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Integração e Segurança Elétrica na América Latina Integração e Segurança Elétrica na América Latina Organização: Nivalde J. de Castro Rubens Rosental 1ª edição Oficina de Livros Rio de Janeiro 2016 I61i Integração e segurança elétrica na América Latina / organização de Nivalde J. de Castro [e] Rubens Rosental.- Rio de Janeiro: Oficina de Livros, 2016. 255p. ; 23 cm. Coletânea de artigos e teses. 1. Energia elétrica ----- América Latina -----Segurança. 2. América Latina ---- Energia elétrica ----- Política de Segurança Pública. 3. Aquecimento Global ---- Políticas Públicas. I. Castro, Nivalde J. de, org. II. Rosental, Rubens, org. CDD 333. 793298 Índice para catálogo sistemático: 1. Usina Hidrelétrica: América Latina 2. Aquecimento Global: Políticas Públicas ISBN: 978-85-61843-65-6 Diretor Christian Hübner Coordenadora de Projetos Karina Marzano As visões e opiniões expressas na presente coletânea de artigos e teses são de responsabilidade dos autores colaboradores e não representam necessariamente as visões e posições dos organizadores Sumário O Programa EKLA-KAS ..........................................................................7 Prefácio ..................................................................................................11 Introdução ..............................................................................................13 O Legado de Itaipu: Inspiração para o Futuro ..........................................15 Marcel Biato Modelos jurídicos e institucionais de integração energética: União Europeia e Mercosul em perspectiva comparada ...........................43 Eleonora Mesquita Ceia / Willian Gonçalves Ribeiro Condicionantes e Perspectivas da Integração Energética na América do Sul ..................................................................................71 Marcel Biato / Nivalde José de Castro / Rubens Rosental Integração Regional de Mercados de Eletricidade: Base Conceitual, Benefícios Potenciais e Oportunidades para o Cone Sul ..........................85 Prof. Dr. Dorel Soares Ramos Integração energética Brasil-Peru: histórico, desafios e perspectivas futuras ................................................................ 109 Paula Franco Moreira Integração Energética no MERCOSUL: o caso emblemático de Itaipu Binacional ............................................... 149 Thauan Santose Luan Santos Integração elétrica do Brasil na América Latina: Antecedentes, situação atual e perspectivas. .................................................................. 174 Nivalde José de Castro / Roberto Brandão / Rubens Rosental / Paola Dorado Integração Energética na América do Sul: Experiências, Possíveis Benefícios, Riscos e Desafios .............................. 216 Ricardo Raineri O Programa EKLA-KAS Dr. Christian Hübner1 Liberdade, justiça e solidariedade são os princípios básicos subjacentes ao trabalho da Fundação Konrad Adenauer (KAS, de acordo com sua sigla em alemão). A KAS é uma fundação política, ligada à União Democrata-Cristã da Alemanha (CDU). Com mais de 80 escritórios no exterior e projetos em mais de 120 países, o nosso objetivo é fazer uma contribuição única para a promoção da democracia, do Estado de Direito e de uma economia social de mercado. Para assegurar a paz e a liberdade, apoiamos continuamente o diálogo a nível nacional e internacional, bem como o intercâmbio entre as culturas e religiões. Juntamente com os programas nacionais específicos promovidos pelas sedes da KAS na América Latina, existem também programas regionais transnacionais destinados a temas específicos. Um deles é o Programa Regional de Segurança Energética e Mudança Climática na América Latina (EKLA), que tem a sua sede em Lima, Peru. O programa regional EKLA foi concebido como uma plataforma de diálogo, a fim de impulsionar processos políticos de tomada de decisões. O programa compreende-se como um centro consultivo para a coordenação entre os projetos nacionais da KAS no continente latino-americano e apoia os projetos nacionais com sua expertise e network sobre o assunto. Assumindo o papel de iniciador e consultor, visa complementar as atividades dos programas nacionais por meio de redes de trabalho regionais e do fornecimento de know-how, reforçando, assim, seu impacto. O programa organiza eventos a nível regional, nos quais especialistas e participantes dos países latino-americanos têm a oportunidade de intercambiar ideias. A economia global e a sociedade enfrentam enormes desafios ecológicos. Há uma necessidade de reagir às mudanças climáticas e à escassez de recursos, bem como para a crescente demanda por energia, especialmente nos países emergentes. Nos últimos anos, a KAS já trabalhou intensamente essas questões; no entanto, a enorme importância e a urgência em reagir às demandas levaram ao estabelecimento do EKLA-KAS, que tem a capacidade de se con1 Diretor do EKLA-KAS 7 centrar exclusivamente nesses assuntos. A região da América Latina é ideal para a implementação de projetos ambientais, devido à abundância de fontes de energia verde, tais como o sol, a água, a geotermia, o vento e a biomassa. Explorar e desenvolver esse potencial ajudará a América Latina a satisfazer sua crescente demanda de energia. Para explorar o pleno potencial ecológico do continente, é necessário compreender o estado atual das políticas ambientais na América Latina. Assim, a KAS apoia este estudo, organizado em cooperação com GESEL, Grupo de Estudos do Setor Elétrico do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com o objetivo de facilitar o acesso à informação. Uma melhor compreensão das peculiaridades da Integração e da Segurança Elétrica na América Latina abre toda uma nova gama de oportunidades de cooperação e intercâmbio de boas práticas. No âmbito deste projeto, foi organizado um seminário internacional no Rio de Janeiro, em que especialistas em energia se reuniram com políticos e empresários de diferentes países para trocar experiências e opiniões. É nosso entendimento que um paradoxo explica a crise energética que o mundo vive. De um lado, é imprescindível ampliar a oferta de energia para viabilizar o processo contínuo de crescimento econômico e desenvolvimento social; de outro, urge reduzir a emissão de gases de efeito estufa e assim mitigar seus impactos sobre o aquecimento global. Superar esse dilema requer transição da matriz energética mundial, o que implicará, por sua vez, a configuração de um novo paradigma, voltado para uma maior participação das fontes renováveis e não poluidoras. Este processo de transição será prolongado, custoso e exigirá que todos os países reconheçam sua profunda interdependência. Somente mediante esse compromisso coletivo serão assegurados os recursos financeiros e humanos necessários para viabilizar projetos específicos que contribuam para a transição da matriz energética. Esta perspectiva exige condições para uma busca sinérgica de conhecimentos e troca de experiências que possibilitem a formulação de políticas e planejamento energético focada na convergência para o novo paradigma energético. Esperamos que este livro ajude o processo de aprofundamento da integração elétrica na região, baseada em fontes renováveis. Acredita-se que esta é uma estratégia que trará segurança para o processo de transição para uma matriz elétrica de baixo carbono, permitindo aliar o combate das mudanças climáticas com medidas de desenvolvimento econômico e social sustentável. O objetivo principal é oferecer subsídios e propostas para que as autoridades 8 responsáveis pela política energética e os membros do Poder Legislativo formulem e executem políticas públicas voltadas para a Integração e Segurança Elétrica. Gostaríamos de agradecer o GESEL pela parceria na composição deste documento, bem como a todos os pesquisadores e autores que contribuíram para esta publicação. Desejamos a todos uma boa leitura! 9 Prefácio O modelo Institucional do Setor Elétrico Brasileiro possibilita o desenvolvimento de projetos relacionados a usinas hidrelétricas binacionais e trata os aspectos de importação e exportação de energia através de interconexões inter-regionais. Embora já tenhamos alguns exemplos bem-sucedidos, como é o caso da usina de Itaipu e das interligações elétricas com a Argentina, Uruguai e Venezuela, um grande esforço terá que ser feito para que se aproveite o potencial hidrelétrico existente na América Latina, bem como para se viabilizar intercâmbio de energia firme entre os países do continente, de forma a propiciar benefícios para os consumidores dos países envolvidos nos respectivos projetos que venham a ser desenvolvidos. O livro aborda diversas alternativas aventadas e as instituições responsáveis, destacando os aspectos jurídicos, regulatórios, técnicos e comerciais que devem ser considerados e sugere os encaminhamentos para que sejam viabilizados os empreendimentos binacionais de usinas hidrelétricas, bem como a efetivação de intercâmbio de energia elétrica entre os países vizinhos, com ênfase para aqueles em que o Brasil estaria envolvido. No entanto, considero que obstáculos de natureza regulatória, comercial e técnica devem ser superados, devido aos diferentes arcabouços institucionais do setor elétrico de cada país que, a princípio, devem ser preservados. Assim sendo, não tenho dúvida de que devemos desenvolver a integração energética entre os países de forma gradual, aproveitando as oportunidades das interligações já existentes, desenvolvendo inicialmente modalidades de intercâmbio que respeitem a autonomia de cada país, compartilhando-se os benefícios, no sentido de se estabelecer um clima de confiança, para que se possa evoluir para a integração plena dos mercados, definindo-se em conjunto as regras e procedimentos regulatórios, técnicos e comerciais que devem ser consolidados em documentos de responsabilidades dos governos dos diferentes países para que o processo seja sustentável. Hermes Chipp Ex- Diretor Geral do ONS 11 Introdução O tema Integração e Segurança Elétrica vem ganhando dimensão estratégica no cenário internacional em função da experiência concreta e exitosa da União Europeia. A experiência europeia está indicando a importância de serem construídas bases políticas comuns que ajudam em muito os países a aceitarem a colaboração e a integração elétrica. Como a energia elétrica é um bem e insumo fundamental para a produção de bens e serviços, além de garantir o bem-estar social das famílias, somente a confiança assentada em bases políticas consistentes pode dar as garantias que os países necessitam para assumirem o risco inerente à segurança energética. Tendo segurança – política e diplomática - de suprimento de energia elétrica entre os países, a integração permite um processo de ganha-ganha muito importante. Do ponto de vista econômico os benefícios são muito grandes associados diretamente às possibilidades de explorar melhor os recursos energéticos dadas as diferenças e assimetrias econômicas, climáticas, espaciais e horárias. Os benefícios são bem mensuráveis permitindo calcular os ganhos para todos os países envolvidos no processo, além, obviamente de estimular e potencializar a integração maior que é a econômica. A América Latina já detém experiências de integração elétrica muito relevante como é o caso emblemático de ter conseguido construir nas décadas de 1970-80 a maior central hidroelétrica do mundo – Itaipu – enfrentando desafios de toda a ordem, em especial, da crise econômica que impactou os dois países. Hoje Itaipu é um exemplo de sucesso, por ter permitido gerar divisas para o desenvolvimento econômico e social do Paraguai e, por outro lado, ter permitido ao Brasil manter uma das matrizes elétricas mais renováveis do mundo. Este exemplo deve servir de paradigma para novos projetos de centrais hidroelétricas binacionais como é o caso do projeto do Rio Madeira entre Brasil e Bolívia e entre Argentina e Brasil. Foi dentro destas premissas que a KAS – Konrad Adenauer Stiftung e o GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ realizaram importante seminário internacional nos dias 25 e 26 de agosto de 2016 no Instituto de Economia da UFRJ agregando especialistas de diferentes países, instituições e formação para analisar e examinar aspectos distintos do processo de integração e segurança elétrica. 13 O resultado mais tangível do seminário internacional está materializado nesta obra composta por artigos elaborados pelos participantes do evento, sistematizando e consolidando, em parte, a massa crítica de conhecimento que foi produzido no espaço acadêmico da UFRJ. São 8 artigos elaborados por 12 autores, tornando este conjunto de artigos em uma obra de referência para os estudiosos, especialistas, homens públicos e estudantes de graduação e pós-graduação. A KAS e o GESEL-UFRJ realizaram esta iniciativa importante com o objetivo central de oferecer conhecimentos técnicos, econômicos e diplomáticos sobre o processo de integração elétrica a fim de oferecer subsídios consistentes para que as decisões políticas possam ser tomadas com fundamentos sólidos e consistentes. Nivalde de Castro Coordenador do GESEL-UFRJ 14 O Legado de Itaipu: Inspiração para o Futuro Marcel Biato1 1. Introdução Já se passaram mais de 40 anos desde a assinatura do Tratado de Itaipu2 e 30 desde o acionamento da primeira turbina.3 As controvérsias que cercaram o projeto e, mais tarde, sua execução, também passaram. Permanecem seus resultados extraordinários e indiscutíveis. Em pleno funcionamento desde 1996, Itaipu vem sendo um parceiro decisivo no desenvolvimento nacional do Brasil e do Paraguai, ao assegurar a disponibilidade de energia segura, barata e sustentável. Ainda hoje, contribui com 11% da geração elétrica brasileira; impressiona sua escala, rivalizando com Três Gargantas, na China, como a maior geradora de energia elétrica em escala mundial. Mais ainda, num momento em que a América do Sul enfrenta o desafio de aprofundar o processo de integração regional, o Tratado de Itaipu e o consórcio binacional que resultou oferecem modelo de um compromisso exitoso com a integração energética. O mundo mudou radicalmente nas décadas desde a assinatura do Tratado, em 1973. O planeta ficou mais volátil, com crescentes focos de instabilidade política e financeira; e mais imprevisível, fruto de mudanças climáticas e de crises no mercado mundial de commodities, inclusive energia, que estão alterando fundamentalmente os parâmetros que guiam a economia global. Ao mesmo tempo, o mundo ficou mais democrático e, em particular, na América Latina, as sociedades ganham em maturidade institucional e ativismo cidadão. Neste contexto de profundas e, por vezes, radicais transformações, a experiência de Itaipu continua a ser atual e relevante. Seu legado irá muito 1 Atuou como assistente do Assessor Internacional da Presidência da República (2003-10) e foi Embaixador na Bolívia (2010-2013). Ativo em temas latino-americanos, governança global e militares; integrou a delegação negociadora brasileira no Processo de Paz entre Equador e Peru (1995-1998). 2 26 de abril de 1973. 3 5 de maio de 1984. 15 além de 2023, quando vence o Tratado e a usina estará integralmente paga. Ao continuar a gerar energia abundante ainda por muitas décadas, Itaipu não apenas ajudará a assegurar a prosperidade de brasileiros e paraguaios. Será alicerce crucial de estabilidade nas relações entre seus dois sócios e referência do potencial da hidroeletricidade como vetor de desenvolvimento e integração regional. Na esteira do surto de crescimento verificado em toda a região ao longo da última década e meia, o consumo de energia cresce exponencialmente 4 e, por conseguinte, os esforços por ampliar as fontes de geração. O “apagão” de 2001, no Brasil, só fez aguçar o imperativo de assegurar expressiva margem de manobra em matéria de geração, ainda mais à luz de indícios de que o país passaria a conviver com extremos climáticos, tais como a prolongada seca dos últimos anos. Significativamente, algumas das alternativas mais promissoras identificadas implicam a opção por empreendimentos binacionais. Seja por envolver o aproveitamento de recurso natural encontradiço em outro país, sendo o Acordo do Gás Brasil-Bolívia5 o exemplo clássico, seja por envolver o aproveitamento conjunto de um recurso compartilhado, de que o Tratado de Itaipu é a referência mais conhecida. O êxito de esses dois acordos ajudam a explicar as expectativas otimistas que embasaram o lançamento da IIRSA6, em 2000. O inventário de projetos que selecionou a partir de seu forte potencial multiplicador e relevância para a estratégia de integração energética continental foi incorporado por instância técnica da UNASUL,7 a partir de 2008. No entanto, na prática muito pouco se avançou desde então. Se o Acordo do Gás e o Tratado de Itaipu ainda hoje são vistos como empreendimentos altamente exitosos, porque não são replicados e emulados? É inegável que a agenda integracionista sofreu um arrefecimento generalizado, amainando os ventos de entusiasmo integracionistas que periodicamente sopram pelas capitais sul-americanas. Não faltaram projetos, alguns extremamente ambiciosos, notadamente o do Gasoduto do Sul, de inspiração venezuelana, nem tampouco faltaram fontes de financiamento. Pesaram, sim, limitações estruturais e condicionantes políticos e econômicos, em particular a falta de convergência 4 Calcula-se, em média, 4% ao ano, independentemente do ritmo de crescimento econômico. 5 O Acordo do Gás, assinado em 1996, entrou em funcionamento em 1999. 6 A Iniciativa de Integração Regional Sul-Americana foi lançada na esteira da I Reunião de Presidentes da América do Sul, de agosto de 2000. 7 A UNASUL incorporou a IIRSA como uma de seus foros técnicos. 16 básica em matéria de política macro e microeconômica,8 de que o esvaziamento do projeto de um Banco do Sul é ilustrativo.9 Ao mesmo tempo, a própria agenda de integração energética vem encontrando barreiras que apontam para novos desafios, ainda não equacionados, a questão dos impactos socioambientais sendo especialmente evidente. 2. Itaipu Binacional: um paradigma que se renova Em que pese ter sido desenhado há quase meio século, a experiência de Itaipu ainda hoje oferece lições enriquecedoras. A Itaipu Binacional está organizada em torno de uma arquitetura institucional inovadora, que soube adequar-se, ao longo das décadas, às especificidades de cada momento e às exigências de cada novo desafio (Oxilia, 2009). 2.1 A prioridade para a hidroeletricidade Itaipu oferece demonstração cabal das virtudes de continuar a priorizar investimentos em hidroeletricidade. Conquanto surjam progressivamente alternativas novas, desde a eólica até a solar, passando pela biomassa, a hidroeletricidade permanece a oferecer opção altamente atraente, pois é fonte reconhecidamente limpa, barata e sustentável. Itaipu, em particular, demonstra tratar-se de tecnologia de comprovada confiabilidade, rendimento técnico e viabilidade financeira. Oferece a vantagem adicional sobre a maioria das demais fontes de entregar energia ao mesmo tempo renovável e firme, isto é, constante. O custo de prevenir-se será cada vez maior e exigirá, não apenas atenção para considerações ambientais, como também para melhor composição, matriz energética, 8 Exemplo emblemático foi o colapso do projeto de Vaca Muerte, destinada a explorar gigantesca jazida de gás de xisto, na Argentina. O projeto foi abandonado pela Camargo Correa quando os investimentos necessários rapidamente dobraram de US$ 5 para quase US$ 20 bilhões por conta, entre outros fatores, da recusa do Governo argentino em admitir o impacto sobre os custos do investimento da sobrevalorização do peso argentino resultante da recusa do Governo argentino em reconhecer os elevados níveis da inflação vigente no país. 9 O Banco teria por função financiar, em condições favoráveis, obras de infraestrutura e programas sociais em condições. Apresentava-se como alternativa aos padrões de empréstimo mais rigorosos do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. 17 capaz de combinar segurança, modicidade e sustentabilidade. As alternativas renováveis, como solar e eólica, ademais de ainda relativamente caras, despacham energia intermitente, pois dependem de variáveis climáticas altamente voláteis. Já a outra principal fonte de energia potencialmente firme, a térmica, é notoriamente poluente, ademais de relativamente cara. Nessas condições, recobra força o debate sobre a conveniência de o modelo hidroelétrico fazer opção exclusiva pela construção de usinas a fio d’água.Valorizada em anos recentes como alternativa aos tradicionais reservatórios, esse modelo tem o mérito de reduzir significativamente a área inundada e, portanto, o impacto socioambiental associado aos tradicionais reservatórios. Essa tendência viu-se reforçada pelo fato de o potencial restante de aproveitamento hidroelétrico no Brasil estar concentrado majoritariamente na região amazônica, cuja topografia plana impõe relação área inundada/geração de energia desfavorável. Em contrapartida, a redução na capacidade de armazenamento exigida pela opção fio d’água agravou o impacto do regime excepcionalmente fraco das chuvas nos últimos anos e, por decorrência, os riscos de “apagões”. Embora a atual estiagem não possa ser vinculada diretamente a mudanças climáticas, não se pode excluir que fenômenos extremos dessa natureza venham a tornar-se cada vez mais recorrentes no Brasil e no continente sul-americano. Nessas condições, talvez coubesse reavaliar a relação custo-benefício de retomar, em alguma medida, o recurso a usinas com reservatórios. A questão é especialmente relevante para o Brasil, que gera mais de dois terços de sua energia a partir da hidroeletricidade. Mas o é também para os demais países amazônicos, onde está o maior potencial de geração hidroelétrica do continente e do mundo. A importância dos reservatórios mede-se não apenas pelo fato de serem mais confiáveis do ponto de vista técnico e menos oneroso do ponto de vista financeiro do que unidades térmicas. Mede-se, sobretudo, por constituir poderoso instrumento de garantia e estabilidade de oferta de energia (Biato; Castro, 2011). No ano de 2015, a crise energética ameaça transformar o que já é ritmo sofrível da economia brasileira em comprometimento do crescimento futuro, na medida em que a falta de energia paralisa não só atividades em todo o espectro da atividade produtiva, mas também compromete investimentos indispensáveis à retomada, com custos econômicos e socioambientais de difícil quantificação. Como veremos a seguir, o exemplo de Itaipu deixa claro que os potenciais benefícios compensatórios do manejo inteligente da região no entorno de um manancial artificial, como o lago de Itaipu, não devem ser desprezados na hora de avaliar as vantagens comparativas dos dois regimes. 18 Outra vantagem da hidroeletricidade está no fato de seu preço ser determinado quase que exclusivamente por fatores domésticos. Em contraste, as fontes térmicas tradicionais, que geram a base de derivados de petróleo, têm seu preço sujeito à volatilidade do mercado internacional, como se viu recentemente no caso do petróleo e de seus derivados. A “commoditização” da cotação internacional do petróleo e, progressivamente, do gás natural líquido, o GNL, introduz elevado grau de indefinição especulativa nos mercados, em prejuízo da capacidade de países planejarem adequadamente sua política energética.Valendo-se do fato de ser o maior exportador e mais eficiente produtor mundial, em meses recentes, a Arábia Saudita tem atuado para deprimir as cotações internacionais da commodity, segundo seus interesses estratégicos e em detrimento de adversários políticos e rivais econômicos, entre os quais está potencialmente a exploração do pré-sal brasileiro. 2.2 Sustentabilidade O debate sobre o papel da hidroeletricidade na matriz energética dá-se tendo como pano de fundo a conscientização da opinião pública sobre a importância da preservação do meio ambiente e de respeito aos direitos e prerrogativas de comunidades locais, sobretudo indígenas. Essa sensibilidade facilmente se transforma em resistência a projetos de grande escala na medida em que o progressivo esgotamento do potencial de aproveitamento hidroelétrico nas demais regiões do país aumenta pressões por apostar em usinas na região amazônica. Represas mal concebidas e mal executadas, notadamente Balbina, alimentam denúncias, amplificadas na mídia popular, de que hidroelétricas, sobretudo as com reservatório, seriam uma ameaça à preservação da enorme biodiversidade amazônica e dos potenciais benefícios farmacológicos e industriais derivados. A experiência com a represa de Itaipu sugere valiosas lições sobre como compatibilizar as legítimas preocupações quanto ao impacto socioambiental de obras dessa envergadura com o imperativo de ampliar a oferta de energia para o desenvolvimento do país. Num momento em que eram ainda incipientes as preocupações ambientalistas,10 Itaipu desenvolveu modelo de geração de energia voltado para o respeito e preservação do meio ambiente. 10 O Tratado de Itaipu foi assinado apenas um ano depois da Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente, de 1972, o primeiro esforço de coordenar posições sobre temas vinculados à preservação de recursos naturais. 19 Itaipu foi muito além de uma agenda estritamente preservacionista, como por exemplo, no programa de resgate de fauna das áreas inundadas, de estudo da biodiversidade local e de programas de conscientização para a importância da conservação ambiental. Itaipu elaborou sistema de manejo sustentável do entorno do lago criado pela represa, o qual se tornou referência internacional. Sem dúvida o aspecto mais notável dessa filosofia foi envolver decisivamente a população local na concepção e na governança da realidade socioeconômica constituída com a formação de esse entorno. Como resultado, logrou mobilizar os locais em torno de propostas inovadoras e participativas. Os programas de conscientização ambiental, em particular, ajudaram a integrar famílias e comunidades em projetos que trazem progresso e bem-estar, seja para as comunidades evacuadas da região onde se constituiu o reservatório, seja para as populações que hoje habitam a zona de influência de Itaipu. Muitas dessas experiências foram apropriadas em projetos posteriores, como, por exemplo, a BR-163, onde, infelizmente, a falta de entusiasmo da iniciativa privada terminou por limitar seus benefícios. Sempre dentro de esforço por maximizar as sinergias entre componentes públicos e privados engajados no processo, os mais recentes empreendimentos de infraestrutura de grande envergadura no país vêm buscando aperfeiçoar novo modelo metodológico capaz de dar sentido inovador ao conceito de governança social. Uma das principais implicações é aprimorar o trabalho de planejamento prévio, sobretudo em matéria de obtenção de licenças ambientais, o maior fator de desgaste do poder público junto às comunidades locais e de atraso na execução das obras. Com a maior consciência para os riscos potenciais de tais empreendimentos e a capacidade de mobilização dos movimentos sociais e correntes de opinião francamente contrárias à obra, torna-se imperativo assegurar, desde o primeiro momento, o apoio dessas comunidades. Mais além de engajá-las tempestivamente, por meio de campanhas informativas e de conscientização para os benefícios do empreendimento, há crescente reconhecimento da necessidade de antecipar, de algum modo, os benefícios dos empreendimentos para as comunidades locais. Trata-se de contra restar o sentimento generalizado de desconfiança daqueles que são as principais vítimas potenciais de consequências adversas do empreendimento, sem estarem assegurados de que compartilharão de seus eventuais benefícios. Ao antecipar, antes mesmo do início da obra, certos benefícios para as comunidades locais, reduzir o risco de conflitos locais com incidência direta sobre a execução do projeto como um todo. 20 A importância de agir de forma preventiva e com visão estratégica está entre as lições que estão sendo progressivamente incorporadas nos mais recentes projetos de infraestrutura no país. Dentro dessa filosofia, essas grandes obras de infraestrutura deixam de ser vistas como obras estanques, cujo impacto sobre o entorno se trata de minorar. Ao contrário, passam a ser concebidas como âncoras de projetos integrados de desenvolvimento sustentável da região de influência e impacto da obra. Assim, no caso de Belo Monte, todo o planejamento e execução da usina passam a ser concebidos como parte integrante e, mais ainda, como indutor, de um Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX). Ao invés de tentar minorar de forma tópica e reativa os eventuais prejuízos gerados pela usina, todos os potenciais impactos da obra, inclusive os positivos vinculados à dinamização econômica da região, passam a ser avaliados e administrados, no contexto de um planejamento abrangente de toda a região circundante da usina. 3. Desafios à integração regional Num momento em que a globalização avança a passos largos, a América do Sul enfrenta dificuldades em fazer realidade os anseios de integração regional, indispensável à melhoria dos níveis de eficiência produtiva e competitividade tecnológica necessários para competir no mercado global. A forte presença de temas de integração nas agendas dos diferentes foros integracionistas, como o Mercosul e a UNASUL, bem espelham a continuada preocupação com a precária integração física e, mais particularmente, a quase inexistente vinculação energética. Há consenso de que se trata de entrave decisivo à consolidação de um espaço econômico integrado em escala continental, capaz de capitalizar os notáveis trunfos da América do Sul: relativa unidade cultural-linguística, ausência de conflitos étnico-religiosos, maior área agricultável do globo, ampla oferta e diversidade de recursos naturais, fatores capaz de fazer da região potência energética mundial pela abundância de água, sol e de recursos energéticos (Castro; Rosental e Gomes, 2009). Os resultados em boa medida decepcionantes dos esforços de integração regional ao longo do último meio século – ALALC, ALADI, Pacto Andino, Mercosul e, mais recentemente, ALBA e CELAC – atestam à persistente incapacidade de superarem-se rivalidades regionais, desconfianças históricas, 21 temores presentes, falta de autoconfiança e apego à retórica da vitimização e a outras ideologias esculpatórias. Por detrás dessas descontinuidades estão fatores históricos e socioeconômicos diretamente associados ao relativo subdesenvolvimento da região. Diferenças de bitola entre os respectivos parques ferroviários dos países, assim como estradas que terminavam a poucos quilômetros da fronteira: todas medidas concebidas originalmente para evitar invasões de tropas estrangeiras, mas que, hoje, continuam a frear outra invasão, a de bens importados que ameacem as indústrias nacionais. Mais ainda, a falta de convergência em políticas macro e microeconômicas atesta não apenas à divergências ideológicas, mas também à continuada relutância em uniformizar padrões e normas por temor em fazer concessões que parecem envolver cessão unilateral de soberania. É assim que, apesar de todos seus trunfos, a região continua marcada pelas consequências da má distribuição e aproveitamento desses recursos: bolsões de pobreza extrema, apagões de energia. Com o lançamento da UNASUL, o Brasil tomou a iniciativa de tentar romper essa inércia mediante uma ambiciosa agenda de realizações conjuntas, sob liderança política e econômica brasileira. O setor elétrico, mais do que qualquer outro, oferece exemplo de como o Brasil tem todas as condições de exercer o papel estratégico no esforço integracionista. Mais além de sua localização geográfica, lindeiro de 10 dos 12 de seus vizinhos sul-americanos, pela sua escala e complexidade, o sistema elétrico brasileiro apresenta um modelo consistente e dinâmico, com bases institucionais e econômicas muito sólidas e um padrão de financiamento eficiente (Castro, 2010). Ao mesmo tempo, o mesmo diferencial de desenvolvimento e de poderio técnico e econômico entre o Brasil e seus vizinhos, sobretudo os menores, ainda hoje alimentam visões conspiratórias sobre supostas intenções expansionistas dos “bandeirantes do século XXI”. Impossível subestimar a sensibilidade nesses países para qualquer percepção, real ou imaginada, de veleidades hegemônicas por parte do sócio maior. Como administrar essas injunções políticas, econômicas e regulatórias? 3.1 Paraguai Não há exemplo mais agudo dessa complexa realidade do que a história das relações entre Brasil e Paraguai. Derrotado na catastrófica Guerra da Tríplice Aliança, o Paraguai ainda hoje se enxerga como vítima do que teria sido uma campanha de extermínio que o relegou à condição de atraso irreversível 22 e pobreza endêmica. Tradicionalmente, historiadores paraguaios reservam ao Brasil, cujos exércitos comandaram a conquista do país guarani, o papel de principal vilão. Mais do que qualquer outro vizinho, o Paraguai ressente-se, ainda hoje, do que considera as ambições espoliativas e gana anexionista do Império brasileiro. Itaipu é exemplo eloquente de como o setor energético pode ser vetor na superação dessas pendências do passado. Permitiu desenvolver modelo de cooperação que viabilizou o mais ambicioso projeto de integração energética do continente. Mais que isso, a obra serviu de base para um comprometimento mútuo de longo prazo, centrado numa agenda voltada para realizar o largamente subaproveitado potencial do Paraguai, mercê da energia barata e abundante de que passava a ser cogestor. Itaipu desenvolveu padrão de governança avançado, que tem servido de plataforma segura para avançar a agenda bilateral, ademais de fomentar o aperfeiçoamento institucional no Paraguai. Esse modelo abstraiu das condições de extrema assimetria não apenas econômica e demográfica, mas também político-institucional, entre os parceiros. De particular relevância, teve a flexibilidade para permitir que, à medida que o lado paraguaio ganhasse robustez técnica e institucional, também ia assumindo posição paritária na execução de responsabilidades técnico-administrativas na Itaipu Binacional.11 O êxito em administrar as inevitáveis tensões entre sócios tão desiguais é altamente relevante em vista dos níveis diferenciados de desenvolvimento apresentados pelos distintos países sul-americanos, em particular no campo da capacitação técnico-científica e financeira. A construção de Itaipu foi decisiva para o lançamento das bases para uma parceria estratégica de longo prazo com o Paraguai. No entanto, esse empreendimento, por maiores que fossem os benefícios mútuos, não foi suficiente para impedir que até hoje persistam alegações de que a construção de Itaipu de algum modo se deu à custa dos interesses paraguaios. Basta recordar que até recentemente prevaleceu em Assunção mentalidade essencialmente rentista, os recursos auferidos pela venda da energia excedente ao Brasil servindo para sustentar modelo econômico calcado na informalidade. 11 Originalmente, algumas diretorias mais sensíveis, no campo técnico e administrativo-financeiro, eram ocupadas exclusivamente pelo Brasil, mas, mais recentemente, também passaram a ser ocupadas por rodízio com o Paraguai. 23 Na falta de dinamismo econômico, geração de empregos e “apagões” regulares em Assunção,12 retroalimentava-se uma retórica de reivindicação permanente, ainda hoje sustentada na tese de que o Tratado de Itaipu seria leonino em favor dos interesses brasileiros. Apenas recentemente o Paraguai embarcou numa “reconversão produtiva” de sua economia, passando a fomentar a instalação, no país, de um parque industrial baseados em atividades de transformação eletrointensivas. Não estranha que, mesmo após a renegociação da cláusula no Tratado sobre pagamento por energia excedente, em 2007,13 com a multiplicação por três do valor ressarcido anualmente pelo Brasil, o ânimo contestatório permanece. Os incontestáveis benefícios auferidos pelo povo paraguaio ao longo de décadas não obviam o espectro do nacionalismo de recursos naturais, que passa a incorporar componentes da retórica socioambiental. 3.2 Peru Igual fenômeno reproduziu-se no caso do projeto de aproveitamento hidroelétrico de Inambari, na bacia amazônica peruana. Ativistas locais questionaram, de um lado, o fato de se prever a exportação, ao menos num primeiro momento, de grande parte da energia gerada pela usina para o Brasil, apesar de a obra e as águas a serem represadas estarem totalmente em território peruano. Por outro lado, as comunidades que habitam a região que seria afetada pela obra foram apresentadas com o fato consumado da obra, sem praticamente qualquer consulta tempestiva de boa fé. A sensação de descaso em relação aos interesses e direitos das populações locais impossibilitou qualquer esforço posterior de reconstrução da confiança. Como agravante, eram atingidas tribos indígenas historicamente marginalizadas, mas, atualmente, defendidas por campanhas de relações públicas bem orquestradas e financiadas. A resultante proliferação de mobilizações e marchas contra a obra terminou por ganhar ampla repercussão local e internacional, levando as autoridades peruanas a suspender o projeto. 12 Apenas recentemente construiu-se, com financiamento brasileiro, linha de transmissão ligando a capital a Itaipu. 13 Entrou em vigor em 2009, após aprovação pelo Congresso Nacional brasileiro. 24 3.3 Bolívia No caso da Bolívia, os mesmos fatores intervieram para inviabilizar a construção de uma usina hidroelétrica binacional sobre o Rio Madeira. No início dos anos 2000, empreiteiras brasileiras negociaram com autoridades bolivianas os termos de um contrato nos moldes de Itaipu. No entanto, com a eleição de Evo Morales, as tratativas, que já incluíam legislação habilitante, foram suspensas. Assim como no caso peruano, o projeto naufragou face à ausência de campanha de esclarecimento e convencimento público sobre os méritos da proposta, de forma a superar a tentação de setores contrários de instrumentalizar as conhecidos resistências de cunho nacionalista e preservacionista. Pesou ainda a relutância dos investidores brasileiros em priorizar, conforme a preferência do novo governo, a construção de usina de Cachuela Esperanza, localizada exclusivamente em território boliviana. As mesmas resistências e desconfianças inviabilizaram nova tentativa, em 2007, de retomar o projeto. Desta feita, se propunha coordenar o aproveitamento conjunto do potencial hidroelétrico de toda a Bacia do Rio Madeira, de forma a contemplar Cachuela Esperanza, assim como os empreendimentos já sendo planejados nos afluentes na margem brasileira do Madeira.14 Preocupado em ampliar o mais rapidamente possível a oferta de energia, a resposta brasileira à continuada recusa boliviana foi avançar unilateralmente. Inevitavelmente, reforçaram-se temores do lado boliviano quanto a potenciais impactos das obras no lado brasileiro sobre o ecossistema da bacia hidrográfica como um todo e na margem boliviana, em particular. Superada progressivamente a resistência boliviana, é o lado brasileiro que hoje opõe maiores dificuldades à retomada do projeto integral. Num desdobramento perverso da espiral de desconfiança que foi se consolidando entre os dois lados, há dois anos não se consegue inaugurar mecanismo de consulta bilateral concebido para passar a limpo essas diferenças15. O exemplo de Itaipu não deixa dúvida de que é preciso persistir no empenho em superar as diferenças entre os dois condôminos do Rio Madeira. O acordo de 1977/9 que pôs fim a longa controvérsia entre Brasil e Argentina, conhecida como a “guerra das cotas”, tornou possível harmonizar os aprovei- 14 As UHEs Santo Antônio e Jirau, que devem estar em pleno funcionamento até 2016. 15 O mecanismo foi constituído em março de 2011, mas se reuniu apenas um vez, em 2014, sem desfecho prático. 25 tamentos hidroelétricos planejados para a bacia hidrográfica do Rio Paraná.16 Caso contrário, estaríamos, ainda hoje, administrando as conseqüências desse conflito, o que inevitavelmente contaminaria outras iniciativas de integração, como, por exemplo, a exportação recíproca de energia entre Brasil e Argentina em momentos de crise energética.17 Como no caso de Itaipu, mesmo empreendimentos de grande envergadura, que criam fortes compromissos e benefícios bilaterais, por si só não garantem processo fluido de integração. As atuais indefinições em torno da UHE binacional sobre o Rio Madeira devem ser vistas à luz da principal parceria estratégica que une os dois países. Assim como no caso da relação Brasil – Paraguai, o Acordo do Gás Brasil - Bolívia é o eixo central das relações bilaterais. Por ele, a Bolívia exporta quase dois terços de sua produção de gás natural, suprindo quase metade das receitas fiscais do Estado boliviano, e gerando a maior parte de suas reservas em moeda estrangeira. De sua parte, o Brasil assegura a diversificação de sua matriz energética com fonte segura e relativamente limpa. O êxito do Acordo do Gás deveria constituir estímulo para novas iniciativas de vulto entre os dois países, como, por exemplo, os aproveitamentos hidroelétricos conjuntos. No entanto, a dependência mútua, se mal administrada, pode ter o efeito contrário. É o que se viu no episódio da “nacionalização” da filial boliviana da Petrobras, em 2006, responsável por dois terços da produção de gás boliviano. A decisão do Governo Morales combinou exercício de populismo nacionalista com o desejo de aumentar as receitas de exportação. Contou com a anuência brasileira para essa quebra de contrato – chamada eufemisticamente de “migração de contrato”- em função de o Brasil depender à época das importações de gás boliviano para suprir 50% de sua demanda doméstica. Em contrapartida, o Brasil tratou de diversificar suas fontes de suprimento, tanto domésticas como externas, havendo 16 Pelo Acordo Tripartite entre Brasil, Paraguai e Argentina, de 1979, coordena-se o aproveitamento dos recursos hidráulicos em trecho do rio Paraná. Este acordo estabeleceu os níveis do rio e as variações permitidas para os diferentes empreendimentos hidrelétricos na bacia comum aos três países. A questão de fundo, aplicável ao caso do rio Paraná e do rio Madeira, assim como na controvérsia entre Argentina e Uruguai sobre a construção de uma fábrica de celulose às margens do rio Uruguai, é a mesma: a pretensão de um país de exigir que seja consultado antes que outro realize um projeto dentro de suas fronteiras geográficas, mas que possa ter impactos além-fronteiras. 17 O mais recente episódio foi em janeiro de 2015, quando, com base em acordo de 2006, o Brasil importou energia elétrica da Argentina. 26 reduzido, desde então, consideravelmente a dependência do suprimento de gás boliviano. Mais grave, a quebra de confiança que representou a intervenção boliviana inviabilizou a negociação de novos contratos de prospecção de gás na Bolívia por parte das petroleiras transnacionais. Como resultado, vem declinando perigosamente o nível das reservas bolivianas de gás, o que poderia representar ameaça à renovação do Acordo do Gás, em 2019. Como o Presidente Lula disse à época da decisão de reduzir a dependência do gás boliviano, “não é bom nem para o Brasil nem para a Bolívia que sejamos tão dependentes um do outro”. Uma integração energética só é saudável e durável se houver percepção de interesses equilibrados e recíprocos, que garantem a estabilidade jurídica destes grandes empreendimentos.18 3.4 Chile Já no Chile, o projeto HidroAysén, na região da Patagônia, prevendo a construção de complexo de cinco hidroelétricas contava com a autorização da Corte Suprema (2012) para o início da obra, mas terminou cancelado em 2014 diante da intensa oposição de setores ambientalistas. Registra-se que, ao contrário do Peru e da Bolívia, a energia a ser gerada não era para exportação, mas sim para aliviar a grave carência chilena de fontes geradoras locais de energia. Assim, os chilenos preferiram prolongar uma estrategicamente preocupante dependência de energia importada, com implicações para a segurança nacional, a levar adiante projeto que suscitava questionamentos ambientalistas. 4.Construção da confiança Como evitar esse desenlace? Como determinar se uma dependência é excessiva? Como evitar ou minorar o risco de que todo processo de integração esteja sujeito a essas tentações e perigos? Mais uma vez, a experiência de Itaipu é relevante e reveladora. Em se tratando de países com assimetrias tão agudas, como é o caso de Brasil e Pa18 Essa quebra da segurança jurídica resultou em deterioração generalizada do ambiente empresarial, derivando nos anos subseqüentes na multiplicação de casos de rompimento de contratos com empresas brasileiras e no desgaste da imagem do Brasil no país. 27 raguai, a confiança que dá estabilidade jurídica e política a compromissos não nasce de uma visão de futuro absolutamente compartida. Ao entrar em pacto em torno da construção de Itaipu, os dois países almejavam objetivos distintos, mas potencialmente complementares. O Brasil assegurou fonte segura e rentável de energia para alimentar um parque produtivo em expansão. Já o Paraguai, assegurou o acesso a recursos financeiros que, aliados à disponibilidade de energia barata, tinham todas as condições de promover transformação estrutural de sua economia. Deixaria de depender de um rentismo instável e vulnerável para alavancar processo incipiente de industrialização, mediante a instalação de um parque de empresas de transformação eletrointensivas. Para tanto, o projeto de Itaipu inovou ao rechaçar a noção tradicional de obra de infraestrutura estanque, cujos objetivos são desconectados da realidade e necessidades das comunidades em cujo meio se instala. Promover uma abordagem integrada de questões significa reforçar a sensação da população de que é parte interessada e beneficiada da intervenção. Essa capacidade de planificação global é ainda mais importante em projetos binacionais. Para evitar desníveis muito grandes dos resultados e, sobretudo dos benefícios para as respectivas populações nacionais, o projeto deve espelhar uma visão integrada de toda uma região ou bacia hidrográfica, de ambos os lados da fronteira. Itaipu entendeu que não adianta oferecer às comunidades locais apenas compensações tópicas, sobretudo em se tratando de grupos pobres e vulneráveis, mal capacitadas para administrar o impacto dramático da mudança do meio ambiente do que subsistem, quando não de sua simples remoção para áreas distantes e agrestes. O conjunto de medidas voltadas para recapacitar técnica e institucionalmente comunidades afetadas não apenas ajudou a minorar o impacto da obra, mas também a habilitá-las a melhorar sua qualidade de vida. Envolveu conjunto de obras e intervenções que redefiniram a vocação econômica de zona antes marginalizada e deprimida economicamente. Essas iniciativas ajudam a potencializar a agenda de desenvolvimento e integração fronteiriça que o Brasil já mantém com todos seus vizinhos lindeiros, no intuito de mapear as demandas do que são regiões econômica e socialmente marginalizadas, sobretudo nos países vizinhos. Dentro desse espírito, a Itaipu Binacional criou mecanismos e instituições que plasmam o compromisso com o desenvolvimento da comunidade local em termos mais ambiciosos. Exemplo disso é a Universidade Federal de Integração Latino28 -Americana – UNILA, com sede em Foz de Iguaçu. Ao congregar corpo docente e discente dos países vizinhos e de todo a região, dá vazão ao objetivo de fomentar maior intercâmbio e conhecimento mútuo entre povos que compartem fronteiras e um mesmo continente. Nesse esforço de conquistar a confiança e o engajamento de comunidades locais, o PDRSX vem trabalhando com proposta inovadora centrada na adoção de medidas antecipatórias. Trata-se de reconhecer que essas populações sofrem, muitas vezes por anos, os efeitos deletérios de uma obra antes de serem contemplados com as compensações anunciadas. A dolorosa experiência sugere que, no mais das vezes, os benefícios não compensavam os impactos socioambientais adversos da intervenção, até porque muitas vezes chegam de forma muito tardia, quando os danos já são irreversíveis, especialmente para comunidades socialmente frágeis e economicamente vulneráveis. Em última análise, no entanto, mais importante do que mitigar os impactos socioambientais de obras, sobretudo represas, é identificar oportunidade para gerar ganhos econômicos estruturantes, capazes de catalisar o desenvolvimento nacional. Sobretudo no caso de projetos de hidroelétricas, dois componentes são determinantes. De um lado, programas de democratização do acesso a serviços de eletrificação. Nada pode ser mais emblemático da exclusão dos benefícios da construção de uma hidroelétrica do que ter de continuar a viver na escuridão enquanto a eletricidade gerada em sua região – e possivelmente em seu prejuízo - ser transportado por cima de sua cabeça para benefício de indivíduos e de economias distantes. É neste contexto que se colocou a revisão de aspectos do Tratado de Itaipu, em 2007. Tão relevante para o Paraguai quanto a cláusula de revisão da tarifa paga por cessão de energia, foi o compromisso brasileiro de financiar a construção de linha de transmissão para atender o amplo segmento de país com acesso precário à energia elétrica. Os benefícios são óbvios. Abre oportunidade para a instalação no Paraguai de parque industrial baseado em atividades eletrointensivas. Adicionalmente, permite a eletrificação de número expressivo de comunidades rurais isoladas e o fim dos seguidos apagões mesmo em áreas urbanas. De outro lado, a construção de eclusas é a porta para viabilizar a transformação de bacias hidrográficas em artérias de desenvolvimento multimodal. Em vista da agenda de integração regional, hoje se torna incontornável o papel de eclusas no fomento do transporte fluvial, sabidamente mais limpo e, 29 frequentemente, mais barato que o terrestre. Como consequência, o emprego de eclusas abre oportunidade para a redução drástica dos custos de transporte e, portanto, de levar o desenvolvimento a zonas normalmente isoladas por falta de meios de comunicação e transporte competitivos. No entanto, a efetiva incorporação de eclusas a projetos de represas é frequentemente abortada por seu alto custo de instalação.19 Prevalece, como resultado, uma perversa lógica pela qual o relativo isolamento físico dessas regiões termina por frustrar a construção de eclusas que favoreceriam sua integração ao resto da economia nacional. É que a condição economicamente deprimida dessas regiões - precisamente resultante de seu isolamento físico – torna antieconômica a instalação desses equipamentos. Nesse sentido, é muito bem vinda a recente adoção no Brasil de legislação determinando a obrigatoriedade de construírem-se eclusas em futuras usinas hidroelétricas no país20. Eletrificação e eclusas são instrumentos decisivos para promover o desenvolvimento integrado de toda a região de impacto da usina. De certa maneira, a hidroelétrica de Itaipu antecipou-se de forma embrionária o conceito hoje difundido de “obra âncora”. Esse conceito está plasmado, por exemplo, no processo já referido de implementação do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX). Esse modelo favorece abordagem mais integrada e racional das múltiplas agendas e demandas interconectadas que compõem projeto dessa envergadura e ambição. Enfrentar questões como licenças ambientais, garantir benefícios e melhorias isonômicas para moradores dos dois lados da fronteira, maximizar os ganhos e minimizar as perdas resultantes da obra, são todas tarefas favorecidas por um planejamento estratégico de conjunto. Com um roteiro de trabalho claro, fica muito mais fácil antecipar-se a interesses contraditórios e compor agendas conflitantes, desarmando tempestivamente desconfianças, diluindo preconceitos e superando temores. 19 A instalação de eclusas pode onerar em mais de 30% o custo total de construção de uma hidroelétrica. 20 Embora os principais entraves à modernização e ampliação da Hidrovia do rio Paraná estejam todos a jusante, nas relações conflitivas entre Bolívia, Argentina e Uruguai, a ausência de eclusas em Itaipu é regularmente lembrada. Por detrás estão, na verdade, importantes setores domésticos que se sentem excluídos, por diferentes razões, dos benefícios da usina. Embora isso se deva a injunções políticas locais e conjunturais no Paraguai, o impacto sobre Itaipu e, indiretamente, sobre o Brasil é inevitável. 30 5.Governabilidade e transparência Esse conjunto de inovações é bem-vindo, mas, em última análise, insuficientes. Em todo o continente, na onda de uma revolução na tecnologia de informação que empo dera cidadãos mundo afora, crescem os questionamentos quanto à eficácia da ação estatal e ganham força formas informais, muitas vezes avulsas, de mobilização popular e debate público. Em meio a críticas severas ao funcionamento de instituições estatais, o cidadão sul-americano de hoje é mais consciente de seus direitos e prerrogativas. Cresce sua exigência não apenas por resultados, mas por maior participação. Exige o direito de ser consultado e de opinar. Frente à cacofonia de vozes e interesses que se multiplicam na sociedade contemporânea, seria irrealista esperar que se possa facilmente administrar essas múltiplas e, muitas vezes, contraditórias expectativas e questionamentos quando se trata de discutir a construção de uma usina hidroelétrica ou outro empreendimento de envergadura comparável. Independentemente de todos os esforços e iniciativas para criar espaços de interação e conciliação, o que os agentes públicos e privados estão a exigir é maior transparência. É necessário que se sintam partícipes em todas as etapas do processo e não meros títeres em procedimento manejado por cima e sobre qual não têm controle e influência. Em outras palavras, que se sintam partícipes do empreendimento em seu conjunto. Muitos argüirão ser irrealista pretender tal grau de democratização do processo decisório. Apontarão para a pulverização de agendas, com a multiplicação de pequenos grupos de interesse estanques, o resultado sendo um discurso político altamente fragmentado e desigual, uma espécie de anomia social coletiva. No entanto, o que se vê é, pelo contrário, sentimento emergente de consciência coletiva em torno de temas prementes – como a proteção do meio ambiente e defesa dos direitos humanos - expresso por meio de um vigoroso debate público. Graças ao poder de alavancagem dessa opinião pública tecnologicamente empoderada 24 horas por dia, as demandas e clamores de pequenas comunidades, muitas vezes isoladas, são fortemente amplificadas, logrando reverberação nacional e visibilidade mundial. A demanda por mais e melhor governança no espaço público condiciona fortemente o debate atual sobre as perspectivas de integração da América 31 do Sul. Em meio a desânimo generalizado com os frutos de décadas de retórica integracionista, corre-se o risco de cair da tentação do nacionalismo econômico fácil. Ceticismo frente à inépcia estatal alia-se à tese da proteção incondicional dos recursos naturais da nação frente à voragem expoliadora de empresas transnacionais e de vizinhos ambiciosos. Projetos de infraestrutura de grande escala tornam-se alvo conveniente de cruzadas ambientalistas tendo como liga a retórica anti-imperialista e antigoverno. Se transparência é a palavra de ordem no debate doméstico nos países da região, ganha ainda maior transcendência em se tratado de obras e projetos binacionais. É impossível subestimar o impacto de projetos da envergadura de uma hidroelétrica binacional sobre a economia e a sociedade de sócios menores. Com a eventual exceção da Argentina e da Colômbia, quase certamente jamais manejaram projetos de igual magnitude em termos de impacto socioambiental e de complexidade técnico-financeira. A limitada capacidade local significa que grande parte das obras terá de ser executado por empresas estrangeiras, restando às locais um papel subsidiário. Inevitavelmente, geram-se tensões em torno da questão dos impactos, e acirra-se a competição por acesso aos recursos e oportunidades financeiras, empregatícias e técnicas que as obras descortinam. Os desdobramentos se fazem sentir, muitas vezes, na esfera institucional, que terá de arbitrar conflitos de demandas e reivindicações em escala e complexidade muito além da experiência ou mesmo capacidade técnica das instituições locais (Santos, 2014). Como adequadamente responder a essa expectativa de maior transparência em obras binacionais? 5.1 Seleção Um primeiro exercício de transparência deveria dar-se na fase de definição de quais projetos merecem prioridade. Sobretudo em se tratando de projetos bi ou plurinacionais, parece desejável que reflitam, mais do que um consenso regional, a expressão de visão holística das obras necessárias para consolidar os principais eixos de integração energética do continente. Ou seja, que realmente contribuam para a tão almejada integração regional e não alimentem rivalidades econômicas ou geoestratégicas entre vizinhos. Foi esse o sentido da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana – IIRSA, inspirada na experiência brasileira de planejamento e em estudos desenvolvidos com foco na integração da infraestrutura logística do país, financiados pelo BNDES. A IIRSA representa iniciativa multinacional, 32 multissetorial e multidisciplinar que contempla mecanismos de coordenação entre governos, instituições financeiras multilaterais e o setor privado.21 Em que pese toda essa ampla arquitetura institucional, a IIRSA tornou-se alvo de um debate ideologizado, não conseguindo mediar construtivamente o debate entre ambientalistas radicais e comunidades locais, de um lado, e defensores dessas obras de infraestrutura como fator de desenvolvimento indispensável no combate à pobreza, de outro. Sintomático da incapacidade de fazer grupos mais ativistas sentirem-se partícipes do processo, o lobby ambientalista chegou a mobilizar até personalidades internacionais.22 Incorporada posteriormente no âmbito da UNASUL, a IIRSA continua incapaz de construir consensos mínimos em torno do objetivo maior de promover o desenvolvimento com qualidade ambiental e social. A própria UNASUL, parece ter perdido grande parte de seu dinamismo como instrumento de construção de agendas e consensos regionais. As comissões técnicas, que incluem a agência sucessora da IIRSA, não parecem capazes de promover eficaz interlocução entre as instâncias técnicas e governamentais, de um lado, e as comunidades locais, ativistas e a cidadãos interessados. Essa proliferação de mecanismos, agências e vozes termina em debate estéril ou, pior, contraproducente, na medida em que termina alimentando e reforçando, de lado a lado, visões preconceituosas. Ao nacionalismo econômico que questiona os motivos de grandes empreiteiras e bancos transnacionais se contrapõe outro nacionalismo. Esse que denuncia que muitos atores ambientalistas são subsidiados por governos estrangeiros, de países desenvolvidos, interessados em inviabilizar a integração e, portanto, o desenvolvimento do continente sul-americano.23 5.2 Financiamento À luz das controvérsias sobre agendas geoestratégicas por detrás de projetos de infraestrutura regional, impõe-se um segundo exercício de transparên21 Ademais do BNDES, a IIRSA também é financiada, desde sua criação, pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), pela Corporação Andina de Fomento (CAF), o Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata (FONPLATA). 22 Tais como o cineasta americano James Cameron, reconhecido ativista em temas ambientais. 23 Exemplifica os riscos envolvidos a negociação junto ao BNDES de acordo para financiar conjunto ambicioso de obras de infraestrutura no Equador. Aprovada a pedido do governo do então presidente Lucio Gutierrez, a lista de projetos foi drasticamente revista semanas depois, com seu afastamento do poder. 33 cia: o processo de aprovação de financiamentos para esses empreendimentos. Não há como subestimar o peso decisivo das linhas de crédito oferecidas por instituições bancárias nacionais ou multinacionais na concretização desses projetos. Pela presença maciça do BNDES e do Banco do Brasil nessas operações, inevitavelmente surgem questionamentos sobre as intenções e objetivos brasileiros.24 Revela-se determinante a articulação entre empreiteiras brasileiras interessadas em exportar seus serviços e contrapartes empresariais e governamentais nos países beneficiários. Essas empresas brasileiras têm-se revelado extremamente hábeis e ativas em identificar potenciais oportunidades comerciais em países vizinhos e, mais ainda, em estabelecer nexos com instâncias locais. Assim, à margem de filtros institucionais prévios, essas propostas são levadas à deliberação do Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações – COFIG para enquadramento, isto é, avaliação da viabilidade técnica da proposta de financiamento. A aprovação final no âmbito da CAMEX torna-se, no mais das vezes, pró-forma. Na sequência, cabe à instância bancária financiadora, no mais das vezes, o BNDES, verificar que a legislação e o arcabouço regulatório no país onde a obra será executada sejam adequados. Isto é, assegurar a proteção e condicionantes, sobretudo no campo dos impactos socioambientais, ao menos tão exigente e rigoroso quanto o brasileiro. No entanto, o BNDES se exime de intervir na supervisão da execução da obra, de forma a assegurar o pleno cumprimento da própria legislação local25. Justifica-se com a alegação de que, por se tratar de banco estatal, qualquer tentativa de estipular condicionantes dessa natureza será facilmente interpretada como exercício de ingerência indevida nos assuntos internos do outro país. Esse argumento não se sustenta uma vez que a decisão original de financiar – ou não - a obra já caracteriza uma interferência em sentido estrito. Supervisionar a execução é, em última análise, apenas conseqüência da decisão original de oferecer o financiamento. Zelar pela boa execução da obra constitui uma obrigação de prestação de contas não apenas perante o contribuinte brasileiro, mas também perante 24 Não faltaram vozes, no Equador, que acusassem o Brasil de ser conivente com os excessos e abusos do governo deposto, ao oferecer-se para financiar agenda de obras considerada politicamente motivada, mas economicamente insustentável. Chamava a atenção especialmente a inclusão na listagem de projeto de ampliação do aeroporto na cidade interiorana de Tema. Justificada por Gutierrez como parte de esforço de interiorizar o turismo, adversários recordavam que Tema é o berço eleitoral de Gutierrez. 25 Existe o recurso a uma auditoria interna para averiguar potenciais impactos socioambientais, mas não se tem conhecimento de que tenha sido alguma vez acionada. 34 obrigações contatadas pelo Estado brasileiro internacional e regionalmente, sobretudo no campo da proteção dos direitos humanos e do meio ambiente. As implicações dessa falsa dicotomia ficam patentes à luz de desdobramentos recentes, que desafiam o BNDES a revisar a metodologia de financiamento dessas megaobras. Junto com o aumento no número e na envergadura dos projetos, aumentam os conflitos e o desgaste resultantes de obras muitas vezes executadas sem o desejável acompanhamento e fiscalização. Em alguns casos, a falta de transparência na aprovação e, portanto de legitimidade tem levado ao cancelamento de obras, a grande custo em termos de desgaste político e má aplicação de recursos públicos. O caso mais notório diz respeito a projeto de construção de estrada na Bolívia atravessando o TIPNIS26, um território que combinava santuário ecológico com reserva indígena. Conquanto o projeto, em linha com diretrizes do BNDES, atendesse plenamente às exigências e condicionalidades da legislação boliviana (e brasileira), sua execução foi logo interrompida. A insatisfação das comunidades locais com o proposto trajeto da estrada (que cortaria o parque ao meio) foi multiplicada pela violenta repressão de forças policiais a protestos e mobilizações denunciando a falta de efetiva consulta às comunidades locais. A resultante decisão do BNDES de não dar seguimento ao financiamento inviabilizou a continuidade do projeto, cuja suspensão o Governo boliviano decidiu debitar à conta da empreiteira brasileira responsável pela execução da obra. Caiu-se no pior dos mundos. O oferecimento de financiamento brasileiro resultou em: i) custos financeiros para o BNDES; ii) acirramento de tensões sociais e políticas na Bolívia; e iii) desgaste da imagem internacional do empresariado brasileiro. O desengajamento do BNDES do processo de supervisão da execução de obras no exterior deriva das origens do mecanismo de financiamento. Num primeiro momento, essa linha financiava a exportação de bens e serviços relativamente simples, o caso de veículos e alimentos, por exemplo. Os mecanismos de controle e supervisão imaginados para esse tipo de exportação são claramente inadequados quando, nos últimos dez anos, passou-se a financiar obras de infraestrutura de grande envergadura, com impacto incalculavelmente maior sobre a realidade local. Mais recentemente, o BNDES vem ganhando valiosa experiência na gestão de megaprojetos nacionais, caso mais recentemente de Belo Mon26 Territorio Indígena y Parque Nacional Isiboro-Secure. 35 te, marcado por com notáveis complexidades socioambientais. Os resultados se espelham na adoção de uma Agenda de Desenvolvimento Territorial do Xingu (ADTX), já referida acima, que o próprio banco vem aprimorando. Apesar das dificuldades inerentes já referidas, procedimentos que garantam adequada supervisão dos impactos são ainda mais prioritários em obras com repercussões e implicações para a agenda externa do país. É de se esperar, portanto, que metodologia semelhante possa ser adotada em futuros projetos binacionais. A liderança que o Brasil legitimamente tenciona exercer na esfera regional não será completa nem consistente se não incluir compromisso com o aperfeiçoamento dos mecanismos de promoção de valores e objetivos plasmados tanto na ordem jurídica nacional como nos instrumentos multilaterais de que o Brasil é signatário. Jamais se alcançará a integração regional - compromisso pétreo consagrado na Constituição Federal – sem a plena observância dos direitos humanos e a proteção do meio ambiente, igualmente pilares do ordenamento interno brasileiro. 5.3 Custos e Benefícios Avaliação dos custos e dos benefícios potenciais da implementação de projeto de usina é outro campo onde se faz necessária maior transparência. No caso de Itaipu, o elemento mais visível – e controvertido – dessa equação é o preço pago pelo Brasil pelo direito de usar a energia excedente do lado paraguaio. A fórmula adotada derivou de complexa fórmula que espelhava a curva de repagamento da dívida contraída pelo Brasil para financiar a totalidade da obra. A opacidade desses números para o leigo é agravada pelas injunções imprevisíveis das condições financeiras internacionais e domesticas que impactaram diretamente a execução da obra e, portanto a formação do preço da tarifa. Como ficou claro na renegociação do índice de correção, em 2007, é difícil dar um lastro mais tangível ao cálculo desse valor, de forma a ancorar politicamente a fórmula do aumento27. As críticas mais severas em relação à tarifa podem ser minoradas significativamente. De um lado, pela adoção de regime flexível de contratação de energia. Ao permitir a outros potenciais compradores acesso à energia excedente, esvazia-se a tese de que a tarifa vigente resulta de uma imposição monopolís27 Pelo acordo a remuneração do Paraguai pela energia cedida aumentou quase 200%. Como resultado, fica a impressão da arbitrariedade do valor estipulado, o que abre a porta para novas reivindicações. 36 tica do Brasil. Isto se torna possível em parte pelas condições mais favoráveis de financiamento atualmente vigentes para obras daquela envergadura, em função da liquidez do mercado internacional, da maior capacidade de o Brasil captar recursos e do valor de energia em geral no mercado internacional. De outro lado, um regime escalonado de cessão de energia que priorize a demanda doméstica desse país. Assegura-se ao sócio do Brasil acesso a toda a energia de que precisar à medida que sua economia e a demanda interna exigirem. Fica assim claro que a cessão de energia não está de forma alguma condicionada ou limitada por força da obrigação de exportar ao Brasil e atender prioritariamente sua demanda energética (Castro; Brandão, 2009). Outra medida determinante para a percepção de transparência é a promoção de paridade entre o Brasil e seu (s) sócio(s) na distribuição de funções e responsabilidades na administração do ente. Como se viu na Itaipu Binacional, poderá ser preciso, de início, haver predomínio de brasileiros em setores mais sensíveis – gestão financeira – em função de limitações técnicas do outro lado, pelo que importa colaborar para a pronta capacitação de especialistas do outro país. Isto não só desautoriza críticas de hegemonia brasileira, mas maximiza a capacitação dos técnicos e gestores do lado não-brasileiro. Devidamente profissionalizados, esses quadros serão os maiores defensores do empreendimento dentro e fora de seu país. Pela mesma lógica, convém promover a maior participação de empreiteiras e de técnicos do outro país na obra, pois eles terão empenho e credibilidade para defender as decisões e critérios adotados em obra que sentem que lhes “pertence”. Na contramão do que tem sido a prática de empresas chinesas operando no exterior, no bojo do planejamento do projeto, deve-se instituir o treinamento e capacitação obrigatórios de mão de obra do outro país, facilitando sua absorção na obra e posteriormente no mercado de trabalho. Em tempos de graves questionamentos sobre a governança de grandes empreendimentos com grande capacidade de geração de recursos, o modelo de Itaipu também chama a atenção pelo fato de ser constituído por entidade binacional autônoma e autossuficiente. Ao mesmo tempo em que essa autonomia implica menor transparência28 - não presta contas ao Fisco brasileiro ou paraguaio – também sugere menor espaços para ingerências políticas. 28 No Paraguai, critica-se o fato de os recursos auferidos com Itaipu serem canalizados diretamente para iniciativas e programas do Governo, sem que tenham que passar pelo crivo do Parlamento e, portanto, da oposição. 37 6. Conclusão A integração econômica é um imperativo impostergável para que a América Latina possa assegurar níveis de eficiência que lhe permite integrar-se competitivamente numa economia mundial cada vez mais comandada por cadeias globalizadas de produção. A interconexão energética constitui – junto com as comunicações e os transportes – eixo crucial desse processo. O regime energético brasileiro, centrada na hidroeletricidade e complementada por fontes alternativas renováveis, oferece a melhor opção para vertebrar essa integração em escala continental. Itaipu Binacional foi exemplo precoce do que se pode alcançar mediante a colaboração de países vizinhos para aproveitar de forma conjunta e racional recursos naturais compartilhados. Conquanto jamais possa representar um molde ou modelo único, Itaipu Binacional oferece um paradigma e uma inspiração. Itaipu inaugurou o conceito de obra de infraestrutura como âncora de projeto de desenvolvimento econômico e social de um entorno muitas vezes historicamente deprimido e marginalizado. Crucial para o êxito desse modelo demonstrou a necessária adaptabilidade institucional para fazer frente a sensibilidades e desafios emergentes, caso do respeito ao meio ambiente e às comunidades locais impactadas. Passado quatro décadas, permanece o desafio da integração energética para fazer frente ao desafio de ampliar a oferta de energia para atender à crescente demanda em toda a região. Mas também muita coisa mudou. Vivemos em região plenamente democratizada, cujos cidadãos estão cada vez mais conscientizados de sua responsabilidade na promoção de agendas cruciais ao desenvolvimento sustentável: mudança climática, preservação da biodiversidade, defesa dos direitos humanos, inclusão social e autodeterminação econômica. Também aumentaram as expectativas em relação ao Brasil, muitas vezes contraditórias. Pelos avanços técnicos e escala econômica que o país alcançou, espera-se, mais do que nunca, liderança brasileira do processo. Ao mesmo tempo, antecedentes recentes, envolvendo controvérsias sobre obras em curso ou planejadas, fazem do Brasil alvo prioritário de críticas e questionamentos. Essa assimetria crescente entre o Brasil e seus vizinhos por vezes é sequestrada por agendas nacionalistas e amplificada pela falta de um consenso mínimo na região sobre questões políticas, macro e microeconômicas básicas. 38 Isto se reflete na perda de dinamismo dos foros responsáveis por essas agendas, em particular o Mercosul e a UNASUL. Se na esfera sul-americana as possibilidades são distantes, são ainda mais no caso latino-americano, onde o arcabouço institucional ainda é incipiente29 e a atuação se resume a colaboração no financiamento de alguns projetos na América Central e execução de obras no México. Esses novos atores e suas agendas – sensibilidade para agenda de impactos socioambientais, opinião pública e comunidades locais mobilizadas, fragilização da agenda de integração regional - explicam as crescentes dificuldades enfrentadas para cumprir os cronogramas de entrada em funcionamento de megaprojetos, em particular, hidroelétricas. Não há resposta única nem simples para essa conjuração de fatores. Há claramente uma demanda por um modelo regulatório em escala continental para esses empreendimentos, capaz de atender às demandas e expectativas emergentes. Essa não é, no entanto, uma perspectiva de curto ou médio prazo. Protestos, invasões de canteiros, revisão de projetos, atraso na concessão de licenças ambientais. São todas manifestações de uma desconfiança generalizada com a falta de transparência com que a maioria dos projetos ainda hoje é conduzida. Medidas de mitigação e mesmo medidas de compensação prévia, que se antecipam aos potenciais impactos, são bem-vindas, mas em última análise, insuficientes. É preciso identificar formas inovadoras de inclusão desses novos atores e agendas.Valendo-se da linguagem de mercado, é preciso desenvolver fórmulas e foros que permitam ir além da consulta aos “shareholders” – os tradicionais “acionistas” com representação institucional garantida. Cumpre trazer à mesa os demais “stakeholders”, de modo que a comunidade de indivíduos e grupos que se sentem afetados de um jeito ou outro se sintam consultados e, portanto co-responsáveis e não apenas eventual beneficiários de migalhas de projeto controlado por terceiros. É preciso ir além de consulta pró-forma, quando tudo já está definido, inviabilizando qualquer contribuição efetiva dos excluídos que não seja o veto beligerante ou o consentimento apático e desconfiado. 29 A Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos - CELAC ainda está em etapa de conformação, enquanto a Comissão de Integração Energética Regional - CIER é entidade não governamental dedicada à coordenação das empresas do setor elétrico na América do Sul, mas conta com observadores da centro-americanos. 39 A resposta para garantir a viabilidade sociopolítica desses empreendimentos passa pela construção de metodologias baseadas em consultas, participação social e alianças entre todos os segmentos: público, privado e o terceiro setor. Haveria talvez que ousar mais e buscar formas de participação institucional mais direta e ativa dos distintos grupos de “stakeholders” nas instâncias e conselhos deliberativos formais que administram esses mega-empreendimentos. Os resultados positivos já colhidos devem ser tomados como estímulo para continuar a pensar e agir, em novas bases, na preparação e viabilidade sociopolítica de grandes projetos na Amazônia. Referências Bibliográficas BIATO, M.; CASTRO, N. J. Integração regional na América do Sul e o papel da energia elétrica. GESEL/IE/UFRJ, Texto de Discussão do Setor Elétrico n° 32, 2011. BERTINAT, P.; ARELOVICH, L.. Los desafíos de la integración energética: una introducción necesaria. Energía y equidad. Ano 2, nº. 3, 2012, pp. 5-14. CASTRO, N. J. O Papel do Brasil no Processo de Integração do Setor Elétrico da América do Sul. Rio de Janeiro. GESEL – Instituto de Economia-UFRJ, Texto de Discussão do Setor Elétrico n.º 23, 2010. CASTRO,N.J.; BRANDÃO, R. Las Negociaciones con Paraguay sobre la Energia de Itaipu. Rio de Janeiro. GESEL/IE/UFRJ,Texto de Discussão do Setor Elétrico n°2, 2009. CASTRO, N. J.; ROSENTAL, R.; GOMES, V.J.F. 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Condições Econômicas e Institucionais para a Integração Energética na América do Sul. Dissertação de Mestrado no Instituto de Economia/UFRJ, 2005 42 Modelos jurídicos e institucionais de integração energética: União Europeia e Mercosul em perspectiva comparada Eleonora Mesquita Ceia1 Willian Gonçalves Ribeiro2 1. Introdução A energia é uma área política vital para o desenvolvimento econômico e social de qualquer país. A mesma premissa vale para um grupo de países que se unem visando o bem-estar comum de suas populações, como, por exemplo, a União Europeia e o Mercosul. Contudo, tais organizações internacionais são desafiadas com o problema de definir a melhor forma de integrar os seus setores e mercados de energia. Deve a regulação do mercado de energia ser de competência de órgãos supranacionais? Ou deve tal regulação ser alcançada mediante a celebração de tratados de cooperação intergovernamental, de forma a preservar a soberania dos Estados sobre suas fontes energéticas? Essas questões evidenciam que a energia é um problema de integração dos principais blocos econômicos contemporâneos. Com efeito, a energia sempre foi considerada tema sensível ligado à soberania do Estado, por ser visto como um bem de sua propriedade, vital para o seu desenvolvimento. Este “sentido de posse” – sense of possession – descrito por Daintith e Williams (1987, p. 3), pode acarretar uma resistência por parte dos governos nacionais à ideia de participação em mercados energéticos unificados com outros países. Por outro lado, a integração no campo da energia pode apresentar soluções a desafios oriundos do panorama mundial contemporâneo, tais como 1 Doutora em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade do Sarre, Saarbrücken, Alemanha. LL.M. em Direito Europeu pelo Europa-Institut da Universidade do Sarre, Saarbrücken, Alemanha. Professora Adjunta de Direito Constitucional e Direito Internacional Público da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), Rio de Janeiro, Brasil. 2 Advogado atuante na área de Direito de Energia. Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), Rio de Janeiro, Brasil. 43 o crescente consumo energético, a escassez de recursos, a pressão sobre os preços, os conflitos pelo acesso às fontes energéticas e calamidades ambientais. Com efeito, “atualmente a redução das reservas mundiais de petróleo, sem que novas sejam descobertas, e o aumento da demanda por parte de economias que crescem em ritmo intenso, acirram a disputa em torno do acesso à energia” (Zanella, 2009, p. 18). Nesta perspectiva, a integração na área energética oferece um vasto potencial de complementaridade entre produtores e consumidores de determinada região, o que viabiliza reais oportunidades de aproveitamento racional, conjunto e equilibrado das fontes de energia disponíveis. Custos e benefícios são compartilhados e investimentos em pesquisa e segurança energética potencializados. Tanto a União Europeia quanto o Mercosul enfrentam dificuldades peculiares ao seu respectivo perfil energético regional. A União Europeia tornou-se dependente de importações de fontes convencionais de energia provenientes de diferentes regiões do mundo, como o Norte da África e o setor norueguês do Mar do Norte. Cumpre ressaltar o papel da Rússia, principal fornecedor de gás da União Europeia, que utiliza suas fontes energéticas como instrumento de política exterior (Ceia, 2008, p. 10). Por sua vez, o Mercosul, região abundante em riquezas energéticas, não logrou ainda implementar um projeto integracionista em energia capaz de garantir melhorias das condições socioeconômicas de suas populações. O presente artigo propõe-se a analisar, recorrendo ao método comparativo, os modelos jurídicos e institucionais de integração energética adotados na União Europeia e no Mercosul. A escolha de investigar as experiências destes dois blocos econômicos no campo da energia justifica-se pela importância de ambos no cenário mundial e pelas suas estreitas relações políticas, comerciais e econômicas, bem como pelos desafios comuns que enfrentam com respeito à escassez e à competição por fontes energéticas. O artigo está organizado da seguinte forma: na primeira seção do artigo são expostos o conceito e os fundamentos da integração energética. A segunda seção trata da integração energética na União Europeia, abordando seu histórico e suas características, como também suas normas e instituições. A terceira e última seção apresenta a mesma análise, porém referente à integração energética no Mercosul. Por fim, a conclusão oferece os resultados do exame comparativo entre os modelos jurídico-institucionais adotados pela 44 União Europeia e pelo Mercosul no campo energético, buscando enfatizar suas similitudes e diferenças principais. 2. A integração energética Conforme a perspectiva da globalização, é pressuposto para o crescimento econômico dos países a internacionalização de seus mercados e de suas economias, o que fez surgir uma série de projetos de integração regional, sobretudo a partir da década de 1980. Com exceção da União Europeia, esses blocos de integração regional concentraram-se no incremento de suas relações comerciais, preterindo as discussões de questões políticas e sociais. Foi o caso dos blocos de integração sul-americana. Na América do Sul, a década de 80 registra uma série de acordos intergovernamentais que pareciam reacender a consciência de interdependência entre os países da região. A reformulação de velhos esquemas e a assinatura de novos convênios de integração, entretanto, propunham-se mais a organizar a estrutura produtiva, para interconectá-la aos mercados mundiais, como fornecedora de matérias-primas e de produtos primários, do que organizar instituições e economias num sistema cooperativo regional que promovesse o desenvolvimento equilibrado dos países envolvidos (Zanella, 2009, p. 84-85). Ao contrário, a União Europeia, desde seu início, propôs um projeto de integração para além da economia, buscando concretizar a coordenação e a unificação de políticas em variados campos, dentre eles, a energia. De fato, a energia foi fator de impulsão da evolução do bloco europeu, cuja origem reside em acordos energéticos. A integração energética pode ser definida como uma opção estratégica de política externa, que visa ao estreitamento das relações entre diferentes Estados na área da energia. Tal aprofundamento das relações interestatais ocorre mediante a integração de serviços, tecnologias, infraestruturas, produção, distribuição e consumo de energia. O tema da energia está diretamente relacionado à segurança e ao desenvolvimento socioeconômico e, com isso, em última análise, à soberania do Estado. Por consequência, qualquer esquema de integração regional, que almeja o crescimento de suas economias e o bem-estar de suas populações, deve incluir dentre seus objetivos a cooperação energética entre os seus membros. 45 Portanto, soberania deve ser entendida neste contexto como a atuação livre dos Estados que persegue a integração e não a autonomia energética. Nesse processo, a energia deve ser vista como um direito e não uma mercadoria.Vale dizer, a energia é fator primordial de realização da justiça social – devido à sua importância para a criação de empregos, a prestação de serviços sociais básicos e a melhor distribuição de renda – e não mera matéria-prima a ser comercializada por grandes empresas e escoada para os grandes centros industriais. Em síntese, os frutos da integração energética devem ser revertidos em benefício da promoção de bem-estar comum e à redução das desigualdades sociais. Disso resulta a relevância da presença e da atuação do Estado na condução do processo de integração energética (Zanella, 2009, p. 132). Dentre os desafios para uma integração energética regional destaca-se a regulamentação do setor, ou seja, “a presença de instrumentos jurídicos sólidos e de uma estrutura institucional forte, capaz de dar suporte às relações de interdependência energética” (Zanella, 2009, p. 123). Diversos são os instrumentos disponíveis para regulamentar a integração no campo da energia entre diferentes países. Desde a ratificação de tratados internacionais que criam projetos intergovernamentais em cooperação energética, até a criação de instituições supranacionais que se sobrepõem à vontade dos Estados na condução do processo de integração. Seja qual for a via escolhida, é indispensável a adoção de um marco regulatório energético comum entre os países envolvidos no esquema integracionista, a fim de garantir a segurança jurídica às iniciativas e aos projetos comuns. A partir da próxima seção serão examinados os mecanismos de regulamentação implementados na União Europeia e no Mercosul em seus respectivos processos de integração energética. 3. A integração energética na União Europeia A segurança energética é tema central da agenda política da União Europeia, em virtude do seu problema de crescente déficit energético. Tal questão revela-se grave, sobretudo, por conta da dependência do bloco europeu de fontes energéticas estrangeiras. A proposta de solução para enfrentar tal quadro foi a integração na área da energia entre os países que compõem a União Europeia. 46 Esta seção propõe-se a analisar o modelo jurídico-institucional da integração energética entre os países da União Europeia, o qual, como será visto, possui como característica principal o instituto da supranacionalidade. 3.1 Histórico Desde o começo do projeto de integração europeia, na década de 1950, a energia sempre representou um tema de relevância tanto política quanto econômica para a evolução do bloco europeu. Para comprovar tal afirmação basta relembrar que os primeiros esquemas de integração entre os países europeus, no Pós II Guerra, versavam sobre a gestão, a produção e a distribuição energética, a saber: a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) em 1951 e a Comunidade Europeia da Energia Atômica (EURATOM) em 1957. De fato, a história da União Europeia inicia-se no início dos anos 1950, ou seja, no pós II Guerra Mundial. A formação da União Europeia tem ligação estreita com este conflito internacional, na medida em que o processo de integração europeu surge com o objetivo de manter a paz entre os povos europeus (Pfetsch, 2001, p. 19ss). A paz somente seria possível com a união dos Estados europeus. A ideia era de que unidos numa única organização, na qual a soberania de todos estaria limitada, nenhum Estado se sobreporia ao outro. O marco inicial da integração europeia foi a criação da CECA instituída pelo Tratado de Paris em 1951. Tal Comunidade surgiu a partir da ideia de França e Alemanha de reunir a sua produção de carvão e aço. Tal integração tinha tanto objetivos econômicos como políticos (Pfetsch, 2001, p. 31-32). Os objetivos econômicos eram estabelecer a livre circulação do carvão e do aço; velar pelo abastecimento regular; garantir a igualdade de acesso às fontes de produção; e assegurar preços mais baixos. Já o objetivo político eram claramente o reforço da solidariedade franco-alemã; o afastamento do espectro da guerra; e a abertura de uma via para a integração europeia. No início, contava apenas com França e Alemanha e, posteriormente, aderiram à Comunidade Itália e os Países do Benelux. A CECA teve uma vigência limitada a 50 anos, caducando em julho de 2002, e ficando os âmbitos de decisão dentro da atual União Europeia. Em 1957 os Tratados de Roma fundaram a Comunidade Econômica Europeia (CEE) e a EURATOM. A CEE tinha como objetivo criar um mercado comum entre os seus Estados-membros (que eram os mesmos membros 47 da CECA). Quer dizer, além da eliminação das restrições comerciais e a adoção de uma política comercial comum para com terceiros países, almejava a livre movimentação de capitais, mão de obra e serviços. Por sua vez, a EURATOM tinha como objetivos estabelecer um mercado comum de produtos nucleares, o desenvolvimento pacífico da energia nuclear entre os seus países membros (os mesmos da CEE) e o compartilhamento do conhecimento e infraestrutura para garantir a segurança nuclear na região. A EURATOM se mantém em vigor até hoje. Estas três Comunidades Europeias (CECA, CEE e EURATOM), graças à assinatura dos seus Estados-membros do Tratado de Fusão (ou Tratado de Bruxelas) de 1965 tinham um mesmo poder executivo e partilhavam as mesmas instituições e órgãos a partir de então.Tais instituições eram: Conselho de Ministros, Comissão (órgão supranacional), Parlamento Europeu e Tribunal de Justiça. Em razão do seu sucesso econômico e político o processo de integração europeu recebeu novos membros por meio de processos de alargamento sucessivos desde os anos 1970, totalizando hoje 28 Estados-membros. Ao lado disso, os seus principais tratados passaram por revisões importantes, cujo objetivo era garantir a eficiência de atuação do bloco e sua evolução na sequência das fases de integração econômica. Entre tais revisões destaca-se o Tratado de Maastricht de 1992, que criou a União Europeia – organização supranacional, à qual as três comunidades (CECA, CEE e EURATOM) foram incorporadas – e a União Econômica e Monetária, que previa a adoção do Euro. Cumpre ressaltar outra revisão de destaque, qual seja, a do Tratado de Lisboa, que entrou em vigor em 2009 e foi resultado do período de reflexão após o fracasso do Tratado Constitucional em 2005. Tem como principal objetivo conferir mais eficácia e coerência ao relacionamento da União Europeia com a sociedade internacional e torna-la mais próxima dos cidadãos europeus. Com o Tratado de Lisboa a União Europeia adquire personalidade jurídica única, deixando de existir a dualidade entre Comunidade Europeia e União Europeia. Vale dizer, a nova União Europeia detentora de personalidade jurídica internacional substituiu a anterior União Europeia sem personalidade jurídica, como também a Comunidade Europeia. Esta deixa de existir como instituição autônoma e todas as suas atividades são transferidas à União. Em 2008 a União Europeia enfrenta uma grave crise financeira, que divide o bloco europeu na visão de Beck (2012, p. 20-21): 48 A crise e os programas para salvar o euro realçam os contornos de uma outra Europa, uma Europa dividida, separada por novos fossos e novas fronteiras. Um destes fossos passa entre países do Norte e países do Sul, entre Estados credores e Estados devedores. Uma outra fronteira separa os Estados da zona euro, forçados a agir, dos Estados-membros da UE que não aderiram ao euro e que são obrigados a assistir à tomada de decisões fundamentais para o futuro da União sem a sua participação. Nas eleições nos países devedores surgiu um terceiro fosso fundamental cujas consequências políticas serão de longo prazo: os governantes votam a favor dos pacotes de austeridade, as populações votam contra. Este processo torna visível a tensão estrutural entre um projeto europeu apresentado e gerido de cima pelas elites políticas e económicas e a resistência de baixo. [...] Não só em Atenas, mas por toda a Europa, cresce a resistência a uma política de resolução da crise que abre caminho a uma redistribuição de baixo para cima – segundo a máxima: “socialismo de Estado para os ricos e os bancos, neoliberalismo para a classe média e os pobres”. Esta crise atinge principalmente a Grécia, a Espanha e Portugal, que se veem obrigados a adotar medidas drásticas de ajuste fiscal para o recebimento de ajuda financeira da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional. Como indicado, essa crise levanta o debate acerca da crise da própria democracia europeia, como resultado da ênfase do mercado em detrimento da proteção dos direitos fundamentais sociais. 3.2 Características A União Europeia é exemplo de organização supranacional, caracterizada pelo fato de que a soberania dos seus Estados-membros é limitada. O fato de a União Europeia adotar a supranacionalidade como modelo jurídico de integração não é por acaso. Há uma razão para isso. Como explicado anteriormente, a União Europeia surge no período pós II Guerra Mundial, em que o conceito tradicional de soberania passa a ser relativizado. Precisamente a grave violação de direitos humanos perpetrados pelo regime nazista durante a II Guerra impulsionou a criação de normas e instituições internacionais capazes de assegurar o respeito à dignidade humana, bem como a responsabilização dos Estados no plano internacional. Com isso, é clara a relativização da noção tradicional de soberania dos Estados, que passou a incorporar em seu conceito compromissos e obrigações 49 de alcance internacional no que se refere à proteção de direitos humanos. Quer dizer, os Estados soberanos não estão submetidos ao poder de qualquer outro Estado, mas, por outro lado, se submetem às regras do direito internacional em prol da proteção dos direitos humanos. A União Europeia surge exatamente no período pós II Guerra Mundial e sua formação é, naturalmente, influenciada por essa ideia de mitigação do conceito de soberania estatal em favor da proteção da pessoa humana, precisamente porque a Europa foi o principal palco das atrocidades cometidas durante a II Guerra. Desse modo, a União Europeia incorpora o conceito mitigado de soberania e, no seu bojo, o flexibiliza ainda mais. Isso porque no âmbito do bloco europeu, os Estados aceitam delegar competências às instituições comunitárias superiores, e passam a se submeter às decisões emanadas destas. São as chamadas instituições supranacionais. Por consequência, a União Europeia consagra um modelo de soberania compartilhada entre os seus Estados-membros e as suas instituições comunitárias. Aqueles cedendo parte de sua soberania (parte de suas competências estatais) em favor destas.Disso resulta que o sistema político da União Europeia apresenta diferentes níveis de governança, o que é denominado pela doutrina de governança multinível, que corresponderia ao processo de tomada de decisão complexo adotado pela União, com várias camadas que se desenvolve dentro e acima do Estado (Machado; Del’Olmo, 2011, p. 151). A União Europeia é caracterizada como uma organização internacional supranacional de natureza sui generis, pois não se encaixa em nenhuma forma de Estado ou conglomeração de Estados existente. Trata-se de uma organização internacional diferente das demais com certas peculiaridades. O seu diferencial é exatamente o compartilhamento da soberania, em que os Estados delegam parcelas de suas competências estatais para serem exercidas por instituições supranacionais, que são aptas a conduzir os interesses do bloco. Os Estados europeus concordaram em delegar parcela de sua soberania, exatamente para mitigar a figura do Estado soberano de atuação e ambição ilimitada que produziu guerras no continente. A ideia era que instituições acima dos Estados contivessem e de algum modo controlassem as suas ambições e condutas. Não somente as instituições da União Europeia são supranacionais, como também as normas produzidas por elas. Tais fontes compõem o chamado 50 Direito Comunitário, que é ramo autônomo do Direito que se associa ao instituto da supranacionalidade. As fontes do Direito Comunitário gozam de primazia sobre as normas nacionais, ou seja, não podem ser revogadas ou alteradas por lei nacional posterior. E, em caso de antinomia entre norma comunitária e norma nacional, a comunitária possui a precedência, mesmo em se tratando de norma nacional de hierarquia constitucional (Machado; Del’Olmo, 2011, p. 182). Além disso, as fontes do Direito Comunitário possuem aplicabilidade imediata, isto é, suas normas não precisam ser internalizadas como normas de tratados internacionais ordinários. Elas adquirem imediatamente o status de direito nacional quando da sua promulgação pelos órgãos comunitários. Por conseguinte, as normas comunitárias entram em vigor em todos os Estados-membros ao mesmo tempo e a partir desse momento qualquer pessoa pode invocar diretamente tal norma perante o seu judiciário nacional (Machado; Del’Olmo, 2011, p. 179). A aplicabilidade imediata do direito comunitário é prova clara da soberania limitada no âmbito da UE. Isso porque a aplicabilidade imediata implica a aceitação por parte de um Estado de que existam normas editada por organismos externos, as quais passam a vigorar no momento de sua publicação externa. Em resumo, o Direito da União Europeia é uma ordem jurídica própria independente dos sistemas jurídicos nacionais, caracterizada pela aplicabilidade imediata e primazia de suas normas.Tal conjunto de características revela o tipo inédito de organização supranacional que propõe um nível aprofundado de integração entre os seus membros, dotada de órgãos e competências executiva, legislativa e jurisdicional próprias, independência funcional em relação aos seus Estados-membros, autonomia financeira e sistema de tomada de decisão baseado na maioria. 3.3 Quadro normativo As primeiras normas jurídicas de integração na Europa foram tratados internacionais de cooperação energética, a saber: os tratados que estabeleceram a CECA (1951) e a EURATOM (1957). O objetivo da CECA era o controle coletivo das duas principais matérias-primas para o crescimento do setor industrial e, por conseguinte, para a reconstrução do continente após a II Guerra Mundial. 51 Apesar desse começo promissor, o desenvolvimento da política de cooperação energética entre os países europeus, nas décadas seguintes, foi lento. Isso se explica, por um lado, pela perda de importância da CECA, em virtude da substituição do carvão pelo petróleo como principal fonte de energia; e, por outro lado, pela divergência de interesses entre os países-membros com relação às combinações energéticas, às rotas de transporte e à estrutura de mercados. Esta última razão obstruiu os planos da Comissão Europeia de consolidar uma política energética comum na Europa (Langsdorf, 2011, p. 2). In 1968, lack of integration in the energy sphere was considered to be a ‘dangerous trend’ which could be changed only through a ‘Community energy policy which fully integrates the energy sector into the common market’, counterbalancing ‘risks arising from the great dependence of the Member States on imports and from insufficient diversification of the sources of supply’ (European Commission, 1968, p. 5 apud Maltby, 2012, p. 437). O projeto de fundar uma política energética comum sempre teve como foco central a conclusão do mercado interno da energia da União Europeia. Tal projeto teve sua importância enfatizada pela Comissão durante a crise do petróleo em 1973, que demonstrou a vulnerabilidade das fontes de abastecimento de energia para a Europa. Porém, ao lado desse objetivo de cunho estritamente econômico, a proteção ambiental tornou-se um importante eixo da política energética da União Europeia a partir da inclusão desse tema no Ato Único Europeu de 1986 (Langsdorf, 2011, p. 5). A criação de um mercado interno energético sempre encontrou oposição dos países-membros da União Europeia, principalmente aqueles detentores de ricas reservas energéticas próprias. Nesse contexto, os países-membros vetaram a proposta da Comissão Europeia de incluir no Tratado de Maastricht (1992) um capítulo próprio para o tema da energia. Da mesma forma, nos tratados posteriores – Tratado de Amsterdã (1999) e Tratado de Nice (2003) – não se alcançou a regulação em capítulo próprio de uma política energética comum. Assim, a alternativa foi avançar na legislação sobre energia por meio de diretivas e regulamentos nas áreas da política ambiental e do mercado interno (Langsdorf, 2011, p. 5). Esse cenário se modifica quando a mudança climática e, portanto, a questão energética revela-se problema de relevância da agenda global. Ao lado 52 disso, a segurança energética torna-se preocupação central da União Europeia em virtude da dependência do bloco de importações de energia oriundas de regiões instáveis do globo. Demorou até que em 2007 os Chefes de Estado e de Governo da União Europeia aprovaram o primeiro “Plano de Ação Energética” do bloco. Esse Plano foi elaborado com base no documento de estratégia (strategy paper) da Comissão Europeia intitulado “Uma Política de Energia para a Europa” que enuncia as três linhas principais da política energética europeia, quais sejam: sustentabilidade, segurança de abastecimento e competitividade. Para atingir esses objetivos a Comissão Europeia e o Conselho definiram metas específicas, dentre elas as metas “20-20-20” a serem atingidas até 2020. São elas: i) reduzir os níveis de emissões de gases de efeito estufa em 20%; ii) aumentar o volume de energias renováveis para 20%; e iii) diminuir o consumo de energia em 20%. O Plano de Ação foi complementado por inovações legislativas importantes, como a inclusão do Título XXI sobre energia no Tratado de Lisboa (2007), cujo artigo 194 assim prevê: No âmbito do estabelecimento ou do funcionamento do mercado interno e tendo em conta a exigência de preservação e melhoria do ambiente, a política da União no domínio da energia tem por objectivos, num espírito de solidariedade entre os Estados-Membros: a) Assegurar o funcionamento do mercado da energia; b) Assegurar a segurança do aprovisionamento energético da União; c) Promover a eficiência energética e as economias de energia, bem como o desenvolvimento de energias novas e renováveis; e d) Promover a interconexão das redes de energia. Conforme este dispositivo, o tema da segurança energética passou a ser da competência da União, enquanto a combinação energética, a política externa energética e a exploração das fontes de energia continuam sob a responsabilidade dos países-membros (Langsdorf, 2011, p. 6). Além desses avanços legislativos, cumpre ressaltar a edição de vários documentos de estratégia pela Comissão Europeia na área da energia, como, por exemplo, o “Roteiro da Energia para 2050”. Em síntese, este documento propõe metas decarbonizantes conjugadas com objetivos de segurança energética e competitividade a longo prazo, vale dizer, para após 2020. 53 The advantage of the Roadmap is, however, that the Commission makes a clear stating detailing what it wishes to achieve by 2050: a largely decarbonised society in the EU. It stresses that it can be done and that it will not cost considerably more that the current strategy. A decarbonised energy system will lead to high energy security, lower import dependency, lower energy prices and CO2 reductions. Furthermore it will provide benefits, such as better air quality and favourable health conditions (Langsdorf, 2011, p. 8). Como resultado, nota-se que o reconhecimento da segurança energética como um problema da União Europeia, e não dos seus países-membros em separado, contribuiu para uma maior participação das instituições supranacionais, sobretudo a Comissão Europeia, na condução da política energética do bloco (Maltby, 2012, p. 436). 3.4 Instituições Conforme visto na seção anterior, a Comissão Europeia desempenha um papel importante no desenvolvimento da política energética europeia. Com efeito, a Comissão Europeia detém competências significativas na definição da agenda energética da União Europeia. Nesse sentido, possui o direito de iniciativa de lei; monitora a implementação da legislação na área da energia enquanto órgão executivo da União Europeia; e, por último, por vezes, recebe o mandato do Conselho para elaborar certos projetos legislativos sobre energia (Langsdorf, 2011, p. 3). The Commission is then able to propagate its policy recommendations and contribute towards the shift in norms and perceptions of energy security through interaction with Council Working Groups and through acting as a useful partner to Member States. The Commission can then offer a channel of influence for Member States; providing expertise, advocacy and leadership before and during negotiations (Maltby, 2012, p. 436). Ao lado da Comissão, o Conselho (formado pelos respectivos Ministros dos países-membros) desempenha funções relevantes no que tange à política energética do bloco. Antes das mudanças trazidas pelo Tratado de Lisboa no que se refere às competências dos países-membros e da União Europeia na área da energia, o Conselho detinha poder de decisão mediante a regra da unanimidade sobre toda legislação energética. Em contrapartida, hoje a 54 maior parte das questões de política energética são decididas por maioria qualificada pelo Conselho, ao lado do Parlamento Europeu, que decide por maioria simples, segundo o chamado “procedimento legislativo ordinário” (Langsdorf, 2011, p. 3). Em paralelo a essas instituições europeias, os países-membros exercem influência significativa sobre os rumos da política energética europeia, por meio do trabalho dos seus respectivos Ministros atuantes no Conselho. Ademais, os seus Chefes de Estado e de Governo definem as orientações gerais da política energética europeia no âmbito do Conselho Europeu. Vale recordar que os países-membros possuem a competência sobre combinação energética e política externa energética, conforme as regras do Tratado de Lisboa. Por último, os chamados “campeões nacionais”, grandes companhias nacionais de energia, desempenham papel significativo no setor energético europeu. Faz parte do projeto de criação de um mercado interno da energia na União Europeia a liberalização do setor energético, como forma de assegurar melhores preços e maior eficiência. Como o processo de liberalização do setor da energia sofreu consideráveis atrasos os “campeões nacionais” ganharam influência mediante o seu poder econômico. Nesse contexto de liberalização cumpre ainda destacar a função das agências reguladoras nacionais, cujas atuações são coordenadas pela Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (Langsdorf, 2011, p. 4). 4. A integração energética no Mercosul Preliminarmente é necessário contextualizar o processo de integração energética no Mercosul. As iniciativas de cooperação no setor da energia entre os países do referido bloco inserem-se no processo de integração energética da América do Sul. Esta região apresenta um potencial energético altamente diversificado e rico, porém desigual entre seus países. Crises de abastecimento são frequentes e os investimentos em infraestrutura energética são limitados. Disso resulta que “a relação entre a existência de recursos naturais e a energia disponível não é direta” (Desiderá Neto et al, 2014, p. 74). 55 Esta seção propõe-se a examinar o modelo jurídico-institucional da integração energética entre os países do Mercosul, o qual, como será apontado, baseia-se essencialmente em acordos binacionais, e não em instituições supranacionais. 4.1 Histórico As tratativas que precederam à criação do Mercosul sempre estiveram diretamente relacionadas aos interesses e objetivos da política externa do Brasil e da Argentina, em razão, principalmente, da rivalidade histórica existente entre esses dois países. A preocupação estratégica e de segurança em relação às fronteiras sulinas, bem como a incessante disputa pela hegemonia regional sempre foram questões sensíveis e de grandes entraves. Paraguai e Uruguai, no entanto, ocupavam papéis marginais em relação a tais acontecimentos. A década de 1980 trouxe modificação a este quadro de competição, dando ensejo a uma tendência de aproximação entre Brasil e Argentina. Esta alteração pode ser justificada por dois principais fatores: a crise econômica enfrentada pela América Latina no período em referência; e o processo de redemocratização, decorrente do afastamento dos governos militares em ambos os países. Especificamente quanto às razões que influenciaram à decisão do Brasil, oportuno mencionar: Essa mudança foi impulsionada pelo cenário interno de reconstrução das instituições democráticas e de crise do modelo de desenvolvimento, ancorado no protecionismo e na política de substituição de importações. O problema não se restringia à esfera econômica interna, mas em como estabilizar o sistema político em meio às pressões internacionais e honrar os compromissos da dívida externa, num contexto de baixo crescimento, disparada da inflação e perda de competitividade tecnológica e produtiva. [...] Para o Brasil, a aproximação com a Argentina consistia em uma estratégia de inserção internacional combinada a um processo de transformações internas em busca da estabilidade democrática e alternativas para o desenvolvimento econômico. Utilizar as vantagens comparativas e competitivas dos dois países era uma forma bastante razoável de reduzir custos no processo de adaptação competitiva global (Desiderá Neto et al, 2014, p. 22-23). O desejo, então, pelo fortalecimento da democracia, acompanhado dos anseios de desenvolvimento econômico e de maior participação no ambien56 te internacional, redundaram na assinatura de vários acordos de cooperação entre Brasil e Argentina, com destaque para: a Declaração do Iguaçu de 1985; o Programa de Integração e Cooperação Econômica de 1986; o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento de 19883; a assinatura da Ata de Buenos Aires de 1990; e, finalmente, a ratificação, em março de 1991, do Tratado de Assunção, que consolidou a criação do Mercosul4, com convite à participação do Paraguai e do Uruguai5. 4.2 Características Os desdobramentos do processo de definição dos objetivos, princípios e fundamentos da integração regional no Mercosul evidenciam a atuação protagonista centralizadora dos governos no exercício das negociações diplomáticas entre os Presidentes. Esta característica, bastante peculiar nas relações entre os países da América do Sul, é chamada de “diplomacia presidencial”. A “diplomacia presidencial” é considerada elemento essencial na dimensão política do Mercosul, em razão de sua flexibilidade contribuir à coordenação do bloco nos períodos de dificuldades conjunturais comumente enfrentadas pelos países-membros. Para Malamud (2003, p. 66), este movimento, também considerado “interpresidencialismo”, produz um tipo de “spillover effect” diferente daquele previsto nas teorias neofuncionalistas, uma vez que advém de cima; ou seja, da atuação central dos Presidentes. 3 Em relação à Declaração do Iguaçu; ao Programa de Integração e Cooperação Econômica; e ao Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento Desiderá Neto et al (2014, p. 23-25) afirmam que o modelo de integração em construção apresentava objetivos que excediam o simples aumento dos fluxos comerciais. A estratégia era de se valer dos instrumentos regionais para a promoção do desenvolvimento nacional sob uma lógica de crescimento das duas economias de forma equilibrada e gradual. Com a eleição do presidente Fernando Collor de Mello, no entanto, a lógica da ação externa brasileira sofreu grande mudança, sob influência do pensamento hegemônico liberal dominante, que concentrava o entendimento de abertura do mercado interno e de busca por meios para uma inserção competitiva no mercado internacional. Esta compreensão fora refletida na Ata de Buenos Aires, com o abandono, de certa maneira, do princípio do gradualismo e com a aceleração da abertura dos mercados e dos prazos do processo integracionista. 4 Para uma análise completa do histórico de criação do Mercosul ver SEITENFUS, 2012, p. 292ss. 5 Atualmente, são Estados-membros do Mercosul: Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela. A Bolívia encontra-se em processo de adesão, desde 7 de dezembro de 2012. Os Estados associados ao bloco são: Chile, Peru, Colômbia, Equador, Guiana e Suriname. 57 Com efeito, o protagonismo presidencial na condução do Mercosul incorporou noções delegativas à autoridade presidencial, que, uma vez eleita, adquire o poder de condução do processo de integração da forma que julgar adequada; fenômeno denominado pela doutrina especializada de “integração delegativa” (Malamud, 2000). Diferentemente do modelo de integração da União Europeia, no âmbito do MERCOSUL os setores privados se dirigem diretamente aos Executivos nacionais, que são os núcleos que detêm o poder de decisão, para apresentação de suas demandas, prescindindo – tal qual no âmbito das relações domésticas dos países – dos canais institucionais. Winter (2003, p. 116) que apresenta críticas à discricionariedade atribuída aos presidentes no Mercosul, defende que o poder discricionário acaba redundando em distorções significativas ao modelo institucional, tornando, a priori, a decisão do governante, a decisão do país; fato que, em última análise, caracteriza um sistema personalista. Segundo este autor, a manutenção da tradição presidencialista no Mercosul impossibilita qualquer tipo de avanço no processo de integração regional, tendo em vista a incompatibilidade desta atuação com a criação de estruturas supranacionais. Nesse sentido, assevera: O presidencialismo, com sua concretização de poderes não permite, dada sua própria estrutura, a delegação de poderes sem uma fiscalização próxima por parte do Chefe de Estado e de Governo e, com isso, gera desvios importantes que devem ser analisados (Winter, 2003, p. 124). Importa reconhecer, todavia, que um dos principais fatores para a evolução e desenvolvimento do Mercosul foi a escolha por não aplicar, ou sequer planejar aplicar, uma estrutura institucional comunitária nos moldes da União Europeia.6 Percebe-se, no passar do tempo, que as características essenciais do presidencialismo centralizador sul-americano foram determinantes para o avanço e fortalecimento da integração no bloco, pois garantiram, dentre outros: (i) a previsibilidade e segurança, em razão do mandato de governo fixo do Presidente; (ii) o acesso direto dos atores domésticos relevantes ao núcleos de poder decisório, lhes provendo resposta rápida às demandas; bem como (iii) a autonomia e margem de manobra necessárias aos Presidentes na 6 Diferentemente da União Europeia, o Mercosul surge sem apresentar, como pré-condição para o seu nascimento, uma interdependência econômica entre os países-membros. Foi o movimento em direção à integração, no entanto, que propulsionou a interdependência entre eles. 58 condução do processo negociador, sem restrições institucionais e políticas (Malamud, 2005, p. 159). A integração regional entre os países do bloco é orientada, portanto, por um modelo jurídico intergovernamental, que, partindo da visão realista, compreende os Estados como principais atores do sistema internacional, lhes sendo facultada a participação em arranjos de cooperação regional apenas na medida em que correspondam aos seus interesses. A doutrina especializada em Direito da Integração, apresenta duas vertentes de qualificação do intergovernamentalismo, quais sejam: o clássico e o liberal. O intergovernamentalismo clássico parte da visão de interação dos Estados num ambiente essencialmente anárquico. Esquemas de cooperação são bem-vindos, no entanto, quaisquer propostas que tendam à dissolução do Estado por meio da criação de instituições de governança pós-nacionais devem ser descartadas. Os Estados são compreendidos, pois, como atores egoístas e participam dos arranjos apenas na medida de seus interesses. A vertente liberal, em contrapartida, compreende a participação dos Estados em organizações de integração regional, como uma ferramenta de robustecimento dos Estados por meio da projeção e atendimento dos interesses dos agentes sociais domésticos no ambiente internacional. Malamud (1998, p. 139) pondera que o adjetivo liberal traduz o entendimento de que, neste modelo, são os interesses dos agentes sociais domésticos, e não puramente os interesses políticos estratégicos dos Estados, que alimentam a integração regional. Oportuno ressaltar, finalmente, que nos esquemas de integração regional estruturados com base modelo jurídico intergovernamentalista – caso do Mercosul, propriamente – o baixo grau de institucionalização jurídica; a coordenação de políticas em setores específicos; e a condução dos processos por líderes políticos, de forma protagonista-centralizadora na definição da integração econômica e nos objetivos e princípios que a orientam, são, dentre outras, as características basilares deste modelo de integração. 4.3 Quadro normativo Os principais projetos hidrelétricos de integração energética na esfera geográfica do Mercosul foram negociados em períodos anteriores à própria criação do bloco, em 1991. Pode-se citar, exemplificativamente, as usinas binacionais: Itaipu; Salto Grande e Yacyretá. 59 A usina hidrelétrica binacional Itaipu foi construída após assinatura, em 1973, do Tratado de Itaipu, firmado entre Brasil e Paraguai, para aproveitamento do potencial hidrelétrico do Rio Paraná. Em 1974, a entidade Itaipu Binacional foi criada, sob a estrutura de empresa internacional7, com o objetivo de administrar o empreendimento e gerenciar a construção que se iniciaria. A primeira unidade geradora do empreendimento entrou em operação em maio de 1984, e, maio em 2007, as 20 unidades geradoras alcançaram a plena operação. O empreendimento possui 14.000 MW de potência instalada. Em relação à usina hidrelétrica binacional de Salto Grande, situada no rio Uruguai, esta apresenta, como um de seus primeiros atos normativos a Ata sobre o Rio Uruguaio, firmada pelos governos argentino e uruguaio, em janeiro de 1938, pela qual os dois países consolidaram suas intenções quanto ao aproveitamento comum do potencial hidrelétrico da região. Em 30 de dezembro de 1946, por meio da assinatura de um convênio, os países resolveram reafirmar suas intenções de construção do empreendimento, designando, por conseguinte, a Comissão Técnica Mista, que seria responsável pela coordenação e desenvolvimento econômico da usina8. A usina binacional Yacyretá, localizada no rio Paraná, foi constituída após a assinatura, em 1973, do Tratatado de Yacyretá, com representação, do lado paraguaio, da Administración Nacional de Electricidad – ANDE; e, do lado argentino, da Emprendimientos Energéticos Binacionales Sociedad Anónima – EBISA. A usina possui cerca de 3.100 de MW de capacidade instalada.9 7 A respeito da estrutura jurídica de Itaipu, o jurista Miguel Reale, em resumo da conferência proferida no Conselho Técnico de Economia, Sociologia e Política da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, em 04/07/1974, considera: “[...] Bem analisados os objetivos visados, e à luz das atribuições que seriam conferidas aos diversos órgãos projetados, percebia-se que bem pouca aplicação teria a maior parte das disposições constantes da lei que rege as ‘sociedades anônimas’. Daí a proposta que fiz no sentido de constituir-se uma ‘empresa pública binacional’, que era possível fazer-se mediante Tratado, pois, este, uma vez aprovado por Decreto Legislativo do Congresso Nacional, adquire força de lei, prevalecendo as suas normas especiais sobre quaisquer outras anteriores pertinentes À matéria. [...] O que se deu, em primeiro lugar, foi a transladação de um modelo jurídico, elaborado na tela do Direito Administrativo Interno, para âmbito do Direito Internacional, com todas as consequências inerentes a essa transposição, a qual dá coloração ou sentido diverso aos esquemas de natureza administrativa, comercial, penal, trabalhista, etc.” (Reale, 1974, p. 256-258). 8 Oportuno ressaltar, no entanto, que tal Convênio só entrou em vigência em 27 de agosto de 1958, quando de sua ratificação pelo parlamento uruguaio. 9 Mais detalhes sobre a usina binacional Yacyretá ver a página da Internet referente ao projeto disponível em: <http://www.ebisa.com.ar/comercializacion_energia>. Acesso em: 30 ago. 2016. 60 Como se pode perceber, as décadas de 1970 e 1980 foram marcadas como um período de intensas negociações entre os países do Cone Sul, formalizadas por meio de tratados, assinados pelos Estados e regidos pelas normas de Direito Internacional Público, para exploração binacional de potenciais hidrelétricos nas áreas limítrofes. A motivação por trás de tais entendimentos era a busca pelo crescimento econômico e o fortalecimento dos Estados. Nesse sentido,Vainer e Nuti (2008, p. 14) consideram: [...] preocupação preponderante era a integração como relação bilateral entre países, objetivando viabilizar interesses comuns, como a exploração ou o recebimento de energia, com foco em projetos específicos, localizados próximos das fronteiras nacionais. Paralelamente à criação das binacionais, intensificou-se também o processo de interligação elétrica entre os países10. A princípio, como mecanismo para escoamento da energia produzida pelas usinas; e, em um segundo momento, para atendimento das demandas por contratos de intercâmbio de energia. A década de 1990, especificamente, marca a proliferação das interconexões elétricas entre os países da região. No que se refere à indústria de gás natural, as negociações para integração energética também seguem a mesma lógica normativa dos modelos de integração hidrelétrica, em razão, principalmente, da inexistência de um quadro institucional multilateral para regramento e coordenação dos processos de integração no setor energético. Na América do Sul, as construções de infraestruturas, que interconectam as indústrias de rede de diferentes países, foram historicamente baseadas em compromissos bilaterais (binacionais). Assim, os compromissos bilaterais podem ser considerados como a base do quadro institucional da construção de infraestruturas existentes na América do Sul (Hallack, 2014, p. 354). 10 Remonta, contudo, da década de 1960, a primeira interconexão internacional de sistemas elétricos da América do Sul, decorrente de um convênio firmado pelas estatais Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) e Usinas Eléctricas y Teléfonos del Estado (UTE) – administradas, respectivamente, pelos governos brasileiro e uruguaio – para intercâmbio de energia em quatro pontos da fronteira. Os pontos de conexão eram: Livramento-Rivera; Quarai-Artigas; Jaguarão-Rio Branco; e Chui-Chuy. Posteriormente, em 1969, a Companhia Paranaense de Energia Elétrica (COPEL), assinaria, por delegação da Petrobras, o primeiro contrato de interligação e fornecimento de energia com o Paraguai com a empresa Administración Nacional de Electricidade (ANDE). 61 Dentre os países envolvidos no processo de integração do Mercosul, os principais exportadores de gás são: Bolívia e Argentina. Na tabela abaixo, é possível perceber as interconexões entre os países-membros do bloco: Gasodutos de interconexão na esfera geográfica do MERCOSUL (países-parte) Gasodutos Yacimientos Bolívian-Gulf (YABOG) Juana Azurduy Saída Bolívia Bolívia Chegada Início de Operação Regiões conectadas Argentina 1972 Rio Grande (Bolívia) a Salta (Argentina) 2011 Do campo Margerita (Bolívia) ao campo de Duran (Argentina). Argentina Gasbol Bolívia Brasil 1999 De Santa Cruz (Bolívia) e Porto Alegre (Brasil) via São Paulo Lateral Cuiabá Bolívia Brasil 2001 De Ipias (Bolívia) a Cuiabá (Brasil) Brasil 2000 De Aldea Brasileira (Argentina) a Uruguaiana (Brasil). Transportadora de Argentina Gas del Mercosur Gasoducto Cruz del Sur Argentina Uruguai 2002 De Buenos Aires (Argentina) a Montadevideú (Uruguai) Gasoducto del Litoral Argentina Uruguai 1998 De Colón (Argentina) a Paysandú (Uruguai) Fonte: Elaboração própria com base em HALLACK (2014, p. 367). Há de se destacar, no entanto, que tais acordos de geração bilateral, bem como dos de interconexão, não se eximem às mudanças na política nacional e internacional e aos efeitos decorrentes da dinamicidade do mercado. Para 62 melhor exemplificação, basta retomar os casos históricos da: (i) mudança de condições da comercialização do gás natural oriundo da Bolívia em 2006; e (ii) a renegociação do contrato da Usina Hidrelétrica de Itaipu solicitada pelo Paraguai (Ceia, 2008, p. 10). As fragilidades políticas e econômicas de alguns países acentuam o sentimento de insegurança e desconfiança entre os países, redundando, por conseguinte, em entraves ao desenvolvimento dos projetos de integração energética em âmbito multilateral. Em síntese, a região ainda carece de um robusto arcabouço jurídico-institucional para coordenação e controle dos projetos e iniciativas no setor energético. 4.4 Instituições A estrutura institucional do Mercosul é composta por foros intergovernamentais onde são tratados os assuntos que compõem as diversas agendas de negociação do bloco. No que se refere à agenda do setor energético, algumas questões são abordadas nas reuniões de Ministros, em âmbito do Conselho Mercado Comum (CMC), e outras, no Grupo Mercado Comum (GMC), estruturalmente organizado abaixo do CMC. O GMC é composto por diversos subgrupos de trabalho, grupos ad hoc e outras instituições. Especificamente em relação ao setor energético, as discussões são tratadas em âmbito do Subgrupo de Trabalho nº 9 (SGT9), criado no período de reestruturação dos setores energéticos dos anos 1990; e do grupo ad hoc de biocombustíveis (GAHB), criado para discutir e promover a implantação do Plano de Ação do Mercosul, nos termos da Decisão CMC Nº 49/07. O SGT-9, apesar de seus objetivos amplos – de otimização da produção de energia e de harmonização da legislação ambiental, entre outras – desenvolveu uma atuação limitada à elaboração de inventários sobre o setor elétrico e à análise de aspectos financeiros, legais e tributários do mesmo setor (Zanella, 2009, p. 87). Importa ressaltar a relevância de dois Memorandos de Entendimento, elaborados pelo SGT-9 e aprovados pelo CMC por meio das Decisões Nº 10/98 e 10/99, os quais discorrem, respectivamente, sobre: (i) intercâmbios elétricos e interconexões elétricas no Mercosul; e (ii) intercâmbios gasíferos e integração gasífera entre os Estados-membros do Mercosul. 63 Tais instrumentos externalizam a vontade dos Estados em facilitar as transações burocráticas requeridas no processo de autorização de importação e exportação de energia; bem como destacam o interesse dos Estados na efetivação de medidas para complementação de seus recursos naturais11. Contudo, são criticados por olvidar da relevância da energia como mecanismo de transformação social. O que se observa, assim, é que o principal órgão de coordenação política do Mercosul, responsável por ditar as características da integração, furtou-se de estabelecer a relação tão necessária entre a questão energética e a questão social, para um desenvolvimento equilibrado na região. Optou, ao invés disso, por abrir os mercados à livre concorrência e fomentar simples interconexões, como fundamento das estratégias energéticas para o bloco (Zanella, 2009, p. 86). 11 Os principais entendimentos constantes do memorando aprovado pela Decisão Nº 10/98 são: (i) assegurar condições competitivas do mercado de geração de eletricidade, sem a imposição de subsídios que possam alterar as condições normais de concorrência e com preços que reflitam custos econômicos eficientes, evitando práticas discriminatórias com relação aos agentes da demanda e da oferta de energia elétrica entre os Estados Partes; (ii) permitir a distribuidores, comercializadores e grandes demandantes de energia elétrica, contratar livremente suas fontes de abastecimento, que poderão estar localizadas em qualquer dos Estados Partes do Mercosul; (iii) permitir e respeitar a realização de contratos de compra e venda livremente pactuados entre vendedores e compradores de energia elétrica, em conformidade com a legislação vigente em cada Estado Parte e com os tratados em vigor entre os Estados Partes, comprometendo-se a não estabelecer restrições ao cumprimento físico dos mesmos, distintas das estabelecidas para os contratos internos da mesma natureza; (iv) assegurar que as regulamentações em seus mercados elétricos permitam a garantia do fornecimento que os agentes compradores exigirem dos agentes vendedores de outro Estado Parte, independentemente dos requisitos do mercado de origem do abastecimento; (v) não discriminar entre produtores e consumidores, seja qual for sua localização geográfica; (vi) possibilitar, dentro de cada Estado Parte, que o abastecimento da demanda resulte do despacho econômico de cargas, incluindo ofertas de excedentes de energia nas interconexões internacionais. Para tanto, deverá ser desenvolvida a infraestrutura de comunicações e enlaces que permita o intercâmbio de dados e informações sobre os mercados, inclusive em tempo real, necessárias para coordenar a operação física das interconexões e a contabilização para a comercialização; (vii) respeitar o acesso aberto à capacidade remanente das instalações de transporte e distribuição, incluindo também o acesso às interconexões internacionais, sem discriminações quanto à nacionalidade, destino (interno ou externo) da energia ou caráter público ou privado das empresas, respeitadas as tarifas reguladas para seu uso; (viii) respeitar os critérios gerais de segurança e qualidade do abastecimento elétrico de cada Estado Parte, já definidos para a operação de suas próprias redes e sistemas; (ix) garantir o acesso aberto à informação dos sistemas elétricos, dos mercados e suas transações em matéria de energia elétrica; e (x) determinar a realização de estudos, por meio dos organismos competentes, visando ao funcionamento conjunto dos mercados dos Estados Partes, assim como à identificação dos ajustes necessários para viabilizar a integração elétrica. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1997 /b_126_2011-09-01-14-10-35/. Acesso em: 30 ago. 2016 64 Em termos de iniciativas para a cooperação e integração energética, vale mencionar, oportunamente, algumas organizações sul-americanas que contam com a participação de membros do Mercosul para desenvolvimento desta agenda, a saber: a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), sucessora da Associação Latino-Americana de Livre Comércio; a Organização dos Estados Americanos (OEA); a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), bem como o Conselho Energético Sul-Americano da Unasul; a Associação Regional de Empresas de Petróleo e Gás Natural na América Latina e Caribe (Arpel); a Organização Latino-Americana de Energia (OLADE); a Iniciativa para a Integração de Infraestrutura Regional Sul-Americana (Iirsa)12; e a Comissão de Integração Energética (CIER). Não obstante as tentativas de tais instituições em facilitar e propulsionar o processo de integração energética regional, é possível perceber limitações na execução de algumas propostas, em razão, principalmente, do modelo intergovernamentalista adotado para coordenar as relações entre os Estados, bem como da sobreposição de alguns objetivos. Algumas destas instituições desempenham hoje mais uma função secundária de assessoria aos projetos de integração em energia na região (Zanella, 2009, p. 92). Desta forma, pode-se considerar que o desenvolvimento efetivo do processo de integração energética entre os países-membros do Mercosul decorre, essencialmente, das iniciativas binacionais de integração, sem a promoção de uma harmonização de legislações em âmbito regional, ou a construção de um arcabouço institucional. Ademais, trata-se de um processo orientado ao setor privado, e não ao desenvolvimento socioeconômico integrado da região. Isso porque seus objetivos são centrados no escoamento de matérias-primas para os centros industriais e na conexão com os grandes polos de consumo. Apesar da diversidade e da abundância do potencial energético a ser explorado no Mercosul, a carência institucional e a ausência de políticas de cooperação energética voltadas ao bem-estar comum ainda dificultam uma atuação uniforme e coerente dos países na promoção de iniciativas multilaterais benéficas a região como um todo. 12 A Iirsa propõe um projeto de integração física visando o desenvolvimento e a integração das áreas de energia, transporte e comunicação da região sul-americana. Porém, critica-se que tal iniciativa beneficia diretamente antes grandes empreendimentos privados que as populações dos países envolvidos (Zanella, 2009, p. 91). 65 5. Conclusão Tanto na União Europeia como no Mercosul a liberalização do setor energético foi estabelecida como objetivo primordial entre os países das respectivas regiões. Com efeito, a participação do setor privado é relevante em esquemas de integração energética, para fins de investimentos em pesquisa e tecnologia, como também de competitividade. Contudo, a energia deve ser percebida como um fator de desenvolvimento socioeconômico para os países e, por consequência, qualquer esquema integracionista energético deve ter como meta principal o crescimento econômico nacional e a melhoria das condições de vida. Disso resulta a importância da presença do Estado para assegurar que o curso e o resultado da integração energética sejam definidos em prol do bem-estar socioeconômico. Critica-se que o Mercosul vem falhando neste sentido, ao optar por um modelo de integração que percebe a energia como mercadoria a ser utilizada livremente pelo mercado, com base na crença de que este aliado à livre concorrência garantiria a qualidade do produto ao menor preço. Tal opção, porém, resultou-se ineficiente em solucionar os problemas de desigualdade social que assolam a região. O modelo jurídico-institucional da integração energética no Mercosul diferencia-se plenamente daquele implementado na União Europeia. Enquanto o primeiro guia-se pela intergovernamentalidade, o segundo pela supranacionalidade crescente. O modelo mercosulino é caracterizado pela conclusão de uma série de projetos isolados de interconexão em infraestrutura energética baseados em tratados internacionais bilaterais. Não se buscou, portanto, a adoção de um verdadeiro plano de integração energética, que envolva produtores, distribuidores e consumidores. Por sua vez, o modelo europeu almeja a criação de um mercado interno de energia, cuja criação sempre foi defendida pela Comissão Europeia e resistida pelos países-membros. Isso muda quando a segurança energética e a mudança climática tornam-se temáticas centrais entre os países europeus, que percebem a integração supranacional como a solução mais adequada para lidar com tais desafios. Nesse sentido, a Comissão Europeia transforma-se em órgão vital na condução da política energética europeia, mediante suas competências fixadas nos tratados da União, em diretrizes e regulamentos, além dos seus próprios documentos de estratégia. 66 Independentemente do modelo jurídico-institucional a ser adotado pelo bloco econômico, as suas iniciativas de integração energética devem transcender os critérios estritamente econômicos e comerciais, com a finalidade de contribuir para a transformação social da região em que está inserido. Enfim, o arcabouço jurídico e as instituições são apenas instrumentos para atingir o objetivo da integração que deve ser sempre comprometido com bem-estar das populações envolvidas. Referências BECK, Ulrich. A Europa Alemã. 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Energia e integração: oportunidade e potencialidades da integração gasífera na América do Sul. Ijuí: Ed. Unijuí, 2009. 69 Condicionantes e Perspectivas da Integração Energética na América do Sul Marcel Biato1 Nivalde José de Castro2 Rubens Rosental3 1. Introdução Maximizar a competitividade da América do Sul na economia globalizada significa valorizar suas vantagens comparativas, a abundância de recursos naturais e ausência de barreiras físicas intransponíveis. Isto requer criar as bases e estruturas materiais que permitam consolidar, na prática, um espaço econômico integrado, capaz de potencializar esses fatores de produtividade.Trata-se de viabilizar uma nova racionalidade econômica, capaz de induzir e acelerar processo de unificação dos mercados da região como um todo. Caso contrário, prevalecerá a lógica econômica clássica, de natureza centrípeta que foi – e ainda permanece – imaginada para a realidade dos tempos coloniais. É preciso superar definitivamente, no plano físico, uma pesada herança de sociedades de costas umas para as outras, pois voltadas historicamente para as ex-metrópoles. Não haverá viabilidade prática para a integração continental e, portanto, ganhos expressivos de eficiência, sem antes redesenhar os eixos pelos quais trafegam os vetores de produção. Não se moldará um grande mercado e parque produtivo em escala regional sem antes priorizar investimentos em setores de infra-estrutura que criem sinergias e escalas de produção competitivas. Na conformação de um espaço econômico competitivo, é indispensável dispor de energia abundante e a preços acessíveis para assegurar as economias de escala e sinergias necessárias para viabilizar cadeias produtivas eficientes. 1 Atuou como assistente do Assessor Internacional da Presidência da República (2003-10) e foi Embaixador na Bolívia (2010-2013). Ativo em temas latino-americanos, governança global e militares; integrou a delegação negociadora brasileira no Processo de Paz entre Equador e Peru (1995-1998). 2 Professor do Instituto de Economia da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro – e coordenador do GESEL – Grupo de Estudos do Setor Elétrico. 3 Professor e Pesquisador Sênior do GESEL-UFRJ. 71 Das diversas fontes energéticas disponíveis, a mais promissora do ponto de vista regional é a energia elétrica. Oferece múltiplas vantagens comparativas: modicidade tarifária, emprego de tecnologias consolidadas e outras inovadoras (eólica e solar) e sustentabilidade ambiental. Suas características tecnológicas e técnicas, amplamente dominadas, favorecem a instalação de redes de transmissão integradoras capazes de garantir a provisão contínua e ininterrupta de energia por grandes distâncias. Adicionalmente, a energia elétrica favorece a incorporação de amplos segmentos sociais afastados dos benefícios e oportunidades do desenvolvimento. Ambos esses fatores explicam a substituição de fontes não renováveis e geradoras de poluição na região a partir das reformas de mercado dos anos 1980-90. Suas vantagens financeiras, econômicas e ambientais demonstram que energia limpa e renovável é eficiente e dá lucro. Significa preço acessível, sustentável e continuado para que as pessoas, os países e regiões alcancem seu pleno potencial como atores econômicos. Desta forma, este trabalho tem como objetivo analisar as oportunidades e os desafios do processo de integração elétrica na América do Sul. No primeiro momento são apresentados alguns condicionantes na construção deste processo. A seguir, é analisada algumas vantagens comparativas da região para avançar o processo de integração. A terceira parte apresenta seus desafios e potencialidades e a quarta parte demonstra a importância da liderança brasileira neste processo. Por fim, as conclusões apontam que a integração da infraestrutura de energia elétrica permite multiplicar os benefícios da integração para o continente: geração de renda; garantia de fornecimento de energia segura, renovável e barata. 2. Antecedentes da integração Países de dimensões continentais, em geral com recursos naturais e humanos em abundância, fazem da auto-suficiência em matéria de insumos estratégicos para o desenvolvimento um alvo prioritário e estratégico de segurança nacional. No caso dos recursos energéticos, a experiência brasileira não foge à regra, sobretudo em vista da diversidade, ampla oferta e baixo custo das fontes de energia disponíveis no país – convencionais e não convencionais. Essa predisposição era reforçada pelas barreiras físicas e pelo distanciamento econômico e político que historicamente separaram o Brasil de seus vizinhos. 72 Não estranha, portanto, que o Brasil no processo de integração regional latino-americana tenha enfrentado muitos desafios e apresente resultados em boa medida frustrantes. Começando pela ALALC (1960), passando pela ALADI (1980) até as experiências sub-regionais, esforços de integração lograram ampliar notavelmente o comércio inter-regional, mas pouco contribuíram para a efetiva industrialização da maioria dos países, objetivo central da agenda desenvolvimentista. Na verdade, pouco se alterou a histórica dependência desses países em relação à exportação de produtos primários, de baixo valor agregado e grande volatilidade de preço (Castro; Leite e Rosental, 2013). Os resultados em boa medida decepcionantes dessas iniciativas de integração regional ao longo do último meio século atestam a dificuldade em capitalizar os notáveis trunfos de região já favorecida com relativa uniformidade cultural e ausência de conflitos étnico-religiosos: 1. possuir grandes reservas de energia renovável e não renovável. Não obstante, vários países enfrentam racionamentos, convivendo com uma crise energética endêmica que prejudica a qualidade de vida e atrasa o desenvolvimento econômico; 2. possuir uma produção agrícola expressiva, mas parcelas significativas da população ainda sofrem de desnutrição; e 3. dispor de riquezas naturais abundantes e volumosa população economicamente ativa, mas elevados níveis de pobreza, concentração de renda e baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) são a regra em quase a totalidade dos países (Castro; Rosental e Gomes, 2009). A conclusão é inevitável: a mera redução de barreiras alfandegárias, foco inicial da agenda integracionista, tem limitado impacto dinamizador sobre o conjunto da economia. Mais preocupante, por não tocar as condicionantes estruturais da atividade produtiva, a constituição de uma união aduaneira continental reproduziu, em certa média, dentro da América Latina a relação assimétrica que já caracteriza as trocas da região como um todo com os países desenvolvidos. Sintomático dessa dinâmica perversa, em momentos de retração do comércio e dos investimentos internacionais – como durante a recessão pós-2008 - os fluxos entre os países da América Latina caíram em ritmo ainda maior do que com o resto do mundo, contribuindo para reforçar – ao invés de minorar – o impacto recessivo da crise global. As consequências da carência de competitividade e de complementaridade produtiva é ainda mais grave no caso das economias menores, frustradas 73 em seu principal objetivo ao aderir aos arranjos comerciais regionais, qual seja, o acesso favorecido ao mercado consumidor dos parceiros maiores da região. Muitas vezes, vê-se exatamente o contrário – o predomínio avassalador nos mercados menores de empresas e investimentos oriundos das economias mais pujantes. O resultado é a consolidação de um superávit estrutural nas contas comerciais, particularmente do Brasil, com a maioria de seus vizinhos latino-americanos. A “invasão” brasileira nesses mercados acaba por alimentar rancores e temores nacionalistas que militam contra o próprio projeto integracionista. Permanecem vigentes assim para a maioria dos países da região as históricas limitações estruturais à efetiva industrialização, a saber, falta de acesso à capacitação técnica e tecnológica e capacidade de atrair investimentos produtivos de longo prazo. Em resposta, os mecanismos sub-regionais mais ambiciosos (MERCOSUL, Pacto Andino, Mercado Comum Centro-Americano) passaram a desenvolver programas embrionários de arbitragem supranacional de conflitos comerciais e de fomento da integração de cadeias produtivas locais. No entanto, também essa tentativa de aprofundamento institucional não tem se revelado suficiente para romper as conhecidas barreiras à consolidação de escala de produção e competitividade necessárias para fazer o deslanchar processo de integração verdadeiramente produtivo. Enfrentar esse desafio torna-se ainda mais urgente no mundo contemporâneo, conformado por grandes blocos econômico-comerciais que dominam as cadeias globais de valor por força de seus altíssimos níveis de integração vertical e horizontal. Como fazer para qualificar a América Latina como ator global nesse novo cenário? 3. A opção sul americana Quando se pensa no papel da infra-estrutura elétrica na conformação de um espaço econômico integrado, é natural que se privilegie a América do Sul como campo de análise e atuação. Em contraste com a América Latina como um todo, constitui, em primeiro lugar, unidade geográfica compacta e fisicamente contígua, o que minimiza os custos e maximiza os benefícios relativos à implementação de projetos de infra-estrutura física (Neves, 2007). Em segundo lugar, a região dispõe de amplas reservas de energia, tanto renovável como não-renovável, que podem ser transformadas em eletricidade: 74 1. Fontes não renováveis: 22% reservas mundiais de petróleo (Venezuela, Brasil e Equador), 4% de gás natural (Venezuela, Bolívia, Argentina, Brasil e Peru), potencial em não convencional (fracking), carvão mineral (Colômbia); 2. Fontes renováveis: energia hidroelétrica: maior potencial do mundo (Venezuela, Paraguai, Colômbia e, sobretudo, Brasil), agro-combustíveis: Brasil produz 45% do bioetanol; Argentina primeiro produtor de azeite de soja; e 3. Fontes alternativas: grande potencial em eólica e solar. Em terceiro lugar, a América do Sul dispõe de alguns antecedentes exitosos no campo da integração de infra-estrutura energética. Há importante acervo de obras realizadas, cujos benefícios são vitais para os países e região. Esses se dividem em três categorias. Um primeiro grupo envolve projetos hidroelétricos binacionais. É o caso das represas de Guri (Brasil e Venezuela), projeto de Corpus (Argentina e Paraguai), Yaciretá (Argentina e Paraguai) e a interconexão elétrica entre Rio Grande do Sul e Uruguai. Os benefícios são inegáveis, de que a usina de Itaipu (Brasil e Paraguai) é emblemática. Por ela, o Brasil assegurou fonte segura e rentável de energia para alimentar um parque produtivo em expansão, representando atualmente 17% do consumo nacional. Já o Paraguai, garantiu o acesso a recursos financeiros que, aliados à disponibilidade de energia barata, têm todas as condições de promover transformação estrutural de sua economia. O país está deixando de depender de um rentismo instável e vulnerável para alavancar processo incipiente de industrialização, mediante a instalação de um parque de empresas de transformação eletro-intensiva. Uma vez concluído o pagamento da dívida incorrida no financiamento da obra a partir de 2023, cada país será detentor de metade de toda a energia gerada, a custos em torno dos U$ 4 por Mwh. Um segundo grupo envolve somente contratos de compra e venda de energia excedentes no mercado spot. Não estabelecem sinergias capazes de alavancar projetos ou iniciativas mais ambiciosas, limitando-se a atender com flexibilidade a necessidades e demandas emergenciais, que de outra forma poderiam redundar na interrupção de atividades econômicas e no desabastecimento de setores da população. O terceiro grupo de projetos não envolve empreendimentos conjuntos, mas visam, via contratos de médio e longo prazo, a exportação de energia 75 elétrica de um país para o mercado consumidor de outro país. Países com disponibilidade de excedente de geração elétrica podem dessa forma suprir desequilíbrios de oferta em países vizinhos. O avanço deste modelo consolidará o processo de integração elétrica, dado que permitirá através dos contratos de médio e longo prazo respaldar os investimentos necessários (Castro et al. 2015). Não resta dúvida quanto à importância estratégica desses projetos de integração energética para otimizar o emprego dos recursos disponíveis e, portanto, realizar o potencial econômico da região. A realidade, no entanto, é que permanecesse largamente subdesenvolvida o aproveitamento desse potencial energético. Apesar de vasto potencial, nenhum empreendimento binacional em escala remotamente comparável com Itaipu ou mesmo Yaciretá foi desenvolvido nas últimas décadas. Como explicar? 4. Integração elétrica: desafios e potencialidades Em última análise, essa paralisia deriva do mesmo conjunto de fatores inerciais que retardam o processo de integração em geral, destacando-se entre outros os seguintes desafios: 1. Assimetrias econômicas: diferencial de desenvolvimento e de poderio técnico e tecnológico entre o Brasil e seus vizinhos, sobretudo os menores. Isto ainda hoje alimenta visões defensivas sobre supostas intenções expansionistas dos “bandeirantes do século XXI”. Impossível subestimar a sensibilidade nesses países para qualquer percepção, real ou imaginada, de veleidades hegemônicas por parte do sócio maior; 2. Falta de convergência institucional: divergências em matéria de política macro e microeconômica,4 dificultam a adoção de ações e projetos em bases técnico-jurídicas compatíveis, de que é ilustrativo o esvazia- 4 Exemplo emblemático foi o colapso do projeto de Vaca Muerta, destinada a explorar gigantesca jazida de gás de xisto, na Argentina. O projeto foi abandonado pela Camargo Correa quando os investimentos necessários rapidamente dobraram de US$ 5 para quase US$ 20 bilhões por conta, entre outros fatores, da recusa do Governo argentino em admitir o impacto sobre os custos do investimento da sobrevalorização do peso argentino resultante da recusa do Governo argentino em reconhecer os elevados níveis da inflação vigente no país. 76 mento do projeto de um Banco do Sul.5 Ao mesmo tempo, regimes jurídicos e regulatórios incompatíveis, dificultam o equacionamento conjunto de novos desafios, a questão da mitigação dos impactos socioambientais sendo especialmente evidente; e 3. Instabilidade política e rivalidades bilaterais: persistem tensões e desconfianças entre vizinhos, por vezes vinculadas a disputas territoriais facilmente instrumentalizadas pela retórica nacionalista. Ficam assim prejudicados esforços de desenvolver mecanismos supranacionais de coordenação e solução de controvérsias; tampouco se avança na uniformização de padrões e normas6 técnicas por temor em fazer concessões que possam envolver cessão unilateral de soberania.7 Uma consequência é a tentação de recorrer a políticas de nacionalização, afugentando investimentos tanto locais como estrangeiros. Caracteriza-se assim um quadro de dificuldades políticas e institucionais para arbitrar conflitos e reivindicações em escala e complexidade muito além da experiência ou mesmo capacidade técnica das instituições locais de muitos países8 A conseqüência é uma notória carência de novos projetos de integração elétrica na América do Sul e, por conseguinte, custos de geração elevados, insegurança no fornecimento, cobertura insatisfatória e prejuízo ao esforço mais amplo de integração econômica (Castro e Biato, 2011). O imperativo em enfrentar e superar esses empecilhos à integração energética é tanto maior à luz dos seguintes fatores: cenário de crescimento da demanda de energia elétrica; necessidade de diversificar fontes, sobretudo as sustentáveis e renováveis em função dos custos e da emissão de gases de efeito 5 O Banco teria por função financiar, em condições favoráveis, obras de infra-estrutura e programas sociais. Apresentava-se como alternativa aos padrões de empréstimo mais rigorosos do FMI e do Banco Mundial. 6 Diferenças de bitola entre os respectivos parques ferroviários dos países, assim como estradas que terminavam a poucos quilômetros da fronteira: todas medidas concebidas originalmente para evitar invasões de tropas estrangeiras, mas que, hoje, continuam a frear outra invasão, a de bens importados que ameacem as indústrias nacionais 7 Não estranha que, mesmo após a renegociação da cláusula no Tratado sobre pagamento por energia excedente, em 2007, com a multiplicação por três do valor ressarcido anualmente pelo Brasil, o ânimo contestatório permanece. Os incontestáveis benefícios auferidos pelo povo paraguaio ao longo de décadas não obviam o espectro do nacionalismo de recursos naturais, que passa a incorporar componentes da retórica socioambiental. 8 O fracasso de projetos por vezes extremamente ambiciosos, notadamente o do Gasoduto do Sul, mas mal-concebidos contribuem para reforçar ceticismo sobre perspectivas do processo de integração. 77 estufa e o papel estruturante da integração energética para qualquer projeto de integração econômica regional. Como retomar a iniciativa na agenda de integração elétrica? Um primeiro passo envolve reconhecer os enormes custos, referidos acima, de não levar adiante esforços para aproveitar o enorme potencial de integração elétrica ainda disponível no continente: a América do Sul dispõe de enormes reservas de recursos energéticos e, paradoxalmente, de demanda não atendida e, portanto, inibidora do desenvolvimento. Um segundo passo envolve identificar e aprofundar projetos de integração da infra-estrutura de geração e distribuição elétrica, de modo a unir a oferta potencial com a demanda reprimida. Trata-se de integrar o Brasil e outros mercados consumidores de grande escala com países com grande potencial hidroelétrico e reduzido mercado doméstico, mas com problemas de suprimento e de qualidade elétrica, isto é matriz de geração não renovável. Dentro dessa sinergia de interesses, merecem atenção prioritária alguns projetos de grande potencial: Arco Norte (integração elétrica do Brasil com três de seus vizinhos ao norte:Venezuela, Guiana e Suriname); e a UHE binacional com Bolívia, no Rio Madeira. Um terceiro passo envolve desenvolver estratégia para administrar as injunções políticas, econômicas e regulatórias envolvidas. Com o lançamento da UNASUL (2007), a América do Sul tomou a iniciativa de tentar romper essa inércia mediante uma ambiciosa agenda de projetos estruturantes em escala sub-regional. O Conselho de Infra-Estrutura e Planejamento da UNASUL (2009) oferece o arcabouço institucional e político de alto nível para as estratégias de integração de infra-estrutura.9 Embora em fase ainda embrionária, esse foro tem se debruçado sobre desafios prementes, com destaque para: 1. Financiamento: dispor de instrumentos de financiamento de longo prazo, estimulando a formação de associações estratégicas entre o Estado e a iniciativa privada nos países da região. Só assim se quebrará o círculo vicioso pelo qual a falta de infra-estrutura desestimula investimentos produtivos e vice e versa, num círculo vicioso; e 2. Impactos socioambientais: cresce a conscientização da opinião pública sobre a importância da preservação do meio ambiente e de respeito 9 Essas funções estavam antes a cargo da Iniciativa de Infra-Estrutura para a América do Sul – IIRSA, hoje integrada ao Conselho na forma de um Foro Técnico. 78 aos direitos e prerrogativas de comunidades locais, sobretudo indígenas. Essa sensibilidade facilmente se transforma em resistência a projetos de grande escala na medida em que o progressivo esgotamento do potencial de aproveitamento hidroelétrico fora de regiões ambientalmente sensíveis, notadamente a região amazônica. Represas mal concebidas e mal executadas alimentam denúncias, amplificadas na mídia popular, de que hidroelétricas, sobretudo as com reservatório, seriam uma ameaça à preservação da enorme biodiversidade amazônica e dos potenciais benefícios farmacológicos e industriais derivados. 5. Liderança brasileira O Brasil reúne todas as condições para ser indutor desse esforço coletivo de integração elétrica. Está no centro geodésico do continente; tem fronteira com 10 de seus 12 vizinhos continentais; dispõe de expertise na geração e transmissão de energia elétrica a grandes distâncias; é o maior mercado de energia elétrica do continente e detém modelo econômico consistente de expansão da capacidade produtiva através de leilões com eficiência, modicidade e segurança. Pela sua escala e complexidade, o sistema elétrico brasileiro apresenta um modelo consistente e dinâmico, com bases institucionais e econômicas muito sólidas e um padrão de financiamento que vem se adaptando a novos desafios, inclusive a excepcional crise hídrica de anos recentes. Não há tampouco que ignorar a rica diversidade de sua matriz geradora, capaz de combinar e integrar fontes alternativas e sobretudo renováveis (Castro, 2010). O Brasil desfruta ainda de condições favoráveis para assegurar financiamento para obras de infra-estrutura na região, inclusive no setor elétrico. Por meio do BNDES e do Programa Proex do Banco do Brasil, estão à disposição volumes significativos de recursos para viabilizar investimentos de alto custo e rentabilidade de longo prazo. O Brasil também vem contribuindo mediante financiamentos em condições favoráveis no âmbito do FOCEM (Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL). Caberia complementarmente retomar negociações com vistas à criação do Banco do Sul, que poderia multiplicar os recursos já disponíveis para esse fim no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e na Corporación Andina de Fomento (CAF). 79 Igualmente crucial é encontrar meios de compatibilizar as legítimas preocupações quanto ao impacto socioambiental de obras dessa envergadura com o imperativo de ampliar a oferta de energia para o desenvolvimento. No passado, o empreendimento da Binacional Itaipu ofereceu valiosas lições a esse respeito. No entanto, crescem novos desafios relacionados à necessidade de ir além da simples mitigação de impactos sócio-ambientais das obras. Projetos mais recentes no Brasil, caso do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX), buscam, de um lado, identificar oportunidade e necessidades para gerar ganhos econômicos estruturantes, capazes de catalisar o desenvolvimento local. A obra deixa de ser vista como empreendimento isolado, cujos impactos adversos devem ser mitigados, para ser entendido como “âncora” de projeto de desenvolvimento sustentável maior, abarcando toda a área de influência da obra. Dentro da mesma lógica, enfatizam-se, de outro lado, programas de democratização do acesso a serviços de eletrificação.10 Nada pode ser mais emblemático da exclusão dos ganhos da construção de uma hidroelétrica do que continuar a viver na escuridão enquanto a eletricidade gerada em sua região é levada embora para benefício de indivíduos e de economias distantes. Nesse esforço de conquistar a confiança e o engajamento de comunidades locais, trabalha-se com proposta inovadora centrada na adoção de medidas antecipatórias.Trata-se de reconhecer que as populações locais sofrem, muitas vezes por anos, os efeitos deletérios de uma obra antes de serem contemplados com as compensações anunciadas. No mais das vezes, os benefícios não compensavam os impactos socioambientais adversos da intervenção, até porque muitas vezes chegam de forma muito tardia, quando os danos já são irreversíveis, especialmente para comunidades socialmente frágeis e economicamente vulneráveis. 6. Conclusão No momento em que a globalização reorganiza radicalmente as relações econômicas mundiais e lança novos desafios em matéria de sustentabilida10 Um exemplo é o Programa ”Luz para Todos”, voltado para expandir o acesso à energia elétrica nos rincões mais distantes do Brasil. Pela primeira vez, muitas comunidades locais passaram a beneiciar-se de serviços públicos básicos antes inacessíveis. 80 de ambiental, abre-se para a América do Sul oportunidade excepcional de redefinir os términos de sua inserção na economia mundial. Maximizar sua competitividade na economia globalizada significa maximizar também suas vantagens comparativas, sobretudo a partir da abundância de recursos naturais e de sua relativa homogeneidade lingüística e cultural. A integração da infraestrutura de energia elétrica permite multiplicar os benefícios da integração para o continente: geração de renda; garantia de fornecimento de energia segura, renovável e barata. Oferecem-se assim as melhores condições para consolidar um espaço econômico integrado, capaz de realizar o potencial produtivo da população sul-americana. Por suas características físicas e experiência no campo da energia elétrica, o Brasil tem todos os motivos para exercer liderança solidária, pondo seus recursos e capacidades à disposição de um projeto que beneficiará todos. De um lado, a integração elétrica facilitará o acesso do parque produtivo brasileiro a fontes mais amplas e diversificadas de energia no futuro. Isto é especialmente importante num momento em que preocupações associadas à mudança climática e demandas por uma maior democratização no controle dos recursos naturais coletivos ambientais vem constrangendo progressivamente o potencial hidroelétrico regional e, sobretudo, brasileiro. 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Preâmbulo A América Latina possui um enorme potencial de integração energética devido à sua abundância de recursos naturais e a complementariedade das diversas fontes entre os países, porém, historicamente, este potencial tem sido subutilizado. As razões para não se recorrer ao potencial de ganhos decorrentes de uma integração mais abrangente entre os países podem ser identificadas de forma sensivelmente precisa e remontam a um amplo espectro de restrições e / ou condicionantes que precisariam ser removidas, ou pelo menos contornadas. O momento sendo vivenciado, particularmente nos países do Cone Sul, é emblemático, com necessidade inadiável de se promover uma necessária adaptação e transformação da matriz energética, afim de incorporar de forma massiva novos recursos que vêm ganhando competitividade econômica, em face de desenvolvimento tecnológico e ganho de escala em esfera global. Dentro dessa conjuntura, é absolutamente indispensável avançar no aperfeiçoamento das arquiteturas de mercado vigentes, considerando a possibilidade de estimular e viabilizar economicamente as interligações entre sistemas elétricos de países vizinhos, tendo em vista a realidade que se descortina e que contempla (i) a participação crescente e de grande escala das fontes renováveis, em particular as intermitentes, na matriz de produção de cada país, com frequente geração importante de excedentes de oferta; com (ii) contingenciamento da fonte hidrelétrica devido a restrições ambientais e (iii) a presença marcante da geração distribuída, inclusive alavancada pela penetração do Gás Natural no segmento comercial do mercado de energia elétrica e a entrada 1 Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas Escola Politécnica da Universidade de São Paulo 85 massiva de geração solar fotovoltaica no segmento de baixa tensão e; por último, mas não menos importante, (iv) o avanço das Redes Inteligentes nos sistemas de distribuição (“smart grids”). Não obstante a visualização inquestionável de que a integração energética pode alavancar importantes ganhos energéticos para todos os envolvidos, subsistem obstáculos a essa integração e que podem ser resumidos (i) na eventual falta de vontade política proporcional aos desafios técnicos e financeiros a serem enfrentados; (ii) falta da adequada percepção de que as interligações devem ser observadas no foco de uma visão estratégica e de longo prazo; (iii) falta de sistematização de uma atividade de planejamento regional que proporcione os subsídios necessários aos Tomadores de Decisão e; (iv) dificuldades para legitimação de Tratados Internacionais bilaterais. Por fim, na vertente prática de implementação, há que se enfrentar o desafio de dimensionar, construir e operar um sistema de transmissão de grande capacidade, que permita intercâmbios flexíveis entre os países integrados, atendendo a rígidos requisitos de robustez e confiabilidade. Nessa perspectiva, o objetivo deste Capítulo está centrado na proposição de medidas para criar um ambiente de mercado favorável para uma forte Integração Regional, com enfoque especial no mercado de energia elétrica. A segunda seção apresenta a importância da Integração Regional. A seção seguinte descreve a atual situação de nível ainda reduzido de Integração Regional. Na sequência, a quarta seção aborda as modalidades de integração que são usualmente consideradas em estudos de Arquitetura de Mercados de Energia Elétrica. Na quinta seção apresenta-se as recomendações que, do ponto de vista do Brasil, poderiam ser adotadas, no sentido de promover uma Integração Regional mais ampla. Por fim, se apresenta as Conclusões desse esforço de análise crítica do estado da arte da integração energética em âmbito da América Latina, com ênfase no Cone Sul. 2. Integração Regional: Benefícios Potenciais e Relevância 2.1 Benefícios Potenciais da Integração Regional entre Países Os estudos de Planejamento Regional, envolvendo países de uma determinada região ou subcontinente, têm por foco a integração dos recursos 86 energéticos (eletricidade, gás, petróleo, etc.) de cada país, de modo que no conjunto se possa explorar de forma intensa a sinergia e complementaridade energética que em geral subsiste quando se observa os recursos estratificados em uma região territorial muito extensa. Nas análises técnicas a serem elaboradas para capturar a possibilidade de maximizar o aproveitamento dos recursos, devem ser considerados os mais recentes avanços tecnológicos em equipamentos, metodologias e modelos computacionais, com objetivo de proporcionar a melhor sinalização possível aos “tomadores de decisão”, tendo em vista a formulação de políticas e estratégias para garantir coerência dos interesses dos países envolvidos com decisões de investidores. Por seu turno, nos estudos de Planejamento Regional se deverá contemplar também, como um elemento fulcral, a alocação de benefícios aos Consumidores, respeitando a autonomia de políticas energéticas de cada país. Nesse âmbito de considerações, os benefícios estruturais que se pode identificar e quantificar, para uma valorização econômica adequada para fins de cotejo entre alternativas de implementação, são fundamentalmente: 1. a redução dos custos operacionais; 2. aumento da confiabilidade de suprimento; e 3. redução de emissão de CO2 . Na sequência, se deve formular a estratégia de alocação dos ganhos decorrentes das interconexões energéticas entre países, de modo a garantir o compartilhamento desses benefícios com os consumidores dos países envolvidos (redução da tarifa). Além disso, deve-se estabelecer o desenho de esquemas comerciais flexíveis para preservar a autonomia e a política energética de cada país, consolidando as decisões emergentes dos estudos de planejamento e obtendo o devido respaldo institucional através de Tratados e Acordos Internacionais, no nível de Governo. 2.2 A importância da Integração Regional A Integração Regional dos Mercados de Energia Elétrica tem repercussões que podem ser aferidas na ótica de diversas dimensões, sendo oportuno destacar as dimensões política, econômica e eletroenergética. 87 Na dimensão política ressalta-se a Integração Regional, no sentido de permitir que os países envolvidos ganhem maior força em negociações políticas e econômicas multilaterais. De fato, pois a complementariedade das fontes de suprimento elevará o nível de segurança energética, o que consequentemente proporciona um ambiente de negócios mais favorável para investimentos, não somente na indústria de energia elétrica, como nas demais atividades econômicas como um todo. Por sua vez, na dimensão econômica observa-se que a interconexão entre os países permite obter economias de escala e uma alocação mais eficiente dos recursos escassos e, muitas vezes, com custos crescentes ao longo do tempo para geração de energia elétrica. Uma alocação mais eficiente dos recursos incide positivamente no desenvolvimento socioeconômico.Ainda, na perspectiva da dimensão econômica, pode-se afirmar que uma Integração de Mercados exitosa, que proporcione preços mais acessíveis para a energia, permitiria um melhor nível de competitividade das indústrias dos países membros na economia global [1]. Por fim, a análise na dimensão eletroenergética permite destacar que a Integração enseja a possibilidade de tirar proveito da complementariedade de produção das fontes energéticas dos diferentes países, o que aumenta a segurança de suprimento de médio e longo prazo. De outro ângulo, no curto prazo, os intercâmbios podem auxiliar no gerenciamento do grid em situações de stress, além de dar maior flexibilidade para os operadores do sistema. Desse modo, pode-se intuir que, sem sombra de dúvida, esta integração é extremamente importante nas três dimensões sublinhadas e, mais que isso, apresenta-se aí a oportunidade do Brasil atuar como promotor da integração ampla, utilizando não somente acordos entre os Países, mas também contribuindo decisivamente para a construção de um ambiente de mercado favorável para a segurança do suprimento e para o desenvolvimento socioeconômico, com empresas sólidas e que atuem em um ambiente competitivo, com fulcro na maximização do bem-estar dos envolvidos, permitindo que os consumidores dos países tenham acesso à energia elétrica confiável e com preços competitivos. 3. O nível reduzido de Integração Regional Apesar da complementariedade de fontes energéticas mencionadas e da ausência de grandes conflitos geopolíticos entre os países da América Lati- 88 na, pode-se dizer que o nível de Integração Regional é ainda relativamente baixo2, particularmente no que respeita à integração entre mercados, apesar do avanço dos últimos anos, sendo de especial interesse a discreta evolução ocorrida entre os países da América do Sul. Nessa perspectiva, cumpre ressaltar que quando se analisa o caso do Brasil com seus vizinhos, por exemplo, observa-se que as relações de intercâmbio regional são normalmente restritas a operações de troca de energia elétrica em momentos críticos por meio de acordos entre governos, com ausência de uma abordagem de mercado. Exceção deve ser feita às usinas hidroelétricas binacionais, tais como Itaipu (Brasil-Paraguai), Salto Grande (Argentina-Uruguai) e Yacyretá (Argentina-Paraguai), cumprindo observar que apesar de se tratar de um relacionamento de longo prazo, o elemento de suporte da decisão foi muito mais a visão de um acordo de geopolítica e de estratégias nacionais, do que o foco de uma Integração Regional fundamentada em aspectos de mercado. Tanto isso é verdade, que não raramente surgem conflitos sobre valores da energia elétrica vendida pela parte exportadora ou ainda surgem problemas quanto ao pagamento efetivo das operações. A Figura 1 apresenta as interconexões elétricas do Cone Sul [2]. Se for considerada a conexão Brasil-Uruguai que entrou em operação comercial no final de 2015, seria possível que o Brasil realizasse intercâmbios de energia elétrica da ordem de 2.8 GW. Ao se observar em maior detalhe o funcionamento das interligações regionais no Cone Sul, surge a percepção inequívoca de que estas interconexões estão sendo utilizadas somente em situações extremas, fato que caracteriza importante capacidade ociosa a ser explorada. Entende-se que esta subutilização é um sério problema a ser endereçado entre os países envolvidos, pois (i) encarece o custo da energia elétrica para 2 Vale ressaltar que na América Central a integração elétrica entre países existe há bastante tempo, com um circuito de 230 kV de tensão nominal – Linha SIEPAC - saindo do Panamá e indo até a Guatemala e sendo acessado pelos outros países ao longo de seu trajeto (Costa Rica, Honduras, El Salvador e Nicarágua), mas a integração entre mercados evoluiu de forma marcante apenas nos últimos três a quatro anos, com a entrada em vigor de um regramento definitivo para disciplinar as trocas energéticas, a criação de um Ente Operador Regional e até mesmo a implementação de um planejamento regionalizado, ponderando os benefícios da interligação e visualizando oportunidades de reforçar a integração entre os países. Não obstante, para que se atinja o nível de integração entre mercados (comercialização de energia) existente em alguns mercados do mundo (Nordpool / PJM / MIBEL, por exemplo) ainda resta um caminho a percorrer. 89 todos os países, em face do custo de recuperação do capital alocado nos ativos já disponíveis, bem como (ii) se deixa de explorar mais intensamente e tirar proveito do caráter estratégico dos mercados de energia elétrica para toda a economia e sociedade. Figura 1 – Interconexões do Cone Sul Fonte: Informe CIER 15 [1] De forma mais explícita, se deixa de estar alinhado a uma tendência mundial irreversível, que é a tendência de efetivação de interconexões de sistemas elétricos, que traz como vantagens a possibilidade de aproveitar a diversidade e complementariedade das matrizes energéticas dos países integrados; permitindo ainda a ampliação da segurança energética e mitigação de determinados impactos ambientais, tais como aqueles provocados por áreas alagadas e áreas de servidão nos grandes corredores de transmissão, uma vez que a integração 90 entre países permite reduzir a necessidade de expansão de usinas e linhas de transmissão. Ao não se integrar de forma ampla países que têm recursos complementares e com diversidade de produção, se deixa de obter um aumento da eficiência econômica, traduzido por menores custos de produção de energia, perdendo também a oportunidade de ampliar a competitividade do país/ região no cenário mundial. Para solucionar este problema, é necessário encontrar um modo de Integrar os Mercados de Energia Elétrica, de tal forma que as operações ocorram com maior dinamismo e naturalidade, sem se limitar à construção de usinas binacionais (as quais sem dúvida devem ser recomendadas) ou a intercâmbios de oportunidades. 4. Modalidades possíveis de Integração de Mercado Analisando as possibilidades de Integração de Mercados, existem duas abordagens que, do ponto de vista macroscópico, podem ser sintetizadas como: 1. Construção de usinas binacionais; 2. Integração de Mercados. Apresenta-se a seguir a conceituação de cada uma dessas abordagens [3]. 4.1 Construção de usinas binacionais Esta é a abordagem mais conhecida e até mesmo utilizada em algumas oportunidades na América do Sul, consistindo em uma solução de integração em que dois países, por questões econômicas, geopolíticas e estratégicas, constroem um empreendimento materializado por uma usina binacional, usualmente localizada na fronteira entre esses países, com arranjo contratual prevendo que os investimentos, lucros e a produção de energia elétrica serão compartilhados. Normalmente o país com o maior mercado consumidor tende a alavancar o projeto e, muitas vezes, funciona como viabilizador econômico, com a obtenção de um financiamento para construção da obra, por exemplo, com frequência recebendo ressarcimento de seu maior aporte ao Projeto na forma de energia. 91 Atualmente existem três grandes usinas binacionais na América do Sul [2]: Itaipu (Brasil-Paraguai) com 14 GW de potência, Salto Grande (Argentina-Uruguai) 1,9 GW, e Yacyretá (Argentina-Paraguai) 3,1 GW. Há outros projetos em estudos com esta mesma lógica binacional3, com destaque para a construção de uma usina hidroelétrica entre Brasil-Bolívia, no Rio Madeira e um aproveitamento eólico conjunto entre Brasil-Uruguai. Note-se que a despeito de sua atratividade econômico-financeira e viabilidade do ponto de vista ambiental, estes projetos estão em um ritmo lento devido à ausência de mecanismos de viabilização devidamente acordados entre os países, sendo relevante sublinhar que a abordagem usualmente utilizada ainda hoje consiste em um acordo geopolítico, muito mais do que uma necessidade de mercado de energia elétrica. Entende-se que a construção de projetos binacionais pode e deve ser incentivada, porém a ausência de um direcionamento político mais assertivo nesta direção e uma conformidade jurídica, que seja aceita pelos dois lados envolvidos, impedem que seja acelerada a implementação destes projetos.Vale citar, ainda, por oportuno, o caso de desenvolvimento de aproveitamentos de forma conjunta, totalmente localizados no território de um País, cujo mercado não tem escala suficiente para garantir a viabilidade econômica do empreendimento, mesmo considerando que tenha custos unitários extremamente interessantes, já que levaria muito tempo para ser absorvido pelo mercado do País detentor do potencial. Essa possibilidade encontra exemplo concreto de materialização, para o caso de aproveitamentos extremamente econômicos situados no Peru, mas que não tem escala para o mercado peruano individualmente, enquanto que o mercado brasileiro pode garantir justamente a escala de mercado que viabiliza o aproveitamento. Outro exemplo é o potencial hidrelétrico boliviano denominado de Cachuela Esperanza, que somente se viabiliza ao se agregar mercado do lado brasileiro. Desse modo, a possibilidade de agregar mercados para garantir escala que favoreça a absorção de um aproveitamento de porte em tempo compatível à sua viabilização econômica, surge como uma variante da alternativa de integrar mercados via construção de aproveitamentos binacionais, aqui entendidos no sentido mais comumente utilizado, que seria o de desenvolvimento de potenciais de fronteira, com compartilhamento de custos e benefícios. 3 92 Por exemplo, as usinas hidrelétricas de Garabi, Corpus e Panambi. 4.2 Integração de mercados Uma abordagem mais perene e de longo prazo seria constituir mecanismos regulatórios e de mercado entre dois países em que se vislumbre integração atrativa, onde se fixasse as principais diretrizes e regramento regulatório para comercialização de energia entre esses países, válido por tempo indeterminado e que, por conseguinte, trouxesse conforto para os investidores interessados em desenvolver empreendimentos de integração energética. Em outras palavras, se deveria ter um arranjo técnico e comercial previamente aprovado, em nível de Governo e, possivelmente, respaldado por um Tratado, que não estivesse focado em um empreendimento específico, mas sim em qualquer oportunidade de intercâmbio energético entre os países signatários, permitindo aos Agentes visualizar um arcabouço técnico e regulatório sustentável e que trouxesse como benefício a alavancagem de oportunidades para (i) melhorar a confiabilidade operacional dos sistemas elétricos; (ii) aumentar a flexibilidade do planejamento energético e (iii) garantir uma sustentabilidade econômica e financeira dos envolvidos, com ganhos compartilhados. A seguir apresenta-se os diferentes estágios possíveis para integração de mercados [3]. 4.2.1 Intercâmbio de Oportunidade Este estágio é caracterizado pela oferta interruptível de volume e preço de energia elétrica na fronteira do país. Normalmente este tipo de oferta é estabelecida pelos formuladores de políticas dos países (no caso brasileiro o Ministério de Minas e Energia) por um período determinado e com condições bastante específicas relacionadas tanto à fonte a ser disponibilizada, quanto às condições comerciais pré-fixadas (térmicas não despachadas, energia hidroelétrica vertida turbinável, etc). Como o próprio nome sugere, por ser um Intercâmbio de Oportunidade, caracteriza-se uma troca energética conjuntural e definida de acordo com a vontade casual dos países envolvidos. Isto implica que em cada momento de troca sejam realizadas negociações e discussões econômicas e regulatórias, o que diminui o dinamismo das operações. Assim, para cada intercâmbio de oportunidade, os operadores de cada país trocam informações para coordenação da entrega/recebimento da energia elétrica na fronteira. Dada a natureza conjuntural e excepcional deste mecanismo, estes intercâmbios não formam preço na operação do sistema e 93 nem constituem lastro para os consumidores, além de não afetarem de forma estrutural o balanço energético dos países. 4.2.2 Contratação Firme de Energia A contratação firme de energia envolve contratos bilaterais realizados diretamente entre as partes. No Brasil a contratação poderia ocorrer no Ambiente de Contratação Livre (ACL) ou no Ambiente de Contratação Regulada (ACR), sendo que no ACR a transação obrigatoriamente ocorreria por meio de leilões organizados de forma centralizada, tendo em vista o atendimento das Distribuidoras. Os leilões podem ser de energia nova, com prazos mais longos (normalmente 30 anos para hidro e 20 anos para demais fontes), ou de energia existente com prazos mais curtos (no mínimo 1 ano e no máximo 15 anos, observando que o mais comum são contratos de até 5 anos). Neste caso, o montante de intercâmbio é limitado, pela parte compradora, por Cláusula específica no próprio instrumento contratual. Este montante de energia firme acaba por influenciar na formação do preço do mercado de curto prazo (MCP) de cada país, porém cada um dos envolvidos permanece com a autonomia metodológica de definir o preço no MCP e de como considerará o montante transacionado em sua formação. A maior parte das regras comerciais é definida pelo país comprador, ou seja, o exportador se utiliza do ambiente de mercado do comprador e deve acatar seu desenho, estrutura, regulação e autonomia. Isto implica atender os requisitos contratuais, as garantias financeiras e a sujeição a eventuais penalidades. A não entrega do montante contratado implica em exposição automática ao mercado de curto prazo e o vendedor deverá efetuar a liquidação no mercado comprador. Por exemplo, se o Brasil for importador, o volume contratado representa geração e poderá lastrear vendas. A empresa que realizar os trâmites comerciais de importação responderá por todos os efeitos de uma não entrega ou venda a descoberto. Agora, caso o Brasil seja exportador, a exportação será considerada como uma carga na fronteira que deverá apresentar cobertura contratual. Esta modalidade já é mais evoluída do que o intercâmbio de oportunidade e os eventuais excedentes financeiros por congestionamento das linhas de transmissão que interligam os países podem ser alocados na proporção do investimento dos países na interligação. Há que destacar também que esta modalidade de integração já exige um grau maior de coordenação no Planejamento Ener94 gético dos países, pois apesar da autonomia que cada um ainda mantém, são necessários acordos mínimos para considerar este montante de energia como um recurso confiável, ao menos no período de suprimento fixado em Contrato. 4.2.3 Acoplamento de mercado (Market coupling) Como o próprio nome sugere, existe um acoplamento dos mercados dos países envolvidos, o que demandará ao menos uma harmonização regulatória mínima na consideração dos volumes de energia e na formação do preço de curto prazo de cada um dos países, como também dos volumes ofertados e demandados e do planejamento energético. Existem basicamente três modalidades de acoplamento: (i) Por volume relaxado (loose volume coupling); (ii) Por volume restrito (tight volume coupling); e (iii) Por preço (price coupling). (i) Por volume relaxado (loose volume coupling) Cada país define a sua curva que relaciona o Custo Marginal de Operação (CMO) e o intercâmbio (curva de exportação ou importação), com ofertas de preço e quantidade. Um algoritmo único e comum entre os países cruza as ofertas de exportação e importação e define o fluxo que ocorrerá de intercâmbio. Assim, caberá a cada país internalizar em seus modelos os resultados deste algoritmo único na formação do preço do mercado de curto prazo, como também os rebatimentos comerciais e regulatórios. Neste modo de acoplamento é necessário acesso comum aos dados eletroenergéticos de todos os países envolvidos, para que seja possível realizar estudos coordenados de expansão da geração e da transmissão. Para que o relacionamento seja confiável e duradouro, os países envolvidos devem agir de modo não discriminatório entre as empresas que compõem o acoplamento, sendo que as metodologias para definição das curvas de importação e exportação devem ser transparentes e reprodutíveis. (ii) Por volume restrito (tight volume coupling) O acoplamento por volume restrito implica em um despacho coordenado entre os países, sendo que o intercâmbio é definido por meio de um modelo computacional único, com base em informações simplificadas dos sistemas. Nesta abordagem cada operador internaliza o fluxo do intercâmbio em seu modelo e define os preços do mercado de curto prazo. 95 As transações ocorrem no mercado de curto prazo de cada país e, por óbvio, respeitam as regras comerciais do país em que está ocorrendo a liquidação do montante. Isto permite que as políticas energéticas nacionais permaneçam autônomas, porém requer que o balanço estrutural dos envolvidos esteja equilibrado para que os intercâmbios de curto prazo signifiquem de fato uma otimização dos sistemas e não uma apropriação indevida de renda ou ainda um subsídio de fornecimento de um país para um outro. Se houver um equilíbrio estrutural, o intercâmbio de curto prazo pode até mesmo superar o volume do montante contratado, gerando diferenças que seriam liquidadas no mercado de curto prazo. Um exemplo bem-sucedido desta abordagem é o acoplamento do Nordpool com o CWE (França,Alemanha, Bélgica, Holanda e Luxemburgo). (iii) Por preço (price coupling) A modalidade de acoplamento por preço demanda um modelo computacional único para calcular o Custo Marginal de Operação - CMO dos países membros e o fluxo de intercâmbio ocorre com base em informações detalhadas dos sistemas eletroenergéticos dos países. Os operadores nacionais internalizam os fluxos de intercâmbio estabelecido pelo modelo e calculam os preços de curto prazo com o mesmo modelo computacional. Para que esta modalidade funcione, o grau de coordenação deve ser extremamente elevado e os países perdem autonomia em suas políticas, exigindo um Planejamento Energético Integrado que englobe não somente energia elétrica, mas as fontes de geração que serão utilizadas e como isto se relaciona com outros mercados de energéticos, como por exemplo o mercado de gás. O exemplo mais avançado desta modalidade é o CWE (França, Alemanha, Bélgica, Holanda e Luxemburgo), envolvendo os operadores destes países e a bolsa de energia elétrica EPEX-SPOT. 4.2.4 Integração Plena de Mercado (Market splitting) A integração plena seria o último estágio da integração dos mercados, pois contaria com apenas um operador para os países do bloco sendo integrado, sendo que cada país ou região seria tratado como um submercado, similar ao que o Brasil realiza internamente na operação do Sistema Interligado Nacional (SIN). Exemplificando, seria como se o modelo de operação do SIN fosse replicado em uma escala maior, englobando todos os países que desejam estar integrados, onde cada país representaria um submercado ou zona. 96 Haveria um único algoritmo para definição do despacho e que formaria o CMO e o preço do mercado de curto prazo. Dada esta operação integrada, é necessária uma harmonização quase que plena na regulamentação dos países, nos critérios de expansão da geração e transmissão e nas regras comerciais de remuneração dos ativos. O ponto mais polêmico, em especial para América Latina, seria a definição de um operador único, o que implica na perda de autonomia dos países e o receio de que este operador atue de modo discriminatório beneficiando os países com maior mercado consumidor. Os dois exemplos mais avançados são o MIBEL (Portugal e Espanha) e o Nordpool (Noruega, Suécia, Finlândia e Dinamarca). 4.3 Pontos de Atenção concernentes à Integração de Mercados A Integração dos Mercados de energia elétrica é mais complexa do que se pode imaginar em um primeiro momento, pois envolve um produto especial e estratégico. Como afirmou Ruben Chaer da ADME Uruguai [4]:“Os países deveriam dar mais atenção à energia elétrica do que para suas moedas, pois sua emissão é muito mais complexa”. A Figura 2 sintetiza os diferentes estágios de integração apresentados e nos permite uma reflexão sobre os pontos de atenção que devem ser observados pelo Brasil no sentido de alavancar a Integração dos Mercados na América Latina, e em especial com os países vizinhos da América do Sul. Figura 2 – Diferentes estágios da Integração de Mercados. Fonte: Altieri [3] 97 O Anexo 1 também auxilia na análise do tema, com um detalhamento maior sobre a operação, intercâmbio, preço do mercado de curto prazo e as regras de comercialização. Como pontos a serem observados e / ou negociados entre os países que pretendam fixar interconexão elétrica entre si, pode-se citar: 1. a redução da autossuficiência energética (interdependência energética); 2. Redução da autonomia operacional; 3. Complexidade na construção dos marcos legais, tratados, acordos e regras; 4. Ampliação dos riscos devido a alterações nas condições pactuadas, através de intervenções dos governos (ex. desapropriação de ativos, novas legislações e tributações); 5. Possíveis impactos nas relações diplomáticas entre os países; 6. Definição de projetos de interesse comum e financiabilidade. Como pontos de atenção que devem ser observados pelo Brasil podem ser elencados: • Uma adequação das regras de comercialização para que o processo de exportação e importação seja mais dinâmico e abrangente. • Analisar definições regulatórias relacionadas a diversos aspectos do funcionamento do modelo institucional brasileiro, como por exemplo o despacho termelétrico fora da ordem de mérito e os encargos resultantes, afetando artificialmente a formação de preços no mercado de curto prazo e impactando nos custos de diversos agentes, de modo a identificar os casos em que o regramento regulatório possa dar origem a obstáculos relevantes à integração com os países vizinhos. • Garantias Financeiras e aspectos comerciais como câmbio e assunção de riscos. • Enquadramento tributário dos agentes que comercializarão a energia proveniente de intercâmbios entre países. • Rateios específicos do sistema de regras de comercialização, que podem inviabilizar um processo de intercâmbio comercial, agregando custos que eventualmente afetem a viabilidade econômica da energia intercambiada. 98 Em um processo de integração entre países, deve haver sempre ganhadores em escala majoritária, mas em geral, ao menos em termos localizados, há agentes perdedores. Os Agentes ou Atores que antecipam potenciais perdas ficam tentados a atrasar ou impedir as mudanças. Por exemplo, em uma região que conta com energia mais abundante, os consumidores podem rejeitar a integração, que seria vista como desejável pelos geradores/vendedores. Por outro lado, em uma região com escassez potencial, os geradores têm incentivos a rejeitar a integração e a importação de energia externa, temendo verem reduzidas suas margens, caracterizando uma situação em que, ao contrário, os consumidores seriam favoráveis, já que seriam beneficiados. Apesar da complexidade dos pontos de atenção suscitados, entende-se que o Brasil pode e deve endereçar estas questões considerando o aspecto estratégico de uma Integração dos Mercados de Energia e os benefícios que podem ser obtidos para os países envolvidos, tanto na dimensão de segurança do suprimento quanto na dimensão socioeconômica [5]. Como exemplo de regras e diretrizes para o suporte de uma atividade destinada a viabilizar o equacionamento das dificuldades de integração já mapeadas na atualidade dos Marcos Regulatórios dos países do Cone Sul, pode-se citar: • Contratação bilateral direta entre as partes, que no caso brasileiro pode ser viabilizada tanto no ACL – Ambiente de Contratação Livre, quanto no ACR – Ambiente de Contratação Regulada, nesse último caso através de leilão de energia nova e/ou existente. • O Intercâmbio deve ser definido pela parte compradora e estar limitado ao valor contratado. • A Formação do preço deve seguir regra de cada país. • As Regras de comercialização devem ser definidas em cada país. • A contratação bilateral resultante do acordo de comercialização de energia entre os países forma lastro (garantia física) e, portanto, requer cobertura contratual. • Se Brasil for importador, o volume contratado representa geração e pode lastrear vendas tendo, por outro lado, obrigação de pagar encargos de geração. • Se o Brasil for exportador, a exportação será representada como carga e deverá apresentar cobertura contratual, pagando os encargos de consumo. 99 • • • • A não entrega da energia contratada implica compra no MCP e pagamento de penalidades. A alocação de excedente financeiro gerado por congestionamento da LT que interliga os países pode se dar na proporção do investimento dos países na interligação. Na medida do possível, as regras devem propiciar uma apropriação justa, do ponto de vista econômico-financeiro, dos ganhos de integração por parte do consumidor, blindando a transferência imediata das variações de preço decorrentes dos processos de integração às tarifas dos consumidores cativos. O Planejamento Energético deve aceitar uma coordenação apenas parcial, visando salvaguardar um grau importante de independência para os países signatários de acordos / tratados para integração energética, sob pena de haver resistências que inviabilizem a iniciativa. A Figura 3 a seguir apresenta uma proposta de arranjo comercial para empreendimento binacional envolvendo o Brasil, ponderando o fato de que o modelo adotado para Itaipu dificilmente será utilizado novamente [3]. Figura 3 – Arranjo Comercial para comercialização de energia de Projeto Binacional Fonte: Altieri [3] 100 Pode-se pontuar ainda que um avanço significativo na viabilização de novas interligações poderá ocorrer se forem adotados procedimentos adequados para incorporar nas análises e processo decisório a avaliação de custos e benefícios da integração, tais como porte e financiabilidade dos investimentos para expansão de usinas e linhas de transmissão associadas ao acordo de intercâmbio que se estiver formatando, quantificando o impacto tarifário resultante dos dois lados, bem como os condicionantes para o financiamento da infraestrutura o e regramento para transmitir aos Agentes de Mercado a percepção de segurança jurídica. Devem ser definidas modalidades de integração para curto, médio e longo prazos, considerando aspectos específicos de planejamento, operação e comercialização para cada modalidade de intercâmbio, avançando na construção de um plano para implantação dos empreendimentos necessários (Usinas, Linhas de Transmissão e Subestações), elaborando ainda os marcos legais e comerciais que permitam a integração em bases consistentes e atraentes aos Agentes, incluindo, para bem da segurança jurídica, tratados internacionais entre os países envolvidos, que respaldem também a segurança financeira e operacional das transações a serem realizadas nos mercados de cada País envolvido. O Acordo a ser firmado deve incorporar adicionalmente a explicitação do tratamento a ser adotado em situações excepcionais que podem ocorrer, como por exemplo as situações de desabastecimento e / ou crise energética. O Acordo principal deve dar guarida ainda à elaboração de acordos de cooperação e procedimentos e respectivas competências para os Órgãos de Planejamento e de Operação do sistema elétrico e do mercado dos países envolvidos, que contribuam para promover a integração entre os mercados e remover obstáculos que frequentemente se observam em decorrência de lacunas e insuficiências no regramento estabelecido. 5. Recomendações para que o Brasil inicie o processo de Integração As perspectivas de evolução do sistema brasileiro em futuro próximo revelam que projetos com geração controlável (plantas despacháveis ao comando do Operador) tendem a ser relativamente escassos na trajetória de expansão 101 da oferta do sistema interligado. Há que ter em vista que novas hidroelétricas são na maioria a fio d’água com pouca geração no segundo semestre, pelo que é inexorável que nova geração térmica será necessária para regular o sistema, sendo que o Brasil é dependente de importações de gás e carvão. As principais motivações para a integração com países vizinhos, do ponto de vista do Brasil, podem ser resumidas em (i) acesso a novas fontes de energia firme; (ii) aproveitamento de recursos hídricos compartilhados (usinas binacionais); (iii) reforço no suprimento de gás/carvão ou até mesmo importação de energia térmica; (iv) oportunidades de negócio/trocas de ocasião; (v) aumento da integração econômica. O Brasil, como principal mercado da América do Sul e da América Latina, deveria atuar intensamente no sentido de promover a Integração Regional dos mercados de energia elétrica. Normalmente discute-se uma lógica de integração plena dos mercados e de uma operação física coordenada, o que se entende ser muito difícil de se alcançar em um primeiro momento. De fato, não se pode ignorar a realidade de que a construção de um mercado de energia nos moldes europeus na América do Sul é improvável, em razão de (i) modelos regulatórios incompatíveis; (ii) vários países praticam subsídios e/ou preços administrados na geração; (iii) maior mercado no Cone Sul, o Brasil tem um modelo comercial que dificulta uma integração no estilo europeu, com peculiaridades que inviabilizam a assimilação de um modelo tipo europeu, já que (a) o modelo comercial é de compra e venda de garantia física e não de energia; (b) a garantia física só é possível de ser calculada em um sistema modelado como sendo “fechado em si mesmo”. Por conseguinte, esses óbices colocam restrições ao tipo de integração elétrica, já que uma integração ao estilo europeu, considerando mercado de energia e potência, onde o principal “player” tem uma arquitetura de mercado alicerçada no conceito de “lastro” (Garantia Física), não é viável. A partir das discussões realizadas em recente Workshop de Integração de Mercados promovido pelo BRACIER (Comitê Brasileiro da CIER – Comissión de Integración Eléctrica Regional), acredita-se que o Brasil possa funcionar como indutor desta integração de forma incremental, ou seja, estabelecendo mecanismos regulatórios para que países vizinhos que desejam ofertar e comprar energia elétrica no mercado brasileiro tenham livre acesso e disponham de regras claras e não discriminatórias [7]. Cumpre lembrar que o Brasil tem fartos recursos naturais renováveis para geração, mas subsiste um grande bloco de fontes intermitentes. Por isso mes- 102 mo, a integração elétrica com importação de energia firme pode interessar ao Brasil. Neste sentido, são elencadas a seguir recomendações que se entende oportunas e que o Brasil poderia adotar para criar um ambiente de mercado favorável (marketplace) à Integração Regional: • Mecanismos regulatórios claros para importação e exportação de energia: Criar uma regulamentação para que empresas possam se estabelecer no mercado brasileiro com o intuito de importar e exportar energia. Neste sentido a abordagem utilizada pela Colômbia para com o Equador pode ser um bom exemplo [1], dado que o país com o maior mercado promoveu mecanismos de incentivo econômico e regulatório para promover a integração. Esta regulamentação deveria abarcar questões sobre em quais condições o mercado brasileiro aceita que sejam realizadas as operações, quais os critérios técnicos e comerciais a serem observados e a forma que a empresa deverá atuar e prestar contas para o operador do mercado (CCEE), o operador do sistema (ONS) e a Agência Reguladora (ANEEL). • Participação em leilões de energia elétrica: Permitir que importadores possam participar de leilões de energia elétrica para suprimento do mercado brasileiro regulado (ACR). Considerando a natureza sempre sensível do fornecimento de energia elétrica no longo prazo, os contratos deveriam ser de um prazo mais reduzido (por exemplo, 5 anos) com compromisso por parte do Brasil de compra automática por um igual período, se manifestado interesse pela parte vendedora com até um ano de antecedência, de modo a dar ao Agente Vendedor a perspectiva de um período de pelo menos 10 anos de energia comercializada, importante para a obtenção de garantias (PPA – Power Purchase Agreement) que respaldem os financiamentos necessários à viabilização dos empreendimentos. Isto alavancaria uma Integração Regional, daria uma garantia de recebível para os vendedores que desejam construir novas usinas e teria a flexibilidade para o fornecedor mudar sua estratégia ao longo do tempo, considerando por exemplo o crescimento do mercado doméstico e o menor espaço para exportar energia. Contudo, deve-se constituir um mecanismo de garantias financeiras e uma arbitragem internacional para casos de ruptura do fornecimento. • Construção de empreendimentos vocacionados para exportação: Existem diversas oportunidade de construção de hidroelétricas 103 • na Região Amazônica (binacionais – isto é, de fronteira – ou não), como também de projetos eólicos e térmicos na região do Cone Sul, que podem ser vocacionados para a exportação e, por isso mesmo, incentivados. Apesar de ser uma metodologia de integração considerada como de Estado [6], entende-se que se for realizada com complementariedade de mecanismos de mercado pode ser bem sucedida (exemplos: oferta de energia excedente interruptível para o operador, contratos em leilões, etc). Implementação de estímulos regulatórios e econômicos: O Brasil poderia conceder estímulos regulatórios e econômicos que atraíssem novos investimentos em linhas de transmissão, visando aumentar as interconexões disponíveis e assim diminuir as restrições de intercâmbio, em especial para momentos em que um país tem abundância de recursos e o outro apresenta escassez. 6. Conclusões Consolida-se, em várias partes do mundo, uma nova tendência de integração não só comercial, mas, sobretudo, energética, como forma de otimizar empreendimentos de geração existentes e, como subproduto, minimizar a necessidade de expansão de novas usinas que agridam o meio ambiente, para atender à crescente demanda dos países que venham a participar dessa integração. Esse movimento já existe entre Canadá e EUA, Alemanha e Áustria, Noruega, Suécia, Finlândia e Dinamarca e desenvolve-se na União Europeia, na África Austral e no MERCOSUL. Essa tendência se justifica, posto que, sem nenhuma sombra de dúvida, a Integração dos Mercados de Energia Elétrica é muito importante, tanto na dimensão política, quanto nas dimensões econômica e eletroenergética. A Integração dá aos membros maior peso político em negociações multilaterais, além de permitir ganhos de escala na produção e transmissão de energia elétrica, resultando também em maior segurança do suprimento. Não obstante, é necessário que exista uma forte vontade política para fazer a intenção se transformar em realidade, que pressuponha o ambiente de competição como solução para preços justos ao consumidor final (decisão do mercado comum europeu na década de 90). 104 Os desenhos de mercado podem até ser diferentes (e isso deverá ocorrer por um bom tempo ainda ...), entretanto algumas características comuns são primordiais para o sucesso nas iniciativas de integração de mercados internacionais, quais sejam, (i) credibilidade, (ii) transparência e (iii) segurança jurídica. A adaptação das ferramentas e soluções modernas do mercado europeu aos mercados dos Países do Cone Sul, cada um a seu tempo, contudo perseguindo um objetivo de evolução gradual e convergência no longo prazo, é uma pauta recomendada para se alcançar os requisitos mínimos de mercados maduros. Nesse sentido, deve-se enfatizar que integração energética dos países no Cone Sul é uma agenda positiva, que deve ser enfrentada de forma objetiva, lembrando que o mercado de energia não será completo se continuar a ser encarado como questão puramente nacional. Cabe frisar ainda que o impacto das relações internacionais não está totalmente incorporado no planejamento da integração sul-americana, pelo que se recomenda envidar esforços para uma agenda conjunta de governos com esse objetivo em mira. Atualmente a América do Sul possui um nível de Integração Regional relativamente reduzido, em face do potencial existente. A integração iniciou-se com usinas binacionais, ancoradas em tratados internacionais, visando mitigar o risco político e econômico, na medida em que são projetos estratégicos e com longo prazo de maturação. As experiências em funcionamento no MERCOSUL se resumem às hidrelétricas de Itaipu (Brasil e Paraguai),Yaciretá (Argentina e Paraguai) e Salto Grande (Argentina e Uruguai); e os gasodutos da Argentina com Brasil, Chile e Uruguai; e da Bolívia com Argentina, Brasil e Chile. O crescimento da demanda por energia elétrica poderia levar à estruturação de um “polo energético” envolvendo Brasil, Argentina, Paraguai, Bolívia e Uruguai. Um outro exemplo seria Garabi e Panambi (2.700MW), no rio Uruguai (Alto Uruguai), que, além de resolver os problemas de suprimento da Argentina, poderia operar de forma harmônica com os demais empreendimentos à montante do rio e propiciar uma grande otimização energética. O Paraguai, pequeno consumidor, é um grande exportador de energia. E o mesmo ocorre com a Bolívia, cuja maior contribuição é no suprimento de gás natural, mas tem potencial hidrelétrico inventariado de mais de 30 GW. Portanto, existem condições para uma excelente complementaridade e sinergia para haver uma forte motivação em torno da implementação de um “polo 105 energético”, vencidas as adaptações às diferenças de ciclagem existentes, sem impedimentos técnicos e com custos absorvíveis. Entre os projetos conhecidos e que podem ser facilmente integrados às redes de transmissão existentes, pode-se citar ainda o aproveitamento de Corpus Christi (3.000MW) no Rio Paraná, por exemplo, situado na tríplice fronteira entre Paraguai, Brasil e Argentina, sendo relevante sublinhar que o empreendimento está situado nas proximidades de bacias altamente desenvolvidas e, com isso, gera benefícios ao sistema de preservação brasileiro e complementaridade térmica para a Argentina. Além das usinas binacionais, há que destacar o caso de integração na modalidade de “intercâmbio de oportunidade”, que já ocorre com alguma frequência, normalmente conduzido muito mais em atendimento a políticas de Estado, com visível ausência de mecanismos de mercado consistentes. Integrar mercados de energia elétrica não é uma tarefa simples e existem diversas formas de promover esta integração. O continente mais avançado neste sentido é a Europa, tendo tanto exemplos de integração por metodologia de acoplamento (volume e preço) quanto exemplos de integração plena, a qual também é conhecida como marketing splitting. Entre pontos de atenção, pode-se citar que a operação do SIN do Brasil é uma sofisticada técnica que foi criada e desenvolvida em face de determinada conjuntura, hoje muito alterada e que, portanto, terá de ser adaptada à nova realidade da geração brasileira, utilizando diversificadas fontes primárias de energia e em diferentes regiões. Em adição, a sistemática de operação do SIN brasileiro deverá ser adaptada para se ajustar ao caso da integração de diferentes países e diferentes estruturas de despacho, incluindo as eventuais trocas sazonais de energia elétrica de um país para o outro. Nesse âmbito de apreciação, seria adequado que o Brasil promova um marketplace favorável para que os países que desejem exportar ou importar energia elétrica do País possam fazê-lo com regras claras e não discriminatórias. Assim, recomenda-se quatro ações que poderiam ser adotadas pelo Brasil para promover a integração regional: (i) Mecanismos regulatórios claros para importação e exportação de energia; (ii) Permitir a participação de importadores dos leilões de energia elétrica para atendimento do ACR; (iii) incentivar a construção de empreendimentos binacionais por meio de mecanismos de mercados e (iv) Facilitar novos investimentos em interconexões. Cabe sublinhar também que, excetuando-se o caso de aproveitamentos binacionais, que devem ter regramento fixado caso a caso, função da partici- 106 pação de cada país no investimento da planta, grau de integração já existente entre os mercados, etc, a integração do Brasil com outros países do Cone Sul, com quem tenha fronteira, deve ser estabelecida na modalidade de “Volume Relaxado (loose volume coupling)”, onde cada país calcula seu Custo Marginal de Operação de forma independente e tem liberdade de fixar continuamente os preços de compra e venda adicionando a margem que julgar conveniente, em relação ao custo marginal puro no(s) pontos (s) de conexão elétrica (adição de custos de congestão, por exemplo), sendo que o Operador de cada sistema empreenderá a simulação para definir o montante a ser intercambiado de forma econômica, respeitando limitações de montante que devem ser informadas pelos Operadores dos mercados de cada país acoplado. A Integração dos Mercados de Energia Elétrica pode ser um elemento estratégico para que a América Latina, com enfoque para América do Sul, aumente o seu peso nas negociações geopolíticas, eleve a competitividade de suas indústrias no mercado global e promova a segurança de suprimento para suas sociedades. Referências [1] MAYA, Cecilia. XM - Integrácion de Mercados: Caso Colombia. In: Workshop de Integração de Mercados, Rio de Janeiro 17 e 18 de setembro de 2015. [2] Comisión de Integración Energética Regional – CIER. Proyecto CIER 15 Fase II: Informe Final. Montevideo, 2010. [3] ALTIERI, Rui. Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - A comercialização de energia elétrica no Brasil e possíveis avanços nas fronteiras. In: Workshop de Integração de Mercados, Rio de Janeiro, 17 e 18 de setembro de 2015. [4] CHAER, Ruben. ADME - Integración de Mercados: Caso Uruguay. In: Workshop de Integração de Mercados de Energia, Rio de Janeiro, 17 e 18 de setembro de 2015. [5] MELLO, João Carlos. Thymos Energia – Integração de Mercados: Overview sobre experiências internacionais. In: Workshop de Integração de Mercados de Energia, Rio de Janeiro, 17 e 18 de setembro de 2015. 107 [6]BRANDÃO, Roberto. GESEL – A integração elétrica do ponto de vista do Brasil. In: Workshop de Integração de Mercados de Energia, Rio de Janeiro, 17 e 18 de setembro de 2015. [7]DUTRA, Joisa. FGV CERI - Integração Energética na América Latina no século XXI. In: Workshop de Integração de Mercados de Energia, Rio de Janeiro, 17 e 18 de setembro de 2015. [8] PRAIS, Marcelo. ONS - A experiência brasileira com interconexões e as perspectivas do Operador. In: Workshop de Integração de Mercados de Energia, Rio de Janeiro, 17 e 18 de setembro de 2015. Anexo I – Resumo das modalidades de integração de mercados Modelo Fluxo Interruptivel (Oportunidade) Fluxo por Contrato Coordenada (Um ou mais operadores) Operação Intercâmbio Definido pelos países conjunturalmente Não Contrato Lastro Interruptível Não MCP Liquida energia no MCP Regras de Comercialização Planejamento Energético Definido pelo contrato Calculado por cada país Preço MCP Experiência Internacional Market coupling Acoplamento por Acoplamento por Volume Preço Market Splitting Integração Plena (submercado) Integrada (Operador único) Definido por modelos separados Definido pelo modelo único Calculado por cada Determinado pelo país internalizando mesmo modelo o intercâmbio que determina o definido intercâmbio coordenadamente Firme Sim Definido pelo modelo único Definido pelo modelo único Contabiliza Sim contrato na (Necessário equilíbrio estrutural estar garantido e capacidade de fronteira e apuratransmissão adequada) se o lastro Acordadas Semelhantes Iguais Não Coordenado Integrado América Central (MER) Contratação de LP na Europa Nordpool + CWE CWE Nordppol Maturidade Agradecimentos O Autor gostaria de registrar seus agradecimentos a Alexandre Viana / CCEE e Marcelo Prais / ONS pelas fundamentais contribuições que permitiram desenvolver o texto que constitui a base desse Capítulo. 108 Integração energética Brasil-Peru: histórico, desafios e perspectivas futuras Paula Franco Moreira1 1 . Introdução O Estado Brasileiro, impulsionado pela então projeção do aumento da demanda de energia e pelo crescimento e internacionalização de grandes empresas brasileiras, iniciou em 2006 tratativas com o Estado Peruano para firmar um Tratado de Cooperação Energética, finalmente assinado em 2010, pelos respectivos ministros do Ministério de Minas e Energia de cada país prevendo a construção de hidrelétricas (UHEs) na Amazônia Peruana para gerar aproximadamente 7.200 MW/h de eletricidade ao Peru e exportar os excedentes ao Brasil. Nas negociações, verificou-se que tais obras seriam construídas por empresas brasileiras como Odebrecht, Construtora OAS, Furnas, Andrade Gutierrez, Engevix e Eletrobrás. Este Acordo é o instrumento “guarda-chuva” que ampara o estabelecimento de pelo menos cinco hidrelétricas para exportação de eletricidade ao Brasil. Os projetos das hidrelétricas que barrariam os rios Inambari, Urubamba, Junín, Ene e Tambo são em áreas remotas da Amazônia peruana, perto da fronteira com o Brasil. São habitadas por povos indígenas, comunidades tradicionais, agricultores, plantadores de coca, garimpeiros entre outras populações locais e possuem alto índice de biodiversidade e endemismos. Estes rios no Peru deságuam em território brasileiro no rio Madeira. O Peru, por ser um país posicionado a montante em relação aos demais países ribeirinhos amazônicos, é considerado estratégico para o Brasil. Neste contexto, construir alguma forma de acordo sobre o uso de suas águas rio acima, torna-se relevante para o Brasil em termos geopolíticos. É evidente também o benefício adicional de construir estas 1 Pós-Doutoranda na Universidade da Florida (Tropical Conservation and Development Program) e pelo Programa de Ciências Ambientais da Universidade Federal do Tocantins (programa Ciência sem Fronteiras, Capes). Doutora pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (IREL/UNB), Mestre em política e direito internacional pela London School of Economics and Political Science (LSE). E-mail: paulafrancomoreira@gmail.com 109 barragens nos rios a montante, para permitir um maior controle da vazão do rio Madeira (rio abaixo, a jusante), e por consequência, um melhor planejamento e controle do funcionamento das usinas hidrelétricas Santo Antônio e Jirau do Rio Madeira. O acerto, envolvendo diversos atores interessados e impactados (grupos indígenas, campesinos, plantadores de coca, garimpeiros da Amazônia Peruana, governos locais, academia, organizações não governamentais, dentre outros), foi e continua sendo objeto de amplo debate pela sociedade peruana, e, também, de sofisticada campanha contrária à construção das hidrelétricas amparadas por este tratado e contra a sua própria ratificação. Em consequência destas manifestações sociais e entraves de cunho socioambiental, político, econômico e regulatório, bem como fatores conjunturais a serem debatidos neste artigo, o processo de ratificação do acordo se encontra suspenso em ambos os congressos nacionais e as cinco obras previstas2 estão paralisadas. No Peru, a Comissão de Relações Exteriores do Congresso Nacional resolveu em 23 de maio de 2014 não aprovar o projeto que propunha a aprovação do Acordo Energético Brasil-Peru, determinando o arquivamento do projeto. No Brasil o Acordo foi devolvido pela Casa Civil ao Itamaraty onde se encontra arquivado. O mapa ao lado mostra a localização das hidrelétricas previstas: 2 Paquitzapango (2.200 MW), Inambari (2.000 MW), Tambo 40 (1270 MW), Tambo 60 (579 MW) e Mainique 1 (607 MW). (ELETROBRÁS 2013). 110 Mapa 1. Localização das hidrelétricas para exportação de eletricidade ao Brasil, a serem construídas por Odebrecht, OAS, Furnas, Andrade Gutierrez, Engevix e Eletrobrás e indicação do local de interconexão. Fonte: Adaptação de Eletrobrás, 2012. 111 Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico Brasileiro (ONS), as linhas de transmissão do Peru ao Brasil inicialmente seriam construídas da seguinte maneira: Fonte: CHIPP, 2009. Figure 1 Sistemas Elétricos e Integração Energética. Neste contexto, o presente trabalho tem por objetivo principal analisar, dentro do limite de páginas estipulado para este capítulo, um breve histórico das negociações do Acordo (item 1) e os entraves mais relevantes que causaram a suspensão dos projetos de hidrelétricas planejados (item 4). Para tanto, no segundo item será apresentada a importância do planejamento regional para o processo de integração. No terceiro item, serão mostrados alguns aspectos relevantes dos setores elétricos brasileiro e peruano, diferenças e complementaridades, que, justificam a integração e ao mesmo tempo a tornam um processo desafiador para ser colocado em prática. No quarto item, serão analisados os principais fatores conjunturais e entraves para o avanço desta integração de ordem social, ambiental, política e regulatória. Por fim, serão sugeridos possíveis caminhos a serem seguidos para a obtenção de êxito no processo de integração energética Brasil-Peru. 112 2. Breve Histórico das Negociações e o Acordo O ponto de partida das negociações entre Peru e Brasil nos temas de energia, que se tem registro, se inicia em torno de 2006. Neste ano foi firmado o primeiro documento, foi um Memorando de Entendimento assinado em Brasília para o estabelecimento de uma Comissão Mista Permanente em Matéria Energética, Geológica e de Mineração entre os Ministérios de Minas e Energia de ambos os países. Este memorando já previa a permissão ao Brasil para estudar, financiar, construir e operar até seis grandes hidrelétricas em território peruano para abastecer suas necessidades de energia, comprando do Peru grande parte da eletricidade produzida. A primeira proposta do MINEM ao MME referente à quantidade de eletricidade a ser exportada na integração energética Peru - Brasil foi apresentada em 2009. Tal proposta determinava que a eletricidade das centrais hidrelétricas em território peruano seria enviada ao mercado brasileiro de forma escalonada: 80% da produção de cada central durante os dez primeiros anos, 60% durante o segundo decênio e 40% durante os últimos dez anos (Figura 2). A diferença seria destinada ao mercado peruano, sendo que ao concluir o prazo de concessão de 30 anos, 100% da produção seria destinado ao mercado peruano, o tempo que o país precisaria para ampliar o consumo e gerar esta demanda de eletricidade. Adicionalmente, o Ofício mostra que as potências efetivas de todas as centrais hidrelétricas que fossem desenvolvidas no marco do acordo Peru-Brasil seriam no mínimo de 2.000MW e no máximo de 6.000MW. Fonte: MINEM. 2009b. Figure 2. Proposta peruana de percentuais de eletricidade destinada ao Brasil ao longo das três décadas (claro Brasil e escuro Peru). 113 Porém, estes percentuais decrescentes foram questionados pelo Brasil porque o modelo de comercialização de energia elétrica para o mercado regulado brasileiro (contratação de energia nova pelas distribuidoras) requer uma quantidade constante de energia firme pelo prazo de 30 anos (AVANZINI, 2010, p. 49). Este foi sem dúvida uma das maiores batalhas diplomáticas a vencer para chegar à assinatura do convênio. Sem obter um consenso, o Acordo assinado não menciona quantidade mínima nem máxima de quantidade de eletricidade a exportar ao Brasil ao longo do tempo. A versão assinada não menciona o mínimo nem o máximo de quantidade de eletricidade a exportar ao Brasil ao longo do tempo, determinando porém, uma sequencia de prioridades no abastecimento. A cláusula 3, “b” do acordo determina que a partir da geração, o fornecimento de eletricidade será oferecido segundo a seguinte ordem de prioridade: 1) Oferece ao mercado regulado peruano. Caso houver sobras de eletricidade, passa para a 2ª prioridade: 2) Oferece ao mercado livre peruano. Caso ainda houver sobras de eletricidade, passará a ser ofertada a 3ª prioridade: 3) Oferece à exportação ao Brasil pelo prazo de 30 anos3. Em 2010, antes do Acordo Peru-Brasil ter sido firmado, verificaram-se três documentos neste processo de negociação: a Nota nº 5-2-M/055 de 17 de fevereiro, o Proceso de Negociación Perú-Brasil nº 144 de 12 de março e a Revisión de 03 de maio. Por fim, o Acuerdo para El Suministro de Electricidad al Perú y Exportación de Excedentes al Brasil foi assinado em 16 de junho de 2010 pelos ministros de energia e minas de ambos4. 3. O setor elétrico no Brasil e no Peru 3.1 Potencial hidrelétrico peruano As últimas décadas foram caracterizadas por um rápido processo de ocupação da Amazônia peruana, através da implementação de infraestrutura viária, exploração petrolífera e aurífera e forte expansão das atividades agropecuárias e florestais. Durante este processo, verificou-se a oportunidade para explora3 Para aprofundamento das diferenças regulatórias e discussão das cláusulas do Acordo, vide capitulo 3 de MOREIRA, P.F. 2015 e o item 4 a seguir. 4 Ao contrario de como saiu nas fotos de jornais, o acordo não foi assinado pelos presidentes, mas sim por seus ministros. (CASTRO, MARIANO, 2014) 114 ção de potencial hidrelétrico da Amazônia Peruana através de estudos desenvolvidos nos anos 1970 pela empresa Lahmeyer-Salzgitter e financiados pela cooperação alemã (então GTZ) e pelo Banco Mundial. O estudo revelou que existe aproximadamente 200 mil MW, somando as bacias do Pacífico,Titicaca e Atlântico, conforme informações do então Vice Ministro de Energia y Minas do Peru Daniel Camac na época das negociações (MINEM, 2009a).Verifica-se que desde 2010, os Planos Decenais para Expansão de Energia (PDEs) elaborados pela EPE (Empresa de Planejamento Energético do MME) do Brasil já consideram a eletricidade a ser gerada no Peru, mencionando os estudos de inventario e de viabilidade que “indicam a possibilidade de exportação de energia excedente para o Brasil com a interligação dos sistemas elétricos ocorrendo no estado de Rondônia” (MME/EPE, PDE 2019 (2010) e PDE 2024 (2015, p. 74)5. Diante da magnitude de potencial, da baixa demanda de eletricidade do Peru (uma média de 7.000 MW por ano) e uso significativo do gás para geração de eletricidade, cujas jazidas estão longe do esgotamento, se tornava evidente que o país não utilizaria este potencial de hidro eletricidade tão cedo. De acordo com o modelo de economia aberta voltada para o mercado e com pouca intervenção do Estado na economia, reforçado nas gestões presidenciais de Alan Garcia e Ollanta Humala, este potencial de recurso natural energético foi visto em larga escala pelo governo de Alan Garcia e ainda na gestão de Humala como uma commodity. E neste sentido, uma commodity poderá ser vendida a quaisquer interessados, desde que a operação seja feita com expertise e traga recursos financeiros e impostos ao país. 3.2 Regulação do setor elétrico Brasileiro e Peruano O setor elétrico no Brasil e no Peru, como em outros países da América do Sul, passaram por reformulações setoriais e tiveram problemas com seus novos modelos regulatórios, apesar de terem optado por caminhos diferenciados. No Brasil, observa-se a configuração de um modelo híbrido cujo Estado tem uma participação bastante significativa, especialmente 5 Em relação à integração energética, o último PDE 2024 afirma que: “Existem projetos para a construção de seis usinas hidrelétricas no Peru, que totalizam cerca de 7 GW de capacidade instalada. O aproveitamento de Inambari, de 2,2 GW, é o que está em estágio mais avançado, localiza-se a aproximadamente 260 km da fronteira com o Brasil (...)indicam a possibilidade de exportação de energia excedente para o Brasil com a interligação dos sistemas elétricos no estado de Rondônia” . PDE 2024 (2015, p. 74). 115 quanto ao planejamento do setor (por exemplo: o PDE, Plano Decenal de Energia e o PNE, Plano Nacional de Energia atualizados anualmente pela EPE). Já no Peru, observa-se uma maior abertura ao capital privado em todos os segmentos (geração, transmissão e distribuição) e, especialmente, a ausência de planos de energia de longo prazo pelo governo até 2014, o que foi motivo de preocupação nas discussões para o desenvolvimento do acordo de integração elétrica com o Brasil6. Esta grande diferença entre o nível de planejamento e as regulações dos países torna a integração ainda mais desafiadora. Além das diferenças regulatórias e institucionais, o mercado de energia elétrica no Brasil possui uma potência instalada quatorze vezes maior do que a peruana7, e tem sua base hídrica. Já no caso peruano, observa-se que a participação da energia hidráulica foi de 52% em 2013 enquanto a térmica foi de 46% (MINEM, 2014-a). Isto se deu porque o parque térmico teve um incremento mais substancial do que o parque hidrelétrico, especialmente pelo aumento das reservas provadas de gás natural e, consequente, uso na geração de térmica. Importante ressaltar que, levando em conta a vulnerabilidade do gasoduto de Camisea, maior provedor de gás do país, há setores da sociedade peruana concluindo que deverá haver um crescimento da demanda por hidroeletricidade para diminuir a dependência do gás de Camisea. Neste sentido, o debate sobre a não ratificação do Acordo pelo congresso peruano é de suma importância ante uma possível crise de abastecimento energética em 2016 e adiante por conta da falta de entrada de projetos hidrelétricos. Neste contexto, a integração hidro energética Brasil-Peru, a princípio poderia gerar benefícios aos dois países; possibilitando para o Peru, a produção de mais energia, a aquisição de tecnologia e infraestrutura e o ganho de receitas com a exportação do excedente de eletricidade ao Brasil. Já no caso 6 O Plan Energético Nacional 2014 -2024 publicado em novembro de 2014 contemplou pela primeira vez a projeção do consumo de energia final e o aumento de demanda por energia no Peru e como saná-la de acordo com as fontes de energia e eletricidade no país. Segundo tal plano, espera-se que a demanda passe dos atuais 5.800 MW para algo entre 9.500 MW e 12.300 MW até 2025, segundo os dois cenários de crescimento do PIB de 4,5% e 6,5% respectivamente. 7 Para se ter uma ideia da significativa diferença dos mercados elétricos: A potência instalada de geração elétrica no Brasil, em 2013, foi de 124.000 MW. Já no Peru, foi de 11.051 MW. O consumo de eletricidade em 2013 no Peru foi de 40.000 GWh enquanto no Brasil em 2014 foi de 481 TWh. A demanda máxima de eletricidade em 2025 para o Peru está prevista de 12.300 MW (no cenário de crescimento de 6,5% PIB) e a previsão brasileira é de 689 TWh em 2023. Para mais analise e comparações vide capítulo 1 de MOREIRA, P.F. (2015). 116 brasileiro, a integração ajudaria a satisfazer parte da demanda de energia8. Entretanto, a realidade mostrou que as ideias para uma verdadeira integração energética regional encontram imensas dificuldades para sair do papel até os dias de hoje e exigem um planejamento mais profundo e regional, o preenchimento dos condicionantes socioambientais e fatores conjunturais favoráveis, conforme será discutido a seguir. 4. Mudanças climáticas, planejamento regional e o processo de integração energética Um aspecto fundamental do processo de integração hidro energética é o planejamento regional adequado entre os países envolvidos nas bacias hidrográficas envolvidas, amparado em instrumentos jurídicos e institucionais. Neste sentido, consta como um dos objetivos da União de Nações Sul-americanas (UNASUL), a integração energética para o aproveitamento integral, sustentável e solidário dos recursos da região (artigo 3, “d” do Decreto 7.667/2012 que promulgou o Tratado Constitutivo da Unasul). No âmbito da UNASUL, criou-se em 2009 o Conselho Sul-americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN9) composto pelos ministros das áreas de planejamento, energia, transportes e comunicações dos doze países da América do Sul com a missão de viabilizar e monitorar a implantação dos projetos de grande impacto para a integração física e o desenvolvimento da região. O COSIPLAN construiu dois instrumentos que visam estruturar seu trabalho nos próximos dez anos: o Plano de Ação Estratégico (PAE) 2012-2022 e a Agenda de Projetos Prioritários de Integração (API) com 31 projetos (IIRSA/COSIPLAN, 2011). Entretanto, verificou-se que dentro do eixo de integração Peru-Brasil-Bolívia, existe apenas um projeto que entrou na API, que é a “Conexão Porto Velho - Litoral Peruano” terrestre. As obras de integração energética entre Peru e Brasil não estão na API. A este respeito, inúmeros autores criticam a API por não priorizar a integração energética 8 Embora no atual cenário de crise econômica brasileira, com estimativas de crescimento negativo do PIB de -3,2% para 2016 e de aumento de apenas 1.36 para 2017 (BCB, setembro de 2016), deve-se lembrar que a demanda de energia do país deve ser ajustada à previsão do PIB. 9 O COSIPLAN incluiu a Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA criada em 2000) como seu fórum técnico de infraestrutura. 117 da região (OLIVEIRA 2010), o que acabou deixando espaço para os países encaminharem a integração em nível bilateral10. Todavia, a integração energética regional elaborada com o devido planejamento supranacional do uso dos recursos naturais de maneira integrada no continente sul-americano e preenchimento das condicionantes socioambientais, poderá trazer uma série de benefícios para o continente, a saber: (1) complementariedade hidrológica; (2) maior nível de confiabilidade e eficiência do ponto de vista econômico; (3) possibilidade de troca de sobras, excedentes de eletricidade entre países; (4) otimização e garantia de fornecimento de eletricidade na região; (5) evitar mudanças de rumos no meio da execução de obras e, consequentemente, desperdício de dinheiro; (6) redução de impactos socioambientais de obras em nível de bacias hidrográficas como Andina e Amazônica; e (7) avanços na construção de uma governança supranacional necessária para dirimir conflitos locais e transfronteiriços frequentes como é o caso da iniciativa para integração energética Brasil-Peru. Segundo Castro et al. (2009), a Bacia Amazônica, maior bacia hidrográfica do mundo, estende-se pelos territórios do Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela e é cortada pela linha do Equador, o que ocasiona dupla captação das cheias de verão: de novembro a abril no hemisfério sul e de maio a outubro no hemisfério norte. Esse duplo regime de chuvas na Bacia Amazônica confere importante complementaridade hidrológica à América do Sul. A este respeito, compartilhamos com o entendimento do estudioso do assunto, Pedro Bara (2014), de que no atual contexto de mudanças climáticas com alteração do regime de chuvas, a medida de adaptação climática mais atrativa é a integração energética amazônica, região da chamada última “grande fronteira hidrelétrica sul-americana”. Estudos recentes já modelaram os impactos das mudanças climáticas nos índices pluviométricos para a região sulamericana e, portanto, o setor de planejamento energético do Governo brasileiro tem dado sinais de que outras fontes renováveis além de hidroelétricas devem ser mais consideradas. O estudo “Brasil 2040: Cenários de Adaptação à Mudança do Clima”, coordenado pela então SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República) fez um exercício de regionalização de modelos 10 Este é o caso, até o momento da integração elétrica na América do Sul, já que esta ocorreu mediante projetos binacionais, em que cada país detinha metade da capacidade instalada e da produção, podendo ou não negociar as sobras de eletricidade gerada (por exemplo, Itaipu Binacional). Estas obras não expressam um plano energético nem uma integração multilateral, mas sim motivações pontuais entre dois países (CASTRO et al. 2009). 118 climáticos globais feitos pelo IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), o painel do clima das Nações Unidas. Os mapas decorrentes deste estudo indicam que Sudeste e Centro-Oeste ficarão mais secos em 25 anos; vazões de rios na Amazônia poderão ter redução. Tais cenários climáticos regionalizados se referem ao período de 2010 a 2100 e são comparáveis com o clima observado desde 1969 até o presente, demonstrando as tendências de indicadores de extremos climáticos, a distribuição de frequência de temperatura e a precipitação em recortes temporais de 2011 a 2040; 2041 a 2070; e 2071 a 2100. O objetivo final desta ferramenta é oferecer o respaldo necessário para o dimensionamento dos riscos climáticos no planejamento e desenvolvimento do país. Por meio dessa ferramenta, o Brasil pode conhecer os cenários para preparar-se a tempo e aumentar a sua resiliência ante os impactos projetados das mudanças do clima11. Outra vantagem da integração de mercados apontada por Castro et al (2009) é o maior nível de confiabilidade e eficiência do ponto de vista econômico, uma vez que a integração permitiria compensar eventuais disparidades e insuficiências hidrológicas com a energia excedente de outros países. 4.1 Instrumento de planejamento hidro energético para Bacias Amazônica-Andina Apesar dos órgãos institucionais oficiais de governança e de planejamento supra regional da região que inclui as bacias Andina-Amazônica não terem desenvolvido até o momento um mecanismo de planejamento participativo para o avanço da hidro energia nestas bacias, vale a pena lembrar que existe uma ferramenta com este objetivo, desenvolvida pela ONG internacional ambientalista World Wildlife Foundation, o WWF, desde 2008. A ferramenta é um sistema de apoio à decisão focada em primeiro lugar para as prioridades de conservação segundo o WWF. O instrumento visa desenvolver a hidro energia na região, levando em conta fatores ecológicos para que os projetos sejam mais sustentáveis. A “Hydrological Information System; Amazon Region Assessment (HIS-ARA)”, utiliza estudos que já modelam os impactos das mudanças climáticas nos índices pluviométricos da região pan-amazônica 11 Os mapas climáticos são resultantes da parceria entre a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR) e o Ministério da Ciência,Tecnologia e Inovação (MCTI) e hoje, após a extinção da SAE, estão no site da Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais (INDE). Informações disponíveis no site institucional da http://www.inde.gov.br/noticias-inde/8274saiba-como-acessar-os-mapas-climaticos-do-brasil-na-inde.html acesso em 20/09/2016. 119 e foi feita com base em informações físicas terrestres e aquáticas, biolóticas e hidrológicas. A ferramenta permitiu elaborar cenários para uma visão de longo prazo com o objetivo de responder a seguinte pergunta: como garantir no futuro uma amostra representativa, funcional, eficiente e resiliente da biodiversidade amazônica com a melhor relação custo-benefício? (RIVEROS, 2008). Em um resumo simplificado, a ferramenta envolve a combinação de seis parâmetros, índice de risco ecológico, oportunidades de conservação baseada em unidades de conversação e territórios indígenas já titulados, sistema ecológico terrestre, tipos de habitats terrestres, balizado pelo parâmetro da necessidade de conservação de um mínimo de 30% de cada tipo de habitat (conforme metas globais da convenção da biodiversidade da ONU). Este cálculo gerou uma pontuação de áreas que seriam insubstituíveis. O instrumento de planejamento utilizou uma abordagem de planejamento sistemático da conservação, obtendo uma priorização baseada nos princípios de representação, conectividade entre os rios, possibilidade de substituição, funcionalidade, flexibilidade e vulnerabilidade (MARGULIS & SARKAR, 2007). Tendo em vista mais de 60 grandes represas planejadas para a Amazônia Brasileira (FEARNSIDE, 2015), esta ferramenta usa o planejamento de hidro energia na Amazônia em uma perspectiva de bacia hidrográfica como um todo e não por sub-bacias como tem sido feito pelos Estados Nacionais da bacia amazônica e Andina isoladamente. Por exemplo, para a hidrelétrica de Inambari de 2.000MW prevista no tratado, a ferramenta indicou que, por conta deste rio já estar bastante poluído por conta do garimpo e outras ações humanas, este rio seria preterido em relação a outras para fins de conservação. Arguimos que esta ferramenta é exatamente o tipo de instrumento que uma organização regional de governança como o Cosiplan, Unasul, CIER, Olade ou OTCA poderia desenvolver para servir de orientação aos países da região, desde que acrescida de balizadores econômicos e sociais como a identificação de atividades econômicas e as comunidades locais, aos ambientais já previstos. Além disso, se desenvolvida com uma diversificada participação dos países em termos de sociedade civil, representantes dos Estados, empresas e academia, esta ferramenta teria a legitimidade necessária e por consequência maior capilaridade. Apesar dos evidentes benefícios decorrentes de uma integração energética, a tratativa ora analisada revela inúmeros entraves neste processo, de ordem social, ambiental, politico, regulatório e conjuntural, que não estão permitindo que a integração hidroenergética desfrute de tais benefícios. No item seguin120 te, será analisado algumas dos entraves, tornando-se possível a construção de algumas recomendações ao final expostas. 5. Entraves à integração energéticaBrasil-Peru 5.1 Fatores Socioambientais Evidentemente, caso o Peru avance com a geração de eletricidade por hidrelétricas, haverá menos emissões de gases de efeito estufa do que a utilização de gás natural em termoelétricas. Entretanto, outros entraves ambientais foram levantados pela sociedade peruana e internacional decorrentes da implementação dos projetos hidrelétricos previstos nas bacias hidrográficas Andina e Amazônica. Um dos entraves apurados é a ruptura, pela primeira vez, na conectividade entre estas duas bacias hidrográficas. Estudos recentes demonstram que o rio Amazonas está intrinsecamente ligado às montanhas dos Andes por mais de 10 milhões de anos, de forma que quebras bruscas nesta conectividade através da construção de hidrelétricas nos rios que ligam tais bacias podem trazer impactos severos e imprevisíveis para todas as espécies da América do Sul (FINER y JENKINS, 2012). Os autores verificaram que os Andes fornecem sedimento, nutrientes e matéria orgânica para rios amazônicos abastecendo com matéria-prima ao ecossistema considerado o mais produtivo do planeta. Este foi o primeiro estudo a mensurar os impactos de todas as hidrelétricas planejadas nas bacias Andina-Amazônica, incluindo cinco dos seis maiores afluentes andinos do rio Amazonas, e verificaram que a conectividade dos rios mais ameaçada é justamente daqueles originários no Peru andino e no Equador que deságuam na bacia Amazônica12. Na análise de todas as hidrelétricas previstas para estas duas bacias, os pesquisadores verificaram que estão planejadas 151 novas hidrelétricas com potência acima de 2 MW nos próximos 20 anos, refletindo um aumento maior do que 300% em relação a 2012. A análise demonstrou o seguinte: (1) que 60% 12 Neste sentido, os pesquisadores desenvolveram um arcabouço conceitual com base nas hidrelétricas planejadas, estradas e linhas de transmissão decorrentes das hidrelétricas previstas nos portfólios governamentais para estimar os impactos relativos de todas as hidrelétricas nos rios afluentes do rio Amazonas (Caqueta, Madeira, Napo, Marañon, Putumayo e Ucayali) envolvendo cinco países (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador e Peru), para estimar os impactos relativos de todas as hidrelétricas e definir seu nível em alto, médio ou baixo. 121 das hidrelétricas causaria a primeira grande ruptura na conectividade entre as nascentes protegidas andinas e a baixa Amazônia; (2) que 47% do impacto ecológico decorrente de novas hidrelétricas é classificado como alto e apenas 19% como baixo; (3) que mais de 80% destas obras causaria desmatamento em decorrência das novas estradas, linhas de transmissão e inundação; e (4) que 40 das 151 barragens planejadas para a bacia amazônica para os próximos 20 anos seriam construídas imediatamente a montante ou a jusante de alguma Terra Indígena13. Além das preocupações ambientais, as negociações para este acordo foram tratadas com muita discrição por parte dos governos até a assinatura do Tratado em 2010. Por este motivo, segundo setores da sociedade peruana, esta tratativa possuiu uma trajetória longa, desconhecida e não transparente para a sociedade Peruana e Brasileira (DOUROJEANNI 2010), o que colaborou para despertar o sentimento de desconfiança em relação à tratativa. As principais demandas por parte de instituições da sociedade civil contrárias ao Acordo Peru-Brasil são as seguintes: (i) a priorização do abastecimento do Peru antes da exportação de potencial energético de recursos naturais a outro país (por segurança energética); (ii) a maior participação regional, social e transparência do setor energético (LA ROSA, 2011); (iii) a proteção das Terras Indígenas e reservas ambientais e (iv) a coerência entre a conservação da biodiversidade, projetos extrativos e mudança climática. A respeito do item (iii) acima, a organização não governamental (ONG) indígena Central Ashaninka do Río Ene (CARE) acionou judicialmente o Estado Peruano e enviou cartas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, entre outros destinatários, questionando o Brasil de negociar e comprometer os seus Territórios Indígenas ancestrais, demandando o respeito ao “direito de viver em paz e de acordo com seu modo de vida tradicional” (CARE 2010)14. 13 Estes resultados levaram os autores do estudo, Finer & Jenkins entre outros autores, a questionar a categorização de UHE como fonte de energia limpa e inclusive motivo para pedidos de créditos de carbono. 14 CARE atuou em conjunto com outras ONGs nacionais e transnacionais membros da campanha articulada pela rede transnacional de defesa de direitos do “Colectivo Hidrelectrica Amazonia”. Estas manifestações causaram a desistência da Odebrecht do Projeto UHE Paquitzapango e motivou o recebimento do prêmio internacional ambiental pela presidente da organização CARE, Ruth Buendia, concedido pela Fundação Goldman em abril de 2014. Informações em: http://www. goldmanprize.org/recipient/ruth-buendia. Vide alguns documentos da campanha no Anexo deste artigo e mais informações em MOREIRA, P.F. 2015. 122 Por razões geopolíticas, argumentos socioambientais, econômicos entre diversos outros, que por conta da limitação de espaço, não são tratados aqui, o acordo de cooperação energética Brasil-Peru é alvo de uma campanha construída por uma rede transnacional de defesa de direitos pela sociedade civil peruana, brasileira e americana15. A autora deste artigo coletou uma série de matérias de jornal do Peru e de manifestações da sociedade, que transmitem a imagem que foi construída do Brasil no Peru desde a revelação da assinatura do Acordo com o Brasil, como “A febre energética do Brasil inundará a selva peruana (El mundo, 2010)” entre outros (vide Anexo I um exemplo paradigmático). Estas manifestações evidenciaram que a atuação das empresas brasileiras (denominadas campeãs) com o apoio do governo brasileiro e do então governo de Alan Garcia causou indignação pelas populações locais potencialmente afetadas pelas obras. 5.2 Fatores Político e Eleitoral e Conflitos Sociais Bagua e Conga No Peru, a eleição de Ollanta Humala em 2011, mudou a direção de como sanar a demanda energética do país, o que também colaborou para frear os esforços para a integração energética com o Brasil. Humala tem concentrado esforços políticos para a construção do gasoduto para transportar o gás dos campos de Camisea nos Andes para o abastecimento de usinas termoelétricas na costa sul, fornecendo pela primeira vez, eletricidade para esta região e desta maneira cumprindo sua promessa de campanha16. Além destas usinas, está no plano de Humalla a construção de um polo petroquímico nesta região que deverá ser abastecido por meio do gasoduto. Ademais, o violento conflito de Bagua iniciado no departamento do Amazonas ocorrido em 2009 contribuiu substancialmente para desestabilizar o final do governo de Alan Garcia provocando efeitos também no governo de Ollanta Humala. Neste conflito, que tomou proporções nacionais, indígenas protestavam para evitar a implementação de politicas do governo de Alan Garcia para ratificação do Tratado de Livre Comércio com os EUA, entre elas, 15 O mapeamento de atores da campanha transnacional contra o Acordo e as hidrelétricas, sua estratégia, argumentos, instrumentos, êxitos e fracassos bem como a analise dos fatores conjunturais são amplamente discutidos na tese de doutorado da autora deste artigo. Vide MOREIRA, P.F. 2015. 16 O governo peruano atualmente também cita exportação de eletricidade ao Chile utilizando Inambari ou Camisea, mas não considera factível a exportação ao Brasil conforme se lerá no item mais adiante “Re-aproximação com Chile”. 123 a exploração de petróleo e venda de terras onde os indígenas trabalhavam e viviam (SILVA, T. L. A. 2010). O lema do Movimento Indígena Peruano era: “La selva no se vende, la se defiende!”. Noticias dão conta que houve um confronto entre policiais e indígenas resultando na morte de pelo menos 33 pessoas entre indígenas e policiais. Este confronto causou profunda crise institucional nos dois governos, mas foi no governo de Ollanta que a repercussão do conflito ocasionou a desoneração de inúmeros representantes do Poder Executivo. Estes dois conflitos, noticiados amplamente na mídia internacional, contribuíram para o governo peruano recuar na implementação de qualquer outro projeto na Amazônia com impactos às populações locais, com receio de maiores perdas de popularidade e de governança. Como resposta à crítica a respeito da enorme liberdade ao capital privado estrangeiro em detrimento da qualidade de vida de suas populações, o governo peruano tem procurado alterar o arranjo institucional de projetos de infraestrutura para dar maior espaço para a participação de atores nacionais. Neste sentido, o surgimento do nome da Electroperu na construção de Inambari em detrimento da Egasur, de capital 100% brasileiro começou a surgir em 201417. Ademais, o violento conflito na mineração de Conga (2012) na região do departamento Cajamarca na parte alta da Amazônia peruana (selva alta), fez com que o governo Humala recuasse no seu ritmo de avanço para implementar qualquer outro projeto na Amazônia com impactos às populações locais com receio de maiores perdas de popularidade. O projeto pretendia explorar ouro, prata e cobre, gerando um grande impacto ambiental na região, destruindo quatro lagunas que têm relação com as nascentes dos rios, principalmente utilizados pela população local para abastecer a agricultura. (DAFFÓS, 2012 apud ALMEIDA, 2014). Além da certeza da degradação ambiental, um dos principais pontos de discordância dos camponeses está no domínio territorial que representa o projeto. Em Cajamarca, as concessões são de mais de 40% dos territórios, e em outras regiões chega a quase 60% de concessão dos territórios da região à empresa. O argumento de que a mineração gera riqueza para a população também é rechaçado visto que estima-se que menos de 1% das riquezas fique efetivamente em Cajamarca. Diante de toda diver17 “Peru quer retomar projeto de usina de US$ 4 bi com a OAS”. Reuters, Brasil Econômico - Mundo 14/03/2014. Disponível em http://www.bracier.org.br/noticias/brasil/4924-peru-quer-retomar-projeto-de-usina-de-us-4-bi-com-a-oas.html Acesso em 20/09/2016. 124 gência, o governo local convocou a população para uma grande greve geral contra o projeto. Durante três dias de manifestações, cinco manifestantes foram mortos e outros tantos foram presos: o evento ficou conhecido como “o massacre de Cajamarca”. Apesar da oposição do governo local, a mineradora conta com o apoio do governo nacional para viabilizar os planos da empresa. Diante da dificuldade em implementar um projeto que sabidamente causará grandes danos ambientais irreversíveis e da resistência da população local, o projeto Conga encontra-se atualmente paralisado, na busca de uma conciliação de interesses (ALMEIDA, 2014, p.105). No lado brasileiro, evidentemente a eleição de Dilma no Brasil e o fato da necessária atenção aos problemas de cunho econômico e de infraestrutura do próprio país afastaram a prioridade da integração energética Brasil-Peru da agenda presidencial. Esta agenda se torna ainda menos prioritária no contexto de impeachment e mandato interino de Michel Temer a partir de setembro de 2016. Neste contexto, nenhum esforço foi visto até o momento para rebater a imagem negativa do Brasil como neo-explorador de recursos naturais deixada em setores da sociedade peruana. Persiste a falta de alinhamento entre a prática da política externa brasileira muitas vezes perpetrados pelas campeãs nacionais e BNDES em nome do Brasil (incentivo e priorização da internacionalização das empresas brasileiras) com o discurso do Itamaraty e os princípios da UNASUL - Cooperação Sul-Sul, solidariedade e priorização da Integração Sul-americana para fortalecimento da região segundo AMORIM (2010). Tais valores parecem não estar sendo percebidos pela sociedade civil peruana e nos jornais deste país a partir das negociações para a assinatura deste acordo energético. Pequena parte da sociedade brasileira estudiosa do assunto, também critica a necessidade de existir hidrelétricas peruanas, além da crítica à falta de transparência no processo de tomada destas decisões (RODRIGUES, HERNANDEZ y BERMANN 2011; DOUROJEANNI 2010). 5.3 Diferenças entre as Regulações do Setor Elétrico Aqui há de se fazer uma importante observação em termos de diferença de regulação do setor elétrico entre os dois países. Se por um lado, para fins de segurança energética de longo prazo, o Brasil desenvolveu uma Lei de Concessões Elétricas que exige a garantia de um fornecimento pelo gerador de eletricidade por um prazo de 30 anos para um determinado concessionário; por outro lado, a Lei de Concessões Elétricas e a Constituição Política 125 peruanas deixam o mercado livre para determinar o destinatário daquela eletricidade e o prazo de concessão. Desta maneira, o Estado peruano não tem a competência legal para determinar que uma certa quantidade de eletricidade gerada nos projetos no âmbito do Acordo seja destinada ao mercado brasileiro de eletricidade. Esta diferença exige que, para a implementação do acordo, seja necessária uma reforma legal no Estado Peruano e/ou no Estado Brasileiro, condição dificilmente de ser cumprida nas atuais circunstâncias políticas dos países em questão. De acordo com cláusulas acima fixadas18, ficou acordado que a quantidade de excesso de eletricidade deve ser pré-estabelecida a cada geração de energia. Este pré-estabelecimento de quantidade de eletricidade para exportação é um dos principais obstáculos para ratificação no Congresso do Peru. Os congressistas da Comission de Relaciones Exteriores, liderada por Martin Belaunde, argumentam que não é possível pela legislação peruana obrigar uma empresa, nas regras do livre mercado, a vender seu produto para um determinado comprador, muito menos pelo prazo de 30 anos. Argumentam que este pré-estabelecimento fere a constituição peruana e seus preceitos fundamentais sobre a ordem econômica do Estado. Isto representa um potencial problema para o Peru pois limita o uso de seu potencial se houver demanda. Se a demanda peruana crescer durante o período em que a quantidade de excesso de eletricidade para exportação já havia sido determinada, o Estado peruano pode ficar “preso” a 30 anos de comprometimento de exportações de eletricidade ao Brasil de uma quantidade pré-fixada. Se isto ocorrer, não há cláusula no acordo prevendo uma solução para o problema peruano. Há apenas uma cláusula de emergência no caso de crise hídrica, as partes vão combinar como proceder19. Dentre os fortes pontos de questionamento de tal Acordo no Peru, encontra-se a necessidade de possíveis mudanças no marco regulatório peruano para se adequar ao brasileiro, no caso da venda para o mercado regulado brasileiro dos excedentes de energia elétrica gerada. Setores da sociedade peruana questionaram a real necessidade destes projetos para o mercado elétrico peruano, 18 Principalmente o item “v” da alinha “c” da cláusula 3 do Acordo. 19 As inconsistências entre os textos do Acordo Energético e legislação nacional e Constituição Peruana bem como argumentos utilizados pelo parecer da Comissão de Relações Exteriores do Congresso Nacional Peruano, que resolveu em maio de 2014 arquivar o Projeto de Resolução Legislativa que propunha a aprovação do Acordo Energético Brasil-Peru, podem ser lidas em MOREIRA, P.F. (2015). 126 uma vez que no Peru ainda não há esta tamanha demanda de eletricidade. Até o momento da assinatura do Acordo, não havia sido estabelecido uma projeção adequada da demanda de energia elétrica e há outras possibilidades de geração com menores impactos ao meio ambiente e às sociedades locais. Hoje, todos os projetos hidrelétricos previstos no Acordo estão paralisados, o que evidencia a insegurança jurídica do Acordo e o grande risco de investimento que as empresas brasileiras e o Estado Brasileiro incorreram desde o inicio das tratativas. 5.4 Fatores Conjunturais Além dos fatores socioambientais, político eleitoral, econômico e de regulação, é necessário ter em mente uma série de fatores conjunturais que influenciaram a sociedade peruana desde a assinatura do Acordo de Cooperação Energética e que ajudam a explicar a suspensão de sua ratificação e das hidrelétricas nele previstas. A Aliança do Pacífico A Aliança do Pacífico, criada em 2013, é um bloco comercial latino-americano fundada por Chile, Colômbia, México e Peru. Ainda que conste os objetivos arrolados como a livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais, a melhora do bem estar de suas populações, o desenvolvimento e a construção de uma plataforma de projeção política, a Aliança tem como objetivo maior a liberalização comercial entre seus integrantes com vistas a atrair mais investimentos estrangeiros assim como inserir-se nas cadeias de valor global com uma “orientação clara em direção à Ásia”. Para cumprir estes objetivos, os países estão negociando uma política conjunta de redução agressiva da tarifa de exportação entre suas fronteiras, englobando a totalidade dos produtos, devendo ser eliminada completamente até 2018. A participação do setor empresarial através do Conselho Empresarial da Aliança pode confirmar o maior objetivo desse acordo. Tendo em vista que o Acordo Energético foi assinado em 2010 nos últimos dias da gestão de Alan Garcia e Lula que tinham uma relação mais próxima, podemos afirmar que a Aliança do Pacífico, sob a gestão de Ollanta Humalla, estabelecida dois anos após a assinatura do Acordo com o Brasil, contribuiu para o estreitamento dos laços entre os países membros da Aliança e deles 127 com a Ásia e por conseqüência, colaborou para diminuir a importância das relações do Peru com o Brasil. Podemos dizer ainda que o estabelecimento da Aliança do Pacífico foi um fator conjuntural que influenciou no afastamento político, diplomático e comercial entre Peru e Brasil. De qualquer forma, não podemos perder de vista que o envolvimento do Brasil na construção da ferrovia Brasil-Peru com investimento chinês pode ser um indicativo que Brasil deseja participar dos frutos que tal Aliança irá oferecer, conforme já manifestado em discurso publico do Itamaraty. Aproximação com China O crescimento da China no mundo todo, comercialmente nas últimas décadas não é mais novidade. Na América Latina, entre 2000 e 2013, a China passou da figura de um investidor menor na região a um ator central. O comércio de bens entre ambas as partes se multiplicou por 22 neste período indo da casa de US$ 12 bilhões a US$ 275 bilhões em 2013. Particularmente no Peru, a cifra de investimento em 2014 foi na casa de US$9,3 bilhões, valor acima da Argentina, Brasil e Venezuela representando 50% do investimento estrangeiro chinês. Seguramente a Aliança do Pacifico facilitará ainda mais o avanço deste investimento. A China está investindo não só na mineração, mas também na extração de petróleo como a compra da Petrobrás no Peru e obras de infraestrutura. Desta maneira, o Peru está vislumbrando grandes oportunidades nas relações comerciais com a China. E por isso está dedicando esforços para estreitar suas relações com o país oriental de maneira prioritária e possivelmente em maior grau do que com o Brasil. Por conseqüência, o Peru deixa de ver como uma prioridade o estreitamento de relações com o Brasil e por conseqüência, a implementação de seu Acordo Energético bilateral Peru-Brasil. Considerando que para implementar o Acordo Energético com o Brasil é necessário inúmeros esforços de elaboração de detalhamento regulatório complexo e enfrentamento da população local e setores da sociedade civil com alto potencial de conflito, evidentemente esta agenda teria que ser tratada como prioritária pelo governo peruano para ser levada adiante. Re-aproximação com Chile e Gasoduto Surpreendentemente, apesar da assinatura do Acordo de Cooperação Energética com o Brasil em 2010 com previsão de exportação de excedentes de eletricidade, a realidade atual dentre o governo peruano nos revela que existe 128 muito mais vontade política, comercial e diplomática para exportar eletricidade ao Chile do que ao Brasil. Esta exportação poderia ser efetivada de maneira ainda mais fácil após a conclusão do gasoduto sendo construído pela Odebrecht para ampliar o acesso à eletricidade ao sul do Peru (Figura 3). Segundo entrevistas realizadas com representantes do Ministerio de Energia y Minas, a exportação de energia poderia ser feita com as seguintes fontes: 1) exportação do próprio gás de Camisea cujas reservas são de aproximadamente 14 TCF já provadas e de até 80 TCF previstas, ou seja, para o suprimento do Peru pelos próximos 40 anos ou através do gás dos novos lotes licenciados para exploração; 2) exportação da eletricidade a ser gerada pela eventual construção de Inambari que precisaria de um outro consumidor além do Peru. A respeito ainda dos atrativos para o Peru se aproximar do Chile para exportação de eletricidade, é importante ter em consideração que a tarifa da energia elétrica neste país é a mais cara da América do Sul. Com a falta de recursos energéticos no Chile, a dependência de importação de outros países é grande. Visto como commodity, o governo peruano deseja angariar recursos econômicos com esta possível venda. Com o avanço na construção do gasoduto que percorrerá 1.080 quilômetros para o sul (que se estenderá da jazida de Camisea em Cuzco até o porto de Ilo no litoral) pela Obebrecht, ficará ainda mais fácil realizar tal operação, com uma extensão deste gasoduto até a fronteira com Chile. Figure 3. Gasoduto “Andino do Sul”. Fonte: Projetos da Odebrecht no Peru. Site institucional 129 Com a Aliança do Pacífico, evidentemente as relações Peru-Chile e Peru-China tendem a se fortalecer ainda mais. O novo presidente do Peru (2016 a 2021), o economista conservador Pedro Pablo Kuczynski, ex-ministro da Economia sob Toledo, o ex-banqueiro de Wall Street, propõe um programa econômico de estímulo aos investimentos privados, redução de impostos, facilitação da burocracia administrativa, apoiando uma série de megaprojetos, que vão de barragens hidrelétricas em aeroportos a canteiros de mineração, o que, apesar de se declarar contra a hidrelétrica de Inambari e contra a ferrovia Pacífico-Atlântico20, faz temer o agravamento dos conflitos com as populações locais. Considerações e Perspectivas Finais Em primeiro lugar, levando em consideração os resultados apontados por Finer y Jenkins (2012), faz-se necessário um planejamento suprarregional em nível das duas bacias hidrográficas Andina e Amazônia a longo prazo para uso dos recursos naturais e potencial hidro energético. Mesmo considerando as dificuldades impostas por uma mentalidade nacionalista dominante, é imprescindível que os governantes da região construam um planejamento e políticas em nível regional, superando o limite do “Soberanismo” do século XX, em prol de uma governança a altura dos desafios do século XXI, que inclui a garantia de recursos naturais e a sociobiodiversidade para futuras gerações. A ferramenta de apoio às decisões “Hydrological Information System; Amazon Region Assessment, foi mencionada como um exemplo e grande passo neste sentido. Além disso, para dirimir os conflitos sociais decorrentes da integração e para propor soluções, é necessário construir um mecanismo de governança bilateral ou supranacional ou ainda, fortalecer os organismos internacionais já existentes como UNASUL, COSIPLAN, OTCA, OLADE, CIER. Entretanto, é indispensável que neste mecanismo tenha-se transparência e participação da sociedade civil - representantes de comunidades nativas potencialmente impactadas pelas obras, setor privado, academia e ONGs - e que suas delibe20 http://losandes.com.pe/Politica/20160810/98915.html e http://www.dar.org.pe/noticias/tres-razones-por-las-cuales-ppk-hace-bien-en-dudar-del-tren-bioceanico/ 130 rações façam parte das decisões21. Neste sentido, ao menos um fórum bilateral de governança com transparência e participação da sociedade civil pode ser uma solução mais factível e intermediária. A transparência na tomada de decisão, assim como a participação da comunidade local desde o início do planejamento da interconexão provocará maior legitimidade, trará ricos insumos e ao final, maior facilidade para a construção das possíveis obras enfim aprovadas pelo coletivo. Em relação à redação do Acordo Energético, caso não haja uma negociação de um novo tratado com a participação efetiva da sociedade desde o início, é necessário que ao menos se efetue um mínimo de emendas incluindo, por exemplo, cláusulas socioambientais adicionais como o uso da legislação ambiental mais rigorosa entre os dois países, a obrigação do respeito à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre consentimento livre, prévio e informado e à Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas da Nações Unidas. Os entraves de cunho social, ambiental, regulatório, político e eleitoral e conjuntural acima analisados demonstraram que é necessário ter, concomitantemente, uma ampla gama de condicionantes favoráveis para que uma integração energética regional se estabeleça. Do contrário, a integração levará muito mais tempo e trabalho para se concretizar. Finalmente, a respeito da política externa brasileira no Peru, verifica-se que é fundamental atualizar e alinhar as diretrizes da política externa brasileira voltada à internacionalização das empresas brasileiras à luz dos paradigmas acordados na UNASUL, uma vez que o aumento da internacionalização de empresas sem diretrizes alinhadas com os objetivos da UNASUL será diretamente proporcional à intensificação da desconfiança dos Povos e Estados Sul-americanos em relação às razões brasileiras para integração regional. Desta maneira, qualquer possibilidade de o Brasil vir a ser um ator relevante na definição dos rumos do século XXI na América do Sul dependerá de sua capacidade de construir credibilidade e confiança na região e articular um polo dinâmico, democrático e sustentável de desenvolvimento na América do Sul. 21 Um exemplo de governança exitosa com participação com poder de decisão da sociedade civil pode ser ilustrado pela composição do Conselho Normativo do Programa da ONU de Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação (REDD), a UN-REDD, que a autora Moreira compôs e auxiliou na construção (2009 a 2011). 131 Referências bibliográficas ALIANZA DEL PACIFICO. 2013. Declaración de Cali. Disponível em: http://alianzapacifico.net/documents/cali.pdf Acesso em 28 de maio de 2013. ALMEIDA, C.S.D.M.D. 2014. Conflitos na Exploração de Recursos Naturais em Terras Indígenas: Um Estudo de Caso nas Américas. Revista Política Hoje, v.23, 1. ed., p. 93-111. AMORIM, C. 2010. 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Anexos Documentos produzidos pela campanha arquitetada pela Rede Transnacional de Defesa de Direitos contra o Acordo Energético Brasil-Peru: (1) Cartaz coletivo, (2) New York Times (3) Brazil eyes the peruvian amazon e (4) Prêmio concedido à Ruth Ashaninka pela campanha contra a hidrelétrica Paquitzapango 137 Figura 4. Exemplos de material da campanha orquestrada pela rede transnacional de direitos Colectivo Hidrelectricas Amazonia 138 07/11/2015 Dam Project Would Displace Villages in Jungle Valley of Peru ­ The New York Times AMERICAS | BOCA SANI BENI JOURNAL Dam Project Threatens a Way of Life in Peru By AARON NELSEN MAY 15, 2012 BOCA SANIBENI, Peru — Along the murky waters of the Ene River, in a remote jungle valley on the verdant eastern slopes of the Andes, the rhythmic humming of an outboard motor draws the stares of curious Ashaninka children. With encroachment from settlers and speculators, and after a devastating war against Shining Path rebels a decade ago, the indigenous Ashaninkas’ hold is precarious. And they are now facing a new peril, the proposed 2,200­megawatt Pakitzapango hydroelectric dam, which would flood much of the Ene River valley. The project is part of a proposal for as many as five dams that under a 2010 energy agreement would generate more than 6,500 megawatts, primarily for export to neighboring Brazil. The dams would displace thousands of people in the process. Antonio Metzoquiari, 59, a thin man wearing a New York Yankees baseball cap, considered the implications for his community. “This is a grave matter,” Mr. Metzoquiari said. “It’s a return to violence, another war. I don’t know where or how, but we would have to find a new place to live.” http://www.nytimes.com/2012/05/16/world/americas/dam­project­would­displace­villages­in­jungle­valley­of­peru.html?_r=4 1/4 139 07/11/2015 Dam Project Would Displace Villages in Jungle Valley of Peru ­ The New York Times At a time when hydroelectric dams have fallen out of favor in some parts of the world, the projects might seem an anachronism. But dams remain attractive in much of Latin America, where a number of nations have plenty of water but lack other conventional and affordable energy sources. For now, the project is stalled in the Peruvian Congress, where it awaits debate by the Foreign Relations Commission. President Ollanta Humala has yet to take a position on the dams, but how he manages this and numerous other initiatives across the country that pit development against local and predominantly indigenous communities could very well define his presidency, said Michael Shifter, president of the Inter­American Dialogue, a research organization based in Washington. “The biggest test for Humala is how he strikes the middle ground,” Mr. Shifter said. “I think he understands that if he moves too hard and too fast on this development path, that it can really come back to bite him.” Already Mr. Humala is being tested in northern Peru, where thousands of people have taken to the streets in recent months to oppose the $4.8 billion Conga gold mine that the protesters say would pollute water supplies. Mr. Humala capitalized on social movements like these, especially among Peru’s large and historically marginalized indigenous population, to win the presidency, much to the chagrin of the middle and upper classes in Lima, the capital, who were the primary beneficiaries of a decade­long economic boom based substantially on mining. Mr. Humala opposed the Conga mine during the campaign, but he has since given the project his support while pledging to ensure quality of life improvements for surrounding communities. This conciliatory approach might be a first glimpse at how the president plans to achieve his social agenda while assuaging wary investors, said Fernando Romero, a sociologist and an expert on social conflict in Peru. http://www.nytimes.com/2012/05/16/world/americas/dam­project­would­displace­villages­in­jungle­valley­of­peru.html?_r=4 140 2/4 07/11/2015 Dam Project Would Displace Villages in Jungle Valley of Peru ­ The New York Times “I think what we are seeing is that the government will look to mining and investment from Brazil as the principal source of funding for its plan for social inclusion,” he said. So far, Mr. Humala has not staked out a clear position on the proposed dams, though that is likely to change when President Dilma Rousseff of Brazil visits Peru, a visit expected soon. Officials with the Energy and Mining Ministry say the dams make economic sense only if much of the energy they produce is exported. The ministry added that while it considered environmental and social issues important, it also wanted to make sure that affected local populations benefit from the projects through electrification. Despite claims that the welfare of affected communities is a top priority, several of the projects passed feasibility studies before local residents were even informed that the government had awarded concessions on the land. In response to that disclosure, the Central Asháninka del Rio Ene, which represents Ashaninka populations in the Ene River Valley, went to court to compel the Energy and Mining Ministry to disclose all feasibility studies on the dam proposals. After the project was announced, the organization brought together 17 Ashaninka communities to explain that a dam would inundate some communities and dry out others that depend on the river for sustenance and transportation. Many people would be forced from their homes, critics argue, evoking memories of Peru’s war against the Maoist­inspired Shining Path rebels, which officially ended in 2000 but scarred the Ashaninka. Of the 70,000 people who were killed over two decades, 6,000 were Ashaninka, experts said. Thousands more were displaced and only over the past few years have they begun to resettle their communities along the Ene. “This is why the Ashaninka brothers say because we have sacrificed while our families disappeared, I’m not going to give away our land so easily to the state,” said CARE’s president, Ruth Buendia. http://www.nytimes.com/2012/05/16/world/americas/dam­project­would­displace­villages­in­jungle­valley­of­peru.html?_r=4 3/4 141 07/11/2015 Dam Project Would Displace Villages in Jungle Valley of Peru ­ The New York Times She said the Ashaninka do not understand how a project of this magnitude was approved without their knowledge. “They think we’re going to break windows and protest like in Conga, but we aren’t,” Ms. Buendia said, thumping the table. “Just as they do to us with legal documents we are going to do to them.” When the scope of the dam project was made clear to the Ashaninka, many expressed disbelief while others worried that an exodus would lead to infighting over diminished resources. The final speaker, Dimer Dominguito, 25, who was accompanied by his wife and five children, captured the Ashaninka’s desperation and outrage. “In the city they make money and buy whatever they need, but here we live by our customs, our market, eating what we plant and we are happy,” he said. “We want to defend our right to what is natural, to defend our market, and we support the government, but who supports us?” A version of this article appears in print on May 16, 2012, on page A4 of the New York edition with the headline: Dam Project Threatens A Way of Life In Peru. © 2015 The New York Times Company http://www.nytimes.com/2012/05/16/world/americas/dam­project­would­displace­villages­in­jungle­valley­of­peru.html?_r=4 142 4/4 Brazil Eyes the Peruvian Amazon Site of the proposed Inambari Dam in the Peruvian Amazon. Photo: Nathan Lujan WILD RIVERS AND INDIGENOUS PEOPLES AT RISK T he Peruvian Amazon is a treasure trove of biodiversity. Its aquatic ecosystems sustain bountiful fisheries, diverse wildlife, and the livelihoods of tens of thousands of people. White-water rivers flowing from the Andes provide rich sediments and nutrients to the Amazon mainstream. But this naturally wealthy landscape faces an ominous threat. Brazil’s emergence as a regional powerhouse has been accompanied by an expansionist energy policy and it is looking to its neighbors to help fuel its growth. The Brazilian government plans to build more than 60 dams in the Brazilian, Peruvian and Bolivian Amazon over the next two decades. These dams would destroy huge areas of rainforest through direct flooding and by opening up remote forest areas to logging, cattle ranching, mining, land speculation, poaching and plantations. Many of the planned dams will infringe on national parks, wildlife sanctuaries and some of the largest remaining wilderness areas in the Amazon Basin. By changing the natural cycles of the region’s river systems – the lifeblood of the Amazon rainforest – large dams threaten the rainforest and the web of life it supports. BRAZIL’S ROLE IN PERU’S AMAZON DAMS In June 2010, the Brazilian and Peruvian governments signed an energy agreement that opens the door for Brazilian companies to build a series of large dams in the Peruvian Amazon. The energy produced is largely intended for export to Brazil. The first five dams – Inambari, Pakitzapango, Tambo 40, Tambo 60 and Mainique – would cost around US$16 billion, and financing is anticipated to come from the Brazilian National Development Bank (BNDES). The Peruvian government is hoping that the dams will boost foreign exchange earnings from energy exports, increase tax revenue, and help build local economies through the services and jobs required during dam construction. In a rush to International Rivers | 2150 Allston Way, Suite 300, Berkeley, CA 94704 | Tel: + 1 510 848 1155 | internationalrivers.org  FEBRUARY 2011 143 facilitate private investment, the government is pushing through two laws that would expedite approvals of dams, pipelines and road projects, and exempt them from obtaining environmental certifications as a prerequisite for concession approval. on their lands – first by rubber-tappers and missionaries, and later by settlers, guerrillas, coca growers and traffickers – brought about enslavement, torture, displacement and massacres. During the internal war in Peru in the 1980s and 1990s, the Maoist guerrilla group Shining Path gained control over areas of the Ene and Upper Tambo rivers. Many Ashaninka were forcibly displaced or enslaved, and close to 6,000 were killed. Thirty to forty communities disappeared. The electricity inter-connection between Brazil and Peru is part of a broader energy integration scheme Girl bathing on the Ene River, which is threatened by the in Latin America. The dams would enable the integration Pakitzapango Dam. Photo: Jonathan McLeod of Brazil with the national systems of the Andean region, and in turn the Brazilian conYet, the resiliency of the Ashaninka is extraordinary, and nection would link Argentina, Paraguay and Uruguay to the they maintain their ethnic identity. Today, they are fighting rest of South America. Brazilian electric utility Eletrobras is against illegal logging and coca growing, and are working leading the evaluation of the projects’ feasibility in cooperation with Brazilian private companies such as Engevix, OAS, on managing and protecting their forests. The Ashaninka Organization of the Rio Ene (CARE), initially created in Andrade Gutierrez and Odebrecht. 1993 to support the Ashaninkas after the war, is the leading Ashaninka organization working in defense of communities, ASHANINKA REJECT PAKITZAPANGO DAM forests, and lands, and to protect the Ene River. One of the first projects in line to be built is the Pakitzapango Dam, which would wall off the Ene River Pakitzapango Energia, S.A.C. obtained a temporary conceswith a 165-meter-high dam. The project is being developed by Brazilian construction giant Odebrecht and electric utility sion to conduct feasibility studies for the project in 2008. To counter this, CARE presented a legal administrative action Eletrobras, which estimate that it will generate 2,000 megaagainst the project before the Ministry of Energy and Mines watts (MW) mostly for export to Brazil. In addition to the (MINEM) in 2010. MINEM established that the feasibilPakitzapango Dam, the Tambo 40,Tambo 60 and Sumabeni ity studies were not concluded within the time allowed, dams are also planned in the Ene-Tambo River Basin. and resolved not to renew the temporary concession to Ten Ashaninka communities with close to 10,000 people liv- Pakitzapango Energia. MINEM’s decision has been appealed, and the case may end up in the Constitutional Court. ing on both sides of the Ene River would be displaced and Stopping construction of the Pakitzapango Dam and others their livelihoods harmed by Pakitzapango alone. The health planned for the Ene-Tambo River Basin is crucial for the of the Ene River is crucial for the Ashaninka indigenous survival of the Ashaninka as a people. people, who depend on its fish resources, the fertile soils of its floodplains, and the many foods and products in the surrounding forests. They also cultivate small plots of land PAKITZAPANGO THREATENS AREAS OF on which they grow manioc, yams, peanuts, bananas and HIGH BIODIVERSITY pineapples. The forest provides edible and medicinal roots, Large areas of the region where the Pakitzapango Dam honey, and materials to make baskets and mats. Yet the reswould be built are protected by the Otishi National Park, ervoir would flood 734 square kilometers of forests, arable which connects to the Vilcabamba–Amboró Binational lands and water sources upon which the Ashaninka depend. Corridor that links Peru and Bolivia, forming one of the last remaining contiguous forest ecosystems in the AndeanEven though Peru ratified Convention 169 of the Amazonian region. Mainly mountainous with large areas International Labor Organization (ILO), which requires of minimally disturbed forests, the area is endowed with that indigenous and tribal peoples be consulted on issues astounding biodiversity characterized by endemic wild flora that affect them, the Ashaninka people whose lands are and fauna, some in danger of extinction. legally protected have not been consulted about the Pakitzapango Dam. Otishi (which means “summit” in Arawak) extends for 7,093 sq km, and was created in 2003 to conserve the stability The Ashaninka are one of the largest indigenous groups in the Peruvian Amazon, numbering close to 70,000. Although and integrity of the soils and the waters of the Ene, Tambo and Urubamba river basins. Otishi National Park is home the Spaniards never conquered the Ashaninkas, the intrusion 144 BRAZIL EYES THE PERUVIAN AMAZON Dams in the Peruvian Amazon            $# % &                  $                                 “For us the river does not generate money, the river gives us food, gives us life. The dam builders and oil, mining, and lumber companies want our resources, but we want development in concert with our culture. Dams are not a part of our development.” — Ruth Buendia Mestoquiari, President of CARE           "&%'!   %#      % # &  &%## '%(   "&   &"&!!          Map not to scale.  #        to a large number of bird species, small and large mammals, amphibians, insects, butterflies, and much more. New species have been discovered here that are endemic to the region. The Ashaninka Communal Reserve and the Machiguenga Communal Reserve were created as buffer zones to Otishi. Communities fear that construction of the Pakitzapango Dam and the associated transmission line corridor would open the buffer zones to logging and petroleum interests. Roads would make possible a wave of colonization, disrupting indigenous communities and causing environmental destruction, which eventually would reach Otishi. INAMBARI DAM Another project likely to be fast-tracked under the BrazilPeru Energy Agreement is the Inambari Dam on the Inambari River in Puno, Cusco and Madre de Dios states, 300 km from the Brazil border. If built, the massive $4 billion project would form a reservoir of 410 sq km. The dam would be the first in a proposed cascade which, as well as generating electricity, would also send water during times of Ruth Buendia Mestoquiari. Photo: Jonathan McLeod drought to Brazilian dams Jirau and Santo Antonio on the Madeira River. Companies in EGASUR – the BrazilianPeruvian consortium created to build the project – have stated they have received promises of a $2.5 million loan from the Brazilian National Development Bank (BNDES) for the project. The Bahuaja-Sonene National Park, a world-class sanctuary of high biodiversity, would be threatened as new roads are built, leading to increased colonization, forest burning, cattle ranching and large farms, hunting, and erosion. Fifty small towns would be either flooded by the dam or their economy and transportation harmed, and close to 15,000 people would be displaced. Most people are migrants from the highlands of Puno State, who began to arrive 50 years ago. The newcomers began to grow cacao, pineapple, bananas and manioc. Others do small-scale fishing, or artisanal gold mining along the Inambari. A 100 km stretch of the Inter-Oceanic Highway (built by Brazil, not yet paid for by Peru) would also be flooded. 145 Communities from towns like San Gaban – which would be destroyed by the construction of the wall of the Inambari Dam through it – have held numerous protests over several years. Road blockades on main roads that give access to cities are regular occurrences, and signs of “No to Inambari Dam” can be found in many towns along the river. The Native Federation of Madre de Dios River (FENAMAD), comprised of several indigenous groups and other downstream communities in Madre de Dios State, have demanded cancellation of the project. They say they have not been consulted, and are concerned about the risks of extinction that isolated indigenous people would face. Downstream communities have not been made aware of the impacts that cutting off the river’s flow would have on them. Due to opposition to the project, required public consultations have not taken place, and the company has not been able to submit the Environmental Impact Assessment (EIA). EGASUR currently lacks permits to build the project, but if legislation that exempts companies from presenting an EIA are approved, EGASUR could obtain construction permits soon. approved, aiming to develop a national culture for energy efficiency through programs and education, promotion of cogeneration and distributed generation. Additional regulation supports the replacement of incandescent lights by compact fluorescent bulbs. Energy efficiency labeling guidelines were recently issued to help consumers in their selection of efficient appliances. There is great potential for energy conservation in Peru, and with a concerted effort by government, substantial energy savings could be realized. The government claims that the energy produced by the hydroelectric projects would be cheap for Peruvians, but this might not be the case. The feasibility study for the proposed Inambari Dam shows that the generation cost is higher than current national electricity tariffs. What’s more, the high social and environmental costs – which would be transferred to the Peruvian people – have not been taken into account. While Peru claims it will generate much-needed foreign exchange for the country through selling power to Brazil, the high costs of damming the Peruvian Amazon may outweigh its benefits. OTHER SOURCES OF ENERGY ARE POSSIBLE The Peruvian government, which has yet to produce a longterm national energy plan, is now at a decision-making point for shaping the country’s energy plan for decades to come. The government has shown signs of seeking and developing alternative sources of energy. Peru is renewable energy-rich, with close to 30,000 MW of non-dam renewable energy potential. In May 2008 the Peruvian government passed a law to create incentives for the development of biomass, wind, solar, tidal and geothermal energy, and of hydroelectric power plants under 20 MW. The law guarantees a 12% rate of return for investments and gives priority to their dispatch into the national grid. As their generation costs are higher than the average cost of the present mix of mainly hydroelectric and natural gas power stations, a small increase in electricity tariffs would pay for them. The Wind Atlas of Peru shows that the country has 22,000 MW in wind power potential. Three wind farms on the Pacific coast with an installed capacity of 142 MW will begin operations in 2012 and other wind projects are expected to be developed in the short-term. The southern coast of Peru has favorable conditions for solar energy development. In 2010, contracts were granted for four photovoltaic plants with a total installed capacity of 80 MW to supply energy over a period of 20 years. The four plants in the southern regions of Arequipa, Tacna and Moquegua are expected to begin operations in 2012. In 2008, the “Promotion of Efficient Energy Use” law was JOIN US! For more information, visit: internationalrivers.org/en/peru 146 CAMPAIGN TO SAVE THE RIVERS OF THE PERUVIAN AMAZON CARE is leading a powerful national and international campaign for the protection of the Ene River and Ashaninka communities, and in opposition to planned dams. Ashaninka communities demand that their rights as indigenous people are respected under international law. They have already filed legal actions that have temporarily halted construction of the project, and insist that the government of Brazil respect the decisions of the Ashaninka people and call off any negotiation regarding the Pakitzapango Dam. Communities from the Puno area continue to hold marches, roadblocks, meetings and strikes pressing for cancellation of Inambari Dam. They are exploring legal actions to stop the project. Local group FENAMAD has made alliances with other affected peoples to strengthen their opposition. Local NGOs are lobbying congress to modify the energy agreement made between Peru and Brazil, and a strong movement for the protection of the Amazon rivers of Peru is growing. Join the movement to protect the rivers of the Peruvian Amazon at internationalrivers.org/en/peru. RESOURCES For further information, visit the following websites: Central Ashaninka del Rio Ene (CARE) http://ashanincare.org/ Derecho, Ambiente y Recursos Naturales http://www.dar.org.pe/  (https://www.facebook.com/goldmanenvironmentalprize)  (http://twitter.com/goldmanprize) search   (http://www.youtube.com/goldmanprize)  (/?feed=rss2)   (http://www.goldmanprize.org) Ruth Buendía South and Central America 2014 Goldman Prize Recipient  Peru  Rivers & Dams  Share   Overcoming a history of traumatic violence, Ruth Buendía united the Asháninka people in a powerful campaign against large­scale dams that would have once again uprooted indigenous communities still recovering from Peru’s civil war. In 2010, the governments of Brazil and Peru signed a bilateral energy agreement that called for a series of large­scale hydroelectric dams in the Amazon. Under this agreement, most of the energy would be exported to Brazil. Few economic benefits would come back to local communities in Peru, whose ancestral territories would be flooded during construction. Among the indigenous people living in the proposed construction site of the Pakitzapango dam along the Ene River are the Asháninka, who have made a home in the thickly forested “eyebrow of the jungle” practicing subsistence farming, hunting and fishing. The energy agreement was pushed through without any input from the Asháninka, in direct violation of the International Labor Organization’s (ILO) treaty—which Peru ratified in 2006— that requires governments to consult with indigenous communities on any development projects in their territory. 147 Ruth Buendía was 12 years old when the Shining Path guerillas invaded Asháninka territory and set up political and military operations. Her father was killed during the violence that ensued, and her mother sent Buendía away to seek safety in Lima. Thousands of Asháninka were killed during the conflict; thousands more fled their ancestral lands. Following her return home, Buendía worked at a juice shop in Satipo where she was approached by a customer who recognized her as a fellow Asháninka and encouraged her to join the Asháninka Center of the Ene River (CARE). Eager to reconnect with her roots and contribute to the Asháninka community’s healing, she began volunteering with the organization, helping indigenous people obtain the documentation needed to attend school and access public services. Traveling across the Ene River Valley, Buendía met several tribal chiefs who had known and respected her father—and felt at home for the first time. She thrived at CARE, and in 2005, a retirement in the organization’s leadership led to an unexpected opportunity as Buendía, at 27 years old, was elected the first woman president of CARE. Not long after the historic election, Buendía came across news coverage of the bilateral energy agreement and the proposed Pakitzapango Dam. CARE’s requests to the Peruvian government for more information went unanswered, but it soon became clear that the massive dams would displace thousands of Asháninka—reopening old wounds from Peru’s civil war a mere decade before. Buendía and her team at CARE began reaching out to Asháninka communities, raising awareness about the dam and its threats using digital simulations of how the valley would be flooded during construction. They organized a region­wide assembly and united the Asháninka in opposition to the dam. Buendía took the struggle to international leaders. She traveled to Washington DC as the representative of the Asháninka delegation and presented a report to the Inter­American Commission on Human Rights about the impact of Peruvian energy development on her people. In December 2010, as a direct result of Buendía’s advocacy, the Peruvian Ministry of Energy rejected a request from Pakitzapango Energy that would have allowed the dam to move forward. The following year, Odebrecht, the main shareholder in another dam, the Tambo 40, announced its withdrawal from the project, citing the need to respect the views of local communities. With the Pakitzapango project tied up in court, Buendía is now working to firmly establish land rights for the Asháninka. She is developing a management plan for the Asháninka Communal Reserve that would protect their lands from future development while allowing local communities to pursue sustainable economic opportunities such as coffee and cacao farming. Comments 0 comments 148 Integração Energética no MERCOSUL: o caso emblemático de Itaipu Binacional Thauan Santos1e Luan Santos2 1. Introdução Itaipu Binacional é frequentemente considerada o caso de maior sucesso no modelo de integração energética do Cone Sul, mais precisamente do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Por isso, o presente capítulo tem o objetivo de analisar o caso, destacando, inclusive, as iniciativas voltadas para a questão ambiental. Assim como indicam Goldemberg e Lucon (2007), interpretar tais temáticas exige do tomador de decisão uma plena compreensão das relações mútuas entre energia, meio ambiente e sociedade, ou seja, a atual necessidade de se avaliar ambas as questões de modo conjunto. Mais do que nunca, considerar a interdisciplinaridade, bem como internalizar as externalidades negativas de determinados projetos vem sendo condição básica para a aprovação e a manutenção dos mais distintos projetos. Recentemente, temas como “desenvolvimento sustentável”, “gestão socioambiental” e “mudanças climáticas” têm sido protagonistas nas discussões nacionais e internacionais. Diversas são as instâncias (municipais, estaduais, federais e mesmo multilaterais) que evidenciam a necessidade de lidar com tais questões com maior relevância e urgência (SANTOS & SANTOS, 2014). Não obstante, diversos são os autores que destacam o crescimento do uso dos combustíveis fósseis na matriz energética mundial (GEORGESCU-ROEGEN, 2012; VICHI & MANSOR, 2009; PASSET, 1979), o que se verifica como um grande dilema a ser enfrentado para busca do desenvolvimento sustentável e da preservação do meio ambiente. 1 Professor do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio) e do Departamento de Defesa e Gestão Estratégica Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (DGEI/UFRJ). 2 Professor da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Poli/UFRJ) e pesquisador do Programa de Planejamento Energético (PPE/COPPE/UFRJ). 149 O principal objetivo, portanto, é destacar especificamente a questão da integração energética e suas interfaces com a temática socioambiental. Nesse sentido, e de modo a estreitar nossa análise, discutiremos a integração (i) física; (ii) elétrica; (iii) da América do Sul; e (iv) no Cone Sul. Portanto, não apenas deixaremos de avaliar outras iniciativas no subcontinente que não lidem com energia elétrica, como também não analisaremos as iniciativas nas demais regiões latino-americanas, a exemplo da região andina e caribenha. Será realizado um estudo de caso da Itaipu Binacional, sobretudo pelo fato de a usina constituir um exemplo de “sucesso” no modelo de integração energética na região (FUSER, 2015; SANTOS, 2014b; CASTRO & ROSENTAL, 2012), inclusive, mais recentemente, sob o ponto de vista de política e gestão ambiental. Ao longo deste capítulo, pretendemos não apenas destacar a evolução histórica da usina, mas, sobretudo, fazer uma análise crítica acerca desse exemplo, destacando as recentes iniciativas que levam em conta a questão ambiental e o desenvolvimento sustentável da região. 2. Integração Regional A integração regional é, por definição, um conceito extremamente complexo e maleável. Complexo, porque é interdisciplinar e multifacetado. Maleável, porque, por se tratar de um processo, frequentemente tem interpretações diferentes e, muitas vezes, contraditórias. O fato de o conceito ser fluido e dinâmico faz com que não haja um consenso acerca de seu real significado (SANTOS, 2014b). Quando falamos da complexidade da integração regional, referimo-nos ao fato de ela incorporar política, história, economia, sociedade, cultura, identidade, normas, instituições, compromissos, tecnologia, e, em última instância, um projeto de médio/longo prazo. Comumente, não apenas na prática, mas na própria literatura, tem-se a integração associada ao/à: • Cooperação; • Comércio Internacional; • Fluxos de capitais e investimentos em determinada região; e • Iniciativas binacionais. Nada disso é integração, necessariamente. De fato, cada um dos itens destacados pode ser considerado um dos meios para se promover a integração 150 regional, no entanto, isoladamente, não constituem um projeto de integração. “Projeto”, pois, como já antecipado, integração é um processo, e não um fim em si mesmo. Logo, levará em conta a dinâmica desse mesmo processo, bem como deverá considerar meios para adaptar esse próprio processo, em um mecanismo de learn by doing. Quando falamos que a integração regional é “maleável”, estamos nos referindo especificamente a esse fato, mas não apenas. Estamos considerando o componente histórico, o fato de os processos serem únicos e, portanto, muitas vezes incomparáveis. Muitos são os autores que insistem em comparar o processo de integração da América do Sul com o da Europa. Ao fazerem isso, esquecem que o contexto histórico, político e econômico foi completamente diferente em cada caso, assim como os principais motivadores de tais processos. São também muitos os autores que tratam os termos “integração” e “cooperação” de forma substituta e sinônima, reforçando um grande mal-entendido que há na literatura (SANTOS, 2014b, 2014c; QUEIROZ et al., 2013; MARIANO & MARIANO, 2002). Nesse sentido, tratam da mesma forma um projeto conjunto de investimento de longo prazo em infraestrutura, como Itaipu Binacional, com projetos ad hocs de curtíssimo prazo, como uma cooperação técnica em determinado setor da economia. Ao destacar esses primeiros pontos, busca-se evidenciar a necessidade de se considerar a complexidade da questão, de modo a não reduzi-la a tímidas e curtas iniciativas em determinados setores. Essa forma de abordar o tema tem a preocupação de enxergar a questão não apenas de um ponto de vista. A título de exemplificação, a Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL) tratou do tema da Infraestrutura Física e Integração Regional em seu FAL Bulletin, que aborda questões relativas à facilitação do comércio e do transporte na América Latina e no Caribe (CEPAL, 2009). Para além disso, destaca, no mesmo trabalho, que a integração pode ser vista de pelo menos três ângulos, a saber: integração econômica e comercial; integração política; e integração física. Ao tratarem metodologicamente dessa forma, sugerem que tais “ângulos” são independentes, logo deixam de tratar a questão da forma multifacetada e interdisciplinar que sugerimos.Vale considerar, no entanto, que a CEPAL representa uma das principais fontes de dados e informações para os tomadores de decisão da região, o que, novamente, ratificaria o porquê de o tema ser tão mal compreendido pelos atores. 151 De toda forma, CEPAL (2009) destaca que “it is essential to emphasize the importance of physical integration for the economic and social development of our region”3 e, concordando nesse ponto, focaremos em um ramo da integração física: a integração física energética. Na mesma obra, destacam que a integração física é a menos abordada e discutida na literatura, o que evidencia a necessidade de aprofundarmos a questão. A energia constitui um bem essencial à vida da população e ao pleno funcionamento da economia. Considerando o potencial de recursos renováveis e não renováveis da região sul-americana, já se pode imaginar de antemão que o uso racional desses recursos deveria ocorrer. Por outro lado, o que se sabe é que, na prática, isso não ocorre. Por quê? Responder a essa pergunta não constitui tarefa fácil. Fuser (2010, p.5) destaca que: O entendimento predominante entre os atores políticos e empresariais, assim como dos analistas especializados, é de que existem possibilidades para ampliar enormemente as atividades de integração energética a fim de otimizar o aproveitamento da energia e de obter os máximos benefícios da natural complementaridade entre os recursos disponíveis na região. Diversos foram os estudos que buscaram entender o porquê de a integração energética da região não avançar enquanto projeto, apesar das políticas e iniciativas que lidam especificamente com a questão (SANTOS, 2013a, 2014b, ZANETTE, 2013). Assim como a integração regional, a definição de integração energética tampouco é fechada, clara e unânime. Oxilia Dávalos (2009, p.16) afirma que não existe uma definição precisa na literatura acerca do conceito de integração energética, sugerindo que seja interpretada como: Um processo que envolve pelo menos dois países que se direciona a alguma atividade da indústria de energia (principalmente produção e transporte de energia) por meio de uma instalação permanente e com base num acordo específico que oriente as regras de relação entre as partes. Essa definição é interessante, na medida em que destaca pontos chaves para a plena compreensão do tema. Ao destacar a presença de “pelo menos dois países”, faz-se uma diferenciação entre integração e cooperação bilateral. Ao 3 É essencial enfatizar a importância da integração física para o desenvolvimento econômico e social da nossa regiao (tradução dos autores). 152 abordar a “instalação permanente”, destaca-se o fato de a integração ser física, ou seja, contar com investimento em infraestrutura. Ao tratar de “acordo específico que oriente as regras”, é dado destaque à institucionalização do processo, por meio de regras, normas e Tratados. No que se refere especificamente à última questão, Moreira e Pinto (2013, p.4) destacam que integração do setor de eletricidade, nosso caso específico, requer não apenas conexões físicas de intercâmbio de energia e projetos de geração conjuntos, mas um conjunto de acordos e instituições que ainda não foram definidas pelos países da América do Sul. Dessa forma, fica evidente a necessidade de se promover um arcabouço institucional sólido e participativo que lide com a temática de modo a assegurar o cumprimento dos contratos, bem como considerar as externalidades de projetos de infraestrutura física energética (sobre o meio ambiente, por exemplo). Honty (2006, p.126) é ainda mais crítico quando destaca que: La integración a la que asistimos es, esencialmente, una interconexión física para transportar electricidad y gas natural, sin ningún compromiso político e sin aspiraciones de proyectar un desarrollo regional sustentable. Su objetivo principal es logar el acceso a las fuentes energéticas disponibles a los precios más bajos. (…). Aunque esto puede ser cierto, si no se acompaña con una política común para la distribución de los beneficios del uso de la energía, entonces resulta en un mero abaratamiento de los costos de producción para las grandes industrias.4 Ao colocar dessa forma, Honty (2006) destaca não apenas a vertente política que deve existir na análise física – superando a limitação metodológica da CEPAL (2009) –, mas, sobretudo, a necessidade de que tais benefícios sejam compartilhados por toda a sociedade, e não sirva apenas ao beneficio de determinados setores. Similar crítica recai sobre a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), uma vez que diversos são os autores que criticam os reais beneficiados dos projetos de integração física energética, de transporte e de telecomunicações promovidos (SANTOS et al., 2013a; FUSER, 2010; COUTO, 2008). 4 A integração que assistimos é, essencialmente, uma interligação física para transportar eletricidade e gás natural, sem nenhum compromisso político e sem aspirações de projetar um desenvolvimento regional sustentável. Seu objetivo principal é alcançar o acesso às fontes energéticas disponíveis aos preços mais baixos. (…). Ainda que isso possa ser certo, se não é acompanhado de uma política comum para a distribuição dos benefícios do uso da energia, então se resume ao mero barateamento dos custos de produção para as grandes indústrias (tradução e destaque dos autores). 153 Apesar de essa seção não abordar especificamente a IIRSA, vale antecipar que ela é frequentemente associada aos gargalos físicos e aos problemas regulatórios da região sul-americana (SENNES & MENDES, 2008). Termos como “falhas de mercado”, “privatização”, “livre concorrência” e “livre iniciativa” são evitados e, mais do que isso, criticados, ao nosso ver, uma vez que consideram pressupostos irreais e simplificadores da realidade político-econômica. Portanto, e por lidar com áreas cuja sensibilidade ambiental é forte, a IIRSA será abordada na próxima seção. Correndo-se o risco de fazer comparações com o modelo europeu de integração regional, Lima e Coutinho (2006) destacam que os primeiros passos para a integração europeia, em meados do século passado, foram dados a partir da criação da Comunidade do Carvão e do Aço (CECA). Realmente, e apesar dos diferentes contextos político, econômico e internacional, a raiz do processo integracionista da União Europeia está na temática energética, dada sua relevância, seus efeitos transversais na economia, bem como suas relações com o desenvolvimento socioeconômico (DIAS LEITE, 2007). 3. Integração Energética e Desenvolvimento Sustentável Iniciada na segunda metade do século XIX, a Revolução Industrial permitiu ao homem obter ganhos de potência, velocidade e rendimentos durante o processo de produção e consumo, estabelecendo uma nova ordem de grandeza de consumo de energia e recursos (PASSET, 1979). Inicialmente, foi implementada a máquina a vapor, movida a carvão e a lenha, mas foi apenas na Segunda Revolução Industrial, na segunda metade do século XIX, que se tornou possível a queima de combustíveis fósseis para a geração de trabalho. É inerente à utilização destas fontes de energia primárias a emissão de gases que afetam o bem-estar humano nos níveis local, regional e global. No entanto, foi apenas no decorrer do século XX que as discussões entre as questões econômicas e ambientais tomaram forma, tornando-se um dos principais aspectos analisados no âmbito da gestão ambiental, das negociações internacionais sobre meio ambiente, bem como sobre a questão das mudanças climáticas (SANTOS, 2014a). Tal fato se deve, majoritariamente, à compreensão de que, até recentemente, a teoria econômica deixava em plano muito secundário as relações entre o sistema econômico e o meio ambiente 154 tendo, no extremo, sofisticadas teorias de equilíbrio geral e de crescimento econômico que focalizam a economia como um sistema isolado, isto é, um sistema que não intercambia nem matéria nem energia com seu meio externo (MUELLER, 1996). Em L’Économique et le Vivant, René Passet5 (1979) argumenta que a esfera econômica, onde ocorrem as produções, as trocas e os consumos dos bens e serviços, possuía uma lógica de sistema fechado, isto é, voltada para si própria. Nesse sentido, afirma que esta posição da teoria econômica entra em conflito com a lógica das esferas das atividades humanas e da biosfera, sobretudo ao se considerar que a atual escala de impactos da esfera econômica nas demais esferas, muitas vezes superior à capacidade de suporte e de carga (carry capacity). O sistema econômico, dessa forma, funcionaria como se existissem fontes inesgotáveis de insumos materiais e de energia. De acordo com Mueller (2007), no processo de produção, todos os insumos seriam inteiramente convertidos em produtos, não ficando nenhum resíduo indesejado e, no consumo, todos os produtos desapareceriam inteiramente. Era como se a economia fosse um sistema isolado, cabendo à teoria econômica concentrar-se na análise dos fluxos de valor de troca circulando no seu interior, entre empresas e famílias. Esta postura se justificava enquanto eram limitadas, em relação ao ecossistema, as demandas de materiais e de energia do sistema econômico, bem como as suas emissões de resíduos e de rejeitos. Foi só na década de 1960, quando se tornou evidente o fato de que externalidades ambientais são parte dos processos econômicos, que surgiram os primeiros esforços da economia neoclássica parar alterar as bases da teoria. Conforme destaca Georgescu-Roegen (2012), o pensamento econômico sempre foi influenciado pelos problemas econômicos da atualidade vigente, no entanto o corpo central dessas correntes de pensamento simplesmente desconhecia o fato crucial de que a atividade econômica não pode perdurar sem trocas contínuas com o meio ambiente. Inúmeros foram os fatos que influenciaram nessa mudança, tais como a queda da qualidade de vida nos países industrializados – em 1962, uma sequência de desastres ambientais começou a acontecer em várias partes do mundo, como a contaminação da baía de Minamata no Japão, onde centenas de pessoas foram envenenadas por mercúrio depois de comerem os peixes 5 O Econômico e o Vivo (tradução dos autores). 155 contaminados. Nesse mesmo período, a bióloga e escritora Rachel Carson lançou seu livro Silent Spring (Primavera Silenciosa), que viria a se tornar um clássico dos movimentos preservacionista, ambientalista e ecologista. O mesmo alertava para a crescente perda da qualidade de vida produzida pelo uso indiscriminado e excessivo dos produtos químicos e fertilizantes e os efeitos dessa utilização sobre os recursos ambientais (CARSON, 1962). Em 1987, o Relatório de Brundtland intitulado “Nosso Futuro Comum” (Our Common Future) definiu um conceito que mudaria a noção de crescimento econômico até então adotada pela maioria dos países. O “desenvolvimento sustentável”, assim, seria o desenvolvimento que satisfaria as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprirem suas próprias necessidades (ONU, 1987).Tal conceito foi consolidado na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e o Desenvolvimento Humano (CNUMAD), mais conhecida como Eco-92 ou Rio-92. No entanto, a busca pelo desenvolvimento sustentável tem conduzido a constantes desafios e questionamentos, pois conceitos antes considerados antagônicos, como lucro, preservação do meio ambiente e bem-estar social, ou seja, o tripé econômico, ambiental e social, deveriam agora ser harmonizados e tratados de forma indissociáveis. É nesse sentido que toda a discussão a respeito das relações entre economia, meio ambiente e energia, no contexto do desenvolvimento econômico das regiões, mostra-se fundamental para se compreender a importância da questão ambiental sobre os projetos de integração energética. A mesma surge, claramente, como um objetivo desejável – em primeiro lugar, pelos ganhos decorrentes da complementaridade econômica entre os diferentes países; em segundo lugar, pela possibilidade de redução dos custos da energia; e, finalmente, pela oportunidade de diversificação da matriz energética. Não por acaso, a energia tem sido apontada, junto com as grandes rodovias projetadas ou em execução, como a coluna vertebral da integração sul-americana. Historicamente, as iniciativas de integração ou interconexão energética na América do Sul ocorrem em fases claramente distintas (OXILIA, 2009). A primeira fase, nas décadas de 1970 e 1980, caracteriza-se pela forte participação do Estado nos projetos relacionados ao setor energético. É o período dos grandes projetos binacionais, com destaque para as hidrelétricas de Itaipu (Brasil-Paraguai), Yaciretá (Argentina-Paraguai) e Salto Grande (Argentina-Uruguai). Em 1972, foi inaugurado o primeiro gasoduto internacional na América do Sul, o Yabog, para o envio de gás natural boliviano 156 à Argentina. Na fronteira norte do Brasil, o estado de Roraima passou a receber a energia elétrica da represa venezuelana de Guri, a terceira maior do mundo. A segunda fase, na década de 1990, caracteriza-se pela centralidade dos investimentos privados, no contexto da hegemonia política neoliberal na região. Nesse período, as represas hidrelétricas ficaram em segundo plano diante da prioridade à instalação de usinas térmicas, mais atraentes do ponto de vista das empresas transnacionais, porém menos atraentes do ponto de vista ambiental. O foco se deslocou para a comercialização de gás natural através de grandes dutos. Em 1996, iniciou-se a construção do Gasbol, entre a Bolívia e o Brasil, inaugurado três anos depois. Ao mesmo tempo, a privatização do setor energético na Argentina, com a venda da YPF (Yacimientos Petrolíferos Fiscales) e Gas del Estado ao capital estrangeiro, foi acompanhada pela construção de uma rede de sete gasodutos (todos eles, pertencentes a empresas privadas) para a exportação de gás argentino para o Chile. O fato, porém, é que toda a questão ambiental, e mesmo social, vem se colocando como variáveis extremamente relevantes no contexto dos projetos de integração regional na América do Sul. A Declaração de Margarita, por exemplo, estabeleceu que “a integração energética da Comunidade Sul-Americana de Nações6 deve ser utilizada como uma ferramenta importante para promover o desenvolvimento social, econômico e a erradicação da pobreza”. Este tipo de compromisso é repetidamente enfatizado nas declarações dos diversos representantes dos países membros para acentuar o comprometimento de cada país com o projeto (OLIVEIRA et al., 2014). É a partir desta reflexão que se dá início a avaliação da intersecção entre melhoria na matriz energética sul-americana, pobreza e conservação dos recursos naturais. Nesse sentido, Oliveira et al. (2014) destaca que diversos países da América do Sul possuem uma situação peculiar em relação aos seus estoques energéticos: eles são muito abundantes. Se pensarmos somente em termos de recursos energéticos de exploração direta, como os combustíveis fósseis, gás natural, água, vento e a incidência solar, eles são de dimensões gigantescas, mas se a eles ainda agregarmos a biodiversidade, como fonte de energia codificadora e matéria-prima genética para a evolução futura em resposta a alterações ambientais, teremos uma abundância de recursos energéticos e funções por eles fornecidas de magnitudes inimagináveis. 6 UNASUL. 157 Na arena energética, além dos atores que historicamente têm se dedicado à integração energética, principalmente OLADE (Organización Latino Americana de Energía) e CIER (Comissión de Integración Energética Regional), mais recentemente aparece no cenário a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA). Criada durante o Primeiro Encontro dos Presidentes da América do Sul em Brasília em 2000, a IIRSA é uma iniciativa de infraestrutura multinacional que envolve os doze países da América do Sul, que inclui, de alguma maneira, aspectos econômicos, políticos, sociais, culturais e ambientais, contemplando mecanismos de coordenação entre os governos, as instituições financeiras multinacionais que o promovem e o setor privado (BONO & BORDAZAR, 2011). Segundo Couto (2007), a IIRSA seria responsável, dessa forma, por promover a infraestrutura básica de transporte, telecomunicação e energia, provendo os fundamentos para uma melhor integração comercial e social7 no continente sul-americano. Viabilizaria, portanto, planos e programas de investimentos com uma visão política, considerando a estratégia de integração regional. No entanto, observa-se que a questão ambiental ainda é extremamente marginal, uma vez que essa questão sequer consta entre os critérios de seleção dos projetos – de acordo com o website oficial da IIRSA. De acordo com Vainer e Nuti (2008), o balanço socioambiental dos empreendimentos dos vários setores elétricos nacionais não recomenda qualquer otimismo. No Brasil, esse balanço é, para dizer o mínimo, dramático, tamanhos os custos sociais e ambientais não adequadamente compensados e reparados na implantação de projetos hidrelétricos, de acordo com os autores. A violação de direitos humanos levou ao ponto de o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, ligado à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, a criar uma Comissão Especial para “realizar um levantamento empírico” de “ocorrências de violações de direitos humanos decorrentes da implementação de barragens no país” e “apresentar sugestões e propostas no que concerne à prevenção, avaliação e mitigação dos impactos sociais e ambientais da implementação dessas barragens, e a preservação e reparação dos direitos das populações atingidas” (Resolução nº 26/2006). São igualmente conhecidos os graves danos provocados pela implantação de usinas hidrelétricas sobre populações tradicionais, tanto na Amazônia bra7 Couto (2007) destaca a relevância social da IIRSA, apesar das diversas críticas sobre o fato de ela considerar, fundamentalmente, a infraestrutura básica para promover apenas a atividade econômica na região, sobretudo voltada para os agentes privados. 158 sileira (Tucuruí, Balbina), quanto no Chile (Bio Bio) e Colômbia (Arru). Projetos binacionais não escaparam à mesma problemática, como o demonstram os problemas pendentes em Yaciretá e, mesmo, em Itaipu, onde a situação dos Guarani Oco’y permanece sem solução (VAINER & NUTI, 2008). Dessa forma, a energia, o uso e a gestão de recursos hídricos e, de modo mais amplo, as formas de apropriação do território e dos recursos ambientais (territorializados) são, sem nenhuma dúvida, temas decisivos em qualquer estratégia ou projeto nacional. Da mesma maneira, devem ocupar lugar de destaque em projetos e estratégias de longo prazo voltados para a integração regional na América do Sul. O fato de a maioria dos projetos da IIRSA apresentarem caráter bilateral faz com que os projetos de energia, dos quais poucos têm de fato a ver com integração energética, não lidem especificamente com a temática em questão. Sendo assim, na realidade existem poucos projetos que tratam da interligação energética e da construção de novas usinas, e, quando há, o tema ambiental é marginal (SANTOS et al., 2013). 4. Itaipu Binacional A presente seção tem como principal objetivo destacar a relevância da Itaipu Binacional no que se refere à integração energética da América do Sul. Para tal, a primeira subseção apresentará um breve histórico da Itaipu Binacional, bem como algumas das principais críticas à usina. Em seguida, na próxima seção serão feitas as diversas análises de Itaipu, considerando-se o meio ambiente. 4.1. Breve histórico e principais críticas Antes de apresentarmos a problemática político-econômica que existe nas relações bilaterais Brasil-Paraguai no que se refere à Itaipu Binacional, é importante destacarmos as características físicas da usina e da região de modo a se ter clareza acerca da magnitude de Itaipu. Localizada no rio Paraná, apresenta capacidade instalada de 14.000 MW e supre 73% do mercado paraguaio e 17% do brasileiro. Tendo produção anual de 87.795 GWh, em 20148, apre8 Queda de 11% frente ao ano anterior. 159 senta um reservatório de área igual a 1.350 km2 (sétimo maior do Brasil), de comprimento 170 km (SAMEK, 2012). Sua barragem possui 196 m de altura e 7.919 m de comprimento total. De acordo com o site oficial da usina, a transmissão para o sistema interligado brasileiro se dá a partir da subestação de Foz do Iguaçu no Paraná e é realizado por Furnas e Companhia Paranaense de Energia (Copel). A energia em 50 Hz utiliza o sistema de corrente contínua de Furnas e a energia em 60 Hz utiliza o sistema de 765 kV de Furnas e o sistema de 525 kV da Copel. Já para o Paraguai, a transmissão é feita nas tensões de 500 kV e 220 kV a partir da subestação da Margem Direita. Tendo apresentado brevemente as características da usina, pode-se considerar que a construção da Itaipu Binacional pôs fim a um longo conflito diplomático que existia entre Brasil e Paraguai dos anos 1750 aos anos 1960 (SOUZA, 2005; BLANCO; 2009). O “x” da questão era a soberania territorial da região de Salto Grande das Sete Quedas, uma vez que, nas palavras de Andersen (2009, p.2): A hidrelétrica de Itaipu foi construída nesse rio internacional, compartilhado, contíguo e sucessivo da Bacia do Prata, à montante do território argentino. É na ‘tríplice fronteira’, formada pelos limites territoriais entre Brasil, Paraguai e Argentina que Itaipu foi edificada. Houve uma série de acordos que visavam a resolver a tensão existente na região: Tratado de Limites Paraguai-Brasil (27 de março de 1872), Ata de Foz do Iguaçu (22 de junho de 1966), Tratado de Itaipu (26 de abril de 1973) e Acordo Tripartite9 Itaipu-Corpus (19 de outubro de 1979). De acordo com Cunha (2011), o Tratado de Itaipu detalha o ordenamento da usina, especificando a estrutura jurídica, bem como apresenta três anexos: • Anexo A: Estatuto da entidade binacional denominada Itaipu; • Anexo B: Descrição geral das instalações destinadas a produção de energia elétrica e das obras auxiliares, com as eventuais modificações que se façam necessárias; e • Anexo C: bases financeiras e de prestação dos serviços de eletricidade da Itaipu. De acordo com Canese (2011), uma das partes negativas do Tratado de Itaipu diz respeito ao fato de destacar o “direito de aquisição” da energia não 9 160 Assinado entre Argentina, Brasil e Paraguai, evidencia a cooperação existente na Bacia do Prata. utilizada pelo Paraguai pelo Brasil (em lugar de “direito de preferência para a aquisição”, como na Ata de Iguaçu). Dessa forma, uma das principais reclamações de parte dos paraguaios se deve ao fato de o Brasil interpretar que o Paraguai está obrigado a entregar (vender) toda sua energia não utilizada ao parque brasileiro. Outra questão se refere ao termo “compensação” pela cessão de energia (em lugar de “preço justo”, como na Ata de Iguaçu), cujo critério de cálculo é criticado e questionado pelos paraguaios. Vale destacar, contudo, que diversos são os autores que afirmam que tais críticas não teriam fundamento econômico. Castro e Brandão (2013), por exemplo, publicaram um breve artigo em resposta ao texto publicado pela Vale Columbia Center, chamado Leveraging Paraguay’s Hydropower for Sustainable Economic Development, de 2013. Os autores, mais especificamente, questionam determinados pressupostos na simulação do fluxo de caixa, indicando inconsistências nos mesmos. Portanto, “we therefore recommend that the authors revise this simulation and also revise the conclusions based on it for the final version of the report”10 (Ibid., p.4). Vale destacar que Itaipu começa a produzir energia em 1984 e que, desde então, as definições do Anexo C e as (possíveis) interpretações relativas aos termos supracitados vêm provocando discórdia entre Brasil e Paraguai. Isso se deve, sobretudo, pelo fato de as entidades brasileiras (Eletrobras, BNDES, BNB, BB, CEF, FINEP)11 terem financiado, em média, 71,3% do projeto (OXILIA DÁVALOS, 2009; PUERTO SANZ, 2002), portanto o preço da tarifa pago à energia não consumida pelo Paraguai leva em conta o investimento inicial fundamentalmente levado a cabo pelo Brasil. Consequentemente, um novo acordo foi assinado (25 de julho de 2009) e, segundo seu artigo 5º, triplica-se o valor a ser pago pela energia cedida pelo Paraguai para utilização brasileira e, segundo seu artigo 6º, a Administración Nacional de Electricidad (ANDE) poderá negociar energia excedente a outras empresas do mercado brasileiro, não se limitando a negociá-la com a Eletrobrás (BLANCO, 2009). De acordo com este mesmo artigo, o Paraguai poderá negociar o seu excedente de energia a terceiros mercados a partir de 10 Nós, portanto, recomendamos que os autores revisem esta simulação e também revisem as conclusões com base nela para a versão final do relatório (tradução dos autores). 11 Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Banco do Brasil (BB), Caixa Econômica Federal (CEF), e Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). 161 202312 – o que vem gerando ainda mais pressão e tensão sobre as atuais relações Brasil-Paraguai. Nesse sentido, Canese (2011, p.195) afirma que “el Paraguay logró avanzar con éxito (…) en el 2008: abrir negociaciones y fijar la agenda”13. De acordo com o autor, a assinatura do Tratado de Itaipu aprofundou o modelo de dependência política e econômica e o país se tornou “periferia da periferia”. Dessa forma, destaca que a assinatura pelo então presidente do Paraguai, Alfredo Stroessner, e o presidente do Brasil, o general Emilio Médici, não significou o progresso para ambos os países, mas a subordinação paraguaia. Portanto, apesar dos diferentes acordos e tratados relacionados à usina, há uma série de questões que seguem sendo debatidas pelos dois países. Custos, preços, soberania e autonomia, portanto, protagonizam essa discussão. Contudo, apesar disso e do fato de se tratar do modelo mais citado de integração energética da América do Sul, a Itaipu Binacional muitas vezes é colocada como um mero projeto de cooperação bilateral entre Brasil e Paraguai. Levando-se em conta a divisão entre a energia produzida pelos dois países, no que se refere especificamente à potência instalada da usina, atualmente há 20 unidades de 700MW, totalizando 14.000MW, dos quais 50% pertencem a cada um dos países. Cabe lembrar que com o Acordo Tripartite, Itaipu não pode gerar mais do que 18 unidades (12.600MW). Além disso, pelo lado paraguaio, Itaipu não apenas representa uma oferta de empregos, como representa 82% (45.000 GWh/ano) da oferta elétrica do país – Yaciretá corresponde a 16% e Acaray, 2%, de acordo com Balanço Energético 2009 o Paraguai (CANESE, 2011). Apesar da relevância estratégica, que possui estreita relação com a soberania do Paraguai, desde 2012 uma nova ameaça diplomática vem colocando em jogo a integração regional que há entre Brasil e Paraguai. Não apenas a suspensão temporária do Paraguai do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) abalou as relações bilaterais, mas o fato de o atual presidente, Frederico Franco, ter novamente questionado o valor da tarifa que o Brasil paga pela energia de Itaipu não consumida pelo Paraguai. 12 Quando expiram os termos do Tratado de Itaipu, após 50 anos do mesmo. 13 O Paraguai conseguiu alcançar com êxito (…) em 2008: abrir negociações e fixar a agenda (tradução dos autores). 162 Nas palavras do presidente Franco, “la decisión del Gobierno [paraguayo] es clara y no se continuará cediendo nuestra energía”14. E acrescenta: “noten que usé la palabra ‘ceder’, porque lo que estamos haciendo es darle la energía a Brasil y Argentina, pues no la estamos vendiendo”15 (SANTOS et al., 2013b). Portanto, o fato de o Paraguai só consumir cerca de 5% de sua parte, leva a que haja consumo dos 45% restantes por parte do Brasil (de acordo com o estabelecido no Tratado de Itaipu), cujo valor da tarifa é a grande questão. Nesse sentido, e considerando o complexo cenário em questão, vale considerar que a Itaipu Binacional não apenas constitui um dos mais citados exemplos de integração energética sul-americana, como representa mais do que um simples projeto de cooperação energética. Foram realizados investimentos em infraestrutura física por parte de ambos os países, envolvendo mão de obra de ambos os países, com benefícios mútuos. Ainda que a questão de qual país se beneficiou mais siga em aberto, o fato é que Itaipu garante o suprimento de energia para os dois países, tendo sido, na altura em que foi construída, um exemplo de ousadia em termos técnicos, humanos, ambientais e financeiros (PINTO, 2009). 4.2. E as questões ambientais? Segundo Bolea (1985), impacto ambiental consiste na diferença entre a situação do meio ambiente (natural e social) futuro modificado pela realização de um projeto e a situação do meio ambiente futuro tal como teria evoluído sem este projeto. Dessa forma, como o próprio nome já indica, o impacto deriva de uma ação sobre o meio ambiente, portanto existe uma relação de ação-reação. No entanto, observa-se que a presente definição apresenta algumas dificuldades, tais como a identificação das fronteiras dos impactos, já que os mesmos se propagam espacialmente e temporalmente através de uma complexa rede de inter-relações – conceito definido por Drummond (2000) como “contiguidade dos recursos naturais”, e também amplamente discutido por Hardin (1985). Além disso, observam-se deficiências instrumentais e metodológicas para predizer as respostas dos ecossistemas às ações humanas. 14 A decisão do Governo [paraguaio] é clara e não continuaremos cedendo nossa energia (tradução dos autores). 15 Notem que usei a palavra “ceder”, porque o que estamos fazendo é dar energia ao Brasil e à Argentina, pois não a estamos vendendo (tradução dos autores). 163 De acordo com a Resolução CONAMA 001/86, impacto ambiental é: (…) qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causadas por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que direta ou indiretamente afetam: • a saúde, segurança e o bem estar da população; • as atividades sociais e econômicas; • a biota; • as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; • a qualidade dos recursos ambientais. Nesse sentido, frente ao contexto de integração energética na América do Sul, faz-se extremamente importante analisar os impactos ambientais causados por tais projetos, não apenas em termos de qualidade do ar e da água, por exemplo, mas também ao se analisar aspectos sociais relacionados. Dessa forma, analisar-se-á Itaipu a partir dessa perspectiva. Do ponto de vista de gestão ambiental, muitos, inclusive, afirmam que tais projetos, devido às suas dimensões, deveriam ser analisados sob o ponto de vista da Avalição Ambiental Estratégia (AAE), e não dos Estudos de Impacto Ambiental (AIA). A AAE se origina a partir das limitações dos EIAs, dentre as quais se destaca a dificuldade de se alterar as decisões de projetos atrelados a políticas ou planos, cuja decisão tenha sido tomada sem as devidas análises necessárias. Dessa forma, segundo Partidário (1999), a AAE é um procedimento sistemático e contínuo de avaliação da qualidade do meio ambiente e das consequências ambientais decorrentes de visões alternativas de desenvolvimento, incorporadas em iniciativas de formulação de Políticas, Planos e Programas (PPPs).Visa a assegurar a integração efetiva dos aspectos biofísicos, econômicos, sociais e políticos, o mais cedo possível, aos processos públicos de planejamento e de tomada de decisão. Apresenta, logo, como benefícios a identificação antecipada dos impactos potenciais e dos efeitos ambientais cumulativos e sinérgicos, a redução de tempo e de recursos necessários à Análise de Impacto Ambiental de projetos individuais. Destaca-se, entretanto, que o objetivo da discussão não é averiguar qual seria a melhor metodologia a ser utilizada para analisar o caso de Itaipu, mas, precisamente, verificar como a questão ambiental é considerada pela usina. Nessa perspectiva, faz-se importante analisar não apenas a situação atual do 164 empreendimento, mas verificar quais os impactos ambientais causados sobre a região desde o período da construção da usina. Apenas para a realização dessa grande obra, seria necessário desviar o rio Paraná para a construção da barragem e, nesse sentido, seria utilizado muito ferro e concreto até a obra estivesse concluída (RIBEIRO, 2002). A edificação de uma obra dessa proporção, a partir da modificação de uma região dotada de grande biodiversidade, acarretou um impacto ambiental muito grande, como a inundação de uma grande quantidade de floresta, a perda de inúmeras espécies animais, o deslocamento da população local, entre outros impactos (MAZZAROLLO, 2003). É interessante perceber ao ler os planos de conservação do meio ambiente, no entanto, que Itaipu se dizia consciente dos impactos que a obra causava já nos primeiros anos de sua construção. Entretanto, as políticas de conservação do meio ambiente formuladas pela usina hidrelétrica Itaipu Binacional foram iniciadas a partir do ano de 1975, um ano depois do início de sua construção. Este projeto foi denominado de Plano Básico de Conservação do Meio Ambiente e deu margem para a formulação de outros projetos que visavam à conservação dos animais e da vegetação que havia no local. O mesmo tinha o intuito de “atenuar algumas consequências negativas do empreendimento, enfatizar e aperfeiçoar, gradativamente, os benefícios e outros aproveitamentos que o reservatório trará à vasta região” (MAZZAROLLO, 2003, p.180). Nesse plano de conservação ambiental já se propunha a criação de um museu com o intuito de se obter um acervo das pesquisas realizadas pela Itaipu de antes, durante e após a formação do lago. De acordo com Ziober (2009), no ano de 1987 foi criado o Ecomuseu para realizar pesquisas e conservar elementos naturais e culturais representativos da região. Nesse plano os dirigentes da Itaipu também pretendiam criar zoológicos, realizarem estudos dos peixes, da água, do clima, da vegetação da região, levantamentos sobre o solo e sobre os aspectos arqueológicos e históricos. Por meio desse plano foram realizadas atividades de coleta, identificação e salvaguarda dos elementos que eram considerados importantes de serem conservados. Foram feitos levantamentos dos animais e da vegetação existente na região, e identificaram-se 623 espécies botânicas, 70 espécies de mamíferos, 252 espécies de aves, cerca de 1.600 espécies de insetos e 23 espécies de répteis. Durante essas coletas foram descobertos ainda 210 sítios arqueoló- 165 gicos na margem brasileira. A ideia era de que grande parte desses animais fosse resgatada antes da formação de seu reservatório. (Ibid., p.8). De acordo com o mesmo autor, tais planos para a proteção da fauna e da flora da região são marcas de um período caracterizado pelo surgimento das preocupações com o meio ambiente em âmbito internacional, devido à percepção de que as ações humanas causavam desgastes na Natureza. Por outro lado, a política interna do Brasil, no período, foi marcada pela busca do desenvolvimento econômico, presente na proposta dos presidentes militares da época. A construção da Itaipu, portanto, seria um entendimento dessa ideia de progresso. Nesse contexto, é importante destacar que nem toda a população da região estava a favor da construção da usina. A modificação da paisagem alterou profundamente a forma de vida dos respectivos moradores. Para a população local, assistir ao alagamento do território possuía um significado diferente do que para os interessados na construção da Itaipu – que pensavam, em primeiro lugar, no desenvolvimento (econômico) da nação (SANTOS, 2006). As manifestações que desejavam conservar este local não possuíam força suficiente para barrar a construção desta obra (RIBEIRO, 2002; SANTOS, 2006). No entanto, atualmente, diante de toda essa discussão sobre desenvolvimento sustentável, inerente e dissociável dos negócios contemporâneos, tem-se que Itaipu apresenta diversas frentes ao se considerar sua política ambiental. De acordo com as informações disponíveis no website16, os rios, córregos e nascentes que fornecem a água que movem a usina recebem atenção especial dentro das ações de gestão ambiental da usina; de modo a preservar a fauna e a flora, Itaipu mantém reservas e refúgios biológicos, além de um corredor de biodiversidade, que promove a conservação das matas da região. Ainda de acordo com informações oficiais do website, nas áreas devastadas encontradas pela prática agrícola, a usina lançou ações de reflorestamento que permitiram o plantio de 23 milhões de mudas de árvores na faixa de proteção do reservatório. Há ainda outras políticas de gestão ambiental, relacionadas ao reaproveitamento e à reciclagem de materiais, promovendo a educação ambiental de adultos e crianças em toda a área de abrangência do lago da usina, e incentivando práticas ecologicamente corretas na agricultura, na pesca e nas atividades de lazer. 16 166 https://www.itaipu.gov.br/meio-ambiente-capa Destaca-se que a usina é considerada referência no setor elétrico, tendo recebido inúmeros prêmios, como por exemplo, o Prêmio Carta da Terra em 2005. Neste ano de 2015, o Programa Cultivando Água Boa, criado pela Itaipu Binacional em 2003 e desenvolvido nos 29 municípios do Oeste do Paraná, foi considerado a melhor prática do mundo em gestão de recursos hídricos. Patrocinado pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Prêmio Água para a Vida avaliou outras 40 iniciativas de todos os continentes na categoria “melhores práticas em gestão da água”. Tal programa tem como fundamento a gestão integrada – com prefeituras, órgãos públicos, empresas e comunidades – de modo a solucionar problemas sociais e ambientais da Bacia do Paraná. 5. Conclusão Como pôde ser percebido após a leitura do capítulo, a integração regional é um tema complexo e interdisciplinar, o que exige análise e tratamento adequados que considerem tais questões. Integração regional não é sinônimo de cooperação e, focando-se no caso energético, é necessário considerar que vontade política e investimento conjuntos devem existir. Além disso, e considerando as atuais discussões no contexto do desenvolvimento sustentável e de políticas socioambientais, levar em conta tais questões nos projetos de integração energética tem sido cada vez mais fundamental. É nesse sentido que toda a discussão a respeito das relações entre economia, meio ambiente e energia, no contexto do desenvolvimento econômico das regiões, mostra-se fundamental para se compreender a importância da questão ambiental sobre os projetos de integração energética. Assim, tal reflexão viabiliza a avaliação da intersecção entre melhoria na matriz energética sul-americana, pobreza e conservação dos recursos naturais na região. Entretanto, faz-se importante destacar que o balanço socioambiental dos empreendimentos dos vários setores elétricos nacionais na América do Sul não recomenda qualquer otimismo; são igualmente conhecidos os graves danos provocados pela implantação de usinas hidrelétricas sobre populações tradicionais, tanto na Amazônia brasileira, quanto no Chile e Colômbia, não escapando os projetos binacionais à mesma problemática, como o demonstram os problemas pendentes em Yaciretá e, mesmo, em Itaipu. 167 Relativamente ao estudo de caso em análise da usina hidrelétrica Itaipu Binacional, cabe destacar que ela leva a um nível ótimo de partilha de recursos (águas do rio Paraná). Ao se realizar uma análise dos impactos socioambientais desde o período da construção da usina, observa-se que a mesma vem se utilizando de políticas que visam a reduzir as transformações no espaço, no meio ambiente e na sociedade, de tal modo amenizar a imagem negativa associada à sua construção. Destaca-se, nesse contexto, que a Itaipu Binacional, inclusive, atualmente é considerada referência no setor elétrico, tendo recebido inúmeros prêmios e, no ano de 2015, teve seu Programa Cultivando Água Boa considerado como a melhor prática do mundo em gestão de recursos hídricos. Vale destacar que a Itaipu Binacional está relacionada com a necessidade de promover a segurança energética a preços competitivos na região, como o aumento da confiabilidade, bem como uma maior produtividade pela escala. Além disso, mais que uma revolução e um desafio na engenharia, Itaipu mostrou-se bem-sucedida e uma verdadeira quebra de paradigmas no campo político e, principalmente, no meio jurídico. Contudo, sabe-se que o tema político, bem como o do custo das tarifas, tem abalado as relações bilaterais Brasil-Paraguai. Nesse sentido, a dívida paraguaia estará integralmente paga em 2023, abrindo espaço para novas relações entre os países. Referência Bibliográficas BLANCO, L. F. 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Introdução Há muito tempo que a integração elétrica é um tema discutido e incentivado no mundo devido às vantagens para os países envolvidos, dentre as quais pode-se apontar: o aproveitamento mais eficiente de recursos para geração de eletricidade, a redução dos preços da eletricidade no atacado e, sobretudo, de sua volatilidade, o incentivo à eficiência via o aumento da concorrência e o aumento da confiabilidade e segurança no fornecimento do serviço. Para aproveitar essas e outras vantagens muitos países, principalmente na Europa, optaram pela criação de mercados elétricos regionais nos quais exista concorrência na compra e venda de energia elétrica. Contudo, na América do Sul a constituição de um mercado elétrico regional nos moldes adotados na Europa é uma opção ainda distante devido às assimetrias econômicas e sociais dos países e, principalmente, devido à adoção de diferentes regras e normas de comercialização de energia nos países da região, fator que dificulta em grande medida o processo de integração elétrica regional. Apesar destas dificuldades, o Brasil construiu e mantém interligações energéticas com Paraguai (Itaipu Binacional),Argentina (conversoras de Garabi), Uruguai 1 Este artigo tem como base o estudo publicado em agosto de 2015 na Série TDSE- Texto de Discussão do Setor Elétrico - editado pelo Gesel-IE-UFRJ sob o número 64. 2 Professor do Instituto de Economia da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro – e coordenador do GESEL – Grupo de Estudos do Setor Elétrico. 3 Economista e pesquisador do GESEL-UFRJ. 4 Professor e pesquisador do GESEL-UFRJ. 5 Economista e pesquisador do GESEL-UFRJ. 174 (conversora de Rivera) eVenezuela (linha de transmissão Roraima – Guri).6 Estes projetos foram desenvolvidos em um contexto de busca de soluções pontuais e/ ou aproveitando oportunidades específicas, sendo realizados sem suporte de uma política estratégica de integração energética do Brasil com os países da região. Adicionalmente, existem alguns projetos de integração elétrica que se encontram na pauta de discussões, dentre os quais destacam-se: a construção de nova conversora e linha de transmissão reforçando a capacidade de comércio de energia entre Uruguai e Brasil; a construção de duas hidroelétricas binacionais, Garabi e Panambi, no Rio Uruguai, na fronteira entre Brasil e Argentina, em fase de estudos de engenharia e ambientais; a construção de hidroelétrica binacional com a Bolívia no Rio Madeira, ainda em fase preliminar de discussão; a construção de hidroelétricas no Peru para atender ao mercado interno, gerando excedentes de energia passíveis de exportação para o Brasil, sob a égide do Tratado Brasil-Peru assinado em 20107; e a construção de hidroelétricas na Guiana e na Bolívia, com exportação de parte da energia para o Brasil, também em fase preliminar de análise. Neste contexto, o presente estudo tem como objetivo central entender, delimitar e analisar o processo de integração elétrica na região, tendo o Brasil e suas relações com os outros países como foco central de análise. Para tanto, o trabalho está dividido em seis seções, incluindo esta introdução. A segunda seção examina as características centrais da matriz elétrica e o potencial brasileiro para geração de energia elétrica com base em recursos locais, abordando também os principais condicionantes do modelo regulatório e comercial brasileiro. A terceira seção examina o modelo comercial brasileiro. Já na quarta seção procura-se demostrar as restrições que o modelo brasileiro de comercialização impõe para uma integração de mercados plena, como no modelo praticado nos mercados regionais europeus. A quinta seção descreve as experiências brasileiras de integração elétrica, enquanto a sexta seção aborda as potencialidades de importação e exportação de energia no contexto regional atual. Por fim, são apresentadas as conclusões que, em nível mais geral, indicam que a integração elétrica com participação direta do Brasil é mais factível para projetos binacionais e para intercâmbios de excedentes de curto prazo, devido às diferenças en6 Análise de todos estes projetos de integração elétrica do Brasil com Argentina, Paraguai,Venezuela e Uruguai encontra-se no Anexo. 7 Este documento encontra-se disponível no site do Ministério de Energia e Minas do Peru, em: http://www.minem.gob.pe/minem/archivos/file/Electricidad/acuerdo%20peru%20brasil%2016%20julio%202010.pdf 175 tre o modelo de comercialização do Brasil vis a vis ao dos outros países vizinhos. O estudo é complementado por uma síntese analítica das experiências passadas de integração elétrica do Brasil com países vizinhos, apresentada no Anexo. 2. O sistema elétrico brasileiro O objetivo desta seção é apresentar as características centrais do sistema elétrico brasileiro, examinando a matriz elétrica, suas perspectivas de expansão e, por fim, o modelo regulatório vigente desde 2004. O prévio conhecimento destes elementos é condição basilar para o exame das possibilidades de integração elétrica do Brasil com países da América Latina. 2.1 A matriz elétrica brasileira O Sistema Elétrico Brasileiro - SEB - apresentava capacidade instalada total de 139,8 GW em 2014 (MME, 2015), sendo a capacidade instalada do Sistema Interligado Nacional8 – SIN- de 128,4 GW.9 No âmbito do SIN, 73,1% de sua capacidade se refere a hidroelétricas. Fonte Hidráulica Nacional Importada Térmica Nuclear Eólica Solar Total Total (GW) Sistemas Auto Isolados produção 73,1 21,7 8,8 SIN 68,7 6,3 4,4 15,4 8,8 21,5 1,5 3,8 0,009 100,0 128,4 78,3 91,2 100,0 1,3 0,015 0,038 100,1 10,1 Total Brasil 68,0 63,8 4,2 27,1 1,4 3,5 0,011 100,0 139,8 Fonte: Ministério de Minas e Energia (2015, p.10). Tabela 1: Capacidade instalada de geração do Brasil por fonte em 2014 (em % do Total) 8 O Sistema Interligado Nacional (SIN) interconecta todos os principais centros de consumo, bem como as bacias onde se encontram os principais aproveitamentos hidroelétricos. 9 O restante da capacidade instalada se divide entre 1,3 GW dos sistemas isolados e 10,1 GW pertencem a instalações particulares destinadas à autoprodução, sobretudo em estabelecimentos industriais. 176 A geração total do mercado brasileiro em 2014 foi de 624,2 TWh, dos quais 566,7 TWh se destinaram ao SIN (MME,2015). A análise da distribuição das fontes em termos de participação na energia gerada revela o papel predominante da hidroeletricidade no atendimento da carga do SIN, mesmo diante da mudança do paradigma da matriz elétrica brasileira e da crise hidrológica que atravessa o setor desde 2012. Segundo os dados da Tabela 2, em 2014, 71% de toda a energia gerada para o SIN foi de origem hidráulica, sendo que as termoelétricas geraram 24,1% da energia, o que demonstra sua importância crescente na matriz elétrica. Cabe ainda destacar a penetração da energia eólica, que em 2014 representou 2,2% do SIN, enquanto a geração nuclear representou 2,7% da energia no SIN. Fonte Hidráulica Nacional Importada Térmica Fóssil Renovável Nuclear Eólica Solar Total Total (TWh) Sistemas Auto Isolados produção 71,0 27,5 6,5 SIN 65,2 11,6 6,5 - Total Brasil 65,2 59,8 5,8 15,9 24,1 72,5 93,5 30,3 5,4 20,1 71,8 49,1 22,9 4,1 0,7 44,3 7,4 2,7 2,2 0,002 100,0 566,7 100,0 5,3 0,010 100,0 52,2 2,5 2,0 0,003 100,0 624,2 Fonte: Ministério de Minas e Energia (2015, p. 7) Tabela 2: Geração de energia elétrica por fonte em 2014 (em % do Total e em TWh) O sistema elétrico brasileiro caracterizava-se por atender ao consumo, em anos de hidrologia normal, quase exclusivamente pelas centrais hidrelétricas, por outras usinas com custos variáveis nulos (cogeração e geração eólica) e por usinas que têm, contratualmente, geração mínima, como as duas usinas nucleares (Angra I e Angra II) e termoelétricas com contratos de take or pay para compra de combustíveis, ficando a maior parte do parque térmico como backup do sistema. Contudo, conforme se observa na Tabela 3, desde 2012 a geração térmica tem se tornado mais representativa, em parte devido a um fator conjuntural e em parte a um fator estrutural. 177 O fator conjuntural refere-se à crise hidrológica que atravessa o Brasil desde fins de 2012, que levou o ONS a despachar todas as usinas térmicas por longo período de tempo. Em vários casos, o tempo de acionamento das UTE, que na maior parte dos casos foram contratadas para operar como backup para a geração hidráulica, superou grandemente a expectativas. Entre 2012 e 2014, usinas contratadas nos leilões de 2007 superaram a projeção original de acionamento para a duração total do contrato de 15 anos, o que acabou criando problemas técnicos de operação e manutenção (CASTRO et all, 2014). O fator estrutural relaciona-se a uma mudança estrutural na matriz de geração, com diminuição da participação de hidroelétricas no mix de geração. Isso reflete, por um lado, as dificuldades que o governo vem enfrentando em obter licenças ambientais para a construção de novas hidroelétricas. Por outro lado, os projetos hídricos recentes são em sua quase totalidade a fio d´agua, com reservatórios com capacidade de armazenamento para apenas alguns dias. As usinas a fio d´agua têm um menor impacto ambiental, porém reduzem a capacidade de regularização da oferta hídrica ao longo do ano devido à diminuição da capacidade de estocagem de energia do sistema em relação à carga. Esta menor capacidade de regularizar o sistema determina a necessidade de fontes complementares ao parque hidráulico principalmente para atender a demanda no período seco do ano (CASTRO et all, 2012). Neste contexto, a matriz elétrica brasileira precisa de fontes complementares e tenderá a ter maior participação de outras fontes na geração anual, entre elas as usinas termoelétricas com combustíveis fósseis, conforme se constata na Tabela 3. Ano 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Hidráulica (%) 92,4 91,8 92,8 88,6 93,3 88,8 91,2 85,9 78,7 73,0 Térmica (%) 5,1 4,8 4,3 8,1 3,7 7,9 5,3 10,4 17,7 23,0 Fonte: ONS (2015, a). Hitórico de Operação Tabela 3: Geração de energia elétrica despachada ou programada pelo ONS para o SIN: 2005-2014 178 No relativo ao sistema de transmissão brasileiro, este totaliza mais de 100 mil Km de linhas de alta tensão e foi construído para permitir a otimização da geração hídrica, por meio da troca de grandes blocos de energia a longas distâncias. A Figura 1 exibe os principais centros de cargas e as bacias hidrográficas atualmente exploradas e as principais interligações. O sistema de transmissão permite aproveitar a grande diversidade hidrológica existente no país. Assim, as bacias hidrográficas que em determinados momentos do ano dispõem de recursos hídricos abundantes são utilizadas pelo Operador Nacional do Sistema – ONS – de forma mais intensa, permitindo poupar a água dos reservatórios de outras centrais hidroelétricas e reduzir a necessidade de operação da geração térmica. Na medida em que as usinas hidrelétricas a fio d´agua da região amazônica sejam inseridas no parque gerador concomitantemente com o aumento da demanda, o ONS deverá operar os reservatórios existentes de forma a promover maior variação no nível dos reservatórios em curtos períodos de tempo (CASTRO et all, 2012) e haverá maior necessidade de fontes complementares ao parque hídrico. A Figura 1 mostra um desenho esquemático das principais bacias hidrográficas com aproveitamentos hidroelétricos, os principais eixos de transmissão e as interligações com Itaipu Binacional – que tem uma participação importante no mercado elétrico brasileiro10 – com a Argentina, através da conversora de Garabi, e com a Venezuela. 10 Em 2014, 14% da energia no mercado brasileiro foi fornecida pela Itaipu Binacional. (ITAIPU BINACIONAL, 2015 a). 179 Figura 1: Integração Eletroenergética Brasil: 2014 Fonte: ONS (2015, b). Mapas do SIN A Figura 2 exibe o sistema de transmissão em alta tensão (a denominada Rede Básica, operada pelo ONS) com maior nível de detalhe. Nela estão indicadas as linhas de interligações internacionais de menor porte: Uruguaiana (AR-BR), Rivera–Livramento (UR-BR) e Roraima-Guri (VN-BR), além das linhas internacionais que ainda deverão ser construídas, como Melo (UR-BR). 180 Figura 2: Rede de transmissão Brasil: 2015 Fonte: ONS (2015, b). Mapas do SIN 2.2 Potencial energético e perspectivas da matriz elétrica Durante os anos 1970 e boa parte da década de 1980, a dependência externa de energia do Brasil foi crescente, chegando a representar 46% das necessidades globais do país (EPE, 2007; p.24). Em 2014, a dependência externa de energia do Brasil foi 12,7% das necessidades globais (EPE, 2015; p.102). Embora a dependência externa de energia tenha se reduzido substancialmente desde as décadas de 1970 e 1980, nos últimos cinco anos (2010-2014) a dependência externa de energia apresentou uma tendência crescente. A Tabela 4 mostra que houve um aumento da importação de combustíveis entre 2010 181 e 2014, principalmente na importação de gás natural, com aumento de 53%, e de carvão, com aumento de 23%. Observa-se também que esta tendência de aumento nas importações foi mais pronunciada a partir de 2012, estando em boa medida relacionada ao maior despacho de termoelétricas. Importação Petróleo Gás Natural Carvão Óleo Diesel Outros Total (10^3 tep) Dependência externa (%) 2010 17.516 11.130 10.867 7.638 23.595 70.746 7,6 2011 17.140 9.223 12.206 7.914 24.978 71.461 7,9 2012 17.855 11.602 11.154 8.241 31.321 80.173 10,7 2013 20.373 14.926 12.044 8.501 23.751 79.595 14,4 2014 18.082 17.001 13.416 9.561 23.795 81.855 12,7 Fonte: Balanço Energético Nacional 2015 (p. 102,104) Tabela 4: Dependência externa e importação de energia do Brasil, 2010-2014 (Em 103 tep) Quanto à energia elétrica, a quase totalidade da importação corresponde à compra da parte da energia da Itaipu Binacional pertencente ao Paraguai, que em 2014 representou 5,8%11 da oferta de energia elétrica no SIN (MME, 2015; p.7). No que tange ao setor elétrico, as perspectivas oficiais são de um expressivo aumento do consumo nos próximos anos12, o que será atendido exclusivamente a partir de usinas de geração nacionais. Contudo, ainda que exista uma ampla diversidade e quantidade de fontes energéticas a serem utilizadas em razoáveis escala e viabilidade econômica, o Brasil deve precisar importar combustíveis fósseis para a geração termoelétrica, sobretudo na forma de GNL. A seguir se analisam as perspectivas de fornecimento a partir do potencial hídrico remanescente, os recursos eólicos e a geração solar, a biomassa e os combustíveis fósseis. O sistema elétrico brasileiro possui um portfólio de projetos nacionais que permite o abastecimento do mercado de energia elétrica com segurança 11 Esse valor faz referência à parte da energia de Itaipu Binacional que é exportada pelo Paraguai, e não ao total da energia fornecida pela Itaipu ao sistema elétrico brasileiro. 12 De acordo com EPE (2014, p. 35), o consumo de energia elétrica em 2023 será de 780,4 TWh, 45% mais do que o consumo de 535,2 TWh verificado em 2014. 182 de fornecimento. A expectativa do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2023), elaborado pela estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE), é que, além dos projetos já contratados nos Leilões de Energia Nova para entrar em operação entre 2014 e 2018, totalizando 30.043 MW (EPE, 2014; p. 80), a necessidade adicional de energia para atender a demanda até 2023 (estimado em 41.044 MW13) seja suprida majoritariamente com a construção de novas centrais hidrelétricas (14.679 MW), seguido de usinas termoelétricas (7.500 MW) e a partir de fontes alternativas de energia (energia eólica, cogeração a partir de biomassa e pequenas centrais hídricas). Ainda há um grande potencial hídrico para ser explorado no Brasil. De acordo com TOLMASQUIM (2011), o Brasil possui um potencial hídrico de 260 GW. O potencial hídrico remanescente concentra-se no bioma amazônico e, por isso, a fronteira elétrica brasileira se expande em direção à Amazônia, com a construção de grandes hidroelétricas (CASTRO, 2007)14. Estima-se que até 2023 a região norte do país terá uma expansão da capacidade de geração de 30.504 MW a mais dos 14.506 MW existentes em 2013 (EPE, 2014; p.78). A maior parte desta expansão será realizada com usinas fio d´agua, o que demandará a contratação de geração complementar ao parque hídrico devido à baixa capacidade de regularização. Contudo, cabe observar que existe certa complementariedade na sazonalidade hidrológica dos projetos hídricos contemplados no PDE 2023, principalmente entre os regimes hidrológicos das regiões Sul e Amazônica com a região Sudeste/Centro-Oeste, onde estão localizados os maiores reservatórios do sistema elétrico atual. O PDE 2023 também prevê uma grande expansão do parque termoelétrico, da ordem de 7.500 MW entre 2019-2023, enquanto a expansão já contratada para entrar em operação até 2016 é de 1.446 MW (EPE, 2014. P. 88). A expansão da geração termoelétrica depende essencialmente da disponibilidade de combustíveis fósseis. Estima-se que a expansão do parque térmico de13 Segundo dados da EPE (2014, p. 78) até 2023 serão adicionados 71.087 MW, dos quais 30.043MW devem entrar em operação até 2018. 14 As principais hidroelétricas em construção são: Santo Antônio (3.150 MW) e Jirau (3.750 MW), ambas localizadas no Rio Madeira e em fase final da motorização; Belo Monte (11.233 MW) no Rio Xingu e Teles Pires (1.820 MW) no rio do mesmo nome. Há também vários projetos em fase de licenciamento ambiental, o maior deles o complexo do Tapajós, com capacidade de mais de 11 mil MW. O potencial hidroelétrico na Bacia do Amazonas é estimado em mais de 100 mil MW, magnitude que determina a prioridade da política energética do governo em manter um intenso ritmo de investimentos em hidroeletricidade nesta região. Esta decisão fica condicionada à obtenção de licenças ambientais em prazos condizentes com a necessidade de atender ao crescimento da demanda. 183 penderá basicamente da disponibilidade de gás natural. A oferta de gás natural no Brasil depende de três fatores: a produção nacional, a importação através do gasoduto Bolívia-Brasil e a importação de gás natural liquefeito - GNL. A EPE projeta um aumento na produção bruta nacional de gás natural de 170% em 2023 com relação à produção bruta de 2013 (EPE,2014; p. 222), passando de 76,15 para 205,7 milhões de m³/dia. Esta estimativa considera além das reservas totais, as reservas contingentes e os recursos não descobertos. Considerando apenas os recursos descobertos estima-se que a produção de gás natural seja de 179,64 milhões de m3/dia. Além da produção nacional, no Gráfico 1 se constata que a oferta de gás natural no Brasil ainda dependerá consideravelmente de recursos importados tanto da Bolívia, através do gasoduto, quanto de outros países através da importação de GNL. Gráfico 1: Oferta de gás natural para a malha integrada do Brasil. 2014-202315 Fonte: EPE (2014). PDE 2023 (p. 293) Em relação à demanda por gás para todos os usos (industrial, residencial, veicular e geração térmica), estima-se que para 2023 no cenário de consumo mais elevado (um ano de baixíssima hidrologia, em que as térmicas a gás são acionadas continuamente), o consumo doméstico poderia chegar a 197 15 184 RD= Recursos descobertos, RND= Recursos não descobertos. milhões de m³/dia, ficando em torno de 127,7 milhões m³/dia em anos de hidrologia dentro da média histórica (EPE, 2014; p.47). O setor elétrico brasileiro é um cliente importante para os produtores de gás, na medida em que provê contratos de longo prazo de compra de energia elétrica16 associados a contratos de longo prazo de fornecimento de gás. Assim, o aumento da geração elétrica a gás natural é uma alternativa não somente factível como necessária, considerando a mudança da matriz elétrica brasileira onde a geração térmica terá um papel fundamental, não somente como backup do sistema, mas provavelmente também como fonte de geração de base, ao menos durante o período seco do ano. Como exemplo concreto da importância das fontes térmicas na matriz brasileira, no último leilão de energia nova realizado em abril de 2015 para compra de energia de novos projetos em 2020 (denominado leilão A-5) uma grande termoelétrica que utilizará GNL importado17 (1.515 MW) pertencente ao consórcio GPE SERGIPE, obteve contrato de fornecimento ofertando energia elétrica com um preço de 279 R$/MWh (ANEEL,2015 a). Este projeto, além de sinalizar a competitividade do GNL para geração térmica, rompe a dependência do setor da oferta de gás natural da Petrobrás. No relativo às outras fontes renováveis destaca-se a penetração da energia eólica na matriz elétrica. Em 2001, o potencial havia sido estimado em 143 GW, com base em tecnologias de torres de 45 metros e aerogeradores de pequena capacidade. No entanto, considerando novas tecnologias com aerogeradores mais potentes e torres de maior altura, o potencial estimado é de 350 GW (IEA,2014; p.391). Apenas a partir de 2005 o Brasil começou a explorar seu grande potencial eólico e a redução dos custos tem superado as mais otimistas previsões. A competitividade desta fonte tem se revelado no aumento da contratação de projetos eólicos. Por exemplo, nos leilões de energia nova e de reserva realizados em 2014 e 201518 foram contratados 2.874 MW de energia eólica. O Brasil já tem contratados mais de 7 mil MW de capacidade instalada de fonte eólica, incluído os contratados nos leilões de 2014 e 2015, para entrada em 16 Estes contratos possuem normalmente a duração de 15 anos. 17 A UTE será instalada em Porto Sergipe com um custo previsto de construção de R$ 3,2 bilhões. O projeto conta com a construção de um terminal de regaseificação para o funcionamento da UTE. (GENPOWER GROUP, 2015). 18 Leilão 19 A-3 (junho 2014), leilão 20 A-5 (novembro de 2014), leilão de energia alternativa (abril 2015), leilão 21 A-3 (abril 2015) e leilão 22 A-3 (Agosto 2015). 185 funcionamento entre 2016 e 2020 (ANEEL, 2015 a). Dado o cenário de preços atual e o potencial eólico existente no Brasil, a tendência é que o ritmo de contratação continue intenso nos próximos anos, permitindo um avanço da participação da energia eólica na matriz de geração brasileira. Conforme o observado, o aumento da participação da energia eólica na matriz elétrica brasileira ocorreu, e continuará a ocorrer, através de mecanismos de mercado via leilões, sem a ajuda de uma tarifa feed-in como verificado em outros países (CASTRO et al, 2010). Além das opções de geração hídrica, térmica a gás e eólica, o Brasil também conta com outra opção a custos competitivos. Trata-se da cogeração a partir da biomassa residual da cana de açúcar; o potencial técnico de produção desta fonte para o SIN permitiria ofertar 7,7 GW médios até 2023, dos quais 1,4 GW médios já foram contratados com início do suprimento até 2018. (EPE, 2014; p. 90). Quanto à energia solar, a capacidade instalada ainda é muito pequena. Porém, tem-se a expectativa de crescimento da participação desta fonte. De fato, no leilão de energia de reserva realizado em outubro de 2014 foram contratados 889,6 MW de energia solar com um preço médio de 215,3 R$/ MWh (ANEEL,2015 a). Observa-se que não há no PDE 2023 (EPE, 2014) previsão para qualquer aumento da importação de energia elétrica. Contudo, esta posição não quer dizer que os projetos internacionais que envolvam importação de energia gerada em países vizinhos não possam ser desenvolvidos19. Estes projetos poderão ser incorporados ao planejamento, mas ficariam diretamente condicionados a negociações capazes de viabilizar a contratação de energia firme pelo mercado brasileiro. Até o momento, não há estudos consistentes para viabilizar contratos de importação de médio e longo prazo no atual ambiente regulatório brasileiro e, tendo em vista a experiência mal sucedida do contrato de importação de energia firme da Argentina20, não se antevê, no curto ou médio prazo, forte interesse por parte do Brasil em viabilizar a importação de energia firme, exceto por meio de projetos binacionais com base na experi19 Do ponto de vista da mecânica do planejamento em horizonte decenal será fácil incluir uma previsão para a importação de energia caso os projetos avancem. A cada ano a EPE refaz o planejamento mirando dez anos à frente. Nos cinco primeiros anos o horizonte já se encontra definido na medida em que existem projetos já contratados em leilões de energia nova. Para os últimos cinco anos o planejamento pode ser alterado de forma substancial na medida em que se apresentem fatos novos ou que sejam definidas novas diretrizes. 20 Ver Anexo. 186 ência de sucesso de Itaipu Binacional. De todo modo, como negociações para eventuais projetos de importação de energia envolvem negociações entre governos, ultrapassando a esfera de competência da EPE, eles não constam do planejamento do setor elétrico. 2.3 Características do modelo do Setor Elétrico Brasileiro Os condicionantes institucionais, regulatórios e comerciais são muito importantes para viabilizar a exploração do potencial energético nacional. Não basta um país deter grande potencial energético se os arranjos institucionais, regulatórios e comerciais não forem minimamente consistentes. O modelo do setor elétrico brasileiro aprovado em 2004 tem se mostrado eficiente e demonstrado capacidade de garantir o equilíbrio dinâmico entre a oferta e a demanda de energia elétrica com custos competitivos. No entanto, a mudança da matriz elétrica brasileira tem implicações diretas no modus operandi do sistema elétrico, precisando também de ajustes no modelo do setor (CASTRO et all, 2012). Por um lado, os chamados Leilões de Energia Nova, criados com o novo modelo de 2004, são disputas públicas em torno de contratos de energia de longo prazo21 para atender ao mercado regulado22. Em consonância com os leilões, o BNDES oferece financiamento de longo prazo na modalidade Project Finance para todos os projetos vencedores, aceitando como principal garantia para o financiamento o fluxo de caixa proveniente dos contratos de longo prazo de compra e venda de energia elétrica. Esta modelagem de negócio tem atraído o interesse de investidores, tendo como resultado preços decrescentes para a energia dos novos empreendimentos, conforme pode ser constatado no Gráfico 2. Ainda no Gráfico 2 pode-se observar que, como consequência da mudança na matriz elétrica brasileira, o preço da energia contratada nos leilões realizados em 2014-2015, os quais tem a data de inicio de suprimento estabelecida entre 2017 e 2020, têm sido maiores que nos projetos contratados antes de 2014. Isso se deve à maior contratação de fontes térmicas, inclusive usinas que operam com GNL, assim como à inserção da fonte solar que elevou o preço médio das fontes renováveis. 21 Até 30 anos para centrais hidroelétricas e 15 anos para termoelétricas. 22 Sobre os leilões de energia seu papel no modelo do setor elétrico brasileiro ver, entre outros: TOLMASQUIM (2011); D´ARAUJO (2009) e CASTRO (2005). 187 Gráfico 2: Preço médio de venda, atualizado a setembro de 2015, dos leilões de Energia Nova23: 2005-2015 (R$/MWh) Fonte: CCEE (2015)- Resultado consolidado dos leilões. O modelo de contratação de energia por leilões tem se mostrado um importante e flexível instrumento para o planejamento da expansão da geração24. O governo pode direcionar a contratação dos novos empreendimentos para um perfil considerado desejável de acordo com a matriz estratégica definida pelos estudos de planejamento para o horizonte de dez anos à frente ou mais. As regras do edital de cada leilão podem ser redigidas de forma a limitar (ou estimular) a disputa entre as fontes e mesmo intra-fontes energéticas. Por outro lado, a diminuição da “reserva estratégica” das usinas hidrelétricas com grandes reservatórios demanda uma mudança no paradigma de operação do sistema elétrico, questão que ficou evidente com a crise hídrica de 2012-2015. Com a entrada em operação das usinas da região amazônica a fio d’agua, a configuração do sistema passa a exigir mais das usinas com capacidade de regularização, gerando grandes alterações de nível dos reservatórios 23 Preço atualizado calculado pela CCEE em função do IPCA, consideram-se todos os projetos contratados, desde 2005 a 2015, nos leilões de energia nova, energia de reserva, leilão de fontes alternativas e leilão estruturante. 24 Para uma análise mais minuciosa desta questão ver CASTRO, BRANDÃO e DANTAS (2011). 188 em períodos de tempo menores, demandando maior despacho térmico para atender as exigências sazonais da carga (EPE, 2014). Diante deste cenário, além da mudança no padrão operativo, há necessidade de complementar o parque hídrico com outras fontes para atender a carga no período seco do ano (CASTRO et all, 2012). A política energética também se articula com a política industrial e os projetos de geração eólica demonstram isso. A obtenção do financiamento de longo prazo no BNDES está condicionada à compra de equipamento com índices de nacionalização pré-estabelecidos. Por exemplo, o maior volume de energia eólica contratada levou à instalação no país dos principais produtores de equipamentos eólicos do mundo, aumentando a concorrência e contribuindo para a queda dos custos desta fonte nos leilões de energia nova. Embora o Brasil tenha abundantes alternativas para a geração de energia elétrica a partir de recursos naturais nacionais e um modelo que permite viabilizar projetos a custos baixos, a necessidade de energia firme e a relativa escassez local de gás pode criar oportunidades de integração energética. Por um lado, a sazonalidade das vazões entre os regimes hidrológicos do Sudeste/Centro-Oeste (onde se encontram os reservatórios com maior capacidade de regularização) e o regime hidrológico da região sul e da região amazônica (EPE, 2014; p. 84) permitiu o avanço de projetos binacionais com Bolívia25 e Argentina26 para a exploração conjunta de recursos naturais. Por outro lado, a crescente necessidade de gás natural a preços competitivos tem criado oportunidades de importação de GNL exclusivo para a geração de energia elétrica, além do interesse de empresas de países vizinhos com disponibilidade deste recurso27 em investir no mercado elétrico brasileiro através da construção de usinas termoelétricas. 25 Em 17 de julho de 2015 foi assinado o Adendo ao Memorando de Entendimento em matéria de energia elétrica entre o Ministério de Minas e Energia da República Federativa do Brasil e o Ministério de Hidrocarbonetos e Energia da República da Bolívia (assinado em 17 de dezembro de 2007), cujo objetivo é viabilizar os estudos de viabilidade financeira, técnica e ambiental da construção de uma hidrelétrica binacional na bacia do Rio Madeira. 26 Desde 2012 a Unión Transitória de Empresas, a partir da solicitação da Eletrobrás e da Ebisa, vem desenvolvendo os estudos de engenharia, ambientais e o plano de comunicação social das usinas de Garabi e Panambi localizadas no Rio Uruguai no trecho binacional entre Brasil e Argentina (ELETROBRAS, 2010). 27 Este é o caso concreto da Empresa Nacional de Energia Eléctrica de Bolívia (ENDE), que tem ponderado a possibilidade de construir uma usina térmica para fornecimento do mercado brasileiro utilizando o gás boliviano como recurso fundamental. 189 3. O modelo comercial brasileiro O modelo comercial brasileiro, diferentemente dos demais países da região, não é de compra e venda de energia física. Todos os consumidores – cativos e livres – são compulsoriamente obrigados a contratar energia por meio de um mecanismo financeiro que não envolve necessariamente a entrega física de energia pela empresa de geração. Os agentes do setor elétrico compram e vendem contratos que representam uma garantia do suprimento de energia e não a energia propriamente dita. Toma-se como exemplo um consumidor industrial que atua no mercado livre. Este agente consumidor estará sujeito a multas caso consuma energia da rede em volume superior à quantidade de contratos de “energia garantida” (ou, “garantia física”) que assinou. Em outra direção, um agente gerador que não disponha de contrato estará impedido de vender energia para este consumidor mesmo que sua usina esteja ociosa e pronta para ofertar energia. A lógica por trás desta regra de mercado é de que a responsabilidade de atender à demanda do consumidor não é do gerador individual, que não tem qualquer poder de gestão sobre a sua unidade geradora de energia, mas do sistema operado de forma centralizada e otimizada pelo ONS28. Este modelo comercial foi criado para atender às singularidades do sistema elétrico brasileiro, predominantemente hidroelétrico, em um ambiente de negócios que, a partir dos anos 1990, passou por um processo de liberalização com a introdução de mecanismos de mercado na comercialização de energia29. O problema que precisou ser equacionado através das regras de mercado refere-se 28 A gestão centralizada e otimizada dos recursos hídricos de um sistema com a escala e dimensão do brasileiro permite reduzir a dependência que a geração hídrica tem com relação às incertezas da hidrologia local e, com isso, torna possível atender a uma carga superior àquela que um sistema descoordenado conseguiria suprir de forma confiável. O sistema hídrico brasileiro compreende 1.180 hidroelétricas (incluindo as pequenas centrais hidroelétricas), localizadas em dezenas de bacias hidrográficas, espalhadas por uma área geográfica de dimensão continental que abrange vários sistemas climáticos distintos. A operação otimizada deste conjunto de usinas e o recurso eventual à geração térmica complementar permite ganhos econômicos mensuráveis, além de garantir o atendimento a uma carga global muito maior do que a soma das cargas que cada um dos geradores hídricos conseguiria atender isoladamente. Por esta razão técnica, o Brasil manteve a gestão centralizada e otimizada dos recursos de geração e transmissão mesmo após o fim do modelo estatal do setor elétrico. 29 No modelo vigente até o início dos anos 1990, a lógica econômica era a da remuneração garantida para as empresas do setor (a tarifa era calculada de forma a cobrir os custos operacionais e remunerar adequadamente o capital investido) e não a lógica da remuneração como resultado do funcionamento do mercado. 190 ao perfil de preços de curto prazo da energia que ocorre em um sistema como o brasileiro, que produz eletricidade essencialmente a custos fixos: hidroelétricas, basicamente, mas também geração eólica, cogeração, geração térmica com contratos de take or pay e, em menor medida, geração nuclear. É fácil demonstrar por meio de categorias elementares da microeconomia que a configuração de preço igual a zero pode ocorrer em indústrias onde predomine a produção baseada em custos fixos e onde os produtos sejam comercializados em um mercado competitivo. Os preços podem ser nulos por que: (i) em mercados competitivos o preço sempre se iguala ao custo marginal do produtor menos eficiente; e (ii) o custo marginal de uma indústria que produza apenas com custos fixos é, por pressuposto, nulo. Nestes termos, dadas as características do sistema elétrico brasileiro, se um mercado de energia de curto prazo fosse a base do modelo de comercialização, os preços seriam, em boa parte do tempo, baixos ou mesmo nulos, só se tornando significativos em momentos de escassez de água. Se a receita dos agentes geradores fosse baseada em preços de mercado formados desta maneira, ela não seria suficiente para cobrir os custos por longos períodos, isto é, sempre que a hidrologia fosse favorável a ponto de permitir o abastecimento pleno do consumo apenas por geradores com estrutura de custos baseada em custos fixos. Como consequência, a atividade econômica da geração operaria com forte instabilidade econômica, com o equilíbrio econômico-financeiro ameaçado, eliminando qualquer incentivo para investimentos em novas instalações de geração. Infelizmente, o setor elétrico do Brasil só veio aprender estes rudimentos de microeconomia na prática com a crise de racionamento de 2001-2002. À época da reforma liberalizante dos anos 1990, imaginava-se que o mercado de energia poderia funcionar no Brasil de forma análoga aos mercados europeus, onde o sistema elétrico é predominantemente de geração térmica baseada em combustíveis fósseis, isto é, geração com custos marginais significativos. Em tais sistemas, o preço que resulta da comercialização de energia em um mercado físico permite a remuneração adequada de um gerador eficiente e pode dar sinais corretos para orientar investimentos na expansão da capacidade instalada. A tentativa de fazer do mercado físico de energia a referência de preços no Brasil foi malograda. O resultado prático foi um total desestímulo ao investimento, que culminou em 2001 em uma crise de abastecimento e um racionamento compulsório de 20% da carga para todos os consumidores, em um ano com uma hidrologia apenas moderadamente ruim. Os problemas no desenho de mercado brasileiro de energia foram corrigidos na reforma de 2003-2004. O novo modelo que emergiu garante e 191 estimula as condições de competição na geração de energia. Mas o locus da competição não é o mercado físico de energia, mas um mercado por contratos financeiros de “garantias físicas”30. A dinâmica dos leilões de energia nova é tal que o preço dos contratos de longo prazo tende a convergir para o custo médio da energia, situação que, como foi analisado, nunca estaria garantida se a referência de preços fosse um mercado físico de curto prazo. Por outro lado, ao oferecerem contratos de longo prazo com receitas altamente previsíveis e indexadas à inflação, os leilões de energia nova passaram a atrair intenso interesse de empreendedores com resultados efetivos para a modicidade tarifária. Dada a especificidade e diferenciação do modelo brasileiro em relação aos países da região, merece ser aprofundada a análise de sua característica basilar, que é a “garantia física”. Os contratos não são contratos de energia, mas de garantia de energia. Cada central elétrica, independente da fonte, recebe do Ministério de Minas e Energia (MME) certificados que podem ser comercializados com consumidores por meio de contratos. Estes certificados representam, via de regra, apenas uma fração da energia que a central elétrica pode produzir. A quantidade de certificados que cada central elétrica recebe é calculada por uma metodologia oficial que consiste em uma modelagem do funcionamento otimizado do SIN, com todas as instalações já contratadas e os novos projetos que desejam se inscrever em um leilão. O objetivo da modelagem é, em uma primeira etapa, calcular qual a maior carga (carga crítica, ou garantia física do sistema) que o sistema pode atender dado um critério de segurança (risco de déficit de 5% em um ano qualquer) e condicionantes de economicidade na operação31. Em um passo seguinte, a carga crítica do sistema é dividida entre todas as unidades produtivas modeladas. A parcela que 30 Por um lado, há a obrigação de que 100% do consumo dos agentes estejam lastreados em contratos financeiros de “garantia física”. Por outro lado, toda a necessidade de energia do mercado regulado deve estar contratada em prazos longos (até 30 anos). A contratação para o mercado cativo é feita através de leilões de energia nova organizados pelo governo em nome das distribuidoras, criando assim uma estrutura de compra monopsônica. 31 A determinação da carga crítica ou garantia física do sistema é um problema característico de sistemas hídricos puros ou de sistemas dominados maciçamente por geração hídrica. Em um sistema térmico o problema da garantia do suprimento é muito mais simples. As termoelétricas são, por sua natureza, controláveis, podendo gerar sempre que acionadas. Por isso, em sistemas térmicos é possível garantir o atendimento de uma carga que corresponde à capacidade instalada total menos uma margem de segurança. O mesmo não se aplica aos sistemas hídricos, pois a geração das hidroelétricas está intrinsecamente sujeita a incertezas. Mesmo sendo possível estimar a produção média de um aproveitamento hídrico no longo prazo com alguma precisão, a produção de energia no curto prazo (e, portanto, a garantia do suprimento) está sempre condicionada à hidrologia local. 192 cabe a cada uma delas é a sua garantia física, que corresponde aos certificados de energia que podem ser comercializados via contratos com consumidores.32 Os contratos financeiros têm lastro na capacidade do sistema de garantir o atendimento à carga. Como os consumidores têm que adquirir contratos de energia com antecedência - notadamente os consumidores cativos - qualquer crescimento projetado da demanda de energia elétrica leva à necessidade de expandir o volume total de certificados de energia, o que só pode ser feito contratando a construção de novas centrais elétricas, que, por sua vez, permitirão ao sistema atender a esta nova carga de modo seguro. Este desenho comercial tem se mostrado adequado no sentido de garantir o correto funcionamento do setor elétrico brasileiro, pois ao mesmo tempo em que dá sinais econômicos para as necessidades de expansão da capacidade instalada, permite promover a expansão a baixo custo via os leilões para o mercado regulado. Trata-se, porém, de um sistema comercial baseado em um conceito, o de “garantia física”, que só tem consistência se o parque gerador é representado como um sistema fechado, operando de forma centralmente otimizada. Nenhum outro país da América Latina adota um modelo comercial análogo ao do Brasil. Nos países vizinhos, a contratação de longo prazo de modo geral é eletiva e não compulsória como no Brasil. Já os contratos são de energia (e, eventualmente, também de potência) e não de “garantia física”. Finalmente, os preços de curto prazo são, de modo geral, representativos do custo da energia, ao contrário do que ocorre no Brasil, onde os preços são em grande medida reflexo do nível de hidrologia (ENA – energia natural afluente) e da quantidade de água armazenada nos reservatórios das centrais hidroelétricas. Dadas estas características técnico-comerciais do sistema brasileiro, a integração elétrica com os países vizinhos não poderia se dar, como ocorre na Europa, em um mercado de energia comum, responsável por definir a geração de cada central, o preço da energia e os intercâmbios. Na verdade, o modelo brasileiro sequer faz sentido se não for possível representar os recursos de geração e a carga a ser atendida como um sistema fechado, otimizado de forma centralizada. 32 Para examinar com mais profundidade estas questões ver estudo de Castro e Brandão (2010). 193 4. Integração elétrica: um mercado elétrico na América do Sul? Para além da carência ou da abundância de recursos energéticos em um país, há consistentes motivações técnicas e econômicas que recomendam a integração internacional entre sistemas elétricos. Por exemplo, a integração de matrizes de geração e de diferentes perfis horo sazonais de consumo permite a otimização do conjunto de recursos disponíveis, oferecendo benefícios para as partes envolvidas. Mesmo o simples uso compartilhado de recursos pode permitir economias, reduzindo, por exemplo, a necessidade global de reserva ou de manter infraestruturas replicadas para liquidação financeira e para gestão de contratos ou de derivativos. São argumentos nesta linha que embasam, por exemplo, as diretivas europeias que visam construir, por meio do fortalecimento dos mercados regionais de energia e da harmonização de práticas regulatórias e comerciais, um futuro mercado europeu de energia elétrica. O paradigma da integração dos mercados de energia são os mercados regionais europeus, por exemplo, o Nordpool (Suécia, Noruega, Finlândia e Dinamarca) e o Mibel (Portugal e Espanha), onde a alocação dos recursos elétricos é feita por um processo de leilões diários.33 No entanto, os benefícios técnicos da integração elétrica somente são maximizados quando é possível estabelecer regras comerciais relativamente homogêneas e sólidas. A harmonização, ou pelo menos a compatibilização, de normas regulatórias e de regras comerciais é o pressuposto básico para uma otimização conjunta dos recursos elétricos entre países. Segundo CASTRO, BRANDÃO e DANTAS (2011), uma operação integrada do setor elétrico de vários países tende a levar a uma alocação de recursos mais eficiente do que seria possível se os mercados nacionais permanecessem isolados. A própria estruturação do setor elétrico do Brasil, de dimensão continental, integrando em um único sistema elétrico mais de 4.200 centrais geradoras (ANEEL, 2015 b) com 139,8 mil MW de capacidade instalada e mais de 100 mil km de linhas de transmissão de alta tensão são uma prova de como a integração gera sinergias e economias de escala. Entretanto, devido às assimetrias econômicas, energéticas e regulatórias na América do Sul, não 33 Os leilões determinam o preço da energia e a geração de cada planta dos países envolvidos. Trata-se de um processo de alocação de recursos via mercado competitivo em que cada país tem acesso integral ao conjunto de recursos de geração disponíveis, respeitadas, naturalmente, as limitações elétricas da transmissão. 194 é possível esperar uma substancial convergência das regras comerciais no médio prazo, o que torna difícil viabilizar um mercado regional de energia nas mesmas bases do Nordpool e do Mibel. Dentre os fatores assimétricos e impeditivos, destaca-se a prática em vários países da região latino-americana de aplicar subsídios e impor preços administrados para a energia elétrica ou para insumos energéticos. Outro fator contrário à integração plena entre os sistemas elétricos é a necessidade de submeter a segurança energética interna a fatores que fogem ao controle nacional. Em uma integração energética em grande escala, eventuais vicissitudes dos países vizinhos podem ameaçar o abastecimento local de energia, a exemplo do que ocorreu com o Chile quando, devido a uma insuficiência de produção de gás natural na Argentina, a exportação de gás foi fortemente restringida, impondo sérias consequências ao suprimento doméstico de gás e à segurança do sistema elétrico. Especificamente em relação à posição do Brasil frente ao processo de integração elétrica regional, cabe destacar que o modelo comercial do setor elétrico brasileiro é um entrave à formação de mercados integrados nos moldes da experiência europeia. Conforme analisado, o modelo comercial brasileiro é idiossincrático, tendo sido estruturado para permitir a comercialização de energia elétrica por meio de mecanismos de mercado, em um sistema com predomínio nítido da geração hídrica. Trata-se de um sistema concebido em formato fechado, planejado e operado de forma otimizada e centralizada e que por isso se adequa mal a um esquema pleno de mercado. Mas ainda com prognóstico de dificuldades e limitações quanto à viabilidade de implantação de um verdadeiro mercado integrado de energia na América do Sul nos moldes dos mercados elétricos europeus, isso não equivale a uma visão negativa quanto às perspectivas do comércio regional de energia elétrica. O modelo comercial brasileiro contempla tanto a importação como a exportação de energia elétrica, que vêm sendo praticadas há tempos com Paraguai, Argentina, Uruguai e Venezuela. A modalidade de integração adotada com a Argentina e o Uruguai, que envolve a exportação (e importação) de energia elétrica em caráter interrompível, sem contratos de longo prazo, aproveitando as oportunidades de curto prazo com regras relativamente simples de comercialização, tem mostrado os benefícios da intensificação das trocas de excedentes de energia para todas as partes. 195 Contratos dedicados de exportação/importação de energia firme também são possíveis, caso sejam criadas condições que confiram efetiva segurança jurídica para tais arranjos comerciais. Há também oportunidades de construção de centrais hidroelétricas binacionais entre Brasil e Argentina e Brasil e Bolívia que podem ser desenvolvidas utilizando como garantia para o financiamento a venda de energia no mercado brasileiro. De fato, conforme já mencionado, esta possibilidade de integração elétrica regional tem tido avanços importantes com a contratação, em 2012, dos estudos de engenharia, ambientais e do plano de comunicação das usinas de Garabi e Panambi, projeto entre Argentina e Brasil; além da assinatura do adendo ao memorando de entendimento em matéria de energia elétrica entre Bolívia e Brasil, em julho de 2015, que visa viabilizar os estudos da binacional no Rio Madeira. 5. Experiências de Integração e o modelo comercial brasileiro As experiências de integração elétrica do Brasil com seus vizinhos foram concebidas em seus aspectos operacionais e comerciais para funcionar adequadamente no modelo brasileiro de operação centralizada e otimizada dos recursos de geração. Por exemplo, embora Itaipu Binacional tenha sido construído muito antes34 do novo modelo do setor elétrico brasileiro ter sido aplicado em 2004, a comercialização de energia desta usina teve que ser adaptada à logica do novo modelo. Assim, Itaipu Binacional faz parte do despacho otimizado do sistema brasileiro, que contempla não apenas o abastecimento do mercado nacional, mas também as necessidades de energia do Paraguai que adota arranjos de mercado distintos do Brasil. Por sua vez, o contrato original de importação de energia da Argentina por meio da CIEN também se encaixava no modelo brasileiro, sendo representado pelo ONS no planejamento da operação do sistema como uma “térmica de fronteira”, que era acionada quando a situação hidrológica requeria complementação de energia térmica. Nas ocasiões em que o Brasil não necessitasse da energia, ou seja, em hidrologias favoráveis, as centrais argentinas 34 A construção da usina Itaipu Binacional foi pactuada entre Paraguai e Brasil em 1973, sendo que o Tratado Internacional estabelece as regras particulares de comercialização de energia desta usina com os países sócios. 196 a gás associadas ao contrato da CIEN ficavam liberadas para abastecer o mercado argentino. Em ambos os casos, Itaipu Binacional e CIEN, a importação de energia foi possível por um desenho comercial que fazia com que o exportador se adequasse à lógica de funcionamento do sistema brasileiro. Porém, as experiências mais recentes de comércio de energia com a Argentina e o Uruguai seguem outra lógica. Quando a importação da Argentina via CIEN foi interrompida unilateralmente em função da crise energética argentina, provocando a quebra de contratos de 20 anos de exportação para empresas distribuidoras brasileiras, as conversoras de Garabi passaram a ser utilizadas ocasionalmente para exportação de energia do Brasil para a Argentina e, também esporadicamente, para permitir a exportação de energia para o Uruguai, passando pelo sistema de transmissão argentino. Em 2004, houve exportação em caráter emergencial para permitir a garantia do suprimento no sistema argentino. Nos anos seguintes foi estabelecido um comércio eventual de energia, aproveitando a interligação de grande porte existente, centrado na exportação de energia do Brasil para o mercado argentino em razão da crise endêmica que o setor elétrico passou a enfrentar por conta do desequilíbrio entre oferta e demanda. Observa-se que as exportações de energia do Brasil para os vizinhos do Mercosul têm alternado três modelos comerciais: 1. O primeiro tipo de exportação envolve a realização de um leilão com a participação dos geradores térmicos brasileiros que não estejam sendo despachados pelo ONS no momento. A exportação está sujeita às condições de tráfego da rede no Brasil. Por exemplo, geradoras localizadas no Sudeste ou no Nordeste do Brasil só podem exportar se o sistema de transmissão tiver capacidade para transferir a energia para o sul do país, de onde será exportado. Um fator diferencial importante é que os geradores térmicos não precisam oferecer no leilão para venda na Argentina ou Uruguai os mesmos custos variáveis praticados no mercado brasileiro. Os preços refletem assim oportunidades ditadas pelo mercado importador e são negócios entre agentes privados, sendo que não há informação oficial e pública disponível sobre os valores monetários destas operações. A única informação é que os preços de exportação costumam ser maiores do que os praticados no mercado brasileiro. 197 2. O segundo tipo de exportação envolve o envio de energia de origem hídrica nos meses mais frios do ano (junho-julho), quando o consumo de energia na Argentina sobe, para posterior devolução do mesmo montante físico de energia um pouco depois (agosto-setembro), quando as temperaturas na Argentina começam a se elevar, ao mesmo tempo em que o Brasil se encontra no auge do período seco. Esquemas de comércio semelhantes vêm sendo praticados com o Uruguai, utilizando a pequena conversora de Rivera ou passando através do sistema de transmissão argentino. 3. Finalmente, o Brasil pode exportar, para posterior devolução, energia hídrica correspondente a vertimentos turbináveis. Vertimentos turbináveis ocorrem em situações de hidrologia favorável, quando os reservatórios das centrais hidroelétricas não têm mais capacidade de armazenar água. Nestes momentos o sistema precisa verter água. Esta água pode ser turbinada e exportada para um país vizinho e, quando isto ocorre, o montante exportado é contabilizado para posterior devolução. Todas estas modalidades de exportação de energia praticadas com Argentina e Uruguai são ocasionais. Não há qualquer compromisso brasileiro de contrato de energia firme para exportar montantes garantidos de energia. São contratos pontuais e temporários. Os leilões semanais de exportação estão sempre subordinados à otimização do modelo brasileiro: na maior parte do tempo, só geradores térmicos não programados pelo ONS para ficarem habilitados a exportar. E, nas demais ocasiões, quando há exportação de energia hídrica, toda a água consumida para exportação de energia é reposta com a devolução da energia mais à frente. Não se trata aqui de compra e venda de energia no sentido estrito do termo, mas sim de uma modalidade de empréstimo, de troca, para posterior devolução, sem implicar em transação de energia. Destaca-se o fato de que o comércio de energia com a Argentina e o Uruguai tem ocorrido de forma eventual e pontual. Na maior parte do tempo, as interligações existentes permanecem ociosas. No Brasil adotou-se o princípio de que a exportação de excedentes ou eventuais importações não devem afetar contratos firmados ou direitos oriundos de relações contratuais no mercado nacional. Assim, a exportação só pode ser feita com recursos que efetivamente estejam ociosos a partir da 198 otimização do despacho, que, destaque-se, não leva em conta a possibilidade do comércio internacional. Não há, por exemplo, como acionar para exportação um gerador térmico ocioso que esteja distante das interligações internacionais se as interligações entre os subsistemas brasileiros estiverem programadas para serem plenamente utilizadas. Isto porque, ainda que o importador estrangeiro esteja disposto a pagar, não há como calcular um preço para deslocar os geradores já programados, liberando a rede interna brasileira. Situação mais complicada é para a importação. A importação de excedentes de energia por agentes brasileiros é muito difícil de ser incorporada à modelagem do arranjo comercial atual. Atualmente, além da troca de vertimentos turbináveis para posterior devolução, sem envolver transação em dinheiro, existe a importação interruptível de energia elétrica proveniente da Argentina35 e do Uruguai36. Este tipo de importação envolve ofertas semanais de energia na fronteira do Brasil37 tendo como destino o mercado de curto prazo e sendo remunerado através do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD). Esta energia somente pode ser transacionada no mercado de curto prazo por que os geradores carecem de garantia física no mercado brasileiro o que lhes impede auferir receitas por meio de contratos de comercialização. Neste sentido, a importação firme de energia não está prevista porque a otimização da geração é feita sempre simulando o funcionamento de um sistema fechado. Tomando esta otimização como referência, toda importação sempre iria necessariamente deslocar da ordem de mérito de despacho um gerador que teria “direito de gerar”. Para preservar este direito, resulta que não há mecanismo comercial para importar excedentes de energia, mesmo que fosse possível comprar energia a preços mais baixos do que o da geração térmica nacional em um dos países vizinhos. Evidentemente tais dificuldades podem ser removidas se houver vontade política para negociar regras comerciais que viabilizem e estimulem o comércio contínuo de energia através de interligações existentes. No entanto, as evidências disponíveis indicam que não houve até o momento negociações políticas de alto nível para criar um marco comercial que permita o inter35 Através da conversora de frequência de Garabi (MME, 2015- Portaria N°81). 36 Através da conversora de frequência de Rivera e futura conversora de Melo (MME, 2015 – Portaria N° 82), 37 As ofertas semanais de energia realizadas à ONS podem ser ajustadas conforme a programação de despacho diária. 199 câmbio firme de energia. E, conforme já mencionado, não houve avanços no sentido de viabilizar a importação interruptível de energia. Existe negociações entre governos para aproveitar os recursos hídricos de fronteira, concretamente com a Argentina no rio Uruguai (usinas de Garabi e Panambi) e com a Bolívia na bacia do rio Madeira, em um esquema similar a Itaipu Binacional. Porém, eventuais acordos para a construção de usinas binacionais entre o Brasil e outro sócio devem considerar mecanismos de comercialização que sejam compatíveis com o modelo adotado no setor elétrico brasileiro. 6. Perspectivas para importação e exportação de energia elétrica pelo Brasil Entende-se por exportação de energia firme contratos em que o volume de exportação é garantido a qualquer momento ou ao menos, em que a exportação é tratada de forma equivalente ao consumo local, de modo que, na eventualidade de um problema no país exportador, como um racionamento, por exemplo, as exportações tenham o mesmo tratamento do consumo interno, isto é, sejam limitadas na mesma proporção imposta ao mercado interno. Já a comercialização internacional de excedentes é um comércio de ocasião, pontual, que ocorre seja para a exportação ou importação ditada pelas conveniências e oportunidades de preço do momento, sem que exista compromisso de exportar ou importar, no médio ou longo prazo, volumes de energia predeterminados. Para que a exportação de energia mediante contratos de longo prazo para o mercado elétrico brasileiro possa ser viabilizada, será preciso elaborar um arranjo técnico-comercial capaz de equiparar a importação pelo Brasil a uma central elétrica operando de forma otimizada dentro do sistema brasileiro. Em princípio, a exportação de energia hídrica para o sistema interligado brasileiro precisaria atender ao mesmo modelo da Itaipu Binacional, central elétrica que é operada dentro da lógica do modelo brasileiro. Não se percebe grandes problemas relacionados ao uso deste modelo nos projetos de centrais binacionais que estão em estudos com Argentina e Bolívia notadamente na cota dos 50% que naturalmente caberão ao Brasil. No entanto, fora destes 200 exemplos, um arranjo técnico comercial deste tipo poderia encontrar restrições em termos de aceitação no caso de empreendimentos localizados no espaço territorial dos países vizinhos. Construir uma central hidroelétrica dedicada no todo ou em parte à exportação para o Brasil e despachá-la de acordo com a lógica de operação do sistema brasileiro provavelmente implicaria em impor algum tipo de restrição às necessidades de otimização da energia. Para considerar a demanda local do país exportador fazendo uma otimização conjunta, em que por vezes seria o sistema brasileiro a enviar energia para compensar situações adversas da hidrologia local, seria preciso que os consumidores do país vizinho fizessem de fato parte do mercado brasileiro, adquirindo contratos financeiros lastreados em “garantia física”. Embora esta hipótese, que equivale à adoção por outro país do modelo comercial brasileiro, não possa ser de todo descartada, é pouco provável de ser concretizada no curto ou médio prazo. No caso da exportação de energia térmica para o Brasil, seria possível estruturar uma modelagem contratual análoga ao esquema original de importação da CIEN, porém com maior segurança jurídica. Para tanto, do ponto de vista formal e contratual, seria necessária a assinatura de um tratado internacional alçando a comercialização de energia para um nível de relação entre Estados e não entre empresas, como foi o caso da CIEN. Essa exigência tornaria mais difícil a repetição do malogrado e traumático caso do contrato de importação de energia da CIEN com a Argentina. Contudo, conforme já analisado, não há previsões para o Brasil importar energia de fonte térmica dos países vizinhos. Em função das assimetrias econômicas, energéticas e políticas entre o Brasil e os países da região, as maiores e mais rápidas oportunidades para a integração e comércio internacional de energia elétrica envolvendo o Brasil estão na importação e exportação de excedentes. Os esquemas contratuais atuais de comercialização de energia adotados pelo Brasil com a Argentina e o Uruguai têm exatamente esta lógica de troca de excedentes e poderiam ser ampliados, já que a infraestrutura de transporte para o mercado argentino já existe e uma interligação de grande porte com o Uruguai está sendo construída. Embora já existam mecanismos funcionais para comércio de excedentes utilizando as interconexões existentes, é essencial criar um marco jurídico, regulatório e comercial capaz de tornar os intercâmbios mais frequentes e interessantes para todas as partes, viabilizando intercâmbios de blocos de energia maiores e com prazos de contratos mais dilatados. 201 É preciso vontade política dos países para criar condições que permitam o avanço do processo de integração elétrica na América no Sul. O desenvolvimento de negociações políticas em alto nível, usando a estrutura institucional existente (Mercosul, UNASUL – União Sul - Americana de Nações, IIRSA – Iniciativa de Infraestrutura para a América do Sul) são requisitos fundamentais para a criação de um novo marco para os intercâmbios internacionais de energia. 7. Conclusão O processo de integração energética do Brasil, no que se refere ao setor elétrico, pode ser dividido em duas fases. A primeira fase, iniciada nos anos de 1970, tendo como principal marco central a construção da então maior hidroelétrica do mundo, Itaipu Binacional, tinha um duplo e estratégico objetivo: garantir maior suprimento nacional e custos competitivos. Cabe ressaltar que a malograda experiência de importação de energia térmica a gás da Argentina, CIEN, inaugurada em 2000, teve uma lógica diferente. Nos anos 1990, época em que este projeto foi concebido, o Brasil encontrava-se em uma situação macroeconômica de crise e o setor elétrico tinha reduzida capacidade de realizar investimentos. Com isso, a importação de energia da Argentina, país que passava por uma fase de grande prosperidade econômica e que possuía reservas expressivas de gás, parecia uma solução mais interessante do que mobilizar os escassos capitais disponíveis no Brasil para realizar investimentos locais. A segunda fase do processo de integração inicia-se a partir de 2003-2004, quando o Brasil redefiniu sua política estratégica de integração econômica regional, focada na América Latina. É preciso destacar também o papel da reestruturação do setor elétrico verificada nos anos de 2003-2004. Este processo incluiu: recuperação do planejamento do Estado com a criação da EPE – Empresa de Pesquisa Energética; uso dos leilões de energia nova como principal instrumento para expansão da oferta; formatação de um novo e consistente marco institucional, fortalecimento da agência reguladora (ANEEL) e a atuação do BNDES – banco estatal de apoio ao desenvolvimento econômico – financiando projetos de geração e transmissão por meio de operações do tipo project finance, diretamente articulado com os leilões. Este novo modelo do setor 202 elétrico permitiu que o Brasil voltasse gradativamente a explorar o potencial hidroelétrico, além de dar suporte a investimentos em energia eólica, biomassa da cana de açúcar e em geração a partir de gás natural. Como o modelo comercial foi estruturado em função de uma característica ímpar e basilar do setor elétrico, a alta predominância da geração hidroelétrica na sua matriz, o modelo brasileiro tem especificidades que o distinguem nitidamente dos arranjos comerciais predominante nos países da América Latina. Trata-se de um modelo em que não se comercializa energia, mas contratos financeiros de “garantia física” onde a central geradora de energia elétrica não vende em contratos energia física e não tem autonomia sobre seu próprio despacho, que é determinado pelo operador nacional do sistema, segundo uma lógica de otimização de todas as mais de 4.200 unidades geradoras de energia elétrica. Neste sentido, a integração elétrica através da importação e exportação de energia no Brasil deverá respeitar o desenho do modelo comercial brasileiro. As características e especificidades do modelo brasileiro determinam assim condições de contorno que precisarão ser observadas para viabilizar o comércio internacional de energia elétrica. Isto implica em assinalar que, exceto para projetos de centrais hidroelétricas binacionais, como é o caso do projeto do Rio Madeira com a Bolívia e das hidroelétricas de Garabi e Panambi com a Argentina, a integração energética por meio de projetos ou arranjos contratuais focados na exportação de blocos de eletricidade com contratos de longo prazo e a preços competitivos para o mercado elétrico brasileiro ficaria dependente diretamente de ajustes regulatórios e comerciais convergentes e aderentes ao modelo brasileiro. Estas especificidades tendem a restringir as possibilidades da integração elétrica segundo os modelos europeus, como é o caso do Nordpool (Suécia, Noruega, Finlândia e Dinamarca) e o Mibel (Portugal e Espanha). Nestes termos, a dinâmica da integração elétrica na América do Sul com a participação direta do Brasil fica delimitada a quatro possibilidades. A primeira e mais simples, conforme assinalado, é a construção de centrais hidroelétricas binacionais baseadas na experiência de sucesso da Itaipu Binacional. A produção de uma binacional é de 50% para cada país. E é possível definir no tratado internacional que irá respaldar o contrato comercial as condições de venda do excedente como foi feito com o Paraguai em relação à Itaipu Binacional. 203 A segunda possibilidade é a modelagem da importação de energia pelo Brasil como a de uma termoelétrica na fronteira, como já ocorreu com o contrato da CIEN. Esta opção é ideal para a importação de energia térmica e sua viabilidade requer um entendimento entre países, provavelmente a nível de um Tratado, que dê segurança jurídica ao arranjo comercial. A terceira alternativa, mais complexa, é a construção de centrais hidroelétricas (e respectivos segmentos de linhas de transmissão) em países vizinhos, sendo definidas as condições de exportação para o Brasil de parcela da produção que não será consumida pelo país de origem. As dificuldades são grandes e, a título de exemplo, pode-se citar que a unidade geradora teria que se submeter às regras comerciais (p.ex. entrar e vencer leilões) e aos critérios de despacho de carga centralizado do Brasil. A quarta possibilidade é a comercialização de excedentes de energia nos moldes do comércio que o Brasil já vem praticando, ainda que de forma esporádica, com Argentina e Uruguai. Trata-se de vender e comprar energia excedente por meio de contratos de curta duração, que possam ser firmados sem uma harmonização regulatória profunda entre os modelos comerciais dos países envolvidos. Neste tipo de comércio, cada país busca garantir a segurança do abastecimento de seu próprio mercado, podendo contar adicionalmente com excedentes dos países vizinhos e alternativamente, contando com a opção de vender excedentes de energia. Esta vertente da integração tem grande possibilidade de expansão, sobretudo nos países com os quais o Brasil já possui interconexão. Provavelmente o Brasil ocuparia mais frequentemente uma posição de exportador do que de importador, dadas as assimetrias de escala com os países vizinhos e, sobretudo, às características do modelo brasileiro, onde pode existir ociosidade de energia térmica e, ocasionalmente, sobra de energia hídrica. Para tanto, deve-se trabalhar na direção de criar um marco legal, institucional, regulatório e comercial que dê segurança jurídica e financeira às transações e facilite o comércio internacional rotineiro de energia. 204 Anexo Projetos de Integração Elétrica Internacional do Brasil 1 - Central Hidroelétrica Binacional de Itaipu: Paraguai - Brasil A integração elétrica entre Brasil e o Paraguai por meio da construção da Binacional Itaipu teve como objetivo inicial a solução de um impasse criado pelo questionamento da marcação da fronteira entre Brasil e Paraguai próxima ao complexo de cachoeiras de Sete Quedas no rio Paraná. O chamado Salto de Sete Quedas era apenas uma atração turística brasileira e seu potencial hidroelétrico nunca tinha sido suficientemente estudado até 1950, nem fazia parte do planejamento energético do Brasil. A solução para o impasse diplomático foi dada pelo aproveitamento do potencial hidroelétrico. Neste sentido, foi assinada a Ata do Iguaçu em junho de 1966, com o objetivo de realizar estudos e levantamentos das possibilidades econômicas dos recursos hidrelétricos pertencentes em condomínio aos dois países. O marco legal que permitiu a construção da usina foi o Tratado de Itaipu de 1973, que criou uma entidade denominada Itaipu Binacional, cuja finalidade era construir e operar o aproveitamento hidroelétrico da região. Curiosamente, este ano coincidiu com a primeira crise do petróleo cujos desdobramentos vieram a dar mais importância estratégica a este empreendimento. Por outro lado, a construção de Itaipu veio consolidar e reafirmar a opção brasileira pela produção de energia por fonte hidráulica, representando à época em que foi projetada em um incremento de aproximadamente 50% de toda a capacidade instalada brasileira. A entidade Itaipu Binacional é constituída com igual participação no capital pela empresa estatal Eletrobrás, por parte do Brasil, e pela estatal Ande, por parte do Paraguai. A central tem capacidade instalada de 14.000 MW, sendo que as duas primeiras unidades geradoras entraram em operação em 1984 e as últimas unidades em 2007. Com as 20 unidades geradoras em atividade e o Rio Paraná em condições favoráveis, com chuvas em níveis normais em toda a bacia, a geração pode chegar a 100 terawats-hora por ano. O investimento foi de aproximadamente US$ 30 bilhões (ITAIPU BINACIONAL, 2015 b). 205 Pelo Tratado de Itaipu, a energia produzida pelo aproveitamento hidrelétrico de Itaipu deve ser dividida em partes iguais entre os dois países, sendo reconhecido a cada um deles o direito inalienável de aquisição da energia não utilizada pelo outro país para seu próprio consumo, não sendo assim permitida a venda de excedentes de energia para outros países. O Brasil se comprometeu a comprar toda a energia não consumida pelo Paraguai, o que permitiu garantir receitas para toda a energia produzida. Dadas as assimetrias econômicas entre Brasil e Paraguai, o Brasil consome mais de 80% da energia produzida pela usina de Itaipu. Mais recentemente, o governo do Paraguai tem procurado negociar a eliminação da cláusula que obriga uma das partes a ceder toda a sua produção excedente a preço de custo ao outro parceiro. O Paraguai pleiteia a possibilidade de vender o excedente a outros países que estariam dispostos a pagar preços mais próximos do mercado internacional e/ou de vender diretamente ao mercado livre de energia brasileiro e não à Eletrobrás (que vende exclusivamente ao mercado cativo). Como resultado destas negociações, em 2011 o governo brasileiro triplicou o valor das compensações pagas ao Paraguai pela cessão ao Brasil do excedente de sua energia gerada. As compensações passaram de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões por ano. Vale assinalar que a engenharia financeira que viabilizou a construção da usina de Itaipu Binacional tinha por objetivo central garantir a viabilidade financeira do projeto. Assim, o desenho comercial adotado na época garante o consumo total da produção e a tarifa cobrada permite arrecadar recursos suficientes para a operação da central e para o pagamento do serviço da dívida. Neste sentido, adotou-se uma tarifa definida pelo custo do serviço em regime de caixa. Somente em 2023 as dívidas estarão pagas e assim os custos do empreendimento serão totalmente amortizados (DORADO, 2014). Adicionalmente, o próprio Tratado de Itaipu estabelece que em 2023 é preciso renegociar as bases financeiras e comerciais do usina, devendo se renegociar o Anexo C do Tratado. 2 – Conversora de Garabi e CTE AES Uruguaiana: Argentina - Brasil As primeiras tentativas de integração elétrica entre Brasil e Argentina ocorreram no início da década de 1970, com a intenção da construção do 206 aproveitamento hidrelétrico binacional em Garabi semelhante às experiências das binacionais de Itaipu, entre Brasil e Paraguai, e Yacyretá, entre Argentina e Paraguai. O aproveitamento de Garabi, de acordo com o projeto original, seria uma usina de 1800 MW, situada próxima das localidades homônimas de Garruchos, na Argentina e no Brasil. Os estudos se prolongaram durante a década de 1970 e o estudo de viabilidade do projeto de Garabi foi concluído em 1977. No entanto, as dificuldades pelas quais passaram o setor de energia elétrica dos dois países na década de 1980 e a implantação das reformas liberais da década de 1990 impediram o prosseguimento do projeto. Contudo, no final da década de 2000 foi retomado o projeto de geração binacional entre o Brasil e a Argentina, sendo que em 2008 a Eletrobrás e a Ebisa assinaram o Convênio de Cooperação para a execução conjunta de estudos de inventário no rio Uruguai, e posteriormente, em 2012, contratou-se um consórcio responsável por realizar os estudos ambientais e de engenharia. (ELETROBRAS, 2010). Em paralelo à hidrelétrica de Garabi, estudos de intercâmbio de energia entre os sistemas elétricos dos dois países, realizados no final da década de 1980 e início da década de 1990, consideraram a possibilidade de se instalar uma subestação conversora de frequência em Garabi, independente da construção da hidroelétrica. Em abril de 1996 foi assinado o Protocolo de Intenções sobre Cooperação e Interconexão Energética entre os dois países. Sob influência deste Protocolo, ganhou impulso a construção da conversora de frequência de Garabi. O objetivo central era a exportação de energia firme ao Brasil com base na geração térmica de energia a partir do gás natural da Argentina. Em junho de 2000, a conversora de Garabi foi inaugurada. Com a interligação entre os dois sistemas, abriu-se a possibilidade de fluxo de energia da Argentina para o Brasil através do seu sistema de transmissão associado de 500kV. A importação era feita pela empresa CIEN em diversos contratos que somavam um total de 2.100MW de energia firme. Em dezembro de 2000 também foi iniciada a operação da central termelétrica (CTE) de Uruguaiana, operada com gás natural proveniente da Argentina. A CTE foi concebida para ser do tipo base load, ou seja, operar na base do sistema e ser despachada a maior parte do tempo. O suprimento de gás proveniente da Argentina era realizado mediante um contrato entre as empresas privadas AES Uruguaiana do Brasil e a empresa argentina Repsol/YPF. 207 A base do contrato comercial entre as duas empresas privadas estava assentada na premissa de oferta firme do gás argentino. No entanto esta premissa não se manteve, em função da crise de abastecimento de gás na Argentina a partir de 2004. Inicialmente essas falhas ocorriam somente no inverno, mas o problema se agravou progressivamente até chegar à interrupção total em 2009, levando à parada da CTE e obrigando o término antecipado dos contratos da AES Uruguaiana com as distribuidoras de energia elétrica brasileiras. Em 2008, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) revisou para zero a energia dos contratos da AES Uruguaiana, permitindo que as distribuidoras contratassem energia em regime especial para cobrir o déficit em seus portfólios de contratos. As dificuldades de abastecimento de gás atingiram também o contrato de importação de energia via CIEN, que era modelada no sistema elétrico brasileiro como uma geradora térmica na fronteira, com capacidade de suprimento de energia de 2.100MW e operando com 100% de disponibilidade. Em suma, as consequências da indisponibilidade de gás para a térmica de Uruguaiana e da energia associada ao contrato da CIEN representaram uma redução de mais de 2.500MW de energia firme para o sistema elétrico brasileiro. Esta perda fez com que o governo brasileiro passasse a adotar com requisito básico para a comercialização internacional de energia elétrica a assinatura de tratados internacionais aprovados pelos respectivos Congressos a fim de garantir segurança jurídica e de suprimento. Esta nova postura do governo brasileiro foi adotada para os projetos de integração energética com o Peru. Em compensação, a conversora de Garabi tem sido utilizada, de forma esporádica, no sentido inverso do que foi projetado: para exportação de energia interrompível do Brasil para Argentina em função da crise energética endêmica que este país enfrenta. 3 – Conversora de Rivera: Uruguai - Brasil Em 1993, foram desenvolvidas negociações entre Brasil e Uruguai com a finalidade de viabilizar projetos de interconexões elétricas que permitissem o melhor aproveitamento e intercâmbio dos recursos energéticos de ambos os 208 países. Em setembro de 1994 foi assinado na cidade de Nova York o Protocolo ao Tratado de Amizade, Cooperação e Comércio entre o Brasil e Uruguai para a Interconexão Elétrica. Este protocolo previa em seu Artigo II a constituição de um Grupo de Trabalho Binacional para a realização de estudos necessários para a interconexão e intercâmbio de energia, efetuar análises sobre as formas de comercialização e dos marcos jurídicos de referência para regulamentar as relações comerciais concernentes ao intercâmbio de energia elétrica. Em maio de 1997 foi assinado o Memorando de Entendimento entre o Governo do Brasil e do Uruguai sobre Interconexão em Extra-Alta Tensão entre os sistemas elétricos dos dois países. Como resultado destas negociações, em 2001 entrou em operação a conversora de Rivera, mediante acordo entre a empresa estatal Administración Nacional de Usinas y Transmisiones Elétricas - UTE e a Eletrosul subsidiária da Eletrobrás, com capacidade nominal de 70 MW, localizada em território uruguaio e interligada à subestação Santana do Livramento 2 no estado do Rio Grande do Sul. Esta estação conversora de frequência é de propriedade da UTE, tendo sido utilizada para atendimentos emergenciais ao Brasil e ao Uruguai e oportunidades pontuais inclusive para exportação de energia para Argentina (ONS, 2015 c). A Eletrobrás é formalmente o agente de importação e exportação para esta interligação. A conversora de Rivera vem sendo utilizada com frequência, principalmente para atendimento das situações energéticas críticas na Argentina e no Uruguai. Para exportação de energia em caráter comercial são despachadas as centrais termoelétricas ociosas segundo os critérios de despacho de carga do operador nacional do sistema elétrico brasileiro – ONS. 4 – Linha de Transmissão de Guri a Roraima: Venezuela-Brasil A interligação Guri - Roraima (Venezuela-Brasil) foi construída com o intuito específico de melhorar a qualidade e o custo do atendimento da capital do estado de Boa Vista, capital do estado de Roraima. O estado de Roraima era e ainda é um sistema isolado, sem conexão ao Sistema Interligado Nacional (SIN).38 O sistema elétrico que atendia Boa Vista apresentava custos elevados na 38 A interligação do Sistema de Roraima ao SIN foi licitada em 2011. 209 medida em que era atendida por grupos geradores movidos a óleo combustível. Em 1997, foi assinado um contrato entre a Eletronorte, subsidiária da Eletrobrás e a Electrificación Del Caroní – EDELCA, empresa venezuelana, para a construção de sistema de transmissão de 676 km, sendo 485 km na Venezuela e 191 km no Brasil. Esta linha de transmissão permitiu conectar o complexo hidrelétrico de Guri - Macágua com a cidade de Boa Vista. O contrato garante a compra de energia ao longo de 20 anos, em montante contratado de 200 MW. O sistema entrou em operação em 2001, diminuindo os altos gastos com operação, manutenção e favorecendo o crescimento do mercado de energia elétrica, principalmente com a instalação de indústrias na região. Os investimentos foram orçados à época do contrato (1997) em cerca de US$185 milhões, sendo US$55 milhões no Brasil e US$130 milhões na Venezuela (SERRADOR, 2007). Como Roraima não está conectado ao Sistema Interligado Nacional, essa interligação é diferente dos outros projetos de integração elétrica. Trata-se de uma conexão a uma cidade do sistema isolado, com contrato de energia firme que vem sendo comercializada em bases seguras e benéficas para ambos os países. Somente em 2011 ocorreram problemas no abastecimento derivados diretamente da situação crítica dos reservatórios na Venezuela, mas que foram negociados dentro dos marcos do próprio contrato comercial. 5 – Central Térmica de Cuiabá: Bolívia - Brasil A Central Termelétrica Governador Mário Covas (CTE de Cuiabá) está localizada no Estado do Mato Grosso e é movida a gás natural, podendo também operar a óleo diesel, como ocorreu durante a crise do racionamento de 2001-02. Esta planta representou investimento de aproximadamente US$ 750 milhões e tem capacidade de gerar 480MW. A central faz parte do chamado “Projeto Integrado Cuiabá”, que começou a ser concebido em 1996, quando Mato Grosso ainda era um estado deficitário de energia elétrica. Em 1997, a Eletrobrás publicou uma licitação internacional na modalidade de menor preço que foi ganha pela Empresa Produtora de Energia ou Pantanal Energia, como ficou conhecida, tendo oferecido o menor preço para fornecimento de energia elétrica entre todos os participantes. Em junho de 2007, CTE de Cuiabá paralisou a geração de energia devido à redução do fornecimento de gás natural pela estatal boliviana YPFB. 210 As justificativas inicialmente apresentadas foram baseadas nas dificuldades de operação que começaram com o processo de nacionalização das reservas de gás boliviano e culminaram com a suspensão dos contratos existentes entre a operadora da térmica – a Pantanal Energia – e uma produtora privada de gás na Bolívia, a YPF – Repsol, posteriormente privatizada. O argumento do governo boliviano foi de que o contrato de fornecimento de gás natural se dava a preços extremamente baixos, considerados prejudiciais aos interesses do país. Sem o insumo em volumes e frequências ideais para manter a operação, a CTE parou de gerar energia em 2007. Em março de 2011, após acordo firmado entre o governo da Bolívia, Petrobras e a Pantanal Energia, a CTE voltou a funcionar. Para viabilizar o contrato, a Petrobras arrendou a CTE da Pantanal Energia ficando com a responsabilidade de fornecer parte do gás que recebe do país vizinho para a unidade mato-grossense (2,2 milhões de metros cúbicos) e sendo responsável direta pela venda da energia elétrica. A Pantanal Energia passou a ser apenas prestadora de serviço da Petrobras, ficando responsável pela parte operacional da central elétrica. Bibliografia ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). (2015 a). Editais de Geração. Site Institucional. Brasilia, Brasil: Agencia Nacional de Energia Elétrica. Disponível em: http://www.aneel.gov.br/area.cfm?idArea=53 Acesso em 1 de agosto de 2015. ANEEL (Agenência Nacional de Energia Elétrica). (2015 b). Capacidade de Geração do Brasil. Banco de Informações de Geração. Brasilia, Brasil: Agência Nacional de Energia Elétrica. Disponível em: http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/ capacidadebrasil/capacidadebrasil.cfm Acesso em 1 de agosto 2015. BRASIL, PERU. 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Novo Modelo do Setor Elétrico Brasileiro. Brasilia, Brasil: Synergia. 215 Integração Energética na América do Sul: Experiências, Possíveis Benefícios, Riscos e Desafios1 Ricardo Raineri2 Resumo Conforme a demanda mundial de energia cresce, de acordo com a expectativa de aumento de, pelo menos, 30% até 2040, a pressão para o desenvolvimento sustentável e para o uso de fontes mais limpas de energia irá aumentar. A Região da América Latina e Caribe (ALC) possui fontes abundantes de energia, com grandes complementaridades, que são suficientes para enfrentar suas próprias necessidades energéticas, bem como contribuir com as necessidades energéticas de outras regiões. Entretanto, a falta de integração energética na ALC está no topo de grandes benefícios econômicos, sociais e ambientais que podem beneficiar os países da região. A principal demanda de energia da ALC deve crescer 80% e a de eletricidade deve aumentar 90%. Neste capítulo, reviso as tendências de demanda global e regional de energia, destacando a maior pressão que os países enfrentarão para um desenvolvi1 O presente documento é uma sequência das apresentações que fiz em duas Conferências. A primeira “Acesso ao Mercado Global de Energia para Avançar a Segurança Energética: O Caso Latino-Americano”, painel “Plausibilidade da Integração Energética Política e Segurança Energética”, palestrante, Fundação Konrad Adenauer (KAS), por meio de seu Programa Regional de Segurança Energética e Mudanças Climáticas (EKLA), Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e Instituto de Estudios Internacionales (IDEI) Pontificia Universidad Católica de Perú. Setembro de 2016, Lima - Peru; e o segundo “Integração e segurança elétrica na América Latina”, painel “Integração dos Mercados Elétricos na Europa e América Latina: desafios e avanços”, palestrante, Fundação Konrad Adenauer (KAS), por meio de seu Programa Regional Segurança Energética e Mudanças Climáticas na América Latina (EKLA) e Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/ UFRJ), agosto de 2016, Rio de Janeiro - Brasil. 2 Professor, Pontificia Universidad Católica de Chile Presidente Eleito em 2016 e Presidente 2017 IAEE Associação Internacional de Economia da Energia Ex-Ministro da Energia do Chile e Presidente do Conselho Chileno da Estatal de Petróleo Ex-Diretor-Executivo Alternativo do Grupo Banco Mundial 216 mento mais sustentável. Qual a posição da ALC hoje em integração energética, quais histórias de sucesso e falhas a região possui e identificação dos possíveis benefícios acumulados com maiores níveis de integração energética na região. Ademais, os aspectos políticos da integração energética, os problemas de risco e confiança e a segurança energética serão explorados. Além disso, a existência de um consenso regional sobre se a integração energética melhoraria a Segurança energética na América Latina, quais são os principais desafios da convergência/harmonização regulatória para avançar a integração energética e quais são os requisitos para uma agenda positiva da integração energética são discutidos. Por fim, a conclusão destaca os principais problemas para avançar a integração energética na ALC, onde o principal desafio é a confiança e uma visão unificada de que a integração energética trará grandes benefícios para toda a região. Demanda Mundial de Energia De acordo com o Cenário de Novas Políticas da Agência Internacional de Energia (IEA), a demanda mundial de energia deve aumentar de 13.559 Mtoe, em 2013, para 17.934 Mtoe, em 20403, representando um aumento de 32% no consumo de energia. A participação de combustíveis fósseis (CF) no consumo de energia primária deve permanecer alta, porém deve ser reduzida de 81%, em 2013, para 75%, em 2040, conforme apresentado na Figura 1, que demostra as projeções de demanda de energia primária da IEA até 2040, sob os diferentes cenários utilizados em seu WEO 20154. CF, em termos absolutos (Mtoe), irá aumentar além de sua menor participação 3 O Cenário de Novas Políticas em WEO-2015 leva em consideração as políticas e medidas de implementação que afetam os mercados de energia adotados em meados de 2015 (bem como os componentes relacionados à energia de compromissos climáticos no período de preparação para a COP21, enviados em 1 de outubro), juntamente com as intenções políticas relevantes declaradas, embora medidas específicas necessárias para implementá-las podem não ter sido adotadas. O Cenário de Políticas Atual leva em consideração apenas as políticas promulgadas a partir de meados de 2015. O Cenário 450 descreve um caminho para o objetivo climático de 2 °C, que pode ser alcançado por meio da promoção de tecnologias que estarão disponíveis em breve em escala comercial. Em um contexto de incerteza sobre o crescimento econômico e um desequilíbrio persistente do mercado de petróleo, um Cenário de Baixa dos Preços de Petróleo explora as implicações de preços mais baixos sustentados no sistema mundial de energia. 4 Perspectiva Econômica Mundial, Agência Internacional de Energia 2015. 217 no mix de energia primária, assim poderíamos esperar um aumento ainda maior na emissão de CO2 ao longo das próximas décadas. Devemos destacar que o aumento de 32% no consumo de energia primária esperado pela IEA no Cenário de Novas Políticas considera grandes investimentos realizados em eficiência energética para aumentar uma pequena taxa de crescimento no consumo de energia primária. A IEA estima que $48 trilhões em investimentos serão necessários para enfrentar as necessidades de energia até 2035, a fim de satisfazer as novas necessidades de demanda energética, bem como para substituir a infraestrutura de energia obsoleta e CF esgotado, onde 18% de todo o investimento deve ser voltado a eficiência energética (EE). Como sensibilidade dos cenários analisados pela IEA em relação à demanda futura de energia primária, a Figura 3 compara as projeções de Demanda de Energia Primária do Petróleo Britânico (BP), a IEA e um Cenário de Negócios Atual (denominado Projeção) onde projetei a demanda futura estimada de energia primária com base na taxa de crescimento da demanda de energia primária dos últimos 10 anos. Em comparação com o BP, as projeções da demanda de energia primária da IEA com o Cenário de Negócios Atual, podemos observar que a IEA e o BP realizaram projeções de taxa de crescimento mais conservadoras do crescimento da demanda de energia primária em relação ao que aconteceu na última década. Carvão Petróleo Gás Nuclear Hidro Bioenergia* Cenário 450 Figura 1: Demanda mundial de energia primária por combustível e cenário, e parcela de CF Mtoe, Fonte de dados WEO 2015 * Inclui o uso tradicional de biomassa sólida e o uso moderno de bioenergia. 218 Gás Natural Carvão Nuclear Projeção Projeção Projeção Projeção Óleo Hidro Outros Renováveis Figura 2: Projeções de Demanda de Energia Primária BAU, BP, EIA Fonte: Projeção baseada nos dados do BP e IEA. Cenários de Políticas Atuais Cenário de Novas Políticas Cenário 450 OCDE Não OCDE Figura 3: Demanda mundial de energia primária por cenário (Mtoe) Fonte de dados WEO 2015 ** Exclui bunkers internacionais. 219 Futuramente, grande parte do aumento no consumo de energia primária deve ocorrer nos países em desenvolvimento, países não membros da OCDE (Figura 3), impulsionado pelo crescimento populacional e econômico. Conforme o mundo em desenvolvimento melhora as condições de vida de sua população e seus países se tornam mais produtivos e industrializados, a demanda de energia primária deve aumentar. Em 2015, a população mundial alcançou 7.349 bilhões de pessoas e deverá alcançar 8.501 bilhões em 2030 e 9.725 bilhões em 2050, onde, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU) (Tabela 1), o maior aumento no número de pessoas deve acontecer na África e na Ásia.5 O consumo de energia do mundo em desenvolvimento deve aumentar sua parcela no consumo mundial de energia de 60%, em 2013, para 70%, em 2040, de acordo com o Cenário de Novas Políticas da IEA, sendo que esse número foi de apenas 46%, em 2000, e 42%, em 1990. No mundo em desenvolvimento, o maior aumento no consumo de energia deve ocorrer na China, Índia e restante da Ásia, conforme ilustrado nas Figuras 4 e 5. Tabela 1: População mundial e principais áreas, 2015, 2030, 2050 e 2100, De acordo com a projeção de variante média População da área principal (milhões) 2015 2030 2050 2100 Mundial 7.349 8.501 9.725 11.213 África 1.186 1.679 2.478 4.387 Ásia 4.393 4.923 5.267 4.889 Europa 738 734 707 646 América Latina e Caribe 634 721 784 721 América do Norte 358 396 433 500 Oceania 39 47 57 71 Fonte: Departamento das Nações Unidas para Assuntos Econômicos e Sociais, Divisão de População (2015). Perspectivas da População Mundial: Revisão de 2015. Nova York: Organização das Nações Unidas. 5 Fonte: Departamento das Nações Unidas para Assuntos Econômicos e Sociais, Divisão de População (2015). Perspectivas da População Mundial: Revisão de 2015. Nova York: Organização das Nações Unidas. 220 Europa E./Eurásia Ásia Oriente Médio África América Latina Figura 4: Demanda de energia primária nos países em desenvolvimento no Cenário de Novas Políticas (Mtoe) Fonte de dados WEO 2015 China Índia Sudeste Asiático Ásia Figura 5: Demanda de energia primária nos países em desenvolvimento da Ásia no Cenário de Novas Políticas (Mtoe) Fonte de dados WEO 2015 Demanda de Energia da ALC Com o boom de recursos naturais na última década, a ALC alcançou um sucesso importante em termos de crescimento econômico e redução de seus níveis de pobreza. Com uma população de 643 milhões, a ALC espera mais 100 milhões até 2030, onde o percentual de pessoas vivendo em condições de pobreza diminuiu de 42,8% para 23,3% da população entre os anos 2000 221 e 20156 e o percentual de pessoas na classe média aumentou de 21,2% para 35%. Contudo, além dessa conquista, a ALC ainda possui 150 milhões de pessoas vivendo em condições de pobreza, dentre as quais 22 milhões (3,5%) não possui eletricidade e 80 milhões (13%) não possui acesso a instalações modernas de cozinha. O consumo de energia primária da ALC representa 6,7% do consumo de energia mundial, ou 884Mtoe de acordo com os dados do BP, e aumentou 103% nos últimos 25 anos ou a uma taxa anual de 2,87%. O consumo de energia da ALC deve alcançar 1.531 Mtoe até 2040, um aumento de mais de 80%, com uma taxa de crescimento anual de 2,2% (Figura 6 e Tabela 2)7. Conforme demonstrado por essa estimativa, o grande aumento na demanda de energia exigirá enormes investimentos na infraestrutura de energia, bem como em prospecção, exploração e extração de fontes atuais e novas de energia. Argentina Brasil Chile Colômbia México Venezuela Outros ALC Figura 6: Cenário de Uso Total da Energia 2040 (Mtoe) Fonte: Lights On? Energy needs in Latin America and the Caribbean to 2040. Lenin H. Balza, Ramón Espinasa, Tomas Serebrisky. IADB 2014. 6 A linha de pobreza da ALC definida em US$ 4 (PPP 2005) é uma linha mais rigorosa do que a atual US$ 1,9 (PPP 2011) utilizada pelo Grupo Banco Mundial para contar o número de pessoas pobres em todo o mundo, onde, com o limite de US$ 1,9 em 1990 tínhamos 36,9% da população mundial, ou 1,95 bilhão de pessoas vivendo na pobreza, número que foi reduzido para 10,7% ou 770 milhões de pessoas em 2013. 7 Os cálculos com estimativas do BP projetam uma taxa de crescimento anual de 1,8% do consumo de energia primária para a América Central e do Sul, e 2,1% para a ALC, e o IDB estima que o consumo de energia primária irá crescer a uma taxa anual de 2,2% para a vasta região da América Latina, com um aumento da demanda de energia primária de, pelo menos, 80% em 2040 em relação aos dias de hoje. Sigo a taxa de crescimento anual do IDB de 2,2%, que está mais alinhada ao que aconteceu com o consumo de energia primária na ALC desde 2000, que cresceu a uma média anual de 2,46%. 222 Tabela 2: Cenário de Uso Total da Energia para 2040 (Mtoe) 2013 2040 Crescimento CAGR Argentina 81 123 51,9% 1,56% Brasil 294 577 96,3% 2,53% Chile 39 99 153,8% 3,51% Colômbia 32 67 109,4% 2,77% México 191 400 109,4% 2,78% Venezuela 69 104 50,7% 1,53% Outros 144 169 17,4% 0,59% ALC 850 1539 81,1% 2,22% Fonte: Lights On? Energy Needs in Latin America and the Caribbean to 2040. Lenin H. Balza, Ramón Espinasa, Tomas Serebrisky. IDB 2014. A demanda de eletricidade na ALC deve aumentar em 2,43%, de 1.552 TWh em 2013 para 2.970 TWh em 2040, o que implica um aumento de 90% (Figura 7 e Tabela 3). Regionalmente, o Brasil permanecerá próximo a 38% do consumo de energia na ALC e, considerando as cinco maiores economias da região, o maior percentual de demanda de energia deve ocorrer na Colômbia e no Chile, com taxas de crescimento anual de 3,37% e 3,29%, respectivamente. Embora, em termos absolutos, o Brasil deva ser responsável pelo maior aumento no consumo de energia, de 570 TWh em 2013 para 1.120 TWh em 2040, com um aumento de 550 TWh, que corresponde à expectativa de demanda de eletricidade no México até 2040. Argentina Brasil Chile Colômbia México Venezuela Outros ALC Figura 7: Necessidades de Eletricidade Até 2040 (TWh) 223 Tabela 3: Necessidades de Eletricidade até 2040 (TWh) 2013 2040 Crescimento CAGR Argentina 139 213 53,2% 1,59% Brasil 570 1120 96,5% 2,53% Chile 73 175 139,7% 3,29% Colômbia 65 159 144,6% 3,37% México 297 556 87,2% 2,35% Venezuela 118 191 61,9% 1,80% Outros 290 556 91,7% 2,44% ALC 1552 2970 91,4% 2,43% Fonte: Lights On? Energy Needs in Latin America and the Caribbean to 2040. Lenin H. Balza, Ramón Espinasa, Tomas Serebrisky. IDB 2014. O consumo de energia per capita na ALC é, em média, 1/3 da União Europeia, ¼ dos membros da OCDE e menos de 1/6 nos EUA (Figura 8). E, conforme a região melhora ainda mais o padrão de vida de sua população, o número de pessoas vivendo na pobreza diminui mais e o número de pessoas que entra na classe média aumenta mais, o tamanho das economias regionais aumenta e se torna mais produtivo, devemos esperar que a demanda de energia aumente e chegue o mais próximo dos níveis per capita de consumo de energia que observamos em economias mais avançadas. Além disso, e exceto para os países com maior desvantagem na região, como o Haiti, a região possui a oportunidade de alcançar acesso universal à energia se os governos e o setor privado se comprometerem seriamente e envidarem esforços para atingirem suas necessidades (Figura 9). Em grande parte dos países da ALC, as taxas de eletrificação estão acima de 90% e, em muitos, acima de 97%, nos quais as maiores lacunas permanecem nas áreas rurais. 224 Brasil Costa Rica Taxa de eletrificação nacional % Cuba República Dominicana Equador El Salvador Guatemala Haiti Honduras Jamaica Taxa de eletrificação urbana % Figura 9: Acesso à eletricidade na América Latina - 2013 Colômbia Nicarágua Panamá Paraguai Peru Trinidad e Tobago Uruguai Venezuela Outros América Latina América Latina 22 milhões sem eletricidade na América Latina Bolívia Figura 8: Consumo de energia elétrica 2013 (KWh per capita, fonte WBG) Argentina Guatemala Nicarágua Bolívia Honduras El Salvador Colômbia Peru Equador Paraguai Costa Rica Panamá México América Latina e Caribe Brasil Uruguai Argentina Mundo Venezuela, RB Chile União Europeia Zona do Euro Membros da OCDE Estados Unidos Canadá 225 Conforme a população na ALC e o mundo continuam a crescer e as condições de vida das pessoas melhoram, testemunharemos uma crescente pressão sobre os mercados e recursos energéticos regional e no mundo. Há um enorme apetite por energia, e a economia moderna é viciada em energia. Para lidar com essa demanda maior globalmente, regionalmente e localmente, a exploração de fontes de energia locais será essencial, onde a inovação será fundamental para descobrir novas fontes de energia e para usar a energia de forma mais eficiente. Recursos da ALC Como a ALC pode lidar com esse grande aumento esperado na demanda de energia? A ALC possui recursos suficientes para satisfazer suas próprias necessidades de energia, bem como para contribuir com as necessidades de energia de outras regiões. Há CF em abundância e seu potencial para fontes renováveis como hidro, eólica, solar, geotérmica, biocombustíveis e biomassa, e energia das ondas e marés é enorme. Se esses recursos forem utilizados de forma inteligente, eficiente e sustentável, a ALC terá grandes chances de desenvolver um dos sistemas de energia mais eficientes, limpos e sustentáveis do mundo. Combustíveis Fósseis da ALC A região tem 22% das reservas comprovadas de petróleo do mundo, dos quais 20% das reservas mundiais está localizado na Venezuela e grande parte dos 2% restantes no Brasil, México e Equador (Tabela 4). Nos níveis atuais de consumo, a região possui reservas de petróleo suficientes para satisfazer seu consumo de petróleo por 100 anos e, como região, tem atuado como exportadora de petróleo, sendo que exportou mais de 12% de sua produção em 2015. Sobre petróleo não convencional, a Administração de Informação de Energia dos EUA (EIA) estima que a ALC possui 18% do Gás de Folhelo (Xisto) tecnicamente recuperável, dos quais 7% encontra-se na Argentina, 4% na Colômbia e Venezuela, na bacia de Maracaibo e 3% no México. Além 226 disso, devemos considerar as descobertas do Pré-Sal no Brasil, que acrescenta aproximadamente 13,3 bilhões de barris de reservas comercialmente recuperáveis de projetos anunciados em offshore no Brasil. Tabela 4:Total de Reservas Comprovadas de Petróleo na OIL em % Mundial Total RC de Petróleo na ALC em % Mundial 21,95% Venezuela 19,62% Brasil 0,79% México 0,62% Equador 0,49% Argentina 0,14% Colômbia 0,14% Outros ALC 0,14% Fonte: BP 2016 Em relação ao Gás Natural, a ALC possui 4,2% de reservas comprovadas (Tabela 5), que nos níveis regionais atuais de consumo poderia durar quase 40 anos. E, a partir de 2015, a região foi a importadora líquida de GN, importando 10,4% de seu consumo. A região também possui recursos importantes de gás de folhelo e a EIA descobriu um grande potencial, calculando que a região possua 22% do gás de folhelo atualmente estimado em um total de 95 grandes bacias em 42 países ao redor do mundo, dos quais a Argentina possui 9%, o México 6% e o Brasil 3%. Tabela 5: Reservas Comprovadas de Gás Natural em % de RC Mundial RC de Gás Natural em % de RC Mundial 4,3% Venezuela 3,0% México 0,2% Brasil 0,2% Trinidad e Tobago 0,2% Peru 0,2% Argentina 0,2% Outros ALC 0,3% Fonte: BP 2016 227 Em relação ao Carvão, a região possui reservas mais modestas em comparação com as reservas mundiais, representando 1,7% das reservas mundiais de carvão. Contudo, nos níveis atuais de consumo regional, elas poderiam durar mais de 150 anos. Além das reservas regionais mais modestas de carvão, a ALC foi uma exportadora líquida de carvão com 27% de sua produção em 2015. Renováveis da ALC A ALC possui uma das matrizes de eletricidade e energia primária mais renováveis do mundo. A parcela da ALC de energias renováveis (ER) no mix de energia primária foi de 21,2% em 2015 vs. 9,6% mundial (sem contar o uso de biomassa tradicional para cozinhar e para aquecimento, que acrescentaria 10% ao mix de energia primária da ALC e 5% no mundo todo). Em relação à geração de eletricidade, a proporção de ER na ALC é de 55%, dos quais 49% correspondem a grandes centrais hidrelétricas em comparação com 11% da média mundial. Em termos de potencial de energia renovável regional, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estima que a ALC possui um potencial de energia renovável não convencional (NCRE) para eletricidade que pode lidar 22 vezes mais com a demanda esperada de eletricidade em 2050.8 O BID avalia o potencial de eletricidade da região de NCRE, além de pequenas e grandes centrais hidrelétricas, em 78PWh, dos quais o PV solar é de 46%, CSP solar 21%, eólica 16%, marinha 11%, geotérmica 4% e resíduos de biomassa 2%, potencial energético que é suficiente para satisfazer uma demanda de energia 22 vezes maior que aquela esperada em 2050 para a ALC, de 3,5PWh. Além disso, devemos enfatizar o grande potencial de biocombustíveis da região. Hoje, o Brasil é o segundo maior produtor de etanol e biodiesel, o biocombustível utilizado com uma mistura de etanol mínima obrigatória na gasolina regular de 25% a 27%,9 mas que pode chegar a 100% 8 IADB 2013. 9 Em meados de março de 2015, o governo aumentou temporariamente a mistura de etanol na gasolina regular de 25% a 27%. Em termos de equivalente de energia, o etanol da cana de açúcar representou 17,6% do consumo de energia total do país no setor de transportes em 2008. Empresa de Pesquisa Energética (2009). “Balanço Energético Nacional 2009: Ano base 2008”. Ministério de Minas e Energia do Brasil. 228 se os motoristas brasileiros desejarem utilizar 100% sobre o combustível obtido da cana de açúcar. Em relação à energia hidrelétrica, a ALC desenvolveu apenas 1/3 do potencial hidrelétrico regional, estimado em 320 GW (Tabela 6).10 Junto a esse grande potencial hidrelétrico subdesenvolvido na ALC, as diferentes regiões apresentam grandes complementaridades nas estações chuvosas, sob as condições de Niño e Niña no Pacífico (El Niño - Oscilação Sul -ENOS-) A condição Niño implica muita chuva na região sul da América do Sul (AS) e no leste da América Central, bem como implica grande seca ou falta de chuvas no norte da América do Sul e no oeste da América Central. Além disso, o El Niño/La Niña tem um impacto nas velocidades do vento e, no norte da América do Sul e na América Central, os ciclos gerais do El Niño (anos secos) pode prever condições de vento, que favorece o aumento na geração de energia eólica, enquanto nas regiões do sul da América do Sul pode acontecer o oposto. Dessa forma, esses padrões de chuvas e vento representam grandes complementaridades entre a capacidade de geração hidrelétrica no norte e no sul sob a condição de El Niño/La Niña, bem como grandes complementaridades entre a geração hidrelétrica e eólica. Tabela 6: Potencial Hidrelétrico da ALC Potencial hidrelétrico (MW) Cap. Teórica Bruta Cap. Tecnicamente Explorável Em Operação 2015 Capacidade MW Argentina 40.411 19.292 10.118 Bolívia 20.320 14.384 494 Brasil 347.032 142.694 91.650 Chile 25.913 18.493 6.622 114.155 19.292 228 22.831 15.297 114 11.392 2.297 119 Guiana 9.247 4.224 1 Paraguai 12.671 9.703 8.810 Colômbia Equador Guiana Francesa 10 Conselho Mundial de Energia SER 2010. 229 Tabela 6: Potencial Hidrelétrico da ALC Potencial hidrelétrico (MW) Cap. Teórica Bruta Cap. Tecnicamente Explorável Em Operação 2015 Capacidade MW Peru 180.023 45.091 4.190 Suriname Uruguai Venezuela Total América do Sul 4.452 3.653 83.447 860.845 1.484 1.142 29.795 324.543 189 1.538 15.393 152.813 Conselho Mundial de Energia SER 2010 e Relatório de Status Hidrelétrico 2016 da International Hydropower Association Ltd. Integração Energética Regional, Infraestrutura e Comércio de Energia11 A Figura 10 destaca a capacidade instalada de geração de energia dos países da AS em 2014 e o percentual que cada um deles representa na capacidade instalada da AS de quase 255GW. O Brasil se destaca como o país com a maior capacidade instalada de 134GW, que representa 50% da capacidade de geração de energia regional e é seguido pela Argentina (35GW), Venezuela (31GW) e Chile (20GW).12 A Figura 10 também destaca o pico da demanda em MW, bem como o mês em que ocorre o pico da demanda em cada país. Além das grandes diferenças existentes na capacidade instalada de geração de energia nos países, existem oportunidades de complementar sua capacidade instalada de geração de energia fornecendo suporte uns aos outros durante o pico da demanda, conforme já mencionamos, em diferentes condições de chuva e vento durante o El Niño e La Niña ou de exportações de energia de países ricos em recursos energéticos para países não tão ricos em recursos energéticos. 11 Para uma descrição mais detalhada das diferentes tentativas de integração energética na ALC, consulte o livro “Evolution of Global Electricity Markets: New paradigms, new challenges, new approaches” de Elsevier, editado por Fereidoon P. Sioshansi, Menlo Energy Economics, Capítulo 14: “Latin America Energy Integration: An Outstanding Dilemma”, de Ricardo Raineri, José Goñi, Isaac Dyner, Nivalde Castro,Yris Olaya e Carlos Franco, 2013. 12 A Guiana, a Guiana Francesa e o Suriname acrescentam cerca de 1,1 GW da capacidade instalada à matriz energética da América do Sul. 230 Janeiro – Outubro Fevereiro Novembro – Junho – Outubro – Dezembro Outubro – Dezembro Julho – n/d – Argentina – Bolívia – Brasil Chile SING Chile SIC Colômbia – Equador Paraguai – Peru Uruguai Venezuela Pico da Carga MW MW Inst. % de MW na Região Figura 10: América do Sul: Pico da carga, Cap. Inst. e % de Cap. Inst. Regional 2014 (MW) Fonte: CIER e MinEnergia Hoje, existem cerca de 20 linhas de interconexão de eletricidade fronteiriças na AS com algumas outras possíveis linhas em estudo ou consideração pelas respectivas autoridades. A maioria dessas linhas permite trocas de energia comerciais ou de conveniência, onde os países trocam excedentes para enfrentar déficits de energia de curto prazo ou como backup em caso de cortes de energia. Mas além disso, algumas das linhas foram utilizadas para exportar grandes blocos de eletricidade, conforme é feito nas linhas que vão do Paraguai, em sua parte na hidrelétrica de Itaipú até a cidade de São Paulo, que responde em grande parte às trocas de energia associadas aos projetos binacionais13. A Figura 11 mapeia as principais linhas de transmissão de eletricidade entre as fronteiras e as hidrelétricas binacionais, e a Tabela 7 lista as principais hidrelétricas binacionais na região, que foram construídas em rios binacionais. Além disso, a Tabela 7 lista algumas potenciais grandes hidrelétricas binacionais consideradas atualmente. 13 Itaipú, com uma capacidade instalada de 14GW continua sendo a segunda maior hidrelétrica do mundo, atrás da The Three Georges, na China, com 22,5GW de capacidade instalada. A hidrelétrica de Itaipú é dividida igualmente pelo Paraguai e Brasil. 231 [Frequência de Voltagem] Referências: Interconexão em operação Interconexão em construção Interconexão em consideração/estudo Hidrelétrica em operação Hidrelétrica em consideração/estudo Figura 11: Principais linhas de interconexão de eletricidade e hidrelétricas 2014 Cier, 2015 Tabela 7: Principais hidrelétricas 2014 Ref. País Nome Rio Inst. Cap. Comentário A Br -Pi Itaipú Paraná 14,000 MW Em operação B Ar -Ui Salto Grande Uruguai 1,890 MW Em operação C Ar - Pi Yacyretá Paraná 3,200 MW Em operação D Ar - Br Garabí Uruguay 1,500 MW Em estudo E Ar -Py Corpus Paraná 3,400 MW Fonte: CIER 2015 Em estudo 232 Para volumes de trocas de eletricidade dentro da AS, o Paraguai aparece como o maior exportador de eletricidade na região. Em 2014, o país exportou 75% da eletricidade que produziu para o Brasil e Argentina, o que foi principalmente explicado por seu excedente de energia nas hidrelétricas binacionais de Itaipú e Yacyretá (Figura 12.1 -2 e Tabela 8.1 -2). Além disso, o Uruguai surgiu como um exportador de eletricidade em 2014 devido aos grandes investimentos em renováveis e energia eólica que realizou, que criaram excedentes de energia e que estão sendo exportadas para a Argentina e para o Brasil, por meio da estação conversora Melo. Além do Paraguai, Uruguai e algumas trocas de eletricidade entre alguns países andinos, como um todo, as trocas de eletricidade em 2014 contabilizaram apenas 3,9% da eletricidade produzida na AS, um número pequeno se observarmos que 75% desse número corresponde às exportações paraguaias para o Brasil, dado seu grande excedente de energia na hidrelétrica de Itaipú. Exp. em % de geração total Imp. em % de geração total Argentina Brasil Colômbia Equador Paraguai Peru Uruguai Venezuela Figura 12.1: Troca de energia em % de geração local, 2012 (Fonte: Cier 2014) 233 Exp. em % de geração total Imp. em % de geração total Argentina Brasil Chile Colômbia Equador Paraguai Peru Uruguai Venezuela Figura 12.2: Troca de energia em % de geração local, 2014 (Fonte: Cier 2015) Tabela 8.1: Trocas de Energia Regionais GWh 2012 (Fonte CIER 2013) Argen- BraCoEquatina sil lômbia dor Argentina 79 Paraguai Peru 7,646 Brasil Uru- Vene- Total de guai zuela Imp. 194 40,016 Colômbia 7,919 705 7 Equador 236 40,721 7 2 238 Paraguai Peru Uruguai 5 279 463 Venezuela Total de Exp. 742 478 279 542 714 478 12 47,662 Total de geração de GWh na América do Sul Troca de Energia em % da geração total 234 5 2 194 705 50,110 1.083.766 4,6% Tabela 8.2: Trocas de Energia Regionais GWh 2014 (Fonte: Cier 2015) Argen- Bra- Chi- Co- Equa- ParaUru- Vene- Total de Peru tina sil le lômbia dor guai guai zuela Imp. Argentina 3 4 8.461 1.267 9.735 Brasil 1 32.939 839 33.779 Colômbia 20 20 Equador 718 13 731 Venezuela 28 28 Total de 1 3 4 746 20 41.400 13 1.267 839 44.293 Exp. Total de geração de GWh na América do Sul 1.141.144 Troca de Energia em % da geração total 3,9% A Figura 13 mapeia os principais gasodutos na América do Sul e a localização dos principais campos de gás. Deve-se enfatizar os gasodutos de GN da Bolívia para o Brasil, Bolívia para a Argentina, entre Venezuela e Colômbia e da Argentina para o Chile. A Bolívia é a maior exportadora de GN na AS e atualmente exporta GN para Argentina e Brasil. Para a economia boliviana, as exportações de GN são responsáveis por cerca de 50% das exportações totais do país e, em 2015, financiaram mais da metade do orçamento de seu governo. Além da relevância das exportações de GN boliviano para Argentina e Brasil, o lado ímpar das exportações de GN na AS é a falha na integração de GN entre a Argentina e o Chile, onde, após enormes investimentos de infraestrutura no final dos anos 90 e início dos anos 2000 para exportar GN da Argentina para o Chile, a crise econômica na Argentina que começou em 2002 levou a uma parada acentuada nas exportações de GN da Argentina, com custos sociais e econômicos profundos no Chile, que uma interrupção brusca em uma fonte de energia chave possui implícita para a economia.14,15 A velocidade que observamos em 1990 com a construção de diversos gasodutos internacionais, principalmente no Cone Sul, mudou para uma lentidão 14 No final da década de 90 e início de 2000 no Chile, foram realizados grandes investimentos em hidrelétricas, bem como indústrias e lares, que mudaram/adaptaram seus equipamentos/ sistemas para o uso de GN da Argentina. Vide Ricardo Raineri “Chronicle of a Crisis Foretold: Energy Sources in Chile”, Newsletter da IAEE, Newsletter da Associação Internacional de Economia da Energia, pág. 27-30, Quarto Trimestre 2007. 15 Em 24 de março de 2004, por meio da Resolução no 265 da Secretaria de Energia, o governo argentino decidiu suspender as exportações do excedente de gás natural, a fim de cumprir com a demanda interna. 235 após a crise argentina de 2002, quando ocorreu uma redução progressiva nas exportações de GN para o Chile. Apenas em 2010, um ímpeto renovado abriu novos diálogos para a integração energética avançada na AS, porém com a consciência de que deve ser um modelo de integração energética que não deve prejudicar a segurança e a independência energética, como aconteceu com o Chile em 1990. Figure 13: Major Gas Pipelines and Gas Fields, LAC 2014 Referências: Em operação ou existente Em construção Projeto Em estudo Campo de gás Cier, 2015 Figura 13: Principais Gasodutos e Campos de Gás, ALC 2014 236 A estrutura do comércio de GN na ALC, se comparada com a média da estrutura de comércio de GN mundial não é muito diferente. Em escala mundial, em 2015, 30,1% do consumo de GN foi servido por gasodutos internacionais (20,3%) e transportado como GNL (9,8%) e, na ALC, 28,7% do consumo de GN foi importado por duto ou como GNL. As importações de duto no consumo total de GN representam 18,7% e as importações de GNL no consumo total de GN representam 10,5% (Tabela 9). Portanto, conforme tem acontecido nos mercados mundiais onde o GNL está se tornando cada vez mais importante no mercado de GN, na ALC, o GNL também está se tornando cada vez mais importante no mercado de GN. E isso reflete uma tendência regional e mundial, onde os países buscam maior flexibilidade e maior diversificação dos fornecedores de GN em seu mix de energia. Tabela 9: Comércio de Gás em 2015 (bilhões de metros cúbicos) CONSUMO Mundial de Gás 3468,6 GNL 9,8% DUTO 20,3% Comércio total de gás GNL e Duto 30,1% CONSUMO de Gás na ALC 258,0 Gasodu- GNL GasoGNL to duto impor- impor- expor- exportações tações tações tações México 29,9 7,1 0,0 0,0 Trinidad e Tobago 0,0 0,0 0,0 17,0 Outro América do Sul e Central 18,5 20,0 18,5 5,0 Comércio Total na ALC 48,3 27,1 18,5 22,0 Importações de GNL na ALC/Consu10,5% mo de Gás na ALC Importações de DUTO na ALC/Con18,7% sumo de Gás na ALC Importações de GNL e DUTO na ALC/ 29,2% Consumo de Gás na ALC Fonte: Cálculos do autor com dados do BP. 237 Foram feitas muitas tentativas para avançar na integração energética na ALC, porém o sucesso tem sido modesto no geral. As iniciativas mais conhecidas são através do SIEPAC (Sistema de Interconexión Eléctrica de los Países de América Central), MERCOSUL, UNASUL, CAN (Colômbia - Equador, Equador - Peru) e os mais recentes SINEA conectados ao CAN (Sistema de Interconexión Eléctrica Andina - Electric Interconnection System of the Andean region). Além dessas iniciativas de integração multinacional, também temos os projetos binacionais, como Itaipú,Yacyretá e Salto Grande, que são projetos autônomos de integração energética com um acordo específico ou tratados regendo-os; e as iniciativas binacionais que fornecem trocas de energia comercial de conveniência por meio de linhas internacionais de energia, ou comércio de CF, como GN por meio de dutos internacionais. A integração energética mais avançada na ALC, como uma iniciativa multinacional de integração energética, é o SIEPAC na América Central, projeto lançado com o Tratado para o Mercado de Eletricidade na América Central e seu primeiro protocolo ratificado entre 1997 e 1998 pelos respectivos congressos da Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e Panamá, que criou os órgãos regionais para a operação e regulamentação do mercado regional de Eletricidade: Agência Regional de Operação (EOR) e a Comissão Regional de Interconexão de Eletricidade (CRIE), que respectivamente definiram a Empresa Proprietária da Rede (EPR) encarregada do desenvolvimento e operação do primeiro sistema de interconexão regional (infraestrutura SIEPAC). O componente de infraestrutura sob responsabilidade do EPR consistiu principalmente no design, engenharia e construção de aproximadamente 1.793 quilômetros de linhas de transmissão de 230 kV com torres capazes de ter um segundo circuito no futuro. Essas são conectadas a 15 subestações nos países, por meio de 28 conexões; a infraestrutura SIEPAC também incluiu equipamentos reativos de compensação. Essa infraestrutura inicial, junto com os reforços dos sistemas de transmissão nacionais, permitiu uma capacidade confiável e segura de transmissão de energia de 300 MW entre os países da região, que pode ser duplicada quando o segundo circuito é ativado.16 SINEA, conhecido como o Sistema Andino para Interconexão Elétrica, é uma iniciativa onde países como Peru, Colômbia, Equador e Chile buscam interconectar os quatro países, da Colômbia ao Chile, com uma linha de 500 16 238 Fonte EPRSIEPAC. kV. A Bolívia é uma observadora, porém uma candidata segura para unir-se à iniciativa. Esses quatro países atuaram em um esforço conjunto para alcançar uma interconexão regional. Até o momento, um estudo encomendado pelo SINEA, financiado pelo IADB e aprovado pelo CAN, estabeleceu um roteiro para uma interconexão na região que traria benefícios significativos. Para esse propósito, o Chile está participando como um país associado com o CAN em CANREL (Comitê Andino de Órgãos Regulatórios e Reguladores dos Serviços de Eletricidade), GOPLAN (Grupo Técnico de Planejadores de Organizações dos setores de eletricidade) e GTOR (Grupo Técnico dos Membros de Serviços Regulatórios de Eletricidade). Recentemente, o Peru e o Equador concordaram em concretizar a iniciativa que permitiria a transação e o trânsito de eletricidade nos países. Os principais desafios que deveriam ser solucionados estão relacionados aos requisitos regulatórios mínimos, que permitirão a construção da infraestrutura de energia necessária, onde os principais tópicos a serem revisados e priorizados são: • Operação de mercado de curto prazo, com o tratamento de despacho adequado da geração de energia; • Gestão dos aluguéis de congestão nas linhas de interconexão; • Conceptualização do tratamento da energia em trânsito, uma vez que cruza um país que não é o produtor ou consumidor dessa energia. Potenciais Benefícios da Integração Energética A ALC possui recursos de ER e CF abundantes, distribuídos de forma desigual, mas com grandes complementaridades com recursos suficientes para suas necessidades energéticas e para contribuir com as necessidades energéticas de outras regiões. Tecnicamente, a integração dos sistemas energéticos da ALC possui grande potencial para criar riquezas aos países, para os países ricos em energia que possuem excedentes de energia, bem como para aqueles que são menos ricos em energia e possuem déficit. Dentre os exportadores de energia, a integração energética cria empregos e impulsiona o crescimento econômico, mas também fornece fontes adicionais de receitas que podem ser utilizadas para melhorar a condição de vida das pessoas. Esse é o caso da Bolívia, onde mais da metade dos gastos do governo conta com as receitas 239 das exportações de gás natural para o Brasil e a Argentina. Ainda, a integração energética cria riqueza para os países que importam energia, uma vez que as importações de energia devem substituir fontes de energia mais caras ou ineficientes e menos limpas, melhorando a competitividade do país, impulsionando o crescimento econômico, reduzindo os custos de energia e com isso, desbloqueando os recursos que podem ser utilizados em outras necessidades da população no país importador. Por exemplo, a integração energética evita o uso de petróleo caro para a geração de energia, desloca a fonte de energia mais poluente por aquelas com menos emissões de CO2, como GN, Hidro e NCRE. A integração energética poderia melhorar a confiabilidade do sistema, uma vez que os países podem obter backup de outros países, que pode permitir que lidem com a escassez de energia que, em situações de emergência ou curto prazo, não pode ser resolvida com infraestrutura local ou recursos nativos. A integração energética também reduz as necessidades do sistema de capacidade de reserva e aumenta a confiabilidade e a resiliência do sistema interconectado com uma redução das perdas de energia devido a uma operação otimizada. Além disso, conforme descrito acima, a integração energética pode aproveitar as complementaridades das fontes de energia de diferentes bacias e, com isso, reduzir os custos de energia dos sistemas. Dos potenciais benefícios para diferentes subzonas na ALC podemos destacar o seguinte:17 América Central • Economias de escala • Permitir infraestrutura energética mais eficiente • Reduzir os custos de energia e a dependência de petróleo para a geração de energia Comunidade andina • Trocas de energia • Otimização de um sistema de energia integrado • Complementaridades na geração de energia para o pico da demanda • Complementaridades em estações chuvosas com o El Niño e La Niña 17 240 Fonte: CIER Cone Sul e Brasil • Chance de otimizar o uso dos recursos energéticos • Projetos de hidrelétricas binacionais • Swaps de eletricidade e de gás natural • Transporte de energia • Sinergias entre gás natural, hidro, eólico, solar e biomassa. • Desenvolver infraestrutura de energia para exportação que proporciona um fluxo de receitas Plausibilidade da Integração Energética, Política e Segurança Energética Tecnicamente, temos chamado a atenção para grandes benefícios em potencial da integração energética na ALC. Entretanto, além dos aspectos técnicos e entrando em uma discussão geopolítica, podemos questionar se: • Há um consenso de que a integração energética melhoraria a Segurança energética na América Latina? • Quais são os principais desafios da convergência/harmonização regulatória? • Quais são os requisitos para uma agenda positiva de integração energética? Estas perguntas destacam a questão da segurança energética. O que é segurança energética e por que ela é importante? Segurança energética pode ser compreendida de muitas formas diferentes, porém a IEA e a NATO fornecem uma definição e algumas visões para compreender o conceito de segurança energética, bem como destaca sua importância para os países em desenvolvimento, seu ambiente econômico, político e social. A IEA define a segurança energética como a disponibilidade ininterrupta de fontes energéticas a um preço acessível; ao falar sobre segurança energética, a NATO diz que “há muito mais em jogo do que fontes baratas e confiáveis de energia. Estamos falando de independência”. Portanto, seguindo essas definições e visões, podemos dizer que a segurança energética é muito mais do que infraestrutura energética e fornecimento de energia, a segurança energética é política, sobe241 rania, estabilidade política, democracia e desenvolvimento. Sem uma fonte de energia confiável e segura, as economias dos países ficam expostas aos riscos que podem levar à volatilidade e menor crescimento econômico e a maiores níveis de instabilidade social e política, bem como riscos que podem comprometer a segurança nacional. A segurança energética está relacionada a risco, risco em diferentes níveis da sociedade. Em qualquer projeto de investimento, podemos identificar diferentes tipos de risco, riscos específicos ao projeto, riscos econômicos e riscos políticos. Na primeira categoria, ou riscos específicos do projeto, há riscos relacionados aos custos de construção, questões corporativas, recursos humanos, questões ambientais e sociais, aspectos operacionais do projeto e tecnologia. Na segunda categoria, de riscos econômicos, há riscos de mercado, riscos macroeconômicos e riscos financeiros. E, na terceira categoria, de riscos políticos, há riscos relacionados à própria realidade do país em questões como exposição à guerra, terrorismo e conflitos civis, de expropriação, relacionados à regra de lei e políticas, ligadas à inconversibilidade da moeda e restrição de transferência, e conectado a uma quebra de contrato. Todas essas diferentes categorias de risco estão mais presentes em qualquer projeto de investimento realizado em um país estrangeiro. Porém, mais especificamente, se observarmos os projetos relacionados à integração energética, podemos destacar alguns riscos que devem demandar uma consideração particular da perspectiva de um país importador de energia e de um país exportador de energia, riscos relacionados à realidade de cada país, seu ambiente de negócios e como podem se espalhar ao outro país. Riscos na Integração Energética para um País Importador Um país que importa energia de países vizinhos estará exposto a riscos idiossincráticos, uma vez que está exposto às escolhas de outras nações, onde, como alternativa à integração energética, tem a possibilidade de diversificar as fontes energéticas ganhando acesso aos mercados regional e/ou global, ou desenvolvendo recursos/fonte de energia nativa que podem ser mais caras, porém com as quais o país tenha uma alavancagem melhor. Os riscos específicos não sistêmicos aos quais um país está exposto dependendo das fontes de energia dos países vizinhos incluem: 242 • • • • • • • • • • • Comportamento oportunista (problema agente-principal) do país vizinho; Instabilidade do preço, diferente do risco de preço dos mercados mundiais; Interrupções repentinas de energia com profundos efeitos econômicos e políticos; Mudanças nos regimes fiscais, mudanças nos regimes de impostos, royalties, esquemas contratuais no país exportador que podem afetar o preço e o fornecimento; Que a energia pode ser utilizada como uma arma política; Que o preço/energia pode ser utilizado(a) para punir/recompensar ou como meio de extorsão/manipulação; Mudanças no quadro regulatório estrangeiro, salvaguardas ambientais/ sociais que possam afetar o preço e o abastecimento; Exposição a decisões políticas, por exemplo, subsídios de energia e condições de turbulência e conflitos sociais em países vizinhos; Exposição à Regra de Direito e mudanças no ambiente de negócios nos países vizinhos; Ser deixado com ativos/investimentos irrecuperáveis e enormes custos de transição para fontes de energia alternativa no curto prazo; Ser deixado com um sistema de energia interrompido com todas as consequências econômicas, sociais, ambientais e políticas que surgem quando ocorre uma interrupção repentina no fornecimento de energia. Uma política energética bem trabalhada em um país importador deve avaliar os benefícios, os custos e os riscos de ser um país dependente de importação de energia adequadamente. Essa política deve ser elaborada comparando um cenário onde o país possui acesso a fontes de energia mais diversificadas ganhando acesso aos mercados regional e/ou global ou desenvolvendo recursos/fontes de energia nativos(as). As vantagens de cada modelo de negócio dependerão dos custos e riscos envolvidos em cada um deles. 243 Riscos na Integração Energética para um País Exportador Ademais, uma vez que vimos alguns riscos que devem ser avaliados de um país importador de energia, também existem alguns riscos específicos, riscos que devem ser contabilizados da perspectiva de um país exportador. Um país que exporta energia para países vizinhos será exposto ao seu próprio risco, uma vez que depende das escolhas de outras nações, onde suas receitas dependerão de outras nações e esta situação, se tecnicamente possível, deve ser confrontada com a possibilidade de ter acesso a mercados de energia mais diversificados ganhando acesso aos mercados de energia regional ou global para vender a energia. Dessa forma, um país exportador deve garantir um mercado e um fluxo seguro de receitas, que pode implicar os seguintes principais riscos: • No fluxo de receitas, receitas do governo e seu impacto na estabilidade social e política, o que também pode ser mais complicado devido ao desafio em matéria de gestão das receitas e presença de subsídios de energia; • Ser deixado com ativos irrecuperáveis devido a uma redução ou uma troca na demanda para substituir as fontes de energia; • Comportamento oportunista (problema agente-principal) onde o país importador pode solicitar a renegociação dos preços de energia e condições contratuais após a implementação da infraestrutura; • Instabilidade do preço ou extorsão/manipulação do preço pelo país importador; • Mudanças nos regimes de impostos, royalties, esquemas contratuais no país importador que podem afetar o preço e a demanda; • Mudanças no quadro regulatório estrangeiro, salvaguardas ambientais/ sociais que possam afetar o preço e a demanda; • Demandas da sociedade local/nacional que espera uma parcela das rendas de energia. Em um aspecto relacionado, também devemos considerar os riscos inerentes à integração energética quando a energia deve cruzar um terço do país, um país de passagem, uma vez que há vasta experiência com GN e importações de petróleo na UE e a instabilidade na Rússia, Oriente Médio, Cáucaso, região do Cáspio e Ucrânia. 244 Percepção de Risco do Investidor A Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (MIGA) do Grupo Banco Mundial, com a Economist Intelligence Unit (EIU), coletou a opinião de investidores sobre o principal risco enfrentado por investidores estrangeiros nos países em desenvolvimento (Figura 14).18 As questões que receberam o maior número de menções, em ordem decrescente, foram: • Risco Político • Instabilidade Macroeconômica • Falta de funcionários qualificados • Instituições governamentais fracas, burocracia e corrupção • Falta de financiamento para investimento nesses países Principal risco previsto nos próximos anos Tamanho limitado do mercado Falta de oportunidades de investimento Infraestrutura fraca Falta de funcionários qualificados Falta de financiamento para investimentos nesses países Risco político Instabilidade macroeconômica Falta de informações sobre o ambiente de negócios do país Instituições de governo fracas/burocracia/ corrupção Maior regulação do governo após a crise financeira mundial Figura 14: Principais restrições para o Investimento em Países em Desenvolvimento Fonte: Relatório MIGA WIPR 2010-2013, Pesquisa de Risco Político MIGA-EIU 18 Relatório de Investimento e Risco Político Mundial 2013, 2012, 2011, 2010. 245 Conforme destacado por essa pesquisa, para os investidores estrangeiros nos países em desenvolvimento, o principal risco que enfrentam fala sobre risco político, instabilidade macroeconômica, falta de funcionários qualificados, falta de capacidades do governo, burocracia e corrupção, que estão presentes quando analisamos a integração energética. Há um consenso de que a integração energética melhoraria a Segurança energética na América Latina? Do ponto de vista técnico sim, já identificamos potenciais benefícios que a ALC pode alcançar ao integrar seus sistemas de energia, com benefícios acumulados a nível nacional e regional. Entretanto, da perspectiva de segurança energética/geopolítica, não podemos garantir que há um consenso de que a integração energética melhoraria a segurança energética nos países da ALC. Há algum histórico recente de falhas e há diversas visões, diversidade de visões sobre os modelos de desenvolvimento, sobre a função dos setores privado e público e Empresas Estatais (SOE) na região. Além disso, existem diversas visões sobre a distribuição das rendas de recursos energéticos, sobre quem é responsável pela escassez de energia e como priorizar o consumo de energia, sobre os preços de energia para os mercados interno e externo.Também há evidências de que a região pode ter sofrido certo grau de alocação do recurso, onde existiu competição desigual para capturar as rendas dos recursos de energia e sobre como alocar/usar essas rendas. O histórico recente de mudanças unilaterais, pelo uso da energia como uma ferramenta de poder geopolítico em um braço da coerção política, para alcançar outros objetivos de interesse nacional/político, localmente, dentro da região ou com parceiros de energia, não tem sido incomum na região. E tudo isso aconteceu além das grandes oportunidades de negócio proporcionada pela integração energética à região e o grande potencial para criar riqueza e melhorar as condições de vida das pessoas. Contudo, a partir de hoje, grande parte dos potenciais benefícios da integração energética não foi materializado e, enquanto questões de confiança não são esclarecidas, essas oportunidades não se materializarão. A SIEPAC fornece um exemplo bem sucedido de integração energética multilateral, a SINEA parece estar no caminho certo, grandes hidrelétricas binacionais proporcionam modelos de sucesso da integração binacional e as linhas 246 elétricas internacionais e os gasodutos de GN fornecem bons exemplos das oportunidades e riscos envolvidos para o sucesso (ou não) dos projetos de integração energética. Quais são os principais desafios da convergência/harmonização regulatória? A convergência/harmonização do quadro regulatório necessário dentro da AS dependerá do nível ou grau de integração planejada. Existem diferentes camadas de integração energética, a mais simples é a física, que pode permitir a troca comercial de energia, excedentes de conveniência, para enfrentar déficits de energia de curto prazo que podem ocorrer no setor elétrico ou nas exportações recentes de GN do Chile para a Argentina. Uma segunda camada pode ser a criação de um regime regulatório unificado e mercado que rege o comércio de energia no nível de infraestrutura sendo implementada na iniciativa do projeto de integração energética bilateral/multilateral, porém sem tocar os mercados domésticos; enquanto um mais complexo exige a unificação dos regimes regulatórios e mercados de energia, que podem permitir uma operação integrada dos sistemas de energia dentro de um único mercado. Por exemplo, hoje, a UE está trabalhando na construção de um mercado de eletricidade único, que requer um alto nível de convergência regulatória e harmonização dos modelos regulatório e operacional. Embora, para trocas de energia comercial ou de conveniência, um nível muito inferior de convergência regulatória é necessário, em que se necessita concordar com a quantidade de energia trocada, seu preço e condições, com contratos de energia firme ou interruptível. Além disso, dependendo do tipo de interconexão elétrica, síncrona ou assíncrona, os níveis de coordenação técnica e acoplamento dos sistemas elétricos diferem. Em uma interconexão assíncrona (linha HVDC), a instabilidade ou perturbações que podem ocorrer em um sistema não é copiada para a outra, tornando a troca de eletricidade muito mais fácil de administrar. Para trocas de GN, as questões técnicas são muito simples e a necessidade é de acordar o volume de troca de GN, seu preço e condições. A integração dos sistemas energéticos de diferentes países deve ser feita gradualmente, acrescentando, conforme o conhecimento e a compreensão sobre a melhora do sistema e conforme é construída a confiança entre 247 os países, podendo existir camadas maiores de complexidade, onde o objetivo final seria buscar um mercado de energia integrado, em eletricidade, GN e outros combustíveis. Para projetos de energia binacional, como as hidrelétricas de Itaipú, Yacyterá ou Salto Grande, um acordo único (delimitação) foi necessário para o desenvolvimento e exploração de recursos energéticos conjuntos. Esse modelo de negócio não precisa necessariamente da integração dos sistemas e pode ser gerenciado por um contrato especial. O modelo utilizado para o desenvolvimento de projetos de energia binacional também pode ser um modelo para o desenvolvimento de projetos em território estrangeiro dedicado à exportação, como os projetos das hidrelétricas bolivianas Cachuela Esperanza e El Bala para exportar eletricidade para o Brasil. Há diferentes níveis de integração energética na ALC. Na AS, temos testemunhado uma integração física, que permite trocas de eletricidade comercial entre as linhas de energia fronteiriças, trocas de energia para conveniência e exportações/importações de projetos binacionais, sem que nenhum tenha exigido a harmonização dos modelos regulatórios dos países. A integração energética tem ocorrido sem a criação de um único mercado e alcançar esse estado exigirá camadas muito mais altas de coordenação e acordo entre os países, contratos entre os países, outros contratos do modelo de negócio, papel do Estado, setor privado e SOE. Em projetos binacionais, como Itaipú, contratos e acordos seguros entre os governos foram assinados e ratificados pelos parlamentares, o que forneceu terreno fértil para o sucesso desses projetos. Para o GN, e do ponto de vista técnico, a integração se torna muito mais fácil do que no caso elétrico, uma vez que não carrega as complexidades no dia a dia, minuto a minuto e segundo a segundo que envolvem a operação de grandes sistemas elétricos em termos de estabilidade, frequência, carga de pico, arranque, capacidade de backup etc. O comércio de GN, as condições de negócios, os volumes e preços nos quais as exportações/importações de GN serão aprovadas devem ser acordados entre os governos e o setor privado, bem como o que fazer em situações de escassez de GN. Na América Central, a SIEPAC mostrou-se uma integração energética mais estruturada, sendo construída em torno de uma linha de transmissão de 230 kV e marcador de eletricidade regional (MEM). Uma questão importante a se lembrar em um projeto de integração energética são os problemas de segurança energética e operacional, um aspecto que deve ser incorporado nos contratos do governo, de acordo com a camada de integração alcançada: 248 • • • • • • • Trocas de oportunidade; Exportações de energia; Projetos de energia binacionais; Swap e transmissão; Contratos firmes ou interrompíveis e gestões de escassez de energia; Operação coordenada, gerenciada/despachada centralmente ou dirigida por mercado (petróleo e gás versus eletricidade síncrona ou interconexões assíncronas); Mercados únicos ou independentes. Onde recursos disponíveis de energia não devem estar em risco no curto prazo e devem fornecer um ambiente seguro para o país importador, imitando o cenário de independência energética. Os impactos da integração energética também devem ser analisados em termos de efeitos sobre o comportamento das empresas nacionais e internacionais, seu impacto sobre os mercados e sobre os incentivos positivos e perversos que podem surgir em um país/empresa para liberdade na segurança energética de outros países/ empresas. Portanto, para avançar na integração energética dos sistemas energéticos da ALC, não é necessário ter uma harmonização/convergência dos sistemas regulatórios desde o início; estes podem ser desenvolvidos por etapas, conforme os níveis de integração física avançam e o conhecimento e compreensão da operação e dos mercados de um sistema de energia multilateral avançam. E é necessário alcançar um compromisso/contrato confiável no que, onde e como (mercados únicos ou independentes) atingir a integração energética. Dessa forma, o principal desafio é criar um ambiente de confiança, compromisso na entrega do que foi combinado. Requisitos para uma agenda positiva de integração energética. Ao longo da última década, a ALC alcançou sucesso importante reduzindo os níveis de pobreza e aumentando o número de pessoas que pertence à classe média. Estes, em conjunto com o crescimento da população, levou a 249 um grande aumento da demanda de energia, necessária para abastecer o crescimento econômico, bem como aquela que é necessária para fechar as lacunas do acesso à energia. Conforme os sistemas energéticos da ALC aumentam e se tornam mais integrados, além da abundância de recursos de ER e CF com grandes complementaridades na região, os grandes benefícios que podem ser alcançados na ALC se uma integração adequada dos sistemas energéticos é colocado em vigor são enfatizados. Além desses benefícios, um mapa regional de fontes de energia para ER e CF foi reformulado na ALC ao longo da última década, redefinindo o cenário energético. As inovações destravaram novas fontes de energia, NCRE, shale/tight oil and shale/tight gas, o que ampliou as fontes de energia em toda a região, e onde o potencial das novas fontes de energia tem proporcionado uma distribuição desigual dos recursos energéticos dentro dos países da ALC. Os investimentos em infraestrutura energética, como terminais de GNL e maior integração dentro dos sistemas energéticos dos países também contribuíram para melhorar a segurança energética e aumentaram a independência energética dos países, conforme o caso do Chile, Brasil e Argentina, onde todos fornecem possibilidades para avançar na integração dos sistemas energéticos da ALC. Dentro deste novo cenário, a integração dos sistemas energéticos dos países deve reconhecer as características particulares e níveis de harmonização necessárias em cada etapa/projeto: • Integração energética comercial, onde os países trocam excedentes de energia para enfrentar a escassez de energia no curto prazo; • Projetos de energia binacionais como as hidrelétricas de Itaipú, Yacyretá e Salto Grande, em que os países se comprometem a financiar recursos/infraestrutura de energia para satisfazer as necessidades de energia de outros países; • Projetos, em território estrangeiro dedicados à exportação, como os projetos das hidrelétricas bolivianas de Cachuela Esperanza e El Bala para exportar eletricidade para o Brasil ou a geotérmica Laguna Colorada para exportar eletricidade para o Chile, onde um tratado específico pode trabalhar para comprometer os recursos energéticos durante um longo período de tempo, a fim de satisfazer as necessidades energéticas do outro país.19 19 Brasil e Peru possuem um Tratado para a construção de hidrelétricas no Peru para exportação para o Brasil. Porém, esse processo não avançou e parece estar paralisado. 250 • • Integração de mercados energéticos, algo que a SIEPAC alcançou com certo sucesso, enquanto a AS está atrasada e a SINEA parece estar no caminho certo para uma integração física; Transmissão de energia em um terceiro país, que requer política e tarifas de trânsito livre pré-estabelecidas, com a garantia de que o país de transmissão não utilizará sua posição como um braço do poder geopolítico. A integração energética dentro da região da AS deve seguir com um pé firme e por etapas, como a experiência da UE. Primeiro vem a integração física, em segundo a criação de um mercado aproveitando a infraestrutura instalada para a integração energética, em terceiro a harmonização regulatória e, por fim, a integração dos mercados para obter um mercado único. Deve-se avançar tendo em conta as características do projeto particular, reconhecendo os diferentes riscos que vem com a integração energética e adotando ferramentas para mitigar esses riscos, criando um sistema resiliente às mudanças em mercados de energia mundial e regional, sociedade civil e problemas de mudança climática, uma vez que a política regional pode afetar os interesses das nações. Conforme o número de ligações aumenta, a necessidade ditará o avanço para camadas mais complexas de integração, de trocas comerciais por meio de conexões físicas e em transmissão, até a criação de um mercado único. Projetos binacionais ou projetos em território estrangeiro dedicados à exportação podem ser gerenciados por tratados bilaterais com medidas adequadas que mitiguem esses riscos. Um modelo de negócios resiliente é necessário, sem risco de independência e segurança, com papéis claros a serem desempenhados pelos governos, SOE, empresas privadas e onde os mecanismos de financiamento e medidas de mitigação de riscos devem ser implementados, onde o engajamento de agências de desenvolvimento multilateral (MDA), como o Grupo Banco Mundial, IADB ou CAF, podem melhorar a segurança e aumentar a confiança. Os principais desafios para a integração energética não são técnicos, são mais políticos. O primeiro objetivo é superar a falta de confiança sem comprometer a segurança energética, é necessário compartilhar os benefícios de um desenvolvimento mais eficiente, ter contratos bem elaborados entre Estados, políticas de preços transparentes para consumo interno, bem como para exportações, um mecanismo adequado para resolução de litígios, políticas de 251 trânsito livre pré-estabelecidas, precificação e desenvolvimento de sistemas de transporte e um papel claro das organizações internacionais e bancos de desenvolvimento multilateral como facilitadores de contratos seguros dentro dos estados. O caminho a seguir A ALC está dando passos firmes em direção à integração de seus sistemas de energia. Esse é um caminho que precisa de perseverança e comprometimento dos governos e, hoje, parece existir uma compreensão mais unificada dos papéis do Estado, setor privado, SOE e MDA. Maior abundância de fontes de energia na região, em termos de ER e CF, proporciona um melhor terreno para avançar na integração de sistemas de energia na ALC. Embora tenham existido muitas iniciativas multilaterais na região, que promoveram uma maior integração energética na ALC, os resultados foram muito fracos. Hoje, a SIEPAC é o principal exemplo de integração energética multilateral na região, e a SINEA parece estar no caminho certo. A CAN e a Aliança do Pacífico estão desempenhando papéis importantes para alcançar uma maior integração da energia e dos sistemas elétricos da Colômbia, Equador, Peru e Chile, com a Bolívia sendo um futuro membro dessa iniciativa. O Brasil também está desempenhando um papel importante com uma forte voz para a maior integração dos sistemas energéticos da ALC, porém ao mesmo tempo com forte interesse em avançar na aliança bilateral, que pode permitir o desenvolvimento frutífero de grandes projetos de energia binacionais ou projetos em território estrangeiro dedicados à exportação, onde possui agendas de trabalho com a Bolívia, Peru e o arco norte da AS, que é a Guiana e o Suriname. Nessas agendas, há um papel importante para a MDA como facilitadora de contratos de confiança dos recursos financeiros necessários e garantias do que é acordado. A principal lista do que deve ser feito para avançar na integração energética da ALC é ter contratos bem elaborados e resilientes entre os Estados; funções claras como facilitadores de contratos, no que, onde e como, e alavancando recursos financeiros e garantias desempenhadas pela MDA; a construção/adoção de um mecanismo robusto de resolução de litígios.Tudo isso demonstra que o problema dos bens públicos de fornecer segurança energética 252 é adequadamente gerenciado e que não há um quadro facilitador que traga o nível necessário de investimentos para trazer os recursos energéticos suficientes necessários no sistema para lidar com a demanda de energia dos países. Porém, o maior desafio é criar confiança, ter confiança, confiança de que a energia não será utilizada como uma ferramenta política ou um braço do poder geopolítico e que os países vão se livrar de políticas populistas que prejudicam os investimentos e, com isso, o fornecimento de energia. Conforme a experiência da ALC mostrou, os países importadores devem se assegurar de que possuem um antídoto para não se expor ao uso de energia como uma ferramenta política ou braço da energia geopolítica. Referências British Petroleum (2016), Energy Outlook. CIER (2015), Síntesis Informativa Energética de los Países CIER. CIER (2016), Síntesis Informativa Energética de los Países CIER. Empresa de Pesquisa Energética (2009). Balanço Energético Nacional 2009: Ano base 2008. Ministério de Minas e Energia do Brasil. Energy Information Administration (2013). Basins with assessed shale oil and shale gas formations. EPRSIEPAC (2016). SIEPAC Empresa Propietaria de la Red. Hydropower Association Ltd. (2016). 2016 Hydropower Status Report. Inter-American Development Bank (2013). Rethinking our energy future. Inter-American Development Bank (2014), Lights On? Energy Needs in Latin America and the Caribbean to 2040. Lenin H. Balza, Ramón Espinasa, Tomas Serebrisky. 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