pensamento intuitivo, une corpo e espírito em religião não opressora. Isso projetado para um campo mais amplo, propõe a quebra desses valores colonialistas pondo fim às convenções, “transformando tabu em totem” através de posicionamento crítico em relação às idéias importadas “enlatadas” e, com atitude antropofágica, pretende eliminar barreiras entre as culturas, como explicitado nesse trecho do Manifesto Antropófago: Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupi or not tupi that is the question. Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos. Gracos. Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago [...] (Andrade, 1990, p. 47) 81 Hélio Oiticica propõe esse mesmo posicionamento, só que ampliado, denominando-o de Super-Antropofagia em que se luta contra o domínio político, econômico e cultural colonialista e imperialista, absorvendo suas influências e transformando em algo próprio dentro do processo criativo brasileiro. Caberia essa função à vanguarda brasileira que objetivaria esforços para estruturar um continuum antropofágico em todos os setores culturais e sociais, pois a condição do Brasil como país subdesenvolvido e de recente história de colonizado, o coloca em desvantagem em relação aos países desenvolvidos. Por isso, a tardia preocupação de construção e defesa dos interesses brasileiros, mas sem a submissão às instituições e observando as necessidades populares e não burguesas. Em paralelo a essa atitude da vontade construtiva e antropofágica das vanguardas brasileiras, Oiticica coloca a necessidade de descondicionamento do público para se alcançar outra forma de liberdade que está além das fronteiras geográficas, a da liberdade interior, que poderia ser conquistada através do despertar da criatividade e consciência de si. No Éden, esses valores são propostos dentro do exercício do Suprassensorial e do Crelazer. 3.2 - DESCONDICIONAMENTO 3.2.1 – Éden Hélio Oiticica já vinha produzindo obras participativas, sensoriais, vivenciais com suas propostas anteriores, desde os Relevos Neoconcretos, Relevos Espaciais, Bilaterais, Núcleos, Penetráveis até os Bólides e Parangolés, mas cada um com sua peculiaridade, revelando determinados aspectos dessas proposições interrelacionais. Dada essa afinidade e coerência entre a obras, foi possível para o artista agrupá-las no projeto Éden, possibilitando a integração dessas num mesmo ambiente contínuo, projetado para criar um todo a ser habitado, e, assim, supera o caráter de exposição ao incorporar esse espaço à obra, envolvendo-o. Outro diferencial que o Éden explora é o desenvolvimento de dois aspectos vivenciais: a ênfase na Suprassensorialidade e no Crelazer, formulações do artista. Com o objetivo da Suprassensorialidade, há contínua busca por se criar proposições abertas, exercícios criativos que pretendiam prescindir do objeto, visando, através da maior participação do público na obra, despertar para a descoberta do “centro criativo interior” que estaria adormecido por causa do cotidiano condicionado de uma cultura que privilegia a 82 intelectualidade em detrimento da espontaneidade expressiva sensorial, como algo que deve ser controlado e submetido às normas civilizatórias. Por isso, a necessidade de também trabalhar o dilatamento sensorial como revelador do contato com seu interior através de sensações corporais que são intercorporais ligadas pela subjetividade do interpretante. Assim, percebendo a consciência relacionada à corporeidade, rompe com a idéia fragmentada de homem possuidor de um corpo e mente como algo externo que pode ser manipulado, e afirma-o como ser integrado em corpo e mente, consciente de si e capaz de dilatar suas possibilidades perceptivas e criativas através da sensorialidade. A partir disso, se configura a liberdade individual com a descoberta da vontade interior, através do “exercício experimental da liberdade,” como observou Pedrosa, que já não está mais submetida à estrutura de domínio e consumo alienado. Dessa forma, Oiticica pretende “transformar processos de arte em sensações da vida” (Oiticica, 1996 b, p. 12).59 Aspecto esse que é desenvolvido em suas obras, enfatizado no Éden e maximizado no seu projeto Barracão e nas anti-artes apropriações. No entanto, um aspecto que se revela inaugural dentro de todo seu processo é a proposta do Crelazer do Éden como “lazer criador” num repouso ativante e não repressivo, porém não disperso como lugar de pensamentos meramente divertidos, mas sim, como alimento criativo. Oiticica acredita na necessidade do dolce far nient para que processos criativos sejam impulsionados. Une, então, fazer e lazer em que é possível “criar no lazer ou crer no lazer” (Oiticica, 1996 b, p. 132)60 . Por isso, reivindica os direitos do corpo e da preguiça sem espaço numa “civilização fria e prática” que associa trabalho à servidão ou escravidão, mas não associada à felicidade, ao prazer e à criatividade como defende Tatlin ao criar a “bicicleta aérea” nos anos trinta: “Quero devolver às pessoas a sensação de voar. Disto nós fomos roubados pelo vôo mecânico do aeroplano ... Não podemos mais sentir o movimento do corpo no ar.” (Brett, 1996 b, p. 231). Oiticica propõe, assim, um estado de “sonho consciente”, na tentativa de equilíbrio entre pensamento e sensação, consciente e inconsciente através do repouso ativante, criativo e não condicionado que está além do tempo e espaço pré-determinados, é o “tempo mítico”. Dessa forma, propõe “[n]ão ocupar um lugar específico no espaço ou tempo, assim como viver o prazer ou não saber a hora da preguiça, é e pode ser a atividade a que se entregue um criador” (Oiticica,1996 b, p.132).61 Expressa, 59 Éden, publicado no catálogo Hélio Oiticica, Whitechapel Gallery, Londres, 1969 Crelazer, publicado na Revista de Cultura Vozes, Petrópolis, 6 de agosto de 1970. 61 ibidem. 60 83 assim, sua busca por ultrapassar a materialidade da obra e colocá- la como proposição, criando espaços abertos para “repouso criativo” e vivências sensoriais significativas. Essa poética, ligada ao Crelazer, tem início com a criação do Bólide Cama e dos Bólides Áreas antes do Éden (figura 24, f. 127). Posteriormente, outros espaços desse também seguem essa semente crelazeriana da “espera do sol interno”, deitar-se, esconder-se e caminhar percebendo cores, diferentes sensações táteis, cheiros, confluindo desejos e significações que permitem fundar áreas e auto- fundar-se, num processo em que cada um é a “célula- mater”. Assim, Oiticica descreve o percurso do Éden montado na galeria Whitechapel em Londres, 1969: Na experiência Whitechapeliana as sementes do Éden propunham ‘visões’ ao Crelazer: o Bólide-Cama onde se entra e se deita sob a estrutura de juta: a concentração do lazer, que se tende a fixar. O trajeto do pé nu sobre a areia, que se interrompe com sucessivas entradas nos penetráveis de água, Iemanjá, de folhas, Lololiana, de palha Cannabiana. Ainda pela areia chega-se à área limitada em área no Bólide-Área1, e ao feno no Bólide –Área 2, onde se deita como à espera do sol interno, do lazer não-repressivo. A tenda preta enigmática concentra o esconder-se, como um ovo, e, dentro, a música de Caetano e Gil não é uma imagem superposta, mas uma nova relação do mundo escondido, um sentido que se alia ao tato, mas sem se erguer em imagens táteis como no penetrável táctilsensorial da Tropicália (havia lá, uma série de elementos tácteis que culminavam pelo trajeto no escuro rumo à TV permanentemente ligada, uma síntese da imagem quando se interrelacionavam) – nessa tenda preta uma idéia de mundo aspira seu começo: o mundo que se cria no nosso lazer, em torno dele, não como fuga mas como ápice dos desejos humanos. O mesmo diria em relação aos Penetráveis – Cabines Tia Ciata , em cujo interior, a luz vermelha, criada pela filtração da luz exterior através do plástico envolvente, se mistura ao incenso que se queima ao deitar-se no chão de espuma, e no Ursa, onde se penetra girando a porta-parede e se encaixando dentro das cobertas-saco e telas de nylon deitando: o espaço-casa propõe um novo mundo-lazer. Para o fim, reservo dois núcleos de lazer, no Éden, que a meu ver, levam a planos mais avançados, indicam um futuro mais incisivo: 1) a área aberta do mito, que se constitui num cercado circular vedado por uma treliça de duratex (o plano inicial era de uma treliça de metal coberta por trepadeiras vivas – esse plano é o que prefiro), no chão, o tapete cuja sensação quente sucede à areia – a área vazia interior é o campo para a construção total de um espaço significativo “seu”: não há proposição aqui - estar-se nu diante do fora-dentro, do vazio, é estar-se no estado de fundar o que não existe ainda, de se autofundar; 2) os Ninhos, no fim do Éden, como a saída para o além ambiente, isto é, a ambientação não interessa como informação para indicar algo: é a não-ambientação, a possibilidade de tudo criar das células vazias, onde se buscaria aninhar-se ao sonho de construção de totalidades que se erguem como bolhas de possibilidades – o sonho de uma nova vida, que se pode alterar entre o autofundar, já mencionado, e o supra-formar, nascido aqui, no 84 ninho-lazer, onde a idéia de Crelazer promete erguer um mundo onde eu, você, nós, cada qual é a “célula -mater.” (ibidem, p. 136) A partir dessa proposta de participação total, que é potencializada no Éden, aproxima, ainda mais, seus processos de arte às experiências da vida ao colocar o homem, com seus desejos, necessidades e vontades, no centro da criação dos “núcleos de lazer” desse projeto: Área aberta ao mito e Ninhos. Nessa mesma linha de interesse pela relação arte- vida, o artista projeta o Barracão, o considerando “consolidação e espinha dorsal do Crelazer” (ibidem). Sendo que, no Barracão, pretende trazer essa proposta para vivência cotidiana do morar ao criar um espaço autônomo fora dos museus e galerias, habitando a própria obra. Portanto, outra questão se evidencia como importante ponto a ser observado na obra de Oiticica, a diminuição das distâncias entre arte e vida na criação utópica do Barracão que será observado após serem analisados os fatores constitutivos do descondicionamento proposto por Oiticica: despertar da criatividade, consciência de si e liberdade. 3.2.2 – Condicionamento Hélio Oiticica enfatiza essa necessidade de descondicionamento em seu projeto Éden e critica o “condicionamento às estruturas estabelecidas” (Oiticica, 1986, p. 109) pelo indivíduo que se habitua às condições de alienação e submissão a uma situação contrária ao exercício da liberdade, criatividade e consciência de si. Mas que relação específica se estabelece entre condição-condicionamentocondicionado? É a atitude cordata diante de uma causa externa que se fundamenta na passividade de existir, desejar e pensar, no isolamento das “multidões solitárias” como observo u Debord (1997, p. 23) ao definir o sistema econômico do “espetáculo”. Nesse, o espectador é mantido separado do objeto contemplado, deixa-se habitar, governar pela exterioridade, pois “quanto mais contempla, menos vive, quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo” (ibidem, p. 24) se distanciando de uma causa interna e livre. Não distingue o poderio que o domina, desejando se identificar com ele. Isso inverte sua força de existir ou conatus, como define Espinosa (Chauí, 1995, p. 67), tornando-a imaginária e ilusória. Por isso, não conhece seus “verdadeiros interesses” e não são “juízes de sua felicidade”, se entregando aos “falsos prazeres”, fruto de impulsos e necessidades que “tornam os homens menos livres, mais cegos e mesquinhos do que precisavam ser” (Marcuse, 1997, p. 188). 85 Dessa maneira, a “sociedade antagônica” forma indivíduos excludentes que cobiçam o ter em detrimento do ser, mas é um possuir efêmero em que tudo é rapidamente substituído, sejam bens, valores ou pessoas que são incluídas na aceleração do tempo de giro do capital. Processo esse estimulado pela comunicação de massa através de um bombardeio de estímulos que afeta a forma de percepção e comportamento nos extremos de estimulação e embotamento, manipulando o gosto e a opinião, transformando tudo em imagem. Assim, empresas e pessoas criam, igualmente imagens de si, falsas identidades baseadas na aparência e auto-promoção publicitária (Harvey, 2004, passim). Isso está relacionado à perda da percepção de si e dos outros, pois são educados para integrarem esse processo antagônico que expropria seu tempo para que produza e consuma, desvalorizando o homem e seu desenvolvimento, pois como observa Debord : “ É nesta dominação social do tempomercadoria que "o tempo é tudo, o homem não é nada: é quando muito a carcaça do tempo" (Miséria da Filosofia). É o tempo desvalorizado, a inversão completa do tempo como ‘campo de desenvolvimento humano’ ” (1997, p.103). Portanto, a sensibilidade, as possibilidades e as necessidades, a liberdade e o prazer, a felicidade e a fruição estão comprometidas com essas relações de consumo e trabalho alienados que tem como finalidade gerar a si mesmos através do lucro, salário e mais trabalho. Diante disso, Oiticica se opõe a essa lógica de “domínio e consumo alienado” que leva a um “cotidiano condicionado”, suprimindo a “liberdade individual”, “as capacidades sensoriais”, a descoberta do centro criativo interior” na “espontaneidade expressiva” (Oiticica, 1996 b, p. 125)62 . Fatores estes buscados em seu processo criativo como proposta de exercício da liberdade. Esta é possibilitada no não- lugar criado no Éden, que, como o próprio nome sugere, espaço de vivência do prazer, mas ligado ao despertar da consciência de si e da criatividade, vistos por ele como caminhos para a liberdade interior. Assim, para se pensar isso em relação à proposta do Éden, há necessidade de que sejam observados aqui seus objetivos constitutivos: despertar da cria tividade, consciência de si e liberdade, se opondo à alienação do homem de si, de seu trabalho e da sociedade que constrange o viver consciente, integrado e feliz. Então, apesar dos objetivos serem apresentados aqui separadamente, devem ser observados como complementares entre si, pois fazem parte de um mesmo processo e se conformam como potencialidades integradas que alimentam umas as outras. 62 Tropicália - 4 de março de 1968, Publicado no Folha de São Paulo, Folhetim, São Paulo, 8 de janeiro de 1984. 86 3.2.3 - Despertar da criatividade Dessa forma, é possível afirmar que a criatividade, como potencial inerente ao homem, se desenvolve em conformidade com uma série de fatores impeditivos e propiciadores que atuam de acordo com a ausência e a presença da liberdade. Esta, no âmbito social, é construída como falsa dentro da sociedade de consumo em que a relação de trabalho é alienada, exploradora, desumanizada e o fazer não é participativo, significativo, mas mecânico, excluindo condições criativas das vivências. Outras esferas, como a familiar, educacional e pequenos núcleos relacionais, também influenciam a criatividade que ocorrerá de maneira positiva se forem estimuladas a espontaneidade, a curiosidade, a autonomia e a iniciativa e reduzidas as coerções, julgamentos prévios e situações competitivas como percebeu Taylor (Alencar, 1986, p. 39) em seu estudo sobre comportamento criativo. Assim, a liberdade de criação é facilitada pela liberdade externa, tendo, como base e processo, a busca da liberdade interior através da consciência de si. Criar livremente, no entanto, não pressupõe a ausência de limites, mas a constante redefinição desses ao “desdobrar delimitações”, como afirma Ostrower (2005, p 160). É um processo dialético, racional- intuitivo, espontâneoreflexivo, de ampliar-delimitar e não está relacionado a um fazer sem propósitos. Indo ao encontro desse pensamento, Oiticica adverte quanto a gratuidade no uso da criatividade como objetivo da arte: “A arte moderna é o começo da emergência do que chamo de estado de invenção. A arte moderna foi, aos poucos, se desligando de todos os pré-conceitos criativos e até a própria premissa de criatividade é uma coisa que foi posta em xeque. Não basta a pessoa desenvolver a sua criatividade para ser um artista, ela tem de se livrar também do sufoco da criatividade [...] para não cair num novo naturalismo da criatividade. Quer dizer, não passar da arte de representação para arte de criatividade. Que seja deslanchada a criatividade pela criatividade, eu acho isso também um problema muito perigoso. O que é importante é a emergência desse estado de invenção. [...] Isso é o ápice do que queria chegar a arte moderna e não deslanchar catarses psíquicas.” (Oiticica apud Favaretto, 1992, p. 206) 63 Este processo, porém, não se restringe ao campo das artes, pois o fazer criativo é próprio do homem como ser integrado. Reduzir e aceitar a atuação criativa como exclusividade das artes, encobre a precariedade das outras áreas, ao utilizar as artes como compensação romântica e a considerar expressão subjetiva própria do gênio criador original. Oiticica se afasta dessa concepção de arte ao afirmá-la como fazer coletivo, participativo e vivêncial, que, portanto, não está separada da vida como um todo. Assim, ao 63 Entrevista a Ivan Cardoso (1979). Folha de São Paulo, 16.11.1985, p. 48 (“A arte penetrável de Hélio Oiticica”). 87 propor o despertar da criatividade, considera a potência criativa como inerente à condição humana, mas que, por uma série de barreiras, não encontra meios para que possa se desenvolver. Isso porque: ...criatividade é inerente a qualquer um, o artista apenas inflamaria, toca fogo e libera as pessoas de seus condicionamentos. A antiga visão do artista como alguém intangível está morta; não possui nenhuma conotação nova com a vida hoje – a manifestação individual tem apenas uma justificativa, que é ser criativo fora de qualquer egoísmo ou individualidade. (Oiticica,1996 b, p.135) 64 Visto dessa forma, os espaços sensoriais e afetivos do Éden contribuem para criar um ambiente estimulante para o encontro consigo mesmo, próprio para a criatividade. Portanto, Oiticica atenta para a base do desenvolvimento da criatividade: a possibilidade do pensamento criativo num divagar descompromissado, sem, necessariamente, um fazer concreto. Mas, no Éden, reserva um espaço para performances individuais ou coletivas, denominada, Área aberta ao mito, “campo para construção total de um espaço significativo ‘seu’, [...] [para] fundar o que não existe ainda, se auto- fundar” (Oiticica, 1996 b, p. 12).65 A sensibilidade, assim, é motivada, posta em alerta para o criar, sugestões sensoriais das matérias que são ativadas para serem descobertas, experimentadas, buscadas de forma espontânea, proporcionada pela abertura das propostas. A coerência, intuição e autonomia interior guiam a participação nesse “exercício criativo” perene que intensifica a vida, adensa o potencial criador, reconfigurando significados da vida. Por isso, a intrínseca ligação entre o despertar da criatividade e a consciência de si, pois ambos se encontram na experiência existencial do mundo interior, em que conhecimento e intuição estão interligadas. 3.2.4 - Consciência de si A consciência, segundo Chauí (2003, p. 130) consiste na capacidade de conhecer e diferenciar si mesmo do outro, das coisas e também conhecer o próprio conhecimento num pensamento reflexivo. Essa consciência sensível e intelectual, ativa e reflexiva, permite analisar, representar e interpretar, contribuindo para a construção da subjetividade que, para além de inconsciente, pode ser percebida em três níveis de consciência: o “eu” como consciência de si, ponto de identidade formada pelas vivências e pela personalidade; a pessoa, agente moral e ético das relações intersubjetivas; e o cidadão, agente político que visa 64 65 Carta ao Guy Brett, 2 de abril de 1968. Éden, publicado no catálogo Hélio Oiticica, Whitechapel Gallery, Londres, 1969. 88 questões não individuais, mas universais. No entanto, esses níveis de consciência estão interconectados, tendo como referência primeira e original, o “eu”, pois, como centro de todos os estados psíquicos e corporais, define o modo como sentimos e compreendemos o mundo e nós mesmos como seres sensíveis e racionais ou como define Espinosa, seres constitutivos de corpo e alma. No “eu”, também permanece o fluxo temporal, passado-presente-futuro, presentificado, existindo simultaneamente. Portanto, no homem, complexo corporal e psíquico, a consciência de si e do corpo estão intimamente ligados ao conhecimento sensível, pois sua existência é intercorporal, percebendo o mundo em sua imediatez de qualidades exteriores através de qualidades interiores dos sentidos, afetos e valores que significam as sensações, conferindo sentido pessoal ao entorno, às vivências e a si mesmo. Isso porque, como observa Chauí sobre a física- fisiologia66 de Espinosa: [...] as relações de movimento entre as partes fluidas e moles, em seus contatos com outros corpos, gravam em nosso corpo todos os vestígios dessas relações. Dessa forma, o corpo, além de imaginante, é memorioso, fazendo com que nossa alma tome como presentes imagens do que está ausente e com elas represente o tempo [...] (Chauí, 1995, p. 62). Assim, desses encontros corporais se conhecem as coisas e a si mesmos empiricamente, numa experiência sensível e vivida que não é verdadeira ou falsa e sim uma vivência corporal. Mas, cabe ao pensar a busca do conhecimento verdadeiro de si e do corpo, pois somente a alma, segundo Espinosa (Chauí, 1995, p. 59) pode ter acesso à potência de pensar, uma vez que sua essência é o conhecimento. Isso não significa porém que, entre corpo e alma, exista uma relação hierárquica, mas o que ocorre é uma ligação constitutiva de interesse comum que converge no conatus. Definição espinosiana de potência de autoconservação como força interna positiva e instável para existir e pensar que impulsiona o conhecimento e a ação. Podem ser aproximados esse pensamento de Espinosa, sobre a imbricada relação entre corpo e alma e o seu conceito de conatus, e a abordagem de Oiticica sobre influência desta força de existir na consciência de si através da idéia do Suprassensorial e na criatividade com o Crelazer como meios de se buscar a liberdade. Apesar de Espinosa acreditar na razão absoluta e Oiticica afirmar sua desconfiança da razão, pois a percebe como barreira para o desenvolvimento da criatividade e espontaneidade, indica como caminho para estas a consciência de si que inclui tanto o conhecimento sensível quanto o intelectual. Seus ambientes e proposições no Éden procuram o fluxo do sensorial que carregam o corpo de afetos e liberam pensamentos, memórias, imaginações, sensações e 66 Isso no Livro II da Ética de Espinosa. 89 ações, processo este que é também o do conatus. Dessa forma, em sua obra, são colocadas em evidência a intercorporeidade da existência através do conhecimento sensível que une o mundo interior com o exterior, consciência e liberdade, relação que será observada a seguir. 3.2.5 - Liberdade “A utilidade é a negação da liberdade e a liberdade é a utilidade da negação” (reposta à pergunta sobre a utilidade de uma obra inútil) (Oiticica apud Justino, 1998, p.105) 67 A busca pela liberdade pressupõe: a existência da não- liberdade, a consciência de sua existência e a necessidade de tentar libertar-se. Como a não- liberdade pode ser observada em variados níveis intercambiantes – eu psicológico, relações interpessoais e público – somente através da consciência de si atuante nessas esferas, o sujeito do conhecimento poderá refletir sobre essas relações e agir com a finalidade de buscar uma vida livre, portanto, feliz e justa na mediação entre consciente e inconsciente, no desenvolvimento das intersubjetividades e na atuação como agente político, cidadão responsável pelo bem estar social. Portanto, libertar-se exige a não- ignorância e não alienação como ser dominado por causas externas e ilusórias e também inclui, a priori, o reconhecimento de si como causa interna dos acontecimentos, desejos e idéias desse processo de conscientização participativa que é, ao mesmo tempo, interior, relacional e sistêmico. Dessa forma, segundo Espinosa (Chauí, 1995, p. 71) ocorre a descoberta da “potência pensante” da alma e da “potência imaginante e memoriosa” do corpo em que o sujeito pode diminuir a passividade e se preparar para a atividade de pensar e conhecer da alma ao se aproximar do sentimento de afeto, aumentando o “conatus”. Assim, Espinosa relaciona afeto e conhecimento, felicidade e liberdade como recurso para se chegar ao “bem verdadeiro.”68 Afirma que, para isso, é necessário desejar um “Bem imperecível”, comunicante e compartilhado por todos, tendo, assim, acesso à felicidade e à liberdade verdadeira. Do contrário, amando coisas perecíveis que excluem os demais, a felicidade também se torna perecível, pois é ameaçada pelo desejo de outrem (Chauí, 1995, p. 38, passim). Da mesma forma, Marcuse percebe essa relação entre liberdade e felicidade, universal e particular em que o individuo liberado tem como verdade a felicidade não como estado 67 68 Depoimento ao Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 26.07.1968 Posicionamento este explicitado em seu “Tratado de Correção do Intelecto”. 90 emocional subjetivo, mas como encontro de interesses e satisfação das possibilidades do universal e do particular, uma vez que: Essa liberação das possibilidades tem a ver com a práxis social; aquilo que os homens podem empreender com os órgãos desenvolvidos dos sentidos e da alma e com a riqueza criada pelo seu trabalho para alcançar o máximo de felicidade não pode mais ser algo meramente subjetivo: ela entra na esfera do pensamento e do agir comunitário dos homens. (Marcuse, 1997, p. 189) Assim, o indivíduo poderia desenvolver os sentidos e a alma e o trabalho seria fonte de felicidade, pois produzido segundo suas capacidades e necessidades. Dessa forma, forças produtivas, materiais e espirituais permanecem unidas, buscando, através da solidariedade combativa, melhores condições de vida para a sociedade. De certa maneira, Oiticica inclui, em suas proposições, atuações mais diretas na sociedade, mas como possibilidade de desdobramentos de um processo pessoal centrado no “comportamento”, como ele mesmo afirmava, para, assim, tocar no eu psicológico que teria autonomia ao fomentar suas possibilidades e necessidades em harmonia com o universal. Portanto, a liberdade, almejada por Oiticica em suas obras, tinha como base o processo de desenvolvimento da consciência de si relacionada à descoberta da criatividade e a busca da liberdade interior colocadas em oposição ao condicionamento. Isso é proposto como expansão dessa experimentação no seu projeto Éden em que várias obras suas são reunidas em um grande ambiente vivencial, temporalizado pelo caminhar do participante, incluindo espaços de acolhimento e preguiça, que por esse motivo, se situam além do aspecto sensorial e do movimento intersubjetivo espaço-temporal presente em obras anteriores. Dessa forma, Oiticica busca desenvolver os sentidos do corpo e da alma através da participação coletiva e individual, afetiva e perceptiva, significante e significativa, ao trabalhar com a “potência pensante” da alma e a “imaginante e memoriosa” do corpo. A participação, portanto, é um dos percursos possíveis que tocam essa idéia espinosiana do “bem imperecível, comunicante e compartilhado”, pois a materialidade envolvida constitui somente um meio para experimentações vivenciais que não podem ser apreendidas. Estas propostas para o descondicionamento, que são consideradas, aqui, como utópicas no sentido da idealidade, são desenvolvidas por Oiticica através da antiarte que nega a apreensão de obras de arte. Isso pode ser percebido em seus processos criativos do seu projeto Barracão, da apropriação Manhattan Brutalista e da performance Delirium Ambulatorium, escolhidos para serem analisados a seguir. 91 3.3 - UTOPIA E ANTIARTE O termo utopia, nessa dissertação, é percebido não como meta inatingível, mas no sentido positivo de Thomas Morus, como lugar ideal, portanto, guia para se caminhar em determinada direção, ou não- lugar, topos a ser buscado, pois não existe ainda. Nessa interpretação de utopia que as vangua rdas se estruturam em vários momentos históricos, procurando modificar visões, sociedades e culturas ao questionarem o estabelecido. Nas décadas de 1960 e 1970, mesmo que diferente do caráter revolucionário das vanguardas do início do século, como os dadaístas, os surrealistas e os construtivistas, e não se organizando como movimento, diversas linguagens artísticas, como a arte conceitual, body art, a performance, o happening e a land art, negam os meios tradicionais de arte, produzindo uma arte de intermídia ou que, simplesmente, não se constituísse em objeto único passível de ser incorporado como “artigo de luxo, permanente, portátil e vendável”, como resume Roberta Smith (1991, p. 182). Pretendem, dessa forma rejeitar o espaço institucional das galerias, museus e mercado de arte, aproximando arte e vida, dessacralizando a idéia de objetos de arte e de artista como portadores de uma “aura” especial. Seguem assim, o caminho aberto por Duchamp que, no início do século XX, questionou o conceito de arte e seu sistema legitimador, dos museus e críticos, com seus ready-mades, Fonte (1917)), Roda de Bicicleta (1913), Porta-garrafas (1914), e a pá de neve Antes de um braço quebrado (1915). Dessa forma, se apropria de objetos industriais que “preenchem passivamente o espaço de sua experiência cotidiana” (Krauss, 1998, p. 88), faz pequenas intervenções ou nenhuma e assina, deslocando-os de seu campo habitual para espaços institucionais de exposição. Esse ato, além de questionar o sistema legitimador da arte, também nega a concepção tradicional de artista, valorizado por sua habilidade técnica, manual, originalidade, autenticidade e sentido de beleza e que utiliza a arte como veículo para expressar sentimentos e pensamentos interiores. Há, portanto, nos ready-mades de Duchamp, uma “descrença” na existência desse “vínculo íntimo entre indivíduo e sua produção”, como percebe Krauss (ibidem. p. 87). Posição esta firmada pelo seu distanciamento total do fazer que transforma a matéria, impossibilitando qualquer subjetivação na criação e na relação com o observador. Não ocorre, assim, a decodificação forma-conteúdo pela apreensão que é filtrada pelos sentidos. Isso, então, gera o fechamento do arco significante entre visão e apreensão num círculo de 92 “perplexidade”. É colocado, assim, um vidro asséptico entre obra e observador que não contempla, mas se indaga, sendo levado a “reconsiderar a criação como questão” (ibid. p. 91). Outro contraponto, marco do fechamento à concepção da arte como expressão do individual, são os movimentos Suprematismo e o Neoplasticismo, e, mais especificamente, Malevitch com seu Quadrado preto sobre fundo branco (1913) e Mondrian com seus quadros de composição vertical- horizontal e cores primárias como o Composição em vermelho, amarelo e azul (1927), em que a síntese, a clareza e o pensamento racional deveriam se sobrepor à narrativa representativa ilusionística do quadro como janela. Esses referenciais de Duchamp e dos construtivistas são suficientes para serem compartilhados por artistas como os minimalistas que, nas década de 1960, produzem obras rigorosas, se afastando da subjetividade e emocionalismo do Expressionismo Abstrato da década de 1950. Don Judd, Dan Flavin, Carl André, Robert Morris e Frank Stella constroem com o mínimo possível de intervenção a partir de materiais industriais como ferro galvanizado, aço laminado e tubos fluorescentes, utilizando “ordenações simples (progessiva, permutacional ou simétrica)”, e “suprimindo a composição relacional” como percebe Suzi Gablik (1991, p. 175). Tal austeridade formal e conceitual parece fechar a produção numa caixa minimalista fria. Mas assim como a arte conceitual e a processual encontraram diferentes caminhos paralelos à idéia de arte como questão posta por Duchamp, Oiticica abre a caixa minimalista para a sensorialidade ao dialogar com Malevitch, Mondrian, Klee, Kandinsky, tornando-os parte de seu fluxo de experiência apolínea-dionisíaca, mesclando arte-vida. Isso se processa num percurso não linear de espacialização em que constrói suas obras-proposições, intermidiáticas e abertas à participação, com o intuito utópico da libertação: do homem condicionado e da arte institucionalizada. No entanto, apesar desse caráter estar presente em todo seu processo, pode-se perceber propostas extremas que avançam para esses objetivos com grande intensidade como por exemplo: Barracão, Conglomerado, apropriações, ready-mades, performance e Contra-Bólide, pois não se deixam absorver e fixar como objetos ao prescindirem da permanência da materialidade. Até mesmo seu filme Agripina é Roma Manhattan e as instalações Quase-cinema, se considerados na definição da “reprodutibilidade técnica” como “destruidora de aura” de Walter Benjamin (1986, passim), são experiências que se afastam da unidade totêmica da obra de arte, uma vez que se constituem de imagens e materiais que podem ser reproduzidos em cópias. Cabe aqui, então, um recorte nesse grupo de obras para a observação mais próxima de algumas dessas que negam a permanência material como: Barracão, com a proposta de 93 aproximação arte e vida, Manhattan Brutalista e a performance Delirium Ambulatorium que questionam a autoria e a fixação como obra pronta e institucionalizada 3.3.1 – Barracão O projeto Barracão propõe o “estado permanente inventivo” (Oiticica apud Favaretto, 1992, p.194)69 de viver o Crelazer ao transformar a moradia em obra aberta para viver o “diaa-dia como campo experimental aberto” (ibidem, p. 197)70 do comportamento individual no coletivo. Assim, a idéia era que esse espaço de convivência criativa ocorresse dentro de uma estrutura orgânica, sem divisões, aproximando a estrutura num todo “corpo-ambiente” (Oiticica apud Jacques, 2003, p.123)71 para que não houvesse fragmentação em “estruturas pré-condicionadas”. Por isso, essa proposição da casa-total tem como base a moradia da favela, assemelhando-se pelo caráter orgânico das partes internas entre si e com o externo. Portanto, “o objetivo seria o de construir uma casa em madeira como as das favelas, onde as pessoas a sentiriam como se fosse o lugar delas, talvez nas montanhas perto daqui, onde o meu grupo iria para fazer coisas, conversar, conhecer pessoas” (Oiticica, 1996 b, p.135)72 . Dessa forma, esse grupo não se constituiria com a intenção de criar obras especificamente, mas sim formar um “núcleo de experimentações- limite” (Oiticica apud Favaretto, 1992, p. 197)73 Porém, apesar desse projeto não ter se concretizado, sua idéia-semente como proposta de viver na obra em estado permanente criativo se realiza em diferentes momentos e, mais claramente, em seus apartamentos em Nova York, transformados em Ninhos entre 1970 e 1978. Mesmo morando sozinho e não tendo montado o esperado grupo, eram constantes as visitas em que foram geradas entrevistas para os Heliotapes e fotos para os quase-cinemas. Dessa forma, o projeto Barracão aproxima a arte da duração da vida como um Merzabau desmaterializado, acumulando somente vivências, experiências fluidas, permanecendo apenas no corpo de cada participante como memória, imaginação e sensação. 69 Entrevista a Ivan Cardoso Cardoso (1979). Folha de São Paulo, 16.11.1985, p. 48 (“A arte penetrável de Hélio Oiticica”). 70 Notas de HO, Folha de São Paulo, 25.01.1986, p. 52. 71 Helio Oiticica, Mundo Abrigo, publicado parcialmente no catálogo da exposição Mundo–abrigo, Galeria 110, Arte Contemporânea, Rio de Janeiro, novembro de 1989 – texto escrito em 1973. 72 Carta ao Guy Brett, 2 de abril de 1968. 73 Notas de HO, Folha de São Paulo, 25.01.1986, p. 52. 94 Alcança também, entre outras obras, essa impermanência e distanciamento do autoral, o fragmento Manhattan Brutalista que nega o objeto de arte e sua reificação pelo institucional por se constituir em um processo de apropriação sem que haja intervenção construtiva no material. 3.3.2 - Manhattan Brutalista O fragmento de asfalto Manhattan Brutalista (figura 25, f. 127) faz parte dos escombros, com outros pedaços de asfalto e pedras portuguesas de calçada, recolhidos pelo artista durante a experiência denominada por ele de “delírio ambulatório”, que consiste na “meditação conduzida pelo corpo-pé” e pela “paixão meditar-andar” (Oiticica, 1979, p. 5) sem que haja percurso e objetivo definidos a priori. Houve assim, um encontrar casual e a escolha de coletar esses pedaços de escombros da avenida Presidente Vargas, que constituem vestígios dessa experimentação relacional com a cidade do Rio de Janeiro em sua urbanidade, transformada em “labirinto topográfico da paixão delirium ambulatorial“ (ibidem). São fragmentos de uma vivência, significativos e significados pela aproximação dos campos urbano, visual-ambiental e humano, expandindo o conceito de objeto relacional, de Lygia Clark, para a experiência da urbanidade como observou Oiticica (ibidem, p. 4). A cidade do Rio de Janeiro, então, tem um significado intrínseco nesse deambular, se destacando no quadro referencial criado a partir da instalação desses escombros. Essa instalação, denominada pelo artista de “jardim transformável”, atribui referências e homenagens a Kyoto e Gaudí por serem “criadores de lugares míticos” (idem, 1978 a, p. 1). Especificamente, sobre o fragmento Manhattan Brutalista, traça paralelo formal com a ilha de Manhattan, ”pedestal da cidade de Nova Iorque” (ibidem) por guardar semelhança com o contorno da ilha. Então, instala esse conjunto de escombros no banheiro de seu estúdio da rua Carlos Góis no Leblon e coloca o título desse de Av. Pres. Vargas-Kyoto/Gaud - banheiro CG. Faz várias fotos, tornando, dessa forma, a obra acessível ao público. Todo esse processo criativo, desde o deambular, coletar até o instalar, permite várias aproximações com outras poéticas, como a da art brut, arte póvera, arte informal e performance, sem se circunscrever em nenhuma, indo além da intermídia para a interpoética. O próprio artista define o Manhattan Brutalista como “objet-semimágico-trouvé”, o que o remete ao objet trouvé surrealista. Dessa forma, considera o encontro ao acaso, mas inverte esse sentido que seria em direção à impessoalidade do artista, ao atribuir ao objeto uma 95 singularidade formal com referenciais geográficos significativos em sua biografia pessoal pois morou em Nova York - possibilitando a ligação de significados entre as duas cidades, Nova York e Rio de Janeiro. Mas essa abordagem mais autoral tem um contraponto que dilui esse individualização do objeto, é o “delírio ambulatório”: “contínua meditação dos momentos transitórios da vida-criação, das aspirações mais casualmente palpáveis” (ibidem, 1979, p. 4), para que cada um busque a sua topologia ambulatória em seu delírio pessoal. Portanto, o que está construído é a proposição, em sua imaterialidade e impessoalidade, a ser realizada de fato ou em pensamento. Mas, como há ainda a existência material da obra, numa atitude de negação total, que impossibilitaria a incorporação do seu fazer pelo mercado de arte, museu e galerias, aponta para além da apropriação de objetos: [...] pretendo estender o sentido de apropriação às coisas do mundo com que me deparo nas ruas, terrenos baldios, campos, o mundo ambiente, enfim – coisas que não seriam transportáveis, mas para as quais eu chamaria o público à participação – seria isso um golpe fatal ao conceito de museu, galeria de arte etc e ao próprio conceito de exposição – ou nós o modificamos ou continuamos na mesma. Museu é o mundo; é a experiência cotidiana: os grandes pavilhões para mostras industriais são os que ainda servem para tais manifestações: para obras que necessitem de abrigo, porque as que disso não necessitarem devem mesmo ficar nos parques, terrenos baldios da cidade, (como são bem mais belos que os pacotes tipo Aterro da Glória no Rio) – a chamada estética de jardins é uma praga que deveria acabar – os parques são bem mais belos quando abandonados porque são mais vitais [...]” (Oiticica,1986, p.79) Essa experiência pode ser encontrada em seu Bólide Lata74 que também está relacionado a este deambular. Posteriormente, com a performance Delirium Ambulatorium, potencializa essa transitoriedade do acontecimento em ato relacional pessoal e topográfico, mas circunscreve, pelo planejamento, os acontecimentos, o que faz conter mais previsibilidade e menos acasos, como será possível observar a seguir. 74 vide f. 21 do cap I. 96 3.3.3 - Delirium Ambulatorium A performance Delirium Ambulatorium (figura 26, f. 127) parte da proposta do Ivald Granato de poetizar o urbano com a junção de diversas performances individuais que formariam um todo, unidas por esse intuito de mitificar/desmitificar ao fazer/desfazer os cotidianos andar nas ruas e colher fragmentos “tokens” que são o “pé calçado, pronto para o delirium ambulatorium renovado de cada dia” (Oiticica, 1978 b, p.2), são “mitos vadios”, “vazio pleno” (ibidem). Assim, Oiticica propõe, em sua performance participativa, um caminhar “não linear” que incluiria “coisas fazer”: capa- faixa de murim para ser enrolada nos diversos corpos; “fragmentos-tokens” do Rio de Janeiro como “samples” de asfalto da avenida Presidente Vargas, terra do morro da Mangueira, água da praia de Ipanema, pequenos objetos de bazares da rua Larga. Isso aconteceria dentro do evento Mitos Vadios, em que, segundo o planejamento descrito em carta por Oiticica, a performance inaugural seria assim: Ivald Granato vai descer no estacionamento de helicóptero, vestido de Ciccillo Matarazzo (numa performance de My name is not Ciccillo Matarazzo) ao meio dia: será recebido por Hélio Oiticica que estará dançando ao som dos Rolling Stones, Miss You (Hélio vai eleger os Stones como Monumento ao Vadio ): Aracipeipe (nome de guerra da vanguardista Ligia Pape) receberá Granato como embaixatriz dos Stones e rolará no chão numa área de frestas (sic) um cascalho redondo em homenagem aos Stones (a rolling stone for the Rolling Stones): a dança de Hélio vai ser com um sapato de cafetão black da Washington Square e de sunga de praia com cabeleira de Escola de Samba verde de nylon [...] (Oiticica, 1978 c, p. 1). Dessa forma, o evento e a performance criam, na definição de Cohen (1989) para performance, um “topos de experimentação” coletiva e participativa em que, apesar de se desenvolverem cenicamente, não têm uma atuação teatral, pois pretendem privilegiar o discurso do corpo em confluência com os múltiplos canais de percepção (sonoros, visuais, táteis) e imagéticos, para que seja percebido em si, no seu tempo interno da experiência com o subjetivo e com o primitivo dos gestos ressemantizados, míticos, lúdicos e, ao mesmo tempo, cotidianos, uma vez que “o corpo aspira escapar da sujeição ao discurso, que é um prolongamento da sujeição ao olho. Não somos criaturas falantes ou visuais: somos de carne e sangue” (Berguer apud Glusberg, 1987) 97 Portanto, essa materialização do corpo presentifica o sujeito no espaço e tempo liberados do ilusionismo do teatro tradicional que tem como base o texto narrativo, a representação por personagem e a encenação em palco italiano. Na performance, o texto é não narrativo, se constituindo de som, imagem e movimento, por isso, o artista participa como mais um elemento, não como personagem que representa mas persona que se apresenta, construído de fora para dentro em sua forma, energia e roupa. O espaço e tempo constitutivos são os multidimensionais das áreas abertas, comuns, próximas do público, sem delimitações rígidas de começo, meio e fim, o que faz se estenderem em indeterminações. Assim, o acaso é englobado pela estrutura flexível da performance. No entanto, para que haja fluência de todos seus fatores integrativos, que incluem a participação e, portanto, a relação com os outros, consigo e com o ambiente, é indispensável à consciência de si para “governar a nave”, como percebe Glusberg (1987). Assumidos os riscos, essa abertura para o acaso no cerne da poética da performance possibilita seu caráter experimental, tanto no campo pessoal quanto no relacional no que diz respeito ao público e ao meio artístico. Isso é reforçado pelo seu não compromisso com a mídia e com o profissionalismo que são fatores que contribuem para a estagnação e isolamento da arte na relação arte e vida. Por todos esses motivos, a performance, como manifestação da live art, pode ser um laboratório de criação, “nutridora” (Cohen,1989) das outras artes. Ampliada para a peformance, a definição das intenções de Artaud (Glusberg, 1987) em relação ao teatro, esta permite “uma criação total, onde o homem possa assumir sua posição entre o sonho e a realidade”, aproximar arte e vida ao atuar pelo dionisíaco. Esse mesmo posicionamento, assumido mais radicalmente na performance, Hélio Oiticica busca em seu fazer artístico que, por ser experimental, aberto e participativo, não se deixa apreender e fixar pelo institucional e profissionalismo, pois, como advertiu Allan Kaprow, “[p]ara escapar das armadilhas que a arte prepara, não é suficiente ser contra os museus ou deixar de produzir objetos vendáveis, o artista do futuro deve aprender a escapar de sua própria profissão.” (Kaprow, 1976, p. 34). 98 4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o intuito de desenvolver questões como essas observadas por Oiticica, foram selecionadas, nessa dissertação, alguns pontos de discussão importantes para sua poética, tendo como base, além de suas obras, seus próprios textos: especificamente, o Esquema Geral da Nova Objetividade, as coletâneas de textos no livro Aspiro ao Grande Labirinto e no catálogo Hélio Oiticica da Rio Arte e textos disponíveis na internet pelo Programa Hélio Oiticica do Itaú Cultural. Então, a partir do diálogo entre textos e obras foram colocadas em paralelo as seguintes questões e obras: a inter-relação e a tendência ao objeto nos Metaesquemas, Invenções, Relevos Neoconcretos, Bilaterais e Relevos Espaciais; a participação nos Bólides, Núcleos, Penetráveis, Parangolés e Ninhos; a vontade construtiva da antropofágica Tropicália; o descondicionamento proposto no Éden e, por fim, a utopia da antiarte na não institucionalização pretendida no Barracão, na Manhattan Brutalista e no Delirium Ambulatorium. No decorrer dessa análise, pôde-se perceber o quanto que, o fato de sua poética ser experimental, aberta e possibilitadora da participação, tensiona a relação direta público e obra que se modificam mutuamente. Isso porque, como observa Oiticica: [...] Não existe ‘arte experimental’, mas o experimental que não só assume a idéia da modernidade e vanguarda, mas também a transformação radical no campo dos conceitos-valores vigentes: é algo que propõe transformações no comportamento contexto, que deglute e dissolve a convi-conivência. No Brasil, portanto, uma posição crítica universal permanente e o experimental são elementos construtivos. Tudo o mais é diluição na diarréia. (Oiticica, 1996 b, p. 20) 75 Assim, Oiticica pretende sensibilizar para a importância da consciência de si e da descoberta da criatividade que contribuiriam para o descondicionamento e a liberdade interior. Mas isso deve ser visto como proposta utópica, ideal que guia o caminhar, pois essas proposições, por não estarem encerradas dentro das obras, são colocadas para que os participantes as levem dentro de si como vivências ampliadas no cotidiano. Por isso, propõe a participação do público como necessidade de modificação de consciências e busca da liberdade. Assim também questiona a relação arte e sociedade através da antropofágica vontade construtiva e da antiarte que se opõe à institucionalização. 75 Brasil Diarréia, In: Arte Brasileira Hoje, Rio de Janeiro, 1973 99 Isso dentro de um processo criativo experimental que não se constrói em avanços e recuos, pois é não linear, mas com ênfases em determinadas questões que são recolocadas como afirma aqui: Quero criar uma linguagem, não importa por que meios ou como: se planejo cinema-experiência e uma idéia para peça experiência -participação, tudo é a continuação das experiências plásticas; agora, as transformações que se davam, mais formalmente, num nível plástico, mais linearmente (menos linear do que se poderia supor, no entanto), estão se processando num nível, a meu ver, maior e mais fundamental: sinto uma liberdade interior fantástica, uma falta de compromisso formal absoluto; não existe mais a preocupação de criar algo que evolua numa linha daqui para ali: creio que a maior ambição seja a de procurar uma forma de conhecimento, ou formas de conhecimento, por atos espontâneos da cria ção; por isso, bolei a experiência -cinema Nitrobenzol & black linoleum, a experiência peça Variedades, os contos que escrevo, os autos, as capas feitas no corpo por grupos em comunidades ou na rua etc; a necessidade de inventar é, agora, algo livre, solto das amarras da invenção de ordem esteticista: inventar é criar, viver [...] (Oiticica apud Favaretto, 1992, p. 211).76 Dessa forma foi possível que se realizasse, ao mesmo tempo, obras de um desprendimento matérico e autoral e outras obras que envolviam rigorosos planejamento e construção. Nesse âmbito, pode-se comparar suas propostas de apropriações com obras que envolvem projetos. Por exemplo “uma obra perdida, solta displicentemente, para ser ‘achada’ pelos passantes, ficantes e descuidistas, do Campo de Santana, no centro do Rio de Janeiro [...]” (Oiticica,1986, p. 79) ou ainda, a denominação como obra de uma lata de óleo sinalizadora, queimando na escuridão (Bólide Lata em 1966), encontrada ao acaso são propostas no mesmo período em que estava criando obras como Tropicália com sua estrutura arquitetônica detalhada em projeto e elaborada em planta-baixa. Outros que ilustram esse processo que inclui, dentro de uma mesma poética, fazeres diferentes, são os Penetráveis Rijanviera (1979) e o Invenção da Luz (1978-80), que possuem forte presença da sensorialidade, contrastando com os efêmeros e secos Manhattan Brutalista (1978) e ContraBólide (1979). Diante dessa poética rizomática que não se deixa apreender em tronco, pode-se perceber a aproximação arte e vida como a sua utopia maior que conduz o seu fazer, ou ainda, “que a vida, em si mesma, é o seguimento de toda experiência estética, como uma totalidade”... (Oiticica, 1996 b, p.135)77 . 76 77 In: Arte em Revista no 7, 1983, pp. 43-44. Carta ao Guy Brett, 2 de abril de 1968 100 Por isso que o “delírio ambulatório”, do andar sem propósito, buscando a si mesmo, sintetiza sua poética, desde o criar como idéia até a participação do público que refaz a sua experiência inicial, invenção geradora da obra que Oiticica define assim: O delírio ambulatório é um delírio concreto. Quando eu ando ou proponho que as pessoas andem dentro de um penetrável com areia e pedrinhas, estou sintetizando a minha experiência da descoberta da rua através do andar, do espaço urbano através do detalhe do andar, do detalhe síntese do andar. [...] Todos os pedaços do Rio de Janeiro têm, para mim, um significado concreto e vivo, um significado que gera essa coisa que eu chamo de delírio concreto [...] (Oiticica apud Favaretto, p. 224).78 Portanto, para essa poética do movimento, o corpo ativo, em movimento e em pensamento participativo, torna-se o eixo de seu experimentar criador, pois, como afirma Thérèse Bertherat: [...] “nosso modo de viver o corpo é a base de nosso modo de viver no mundo.”[...](1981, p. 60). Então, como suas obras são propostas de movimentos interiores e exteriores que colocam vida e arte no mesmo espaço, torna-se um desafio a tentativa de conservação de suas obras, pois essas permitem serem fixadas somente em sua materialidade, uma vez que o movimento da participação não pode ser congelado em museu. Jacques aponta nessa mesma direção ao traçar um paralelo entre a urbanização das favelas e a obra de Oiticica: [...] é preciso pensar em conservar a noção de participação e, ao mesmo tempo, conservar os espaços em movimento79 . A idéia é paradoxal: como é possível conservar o que se move, patrimonializar o movimento? Voltamos a Bergson, ou seja, à idéia de que o movimento no espaço só pode ser conservado se não for dividido, cortado como o próprio espaço. Em outros termos, só se pode conservar o movimento se deixarmos, justamente, que ele se movimente. Isso nos leva a pensar na noção de patrimônio de outra forma que não a da consolidação cultural dentro de uma lógica conservadora de museificação. O próprio movimento pode ser proposto como patrimônio a ser conservado. [...] Ou seja, o que se deveria pretender preservar é a participação ativa do habitante/cidadão na construção do seu próprio espaço/cidade, como ocorre nos diferentes níveis nos espaços-movimento (Jacques, 2003, p. 150). Essa proposta da obra-participação é o principal ponto que dificulta a relação entre apropriações de obras contemporâneas pela instituição sem que haja distanciamento da 78 Entrevista de HO a Ivan Cardoso(1979). Folha de São Paulo, 16.11.1985, p. 48 (A arte penetrável de Hélio Oiticica). 79 A possibilidade de um espaço-movimento nasce dessa tese “bergsonista”, ligada à existência de espaços que estão em movimento, em transformações contínuas, em eternos des locamentos, em suma, espaços em fuga. O espaço-movimento não seria mais ligado somente ao próprio espaço físico, mas, sobretudo, ao movimento do percurso, à experiência de percorrê-lo, o que é da ordem do vivido e, simultaneamente, ao movimento do próprio espaço em transformação, o que é da ordem do vivido. Diante disso, só podemos considerar a favela como um espaço-movimento. (Jacques, 2003, p.149). 101 poética do artista. No caso de Oiticica, não ocorre diferente: os conceitos museológicos de conservação entram em conflito com o que o artista vinha traçando em seu percurso poético na concepção de obra aberta e participativa, que busca, na proposta da antiarte, a negação do sistema de arte. Posição que enfatiza em carta para Lygia Clark: A idéia de objeto de arte vendável é coisa do passado [...] quero um novo comportamento integral, que exclua toda sorte de idéia corrupta, da pequenês do mundo de arte, classe social, diferenças, [...] quero uma transformação total das coisas, fundamentada no comportamento individual [...] (Oiticica, 1996 a, p. 102-103) O posicionamento de Oiticica de não “mercadificação” de suas obras aliado a não incorporação dessas pela instituição colaborou para que se mantivesse coerente com sua dinâmica experimental e com a procura de aproximação da arte e vida. Mas após a interrupção da carreira de Hélio Oiticica (1937-1980) pelo seu falecimento, a permanência de sua obra passa a depender de outros que se encarreguem de divulgar, expor e problematizá- la, para que, inserida na história da arte, continue a dialogar com o público. Por isso, o conjunto de obras e propostas poéticas de Oiticica, assim como várias obras contemporâneas, vivem o paradoxo da necessidade da institucionalização e o perigo da perda da intencionalidade das obras por um processo de “mercadificação” e “museificação” convencional. Sendo que, obras que se constituem através da participação, como as de Hélio Oiticica, perdem diretamente seu significado se este componente da poética não for atendido. Portanto, as obras contemporâneas desafiam o institucional, exigindo que sejam reformulados seus conceitos e atuações. Por isso, é preciso refazer a pergunta de Fernanda Pequeno (2003, p.198): É possível que os atos criativos de Hélio Oiticica sejam inseridos no discurso histórico institucional sem que sua poética seja comprometida? Isso porque o mercado adere às obras um valor de troca que se desprende do valor estético e torna Oiticica uma marca a ser comercializada. Já o espírito museológico atribui outras questões, igualmente refutadas por Oiticica, aos seus trabalhos: expõe os “originais” como uma peça a ser contemplada, impedindo a interação, assim altera os significados primordiais das propostas de: participação do público numa obra aberta, coletiva e antiartísticas. Oiticica tinha como parte de seu processo o posicionamento à margem da sociedade, a identificação com grupos populares que significava mais uma forma de aproximação arte e vida, e tinha a adversidade e o heroísmo marginal como motor e bandeira. Contrária a esse esforço proble matizador, a institucionalização leva seu trabalho para a passividade da unanimidade da aceitação inquestionada, leva à experimentação de suas 102 propostas, não como Crelazer e Suprasensorial80 , mas como lazer alienado, sem interiorização. Por isso, “seu trabalho corre o risco de tornar-se fonte de uma normatividade paradoxal. Daí que seja imprescindível restituir a ele um ponto de vista exterior, que percorra seu labirinto sem mimetizá- lo.” (Ramos, 2001, p.4). Estas questões, explicitadas acima, por Fernanda Pequeno, Nuno Ramos e Paola B. Jacques, permeiam os objetivos desta dissertação, pois acredita-se, aqui, que a não normatização e a não institucionalização passam pela observação da obra de Oiticica como um todo que se constitui em participação, objeto artístico e textos criados por ele sobre sua poética. Assim, ao escrever essa dissertação, tenho como referência a construção de seus textos sobre suas obras como parte do processo criativo na concepção do objeto artístico e de seu pensamento reflexivo. Por isso, colocando essa preocupação diante da crescente institucionalização das obras de Hélio Oiticica e do interesse em se entrar novamente em contato com as suas obras, surge a necessidade de algumas perguntas para que sejam revistas a relação obra-poética-públicosistema: As questões explicitadas por ele em seu texto Esquema Geral da Nova Objetividade (1967) e presentes em suas obras, encontram ressonância na sociedade contemporânea ? Quais as dificuldades que o contexto contemporâneo impõe às propostas da Nova Objetividade relativa às suas obras? É possível pensar, hoje, a apropriação das obras de Oiticica segundo suas propostas? As propostas de Oiticica são atuais ? A poética de Oiticica dialoga com a atualidade ? Pode-se afirmar que “toda obra de arte é contemporânea”, pois é atualizada pelo olhar da época em que é vista. Porém, algumas obras de outras épocas se inserem ainda nas questões que são levantadas pela atualidade, ou, entrando em confronto com o atual, trazem contribuições possibilitando uma visão crítica. Isso pode ser percebido na poética de Oiticica. 80 Conceitos criados por Hélio Oiticica em 1969 que definem a sua intenção ao produzir obras abertas, a partir dos Penetráveis que valorizam a participação vivencial do público, elaborando, através do sensorial, a consciência de si e “valores verdadeiros” proporcionados pelo deslocamento do campo habitual. APÊNDICE I FORMAÇÃO E ATIVIDADE ARTÍSTICA Helio Oiticica nasce em 26 de julho de 1937 no Rio de Janeiro, onde desenvolve maior parte de sua atividade artística. No entanto, reside e atua no exterior entre 1969 e 1978, dividindo sua formação geral e artística entre exterior e Brasil. Retorna ao seu país em 1978 e em 22 de março 1980 vem a falecer de hemorragia cerebral. FORMAÇÃO ARTÍSTICA 1954 - Estuda pintura com Ivan Serpa no MAM/RJ (Rio de Janeiro, RJ). 1970 - Bolsa de estudo da Fundação Guggenheim (Nova York, Estados Unidos). FORMAÇÃO GERAL 1937/1947 - É educado pela mãe, Ângela Oiticica, até os 10 anos, pois seu pai é contra o sistema educacional vigente (Rio de Janeiro, RJ). 1947/1950 – Estuda no Thompson School (Washington, Estados Unidos). 104 ATIVIDADES OUTRAS 1964 - Torna-se passista da escola de samba Estação Primeira de Mangueira (Rio de Janeiro RJ). 1965/1967 - Trabalha como telegrafista na Companhia de Rádio Internacional do Brasil (Rio de Janeiro RJ). ATIVIDADES ARTÍSTICAS 1952 TEXTO A partir deste ano, escreve peças para teatro (Rio de Janeiro, RJ). 1954 EXPOSIÇÃO I Exposição do Grupo Frente81 , na Galeria Ibeu Copacabana (Rio de Janeiro, RJ). FORMAÇÃO –Inicia seus estudos de pintura com Ivan Serpa no MAM-RJ (Rio de Janeiro, RJ). 1955 EXPOSIÇÃO II Exposição do Grupo Frente no MAM-RJ, com apresentação de Mário Pedrosa (Rio de Janeiro, RJ). GRUPOS ARTÍSTICOS - Integra Grupo Frente, liderado por Ivan Serpa (Rio de Janeiro, RJ). 81 Hélio Oiticica não participou desta exposição. 105 1956 EXPOSIÇÃO – III Exposição do Grupo Frente no Itatiaia Country Club. (Resende, RJ). – IV Exposição do Grupo Frente, na CSN (Volta Redonda, RJ). – 1a Exposição Nacional de Arte Concreta no MAM-SP (São Paulo, SP). - Pintura Brasilenã Contemporânea no Instituto de Cultura Uruguayo-Brasileño – (Montevidéu, Uruguai). GRUPO ARTÍSTICO Desfaz-se o Grupo Frente (Rio de Janeiro, RJ). 1957 EXPOSIÇÃO –Arte Moderna no Brasil no Museu Nacional de Belas Artes. (Buenos Aires, Argentina). - V Bienal Internacional de São Paulo, no MAM (São Paulo, SP). OBRA Inicia a produção dos Metaesquemas que se prolongará até 1978. 1959 EXPOSIÇÃO – IV Bienal Internacional de São Paulo no MAM (São Paulo, SP). - Exposição de Arte Neoconcreta (Salvador, BA). - I Exposição Nacional de Arte Neoconcreta, no MAM (Rio de Janeiro, RJ). - Arte Moderna en Brasil: Esculturas, Pinturas, Dibujos e Grabados, no Museu Nacional de Belas Artes (Buenos Aires, Argentina). OBRA 1 -Invenções ou Monocromáticos, 2 - Telas Brancas, 3 - Relevos, 4 -Bilaterais e 5 – Relevos Espaciais. 82 82 Estas são as primeiras experiências de transição da tela para o espaço ambiental. 106 1959 GRUPO ARTÍSTICO - Adesão ao Grupo Neoconcreto (Rio de Janeiro, RJ). 1960 EXPOSIÇÃO –Konkrete Kunst ou Exposição Internacional de Arte Concreta organizada por Max Bill (Zurique, Suíça). –IX Salão Nacional de Arte Moderna, no MAM/RJ (Rio de Janeiro, RJ). - II Exposição Neoconcreta, participa com os Bilaterais e Relevos Espaciais no Ministério da Educação e Cultura. (Rio de Janeiro, RJ). TEXTO Publicação de seu texto Cor, tempo e estrutura no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. OBRA Criação e realização do seu primeiro Penetrável, o PN1. 1961 EXPOSIÇÃO –Participação com a maquete Projeto Cães de Caça no MAM 83 –III Exposição de arte Neoconcreta no MAM (São Paulo, SP). 1963 OBRA -Produção do 1º Bólide, o B1 (estrutura manipulável). 83 O projeto compreende cinco Penetráveis, o Poema Enterrado de Ferreira Gullar e o Teatro Integral de Reynaldo Jardim (Rio de Janeiro, RJ). 107 1964 OBRA Primeiros Parangolés, composto por tendas, estandartes, bandeiras e capas. 1965 EXPOSIÇÃO VIII Bienal de São Paulo (São Paulo – SP). EVENTO Opinião 65, exposição coletiva, em que Oiticica inaugura os Parangolés capas, tendas e bandeiras.84 TEXTO Bases Fundamentais para uma definição do Parangolé, para a exposição Opinião 65 no MAM-RJ. 1966 EXPOSIÇÃO –1ª Bienal Nacional de Artes Plásticas - prêmio especial de pesquisa (Salvador, BA). - Proposta 66 na Faap (São Paulo, SP). –Vanguarda Brasileira na UFMG (Belo Horizonte, MG). - Na Galeria G4, expõe a obra Manifestação Ambiental no 1 85 (Rio de Janeiro, RJ). – Coletiva na Galeria Atrium, participa com texto de Mário Schemberg, (São Paulo, SP). - Opinião 66, coletiva em que apresenta o projeto de apropriação Sala de Bilhar no - MAM.(Rio de Janeiro, RJ). 1967 EXPOSIÇÃO 84 Isso com a presença de integrantes da escola de samba Estação Primeira de Mangueira usando os Parangolés em manifestação pública no MAM. Mas o grupo é expulso do museu e realiza manifestação coletiva com Parangolés na frente do mesmo (Rio de Janeiro, RJ). 85 Fusão de Núcleos, Bólides e Relevos. 108 - Individual na Signals Gallery (Londres, Inglaterra). - Nova Objetividade Brasileira em que participa com Tropicália no MAM, - (Rio de Janeiro, RJ). –IV Salão de Arte Moderna no Teatro Nacional de Brasília, participa com os Bólides-Sacos e apresenta suas propostas Suprasensoriais. (Brasília, DF). - IX Bienal de Tóquio (Japão). 1967 EXPOSIÇÃO –V Bienal de Paris (França). - Bienal de Artes Plásticas da Bahia, participa com a Manifestação Ambiental no 2. EVENTO Manifestação coletiva com Parangolés capas, poemas de Lygia Pape e passistas da escola de samba Estação Primeira de Mangueira. 86 (Rio de Janeiro, RJ). TEXTO -Esquema Geral da Nova Objetividade, publicado no catálogo Nova Objetividade Brasileira do MAM-RJ. -Aparecimento do Suprassensorial, GAM, Rio de Janeiro, no 13, publicado em 1968. 1968 EXPOSIÇÃO O Artista Brasileiro e a Iconografia de Massa na Esdi (Rio de Janeiro, RJ). EVENTO - Manifestação coletiva Bandeiras na Praça, do qual participa usando o estandarte Seja - Marginal, Seja Herói, no Largo General Osório em Ipanema (Rio de Janeiro, RJ). - Manifestação coletiva Apocalipopótese com os Parangolés, Ovos de Lygia Pape, Urnas - Quentes de Antonio Manuel, Dog’Act de Rogério Duarte no Aterro do Flamengo, em frente ao MAM-RJ (Rio de Janeiro, RJ). 86 Participação do público e dos artistas Pedro Es costeguy e Rubens Gerchman. no aterro do Flamengo 109 - Loucura e Cultura, debate que coordena com Rogério Duarte, no MAM. - (Rio de Janeiro, RJ). FILME Participa como ator em: O Câncer, de Glauber Rocha. (Rio de Janeiro, RJ). FILME Tem seu trabalho documentado em: - Arte pública de Sirito. - Apocalipopótese de Raimundo Amado e Leonardo Bartucci. TEXTO - Escreve o texto Tropicália, publicado no Jornal Folha de São Paulo, em 8 de janeiro de – 1984. 1969 EXPOSIÇÃO –Withechapel Experience, individual em que instala seu projeto Éden na Withechapel Gallery com curadoria de Guy Brett. (Londres, Inglaterra). -Instalação, junto com os estudantes da Sussex University, de uma segunda versão dos Ninhos, 87 (Brighton, Inglaterra). EVENTO I International Tactile Sculpture Symposium com Lygia Clark (California, Estados Unidos). CONCEITO Idealiza os conceitos de Crelazer e Suprassensorial. TEXTO - Tem seus trabalhos publicados com texto de Yve-Alain Bois, na Revista Robho, editada por Jean Clay. Paris (França). - Éden, publicado no catálogo Hélio Oiticica da Whitechapel Gallery, Londres (Inglaterra). 87 Proposta ambiental de participação coletiva iniciada com Éden 110 - Cara de cavalo, publicado no catálogo Hélio Oiticica da Whitechapel Gallery, Londres (Inglaterra). CARREIRA - É indicado artista residente na Sussex University, (Brighton, Inglaterra). 1970 EXPOSIÇÃO - Abstração Geométrica: Concretismo e Neoconcretismo na Funarte (Rio de Jane iro, RJ) – Do Corpo à Terra, no Palácio das Artes (Belo Horizonte, MG). - Information, curadoria de Kynaston Mc Shine, MOMA, com os Ninhos – (Nova York, Estados Unidos). EVENTO Ogramurbana, organizado por Luiz Otávio Pimentel, no MAM/RJ (Rio de Janeiro, RJ) TEXTO - Brasil Diarréia88 (Rio de Janeiro, RJ). -As Possibilidades do Crelazer, em Revista de Cultura Vozes, Petrópolis, 6 de agosto de - 1970. FORMAÇÃO - Ganha bolsa da fundação Guggenheim e instala-se em Nova Iorque na 2nd Avenue. – (Nova York, Estados Unidos). 1971 EXPOSIÇÃO Individual do projeto ambiental Rhodislândia: contact na Rhode Island University (Rhode Island, Estados Unidos). 88 texto só publicado em 1973. 111 TEXTO - Inicia vínculo com o Brasil através dos Heliotapes, gravações e transcrições enviadas para – as publicações - Flor do Mal, Pasquim, e para a coluna Geléia Geral de Torquato Neto, no Jornal Ùltima Hora - e assíduas correspondências com artistas e intelectuais.(Nova York, Estados Unidos). – Começa a codificar seus projetos, textos e cartas em cadernos. 1972 EXPOSIÇÃO - No MAM, participa com o projeto Filtro organizada por Carlos Vergara, - (Rio de Janeiro, RJ). – Expõe os Metaesquemas na Galeria Ralph Camargo (São Paulo, SP). EVENTO - Latin American Fair of Opinion na St. Clement's Church (Nova York, Estados Unidos). - Encontros, no qual é representado pelo artista Leandro Katz (Pamplona, Espanha). FILME Realiza seu próprio filme: -Agripina é Roma Manhattan, (Nova York, Estados Unidos). TEXTO -Publica o texto Metaesquemas 57/58. 1973 EXPOSIÇÃO Expoprojeção 73 com a série de slides, quasi-cinema, Neyrotika e o filme em super 8, Agripina é Roma-Manhattan. (São Paulo, SP). CONCEITOS - Cria o conceito de quasicinema. - Conceitua o Conglomerado, que reuniria todas as experiências contidas em Newyorkaises, 112 sua produção em Nova York. OBRA Primeiros Quasi-cinema: Block-Experiments in Cosmococa- program in progess, em parceria com Neville d’Almeida (CC1 a CC5), CC6 com Thomas Valentin, CC7 – proposta a Guy Brett e CC8 e CC9 propostas a Carlos Vergara. TEXTO Brasil Diarréia, publicado em Arte Brasileira Hoje. 1974 FILME Participa com a obra: Babylonests no filme Lágrima Pantera à Missil de Julio Bressane no apartamento de Oiticica na 2 nd Avenue (Nova York , Estados Unidos). 1975 FILME Participa como ator em: One Night on Gay Street, de Andreas Valentin (Nova York - Estados Unidos). TEXTO Cria textos sobre projetos de Penetráveis nos quais explicita sua admiração por Mick Jagger e os Rollings Stones, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Yoko Ono e Jonh Cage. 1976 EXPOSIÇÃO - Arte Brasileira no Século XX: Caminhos e Tendências, na Galeria de Arte Global - (São Paulo, SP). 1977 EXPOSIÇÃO - XIV Bienal Internacional de São Paulo, na Fundação Bienal (São Paulo, SP). - Projeto Construtivo Brasileiro na Arte: 1950-1962 na Pesp (São Paulo, SP). -Projeto Construtivo Brasileiro na Arte: 1950-1962 no MAM (Rio de Janeiro, RJ). 113 1978 EXPOSIÇÃO O Objeto na Arte: Brasil anos 60, no MAB/Faap- (São Paulo, SP). EVENTO Mitos Vadios, organizado por Ivald Granato, em que realiza performance Delirium Ambulatorium ao som dos Rollings Stones em estacionamento da Rua Augusta (São Paulo, SP). FILME Participa como ator em: Dr. Dionélio, de Ivan Cardoso (Rio de Janeiro, RJ). Participa com a obra: Penetrável Tenda-Luz no filme Gigante da América, de Julio Bressane (Rio de Janeiro, RJ). CONCEITO Conceitua o Ready Constructible no 1. TEXTO Delirium Ambulatorium para o evento Mitos Vadios. 1979 EXPOSICÃO Instala o Penetrável Rijanviera PN27 no Hotel Méridien (Rio de Janeiro, RJ). EVENTO - Manifesto Cajú, programa in progress Cajú, com a proposta de participação coletiva - (Rio de Janeiro, RJ). _Programa in progress Kleemania,89 , realizando neste evento o Contra-Bólide Devolver a 89 Isso em homenagem a Paul Klee, primeiro dos acontecimentos urbanos, para o qual convida vários artistas. 114 terra à terra (Rio de Janeiro, RJ). FILME Participa como ator em: - O Segredo da Múmia de Ivan Cardoso (Rio de Janeiro, RJ). - Uma Vez Flamengo de Ricardo Solberg (Rio de Janeiro, RJ). Participa com a obra: Contra-Bólide Devolver a terra à terra no filme Kleemania Caju de Sônia Miranda (Rio de Janeiro, RJ). Tem seu trabalho documentado em: HO de Ivan Cardoso (Rio de Janeiro, RJ). CONCEITO Conceitua seu último Penetrável Azul in Azul. 1980 EXPOSIÇÃO Homenagem a Mário Pedrosa, na Galeria Jean Boghic (Rio de Janeiro, RJ). EVENTO Esquenta pro Carnaval, 90 apresentando o Contra-Bólide n0 2 no Morro da Mangueira (Rio de Janeiro, RJ ). 90 Segundo acontecimento poético urbano. 115 APÊNDICE II C A T Á L O G O incompleto de obras de Hélio Oiticica Guache sobre cartão - 1955 Metaesquemas – 1957-1978 Seco 27, 1957 Monocromáticos ou Invenções – 1959 Telas Brancas –1959 Relevos neoconcretos – 1959 - 1960 Relevos Espaciais RE no 3 – 1960 RE no 21 – 1959-1960 Bilaterais –1959 BL, Equali, Não-Objeto,1960 Núcleo NC1, 1960 NC6,1960-63 Manifestação Ambiental NC3 NC4 - NC6, Grande Núcleo– 1960 - 68 116 MA no 1, fusão de Núcleos, Bólides e Relevos (s/d) MA no 2 (s/d) Penetráveis PN 1 1960 PN 2, A Pureza é um mito, 1967 PN 3, Imagético – 1966- 1967 PN 4, Ursa –1968 PN 5, Tenda Caetano-Gil, 1968 PN 6, Cannabiana – 1969 PN 7, Lololiana, 1968-69 PN 8, Iemanjá, 1968-69 PN 9, Homenagem à Tia Ciata, 1968-69 PN (S/no ) Gal, 1970 PN 17 Rhodislândia Contact,1971 PN 18 , Shelther Shield, dedicado à Guy Brett – 1974 (pla nta baixa) PN (S/no ) Stonia, 1974, (planta baixa) PN (S/no ) Scrambolia, 1976 (planta baixa) PN (S/no ) Cesarslide, 1976 (planta baixa) PN (S/no ) Magic Square 1, 1977 (maquete) PN 22 Magic Square 2, 1977 (maquete) PN (S/no ) Invenção da cor, Magic Square 3, 1977 (maquete) PN (S/no ) Invenção da cor, Magic Square 5, De Luxe, 1977(maquete) PN (S/no ) Invenção da Luz, 1978 –80 PN (S/no ), Invenção da Luz , 1978 - 80 (maquete) PN 27, Rijanviera, 1979 PN 28, Nas Quebradas, 1979 PN (S/no ) Invenção da cor, Magic Square 591 , De Luxe, 2001. 91 Criado em 1977, foi construído em 2001 no Museu do Açude, Rio de Janeiro . 117 Projetos Projeto cães de caça (maquete) - PN (S/no ), Teatro Integral de Reynaldo Jardim, Poema Enterrado de Ferreira Gullar–– 1961 Tropicália - PN 2 e PN 3, araras, poemas, plantas, televisão – 1967 Barracão (S/data) Éden - PN 4, PN 5 PN 6, PN 7, PN 9, Parangolés, Ninhos, Bólides, apropriações – 1969 Conglomerado ou Newyorkayses - Penetráveis, Parangoplays (performances), textos, maquetes. Newyorkayses, Subterranean Tropicália Projects - PN 10, PN 11, PN 12, PN 13 - 1971 (maquete) Newyorkayses, Subterranean Tropicália Projects - Auto-teatro - PN 15 – 1971 Newyorkayses, Subterranean Tropicália Projects - Nada - PN 16, 1971 Projeto Filtro, 1972 Bólides Caixa e Vidro B 1, Bólide Caixa 1, Cartesiano, 1963 B 2, Bólide Caixa 2, Platônico, 1963 B 3, Bólide Caixa 3, 1963 B 4, Bólide Caixa 4, 1963 B 5, Bólide Caixa 5, 1963 B 6, Bólide Caixa 6, Egípcio, 1963-64 B 7, Bólide Vidro 1, 1963 B (s/n), Bólide Caixa (s/n), Romeo and Juliet - 1963 B 8, Bólide Vidro 2, 1963-64 B 9, Bólide Caixa 7,1964 B 10, Bólide Caixa 8, 1964 B 11, Bólide Caixa 9, 1964 B 12, Bólide Vidro 3, 1964 B 13, Bólide Caixa 10, 1964 B 14, Bólide Caixa 11, 1964 118 B 15, BV 4- Terra, 1964 B 16, , Bólide Caixa 12, 1964-65 B 17, Bólide Vidro 5, Homenagem à Mondrian, 1965 B 18, Bólide Vidro 6, Metamorphosis,1965 B 19, Bólide Vidro 7, 1965 B 20, Bólide Vidro 8, 1965 B 21, Bólide Vidro 9, 1965 B 22, Bólide Vidro 10, Homenagem à Malevitch, 1965 B 23, Bólide Vidro 11, 1966 B 24, Bólide Caixa 13, 1965 B 25, Bólide Caixa 14, 1965- 1966 BCX (s/no ), Variações do Bólide Caixa 1 - 1965-66 B 26, Bólide Vidro 12, 1966 B 27, Bólide Vidro 13, 1964-66 B 28, Bólide Caixa 15, 1965- 1966 B 29, Bólide Caixa 16, 1965- 1966 B 30, Bólide Caixa 17, Poema Caixa 1, Do meu sangue/do meu suor/este amor viverá, 196566 B 31, Bólide Vidro 14, 1965-66 B 32, Bólide Vidro 15, 1966 B 33, Bólide Caixa, 18, Poema Caixa 2, Homenagem à Cara de Cavalo, 1965-66 B (s/n) Bólide Caixa 19, Apropriação 1, 1964-1966 B 44, Bólide Caixa 21, Poema Caixa 3, Porque a impossibilidade ?, 1965 – 67 B 47, Bólide Caixa 22, Poema Caixa 4, Apropriação, Mergulho do Corpo, 1967 B 48, Bólide Caixa 23, Poema Caixa 5, Do Mal, 1967 B (s/n) Bólide Caixa 24, Cara a Cara de Cavalo, 1968 Bacia BB1 - 1966 Lata Bla, Apropriação 2, 1966 Luz B 39, Bólide luz 1, Apropriação 3, Plastiscópio - 1966 119 Plástico BP (pástico)1 - 1966 Área B 54 Bólide Área 1 - 1967 B 55, Bólide Área 2 - 1967 e 1969 BA (s/no ), Área Água92 - 1970 Saco BS 2, Olfático,1967 BS 3, Capa B51,1967 B 51, Bólide Saco 4, Poema Saco 2, Contato do vivo/morto, 1966-67 B 52, Bólide Saco 4, Teu amor eu guardo aqui, 1966-67 Cama BCA 1, Suprasensorial, 1968 BCA 2, 1969 Parangolé Estandarte, Bandeira, Tenda, Capa, Faixa e Cabeleira P 1, Estandarte 1, 1964 P 2 Bandeira 1,1964 P 3, Tenda 1, 1964-65 P 4, Capa 1, 1964 P 5, Capa 2, 1965 P 6, Capa 3, Pedrosa , Homenagem a Mário Pedrosa, 1965, (desenho) P 7, Capa 4, Fernandes, Homenagem a Lygia Clark, 1965 (desenho) 92 .... Obra montada em evento Orgramurbana, MAM, Rio de Janeiro 120 P 8, Capa 5 – Homenagem à Mangueira –1965 P 9, Estandarte 2, 1965 P 10, Capa 6 – Sou o mascote do Parangolé, mosquito da Mangueira - 1965 P 11, Capa 7 –Sexo, violência, é isso que me agrada –1966 (Capa Poema) P 12, Capa 8, Capa da Liberdade, 1966 P 13, Capa 9, Cuidado com o Tigre, 1966 P 14, Capa 10, De tua pele Brota a umidade, o gosto da terra, o calor, 1966-67 (Capa Poema) P 15, Capa 11, Da adversidade Vivemos, 1967 (Capa Protesto) P 16, Capa 12 Estou Possuído, 1964 (Capa Poema) P 17, Capa 13, Incorporo a revolta, 1966 (Capa Protesto) P 18 Capa 14, Estamos Famintos, 1967 (Capa Protesto) P 19, Capa15, Guevarcália -, 1968 (in memorian Guevara) P 20, Capa 16, Gileasa, 1968 (homenagem a Gil) P 21, Capa 17, Nirvana,1968 P 22, Capa 18, Caetelesvelásia, 1968 P 23, Capa 19, Xoxôba, Homenagem à Nininha da Mangueira –1968 P 24,Capa 20, Primária, 1968 P 25, Capa 21, Guevaluta baby 1968 (homenagem a José Celso Martinez) P 26, Faixa 1, Eu sou pedra 90, 1967 P27, Cabeleira 1, Apropriação, 1968 P (s/no ), Estandarte (s/no ), Seja Marginal, seja Herói, 1968 P 30, Capa 23, M Way ke , 1972 (homenagem a Haroldo de Campos) P 31, Capa 24, Escrerbuto, 1972 P 32, Capa 25 , 1972 P (s/n), Capa 26 , 1972 P (s/no ), Capa 30 (s/d), 1972 P (s/no ), Capa (s/no ) Noblau (s/d), 1979 P (s/no ), Capa (s/no ) Porque impossibilidade, crime, existência na busca, a busca da felicidade,S/d Bandeira P (s/no ), Bandeira (s/no ), Liberdade, S/d 121 Cabeça P (s/no ), Parangolé de Cabeça, Gimme Head, 1976 (desenho) P (s/no ), Something Fa the Head 1, para Caetano Veloso, 1974 (desenho) P (s/no ), Something Fa the Head 2, 1974 (desenho) Ninho Ninho, (s/nome),1969-70 93 Ninho, Babylonests94 , 1970-74 Ninho, Hendrixsts95 , 1974-78 Apropriação AP(s/n), Mesa de Bilhar, d ápres Café Noturno de Van Gogh, 1966 AP 2, Bólide Lata, 1966 AP (s/n), Topological ready-made Landscape no 2, 1978 AP (s/n), Topological ready-made Landscape no 3, Homenagem a Boccioni, 1978 AP (s/n), New Topological ready-made Landscape no 4, Homenagem a Lygia Clark, 1978 AP (s/n), Ready Constructible no 1, 1978-79 AP (s/n), Avenida Presidente Vargas-Kyoto Gaudí, objeto semi- mágico-trouvé, 1978 AP (s/n), Manhattan Brutalista, objeto-semimágico-trouvé, 1978 Filme Agripina é Roma Manhattan, 1972 Quasi-cinema CC1,CC2,CC3,CC4,CC5 –Série Block Experiments in Cosmococca, 1973 CC1, Trashiscapes, 1973 CC2, Ono Object, 1973 CC3, Maileryn, 1973 CC4, Nocagions, 1973 CC5 Hendrix War,1973 CC6, Coke Head’s Soup, 1973 93 94 Obra montada durante a exposição Éden na Withechapel Gallery, Londres, Inglaterra Obra montada no apartamento na 2nd Avenuue, Nova York 95 Obra montada no apartamento na Christopher Street, Nova York 122 CC9, Cocaoculta: Renô Gone, 1973 CC6, CC7, CC8, CC9, 1973 QC, Helena inventa Angela Maria,1975 Performance Delirium Ambulatorium96 , 1978 Contra-Bólide CB, Devolver a terra à terra, 1979 CB, A tua na minha97 , 1980 96 Realizada durante o evento Mitos Vadios, São Paulo 97 Obra montada no evento Esquenta pro Carnaval 1 Guache – Sem título, Guache sobre cartão, 1955. 2 Guache – Grupo Frente, Guache sobre cartão, 1955 3 Metaesquema– guache sobre cartão, 1958 4 Metaesquema – guache sobre cartão, 1958 5 Metaesquema – guache sobre cartão, 1958 6 Monocromáticos ou Invenções, 1959 7 Relevos Neoconcretos, óleo sobre madeira 8 Bilaterais, óleo sobre madeira, 1959 9 Relevo Espacial, óleo sobre madeira, 1959 10 Grandes Núcleos, 1960-63 11 Penetrável Invenção da Luz, 1978-80 12 Projeto Cães de Caça, 1961. 13 Bólide Vidro – BV 4 – Terra - 1964 14 Bólide Caixa 9, 1964 15 Bólide Área 1 e 2, 1969 16 Bólide Caixa 22– Mergulho do Corpo,1966-67 17 B 33 Bólide Caixa 18 – Poema caixa 2, homenagem ao Cara de Cavalo - 1965-66. 18 Parangolé P2, Bandeira 1, 1964 19 Parangolé P4, Capa 1, 1964 20 Parangolé Tenda 1, 1964 21 Parangolé Estandarte. Seja Marginal, seja herói, 1968 22 Ninhos 1969-70 23 Tropicália, 1967. 24 Éden (planta-baixa), 1969 25 Manhattan Brutalista, pedaço de asfalto, 1978. 26 Delirium Ambulatorium, performance, 1978. Bibliografia: ALENCAR, Eunice M. L. Soriano. de Psicologia da criatividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. ANDRADE, Oswald de. A utopia antropofágica. São Paulo: Globo, 1990. ARGAN, Giulio C.. Arte Moderna: do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BATTCOCK, Gregory (org.). A Nova Arte, São Paulo: Perspectiva, 1986. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In:______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura, São Paulo: Brasiliense, 1986. BERTHERAT, Thérèse. O correio do corpo: novas vias da antiginástica. São Paulo: Martins Fontes, 1981. BRETT, Guy. O exercício experimental da liberdade. 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