UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
Centro de Artes
Curso de Dança Licenciatura
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Danças tradicionais gaúchas: (de) compondo sua movimentação
Karen Domingues Rodrigues
Pelotas, 2016
Danças tradicionais gaúchas: (de) compondo sua movimentação
Trabalho de Conclusão de Curso, requisito parcial para
obtenção do grau de Licenciado em Dança, na Universidade
Federal de Pelotas, sob a orientação da Professora Carmen
Anita Hoffmann.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Carmen Anita Hoffmann
Pelotas, julho de 2016
Karen Domingues Rodrigues
Danças tradicionais gaúchas: (de) compondo sua movimentação
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Dança – Licenciatura,
como requisito parcial, para obtenção do grau de Licenciada em Dança,
Universidade Federal de Pelotas.
Data da defesa: 07 de Julho de 2016
Banca Examinadora:
......................................................................
Profª. Drª. Carmen Anita Hoffmann – Orientadora
Doutora em História
.......................................................................
Prof. Dr. Thiago Silva de Amorim Jesus - Avaliador
Doutor em Ciências da Linguagem
.........................................................................
Profª Mscª Débora Souto Allemand - Avaliadora
Mestra em Arquitetura e Urbanismo
AGRADECIMENTOS
Ao cara lá de cima, aos seres de luz que me guiaram e guiam a cada
momento, ao Dr. Tanaka..
Pra você Mãe que batalhou, persistiu, foi carinhosa, foi brigona, mas que
acreditou em mim apoiou e me ajudou a ser quem sou...Te Amo tanto
Para o meu pai, que é discreto, sério e também brincalhão... Amo-te véio
e eu sempre ficava muito feliz quando te via na Rodoviária a cada volta pra casa...
Pro meu irmão, por ser critico, chato, birrento e principalmente por ser
quem é... tuas palavras sempre me fizeram pensar, e agradeço por cada situação de
dúvidas e perguntas que me possibilitou...Amo tu e amo a Bel, minha cunhada, que
chegou para alegrar e encher nossas vidas de risadas e comidas deliciosas.
Pra ti mana, meu fedor, minha anja, meu porto seguro, minha parceira,
confidente, só minha, agradeço por você existir, agradeço pelas palavras de
incentivo quando quis desistir, quando errei, quando tive medo...
Ao Marcel Ávila, meu companheiro, agradeço pela paciência e dedicação
nestes longos meses juntos...;
À Familia Campos Ávila e Daniel Botelho, por serem a minha segunda
família na cidade de Pelotas... ;
Aos amigos que Pelotas me presenteou, alguns daqui, outros não; sou
grata por ter vivido com vocês cada momento...
Aos amigos que a Dança me deu, poderia escrever páginas com o nome
de cada um de vocês, mas quero somente agradecer as palavras, a companhia, os
puxões de orelha, os momentos lindos e dançantes que tivemos, as risadas e
trabalhos juntos. Cada colega teve sua participação especial, e levarei todos no
coração;
Aos Professores, quanta gente linda, quantos pensamentos, gratidão por
ter tido aula com Thiago Amorim, Daniela Aquino, Carla Vendramim, Silvia Wolff,
Eleonora Santos, Rochele Porto, Taís Ferreira, Paulo Gaiger, Alexandra Dias, Flávia
Nascimento, Josiane Franken, Maria Falkembach e Carminha, cada um de vocês
deixou marcas que nunca vão se apagar;
À Abambaé Cia de Danças Brasileiras, por me apresentar cada canto do
Brasil, e fazer eu me apaixonar pela nossa América Latina;
Ao Curso de Dança Licenciatura da Universidade Federal de Pelotas, Ao
Centro de Artes (Ursula Rosa), aqui fica o meu grande agradecimento pelas
oportunidades, pelas bolsas que fiz parte, e principalmente pelo espaço que ocupei
e que vão fazer com que eu leve vocês para muitos espaços que ainda irei ocupar...
E por último, e não menos importante... À minha orientadora, Professora,
Mãe de todos e Amiga Carmen Anita Hoffmann (Vulgo minha véia), agradeço como
aluna do curso e admiradora por ter vindo fazer parte deste nosso mundo louco e
cheio de tarefas, você veio para nos mostrar que existe amizade entre Professor e
Aluno, veio principalmente para dividir toda tua experiência, dedicação e linda
história com a Dança no Rio Grande do Sul... Que orgulho, que felicidade, que sorte
ter você por perto;
E não veio sozinha, trouxe o Véio (Norberto Hoffmann) para somar e
dividir suas histórias e fotos... Gracias pela paciência, persistência e por dividir
comigo tanta sabedoria...
Figura 1: Aula na UCPel – Pedagogia III 2013/Foto Marcel Ávila/ Acervo pessoal da autora
RESUMO
O presente trabalho aborda, como tema central, as danças tradicionais do Rio
Grande do Sul, a partir da contextualização de alguns aspectos históricos da
formação sociocultural do Rio Grande do Sul - o processo de invenção do
gauchismo -, bem como de outras inquietações, discussões e vivências, onde foram
estudados alguns autores como Guazelli (1998), Oliven (2006), Côrtes (2006),
Biancalana (2014), Ourique, (2010), Hoffmann (2015), e Chartier (2002). Evidencia,
ainda, a trajetória de vida da autora em relação às danças tradicionais gaúchas, sua
aproximação e seu afastamento, provocando dúvidas e investigações após o seu
ingresso no Curso de Dança-licenciatura. Busca analisar as danças tradicionais do
Estado desde a reposição proposta por Paixão Côrtes e Barbosa Lessa – dois
folcloristas comprometidos com a cultura tradicionalista - até a realização de grandes
certames dessas danças com o evento ENART – Encontro de Artes e Tradição
Gaúcha. A partir desta pesquisa percebemos a necessidade emergente de
aprofundar estudos relacionados às outras manifestações existentes no nosso
Estado, e que não estão no manual de danças tradicionais gaúchas, mas que são
legitimas manifestações da cultura sul-rio-grandense.
Palavras-chaves: Rio Grande do Sul; identidade gaúcha; danças tradicionais;
movimento.
ABSTRACT
This research discusses, as a central theme, the traditional dances of Rio Grande do
Sul, from the context of some historical aspects of sociocultural formation of Rio
Grande do Sul - the process of invention of gauchismo - as well as other concerns,
discussions and experiences, which were studied by some authors as Guazelli
(1998), Oliven (2006), Cortes (2006), Biancalana (2014), Ourique (2010), Hoffmann
(2015), and Chartier (2002). It also shows the trajectory of the author in relation to
the traditional gaucho dances, their approach and their withdrawal, causing doubts
and inquiries after her admission to the Dance Graduation Course. We analyze the
traditional dances of the state since the restoration proposed by Paixão Côrtes and
Barbosa Lessa - two folklorists committed to traditionalist culture - to the completion
of major exhibitions of these dances with ENART event - Arts Meeting and Gaucha
Tradition. From this research, we realize the emerging need for further studies
related to other existing events in our state and who are not in traditional gaucho
dances manual, but which are legitimate manifestations of Rio Grande do Sul culture.
Key words: Rio Grande do Sul; gaucho identity; traditional dances; movement.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 Aula na UCPel – Pedagogia III 2013
Figura 02 Carnaval do Bairro em 1991
Figura 03 Baile do Tchê Barbaridade na Quadra Estado Maior da Restinga(1995)
Figura 04 Rodeio com o CTG Lanceiros da Zona Sul – 2008
Figura 05 JAM na AABB – Ano: 2012 –
Figura 06 Mesa de Avaliadores ENART 2013
Figura 07 Com Abambaé cia de Danças Brasileiras – 2014
Figura 08 Modelo em um Curso de Fotografia Ano 2014
Figura 09 A autora e Paixão Côrtes em um Evento na UFRGS -2014
Figura 10 Clube dos 8
Figura 11 Inter- Regional do ENART – 2009
Figura 12 Giro de saudação
Figura 13 Traje do peão das vacarias e a china
Figura 14 Patrão das Vacarias e a Estancieira Gaúcha
Figura 15 Patrão das Vacarias e a Estancieira Gaúcha
Figura 16 Chiripá Farroupilha
Figura 17 Bombacha e Vestido de Prenda
Figura 18 O Par
Figura 19 Apresentação de Composição Coreográfica II – 2013
Figura 20 Mapa das RT do Estado do RGS
Figura 21 Divulgação das Inter-regionais 2016
Figura 22 Prendas do CTG Aldeia dos Anjos
Figura 23 Coreografia CTG Ronda Charrua
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................. 10
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 18
1 ASPECTOS SÓCIO-CULTURAIS DA FORMAÇÃO DO GAÚCHO ....................................... 24
1.1 Ambiente Formador ................................................................................................................. 24
1.2 Contexto histórico .................................................................................................................... 26
1.3 Movimento tradicionalista gaúcho ......................................................................................... 33
2 DANÇAS TRADICIONAIS GAÚCHAS ....................................................................................... 38
2.1 Os Primeiros Passos ............................................................................................................... 39
2.2 Identificação e Características ............................................................................................... 47
2.3 Danças Tradicionais e seus desdobramentos .................................................................... 56
3 O ENART (Encontro de Artes e Tradição Gaúcha) .................................................................. 62
3.1 Retrospectiva ............................................................................................................................ 62
3.2 Significado e abrangência ...................................................................................................... 64
3.3 Reconhecimento e Protagonismo ......................................................................................... 68
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................. 72
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................... 74
ANEXOS .............................................................................................................................................. 79
APRESENTAÇÃO
“Não existe coisa melhor no mundo do que viver,
curtir gozar a vida, que passa rápido
e daqui não levaremos nada,
a não ser todas as experiências e amizades”
(Charles Chaplin)
Desde muito pequena gostava da rua, de estar nela, brincando, correndo
ou simplesmente parada no portão olhando o movimento dos vizinhos. Sempre fui
moleca, termo este, usado pelos meus pais e pelos vizinhos do bairro para explicar o
motivo de me sujar muito, cair, levantar, correr e ser feliz.
Figura 2: Carnaval do Bairro em 1991 – Local: Quadra do Cecores / Acervo Pessoal
Cresci no Bairro que meus pais moram até hoje, bairro considerado
pobre, abandonado, e até mesmo um dos mais perigosos de Porto Alegre. Na Zona
sul, na Restinga Nova, fui criança, adolescente e adulta. Estudei, aprendi, briguei,
amei e lá me tornei hoje quem sou. Meus pais sempre me deram limites, e eu
sempre respeitei.
Na nossa casa havia muitas festas de aniversários, churrascos nos
vizinhos, idas a bailes em galpões1 de CTG2, e até mesmo nas garagens dos outros
1
Galpões: Construção existente nas estâncias, destinadas ao abrigo de homens e de animais. O
galpão característico do Rio Grande do Sul é uma construção rústica, de regular tamanho, em geral
de madeira bruta e parte de terra batida, onde o fogo de chão está sempre aceso. Serve de abrigo e à
peonada da estância e a qualquer tropeiro ou gaudério que dele necessite.
vizinhos. Foi aí que fui apresentada a um CTG pois alguns vizinhos que
freqüentavam e faziam o convite aos meus pais, e juntamente com eles, lá estava
eu, cercada de música, gente dançando dois pra lá e dois pra cá, e uma tal de
gauchada bem pilchada rodando pelo salão.
Desde então, seguíamos no bairro, correndo, brincando, sendo felizes,
sendo crianças. E o vínculo com um dos CTGs que freqüentávamos foi ficando forte,
pois meu pai e minha mãe começaram a fazer cursos de dança de salão gaúchas, e
eu acompanhando e dançando, tentando aprender a tal rancheira e o chamamé. Aos
poucos fui me dando bem com aquelas danças de galpão, nem tanto quanto me
dava com a dança do bambolê do É o Tchan, dançada por mim e meus amigos na
praça que havia na esquina de casa.
Figura 3: Baile do Tchê Barbaridade na Quadra do Estado Maior da Restinga- Ano 1995 / Acervo
pessoal
E foi a partir dos meus 10 anos que me tornei a guria de CTG, que
passava fins de semana dentro de um galpão, e o resto da semana na rua,
correndo, brincando e fazendo com que os dias passassem rápido para poder
chegar à sexta-feira. Sou grata aos meus pais por terem me dado opções de lazer e
cultura, pois sempre sobrava tempo para ir à quadra de carnaval, passar semanas
na praia dançando axé (com as meninas que davam aula naqueles palcos
2
Centro de Tradições Gaúchas.
montados, para atrair a mulherada) e, principalmente me ensinavam que não existia
cor, credo e religião que me diferenciasse dos meus amigos do bairro e, por tudo
isso, aonde eu ia levava alguns deles comigo.
Fui crescendo, gostos e atitudes foram mudando, como normalmente em
qualquer ciclo de vida. Continuei a ser a guria de galpão aos finais de semana, e no
resto da semana estudava, aprontava e seguia dançando pelas ruas, praças,
calçadas e na casa dos vizinhos.
Os questionamentos foram surgindo também em relação a essa cultura
gaúcha da qual fiz e faço parte. Muita coisa me deixava confusa, o exemplo de uma,
é que meu pai é natural de Santa Catarina, estado vizinho nosso, e ele se apropriou
de uma forma natural ao uso da bombacha, e até mesmo se tornou patrão de um
CTG do nosso bairro. Eu pensava: Como poderia isso ser tão fácil para alguém que
se quer conhece os motivos do uso da bombacha, do chimarrão, do cavalo, e estar
ali tendo uma posição de chefe de um galpão que une pessoas a cultivar e valorizar
a cultura gaúcha, que nem é a dele?
Percebi que meu pai fez isso muito bem, e conseguiu atrair mais jovens
para o CTG, estes jovens automaticamente entraram para o grupo de dança, e
assim, foram trazendo mais jovens e familiares a participarem dessa união
tradicionalista. Eu ali estava ainda, fazendo o papel de filha, bailarina e admiradora
disso tudo. O Grupo de dança que citei, é conhecido dentro de um CTG como
Invernada Artística3.
Cresci um pouco mais, e mudei de CTG, fui dançar em um bairro vizinho,
onde o CTG deles era de nome considerado forte e de um ótimo padrão para
concorrentes sentirem medo de serem derrotados nos concursos. Sim, concorrentes,
porque a partir dai comecei a fazer parte de concursos de danças, rodeios artísticos
e festivais. E neles havia muitos outros grupos de danças, as Invernadas Artísticas.
Estes concursos tinham e têm por finalidade mostrar qual grupo dança melhor as
“Danças tradicionais gaúchas”, e com isso se ganha troféu, dinheiro e
reconhecimento pelo Estado e, também fora dele. No inicio era viciante, pois são
dias de ensaio pesado para chegar ao final de semana e se apresentar em uma
competição, conhecida como “Rodeio4”. Cada grupo tem no máximo 20 minutos de
3
Nome dado aos grupos de danças dentro do meio tradicionalista. Pode ser mirim, juvenil, adulta.
Rodeio: Termo para campeonato/festival aonde acontecem provas com o gado e competições
artísticas.
4
apresentação. O grupo que dançar muito bem, sem errar e apresentar harmonia,
postura e outras regras ditas pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho – MTG - e que
contam nota nas planilhas de avaliação, se tornam campeões do momento e assim
seguem para mais uma semana de ensaio e rodeios.
Figura 4: Rodeio com o CTG Lanceiros da Zona Sul – 2008 / Acervo Pessoal
Alguns jovens entram para as Invernadas e passam muito tempo dentro
delas, dentro dos galpões cultuando a tradição e representando a entidade que
pertencem. Fiz parte por mais de 10 anos deste meio, tive muitos amigos e
momentos felizes, pois sempre gostei de dançar e estar cercada de pessoas que me
agradam. Mas até então, ia apenas para dançar e ver os amigos; eu não sabia de
onde vinham todas essas danças, e muito menos sobre a história do Rio Grande do
Sul para que eu estivesse ali dentro do CTG cultivando a cultura dele.
Mas com o passar do tempo, essa idéia de competição, regras e
dedicação para aquilo foi me cansando, e não me tornava tão presente e dedicada
ao grupo que fazia parte. No ano de 2010, segundo semestre, ingressei na
graduação em Dança na Universidade Federal de Pelotas, e tive que me mudar de
Porto Alegre, abandonando então o grupo de dança. Ao chegar a Pelotas fui
conhecer e dançar em grupo local logo após o meu 1 º semestre na faculdade, mas
não deu muito certo devido a falta de tempo, dinheiro e sinceramente, vontade.
Figura 5: JAM na AABB – Ano: 2012 - / Acervo Pessoal
Ao fazer um semestre na faculdade tive contato com pessoas,
professores, artistas, e principalmente com a liberdade que a dança me proporciona;
mudaram meus pensamentos, minhas atitudes e a minha forma de ver a dança.
Expressar o que eu sentia ao dançar se tornou algo tão importante quanto falar, e fui
perdendo o gosto por dançar em galpão, e querendo cada vez mais dançar na rua,
na faculdade. Refletindo e buscando entender esse movimento que eu mesma
passava, fui ficando curiosa por saber o porquê que muitos jovens como eu
gostavam de estar ali e principalmente defendiam com unhas e dentes toda essa
história da cultura gaúcha, das ditas danças tradicionais gaúchas, sendo que, muitos
como eu não sabiam e nem davam tanta atenção assim para a história da cultura no
Rio Grande do Sul.
Em 2013, recebi o convite para compor a mesa de avaliadores na parte
de coreografias de Entradas e Saídas do maior campeonato de arte amadora da
América Latina, O ENART5 foram três dias de campeonato. Três dias em que fui
Karen, a acadêmica do Curso de Dança da UFPel e ex-bailarina de galpão. Quando
dancei, ensaiava para chegar neste campeonato, passando por etapas, eram muitos
dias de confinamento no CTG. Não tive a sensação de estar pisando no tablado do
ENART, mas olhar ele de outro ângulo foi realmente impressionante, intrigante e
questionável.
5 ENART – ENCONTRO DE ARTES E TRADIÇÃO GAÚCHA. Enart, ou ENART é um dos maiores
festivais de arte amadora da América Latina. É um evento tradicionalista gaúcho. Promovido pelo
MTG, é realizado anualmente em três etapas. As regionais, as inter-regionais, e a final.
Figura 6: Mesa de Avaliadores ENART 2013 / Acervo Pessoal
Comecei a perceber e a entender que não eram somente as danças, as
coreografias, os giros que me mantinham dentro do galpão, tinha algo mais forte
dentro de mim, e isso aprendi na faculdade, aprendi com os amigos que a dança me
deu, e principalmente com professores que me instigaram, e me fizeram ir atrás,
pesquisar e me expressar em cada movimento que eu fazia, e a cada projeto e
grupo que eu estava. A experiência acadêmica como bolsista do NUFOLK6 foi
fundamental na minha formação crítica e na leitura de obras e textos que justificam
muitas das dúvidas e posições, sempre no caminho da abertura e continuidade das
investigações no âmbito da cultura popular.
As experiências que tive até hoje dentro e fora da faculdade que envolveu
Arte-Cultura-Dança com certeza me fazem perceber que não teria um melhor
caminho a não ser este. O intercâmbio cultural com outros países, enrolar a língua
para falar com amigos turcos, uruguaios, baianos e mineiros me faz ter a certeza de
que sou grata e sempre serei à dança por me proporcionar momentos únicos. Falar
do lugar que vivo das histórias dele e dos momentos que tenho aqui, nunca será o
suficiente para escrever apenas em algumas linhas. Sinto que a cada leitura,
6
Núcleo de Folclore da UFPel/ projeto de extensão que se caracteriza pela vivência, investigação,
promoção e difusão das manifestações populares do Brasil, especialmente de dança e música, e que
vislumbra também o intercâmbio cultural e a valorização da cultura popular nacional na sua
perspectiva de patrimônio imaterial.
congresso, palestra e apresentação, meu corpo se transforma. Meu corpo não é só
meu, é de tudo isso que me cerca e me constrói.
O distanciamento do meio tradicionalista e a aproximação com o ensino
superior em dança, bem como a participação como bailarina da Abambaé Cia de
Danças Brasileiras7 ensejou ainda mais o desejo de compreender e registrar os
movimentos das danças tradicionais gaúchas. As lembranças e experiências vindas
da vivência no meio tradicionalista servem de diretriz e respaldam muitas das
constatações que compõem a escrita desse estudo.
Figura 7: Com Abambaé cia de Danças Brasileiras – 2014 - / Foto: Marcel Ávila
Outras questões me fizeram chegar até aqui, como por exemplo, o que
significava ser gaúcho(a), e como essas danças que eu praticava tinham sido
consideradas do Rio Grande do Sul. Quem disse? Quem as achou? Dançou,
inventou e consolidou?
E Tudo isso passa pelo meu corpo, me move, e me faz ser e estar onde
estou... A cabeça ferve, o coração esquenta e a vontade de dançar com certeza é
bem maior que a de escrever. Nunca fui boa com a escrita, mas sempre me
expressei muito bem falando, dançando e respirando. Respirar é o que eu quero
7
Cia de danças brasileiras/ A Abambaé é composta por integrantes de diferentes cidades do Rio
Grande do Sul. Escolheu Pelotas para fixar raízes não somente pelo fato de ter muitos integrantes
desta cidade, mas, muito especialmente, por acreditar se tratar deste lugar um espaço especial para
o desenvolvimento de uma proposta inovadora como esta, por sua história, importância e projeção no
que diz respeito ao potencial cultural.
quando danço, consciência corporal, contrai, queda e recuperação, pé no chão,
cabelo solto e uma vontade enorme de sair dizendo por ai tudo que aprendi e
aprendo, e quero aprender mais.
18
INTRODUÇÃO
Que mistérios trago no peito
Que tristezas guardo comigo
Se meu sangue é colono, é gaúcho
Lá no campo é que tenho abrigo
O cheirinho da chuva na mata
Me peala, me puxa pra lá
Quero só um pedaço de terra
Um ranchinho de santa fé
Milho verde, feijão, laranjeira
Lambari cutucando no pé
Noite alta o luzeiro alumiando
Um gaúcho sonhando de pé
Quando será
Este meu sonho
Sei que um dia será novo dia
Porém não cairá lá do céu
Quem viver saberá que é possível
Quem lutar ganhará seu quinhão
Velho Rio Grande
Velho Guaíba
Sei que um dia será novo dia
Brotando em teu coração
Quem viver saberá que é possível
Quem lutar ganhará seu quinhão
8
(Pealo de Sangue – Raul Ellwanger )
A escolha do tema desse trabalho acontece pelo viés da experiência
pessoal com as danças ditas gaúchas, no qual coloco minha própria experiência
como bailarina-prenda, como acadêmica do Curso de Dança-licenciatura, como
bailarina da Abambaé Cia de Danças Brasileiras, como um possível componente
para a pesquisa no sentido de refletir criticamente sobre a institucionalização das
danças tradicionais gaúchas pelo MTG e a possibilidade de seus desdobramentos
no âmbito da educação e da criação.
8
Músico e compositor brasileiro, nascido em Porto Alegre em Novembro de 1947. Iniciou sua carreira
artística em 1966 no circuito universitário de Porto Alegre, estudo direito na PUCRS e era um dos
articuladores da frente gaúcha de música popular.
19
Por alguns anos aprendi e aceitei que era e sou considerada gaúcha,
nasci no Rio Grande do Sul, e então, sou gaúcha de Porto Alegre, capital. A música
citada na página anterior fez parte dos momentos enquanto dançava no CTG
Lanceiros da Zona sul, e essa música transgredia para uma dimensão da qual cada
vez mais me orgulhava de ser gaúcha, e amar cada vez mais a dança e a capital
Porto Alegre.
Em 2001 a música Pialo de Sangue, do músico Raul Ellwanger, foi
apontada em votação pública promovida pela maior rede de comunicação do Rio
Grande do Sul, como uma das dez melhores músicas da história do Estado 9. No ano
de 2002, o CTG Lanceiros da Zona Sul (do qual a autora fez parte), da 1ª RT
(Região Tradicionalista), foi o campeão das danças tradicionais no ENART, e foi
usada como música de saída Pealo de Sangue, uma das mais lembradas até os
dias de hoje por quem esteve no Ginásio de Santa Cruz naquela ocasião. 10
A participação no trabalho acima é que instiga a despertar este
sentimento de que nada foi em vão e que muitas coisas ainda estão por vir através
dessas experiências e pesquisas.
O problema da pesquisa busca entender em que medida as danças
tradicionais gaúchas representam a cultura do Rio Grande do Sul e como este
entendimento vai se transformando na trajetória de vida e de dança da autora? E,
com esse questionamento é que objetivamos analisar o movimento das danças
tradicionais no Estado a partir da contextualização da trajetória e formação do
gaúcho, da identificação do ambiente onde se desenvolvem as danças tradicionais,
da caracterização e sistematização das mesmas e da promoção dessas danças pelo
ENART.
Além dessa investigação, cabe registrar que se está consciente que
existem tantas outras manifestações culturais expressas nas danças e folguedos no
Rio Grande do Sul que estão fora do elenco das danças tradicionais eleitas pelo
Movimento Tradicionalista Gaúcho e que são significativas e presentes em
grupamentos dentro da diversidade cultural do Estado. Estas danças e folguedos
estão sendo motivo de estudos do Grupo de Pesquisa Observatório de Culturas
Populares11 da Universidade Federal de Pelotas e tratados especificamente no
9
http://www.dicionariompb.com.br/raul-ellwanger/dados-artisticos acesso em 20 de Abril de 2016
(Link da apresentação via facebook https://www.facebook.com/bloco6rs/posts/446520158831593).
11
OCP – Grupo de Pesquisa/ O Observatório de Culturas Populares (OCP) constitui-se num espaço
10
20
Projeto de Pesquisa Folguedos e danças folclóricas marginais do e no Rio Grande
do Sul12 coordenado pelo professor Dr. Thiago Silva de Amorim Jesus. Citando
algumas delas como os maçambiques, danças étnicas, quicumbis, cavalhadas, boi
de encruzilhadas que fazem parte até hoje do calendário de suas cidades, e que nas
pesquisas de Paixão Cortes e Barbosa Lessa foram citadas.
Ao considerar que este trabalho é parte integrante e obrigatória para a
conquista do título de graduação em dança-licenciatura aumenta a responsabilidade
e a importância em abordar criticamente esse tema. Nesse sentido, as reflexões
poderão servir de material de apoio para a inserção dessas danças no ambiente
escolar sem, necessariamente, dirigí-las à competição. São relevantes como
abordagem no âmbito do componente curricular dança, pois elas são de fácil
execução e auxiliam no desenvolvimento motor, nos aspectos cognitivos, afetivos e
de comportamentos, segundo Hoffmann (1997)
Essa pesquisa é de caráter qualitativo que conforme Minayo (2001)
trabalha com motivos, significado, valores, correspondendo a um espaço mais
profundo das relações, processos e fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis. Ela busca responder questões particulares que não
devem ser quantificadas. Faz parte de uma realidade social, pois como comenta
Minayo (2001), o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o
que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada
com seus semelhantes.
Por ser composta a partir das memórias e registros da trajetória da dança
da pesquisadora, pode ser classificada como uma pesquisa autobiográfica. Uma
acadêmico de investigação, reflexão, produção e intercâmbio de saberes/fazeres provenientes das
diferentes formas de expressão da cultura popular, apreendidas a partir dos mais diversos matizes e
procedências. Nesse sentido, são interesses concomitantes do grupo a articulação de conhecimentos
entre artistas populares, pesquisadores, educadores, mestres da cultura popular, gestores culturais e
demais agentes envolvidos com as áreas mencionadas. É mister destacar que OCP prioriza uma
visão simbólica holística que evidencia um olhar temporal simultaneamente sincrônico e diacrônico,
no intuito de compreender e valorizar os saberes/fazeres populares do passado enquanto movimento
de construção do presente. Configurando-se enquanto um espaço demarcadamente inter, multi e
transdisciplinar, o grupo se propõe a constituição de uma rede integrada que engendra arte, folclore,
educação, patrimônio imaterial e sociedade.
12
O presente projeto comporta uma investigação científica cujo interesse é mapear, registrara difundir
as expressões folclóricas de folguedos e danças do Rio Grande do Sul que escapam à cultura
dominante, mas que se constituem como espaços e linguagens folclóricas representativas da cultura
popular do Estado. A ação visa realizar um diagnóstico de coletivos culturais marginais do RS, em
especial, as comunidades litorâneas, quilombolas e indígenas, assim como outros focos que sejam
ambientes representativos de produções artísticas folclóricas em danças e folguedos. Tal investigação
se dará por meio de pesquisa teórica e de campo, assim como produção científica e publicações dos
resultados obtidos, ao longo do período de sua realização.
21
narrativa que dialoga com os textos escolhidos, como um exercício para a prática
profissional de reflexão e busca continuada de conhecimento. Nesse viés, cabe
respaldar que
No processo de relato autobiográfico, eu me distancio de mim mesma,
estabelecendo uma relação dialógica comigo e nesse distanciamento eu
consigo alcançar um nível mais alto de criticidade em relação ao que lembro
e percebo. A partir do trabalho autobiográfico o sujeito também pode dar-se
conta de seu maior ou menor grau de passividade diante da própria
formação. (ALIANÇA, 2011, p.206)
Desse modo, mesmo que a recomposição das reminiscências seja um
processo individual, toda a memória é reconstituída, reconstruída e atualizada na
interação social de um coletivo. Ancorando-se aos espaços de sociabilidade,
instituições das quais faz parte – escola, bairro, CTGs, família, grupos de dança,
etc.- o sujeito estrutura suas evocações recompondo tempos e lugares onde suas
experiências se materializaram para, então rememorá-las. A partir da convivência
cotidiana, nas interações com o meio em que vive que o sujeito reatualiza
incessantemente os quadros sociais, assimilando significados coletivos. E, nesse
sentido é que Halbwachs (1990, p.54) coloca:
Consideremos agora a memória individual. Ela não está inteiramente
isolada e fechada. Um homem, para evocar seu próprio passado, tem
freqüentemente necessidade de fazer apelo às lembranças dos outros. Ele
se reporta aos pontos de referência que existem fora dele e que são fixados
pela sociedade. Mais ainda, o funcionamento da memória individual não é
possível sem esses instrumentos que são as palavras e as idéias que o
indivíduo não inventou e que emprestou de seu meio.(HALBWACHS,1990)
Este trabalho também é uma pesquisa bibliográfica, que conforme GIL
(2002) a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado,
constituído principalmente de livros e artigos científicos. A cerca disso foram
revisados algumas das obras que J.C. Paixão Côrtes e Barbosa Lessa produziram
sobre as danças tradicionais gaúchas. Ainda foram trabalhados autores que
subsidiaram a contextualização do estado do Rio Grande do Sul, entre eles Aurélio
Porto (1954), Assunção (1978), Marques (1995), Guazelli(1998), Pilla Vares (1998)
Reverbel (1998), Oliven (2006), Côrtes (2006), Biancalana (2014), Hoffmann (2015)
e Chartier (2002), bem como realizadas consultas na internet.
22
O uso de imagens fotográficas utilizadas no trabalho reportam a
momentos da trajetória de vida da autora em atividades dentro e fora da dança. Elas
compõem o trabalho de modo ilustrativo e como forma de abordar os temas.
O registro visual pode ser entendido como uma representação e o estudo
das representações se torna preponderante para alcançar a compreensão da
realidade social, visto ser a imagem fotográfica uma construção significativa,
portanto, representada. Representações sociais são esquemas interiorizados que
“[...] traduzem as posições e os interesses obviamente confrontados [...] e
descreveram a sociedade tal como pensam que ela é ou como gostariam que fosse”
(CHARTIER, 1990, p.177). Desse modo as representações são as formas pelas
quais os “[...]indivíduos e grupos dão sentido ao mundo que é o deles” (CHARTIER,
1990, p. 177). Elas, as representações, se constituem de signos, que passam a ser
considerados parte de uma realidade que podem ser produzidos em todas as
práticas de discurso.
O caminho metodológico iniciou com as leituras em busca da
fundamentação teórica para orientar a pesquisa. Para isso foram feitos fichamentos
e um levantamento das obras básicas e complementares para embasar o trabalho
na abordagem do tema. Além disso, foram buscadas outras fontes acessadas via
arquivo pessoal para ajudar a construir a trajetória de formação da autora, onde
foram selecionadas fotos e, a partir da memória que foram retomadas as imagens,
lembranças e questões que acompanharam a escrita do presente trabalho.
Primeiramente, buscou-se ir atrás do significado e formação desse tal
gaúcho que, conforme Oliven (2006), “trata-se de uma construção de identidade que
exclui mais do que inclui, deixando fora a metade do território sul-riograndense e
grande parte de seus grupos sociais. Defender um estado até mesmo seu grupo
social é umas das características do ser gaúcho. Muitas pessoas sempre terão e vão
ter orgulho, e sempre fazem questão de gritar nos estádios de futebol quando um
time do Estado está jogando a tradicional frase: “Ah eu sou gaúcho! Ah eu sou
gaúcho!”por diversas vezes, além claro de Cantar o Hino do Rio Grande do Sul aos
prantos.
No decorrer do texto foi escolhida a primeira pessoa do plural, devido ao
fato de que o trabalho em si foi realizado em colaboração com a orientadora e, só foi
23
possível pelas interações com colegas, professores e grupos freqüentados no
percurso.
O primeiro capítulo discorre sobre os contextos históricos para entender a
formação deste ser tão orgulhoso, amado por nós mesmos e que é representado
por milhares de jovens mundo a fora, quando executam suas danças e seus
aparatos. O MTG - Movimento Tradicionalista Gaúcho surge neste capitulo fazendo
com que entendamos melhor as suas regras e fundamentos.
O segundo capítulo procura caracterizar as danças do manual, a partir
dos primeiros passos apresentados por Paixão Côrtes e Barbosa Lessa, uma breve
contextualização, identificação dessas danças tradicionais gaúchas, além dos seus
desdobramentos que apontam as possibilidades de estarem presentes para além do
ambiente tradicionalista.
Através do terceiro capitulo procuramos entender melhor sobre as etapas
do “maior festival amador da América Latina”, o ENART – Encontro de Artes e
Tradição Gaúchas.
Nas considerações finais do trabalho procuramos analisar criticamente a
situação e protagonismo das danças tradicionais e como elas têm se manifestado,
atingindo um grande contingente de jovens. Na análise crítica que se configurou
percebemos que os questionamentos se confundem com a própria trajetória de vida
da autora.
Figura 8 Modelo em um Curso de Fotografia Ano 2014
24
1 ASPECTOS SÓCIO-CULTURAIS DA FORMAÇÃO DO GAÚCHO
Este capítulo aborda como tema central a contextualização de alguns
aspectos históricos da formação social e cultural do Rio Grande do Sul; de
inquietações, discussões e vivências sociais e culturais – assim como as evidências
formativas do ideário do gaúcho na Região do Prata. Além disso, faz uma reflexão
sobre os significados e demais pontos de mestiçagem na configuração do ideário
gauchesco ocorrido no nosso Estado que, sob a perspectiva da memória, carregam
aspectos presentes no contexto sociocultural dos dias atuais.
O surgimento do elemento
humano característico „gaúcho‟ está
condicionado a inúmeras causas. Uma delas é a cultura primitiva (preconizada pelos
primeiros habitantes do território, os índios guaranis, que buscavam um futuro
promissor e de fartura), ideal este disseminado pelo gaúcho além fronteiras por
países vizinhos, como é o caso do Uruguai e da Argentina. A essa cultura primitiva
do gaúcho, podemos acrescentar, como conseqüência, um habitat específico e
dominador da paisagem – a pampa, uma espécie de estepe tipicamente sulamericana –, bem como seu relevo topográfico, submetido a uma interminável
seqüência de suaves colinas cobertas por matas e por campos sem fim.
Existem outras, como a conjunção de grupamentos étnicos nativos
formados pelos Guaranis (patos, arachanes, tapes e missioneiros); Gês (guaianás,
coroados, pinarés, ibijaras, caaguas, gualachos, botocudos e bugres); e Pampeanos
(charruas, minuanos, iarós, guenoas e chanás) (MOURE, 1994). Há, também, a
miscigenação oriunda da colonização europeia espanhola e portuguesa. Bem como,
mais tardiamente de outros grupos étnicos como alemães, italianos, árabes,
japoneses, entre outros.
1.1 Ambiente Formador
Quando se pretende identificar e referendar o Rio Grande do Sul do
restante do país, apontando diferenças e construindo uma identidade social e
cultural próprias, vem à tona o passado rural e a figura do gaúcho como sinais
identitários. A história da formação da sociedade sul-rio-grandense através dos
25
séculos tem, na sua cultura primitiva, fundamental importância para que seja
possível compreender a complexidade de seus aspectos sociais e culturais de sua
história.
Quando da ocupação efetiva da terra por parte dos colonizadores
europeus – espanhóis e portugueses –, haviam incontáveis manadas de bovinos e
equinos por toda a região da Bacia do Prata (especialmente onde hoje situam-se o
Uruguai e o Rio Grande do Sul). Isso significa dizer que a ocupação e a proliferação
de rebanhos espalhou-se na imensidão da pampa, que definia os limites territoriais
entre as colônias de Espanha e de Portugal, mesmo antes de suas efetivas
participações no processo ocupacional geopolítico do território.
É essa mesma cultura ancestral que transcende, transforma e caracteriza
o colono espanhol ou português em geradores de filhos „crioulos‟, num processo de
miscigenação com o ameríndio e de todos aqueles que aqui aportavam ou
acabavam por integrar-se ao habitat que resulta em um mosaico dentro de um
centro geográfico dessa mesma cultura, em elementos socialmente negativos para
as rígidas estruturas colonialistas européias. No entanto, social e economicamente,
tais transformações geraram elementos imprescindíveis, em verdadeiros eixos
motores dessa mesma cultura e sociedade emergente. Tal posição se aproxima da
encontrada por Augusto Mayer (apud REVERBEL, 1998, p. 6), ao traçar o perfil do
gaúcho como sendo um “[...] tipo social enquadrado no contexto étnico, cultural e
histórico em que se formou.”.
Outros autores como Jaime Cortesão e Orestes Araújo, citados por
ASSUNÇÃO, em sua obra “El gaucho – estúdio socio-cultural” (1978), destacam
que, após a fundação da Colônia de Sacramento, em 1680 e, pouco depois, de
Montevidéu, em 1726, o compartilhamento entre espanhóis e portugueses do
território onde hoje situa-se o Uruguai tinha no contrabando papel fundamental,
incrementado enormemente por “changadores” clandestinos que, sabedores de seu
valor socioeconômico, contrabandeavam o couro e se revezavam nas charqueadas
e transporte dos mesmo. Assim, continua Assunçao, nasce “[...] una nueva
sociedad, una condición cultural particular [...]” formada por “[...] porteños y
sanfesinos [...] y bien pronto mestizos paraguayos; cordobeses, mendocinos, y hasta
chilenos, criollos [...]” (p. 27-28, 1978). Ao acrescentar os portugueses nessa babel
que surgia nos campos neutrais, o panorama que se vislumbra, depois da conquista
26
pacífica do Continente de São Pedro (território sul-rio-grandense), fazendo parte de
uma seqüência de episódios. Diz o mesmo autor
[...] de modo algum simultâneos, mas relativamente consecutivos em curto
período de tempo e no mesmo espaço geográfico, provocam essa definição
de um tipo cultural, ao que os português qualificam apropriadamente de
'Gauderio', ou seja, que vagabundeava sem amo ou patrão conhecido,
trabalhando para uns e roubando de outros; folgando, comendo e servindose tanto dos bens que ainda podiam ser considerados como "de todos",
13
como do alheio (ASSUNÇAO, p. 29, 1978) (tradução da autora)
1.2 Contexto histórico
A fronteira do atual Estado do Rio Grande do Sul com os países do Prata
estende-se por longos 1.727 quilômetros,
[...] dos quais 724 com a Argentina e 1.003 com o Uruguai. A fronteira com
o Uruguai, desde a barra do Chuí até a foz do rio Quaraí, é quase toda
seca. Já a divisa com a Argentina, desde a foz do rio Peperi-Guaçu até a
confluência do rio Quaraí, corre ao longo do rio Uruguai. Nada, entretanto,
impede o livre trânsito entre o Rio Grande e os países platinos. Embora o rio
Uruguai, na fronteira com a Argentina, ofereça obstáculos em diversos
pontos, outros tantos são perfeitamente transponíveis, nunca tendo
impedido o trânsito entre os dois países e sendo conhecidos, como a palma
das mãos, sobretudo pelos contrabandistas de ambas as bandas
(REVERBEL C., p. 89-90, 1998).
Cabe destacar, aqui, a diversidade das fronteiras do Rio Grande do Sul,
uma vez que ao norte limita-se com outro estado da federação, Santa Catarina, ao
longo de 958 quilômetros e, a leste, com o Oceano Atlântico ao longo de 622
quilômetros, tendo a oeste a Argentina e, ao sul o Uruguai. Estas duas últimas
fronteiras conquistadas a ferro e fogo ao longo de mais de um século de lutas contra
a coroa de Espanha.
13
[...] de ninguna manera simultáneos, pero si relativamente consecutivos em um corto plazo
temporal y El mismo espacio geográfico, provoca nesa definición de um tipo cultural, al que los
portugueses califican acertadamente de „gauderio‟, es decirel que vagabund e asin amo ni patrón
conocido, trabajando para unos y robando a otros; holgando, comendo y serviéndose, tanto de los
bienes que aún podían considerarse como „del común‟, como de los ajenos (ASSUNÇAO, F. O., p.
29, 1978).
27
O tipo social do elemento humano definido como „gaúcho‟ surge,
primeiramente, em terras portenhas, mas precisamente a partir da fundação de
Buenos Aires, por volta de 1536. Só bem mais tarde ele aparece em terras do
território uruguaio e sul-rio-grandense. E motivado pelos mesmos fatores e
interesses sociais e econômicos: pastagens abundantes e grandes rebanhos de
bovinos sem dono. Estes dois aspectos favoreceram em muito: “[...] o caçador, a
cavalo, de gado chimarrão, [...] donde a formação, com determinadas características
individuais, de três tipos de gaúchos: o argentino, o uruguaio e o rio-grandense.”
(REVERBEL, C., p. 91, 1998). Além disso, em comum alguns hábitos como a
vestimenta (ressalvadas algumas peculiaridades de cada região), a carne assada
(churrasco) e o mate amargo (chimarrão), base alimentar de todos os gaúchos
daquela época e que permanece até os dias de hoje. Outros aspectos que
aproximam os gaúchos das três pátrias podem ser observados na indumentária
(bombachas, chapéus, lenços e as botas de garrão de potro, entre outras coisas), e
no uso de suas armas: a faca (prateada); a boleadeira; o rebenque de couro
trançado e o pala ou poncho. Também podemos observar similaridades em algumas
de suas danças mais tradicionais – folclóricas, inclusive com a introdução, aqui no
nosso Estado, de ritmos (chamamé), e instrumentos (bombo leguero), tipicamente
uruguaios ou argentinos.
Antes que se tornasse Capitania do Rio Grande de São Pedro, em 1760,
o então Continente de São Pedro, que hoje abrange o território sul-rio-grandense,
havia sido percorrido por tropeiros (bandeirantes paulistas) que seguiam até a região
das Missões em busca de mulas para levá-las à feira de Sorocaba, na Província de
São Paulo e, depois, às Minas Gerais. A importância destes roteiros para a
indumentária dos primórdios do gauchismo reside no fato de que os índios
mestiçados, que habitavam as Missões Orientais, auxiliavam os tropeiros e
contrabandistas de muares e gado vacum, que vinham de São Paulo, localizadas
em solo sul-rio-grandense, se interessavam em adequar seus trajes, imitando os
brancos.
É a partir daí que o trajar desse índio passa a ser acrescido de peças
novas trazidas pelos tropeiros e mais adequadas às novas lides do campo. Passam
a usar um colete e uma ceroula larga e longa, até debaixo dos joelhos, feita de
algodão. O cabelo longo e negro, seguidamente trançado, é atado na testa por um
28
lenço ou uma tira de couro. A faca ganha importância, assim como o uso das
boleadeiras e do laço, que passam a ser instrumentos de trabalho de uso obrigatório
de qualquer changador ou coureador. Estes passam a ser chamados de gaudérios14,
que tornam-se hábeis cavaleiros, cuja destreza impressiona, chegando mesmo a
respeitar e valorizar mais sua montaria do que sua própria mulher ou família.
Changador, gaudério, ladrão, contrabandista, vagabundo, coureador,
desregrado, andejo, malnascido, índio ou mestiço, maltrapilho, sem domicílio certo,
este ser humano que percorria os campos austrais e a pampa meridional sulamericana desde terras buenairenses, montevideanas e sul-rio-grandenses, de leste
a oeste, de norte a sul, de estância em estância, trabalhando em serviços que
fossem essencialmente executados a cavalo... eis o surgimento do guazo 15, do
gaúcho.
Aqui no Rio Grande do Sul a transformação do indígena indolente e dócil,
porém guerreiro, num peão altaneiro, contrabandista, jogador, beberrão e, até,
ameaçador foi, sem dúvida, uma indicação de que sua cultura fora definitivamente
modificada, de sua mescla, de sua convivência. Esse ameríndio que se miscigenou
com outras raças e que adotou peças da vestimenta ibero-americana foi,
conseqüentemente, o gaúcho sul-rio-grandense mais primitivo, o gaudério, que viveu
entre 1650 e 1730, período que se pode chamar de sua pré-história.
A segunda fase de construção do elemento humano chamado gaúcho,
dá-se entre os anos de 1730 e 1820, com a chegada dos ilhéus açorianos, por volta
de 1752, trazendo sua influência cultural que, aos poucos, acabou por mesclar-se
aos ameríndios, mestiços, espanhóis e portugueses continentinos. Os açorianos
trouxeram consigo uma indumentária de grande simplicidade, que identificava sua
índole singela e modesta. Os homens usavam o abeiro (um chapéu trançado de
palha de butiazeiro e de abas largas); chinelos,bragas, tamancos, botas e véstias.
As mulheres, por sua vez, vestiam mantilhas, véus, fichus, mantas, espartilhos,
14
“Estos son unos mozos nacidos em Montevideo y em los vecinos pagos. Mala camisa y peor
vestido, procuran encobrir com uno ó dos ponchos, de que hacen cama com los sudaderos Del
caballo, sirviédoles de almohada la silla. Se hacen de uma guitarrista, que aprenden a tocar muy mal
y á cantar desentonadamente varias coplas que estropean, y muchas que sacan de sucabeza, que
regularmente ruedan sobre amores.”. Texto de um livreto datado de 1773, atribuído a Calixto
Bustamante Carlos, um mestiço peruano, que fazia parte da comitiva de dom Alfonso Carrió de la
Bandera, visitador de Postas y Correos de Su Majestad ( ASSUNÇAO, p. 223, 1978).
15
Guazo – homem do campo. Conforme texto de Antonio de Pineda y Ramírez, tenente da Guarda
Real Espanhola em Madri, encarregado do ramo de História Natural, que chegou a Montevidéu em
1789 (ASSUNÇAO, p. 225, 1978).
29
cintos, meias, sapatos e um jaleco curto que chamavam de “roupilha”. As famílias
mais abastadas trouxeram chapéus de feltro, gibões, casacos de seda, botas de
couro de veado, sapatos guarnecidos de fivelas, saias longas com cauda, anáguas e
espartilhos, meias de lã, mantos franjados, toucados de véu de tafetá, pingentes,
correntes e broches, pulseiras e gargantilhas, acessórios estes trabalhados, às
vezes, com prata ou ouro. (ASSUNÇÃO,1978)
É de John Loccock, um negociante inglês que passou por aqui por volta
de 1810, o seguinte relato:
Além das botas de garrão, retiradas do gado vacum, mais raramente de
couro de gato-do-mato ou de jaguaritica, neste caso com toda a pele do
animal, deixando a cabeça do bicho na ponta do pé, as esporas – feitas de
ferro, latão, bronze ou prata – também não os abandonam nunca, havendo
inclusive aqueles que as usam direto no pé, amarradas aos calcanhares.
Todos usam chapéu alto, de forma cônica e abarretada, de feltro, palha ou
folha de palmeira. Dentro do chapéu ou na cintura, entre o cinto e a faixa, às
vezes trazem também uma pequena bolsa de couro onde colocam fumo e
outros pertences. Raros são os que usam coletes de couro. Outros andam
descalços e sem meias. Uma afiada faca vê-se-lhes na cintura e, poucos
dentre eles, talvez por morarem nalgum lugar próximo mais importante,
portam jibões ou grandes casacos azuis, coletes de couro macio e botas
apresilhadas aos joelhos. Em sua maioria usam lenço no pescoço”
(LOCCOCK, 1935).
De 1820 a 1865 tem-se uma nova fase, que transforma, mais uma vez,
alguns comportamentos socioculturais desse elemento humano que estava sendo
gerado. Surge o charqueador, ocupado com o comércio de couros e outros
derivados do gado como sebo, crina e cornos, além da carne, esta charqueada na
saladeira. Tais elementos fazem com que se necessite de maior mão de obra
barata, através do serviço do mestiço, do ameríndio ou bugre e do gaudério, além de
grandes contingentes de escravos negros. Aparece nessa época uma maior
estratificação social, composta de estancieiros ou patrões, de comerciantes, de
charqueadores ou capatazes, de peões e de escravos.
O primeiro nexo econômico do Rio Grande do Sul no sistema colonial
português, de acordo com Guazelli (1998), veio com o desenvolvimento das
atividades mineiras nas Gerais, a procura de indígenas para escravizar, de mulas
para o transporte de ouro e de gado para alimentar os trabalhadores das minas,
conduzindo uma série de aventureiros para o sul. Os interesses dos produtores sulrio-grandenses, abastecedores do mercado interno, não eram necessariamente
30
coincidentes com os do centro do país, voltados para a exportação. O perigo
constante, os ataques que advinham tanto do exterior quanto do interior, diante das
disputas entre diferentes chefes militares tornava as propriedades e seus
responsáveis organizados e preparados para a defesa e o ataque. Após os tratados
com os espanhóis, uma nova classe de proprietários-militares ampliou a capacidade
de apropriação de mais terras.
Uma vez definida a classe dominante, definem-se os dominados. Aqueles
que não comprovassem a propriedade da terra onde viviam, eram considerados
fora-da-lei, daí a necessidade de uma relação de trabalho para quem não era
comprovadamente proprietário. O gaúcho, exaltado pelos ideais libertários, torna-se
um simples peão, dependendo de um patrão para não ser punido. Os peões de
estância cuidavam da propriedade e vigiavam as reses recebendo formas
disfarçadas de renda da terra, pois deviam ao estancieiro a subsistência e a
proteção contra as autoridades. Assim, um comandante-estancieiro poderia contar
com peões-soldados (exército próprio). Em épocas de expansão das terras e gado
portugueses adentrando domínios espanhóis, os estancieiros sul-rio-grandenses não
fugiam do dever da Coroa.
Na medida em que as atitudes do poder central comprometiam os
interesses dos pecuaristas sul-rio-grandenses, a mesma classe dominante da
fronteira levanta-se em armas e resiste. Neste caso, a Guerra dos Farrapos ou
Revolução Farroupilha constitui-se em um exemplo, onde a preferência pelo charque
produzido pelos platinos desencadeou uma crise para os charqueadores e
estancieiros do Rio Grande do Sul refletindo-se em uma atitude política, como
coloca Guazelli (1998). Os gaúchos estavam objetivamente prontos para receber e
aceitar princípios democráticos dos farrapos e é, quando desperta a consciência de
classe dos estancieiros e de sua população plebeia. Esta ideologia farroupilha
desencadeia um significado imenso na história posterior das ideologias do Rio
Grande do Sul.
Observa Guazelli, que
O atual território do Rio Grande do Sul foi uma região de ocupação tardia,
muito mais em função de problemas estratégico-militares do que por
eventual importância econômica. [...] A necessidade de garantir apoio
econômico e militar para a Colônia do Sacramento desencadeou a procura
de rotas terrestres, e a fundação de povoados e fortins em terras do assim
chamado Rio Grande de São Pedro (GUAZELLI, 1998 p. 153).
31
É nesse período que se dá, também, o início a colonização alemã no
Estado, a partir de 1824. Uma grande transformação passa a acontecer, com a
mudança na filosofia de vida do gaúcho sul-rio-grandense, com o surgimento de
ofícios difundidos por artesãos alemães, tais como marceneiros, ferreiros,
fabricantes de carroças, sapateiros, alfaiates, seleiros, funileiros; negociantes como
taberneiros, merceeiros, alborcadores (hábeis intermediários de vários negócios,
especialmente de cavalos e gado), etc.; e de indústrias como engenhos de açúcar,
as destilarias, os curtumes, as selarias, as olarias, as fábricas de fósforos e tecidos.
É também dessa mesma época o aparecimento da alpargata e da boina, ambas de
origem basca e que passam a fazer parte da indumentária gaúcha (MARQUES,
1995).
Um novo período de transformações passa a ocorrer entre os anos de
1865 a 1950. São novos tempos de grande agitação, onde as influências da
modernização transmitem significativas mudanças na vida dos gaúchos. As
tradicionais taipas de pedra são substituídas por cercas de arame farpado; o lampião
pela luz elétrica; o mensageiro pelo telefone; e o cavalo... Este sim, agora pelo
automóvel e pelo trem. É o gaúcho a pé, urbano – ou o que restou de quase 300
anos de história. Passa a não mais existir aquele gaúcho gaudério, mestiço,
beberrão, valentão e jogador para dar lugar a um homem de bem, respeitado e
respeitador pela sua índole hospitaleira e justa, organizado e trabalhador. Em sua
interminável sina de adaptação aos novos tempos que surgem, ele agora está de
bombachas, em substituição ao chiripá. Mas não é só: esse novo gaúcho agora
divide o campo com a cidade, e passa a usar camisa branca com colarinho e terno
completo composto por calça corrida, colete e paletó, gravata de nó ou tipo
borboleta no pescoço, chapéu de feltro, sapatos e polainas. Usa relógio no bolso do
colete.
Nesse mesmo período inicia a imigração italiana – 1875 –, com a
chegada de quatro casais procedentes de Monza, em Milão, na Itália, no dia 25 de
maio. Eles se dirigem rumo à Encosta Superior do Nordeste na região serrana do
Estado, onde a topografia e relevo eram muito semelhantes aos de origem. Logo
surgiram parreirais e a produção de vinho, queijos e de massas, deram uma nova
característica à culinária gaúcha. Além de sua contribuição na gastronomia, os
32
imigrantes italianos deram novas formas às residências, construindo amplas casas
(na forma de barracão) totalmente de pedras de basalto, constituídas de porão e
sótão, estes dois últimos para a guarda de mantimentos e equipamentos de trabalho
(MARQUES, 1995).
A seqüência de mudanças se dá de forma abrupta na segunda metade do
século XX aos dias de hoje, quando o mundo inteiro passa por universalismo, por
um processo de globalização: é a aldeia global. Circunstância que também atinge o
elemento humano aqui considerado e analisado. A partir dos anos 1970, entra em
cena a Revolução Técnico-Científica, em cujas descobertas podemos identificar a
robótica, a microeletrônica e os satélites. Os meios de comunicação e as
telecomunicações com o advento do rádio à pilha pelo rádio com válvulas, do
telefone pelo telégrafo, do computador, leptop e notebook pela máquina de escrever,
etc. Contribuíram, ainda, para o desenvolvimento de produtos que utilizamos em
nosso cotidiano como os microcomputadores, smartphones e tablets, responsáveis
pelo acesso às redes sociais e pela transmissão de grande quantidade de
informações em tempo real. Tudo isso “mexeu” com algumas das tradições
gauchescas, em especial na indumentária, na música, nas artes... no processo
cultural como um todo. Alguma coisa, no entanto, não muda: as diferenças com o
mundo lá fora e que garantem a identidade como um povo que tem orgulho e
consciência de seu passado, de seus feitos épicos, suas guerras, suas lutas, sua
indumentária, sua gastronomia, seu modo de ser, de pensar e agir, principalmente
de ser livre.
A miscigenação racial já está feita e continua acontecendo entre os
descendentes de portugueses, espanhóis, africanos, alemães, italianos, poloneses,
húngaros, franceses, ingleses e japoneses, bem como junto a tantas outras culturas
que aqui aportam e são acolhidas, integrando-se aos costumes e tradições sul-riograndenses, dando como resultado esta “raça” chamada gaúcha. O gaúcho
moderno não usa mais bombacha (só em eventos folclóricos que vão desde
fandangos e bailes de CTGs até rodeios e carreiradas).Mesmo nas lides do campo,
a calça jeans substituiu a bombacha...
A conturbada trajetória sociopolítica, socioeconômica e sociocultural
amalgamou através dos séculos uma condição ideológica única ao gaúcho: a paixão
pela política, como muito bem coloca Luiz Pilla Vares no texto intitulado „A ideologia
33
gaúcha dos farrapos ao getulismo‟, observando que “A paixão do gaúcho pela
política está inserida em suas origens. Dir-se-ia que o destino do gaúcho é a política:
ele é um predestinado à política. Nasceu como tal. Sua história é uma história de
guerras, revoluções, idéias” (p. 139, 1998).
É ainda Pilla Vares que destaca
Essa história atribulada, sempre a espreita dos ataques castelhanos, não
deixou tempo para uma nítida divisão do trabalho na sociedade dos
gaúchos. Não houve condições aqui para a criação de uma intelectualidade,
desligada da produção, capaz de pensar o agitado mundo em que viviam os
gaúchos (PILLA VARES, p. 140, 1998).
Mais adiante, o mesmo autor lembra que os primeiros habitantes do
Continente de São Pedro não comunavam com as mesmas ideias da metrópole:
eram diferentes daquelas gentes que se estabeleciam no Rio de Janeiro, São Paulo,
Minas Gerais ou Bahia, onde a posse da terra já estava garantida, bem como a
formação social estruturada na base da exploração da mão de obra escrava para
uma economia colonial (PILLA VARES, 1998).
1.3 Movimento tradicionalista gaúcho
A criação do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) possivelmente
está vinculada ao êxodo rural ocorrido a partir da segunda metade da década de
1940, quando houve um grande fluxo migratório de habitantes das regiões de
pecuária extensiva em direção às cidades, especialmente Porto Alegre (DACANAL,
1998, p. 82). O MTG começou a se desenhar quando o Paixão Cortes e Barbosa
Lessa, dois estudantes do Colégio Júlio de Castilhos, foram a Montevideo, em 1948,
e se deram conta de que lá havia dança / folclore e aqui não. A partir daí fundaram o
primeiro Centro de Tradições, um lugar que em tudo copiava uma realidade na qual
nem mesmo eles nunca viveram, o campo. Dacanal (1998) observa que as
oportunidades oferecidas pelos centros urbanos atraiam não só migrantes pobres,
peões incultos ou deserdados sociais.
34
Pelo contrário, procedentes quase sempre de famílias de estratos inferiores
da oligarquia ou das regiões mais atrasadas da campanha, alguns
conseguiram não apenas estudar como também fazer carreira como
profissionais liberais, pequenos empresários, etc. [...] fortemente marcados
por seu passado agrário, sentiam-se estranhos à cultura urbana [...] que se
submetia à rápida norte-americanização, típica do segundo pós-guerra
(DACANAL, p. 85, 1998).
O chimarrão (mate, caá), bebida descoberta pelos índios guaranis que
habitavam as regiões noroeste do Rio Grande do Sul, oeste dos estados de Santa
Catarina e do Paraná,até o Paraguai foi instituído como oficial. Comprovações nesse
sentido podem ser apreciadas em obras como „Mídia Nativa e Cultura Regional‟, de
Nilda Jacks, ou „A parte e o todo‟, de Ruben Oliven, ou, ainda,„O desfalecido orgulho
gaúcho‟, de Décio Freitas, estes alguns dos maiores antropólogos sul-riograndenses. Portanto, a questão da identidade gaúcha foi toda uma cultura
artificialmente construída.
Segundo Ruben George Oliven (2006), a criação do movimento
tradicionalista no Uruguai ocorreu com a fundação em 1894, em Montevidéu, da
Sociedad Criolla. Já na Argentina, segundo outros dois importantes historiadores
argentinos, Raúl Osvaldo Fradkin e Juan Carlos Garavaglia, o mito do gaúcho
remete a dois momentos em contextos diferenciados: num primeiro momento, em
1870, com sua consagração literária, pontuado por profundas transformações na
agricultura e a demarcação de fronteiras e, em um segundo momento, em 1913,
quando é determinada a construção nacional de sua busca de definição em termos
das tradições.
A tentativa de afirmação do elemento humano gaúcho no Rio Grande do
Sul só aparece bem mais tarde, em 1947, com a fundação do 35 CTG (Centro de
Tradições Gaúchas). Essas recriações – tanto no Uruguai como na Argentina e no
Rio Grande do Sul têm objetivos identitários que são expressos através de
estratégias de afirmação do regional, envolvendo múltiplos atores em luta simbólica
pelo monopólio de interpretação “do que foi o gaúcho”. Um desses grupos, o MTG
(Movimento Tradicionalista Gaúcho), é o espaço de culto ao gaúcho, uma espécie
de clube social onde se realizam fandangos (bailes) e outras atividades
tradicionalistas, buscando perpetuar o simbolismo do homem sul-rio-grandense
além- fronteiras das suas sedes sociais, alcançando as escolas e as universidades.
35
“Em sua estrutura, apropria-se e (re) significa a nomenclatura das antigas estâncias.
Seu presidente é designado como „patrão‟, o tesoureiro é o „agregado das patacas‟
etc. Os homens que o frequentam recebem a designação de „peão‟ e as mulheres
de „prendas‟” (BRUM, 2009, p.42).
O mito do gaúcho e seus elementos componentes como: a miscigenação,
a democracia racial, a produção sem trabalho, a igualdade, o heroísmo,
correspondem a uma construção ideológica da oligarquia rural sul-rio-grandense que
buscava diferenciar-se externamente e justificar internamente seu poder. Entenderse como gaúcho possibilita identificar-se com algo, com uma cultura específica, um
passado determinado, ter uma figura na qual espelhar-se, sentir-se como parte de
um grupo. Após a fundação do primeiro Centro de Tradições Gaúchas vieram
inúmeras outras instituições ligadas ao MTG que se multiplicaram em nível estadual,
nacional e, também, internacional. Os primeiros atores do gauchismo que se
constituem em um movimento organizado e atento a tudo que diz respeito aos bens
simbólicos do Rio Grande do Sul como meio de exercer seu controle e orientação,
afirma Oliven (2006).
Os tradicionalistas que participam do Movimento Tradicionalista Gaúcho,
no Rio Grande do Sul, entendem que o pertencimento implica em certos modos de
agir e ver o mundo. Para tanto exigem que se respeite determinadas normas de
vestuário, festivais, música, gastronomia, dança, entre outros. Essas normas têm por
objetivo não distorcer a imagem idealizada de gaúcho conforme preconiza o MTG.
Os CTGs nascem recriando, estilizadamente, as formas culturais dos
deserdados do campo, mas enquadrando-as no brete ideológico em que
haviam nascido, o que fica explícito nas quatro palavras-chave do
movimento: galpão, patrão, peão e prenda (OLIVEN, 2006, s/p ).
As tentativas institucionais de normatizar as práticas e manifestações
tradicionais
gaúchas,
segundo
alguns
historiadores,
colaboram
para
a
desconstrução da identidade de um tipo humano que ficou conhecido como gaúcho.
Essas instituições, que têm no Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG/RS) sua
mais significativa expressão, se autolegitimam como guardiãs do patrimônio
tradicional gaúcho no Rio Grande do Sul. Valem-se, principalmente, dos feitos
heroicos e da exaltação das qualidades de um ancestral histórico. Para historiadores
críticos a essas instituições, as apropriações de determinados aspectos culturais em
36
detrimento de outros forjam uma tradição centrada numa figura representativa
idealizada e mitificada do gaúcho que é cultuado no MTG.
Cabe registrar ainda duas instituções que se vinculam ao tradicionalismo
a CBTG (Confederação Brasileira de Tradição Gaúcha) – entidade maior do
Movimento Tradicionalista Gaúcho brasileiro, cujo objetivo é valorizar, defender,
organizar, representar e promover as tradições e a cultura gaúchas, uma sociedade
sem fins lucrativos, fundada em 1987. E, o IGTF (Instituto Gaúcho de Tradição e
Folclore) que está vinculado à Secretaria de Estado da Cultura (Sedac) fundado em
Dezembro de 1974, que tem como finalidade: promover estudos, pesquisas e a
divulgação da cultura sul-rio-grandense e os valores, especialmente folclore,
tradição, arte, sociologia e história.
Já Dacanal (1998), lembra que a força e a permanência de uma
identidade regional em cujas origens está a oligarquia rural da fronteira sudoeste,
não apenas consolidara seu poder já no início do século XIX como também, o
manteve intacto por mais de um século, sobrevivendo às crises de 1835, 1893 e
1923 e desaparecendo apenas ao integrar-se no Estado Nacional centralizado após
a revolução de 1930. De tal sorte que deixando atrás de si suas construções
ideológicas que sobreviveram intactas até meados de 1970 e, ainda, continuam
exercendo influência na vida e na cultura do Rio Grande do Sul.
Para exaltar a memória na formação do homem sul-rio-grandense, é Kern
(1998), quem coloca que os conquistadores e colonizadores ibéricos marcaram de
maneira indelével o continente com a sua cultura, bem como haviam, igualmente,
sido tocados profundamente pelas raízes culturais da época. Destaca alguns traços
culturais como: chimarrão e poncho; churrasco e palheiro; boleadeiras e fogo de
chão; milho e mandioca; redes e cachimbos; tabaco e erva mate, entre tantos
outros, eram coisas das quais os seus antepassados açorianos, naquelas ilhas
perdidas no Atlântico, jamais haviam ouvido falar.
A partir dessas reflexões é possível perceber que a presença do índio, do
negro e dos descendentes dos colonos alemães e italianos, ficaram excluídos da
construção da identidade sul-rio-grandense, sendo que o tipo representativo
continua com a figura do gaúcho da campanha, como teria existido no passado. E é
esse o modelo do protagonista das chamadas danças tradicionais ou tradicionalistas
do Rio Grande do Sul. Na busca de um referencial que possa dar luz às reflexões
37
sobre o reconhecimento da maneira como os atores sociais dão sentido às suas
práticas, buscamos em Chartier o seguinte pensamento:
[...] as capacidades inventivas dos indivíduos ou das comunidades por um
lado e por outro, as restrições e as convenções que limitam – de maneira
mais ou menos clara conforme a posição que ocupam nas relações de
dominação – o que lhes é possível pensar, dizer e fazer (CHARTIER, 2002.
p 49).
Observa, ainda, Chartier (2002), que a questão acima relatada é válida
para obras letradas e criações estéticas, sempre inscritas nas heranças e nas
referências que as fazem concebíveis, comunicáveis e compreensíveis. Com essa
reflexão, buscamos compreender a dinâmica sobre a ideologia e os interesses dos
setores dominantes, no que se refere às danças “ditas” tradicionais do Rio Grande
do Sul.
38
2 DANÇAS TRADICIONAIS GAÚCHAS
A LEI ESTADUAL Nº 12.372, DE 16 DE NOVEMBRO DE 2005. Reconhece
como integrantes do patrimônio cultural imaterial do Estado, as danças
tradicionais gaúchas e respectivas musicas e letras.
A dança – em seus diferentes gêneros – adota formas de expressão e
estruturas simbólicas do período e do contexto em que está inserida. Situá-la na
época e ambiente social pode estabelecer suas relações com os pensamentos, os
modos de agir e a ideologia de um momento de civilização. Na medida em que o
mundo se torna uma aldeia global e a cultura massificada, possuir uma identidade
regional confere ao sujeito um ponto de referência. As danças tradicionais gaúchas
são reflexo de um contexto que, atualmente deflagram uma grande massa de jovens
e admiradores a praticarem as mesmas.
Nossas tradições, quando estavam morrendo, pelo esquecimento,
receberam a provocação dos estudiosos Paixão Côrtes e Barbosa Lessa, que
embrenharam-se pelos recantos da querência e estâncias vizinhas, recolhendo
coreografias de muitas danças. (LAMBERTY,1989)
E é a partir destes dois folcloristas que iremos falar sobre as Danças
Tradicionais Gaúchas que, “há um quarto de século, ressurgiram como danças
tradicionais
– ou “projeções folclóricas” - entre jovens pré-universitários de Porto Alegre;
e que talvez voltem a ser folclóricas um dia, quando a massa popular
interpretá-las com a mesma espontaneidade e atualidade com que fala ou
trabalha, sem a auto-consciência de estar cultuando artisticamente vestígios
do Passado.” (LESSA E CÔRTES, 1975, s.p)
39
2.1 Os Primeiros Passos
Figura 9: A autora e Paixão Côrtes em um Evento na UFRGS -2014 / Arquivo Pessoal
De acordo com Côrtes (1997), em 1947 surgiu o Movimento
Tradicionalista Gaúcho, e a fundação do 35 CTG que foi o primeiro Centro de
Tradições Gaúchas na cidade de Porto Alegre.
Em 1949 o CTG 35 foi participar, com sua invernada artística, dos festejos
comemorativos ao Dia da Tradição, em Montevidéu, ainda sem a presença da dança
na mesma. Ao retornar, seus integrantes sentiram a necessidade de estabelecer
contato com as coreografias. É quando requisitam a participação das primeiras
prendas e a entrada de mulheres para o quadro associativo. A viagem serviu de
estímulo para pesquisas desenvolvidas por Barbosa Lessa e Paixão Côrtes, que
influenciaram a atuação das invernadas artísticas dos CTGs e, em consequência, o
surgimento dos grupos de danças tradicionais. Integrantes estes, que faziam parte
do grupo dos 8 como mostra a (FIGURA 10), e, que foi fundado na Escola Júlio de
Catilhos em Porto Alegre, através de Departamento de tradições gaúchas do Grêmio
Estudantil; Barbosa Lessa entrou para o grupo alguns anos depois. (Côrtes, 1997).
40
Figura 10 - Clube dos 8
Ambos deixaram, e deixam histórias, pesquisas e ideais importantes para
a cultura, especialmente para a dança no Rio grande do sul; sendo assim, alguns
desses ideais serão citados. De acordo com LESSA16 / CÔRTES17(1975) convém
esclarecer que, nas pesquisas que realizaram de 1950 a 1952,e em anos
subseqüentes, o elemento básico foi sempre a coreografia.
Em 1952, no Concurso Mário de Andrade, Lessa e Paixão apresentaram
em São Paulo um trabalho que conforme os autores : “ divulgávamos artisticamente
os motivos coreográficos gauchescos como parte integrante do pioneirismo
tradicionalista. ( LESSA e CÔRTES, 1975,s.p)” Mas este trabalho só surgiu devido a
uma pesquisa realizada após 3 anos de campo. Motivos esses que surgiram após
uma viagem para Montevidéu em março de 1949, onde ambos junto com outros
componentes do “35” foram participar dos festejos do “Dia de lá Tradición Uruguaia”,
16
Luiz Carlos Barbossa Lessa nasceu no ano de 1929 na Cidade de Piratini, além de folclorista era
também, advogado, músico e escritor. Morou em São Paulo e Porto Alegre, contibuiu para uma
Coluna Cultural no Jornal Zero Hora, e participava da TV TUPI em SP, Casado com Nilza Lessa se
aposentou e foi morar na cidade de Camaquã, onde hoje existe a fundação Barbosa Lessa no Sitio
Água Grande que foi vendido para a Prefeitura, e se tornou ponto turístico da região. Veio a falecer
em março de 2002 com 72 anos devido a um câncer no pulmão.
17
João Carlos D'àvila Paixão Côrtes nasceu dois anos antes, em 1927 na cidade de Santana de
Livramento e se tornou radialista, compositor, folclorista e pesquisador assim como Lessa. Paixão se
formou em agronomia, e foi um dos primeiros pesquisadores a trazer novos métodos de tosquia para
o mercado de ovinocultura do Estado.
41
onde os grupos locais apresentaram, músicas e algumas danças, e eles nada de
dança. “ Nós dois voltamos de Montevidéu decepcionados com nossa pobreza de
temas musicais e coreográficos de cunho tradicional. E, mais que decepcionados,
intrigados. (LESSA E CÔRTES , 1975)”
Intrigados com o esquecimento das músicas e coreografias decidiram
então montar umas das danças ensinadas em Montevidéu, a meia-canha, e foi
assim o primeiro contato com as danças.
Publicado pelos dois pesquisadores, em 1957, já como uma segunda
edição, o Manual de Danças Gaúchas ainda se constitui em um referencial
significativo para os dançarinos das invernadas artísticas de dança. Consta no
manual: Ensinamentos Gerais - noções sobre a formação das danças populares;
indumentária, instrumentos e saudação; conceitos indispensáveis; os sapateados; o
sarandeio, pela dama. Primeira Parte: Danças sem sapateado – Chimarrita,
Pezinho, Caranguejo, Cana-Verde, Maçanico, Quero-mana, Rilo, Meia-Canha (Polca
de Relação), Pericom, O Chote, Chote de Duas Damas, Rancheira, Rancheira de
Carreirinha, Terol e Pau de Fita. Segunda Parte: Danças com sapateado – Tirana do
Lenço, Anu, Balaio, Tatu, Chimarrita Balão, A Chula. Suplemento Musical e
Ilustrativo – com listagem de todas as danças.
As danças tradicionais gaúchas originaram-se das antigas danças
brasileiras e das trazidas pelos imigrantes. Estas danças aqui se
agaucharam adquirindo cor local, e foram marcadas por duas, das principais
características da alma do gaúcho: a teatralidade e o respeito à mulher
(OLIVEN, 2006, p.23).
A
partir
dessa
publicação,
o
MTG
propõe
novas
edições
e
regulamentações de manuais para a execução das danças, como os ciclos e os
trejeitos que a dança proporciona ao bailarem juntos ou sozinhos. Existem
momentos de brincadeiras, momentos de galanteios, namoros e até mesmo flertes.
O momento em que surge a proposta chamada de interpretação, os
bailarinos possuem em suas mentes a ideia de que a cada troca de dança, muda o
ciclo, e então a coreografia se adapta para aquele momento do qual todos no
conjunto devem sentir e expressar o seu conteúdo.
42
Esta é a hora em que o significado disso tudo vem à tona, fazendo com
que os bailarinos se entreguem ao sentimento de estar ali representando o CTG e
interpretando as danças tradicionais. É a hora de troca com o par, de mostrar a
intimidade e a relação que se criou durante os ensaios, e até mesmo durante o
tempo de dança. Estes momentos são bem significativos e requerem do par muita
dedicação e atenção, pois o grupo todo tem que estar na mesma sintonia,
demonstrando os mesmos sentimentos, e até mesmo percebendo na sua volta a
energia que tanto está no tablado como na platéia que está assistindo e se
encantando com a dança apresentada na sala.
Figura 11: Inter- Regional do ENART – 2009 / Arquivo pessoal da Autora
Cabe, aqui, retomar que foi graças à colonização tardia do Rio Grande do
Sul em relação às outras regiões do país, trouxe danças de origem européia. Os
açorianos contribuíram muito para a formação das danças tradicionais. Segundo os
pesquisadores, essas danças se desenvolveram por dois caminhos diferentes: o das
danças dramáticas – muitas de caráter religioso - e o das danças de caráter lúdico –
realizadas em festividades cívicas ou comemorações particulares. Para os autores,
as danças de salão executadas no antigo Fandango são oriundas dos centros de
irradiação de modas e transformadas de acordo com as características de cada
região. Elas foram agrupadas e denominadas de gerações coreográficas, podendo
ser entendido por ciclos. (Ourique, 2010)
43
São registrados Quatro Ciclos de Danças, estes estabelecem a postura e
interpretação do grupo ao dançar determinada dança, que pertence a determinado
ciclo, iremos entender melhor a partir de agora.
O ciclo mais suave: O Minueto. Que conforme Ourique, 2010: “É uma
dança em andante, com formação de figuras geométricas e mesuras... Com a
criação de academias, a dança tomou forma requintada, onde um mestre de dança
coordenava, com seu próprio exemplo, os passos e gestos comedidos e
refinados de todo o conjunto.”
O Ciclo do Fandango vem a seguir com suas caracteristicas espanholas,
se tornando uma dança de galanteio e sedução (OURIQUE,2010), aonde as
prendas possuem movimentos bem femininos e os peões galanteiam e sapateiam
para elas, os tornando os galateandores daquela dança.
VIVO, ALEGRE E DESCONTRAÍDO!!!: Gritava um peão no meio da sala
quando iniciavámos a dançar a tal da Cana Verde, dança que faz parte do Ciclo das
Contradanças.
Ciclo este conhecido como um dos mais alegres e divertidos de
dançar, mas que requer atenção na evolução de suas danças.
Ciclo das Danças de Pares Enlaçados, que conforme Ourique, 2010 “Sua
característica alegre e envolvente logo levou o rítmo à preferência de muitos, com
exceção das classes aristocráticas e camadas sociais mais altas, que a
consideravam imoral e vulgar.”
Estes ciclos são executados durante as danças tradicionais gaúchas, e
conforme a tabela nas páginas 52 -56 conseguimos identificar quais são elas.
Além dos ciclos as danças são formadas por adereços ou significados
que chamam a atenção e caracterizam as diferentes danças.
Através das vivências e conhecimentos da autora nesse meio
tradicionalista, é possível perceber os elementos que caracterizam a poética das
danças, pois são protagonizados pelo casal: o peão e a prenda, que sapateiam e
sarandeiam as coreografias que compõem esse universo, cotejados por um figurino
alusivo denominado indumentária ou pilcha.
Estes dois protagonistas se encontram e, através de olhares e de sua
expressão corporal, se preparam para iniciar a dança. A dança é iniciada com um
pequeno gesto, aonde o peão oferece a sua mão direita para a prenda, convidandoa para dançar; ela assim aceitando, lhe entrega a mão esquerda e conforme Ourique
44
2010 “Chegando ao lugar onde iniciará a dança “Lugar Inicial”, eles executam um
“giro saudação”.
“Chama´se”giro saudação” ou, simplesmente, “giro” o ato pelo qual a moça,
tomada pela mão direita de seu companheiro, realiza uma volta inteira em
tôrno do próprio corpo (girando sôbre uma “meia-planta” ou executando
passos), sob o braço esquerdo.” (CÔRTES, 1997. p.20)
Figura 12:Giro de Saudação
Após o giro de saudação, ambos seguem dançando, executando os
movimentos que compõem as danças. O peão e a prenda, para executarem as
coreografias, devem estar devidamente pilchados com a conhecida indumentária.
Esta possui caracteristicas conforme épocas, mas aqui iremos apenas citar uma
breve ideia que conforme o Movimento Tradicionalista Gaúcho – MTG- é seguida e
adotada para complementar a produção das propostas de cada invernada artística.
“A indumentária possui amplo vocabulário, como por exemplo, a calça
masculina de origem indígena, atualmente chamada de bombacha e antigamente
chamada de chiripá”. (FAGUNDES, 1977). É Fagundes que classifica os trajes
gaúchos de acordo com a época. De 1730-1820 os Estancieiros se vestiam a moda
Européia, com a Braga e as cirolas de crivo. Usava também a bota de garrão de
potro, já como invenção gauchesca, bem como, o cinturão guaiaca, o lenço de
pescoço, o pala indígena, o chapéu de pança de burro. A Mulher do estancieiro
usava vestidos longos de seda ou veludo, botinhas fechadas, mantilha ou chalé.
Já o peão das vacarias usava o chiripá primitivo ou seja, um pano
enrolado como saia até os joelhos, meio aberto na frente para facilitar as lidas.
45
Geralmente na cintura as boleadeiras, a faca flamenga, a adaga ou facão. Usava
camisa de algodão branco ou riscado sem botões, apenas com cadarços. Usava
pala ou poncho. As botas eram mais comuns, as de garrão de potro, isso é, retiradas
de vacas, burros e éguas. A mulher vestia-se com uma saia comprida rodada com
uma blusa clara, pés e pernas descobertos e por baixo usava bombachinhas.
Figura 13: Traje do peão das vacarias e a china
Figura 14 e 15: Patrão das Vacarias e a Estancieira Gaúcha
46
Figura 16: Chiripá Farroupilha
De 1820-1865, o Chiripá Farroupilha é em forma de grande fralda,
passada por entre as pernas. Adapta-se ao ato de cavalgar, e é inteiramente
Gaúcho. As botas acompanham o traje. As ceroulas são utilizadas e possuem
crivos, rendas ou franjas. Na cintura faixa e guaiaca. Usava camisa sem botões, com
um jaleco ou um casaco por cima. No pescoço, lenço de seda vermelho ou branco.
Caso estivesse de luto, usava o lenço preto. Nos ombros pala, bichará ou poncho.
Na cabeça um lenço ou vincha, acompanhado ou não de chapéu com barbicacho.
A mulher usava saia e casaquinho, com discretas rendas e enfeites.
Sapatos fechados, às vezes com o fichú (triângulo de seda ou crochê, com as
pontas fechadas por um broche) ao pescoço.
Figura 17 : Bombacha e Vestido de Prenda.
47
O traje Gaúcho usado a partir de 1865 é composto pela bombacha, que
surgiu com os turcos e veio para o Brasil na Guerra do Paraguai. A bombacha são
calças largas de cós alto, com dois bolsos grandes. Acompanha a bombacha uma
camisa com ou sem colete, ou casaco. No pescoço, é usado um lenço, atado por um
nó de oito maneiras diferentes, geralmente branco ou vermelho. É usado nesse traje
o chapéu de copa baixa e abas largas. O Chapéu não é utilizado em locais cobertos.
As botas dessa época são de sapataria e geralmente pretas ou marrons, são usadas
esporas: chilenas ou nazarenas. O vestido da prenda pode ser liso ou estampado, a
saia rodada (godê poncho), com detalhes em fitas e rendas. Geralmente a prenda
usa uma flor ou fitas, no cabelo trançado ou solto.
Os dançarinos devem estar devidamente vestidos conforme a época.
Quando estão em conjunto e em momento de apresentação e no contexto
tradicionalista. As indumentárias costumam ter um alto custo para o jovem que se
propõe a dançar em uma Invernada Artística, este custo está baseado em tecidos,
rendas, bordados, chapéus, botas e adereços em geral. Muitos jovens justificam sua
saída do meio tradicionalista por não terem como se manter financeiramente com
estes custos, que não envolvem somente a indumentária, mas também viagens,
mensalidades e divisões de gastos com comidas e acessórios para ensaios.
2.2 Identificação e Características
As Danças Tradicionais Gaúchas são elementos fundamentais para os
grupos que saem pelos galpões afora dançando e cultivando as tradições gaúchas.
Não teríamos chegado até essas danças se não fossem alguns registros de Paixão
e Lessa sobre o Folclore18 e a Cultura do Rio Grande do Sul.
Ao falar em Folclore e Cultura do Estado, muitas coisas nos veem a
cabeça, como por exemplo: a nossa culinária, os nossos animais, lendas antigas,
brincadeiras, poesias e vestígios de coreografias. Os dois amigos que citamos a
18
Conforme a carta do Folclore Brasileiro: “Folclore é o conjunto das criações culturais de uma
comunidade, baseado nas suas tradições expressas individual ou coletivamente, representativo de
sua identidade social. Constituem-se fatores de identificação da manifestação folclórica: aceitação
coletiva, tradicionalidade, dinamicidade, funcionalidade. Ressaltamos que entendemos folclore e
cultura popular como equivalentes, em sintonia com o que preconiza a UNESCO. A expressão cultura
popular manter-se-á no singular, embora entendendo-se que existem tantas culturas quantos sejam
os grupos que as produzem em contextos naturais e econômicos especifícos.”
48
cima fizeram por algum tempo essa busca e acharam elementos coreográficos
espalhados pela serra, litoral e em diferentes locais do Estado, inclusive na fronteira
com outros países vizinhos.
Dessa forma o Rio Grande do Sul apresenta uma Cultura e Folclore
diversificados, pois de acordo com o Livro “Folclore Gaúcho – Festas, bailes, música
e religiosidade rural” de Paixão Côrtes algumas dessas manifestações culturais,
seguem até hoje na suas cidades de origem, como exemplo temos alguns festas:
Juninas, Cavalhadas, Festa do Divino, Natal Gaúcho, Festa para Nossa Srª dos
Navegantes, entre outras. E manifestações como: Moçambiques e Quicumbís,
adquirem relevância porque contribuem, simultaneamente, com a memória de
tradições afro-descendentes do RS e ao resgate da história dos estudos de folclore
no país.
O objeto deste estudo procura caracterizar e analisar as danças
tradicionais gaúchas […] danças que, outrora, foram de elite urbana européia,
depois da elite urbana brasileira, depois da elite urbana rio-grandense, finalmente do
meio rural rio-grandense, onde desapareceram ou quase desapareceram; mas que,
há um quarto de século, ressurgiram como danças tradicionais – ou “projeções
folclóricas” - […] (CÔRTES, 1997)
Côrtes (1997) destaca que a palavra “dançarinos” quando empregada
neste Manual, significa todas as pessoas – homens e mulheres - que participam de
uma dança.” Só que além de dançarinos, o homem e a mulher se tornam pares que
existem naquele grupo grande, que costumam ter no máximo 40 integrantes.
Cada grupo formado por um homem e uma mulher é designado pelas
expressões “par” e “homem-e-mulher”. De cada um dêsses pares,
portanto, participa uma mulher e “seu companheiro” ou “seu
par”.(CÔRTES, 1997,p.21)
FIGURA 18 - O Par
49
Para cada dança tradicional gaúcha é feito uma coreografia, algumas
delas exigem do par que se faça Sapateios pela parte do Homem, e Sarandeios pela
parte da mulher. Isso geralmente ocorre ao mesmo tempo, ou logo após o sapateio
de um peão. Na tabela das danças saberemos quais danças exigem sapateio e
saradeios.
Para tanto, o Sapateio é executado pelos homens, e até os dias de hoje
muitos peões estão com maior facilidade de criar um sapateado para cada
coreografia. Existe o Bate pé que Conforme Ourique “é o sapateio executado
sempre de toda a planta do pé no solo. Geralmente executa-se o bate- pé
alternando as batidas no solo com um pé e outro.” E assim os peões vão formando
sapateados através das bases que possuem: o Sapateio Simples, Sapateio
Continuado simples e o Sapateio Mancado. (OURIQUE, 2010)
Os sapateadores menos exímios, naturalmente vão se ater às formas de
“bate pé” ou sapateios mais simples. Os dançarinos mais hábeis, pórem,
evidentemente, irão enriquecer seus “bate pés” ou sapateios com os mais
diversos “floreios”, evitando, porém, o uso de acessórios estranhos às
características do ciclo da dança. (OURIQUE, 2010)
Já pela parte das prendas, as mulheres executam os Sarandeios, fazendo
com que as coreografias fiquem volumosas, que a cada mexer das saias, dos
vestidos elas ocupam alguns espaços e com isso, procuram chamar a atenção.
Cuidando claro, para que naquele momento todas estejam executando o mesmo
movimento. Tomadas nas suas mãos, as saias possuem movimentos que
ora
acompanham o movimento dos pés, ora não.
O sarandeio é um elemento coreográfico que tem por finalidade explorar a
graça feminina. Assim sendo, os “passos” do sarandeio não se limitam por
esquemas ou explicações pormenorizadas: o limite do sarandeio é a própria
graça da gauchinha, e se desenvolve livremente de acôrdo com as
possibilidades individuais. (CÔRTES, 1997).
As danças tradicionais gaúchas que estão no Manual OURIQUE 2010
somam um total de 25, são elas: O Anu, Balaio, Cana Verde, Caranguejo, Chico
Sapateado ou Chiquinho, Chimarrita, Chimarrita Balão, Chote Carreirinho, Chote de
Sete Voltas, Chote de Duas Damas, Chote de Quatro Passi, Chote Inglês, Havaneira
Marcada, Maçanico, Meia Canha, Pau de Fitas, Pezinho, Queromana, Rancheira de
50
Carreirinha, Rilo, Roseira, Sarrabalho, Tatu, Tatu com Volta no Meio e Tirana do
Lenço. Cada uma dessas danças possui características próprias, e como já foi
citado no capitulo anterior, elas são de ciclos diferentes.
Como foi citado, neste trabalho foram usados três Manuais de Dança
Tradicionais Gaúchas para melhor fazer a tabela e analisar a importância delas. São
eles: - Manual de Danças Gaúchas de Paixão Côrtes e Barbosa Lessa de 1997; Danças Tradicionais Gaúchas (3ªedição Revisada e Ampliada) de Alexandre
Ourique, 2010 e por último, Danças Tradicionais Gaúchas – 50 Anos – MTG, 2016.
No Manual de Danças Gaúchas de 1997, temos das 25 hoje consideras
Danças Tradicionais Gaúchas, somente 16, são elas: Chimarrita, Pezinho,
Caranguejo, Cana-Verde, Maçanico, Quero-Mana, Rilo, Meia-Canha, Chote de Duas
Damas, Rancheira, Rancheira de Carreirinha, Paú-de-Fita, Tirana-do-Lenço, Anú,
Balaio e Chimarrita Balão. E outras 5, como: Pericom, O Chote, Terol, Tatú e a
Chula. Algumas dessas cinco foram desconstruídas, e ou substituídas nos próximos
manuais. Não é o Caso da Chula que conforme Cascudo (2012) “Assim como o
carimbó, a chula também se manifestou na forma de música (canto) e dança. O
bailado é característico do sul do país, mais especificamente do estado do Rio
Grande do Sul, onde é dançado preferencialmente por homens com uma coreografia
ginástica e agitada”. Se tornando então modalidade de dança individual. (Ver item 3)
O Manual de Danças de 2010, já vem com as 25 danças, entre elas o
Chico Sapateado, Chote de Sete Voltas, Chote de Quatro Passi, Chote Inglês,
Havaneira marcada, Roseira, Sarrabalho e Tatu de Volta no Meio; danças que não
estavam no Manual anterior. Assim como cita os ciclos e alguns conceitos básicos.
Já o Manual das Danças de 2016 possui as 25 danças completas. A
diferença entre o Manual de 2010 com o de 2016 está bem mais na parte estética do
que relacionado a mudanças das danças. Ele cita um pouco sobre o Movimento
Tradicionalista Gaúcho, traz a Carta de Princípios onde cita os objetivos do MTG
dentre eles “II – Cultuar e difundir nossa história, nossa formação social, nosso
folclore, enfim, nossa tradição, como substância basilar da nacionalidade.” (MTG,
2016 - http://www.mtg.org.br/historico/219)
Ainda, aparecem algumas considerações sobre a trajetória da dança que
Conforme Ourique (2010) “Na sua longa história, a dança tomou muitas direções e,
por ser uma arte muito viva, ainda continua em mudança [...].
51
Conforme Côrtes (1997), “Em 1949, integrando uma representação de
nove gaúchos brasileiros que participaram dos festejos comemorativos do “Dia da
Tradição” em Montevidéu [...]” sabemos pelo capítulo anterior que em 1947 existia o
clube dos 8 jovens que fundaram o “35 CTG” , mas em 1949 Barbosa Lessa já tinha
se juntado com estes jovens e viajado junto para o Uruguai. Cito este momento, pois
o Manual de 1997 inicia falando de 9 jovens e não 8, e no decorrer do livro não está
claro. Assim como no Manual de 2010 e de 2016 que não citam o clube dos 8, mas
o de 2016 cita o ano de 1949 em Montevidéu.
Algumas observações como estas mostram características diferentes nos
três manuais analisados. Mas a pesquisa não é aprofundar nestas mudanças, e sim
analisar estes pequenos movimentos, pois estas Danças possuem grande
importância para todo um contexto criado pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho,
além claro, da importância de cultiva- las.
Conforme Savaris (2012), […] as Danças Tradicionais são executadas
especialmente pelos grupos de dança das entidades tradicionalistas. Elas foram
descritas e seguem regramentos e determinações, perdendo sua espontaneidade da
prática do povo. Isso se traduz na busca de normas e na elaboração de documentos
que procuram traçar diretrizes, bem como é o Manual de Danças Folclóricas, que diz
ter caráter didático e que deve obedecer a fidelidade folclórica para que não seja
deturpado, descaracterizado o que existe ou existiu nas tradições e costumes.
A tabela na próxima página lista e aponta as danças tradicionais gaúchas
presentes nos três manuais pesquisados.
Fizemos
uma
retomada
das
danças
compilando
na
tabela
a
caracterização de cada uma, as presenças e ausências nos manuais, se possuem
sapateios e sarandeios. Entendemos que ela pode ser utilizada como material
didático e de apoio para o reconhecimento das danças tradicionais gaúchas e seus
possíveis desdobramentos. Elas compõem o universo das danças sorteadas no
ENART (Item 3.1).
52
DANÇA
EMENTA
MANUAL
(Côrtes e
Lessa -1997)
MANUAL
(Ourique
2010)
MANUAL
2016 -50
Anos
DANÇAS
SAPATEADO
SARANDEIO
PARA
ENART
ANU
Dança que apresenta
características do ciclo de
fandango, expressando
toda habilidade e
teatralidade. Sapateio
vivo e sarandeios alegres
e graciosidade. Possuí
características do minueto
no passeio.
X
X
X
X
X
X
BALAIO
Dança constituída de
duas partes: uma
sapateada e com
sarandeios, que possuem
características do ciclo de
fandango e, outra, com o
movimento da roda que
possuí características das
contradanças. Canto e
dança acontecem
simultaneamente.
X
X
X
X
X
X
CANA
VERDE
De origem portuguesa,
dançada com pares
dependentes e em
conjunto, possui
característica do ciclo
contradança.
X
X
X
X
CARANGUEJO
Com características das
contradanças. A melodia
perdurou no nosso
Estado em cantigas de
roda ou brincadeiras
infantis.
X
X
X
X
CHICO
SAPATE
-ADO OU
CHIQUIN
-HO
Dança de pares
independentes, possuí
características do ciclo do
fandango na parte de
sapateio e no ciclo das
danças quando os pares
se enlaçam na execução
do valsado.
X
X
X
CHIMAR- De origem açoriana,
RITA
dançada em conjunto,
pares soltos e
dependentes, possui
característica do ciclo das
contradanças. Possui
característica romântica
em algumas figuras.
X
X
X
X
CHIMAR
RITA
BALÃO
X
X
X
X
Pares independentes
possui característica do
ciclo do fandango e ciclo
das danças de pares
enlaçados.
X
X
X
53
DANÇA
EMENTA
MANUAL
MANUAL
(Côrtes e
Lessa1997)
(Ourique
2010)
MANUAL
2016 -50
Anos
DANÇAS
PARA
ENART
CHOTE
CARREI
RINHO
Danças de pares
independentes, que possui
característica do ciclo dos
pares enlaçados
Vivacidade.
X
X
X
CHOTE
DE SETE
VOLTAS
Dança de pares
independentes, possuí
característica do ciclo de
pares enlaçados, tendo a
peculiaridade dos pares
executarem sete voltas.
X
X
X
CHOTE
DE
DUAS
DAMAS
Características das danças
de pares enlaçados. Deve
ser executada ao som de
um chote gaúcho.
X
X
X
CHOTE
DE
QUATRO
PASSI
Possui características do
ciclo de danças de pares
enlaçados e das
contradanças, com letra em
italiano, cantada pelos
dançarinos.
X
X
X
CHOTE
INGLÊS
Dança híbrida, tendo na
primeira e na terceira figura,
características do ciclo dos
minuetos e características
do ciclo de danças de pares
enlaçados, no chote
fundamental.
X
X
X
CHULA
Dança executada somente
por homens em desafio.
Uma vara de madeira no
chão, 4 m de comprimento,
um homem em cada ponta
e ao som de uma gaita se
inicia a chula.
X
X
HAVANE
-IRA
MARCADA
Dança de pares
independentes, com
característica do ciclo das
danças de pares enlaçados.
X
X
X
X
X
SAPATEADO
x
SARANDEIO
54
DANÇA
EMENTA
MANUAL
MANUAL
(Côrtes e
Lessa1997)
(Ourique
2010)
MANUAL
2016 -50
Anos
DANÇAS
PARA
ENART
MAÇANI
CO
Dança de pares dependentes
com características no ciclo
das contradanças,
principalmente pela
vivacidade de sua execução.
X
X
X
X
MEIA
CANHA
Dança com características do
ciclo das contradanças, tendo
como peculiaridade a “troca”
de quadrinhas recitativas
entre os dançarinos
X
X
X
X
O
CHOTES
Dança de pares enlaçados.
Todos os pares executam
todos os movimentos ao
mesmo tempo.
X
PAU DE
FITAS
De origem primitiva e
universal, com características
das contra- danças, onde os
dançarinos executam
evoluções em torno de um
mastro de aproximadamente
3 m de altura.
X
X
X
X
PERICO
M
Dança de conjunto. Apresenta
diversas figuras da
contradança. Os dançarinos
realizam as evoluções,
executando passos - de rancheira, bem acentuados
nos tempos fortes de cada
compasso.
X
PEZINH
O
Dança de pares
independentes com
características das contradanças, tendo sua origem nas
Ilhas dos Açores.
X
X
X
X
QUERO
MANA
Dança com características do
ciclo do minueto, revestido de
mesuras, com passos
comedidos e certa cerimônia.
X
X
X
X
SAPATEADO
SARANDEIO
55
DANÇA
EMENTA
MANUAL
MANUAL
(Côrtes e
Lessa1997)
(Ourique
2010)
RANCHE
IRA
O par se enlaça como na
valsa, e executa passos - de rancheira, para o lado, para a
frente, para trás, girado, etc.,
e bate forte- mente com o pé
quando se trata quando se
trata do 1º tempo de cada
compasso.
X
RANCHE
IRA DE
CARREI
RINHA
Coreografia especial, com
características do ciclo das
danças de pares enlaçados,
embora, a certa altura, os
peões possam sapa- tear e as
prendas sarandear, ambos
em ritmo ternário.
X
RILO
MANUAL
2016 -50
Anos
DANÇAS
PARA
ENART
X
X
X
Com características do ciclo
das contradanças, com a
peculiaridade que se
executam os passos de
marcha, preenchidos de
taconeio de passagem, do
inicio ao fim da dança.
X
X
X
ROSEIR
A
Dança com características do
ciclo do minueto, nos
passeios, no ciclo do
fandango, no sapateio e
sarandeios e, ainda, do ciclo
das danças de pares
enlaçados, “valsado” (2ª
figura)e na “roseira”(4ª figura).
X
X
X
SARRAB
ALHO
Com características do ciclo
das danças do fandango e
também do ciclo das
contradanças.
X
X
X
SAPATEADO
SARANDEIO
56
DANÇA
TATU
EMENTA
Com características do ciclo
do fandango, sendo uma
criação coreográfica da
invernada artística do 35 º
CTG, em 1954, realizada a
partir da adaptação da
partitura do musical editada
pro Graciano Azambuja, em
1903, no Anuário do RGS.
MANUAL
MANUAL
MANUAL
(Côrtes e
Lessa1997)
(Ourique
2010)
2016 -50
Anos
X
X
X
X
X
X
X
TATU DE Era uma das cantigas do
VOLTA
fandango gaúcho. O
NO MEIO sapateado é executado
simultaneamente com o
canto.
TEROL
Dança sapateada de par
solto. Possui uma mimica
amorosa, que Caracteriza tal
geração e que se resume em
um movimento de
aproximação, fuga e encontro
final dos dançarinos
X
DANÇAS
SAPATEADO
SARANDEIO
X
X
PARA
ENART
x
2.3 Danças Tradicionais e seus desdobramentos
As danças consideradas tradicionais podem ser deslocadas para
ambientes distintos dos originais. Se forem espetacularizadas temos que considerar
a interferência de diversos elementos como: iluminação, sonorização, cenários,
frontalidade, preparação corporal, preocupação técnica, delimitação espaçotemporal e todos os demais elementos que compõem uma composição cênica,
constituindo a forma.
Relacionando técnica e a poética, podemos compreender que técnicas de
dança resultam de processos que se acumulam, desdobram-se de tradições
e inovações, necessidades e intenções formativas, concepções filosóficas e
estéticas de coreógrafos e bailarinos, influenciados por um contexto
histórico e social, mas também por um contexto poético, por um contexto de
criação de obras coreográficas. (HOFFMANN, 2016)
Vistas como possibilidade artística, as danças folclóricas ou, no nosso
caso, as danças tradicionais, são de fácil aprendizado, principalmente por estarem
57
permeadas pela cultura das pessoas que as executam, como se destas estivessem
embrenhados, em conexão. Nesse universo da dança, encontra-se a necessidade
de entender o dançarino para poder facilitar o nível da sua interpretação e
preparação corporal, levando em conta que a música, a letra e a coreografia
precisam ter conexão para tornar o trabalho mais expressivo.
A dança pode ser um dos aspectos motivacionais para a inclusão do
indivíduo no seu contexto social, trazendo então melhoria na qualidade de vida que
reverberará em torno deste indivíduo. Nesse sentido Marques (2012) diz:
A arte em si não é uma panacéia mágica para avaliar consciências ou
acalmar os desvalidos, ela é uma área de conhecimento que traz em seu
bojo (como qualquer outra área de conhecimento) possibilidades de abrir
mundos, de ver/ler o nosso de outras formas, de vislumbrar soluções a
partir de outros pontos de vista (MARQUES, 2012, p.92).
São os bailarinos que dançam, e por trás deles, seus passos, encantos e
sorrisos, batidas de pé e gestos que se igualam a corações vibrando em um
compasso, onde descortinam seus motivos, explanam seus sentimentos, para
descobrirem o que lhes motivam a dançar.
A dança tradicional gaúcha quando coreografada pode ser considerada
parte da história contada, pois exprime sentimentos oriundos dos usos e costumes
do gaúcho. As danças folclóricas representam a história de cada região e nesse
sentido os fatos folclóricos são a base dessa poética que, segundo Dantas (1999),
se entende por inspiração poética o ato de buscar em obras consagradas indicações
para construir uma obra própria. Ela ainda relata as diferenças semiológicas entre as
categorias de dança dando ao folclórico caráter lúdico, apesar de guardar caráter
mítico.
Quando preparamos uma dança étnica ou folclórica para o palco, é
importante que haja uma criteriosa pesquisa das características originais de cada
dança, objetivando manter a essência e os elementos históricos nessa nova
composição coreográfica se o objetivo for continuar compondo a cena dentro desse
universo ligados aos elementos que compõe as poéticas folclóricas. A essas
58
releituras, são dadas várias denominações, como folclore estilizado, parafolclore 19
ou folclore de projeção.
Uma outra possibilidade ainda mais comum em apresentações de dança
é o diálogo entre as danças folclóricas e outros gêneros de dança. Como por
exemplo: As danças características ou de demi-carácter20 que aparecem nos balés
de repertório como: Quebra-Nozes, Dom Quixote, O Lago dos Cisnes, entre outros
e, que trazem elementos de danças características de um lugar ou país e são
incorporadas naquelas poéticas de dança clássica.
Existem ainda trabalhos de dança contemporânea partindo de temáticas
folclóricas, como o Grupo Corpo (Grupo de Dança Contemporânea de Belo
Horizonte) cujas pesquisas se estabelecem geralmente com a matriz indígena ou
Africana. “De qualquer modo, cabe afirmar que não é o uso da temática que
assegura o status da dança folclórica à obra, mas, sim, sua predominância técnica e
estética, tal qual os seus objetivos.” (Hoffmann, 2016)
A concepção de uma coreografia ou espetáculo de danças folclóricas é
desenvolvida de acordo com o contexto da proposta e dos interesses estéticos do
projeto. Se for um grupo tradicional ou étnico, ele vai, em condições habituais, ser
fruto do que aprendeu geracionalmente. Se for um processo de apropriação
contemporânea, vai depender de uma pesquisa mais aprofundada dos elementos
que compõem a poética daquela proposta, que vai se desdobrar em um processo de
composição que respeite as características essenciais daquela manifestação, de
modo a não descaracterizá-la.
Entre os elementos poéticos das danças gaúchas, por exemplo, estão
presentes o sapateio, o sarandeio, o movimento com o lenço, com a saia, com
chapéu e outros elementos cênicos que compõem a indumentária, como a espora,
boleadeiras, lanças, palas, saia rodada, bombacha, xeripá, faixa de cintura, tirador,
guaiaca, entre outros tantos. A partir desses elementos, pode o coreógrafo
19
Chamamos de parafolclóricos ou de projeção os grupos que apresentam folguedos e danças
folclóricas, cujos integrantes, em sua maioria, não são portadores das tradições representadas, se
organizam formalmente e aprendem as danças e os folguedos através do estudo regular, em alguns
casos, exclusivamente bibliográfico e de modo não espontâneo (Carta da Comissão Nacional de
Folclore – Capítulo III – Salvador – 1995).
20
Desde o começo do século XIX, o interesse pelo estudo do folclore e seu emprego nas artes
teatrais vai ganhando força na Europa e principalmente, na Rússia. No romantismo, nos espetáculos
de Taglioni e Jules Perrot, a nova expressão - “dança de demi-carácter- definia o recurso que “servia
de contraposição do mundo das Sílphides ao mundo real, subordinado às leis ditadas pela música
orquestrada ou sinfônica e à linha estilística do espetáculo”.
59
desenvolver a proposta e fazer a fusão dos estilos e técnicas. Existe uma proposta
de reconhecimento de algumas das características das danças folclóricas gaúchas,
com possibilidades de releitura e utilização para a composição de novas
interpretações coreográficas, estéticas e pedagógicas.
A espontaneidade é percebida quando trabalhamos com as danças na
escola. Na escola trabalhar com as crianças o folclore proporciona uma grande
riqueza para ambos, pois a ideia principal do folclore é essa, passar de geração para
geração, e quando nos deparamos em compartilhar com nossos alunos o que
sabemos e viemos ensinando, nos tornamos um meio gerador de folclore, e estamos
fazendo o nosso papel no mundo para que o aprendizado seja passado a diante.
Nos ambientes de ensino e aprendizagem da dança, consideramos
importante o estudo das características de determinada manifestação folclórica, para
então, construir possibilidades novas de criação a partir desta contextualização
inicial. O professor de dança na Educação Básica, por exemplo, pode inventar jogos
e outras atividades que cumpram com os objetivos específicos da sua aula, em
diálogo com a dança folclórica que, por si só, já carrega motivações próprias e
desperta no aluno a sua espontaneidade/naturalidade,
Em geral, a dança no contexto escolar é vista como recreação ou como o
caminho mais curto para se chegar a apresentações de fim de ano, não
sendo dada a ela a devida importância como as outras disciplinas, nem
correlacionando o tema com as diferentes atividades escolares diárias. Na
maioria das vezes, o lado estético da dança é priorizado em detrimento de
seu caráter educacional e social, como por exemplo, o conhecimento sobre
o funcionamento do seu próprio corpo (STRAZZACAPPA & MORANDI,
2006, p. 78).
A dança no ensino formal deve ser trabalhada de tal maneira que haja um
compromisso ético do professor para que ela assuma sua real função, que consiste
em proporcionar ao educando seu conhecimento corporal ao mesmo tempo em que
lhe permite desenvolver a sensibilidade para esta manifestação artística.
O trabalho em escolas com danças, cantigas e brincadeiras de roda,
música e demais elementos do folclore contribuem para uma crescente valorização
e conhecimento das manifestações populares e favorecem o resgate cultural das
raízes e expressividade de um povo.
Considerando a diversidade da formação cultural do Brasil, pode-se dizer
que é impossível estabelecer um padrão único de preparação corporal, de
60
composição coreográfica ou de montagem de espetáculos das danças regionais ou
folclóricas. Nesse âmbito, é fundamental uma ação interdisciplinar onde a dança
folclórica se associa aos temas transversais e reflete de forma dinâmica os usos,
costumes e características das diferentes regiões a serem investigadas.
Figura 19. Apresentação de Composição Coreográfica II – 2013 - Foto Marcel Ávila.
No universo das danças tradicionais mencionadas no ítem 2.2,
percebemos
as
inúmeras
possibilidades
de
interpretações,
projeções
e
desdobramentos que podem ser exploradas nos diferentes ambientes onde a dança
se insere, especialmente quando pensamos em inserí-la no ambiente escolar. A
dança considerada um dos conteúdos representativos da cultura, deve estar inserida
na escola tanto na educação infantil como ensino médio, considerando ser o maior
espaço da construção do conhecimento.
A dança na instituição escolar deve assumir seu papel enquanto
atividade pedagógica e educativa, não podendo se resumir à aquisição de
habilidades motoras, como afirma Verderi (2002) a dança deve contribuir para o
aprimoramento dos padrões fundamentais do movimento, no desenvolvimento das
potencialidades humanas e sua relação com o mundo. A dança na escola pode ter
real compromisso com a educação, sua função é educar, formar o aluno para a vida,
contribuindo na formação de um cidadão que, de acordo, com Marques (2003) não
61
podemos ignorar o papel social, cultural e político do corpo em nossa sociedade e,
portando da dança.
Nessa perspectiva trabalhar as danças tradicionais gaúchas na escola
nos leva a crer que estaremos contribuindo para a criação e a busca de novas
formas de aprendizagem, considerando as suas diversidades nos desenhos
coreográficos, nas suas dinâmicas e seus tempos musicais e, ainda, podendo serem
transformadas em espetáculos cênicos.
62
3. O ENART (Encontro de Artes e Tradição Gaúcha)
Olha lá! O resultado taí.
Tem gente que chora,
Tem gente que chora de rir,
Não dá bola, - É loucura normal
Porquê é festival.
21
(Fernando Corona )
Sim, é festival, e um dos maiores de Arte amadora da América Latina. Faz
muita gente chorar de rir, e de nervosismo. É um grande Encontro de amigos,
famílias, amores, rumores, de Artes e Tradição.
Conforme a Unesco, o ENART é o maior festival de arte amadora da
América Latina. É um evento promovido anualmente pelo Movimento Tradicionalista
Gaúcho – MTG e objetiva promover o tradicionalismo gaúcho por meio de
competições entre os Centros de Tradições do Rio Grande do Sul, através dos seus
integrantes que se apresentam em diversas modalidades artísticas
3.1 Retrospectiva
O ENART é um evento de grande importância para o meio tradicionalista
do estado do Rio Grande do Sul que cultiva as tradições através das gerações.
Segundo a UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura – o ENART, o encontro de Artes e Tradição é considerado o maior festival
de arte amadora da América Latina.
O ENART está na sua trigésima primeira edição. Tudo começou com uma
grande competição entre os CTGs, no ano de 1983 para que as pessoas que
frequentavam as aulas de alfabetização do Mobral, tivessem um incentivo e estímulo
no aprendizado, bem como evitar a evasão escolar. Inicialmente, foram convidados
trovadores, gaiteiros que faziam apresentações em rádios para irem às salas de
21
Pianista, tecladista e compositor., nascido em Porto Alegre.
63
aula. Os tradicionalistas aceitaram o desafio e começaram a freqüentar o ambiente
escolar, semanalmente, sem anunciar o dia certo. A ação deu certo e atraiu os
alunos. Várias regiões do Estado começaram a adotar a iniciativa. Nesse clima
surgiu a ideia de fazer uma grande competição entre os CTGs. Com o apoio da 5ª
Região Tradicionalista, MTG e IGTF o concurso passa pelos municípios e ganha o
Estado. Era o Festival Gaúcho de Arte Popular e Folclore e o MOBRAL22. O evento
foi apresentado ao prefeito da cidade de Farroupilha, que o assumiu, em 1985
denominado FEGART. A primeira edição foi no ano de 1986 com o nome de
FEGART na cidade de Farroupilha. Depois de ser realizado durante 11 anos na
Serra Gaúcha, o evento passou a acontecer na cidade de Santa Cruz do Sul e
desde 1997 não mudou mais sua sede de realizações. O nome mudou para ENART
e permanece até hoje se consolidando no meio tradicionalista gaúcho.
Mas ao longo dos anos, surgiram algumas mudanças significativas.
Aumentou o número de categorias concorrentes e que abrangem diferentes
aspectos da cultura gaúcha.
O evento é realizado em três etapas anuais que são: as regionais, as
inter-regionais e a final. Participam do evento competidores de todo o estado do Rio
Grande do Sul, que atraem espectadores de todo mundo para conhecer e apreciar
as tradições do povo gaúcho.
No “Art. 1º - O Encontro de Artes e Tradição Gaúcha - ENART, tem por
finalidade a preservação, valorização e divulgação das artes, da tradição,
dos usos e costumes e da cultura popular do Rio Grande do Sul. '”
(Regulamento ENART 2015 - http://www.mtg.org.br/enart/413)
O Encontro fez 31 anos em 2016, e segue sendo o evento dessa natureza mais
importante no Estado para os grupos de dança dos CTGs. São exaustivas horas de ensaio e
etapas para que na época de novembro todos se encontrem na Cidade de Santa Cruz do
Sul, durante 3 dias para respirar Arte e Tradição. Anterior ao evento existem etapas, e elas
são importantes para selecionar os mais de 30 grupos que querem participar destes três
dias.
22
Movimento Brasileiro de Alfabetização - Programa criado em 1970 pelo governo federal com
objetivo de erradicar o analfabetismo do Brasil e dez anos. O Mobral propunha a alfabetização
funcional de jovens e adultos, visando “conduzir a pessoa humana a adquirir técnicas de leitura,
escrita e cálculo como meio de integrá-la a sua comunidade, permitindo melhores condições de vida”.
O programa foi extinto em 1985 e substituído pelo Projeto Educar.
64
No ENART são apresentadas quinze modalidades artísticas, dentre elas,
Declamação, Danças de Salão, Chula, Conjunto Vocal e as Danças Tradicionais. As
modalidades são divididas por palcos. A primeira fase é a regional. Nela, trinta regiões
tradicionalistas passam para a segunda etapa a inter-regionais. A etapa final ocorre em
Santa Cruz do Sul sempre no terceiro final de semana de novembro.
3.2 Significado e abrangência
Os jovens participantes do ENART passam a maior parte de seus dias
ensaiando dentro dos galpões, e a maioria destes ensaios acontecem aos finais de
semana, fazendo com que suas vidas sociais sejam limitadas, pois a dedicação para
chegar ao ENART em novembro é constante. Os grupos passam por outras
competições, como os rodeios que acontecem em alguns meses, e são promovidos
pelas regiões tradicionalistas e seus CTGs. Muitas invernadas participam para ter
um retorno com relação à execução das danças pelos seus instrutores/professores.
O instrutor de danças tradicionais é aquele que acompanha este movimento e faz
uma análise para o grupo que ele trabalha sobre seu andamento na sala. Um
instrutor pode ter mais de um grupo. Citamos, aqui, o link com a lista de alguns
instrutores conhecidos e reconhecidos pelo MTG: http://www.mtg.org.br/artistica/463
Os instrutores das Danças Tradicionais devem possuir conhecimentos a
cerca de cursos promovidos pelo MTG (Cfor23) e através de suas experiências
técnicas.
Os CTGs estão localizados por Regiões Tradicionalistas (Ex: Pelotas é
representada pela 26º RT, Porto Alegre pela 1º RT). Os grupos são separados por
Regiões Tradicionalistas, cada Região possui uma equipe, com um coordenador, e
cada Região organiza a 1ª Etapa do ENART – Regional- .
Curso de Formação Tradicionalista. É destinado especialmente a quem exerce ou pretende exercer
a função de liderança no Movimento Tradicionalista Gaúcho.
23
65
Figura 20: Mapa das RT do Estado do RGS
Segundo regulamento do ENART na primeira etapa regional, classificamse 7(sete) ou mais concorrentes, conforme § 5º em cada uma das modalidades do
ENART em cada RT.
§ 5º - Nas Regiões em que houver a realização da etapa regional, as
classificações serão de acordo com o numero de concorrentes (que se
apresentarem), conforme quadro abaixo:
- De 7 a 9 concorrentes, classificam-se, 7 (sete);
- De 10 a 13 concorrentes, classificam-se, 8 (oito);
- De 14 a 16 concorrentes, classificam-se, 9 (nove);
- De 17 a 19 concorrentes, classificam-se, 10 (dez);
- De 20 a 22 concorrentes, classificam-se, 11 (onze);
E assim sucessivamente em todas as modalidades. “(REGULAMENTO
ENART)
Após as Regionais, os grupos classificados passam para a 2ª ETAPA –
INTER-REGIONAL, que é organizada pelo MTG, e possui 3 eliminatórias, contendo
10 RT cada, sendo elas em cidades distintas e com as RT correspondentes. A seguir
exemplo de 2015:
66
“Primeira Inter-regional: as RTs classificadas em 1º, 4º, 7º, 10º, 13º, 16º, 19º,
22º, 25º e 28º;
Segunda Inter-regional: as RTs classificadas em 2º, 5º, 8º, 11º, 14º, 17º, 20º,
23º, 26º e 29º;
Terceira Inter-regional: as Rts classificadas em 3º, 6º, 9º, 12º, 15º, 18º, 21º,
24º, 27º e 30º. (REGULAMENTO ENART 2015).”
Figura 21
E sucessivamente os CTGs que se classificarem na Etapa anterior, estão
automaticamente participando do ENART.
E, em relação ao Concurso das Danças Tradicionais Gaúchas, elas são
separadas por 3 blocos, onde os grupos sorteiam 3 danças de cada bloco. Estas
danças são sorteadas 15 minutos antes da apresentação. São 40 Invernadas
Adultas que participam do ENART na Categoria Danças Tradicionais e são divididas
em 5 blocos de apresentação que iniciam na sexta-feira até o sábado pela noite
(VER ANEXO A pág 80 )
De acordo com o regulamento, a cada ano irão a sorteio, para
apresentação no concurso, 3 blocos, totalizando 18 ou 19 danças, colocadas em três
urnas.
a) Na primeira urna serão colocadas as seguintes danças: Anu, Quero
Mana, Sarrabalho, Chimarrita, Maçanico. Chote de “Quatro Passi” e Chote Inglês.
67
b) Na segunda urna serão colocadas as seguintes danças: Pau-de-Fitas,
Roseira, Meia Canha, Rilo, Balaio, Cana Verde e Caranguejo.
c) Na terceira urna serão colocadas as seguintes danças:Rancheira de
Carreirinha,Tirana do Lenço, Chimarrita Balão, Chico Sapateado,Tatu de Volta no
Meio,Tatu, Pezinho, Chote Carreirinho, Chote de Duas Damas, Havaneira Marcada e
Chote de Sete Voltas.” (REGULAMENTO ENART 2015)
Após o sorteio, o grupo tem 15 minutos de Conversa, e em seguida, a
apresentação de 20 minutos no tablado. As Danças Tradicionais são avaliadas pelos
seguintes requisitos: Correção coreográfica, harmonia de conjunto e interpretação
artística. Cada jurado destes requisitos possui uma planilha organizada pelo MTG.
(VER ANEXO B). Nelas, somam ou descontam notas conforme critérios de avaliação
que existem, e também através de mudanças que podem ocorrer durante
Congressos Tradicionalistas e Cursos.
Nestes 20 minutos de apresentação também estão incluídas as
coreografias de Entrada e Saída do grupo ao tablado. As Entradas e Saídas são
coreografais com um contexto histórico, e um fim. Nelas os grupos pesquisam um
tema que se encaixe no Contexto do Rio Grande do Sul, e através de movimentos e
teatralidade abrem as apresentações de cada Grupo de dança concorrente.
De acordo com Côrtes (1991, p. 16):
“Vale dizer que o item „Entrada e Saída‟ tem uma ação criadora livre e de
menos peso, no contexto da dança propriamente dita, atendendo-se mais
ao „mis-en-scene‟ do espetáculo. Portanto, pode ser opcional. Atente-se
também que as „entradas-saídas‟ não devem fugir ao sentido musical,
coreográfico e vocal de temas inspirados em motivos típicos de nosso
folclore, da nossa tradicionalidade ou de raiz do gaúcho rio-grandense.
Portanto, ausente de manifestações culturais – artísticas alienígenas deste
ou daquele país, mesmo sul-americano, se é que se pretenda defender o
patrimônio regional da nacionalidade brasileira e não se venha cair em
modismos recentes, motivados por comunicação massificada áudio-visuais
e dirigidas. Recomendam-se tais peças – „entrada-saída‟, quando
eventualmente apresentada, andem ao redor de três minutos no seu global,
distribuídos harmoniosamente.”
Desde o FEGART, as coreografias de Entrada e Saída vem sendo
executadas, com o passar dos anos elas foram evoluindo, e muitos grupos chamam
atenção pelas suas pesquisas, elementos cênicos e interpretação por parte dos
bailarinos. Os grupos recebem troféu por melhor coreografia de Entrada e Saída. Na
planilha
os
requisitos
são:
Criatividade
do
tema
escolhido,
coerência,
68
comprometimento com a tradição do RGS, Música, Harmonia e desenvolvimento
coreográfico. No ENART de 2013 a autora fez parte da mesa de avaliadores de
coreografias percebendo o quanto é importante este item e como é complexa a
avaliação, uma vez que são critérios quantitativos de questões estéticas e
subjetivas. Houve dificuldade em separar o encantamento com questões sensíveis e
a necessidade de ter que dar uma nota, simplesmente. A potência criativa se
estabelece fortemente no quesito Entrada e Saída.
3.3 Reconhecimento e Protagonismo
Muitos grupos já são reconhecidos e esperados pelo público do ENART
devido às riquezas de suas coreografias. a cada ano é uma grande expectativa em
relação a este espetáculo que se tornou. Alguns deles são: CTG Aldeia dos Anjos,
CPF Piá do Sul, CTG Ronda Charrua e DTG Clube Juventude, entre outros que se
destacam a cada ano, impressionando a platéia, e fazendo com que muitos
apreciadores do ENART compareçam ao evento para prestigiar principalmente as
coreografias de Entrada e Saída.
Ao citar estes grupos, daremos o exemplo de um grupo que tem se
revelado, um dos melhores, o CTG Aldeia dos Anjos da cidade de Gravataí, faz
parte da 1 º RT, e desde 1990 já foi campeão do ENART por 10 vezes, até o ano de
2015 do qual foram contemplados com decanato campeonato. O CTG possui muitos
fãs e a cada ENART as chances de vitórias são grandes, pois relacionado a
execução das Danças Tradicionais Gaúchas, o CTG Aldeia dos Anjos não costuma
deixar de surpreender e cada vez mais somar admiradores.
Já em relação as coreografias de Entrada e Saída, com o passar dos
anos os grupos foram se dedicando cada vez mais para este espetáculo de
apresentação, e foram ganhando conhecimento, e assim também mais admiradores.
As coreografias começaram a ter mais elementos cênicos, e alguns surpreenderam
e surpreendem até hoje o público do ENART.
69
Figura 22: Prendas do Aldeia
No quesito coreografias,é bem dificil citar apenas um exemplo, mas no de
2015 o CTG RONDA CHARRUA da Cidade de Farroupilha – 25º RT se consagrou
campeão nas Coreografias de Entrada e Saída, com o Tema ALMA CHARRUA
,ficaram em 3º nas Danças Tradicionais. Mas foi no ano de 2013 que o Ronda
levantou as arquibancadas do ENART com a História de Anita e Garibaldi, levando
para a cena das coreografias dois barcos que representavam um pouco dessa linda
história gaúcha.
Figura 23 – CTG Ronda Charrua
70
Conforme o MTG, a edição de 2015 contou com a participação de 80
grupos, somando mais de mais de 4000 competidores e um público de 65 mil
pessoas, mais de 80 mil pessoas passam pelo parque da OKTOBERFEST de Santa
Cruz do Sul nestes dias de ENART, sendo que no último dia onde os 20 finalistas se
apresentam novamente, a lotação do Ginásio é superada, fazendo com que filas
enormes se encontrem pelo lado de fora, necessitando inclusive instalar um telão
para o público excedente.
Com toda essa ideia de espetáculo que as coreografias de Entrada e
Saída vem se tornando o Movimento Tradicionalista Gaúcho vem impondo regras
para que alguns elementos cênicos não ultrapassem certas alturas e pesos, para
que não prejudiquem o próprio grupo, e os grupos seguintes a se apresentarem. A
cada ano novas exigências e novas tecnologias são implementadas nos certames
do encontro.
Uma das novidades do ano de 2016, segundo depoimentos do vicepresidente artístico do MTG, José Roberto Fishbom, é o acompanhamento das
notas de cada uma das apresentações em tempo real. O objetivo da iniciativa é
proporcionar maior transparência nas avaliações. Todo o sistema está sofrendo
melhorias para se adequar ao tamanho crescente do evento e a respectiva
responsabilidade de seus organizadores. Para implantar as melhorias foi constituída
uma comissão técnica que realiza encontros regulares. Segundo o vice-presidente
artístico, o sistema será utilizado já nas etapas regionais, até a grande final, quando
então será utilizado o telão, em tempo real. Com isso, diminuirá a ansiedade pela
revelação do grande vencedor, pois a cada apresentação será possível planilhar e
somar os resultados, e aumentar a confiabilidade, evitando problemas.
Luvizzotto (2010) observa que ao refletir sobre as tradições na
modernidade tardia, no que se refere às tradições gaúchas e seu caráter lúdico,
deve-se considerar o conceito de jogo como uma das noções mais primitivas e
enraizadas, sua relação com a cultura se estabelece na forma do ritual e do sagrado
e se manifesta na expressão da competição observada nas atividades artísticas que
se apresentam no ENART.
Nesse mesmo contexto a mesma autora destaca que é a ludicidade que
justifica as atividades que se desenvolvem no CTG e que somente lá, naquele
71
espaço, tem sentido. A esse carácter lúdico que reinventou símbolos e práticas
conferindo a eles características de associação que reforçam o vínculo identitário
dos protagonistas do ENART.
Ao concluir este capítulo cabe-nos refletir sobre a ideia de que o MTG que
dita como devem ser tratadas as tradições e como deve ser a sociabilidade do
gaúcho tradicionalista. Mas, não se observa, portanto, que esse movimento,
representado
principalmente
pelo
CTG,
pretende
ser
regulamentador
ou
normatizador da vida dos gaúchos fora dos espações de culto à tradição, os CTGs.
72
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O MTG não consegue controlar todas as expressões do Estado, mas é
considerado pelas suas lideranças como o maior movimento de cultura popular do
mundo ocidental, e da sua forma rigorosa e competitiva tem movimentado e
envolvido milhares de pessoas em suas atividades, cotejadas pelo seu regramento e
busca da coesão tanto no discurso como nas manifestações de culto à tradição e,
com isso demarcando o seu espaço social. A atuação desse tradicionalismo gera
tensões e debates de grupos de pesquisadores e historiadores que entendem como
um equívoco na assimilação das significações histórico-culturais.
Apontamos outras instâncias de práticas das danças tradicionais, pois as
pesquisas iniciais encabeçadas por Paixão Côrtes e Barbosa Lessa tinham por
preocupação o ensino e divulgação das danças gaúchas em três planos: incentivo à
formação de invernadas artísticas nos CTGs, cursos nas escolas primárias e o
estímulo à formação de grupos artísticos voltados para as músicas e danças
gaúchas. E, dessa forma as danças tradicionais do Estado foram revivendo e se
projetando em diversos encontros e festivais, inclusive para fora do país.
Se foi entendido que as danças tradicionais gaúchas representam parte
da cultura do Rio Grande do Sul, pois com a vivência, a participação nos projetos e
pesquisas que estão em andamento reconhecemos a existência de outras danças e
manifestações culturais sul-rio-grandense. Sim, hoje compreendemos, através do
primeiro capítulo que a palavra gaúcho foi adequadamente propícia para o momento
histórico, e assim foi apropriada/adquirida pela população, e hoje entendemos como
sul-rio-grandense pelo simples fato de ter nascido no estado do Rio Grande do Sul,
e não ser gaúcha, pelo fato de não ter adotado a postura que a palavra gaúcho
representou, ou representa até os dias de hoje.
O ingresso no Curso de Dança-Licenciatura fez com que meu corpo
sentisse outros movimentos, e assim fui deixando para trás o Movimento
Tradicionalista Gaúcho do qual fiz parte, mas após alguns semestres e a entrada em
pesquisas e grupos fui chegando a conclusão que eu não podia deixar as minhas
dúvidas, indagações em relação à dança que fiz parte anteriormente, e então com a
participação no Núcleo de Folclore (NUFOLK) e no Observatório de Culturas
73
Populares (OCP), fui novamente atrás dessas questões que muito apareciam em
cada momento dentro do CTG. Que danças são essas? Só essas? Quem inventou?
Porque Gaúcho? Por que alguém de outro Estado se apropria das ditas culturas
gaúchas?
Estão sendo contempladas por etapas, pois neste trabalho analisamos as
danças, e um pouco de sua história, destacamos o Movimento Tradicionalista
Gaúcho e percebemos que existem muitos outros motivos que fazem com que os
jovens que estão dentro das atividades tradicionalistas, como socialização, lazer,
conquista de amigos e de prêmios. E percebemos o quanto muitos de nós que
dançamos em invernadas artísticas não sabemos o contexto disso tudo, e
simplesmente reproduzimos algumas danças que estão no manual de danças
tradicionais impostas pelo MTG.
Mas assim como Lessa e Côrtes, ainda perguntamos, onde estão as
danças? E as outras manifestações?
Segue ai tema de um próximo trabalho, pois somos ricos culturalmente,
temos histórias encantadoras em cada canto deste Estado. Mas elas não se
encaixam em regras e nem nos ambientes tradicionalistas.
Então fica aqui, a primeira parte de um trabalho que terá sequência, pois,
este se configurou como um pequeno caminho, uma referência inicial para futuros
estudos. E que os dançarinos possam compreender este movimento que as danças
tradicionais gaúchas compõem, e que ao perceberem os seus desdobramentos vão
se decompondo e se desdobrando em outras possibilidades, com outros objetivos e
com outras propostas poéticas.
74
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79
ANEXOS
80
ANEXOS A
81
82
83
ANEXO B
Encontro de Artes e Tradição Gaúcha - ENART
Modalidade:
DANÇAS TRADICIONAIS
PAU DE FITAS
Cidade
:
CORREÇÃO CORREOGRAFICA TOTAL = 3,00 pontos
QUESITOS
RT:
Posição inicial incorreta conforme a transcrição.
Passos de terol incorretos conforme transcrição:(
) peão (
Passos de rancheira incorretos conforme transcrição:(
) prenda.
) peão (
DESCONTOS
ZERO
ERRO
E
n
) prenda.
SIMPLES
PARCIAL
Z
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
0,30
0,40
Z
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
0,30
0,40
Z
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
0,30
0,40
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
0,30
0,40
GRAVE
MUITO GRAVE
Não foi realizada pelo menos uma figura tradicional.
Z
Figura(s) incorreta(s) conforme a transcrição.
Z
Não foram realizadas o número mínimo de figuras.
Z
Não foi dada a voz de comando para a realização da figura descrita
Z
0,05
0,10
Dançarinos realizaram movimentos não descritos
Z
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
0,30
0,40
0,50 0,60 0,70 0,80 1,00
Outros:
Z
Z
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
0,30
0,40
0,50 0,60 0,70 0,80 1,00
Z
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
0,30
0,40
0,50 0,60 0,70 0,80 1,00
Z
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
0,30
0,40
0,50 0,60 0,70 0,80 1,00
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
0,30
0,40
0,50 0,60 0,70 0,80 1,00
Peso
1,00
1,00
Quantidade de
itens
total
TOTAL DE DESCONTOS
Parecer descritivo obrigatório
NOTA FINAL
Nome do Avaliador:
Data:
0,50 0,60 0,70 0,80 1,00
Assinatura:
84
ANEXO C
Encontro de Artes e Tradição Gaúcha - ENART
Modalidade:
DANÇAS TRADICIONAIS
Coreografia
( ) ENTRADA
Entidade:
( ) SAÍDA
Cidade:
RT:
TOTAL DE PONTOS GANHOS = 10,00
QUESITOS
FRACA
REGULAR
SATISFATÓRIA
BOA
MUITA BOA
Tema escolhido (criatividade)
F1
F2
F3
F4
R1
R2
R3
R4
S1
S2
S3
S4
B1
B2
B3
B4
MB1
MB2
MB3
MB4
MB5
Coerência com o tema escolhido
F1
F2
F3
F4
R1
R2
R3
R4
S1
S2
S3
S4
B1
B2
B3
B4
MB1
MB2
MB3
MB4
MB5
Comprometimento com a Tradição e Folclore Gaúchos
F1
F2
F3
F4
R1
R2
R3
R4
S1
S2
S3
S4
B1
B2
B3
B4
MB1
MB2
MB3
MB4
MB5
Desenvolvimento coreográfico
F1
F2
F3
F4
R1
R2
R3
R4
S1
S2
S3
S4
B1
B2
B3
B4
MB1
MB2
MB3
MB4
MB5
Proposta Harmônica
F1
F2
F3
F4
R1
R2
R3
R4
S1
S2
S3
S4
B1
B2
B3
B4
MB1
MB2
MB3
MB4
MB5
Música
F1
F2
F3
F4
R1
R2
R3
R4
S1
S2
S3
S4
B1
B2
B3
B4
MB1
MB2
MB3
MB4
MB5
Contexto da apresentação
F1
F2
F3
F4
R1
R2
R3
R4
S1
S2
S3
S4
B1
B2
B3
B4
MB1
MB2
MB3
MB4
MB5
5,75
6,00
6,25
6,50
6,75
7,00
7,25
7,50
7,75
8,00
8,25
8,50
8,75
9,00
9,25
9,50
9,75
10,00
PESO
Pacecer Descritivo
5,00 5,25 5,50
QUANTIDADE DE ITENS
TOTAL
SUB-TOTAL
NOTA FINAL - (SUB-TOTAL / 7)
Nome do Avaliador:
Data:
Assinatura: