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Antropologia Forense e Identificação Humana Joana Trigo da Silva de Oliveira e Silva Antropologia Forense e Identificação Humana Universidade Fernando Pessoa Faculdade de Ciências da Saúde Porto, 2015 Antropologia Forense e Identificação Humana Antropologia Forense e Identificação Humana Joana Trigo da Silva de Oliveira e Silva Antropologia Forense e Identificação Humana Universidade Fernando Pessoa Faculdade de Ciências da Saúde Porto, 2015 Antropologia Forense e Identificação Humana Joana Trigo da Silva de Oliveira e Silva Antropologia Forense e Identificação Humana Orientadora: Mestre Maria Gabriel Araújo Queirós Trabalho apresentado à Universidade Fernando Pessoa como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre em Medicina Dentária. Assinatura da aluna: ________________________ Antropologia Forense e Identificação Humana RESUMO A identificação de vítimas mortais é uma necessidade das sociedades, por razões jurídicas, sociais e humanitárias. A Antropologia Forense é uma das subdisciplinas da Antropologia Física que se dedica à identificação humana, nomeadamente em investigações arqueológicas, criminais e de desastres de massa. A Antropologia Forense é particularmente útil na investigação da identidade humana a partir do exame de cadáveres ou de restos mortais carbonizados, despedaçados, em adiantado estado de decomposição, ou esqueletizados. A realização das peritagens necessárias à identificação destes restos mortais terá que ser efetuada por um conjunto de profissionais, dos quais se destacam os antropólogos forenses. Para esse efeito, estes executam a diagnose da espécie, da afinidade populacional, do género, da idade no momento do falecimento e da estatura, através da aplicação de diversas metodologias, que têm por base dados morfológicos e morfométricos do esqueleto e dos dentes. Tendo em conta que os dentes e as arcadas dentárias são elementos do corpo humano que proporcionam diversas características individualizantes, surge a Medicina Dentária Forense como uma área privilegiada para a identificação humana, cabendo ao médico dentista essa nova responsabilidade. Palavras-chave: Antropologia forense, identificação humana, diagnose da afinidade populacional, diagnose sexual, estimativa da idade, estimativa da estatura, medicina dentária forense e tafonomia forense. V Antropologia Forense e Identificação Humana ABSTRACT The identification of victims is a necessity, for legal reasons, humanitarian and social. Forensic Anthropology is one of the subdisciplines of Physical Anthropology and is dedicated to the human identification, particularly in archaeological investigations, criminal and mass disaster. Forensic Anthropology is particularly useful in the investigation of human identity from the examination of dead bodies or remains charred, broken in advance state of decomposition, or in the form of skeletons. The expertise necessary for the identification of these remains will have to be carried out by a group of professionals, including forensic anthropologists. To this end, these perform the diagnosis of species, population affinity, gender, age at time of death and the stature, by applying various methodologies, based on morphological and morphometric data of the skeleton and teeth. Taking into account that the teeth and dental arches are elements of the human body that provide various distinctive characteristics, arises Forensic Dentistry as a prime area for human identification, fitting to the dentist this new responsibility. Keywords: Forensic anthropology,human identification, diagnosis of population affinity, sexual diagnosis, estimated age, height estimation, forensic dentistry, forensic taphonomy. VI Antropologia Forense e Identificação Humana DEDICATÓRIAS Aos meus pais, que, com todo o seu amor, sempre me apoiaram e me estimularam a ultrapassar todos os obstáculos com que me deparei e a prosseguir o meu caminho. Ao meus avós Maria da Graça e João Luís, pela coragem que me transmitiram e por estarem presentes, mesmo depois de terem partido. VII Antropologia Forense e Identificação Humana AGRADECIMENTOS Aos meus pais, pois o esforço que desenvolveram nas suas vidas e a confiança que depositaram em mim tornaram possível que eu pudesse ir alcançando as sucessivas metas académicas que me propus atingir. A todos os meus avós, por me terem, ao longo dos anos, apoiado e incentivado nos meus estudos. Aos meus amigos, por me terem dado ânimo em momentos difíceis da vida. À minha orientadora Mestre Maria Gabriel Araújo Queirós, pelas críticas construtivas que me auxiliaram a melhorar este meu trabalho e por todos os ensinamentos que me transmitiu. A todos os professores que pela sua dedicação e profissionalismo contribuíram para a minha aprendizagem em todos os níveis de ensino. VIII Antropologia Forense e Identificação Humana ÍNDICE Abreviaturas ………………………………………………………………………........ X Índice de Tabelas …………………………………………………………….....…….. XI I. INTRODUÇÃO ………………………….....................…………………………….. 1 I. 1. Objetivos ……………………………………………………………......….... 1 II. DESENVOLVIMENTO …......................................................................................... 3 II. 1. Materiais e Métodos …………………….….………………………............... 3 II. 2. A Antropologia Forense ……………………….......................………............ 4 II. 2.1. Os Campos de Estudo da Antropologia ………………….…….………. 4 II. 2.2. Os Campos de Ação da Antropologia Forense ………….…………....... 6 II. 2.3. A Antropologia Forense e a Identificação Humana …..……………...… 8 II. 2.3.1. Identidade e Identificação ……………………………………...... 8 II. 2.3.2. O Processo de Identificação Humana ……………………………. 9 II. 2.3.3. O Contributo da Medicina Dentária Forense ….…………………12 II. 3. O Exame Antropológico Forense …………………..................................……15 II. 3.1. A Diagnose da Afinidade Populacional ……………………..….……... 17 II. 3.2. A Diagnose Sexual …………………………………….....…………… 25 II. 3.3. A Estimativa da Idade à Morte …………………………..............……. 34 II. 3.4. A Estimativa da Estatura …………………………………....………… 42 II. 4. A Análise Tafonómica Forense …………............….……....................…….. 45 II. 5. Discussão ...……………………………….……….......................………….. 49 III. CONCLUSÃO ………………………………….......................………….…….… 59 Bibliografia ………………………………………………………………..….………. 61 IX Antropologia Forense e Identificação Humana ABREVIATURAS ABFO – American Board of Forensic Odontology ADN – Ácido Desoxirribonucleico INTERPOL – International Criminal Police Organization IRC – Índice de Robustez Coronário PCR – Polymerase Chain Reaction X Antropologia Forense e Identificação Humana ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 - Características morfológicas mais relevantes do crânio para a estimativa da afinidade populacional de um indivíduo …...…….....……… 18 Tabela 2 - Estimativa da afinidade populacional a partir de três índices cefálicos …....19 Tabela 3 - Estimativa da afinidade populacional a partir de três índices da face ….......20 Tabela 4 - Estimativa da afinidade populacional a partir de três índices relacionados com a arcada dentária superior …............................................ 20 Tabela 5 - Formas da arcada dentária superior de acordo com cada grupo populacional……………………………………………………….………...21 Tabela 6 - Valores de ângulos faciais dos principais grupos populacionais...........…....22 Tabela 7 - Comparação de algumas características morfológicas das mandíbulas de caucasianos e de negroides …………………………...………..……… 22 Tabela 8 - Estimativa da afinidade populacional a partir de três índices relacionados com a arcada dentária inferior ….............................................23 Tabela 9 - Carateres dentários discretos que contribuem para a diagnose da afinidade populacional............................................................................. 24 Tabela 10 - Características morfológicas da pelve masculina e da pelve feminina que permitem uma diagnose sexual em adultos…..……………..………... 26 Tabela 11 - Diferenças morfológicas do ílio e da mandíbula em indivíduos não adultos de diferentes géneros ……………………….…….….....…… 26 XI Antropologia Forense e Identificação Humana Tabela 12 - Características morfológicas do crânio masculino e do crânio feminino que permitem uma diagnose sexual …………………...……….. 27 Tabela 13 - Características morfológicas da mandíbula que permitem uma diagnose sexual em caucasianos …..…………………….…………......… 30 Tabela 14 - Características morfológicas dimórficas dos dentes ……..…….…….…... 32 Tabela 15 - Cronologia da ossificação do crânio ………………………...….……….. 35 Tabela 16 - Intervalos etários da união epifisária de alguns ossos longos …….....…... 35 Tabela 17 – Equações para a estimativa da idade à morte de adultos de diferentes géneros a partir da sinostose das suturas cranianas …….....…. 36 Tabela 18 - Relação da evolução do ângulo mandibular com a idade ………..…...….. 37 Tabela 19 - Desenvolvimento cronológico da dentição decídua em ambos os géneros…………………………………….………………..…….…..……38 Tabela 20 - Desenvolvimento cronológico da dentição permanente na maxila em ambos os géneros…......…………………….….……...………39 Tabela 21 - Desenvolvimento cronológico da dentição permanente na mandíbula em ambos os géneros…..………………………….…....……..39 Tabela 22 - Classificação de Gustafson para as variáveis de involução dentária………………………………………………………………..…. 41 XII Antropologia Forense e Identificação Humana Tabela 23 - Equações para a estimativa da estatura de um indivíduo do género masculino, caucasiano ou negroide, a partir do comprimento de alguns ossos longos isolados e combinados................................................ 43 Tabela 24 - Equações para a estimativa da estatura de um indivíduo do género feminino, caucasiano ou negroide, a partir do comprimento de alguns ossos longos isolados e combinados ….......................................… 43 Tabela 25 - Equações para a estimativa da estatura de indivíduos de ambos os géneros, a partir do comprimento de alguns ossos longos isolados …........44 Tabela 26 - Cronotanatognose pelo aspeto do osso inumado ………………................49 XIII Antropologia Forense e Identificação Humana I. INTRODUÇÃO Este trabalho, intitulado “Antropologia Forense e Identificação Humana”, surge como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Medicina Dentária, pela Faculdade de Ciências da Saúde, da Universidade Fernando Pessoa, do Porto. O foco deste trabalho são os processos de identificação humana, pela análise de cadáveres ou de restos humanos carbonizados, fragmentados, em adiantado estado de decomposição ou esqueletizados, nos quais os conhecimentos de Antropologia Forense são da máxima importância. A Antropologia Forense envolve um conjunto vasto de conhecimentos sobre o corpo humano, que são de importância decisiva na identificação humana, seja na área criminal, seja nas situações decorrentes de desastres de massa, não descurando ser um auxiliar de grande utilidade na determinação das causas da morte. Com o desenvolvimento das ciências forenses, com a constatação de que os dentes apresentam características individualizantes e com o facto dos dentes terem elevada resistência post mortem à ação físico-química do ambiente, tornou-se cada vez mais relevante o contributo da medicina dentária e, consequentemente, o papel do médico dentista nos processos de identificação humana. I. 1. Objetivos Os objetivos gerais deste trabalho são: compreender a importância da Antropologia Forense na identificação humana, reconhecer o contributo da Medicina Dentária no processo de identificação humana e evidenciar o papel do médico dentista no âmbito do processo de identificação humana. 1 Antropologia Forense e Identificação Humana Os objetivos específicos são: distinguir identidade de identificação; conhecer métodos de identificação humana, sejam de caráter morfológico ou de caráter morfométrico, a partir do exame de um esqueleto, de um conjunto de ossadas, em particular do crânio e da arcada dentária, ou ainda a partir de um conjunto de dentes ou de dentes isolados; reconhecer a complementaridade dos diversos métodos de identificação humana e compreender a importância da análise tafonómica forense. 2 Antropologia Forense e Identificação Humana II. DESENVOLVIMENTO II. 1. Materiais e Métodos Para a execução deste trabalho, fez-se uma revisão da literatura referente ao tema, sobretudo através da pesquisa informática de trabalhos de caráter científico a partir das palavras-chave, mas também de alguns livros e revistas alusivos a esta temática, tendo, ainda, recorrido às bases de dados “RECAAP”, “B-on” e “Scielo”. Dos referidos trabalhos foram considerados os escritos em português, espanhol ou inglês, de acesso livre e disponíveis na íntegra, não tendo sido imposto limite quanto à sua data de publicação. Deste modo, entre as diversas obras consultadas, foram tidas em conta para apoio deste trabalho, 9 livros impressos, 8 livros digitalizados, 19 monografias, dissertações ou teses digitalizadas, 2 artigos de revista impressos, 28 artigos de jornais, revistas ou enciclopédias digitalizados e 10 outras publicações digitalizadas, num total de 76 fontes bibliográficas. Destas fontes bibliográficas, 15 têm proveniência das citadas bases de dados, tendo sido consultados livros e revistas impressos na Biblioteca Municipal do Porto, na Biblioteca Municipal de Coimbra, na Biblioteca da Universidade Fernando Pessoa do Porto, na Biblioteca do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar do Porto, na Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e na Biblioteca das Ciências da Saúde da Universidade de Coimbra. De todas as fontes bibliográficas, 55 têm, no máximo, 10 anos de existência, sendo as restantes 21 datadas anteriormente ao ano de 2005. 3 Antropologia Forense e Identificação Humana II. 2. A Antropologia Forense II. 2.1. Os Campos de Estudo da Antropologia A palavra Antropologia deriva das palavras gregas «antropos» (humano ou homem) e «logos» (pensamento ou razão). Atualmente, a Antropologia é definida como a ciência que estuda o homem e as implicações e características da sua evolução física, social e cultural. A Antropologia tem, pois, como objeto o estudo do homem como ser biológico (Antropologia Biológica), social (Antropologia Social) e cultural (Antropologia Cultural) (Marconi e Presotto, 2010). Embora o saber de âmbito antropológico remonte à Antiguidade Clássica, uma vez que desde então o ser humano pensou sobre si mesmo e sobre a sua relação com o “outro”, a Antropologia, como ciência, nasce na sequência do Iluminismo. Em 1784, Kant (2015) esclareceu que o Iluminismo foi um movimento cultural que ocorreu na Europa no decurso do século XVIII e que mobilizou o poder da razão, em detrimento de poderes dogmáticos em relação aos quais o pensamento dos homens estava subjugado, procurando libertá-lo, de forma que cada indivíduo, fazendo uso da sua própria razão, passasse a estar em condição de tornar este mundo um lugar melhor, mediante introspeção, o livre exercício das suas capacidades intelectuais e o seu empenho políticosocial. Segundo Moreira de Oliveira, o reconhecimento da Antropologia como ciência surge, no decurso do século XVIII, a partir das classificações taxonómicas de Carlos Lineu aplicadas à análise das “raças humanas”, mas também dos primeiros achados préhistóricos de Boucher de Perthes e da distinção cultural entre o Paleolítico e o Neolítico estabelecida por John Lubock. 4 Antropologia Forense e Identificação Humana De acordo com Marconi e Presotto (2010), a Antropologia foi considerada de início como a história natural e física do homem e do seu processo evolutivo, no espaço e no tempo, privilegiando a Antropometria, ou seja, o estudo das mensurações do homem fóssil e do homem vivo, a partir de pontos e de planos anatómicos específicos. Todavia, do século XVIII para o século XIX, com o aumento dos achados arqueológicos, com o desenvolvimento das ciências da vida e com o estudo pelos investigadores europeus de povos indígenas de outros continentes, muitos pensadores passaram a incluir nos estudos antropológicos outros aspetos que não apenas os físicos ou biológicos, sendo igualmente os aspetos sociais e culturais considerados elementos estruturantes das sociedades e fatores caracterizantes do homem. Deste modo, a Antropologia passa também a estudar o homem desde as suas origens até aos dias de hoje através de um conjunto de elementos não físicos, entre os quais se destacam a cultura, a linguagem e a vida social, que nos tornam diferentes dos outros animais do planeta (Moreno e Moreno, 2002). Atualmente a Antropologia pode subdividir-se em três grandes campos de estudo: a Antropologia Física ou Biológica, que se centra no estudo dos componentes biológicos e genéticos do homem, ocupando-se da análise de material colhido em escavações arqueológicas e em cenários de crimes e de desastres de massa, estando por isso profundamente relacionada com a anatomia, a arqueologia e as ciências forenses; a Antropologia Social, que se foca na explicação cultural do relacionamento familiar e da organização social e política das sociedades; e a Antropologia Cultural, que diversos autores consideram aglutinada com o campo de investigação antropológica anterior e que tem como alvo o estudo da ligação entre os sistemas simbólicos, as religiões e o comportamento humano e a análise da evolução dos seus costumes, crenças e manifestações artísticas. (Pereiro, 2011). 5 Antropologia Forense e Identificação Humana II. 2.2. Os Campos de Ação da Antropologia Forense A Antropologia Forense é uma das subdisciplinas da Antropologia Biológica ou Física e dedica os seus métodos e técnicas a processos legais, civis e humanitários. Algumas das suas maiores aplicações registam-se no âmbito do estudo de fósseis de hominídeos e de restos humanos esqueletizados que se encontram desde há muito tempo enterrados, mas também nas investigações criminais e nas identificações de vítimas, cujo reconhecimento não é possível ser concretizado através das suas fisionomias ou das suas impressões digitais, devido ao mau estado em que se encontram os seus restos mortais (Santinho Cunha e Ferreira, 2011). Para Monteiro da Silva (2012), a Antropologia Forense procura responder a questões como: os restos mortais são humanos? Eles representam quantos indivíduos? Qual o intervalo de tempo desde a morte? Os indivíduos podem ser identificados? Quais foram a causa e o modo da morte? Na investigação arqueológica e paleontológica humana são aplicadas técnicas e procedimentos específicos na prospeção, na exumação e na análise de restos humanos esqueletizados, de modo a maximizar-se a quantidade e a qualidade de informação acerca dos restos cadavéricos descobertos em trabalho de campo. O antropólogo forense, neste tipo de investigação, inserido numa equipa multidisciplinar, tem um papel preponderante, quer na fase de escavação e de exposição dos restos mortais, quer na fase de exame destes, procurando estabelecer que material (ossos e dentes) é determinante, pelo seu adequado grau de preservação, para a identificação humana e para a estimação da causa e das circunstâncias da morte (Congram e Fernandez, 2006). No campo de ação da medicina legal, em processos de identificação de vítimas a partir da análise de restos humanos esqueletizados ou de corpos em adiantado estado de 6 Antropologia Forense e Identificação Humana decomposição, carbonizados ou despedaçados, os conhecimentos de Antropologia Física são da máxima importância. Assim, a Antropologia Forense, para além de contribuir para determinar as causas e as circunstâncias da morte, reveste-se de um cariz pericial no exame de cadáveres, com particular importância no que se refere aos ossos e aos dentes, procurando descortinar através destes a afinidade populacional, o género, a idade no momento da morte e a estatura das vítimas (Moreno e Moreno, 2002). O antropólogo forense examina, com o auxílio de criminalistas e médicos forenses, as causas da morte, retratando e reconstituindo a cena da morte, particularmente através do exame dos ossos, dos dentes e das suas lesões. O antropólogo forense pode ainda contribuir para a interpretação das circunstâncias que fizeram com que os restos humanos esqueletizados detetados estejam tal como foram descobertos (Antunes Cunha e Pinheiro, 2005). Santinho Cunha e Ferreira (2011) afirmam que quando os cadáveres ou os restos humanos das vítimas já não são identificáveis através dos seus traços fisionómicos ou das suas impressões digitais, o antropólogo forense deve entrar em ação. O antropólogo forense deve participar na recuperação de restos mortais e estabelecer, antes de mais, a natureza destes, como sendo de origem humana ou animal. A partir daqui, a função dos antropólogos forenses é intervir na identificação de vítimas de homicídios, de suicídios, de guerras e de desastres de massa. Leite, et al, (2011) definem desastres de massa como sendo acidentes de grandes proporções, sendo exemplos os sismos, os maremotos, as cheias, os aluimentos de terras, as avalanches, as erupções vulcânicas, os ataques terroristas e os acidentes aéreos ou ferroviários, que são caracterizados pela existência de elevados danos materiais e por um número muito significativo de vítimas, sendo insuficientes as capacidades assistencial, técnica e socorrista local. 7 Antropologia Forense e Identificação Humana A importância da identificação dos restos humanos resultantes de desastres de massa é fundamental, pois traz conforto para os familiares e permite-lhes solucionar problemas legais que resultam diretamente do óbito das vítimas, pelo que nas circunstâncias subsequentes a esses acontecimentos se torna absolutamente necessária a presença de antropólogos forenses (Cevallos, et al., 2009). II. 2.3. A Antropologia Forense e a Identificação Humana II. 2.3.1. Identidade e Identificação A preocupação de se identificarem indivíduos existe desde os primórdios das sociedades, apresentando um caráter humanitário e social muito importante e até imprescindível para que as consequentes medidas jurídicas relativas a um falecimento possam ser tomadas (Paiva e Rabelo, 2010). É um direito de todo o cidadão ser identificado e é um dever do Estado identificar os seus cidadãos. A identificação de vítimas mortais sendo uma necessidade das sociedades, por razões legais, sociais e humanitárias, torna-se de suma importância em medicina forense (Carvalho, et al., 2009). De acordo com Gomes de Araújo, et al, (2013), a identidade de um indivíduo é o conjunto de características morfofisiológicas e psíquicas exclusivas dessa pessoa, sendo definida por um processo objetivo, baseado em provas científicas. Ou seja, a identidade é o conjunto de características físicas, funcionais e, até, psíquicas, normais ou patológicas, que individualizam uma pessoa, diferenciando-a das demais. Por sua vez, a identificação é o processo que compara essas características, procurando as coincidências entre os dados previamente registados e os obtidos no presente, através 8 Antropologia Forense e Identificação Humana de um conjunto de procedimentos que têm por objetivo individualizar uma pessoa (Menon, et al., 2011). Silva (2007) alerta que não se deve confundir a identificação com o reconhecimento, que nada mais é que um procedimento empírico, baseado em conhecimento anterior e sujeito à subjetividade de quem o realiza, sendo, por isso, muito suscetível a enganos e falhas. Tiradentes (2009) refere que a identificação humana post mortem é uma das grandes áreas de estudo e de pesquisa da Antropologia Forense, sobretudo em cadáveres ou em restos humanos que não possibilitam o reconhecimento fisionómico das vítimas ou a determinação das suas impressões digitais. É, pois, no âmbito da Antropologia Forense que a aplicação de um conjunto de métodos vai permitir estimar, com elevado grau de certeza, a afinidade populacional, o género, a idade à data da morte e a estatura de uma vítima humana, levando à sua identificação. II. 2.3.2. O Processo de Identificação Humana Araújo e Pasquali (2006) relatam que em finais do século XIX, tendo por finalidade mais comum a identificação de criminosos, Alphonse Bertillon, oficial da polícia francesa, concebeu a marcação antropométrica e a fotografia sinalética (frente e perfil). Por esta época, Juan Vucetich, funcionário da polícia argentina, implantou a datiloscopia, ou seja, a identificação de um indivíduo a partir das suas impressões digitais, nas investigações criminais. Igualmente, Oscar Amoedo Valdés, presidente da Sociedade Odontológica Francesa, desenvolveu o primeiro tratado sobre identificação usando a arcada dentária, originando o Sistema Odontológico de Amoedo, que tem por estratégia o registo completo das suas características. Estes métodos de identificação, conjuntamente com as radiografias e as técnicas de análise do ácido desoxirribonucleico (ADN), entre outros, são, ainda hoje, válidos e igualmente aplicados na identificação das vítimas de crimes e de desastres de massa. 9 Antropologia Forense e Identificação Humana Para Sassouni, os processos de identificação humana podem ser de dois tipos: comparativos ou reconstrutivos. A utilização de processos comparativos pressupõe a existência de elementos fiáveis estabelecidos ante mortem, como impressões digitais, radiografias, fichas médicas e dentárias, que serão confrontados com as características individualizantes da vítima, a fim de se chegar a uma identificação positiva. Os processos reconstrutivos utilizam-se quando não existem dados ante mortem disponíveis e apenas permitem esclarecer se um determinado indivíduo corresponde ou não a uma dada descrição, estabelecendo apenas uma identificação provável (Silva, 2007). A Interpol distingue métodos primários de identificação humana, como a datiloscopia, os exames radiológicos, o estudo de dados odontológicos e a análise do ADN, dos métodos secundários, como os dados médicos e as descrições de características pessoais (Serra, Herrera e Fernandes, 2012). Para Frari, et al. (2009), dados médicos desatualizados poderão originar ilações erradas no decurso do processo de identificação de vítimas e a identificação visual, que pode ser aplicada nos casos em que a fisionomia da vítima está minimamente preservada, não é, mesmo nessa circunstância, um processo de identificação totalmente fiável, atendendo à situação de alteração emocional e de elevado nervosismo do identificador, em geral uma pessoa emocionalmente ligada à vítima. O processo de investigação da identidade de uma vítima, deve ser realizado em três etapas: 1ª) a busca e recolha de informações ante mortem; 2ª) o exame dos restos mortais; 3ª) a análise comparativa entre as evidências post mortem observadas e sua comparação com as ante mortem (Assis, 2011). Perante a ocorrência de um desastre de massa, as autoridades locais e nacionais acionam certas entidades que devem de imediato intervir, tais como equipas de salvamento e de recuperação de corpos, forças de segurança, médicos forenses, 10 Antropologia Forense e Identificação Humana psicólogos e autoridades judiciais, constituindo-se um corpo de intervenção multiprofissional que deve estar apto a fornecer apoio logístico, médico, psicológico e qualquer outro tipo de assistência às vítimas e às suas famílias (Leite, et al., 2011). Neste corpo de intervenção é constituída uma equipa, cuja principal missão é a recolha de dados médicos e odontológicos que auxiliem no processo de identificação dos restos mortais das vítimas. Para a recolha destes dados ante mortem necessários à identificação das vítimas mortais estão envolvidos vários profissionais, tais como médicos, psicólogos ou membros de organizações humanitárias, que também asseguram o apoio físico e psicológico dos sobreviventes de um desastre de massa (Vanrell, 2009). Por sua vez, no local da catástrofe, em zona mortuária criada para o efeito, uma equipa forense inicia os procedimentos de investigação da identidade dos defuntos, de modo similar ao de um cenário de crime. Inicialmente obtêm-se fotografias do vestuário e de objetos pessoais das vítimas, que são catalogados. A maneira como é efetuada a recolha, a limpeza e a preparação prévia dos restos humanos é de grande importância para uma credível interpretação das lesões observadas, designadamente as alterações ósseas registadas, pelo que estas operações devem ser executadas de forma a evitar-se o aparecimento de indícios post mortem que induzam o investigador forense a concluir erradamente pela presença de lesões ou de patologias ante mortem (Antunes Cunha e Pinheiro, 2006). De seguida faz-se o estudo médico-legal, no âmbito da Tanatologia, registando-se informações, em formulários próprios, referentes às impressões digitais, aos dentes e à autópsia dos cadáveres. O relatório da autópsia médico-legal deve compreender, a partir do exame do hábito externo (inspeção externa), elementos relativos à identificação da vítima, como o género, a altura, o estado de nutrição, a idade aparente, a cor dos olhos e do cabelo, assim como a presença de malformações congénitas, de sinais particulares, de próteses e de vestígios de lesões traumáticas anteriores ou de intervenções cirúrgicas recentes, assim como a descrição, a partir da análise do hábito interno (inspeção interna), 11 Antropologia Forense e Identificação Humana das cavidades orgânicas (craniana, torácica e abdominal) e dos seus conteúdos, para além da inspeção aos dentes e aos tecidos moles orais e orofaciais (Santos, 2004). A inspeção dos tecidos moles orofaciais corresponde à observação da espessura dos lábios, das configurações das suas impressões e da forma das suas comissuras (queiloscopia), bem como à análise das características da mucosa do palato (palatoscopia). Tanto a queiloscopia como a palatoscopia podem auxiliar na identificação de uma dada vítima, principalmente quando não é possível a recolha de impressões digitais, uma vez que são métodos que não se revelam tão eficazes quanto a datiloscopia (Braz, 2015). Os exames dos hábitos externo e interno podem não ser possíveis de se efetuar, mormente em cadáveres ou restos mortais despedaçados, carbonizados, em avançado estado de putrefação ou esqueletizados. Nestas condições, o processo de identificação das vítimas recorre ao exame antropológico, seja do esqueleto ou do conjunto de ossadas, seja das arcadas dentárias ou de alguns dos seus dentes isolados, ou à análise do ADN, que, apesar de ser o método de maior fiabilidade para a identificação de um sujeito, apresenta, contudo, algumas limitações, como o seu custo elevado e, por vezes, a dificuldade de se localizar parentes próximos da vítima que possibilitem estabelecer o vínculo genético com ela, de forma a ser positivamente identificada (Frari, et al., 2009). II. 2.3.3. O Contributo da Medicina Dentária Forense A Antropologia Dentária é um campo de investigação, no âmbito da Antropologia Física, que utiliza as informações obtidas a partir de dentes pertencentes a restos humanos encontrados, para resolver problemas antropológicos, uma vez que os dentes, exibem certas peculiaridades, refletindo informações genéticas relacionadas com processos de 12 Antropologia Forense e Identificação Humana adaptação e mudanças alimentares, e apresentam propriedades, como a sua preservabilidade, a sua observabilidade e a sua variabilidade, que são úteis na avaliação de uma população e da sua dinâmica evolutiva (Scott, 1998). Estudos de morfologia dentária comparada, realizados em gémeos e em famílias, permitiram estabelecer uma forte relação entre a hereditariedade e os traços fenotípicos especiais da dentição, bem maior do que a influência ambiental sobre eles. A morfologia dentária e a sua fácil aplicação na resolução de problemas antropológicos, associada a estruturas de parentesco, relações genéticas entre grupos e seus padrões de mobilidade do passado, têm sido demonstradas em várias investigações (Rodriguez F., 2005). Os dentes têm elevada resistência aos efeitos destrutivos da putrefação e de agentes externos, que se deve, em especial, ao elevado teor de hidroxiapatite no esmalte, que é o tecido mais duro do corpo humano, o que possibilita a sua observação e análise no final de um longo período de tempo após a morte do indivíduo (Braga, 2013). Segundo Krenzer (2006), os dentes são um material melhor do que os ossos na análise antropológica, pois permitem, no estudo de espécimes fósseis até aos recentes, uma determinação concreta da espécie, o conhecimento do regime alimentar e um bom diagnóstico do género, da idade à morte e da afinidade populacional de um indivíduo, o que é fundamental num processo de identificação. Além disso, apresentam características individualizantes, como o número de dentes presentes, a sua forma e dimensões, o seu desgaste, a geminação, a fusão e o apinhamento de dentes, a presença de diastema, de pérolas de esmalte, de fraturas, de cáries e de quistos periapicais, as restaurações dentárias e as reabilitações protéticas, entre outras. Reverte Coma (1999) declara que a cavidade bucal e os dentes são como uma “caixa negra dos aviões”, uma vez que permitem conhecer hábitos relacionados com a vida de um indivíduo e pelo facto de não existirem duas dentições exatamente iguais, devido à enorme variedade de características individualizantes proporcionadas pelos dentes. 13 Antropologia Forense e Identificação Humana Frari, et al., (2009) afirmam igualmente que não existem duas pessoas com igual dentição, pelo que quando a identificação de uma vítima de homicídio ou de um desastre de massa não é possível ser efetuada visualmente ou através das suas impressões digitais, ou mesmo pela análise osteológica, são os dentes e, eventualmente, aparelhos protéticos e ortodônticos, os únicos elementos passíveis de serem utilizados nessa identificação, assumindo, nestes casos, a Medicina Dentária Forense um papel indispensável para o processo de identificação humana, pelo que a presença de um médico dentista forense neste processo se torna imprescindível. Para este efeito, os métodos de comparação odontológica exigem que exista documentação odontológica satisfatória da vítima. Por isso, é muito importante o arquivamento correto pelo médico dentista dos dados dos seus pacientes, como são as suas fichas clínicas, radiografias, odontogramas, tomografias e modelos em gesso, de modo a que o médico dentista forense possa contribuir decisivamente para a sua identificação (Menon, et al., 2011). A disponibilidade rápida desta documentação odontológica possibilita que a identificação de restos humanos seja realizada de forma célere, precisa e económica. A coincidência das características registadas nestes documentos com os vestígios cadavéricos dispensa a realização de outros exames (Cevallos, et al., 2009). De acordo com Serra, Herrera e Fernandes (2012), as radiografias são muito úteis no processo de comparação para identificação humana, porque contêm elementos que individualizam uma pessoa, como a anatomia das coroas e da polpa dentária e a forma das restaurações dos canais radiculares. Com os avanços tecnológicos dos métodos complementares de identificação humana, como a radiografia digitalizada, a utilização da técnica de sobreposição de imagens mostra-se de grande importância como auxiliar na identificação humana. A realização de radiografias dentárias, para comparação com o registo radiográfico ante mortem da 14 Antropologia Forense e Identificação Humana vítima, permite comparar a estrutura trabecular óssea, a forma e a apresentação dos dentes, assim como o desenho da conformação radicular, contribuindo, assim, com informações cruciais para a identificação humana (Paiva e Rabelo, 2006). A American Board of Forensic Odontology (ABFO) cita no seu manual (2015) que atualmente existem programas informáticos de comparação de dados ante-mortem e postmortem, utilizados particularmente nos casos de pessoas desaparecidas, através dos quais são introduzidos os elementos odontológicos, observados numa determinada vítima encontrada, numa base de dados específica para este efeito, gerando-se, por comparação e em segundos, uma lista de possíveis candidatos, o que possibilita, com o eventual auxílio de outros elementos de identificação, um resultado conclusivo. Contudo, para que esta ferramenta possa ser eficiente, exige-se que a base de dados referida possua informações odontológicas corretas e completas. O manual da ABFO (2015) estabelece que o processo de identificação humana pode conduzir às seguintes conclusões: i) identificação positiva - quando os dados antemortem e post-mortem são concordantes com detalhes suficientes e sem qualquer discrepância inexplicável; ii) identificação possível - quando existem características semelhantes, mas não podendo afirmar-se com convicção que são totalmente compatíveis; iii) evidência insuficiente - quando a informação disponível é insuficiente para formar a base de uma conclusão; iv) exclusão - quando os dados ante-mortem e post-mortem são claramente inconsistentes. II. 3. O Exame Antropológico Forense Num exame antropológico forense, a identificação física de uma vítima e a causa da sua morte são os objetivos prioritários. O antropólogo forense é um especialista em identificação humana, tendo como objeto de estudo o esqueleto. Pela observação morfológica das ossadas e por meio de parâmetros de referência provenientes de estudos prévios em coleções de esqueletos identificados, ele vai, antes de mais, estabelecer a 15 Antropologia Forense e Identificação Humana espécie a que pertencem os restos mortais encontrados, cujo diagnóstico poderá tornar-se problemático quando apenas existem pequenos fragmentos ósseos ou apenas uma ou algumas peças dentárias isoladas e, por vezes, fragmentadas (Saukko e Knight, 2004). Em 2006, cientistas do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto anunciaram a criação de uma técnica, baseada na genética molecular, que permite a identificação da espécie com elevado grau de eficácia, designada por “SPIDplex”, a partir de amostras de pelos, sangue, ou ainda de fragmentos de ossos ou dentes, graças às disparidades que existem na sequência genética de cada espécie que está alojada no ADN mitocondrial (Público, 2006). De seguida, o antropólogo forense vai procurar determinar a afinidade populacional, o género, a idade na data da morte e a estatura da vítima, a fim de a poder identificar, através da pesquisa de variáveis que podem ser qualitativas e/ou quantitativas, isto é, a partir de características morfológicas observadas (dados somatoscópicos) e/ou daquelas que podem ser mensuradas (dados somatométricos), respetivamente (Assis, 2011). Para Bidegain Pereira e Alvim (1979), o crânio é muito importante num processo de identificação humana e a sua mensuração (craniometria) tem a finalidade de complementar a inspeção visual do crânio (cranioscopia), procurando corrigir o conjunto subjetivo das observações pessoais. Vanrell (2009) referiu que as arcadas dentárias são de fundamental importância na identificação de restos mortais carbonizados, fragmentados, em adiantado estado de putrefação ou esqueletizados, pois possuem os requisitos biológicos básicos (unicidade, perenidade e imutabilidade), além dos requisitos técnicos (praticabilidade e classificabilidade), necessários a qualquer método de identificação humana. Dentes isolados também possibilitam uma identificação humana a partir de medições (odontometrias) feitas com uma craveira ou paquímetro digital, como são as alturas da 16 Antropologia Forense e Identificação Humana coroa e da raiz e as distâncias mésio-distal, vestíbulo-lingual, mésio-distal do colo cervical e vestíbulo-lingual do colo cervical (Pereira, et al., 2012). Na presença de dentes humanos isolados, Bass (cit. in. Krenzer, 2006) refere que devem ser respeitados cinco passos na sua análise, a fim de ser conhecida a sua posição na arcada dentária: 1º) Determinar se o dente é decíduo ou adulto; 2º) Determinar se o dente é incisivo, canino, pré-molar ou molar; 3º) Determinar se o dente é do maxilar ou da mandíbula; 4º) Determinar se o dente é incisivo central ou lateral, ou se é primeiro ou segundo pré-molar, ou se é primeiro, segundo ou terceiro molar; 5º) Determinar se o dente é do lado esquerdo ou direito da arcada dentária. A participação da Medicina Dentária Forense nos processos de identificação humana conduz ao estabelecimento de critérios para a execução de estimativas do grupo étnico, do género, da idade à morte e da estatura de uma vítima de homicídio ou de desastre de massa, a serem aplicados num exame odontológico forense às arcadas dentárias e aos dentes (Carvalho, et al., 2009). II. 3.1. A Diagnose da Afinidade Populacional Zavando, et al. (2009), citando Sauer, afirmam que o conceito de raça tem sido fortemente questionado, perdendo a sua validade como representante da diversidade biológica humana devido à miscigenação étnica. Acrescentam, porém, que os antropólogos forenses visam a obtenção de informações a partir de características físicas de um indivíduo para orientar a sua identificação e permitir a redução do número de potenciais candidatos, pelo que a diagnose da afinidade populacional se mantém necessária num processo de identificação humana. 17 Antropologia Forense e Identificação Humana Segundo Reverte Coma (1999), as diferenças raciais são percetíveis sobretudo no crânio. A tabela 1 apresenta as características morfológicas do crânio mais discriminantes para os três maiores grupos populacionais. Caucasianos Negroides Mongoloides (Leucodermas) (Melanodermas) (Xantodermas) - Crânio alto e pouco largo; - Crânio baixo e pouco largo; - Crânio pouco alto e largo; - Espinha nasal proeminente; - Espinha nasal reduzida; - Espinha nasal média; - Ossos nasais muito - Ossos nasais pouco - Ossos nasais não muito salientes; salientes; salientes; - Abertura piriforme estreita; - Abertura piriforme ampla; - Abertura piriforme média; - Órbitas angulares; - Órbitas retangulares; - Órbitas arredondadas; - Distância interorbital - Distância interorbital - Distância interorbital reduzida; - Prognatismo facial reduzido; maior que a do caucasiano; - Prognatismo facial marcado; maior que a do caucasiano; - Prognatismo facial moderado; - Palato parabólico; - Palato hiperparabólico; - Palato elíptico/parabólico; - Arcada dentária triangular. - Arcada dentária retangular. - Arcada dentária em ferradura. Tabela 1 - Características morfológicas mais relevantes do crânio para a estimativa da afinidade populacional de um indivíduo (Santinho Cunha e Ferreira, 2011). Diversos métodos morfométricos foram criados com a intenção de reduzir a subjetividade subjacente à observação das referidas características morfológicas do crânio. De acordo com Vanrell (cit. in. Rodrigues, 2010) há três índices cefálicos que importa ter em conta na investigação da cor da pele de uma pessoa através da análise do seu crânio (tabela 2), a saber o índice cefálico horizontal ou de Rétzius, o índice cefálico vertical lateral ou sagital e o índice cefálico transversal posterior: 18 Antropologia Forense e Identificação Humana Índice cefálico horizontal = distância eurion-eurion distância glabela-metalambda x 100 ; Índice cefálico vertical lateral = distância basion-bregma x 100 ; distância glabela-metalambda Índice cefálico transversal posterior = distância basion-bregma x 100 . distância eurion-eurion Índices Cefálicos Índice Cefálico Horizontal ou de Rétzius Índice Cefálico Vertical Lateral ou Sagital Caucasianos Negroides Mongoloides maior que 79,9 menor que 75,0 entre 75,0 e 79,9 entre 69,0 e 74,9 maior que 74,9 maior que 74,9 maior que 97,9 menor que 92,0 entre 92,0 e 97,9 Índice Cefálico Transversal Posterior Tabela 2 - Estimativa da afinidade populacional a partir de três índices cefálicos (Vanrell, cit. in Rodrigues, 2010). Arbenz (cit. in. Tiradentes, 2009) criou metodologias morfométricas para estimar a afinidade populacional de um indivíduo (tabela 3) a partir de certas mensurações da face, que resultam no índice facial e no índice facial superior, para além do índice nasal: Índice facial = x 100 ; distância nasion-gnation (altura da face) distância zigomático-zigomático (largura da face) Índice facial superior = distância nasion-prostion x 100 ; distância zigomático-zigomático Índice nasal = largura da abertura piriforme (largura nasal) x 100 . distância nasion-nasioespinhal (altura nasal) 19 Antropologia Forense e Identificação Humana Índices da Face Caucasianos Negroides Mongoloides Índice Facial maior que 94,9 entre 85,0 e 94,4 menor que 85,0 Índice Facial Superior maior que 54,9 entre 50,0 e 54,9 Índice nasal menor que 48,0 maior que 52,9 menor que 50,0 entre 48,0 e 52,9 Tabela 3 - Estimativa da afinidade populacional a partir de três índices da face (Arbenz, cit. in Tiradentes, 2009). Segundo Fonseca (2005), para o diagnóstico da afinidade populacional de uma pessoa, devem ser utilizados três índices relacionados com a arcada dentária superior (tabela 4), designados por índice gnático de Flower, índice da arcada alveolar (índice maxiloalveolar) e índice do palato: Índice gnático de Flower = distância basion-prostion x 100 ; distância basion-nasion Índice da arcada alveolar = largura máxima da arcada alveolar x 100 ; comprimento da arcada alveolar Índice do palato = x 100 . largura do palato comprimento do palato Afinidade Populacional Índice Gnático de Flower Índice da Arcada Alveolar Índice do Palato Caucasianos menor que 98,0 (ortognata) menor que 110,0 menor que 80 Mongoloides entre 98,0 e 102,9 (mesognata) entre 110,0 e 114,9 entre 80,0 e 84,9 maior que 102,9 maior que 114,9 maior que 84,9 (prognata) Tabela 4 - Estimativa da afinidade populacional a partir de três índices relacionados com a arcada dentária superior (Fonseca, 2005). Negroides 20 Antropologia Forense e Identificação Humana Estes três índices concordam com a forma da arcada dentária superior, a qual difere com a afinidade populacional de acordo com a tabela 5, constatando-se que, de uma maneira geral, o prognatismo maxilar é menor nos caucasianos do que nos mongoloides e nestes menor do que nos negroides. Afinidade Populacional Forma da Arcada Dentária Superior Caucasianos Parabólica divergente, com prognatismo maxilar reduzido. Mongoloides Hiperbólica, com prognatismo maxilar moderado. Elítica convergente, quadrangular ou com ramos paralelos e com prognatismo maxilar elevado. Tabela 5 - Formas da arcada dentária superior de acordo com cada grupo populacional (Fonseca, 2005). Negroides Para a determinação do prognatismo maxilar e, consequentemente, para a estimativa do grupo étnico de um indivíduo, é importante a medição do ângulo facial. O ângulo facial foi inicialmente definido por Petrus Camper, em 1786, como sendo formado por duas linhas: uma a partir da abertura da orelha até ao maxilar superior e a outra da testa até ao maxilar superior. Camper mostrou que os europeus apresentavam um ângulo facial de 80° e os africanos de 70° (Costa Santos, 1924). Posteriormente foram definidos outros ângulos faciais, nomeadamente por Jacquart, Cloquet e Cuvier, entre outros, para a diagnose da afinidade populacional de uma pessoa (tabela 6). O ângulo de Jacquart é definido pela linha horizontal aurículoespinhal (do centro do meato auditivo externo) e pela linha mediana da fronte que cruza com a anterior na espinha nasal inferior. O ângulo de Cloquet é limitado pela linha horizontal aurículoespinhal e pela linha mediana da fronte que cruza com a anterior no prostion (ponto alveolar). O ângulo de Cuvier é demarcado pela linha horizontal aurículoespinhal e pela linha mediana da fronte que cruza com a anterior no rebordo incisal dos incisivos centrais superiores (ângulo dentário superior) (França, 2005). 21 Antropologia Forense e Identificação Humana Ângulos Faciais Caucasianos Mongoloides Negroides Ângulo de Jacquart 76,5º 72,0º 70,3º Ângulo de Cloquet 62,0º 59,4º 58,0º Ângulo de Cuvier 54,0º 53,0º 48,0º Tabela 6 - Valores de ângulos faciais dos principais grupos populacionais (adaptada de França, 2005). Constata-se que os valores dos três ângulos são maiores para os caucasianos, por apresentarem maxilar não saliente (ortognata), intermédios para os mongoloides (mesognata) e menores para os negroides, por terem maxilar saliente (prognata). A arcada dentária inferior, definida pela mandíbula, também apresenta características morfológicas e morfométricas que permitem fazer a diagnose da afinidade étnica de uma pessoa. Na tabela 7 estão registadas algumas características morfológicas da mandíbula descritas para os caucasianos e para os negroides. Caucasianos Negroides - Mandíbula com maior espessura; - Mandíbula com menor espessura; - Corpo mandibular mais alto; - Corpo mandibular mais baixo; - Ramo ascendente mais alto e - Ramo ascendente mais baixo, estreito; - Chanfradura sigmoideia mais profunda; largo e vertical; - Chanfradura sigmóidea menos profunda; - Peso mandibular entre 83 e 100 gramas. - Peso mandibular entre 98 e 119 gramas. - Ângulo mentoniano menor; - Ângulo mentoniano maior; - Mento proeminente; - Mento pouco proeminente; - Forma do arco dentário parabólica. - Forma do arco dentário elipsoide e quadrangular. Tabela 7 - Comparação de algumas características morfológicas das mandíbulas de caucasianos e de negroides (Fonseca, 2005). 22 Antropologia Forense e Identificação Humana Algumas medidas que se podem efetuar na mandíbula são igualmente utilizadas no diagnóstico da afinidade populacional, através da criação de alguns índices morfométricos (tabela 8). São os casos do índice mandibular, do índice do ramo mandibular e do índice goniocondiliano, indicando este último que quanto maior for o seu valor, menos divergentes são os ramos da mandíbula (Bidegain Pereira e Alvim, 1979): Índice mandibular = comprimento total da mandíbula x 100 ; largura bicondiliana da mandíbula Índice do ramo mandibular = largura mínima do ramo mandibular x 100 ; altura do ramo mandibular Índice goniocondiliano = largura intergonion ou bigoníaca x 100 . largura bicondiliana da mandíbula Afinidade Populacional Índice Mandibular Índice do Ramo Mandibular Índice Goniocondiliano Caucasianos Entre 85,0 e 89,9 Menor que 50,0 Média de 84 Mongoloides Menor que 85,0 Entre 50,0 e 55,9 Média de 81 Negroides Maior que 89,9 Maior que 55,9 Média de 81 Tabela 8 - Estimativa da afinidade populacional a partir de três índices relacionados com a arcada dentária inferior (Pereira, et al., 2012). Na diagnose da afinidade populacional, algumas características morfológicas dentárias peculiares também podem contribuir para uma identificação positiva. Essas especificidades designam-se por carateres discretos e correspondem a características de variação não métrica. É o caso da presença de três raízes nos molares inferiores, cuja incidência é mais alta nos povos de origem mongoloide do que nos povos de origem caucasiana, localizando-se a terceira raiz, quando presente, na posição disto-lingual (Pécora, et al., 2004). 23 Antropologia Forense e Identificação Humana Lasker e Lee (cit. in Pereira, et al., 2012), em 1957, estudaram as variações morfológicas dos dentes em adultos de várias populações, tendo chegado a algumas conclusões, que se apresentam genericamente na tabela 9, relativamente a alguns carateres discretos, quer para os dentes da maxila, quer para os dentes da mandíbula. Carateres Discretos nos dentes maxilares Caucasianos Mongoloides Negroides Face palatina dos incisivos em forma de pá Pouco frequente Muito frequente Pouco frequente Tubérculo de Carabelli no 1º molar Frequente Pouco frequente, ausente nos esquimós Pouco frequente Taurodontismo Pouco frequente Pouco frequente e de forma piramidal Pouco frequente Carateres Discretos nos dentes mandibulares Caucasianos Mongoloides Negroides Cúspides do 1º molar 5 com sulcos oclusais sem forma de Y 5 com sulcos oclusais sem forma de Y 5 com sulcos oclusais com forma de Y Tubérculo paramolar Pouco frequente Frequente, sobretudo nos esquimós Frequente Taurodontismo Pouco frequente Pouco frequente e de forma piramidal Pouco frequente Tabela 9 - Carateres dentários discretos que contribuem para a diagnose da afinidade populacional (Lasker e Lee, cit. in Pereira, et al., 2012) Um processo morfométrico, denominado índice dentário de Flower, relaciona duas odontometrias com uma dimensão craniométrica. Este índice equivale ao quociente entre a soma dos comprimentos dos pré-molares e dos molares superiores, medida desde a superfície distal do terceiro molar à superfície mesial do primeiro pré-molar, e a distância basion-nasion, multiplicado por 100, ou seja, 24 Antropologia Forense e Identificação Humana Índice dentário de Flower = comprimento pré-molares + comprimento molares x 100. distância basion-nasion Bidegain Pereira e Alvim (1979) referem que valores deste índice até 41,9 correspondem a indivíduos com dentes pequenos (microdontes) e estimam caucasianos; valores entre 42,0 e 43,9 correspondem a sujeitos com dentes médios (mesodontes) e apontam para negroides e, principalmente, mongoloides; valor igual ou valores maiores do que 44,0 correspondem a pessoas com dentes grandes (macrodontes) e indicam australianos e negroides. II. 3.2. A Diagnose Sexual A diagnose sexual, ou estimativa do género de uma vítima, baseia-se no dimorfismo sexual que se pode observar na espécie humana. O nível de exatidão da diagnose sexual é diretamente proporcional ao grau de dimorfismo sexual, ou seja, quanto maior for o grau de dimorfismo sexual da vítima, mais rigorosa será a estimativa sexual, o que acontece com o incremento da idade, uma vez que o dimorfismo sexual vai-se desenvolvendo com esta, até à fase adulta (Krenzer, 2006). A existência de um esqueleto completo é a melhor situação para o diagnóstico do género de uma vítima. No entanto, mesmo quando os restos humanos estão fragmentados, pode-se efetuar uma diagnose sexual com um elevado grau de precisão. Para esta estimativa, os ossos da bacia, em particular o osso coxal ou osso do quadril, são os mais dimórficos, uma vez que apresentam uma estrutura mais alargada nas mulheres do que nos homens, tendo em conta a sua função reprodutora, permitindo uma classificação correta na quase totalidade das situações (Galvão, 1998). A tabela 10 apresenta características morfológicas da pelve masculina e da pelve feminina que permitem uma diagnose sexual em adultos. 25 Antropologia Forense e Identificação Humana Pelve Masculina Pelve Feminina - osso coxal alto e estreito; - osso coxal baixo e largo; - estreitos superiores e inferiores menores e - estreitos superiores e inferiores maiores e de forma elíptica; de forma aproximadamente circular; - ângulo subpubiano mais agudo; - ângulo subpubiano menos agudo; - borda medial do ramo ísquio-púbico convexa; - borda medial de ramo ísquio-púbico côncava; - osso ilíaco mais espesso; - osso ilíaco menos espesso; - sacro mais estreito e pouco alongado; - sacro mais achatado e longo; - promontório proeminente; - promontório mais proeminente; - acetábulo com diâmetro médio de 55 mm; - acetábulo com diâmetro médio de 46 mm; - ângulo sacro-vertebral de 110º. - ângulo sacro-vertebral de 107º. Tabela 10 - Características morfológicas da pelve masculina e da pelve feminina que permitem uma diagnose sexual em adultos (Galvão, 1998). Em crianças, esta pesquisa também é possível de ser executada, embora seja quase impercetível ao nível do esqueleto, em virtude do dimorfismo sexual ser muito leve nestes indivíduos. Porém, Schutkowski (1993) refere que a partir de diferenças morfológicas do ílio e da mandíbula é possível realizar-se uma diagnose sexual do indivíduo não adulto. Na tabela 11 estão registadas diferenças morfológicas do ílio e da mandíbula que permitem a diferenciação de género em crianças. Osso Género Masculino Género Feminino - Grande chanfradura ciática é - Grande chanfradura ciática é Ílio estreita, com ângulo de cerca de 90º; larga, com ângulo superior a 90º; - Crista ilíaca em forma de S marcado. - Crista ilíaca em forma de S subtil. - Arcada dentária é arredondada e - Arcada dentária é parabólica e o queixo é proeminente; o queixo não é proeminente; Mandíbula - A região gónica projeta-se para além - A superfície exterior da mandíbula da superfície exterior da mandíbula. está alinhada com a região gónica. Tabela 11 - Diferenças morfológicas do ílio e da mandíbula em indivíduos não adultos de diferentes géneros (Schutkowski, 1993). 26 Antropologia Forense e Identificação Humana Saukko e Knight (2004) afirmam que a determinação do género de uma pessoa pode ser efetuada a partir do seu crânio, quando apenas este é o único elemento anatómico presente, tendo em conta o exame dos seus traços morfológicos, de acordo com o que está registado na tabela 12. Crânio Masculino Crânio Feminino - Fronte inclinada para trás; - Fronte aproximadamente vertical; - Arcadas supraciliares pronunciadas; - Arcadas supraciliares suaves; - Órbitas quadrangulares com rebordo - Órbitas arredondadas com rebordo rombo; aguçado; - Glabela saliente; - Glabela pouco saliente; - Arcadas zigomáticas robustas; - Arcadas zigomáticas graciosas; - Apófises mastóides bem desenvolvidas; - Apófises mastóides gráceis; - Prognatismo alveolar pouco acentuado; - Prognatismo alveolar acentuado; - Palato largo em forma de U; - Palato parabólico; - Ausência de bossas frontais e parietais; - Bossas frontais e parietais acentuadas; - Mandíbula com côndilos robustos e um - Mandíbula com côndilos graciosos e um queixo quadrangular. queixo pouco saliente. Tabela 12 - Características morfológicas do crânio masculino e do crânio feminino que permitem uma diagnose sexual (Saukko e Knight, 2004). A diagnose sexual pela avaliação morfológica da pelve e do crânio é prioritária, mas diversos autores propuseram estimar o género de um indivíduo a partir de dados morfométricos do crânio analisados estatisticamente. É o caso do índice dos diâmetros do forame magno, a grande abertura na base do occipital, que é a razão entre a sua largura máxima (distância látero-lateral) e o seu comprimento máximo (distância ânteroposterior), multiplicado por 100, ou seja, Índice dos diâmetros do forame magno = largura do forame magno x 100 , comprimento do forame magno estimando para valores superiores a 35,0 um indivíduo do género masculino, valores compreendidos entre 30,5 e 35,0 um indivíduo provavelmente masculino, valores 27 Antropologia Forense e Identificação Humana compreendidos entre 28,5 e 30,5, essa estimativa é duvidosa, estimando, ainda, para valores compreendidos entre 25,0 e 28,5 um indivíduo provavelmente do género feminino e para valores inferiores a 25,0 um indivíduo feminino (Campos, cit. in Tiradentes, 2009). O índice de Baudoin ou índice condíleo é obtido pelo quociente entre a largura do côndilo occipital e o seu comprimento máximo, multiplicado por 100, isto é, Índice de Baudoin = largura do côndilo occipital x 100 , comprimento do côndilo occipital pelo que um resultado superior a 55,0 indica um indivíduo do género feminino e um resultado inferior a 50,0 indica um indivíduo do género masculino, enquanto que entre 50,0 e 55,0 a determinação do género é considerada duvidosa (França, 2005). Em 1994, Galvão (1998) apresentou um processo para determinar o género de um indivíduo, pela avaliação de distâncias cranianas, medidas com um craniómetro por si idealizado, entre o centro do meato acústico externo e outros onze pontos craniométricos, a saber: gnation, prostion, espinha nasal anterior, glabela, bregma, vértex, lambda, opistocranion, ínion, apófise mastóidea e gónion. A análise mostrou que quando o somatório dessas craniometrias fosse superior a 1000 mm, existia uma tendência estatisticamente significativa do crânio pertencer ao género masculino e que quando o somatório dessas medidas, pelo contrário, fosse menor do que 1000 mm, então existiria uma tendência estatística do crânio pertencer ao género feminino. Galvão (1998), na procura de uma maior objetividade, estabeleceu uma fórmula, a partir do estudo de crânios de adultos de género reconhecido e através da regressão logística, tendo em conta o comprimento da curva frontal (distância do nasion ao bregma) (CF) e a distância entre o teto do meato acústico externo e o pólo inferior da apófise mastóidea (ApoMast): 28 Antropologia Forense e Identificação Humana (20,4709 – 0,2652 x ApoMast – 0,1051 x CF) Sexo = e , (20,4709 – 0,2652 x ApoMast – 0,1051 x CF) 1+e sendo e a constante de Neper (e = 2,71828). Quando o expoente da constante de Neper é negativo, indica que o crânio pertenceu a um sujeito do género masculino, mas se for positivo indica que pertenceu a um indivíduo do género feminino. O resultado final da equação indica o grau de confiança ou probabilidade. Neste estudo ainda foram elaboradas duas funções lineares discriminantes: Feminino = – 148,40698 + 2,04927 x CF + 1,64316 x ApoMast ; Masculino = – 168,22068 + 2,14787 x CF + 1,89742 x ApoMast . O maior resultado indica o género do crânio em estudo. Pelo uso da média, para um intervalo de confiança em torno de 95% de se encontrar na média verdadeira ou populacional, Galvão obteve os seguintes valores: - para a curva frontal: - Feminino = 121,24 a 125,25 mm; - Masculino = 127,64 a 130,85 mm; - para a distância entre o teto do meato acústico externo e o pólo inferior da apófise mastóidea: - Feminino = 25,85 a 28,01 mm; - Masculino = 30,20 a 31,82 mm. Mais recentemente, Almeida Junior, et al. (2013) propuseram a utilização de duas mensurações craniométricas para a diagnose sexual: a distância entre o basion e o bregma (abb) e a distância entre os eurions opostos (dtm). A partir destas medidas, determinadas em múltiplas amostras, foi calculado o designado índice transverso (it) pela seguinte fórmula: it = altura máxima abb x 100 . largura máxima dtm Pelo estudo estatístico dos valores abb, dtm e it, que mostrou que os indivíduos do género masculino apresentam valores médios destas variáveis maiores que os do género 29 Antropologia Forense e Identificação Humana feminino, foi possível construir duas equações, sendo que o resultado maior entre elas corresponde ao género indicado: Feminino = – 25821 – 388,82431 x abb + 366,17645 x dtm + 548,04833 x it ; Masculino = – 25873 – 388,80208 x abb + 366,41003 x dtm + 548,22620 x it . A diagnose sexual de um indivíduo também pode ser realizada a partir da observação e análise de algumas das características morfológicas da mandíbula, conforme ilustra a tabela 13, referente a indivíduos caucasianos. Características Morfológicas da Mandíbula Género Masculino Género Feminino Côndilos Maiores e robustos Menores e discretos Mento Retangular ou triangular Arredondado ou triangular Ângulo mandibular Mais fechado (< 125º) Mais aberto (> 125º) Rugosidades de inserção musculares Mais marcadas Mais discretas Largura bicondiliana Em média > 125 mm Em média < 105 mm Peso Em média de 80 gramas Em média de 63 gramas Tabela 13 - Características morfológicas da mandíbula que permitem uma diagnose sexual em caucasianos (Fonseca, 2005). Correa Ramírez (1990) preconiza que o dimorfismo sexual pode ser reconhecido a partir do somatório de determinadas medidas da mandíbula em milímetros, aplicando-se a seguinte fórmula: ∑ = 10,27 x altura do ramo mandibular + 8,10 x largura mínima do ramo mandibular + + 2 x distância bigoníaca + comprimento total da mandíbula . 30 Antropologia Forense e Identificação Humana A mandíbula deverá corresponder a um indivíduo do género masculino se o somatório exceder o valor de 1200,88. Se não exceder esse valor, então ela deverá corresponder a uma pessoa género feminino. Em 1996, Oliveira (cit. in Carvalho, et al., 2013) criou uma fórmula que permite determinar a probabilidade (p) de uma mandíbula pertencer a um sujeito do género feminino, a partir de duas das suas medidas, a altura do ramo mandibular (ARM) e a distância ou largura bigoníaca (DB): 21.9466 – 0.2444 x ARM – 0.0812 x DB p= e . 21.9466 – 0.2444 x ARM – 0.0812 x DB 1+e Moreno e Moreno (2002) consideram que a estimativa do género de um indivíduo ainda pode ser conseguida de acordo com a morfologia dos dentes, uma vez que estes também apresentam características de dimorfismo sexual. Dentes isolados podem permitir a diagnose sexual, a partir de medições feitas com um paquímetro de precisão de algumas das suas dimensões, as quais revelam diferenças morfológicas dentárias entre os dois géneros. Alguns estudos mencionam que os incisivos centrais superiores são os dentes que apresentam maior dimorfismo sexual, por serem mais volumosos nos indivíduos masculinos do que nos indivíduos femininos (Sales-Peres, et al., 2006), outros estudos concluem que são os caninos superiores os dentes mais adequados para este tipo de diagnóstico, como acontece com a população portuguesa (Pereira, et al., 2012) e outros ainda demonstram que são os caninos inferiores a chave para avaliar o dimorfismo sexual (Kapila, cit. in Martins Filho, 2013). A tabela 14 revela características morfológicas dimórficas que se podem genericamente observar nos dentes. 31 Antropologia Forense e Identificação Humana Características Género Masculino Género Feminino Incisivos centrais superiores Maior volume Menor volume Forma Cubóide Estreito Ângulos dentários Marcados Arredondados Superfícies dentárias Planas Arredondadas dos Dentes Tabela 14 - Características morfológicas dimórficas dos dentes (Pereira, et al., 2012). Outras características dimórficas podem ser assinaladas a partir de determinadas odontometrias. O diâmetro mésio-distal do incisivo central e do incisivo lateral do maxilar superior é menor na mulher do que no homem, uma vez que nas mulheres, os dentes são mais semelhantes entre si (Sales-Peres, et al.,2006). Yamaguto e Vasconcelos (2005), com o auxílio de um paquímetro digital, entre 60 pessoas, 25 do género masculino e 35 do género feminino, portadores de oclusão normal, observaram que os diâmetros mésio-distais dos dentes, em ambas as arcadas dentárias, são ligeiramente maiores, em média, nos indivíduos do género masculino. Ainda com base em odontometrias, estabeleceram-se relações entre elas ou entre elas e a mandíbula que também permitem aferir do género de um indivíduo. É o caso do índice mandibular do canino, que corresponde à razão entre a distância mésio-distal da coroa do canino mandibular e a largura do arco mandibular entre os caninos, isto é, Índice mandibular do canino = distância mésio-distal da coroa do canino mandibular . largura do arco mandibular entre os caninos Para valores deste quociente superiores a 0,274 considera-se ser do género masculino e para valores inferiores ao mesmo, do género feminino (Conde, 2014). 32 Antropologia Forense e Identificação Humana A razão entre a distância mésio-distal do incisivo lateral superior e do incisivo central superior, multiplicada por 100, é denominada índice de Aitchinson: Índice de Aitchinson = distância mésio-distal do incisivo lateral superior x 100. distância mésio-distal do incisivo central superior Um valor inferior a 150 estima um indivíduo do género masculino e, pelo contrário, um valor superior estima um indivíduo do género feminino (Reverte Coma, 1999). Pereira, et al. (2012) sustentam que o caráter dimórfico dos caninos superiores na população portuguesa fica patente através do seu índice de robustez coronário (IRC) e do seu módulo da coroa: ‒ o primeiro estabelece o produto da distância mésio-distal pela distância vestíbulolingual do canino, ou seja, IRC = distância mésio-distal do canino x distância vestíbulo-lingual do canino , constatando-se que na população portuguesa, estudada por Pereira em 2005, este índice é significativamente maior para os caninos superiores masculinos do que para os femininos; ‒ por sua vez, o módulo da coroa dos caninos superiores corresponde à média entre as suas distâncias mésio-distal e vestíbulo-lingual, isto é, Módulo da coroa do canino sup. = distância mésio-distal + distância vestíbulo-lingual , 2 verificando-se que entre os portugueses o valor deste módulo é também significativamente maior para os caninos superiores de indivíduos masculinos do que para os femininos. 33 Antropologia Forense e Identificação Humana As técnicas de análise do ADN consolidaram-se como auxiliares e certificadoras dos exames antropológicos, pelo que o estudo do gene da amelogenina, que está presente em cromossomas recolhidos a nível pulpar, pela técnica PCR (Polymerase Chain Reaction), pode contribuir para a determinação do género de uma pessoa. Este gene da amelogenina, embora presente nos cromossomas X e Y, apresenta um número de pares de bases (pb) diferente, caso seja oriundo do cromossoma X (212 pb) ou do Y (228 pb) (Azevedo, 2008). Outro método biológico para esta determinação é a pesquisa ao microscópio de corpúsculos de Barr (cromatina sexual) em fibroblastos do tecido conjuntivo que reveste a polpa dentária. Estes corpúsculos só aparecem quando há pares de cromossomas X, de modo que são encontrados em 80% dos dentes de indivíduos do género feminino, não se encontrando em nenhuma lâmina referente a dentes de indivíduos do género masculino (Galvão, 1998). II. 3.3. A Estimativa da Idade à Morte Ao contrário da diagnose sexual, a estimativa da idade à morte de indivíduos não adultos é mais precisa do que a de adultos, pelo facto de aqueles estarem em crescimento. Para Santinho Cunha e Ferreira (2011), a ossificação do crânio é um critério a utilizar para estimar a idade à morte de fetos e de crianças com menos de quatro anos de idade, sendo analisadas as fontanelas, a sutura metópica, a fusão da mandíbula e dos ossos da base do crânio (tabela 15), enquanto que a união epifisária dos ossos longos passa a ser considerado, com uma certa segurança, para este efeito, o critério a aplicar em adolescentes e jovens adultos, apesar de ser imprescindível que se conheça previamente o género do indivíduo, pois o tempo de união das epífises às diáfises difere entre rapazes e raparigas, começando nestas aproximadamente dois anos mais cedo, conforme se observa na tabela 16. 34 Antropologia Forense e Identificação Humana Característica do Crânio Obliteração Fontanela lambdática 1 – 3 meses Fontanelas ptéricas 1 – 3 meses Ala magna-osso esfenóide Antes dos 9 meses Fontanela bregmática 9 – 16 meses Fontanelas astéricas 1 ano Sínfise mandibular 1 ano Sutura metópica 2 anos Partes laterales-pars basalis do osso occipital 3 – 4 anos Tabela 15 - Cronologia da ossificação do crânio (adaptada de Santinho Cunha e Ferreira, 2011). Osso Úmero Cúbito Fémur Tíbia Intervalo Etário da União Epifisária (anos de vida) Epífise Género Masculino Género Feminino Proximal 20 - 25 18 - 22 Distal 14 - 18 14 - 17 Proximal 14 - 18 14 - 17 Distal 17 - 22 16 - 21 Proximal 18 - 21 15 - 19 Trocanter Maior 18 - 21 15 - 19 Trocanter Menor 18 - 21 15 - 19 Distal 17 - 20 15 - 19 Proximal 17 - 20 15 - 19 Distal 17 - 19 15 - 18 Tabela 16 - Intervalos etários da união epifisária de alguns ossos longos (adaptada e modificada de Ferembach, et al. (cit. in. Santinho Cunha e Ferreira, 2011)). 35 Antropologia Forense e Identificação Humana Lourenço (2010) informa que, no caso dos adultos, um dado importante para a estimativa da idade à morte é a sinostose das suturas cranianas, isto é, a sua obliteração, que se inicia na tábua interna e progride gradualmente no sentido da tábua externa. Assim, esta estimativa, num crânio isolado de adulto, deve ser efetuada pela análise das suturas cranianas, visto que se trata de um método simples e de fácil utilização. Almeida e Masset (1982), num estudo com crânios portugueses, propõem um conjunto de equações para estimar a idade à morte de adultos, consoante o género do indivíduo (tabela 17), a partir do grau de sinostose (S) das suturas cranianas, que é determinado pela média dos graus de obliteração observados em cada segmento dessas suturas, a saber, sutura coronal (C1, C2 e C3), sutura sagital (S1, S2, S3 e S4) e sutura lambdóide (L1, L2 e L3), ou seja: S = (C1+C2+C3+S1+S2+S3+S4+L1+L2+L3) / 10 . Para o cálculo do grau de sinostose das suturas cranianas (S), aos graus de obliteração observados nos seus diversos segmentos são atribuídos valores de 0 a 4, do seguinte modo: - grau 0 – sutura completamente aberta; - grau 1 – sutura com ligeira obliteração; - grau 2 – sutura medianamente fechada; - grau 3 – sutura obliterada em cerca de três quartos da sua superfície; - grau 4 – sutura completamente fechada, não se notando qualquer vestígio. Tipo de suturas Género Masculino (anos de vida) Género Feminino (anos de vida) Endocranianas 0,054 S² + 10,24 S + 21,67 – 0,37 S² + 8,69 S + 32,61 Exocranianas – 4,44 S² + 22,86 S + 30,44 – 2,85 S² + 16,33 S + 39,08 Tabela 17 - Equações para a estimativa da idade à morte de adultos de diferentes géneros a partir da sinostose das suturas cranianas (Almeida e Masset, 1982). 36 Antropologia Forense e Identificação Humana Salazar e Yactayo (2007) confirmam que um método, criado por Mann, baseado na obliteração das suturas palatinas (incisiva, transversopalatina, palatina média posterior e palatina média anterior), permite uma estimativa da idade à morte, tendo distinguido os seguintes estados: subadultos – pouca ou nenhuma obliteração das suturas; adultos (18 anos em diante) – alguma obliteração da sutura transversopalatina e mais de metade da sutura incisiva obliterada; anciãos (50 anos em diante) – obliteração completa de três ou mais suturas, sendo a sutura palatina média anterior a última a obliterar. A observação de algumas características particulares da mandíbula pode igualmente fornecer pistas para o diagnóstico da idade de um indivíduo aquando do seu falecimento, como é o caso do ângulo mandibular ou goníaco, que vai diminuindo até se atingir a fase adulta, conforme ilustra a tabela 18, elaborada por Ernestino Lopes (cit. in. Watanabe e Arita, 2013). Ângulo Mandibular Idade (anos) Mínimo Médio Máximo 5 – 10 110 º 130 º 135 º 11 – 15 110 º 125 º 130 º 16 – 20 110 º 120 º 125 º 21 – 25 110 º 115 º 120 º 26 – 35 105 º 110 º 120 º 36 – 45 105 º 110 º 120 º Tabela 18 - Relação da evolução do ângulo mandibular com a idade (adaptada de Lopes, cit. in. Watanabe e Arita, 2013). De assinalar que na idade fetal a amplitude do ângulo mandibular é de 150º, atingindo 135º no recém-nascido. Na fase adulta, à medida que uma pessoa envelhece, essa amplitude volta a aumentar gradualmente, atingindo, em idades avançadas, valores próximos daqueles que se podem observar em recém-nascidos (França, 2005). 37 Antropologia Forense e Identificação Humana Antes dos 12 anos de idade os dentes são o melhor indicador da idade biológica à data da morte de um indivíduo. Durante a adolescência e até aos 20 anos, os dentes são um complemento útil para os padrões da fusão epifisária dos ossos longos na determinação dessa idade e a sua estimativa baseia-se nos estádios de desenvolvimento dos dentes permanentes. Acima dos 20 anos é o estudo das alterações degenerativas dentárias que oferece os elementos mais valiosos para a determinação da idade à morte (Scott, 1998). O estudo do desenvolvimento dentário permite estabelecer técnicas de determinação da idade à morte de um indivíduo. A análise da formação e da erupção dentária é essencial na estimativa da idade à morte em restos esqueletizados (Moreno e Moreno, 2002). A idade de uma pessoa pode ser estimada, desde a fase fetal até à fase adulta, pelo grau de mineralização dos germes dentários, bem como das raízes e das coroas até à sua total mineralização, mediante estudo radiográfico maxilar e mandibular, mas também pela erupção dentária (tabelas 19, 20 e 21). (Logan e Kronfeld, 1933, cit. in Pereira, et al., 2012). Parâmetros de desenvolvimento da dentição decídua em ambos os géneros Dentes Início da mineralização (semanas fetais) Coroa completa (meses de vida) Erupção (meses de vida) Raiz completa (meses de vida) Incisivo central 13 – 16 1–3 6–9 18 – 24 Incisivo lateral 14 – 17 2–3 7 – 10 18 – 24 Canino 15 – 18 9 16 – 20 30 – 39 1º Molar 14 – 17 6 12 – 16 24 – 30 2º Molar 16 – 24 10 – 12 20 – 30 36 Tabela 19 - Desenvolvimento cronológico da dentição decídua em ambos os géneros (adaptada e modificada de Logan e Kronfeld, 1933, cit. in Pereira, et al., 2012). 38 Antropologia Forense e Identificação Humana Parâmetros de desenvolvimento da dentição permanente na maxila em ambos os géneros Dentes Início da mineralização (meses de vida) Coroa completa (anos de vida) Erupção (anos de vida) Raiz completa (anos de vida) Incisivo central 3–4 4–5 7–8 10 Incisivo lateral 10 – 12 4–5 8–9 11 Canino 4–5 6–7 11 – 12 13 – 15 1º Pré-molar 18 – 24 5–6 10 – 11 12 – 13 2º Pré-molar 24 – 30 6–7 10 – 12 12 – 14 1º Molar Nascimento 2,5 – 3 5,5 – 7 9 – 10 2º Molar 30 – 36 7–8 12 – 14 14 – 16 3º Molar 84 - 108 12 – 16 17 – 25 18 – 25 Tabela 20 - Desenvolvimento cronológico da dentição permanente na maxila em ambos os géneros (adaptada e modificada de Logan e Kronfeld, 1933, cit. in Pereira, et al., 2012). Parâmetros de desenvolvimento da dentição permanente na mandíbula em ambos os géneros Dentes Início da mineralização (meses de vida) Coroa completa (anos de vida) Erupção (anos de vida) Raiz completa (anos de vida) Incisivo central 3–4 4–5 6–7 9 Incisivo lateral 3–4 4–5 7–8 10 Canino 4–5 6–7 9 – 11 12 – 14 1º Pré-molar 18 – 24 5–6 10 – 12 12 – 13 2º Pré-molar 30 - 36 6–7 11 – 13 13 – 14 1º Molar Nascimento 2,5 – 3 5,5 – 7 9 – 10 2º Molar 30 – 36 7–8 12 – 13 14 – 15 3º Molar 96 – 120 12 – 16 17 – 25 18 – 25 Tabela 21 - Desenvolvimento cronológico da dentição permanente na mandíbula em ambos os géneros (adaptada e modificada de Logan e Kronfeld, 1933, cit. in Pereira, et al.,2012). 39 Antropologia Forense e Identificação Humana O método de Demirjian, Goldstein e Tanner, criado em 1973 e revisto em 1976, é um dos mais utilizados atualmente na avaliação do desenvolvimento da dentição permanente, aplicável sobre radiografias panorâmicas, no qual são descritos, mediante critérios prédefinidos, oito estádios de mineralização, designados sucessivamente pelas letras A (início da mineralização ao nível da cripta) a H (encerramento do ápex), do incisivo central ao 2º molar inferiores de um só lado. Cada um dos estádios de mineralização desses sete dentes converte-se depois em valores, pela aplicação de uma escala de pontuação pré-estabelecida para cada um dos géneros. De seguida, adicionam-se as pontuações dos dentes e a soma obtida corresponde à maturidade dentária traduzida numa escala de 0 a 100 (grau de maturação dentária). Finalmente, esta soma é convertida em idade dentária a partir de duas tabelas ou de dois gráficos, um para cada género (Chains, Celis e Hidalgo, 2010). Aos 20 anos, o 3º molar é o único dente que se encontra ainda em desenvolvimento e é também o único dente em que não é aplicável o método de Demirjian, Goldstein e Tanner. Nestas situações, a idade dentária pode ser estimada pela análise de radiografias panorâmicas, aplicando-se um método proposto por Mincer, Harris e Berryman, que compara o estádio de desenvolvimento do 3º molar com um dos oito estádios de mineralização do método de Demirjian, Goldstein e Tanner (Santiesteban, 2010). Na fase de adulto ocorre uma involução dentária, que se traduz gradualmente por diversas ocorrências, como atrofia pulpar, permeabilidade dentinária, espessamento do cemento, mudança de cor do esmalte e reabsorção do rebordo alveolar do maxilar e da mandíbula, pelo que não é possível proceder à análise da estimativa da idade à morte de um adulto através dos métodos anteriores (Sales-Peres, et al., 2006). Para este efeito, Adão Pereira (1994) preconiza a aplicação de um método criado por Gustafson, em 1950, o qual estabeleceu uma fórmula, baseada em seis aspetos da involução dos dentes, a saber: desgaste da superfície de oclusão (A), periodontite (P), 40 Antropologia Forense e Identificação Humana desenvolvimento de dentina secundária no interior da cavidade pulpar (S), deposição de cemento da raiz (C), reabsorção da raiz (R), transparência do ápice da raiz (T), sendo as alterações de cada uma destas variáveis valorizadas de 0 a 3 (tabela 22). Grau de involução dentária Variável 0 1 2 3 A Inexistente Afeta só o esmalte Atinge a dentina Abrange a polpa P Inexistente No início Afeta 1/3 da raiz Afeta mais de 2/3 da raiz S Inexistente Afeta 1/2 da polpa Afeta toda a polpa C Inexistente Camada grande Camada abundante R Inexistente Início na polpa superior Maior do que o normal Em pontos isolados Numa área significativa Numa grande área T Inexistente Alguma visível Em mais de 1/3 Em mais de 2/3 Tabela 22 - Classificação de Gustafson para as variáveis de involução dentária (Adão Pereira, 1994). Após a observação de cada um destes seis fenómenos de involução dentária, procede-se ao somatório dos respetivos pontos: ∑ = An + Pn + Sn + Cn + Rn + Tn . Obtido o somatório dos pontos, localiza-se na reta de regressão de Gustafson os valores correspondentes à idade fisiológica do indivíduo, ou calcula-se esta pela equação Idade = 11,43 + 4,56 x ∑ . Nagalaxmi, et al. (2014) mencionam que outros investigadores melhoraram a metodologia de Gustafson, como foi o caso do seu discípulo Johanson, que, em 1971, considerou sete graus de involução dentária, aos quais aplicou uma análise estatística de regressão múltipla e estabeleceu a equação 41 Antropologia Forense e Identificação Humana Idade = 11,02 + 5,14 x A + 4,14 x P + 2,30 x S + 3,71 x C + 5,57 x R + 8,98 x T , obtendo resultados mais rigorosos para o cálculo da idade à morte. Entretanto, métodos radiográficos, histológicos e bioquímicos foram desenvolvidos para se estimar com maior precisão a idade à morte de um indivíduo, devendo, se possível, ser praticados vários métodos em simultâneo, preferencialmente não invasivos. II. 3.4. A Estimativa da Estatura O diagnóstico post mortem da estatura de um indivíduo pode ser efetuado no local da descoberta a partir dos seus restos esqueletizados se estes mantiveram a sua integridade anatómica. Porém, se tal não ocorrer, existem métodos para se avaliar a estatura de um indivíduo a partir de um conjunto de ossos ou de ossos isolados de pequenas dimensões, como os metacarpianos, os metatarsianos e o calcâneo, mas principalmente a partir de ossos longos, como os dos membros. Essas metodologias apoiam-se na correlação positiva que existe, para ambos os géneros, entre a altura de uma pessoa e as dimensões dos ossos do esqueleto apendicular (França, 2005). Diversos autores criaram equações, com base em séries osteológicas de referência, que permitem calcular a estatura aproximada de indivíduos de ambos os géneros, seja a partir de ossos longos isolados, seja a partir de ossos longos combinados. A título de exemplo, apresenta-se um conjunto de equações muito utilizadas para alguns ossos longos de americanos adultos, criado em 1952 por Trotter and Gleser, mas modificado em 1977 por Krogman e Iscan, nas tabelas 23 e 24, respetivamente para indivíduos do género masculino e do género feminino, quer caucasianos, quer negroides. De referir que nessas tabelas C corresponde ao comprimento máximo de cada osso em centímetros (Saukko e Knight, 2004). 42 Antropologia Forense e Identificação Humana Género Masculino Caucasianos Desvio Padrão Negroides Desvio Padrão 3.08 x C úmero + 70.45 4,05 3,26 x C úmero + 62,10 4,43 3,78 x C rádio + 79,01 4,32 3,42 x C rádio + 81,56 4,30 3,70 x C cúbito + 74,05 4,32 3,26 x C cúbito + 79,29 4,42 2,38 x C fémur + 61,41 3,27 2,11 x C fémur + 70,35 3,94 2,52 x C tíbia + 78,62 3,37 2,19 x C tíbia + 86,02 3,78 2,68 x C perónio + 71,78 3,29 2,19 x C perónio + 85,65 4,08 0,93 x C úmero + 1,94 x C tíbia + 69,30 3,26 0,90 x C úmero + 1,78 x C tíbia + 71,29 3,49 1,42 x C fémur + 1,24 x C tíbia + 59,88 2,99 0,66 x C fémur + 1,62 x C tíbia + 76,13 3,49 Tabela 23 - Equações para a estimativa da estatura de um indivíduo do género masculino, caucasiano ou negroide, a partir do comprimento de alguns ossos longos isolados e combinados (adaptada de Saukko e Knight, 2004). Género Feminino Caucasianos Desvio Padrão Negroides Desvio Padrão 3.36 x C úmero + 57,97 4,45 3,08 x C úmero + 64,67 4,25 4,74 x C rádio + 54,93 4,24 3,67 x C rádio + 71,79 4,59 4,27 x C cúbito + 57,76 4,30 3,31 x C cúbito + 75,38 4,59 2,47 x C fémur + 54,10 3,72 2,28 x C fémur + 59,76 3,41 2,90 x C tíbia + 61,53 3,66 2,45 x C tíbia + 72,65 3,70 2,93 x C perónio + 59,61 3,57 2,49 x C perónio + 70,90 3,80 1,35 x C úmero + 1,95 x C tíbia + 52,77 3,67 1,08 x C úmero + 1,79 x C tíbia + 53,58 3,58 1,48 x C fémur + 1,28 x C tíbia + 53,07 3,55 1,53 x C fémur + 0,96 x C tíbia + 58,54 3,23 Tabela 24 - Equações para a estimativa da estatura de um indivíduo do género feminino, caucasiano ou negroide, a partir do comprimento de alguns ossos longos isolados e combinados (adaptada de Saukko e Knight, 2004). 43 Antropologia Forense e Identificação Humana Freire (2000) realizou um estudo estatístico com uma amostra de 216 cadáveres de nacionalidade brasileira (116 masculinos e 100 femininos), em relação aos quais não foi levada em conta a variável étnica, por ter ocorrido no Brasil uma intensa miscigenação racial, visando a avaliação da estatura a partir de medições diretas de alguns ossos longos, obtendo as fórmulas expressas na tabela 25, na qual as letras U, R, F e T correspondem aos comprimentos do Úmero, do Rádio, do Fémur e da Tíbia, em milímetros. Género Masculino Ossos Longos Estatura (cm) Género Feminino Coeficiente de Determinação Estatura (cm) Coeficiente de Determinação Úmero 123,03 + 0,1606 x U 22,39% 91,22 + 0,2495 x U 35,92% Rádio 108,31 + 0,2417 x R 34,87% 101,61 + 0,2549 x R 36,69% Fémur 77,67 + 0,2019 x F 56,62% 62,89 + 0,2385 x F 46,56% Tíbia 102,62 + 0,1807 x T 49,16% 94,03 + 0,2001 x T 32,88% Tabela 25 - Equações para a estimativa da estatura de indivíduos de ambos os géneros, a partir do comprimento de alguns ossos longos isolados (Freire, 2000). Um trabalho realizado por Kalia, et al., em 2008, demonstrou existir uma relação da estatura de uma pessoa com o diâmetro e a circunferência do seu crânio, combinados com a largura mésio-distal dos seis dentes anteriores da mandíbula. O diâmetro do crânio foi obtido pela distância em linha reta entre a glabela e protuberância occipital utilizando telerradiografias cefalométricas e a circunferência do crânio foi mensurada com uma fita métrica na altura da proeminência occipital e crista supra-orbital. Os dados foram analisados estatisticamente e comparados para os géneros masculino e feminino. A maioria dos resultados mostrou dimorfismo sexual estatisticamente significativo, principalmente quando se associaram as três mensurações. Assim, para os homens, a expressão para o cálculo da estatura é 1,049 x + 902,754, para as mulheres, 0,113 x + 1475,375, e para ambos, 1,971 x + 164,338. Para todas estas expressões o valor de x equivale à soma das três medidas em milímetros, pelo que o resultado também é expresso em milímetros ( Herrera, Serra e Fernandes, 2014). 44 Antropologia Forense e Identificação Humana De acordo com Lima (2011), a estatura de um indivíduo pode ser calculada aproximadamente a partir das dimensões de dentes, pelo facto de existir uma proporcionalidade entre os seus diâmetros e a estatura do indivíduo. O cálculo assenta na medição, realizada com um paquímetro digital, do “arco” constituído pelo somatório dos diâmetros mésio-distais do incisivo central, do incisivo lateral e do canino ipsilateral da mandíbula, e na medição da “corda” deste “arco”, efetuada com um compasso de ponta seca, em linha reta entre os pontos inicial e final desse “arco”, isto é, do bordo da face mesial do incisivo central até ao bordo da face distal do referido canino. À medida da “corda”, obtida em milímetros, aplica-se uma fórmula de Carrea, que estima a estatura do indivíduo em centímetros, Estatura = “corda” x 6 x π , 2 sendo a estatura máxima dada pela fórmula Estatura Máxima = “arco” x 6 x π , com π = 3,1416 . 2 II. 4. A Análise Tafonómica Forense Santinho Cunha e Ferreira (2011) informam que as pseudopatologias são modificações estruturais dos tecidos moles e duros que se podem expressar de forma semelhante às lesões patológicas, mas que são resultado de processos post mortem, ou seja, são devidas a fenómenos tafonómicos. Torna-se assim evidente a necessidade destas lesões serem identificadas e discriminadas relativamente às lesões ante mortem, com as quais se podem confundir. Deste modo, deve o antropólogo forense estar apto a distinguir, por exemplo, entre uma alteração óssea ante mortem e as que são causadas a seguir à morte. 45 Antropologia Forense e Identificação Humana Segundo Pitarch, et al. (1999), as pseudopatologias dos tecidos duros traduzem-se por corrosões, deformações e fraturas, que podem ser provocadas pela ação química da água e do solo, pela pressão deste sobre os restos humanos inumados ou pela ação humana, durante a exumação desses restos. O mau acondicionamento desse material e o seu transporte descuidado também podem causar danos nos ossos. No entanto, os animais também podem ser responsáveis por pseudopatologias. É o caso dos animais carnívoros quando provocam o desmembramento do cadáver ou infligem dentadas nos ossos, assim como os pequenos roedores, que podem criar marcas nas extremidades ósseas, podendo ser confundidas com trauma ou inflamação óssea Testemunhos de violência nos ossos podem revelar incidentes ocorridos durante a vida (lesões ante mortem), quando apresentam uma resposta osteogénica, como um calo ósseo, revelador de cicatrização óssea derivada de uma fratura que ocorreu em vida. Outros sinais podem resultar de acontecimentos diretamente relacionados com a morte (lesões peri mortem), quando as lesões ósseas apresentam características das circunstâncias que vitimaram o indivíduo, como estilhaçamento ou deformação plástica. Noutras situações, ainda, as alterações ósseas podem ter sido infligidas depois da morte (lesões post mortem). A distinção entre lesões ósseas ocorridas antes, durante ou depois da morte é absolutamente obrigatória em qualquer exame forense, podendo o antropólogo forense recorrer a estudos radiológico e microscópico (Antunes Cunha e Pinheiro, 2006). Por sua vez, os insetos, ao libertarem secreções que contêm enzimas proteolíticas, liquefazem a matriz orgânica do osso, podendo simular processos patológicos. Daqui se depreende que o antropólogo forense deve, no âmbito da Entomologia Forense, ter o conhecimento da fauna necrófaga existente num cadáver (Menon, et al., 2011). Bertoni-Machado (2009) define Tafonomia como a ciência que estuda os processos de transformação e de preservação dos restos mortais e o modo como estes são fossilizados. A Tafonomia Forense corresponde à aplicação dos princípios da Tafonomia aos contextos médico-legais, devendo uma análise tafonómica forense fornecer pistas 46 Antropologia Forense e Identificação Humana sobre o que aconteceu desde o momento da morte de um sujeito até ao dia em que foi encontrado o seu corpo e permitir estimar o tempo decorrido (Santos Ferreira e Antunes Cunha, 2010). Para poder reconhecer as pseudopatologias é muito importante que o antropólogo forense tenha conhecimento do conjunto de processos e da complexa sequência de transformações que se operam nos seres vivos desde a sua morte até ao momento em que são descobertos. Deste modo, a análise tafonómica forense consiste em estudar os processos que se seguem após a morte, como a autólise, a putrefação, a esqueletização e a degradação do esqueleto (Santinho Cunha e Ferreira, 2011). A autólise enzimática começa pouco tempo depois do falecimento da vítima. É um processo fermentativo em que intervêm apenas as enzimas líticas, libertadas pelos lisossomos celulares do próprio organismo, que vão provocar a degradação de componentes orgânicos (proteínas, lípidos e glícidos) e consequente destruição das correspondentes células (Bettencourt de Carvalho, 1987). A putrefação do organismo resulta da ação de diversos microrganismos que fomentam a destruição dos seus tecidos, como as bactérias que constituem a flora intestinal, e decorre com a formação de gases nos intestinos e a consequente tumefação do abdómen. Mais tarde ocorre a liquefação dos tecidos moles, levando à desintegração dos diversos órgãos. Além disso, à medida que os gases se escapam, determinadas áreas do corpo podem colapsar. Com o decorrer deste processo ao longo do tempo começa a tornar-se visível o esqueleto, dando-se início à esqueletização do corpo (Menon, et al., 2011). Santos Ferreira e Antunes Cunha (2010) afirmam que os corpos expostos à superfície do solo decompõem-se mais rapidamente do que aqueles que estão inumados, pelo facto de estarem sujeitos a grandes alterações de temperatura, de humidade e de luminosidade. Além disso, também sofrem a erosão pelo vento e pela água e a ação dos insetos e de outros animais, em particular os necrófagos. Após a degradação dos tecidos moles, o 47 Antropologia Forense e Identificação Humana cadáver apresenta-se seco e a decomposição torna-se mais lenta. Antes da esqueletização estar completa, os ligamentos e tendões são deteriorados, o que determina o início da desarticulação dos restos humanos. O esqueleto quando exposto às condições ambientais da superfície terrestre, passa a sofrer um conjunto de ações físico-químicas que levam à sua degradação, designado por intemperismo. De acordo com Behrensmeyer (1978), este processo de transformação óssea sucede em cinco estágios:estágio 0 - os ossos estão frescos, ainda com ligamentos, tendões e restos de tecidos moles e a suas superfícies não apresentam sinais de rachaduras nem de lascas; estágio 1- os ossos começam a apresentar rachaduras, existindo uma menorquantidade de restos de tecidos moles; estágio 2 - as camadas mais superficiais dos ossos começam a soltar lascas, até estar rachada toda a parte mais superficial dos ossos, podendo estar presentes apenas pedaços remanescentes de ligamentos e de cartilagem; estágio 3 - as camadas externas e concêntricas de osso foram removidas e, gradualmente, toda a superfície do osso assume uma textura fibrosa, sendo raros os restos de tecidos moles; estágio 4 - ocorrem pequenas e grandes lascas nos ossos e até as suas cavidades mais internas já se encontram alteradas, podendo desintegrar-se quando movidos; estágio 5 - os ossos estão a desintegrar-se no lugar sendo facilmente quebrados quando movidos, podendo ser difícil identificar as suas formas originais. Ainda segundo Behrensmeyer (cit. in Bertoni-Machado, 2009), ossos encontrados nos estágios 0 a 3 ficaram, no máximo, 10 anos expostos, enquanto os ossos encontrados nos estágios 3 a 5 ficaram até 15 anos expostos, pelo que a paleontóloga conclui que a duração de um osso exposto à superfície é, no máximo, de 20 anos. Quanto aos restos mortais inumados, Santinho Cunha e Ferreira (2011) referem que a sua maior ou menor durabilidade depende das características do solo, do tipo de sepultura e do próprio organismo. Assim, a sua decomposição é mais lenta quando: i) o solo apresenta menor acidez, menor humidade e maior compactação; ii) a sepultura é mais profunda, o corpo se encontra num caixão e este é de pedra, zinco ou chumbo; iii) o 48 Antropologia Forense e Identificação Humana indivíduo era mais novo, possuía uma forte constituição física e não padecia de doenças infecciosas. A tabela 26 permite compreender a evolução da degradação dos ossos inumados e a sua durabilidade em função do tempo decorrido após a morte. Aspeto do Osso Inumado Observações Tempo de morte Ossos recobertos de mofo. 2 a 4 anos Canal medular enegrecido. 6 a 8 anos Ausência de cartilagens e ligamentos. mais de 5 anos Desaparecimento do tecido adiposo dos ossos. 5 a 10 anos Canal medular branco como a superfície. mais de 10 anos Persistência de restos de polpa dentária. até 14 anos Desaparecimento completo da polpa. 16 a 20 anos Desaparecimento dos canais de Havers. mais de 20 anos Osso quebradiço, frágil, superfície porosa. mais de 50 anos Tabela 26 - Cronotanatognose pelo aspeto do osso inumado (adaptada de <http://www.malthus.com.br/mg_total.asp?id=317>) II. 5. Discussão No campo de ação da medicina legal, a Antropologia Forense tem como principais objetivos de estudo a determinação das causas de morte e a identificação do ser humano. A identificação humana é uma obrigação jurídica, mas também social e humanitária de qualquer sociedade, tendo sido criados ao longo do tempo, para esse efeito, um conjunto de métodos e de procedimentos cada vez mais precisos, mas que ainda hoje estão em evolução. A identificação humana é o processo de investigação da identidade de um indivíduo, isto é, das suas características físicas, funcionais e, até, psíquicas, normais ou patológicas, que o distinguem dos demais. Uma identificação positiva resulta da coincidência entre os 49 Antropologia Forense e Identificação Humana dados observados e os previamente registados, através de um conjunto de métodos comparativos, o que implica que esses registos ante mortem, como impressões digitais, radiografias e fichas médicas e dentárias, estejam o mais possível atualizados e completos. Um processo de identificação de uma vítima mortal carbonizada, despedaçada, em adiantado estado de decomposição ou esqueletizada, passa pela busca e recolha de informações ante mortem, pelo exame dos seus restos mortais e, por fim, pela análise comparativa entre as evidências post mortem observadas com as ante mortem. Todo este processo, envolve uma equipa de investigação, na qual o antropólogo forense é um interveniente basilar, e deve ser executado de forma a evitar-se o aparecimento de indícios post mortem que induzam o investigador forense a concluir erradamente pela presença de lesões ou de patologias ante mortem. A investigação da identidade humana é possível ser realizada com padrões de aceitabilidade pelo estudo de dados morfológicos (qualitativos) e morfométricos (quantitativos) de determinados ossos, em particular do crânio e das arcadas dentárias, mas também de um conjunto de dentes ou até de dentes isolados, existindo diversos processos para a pesquisa da afinidade populacional, do género, da idade à morte e da estatura de uma vítima mortal. A eficácia destes métodos de diagnóstico está diretamente, relacionada com o grau de preservação dos restos ósseos e dentários e com o número de peças ósseas e de dentes recuperados ou disponíveis, pois, quanto maiores forem, mais eficaz será a diagnose. A determinação da afinidade populacional de uma pessoa justifica-se porque, apesar da crescente miscigenação, há uma variação étnica comprovada, embora pequena, principalmente na morfologia do crânio e das arcadas dentárias. Estudos morfométricos do crânio e das arcadas dentárias permitiram a criação de diversos índices, que, conjugadamente, permitem estimar o grupo étnico a que pertence uma vítima e, assim, individualizá-la de outras. 50 Antropologia Forense e Identificação Humana De acordo com Krogman e Iscan (cit. in Saukko e Knight, 2004), o crânio e em particular os seus ossos da face, oferece a melhor evidência sobre as origens étnicas de um sujeito, podendo a sua análise morfológica determinar a sua afinidade populacional em cerca de 90% a 95% dos casos. Esta determinação também é possível ser realizada com padrões de aceitabilidade pelo estudo de dados quantitativos (mensurações) do crânio. Todavia, a utilização de diversos índices cranianos, baseados em craniometrias, como os índices cefálicos e os índices da face, não devem ser tidos em conta isoladamente, mas devem ser considerados conjugadamente para se obter um diagnóstico mais preciso, servindo, sobretudo, como dados complementares à observação das características morfológicas do crânio. Outros dados morfométricos foram criados a partir de mensurações das arcadas dentárias, como os ângulos faciais e os índices maxilares e mandibulares. Estes dados apresentam um significativo grau de concordância com a forma da arcada dentária, especialmente com o seu grau de prognatismo, permitindo de um modo satisfatório, na inexistência de um crânio completo, um diagnóstico da afinidade populacional de uma pessoa. Contudo, estes dados têm, de igual modo, como principal função validar o juízo feito pela observação das características morfológicas das arcadas dentárias. Não existe um método dentário preciso para a estimativa da afinidade populacional de uma pessoa, mas algumas odontometrias e alguns carateres discretos dos dentes, particularmente dos molares, complementam os referidos dados morfométricos e podem ser decisivos neste diagnóstico na ausência de um crânio completo. Por exemplo, Lasker e Lee (cit. in Pereira, et al., 2012) afirmam que a face palatina dos incisivos em forma de pá constitui um critério para a corroboração de que um sujeito tem origem mongoloide, enquanto que o tubérculo de Carabelli, presente no primeiro molar superior, se exibe principalmente nos indivíduos de origem caucasiana. 51 Antropologia Forense e Identificação Humana Para a diagnose sexual, os métodos morfológicos são prioritários e adequados quando o esqueleto está intacto ou, pelo menos, quando estão presentes os ossos mais dimórficos, como os da pelve e os do crânio. Krogman (cit. in Saukko e Knight, 2004) afirma que a análise dos ossos pélvicos permite a diferenciação entre ambos os géneros com acertos da ordem de 95%, enquanto que essa percentagem é de 92% para o crânio e de 98% para os ossos da pelve combinados com os do crânio. Todavia, Arbenz (cit. in Etchegoyen, 2011) assegura que o exame do crânio permite este diagnóstico apenas em 77% dos casos. Krenzer (2006) afirma que a precisão desta diagnose pelos ossos longos já é inferior a 80%. A diagnose sexual num não adulto é mais problemática, em virtude do dimorfismo sexual ser menos percetível nestes indivíduos, em particular nas crianças. No entanto, Schutkowski (1993) refere que é possível estimar-se o género de um indivíduo não adulto a partir das características do ílio e da mandíbula com percentagens de sucesso que variam entre os 60% e os 80%. Existem, ainda, métodos osteométricos baseados em mensurações do crânio e das arcadas dentárias e em consequente estudo estatístico, mas que não apresentam um grau de precisão suficientemente elevado para, por si só, garantirem este diagnóstico de identificação. Vários autores propuseram estimar o género de um indivíduo a partir de dados morfométricos do crânio analisados estatisticamente, como o índice dos diâmetros do forame magno e o índice de Baudoin. Porém, Galvão (1998) refere que embora as dimensões do forame magno permitam verificar dimorfismo sexual, contudo é difícil a sua caracterização, de modo que o correspondente índice isoladamente, não define o género com segurança. Por sua vez, França (2005) informa que o índice de Baudoin, por si só, oferece uma percentagem de discriminação sexual considerada estatisticamente baixa, na ordem dos 60 %. No entanto, estes métodos morfométricos podem reforçar uma análise morfológica anteriormente efetuada. Mais recentemente, nas últimas décadas, através de métodos de regressão logística, foram criadas diversas fórmulas para a determinação do género de uma pessoa, como é o caso da fórmula de Galvão (1998), que permite, a partir de certas craniometrias, um valor 52 Antropologia Forense e Identificação Humana de concordância ou acerto para este diagnóstico da ordem de 80,3%, ou o caso da fórmula de Oliveira, de 1996, que a partir de determinadas medidas da mandíbula, revelou-se com um acerto de 77%, segundo Meneses (2009). Foram ainda estabelecidas equações ou funções lineares discriminantes para ambos os géneros, a partir de algumas craniometrias, como as de Galvão (1998), cujas taxas de acerto são de 64,91% para o género feminino e de 73,40% para o masculino, e as de Almeida Júnior, et al. (2013), com um grau de acertos da ordem de 75,0% para o género feminino e de 77,5% para o masculino. Deste modo, se constata que a análise das características dos ossos pélvicos e do crânio é o método mais apropriado na diagnose sexual, sendo os métodos osteométricos relevantes para este efeito na impossibilidade dessa análise na ausência da pelve ou para confirmação desta diagnose. Na presença de dentes isolados ou inseridos na mandíbula, determinadas odontometrias permitem, com um significativo grau de precisão, estimar o género de um indivíduo. No entanto, essas características dimórficas dos dentes variam consoante a afinidade populacional dos indivíduos, pelo que esta se deve determinar antes da execução da diagnose sexual. O índice mandibular do canino, por exemplo, é obtido com uma precisão a rondar os 76%, sendo para as mulheres de cerca de 82% e para os homens aproximadamente de 70%, mas apenas quando se encontra disponível o índice mandibular do canino padrão para a população (Conde, 2014). Por sua vez, Pereira, num estudo realizado em 2005, constatou que a população portuguesa testada não apresentava diferença significativa entre géneros pelo índice de Aitchinson, o que sugere igualmente que a utilidade e precisão deste índice para a estimativa do género varia de população para população, sendo então necessário conhecer o índice de Aitchinson padrão para cada população. As técnicas de análise do ADN, nomeadamente pelo estudo do gene da amelogenina pulpar, através da técnica PCR, e a pesquisa de corpúsculos de Barr na polpa dentária, apesar dos seus custos consideráveis, consolidaram-se como auxiliares e certificadoras da 53 Antropologia Forense e Identificação Humana diagnose sexual. Os corpúsculos de Barr são encontrados em cerca de 80% dos dentes de indivíduos do género feminino, não se encontrando em dentes de indivíduos do género masculino. Os principais critérios utilizados para a estimativa da idade à morte em subadultos, incluem a ossificação do crânio, a união epifisária dos ossos longos, o desenvolvimento dentário e a erupção dos dentes. Para Krenzer (2006), as avaliações da idade, quer pela ossificação do crânio em crianças, quer pela união epifisária dos ossos longos nos adolescentes e jovens, são pouco precisas, e, por isso, devem ser preteridas quando for possível avaliar o desenvolvimento dentário da vítima. Por conseguinte, a idade dentária nos indivíduos não adultos é o processo mais universal para estimar a sua idade à morte, uma vez que o desenvolvimento e a erupção dentária são processos constantes e cronologicamente bem definidos desde o período fetal até ao início da fase adulta, isto é, o grau de desenvolvimento dos dentes e a sua erupção encontram-se estreitamente relacionados com a idade cronológica, tendo os métodos atualmente desenvolvidos e baseados nestes parâmetros uma elevada precisão na estimativa da idade à morte, sobretudo até aos 10 anos de idade (Tomé, 2006). Logan e Kronfeld, (cit. in Pereira, et al., 2012) referem que a estimativa pela dentição decídua é mais precisa pelo facto da dentição permanente revelar maiores variações individuais na mineralização e na erupção dentárias e pelo facto da mineralização e da erupção da dentição permanente ser mais precoce nas mulheres. Vários estudos confirmam que há divergência nos estágios de mineralização dos dentes permanentes quando comparadas populações com características étnicas diferentes. Deste modo, na aplicação de métodos para a estimativa da idade do óbito de uma vítima a partir do desenvolvimento da dentição permanente, como o método de Demirjian, Goldstein e Tanner, ou o proposto por Mincer, Harris e Berryman, recomenda-se o recurso a valores 54 Antropologia Forense e Identificação Humana padrão da população de referência adequada a cada caso em concreto, o que implica o conhecimento prévio da afinidade populacional dessa vítima (Oliveira, et al., 2010). Em adultos, a estimativa da idade à morte apoia-se principalmente na sinostose das suturas cranianas, na evolução do ângulo mandibular e na involução dentária. Porém, para Santinho Cunha e Ferreira (2011) as duas primeiras metodologias não permitem estimar essa idade com exatidão, porque as características analisadas apresentam uma fraca correlação com a idade real. Quanto à involução dentária, conforme alega Krenzer (2006), deve ser tido em conta que o desgaste dos dentes depende do tipo de dieta e do modo de preparação dos alimentos, que difere com as populações, pelo que o conhecimento prévio da afinidade populacional é necessário para avaliação da idade de um adulto quando se aplica um processo como o criado por Gustafson. O método de Gustafson permite estimar a idade à morte de adultos com um erro de cerca de 10 anos, mas posteriormente Johanson, ao considerar sete graus de involução dentária, em vez de quatro, como no método de Gustafson, obteve resultados mais rigorosos para a estimativa da idade à morte de um indivíduo, com um desvio-padrão de aproximadamente 5,16 anos (Pereira et al, 2012). A estimativa da estatura de um indivíduo executa-se pela resolução de equações, que assentam no estudo estatístico do comprimento de alguns ossos longos, com base em coleções osteológicas de referência. Esta estimativa é mais confiável a partir de combinações de ossos e preferencialmente dos membros inferiores, do que a partir de um osso isolado, por apresentar um desvio padrão menor. Estas margens de erro (desvio padrão) devem-se sobretudo ao estado nutricional da pessoa, à sua idade no momento do óbito e à humidade remanescente no osso, que diminui com o decorrer do tempo. 55 Antropologia Forense e Identificação Humana Borborema (2007) menciona que num processo de identificação humana, deve-se estabelecer inicialmente o género, a idade à morte e, se possível, a afinidade populacional de um indivíduo, antes de se estimar a sua estatura. Segundo Freire (2000), os estudos de Krogman e Iscan, em 1986, e de Genovés, em 1964, demonstraram que o fémur é o osso mais importante quando se estima a estatura de caucasianos e de mongoloides e que a tíbia é o osso mais importante quando essa determinação se refere a negroides. As fórmulas de Freire (2000) para a estimativa da estatura de uma vítima, elaboradas a partir de um estudo sobre ossos longos de cadáveres de nacionalidade brasileira, não levam em conta a variável étnica, por se tratarem de sujeitos resultantes de intensa miscigenação, mas apresentam uma efetiva correlação positiva para ambos os géneros, ou seja, com o aumento do comprimento dos ossos existe uma tendência similar de aumento na estatura, pelo que são de grande utilidade para o uso quotidiano nos trabalhos de Antropologia Forense. Pelos coeficientes de determinação obtidos nesse estudo, constatase, em ambos os géneros, que a estatura de um indivíduo depende mais do comprimento do fémur do que dos outros ossos longos, tornando-o mais apropriado para este diagnóstico em populações de forte miscigenação. Todavia, estas fórmulas são referentes a ossos frescos, quando na maioria das situações o antropólogo forense é confrontado com ossos secos, que, entretanto, diminuíram ligeiramente de dimensão com o tempo. Por isso, Freire (2000) recomenda, citando Arbenz, que quando o perito examinar ossadas humanas, deve levar em consideração que os ossos secos apresentam comprimentos menores que os ossos frescos em cerca de 3 milímetros e que deve acrescentar de 4 a 6 centímetros na estatura de um indivíduo, para ter em conta as espessuras do couro cabeludo, dos discos intervetebrais, das cartilagens e das solas dos pés, entretanto desaparecidas. Também se determinaram fórmulas que relacionam a estatura de uma pessoa com odontometrias, relacionadas ou não com outras mensurações, mas que não devem ser utilizadas como única fonte na diagnose da estatura humana. Tiradentes (2009) afirma 56 Antropologia Forense e Identificação Humana que as expressões para o cálculo da estatura criadas por Kalia, que relacionam a estatura de uma pessoa com o diâmetro e a circunferência do seu crânio, combinados com a largura mésio-distal dos seis dentes anteriores da mandíbula, são de grande valia na identificação humana em investigações forenses executadas a partir de fragmentos remanescentes humanos. Duarte da Silva (2012) afirma que a fórmula para a determinação da estatura de um indivíduo, também conhecida por índice de Carrea, apresenta alguma fiabilidade apenas quando aplicada na arcada dentária inferior, quer para os tipos de posicionamento dentário normal, quer apinhado, e para ambos os géneros, mas não quando esta arcada apresenta diastemas. Silva (1990) conclui que o índice de Carrea pode ser utilizado com confiança, desde que seja realizado conjuntamente com outras metodologias de estimativa da estatura. O antropólogo forense deve analisar o maior número de características disponíveis num conjunto de restos ósseos e/ou de um conjunto de dentes, uma vez que nenhuma observação das características anatómicas é totalmente isenta de subjetividade de análise e nenhum método quantitativo baseado em estudos estatísticos dá absoluta certeza. Deste modo, qualquer metodologia para a identificação humana não é totalmente precisa, dependendo a sua aplicabilidade do contexto da situação encontrada. Por conseguinte, os métodos propostos por diversos autores têm uma grande utilidade principalmente quando aplicados complementarmente, uma vez que uns podem corroborar os resultados obtidos por outros. O antropólogo forense deve, igualmente, estar apto a distinguir alterações ósseas ante mortem das que são causadas no momento da morte e das que surgem a seguir à morte. Para poderem reconhecer as pseudopatologias, para estimarem o tempo decorrido desde a morte de uma determinada vítima e para saberem o que aconteceu desde o momento da sua morte até ao dia em que foi encontrado o seu corpo, é muito importante que o 57 Antropologia Forense e Identificação Humana antropólogo forense tenha conhecimento do processo de transformações post mortem que ocorrem nos organismos. A ABFO (2015) preconiza que a análise das características odontológicas são um meio confiável de identificação humana em investigações médico-legais e que, por essa razão, é imprescindível existirem peritos forenses que possuam os necessários requisitos técnicos. Daqui se deduz que os médicos dentistas são os que melhor preparação apresentam para a interpretação dos dados odontológicos no decurso de um processo de identificação humana. 58 Antropologia Forense e Identificação Humana III. CONCLUSÃO A Antropologia Forense é a área do saber humano que é decisiva no processo de identificação de cadáveres carbonizados, despedaçados, em adiantado estado de decomposição ou esqueletizados, sobretudo resultantes de crimes ou de desastres de massa, ao mobilizar conhecimentos da anatomia do esqueleto humano, que têm por base o estudo de coleções osteológicas de referência. As metodologias aplicadas num processo de identificação humana, sejam as de caráter morfológico, sejam as de caráter morfométrico, não são completamente exatas, pelo que todas têm a sua utilidade, devendo ser aplicadas complementarmente, de modo a que umas possam corroborar os resultados obtidos por outras. Os dentes apresentam características individualizantes e são muito resistentes à ação físico-química do meio ambiente em momento post mortem. Por conseguinte, tornou-se cada vez mais relevante o contributo da Medicina Dentária no âmbito da Antropologia Forense, designadamente nos processos de identificação humana. O exame antropológico forense das arcadas dentárias e dos dentes desempenha em muitas situações um papel fundamental na identificação humana, sobretudo no que diz respeito à estimativa da idade à data da morte de um indivíduo. A identificação, a partir das características odontológicas que um indivíduo apresenta, é um processo bastante eficaz, confiável, barato e apoiado em critérios de qualidade científica, que está na base do aparecimento de uma especialização designada por Medicina Dentária Forense. Deste modo, a importância do desempenho especializado do médico dentista forense nos processos de identificação humana é manifesta, sendo, por vezes, essencial, tratandose de um profissional habilitado a integrar equipas forenses pelo facto de possuir 59 Antropologia Forense e Identificação Humana conhecimentos de Medicina Legal, de Sociologia, de Criminalística e de Direito, para além dos saberes específicos da Medicina Dentária. 60 Antropologia Forense e Identificação Humana BIBLIOGRAFIA Almeida, M. E. C.; Masset, C. (1982). Détermination de l'âge par les sutures crâniennes. Garcia de Orta, Sér. Antropobiol. Lisboa, 1 (1-2), pp. 35-46. Almeida Júnior, E, et alii. (2013). 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