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O marxismo de Marx (Resenha)

REVISTA ELETRÔNICA ARMA DA CRÍTICA NÚMERO 5/AGOSTO 2014 ISSN 1984-4735 RESENHA: O MARXISMO DE MARX ARON, Raymond. O Marxismo de Marx. 3. Ed. Tradução: Jorge Bastos. São Paulo: Arx, 2005. Tainã Alcantara de Carvalho1 Iniciando seus estudos sobre Marx em 1931 por conta da curiosidade em entender melhor a crise que afetava o mundo de então, ao sociólogo e filósofo francês Raymond Aron é revelada uma teoria que se tornaria presente em suas aulas e obras. Em meio ao Marx do século XIX e aos vários marxismos presentes no século XX e, com eles, às mais diversas perspectivas acerca da história e do sistema econômico, por exemplo, Aron, em busca de um real entendimento da ideologia marxista e da própria voz do pensador alemão, coloca para si a explicação da afirmação de Marx de que ele mesmo não se considera marxista. Então, perguntar-se-ia Aron: qual seria o marxismo de Marx? Publicado em 2002, mas construído a partir das anotações feitas por Raymond Aron para a realização de seu curso sobre Marx na Universidade de Sorbonne em 1962-3 – e impossibilitado de ser publicado neste período por conta do foco de Aron em outras obras e, mais tarde, por motivos de saúde –, “O Marxismo de Marx” vem ressaltar o entendimento do pensamento de Marx para uma abordagem crítica da realidade e sua importância enquanto ideologia revolucionária. Sobre este caráter do pensamento marxiano, deve-se marcá-lo, de acordo com Aron, como intrínseco à Marx, sendo expresso por meio de sua constante busca pela verdade, justiça e libertação do ser humano. Com 24 capítulos distribuídos em pouco mais de 600 páginas, Aron realiza a análise acerca do percurso intelectual de Marx e de seu sistema 1 . Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Ceará (UFC); membro do Viès –- Núcleo de Economia Política da UFC.E-mail: tainan.alcantara@yahoo.com.br 150 REVISTA ELETRÔNICA ARMA DA CRÍTICA NÚMERO 5/AGOSTO 2014 ISSN 1984-4735 teórico dividindo sua obra em três partes: 1) o período da crítica filosófica, indo até 1844, mais especificamente até a publicação dos Manuscritos EconômicoFilosóficos – e, assim sendo, um período de formação teórica; 2) o período que o levará ao materialismo histórico, onde se destacam o encontro com Engels (e o trabalho conjunto realizado) e a publicação do livro I de O Capital; 3) o período moderno de estudos e de entendimento sobre o legado deixado por Marx. Seguindo o intuito da obra, destaca-se que, enquanto marxólogo, Aron fornece um entendimento para que se possa compreender o pensamento de Marx, evitando um rigor desmedido ou a parcialidade sobre tal análise. Destacando os erros mais comuns sobre a leitura das obras, como a de que “são muitas vezes irritantes o cuidado e o pedantismo com que se tenta encontrar um sentido rigoroso em toda frase de Marx de 25 anos” (p. 28), Aron não só propõe uma perspectiva mais parcimoniosa e menos arraigada em especulações acerca do itinerário intelectual de Marx – apresentando, por exemplo, a indicação de que alguns textos jornalísticos com assuntos tão diversos só o são desta forma devido à necessidade do momento –, como também o critica, tomando por base os próprios acontecimentos, a história ou o próprio pensamento de Marx. Desta forma, os simples destaque, explicação e referência dos principais conceitos dão espaço ao debate tête-a-tête com Marx. Bem demarcado por cada um dos capítulos, o autor analisa a passagem intelectual de Marx a partir da finalização de sua formação acadêmica e da participação no grupo dos jovens hegelianos, no qual se destaca, inicialmente, por meio de sua crítica à religião, considerada uma ideia falsa acerca de um mundo falso. Entretanto, Marx põe a crítica da religião, antes de tudo, enquanto fruto de uma crítica posterior à da sociedade e da política. Desta forma, contrário ao debate teórico dos jovens hegelianos, o pensamento de Marx, como bem frisa em A Ideologia Alemã, sobe da terra ao céu, colocando como sujeito de discussão não o mundo das ideias, tal qual fazia Hegel, mas sim o mundo real, mais especificamente, da sociedade e dos indivíduos que a compõem. Analisada ao longo de oito capítulos, Aron busca destacar, na formação teórica do jovem Marx, o percurso adotado pelo mesmo em seus 151 REVISTA ELETRÔNICA ARMA DA CRÍTICA NÚMERO 5/AGOSTO 2014 ISSN 1984-4735 estudos e críticas, assim sendo, passagem do jovem Marx da crítica filosófica (capítulo II) e da religião (capítulo III) à crítica da economia e ao materialismo histórico (capítulo VI). Baseado na inversão do sujeito-predicado de Hegel e trabalhando desde o começo sobre desenvolvimento da alienação (não a considerando com a mesma rigidez e método quanto nos Manuscritos de 1844), Aron destaca que, considerando o mundo real como base – a “infraestrutura” – da história da humanidade, Marx aos poucos passava da discussão acerca da alienação do homem quanto à religião para sua alienação quanto ao Estado e às condições políticas presentes na realidade. A partir dos aspectos político-econômicos da história, Marx percebe que, antes de tudo, o mundo real, especialmente o mundo das coisas, ou seja, a produção econômica, determina os percursos e delineamento da organização social. Como destaca o autor, “a partir do momento em que se compreende a significação dessa fórmula [a construção de uma consciência falsa por meio da falsidade do mundo real], a crítica da religião se torna a crítica da terra e da política, e a crítica da política se torna a crítica da economia. [...] se existir uma consciência invertida da religião, é porque o próprio mundo está invertido.” (p.79). A segunda parte da obra, formada também por oito capítulos, é dedicada para o entendimento do “Marx da maturidade”, voltado à crítica à Economia Política e ao desenvolvimento do materialismo histórico. Enquanto consequência do vislumbre da alienação marxiana e da passagem à identificação da alienação do trabalho como a origem da farsa do mundo real, esta fase de Marx centra-se na dissecação do sistema político-econômico e de seu estabelecimento enquanto fonte fomentadora das contradições presentes na sociedade e da perversão das relações sociais, surgida principalmente pela centralização do dinheiro. Não apenas com o intuito de ressaltar o trabalho como a fonte da riqueza humana – e aqui ainda se consideram as questões filosóficas –, mas tornar evidente a essência do capitalismo, não se detendo à aparência – vale frisar, do dinheiro e do preço, recorrentemente tratado pelos economistas ingleses –, Marx constrói, após o desenvolvimento conjunto com Engels de obras que propõem esta nova abordagem da realidade, a principal e mais debatida obra, O capital. Desse modo, o autor passa, na 152 REVISTA ELETRÔNICA ARMA DA CRÍTICA NÚMERO 5/AGOSTO 2014 ISSN 1984-4735 contemporaneidade, a ser conhecido pela profunda crítica ao capital – crítica essa, principalmente, baseada nos valores e na libertação humana –, desenvolvendo a teoria do valor-trabalho – clara evidência de seu percurso teórico destacado anteriormente, onde finda centralizando a categoria trabalho como fator de construção da sociedade e do meio –, destacando o papel preponderante, para não dizer revolucionário, da classe que nada mais tem senão a própria capacidade de trabalho, a classe operária. Por fim, na sua terceira parte, Aron delineia o desenvolvimento da interpretação das ideias deixadas por Marx. Considerando o destino póstumo de Marx em três níveis que se mesclam, a marxologia, as escolas de interpretação de Marx e os movimentos sociais que se declaram marxistas, o autor destaca que são as diferentes etapas do desenvolvimento da marxologia – marcada pelas edições das obras de Marx e Engels [fim do século XIX, com o lançamento dos livros II e III por Engels; a década de 30 do século XX, com a edição completa das obras de Marx e Engels (MEGA)] e pelo posterior período de erudição e de uma marxologia não engajada – que promovem as diversas interpretações acerca do marxismo e que, juntamente aos acontecimentos históricos, promovem a busca pela realização da ideologia de Marx. Imerso não apenas nas principais conceituações desenvolvidas por Marx, mas tornando presente o amadurecimento de uma ideia, a participação das principais influências e um aprofundamento em todas as suas obras, destacando seu núcleo e localizando-as temporal e intelectualmente, O Marxismo de Marx, de Aron, não se mostra útil apenas ao iniciante no estudo sobre o pensamento de Marx, mas também como um guia para os pontos mais obscuros da ideologia marxiana. Mais do que revelar a atualidade do pensamento de Marx há cerca de 140 anos após o lançamento de suas obras de maior impacto filosófico e econômico, principalmente, de Aron, extrai-se não apenas um melhor entendimento acerca do percurso intelectual de Marx, como também da desmistificação do filósofo, economista e historiador enquanto intelectual preocupado com a tomada de consciência sobre a realidade não unicamente por uma classe social, como passaria a defender em sua maturidade, mas da sociedade humana. Buscando explicar o devir da humanidade através da 153 REVISTA ELETRÔNICA ARMA DA CRÍTICA NÚMERO 5/AGOSTO 2014 ISSN 1984-4735 história, Marx não se aventura a dissecá-la pelo simples prazer de criticá-la, mas busca tornar clara a necessidade da ação humana para sua própria libertação. Nasce daí, mais do que apenas da crítica ao sistema econômico capitalista, seu intuito revolucionário. 154