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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO – UFES CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS – CCHN DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA– DGEO JOSIMAR NUNES PEREIRA DE FREITAS MORTALIDADE DIFERENCIAL POR CAUSAS EXTERNAS SEGUNDO RAÇA/COR NAS MICRORREGIÕES DO ESPÍRITO SANTO VITÓRIA 2017 JOSIMAR NUNES PEREIRA DE FREITAS MORTALIDADE DIFERENCIAL POR CAUSAS EXTERNAS SEGUNDO RAÇA/COR NAS MICRORREGIÕES DO ESPÍRITO SANTO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do Grau de Bacharel em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Ednelson Mariano Dota VITÓRIA 2017 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, por me dar força e permitir mais esta conquista. Á todos os meus familiares, em especial, minha mãe, Adriana Nunes Pereira e à minha avó Maria das Graças Nunes Pereira, pela dedicação e amor incondicional; Ao professor doutor Ednelson Mariano Dota pela dedicação e compromisso destinados a construção do presente estudo; A toda equipe do Laboratório de Estatística da Universidade Federal do Espírito Santo (Lestat-Ufes), pelo apoio durante a realização dos testes estatísticos; Em especial, deixo minhas gratulações à Juliana Pereira Rodrigues, peça mais que essencial na realização de todas as tarefas que cumpri nesta pesquisa e ao amigo Alexandre Severino Pereira pelo apoio destinado a mim durante todo processo de tabulação dos dados. Às equipes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) pela gentileza e disponibilidade em fornecer todos os dados que foram solicitados, tendo estes sido de suma importância para a o embasamento das discussões aqui registradas. A todos (as) os professores (as) que contribuíram de forma direta e indireta com meu aprendizado. Aos ex-colegas de trabalho da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Cidadania da Universidade Federal do Espírito Santo (Proaeci-Ufes). Ao amigo Stênio Santos Sales, pelos conselhos e por me proporcionar todo apoio ainda quando estava no Ensino Médio. Sou grato principalmente por ter me estimulado a ingressar na universidade, fato que naquele momento me parecia quase impossível. A todos do Grupo de Estudos IdentidadES, pela contribuição ímpar em meu processo de constituição enquanto pesquisador e aos Movimentos Estudantis e Negros, pela formação humanizada que me proporcionaram. RESUMO Trata-se a presente pesquisa de um estudo do tipo empírico, de caráter exploratório, que teve por objetivação principal identificar diferenciais socioterritoriais na mortalidade, segundo causas externas, por faixa etária e raça/cor, no contexto das microrregiões de planejamento do estado do Espírito Santo, entre os anos de 2000 e 2010. Tal proposição desdobrou-se nos seguintes objetivos específicos: a) examinar níveis de mortalidade entre 10 e 49 anos, por raça/cor nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo; b) averiguar a existência de padrões espaciais e se existe correlação da mesma com contextos socioeconômicos e/ou sociorraciais; c) discutir acerca dos perfis de mortalidade evidenciado pelas microrregiões do Espírito Santo no que se refere às variáveis raça/cor. Teve-se entre as principais hipóteses, que as mortes por causas externas, devido à relação direta com contextos sociais, incidiriam com maior ênfase entre pretos e pardos já a partir dos 10 anos, enquanto brancos enfrentariam as maiores probabilidades de óbitos após os 50 anos. As informações sobre óbitos foram acessadas no sítio virtual do SIM/DATASUS, a partir Classificação Internacional de Doenças – CID 10, e foram analisadas tendo como base de escala para as análises espaciais as microrregiões de planejamento do Espírito Santo. Os dados indicaram significância estatística para interações entre as variáveis ‗Microrregião X Raça/cor‘ e ‗Idade X Raça/cor‘, sendo possível afirmar que a, correlação entre a variabilidade espacial e etária, assumem no contexto analisado, importante papel no risco de morte dos grupos étnico-raciais. Identificou-se também que, na medida em que se aumenta a escala de análise, há uma tendência do processo de enegrecimento do maior risco de óbito, que em nível estadual, apresenta-se entre pardos, e se intensifica entre pretos nas microrregiões, com destaque para os indicadores sociais mais vulneráveis. Entre as conclusões, aponta-se que as desigualdades sociorraciais, verificadas em outras esferas (educação, cultura, mercado de trabalho, por exemplo) também puderam ser visualizadas nas tendências, com forte orientação espacial. Palavras-Chave: Mortalidade Diferencial, Desigualdades Sociorraciais, Desigualdades Territoriais, Território, Grupos étnico-raciais, racismo ABSTRACT The present research is an empirical, exploratory study whose main objective was to identify socio-territorial differences in mortality, according to external causes, by age group and race / color, in the context of the micro-regions of Espírito Santo state planning Santo, between the years 2000 and 2010. This proposal has been developed in the following specific objectives: a) to examine mortality levels between 10 and 49 years, by race / color in the planning microregions of Espírito Santo; b) to verify the existence of spatial patterns and if there is a correlation of the same with socioeconomic and / or socioral contexts; c) discuss about the mortality profiles evidenced by the micro-regions of Espírito Santo with regard to race / color variables. Among the main hypotheses was that deaths due to external causes, due to their direct relationship with social contexts, would have a greater emphasis on blacks and browns as early as 10 years, whereas whites would face the highest probability of death after 50 years . Information on deaths was accessed on the SIM / DATASUS virtual site, based on International Classification of Diseases - ICD 10, and were analyzed based on scale for the spatial analyzes of the planning micro-regions of Espírito Santo. The data indicated statistical significance for interactions between the variables 'Microregion X Race / color' and 'Age X Race / color', and it is possible to affirm that the correlation between spatial and age variability, assume in the analyzed context, an important role in the risk of death of ethnic-racial groups. It was also identified that, as the scale of analysis increases, there is a tendency of the blackening process of the higher risk of death, which at the state level, is among browns, and it intensifies among blacks in the microregions, with the most vulnerable social indicators. Among the conclusions, it was pointed out that the socio-racial inequalities observed in other spheres (education, culture, labor market, for example) could also be visualized in trends with a strong spatial orientation. Keywords: Differential Mortality, Societal Inequalities, Territorial Inequalities, Territory, Ethnic-racial groups, racism LISTA DE MAPAS Mapa 1 - Distribuição das populações tradicionais. Espírito Santo, 2010.........56 Mapa 2 - Proporção de migrantes interestaduais segundo Unidade Federal entre 2005-2010.................................................................................................58 Mapa 3 - Distribuição das atividades econômicas no Espírito Santo................62 Mapa 4 - Índice de GINI no estado do Espírito Santo, segundo município, no ano de 2000.......................................................................................................70 Mapa 5 - Incidência de pobreza no estado do Espírito Santo, segundo município, no ano de 2000.................................................................................70 Mapa 6 - Microrregiões planejamento do estado do Espírito Santo..................72 Mapa 7 - Taxa de extrema pobreza da população do Espírito Santo inscrita no CadÚnico por Microrregião, 2016......................................................................78 Mapa 8 - Hiato de extrema pobreza da população do Espírito Santo inscrita no CadÚnico por Microrregião, 2016......................................................................78 Mapa 9 - Distribuição espacial da Taxa Específica de Mortalidade da população branca nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 2000................85 Mapa 10 - Distribuição espacial da Taxa Específica de Mortalidade da população branca nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 2010...................................................................................................................85 Mapa 11 - Distribuição espacial da Taxa Específica de Mortalidade da população parda nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 2000...................................................................................................................86 Mapa 12 - Distribuição espacial da Taxa Específica de Mortalidade da população parda nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 2010...................................................................................................................86 Mapa 13 - Distribuição espacial da Taxa Específica de Mortalidade da população preta nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 2000...................................................................................................................87 Mapa 14 - Distribuição espacial da Taxa Específica de Mortalidade da população preta nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 2010...................................................................................................................87 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Proporção de não brancos na população..........................................................................................................53 Tabela 2 - Participação percentual dos municípios a leste e oeste da Br 101 no PIB capixaba, por atividade econômica – 2008.................................................63 Tabela 3 - População por raça/cor nas Microrregiões do Espírito Santo em 2000 e 2010.......................................................................................................73 Tabela 4 - Renda média domiciliar per capita por Microrregião das pessoas cadastradas no CadÚnico, 2016........................................................................77 Tabela 5 - Índice de Desenvolvimento da Família, Espírito Santo e Microrregiões, 2016...........................................................................................80 Tabela 6 - Óbitos por causas externas, segundo raça/cor no Espírito Santo, 2000 e 2010.......................................................................................................82 Tabela 7 - Teste Kruskal-Wallis para as taxas específicas de mortalidade segundo as variáveis ‗Ano‘, ‗Idade‘, ‗Raça/cor‘ e ‗Microrregião‘, 2000 e 2010........................................................................................................83 Tabela 8 - Taxa Específica de Mortalidade, segundo raça/cor nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 2000 e 2010, 10 a 49 anos...................................................................................................................91 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Percentual de óbitos por causas externas ignorados no estado e nas microrregiões do estado do Espírito Santo em 2000 e em 2010...................................................................................................................19 Gráfico 2 - Distribuição das pessoas de 10 anos ou mais de idade com rendimento entre os 10% com menores rendimentos e o 1% com maiores rendimentos, por cor ou raça Brasil - 2004/2014...............................................45 Gráfico 3 - Evolução da esperança de vida ao nascimento - Brasil e Espírito Santo -1940 a 2010...................................................................................................................64 Gráfico 4 - Evolução da população do Espírito Santo – 18722010...................................................................................................................65 Gráfico 5 - Evolução percentual da população urbana no Espírito Santo - 19602010...................................................................................................................66 Gráfico 6 - Evolução da Taxa Geométrica de Crescimento Anual do ES e BR – 1940-2010..........................................................................................................67 Gráfico 7 - Evolução da população das microrregiões do ES – 1960-2010......74 Gráfico 8 – Evolução da Taxa Média Geométrica de Crescimento Anual 19702010...................................................................................................................75 Gráfico 9 - Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais inscrita no CadÚnico...........................................................................................................79 Gráfico 10 - Taxa Específica de Mortalidade do Espírito Santo, segundo raça/cor nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 2000..................................................................................................................89 Gráfico 11 - Taxa Específica de Mortalidade do Espírito Santo, segundo raça/cor nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 2010..................................................................................................................89 Gráfico 12 - Taxa Específica de Mortalidade, segundo raça/cor nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 10 a 19 anos, 2010............93 Gráfico 13 - Taxa Específica de Mortalidade, segundo raça/cor nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 20 a 29 anos, 2010............94 Gráfico 14 - Taxa Específica de Mortalidade, segundo raça/cor nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 30 a 39 anos, 2010............94 Gráfico 15 - Taxa Específica de Mortalidade, segundo raça/cor nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 40 a 49 anos, 2010............95 LISTA DE SIGLAS CADÚNICO- Cadastro Único CID – Classificação Internacional de Doenças IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDF – Índice de Desenvolvimento da Família IDH- Índice de Desenvolvimento Humano IJSN- Instituto Jones dos Santos Neves IPEA- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada RAIS- Relatório Relação Anual de Informações Sociais RMGV – Região Metropolitana da Grande Vitória SIM- Sistema de Informações de Mortalidade TBM- Taxa Bruta de Mortalidade TEM – Taxa Específica de Mortalidade UNFPA- Fundo de População das Nações Unidas PIB – Produto Interno Bruto SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................. 11 Materiais e métodos ................................................................................................................ 15 1. OS ASPECTOS GEOGRÁFICOS E A QUESTÃO RACIAL DA MORTALIDADE DIFERENCIAL ...................................................................... 24 1.1 Os estudos populacionais e a Geografia ........................................................................... 24 1.2 Mortalidade na Geografia .................................................................................................. 28 1.3 Desigualdades subjacentes a mortalidade ........................................................................ 33 1.3.1 A situação sociorracial da população negra no contexto brasileiro ............................ 39 1.3.1.1 Desigualdades subjacentes à mortalidade por raça/cor no Brasil ........................... 46 2. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA .................................................................. 51 2.1 O processo de territorialização dos grupos étnico-raciais no estado do Espírito Santo ... 51 2.2 Aspectos econômicos ........................................................................................................ 59 2.3 Aspectos sociodemográficos ............................................................................................. 64 2.4 As microrregiões administrativas do Espírito Santo .......................................................... 71 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES ................................................................. 82 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 96 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 100 11 INTRODUÇÃO O prolongamento da vida dos diversos grupos populacionais é apontado como uma das principais conquistas possibilitadas pelos sucessivos avanços no conhecimento científico pelos quais o planeta vem vivenciando (PRATA, 1992; CASTIGLIONI, 1994). Com efeito, ao passo em que o conhecimento sobre as causas e conseqüências de diversas enfermidades foram sendo conquistados, hábitos cotidianos foram sendo aos poucos modificados, bem como melhorias por parte dos poderes públicos foram implementadas, tendo como impacto, de modo geral, no ganho de tempo e qualidade de vida. Hábitos como a higienização das mãos, por exemplo, evitam diversas doenças, dentre várias outras, foram adotadas e reproduzidas nas sociedades tendo como resultado a própria redução na quantidade dos eventos de óbito e o aumento no tempo de vida média das pessoas (PRATA, 1992). Com isso, sociedades antigas que viviam em média de 20 a 30 anos, tendo uma taxa de mortalidade infantil de 300 falecimentos de crianças para cada 1000 nascidas vivas, em séculos anteriores, passaram já a partir do início do século XX a viver em média 65 anos (CASTIGLIONI, 1994). A ocorrência de tais mudanças possibilitou várias localidades do mundo vivenciarem os processos de Transição Demográfica 1·, que é condicionado, dentre outros fatores pela Transição Epidemiológica2. No Brasil, tais processos iniciam-se – de modo tardio- no século XX, em que este iniciou de modo significativo esses fenômenos populacionais. Neste enredo, insere-se um momento de profundas mudanças no campo econômico, com fortes impactos em diversas questões sociais, socioambientais, dentre outras (BRITO, 2006; MARTINE; MACGRANAHAN, 2010; LACERDA et al., 2010). O Brasil, que inicialmente possuía uma economia extremamente 1 ―[...] redução dos níveis de mortalidade e de natalidade, tendo como conseqüências principais, inicialmente, o crescimento demográfico e, a medida que o processo evolui, as mudanças na representação dos grupos etários, em especial, a redução do segmento das crianças e o aumento da representação idosa.‖ (CASTIGLIONI, 2011,p.1) 2 ―[...] caracteriza-se pela evolução progressiva de um perfil de alta mortalidade por doenças infecciosas para um outro onde predominam os óbitos por doenças cardiovasculares, neoplasias, causas externas e outras doenças consideradas crônico-degenerativas. (PRATA, 1992, p.168) 12 dependente da agricultura, adotou uma série de políticas visando inserir o país entre as nações mais desenvolvidas economicamente. Para os gestores da época, esse salto passaria necessariamente pelo desenvolvimento do setor industrial (LACERDA et al., 2010) destinando suas principais políticas estatais a alcançar tal objetivo. Em decorrência destas movimentações no campo econômico, houve concomitantemente diversos impactos nos contextos socioeconômicos das diversas regiões do país. No âmbito demográfico, o Brasil saiu em poucos anos, de uma população essencialmente rural para atingir, já no início da segunda metade do século XX, uma população majoritariamente urbana (MARTINE; MACGRANAHAN, 2010). Todo este processo de mudança foi marcado por avanços na diversificação da economia brasileira (com o início da industrialização), pela intensificação de conflitos sociais nos centros urbanos, bem como o agravamento de questões ambientais, uma vez que, devido à falta de planejamento, este grande fluxo populacional, em sua maioria de baixa renda, passou a ocupar regiões menos favorecidas das cidades (MARTINE; MACGRANAHAN, 2010). Todavia, os autores salientam que este também foi um momento em que cidades brasileiras passaram por avanços na atenção à saúde e no acesso a informações e técnicas de prevenção de doenças que resultaram conjuntamente em importantes alterações na própria dinâmica demográfica, aumentando, segundo os mesmos, as taxas de crescimento vegetativo. Neste bojo, incluem-se mudanças significativas nos padrões de causas de mortes, reduzindo-se óbitos por causas facilmente evitáveis (doenças infecto-contagiosas, por exemplo) e elevando proporcionalmente as mortes por doenças cardiovasculares e causas externas (PRATA, 1992). Esta urbanização acelerada da população mundial, em especial, dos continentes americanos, teve impactos, dentre outros aspectos, no próprio fenômeno da mortalidade e em suas características, tendo entre suas principais consequências, o crescimento das mortes ocorridas pelos contextos sociais (situações de estresse, violência, por exemplo), que são as Causas Externas (IBGE, 2015). O Brasil, que vivenciou intensas perdas de pessoas das áreas rurais em função para os espaços urbanos, já a partir da década de 1980 passou a figurar entre os principais países onde mais são registrados 13 óbitos por causas externas, chegando a liderar alguns indicadores como mortes em acidentes de trânsito, assassinatos, dentre outros (YUNES, 2001). E, o Espírito Santo, vem liderando tais tendências, principalmente no que se refere ao assassinato de populares mais pobres e de mortes por acidente no trânsito (ZANOTELLI et al., 2011; RIBEIRO JÚNIOR, 2012; CASTIGLIONI; FAÉ, 2014). O grupo das causas externas, aliás, insere-se na contemporaneidade entre os grandes desafios a serem superados pelos países em desenvolvimento, em especial, pela forte tendência apresentada nas últimas décadas de ceifar a vida da população nos grupos mais jovens da estrutura etária (CASTIGLIONI, 2011; YUNES, 2001). Os crimes contra a vida, por exemplo, que se concentra de modo significativo nas áreas urbanas (LIRA, 2017), assim como mortes por acidentes de trânsito (CASTIGLIONI; FAÈ, 2014) apresenta-se como uma importante temática a ser investigada em seus diversos espaços geográficos, de modo que possa contribuir para a compreensão dos comportamentos territoriais do fenômeno e subsidiar a produção e implementação de políticas públicas que visem reduzir o risco de óbito e proporcionar qualidade de vida aos diferentes grupos sociais e raciais. Deste modo, justifica-se a presente pesquisa no reconhecimento da importância de se investigar e descrever espacialmente fenômenos demográficos, entendendo estes como fundamentais na compreensão das próprias condições de vida dos diversos grupos populacionais. A mortalidade é diferencial e possui importantes demarcações sociais (DAMIANI, 2002) que tem demandado cada vez mais estudos com vista principalmente a identificar tendências, necessidades e prioridades, possibilitando assim a formulação de políticas públicas específicas por parte dos estados que possibilitem atender as demandas específicas dos diferentes contextos geográficos e/ou grupos populacionais. Neste contexto, acredita-se que as análises com foco também em diferenciais territoriais podem fornecer relevantes contribuições para o debate. Assim sendo, o presente estudo tem por objetivo identificar diferenciais socioterritoriais na mortalidade, segundo causas externas, por faixa etária e 14 raça/cor, no contexto das microrregiões do estado do Espírito Santo, entre os anos 2000 e 2010. Tal objetivo desdobra-se nos seguintes objetivos específicos: a) examinar níveis de mortalidade entre 10 e 49 anos, por raça/cor nas microrregiões administrativas do Espírito Santo; b) averiguar a existência de padrões espaciais e se existe correlação da mesma com contextos socioeconômicos e/ou sociorraciais; c) discutir acerca dos perfis de mortalidade evidenciado pelas microrregiões do Espírito Santo no que se refere às variáveis raça/cor. Tem-se entre as hipóteses que: 1) as mortes violentas, devido à direta relação com contextos sociais e desigualdades sociorraciais podem estar manifestando maior incidência entre a população preta e parda, destacando-se nos territórios com maiores níveis de vulnerabilidade social, para pretos; 2) Há uma correlação entre a concentração espacial de pessoas nos centros urbanos e os elevados risco de morte; 3) A população entre 10 e 49 anos, por vivenciar mais intensamente os conflitos sociais cotidianos, pode estar refletindo através das causas externas, maiores riscos de serem vitimados por uma causa externa que os demais grupos. 4) Haverão significativos diferenciais nos grupos etários, e raciais com destaque entre população adulta (já a partir dos 10 anos) mais jovem para pretos e pardos, ao passo que, em razão dos ganhos, nos grupos iniciais, a população branca apenas enfrentará maiores riscos entre as idades mais avançadas, após os 50 anos. Deste modo, a presente investigação empírica de caráter exploratório dividiu-se em três capítulos. No primeiro, foi traçada uma discussão sobre os estudos da desigualdade nos índices de mortalidade por raça/cor através da ciência geográfica. Este teve o intuito de situar a Geografia, no eixo de pesquisas sobre questões raciais nos registros de óbitos, de modo, a contribuir na compreensão da situação sociorracial, com um olhar sob a espacialidade das variações entre localidades e grupos. O segundo capítulo estruturou-se a partir da necessidade de traçar um panorama da área de estudo em questão, visando situar o leitor acerca do contexto espacial estudado. Neste momento, foi realizada a apresentação da área e questões diversas que auxiliam na compreensão da conjuntura local observada. No terceiro capítulo, foram apresentados e discutidos os resultados. 15 Materiais e métodos O período compreendido entre 2000 e 2010 foi assim definido, pois se insere num contexto de significativas mudanças econômicas do estado do Espírito Santo, principalmente com a intensificação dos fluxos migratórios em função dos crescentes investimentos resultantes direta e indiretamente da exploração de commodities3 (DOTA; COELHO; CAMARGO, 2017) e também da implementação de uma série de políticas públicas por parte do governo do estado, como a intensificação da guerra às drogas4 (RIBEIRO JÚNIOR, 2012), além do fato de possibilitar o uso de informações oriundas dos próprios censos demográficos do IBGE, como o total populacional e análises de indicadores sociais. No que se refere à escala espacial de análise das informações do indicador ‗mortalidade‘, optou-se por agregar os dados segundo as dez microrregiões de planejamento do estado do Espírito Santo, convencionadas pela lei estadual 9.768 sancionada em 28 de dezembro de 2011 5. Isso, pois, a exemplo do que relatou Faria (2016), tal recorte espacial possibilitaria aglutinar dados de municípios pequenos, ao passo que respeitaria as similaridades existentes entre as unidades municipais. Uma vez que, normalmente, no momento da própria definição de tais microrregiões, são considerados um conjunto de fatores correlacionados - aspectos naturais, econômicos, sociais, históricos, políticos - possibilite obter certo nível de homogeneidade entre os municípios (LIRA; CAVATTI,acesso em 16 dez.2016). Vale ressaltar que, conforme assevera Lira e Cavatti (acesso em 16 dez. 2016), a divisão do território em regiões vem sendo uma estratégia dos planejadores sociais para idealização, estruturação e implementação de ações governamentais. Deste modo, optou-se pelas microrregiões de planejamento definidas pela lei estadual ao invés da definida pelo IBGE, devido ao fato de que os estudos do Instituto 3 São matérias-prima voltadas em sua maioria para exportação. Atualmente o estado destacase pela produção e exportação dos seguintes commodities: minério de ferro, aço, celulose, e mais recentemente, petróleo e gás. 4 Dados discutidos por Ribeiro Júnior (2012) indicam que as principais vítimas das políticas de repressão às drogas implementadas pelo estado do Espírito Santo são jovens negros. 5 No período em que o estudo foi publicado, foi considerada a regionalização conforme Lei Estadual 5.120 de 30/11/95 alterada pelas leis: Lei 5.469 de 22/09/1997, Lei 5.849 de 17/05/99 e Lei 7.721 de 14/01/04. Nesta ocasião, a área era denominada Metropolitana, Polo Linhares e Litoral Norte. No presente estudo foram consideradas as microrregiões criadas pela Lei Estadual 9.768 sancionada em 28/12/2011. 16 Jones dos Santos Neves (IJSN)6, se dedicam a analisar as informações do Espírito Santo em seus diversos aspectos, quais sejam, econômico, social, cultural, etc. O que corroboraria para a obtenção de estudos e análises das informações socioeconômicas e raciais em nível estadual com maior riqueza de detalhes, se comparado aos relatórios nacionais. As informações dos óbitos e da população residente nos municípios do Espírito Santo por raça/cor e faixa etária no período analisado foram obtidas em fontes secundárias, através do sítio do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS)7, do Ministério da Saúde, na seção Dados Demográficos e Socioeconômicos e Sistema de Informações de Mortalidade (SIM/DATASUS). Optou-se por utilizar tais fontes devido à abrangência social e espacial dos dados da pesquisa, que possibilita atingir todas as áreas estudadas. A mortalidade é aqui estudada a partir da Classificação Internacional das Doenças – CID 10, especificamente com o grupo das Causas Externas. O grupo das Causas Externas foi assim definido devido ao fato deste grupo aglutinar um conjunto de tipos de mortes extremamente sensíveis aos contextos socioeconômicos e sociorraciais. De acordo com o DATASUS, este grupo engloba óbitos por acidentes de trânsito, homicídios, agressões, quedas, afogamentos, envenenamentos, suicídios, queimaduras, lesões, dentre outros, ocasionadas por determinações ambientais. Apesar de imprescindíveis no conhecimento da dimensão, composição e comportamento deste nos diferentes grupos populacionais, análises estatísticas do indicador mortalidade ainda têm evidenciado dificuldades para ser realizado no Brasil (CASTIGLIONI, 1994; PEREZ; TURRA, 2008). Para Perez e Turra (2008), a produção de tais estudos em países em desenvolvimento como o Brasil ainda é escassa devido à dificuldade de obtenção de dados confiáveis para geração de estimativas robustas. De acordo ainda com os estudiosos isso estaria associado à existência de desigualdades 6 ―[...] finalidade produzir conhecimento e subsidiar políticas públicas através da elaboração e implementação de estudos, pesquisas, planos, projetos e organização de bases de dados estatísticos e georreferenciados, nas esferas estadual, regional e municipal, voltados ao desenvolvimento socioeconômico do Espírito Santo. [...]‖. Disponível em < http://www.ijsn.es.gov.br/institucional/quem-somos > acesso 01 jan. 2017. 7 Mais informações sobre o DATASUS, acessar <http://datasus.saude.gov.br>. 17 regionais e de precários sistemas de registro ou até mesmo negligência por parte dos profissionais responsáveis (como é o caso da região nordeste do Brasil, por exemplo), que resultam na persistência de elevados registros com informações faltantes, como é o caso da causa de morte e/ou categoria racial da vítima – cor da vítima. O eixo de discussão das desigualdades raciais no âmbito da saúde ainda tem sido pouco investigado no Brasil (CHOR; LIMA, 2005). Para Waiselfisz (2012) esta constatação estaria associada ao fato de, apesar da obrigatoriedade de emissão de uma certidão de óbito para todas as mortes registradas no país ser datada de meados de 1970 e a disponibilização destas informações para o público ter ocorrido a partir de 1979, a variável raça/cor apenas passou a fazer parte do Sistema de Informações de Mortalidade8 de 1995 para 1996. Como conseqüência, verifica-se que as informações sobre a cor das vítimas de óbitos apenas estão disponíveis no sistema a partir de 1997 (ZANOTELLI et al, 2011). Os dados do SIM/DATASUS são contados: ―[...] a partir do registro da morte em certidão de óbito à vista de um atestado médico ou, na falta de médico na localidade, por duas pessoas qualificadas que tenham presenciado ou verificado a morte [...]‖ (ZANOTELLI et al, 2011, p.35). Deste modo, após a constatação do falecimento, tais profissionais preenchem a Declaração de Óbito (documento basilar para a obtenção junto aos cartórios, da certidão de óbito) com as informações da vítima e das circunstâncias do falecimento. Zanotelli et al (2011) chama a atenção para a necessidade do cuidado com as inferências realizadas a partir exclusivamente das informações do SIM/DATASUS. Segundo os pesquisadores é relevante atentar-se para o fato da possibilidade de, por exemplo, de vítimas residentes em um município serem encaminhadas para hospitais de referências de outras cidades e no registro constar como se o individuo fosse de origem do local onde a morte aconteceu. Regiões onde há uma maior concentração de hospitais referência acabam por concentrar mortes ocorridas em ambientes hospitalares, que caso analisadas com base no local de ocorrência, não 8 Sistema de Informações de Mortalidade <http://sim.saude.gov.br>; Ver também <http://www.saude.sc.gov.br/inf_saude/sim_informacoes/sistemas_informacoes_mortalidade/in dex.htm> 18 refletiria necessariamente o aspecto socioterritorial do paciente. No Espírito Santo, por exemplo, Vitória, Vila Velha e Serra possuem importantes unidades hospitalares que recebem pacientes de diversas cidades do interior. Por este motivo, visando amenizar tais questões, neste estudo, os dados foram observados com base nos locais de residência das vítimas. Outro ponto identificado ao longo da construção desta pesquisa que mereceu atenção foi à existência de diferenças na captação da categoria racial dos indivíduos. Enquanto a informação relativa ao quantitativo populacional no território segundo raça/cor é mensurada a partir da autodeclaração dos habitantes (o indivíduo indica sua pertença raça/cor), a categorização raça/cor dos óbitos ocorre segundo percepção do profissional habilitado pela autoridade pública (a pertença racial é definida por terceiros – heteroclassificação). Em decorrência disso, pode-se encontrar registros com divergências entre o quantitativo de óbito de determinada categoria específica e a população existente deste grupo num determinado território (ausência de óbitos atribuídos à categoria ao longo de vários períodos). Deste modo, as análises e inferências estatísticas aqui realizadas ativeram-se exclusivamente aos registros já disponíveis no SIM/DATASUS, resguardando-se as ressalvas acima mencionadas. Ainda no que diz respeito à categorização racial, vale destacar que houve melhora nas informações do SIM/DATASUS. Observando-se os registros dos anos de 2000 e 2010 do estado do Espírito Santo (gráfico 1), verifica-se uma redução de 19,7 pontos percentuais (2000: 31,4%; 2010: 11,7%) nos óbitos com categoria racial ignorada. Tendência acompanhada pelas microrregiões de planejamento, com destaque para nordeste, centrooeste, rio doce e noroeste, situadas na faixa norte do estado. Tais registros foram desconsiderados no ato da realização dos cálculos e análises das taxas. 19 Gráfico 1 – Percentual de óbitos por causas externas ignorados no estado e nas microrregiões do estado do Espírito Santo em 2000 e em 2010 31,4 ESPÍRITO SANTO 11,7 37,4 Metropolitana 15,5 25 Central Serrana 14,3 16,3 Sudoeste Serrana 8,1 Litoral Sul 8,1 15,7 17,3 Central Sul 10,7 12,8 11,6 Caparaó 30,6 Rio Doce 7 17,6 Centro-Oeste 3,6 48 Nordeste 6,7 14,1 Noroeste 3,5 0 10 20 2000 (%) 30 40 50 2010 (%) Fonte: SIM/DATASUS. Organizado pelo autor De início, tinha-se entre as hipóteses que: a) as mortes violentas, devido à relação direta com contextos sociais e desigualdades sociorraciais incidiriam mais entre pretos e pardos, que de acordo com a bibliografia consultada, ocupam os espaços com as piores condições materiais de existência na sociedade brasileira; b) haveria uma correlação entre a concentração de pessoas, os grandes centros urbanos e as elevadas taxas específicas de mortalidade, destacando-se os maiores riscos entre pretos e pardos; c) haveria uma maior incidência entre a população preta já a partir dos 10 anos, mesmo nas microrregiões onde brancos representam maioria percentual da população, e entre brancos após os 50 anos. Na busca de atingir os objetivos e averiguar tais hipóteses, foram consultados relatórios e mapas produzidos pelo IJSN. Os mapas do instituto auxiliaram na compreensão de alguns indicadores e sua distribuição espacial no estado. Os demais órgãos de pesquisas nacionais, tais como Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas contribuíram para a aferição em nível nacional e estadual de indicadores sociais e raciais. Tais entidades têm produzido inúmeros estudos que coadunam na compreensão da situação dos grupos étnico-raciais no que se refere a aspectos econômicos e sociais, sendo utilizados inclusive, por 20 inúmeros autores consultados ao longo do desenvolvimento do presente estudo. Os dados obtidos no sitio do DATASUS foram tabulados e tratados no Software Excel - versões 2007 e 2010 e analisados no software RStudio. As comparações entre os diferentes grupos étnico-raciais e/ou etários foram realizadas a partir dos cálculos das taxas. Isso, pois, a partir destas é possível comparar diferentes grupos, uma vez que os resultados são verificados a partir do estabelecimento de um quantitativo base de pessoas vivas, em função do número de óbitos, possibilitando assim, verificar a intensidade com que os diferentes grupos populacionais têm sido vitimados. Para tanto foram calculadas: a) Taxa Bruta de Mortalidade (TBM), que se refere ao risco que tem uma pessoa de morrer, a partir do cálculo entre a relação do total de óbitos e a população total de um determinado grupo populacional ao longo de 12 meses. Tal taxa é expressa pela razão entre óbitos e população multiplicados por mil habitantes; i) Taxa Bruta de Mortalidade: TBM = Óbitos Totais ∗ 1000 Popula Totaiso ii) Taxa Bruta de Mortalidade segundo raça/cor: TBM = Óbitos totais do grupo racial ∗ 1000 Popula totais do grupo racial M b) A Taxa Específica de Mortalidade (TEM) esta relacionada ao risco de morte em cada idade ou em cada grupo etário. A partir desta é possível acompanhar como os diferentes indivíduos e/ou grupos etários foram expostos ao risco de morte ao longo do período analisado. A TBM é uma média ponderada das TEM‘s. (CARVALHO; SAWYER; RODRIGUES, 1998). No presente estudo foram calculadas as TEM segundo grupo racial da seguinte maneira: TEM = Óbitos do grupo etária racial ∗ 10000 Popula do grupo etária racial O uso das Taxas Brutas de Mortalidade precisa ser feito com algumas ressalvas. Isso, pois, por ser uma média ponderada de todos os grupos etários, que possuem diversificados níveis de risco de morte, está é facilmente influenciada pela composição etária – principalmente pela presença de idosos 21 e crianças (BEAJEAU-GARNIER, 1980; CASTIGLIONI, 1994; CARVALHO; SAWYER; RODRIGUES, 1998). Populações com elevados números de idosos e crianças podem refletir realidades totalmente diferente. Um país desenvolvido e/ou em desenvolvimento, que possua boas condições socioeconômicas e sanitárias tem, dentre outras características, o fato de a população viver cada vez mais. Este fato, por sua vez, faz com que o número de idosos – que tem maiores riscos de morte- seja elevado, acarretando em elevadas taxas brutas, enquanto países e/ou regiões com condições precárias, em que as taxas de natalidade sejam altas – indivíduos com menores riscos de morte – evidenciem taxas baixas (CASTIGLIONI, 1994). Resguardando-se os devidos cuidados (a estrutura etária), esta pode contribuir para a compreensão geral da situação de uma determinada localidade. Por este motivo Carvalho, Sawyer e Rodrigues (1998) destacam que, de modo geral, as pesquisas que analisam comparações de óbitos entre grupos populacionais utilizam as Taxas Específicas de Mortalidade9, que auferem e possibilitam a inspeção do efeito dos diferenciais especificamente em cada um dos conjuntos, segundo recorte etário. Após o calculo das taxas10 no Excel, no intuito de verificar se houve variação significativa nas taxas e possíveis interações estatisticamente significantes, foi aplicado, no software RStudio o teste Kruskal-Wallis11. Esta testagem não paramétrica é utilizada para defrontar três ou mais populações, no intuito de comparar as taxas de mortalidade entre essas variáveis, verificando qual seria significante. Com isso, procedeu-se o manuseio das taxas no software Excel, e utilizou-se técnicas da estatística descritiva12, com vista verificar a distribuição das mortes segundo faixa etária, microrregiões e 9 Ao longo das discussões foram calculadas médias aritméticas das taxas específicas de mortalidade referente ao ano de 2000 e 2010. Neste caso, a média da TEM, refere-se a média aritmética estabelecida entre os anos de 2000 e 2010. 10 Durante as tabulações, verificou-se que alguns grupos étnico-raciais não possuíam óbitos atribuídos a categoria em determinado grupo etário. Por este motivo, o resultado do cálculo da taxa foi zero. No intuito de melhorar a visualização dos dados, tais zeros não foram inseridos na tabela, ficando assim os espaços vazios. 11 O teste Kurskal-Wallis, realizado no software RStudio, foi feito pelo discente Alan Torres (graduando em de Estatística da Ufes), que compõe a equipe do Laboratório de Estatística da Universidade Federal do Espírito Santo-Lestat-Ufes, sob orientação do Prof° Dr. Ivan Robert Enriquez Guzman. 12 Foram calculadas médias e medianas. Denomina-se: a) média: o resultado da soma de todas as informações de um conjunto de dados dividida pelo número de informações que foram somadas; b) mediana: número que ocupa a posição central de uma lista. Destaca-se que a única média utilizada nos cálculos foi a média aritmética. Disponível <http://brasilescola.uol.com.br/matematica/moda-media-mediana.htm> Acesso: 16 out. 2017. 22 grupos étnico-raciais. As taxas calculadas para as microrregiões foram também distribuídas espacialmente em mapas produzidos com o auxílio do sistema de informações geográficas ArcMap 10.1 da empresa ESRI (Environmental Systems Research Institute). Para tanto, foram utilizadas as bases cartográficas13 fornecidas pelo Instituto Jones dos Santos Neves. No que se refere aos grupos étnico-raciais, faz-se relevante entender que: Raça e Etnia possuem importantes diferenças que as demarcam (SISS; PACE, 2013). Para os autores, enquanto o conceito de etnia remete a uma filiação ancestral, raça está diretamente correlacionado a um conjunto de características fenotípicas. Nesta perspectiva, etnicamente, pessoas com diferentes tonalidades de pigmentação da pele e traços físicos podem se definir como pertencente a uma determinada ancestralidade que não necessariamente reflete o tom de pele que o mesmo possui. Isso possibilita que pessoas com tom de pele branco possam se autodeclarar negras, por afinidade e/ou compreensão que ao longo do processo de miscigenação pode ter havido um cruzamento interracial entre seus ancestrais. Já raça14 tem sido definida por critérios observáveis, tais como, tonalidade da pele, altura e tipo de cabelo, por exemplo. O IBGE utiliza em seus registros empíricos o critério de autodeclaração (a partir de uma heteroclassificação) para definir a variável ―raça/cor‖, tendo as seguintes opções15: branca; preta, amarela, parda, indígena. O entrevistado responde ao agente da pesquisa no ato da realização das entrevistas qual grupo raça/cor ele pertence. Raça, conforme se observa em Siss e Pace (2013), será entendido como conjunto de características físicas, que como adota o IBGE, será observado a partir da autoatribuição. Para a realização dos cálculos e análises deste trabalho foram considerados inicialmente todos os grupos étnico-raciais. Todavia, durante o 13 Shapefiles disponíveis em < http://www.ijsn.es.gov.br/mapas/ > Acesso: 07 abr. 2017. Destaca-se que o termo raça na presente pesquisa não é discutido sob o ponto de vista do determinismo biológico, mas sim como sendo fruto de uma construção histórica e social (SCHWARCZ, 2001). 15 Os conceitos utilizados nas coletas do IBGE estão disponíveis em < http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/conceit os.shtm > acesso em: 01 ago. 2016 14 23 processo de análise dos dados notou-se que as informações de duas, quais sejam, Amarela e Indígena, variam muito, uma vez que a quantidade de indivíduos categorizados neste grupo é muito menor/não registradas 16, dificultando assim a fidedignidade da análise. Portanto, ao longo da tabulação estes foram aglutinados na categoria racial outras. Deste modo, definiu-se com grupos étnico-raciais neste estudo: branca, preta, parda e outras. Ressalta-se ainda que, para fins desta pesquisa, a exemplo do estudo do IJSN (2017), o termo negro(a), quando utilizado,estará se referindo a pretos e pardos.Tal fato é possível, conforme pontua Kilsztajnet al. (2005), devido a existência de estudos empíricos que tem revelado que ambas compartilham, de modo geral, padrões de vida, renda média, escolaridade dentre outras variáveis semelhantes entre si e diferentes entre as demais. Devido ao fato dos jovens e adultos17 estarem mais propensos à vivenciarem as tensões sociais, e serem mais ativos socialmente, estes acabam ficando também mais expostos ao risco de morte (DRUMOND JR; BARROS, 1999). Notou-se na bibliografia consultada, que tais ocorrências tem se revelado ainda mais intensas nos adultos, principalmente entre os 20 e os 49 anos. Isso, conforme se observa em Castiglioni (1994; 2011) da-se tanto devido a fatores psicológicos (inexperiência, consumo de drogas lícitas e ilícitas, imprudência no trânsito) quanto sociais (residir em regiões onde ocorrem inúmeros conflitos, disputa pela posse de terras) (ZANOTELLI et al, 2011). Por este motivo, optou-se por centrar as análises das taxas específicas de mortalidade dos grupos etários entre 10 e 49 anos, segundo grupos étnicoraciais e as microrregiões. 16 Amarela e Indígena não superou média de 0,1% nos registros de óbitos disponibilizados pelo SIM/DATASUS períodos analisados. Juntas, de 2000-2010, totalizaram de 35 óbitos. 17 A Organização Mundial da Saúde entende como jovens os sujeitos com idades entre 10 e 24 anos. No entanto, considerando que se optou por trabalhar com intervalos etários de 10 anos, o termo Jovem, quando utilizado, estará se referindo a faixa etária dos 10 aos 19 anos. Adulto refere-se aos grupos etários entre 20 e 69 anos e Idoso acima dos 70 anos. 24 1. OS ASPECTOS GEOGRÁFICOS E A QUESTÃO RACIAL DA MORTALIDADE DIFERENCIAL Este capítulo tem por objetivo discorrer sobre as variações no risco de morte, em função de diferentes variáreis. Vislumbrou-se ainda nesta discussão teórica, compreender como (se) o estudo da mortalidade tem contribuído para a discussão sobre os níveis de mortalidade em seus diversos aspectos (classes sociais, faixa etária, raça/cor, regiões etc.), com ênfase à possível existência de questões raciais e/ou espaciais nos diferenciais identificados. Ressalta-se que o eixo de pesquisas sobre desigualdades raciais no Brasil tem apontado disparidades entre os grupos étnico-raciais que compõe o povo brasileiro em diversos campos (HASENBALG, 1979; SANTOS, 2016). E o presente capítulo tem a pretensão de verificar em produções científicas se essas diferenças tem ocorrido também no que refere à duração da vida, bem como a intensidade dos riscos de morte em diferentes regiões geográficas. Faz-se assim necessário discorrer acerca do olhar que a Geografia tem sobre os estudos populacionais, em específico, sobre as análises da mortalidade e seus diferenciais também por raça/cor, de modo a auxiliar na compreensão da situação sociorracial da população negra no contexto brasileiro, em seus diferentes aspectos. 1.1 Os estudos populacionais e a Geografia A ciência geográfica tem muito a contribuir com os estudos populacionais, por meio de uma abordagem crítica e contextualizada (MORMUL, 2013). Segundo Beaujeur-Garnier (1980) o profissional geógrafo tem por atribuição não só descrever os fatos no contexto de seu ambiente, mas também estudar os motivos, características e possíveis reflexos socioespaciais de tais eventos. Deste modo o geógrafo, ―[...] quando estuda a população, analisa fenômenos essencialmente biológicos e fenômenos com causas sócioeconômicas e culturais. [...]‖ (CAMPOS, 2009, p. 59). Assim, tal profissional, amparando-se em saberes oriundos de diferentes campos de conhecimento (Sociologia, Antropologia, Economia, por exemplo) analisa, na perspectiva geográfica, temáticas como a mortalidade, a natalidade e a migração (BEAUJEU-GARNIER, 1980; GEORGE, 1978; FREITAS, 2014), com vista à 25 inter-relacionar e analisar os diferentes contextos. Beaujeu-Garnier (1980, p.5) destaca que: As sociedades humanas existem e modificam-se, mas são também ativas em imprimir sua marca, com maior ou menor força, em seu próprio ambiente: casas, desflorestamentos, campos cultivados, fábricas, estradas. [...] Nota-se assim, nas palavras de Beajeu-Garnier (1980) e nas contribuições de George (1978), que a superfície terrestre reflete em seus diversos contextos as relações sociais, históricas, culturais e econômicas dos diferentes lugares. Bourdieu (2013) propõe a análise deste fenômeno a partir do conceito de espaço físico reificado18. De acordo com o autor, o espaço social19e o espaço físico20 reproduzem a relação dialógica existente entre o ambiente físico e as relações sociais. Assim, tem-se como resultado a reificação das estruturas físicas em função de demandas socialmente criadas (o contrário também ocorre), que se refere às marcas evidenciadas pelo contexto das relações sociais no território de vivência. Cita-se, por exemplo, o caso do espaço urbano, em que, devido a relações sociais assimétricas entre os diferentes estratos sociais, produz a estruturação e fortalecimento de áreas com determinados padrões espaciais (áreas nobres, dotadas de benfeitorias e as áreas menos favorecidas, onde serviços básicos são total ou quase inexistentes) (LIRA, 2015). Neste sentido, o lugar e o local ocupados no espaço físico apropriado podem fornecer formidáveis indicadores da posição que o indivíduo ocupa na hierarquia social (BOURDIEU, 2013; DRUMOND JR; BARROS, 1999), não sendo, portanto, a localização aleatória, produto somente de decisão em nível individual. A melhoria da qualidade nos registros de dados sobre diferentes aspectos da população tem impactado positivamente na produção de estudos empíricos. De acordo com Freitas (2014), principalmente na segunda metade do século XX, variados fatores corroboraram para que isso ocorresse, dentre 18 Espaço físico modificado pelas relações sociais. Também denominado espaço físico apropriado (BOURDIEU, 2013). 19 ―[...] espaço abstrato construído pelo conjunto dos subespaços ou dos campos (campo econômico, campo intelectual, etc.) [...]‖ (BOURDIEU, 2013, p.136). 20 ―[...] só pode ser pensado como tal por meio de uma abstração (geografia física); ou seja, ignorando-se decididamente tudo o que ele deve ao fato de ser um espaço habitado e apropriado [...]‖ (BOURDIEU, 2013, p.136). 26 eles, o próprio avanço tecnológico. Neste cenário, a Geografia passa a partir dos novos debates iniciados na década de 1950 a também considerar a relevância de se discorrer acerca dos fenômenos que envolvem fatores demográficos, questões sociais, físicas, tudo isso de modo holístico e dialógico. No que se refere especificamente aos estudos geográficos históricos relacionados à população, Beaujeu-Garnier (1980) demarca existir três aspectos que merecem ser observados: distribuição dos povos pelo globo; a evolução das sociedades humanas e o grau de êxito por elas atingido sendo que, para a autora, o mais elementar é a distribuição da população. Tal fato revela o olhar que a geografia destina às análises relacionadas às pesquisas no campo das investigações em população, que é a variabilidade espacial dos dados. Com o avanço dos debates sobre qual seria de fato o olhar especifico da geografia, cada vez mais se destacou a relevância de se realizar análises críticas dos registros, não se limitando a descrevê-lo espacialmente. Damiani (2002), neste sentido, ressalta que não se podem limitar os estudos populacionais em geografia a simplesmente realizar averiguações e descrições espaciais, mas sim, observar a espacialidade, problematizando sobre possíveis fatores (sociais, culturais, raciais, econômicos, ambientais, por exemplo), que podem estar operando e influenciando em determinado comportamento do dado. As investigações realizadas em geografia da população se centram nos nascimentos, nos movimentos populacionais e nas mortes ocorridas. Em tais análises, são verificados os seguintes fatores demográficos: tamanho da população; distribuição por sexo, idade, estado conjugal; distribuição segundo região geográfica de residência anterior, atual, e de nascimento; natalidade; fecundidade; mortalidade. Cada um, ao seu modo, exerce significativa influência nas dinâmicas populacionais e também refletem os variados contextos territoriais (BEAUJEU-GARNIER, 1980; CARVALHO; SAWYER; RODRIGUES, 1998; ZELINSKY, 1969). Nas palavras de George (1978, p.7), a depender da realidade geográfica, econômica e social de cada país, por exemplo, cada nascimento assume um significado particular, ou seja, está estatisticamente atrelado a uma 27 realidade estrutural que pode estar indicando para uma maior ou menor possibilidade de sobrevivência e/ou longevidade, de modo que, as diferentes desigualdades também se expressariam e poderiam ser observadas em função da origem do dado nascimento, bem como o local onde vive. Para o autor, A mais inelutável das razões da desigualdade entre os homens é hoje a sua origem geográfica, isto é, o lugar onde nascem. Ao lado de diferenciações naturais, que implicam para o pequeno esquimó um universo sem nada de comum com o do pequeno indonésio, a disparidade na repartição da riqueza entre os homens, as posições violentas entre países onde a renda aumenta e naqueles onde as necessidades crescem rapidamente, fazem da geografia da população um dos problemas de mais dramática abordagem da realidade humana hodierna. (GEORGE, 1978, p.7-8) Freitas (2014) e Damiani (2002) listam a mortalidade entre as temáticas relevantes a serem analisadas pela ciência geográfica, ao lado das questões de natalidade e migração. Pensando do ponto de vista da evolução populacional, têm-se na natalidade e na migração dois fatores demográficos que atuam diretamente na inserção de indivíduos de uma determinada população num determinado tempo e espaço. As mortes, por sua vez, são irreversíveis, sendo o indivíduo excluído definitivamente da população (CARVALHO; SAWYER; RODRIGUES, 1998). George (1978) destaca a redução geral da mortalidade ocorrida no mundo como fato demográfico mais característico da primeira metade do século XX. Segundo o autor, [...] Surge como resultado da debelação das epidemias, da erradicação das endemias destruidoras, como o paludismo, de numerosas regiões do globo onde antes faziam estragos e da redução considerável da mortalidade infantil (mortalidade no primeiro ano de vida). (GEORGE, 1978, p.50) De acordo com Damiani (2002) basicamente três fatores centrais teriam influenciado nesta redução: maior controle das doenças infectocontagiosas; melhoria do saneamento e do nível de vida; melhoria nas condições de trabalho, com o avanço das legislações trabalhistas. Todavia, ao verificar tais constatações, a autora ressalta ainda, que seja preciso relativizar estas supostas conquistas atingidas pela população mundial. Isso, pois, nem todos os estratos da hierarquia social foram contemplados de maneira igualitária. Compreende-se assim que tal fato credibiliza e reforça o quão relevantes podem ser as análises espaciais de tal fenômeno. 28 Conforme pontua Castiglioni (1994): O conhecimento das características dos fenômenos demográficos que condicionam a dimensão, composição e dinâmica da população é de grande relevância para a definição das necessidades e prioridades que devem nortear o planejamento socioeconômico dos estados. (CASTIGLIONI, 1994, p.2) Neste contexto de definição de necessidades e prioridades, a compreensão dos possíveis aspectos territoriais envolvidos nas dinâmicas dos comportamentos apresentados pelos indicadores da população, nos quais a ciência geográfica focaliza em seus estudos, podem assumir relevância ímpar, uma vez que permite também problematizar sobre um mesmo fenômeno, também em função de diferentes localidades e conjunturas no tempo e no espaço. Sendo possível através dos resultados, criar estratégias de intervenções que se adéquem aos contextos específicos. 1.2 Mortalidade na Geografia Na Geografia, a mortalidade, assim como os demais fatores demográficos, é observada e problematizada a partir da realidade do contexto analisado em função de questões conjunturais e culturais (GEORGE, 1978; BEAUJEU-GARNIER, 1980; DAMIANI, 2002). Conforme Mormul (2013), a análise mais ampla do social possibilita uma melhor compreensão de seus resultados, ao passo que demarca a efetiva participação, em diferentes escalas, de fatores locais e regionais, no comportamento de determinado dado. Segundo a mesma, Não se trata de realizar uma leitura linear da história, mas entender as forças políticas, econômicas e culturais que influenciaram o modo como as pessoas se organizam e vivem socialmente. (MORMUL, 2013, p.40) Estudos que analisam índices de mortalidade em diferentes localidades têm evidenciado a existência de padrões e variações espaciais nos tipos e nos motivos pelos quais ocorrem os óbitos (PRATA, 1992; SILVA; PAIM; COSTA, 1999; SANTOS; NORONHA, 2001; PAES-SOUSA, 2002; ANDRADE; DINIZ, 2013), corroborando com processos, como o de reificação do espaço físico e social (BOURDIEU, 2013). Beaujeu-Garnier (1980), ao abordar sobre esta temática, demonstra que as diferentes regiões do planeta apresentam 29 especificidades culturais21, climáticas e socioeconômicas, por exemplo, que acabam por refletir em padrões diferenciados de índices e motivos pelos quais as pessoas têm vindo a óbito. Ao analisar as mortes ocorridas entre 1930 e meados de 1970 no Brasil, Prata (1992) encontrou significativas variações nas causas de mortalidade em função da região analisada. Dentre outras conclusões, o autor explicita a ocorrência de diferentes padrões e processos na Transição Epidemiológica22 Brasileira, com fortes influências do contexto geopolítico e histórico. Segundo o autor, ao longo dos anos ocorreram diferentes avanços no que se refere aos padrões de mortes, por exemplo, as regiões Sul e Sudeste, que são historicamente favorecidas por políticas públicas, foram percebidas melhorias no combate a morbidades com forte cunho social como as doenças infecciosas, por exemplo, enquanto as regiões Norte e Nordeste ainda mantiveram estes índices elevados. Apesar da evolução do perfil de mortalidade estar obedecendo ao esperado na teoria da transição epidemiológica em todas as regiões brasileiras, a desigualdade processual desta evolução pode ser observada [...] (PRATA, 1992, p.172). Para Castiglioni (1994) a extensão ou não da vida média de uma população está diretamente relacionada tanto com a velocidade com que seus componentes são eliminados às várias idades (os óbitos), quanto à localização espacial. Segundo a estudiosa, o ritmo da diminuição passa por forte influência das características dos espaços geográficos e suas nuances sócio-econômicacultural. De tal modo que, é possível, de acordo ainda com a mesma, estabelecer conexões entre, por exemplo, avanços em saúde de uma determinada região e o envelhecimento dos habitantes, em que: [...] os ganhos em saúde se distribuem espacialmente de forma desigual refletindo as disparidades de desenvolvimento existentes entre as regiões do mundo. Cerca de 64% dos países já 21 Ao discutir sobre diferenciais por sexo na mortalidade, Castiglioni (1994) ressalta o peso da bagagem das práticas e costumes locais na mortalidade. Apesar de mundialmente a mortalidade masculina ser maior que a feminina, ―em certas sociedades onde a mulher é submetida à forte discriminação, o fator biológico é sobrepujado pelo cultural e a sobremortalidade masculina se reduz a menos de 2 anos ou há uma inversão. [..] (CASTIGLIONI, 1994, p.8) 22 [...] essa transição refere-se ao período entre o declínio das mortes por doenças infecciosas e parasitárias agudas e o aumento das mortes em função de doenças crônico-degenerativas, acompanhadas de um deslocamento (shift) do padrão de mortalidade por idades, das idades mais jovens para as mais avançadas. [...] (ALBUQUERQUE; SILVA, 2015, p.51-52) 30 ultrapassaram a marca média de 65 anos de expectativa de vida. Em muitas regiões pobres, no entanto, a revolução tecnológica ocorrida neste século [século XX] ainda não resultou em melhoria do padrão de vida das populações. A duração da vida na África é em média 20 anos menor que a da Europa e, em muitos países da África Subsaariana morrem mais de 100 crianças em 1.000 nascidas vivas. A maioria dos óbitos destas populações são ainda causados por doenças infecciosas e parasitárias. (CASTIGLIONI, 1994, p.1) A melhoria nas condições de vida no território modifica também os motivos pelos quais ocorrem os óbitos, estando estes, estreitamente correlacionados (CASTIGLIONI, 1994), sendo possível, encontrar pistas de que a organização territorial e as relações sociais estabelecidas, no qual a geografia se dedica a compreender em seus estudos, inserem-se como relevantes fatores a serem considerados nas análises demográficas. Sendo possível a partir de Castiglioni (1994), destacar que a intensidade e a na natureza do óbito interligam-se também à composição dos grupos de causas de morte de um aglomerado populacional. Dados do Relatório "Tendências sobre a mortalidade materna: 1990 a 2010", produzido pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) indicou que o Brasil, tem diminuído o número óbitos maternos23. O indicador de morte materna do país estimada para 2010 foi menor que os demais países da América Latina e o Caribe, aferida em 80 por 100 mil nascidos vivos. Quando analisados em escala global, a diminuição do país (51%) superou a média mundial (47%) e latino-americana (41%). Contudo, ainda não atingiu a meta do Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 524, que é a marca de 75% (UNFPA, 2012). Entre os anos de 1990 e 2010, verificou-se relevantes melhorias nas condições de vida em vários países. No entanto, informações do relatório da UNFPA (2012) apontam diversas disparidades nos óbitos das diferentes regiões do globo. Índia (20%) e Nigéria (14%) concentraram um terço de todas as mortes registradas no mundo no ano de 2010 (Índia: 56 mil; Nigéria: 40 mil). Analisando-se os 40 países com as mais elevadas taxas de mortalidade materna, verificou-se que 90% (36) eram de países localizados na África 23 Mortes correlacionadas a consequências de parto ou pós-parto, por exemplo. Meta 5: ―Reduzir em três quartos, até 2015, a taxa de mortalidade materna. Deter o crescimento da mortalidade por câncer de mama e de colo de útero.‖Disponível em <http://www.objetivosdomilenio.org.br/gestantes/> acesso em: 09 mai. 2017. 24 31 Subsaariana (UNFPA, 2012). A maioria destes casos relacionados as condições de saúde, nutrição e conflitos sociais. É possível notar também em George (1978) a existência de tendências espaciais, em que, localidades com melhores indicadores de condições de vida, possuem baixos índices de mortalidade infantil: [...] morrem quatro a cinco vezes mais crianças de pouca idade na Argélia, na África tropical e na República Árabe Unida do que na Europa Ocidental, de acordo com as estatísticas oficiais [...] (GEORGE, 1978, p.50-51) Quando observadas as relações sociais historicamente estabelecidas nestas nações, verificam-se processos de territorializações diferenciados. De um lado, observa-se que territórios que foram colônias, tendo suas riquezas e seus povos explorados, e de outro, as metrópoles colonizadoras. Tal narrativa revela um aspecto essencialmente geográfico, sendo este, a variabilidade espacial de um fenômeno em função de um processo histórico de disputa por território (ZELINSKY, 1969). Os óbitos relacionados a causas violentas, as causas externas25, tem assumido cada vez mais destaque na sociedade, estando associados a fatores como iniquidade social, densidade populacional, acesso a armas letais, por exemplo, (YUNES, 2001). O autor, ao discutir sobre a temática, alerta que mundialmente esse fenômeno tem crescido substancialmente. O continente americano, por exemplo, em comparação a outras áreas do planeta, desde meados dos anos de 1980, vem se destacando pelas altas taxas. Tendência esta também visualizada no Brasil (ALBUQUERQUE; SILVA, 2015). Registros relatados por Yunes (2001) e Lira (2017) dão conta de que no final do século passado as mortes violentas ocuparam espaço preponderante entre os demais grupos de causas, com destaque para os países situados nas Américas, pontuando ainda que as mesmas têm se elevado cada vez mais nos últimos anos: [...] Na Colômbia e em El Salvador, por exemplo, cerca de 25% da mortalidade geral são por causas externas. Esta proporção já está ao redor de 15% para países como o Brasil, Equador, México e Nicarágua, enquanto que para o Canadá e os Estados Unidos da América e Uruguai é somente de 8%, aproximadamente. Mesmo para 25 Abarcam mortes ocasionadas por fatores externos ao corpo humano, abrangendo os óbitos provocados por acidentes diversos, suicídios, homicídios (CASTIGLIONI, 1994; 2011;). 32 os países onde as causas externas não têm tanto peso, observa-se que sua importância relativa aumentou entre as décadas de 80 e 90. (YUNES, 2001, p.147) Para Albuquerque e Silva (2015, p.51) este crescimento da violência estaria relacionado ao fato do país, assim como diversas outras nações, ter vivenciado um rápido processo de urbanização e metropolização sem ―a devida contrapartida de políticas voltadas, particularmente, para a segurança e o bemestar dos indivíduos que vivem nas cidades‖. Andrade e Diniz (2013) encontraram diferenciados processos de organização territorial da violência nas macrorregiões brasileiras. Os pesquisadores fizeram uma averiguação geográfica dos homicídios no Brasil no contexto das macrorregiões, entre os anos de 1980 e 2010. Os autores destacaram que, entre 2000 e 2010, as macrorregiões brasileiras vivenciaram significativas desigualdades territoriais nas ocorrências dos homicídios, sendo influenciados por questões econômicas e/ou em virtude da alteração das formas de uso e funções do espaço. Três das cinco regiões apresentaram aumentos no percentual de mortes por homicídio, sendo elas respectivamente: Norte (100,9%), Nordeste (76,4%), Sul (53,6%). Já o Sudeste neste mesmo período, diminuiu (48,1%) a mortalidade por homicídio, enquanto o CentroOeste manteve praticamente estável os índices. Andrade e Diniz (2013) concluem assim, que o período analisado revelou um processo de redistribuição espacial dos homicídios, tendo nítidos padrões de concentrações espaciais em determinadas localidades, principalmente na última década observada.Vale destacar que, se o fenômeno é social, e as relações sociais exprimem forte influência do contexto relacional (BOURDIEU, 2013), entender os diferenciais dos óbitos a partir de diferentes relações e contextos torna essencial na compreensão de motivos de possíveis tendências regionais, uma vez que, conforme pontua Damiani (2002), a depender do país, elevadas taxas de mortalidade geral podem assumir significados diferentes. Inserindo-se a geografia como potencial área de conhecimento a contribuir com esses debates. Como se pôde observar, o indicador mortalidade tem reificado espacialmente, as relações sócio-historico-ambientais das regiões verificadas, revelando significativas variações espaciais em seus comportamentos. E, 33 conforme pontua Castiglioni (1994), o estudo de tais variações são de relevância ímpar para sua compreensão no tempo e no espaço, sendo possível através desta, projetar ações, respeitando-se as especificidades conjunturais de cada território. 1.3 Desigualdades subjacentes a mortalidade A redução da mortalidade geral nos índices de mortalidade se iniciou na Europa Ocidental, em meados do século XIII (BEAUJEU-GARNIER, 1980) se expandindo posteriormente para os demais países. De acordo com Prata (1992), tal evento ocorreu em razão de alguns fatores: [...] as Revoluções Agrícola e Industrial, a urbanização e a melhoria das condições de vida durante os últimos séculos foram responsáveis por um importante declínio da mortalidade e pela modificação do perfil epidemiológico da população, numa época de pouco conhecimento médico e de implementação limitada de medidas terapêuticas eficazes. (PRATA, 1992, p.168) O processo de formação dos grandes centros urbanos industriais, ao longo da primeira fase do desenvolvimento industrial e urbano fez com que a mortalidade se elevasse em algumas cidades, principalmente no Reino Unido e na Alemanha. Beaujeu-Garnier (1980, p.92) informa que: ―[...] o índice médio de mortalidade caíra 30 de por mil no começo do século XIX para 18 por mil por volta de 1900 [...]‖. Analisando o perfil epidemiológico - os grupos de causas-, os autores indicam que este refletiu e influenciou significativamente neste processo. As pessoas, que inicialmente morriam por doenças infecciosas, desnutrição, com o avanço da medicina (imunização e tratamento), a melhoria das condições de moradia (graças à melhoria nos serviços de saneamento), bem como a adequada manipulação de alimentos fizeram com que cada vez mais diminuíssem os índices de mortes por motivos considerados fúteis (PRATA, 1992). O autor destaca ainda, que tais atitudes foram responsáveis pela redução de três quartos da taxa de mortalidade ocorrida no século XX. Apesar disso, de modo geral, os diversos países vem vivenciando significativas mudanças em seus perfis. Todavia, conforme alerta Damiani (2002), quando analisadas região a região, grupo a grupo, é possível notar que todo este avanço tem ocorrido de maneira desigual sob a ótica social e territorial, tendo forte influência da posição em que o indivíduo ocupa na hierarquia social. 34 A literatura tem demonstrado a existência de desigualdades nos índices de mortalidade por: grupos etários, questões biológicas, socioeconômicas, territoriais, socioespaciais, culturais, raciais, por exemplo, (ZELINSKY, 1969; GEORGE, 1978; BEAUJEU-GARNIER, 1980; PRATA, 1992; SILVA; PAIM; COSTA, 1999; PAIM et al., 1999; SANTOS; NORONHA, 2001; DAMIANI, 2002; PAES-SOUZA, 2002; BATISTA; ESCUDER; PEREIRA, 2004; CHOR; LIMA, 2005; FIORIO et al., 2011; ANDRADE; DINIZ, 2013; FARIA, 2016). Inserindo-se a temática da mortalidade e suas nuances como relevante campo temático a ser explorado pelas ciências sociais e da saúde. A fragilidade à vida é desigual e varia em função dos diferentes grupos da população (GEORGE, 1978). Neste sentido, Castiglioni (1994) informa ser possível dividir os fatores que atuam sobre o fenômeno da mortalidade, distinguindo-os entre aqueles que ocorrem em nível individual e os que decorrem de questões contextuais, alertando que ambos atuam concomitantemente26. Em nível individual, têm-se aqueles que se relacionam diretamente a características físicas, genéticas e/ou comportamentais do sujeito num determinado grupo social, estando subdivididos em: Variáveis fisiológicas (fatores biológicos e genéticos); Variáveis comportamentais (alcoolismo, tabagismo, consumo de drogas etc.); Variáveis mentais (alimentação, medicina curativa, higiene, atitudes diante de doenças, etc.). Para a autora, tais características individuais, [...] denotam qualidade de vida e determinam a posição social do indivíduo. Trata-se da ocupação, do sexo, da renda, da instrução, da situação de domicílio, da etnia. Os grupos sociais formados segundo diferentes categorias destas variáveis são submetidos à riscos de morte diferenciais. (CASTIGLIONI, 1994, p.3) Em nível coletivo, Castiglioni (1994, p.4) categoriza a influencia socioeconômica, cultural e ambiental ―[...] sobre o comportamento da população com relação à mortalidade‖. Destacando-se que: [...] Os fatores que compõem este grupo são responsáveis pelas diferenças dos níveis e da composição da mortalidade entre regiões, 26 No Brasil, é importante destacar que a questão raça/cor está fortemente associada a ambos aspectos (individual e contextual). 35 classes sociais, etnias, como também pelas variações do fenômeno no decorrer do tempo. (CASTIGLIONI, 1994, p.4) Acredita-se assim que esta variação contextual em função de fatores sociais, socioeconômicos, demográficos (PRATA, 1992) possibilitaria a realização de inferências sociais e territoriais, a partir da observação da própria dinâmica dos índices de mortalidade. De acordo com Drumond Jr e Barros (1999): [...] as análises da mortalidade, referenciadas no espaço e relacionadas a dados sociais, dão contribuições importantes para o conhecimento das determinações dos perfis e taxas encontrados. [...] (DRUMOND JR; BARROS, 1999, p.37) Para Santos e Noronha (2001) há relação direta entre os diferentes lugares, o perfil dos sujeitos vitimados, os grupos de doenças causadoras e os padrões espaciais apresentados – variações espaciais estas influenciadas por situações históricas, ambientais e sociais. Todavia, há que se ressaltar, conforme pontua Beajeau-Garnier (1980) e Carvalho, Sawyer e Rodrigues (1998), os índices de mortalidade27: a) apenas são passíveis de serem correlacionadas populações que possuem estruturas etárias similares; b) os índices de mortalidade são fortemente influenciados pelo número de pessoas idosas e pelo número de crianças, sendo a primeira a que mais influencia nos índices de mortalidade geral; c) historicamente, regiões menos desenvolvidas socioeconomicamente apresentam elevados índices de mortalidade no primeiro ano do nascimento. Tais pesquisadores demarcam a necessidade de sempre que analisados os índices de mortalidade sejam correlacionados outros indicadores que possibilitem o maior nível de detalhamento possível que corrobore com a proposta e escala de análise optada pelo pesquisador. Pois conforme pontua Damiani (2002): Mesmo prescindindo de variações sociais, nos países onde prevalecem camadas mais jovens da população, esses índices têm significado bastante diferente. Uma maior população jovem significa uma inflexão para baixo das taxas de mortalidade, frente a países onde a população mais velha prevalece. (DAMIANI, 2002, p.30) 27 As considerações a e b referem-se especificamente aos resultados obtidos pelo cálculo da Taxa Bruta de Mortalidade (TBM). Esta que, por ser uma medida ponderada, pode ser fortemente influenciada pela presença de idosos ou de crianças, com maior possibilidade de influencia dos idosos, devido às maiores riscos de virem a óbitos resultantes da degeneração/envelhecimento natural do organismo. Uma região com um elevado número de idosos, por exemplo, mesmo com boas condições de vida, pode apresentar elevadas TBM‘s, simplesmente pelo maior risco do grupo etário, se comparado aos demais. 36 Assim, reservados os devidos cuidados nas inferências, tais índices têm colaborado significativamente para o debate sobre avanços qualitativos nas condições de vida de determinadas populações, bem como evidenciado a persistência de mazelas em diferentes grupos analisados. Prata (1992) ao retratar o processo de transição nas causas de mortes no Brasil, deixa explicito o forte cunho social que o contexto brasileiro tem revelado, a exemplo de outros países, em seus tipos e causas de óbitos. Neste, observa-se pistas do que Damiani (2002, p.33) tinha como objetivo explicitar ao afirmar que ―[...] a mortalidade é diferencial e atinge especialmente os pobres‖. Em 1985, enquanto as regiões Sul e Sudeste estavam quase completando a Transição Epidemiológica, Norte e Nordeste ainda encontravam-se na etapa inicial, sendo que nestes locais, milhares de pessoas morriam por doenças infecciosas. Em recente estudo realizado, Faria (2016) discutiu as variações espaciais e as desigualdades territoriais em função dos indicadores de mortalidade infantil do Brasil. O autor investigou todos os óbitos infantis ocorridos no ano de 2012 e 2013 no país, que estão registrados nos sistemas oficiais de registros de mortalidade. Os resultados indicaram ―[...] persistentes e enormes disparidades territoriais na distribuição [...]‖ (FARIA, 2016, p.607) dos coeficientes de mortalidade infantil, com mínimos e máximos variando entre 8,1‰ e 34‰. Para o estudioso, é possível apontar que as localidades do país onde residem os mais pobres – com destaque para áreas do nordeste e norte e que possuem péssimas condições sanitárias, tem registrado maior incidência de mortalidade infantil. O IBGE (2015), ao verificar as mortes das crianças com até um ano de idade para mil nascidas vidas (Taxa de Mortalidade Infantil) ocorridas em 2014, concluiu que apesar de apresentar avanços na redução, o Brasil ainda tem vivenciado importantes desigualdades regionais. O instituto apontou que: [...] desigualdades regionais podiam ainda ser observadas neste indicador: Regiões Norte (18,6), Nordeste (18,4) e Centro-Oeste (15,2) com valores acima ao da média nacional, enquanto, Sudeste (11,1) e Sul (10,1) apresentavam valores inferiores. Os valores extremos, em 2014, na estimativa da taxa de mortalidade infantil foram observados no Amapá (23,7 mortes por mil nascidos vivos) e no Espírito Santo (9,6) (IBGE, 2015, p.20) 37 O país, de modo geral, tem diminuído as taxas de mortalidade e elevado a expectativa de vida da população (IBGE, 2015). No entanto,quando analisados alguns grupos de causas, verifica-se que mesmo com indicativos de tendência de redução, ainda persistem desafios aos planejadores sociais em razão da forte atuação destes, principalmente na faixa etária adulta da população. Os óbitos por causas externas (violentas), por exemplo, ainda tem influenciado de modo incisivo a elevação do número de mortes no Brasil, em especial entre a população jovem e adulta (15 aos 59 anos) (CASTIGLIONI, 2011; IBGE, 2015) e tem explicitado relevantes diferenciais. Paim et al. (1999) ao investigarem a distribuição dos indicadores de mortalidade por causas externas no município de Salvador, referente ao ano de 1991, constataram que o principal tipo de morte violenta era os homicídios, e que estes atingiam especificamente a população jovem de áreas mais pobres. Enquanto áreas mais nobres do município apresentaram 38,7 mortes por 100.000 habitantes, às menos favorecidas socioeconomicamente tiveram coeficientes superiores a 100 óbitos. Este estudo também revelou que os grupos etários mais sensíveis a este tipo de violência em Salvador, já naquele período, eram os jovens de 15 a 19 anos e os idosos acima de 65. Silva, Paim e Costa (1999) identificaram, neste mesmo ano, que havia certa relação estatística entre a posição do indivíduo e do grupo de indivíduos na determinação das condições materiais de existência. Silva, Paim e Costa (1999) e Paim et al. (1999) revelaram relevantes informações sobre a realidade do município de Salvador na última década do século XX. De acordo com Paim et al. (1999), o município apresentava, em 1991, índices de mortalidade por causa violenta acima dos evidenciados em regiões que tem sofrido com ‗guerras civis‘. Os autores ressaltam a necessidade de implementação de políticas públicas e ações programáticas que também tenham como orientação o espaço social dos sujeitos. Fato semelhante foi identificado por Paes-Sousa (2002). Nesta investigação, o autor revelou que o número de homicídios decrescia na medida em que aumentava a escolaridade do chefe do núcleo familiar, revelando fortes relações com aspectos sociais e socioeconômicos dos centros urbanos. Regiões com maiores índices de escolaridade e condições de vida 38 apresentaram um padrão avançado nas causas dos óbitos (doenças cardiovasculares e neoplasias, por exemplo), as regiões com índices menores revelavam causas com forte cunho social (homicídios e doenças infecciosas). Ao investigarem a mortalidade de adultos no município de São Paulo, entre os anos de 1990 e 1992, Drumond Jr e Barros (1999) apontaram que os valores de índices de mortalidade mais elevados foram encontrados nas regiões com as piores condições de vida. Para tais investigadores, estes resultados revelam a existência de prejuízos dos grupos sociais residentes nas áreas menos atendidas pelas políticas públicas, no caso específico, as áreas onde residem os populares com piores indicadores de renda. Enquanto a população adulta, com melhores condições socioambientais, de São Paulo morre principalmente por doenças, os estratos mais pobres morrem por homicídios (DRUMOND JR e BARROS, 1999), revelando significativa correlação entre os padrões cotidianos de vida e a fragilidade às determinadas mortes com conotação social. Castiglioni (2011), numa pesquisa que objetivou analisar a composição da mortalidade por grupos de causas no Espírito Santo no ano de 2010 segundo sexo e idade, explicitou dentre outras conclusões, que o estado, apesar de registrar importantes melhoras nas condições de vida, tem apresentado elevação nas mortes por causas violentas especialmente entre jovens do sexo masculino, apontando para uma maior sobrevida das mulheres. Dados do IBGE (2015) corroboram com tais conclusões e informam que as mulheres do estado apresentaram no ano de 2014 a maior expectativa de sobrevida após os 60 anos – 25,6 anos – dentre todas as demais unidades federativas (IBGE, 2015). Contudo, os jovens negros do sexo masculino têm sido alvos de modo muito intenso na população capixaba, sendo estes vitimados de modo mais incisivo pelos homicídios, em sua maioria, moradores de comunidades mais pobres (ZANOTELLI et al, 2011; WAISELFISZ, 2012; WEISELFISZ, 2015). Outro eixo de estudos da mortalidade que tem se fortalecido no Brasil, a exemplo do que já ocorria em países como Estados Unidos e Inglaterra são análises de tais informações utilizando-se as variáveis raça/cor (CHOR; LIMA, 2005). 39 Pesquisas analisadas por Drumond Jr e Barros (1999) apontam que os Estados Unidos apresentavam em 1989, coeficientes de mortalidade que indicavam que negros lideravam 13 das 15 causas de mortes no país. Ao ajustar os resultados para averiguar os efeitos do nível educacional e ocupacional, inferiram que a classe social do grupo étnico estava diretamente relacionada às diferenças de mortalidade encontradas. No Brasil, pesquisas que abordam sobre esta temática têm apontado que há diferenças sociais segundo raça/cor e que estas têm impactado na materialização de determinados padrões raciais e espaciais nos índices e perfis de mortalidade (BATISTA; ESCUDER; PEREIRA, 2004; CHOR; LIMA, 2005; FIORIO et al., 2011; WAISELFISZ, 2012). No entanto, conforme destaca Chor e Lima (2005) e Waiselfisz (2012), a produção de investigações com este viés ainda são recentes. As análises dos índices e taxas de mortalidade sob a ótica também dos grupos étnico-raciais no Brasil tem apontado, ano após ano, tanto para a existência de desigualdades nos tipos de óbitos quanto para a prevalência e crescente aumento da vulnerabilidade, especialmente da população negra, para mortes com forte influência de conflitos sociais (WEISELFISZ, 2012; WEISELFISZ, 2015; CARDOSO; SANTOS; COIMBRA JR, 2005; ARAUJO et al., 2009). Deste modo, antes de explicitar tais literaturas, faz-se relevante, compreender e analisar sobre a histórica e atual situação da população negra no Brasil. 1.3.1 A situação sociorracial da população negra no contexto brasileiro Nos últimos anos tem sido cada vez mais defendida a tese de que o pertencimento racial, no contexto brasileiro, tem historicamente determinado o acondicionamento de determinada parcela da população à situação de desigualdades socioeconômicas, culturais e territoriais (RIBEIRO, RODRIGUES; CORREA, 2009; CAMPOS, 2012). Tal fato ocorreria devido ao próprio processo de formação e constituição do território nacional brasileiro, no qual as relações raciais histórico-cotidianas estabelecidas refletem ainda na atualidade, mesmo que simbolicamente, concepções racialistas introjetadas no imaginário social do povo brasileiro que tem culminado na reprodução de 40 práticas racistas e de problemas sociais de determinados grupos (SANTOS 2016). Campos (2012) revela indícios do que teria intensificado a exclusão social do negro no Brasil no pós abolição. De acordo com o autor, o processo de inserção dos negros à cidadania passava pela legitimação territorial. Isso, pois, a maioria dos benefícios políticos era em função dos bens que o indivíduo possuía. Todavia, o autor relata que foram adotadas uma série de políticas governamentais, impulsionadas pelos interesses ideológicos da elite branca brasileira, que impediram o negro de ter legalmente acesso à posse de terras na zona rural. Em consequência disso, afirma ainda o autor, muitos foram forçados a ir para os centros urbanos. No entanto, nas cidades, tal processo foi agravado. Agora, além de não possuírem propriedades nem direito de participação política de modo igualitário, foram alocados nos postos de trabalho mais precários, recebendo as piores remunerações, restando a estes apenas ocupar os territórios menos favorecidos dos centros urbanos ao passo que também vivenciavam cotidianas violações de direitos por parte da força policial (CAMPOS, 2012). Todo este processo enraizado visando à construção de uma sociedade brasileira branca, baseada nos padrões europeus, que envolvia suprimir política, econômica e culturalmente a população ―recém-liberta‖: [...] A busca de tal nação homogênea tinha como pressuposto a construção de um país onde os padrões da cultura européia fossem levados às últimas consequências. E o negro, bem da verdade, não fazia parte desse projeto. (CAMPOS, 2012, p.45) Ribeiro, Rodrigues e Correa (2009) ao investigarem desigualdades nas relações sociais, segundo grupos étnico-raciais e associá-las a diferentes regiões urbanas, afirmam ter encontrado indícios empíricos que permitem correlacionar a discussão entre as desigualdades raciais e a hierarquia social dos espaços metropolitanos, em que o bem-estar urbano evidenciou desvantagem maior sobre pretos do que sobre os brancos. (RIBEIRO, RODRIGUES E CORREA, 2009). Neste sentido, Santos (2016), ao analisar as contribuições de Carlos Hasenbalg e Nelson Valle Silva, afirma que: Para Hasenbalg e Silva existem barreiras de ordem racial à mobilidade social dos negros e que a discriminação não evidencia estar enfraquecendo, mas ajudando a perpetuar a desigualdade 41 racial, que, por sua vez, apresenta grande estabilidade nas relações raciais. [...] (SANTOS, 2016, p.218) A reprodução do preconceito e da discriminação racial tem sido evidenciada, tendo como consequências à ausência da população negra28 nas variadas esferas de poder (SANTOS, 2016). Tal grupo tem sido representado principalmente nas posições e ocasiões de desvantagem em relação à população branca como: ser maioria entre a população mais pobre; ocupar as áreas com menor qualidade de vida; ser as principais vítimas das mortes violentas; ocupar as mais precárias condições de trabalho (HENRIQUES, 2001; RIBEIRO, RODRIGUES E CORREA, 2009; CAMPOS, 2012; DURANS, 2014; IPEA, 2014; BRASIL, 2014). Faz-se assim, necessário uma breve explicitação dos dados oficiais registrados sobre este estrato da população brasileira, haja vista que, a imersão social de um grupo contribui nas explicações acerca das condições de vida e de bem-estar do qual o mesmo desfruta (DAMIANI, 2002; SANTOS; NORONHA, 2001; SANTOS, 2016). A literatura tem apontado para a existência de profundas diferenças entre a população branca e a negra, nos diferentes aspectos socioeconômicos, territoriais e culturais. Os estudos que analisam desigualdades entre grupos étnico-raciais29 no Brasil foram iniciados em meados dos anos de 1950, tendo suas origens e motivações, nos relatórios da UNESCO30. Tais documentos começaram a ser produzidos com o intuito de refutar empiricamente as idéias racistas, reforçadas no período do nazismo. Neste processo, o Brasil teria papel importante, posto que naquele período ainda era difundido o mito da democracia racial31 brasileira. Todavia, Santos (2016) narra que, conforme destaca Hasenbalg, teve-se já nos resultados destas pesquisas, uma forte associação entre cor ou raça e o status socioeconômico, que pôde também ser verificada em pesquisas posteriores, principalmente em meados de 1970. Tal fato, ainda se pode verificar em relatórios produzidos recentemente 28 População autodeclarada preta e parda. Raça categorial social e não biológica. 30 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. 31 Idéia de que todas as raças/etnias convivem em plena harmonia no Brasil, gozando igualmente das mesmas oportunidades e desafios no cotidiano das relações sociorraciais. (SANTOS, 2016) 29 42 (HENRIQUE, 2001; BRASIL, 2014; IPEA, 2014; IJSN, 2017b) Henriques (2001) assevera que: A intensa desigualdade racial brasileira, associada a formas usualmente sutis de discriminação racial, impede o desenvolvimento das potencialidades e o progresso social da população negra. O entendimento dos contornos econômicos e sociais da desigualdade entre brasileiros brancos e brasileiros afro-descendentes apresentase como elemento central para se construir uma sociedade democrática, socialmente justa e economicamente eficiente. (HENRIQUES, 2001, p.2) O estudo de Henriques (2001), que objetivou analisar a amplitude e a evolução das possíveis desigualdades entre brancos e negros na última década do século XX, identifica que a população pobre representava 63%. A partir da análise de vários indicadores socioeconômicos, identificou em suas inspeções que a pigmentação da pele estava demonstrando associação direta com condições de vida. Os dados analisados apontaram que 61,2% da população negra, na década de 1990, eram pobres. Com isso, segundo o autor, é possível concluir que: ―[...] nascer de cor parda ou de cor preta aumenta de forma significativa a probabilidade de um brasileiro ser pobre.‖ (HENRIQUES, 2001, p. 11). Durans (2014), ao analisar relatórios oficiais, destaca que: Segundo o IPEA (2008) existem 16,2 milhões de brasileiros (8,5%) que sobrevivem com menos de 70,00/mês. Desses 8,5%, 70,8% são negros. 63% da população que vive abaixo da linha de pobreza é negra e o mesmo ocorre com a condição racial dos 70% que vivem abaixo da linha de indigência. A pesquisa do IBGE de 2010 mostra que a média salarial dos brancos é de R$ 1.538,00, dos pardos R$ 845,00, dos negros [pretos] R$ 834,00 e dos indígenas é de R$ 735,00. (DURANS, 2014, p.393) Ribeiro, Rodrigues e Correa (2009) sinalizam que a existência de mecanismos velados de discriminação racial no mercado de trabalho tem contribuído no fato de a população preta e parda ocupar as piores condições de trabalho, tendo como consequência, o acondicionamento desta população nas regiões menos favorecidas, com piores condições de vida. Haja vista, segundo os autores, que tal fato impacta diretamente no acesso à renda, que por sua vez, condiciona a possibilidade de aquisição de determinados padrões de imóveis nas diferentes regiões da cidade. Os resultados da investigação dos autores apontam que os grandes centros urbanos brasileiros revelaram forte tendência de, a depender do estrato do grupo social, ocupar posições 43 territorialmente inferiores as com as piores condições de vida, corroborando assim, com o processo de reificação do espaço social (BOURDIEU, 2013). No que se refere especificamente ao atraso escolar, os autores apontam ter encontrado efeitos significativos do território, local de residência dos populares, na condição de maior tendência a ter atraso escolar: [...] para as duas categorias de cor. Sendo que o mais alto deles foi de Maringá com um risco de atraso escolar de 2,22 vezes para crianças pretas em relação a brancas. Considerando as crianças pardas, o maior risco [de atraso] foi encontrado em Florianópolis onde, conforme dito anteriormente, o risco de evasão escolar para crianças pardas é maior do que para crianças pretas. (RIBEIRO, RODRIGUES; CORREA, 2009, p.52) Entre os anos de 2004 e 2014, apesar de elevar a proporção de pessoas que concluíram o ensino médio, verifica-se que o atraso escolar tem ocorrido principalmente entre jovens negros, que mesmo elevando as taxas, o pico alcançando em 2014 foi abaixo dos jovens brancos em 2004 (Brancos: 57,9% em 2004 para 71,7% em 2014; Pretos ou pardos: 33,4% em 2004 para 52,6% em 2014) (IBGE, 2015). No Espírito Santo, 80% dos jovens fora da escola são pretos e pardos (IJSN, 2017a). De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), no ano de 2012, o máximo de remuneração atingida pelos negros foi 62,9% inferior à dos brancos, como foi o caso de rendimentos provenientes de um emprego fixo. O Instituto destaca que há redução da desigualdade entre raças, com sensível aumento da renda. No entanto, negros ainda enfrentam desvantagem tanto no que se refere à ocupação, quanto à remuneração, refletindo, para segundo o IPEA (2014, p.26), ―os efeitos do racismo32 e da discriminação nas condições de inserção.‖. O Relatório Relação Anual de Informações Sociais de 201433 elaborado pela Secretária de Políticas Públicas de Emprego do Ministério do Trabalho e Emprego (BRASIL, 2014), revela resultados que merecem atenção por parte dos órgãos e especialistas que debatem a promoção de políticas públicas. 32 Também conhecido como preconceito racial, o racismo ―[...] pode ser entendido como uma forma de pensar os negros tendo como princípio ideias apriorísticas que lhes atribuem qualidades negativas. [...]‖ (MACIEL, 2016, p.168). Tais idéias ancoram-se em teorias que afirmam existir diferenças de superioridade ou inferioridade entre raças humanas. 33 Trata-se de é ―[...] um registro administrativo e constitui uma das principais fontes de informações sobre o mercado de trabalho formal brasileiro, que permite o acompanhamento e a caracterização do emprego formal.‖ (BRASIL, 2014, p.3) 44 Apesar de sinalizar uma pequena diminuição das diferenças na remuneração média dos brancos em relação aos negros (2013:70,13%; 2014: 69,58%), o estudo apontou que quanto maior o nível de escolaridade, maiores têm sido as disparidades entre as remunerações (82,8134 – ensino superior incompleto; 67,58 – ensino superior completo). Nota-se assim que quanto mais elevada à concentração de melanina, mesmo quando graduados, menor é o salário médio (branco: R$ 5.589,25; pardo: R$ 4.044,09; preto: R$ 3.777,39;), representando superioridade 47% a mais dos brancos em relação aos rendimentos que os negros auferem. Os dados revelaram ainda que: Os rendimentos médios dos vínculos empregatícios declarados como Branco registraram ganho real de 2,21%, superior aos trabalhadores Pardos (1,21%) e Negros/Pretos (1,41%). Os rendimentos médios dos trabalhadores classificados como Negro/Preto representam 69,58% em 2014, ante 70,13% em 2013, daqueles auferidos pelos Brancos. Já os rendimentos dos Pardos correspondem a 70,69% dos recebidos pelos Brancos. (BRASIL, 2014, p.20) À população preta e parda restam, conforme se observa nos dados do IBGE (2015), ocupar empregos informais, que em sua maioria possuem péssimas condições de trabalho e baixa remuneração. O percentual de trabalhadores ocupados em trabalhos informais tem se reduzido nos últimos anos; no entanto, a lacuna da taxa entre brancos e pretos e pardos praticamente não se alterou na década. Em 2004, o percentual de brancos em trabalhos informais era 47,0%, enquanto entre os pretos ou pardos o percentual era 62,7%. Em 2014, esses percentuais reduziram em 11,7 e 14,3 pontos percentuais, respectivamente; mas revela que parcela expressiva da população preta ou parda ainda está em trabalhos informais (48,4%) (IBGE, 2015, p.71) Este processo de desigualdade sociorracial tem condicionado, conforme se pode observar nos resultados mencionados, num processo de manutenção da estratificação social, também com forte determinação dos aspectos raciais. Conforme se nota no IBGE (2015), mais de 70% entre 10% mais pobres da população brasileira eram pretos ou pardos (Gráfico 2). 34 A cada 100 reais recebidos pelos brancos, os negros receberam em média 82,81 reais. 45 Gráfico 2 - Distribuição das pessoas de 10 anos ou mais de idade com rendimento entre os 10% com menores rendimentos e o 1% com maiores rendimentos, por cor ou raça Brasil - 2004/2014 Fonte: IBGE,2015,p.90 Revelando assim, que a questão racial tem operado aos moldes do que ressalta Santos (2016) no processo de manutenção, ano pós ano, dos privilégios concretos e simbólicos. Uma das conseqüências diretas de tais desigualdades são as disparidades territoriais, que podem ser verificadas no fato da população negra ocupar essencialmente os espaços mais vulneráveis, como se observa no estudo de Zanotelli et al (2011). As disparidades socioeconômicas com forte orientação racial existente no Brasil (IPEA, 2014), acabam por condicionar tais grupos a ocuparem em sua maioria, regiões menos favorecidas das cidades, as comunidades populares, onde o poder público ainda tem atuado pouco no fornecimento de bens e serviços como educação, saúde, saneamento básico. Indicando que no processo de reificação do espaço físico e social brasileiro, pretos e pardos tem ocupado os espaços mais precários. Numa sociedade onde a lógica do acesso aos bens e serviços relacionados às condições de vida (moradia, saúde, segurança, cuidados com a saúde, por exemplo) é fortemente mediada pelo poder de consumo dos indivíduos, a presença dos diferentes grupos étnico-raciais, por exemplo, nos principais postos de trabalho com melhores remunerações coloca-se como de extrema relevância. Tal fato coaduna com a tese de Santos (2016), que reafirma a necessidade e pertinência de se repensar no âmbito das relações econômicas e sociais, as questões sociorraciais. 46 1.3.1.1 Desigualdades subjacentes à mortalidade por raça/cor no Brasil As desigualdades evidenciadas nos índices de mortalidade do Brasil têm desvelado, aos moldes do que pontua Damiani (2002) forte incidência entre a população mais pobre (DRUMOND JR; BARROS, 1999; PAESSOUSA, 2002; SOARES, 2004). Quando observados por grupos, especificamente por raça/cor, nota-se que a população negra (pretos e pardos) tem sido as principais vítimas nos diferentes cenários analisados. Os estudos têm apontado como causa de tais diferenciais o histórico de formação do próprio país, marcado por relações sociais e raciais assimétricas35 entre brancos e negros (CHOR; LIMA, 2005; ARAUJO et al., 2009). Batista, Escuder e Pereira (2004) averiguaram, no Estado de São Paulo, se raça/cor condiciona padrões característicos de óbito. O estudo apontou que enquanto brancos foram vitimados principalmente em razão de neoplasias e doenças do aparelho circulatório, pretos e pardos morreram por causas externas e doenças infecciosas. Foi encontrada associação entre causas de óbito e raça/cor, concluindo que o tipo de morte em São Paulo tem cor: [...] há uma morte branca que tem como causa as doenças, as quais, embora de diferentes tipos, não são mais que doenças. Há uma morte negra que não tem causa em doenças: são as causas externas, complicações de gravidez e parto, os transtornos mentais e as causas mal definidas. (BATISTA; ESCUDER; PEREIRA, 2004, p.630, grifo nosso) O estudo de Chor e Lima (2005), ao discutir sobre aspectos epidemiológicos evidenciados nas desigualdades raciais em saúde no Brasil, apontou que entre 1996 e 2001 jovens pardos e pretos, entre 15 e 29 anos, tiveram valores duas vezes maiores de taxas de mortalidade por agressões, que os brancos, sendo estas (Pardos: 136; Pretos: 111; Brancos: 72 por 100 mil habitantes). De acordo ainda com as autoras, mulheres pretas (115 óbitos por 100 mil) entre 40 e 69 anos de idade apresentaram índice duas vezes maior por doenças cerebrovasculares (Ex: Acidente Vascular Cerebral - AVC) que as brancas (58 por 100 mil) e pardas (54 por 100 mil). Dados divulgados pela equipe de comunicação do sétimo Congresso 35 O racismo e a escravidão foram desigualdades historicamente produzidas e socialmente mantidas. 47 Brasileiro de Pesquisadores(as) Negros(as) (SANTANA, 2012) indicam que de 1990 para 2011 os registros do Ministério da Saúde evidenciaram uma redução de 51,4%nas mortes maternas no pós parto (140 em 1990 para 68 óbitos por mil nascidos vivos em 2011). No entanto, quando analisadas segundos as categorias raciais, Santana (2012) ressalta que a chance de uma mulher negra morrer em 2011 por causas relacionadas à gravidez, parto e pós-parto era 1,8 vezes maior em comparação as mulheres brancas, revelando situação ainda pior para as mulheres indígenas. A publicação afirma ainda que de 1999 a 2004, as mortes por HIV/AIDS vitimaram com maior incidência, homens e mulheres negras. Enquanto os homens negros tiveram 4,9%, os homens brancos somaram 0,2%. Já as mulheres negras alcançaram crescimento anual de 6,4%, representando quase o dobro da ascensão entre as brancas, que totalizaram 3,8%. Analisando a mortalidade por causa básica, sexo e raça/cor, no município de Vitória-ES entre 2003 e 2006, Fiorio et al. (2011) verificaram em seus resultados que o maior risco relativo de óbito entre negros foram: transtornos mentais e comportamentais, causas mal definidas36 e causas externas. Segundo os mesmos, indivíduos pretos e pardos morreram mais cedo que a população branca na maioria das causas investigadas. Os pesquisadores indicam em suas conclusões que tal fato pode estar ocorrendo devido a acesso desigual aos serviços e bens de saúde, estando, nas palavras dos mesmos, atreladas a lugares diferenciados na sociedade ocupados pelos grupos raça/cor. Wieselfisz (2012) ao analisar homicídios que ocorreram no Brasil na primeira década do século XXI, aponta que: [...] a vitimização negra na população total, que em 2002 era 65,4 – morriam assassinados, proporcionalmente, 65,4% mais negros que brancos, no ano de 2010 pulou para 132,3% – proporcionalmente, morrem vítimas de homicídio 132,3% mais negros que brancos. (WEISELFISZ, 2012, p. 38) No Espírito Santo, em 2000, a população preta e parda representava 36 ―Os óbitos por causas mal definidas correspondem ao Capítulo XVIII da CID-10: "Sintomas, Sinais e Achados Anormais de Exames Clínicos e de Laboratório Não Classificados em Outra Parte" (códigos R00-R99).‖ Disponível em <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2000/fqc08.htm> Acesso: 08 out. 2017. 48 50,2% e a branca 48,8%. Apesar disso, ao averiguar o percentual de homicídios por raça, Zanotelli et al. (2011), observaram-se que os grupos pardos e pretos eram quatro vezes mais vitimados por estes crimes que os brancos (pretos e pardos: 76,7%; brancos: 18,7%). Tais percentuais mostramse mais acentuados nos municípios de Vitória, Vila Velha, Serra, Cariacica e Linhares. Na evolução observada entre os anos de 1997 e 2005, [...] a população negra e parda sempre representa mais de 50% dos homicídios dos maiores e mais populosos municípios do Espírito Santo. Na maior parte dos municípios, mesmo no sul, onde a maioria da população é branca, houve um volume elevado de homicídios de negros e pardos, superior a 50% do total. [...] (ZANOTELLI et al., 2011, p.126) Weiselfisz (2015) revela que, entre 2003 e 2014, enquanto o número de homicídios no Brasil reduziu 26,1% entre a população branca, a população negra vivenciou um aumento de 46,9%. O destaque no ano de 2014 foi o encontrado no estado de Alagoas: [...] em Alagoas, em 2014, foram assassinados60 brancos e 1.702 negros! Taxas de 6,4 HAF brancos para 71,7 negros [pretos e pardos].Vitimização negra neste estado: 1.028,2% (morrem assassinados,proporcionalmente, acima de 11 negros por cada branco). (WEISELFISZ, 2015, p.60, grifo nosso) Entre 1998 e 2003, Araujo et al. (2009) já apontavam cenário similar no município de Salvador, ao afirmar que a população tem sido potencial vitima de mortes por causas externas, destacando que entre os homicídios, tal fato tem sido ainda mais alarmante. [...] a população negra deste município é somente três vezes maior que a de brancos, por outro lado o número de anos de vida perdidos pelos primeiros foi mais que 30 vezes superior. Além disso, comparados aos brancos, a população de pretos – 11,4% menor –, perdeu mais que o dobro (2,6 vezes) do número de anos potenciais de vida. (ARAUJO et al., 2009, p.410) O estudo de Campos (2012) auxilia na compreensão da dinâmica presente em regiões socioeconomicamente mais vulneráveis. O autor discutiu sobre as estratégias de sobrevivência dos grupos segregados espacial e economicamente na Cidade do Rio de Janeiro para inserção na sociedade. Seu estudo demonstrou, ao analisar os antigos quilombos periféricos e as favelas atuais, que tais regiões tem sido socioeconomicamente abandonadas pelo poder público no que se refere às melhorias nas condições de vida, e que o Estado tem historicamente coadunado com ações que apenas reforçam a 49 estigmatização de tais territórios, sobretudo a discriminação étnica, uma vez que, conforme pontua o autor, tais regiões são majoritariamente ocupadas por afrodescententes37. Tendo entre as conseqüências a chamada ‗guerra às drogas‘(conflitos ocorridos em razão da legislação, que, proíbe o comércio de algumas substâncias - maconha, cocaína, por exemplo) que tem resultado em elevados índices de mortalidade em tais regiões, em sua maioria, negros (WEISELFISZ, 2012). Tal fato ajuda a pensar fenômenos como identificado por Paes-Sousa (2002) no município de Belo Horizonte, em que as áreas mais pobres do município vivenciavam já em 1994, comportamento ascendente nos índices de homicídios contra a população, em especial os mais jovens, como também verificada no Espírito Santo (RIBEIRO JÚNIOR, 2012). Apesar da abordagem das desigualdades sociais na mortalidade apresentarem-se como de significativa importância para se pensar políticas públicas específicas para os diferentes estratos sociais, raciais e/ou espaciais, Weiselfisz (2012) e Chor e Lima (2005) destacam que, no Brasil, as pesquisas ainda são recentes e pouco realizadas. Se por um lado, como afirma Weiselfisz (2012), esta baixa produção estaria relacionada ao fato dos registros e informação especifica serem recentes, sendo publicamente disponibilizados a partir de 1995/1996, tem-se de outro, para Chor e Lima (2005), a influência ainda presente no imaginário nacional, da existência de uma ‗democracia racial‘ que pode ter sido influenciada no baixo interesse pela investigação acadêmica. De acordo com Weiselfisz (2012) a informação raça/cor foi inserida nos registros a partir de 1995/1996, após intensos debates do Movimento Negro, que defendia, dentre outros aspectos, a importância de se apurar oficialmente quem estava morrendo, no que se refere à raça/cor. Tais discussões tecidas pelo Movimento Negro se fortaleceram principalmente na segunda metade do século XX. Mesmo assim, é possível notar na literatura consultada que 37 Para o autor, a afrodescendencia diz respeito às escolhas de indivíduos singulares ou coletivos de associarem-se em torno das questões étnico-raciais. Não estando somente associado aos pretos, possibilitando incluir na perspectiva indivíduos que se auto-associei à categoria. ―A constituição da identidade afrodescentente requer, sobretudo, o reconhecimento da diferença como fator fundamental para que possam avançar as relações sociais no interior da sociedade.‖ (CAMPOS, 2012, p.29) 50 determinados padrões de mortes tem atingido grupos étnico-raciais específicos, estando ainda diretamente relacionada com condições sociais vivenciadas cotidianamente por estes grupos. A população negra (pretos e pardos), como se pôde notar, tem ocupado as piores condições de vida e morrido por causas com forte influência socioeconômica e sociorracial. Enquanto brancos morrem por ‗morte morrida‘ (não são mais que doenças), Batista, Escudes e Pereira (2004, p.635) pontuam que ―[...] a morte negra não é um fim da vida, é uma vida desfeita [...]‖, interrompida cada vez mais cedo pela violência (WEISELFISZ, 2012). Já os brancos, conforme aponta o estudo de Fiorio et al. (2011), apresentam maiores probabilidades de viver mais e em melhores condições. Segundo a bibliografia, os estudos apresentados neste capítulo evidenciaram a existência de desigualdades na mortalidade segundo algumas variáveis como: sexo, raça, faixa etária, cultural e regional. A morte com forte marca social no Brasil tem vitimado em especial, pessoas pobres, que residem em regiões menos favorecidas economicamente, sendo em sua maioria pretas e pardas. Tal fato sugere que o país tem reificado de modo significativo os processos sociais-históricos, com importantes orientações espaciais e fortes influencia das relações sociorraciais historicamente estabelecidas de modo assimétrica. Neste cenário, visualiza-se na ciência geográfica potenciais possibilidades de contribuição nos debates sobre as variações existentes no indicador mortalidade, destacando-se a contribuição a partir das distribuições espaciais deste, que possibilitam entender e planejar ações a partir do conhecimento da desigualdade social dos diferentes espaços geográficos. A seguir será realizada a apresentação da área estudada, dos materiais e métodos adotados. 51 2. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA O Espírito Santo38 está localizado na região Sudeste do Brasil, tendo os seguintes limites fronteiriços: ao norte com o estado da Bahia, ao sul com o estado do Rio de Janeiro, a oeste com o estado de Minas Gerais e a leste com o oceano Atlântico. O estado atingiu em 2016, segundo a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a marca de 3.973.697 habitantes, distribuídos numa área total de 46.089.390 km². Tal área é atualmente dividida em 78 municípios, tendo como capital o município de Vitória. A população do estado distribui-se de modo desigual ao longo do território capixaba, e concentra-se na faixa litorânea do estado, com destaque para a região metropolitana. [...] Sua região central demonstra uma grande concentração da população (190 hab/km²), que por sua vez, está altamente intensificada na região metropolitana (724 hab/km²), chegando a expressiva marca de 3.328 hab/km² na capital. Com quadro diferenciado, temos ao norte um vazio demográfico ( 36 hab/km²), indicando a presença de grandes latifúndios na região. O sul possui uma densidade demográfica de 63 hab/km².(ESPIRITO SANTO, 2012, p.14) Em 2010 o estado do Espírito Santo possuía 3,5 milhões de habitantes. Destes, 48,62% eram autodeclarados pardos, 42,15% brancos, 8,35% pretos, 0,62% amarelos e 0,26% indígena (FERRARI, 2011). Analisando a disposição espacial de tais grupos ao longo dos municípios capixabas, verifica-se que este tem sido reflexos do processo histórico de ocupação das terras capixabas relatado por Saletto (2014), tendo forte influencia dos fluxos migratórios ocorridos ao longo dos séculos anteriores (CASTIGLIONI, 2009). Faz-se assim, relevante rememorar tal processo, no intuito de contextualizar e situar geograficamente a territorialização de tais povos. 2.1 O processo de territorialização dos grupos étnico-raciais no estado do Espírito Santo Até a chegada dos colonizadores em 1535, o estado era ocupado unicamente por povos indígenas. Nos dois primeiros séculos de história do estado (XVI e XVII), os índios eram segundo Saletto (2014), a maioria da população. Com o destaque do açúcar no cenário econômico nacional e 38 Ver mais sobre em <https://es.gov.br/es-em-dados> acesso em: 01 mar 2017. 52 internacional, o Espírito Santo passa por um processo de ascensão, principalmente a região denominada na época como ‗baixo Itapemirim‘ – atualmente denominado Cachoeiro de Itapemirim.Tal fato atraiu migrantes dos estados vizinhos, Minas Gerais, Bahia e Rio de Janeiro. A demanda por mão de obra para os engenhos aumenta significativamente. Os povos africanos escravizados, que não eram destinados inicialmente ao estado, devido a fatores como preço, por exemplo, passam a partir do século dezessete, a serem trazidos e encaminhados aos engenhos na região sul e norte do Espírito Santo39.A injeção em massa de mão de obra escravizada africana foi massificada até meados de 1850. A partir do início do século dezenove, a Inglaterra começou a pressionar os demais países a proibir o tráfico de negros e uso de mão de obra escrava. Mesmo com o tráfico ‗proibido‘ no país, o ES foi um dos principais estados que receberam massivamente escravos (1830-1850): Nem mesmo a extinção do tráfico impediu que novamente o número de cativos quase dobrasse até 1872, graças à expansão cafeeira e à importação de escravos de outras províncias. O Espírito Santo era a segunda província com a maior proporção de escravos na população— 1 para 2,6 livres —, ultrapassada apenas pelo Rio de Janeiro, com 1,6, enquanto a média nacional era de 5,5 habitantes livres por escravo. Eles se concentravam principalmente no sul, a região mais próspera, das grandes fazendas de café, onde constituíam 40% da população (em Cachoeiro de Itapemirim, 50%). O sul reunia quase metade dos cativos da província (45%). [...](SALETTO, 2014, p.41) A abolição da escravatura do Brasil, ocorrida em 1888, começou uma série de debates entre a elite branca dominante do país sobre como seria substituída a mão de obra e ocupados os locais de trabalho. Influenciados fortemente pelas teorias racistas que atrelavam à população negra a delinqüência, a má qualidade e falta de conhecimento no manejo das lavouras de café, inicia-se um processo de importação em massa do que o estado denominava como sendo ‗mão de obra especializada‘ que seria capaz de assumir os postos de trabalho e conduzir, por exemplo, os cafezais, garantindo 39 Saletto (2014a) ressalta que a chegada da mão de obra escrava no ES apenas chega de modo intenso a partir deste momento, pois eram muito caros e o estado tentou escravizar os indígenas. Todavia, devido ao vasto conhecimento do território (FERREIRA, 2010), estes se tornaram economicamente menos viáveis que a mão de obra oriunda dos povos africanos. Aliás, estes foram trazidos inicialmente no país para trabalhar nos engenhos de Pernambuco e Bahia e posteriormente foram destinados a outras regiões, como o Espírito Santo. 53 assim o futuro do país (CAMPOS, 2012; BENTO, 2012; SANTOS, 2016). Nas entrelinhas destes debates, segundo Santos (2016), havia o medo de que os ‗recém libertos‘ promovessem uma revolução no país e ascendessem ao poder, conforme havia ocorrido no Haiti em meados do fim do século XVII e início do século dezoito. Uma vez que os povos pretos e pardos – ditos ‗de cor‘eram maioria no país. [...] a mestiçagem e as alforrias e fugas haviam dado origem a uma população negra e mestiça livre mais numerosa que a branca; segundo o recenseamento de 1872, 46% dos livres eram pretos e pardos contra 45% brancos [...] (SALETTO, 2014, p.41) A política de branqueamento objetivou estimular a migração em massa de europeus para o Brasil (BENTO, 2012). No Espírito Santo, provocou significativas mudanças na composição dos grupos étnico-raciais – fruto da intensificação da migração ocorrida principalmente a partir dos anos de 1870 e 1890. Saletto (2014) aponta que o censo de 1940 (tabela 1) revelou o impacto da entrada em massa de migrantes, principalmente italianos, que representou 68,4% das pessoas que migraram para o Espirito Santo no período. 14% do total de recém chegados ao estado eram oriundos da região nordeste brasileira- especialmente Bahia, e das demais unidades federativas vizinhas Minas Gerais e Rio de Janeiro - que vieram em busca de áreas desocupadas. Tabela 1 – Proporção de não brancos na população LOCALIDADE 1872 1890 1940 1950 1960* Brasil 61,9 56 35,8 37,5 DF, SP, SUL 48,7 38,2 16,3 15,8 Espírito Santo 67,6 57,9 38,4 41,3 39,1 Rio de Janeiro 61,3 57 39,9 39,8 Minas Gerais 53,3 59,4 38,6 41,4 * Em 1960 a cor só foi registrada em alguns estados. Fonte: Saletto (2014) apud Hasenbalg (1979) Enquanto aos europeus era proporcionado o acesso a terra40, à população negra recém liberta, foi criada inúmeras estratégias burocráticas com o intuído de dificultar o acesso à posse de propriedades. Todo este conjunto de ações resulta da ideologia de branqueamento da população brasileira, pensamento defendido pela elite branca brasileira, que objetivava tornar o país ‗branco‘ – ou o mais branco possível - para assegurar o ‗futuro‘ da 40 No Espírito Santo, o estímulo a vinda dos migrantes contou com a facilitação ao acesso a propriedade: ―[...] O governo gerou medidas que possibilitou os imigrantes [europeus] a aquisição de pequenas e médias propriedades enquanto a cultura cafeeira agia como o elemento propulsor da expansão do povoamento.‖ (CASTIGLIONI, 2009, p.94, grifo nosso). 54 nação, uma vez que as demais raças seriam inferiores a esta. Tal processo se daria a partir da ‗importação‘ em massa de trabalhadores europeus –brancos – para o Brasil. Nas entrelinhas, o que se pôde observar na literatura, é um projeto de poder, baseado em teorizações racistas do século XVIII, que visava à manutenção dos privilégios do grupo racial ‗branco‘ sobre os demais (BENTO, 2012; SANTOS, 2016). O governo demarcava terras ocupadas pelos quilombolas como devolutas e exigia documentos registrados em cartório que atestassem a posse das terras (FERREIRA, 2010). Como impacto direto, podese observar o condicionamento da população negra a condições subalternas, situação de vulnerabilidade e marginalidade social em seus diversos aspectos: culturais, econômicos, sociais, sócio-espaciais (HASENBALG, 1979; CAMPOS, 2012). No Espírito Santo, a população de migrantes alemã e italiana (branca) se instalou ao longo de todo o século XIX e início do século XX nas áreas dos cafezais, localizadas na região serrana, que abarcam municípios onde se localizam as microrregiões: Central Serrana, Sudoeste Serrana, Litoral Sul, Central Sul, Caparaó. Regiões estas que também foi o destino41 escolhido por fazendeiros mineiros e fluminense fruto da expansão da zona cafeeira do vale do Paraíba (SALETTO, 2014). A autora destaca ainda que devido ao isolamento cultural, característico das comunidades alemãs, o processo de miscigenação ocorreu de modo mais conservador (em 1940 correspondia apenas 4% da população do estado). Saletto (2014) salienta que a miscigenação entre migrantes brancos e não brancos ocorreu principalmente com a população italiana. Segundo censo de 1980: Analisando a distribuição do grupo não branco no Espírito Santo, vemos que se verificou uma concentração na região de Vitória, refletindo o processo de urbanização, que foi intenso no período 6080, e o desenvolvimento acentuado da região. A Grande Vitória, que em 1960 possuía 14% da população do Estado, passara a concentrar 35% dela, distribuídos da seguinte maneira: 48,5% brancos, 6,8% pretos e 44,5% pardos. Os não brancos representavam, portanto, mais da metade do total. A região reunia 1/3 dos pretos do Estado e quase a metade dos pardos (44,5%). A região sul, que tradicionalmente tivera a maior concentração de pretos, conservava 41 No Sul do estado houve a presença dos fazendeiros, enquanto as pequenas propriedades localizaram-se nas montanhas. 55 23% deles, mas, ao contrário do que ocorria na maior parte do Estado, sua população parda era pequena, correspondendo a 9% do total estadual. Na região de São Mateus, sempre mencionada pela concentração de negros, os não brancos correspondiam a 66,7% da população, mas, como essa população é pequena, eles representavam apenas 6% dos pretos e pardos do Estado. (SALETTO, 2014, p.45) Analisando a distribuição espacial das Comunidades Tradicionais 42no ano de 2010 (Mapa 1), verifica-se que estas se distribuem obedecendo tais cursos migratórios da colonização ou sua descendência (ESPÌRITO SANTO, 2012). Há presença marcante das comunidades européias (italianos, suíços, pomeranos, alemães, holandeses e poloneses) ao longo da região serrana, enquanto as quilombolas situam-se no extremo norte e extremo sul do Espírito Santo. Destaca-se o fato os indígenas concentrarem-se no município de Aracruz e a presença de uma comunidade quilombola no município de Santa Leopoldina. 42 De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos comunidades tradicionais são "grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos por tradição". Disponível em <http://www.seppir.gov.br/comunidades-tradicionais/o-que-sao-comunidades-tradicionais> Acesso em 10 mai. 2017. 56 Mapa 1 - Distribuição das populações tradicionais. Espírito Santo, 2010 Fonte: Espírito Santo, 2012, p.19 Como se pôde verificar, o processo de distribuição, territorialização e composição racial da população capixaba foi e ainda continua sendo marcado intensamente pela atuação dos fluxos migratórios. Como resultado, o que se observa hoje de modo geral, é a formação de aglomerados onde situam-se de modo mais expressivo determinadas comunidades pertencentes a grupos étnico-raciais específicos. No entanto, vale pontuar que a migração interestadual tem contribuído significativamente para a composição racial/cor 57 da população capixaba ainda nos dias atuais, conforme pode ser visualizado no mapa 2. Mesmo estando fora da maioria dos destinos dos migrantes ao longo dos grandes fluxos migratórios vivenciados na história do país, a interrelação do ES com os estados vizinhos tem refletido na espacialização da população no que se refere à raça/cor. Dados do censo demográfico de 2010 apontaram que a Região Metropolitana de Vitória e a porção litorânea ao norte recebem em sua maioria migrantes oriundos principalmente da Bahia, enquanto a faixa continental oeste - próxima ao estado de Minas Geraisrecebe os mineiros e o extremo sul do ES, os cariocas e mineiros (DOTA; COELHO; CAMARGO, 2017). O Atlas da Migração do Espírito Santo (DOTA; COELHO; CAMARGO, 2017) demonstra que ao longo dos dez primeiros anos do século XXI, a população capixaba tem sido fortemente incrementada por migrantes oriundos principalmente dos estados vizinhos. Os baianos encontram-se distribuídos praticamente por todo o ES, estando presente especialmente nos municípios da faixa litorânea, exceto no extremo sul, região onde há predominância de pessoas do Rio de Janeiro – os cariocas se concentram basicamente no extremo sul do estado. Os mineiros, por sua vez, ocupam toda a faixa continental – norte a sul - próxima a divisa entre os dois estados (figura 3). O processo de territorialização do estado do Espírito Santo, conforme se observou, ocorreu de modo diferenciado para cada um dos grupos étnicoraciais. Enquanto os povos brancos chegaram ao estado contanto inclusive com o estímulo estatal (CASTIGLIONI, 2009), a população negra, por exemplo, foi arrancada de seus territórios e a população nativa foi escravizada e praticamente dizimada (FERREIRA, 2010). A partir dos registros narrados por Saletto (2014) e Castiglioni (2009), nota-se o quanto o histórico de constituição do povo espírito-santense foi marcado pela demarcação de privilégios econômicos, sociais e culturais aos brancos e violência contra os povos não brancos. 58 Mapa 2 - Proporção de migrantes interestaduais segundo Unidade Federal entre 20052010 Fonte: Dota, Coelho e Camargo, 2017, p.38 59 2.2 Aspectos econômicos O histórico econômico do estado do Espírito Santo foi marcado, principalmente na segunda metade do século vinte, por significativas mudanças estruturais (MENDES; VILLASCHI; FELIPE, 2012). Devido a diversas questões políticas e históricas, tal unidade federativa iniciou seu processo de industrialização tardiamente, saindo de uma economia que até meados dos anos de 1950 era essencialmente agrícola, para um padrão urbano-industrial, caracterizado pela instalação de ―grandes‖ projetos industriais (CASTIGLIONI, 2009). Este movimento de reestruturação econômica foi motivado pela crise do café no mercado nacional e internacional (CASTIGLIONI, 2009; LIRA; OLIVEIRA JUNIOR; MONTEIRO, 2014).Tal crise fez com que a elite política espírito-santense iniciasse discussões com o intuito de buscar alternativas para reestruturar as bases às quais a economia estava sustentada (LOUREIRO, 2005). Como resultados destes debates, foram iniciados projetos estatais com o intuito de atrair indústrias para o Espírito Santo. Conforme se observa na narrativa de Caliman (2012), o incentivo tributário foi uma das alternativas já em meados da segunda metade da década de 1950. O governador Carlos Fernando Monteiro Lindenberg, por exemplo, no seu primeiro mandato, instituiu incentivo tributário específico para novas indústrias que se instalassem no Espírito Santo. Já no seu segundo mandato, no final da década de cinquenta, Dr. Carlos Fernando Monteiro Lindenberg, como era chamado, introduziu o mecanismo de planejamento governamental como forma de preparar o Espírito Santo para a passagem para a era industrial. Foi ele que institucionalizou o planejamento na gestão de governo.(CALIMAN, 2012, p.47) Os primeiros resultados já puderam ser vistos nas décadas seguintes.Obteve-se a vinda de empresas ligadas principalmente ao setor de mineração. A chegada e instalação de grandes empresas, como a Aracruz Celulose S.A., ocorrido a partir da década de 1970, a abertura de usinas de pelotização da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) da Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) na Região Metropolitana de Vitória (RMGV) foram alguns dos principais acontecimentos ocorridos neste período inicial. Ambas situadas na microrregião metropolitana seguindo o sentido norte – microrregião rio doce - e posteriormente ao sul – no município de Anchieta 60 (microrregião litoral sul), áreas ocupadas, em muitos casos, por comunidades indígenas e quilombolas. Ferreira (2010) observa que essa territorialização das indústrias teve como impactos diretos, a expulsão dos quilombolas e dos indígenas das terras, retirando destas a posse de extensas áreas utilizadas para produção de alimentos a partir da lógica do uso comum do solo. Entre as conseqüências, para além de modificar as atividades realizadas na região, que inicialmente eram voltadas a subsistência dos povos que ali se encontravam localizados, verificou-se na região norte do estado o aumento da concentração de terras por parte principalmente do capital privado, contribuindo diretamente, de acordo com a autora, para a piora nas condições de vida das pessoas que ali residiam. Para Mattos e Rosa (2012) este movimento de mudança da estrutura econômica, que fora alicerçado no estímulo estatal, teria contribuído, por outro lado, para que o Espírito Santo tivesse sua característica agrícola rapidamente alterada. Passando de uma economia agrícola para a era industrial. Este movimento de atração de grandes empresas teria assumido papel relevante no ―desenvolvimento‖ estadual sob o ponto de vista econômico, aproximando seus indicadores com os apresentados pelo Brasil (CASTIGLIONI, 2009). Outro efeito destacado por Castiglioni (2009) foi à concentração de tais investimentos na região da capital. Em meados da década de 1980, em especial, já foi possível visualizar os impactos na economia. A taxa média de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) evidenciou que em razão das sucessivas crises econômicas (LACERDA et al, 2010), o Brasil e o estado obtiveram entre 1960 e o final da década de 1970 significativas reduções no crescimento43. No entanto, o ES apresentou percentuais de crescimento acima da taxa do país ao longo de todo o período visualizado apresentado (CAÇADOR; GRASSI, 2009). Esta elevação do PIB alicerçou-se no avanço do agronegócio e das novas atividades econômicas adotadas pelo estado. Especialmente a partir da 43 Verifica-se em Lacerda et. al (2010) que em meados de 1960 e final da década de 1990, o país passava –de modo mais intenso- por inúmeras crises políticas, econômicas e sociais, que ajudaria compreender essas bruscas oscilações no Produto Interno Bruto do país e do estado. No entanto, nota-se que ainda assim, os resultados econômicos do estado se destacam em relação ao país. 61 década de 1990, com a crescente valorização das commodities no mercado nacional e internacional, as indústrias de transformação intensificaram ainda mais sua expansão. Caçador e Grassi (2009) explicitam a relevância das commodities na economia do estado. Em dez anos (1996 a 2006), o setor de extração de minerais metálicos assumiu a liderança entre os dez principais seguimentos da indústria capixaba. A extração de gás natural e petróleo (Norte e Sul do ES) têm impulsionado cada vez mais o estado em nível nacional e internacional. As descobertas – de novas jazidas em mar e no continente realizada principalmente pela Petrobras fizeram com que o estado saísse da quinta (em 2002) para a segunda maior província petrolífera do país, ressaltando assim a crescente relevância econômica do estado em relação às demais unidades federativas do país (FILHO et al, 2013). Destaca-se ainda a relevante participação do estado no que se refere à produção de produtos pétreos beneficiados que acontece no extremo sul – microrregião central sul - e extremo noroeste do Espírito Santo (exploração e beneficiamento de rochas ornamentais) onde se encontra o maior parque industrial para processamento de rochas ornamentais do país (FILHO et al, 2013). Filho et al. (2013) pontua ainda que já no início dos anos 2000, a economia capixaba apresentava uma configuração mais diversificada, destacando-se na agricultura, na pecuária e na mineração. [...] têm destaque a agricultura, a pecuária e a mineração. Na produção agrícola, destacam-se a cana-de-açúcar, a laranja, o cocoda-bahía e o café. Na atividade pecuária o rebanho ultrapassa 1,8 milhão de cabeças de gado e na avicultura, aproximadamente 9,2 milhões de aves. Na mineração há reservas importantes de granito para fins ornamentais, além da extração de gás natural e petróleo. O parque industrial do estado do Espírito Santo abriga indústrias químicas, metalúrgicas, alimentícias, de papel e celulose.(FILHO et al, 2013, p.23). Todavia, Mendes, Villaschi e Felipe (2012) demarcam que a distribuição da estrutura econômica do estado do Espírito Santo possui forte concentração44 espacial e setorial45 de atividades econômicas e renda. 44 O estado também se destaca em relação a concentração racial da renda. A capital Vitória figura entre as capitais brasileiras com significativo distanciamento na renda da população branca e da negra. Disponível em <http://www.vermelho.org.br/noticia/274511-10>. Acesso: 10 out 2017. 45 Apesar do crescimento e surgimento de novas atividades na economia capixaba (principalmente nos anos de 1990), as atividades ainda permaneceram centradas em commodities (CAÇADOR; GRASSI, 2009). 62 Segundo tais pesquisadores, seria possível observar a infraestrutura econômica do ES, dividindo-a em duas partes: A localizada a leste da Br 101, majoritariamente caracterizada pelas atividades industriais e à oeste pelas atividades agrícolas e afins (Mapa 3). Mapa 3- Distribuição das atividades econômicas no Espírito Santo Fonte: Mendes, Villaschi e Felipe (2012). Disponível em<https://economiacapixaba.files.wordpress.com/2012/08/apls-e-br.jpg> acesso: 20 abr. 2017. Dados de 2008, por exemplo,apontam que 80% das riquezas foram produzidas no litoral capixaba (tabela 2). Quando observados tal fato em função dos municípios do extremo oeste – zona fronteiriça com Minas Gerais -, tal discrepância mostra-se ainda mais intensa. Informaçõesrelativas ao ano de 2009 revelam participação de 3,55% no litorâneos(MENDES; VILLASCHI; FELIPE, 2012). PIB, contra 51,79% dos 63 Tabela 2– Participação percentual dos municípios a leste e oeste da Br 101 no PIB capixaba, por atividade econômica - 2008 Comércio e Serviços Indústria, Agropecuária Adm. Constr. Localidade Demais (%) Pública Total Siup. (%) atividades. (%) (%) Total ES 100 100 100 100 100 Leste BR 101 28,5 Oeste BR 101 71,5 Fonte: Mendes,Villaschi e Felipe ,2012 91 64,4 83,9 80 9 35,6 16,1 19,8 O interior, por sua vez, representado pelos municípios localizados na faixa central e do extremo oeste do ES, dinamizou os arranjos produtivos 46 e vivenciou o crescimento de micro, pequenas e médias empresas ligadas aos seguimentos: vestuário, móveis, alimentos, mármore e granito e alguns efeitos multiplicadores, singularmente na área de serviços (MENDES; VILLASCHI; FELIPE, 2012), bem como vivenciou o agravamento da concentração de terras, principalmente na porção norte, estimulado pela monocultura do eucalipto (ZANOTELLI et al., 2011) e a intensificação de conflitos sociais, em especial contra as comunidades quilombolas (FERREIRA, 2010). Faz-se assim, possível a assertiva de que no processo de reestruturação da economia capixaba foi marcante o processo de concentração espacial das grandes empresas na faixa litorânea do estado, em especial nas localidades onde se encontravam concentradas e instaladas populações indígenas e quilombolas. Neste movimento de modernização econômica, a população preta, parda e indígena, em especial, foi profundamente impactada, tendo suas disparidades socioeconômicas (em relação ao branco) ainda mais agravadas47. Uma vez que, conforme se pôde observar na discussão de Ferreira (2010) e Zanotelli et al (2011), em tais avanços econômicos, os povos tradicionais que ocupam de modo expressivo o litoral capixaba, foram os mais impactados e marginalizados socioeconomicamente. De outro lado, a comunidade territorializada na região serrana do estado (em sua maioria oriunda de países da Europa), apesar de forçadas a 46 Colatina, Linhares, Cachoeiro e Nova Venécia se destacaram. Mendes, Villaschi e Felipe (2012) pontuam que estas mudanças impulsionaram até municípios dos estados vizinhos. 47 Dezenas de famílias tiveram suas condições materiais de existência expropriadas por parte das grandes empresas que se instalaram (FERREIRA, 2010). O estímulo da Aracruz Celulose (atual FIBRIA) a produção de eucalipto alterou a dinâmica de produção em várias regiões do estado, contribuindo também no processo de intensificação da saída das pessoas de tais localidades, uma vez que esta atividade não gera muitos empregos (ZANOTELLI et al, 2011). 64 alterar parte das atividades econômicas desenvolvidas, estas por possuírem posse de suas terras facilitadas pelo próprio estado, puderam gozar de privilégios concretos, sendo menos vulneráveis aos avanços do capital internacional. Neste bojo, vale enfatizar que, conforme indicaram as literaturas, todos estes fatos foram mediado diretamente por ações governamentais e focalizaram-se espacialmente nas regiões onde encontravam-se territorializadas com se identifica em Ferreira (2010) os quilombolas e os indígenas. Em conseqüência, verificou-se uma série de arrebatamentos na dinâmica sociodemográfica do estado. 2.3 Aspectos sociodemográficos Todo este processo de oscilação na dinâmica econômica e política do país resultaram numa série de impactos nas questões socioeconômicas, culturais, espaciais, no Espírito Santo (SILVA; DADALTO, 2014). Aliado a tal fator econômico, teve-se o momento da transição demográfica e epidemiológica pela qual o país e o estado estavam inseridos, saindo de um cenário de elevadas taxas de fecundidades e mortalidade, para a redução significativa, juntamente com a melhoria nas condições sanitárias, tendo como conseqüência direta a elevação na expectativa de vida da população capixaba, como pode ser visualizado no gráfico 3 (CASTIGLIONI, 2009). Nota-se na figura uma elevação total de 20,08 anos, de 1940 para 1980, na esperança de vida dos capixabas – destaca-se a década de 1970-80, que contribuiu com 9,35 anos do total. Gráfico 3- Evolução da esperança de vida ao nascimento -Brasil e Espírito Santo -1940 a 2010 Fonte: Castiglioni, 2009, p.96 65 Para Castiglioni (2009), a melhoria geral nas condições de vida aliada à ampliação dos métodos contraceptivos e ao ―perfil cultural48 dos migrantes‖ que povoaram o estado ajudaria a compreender todo este processo. No entanto, há que se ressaltar que, conforme se observa no trabalho desta mesma autora, esses recém chegados ao estado foram recepcionados de modo e contexto totalmente diferentes que os que outrora já estavam territorializados (principalmente os negros e indígenas – os não brancos). Diferentemente dos migrantes europeus, que contaram com estímulo estatal, aos não-brancos não foram facilitados o acesso à propriedade no Brasil na pós-abolição (CAMPOS, 2012), por exemplo, que poderia contribuir para a diminuição das disparidades econômicas e sociais. O gráfico 4 apresenta a evolução em termos absolutos da população do Espírito Santo entre os anos de 1872 e 2010. Nesta é possível observar que a década de 1950 demarca o início da expansão da população do estado. Entre os anos de 1950 e 1970, a população do estado praticamente dobrou, saindo de 861.562 para 1.599.333 habitantes. Castiglioni (2009) destaca que tal ascensão populacional foi alicerçada na migração, desde meados do final do século XIX, intensificado especialmente no inicio da segunda metade do século XX. Gráfico 4 -Evolução da população do Espírito Santo – 1872-2010 Fonte: BRASIL et al. (acesso em 01 mar. 2017) 48 O ‗perfil cultural‘ relatado pela autora diz respeito aos ―bons hábitos‖ e ―costumes‖ dos migrantes europeus. Data máxima vênia, mas tal entendimento não traduz o modo diferenciado como os diferentes grupos étnico-raciais foram tratados. O tratamento dado aos indígenas e aos negros não foi o mesmo que os migrantes europeus. Além do mais, tal apontamento desconsidera a própria riqueza cultural presente nas tradições das etnias dos indígenas e da população negra. 66 Este período foi também marcado pela alteração dos locais onde se localizavam tais habitantes. O Espírito Santo saiu de uma população rural – final da década de 1940 e início da década de 1950 – para uma essencialmente urbanizada (CASTIGLIONI, 2009). O gráfico 5 retrata a evolução percentual da população urbana no estado (População urbana: 31,6% em 1960 para 63,9 em 1980) (MENDES; VILLASCHI; FELIPE, 2012). Gráfico 5- Evolução percentual da população urbana no Espírito Santo - 1960-2010 Fonte: Adaptado de Mendes,Villaschi e Felipe (2012) No ano 1980, os municípios capixabas passaram por significativas mudanças na composição de suas populações e em seus indicadores demográficos (LOUREIRO, 2005; LIRA; OLIVEIRA JUNIOR; MONTEIRO, 2014; DOTA; COELHO; CAMARGO, 2017). O crescimento da população motivado no final do século XIX e início do século XX pela migração internacional (CASTIGLIONI, 2009), passa por profundas modificações na segunda metade do século motivado, além da condição demográfica da população, em grande parte pela chegada em massa de migrantes, principalmente de estados vizinhos (Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro) (DOTA; COELHO; CAMARGO, 2017). Dota, Coelho e Camargo (2017) destacam que fatores foram se somando nas décadas seguintes à 1980 e contribuindo para obtenção de seguidos saldos migratórios positivos: a) Acesso ao mar que viabilizou o fortalecimento das relações econômicas do Espírito Santo com Minas Gerais, através de investimentos relacionados aos setores ligados a mineração e escoamento da produção, que resultaram na criação de empregos e atração de migrantes; b) A valorização dos commodities no mercado internacional; c) O crescimento do setor de petróleo e gás, que trouxe investimentos para o 67 Espírito Santo. Fatores estes que tem atuado, segundo os autores, como atrativo para os migrantes em busca de oportunidades, principalmente dos estados da Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro nas últimas décadas. O gráfico 6 retrata a evolução da taxa média de crescimento anual do Espírito Santo e do Brasil entre os anos de 1940 e 2010, apesar de apresentar tendência de queda, o estado ainda tem mantido taxas de crescimento acima da brasileira – especialmente a partir da década de 1980. De 2000 para 2010, a taxa do Espírito Santo reduziu 35,9% (2000: 1,98%; 2010: 1,27%). Comparando-se as taxas do estado e do país no ano de 2010, o ES teve taxa 8,5% maior que a do Brasil (BRA: 1,17%; ES: 1,27%). Segundo Ferrari (2011), o censo demográfico de 2010 apontou um crescimento no processo de urbanização de 13,4% na concentração de pessoas por quilometro quadrado no Espírito Santo – densidade demográfica – em relação a 2000. O estado que em 2000 possuía 67,2 hab./km², atingiu a marca de 76,3 hab./km².De acordo com a autora, o estado teve a maior taxa de crescimento populacional entre os estados da região Sudeste (13,6%) do país, e acima da média nacional, que foi 12,5% para o mesmo período. Gráfico 6 - Evolução da Taxa Geométrica de Crescimento Anual do ES e BR – 1940-2010 Fonte: BRASIL et al. (acesso em 01 mar. 2017) A transição econômica teve conseqüência direta na própria dinâmica demográfica do estado. Este processo de transformação da economia do estado do Espírito Santo refletiu em questões socioeconômicas, culturais, 68 espaciais, como a intensificação da segregação socioespacial na RMGV, por exemplo, (SILVA; DADALTO, 2014). Essa concentração das pessoas na faixa litorânea do estado, com destaque para a microrregião metropolitana, teria relação direta com a atuação dos grandes projetos industriais no interior, que teria atuado na reconfiguração das atividades econômicas e como um dos motivadores à expulsão dos habitantes da zona rural para os grandes centros urbanos. Neste sentido, pontua Zanotelli et al (2011): [...] com a ampliação do famoso ‗fomento‘ da grande empresa produtora de celulose para exportação, a Aracruz Celulose [atual FIBRIA], os pequenos proprietários rurais disseminaram o eucalipto por várias áreas do estado com os estímulos que a empresa dá (fornecimento de mudas e garantia de compra) , além do que diversos proprietários rurais tem visto no eucalipto uma fonte de renda garantida, pois há, igualmente uma demanda da indústria moveleira e da construção civil. Isso associado a outros processos econômicos tem provocado a evolução do preço da terra em diversos lugares (ZANOTELLI et al, 2011,p.139) Vale pontuar, conforme Zanotelli et al (2011) afirma que o cultivo de eucalipto não emprega mão-de-obra intensiva e estimula a valorização da propriedade, corroborando com intensificação de conflitos no campo, tendo entre suas conseqüências, a saída dos camponeses sentido às grandes cidades e a concentração de terras. De acordo com o censo de 2010 do IBGE, 83,4% da população capixaba residia em áreas urbanas e 16,6 na zona rural. Em 2015, de um total de 2.05 milhões pessoas economicamente ativas, 1.74 milhões (84,9%) residiam em área urbana e 309.000 (15,1%) na zona rural49. Entre os impactos sociais de todo este processo de alteração econômica e expulsão dos moradores do campo capixaba, pode-se citar a concentração de terras ocorrida no interior do estado especialmente na área onde se localiza a microrregião Noroeste, Nordeste e parte da Rio Doce. A respeito da concentração afirma Zanotelli et al (2011): [...] em 1995 podíamos identificar um crescimento importante no número de grandes propriedades: 202 empresas e/ou famílias detinham 15,3% das terras agricultáveis do Espírito Santo (539 mil hectares), boa parte dessas terras estavam destinadas à eucaliptocultura (173 mil hectares em 1995 e possivelmente mais hoje) [...] (ZANOTELLI et al, 2011, p.139) No mapa 4 é possível verificar os locais onde a concentração de renda era mais intensa no Espírito Santo em 2000. As áreas escuras do mapa 49 Dados disponíveis em < https://es.gov.br/es-em-dados> Acesso em: 01 abr. 2017 69 retratam espacialmente as localidades em que a renda estava mais concentrada em uma pequena parcela da população. Destacam-se os municípios do norte do estado, componentes das microrregiões noroeste, nordeste, centro-oeste e rio doce. Regiões estas onde há maior representação percentual da população preta e parda, em que estas são cerca de 65 a 70% da população e que também evidenciaram uma maior concentração espacial nos registros de incidência de pobreza (mapa 5).Na faixa serrana do estado, em que se situam as comunidades tradicionais européias, a concentração de renda mostrou-se menos intensa. Possivelmente associada à atividade de pequenos agricultores, de terras obtidas durante a chegada em massa da migração, conforme é possível identificar em relatos no trabalho de Castiglioni (2009). Entre as consequências, o período de 2000 a 2010, registrou discrepâncias nas condições de vida da população capixaba. Em 2005, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)50 do estado era de 0, 802, sendo este o sétimo maior do Brasil e o terceiro maior da região sudeste (FILHO et al., 2013). Contudo, averigua-se nos dados apresentados por Filho et al (2013) persistentes desigualdades regionais no estado. O maior IDH foi o do município de Vitória (0,856) – situado na região metropolitana- e o pior do município de Água Doce do Norte (0,659) – no extremo noroeste do estado. Neste mesmo sentido, a figura 9 indica que o ano de 2000 a incidência de pobreza estava majoritariamente localizada na divisa do Espírito Santo com a Bahia. 50 A escala varia de zero a um, onde quanto mais próximo de um, melhor seria a qualidade de vida da população. 70 51 Mapas 4 e 5– Índice de GINI (E) e Incidência de pobreza no estado do Espírito Santo, segundo município, no ano de 2000 (D)* Fonte/Figura9: IJSN, 2003. Disponível em < http://www.ijsn.es.gov.br/mapas > acesso: 26 abr. 2017; Fonte/Figura 10: IJSN, 2009. Disponível em < http://www.ijsn.es.gov.br/mapas > acesso: 26 abr. 2017.Nota: *(E) = figura da esquerda; (D) = figura da direita O índice de GINI “[...] é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. [...]‖ (IPEA) Disponível em < http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2048:catid=28&Itemid=23> Acesso 10 out 2017. 51 71 2.4 As microrregiões administrativas do Espírito Santo Dentre outras subdivisões, o estado do Espírito Santo possui desde a aprovação da lei estadual 9.768 – sancionada em 28 de dezembro de 2011- as seguintes microrregiões de planejamento (mapa 6): Metropolitana, Central Serrana, Sudoeste Serrana, Litoral Sul, Central Sul, Caparaó, Rio Doce, Centro Oeste, Nordeste e Noroeste. Estas que, segundo o próprio texto da lei, tem entre as funções, auxiliar o processo de organização das ações do setor público, foram escolhidas como unidade de análise dos dados de mortalidade. Por este motivo, faz-se relevante estabelecer uma aproximação das mesmas e de suas características gerais. 72 Mapa 6 - Microrregiões planejamento do estado do Espírito Santo Fonte: IJSN, 2012. Disponível em <http://www.ijsn.es.gov.br/mapas > acesso: 11 nov. 2016. 73 Analisando-se as dez microrregiões de planejamento do estado (tabela 3), nota-se que há uma maior concentração de brancos nas microrregiões situadas a oeste e sul da Região Metropolitana da Grande Vitória (Central Serrana, Sudoeste Serrana, Litoral Sul, Central Sul, Caparaó), atingindo em alguns casos, percentuais superiores a 60% (Central Serrana 69,4%; Sudoeste Serrana 61,1%). Os pardos, por sua vez, neste ano, representavam mais de 50% da população em quatro microrregiões situadas na porção ao norte do Estado (Nordeste 59,7%, Noroeste 58,4%, Rio Doce 54,9% e Metropolitana 51,4%). Observa-se ainda que a população de autodeclarados pretos e outras são respectivamente inferiores a 13% e 1% em todas as microrregiões em ambos os censos (2000 e 2010). Há uma menor representação percentual, no que refere aos grupos étnico-raciais: brancos na microrregião Nordeste (2000: 33,9% e 2010: 27,4%), pretos (2000: 3,5% e 2010: 3,5%)e pardos (2000: 23,8% e 2010: 26,8%) na microrregião Central Serrana. Tabela 3- População por raça/cor nas Microrregiões do Espírito Santo em 2000 e 2010 % Branca % Preta % Parda % Outras Microrregiões 2000 2010 2000 2010 2000 2010 2000 2010 Metropolitana 45,1 38,4 6,8 9,2 47,6 51,4 0,6 1,0 Central Serrana 72,5 69,4 3,5 3,5 23,8 26,8 0,2 0,5 Sudoeste Serrana 67,1 61,1 4,1 4,8 28,6 33,4 0,2 0,8 Litoral Sul 61,0 53,2 3,6 5,2 35,0 41,1 0,3 0,6 Central Sul 58,4 50,3 9,3 9,6 32,1 39,6 0,2 0,6 Caparaó 60,2 54,1 7,4 8,3 32,3 37,1 0,2 0,6 Rio Doce 42,4 36,9 5,1 7,5 51,1 54,9 1,3 2,0 Centro Oeste 54,8 46,4 4,7 5,5 40,3 47,8 0,2 0,4 Nordeste 33,9 27,4 9,0 12,1 56,6 59,7 0,5 1,0 Noroeste 40,4 35,4 5,3 5,7 54,0 58,4 0,3 0,5 Fonte: IBGE Censos Demográficos (2000 e 2010). Organizado pelo autor. Um dos indicadores demográficos que auxilia na compreensão de determinadas questões econômicas, sociais, socioeconômicas, dentre outras, de um território são as trocas populacionais e a intensidade com que estas ocorrem (CASTIGLIONI, 2009; DOTA; COELHO; CAMARGO, 2017). A depender das oportunidades – e/ou promessas- (emprego, moradia, educacional, etc.), algumas localidades podem atrair maiores ou menores contingentes de migrantes. Averiguando os fluxos migratórios das microrregiões (gráfico 6) é possível notar que Metropolitana (RMGV), Central Sul (Centro Sul) e Rio Doce têm recebido os maiores contingentes de pessoas, 74 resultando, como se observa em Espírito Santo (2012), na elevação na expansão da mancha urbana. Já os municípios das microrregiões situadas na zona fronteiriça com o estado de Minas Gerais são em sua maioria rural e estão em processo de perda de população, tendo como destino, em muitos casos, a faixa litorânea do estado (ESPIRITO SANTO, 2012). Como reflexo de tal movimento populacional, o censo de 2010 apontou que seis dos dez municípios com maiores densidades demográficas situavam-se na região Metropolitana, enquanto os menores foram dos municípios da microrregião Noroeste e Nordeste (FERRARI, 2011). A evolução do crescimento médio anual da população entre 1960 e 2010 (gráfico 7 e 8) apontou relevantes oscilações ao longo dos anos, destacando-se a Metropolitana, Rio Doce e Nordeste. A microrregião Metropolitana se sobressai ao longo dos 40 anos, tendo as maiores taxas médias, mesmo apresentando redução em 2010 em relação a 1970. A Rio Doce tem taxas elevadas em 1980, todavia, reduz até meados de 1990, adquirindo, com a valorização das commodities e atividades ligadas ao petróleo que contribuíram para crescimento econômico da região, tendência de ascensão a partir dos anos de 2000, atingindo em 2010, taxa superior à Metropolitana – que acumula maior crescimento ao longo do período. O Nordeste capixaba vivencia momentos de crescimentos (1970 e 1990) seguidos de decrescimentos (1980 e 2000), finalizando a primeira década dos anos dois mil com destaque em relação às demais – exceto em relação a Rio Doce e a Metropolitana. Gráfico 7 - Evolução da população das microrregiões do ES – 1960-2010 Fonte: BRASIL et al. (acesso em 01 mar. 2017) 75 As taxas de crescimento populacional de 2000 para 2010 da zona abrangida pelas microrregiões Metropolitana, Rio Doce e Nordeste foram superiores as do Espírito Santo (ES: 1,27%; Rio Doce: 2,08%; Metropolitana (1,61%) (LIRA; CAVATTI, acesso em 16 dez. 2016)52. As contribuições dos autores revelam ainda que as microrregiões situadas no litoral do ES apresentaram as principais elevações populacionais. Gráfico 8– Evolução da Taxa Média Geométrica de Crescimento Anual 1970-2010 Fonte: BRASIL et al. (acesso em 01 março 2017) À luz dos indicadores sociais, verifica-se que apesar do desenvolvimento econômico pelo qual o estado tem passado, ainda persistem significativas desigualdades regionais, tendo intensa concentração de indicadores sociais que apontam desigualdades sociais e sociorraciais que merecem atenção por parte dos planejadores sociais. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio de informações extraídas do CadÚnico 53 sobre o Espírito Santo (IJSN, 2016; IJSN, 2017b) revelaram que algumas microrregiões ainda enfrentam grandes desafios na melhoria de serviços públicos básicos diretamente ligados as condições mínimas responsáveis pelo bem-estar de um grupo populacional, tais como a coleta de lixo e abastecimento adequado de água. 52 No período em que o estudo foi publicado, foi considerada a regionalização conforme Lei Estadual 5.120 de 30/11/95 alterada pelas leis: Lei 5.469 de 22/09/1997, Lei 5.849 de 17/05/99 e Lei 7.721 de 14/01/04. Nesta ocasião, a área era denominada Metropolitana, Polo Linhares e Litoral Norte. No presente estudo foram consideradas as microrregiões criadas pela Lei Estadual 9.768 sancionada em 28/12/2011. 53 “O Cadastro Único é um conjunto de informações sobre as famílias brasileiras em situação de pobreza e extrema pobreza. Essas informações são utilizadas pelo Governo Federal, pelos Estados e pelos municípios para implementação de políticas públicas capazes de promover a melhoria da vida dessas famílias.[...]‖ (CAIXA ECONOMICA FEDERAL, 2017) Disponível em <http://www.caixa.gov.br/cadastros/cadastro-unico/Paginas/default.aspx > Acesso: 16 out. 2017 76 Ao analisar dados das famílias do Espírito Santo cadastradas no CadÚnico, contempladas pelo programa Bolsa Família54, importante fonte de informações socioeconômicas da população, devido sua abrangência espacial, o IJSN (2017b) identificou que quatro das dez microrregiões possuem renda média domiciliar abaixo da estadual (tabela 4), sendo a Metropolitana e Nordeste, que também apresentaram as maiores taxas de extrema pobreza 55. Estas também foram áreas (mais escuras do mapa) que apontaram maior hiato de pobreza, ou seja, são localidades identificadas como áreas onde em termos monetários, tem sido mais difícil deixar a extrema pobreza (IJSN, 2017b) (mapas 7 e 8). Outras informações que também corroboram para a compreensão das condições de vida é o nível de alfabetização de uma população (PEREZ; TURRA, 2008), por associar-se também a ocupação de cargos mais valorizados, que influencia também nos rendimentos, bem como o nível de informações sobre cuidados com a saúde, dentre outros. As mais elevadas taxas de analfabetismo entre as beneficiárias inscritas no cadastro único foram identificadas nas microrregiões: Nordeste, Noroeste e Rio Doce. Considerando apenas os cadastrados no CadÚnico, a taxa do Espírito Santo ficou 2,2 pontos percentuais acima da meta objetivada para o ano de 2015 e a microrregião Nordeste 3,1 pontos percentuais acima da estadual. 54 ―O Bolsa Família é um programa federal destinado às famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, com renda per capita de até R$ 154 mensais, que associa à transferência do benefício financeiro do acesso aos direitos sociais básicos - saúde, alimentação, educação e assistência social‖ (DATASUS). No Espírito Santo, as famílias atendidas pelo programa são, em sua maioria negras. O IJSN (2017b) assevera que as beneficiárias distribuem-se racialmente nos seguintes grupos: 63,0% pardas, 27,2% brancas, 8,5% pretas, 0,93% amarelos e 0,24% de indígenas. Disponível em <http://bolsafamilia.datasus.gov.br/w3c/bfa.asp > Acesso em: 01 jun. 2017. 55 A renda média estabelecida como parâmetro para se verificar as taxas de extrema pobreza no período fora: R$ 126,34 para as famílias residentes em áreas urbanas e R$ 107,83 para as residentes nas áreas rurais. (IJSN, 2017b). 77 Tabela 4- Renda média domiciliar per capita por Microrregião das pessoas cadastradas no CadÚnico, 2016 Fonte: IJSN, 2017b, p.12 78 Mapas 7 e 8 - Taxa de extrema pobreza da população (E) e Hiato de extrema pobreza da população (D) do Espírito Santo inscrita no CadÚnico por Microrregião, 2016 Fonte: IJSN, 2017b. Nota: (E)=figura à esquerda; (D)=figura à direita. 79 Dados do IJSN (2017a) revelam que os bairros com elevados índices de assassinatos detêm também um cenário que tem preocupado cada vez mais os pesquisadores de temáticas sociais, que é o elevado número de jovens fora da escola. O analfabetismo ainda mostra-se como grande desafio as famílias em situação de vulnerabilidade social56 (gráfico 9). Seis entre as dez microrregiões possuem taxa de analfabetismo acima da apresentada pelo estado, com destaque para a Nordeste, a Noroeste e a Rio Doce (IJSN, 2017b). Gráfico 9 - Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais inscrita no CadÚnico Fonte: IJSN, 2017b, p.39 No que se refere a coleta de lixo que, ao lado do abastecimento de água e saneamento básico, assumem papel de extrema relevância na promoção do bem-estar mínimo de uma população, as informações do relatório do IJSN (2017b) revelaram que 13,2% das famílias não possui acesso a coleta de lixo, e,a microrregião Noroeste lidera este indicador, com o percentual de 34,8% dos cadastrados, seguida da Central Serrana (29,6%), Sudoeste Serrana (27,7%), e Caparaó (25,1%). Entre as que possuem o maior percentual 56 de residências com lixo coletado estão respectivamente: ―Vulnerabilidade social refere-se ao conjunto de fatores socioeconômicos e demográficos capazes de reduzir o nível de bem-estar de uma determinada população, em consequência de sua exposição a determinados tipos de risco, não se limitando, portanto, à concepção de pobreza, mas inclui também a composição familiar, as condições e o acesso a serviços de saúde, a qualidade e o acesso ao sistema educacional, a oportunidade de acesso ao mercado de trabalho, etc.‖ (SECRETARIA DE ESTADO DE DIREITOS HUMANOS DO ESPÌRITO SANTO). Disponível em < https://sedh.es.gov.br/ocupacao-social-perguntas-frequentes > Acesso em 30 mai 2017. 80 Metropolitana (97,6%), Litoral Sul (91,9%) e Rio Doce (88,7%). O Índice de Desenvolvimento Familiar (IDF), que mensura o contexto vivido por cada família a partir de diferentes dimensões, aponta que duas entre as três microrregiões entre os piores índices de desenvolvimento do grupo familiar localizam-se no norte do Espírito Santo, tendo entre os grandes desafios a serem superados, o acesso ao trabalho e a boas condições de moradia (Tabela 5). Tabela 5 - Índice de Desenvolvimento da Família, Espírito Santo e Microrregiões, 2016 Fonte: IJSN, 2017b, p.39 Sendo, portanto, possível afirmar, a partir das informações levantadas no presente capítulo que o estado do Espírito Santo encontra-se de modo geral, em processo de pleno desenvolvimento econômico social. No entanto, ao analisar as dinâmicas socioeconômicas, demográficas, sociorraciais e suas variações espaciais, identificou-se a existência de importantes desigualdades regionais na distribuição da população, da renda, das atividades econômicas, por exemplo. A população negra (pretos e pardos) é a principal atendida pelo programa nacional que visa mitigar as desigualdades socioeconômicas, tendo como principal público os grupos populacionais em situação de pobreza, sendo assim possível inferir, que este é o provável grupo que, de modo geral, na sociedade capixaba, ocupa as condições socioeconômicas menos favoráveis. Este se encontra, como se observou nos dados expostos neste capítulo, territorializado majoritariamente nos espaços com os indicadores socioeconômicos mais sensíveis (IDH, Índice de GINI, Taxas de extrema 81 pobreza, dentre outros). Em diálogo com as contribuições de Bourdieu (2013), entende-se que o processo dialógico entre a reificação do espaço social e do espaço físico, coloca-se como mais provável, no que se refere à reprodução e intensificação de tais indicadores, a ocorrência para os sujeitos desta categoria racial. A literatura apontou para a ocorrência no Espírito Santo, de um desenvolvimento econômico fortemente concentrado no litoral que tem resultado ao longo de sua história recente em intensos conflitos sociais, com fortes arrebatamentos também nas questões raciais. O avanço dos interesses do agronegócio no estado, principalmente após meados de 1950, que contou com ampla conivência estatal, focalizou-se nos espaços geográficos onde estavam territorializadas as comunidades tradicionais, com destaque para o norte do estado, onde se situam em maior quantitativo – de quilombolas e indígenas. 82 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES As literaturas têm revelado que o estado do Espírito Santo esta acompanhando as tendências nacionais e internacionais no que se refere à melhoria das condições sanitárias, com redução das mortes por doenças infecciosas, por exemplo, e elevação das mortes decorrentes da degeneração do organismo (CASTIGLIONI, 2011; ESPIRITO SANTO, 2012; IBGE, 2015). Todavia, quando observadas às perdas de vida em função de causas externas, que são os falecimentos em razão, dentre outros fatos, do crescimento das tensões sociais no trânsito, no cotidiano (homicídios e acidentes de transito, etc.), o estado ainda apresenta grandes desafios a serem enfrentados pelas políticas públicas. No ano de 2010, por exemplo, Castiglioni (2011) revela que esta era a segunda maior causa de morte no estado, tendo incidido principalmente nos jovens, conforme tendência do país e dos continentes americanos verificada em Yunes (2001), Zanotelli et al. (2011), IBGE (2015), Albuquerque e Silva (2015) e Lira (2017). De acordo com os dados do SIM/DATASUS computados, ocorreram 37.921 mortes por causas externas ao longo da década de 2000 no Espírito Santo, estando estas concentradas espacialmente nas microrregiões localizadas no litoral capixaba (Litoral Sul, Metropolitana, Nordeste e Rio Doce, representando 73,9% das mortes), com destaque para a região Metropolitana, localidade onde se aglutinaram 55,7% das ocorrências. É também na microrregião Metropolitana que está condensada em média 48% da população entre 0 a 59 anos. Em termos totais, de 2000 para 2010 o número de falecimentos por causas externas registrados pelo SIM/DATASUS distribuiu-se da seguinte forma: Tabela 6- Óbitos por causas externas, segundo raça/cor no Espírito Santo, 2000 e 2010 % % % % % Total Preta Parda Outras Ignorado Ano Branca 27,2 6 35,3 0,1 31,4 2933 2000 797 175 1035 4 922 27,4 223 5,7 2155 55,1 0,1 11,7 3914 2010 1074 4 458 6847 Total 1871 398 3190 8 1380 Fonte: SIM/DATASUS. Organizado pelo autor O teste estatístico Kruskal-Wallis57, realizado com as taxas específicas de mortalidade indicou elevação estatisticamente significativa no risco de morte 57 Este teste, não paramétrico, é utilizado para defrontar três ou mais populações, no intuito de comparar as taxas de mortalidade entre essas variáveis, verificando qual seria significante. 83 no Espírito Santo do ano de 2000 para o ano de 2010, e que há uma interação entre as variáveis ‗raça e microrregiões‘ e ‗idade e raça‘ (tabela 7). O valor-p menor que 0.05 indica qual variável se mostrou significante. Neste caso, observa-se que as variáveis ‗Ano‘ e ‗Idade‘ apresentaram significância, inferindo que há diferença na taxa de mortalidade entre os anos de 2000 e 2010, assim como há diferença entre as faixas etárias. As interações entre ‗Microrregião‘ e ‗Raça/cor‘, e ‗Idade‘ com a ‗Raça/cor‘ também se mostraram significantes. Pode-se assim, afirmar que a variabilidade espacial e etária assume, no contexto analisado papel importante no risco de morte dos grupos étnico-raciais. Quando analisada individualmente58 as taxas étnico-raciais, sem associá-las com as demais variáveis, não foi possível afirmar que haveria diferenças significativas nas variações do risco de morte de uma categoria raça/cor específica, desvelando que os diferenciais na probabilidade de morte mostraram-se associados à idade do indivíduo, lugar de moradia e ao sexo. Tabela 7 - Teste Kruskal-Wallis para as taxas específicas de mortalidade segundo as variáveis „Ano‟, „Idade‟, „Raça/cor‟ e „Microrregião‟, 2000 e 2010 Variável Estatística Valor-p* Ano 14.447 <0.001 Idade 153.26 <0.001 Raça/cor 20.701 0.3552 Microrregião 93.042 Microrregião x Raça/cor 52.933 0.4097 0.0043 <0.001 Idade x Raça/cor 178.89 Fonte: Dados organizados pelo autor com apoio da equipe do Lestat-Ufes. A distribuição espacial das taxas de mortalidade auferidas para os três grupos étnico-raciais considerados nos cálculos indicou, de modo geral, para uma concentração territorial significativa das taxas entre a raça branca na faixa serrana do estado (mapas 9 e 10), parda na faixa litorânea norte a partir da microrregião Metropolitana (mapas 11 e 12) e preta nas microrregiões localizadas nos dois extremos do estado – norte e sul, acompanhando assim, em certo modo, as áreas onde compõe percentualmente o maior número de 58 Abstrair a variável raça/cor isoladamente da situação espacial (lugar), do contexto social e de fase de vida (faixa etária) constitui uma hipótese do software estatístico que apenas se efetiva num campo hipotético, pois não há como analisar uma variável de modo isolado sem se considerar o espaço (local/lugar) ao qual ele esta inserido, pois a vida apenas se concretiza num espaço, com relações sociais. 84 indivíduos de cada um dos grupos étnico-raciais (mapas 13 e 14). Num primeiro momento, se isoladas as comparações raciais, verificase tendências para taxas entre os próprios grupos nas microrregiões onde estes são maioria na população. No entanto, enquanto a alta taxa de mortalidade branca restringe-se quase que exclusivamente ao interior (mapas 9 e 10), pardos e pretos destacam-se nas demais áreas, principalmente nas localidades com maior adensamento populacional em áreas urbanas – Central Sul, Metropolitana, Rio Doce (mapas 11, 12, 13 e 14). Este aglomerado espacial de altas taxas ao longo da faixa litorânea, mais especificamente ao norte do estado, a partir da Metropolitana, aparentemente tem acompanhado o processo histórico de desenvolvimento econômico das localidades, que de um lado, atraíram muitos habitantes – principalmente do interior do estado e das unidades federativas vizinhas (Bahia e de Minas Gerais) - e intensificaram os conflitos sociais (crescimento da violência urbana, intensificação da disputa pela posse de terras no interior, por exemplo) (ZANOTELLI et al., 2011; FERREIRA, 2010; MENDES; VILLASCHI; FELIPE, 2012). Os mapas a seguir apresentam as taxas dos anos de 2000 e 2010, calculadas segundo grupo racial e microrregiões. Neste caso, são apenas dispostas espacialmente as taxas de mortalidade dos grupos étnico-raciais segundo as microrregiões de planejamento. Em 2000, a Caparaó, a Litoral Sul e a Metropolitana foram os locais onde os riscos mostraram-se mais intensos que nas demais porções do estado. O ano de 2010 por sua vez, demarca territorialmente o avanço do risco de morte ao longo de quase toda área estadual para a população parda. Houve assim, desconsiderando os grupos etários, maiores perigos de morte para pardos. Neste cenário, verificadas as taxas máximas aferidas, nota-se que comparados os anos 2000 e 2010, brancos elevaram 21,5% (2000: 9,56; 2010: 11,62 óbitos por dez mil habitantes) (mapas 9 e 10), pretos reduziram 11,9% (2000: 14; 2010: 12,33 óbitos por dez mil habitantes) (mapas 13 e 14) e pardos aumentaram 53,9% (2000: 10,51; 2010: 16,17 óbitos por dez mil habitantes) a probabilidade de vir a ser vitimado (mapas 11 e 12). Sendo possível inferir que a variabilidade espacial da intensidade das taxas, quando isoladas as faixas etárias, demonstra-se riscos mais significantes para pardos. 85 Mapas 9 e 10– Distribuição espacial da Taxa Específica de Mortalidade da população branca nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 2000 e 2010 Fonte: IBGE Censos Demográficos (2000 e 2010) e SIM/DATASUS. Dados organizados pelo autor com apoio da Equipe do Lestat-Ufes. *Óbitos por mil habitantes. 86 Mapas 11 e 12 - Distribuição espacial da Taxa Específica de Mortalidade da população parda nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 2000 e 2010 Fonte: IBGE Censos Demográficos (2000 e 2010) e SIM/DATASUS. Dados organizados pelo autor com apoio da Equipe do Lestat-Ufes. *Óbitos por mil habitantes. 87 Mapas 13 e 14- Distribuição espacial da Taxa Específica de Mortalidade da população preta nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 2000 e 2010 Fonte: IBGE Censos Demográficos (2000 e 2010) e SIM/DATASUS. Dados organizados pelo autor com apoio da Equipe do Lestat-Ufes. *Óbitos por mil habitantes. Os centros urbanos, devido à maior concentração de população, tendem a representar áreas onde os conflitos e as tensões sociais são mais intensos, bem como a exposição a situações de estresse cotidiano, dentre outras, talvez conforme verifica-se em Lira (2017) devido a própria estrutura centralizadora de pessoas, renda, mas também de mazelas sociais fruto das 88 próprias desigualdades presentes nos estratos sociais. Nestas áreas, as taxas de mortalidade foram mais elevadas entre pardos. Os investimentos recebidos pela faixa litorânea do estado, principalmente a partir da microrregião Metropolitana, inicialmente com os grandes projetos industriais e posteriormente com a descoberta do petróleo corroboraram para intensificação dos fluxos migratórios intra e interestadual, tornando estas áreas de forte atração de migrantes, e por conseqüência, de expansão da malha urbana (DOTA; COELHO; CAMARGO, 2017). Os impactos diretos tem se refletido no próprio crescimento dos crimes contra a vida, aumento da frota e de vítimas de acidentes, dentre outros (SILVA; DADALTO, 2014; CASTIGLIONI; FAÉ, 2014). Em 2007, a taxa de homicídio da microrregião metropolitana foi 1,5 vezes maior que a do estado e 2,4 em relação aos demais municípios do estado (MENDES; VILLASCHI; FELIPE , 2012). Inserindo-se a variável idade, torna-se possível melhorar o nível de detalhamento dos riscos que, por conseguinte, corrobora para acompanhar ao longo de cada um dos grupos etários a exposição dos agrupamentos populacionais à possibilidade de perda da vida. As taxas de mortalidade segundo raça/cor auferidas para o Espírito Santo apresentaram significativa variação nos grupos etários, com elevado risco de morte entre os 10 aos 49 anos, mostrando mais incidência nos grupos etários jovens das raças preta e parda (gráficos 10 e 11). Entre os anos 2000 e 2010, os dados revelaram que pretos e bancos vivenciaram tendências opostas, principalmente entre os 10 e os 19 anos. Para Ribeiro Junior (2012) o assassinato de jovens no estado, que em sua maioria é residente de comunidades mais carentes, relaciona-se a política de ‗guerra as drogas‘, que tem, entre os principais impactos, a vitimização de jovens de tais áreas. Nota-se ainda que em 2010, comparado ao ano de 2000, houve, após os 50 anos, um distanciamento entre as taxas de mortalidade da raça branca em relação aos demais grupos. Se a extensão da vida média de uma população encontra-se diretamente associada à velocidade com que seus elementos são eliminados (CASTIGLIONI, 1994), pode-se verificar nos dados, que a perda da vida nos grupos mais jovens, ocorrido principalmente no caso 89 estudado, na raça preta e na raça parda, insere-se como um dos possíveis fatores influenciadores de tal comportamento entre as idades mais elevadas. Numa comparação entre pretos e brancos, se observadas as faixas (10 a 19 anos e 70 anos ou mais) verifica-se que enquanto na população mais jovem a chance de um preto vir a ser vitimado é 2,7 a de um branco, entre a população mais idosa a situação se inverte, estando o branco com probabilidade de morte 1,7 vezes a de pretos. Entre a raça parda o maior risco verificado no estado foi para a faixa dos 20 aos 29 anos. Isso, pois, em razão de uma série de elementos que se somam ao longo da vivencia cotidiana (tais como condições de vida de modo geral e a própria exposição à violência a situações de estresse) que possam, dentre outros fatores, estar resultando em suicídios, acidentes de transito e ou qualquer outro tipo ou causa de morte presente no grupo das causas externas. Tal tendência coloca a população branca na condição de maior propensão, em nível estadual, de alcançar as idades mais elevadas se comparadas aos demais grupos étnico-raciais. Gráfico 10 e 11 - Taxa Específica de Mortalidade do Espírito Santo, segundo raça/cor nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 2000 e 2010 25,0 2000 15,0 5,0 -5,0 0 a 09 anos 10 a 19 anos 20 a 29 anos Branca 25,0 20,0 15,0 10,0 5,0 0,0 30 a 39 anos 40 a 49 anos Preta 50 a 59 anos 60 a 69 anos 70 anos ou mais 60 a 69 anos 70 anos ou mais Parda 2010 0 a 09 anos 10 a 19 anos 20 a 29 anos Branca 30 a 39 anos 40 a 49 anos Preta 50 a 59 anos Parda Fonte: IBGE Censos Demográficos (2000 e 2010) e SIM/DATASUS. Organizado pelo autor. Os estudos sobre o contexto capixaba revelam que o aspecto social, o racismo, as relações sociorraciais e a imersão socioeconômica dos diferentes grupos étnico-raciais têm contribuído e resultado numa sobreposição de mortes 90 violentas entre a população jovem não branca (ZANOTELLI et al, 2011; WEISELFISZ, 2012). Estas que em sua maioria ocupam as regiões menos dotadas de equipamentos públicos que proporcionam qualidade de vida e oportunidades em seus diversos aspectos, quais sejam, culturais, educacionais, sanitárias, de moradia e segurança, por exemplo – em nível estadual, verifica-se nas microrregiões situadas no extremo norte. Ao comparar dois grupos etários de raças diferentes, nota-se que a exemplo do exposto nos dados em nível estadual, os fatores territorial e racial, parecem estar associados ao risco e a faixa etária, com maior incidência deste também nas microrregiões (tabela 8). Enquanto após os vinte anos o risco divide-se entre pretos e pardos, nota-se que entre os 10 e 19 anos, pretos são as principais vítimas, em especial nas microrregiões localizadas no interior do estado- divisa com o estado de Minas Gerais. Nos grandes centros urbanos, como Rio Doce, Central Sul, Litoral Sul e Metropolitana (áreas com grandes cidades, como Cachoeiro de Itapemirim, Linhares, Vitória, Serra, por exemplo), as taxas mais elevadas foram verificadas em 2010 entre a população parda. Apesar de não concentrar a principal estrutura econômica do estado, as áreas rurais, que tiveram processo de ocupação das terras estimulado pelo próprio estado (CASTIGLIONI, 2009) e como principal beneficiário as comunidades européias59, foram contempladas com propriedades, facilitando assim, sua sobrevivência nas localidades. A estes grupos, a própria seguridade jurídica pela posse da propriedade em certo modo, atua como fator estimulador a permanecer ocupando tais territórios, mesmo com a forte atração feita pelo crescimento industrial nas outras áreas do estado. Ao contrário de muitas propriedades da região do Rio Doce e Nordeste, por exemplo, onde as comunidades quilombolas e indígenas tem sido expulsas pela atuação das grandes empresas, restando a estas, migrarem para os centros urbanos e ocupar as áreas menos favorecidas nas cidades – como tem ocorrido os quilombolas. 59 Há que se ressaltar, no entanto, que com a crise do café, algumas famílias brancas que residiam na região norte do estado também perderam tudo. 91 Tabela 8 - Taxa Específica de Mortalidade, segundo raça/cor nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 2000 e 2010, 10 a 49 anos. Fonte: IBGE Censos Demográficos (2000 e 2010) e SIM/DATASUS. Organizado pelo autor. Quando avaliado a probabilidade de perda da vida em função de um assassinato, suicídio ou acidente de trânsito, nas variadas microrregiões do estado, entre os 10 e 49 anos, a população preta e parda é a principal vitimada, mesmo nos territórios onde representam percentualmente número inferior em relação à branca. Em 2010, por exemplo, a microrregião Central Serrana, onde havia em média a menor concentração de autodeclarados pretos (3,5%) e pardos (25,3%), o risco de morte para pretos na faixa etária dos 30 aos 39 anos foi 1,7 vezes o de brancos (branca: 12,3; preta: 20,9; parda: 11,2 óbitos para cada dez mil habitantes) (tabela 8). Vale destacar que nesta área do estado, em média 70% da população é autodeclarada branca. Nos grupos etários que compõe os extremos da população (crianças e pessoas com idades mais avançadas), em que as rotinas cotidianas são menos ativas (DRUMOND JR; BARROS, 1999) estando, portanto, menos expostos as tensões sociais – se comparado aos grupos etários de 10 a 49 anos -, verificou-se uma maior dispersão entre os grupos étnico-raciais do risco de morte. O fator racial parece atuar de modo menos incisivo. É possível estabelecer uma correlação entre o lugar onde o indivíduo 92 vive e as condições materiais de acesso a oportunidade, condições de saúde, exposição à violência, onde aqueles que residem nos espaços geográficos mais privilegiados de benfeitorias acabam por serem expostos ao longo de suas vidas a menores riscos de perder a vida (SILVA; PAIM; COSTA, 1999; BATISTA; ESCUDER; PEREIRA, 2004; CHOR; LIMA, 2005; ZANOTELLI ET AL, 2011; BOURDIEU, 2013; ALBUQUERQUE; SILVA, 2015; IJSN, 2016). Para Bordieu (2013) processos como este revelaria o fenômeno de reificação do espaço social, em que as relações que se estabelecem entre o lugar e o social, privilegiariam determinadas localidades geográficas em função de outras. Verificadas sob o ponto de vista dos indicadores sociais, o norte, onde se evidencia as informações de maior vulnerabilidade social e socioeconômica, sanitária e de acesso a saúde, mostrou-se como a área do estado com maiores índices de violência60 onde a população preta é a principal vitimada. Comparando-se as taxas da população jovem (10 a 19 anos) microrregião Noroeste, por exemplo, nota-se que no ano de 2010 a taxa específica da população preta foi 2,7 vezes superior a parda e 2,8 a branca (branca: 3; preto: 8,3; pardo: 3,1 óbitos para cada dez mil habitantes). Além da demarcação social (DAMIANI, 2002) e territorial (FARIA, 2016), a mortalidade, no caso estudado, as oriunda de causas externas, das microrregiões analisadas, manifestou significativa orientação espacial do risco, ao passo que, quanto maior a concentração populacional, mais elevados eram as taxas para pardos, enquanto o sentido inverso se mostrou mais relevante entre pretos, tendo estes os mais altos risco de vir a serem vitimados. O que os inserem como potenciais vítimas principalmente nas microrregiões do interior capixaba. O risco entre brancos manteve-se pequeno – se comparado a pretos e pardos- nos principais grupos etários, manifestando-se mais relevantes nas idades mais avançadas (TEM mais elevada para o ano de 2010 dos 10 aos 49 anos: Branca: 13,7; Preta: 45,1; Parda: 33,5 óbitos para cada dez mil habitantes). Os gráficos a seguir apresentam o comportamento das taxas 60 Importante destacar que a violência é produzida socialmente. Não se trata de algo inato do lugar. São as relações sociais que produzem as áreas violentas (ZANOTELLI, et al, 2011). 93 específicas de mortalidade em função das microrregiões e da faixa etária no ano de 2010 (Gráficos 12, 13, 14 e 15). Para se compreender o quão maior foi à probabilidade de óbito para a população autodeclarada preta no período analisado em relação às categorias raciais, torna-se importante lembrar que o total de autodeclarados pretos nas dez microrregiões não ultrapassa os 12,1% em ambos os anos, enquanto pardos e brancos superam os 30% na maioria das microrregiões de planejamento do estado. Mesmo assim, foi possível verificar que o risco de morte evidenciado pelas taxas mostra-se mais incidente, principalmente nos grupos etários de maior exposição cotidiana a situações violentas. Nota-se que entre os 10 e 19 anos (gráfico 12), pretos são as principais vítimas, em especial nas microrregiões localizadas no interior do estado- divisa com o estado de Minas Gerais. Nas microrregiões Litoral Sul e Centro Oeste foram identificados os mais elevados diferenciais do grupo etário, sendo que o risco para pretos foi 5,5 o de pardos e 7,3 o de brancos. Nos grandes centros urbanos, como Rio Doce, Central Sul e Metropolitana (áreas com grandes cidades, como Cachoeiro de Itapemirim, Linhares, Vitória, Serra, por exemplo), as taxas mais elevadas foram verificadas em 2010 entre a população parda. Gráfico 12 - Taxa Específica de Mortalidade, segundo raça/cor nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 10 a 19 anos, 2010 45,0 40,0 35,0 30,0 25,0 20,0 15,0 10,0 5,0 0,0 24,2 20,5 2,8 5,2 Branca 1,2 Preta 4,5 Parda Fonte: IBGE Censos Demográficos (2010) e SIM/DATASUS. Organizado pelo autor. Óbitos por dez mil. Organizado pelo autor. Entre os 20 e os 29 anos (gráfico 13), as taxas mantiveram-se elevadas entre pretos. Contudo, neste recorte etário, ganha destaque o crescimento das taxas de mortalidade entre a população parda, que em alguns 94 casos, sobrepõe ao risco de pretos. Na microrregião Metropolitana, possuidora da maior concentração de população do estado, o alto risco foi visualizado entre a população parda. Gráfico 13 - Taxa Específica de Mortalidade, segundo raça/cor nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 20 a 29 anos, 2010 45,0 40,0 35,0 30,0 25,0 20,0 15,0 10,0 5,0 0,0 Branca Preta Parda Fonte: IBGE Censos Demográficos (2010) e SIM/DATASUS. Organizado pelo autor. Óbitos por dez mil. Organizado pelo autor. Percebe-se que entre pretos e pardos os diferenciais são ainda mais elevados dos 30 aos 39 anos. Ressalta-se para o fato de que na microrregião Sudoeste Serrana não foi computada nenhum óbito de pretos (gráfico 14). Gráfico 14- Taxa Específica de Mortalidade, segundo raça/cor nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 30 a 39 anos, 2010 45,0 35,0 25,0 15,0 5,0 -5,0 Branca Preta Parda Fonte: IBGE Censos Demográficos (2010) e SIM/DATASUS. Óbitos por dez mil. Organizado pelo autor. Após os 40 anos o crescimento mais significativo foi evidenciado pelo grupo racial branco, que em algumas microrregiões supera as taxas de pretos (gráfico 15). No entanto, mantiveram-se as maiores probabilidades entre pretos e pardos. 95 Gráfico 15 - Taxa Específica de Mortalidade, segundo raça/cor nas microrregiões de planejamento do Espírito Santo, 40 a 49 anos, 2010 45,0 40,0 35,0 30,0 25,0 20,0 15,0 10,0 5,0 0,0 Branca Preta Parda Fonte: IBGE Censos Demográficos (2010) e SIM/DATASUS. Óbitos por dez mil. Organizado pelo autor. Os dados tenderam, na medida em que se aumenta a escala de análise, passar por um processo de enegrecimento do maior risco de óbito, que, em nível estadual, apresentaram-se entre pardos, e, na medida em que são inseridas as variabilidades espaciais microrregionais, vai se agravando entre pretos, principalmente nas áreas com maior vulnerabilidade, sugerindo assim, uma distribuição espacial da mortalidade nas microrregiões do Espírito Santo que tem apresentando fortes desigualdades tanto raciais quando microrregionais, variando de modo significativo também entre os grupos etários. 96 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os últimos séculos demarcaram mudanças significativas nas condições de vida da população mundial. De modo geral, muitos foram os avanços que precisam ser considerados, tais como, a melhoria nas condições sanitárias, nos métodos contraceptivos, dentre outros. E em consequência de tais fatos, verificou-se também, um conjunto de impactos nos indicadores demográficos, destacando-se os ganhos na expectativa de vida. O Espírito Santo, por exemplo, saiu de um cenário de esperança de vida em 1940 similar ao que os países europeus possuíam séculos atrás, para em menos de trinta anos passar a figurar entre os estados brasileiros com melhores e maiores esperanças de vida. Ao longo da realização da presente pesquisa, encontrou-se evidências de que tais ganhos, pelos quais o estado do Espírito Santo tem passado ainda não se traduziram em benefícios para todos os grupos populacionais de modo equânime (sexo, idade, raça, por exemplo). Sob a ótica racial, os resultados da pesquisa dão indícios de que a população preta e parda ocupa posição de riscos sociais mais elevados devido ao racismo vivenciado em diversas esferas. Castiglioni (2011) discorria que o ano de 2010 havia sido um ano de intensa elevação do grupo das causas externas. Como se verificou nas informações obtidas na presente pesquisa, ao que parece, esta incidência tem demarcado nas microrregiões investigadas, forte concentração espacial na distribuição das taxas específicas de mortalidade, tendo de modo bem demarcado os grupos étnico-raciais vitimados. As microrregiões onde se concentram as principais e mais altas taxas de mortalidade são as mesmas onde a literatura tem indicado como os piores lugares, sob o ponto de vista socioeconômico e ambiental, para se viver no estado. São também nestes lugares onde os relatórios oficiais dos órgãos governamentais têm apontado existir as mais elevadas taxas de assassinatos, o que coloca esta como provável e principal tipo de causas para os falecimentos dos municípios destas microrregiões categorizados como Causas Externas nos registros do SIM/DATASUS. Estes achados corroboram e 97 reforçam espacialmente as tendências apontadas por Zanotelli et Al. (2011) e Waiselfisz (2012; 2015) e Ribeiro Junior (2012), de que nesta unidade federativa há um processo de vitimização dos grupos etários mais jovem, territorialmente localizados nas áreas com os indicadores socioeconômicos mais vulneráveis61, em sua maioria pretas e pardas. Há que se ressaltar, no entanto, que microrregiões como a Metropolitana e Rio Doce apesar de concentrar as principais atividades econômicas também apresentou taxas significativamente altas, indicando a existência de intensos conflitos sociais que merecem atenção por parte dos pesquisadores. Afinal, nestes espaços, conforme se verificou em Zannotelli et al (2011), tem-se também a concentração de renda, que contribui para o acirramento entre classes sociais. Bem como concentra a maior densidade de automóveis e acidentes de trânsito do estado, que contribui no grupo das causas externas. Devido ao fato deste ser um estudo exploratório, em que se tinha como principal objetivação visualizar os diferenciais e os níveis de mortalidade por raça/cor das microrregiões de planejamento no estado, não foi possível afirmar exatamente quais tipos dentro do grupo das causas externas são os responsáveis pela maior vitimização da população negra no estado no período analisado. Todavia, os dados possibilitam inferir que os ambientes urbanos apresentaram-se para os anos investigados, mais propensos a vitimarem a população autodeclarada parda, enquanto os menos populosos e rurais, os pretos. Há que se destacar o risco que a população preta e parda (negra) tem sido exposta, com maior ênfase nos autodeclarados pretos. Mesmo representando, em média, menos que 13% dos autodeclarados em todas as microrregiões, os níveis mais elevados de propensão à morte foram registrados entre os pretos. No que se refere ao processo de desenvolvimento da presente pesquisa, faz-se necessário destacar algumas dificuldades e fragilidades encontradas nos dados. De modo geral, notou-se significativa melhora nas 61 Indicadores detalhados na narrativa tecida ao longo do capítulo dois. 98 informações disponibilizadas, sendo possíveis de serem verificadas nos próprios percentuais de óbitos com categoria racial ignoradas. Todavia, a categorização racial ainda se coloca como um importante quesito a ser melhorada, principalmente no que diz respeito à metodologia de coleta da informação. A ambiguidade entre a autodeclaração (em vida) e a heteroclassificação do profissional designado pelo órgão competente (categoria racial da vítima) dificulta a produção de estudos que poderiam fornecer para os diversos campos de debates científicos, importantes dados e discussões com vista a auxiliar na elaboração de políticas públicas específicas para os grupos étnico-raciais com potenciais riscos de mortalidade. Cita-se, por exemplo, o caso da população indígena e amarela que sequer apareceram nas estatísticas produzidas por esta pesquisa, resultando numa série de questões que permanecem em aberto, pois sequer podem-se inferir com exatidão quais, afinal, foram às tendências específicas investigadas neste trabalho no que se refere à mortalidade dos mesmos. Estes, ao que tudo indica, encontram-se ainda mais invisíveis para o poder público. Castiglioni (1994, p.1) assevera que ―a duração média de um grupo populacional varia em função da velocidade com que seus elementos são eliminados às várias idades [...]‖. Como se observou ao longo do desenvolvimento deste trabalho, nas unidades espaciais analisadas, os grupos étnico-raciais têm sido substancialmente atingidos de modo diferenciado. E algumas consequências de tendências como estas podem ser visualizadas em termos estaduais no relatório do IJSN (2016), onde se verifica que apesar dos ganhos em termos gerais, o estado tem revelado diferencial nos acréscimos de idosos dos grupos étnico-raciais, destacando-se os brancos em relação aos demais. Inserindo-se assim, o grupo racial branco com maior propensão a obter ganhos na expectativa de vida ao nascer. A constatação de que a pertença racial tem favorecido e em muitos casos condicionado grande parte da população às condições de desigualdades em várias áreas (educação, mercado de trabalho, moradia, representatividade em espaços de disputa de poder, etc.) vem sendo cada vez mais fortalecida pelos estudos empíricos. Os lugares desiguais ocupados pelos distintos grupos étnico-raciais (FIORIO et. al. 2011), tanto no que se refere aos territórios, 99 quanto às relações sociorracialmente estabelecidas no cotidiano, parecem como indicam os dados, estar resultando também num prolongamento desigual da vida entre brancos, pretos e pardos no Espírito Santo. Considerando a ocorrência de tais tendências, salienta-se a necessidade de estudo que focalizem especificamente nessas microrregiões com taxas mais elevadas. De modo a detalhar os tipos de mortes que compõem o grupo das causas externas, e compreender quais as causas específicas e que dinâmicas socioterritoriais têm contribuído para o comportamento de tais ocorrências. Há ainda a necessidade de se desenvolver métodos de análises de tais dados oficiais que contribuam para averiguar e discutir ao longo destas, o impacto da vivência do racismo e se há relação com os constantes agravamentos de tais informações. Os resultados obtidos no presente estudo assinalam para a necessidade de se pensar políticas públicas com vista na redução da violência, principalmente entre a população jovem e adulta, destacando a primordialidade de se implementar medidas capazes de mitigar tanto espacial quanto racialmente o crescimento da mortalidade especialmente entre a população mais jovem. 100 REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, F. R. P. C; SILVA, L. G. C.Tendências dos níveis e padrões de mortalidade e seus diferenciais regionais no período 2000-2030: Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação. IN: ERVATTI, L. R.; BORGES, G. M.; JARDIM, A. P. (org.). Mudança demográfica no Brasil no início do século XXI: subsídios para as projeções da população. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2015, p.49-86 ANDRADE, L. T. de; DINIZ, A. M. A. A reorganização espacial dos homicídios no Brasil e a tese da interiorização. Rio de Janeiro: REBEP, v. 30, Sup., p.171-191. 2013. 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