Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v.9, n.1, p.107-114, 2005
Campina Grande, PB, DEAg/UFCG - http://www.agriambi.com.br
Propriedades físicas
e mecânicas do colmo inteiro
do bambu da espécie Guadua angustifolia
Khosrow Ghavami1 & Albanise B. Marinho2
1
2
PUC-Rio, Departamento de Engenharia Civil; Rua Marquês de São Vicente 225, Gávea, CEP 22543-900,
Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: ghavami@civ.puc-rio.br, Fone (021) 3114-1188, Fax: (021) 3114-1195 (Foto)
FAPERJ, PUC-Rio, Departamento de Engenharia Civil. E-mail: abmtenc@civ.puc-rio.br
Protocolo 180 - 27/11/2002
-
Aprovado em 2/4/2004
Resumo
Resumo: Este trabalho apresenta os resultados de recentes pesquisas sobre o bambu da espécie
Guadua angustifolia, realizadas na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio),
no qual foram determinadas as propriedades físicas, mecânicas e meso-estruturais dos colmos
inteiros. O principal objetivo deste estudo é apresentar, aos profissionais, a possibilidade de
usarem o bambu como elemento estrutural. Os resultados apresentados permitirão aos engenheiros
e arquitetos selecionar, em seus projetos, as dimensões requeridas, como diâmetro, espessura e
distância internodal, tensões de flexão, tensões máximas de tração, compressão e cisalhamento.
Estão apresentadas a variação da fração volumétrica ao longo da espessura do bambu e suas
propriedades mecânicas ao longo do comprimento total do colmo estudado.
Pala
vr
as-cha
ve: propriedades mecânicas, propriedades físicas, Guadua angustifolia
alavr
vras-cha
as-chav
Physical and mechanical properties of the whole culm
of bamboo of the Guadua angustifolia species
Abstract
Abstract: This work presents recent research results concerning the bamboo Guadua angustifolia
carried out at the Pontificia Universidade Catolica, Rio de Janeiro, in which the physical, mechanical
and meso-structural properties of the whole bamboo culms were determined. The main objective
of this study is to make it possible for professionals to use bamboo more frequently as a structural
element. The obtained results allow the engineers and architects to choose for their projects the
required dimensions such as diameter, thickness and internodal distance, bending stresses,
maximum tensile, compression and shearing stresses. The changing of the volumetric fraction
along the bamboo thickness and their mechanical properties along the total length of the studied
bamboo culms are presented.
Key w
or
ds: mechanical properties, physical properties, Guadua angustifolia
wor
ords:
INTRODUÇÃO
Em períodos remotos da história, os materiais empregados
em elementos mecânicos e estruturais variavam entre diferentes
regiões, uma vez que sua utilização dependia da disponibilidade
local e a escolha era ainda influenciada por aspectos culturais
e estéticos. Os materiais eram processados de maneira
rudimentar ou utilizados em estado bruto, sempre envolvendo
trabalho intenso com participação de membros da comunidade.
De modo geral, observa-se que, em algumas regiões, era intensa
a utilização de materiais localmente disponíveis como pedra,
aglomerantes naturais, madeira, terra crua, algodão, fibras
naturais, fibras de coco, palha de trigo, casca de arroz etc.
Com a industrialização dos produtos e a concentração
das populações em grandes centros urbanos, os materiais
tradicionais foram gradualmente substituídos por materiais
industrializados (também chamados convencionais), tais como
o cimento Portland e o aço. Desde os anos 70 estão sendo
desenvolvidos materiais avançados, constituídos de polímeros
sintéticos, como Rayon, Nylon, Polyester e Aramida, usados
como reforço em compósitos, os quais, nos países
industrializados, estão gradualmente substituindo o aço e o
concreto.
No entanto, os materiais industrializados mobilizam vastos
recursos financeiros, consomem enorme quantidade de energia
e requerem um processo centralizado. Em conseqüência disto,
além de outros efeitos ocorrem, também, problemas de
desemprego e habitacionais em áreas rurais e em pequenas
cidades, onde os materiais não renováveis são inaproveitados,
causando permanente poluição. Neste sentido, torna-se
evidente que os materiais ecológicos satisfazem algumas
exigências fundamentais para o futuro da humanidade, tais
108
Khosrow Ghavami & A. B. Marinho
como: minimização do consumo de energia, conservação dos
recursos naturais, redução da poluição e manutenção de um
ambiente saudável (Ghavami, 2001). Assim, os países europeus
também já iniciaram pesquisas científicas e sistemáticas sobre
esses materiais ecológicos, não poluentes, como fibras
vegetais, bambu, resíduos industriais, minerais e agrícolas,
que estão sendo estudados sob todos os aspectos do
comportamento mecânico. O uso de bambu, resíduos agrícolas,
minerais e industriais, tem sido investigados, desde 1979, na
PUC-Rio, de forma que sejam, futuramente, uma alternativa
como material de construção (Ghavami, 1984, 1992; Ghavami &
Culzoni, 1987).
Para o uso do bambu em grande escala como material de
engenharia economicamente viável e com possibilidade de
industrialização, faz-se necessário um estudo científico
sistemático, através dos processos de plantação, colheita, cura,
tratamento e pós-tratamento, além de uma completa análise
estatística das propriedades físicas e mecânicas do colmo
do bambu inteiro. A partir desses estudos, será possível
estabelecer critérios confiáveis de dimensionamento e de
emprego de processos industriais viabilizando economicamente
o uso do bambu em grande escala.
A estrutura externa do bambu é formada pelos sistemas
subterrâneo de rizomas, colmos, galhos e folhas. A planta
pode apresentar flores ou frutos, por vez, ou dois, simultaneamente. Os colmos são formados por uma série alternada
de nós e entrenós. Com o crescimento do bambu, cada novo
nó interno é envolvido por uma folha caulinar protetora (bainha).
Os colmos são formados por fibras, vasos e condutores de
seiva, que estão desuniformemente distribuídos na seção
transversal, envolvidos por uma espécie de matriz denominada
parênquima. Esses colmos diferem, segundo a espécie, em
comprimento, espessura da parede, diâmetro, espaçamento dos
nós e resistência. Em sua maioria são ocos, podendo-se
encontrar algumas espécies com entrenós sólidos e outros
com água no seu interior.
Liese (1980) afirmou que, do ponto de vista anatômico, o
bambu é, de modo geral, constituído por fibras (40%), células
parenquimosas (50%) e vasos (10%); assim, de acordo com
Ghavami & Rodrigues (2000), a estrutura dos bambus pode ser
encarada como sendo um material compósito constituído, a
grosso modo, de fibras longas e alinhadas de celulose imersas
em uma matriz de lignina. As fibras se concentram mais a medida
em que se consideram pontos na espessura cada vez mais
próximos da casca, de forma que o material possa resistir às
cargas de vento, que são as solicitações mais constantes
durante a vida do material na natureza. A Figura 1 mostra a
variação da fração volumétrica das fibras na espessura do colmo
do bambu Guadua angustifolia em estudo na PUC-Rio.
Os conjuntos vasculares integram os tecidos de condução
da seiva e as fibras, que apresentam resistência mecânica
que, por sua vez, são “imersas” em uma matriz de lignina
(parênquima). Os vasos têm, como função, o transporte de
nutrientes da raiz às demais partes da planta e, como os colmos
de bambu são bastante esbeltos, os vasos são reforçados por
um tecido (esclerênquima) que lhes dá resistência. O conjunto
vascular é o componente estrutural mais variado do colmo do
bambu; sua forma, tamanho e distribuição, variam no internó e
R. Bras. Eng. Agríc. Ambiental, Campina Grande, v.9, n.1, p.107-114, 2005
Figura 1. Variação da fração volumétrica das fibras na espessura
do colmo do bambu Guadua angustifolia
ao longo do comprimento (altura) do colmo. A base do colmo
apresenta uma estrutura completamente diferente quando
comparada com a parte central e topo do colmo (Liese, 1998). A
Figura 2 mostra imagens dos conjuntos vasculares dos bambus
adquiridas num microscópio eletrônico de varredura (MEV),
obtidas por Liese (1980).
esclerênquima
veios
parênquima
Figura 2. Detalhe dos conjuntos vasculares do bambu
A estrutura fibrosa do bambu, em feixes, se presta
exatamente para esforços de tração axial, porém, quando
solicitado axialmente, em virtude das fibras estarem imersas em
uma matriz de lignina, o que ocorre é uma ruptura por
cisalhamento (Culzoni, 1986). Uma outra causa para este fato,
reside nas tortuosidades dos feixes e nas mudanças de seções,
geralmente nos nós, onde se interrompem as fibras, reduzemse as áreas resistentes e se originam, na peça, solicitações
secundárias de compressão normal, cisalhamento ou fendilhamento, às quais o material oferece menor resistência.
Ghavami & Hombeeck (1981) observaram que, na maioria
das vezes, o rompimento ocorria no nó, confirmando a
concentração de tensões neste ponto. Constataram, ainda, que
a resistência na parte basal ao longo do colmo apresentava
maior carga de ruptura, devido à maior área transversal.
As características mecânicas do bambu são influenciadas
sobretudo pelos fatores: espécie, idade, tipo de solo, condições
climáticas, época de colheita, teor de umidade das amostras,
localização das mesmas em relação ao comprimento do colmo,
presença ou ausência de nós nas amostras testadas e tipo do
teste aplicado (Ghavami, 1989).
Com base nos resultados obtidos das pesquisas sobre
bambu durante as duas últimas décadas, em várias partes do
Propriedades físicas e mecânicas do colmo inteiro do bambu da espécie Guadua angustifolia
mundo, incluindo-se o Brasil, foi possível criar as primeiras
normas para tal utilização. Sabendo que o conhecimento das
normas é importante não apenas para o uso seguro mas também
para a divulgação de um material, o INBAR (1999) - International
Network for Bamboo and Rattan usou os resultados dessas
pesquisas mundiais e propôs normas para a determinação das
propriedades físicas e mecânicas dos bambus. As normas
propostas foram analisadas pelo ICBO - International
Conference of Building Officials e publicadas no relatório AC
162: Acceptance Criteria for Structural Bamboo, em março de
2000 (ICBO, 2000).
Este trabalho apresenta uma análise das propriedades dos
colmos inteiros do bambu da espécie Guadua angustifolia,
que é parte de uma linha de pesquisa, com o fim de classificar
as propriedades físicas, mecânicas e meso-estruturais dos
bambus, como material do século XXI, na construção civil e
nas pequenas e médias indústrias de materiais de construção.
109
A.
vento
Z
n =5
P
M= 0
l
Z
M
r
n =4
L
t
internós
φD
n =3
n =2
φd
nós
n =1
z =0
B.
M= Mmax
C.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi desenvolvido no Laboratório de Estruturas e
Materiais do Departamento de Engenharia Civil da PUC-Rio e
se refere ao estudo das propriedades físicas, mecânicas e mesoestruturais do colmo do bambu da espécie Guadua
angustifolia, proveniente de Guarulhos, SP, com idade média
de três anos.
Propriedades físicas
O comprimento dos internós do bambu estudado foi medido
de acordo com as indicações da Figura 3A. O diâmetro externo
de cada internó foi determinado através de medições com o
paquímetro. Para se determinar a espessura da parede (t),
perfuraram-se três furos em cada internó, com uma furadeira
elétrica, com diâmetro de 5mm, (Figura 3B), fazendo-se as
medições através de um medidor de espessura desenvolvido
para este fim (Figura 3C).
Considerando-se z a distância do centro de um internó à
base do colmo, L o comprimento total e p a carga de vento, o
momento fletor no internó é:
M=
p
(L − z) 2
2
M
M max
Figura 3. Configuração, posição dos furos e aparelho para
medições da espessura da parede do colmo do bambu A Eixo de coordenadas, B - furos ao longo do bambu e C Medidor de espessura
sendo:
Z representado pela Eq.(4) e Zmax o valor máximo de Z na
seção quando z = 0
(1)
Se Mmax é o momento fletor na base em que z = 0, na Eq. (1),
pode-se exprimir adimensionalmente o momento em cada
internó por:
M=
Furos para medição da
espessura da parede
Z =
[
π D 4 − (D − 2 t )
⋅
32
D
4
]
(4)
A partir dos valores do momento fletor médio ( M ) e do
módulo de resistência da seção ( Z ), determina-se a tensão de
flexão adimensional na superfície do colmo, devido ao momento
de flexão através da Eq.(5):
(2)
σb =
O módulo de resistência adimensional Z de uma seção
oca cilíndrica do colmo do bambu é definido por:
M
Z
(5)
donde:
Z=
Z
Z max
(3)
σ b representa a tensão no internó qualquer (σb) dividida
pela tensão máxima, que ocorre na base do colmo (σbmax):
R. Bras. Eng. Agríc. Ambiental, Campina Grande, v.9, n.1, p.107-114, 2005
110
Khosrow Ghavami & A. B. Marinho
σb =
σb
σ b max
(6)
A.
,
1,0 cm
5,0 cm
Figura 4. Seccionamento da imagem do bambu Guadua
angustifolia
Propriedades mecânicas
Determinaram-se as resistências à tração, compressão e
cisalhamento interlaminar das partes basais, centrais e
superiores (topo) do bambu Guadua angustifolia. Para cada
parte acima citada, foram ensaiados três corpos-de-prova sem
nó e três com nó. Os ensaios foram realizados de acordo com
as normas do INBAR (1999), utilizando-se três colmos. Para
determinar a deformação do bambu nos ensaios de tração e
compressão, foram colados strain gages tipo L em uma das
faces do corpo-de-prova. No ensaio, o corpo-de-prova é fixado
na máquina INSTRON 500, a qual é conectada ao computador
e ligada ao Vischay, que é um indicador de deformação analógico
manual. Para cada carga aplicada a uma velocidade de 0,05
mm min-1 e incremento de 10 kgf, lêem-se as deformações
longitudinais e transversais às fibras do bambu.
A Figura 5 (A, B e C) apresenta as características dos corposde-prova utilizados.
R. Bras. Eng. Agríc. Ambiental, Campina Grande, v.9, n.1, p.107-114, 2005
5,0 cm
2,5 cm
5,0 cm
20 cm
B.
D
extensômetro
extensômet
h=D
C.
A
P
P
A
5cm
2cm
6cm
A-A
2cm
5cm
20cm
Figura 5. Características dos corpos-de-prova para ensaios de
A - Tração, B - Compressão e C - cisalhamento interlaminar
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Propriedades físicas
Os bambus têm diminuição gradual, no sentido da base
para o topo, no diâmetro do colmo, na espessura da parede e
no comprimento internodal. A Figura 6 mostra a variação do
comprimento internodal (l) do colmo inteiro em relação ao
número dos internós (n) do bambu Guadua angustifolia, com
a respectiva equação matemática obtida através da análise de
regressão do comportamento normal da curva. Observa-se que,
na parte basal, os comprimentos internodais são menores,
enquanto na parte central do colmo atingem o valor máximo e,
na parte superior, decrescem.
A Figura 7 (A e B) apresentam os resultados médios
referentes ao diâmetro externo (D) e espessura da parede (t) em
relação ao comprimento do colmo (z), com as respectivas
equações matemáticas obtidas através da análise de regressão
do comportamento normal da curva. Observa-se que o diâmetro
externo (D) diminui da base para o topo, apresentando
comportamento quase linear, com valor máximo de 101,86 mm
na base e 31,21 mm no topo e com valor médio de 79,56 mm. A
espessura média da parede (t) é de 10,31 mm, com valores
diminuindo da base para o topo, porém apresentando grande
variação ao longo do comprimento, a qual pode ser provocada
pela precisão do aparelho de medição, que é de 1 mm. Essas
informações podem ser utilizadas pelos usuários de bambu,
Comp. intermodal: l (mm)
Propriedades meso-estruturais
Foram retiradas amostras das partes basal, central e topo
do colmo do bambu Guadua angustifolia. As amostras foram
lixadas (lixas nº 400, 600 e 1000) e polidas (alumina, 6 µm). As
imagens foram obtidas no Laboratório de Ciências dos Materiais
e Metalurgia da PUC-Rio, através de uma lupa com magnificação
de 6X, equipada com uma câmara fotográfica. As manipulações
realizadas sobre as imagens foram realizadas no software KS400
3.0. O pré-processamento foi iniciado com o seccionamento da
imagem, como mostrado na Figura 4, em que a imagem original
foi dividida em quatro partes e, posteriormente, em 8 e 12,
dependendo da parte do colmo analisada. Para amostras da
região do topo, que tem espessura da parede em torno de 6 mm,
só foi possível dividir a imagem em até 8 fatias pois, a partir
daí, as faixas são muito pequenas, dividindo os conjuntos
vasculares e não possibilitando a contagem das fibras. Na
parte basal, por sua espessura média de 12 mm, foi possível
dividir a imagem em até 12 fatias. A imagem da parte central,
com espessura em torno de 8 mm, foi dividida em até 10 fatias.
A segmentação (transformação da imagem em uma imagem
binária) foi realizada de forma automática, fornecendo boa
separação das imagens de interesse (fibras); após a separação
nas partes desejadas, efetuou-se o processamento digital,
calculando-se a porcentagem de área de fibras em cada seção.
2,5 cm
400
350
300
250
200
150
100
z = - 0 .0 0 2 8 n 3 + 0 .0 5 1 2 n 2 + 7 .0 5 6 8 n + 1 2 5 .9 5
50
0
0
10
20
30
40
50
60
Número de internó: (n)
Figura 6. Comprimento internodal em função do número de
internós ao longo do colmo do bambu guadua angustifolia
Propriedades físicas e mecânicas do colmo inteiro do bambu da espécie Guadua angustifolia
111
1
120
100
80
60
40
D = -0.4804z2 + 1.8716z + 98.101
σb
0,6
Zm=Z/Z
Z
M
max
Z
σsb=Mm/Z
b
Zm
0,4
m
m
M
0,2
20
0
0
0
B.
Espessura da parede: (mm)
M=M/Mm
MMax
0,8
σb , M , Z m
Diamêtro externo: D (mm)
A.
25
3
2
t = -0.0229z + 0.5688z - 4.8397z
+ 22.351
20
2
4
6
8
10
12
14
16
Distância da base: z (m)
Figura 8. Módulo de resistência, momento fletor e tensão de
flexão não-dimensionais ao longo do colmo do bambu
Guadua angustifolia
15
z
10
Öd
ÖD
5
0
2
4
6
8
10 12 14
Distância da base: z (m)
Figura 7. Diâmetro externo (A) e espessura da parede (B) ao
longo comprimento do colmo
como engenheiros e arquitetos, com o objetivo de selecionar
os bambus com as dimensões necessárias para seu projeto.
As curvas referentes ao momento fletor ( M ), módulo de
resistência ( Z ) e as tensões de flexão ( σ b ) ao longo do colmo
do bambu estudado, estão apresentadas na Figura 8. Os valores
de M e Z são parâmetros importantes de resistência no
dimensionamento de estruturas com bambu; M independe da
espécie do bambu, pois relaciona o momento ao longo da altura
total do colmo com o momento máximo; Z relaciona as
características geométricas do bambu, diferenciando-as quanto
à espécie e ao local cultivado; σ b representa a variação da tensão
de flexão ao longo do colmo. A partir deste valor, define-se a
variação da resistência ao longo do colmo do bambu à flexão.
Amada (1996), ao estudar o comportamento do bambu
Phyllostachys edulis Riv. (Mosó) com idade média de dois
anos, no Japão, obteve valores aproximados aos do bambu
Guadua angustifolia.
z
Öd
ÖD
z
Öd
ÖD
Figura 9. Indicação dos pontos de retirada das amostras do
bambu Guadua angustifolia
70
Volume de fibras (%)
0
60
B ase
50
Interm ediário
40
Topo
30
20
10
0
0,0
Propriedades meso-estruturais
Na análise da variação da fração volumétrica de fibras na
espessura da parede do bambu (seção transversal), é possível
se obter uma equação que a represente e observar como esta
variação se relaciona com algumas propriedades dos bambus.
No processamento digital de imagem (PDI), a distribuição das
fibras é analisada ao longo do colmo inteiro do bambu, com
amostras retiradas nos vários pontos da base, centro e topo,
como mostra a Figura 9.
O gráfico da Figura 10 mostra as distribuições de fibras
para as amostras analisadas. A fração volumétrica é indicada
em função de uma variável adimensional (X) que representa a
razão entre a posição em que se mede a fração volumétrica na
espessura (x), e a espessura total da amostra (t), ou seja x/t. A
partir da análise de regressão dos pontos experimentais,
obtiveram-se equações matemáticas da forma polinomial, que
0,2
0,4
0,6
P osição na espessura (x/t)
0,8
1,0
Figura 10. Comparação do volume de fibras em relação à
espessura da parede entre as amostras da base, centro e
topo do bambu Guadua angustifolia
permitem determinar a variação da fração volumétrica para
amostras cujas imagens foram dividas em 4, 8, 10 e 12 fatias. A
partir daí, optou-se pela equação relativa ao número de fatias,
que resultou em menor percentual de erro. Matematicamente,
quanto maior o número de divisões, melhor seria o ajuste da
equação. A Tabela 1 apresenta as equações obtidas para
determinar a fração volumétrica das partes basal, central e topo
das imagens divididas em 8 fatias do bambu Guadua
angustifolia. As equações de 3º e 4º graus, para as partes
central e topo, foram obtidas de forma a fornecer maior precisão
na determinação do volume de fibras.
R. Bras. Eng. Agríc. Ambiental, Campina Grande, v.9, n.1, p.107-114, 2005
Khosrow Ghavami & A. B. Marinho
Tabela 1. Variação da fração volumétrica de fibras ao longo da
espessura do bambu Guadua angustifolia nas partes da base,
centro e topo
Parte do colmo
Equação
Base
Vf = 83,1*X2-40,7*X+19,1
Centro
Vf = -101,5*X 3 + 260,7*X2-138,4*X+33,4
Topo
Vf = -412,7*X 4 +967,8*X3-668,3*X2+ 171,4*X - 3,9
Constata-se, na Figura 10, que a distribuição das fibras nas
amostras da base e centro é mais uniforme, com a fração
volumétrica variando menos que a amostra colhida no topo;
isto ocorre pelo ao fato de que, da base até o centro do bambu,
este, além de resistir às flexões devido às cargas de vento,
deve suportar maior parte de seu peso próprio.
Propriedades mecânicas
Em seguida, apresentam-se os resultados relativos aos
ensaios de resistências à tração, à compressão e ao
cisalhamento interlaminar da base, centro e topo do bambu
Guadua angustifolia.
Tração: Os resultados de resistência à tração, módulo de
elasticidade e coeficiente de Poisson da parede do colmo do
bambu Guadua angustifolia, estão apresentados na Tabela 2;
nela, pode-se observar que o bambu atinge uma resistência
média à tração de 86,96 MPa. No geral, a parte central apresenta
maior resistência; 95,80 MPa no corpo-de-prova sem nó e 82,62
MPa no corpo-de-prova com nó. Nas regiões com nó, a
resistência diminui devido à descontinuidade das fibras nesses
pontos, seguindo a direção do nó. Como já ocorrido em outros
ensaios, os corpos-de-prova sempre rompem no nó ou bem
próximo a ele. A região do topo, sem nó, apresentou maior
valor da resistência à tração, 115, 84 MPa; porém no corpo-deprova com nó se obteve menor resistência, 64,26 MPa. A
resistência à tração do bambu Guadua angustifolia é 36,7%
menor que a resistência do bambu Dendrocalamus giganteus
(Ghavami & Marinho, 2001). Culzoni (1986) estudou as
propriedades mecânicas do bambu da espécie Guadua superba
e obteve valores de resistência à tração de 112,3 MPa e módulo
de elasticidade de 8,9 GPa, no corpo-de-prova com nó; no
corpo-de-prova sem nó, a autora obteve uma resistência à
tração de 137,8 MPa e módulo de elasticidade de 11,2 GPa.
No bambu em estudo, o módulo de elasticidade longitudinal
às fibras variou de 11,10 GPa a 18,36 GPa, com valor médio de
15,11 GPa e com os maiores valores obtidos sempre nos corposde-prova sem nó. O coeficiente de Poisson médio foi de 0,26,
aumentando da base para o topo.
A partir dos dados de carga e dos deslocamentos
experimentais, foi possível se obter as curvas tensãodeformação do bambu, sem e com nó, apresentadas na Figura
11. No ensaio do bambu com nó, não foi possível se obter as
deformações transversais em virtude de problemas com os strain
gages; assim também não foi possível obter o coeficiente de
Poisson. Observa-se que o comportamento da curva do bambu,
com e sem nó, é praticamente linear até o ponto de ruptura. A
deformação máxima longitudinal à fibra nos corpos-de-prova
do bambu sem nó variou de 4000 a 6000 µstrain, com maior
valor na base e menor valor na parte central; já no sentido
transversal às fibras, a deformação máxima variou de 800 a 2000
µstrain, com maior valor no topo e menor valor na base. Nos
corpos-de-prova do bambu com nó, a deformação longitudinal
às fibras variou de 4000 a 11000 µstrain, com maior valor no
topo e menor na base.
Compressão: Os resultados obtidos para resistência à
compressão, módulo de elasticidade e coeficiente de Poisson
das partes basal, central e topo, estão apresentados na Tabela
3. Observa-se que a resistência à compressão é, em geral, três
vezes menor que a resistência à tração. A resistência média foi
de 29,48 MPa, aumentando da base para o topo. O valor máximo
da tensão ocorreu na parte do topo, sendo igual a 34,52 MPa
para o corpo-de-prova sem nó, e de 29,62 MPa com nó. Na
base, este valor caiu para 25,27 MPa no corpo-de-prova com
nó e 28,36 MPa sem nó. A média do módulo de elasticidade
A.
100
••Base
Base
Base sem nó
Resistência à
tração σt (MPa)
Módulo
Elasticidade-E (GPa)
Coef.
Poisson µ
93,38
16,25
019
Base com nó
Centro sem nó
Centro com nó
69,88
95,80
82,62
15,70
18,10
11,10
0,25
-
Topo sem nó
Topo com nó
115,84
64,26
18,36
8,0
0,33
-
Valor médio
Variação
86,96
64,26 - 115,84
14,59
8,0 - 18,36
0,26
0,19 - 0,33
R. Bras. Eng. Agríc. Ambiental, Campina Grande, v.9, n.1, p.107-114, 2005
♦ Base
∆ Topo
Centro
Centro
Centro
20
∆ •Topo
Base
40
0
-3000 -2000 -1000
B.
0
1000 2000 3000 4000 5000 6000
Longitudinal
Deformação (microstrain)
100
Tensão (MPa)
Parte do
bambu
? Centro
60
Transversal
Tabela 2. Resistência à tração, módulo de elasticidade e
coeficiente de Poisson das partes basal, centro e topo, com
e sem nó, do bambu Guadua angustifolia
* Topo
80
Tensão (MPa)
Tensão (MPa)
112
80
h Topo
60
h Topo
♦ Centro
♦ Centro
? Base
? Base
40
20
0
0
2500
5000
7500
10000
12500
Deformação longitudinal (microstrain)
Figura 11. Tensão de tração - deformação do bambu Guadua
angustifolia, com (A) e sem nó (B)
Propriedades físicas e mecânicas do colmo inteiro do bambu da espécie Guadua angustifolia
Coef.
Poisson µ
Base sem nó
Base com nó
Centro sem nó
28,36
25,27
31,77
14,65
9,00
12,25
0,27
0,56
0,36
Centro com nó
28,36
12,15
0,18
Topo sem nó
Topo com nó
25,27
31,77
11,65
15,80
0,36
0,33
Valor médio
Variação
29,48
25,27 – 34,52
12,58
9,00 – 15,80
0,34
0,18 – 0,56
longitudinal às fibras foi de 12,58 GPa, variando de 9,00 GPa na
base a 15,80 GPa na região do topo, ambos em corpos-deprova com nó. O coeficiente de Poisson médio obtido no ensaio
de resistência à compressão foi de 0,34. Culzoni (1986)
determinou a resistência à compressão do bambu Guadua
superba em corpos-de-prova com altura igual a duas vezes o
diâmetro (H=2*D) e obteve valores de 35,7 MPa e módulo de
elasticidade de 2,6 GPa, em corpos-de-prova com nó, e
resistência de 47,8 MPa e módulo de elasticidade de 3,33 GPa,
em corpos-de-prova sem nó.
A Figura 12 apresenta as curvas de tensão de compressão
axial – deformação nos sentidos longitudinal e transversal às
fibras do bambu, com e sem nó, e nas partes da base, centro e
topo. Observa-se que, até próximo à ruptura, a curva apresenta
comportamento quase linear. Em alguns ensaios percebe-se
uma plastificação do material. Foi colado, nas amostras, strain
gages do tipo roseta em L, com o objetivo de medir as deformações longitudinais e transversais às fibras. Na maioria dos
ensaios da parte central verificou-se que o corpo de prova sem
nó, não sofre, inicialmente, deformação no sentido transversal
às fibras, o que se deve, provavelmente, ao confinamento
provocado pelas placas da máquina de ensaio, já que o corpode-prova tem altura igual ao diâmetro. No corpo-de-prova com
nó ocorreu apenas deformação longitudinal às fibras, devido a
presença do nó inibir o achatamento e, conseqüentemente, a
deformação no sentido transversal às fibras. As deformações
longitudinais máximas, para os bambus sem e com nó, variaram
de 2500-5000 µstrain e 2500-8000 µstrain, respectivamente, com
as maiores deformações na parte central sem nó e topo com nó.
As deformações máximas transversais às fibras apresentaram
valores médios de 1500 µstrain. No início do ensaio de
compressão, o strain gage, colocado no sentido transversal às
fibras, sofreu uma deformação negativa, significando um
encurtamento; com o aumento da carga aplicada, as fibras foram
tracionadas, tornando a deformação transversal positiva.
Cisalhamento: Os resultados médios da resistência ao
cisalhamento interlaminar para os corpos-de-prova localizados
na base, centro e topo do bambu Guadua angustifolia, são
apresentados na Tabela 4. Os valores foram obtidos a partir da
média de três ensaios. Nesta, observa-se que os valores
aumentam da base para o topo, sendo que no topo a resistência
ao cisalhamento foi de 2,42 MPa para o corpo-de-prova sem nó
e 2,11 MPa para o corpo-de-prova com nó. Na base, esses
30
Tensão (MPa)
Tensão
(MPa)
Módulo
elasticidade-E (GPa)
40
35
25
20
♦ B a se
∆ C e n tr o
Ο T opo
15
◊ B a se
10
? C e n tro
• T opo
5
0
-6000 -5000 -4000 -3000 -2000 -1000
0
1000
2000
3000
Longitudinal
Transversal
Deformação (microstrain)
B.
35
30
Tensão (MPa)
Resistência à
tração σt (MPa)
Parte do
bambu
A.
Tensão (MPa)
Tabela 3. Resistência à compressão, módulo de elasticidade,
coeficiente de Poisson das partes basal, central e topo,
com e sem nó, do bambu Guadua angustifolia
113
25
20
♦Base- long.
∆ Centro-long
Ο Topo - long.
◊Base- transv.
? Centro. –transv.
• Topo-transv.
-10000
-8000
-6000
15
10
5
0
-4000
-2000
0
2000
Longitudinal
Transversal
Deformação (microstrain)
Figura 12. Tensão de compressão-deformação do bambu com
(A) e sem nó (B)
Tabela 4. Resistência ao cisalhamento interlaminar do bambu
Guadua angustifolia
Partes do colmo
Com nó
Base
Sem nó
Com nó
Centro
Sem nó
Com nó
Topo
Sem nó
Tensão de cisalhamento τ (MPa)
1,668
2,198
1,433
2,272
2,113
2,421
Valor médio
2,017
valores foram 2,20 MPa sem nó e 1,67 MPa com nó,
respectivamente. Observa-se que, nos corpos-de-prova sem
nó, a resistência é maior e se mantém quase uniforme nas três
partes do comprimento do colmo; já nas partes com nó, a
resistência é menor e os valores variam muito.
A resistência ao cisalhamento do bambu Guadua
angustifolia é inferior à do bambu Dendrocalamus giganteus.
Ghavami & Marinho (2001) obtiveram valores médios de 3,56
MPa e 3,37 MPa para corpos-de-prova com e sem nó,
respectivamente. Moreira (1991) obteve uma tensão de
cisalhamento média de 7,0 MPa para o bambu Dendrocalamus
giganteus, enquanto Ghavami & Souza (2000) obtiveram
valores de tensão de cisalhamento de 3,08 e 3,12 MPa para
corpos-de-prova com dois e três cortes, respectivamente, e
para o mesmo bambu estudado.
R. Bras. Eng. Agríc. Ambiental, Campina Grande, v.9, n.1, p.107-114, 2005
114
Khosrow Ghavami & A. B. Marinho
CONCLUSÕES
LITERATURA CITADA
1. Os bambus têm diminuição gradual, no sentido da base
para o topo, no diâmetro do colmo, na espessura da parede e
no comprimento internodal.
2. O módulo de resistência, que é função do diâmetro e da
espessura da parede, varia ao longo do colmo.
3. A aplicação do processamento digital de imagens, para
obtenção da distribuição volumétrica das fibras ao longo da
espessura da parede, foi feita de forma simples e forneceu
resultados que podem ser considerados satisfatórios, uma vez
que não se tem outras fontes de comparação na literatura nem,
tampouco, resultados “analógicos” das grandezas medidas
neste trabalho para a espécie de bambu estudada.
4. Os ensaios experimentais realizados para obtenção das
características mecânicas do bambu Guadua angustifolia
demonstraram que ele resiste mais aos esforços de tração que
aos de compressão, com diferença de valores superior a 50%
em todas as partes analisadas.
5. As curvas de tensão-deformação obtidas nos ensaios de
tração e compressão indicam que o bambu Guadua angustifolia
apresenta comportamento quase linear, até o ponto de ruptura.
6. A resistência média à tração do bambu Guadua
angustifolia foi de 86,96 MPa, apresentando maiores valores
na parte central, ou seja, 95,80 MPa no corpo-de-prova sem nó
e de 82,61 MPa no corpo-de-prova com nó. O módulo de
elasticidade médio foi de 15,11 GPa no sentido longitudinal às
fibras. O coeficiente de Poisson médio no ensaio de tração foi
de 0,26, com os valores aumentando da base para o topo.
7. A resistência à compressão média foi de 29,48 MPa, com
valor máximo de 29,62 MPa e 34,52 MPa na parte superior, com
e sem nó, respectivamente. De modo geral, a resistência à
compressão foi pouco influenciada pela presença do nó. O
módulo de elasticidade médio no ensaio de compressão foi de
12,58 GPa, no sentido longitudinal às fibras.
8. A resistência média ao cisalhamento interlaminar foi de
2,02 MPa, com os valores máximos na parte superior do colmo.
A resistência diminuiu do topo para a parte basal do colmo.
9. De acordo com os resultados obtidos para o Guadua
angustifolia e os comparados pelo grupo de pesquisa da PUCRio para o Dendrocalamus giganteus, as resistências do bambu
Guadua angustifolia são menores que as do Dendrocalamus
giganteus, verificando-se que a diferença é de 43,8% na
resistência à tração, 41,6% na resistência à compressão e 60%
na resistência ao cisalhamento.
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Dissertação Mestrado
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem aos colegas que contribuíram para a
realização dos ensaios, especialmente ao Professor Sidnei
Paciornik, pela valiosa colaboração na análise da mesoestrutura do bambu; aos alunos Diogo Rodrigues Mota, Celso
Luiz de Oliveira Junior, Sergio Luís Vanderley e Eliane Fernandes
Côrtes Pires pela participação nas pesquisas. Agradecem
também à FAPERJ, CAPES e CNPq, pelo apoio financeiro.
R. Bras. Eng. Agríc. Ambiental, Campina Grande, v.9, n.1, p.107-114, 2005