PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Estado do Paraná
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.616.016-8 (n.u. 004146342.2016.8.16.0000), DO FORO CENTRAL DA REGIÃO
METROPOLITANA DA COMARCA DE LONDRINA – 9ª VARA
CÍVEL.
AGRAVANTE : ROSANA GUITTI GAMBA
AGRAVADO
: ABRÃAO FUEZI BASTOS
RELATORA
: Desembargadora THEMIS DE ALMEIDA
FURQUIM CORTES
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXECUÇÃO DE
TÍTULO EXTRAJUDICIAL – DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO
DE CONCESSÃO DE MEDIDAS COERCITIVAS – INSURGÊNCIA
DA PARTE EXEQUENTE - POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO DE
MEDIDAS ATÍPICAS NECESSÁRIAS À CONSECUÇÃO DO SEU
FIM – ART. 139, INC. IV, DO CPC/15 – ENUNCIADO Nº 48 DA
ENFAM – SISTEMÁTICA APLICÁVEL APENAS AO CHAMADO
“DEVEDOR PROFISSIONAL” QUE, POSSUINDO CONDIÇÕES
FINANCEIRAS, CONSEGUE BLINDAR SEU PATRIMÔNIO
CONTRA OS CREDORES –ELEMENTOS INDICIÁRIOS NO
SENTIDO DE QUE O PADRÃO DE VIDA E NEGÓCIOS
REALIZADOS PELO DEVEDOR SE CONTRAPÕEM À UMA
POSSÍVEL SITUAÇÃO DE PENÚRIA FINANCEIRA – EVIDENTE
MÁ-FÉ DO COMPORTAMENTO ADOTADO PELO DEVEDOR –
AUSÊNCIA DE ATENDIMENTO AOS COMANDOS JUDICIAIS –
SUSPENSÃO DA CNH E DO PASSAPORTE ATÉ O
PARCELAMENTO/PAGAMENTO DA DÍVIDA OU CABAL
COMPROVAÇÃO DA EFETIVA IMPOSSIBILIDADE FINANCEIRA E
DA INCONTESTÁVEL NECESSIDADE DE EXERCÍCIO DOS
DIREITOS
ORA
SUSPENSOS
TEMPORARIAMENTE
–
IMPOSSIBILIDADE DE CANCELAMENTO DOS CARTÕES DE
CRÉDITO – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE POSSUI
LIBERDADE CONTRATUAL, NÃO PODENDO O PODER
JUDICIÁRIO IMISCUIR-SE NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS
PARTICULARES. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE
PROVIDO.
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Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de
instrumento nº 1.616.016-8 do Foro Central da Região Metropolitana da
Comarca de Londrina, 9ª Vara Cível, em que é agravante Rosana Guitti Gamba
e agravado Abrãao Fuezi Bastos.
Relatório
1. ROSANA GUITTI GAMBA interpõe agravo de instrumento
contra a r. decisão de fl. 23-TJ dos autos nº 0033318-57.2013.8.16.0014 de
ação de execução de título extrajudicial ajuizado pela ora agravante em face
de ABRÃAO FUEZI BASTOS, que, para o que aqui interessa, indeferiu o pedido de
apreensão do passaporte, suspensão do direito de dirigir e bloqueio dos
cartões de crédito existentes sob o argumento de que o princípio basilar da
execução é seu caráter real, incidindo apenas sobre o patrimônio do
executado, nos termos do art. 789 do Código de Processo Civil/15.
A sustentação da agravante, em apertada síntese, é no
sentido de que: (i) em 17, 18 e 19 de março de 2012, a agravante vendeu ao
agravado animais de sua propriedade pelo valor total de R$ 177.000,00 (cento
e setenta e sete mil reais), sendo que deste valor o agravado pagou o
montante de R$ 61.737,50 (sessenta e um mil, setecentos e trinta e sete reais
e cinquenta centavos), restando inadimplente do restante, motivo da
distribuição da ação principal; (ii) as partes firmaram acordo em 03 de maio de
2013, momento em que o agravado se deu por citado e confessou a dívida,
firmando compromisso de pagamento em quatorze parcelas; (iii) como
garantia, o agravado ofereceu à penhora cinco animais e concordou com a
manutenção da averbação da execução sobre todos os animais de sua
propriedade junto a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu; (iv) o acordo
foi homologado pelo Juízo de origem; (v) contudo, o agravado pagou somente
a primeira parcela, restando inadimplente nas outras treze, motivo pelo qual a
ação teve prosseguimento na forma ajustada na composição; (vi) houve uma
segunda composição na qual a agravante concordou em levantar a averbação
da execução junto a ABCZ junto a três animais, de modo a possibilitar que o
agravado pagasse a dívida mediante a venda destes, conforme solicitação do
devedor, demonstrando assim a agravante sua boa-fé, bem como sua intenção
de resolver o imbróglio de forma amigável; (vii) no entanto, o gravado não
cumpriu o ajustado mesmo após o levantamento da averbação junto a ABCZ
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pela agravante; (viii) dado prosseguimento aos atos expropriatórios, logrou-se
penhorar R$ 14.121,59 (quatorze mil, cento e vinte e um reais e cinquenta e
nove centavos) do valor total de R$ 116.870,40 (cento e dezesseis mil,
oitocentos e setenta reais e quarenta centavos) via BacenJud; (ix) houve novo
pedido de averbação da execução junto aos animais de propriedade do
agravado perante a ABCZ; (x) a ABCZ informou que, atualmente, apenas um
dos animais ofertados em penhor pelo agravado quando do acordo é de
propriedade do devedor; (xi) não tendo logrado êxito encontrar qualquer bem
móvel ou imóvel para dar seguimento às medidas expropriatórias, a agravante
requereu a apreensão do passaporte do devedor, a suspensão da Carteira
Nacional de Habilitação e o bloqueio dos cartões de crédito; e (xii) os pedidos
têm fundamento no art. 139, inc. IV, do Código de Processo Civil, bem como no
Enunciado nº 48 da Escola Nacional da Magistratura. Requer, portanto, o
provimento do presente recurso de agravo de instrumento.
Determinada a intimação pessoal do agravado para
apresentar resposta às razões do recurso (fl. 583), a carta de intimação foi
devolvida por força de mudança de endereço do destinatário (fl. 589).
É o relatório do que interessa.
Voto
2. O recurso merece conhecimento, na medida em que
estão presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, tanto os
intrínsecos (cabimento, legitimação e interesse em recorrer), como os
extrínsecos (tempestividade – fls. 19 e 25, regularidade formal, inexistência de
fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e preparo – 29/30).
3. E merece parcial provimento, ainda.
Na hipótese vertente, observa-se que a exequente ROSANA
GUITTI GAMBA interpôs o presente recurso de agravo de instrumento contra a
decisão que indeferiu o pedido de apreensão do passaporte, suspensão do
direito de dirigir e bloqueio dos cartões de crédito existentes, argumentando,
em síntese, conforme já anotado no relatório do presente voto, que as
medidas requeridas atualmente encontram suporte legal, bem assim que são
aplicáveis ao caso, mormente considerando que houve o esgotamento das
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diligências possíveis para dar prosseguimento à execução com os atos
expropriatórios, além de que os autos revelam a má-fé recorrente da parte
agravada que, possuindo plenas condições financeiras, furta-se ao pagamento
dos seus compromissos financeiros e das determinações do próprio Poder
Judiciário.
Muito embora não haja resposta da parte agravada às
razões do recurso posto à mesa para julgamento, já que mudou de endereço
sem comunicar o Juízo, após dar-se por citado e indicá-lo nos autos, é sabido
que as vozes em sentido contrário à pretensão deduzida pela exequente
defendem que as medidas adotadas na ação executiva deverão ser sempre
única e exclusivamente incidentes sobre o patrimônio do devedor.
De início, porém, antes de adentrar ao mérito do pleito
recursal propriamente dito, cabe a este Tribunal de Justiça, objetivando
estampar adequadamente as diretrizes gerais que servirão de pano de fundo
para análise do caso sub judice, tecer algumas considerações iniciais.
Primeiramente, cumpre consignar que a pecha do Brasil de
paraíso da impunidade (considerado em lato sensu), enraizada na
mundialmente famosa expressão “jeitinho brasileiro” (considerado como a
utilização de subterfúgios para alcançar vantagem indevida ou a não
submissão à ordem legal), há muito faz parte do senso comum da população
brasileira, fortalecida principalmente pela leniência de nossa legislação, pelo
descrédito do povo em relação às instituições e aos poderes públicos, pela
inversão de valores éticos e morais e pela necessidade popular de desrespeito
às regras sociais para a obtenção de pequenas vantagens indevidas.
Atualmente, conforme se observa em ampla exposição
midiática, movimentos populares, etc., vê-se que a população vem quase que
de forma uníssona buscando uma mudança na corrupção em maior escala e
percebendo também a gravidade dos atos antiéticos e imorais que permeiam
boa parte das relações contratuais e sociais mantidas no dia-a-dia.
No entanto, ao mesmo passo em que queremos e também
cobramos uma mudança fática imediata no modo de pensar e agir da parte
transviada da população, com a respectiva correção daqueles que se opõem
aos bons costumes e às regras legais e necessárias ao convívio social,
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praticamos, incentivamos ou toleramos as pequenas corrupções do cotidiano,
procurando, quase sempre, criticar, buscar brechas e criar óbices à aplicação
dos mecanismos existentes ou criados pela legislação em vigor para impor aos
transgressores de regras legais ou sociais o seu devido cumprimento.
Na verdade, vê-se que parte da população prefere o
discurso e as críticas sociais sobre a necessidade de mudança à própria
mudança. Critica-se a taxa de mortalidade no trânsito, mas também os
mecanismos legalmente impostos para sua redução (vg. obrigação ou não de
fazer o bafômetro, ilegalidade ou não de radares móveis); a ausência de
efetividade das decisões do Poder Judiciário, mas também os poderes
concedidos aos magistrados para o pleno exercício da prestação jurisdicional;
a corrupção dos outros, mas também a sua eventual punição; e etc.
A inadimplência voluntária do devedor que, com inúmeros
artifícios ilícitos no intuito claro de furtar-se à aplicação da lei frustra a
expectativa legítima do credor em ver cumprida a prestação por aquele
assumida, é certamente um dos maiores problemas do sistema obrigacional
do mundo moderno, cabendo ao Poder Judiciário – porta última dos
angustiados que anseiam por justiça – adotar as providências cabíveis para
solução da questão que lhe for submetida, desde que, por óbvio, em respeito
às regras legais e constitucionais insculpidas na Constituição da República.
É que, no caso, a frustração do direito do credor com a
blindagem patrimonial do devedor voluntário causa um efeito cascata de
sensação de impunidade, de descrédito nas instituições públicas, aumentando
a sua ocorrência e a insatisfação daquele que se vê “de mãos atadas”.
Na hipótese dos autos, observa-se que a exequente, ora
agravante, defende a necessidade de adoção de medidas excepcionais para
perseguição do crédito exequendo, já que foram esgotados os meios habituais
e o executado, ainda que tenha condições financeiras para efetuar o
pagamento do devido, furta-se à aplicação da lei, utilizando subterfúgios para
encobrir o seu patrimônio e frustrar o interesse dos seus credores, além de
sequer atender aos comandos emanados pelo Poder Judiciário no caso.
Não é demais anotar, em sequência à linha de
argumentação iniciada anteriormente, que o cenário desenhado nos autos
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sempre foi o fraco do sistema processual, tornando axiomática a máxima
popular “ganhou, mas não levou”, já que as regras de experiência,
subministradas pelo que de ordinário acontece na sociedade (CPC/15, art.
375), nos mostram que, não raro, parte dos inadimplentes, por lógica os que
possuem condições financeiras para saldar os seus compromissos financeiros,
utilizam artifícios ilícitos para blindar o seu patrimônio e negar o direito de
crédito ao credor (vg. transferência patrimonial de pessoa jurídica para física
ou vice-versa, para parentes ou estranhos a fim de evitar a constrição).
O Código de Processo Civil de 2015, ciente da problemática
comumente verificada nos processos executivos e objetivando evitar tais
práticas ilícitas e abusivas pelos devedores voluntários, bem como para dar
efetividade ao próprio processo judicial, garantindo o resultado almejado pelo
interessado, trouxe também para ação de execução a possibilidade de adoção
de medidas atípicas necessárias à consecução do seu fim, veja-se:
"Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições
deste Código, incumbindo-lhe: (...)
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas,
mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o
cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham
por objeto prestação pecuniária; (...)". (Código de Processo Civil.
Os grifos não estão no original).
A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de
Magistrados (Enfam), de forma pioneira sobre o tema, firmou que:
“O art. 139, inciso IV, traduz um poder geral de efetivação,
permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o
cumprimento de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do
cumprimento de sentença e no processo de execução baseado
em títulos.” (Enunciado nº 48. Os grifos não estão no original).
A ampliação dos poderes do Juiz pelo art. 139, inc. IV, do
Código de Processo Civil/15, porém, trouxe divergência à opinião sobre se
existem e quais seriam os limites dessa nova norma processual. Embora não
haja posicionamento minimamente firmado sobre quais seriam os limites, por
se tratar de novidade no cenário das ações de execução, inconteste que
nenhum direito ou poder é ilimitado, devendo a medida eleita observar, por
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evidência, os direitos e garantias assegurados na Carta da República.
Assim sendo, ainda que há muito não haja mais espaço no
mundo jurídico para um retrocesso civilizatório que admita afronta à dignidade
humana para satisfação dos interesses patrimoniais do credor (desde a Lex
Poetelia Papiria, de 326 a.C., conforme ensina o direito romano), não se pode
retirar do Judiciário o poder de adotar as medidas excepcionais necessárias
para forçar o devedor – que, por livre escolha, se mantém nesta condição – a
cumprir os compromissos financeiros assumidos com o seu credor, medidas
estas denominadas de “atípicas” pelo Novo Código de Processo Civil,
justamente para dar efetividade às ordens judiciais.
Anote-se, aqui, que não se tratam de mecanismos
destinados aos devedores que não têm mais condições para honrar qualquer
compromisso financeiro ou os que passam por dificuldades financeiras
momentâneas e podem atrasar alguns pagamentos, mas, sim, àqueles
chamados “devedores profissionais”, que conseguem blindar seu patrimônio
contra os credores com o objetivo de não serem obrigados a pagar os débitos
(ALMEIDA, MARÍLIA. Justiça decide tomar de devedor passaporte, CNH e cartões.
Seu dinheiro. Revista Exame. São Paulo: Editora Abril, 08.2016).
Entendimento em sentido contrário, além de fazer tábula
rasa da intentio legis do legislador expressa no art. 139, inc. IV, do Código de
Processo Civil de 2015, manteria a situação do inadimplente voluntário de máfé exatamente no seu status quo ante, ou seja, como já comumente verificado
sob a égide do Diploma anterior – fora do alcance do Estado.
Cumpre reiterar, porém, que as medidas eleitas devem ser
sempre proporcionais, observando-se as peculiaridades do caso concreto, a
regra da menor onerosidade ao devedor (CPC, art. 805), bem assim o comando
legal expresso de que, “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos
fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a
dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a
razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência” (art. 8º).
Desta forma, considerando que situações excepcionais
exigem a adoção de medidas igualmente excepcionais, evidente que há
possibilidade jurídica do pedido deduzido pela parte agravante, não havendo
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mais que se falar, conforme entendimento exarado na decisão agravada, que
o princípio basilar da execução é o do seu caráter unicamente real, podendo
incidir apenas e tão-somente sobre o patrimônio da parte executada.
Da análise detida dos autos, observa-se que a presente
execução se arrasta há quatro anos sem que a exequente tenha logrado êxito
em encontrar qualquer bem móvel ou imóvel suscetível à penhora. No
entanto, em que pese a ausência de bens em nome do executado, os
elementos indiciários constantes dos autos indicam que o padrão de vida e
negócios realizados pelo devedor se contrapõem à uma possível situação de
penúria financeira, já que: a uma, realiza operações comerciais com genética
zebuína, objetivando o desenvolvimento do melhoramento genético pecuário
(no caso, inclusive, a cobrança é decorrente de uma dessas operações); e a
duas, o endereço indicado nos autos pelo devedor à época do primeiro acordo
é de edifício de alto padrão na capital baiana (em consulta à rede mundial de
computadores observa-se a venda de imóveis por cifras milionárias).
É incontestável, ainda, a má-fé do devedor que, tendo
realizado acordo de parcelamento da dívida homologado pelo Juízo de origem,
solicitou o levantamento da restrição que recaía sobre as reses zebuínas para
que, vendendo-as, pudesse realizar o pagamento do crédito exequendo; mas,
após levantada a restrição, efetuou a sua venda e deixou de pagar os valores
devidos à parte exequente, frustrando, novamente, o direito da credora,
certamente com a evidente convicção de sua não-responsabilização.
Mais a mais, o executado sequer atende aos comandos
judiciais, mantendo-se, certamente a seu ver, em uma redoma de impunidade,
com o patrimônio blindado, longe do alcance do Poder Judiciário.
Justamente para coibir tal prática é que o legislador
registrou na exposição de motivos do novo CPC, a seguinte ponderação: “Um
sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e
a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos
jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um
Estado Democrático de Direito”. E, adiante, desabafou: “Sendo ineficiente o
sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real
efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura
ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por
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meio
do
processo.
Não
há
fórmulas
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mágicas”
(https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf).
Diante da fundamentação exposta, considerando que a
interpretação da lei deve dar a ela o seu verdadeiro sentido e alcance, bem
assim para cumprir com a função jurisdicional de pacificação dos conflitos
sociais e para reforçar a credibilidade do Poder Judiciário na sociedade , ainda,
que realiza-se a execução no interesse do exequente (art. 797, CPC/15),
impõe-se o parcial acolhimento do presente agravo de instrumento para o fim
de determinar a suspensão do direito de dirigir e de eventual passaporte do
executado ABRÃAO FUEZI BASTOS, com fulcro no disposto pelo art. 139, inc. IV, do
Código de Processo Civil de 2015, até o parcelamento/pagamento da dívida ou
cabal comprovação da efetiva impossibilidade financeira e da incontestável
necessidade de exercício dos direitos ora suspensos temporariamente.
Cumpre fazer consignar, por derradeiro, que a suspensão
do direito de dirigir e do passaporte do executado não afrontam o direito de ir
e vir consagrado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
mormente considerando que a liberdade per se encontra-se incólume. No
caso, convém anotar, por oportuno, que o próprio direito à obtenção do
passaporte comum exige a condição de “não ser impedido judicialmente de
obter passaporte”, conforme art. 20, inc. VII, do Regulamento de Documentos
de Viagem anexo ao Decreto nº 5.978/2006, afastando, a contrario sensu,
eventual tese de ilegalidade de sua suspensão por ordem judicial.
Veja-se que de nenhuma forma com as medidas
excepcionais propostas pelo inciso IV do artigo 139, do Código de Processo
Civil de 2015 se estará procedendo a qualquer restrição às garantias
fundamentais, devendo-se ter em vista que no caso específico dos autos as
garantias individuais do devedor esbarram na garantia da credora, ora
agravante, de ver o seu crédito satisfeito.
De mais a mais, não possuindo o devedor condições
financeiras para saldar o seu débito resta evidente que também não possuirá
patrimônio suficiente para realizar uma viagem internacional, razão pela qual
inexiste afronta ao direito constitucional de ir e vir.
Há mais de 10 anos, o Juiz aposentado e mestre em
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Direito Processual Civil da PUC/SP Olavo de OLIVEIRA NETO escreveu que
seria possível ao juiz estabelecer algumas formas de restrições na esfera de
direitos do devedor, “como a suspensão de licença para conduzir veículos
automotores. (…) Ora, quem não tem dinheiro para pagar o valor que lhe é
exigido na execução, nem tem bens para garantir tal atividade, também não
tem dinheiro para ser proprietário de veículo automotor, e, por isso, não tem a
necessidade de possuir habilitação. Com isso, suspender tal direito só viria a
atingir aqueles que, de modo sub-reptício, camuflam a existência de
patrimônio com o deliberado fim de fugir à responsabilidade pelo pagamento
do débito. (…) nada impede que aquele que necessita exercer tal direito para
sua sobrevivência, como é o caso do motorista profissional, solicite ao juiz o
afastamento da limitação de direitos. Nesta hipótese, porém, inverte-se o ônus
da prova no processo (…).” (Novas perspectivas da execução civil –
Cumprimento da sentença. In. SHIMURA, Sérgio; e NEVES, Daniel Amorim
Assumpção – coords. – Execução no processo civil: novidades & tendências.
São Paulo: Método, 2005, p. 197).
O mesmo doutrinador, ainda, em razão do novo
disciplinamento do CPC/2015, observa que no Direito Internacional já existe
até a cassação do passaporte do devedor, como ocorre, por exemplo, na
Inglaterra, conforme noticia o Juiz aposentado e mestre em Direito Processual
Civil da PUC/SP, Olavo de Oliveira Neto, para quem se justificaria a limitação
de direitos ao devedor que desvia seu patrimônio a terceiros, abrindo tal
medida a possibilidade de recebimento ao credor, especialmente se tem
direito ao pagamento reconhecido pela Justiça e não consegue receber
(http://www.calculuscontabilidade.com/news/pessoas-com-dividas-podem-ter-habili
tacao-e-passaporte-apreendidos/).
Anote-se, aqui, ainda, que as medidas coercitivas deferidas
justificam-se na hipótese de que não havendo condições financeiras, não
haverá sequer prejuízo ao executado, mormente considerando que se, de fato,
não possui qualquer importância financeira – ainda que mínima – para solver a
presente dívida, também não possuirá recursos para viagens internacionais ou
manter um veículo (que, no caso, pelas consultas, tampouco possui).
Incabível o cancelamento dos cartões de crédito mantidos
pelo executado com as instituições financeiras do país, mormente
considerando que os bancos possuem liberdade contratual, não podendo, no
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caso, o Poder Judiciário imiscuir-se nas relações contratuais particulares.
Caberá ao Juízo de origem oficiar o Departamento Estadual
de Trânsito, bem assim o Departamento de Polícia Federal para cumprimento
do presente decisum, até ulterior decisão judicial em sentido contrário.
4. Passando-se as coisas desta maneira, meu voto é no
sentido de dar parcial provimento ao recurso de agravo de instrumento para o
fim de determinar a suspensão do direito de dirigir e de eventual passaporte
do executado ABRÃAO FUEZI BASTOS, com fulcro no disposto pelo art. 139, inc. IV,
do Código de Processo Civil de 2015, até o parcelamento/pagamento da dívida
ou cabal comprovação da efetiva impossibilidade financeira e da incontestável
necessidade de exercício dos direitos ora suspensos temporariamente.
Decisão
5. À face do exposto, ACORDAM os integrantes da Décima
Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por
unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso, nos termos do
voto da relatora.
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Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores FERNANDO ANTONIO
PRAZERES, Presidente sem voto, RABELLO FILHO, JOSÉ HIPÓLITO XAVIER DA SILVA.
Curitiba, 22 de Fevereiro de 2017
Desembargador THEMIS DE ALMEIDA FURQUIM CORTES
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