anais de história
de além-mar
XVII
2016
PERIODICIDADE
DIRECÇÃO
COORDENAÇÃO
SECRETARIADO
CONSELHO DE REDACÇÃO
Anual
João Paulo Oliveira e Costa
João de Figueirôa-Rêgo
Cátia Teles e Marques
Cátia Teles e Marques (CHAM)
George Evergton Salles de Souza (Universidade Federal da Bahia)
João de Figueirôa-Rêgo (Universidade NOVA de Lisboa/CHAM)
Jorge Flores (European University Institute)
José Javier Ruiz Ibáñez (Universidad de Murcia)
José da Silva Horta (Universidade de Lisboa)
Miguel Metelo de Seixas (Universidade Lusíada/CHAM/IEM)
CONSELHO CONSULTIVO
Ana Isabel Buescu (Universidade NOVA de Lisboa/CHAM)
André Teixeira (Universidade NOVA de Lisboa/CHAM)
Ângela Domingues (Universidade de Lisboa/CH)
Angelo Alves Carrara (Universidade Federal de Juiz de Fora)
António de Almeida Mendes (Université de Nantes)
Avelino de Freitas de Meneses (Universidade dos Açores/CHAM)
Barbara Karl (Textilmuseum St. Gallen)
Cátia Antunes (Universiteit Leiden)
Fernando Bouza Álvarez (Universidad Complutense de Madrid)
Hervé Pennec (Centre nacional de la recherche scientifique)
Ines G. Županov (Centre national de la recherche scientifique)
István Rákóczi (Eötvös Loránd Tudományegyetem)
João José Reis (Universidade Federal da Bahia)
José C. Curto (York University)
José Damião Rodrigues (Universidade de Lisboa)
Leonor Freire Costa (Universidade de Lisboa)
Malyn Newitt (King’s College London)
Miguel Ángel de Bunes Ibarra (Consejo Superior de Investigaciones Científicas)
Nuno Senos (Universidade NOVA de Lisboa/CHAM)
Pedro Cardim (Universidade NOVA de Lisboa/CHAM)
Pedro Puntoni (Universidade de São Paulo/Cebrap)
Rogério Miguel Puga (Universidade NOVA de Lisboa/CETAPS)
Rui Loureiro (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes/CHAM)
Tonio Andrade (Emory University)
Zoltán Biedermann (University College London)
EDIÇÃO E PROPRIEDADE
Centro de História d’Aquém e d’Além-Mar
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa
Universidade dos Açores
SEDE ADMINISTRATIVA
REVISÃO DE TEXTO
Av.ª de Berna, 26-C | 1069-061 Lisboa
anais.cham@fcsh.unl.pt
http://www.cham.fcsh.unl.pt
Margarida Baldaia
CAPA E PROJECTO GRÁFICO
Patrícia Proença
COMPOSIÇÃO
Edições Húmus
IMPRESSÃO
TIRAGEM
Papelmunde – V. N. Famalicão
300 exs.
ISSN
0874-9671
DEPÓSITO LEGAL
162657/01
anais de história
de além-mar
XVII
2016
CENTRO DE HISTÓRIA D’AQUÉM E D’ALÉM-MAR
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA
UNIVERSIDADE DOS AÇORES
Lisboa Ponta Delgada
REFEREES 2016-2017
Os artigos publicados nos Anais de História de Além-Mar são submetidos a arbitragem científica,
em regime de doble blind peer-review. A fim de garantir o anonimato na edição para a qual
colaboram, os árbitros são apresentados a cada dois volumes.
Os Anais de História de Além-Mar estão referenciados e indexados nas seguintes bases de dados
internacionais:
AERES
America: History and Life CARHUS
CARHUS Plus
CIRC
classifICS
ERIH Plus
Fonte Academica
Historical Abstracts
Latindex (catálogo)
MEDLINE|PubMed
MIAR
Qualis|Capes
Scopus|Elsevier
SHERPA/RoMEO
SJR
Ulrich
O Centro de História d’Aquém e d’Além-Mar da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa e da Universidade dos Açores é financiado pela Fundação
para a Ciência e a Tecnologia – UID/HIS/04666/2013.
Índice
7
Nota de Abertura
João Paulo Oliveira e Costa
RELIGIÃO E ALTERIDADE NO MUNDO ULTRAMARINO IBÉRICO
11
Introdução
Bruno Feitler, Hugo Ribeiro da Silva, Jaime Ricardo Gouveia
21
La invención de la religión indígena: Adaptación, apropiación y mímesis
en las fronteras misioneras de Sudamérica colonial
Guillermo Wilde
59
A produção jesuítica sobre as artes de curar: reavaliando protagonismos,
experiências e trocas interculturais (América platina, séculos XVII e
XVIII)
Eliane Cristina Deckmann Fleck
101
American Spanish Colonial Confession Manuals and their impact on
Amerindian populations
Maria F. Wade
123
Portugal e o reino de Oere nos séculos XVI e XVII. Missionação, escravatura e intercâmbios culturais
Jorge Fonseca
147
Cruzando fronteiras: conversão e mobilidades culturais de escravos no
império asiático português (séculos XVI e XVII)
Patrícia Souza de Faria
179
Authority, poverty, and vanity: Jesuit missionaries and the use of silk in
Early Modern East Asia
Liam Matthew Brockey
223
The Jesuit presence in Tibet against the backdrop of the China mission:
different approaches to Buddhism (16th–18th centuries)
Ana Carolina Hosne
245
Jesuit architecture in Japan: how to convert a Buddhist temple into a
church
Adriana Piccinini Higashino
271
«O culto ao diabo» na Inquisição de Goa, segundo o Reportório de João
Delgado Figueira (1623)
José Alberto Rodrigues da Silva Tavim
303
Constructing and contesting Portuguese difference in Colonial Spanish
America, 1500-1650
Brian Hamm
337
Chaotic, effeminate and promiscuous “bodies” in John Huyghen van
Linschoten’s Itinerario
Ana L. Méndez-Oliver
359
Prophetical hopes, New World experiences and imperial expectations:
Menasseh Ben Israel, Antônio Vieira, Fifth-Monarchy Men, and the millenarian connections in the seventeenth-century Atlantic
Luís Filipe Silvério Lima
VARIA
411
“Siam is the best place in the Indies”. Father Nicola Cima O.E.S.A. and
his memorandum of 1707 for renewed East Indies trade.
Stefan Halikowski-Smith
455
Manuel Vicente Nunes (1711-c.1775), Primeiro-Construtor do Arsenal
Real – Design e Arquitectura Naval no reinado de D. José I
Nuno Saldanha
487
A busca de nobilitação por um militar e administrador colonial português:
Gonçalo Lourenço Botelho de Castro – estudo de caso
Fabiano Vilaça dos Santos
521
Recensões | Book reviews
533
Procedimentos & Normas editoriais | Editorial Process & Guidelines
varia
Manuel Vicente Nunes (1711-c.1775),
Primeiro-Construtor do Arsenal Real –
Design e Arquitectura Naval no reinado de d. José I
Nuno Saldanha*
Anais de História de Além-Mar XVII (2016): 455-486. ISSN 0874-9671
Resumo
Abstract
Manuel Vicente Nunes é, sem dúvida, uma
das figuras mais importantes da História Naval
portuguesa do século XVIII, pelos vários
aspectos que marcaram a sua vida e obra. Por
um lado, é o representante das alterações do
estatuto social dos construtores, na sua gradual
ascensão socioprofissional, desde o simples
carpinteiro ao título de Primeiro Construtor.
Por outro lado, a sua obra pauta-se por um
design particular, que esteve na base da produção de navios de guerra em Portugal e no Brasil
e que o torna distinto da maior parte da produção naval europeia do século XVIII, apesar das
tendências generalizadas para a uniformização.
Manuel Vicente Nunes is without doubt, one
of the most important shipbuilders of Portuguese 18th century Naval History, regarding
the several aspects that marked his life and
work. On one hand, he is the perfect example of the changes in the shipbuilder’s social
status, and the gradual rise from mere Carpenter to the rank of First constructor. On the
other hand, his work is guided by a particular design, which was at the base of warships
construction in Portugal and in Brazil, and
distinct from most of European 18th-century
naval production, despite the widespread
trend to uniformity
Palavras-chave: Construção naval, design
naval, História Naval, século XVIII
Keywords: Naval shipbuilding, naval design,
Naval History, 18th century
Data de submissão: 22/01/2016
Data de aprovação: 27/07/2016
Date of submission: 22/01/2016
Date of approval: 27/07/2016
*
IADE/Universidade Europeia, UNIDCOM, Portugal.
E-mail: nuno.saldanha@universidadeeuropeia.pt .
Manuel Vicente Nunes (1711-c.1775), Primeiro-Construtor do
Arsenal Real – Design e Arquitectura Naval no reinado de D. José I*
Nuno Saldanha
C’est dans cette partie [Architecture navale] que les Portugais
se sont toujours distingués, […] aussi tous les connaisseurs étrangers et nationaux s’accordent-ils à dire que les vaisseaux portugais
sont remarquables surtout par l’élégance de la coupe, la solidité de
la construction et la célérité de leur marche.
Adrien Balbi, 1822
Introdução
Não obstante o significativo progresso da História Naval e Marítima Portuguesa que se tem observado nas últimas décadas, a vastidão do tema
constitui uma área que, para além da sua excepcional importância, particularmente para os países de língua portuguesa, se encontra ainda por desbravar. Tal circunstância torna-se sobretudo evidente para alguns períodos
menos aprofundados, como o dos finais do século XVII e inícios do XVIII,
que nos encontramos a estudar. Por outro lado, entre os trabalhos desenvolvidos, são ainda raros os que tratam dos fenómenos mais específicos da
Construção Naval e, em particular, dos seus autores, aqueles que, muitas
vezes ignorados ou esquecidos pelo tempo, estão na base da grande aventura que permitiu o contacto entre continentes e culturas. Como já em
1890 relatava o escritor Ramalho Ortigão: «Faliu a ciência das construções
navais, que lançou ao mar, dos estaleiros do Tejo e de Goa, para a travessia
de todas as águas do Mundo, as naus, galeões e bergantins dos séculos
XV, XVI e XVII, tão maravilhosas de elegância e de arquitectura […] Não
há um livro que celebre essa grandiosa escola de construtores navais, que
eram ao mesmo tempo escultores e marinheiros…». Mais de um século
*
Este texto constitui-se como uma versão amplamente revista e aumentada de alguns estudos
prévios sobre este construtor naval: Nuno SALDANHA, «Manuel Vicente Nunes (1711-1771), Primeiro Construtor da Ribeira das Naus – Subsídios para a História do Design e Construção Naval
do século XVIII em Portugal», in A Cidade do Tejo – História, Vida e Imaginário – COLÓQUIO, Sala
do Arquivo/Paços do Concelho, 13 Nov. 2014, e idem, «Manuel Vicente Nunes (1711-c.1775) –
Subsídios para a História da Construção e Arquitetura Naval do século XVIII em Portugal», in
Navigator, vol. 12, n.º 23, Junho 2016.
MANUEL VICENTE NUNES (1711-C.1775),
PRIMEIRO-CONSTRUTOR dO ARSENAL REAL –
DESIGN E ARQUITECTURA NAVAL NO REINAdO dE d. JOSÉ I
457
depois, oportunamente, Augusto Salgado volta a salientar que «o elemento
humano é algo que falta estudar na História da Marinha Portuguesa»1.
Apesar das resistências, e da lentidão das inovações, os estaleiros do
século XVIII não deixam de se organizar como centros de experiência e
inovação técnica da construção naval, no tocante quer ao próprio navio,
quer ao desenvolvimento de equipamentos, estruturas e máquinas, usados
no fabrico, lançamento e manutenção dos mesmos. O aperfeiçoamento das
práticas de construção naval, ao longo do século, levou a que as soluções
em termos da arquitectura naval fossem as mais adequadas, de acordo com
cada aspecto e função específicos dos navios, tendo em conta as diversas
condições naturais a que se tinham de sujeitar durante as viagens.
Dado que o navio tem estado no centro das atenções de grande parte
dos estudos efectuados, naturalmente dele dependente, coloca-se a questão da autoria, sendo portanto o Construtor o elemento-chave nos processos de construção e o elo entre estaleiro e produto final.
Trata-se de uma matéria de especial relevância, dado que, até ao
momento, para além de algumas alusões a meia dúzia de mestres, pouco
ou nada se sabe da vida, formação ou de grande parte da obra por eles
produzida. O estudo do trabalho desenvolvido pelos construtores possibilitará, ao mesmo tempo, uma compreensão mais adequada da evolução qualitativa da Armada portuguesa, suas estratégias e operacionalidade, bem
como a evolução de estatuto que se opera durante o século XVIII, ou seja,
do Mestre Carpinteiro ao Engenheiro Naval, passando pelo Mestre Construtor, Primeiro-Construtor e Engenheiro Construtor. Esta só se poderá
concretizar, depois de devidamente identificados e datados os respectivos
estatutos e origens sociais de cada um deles.
Uma das poucas figuras mencionadas a respeito da autoria de alguns
navios é, precisamente, Manuel Vicente Nunes (1711-c.1775), de quem
quase nada se sabia. Neste sentido, esta pesquisa visa trazer a lume
aquele que estreou o cargo de «Primeiro-Construtor» e deu início a um
novo processo de ensino e metodologia da construção e do design naval
em Portugal. Com resultados que se estenderam ao Norte da Europa e
além-Atlântico, traçou diferentes planos de navios na Sala do Risco, como
se refere na época, formando importantes discípulos (como Torcato José
Clavina, Julião Pereira de Sá ou Manuel da Costa). Mais que o mero autor
1
Augusto A. Alves SALGADO, «A Importância de Elementos Estrangeiros no Ressurgimento
da Marinha Portuguesa no Século XVIII», in Actas do XXI Colóquio de História Militar, Lisboa, Comissão Portuguesa de História Militar, 2013, p. 306.
458
NUNO SALdANHA
Geoffrey Hunt, Chegada da Família Real ao Rio de Janeiro em 7 de Março de 1808, óleo s/ tela, 1999.
Col. particular. Em primeiro plano, a Príncipe Real, tendo à direita a Afonso de Albuquerque.
1
dos planos da nau que levou D. João VI para o Brasil em 1807 (Fig.1), a
famosa Nª. S.ª da Conceição/Príncipe Real, Manuel Vicente Nunes teve um
papel fundamental no desenvolvimento na construção e na arquitectura
naval, como pretendemos demonstrar. Para além dos planos que desenhou
para os estaleiros de Lisboa, importa realçar que esses foram também utilizados nos navios construídos no Brasil, saídos dos estaleiros do Pará, da
Bahia e do Rio de Janeiro. Outra circunstância que o estudo deste mestre
construtor nos revela, e de especial relevo – dado Vicente Nunes trabalhar
para diferentes estaleiros (marítimos e navais) –, é a estreita relação entre
a construção militar/estatal e a comercial/particular.
Não queremos deixar de expressar os nossos agradecimentos a Larrie
Ferreiro, ao Comandante Augusto A. Salgado e ao Prof. Fernando Carvalho Rodrigues, pelo apoio, esclarecimentos ou indicações prestadas, bem
como ao nosso colega Arq.º Fernando Martins, pelos desenhos do esquema
comparativo dos navios de 3.ª Classe aqui reproduzido.
MANUEL VICENTE NUNES (1711-C.1775),
PRIMEIRO-CONSTRUTOR dO ARSENAL REAL –
DESIGN E ARQUITECTURA NAVAL NO REINAdO dE d. JOSÉ I
459
1. Do estaleiro da Boa Vista à Ribeira das Naus
Apesar de ainda escassos os dados biográficos apurados sobre este mestre,
o presente trabalho permite desde já esboçar uma síntese representativa
da sua vida, com bastante informação inédita que consideramos ser relevante para o seu conhecimento.
Nascido na Rua dos Mastros, na freguesia de Santos o Velho, em Lisboa, a 10 de Junho de 1711, e baptizado no dia seguinte2, era filho do
carpinteiro Vicente Nunes (natural de Azambuja) e de sua mulher, Maria
Madalena (Lisboa, freguesia da Madalena), que malogradamente não
sobreviveu ao parto3. Era neto de Domingos Francisco e Joana Nunes
(pai), e de Manuel Nunes Coelho e Petornilha Marcea (mãe). Pelo que
sabemos, a família da mãe seria de condição modesta4, dado que o avô
materno era mestre sapateiro, natural de Unhos, com loja na Rua da Padeiria (à Madalena), tendo ido para o Brasil, fugido de credores, onde faleceu.
Diferente se regista a ascendência paterna, mais numerosa e de diversa
condição, natural da vila de Azambuja. Não é naturalmente estranho que
Manuel Vicente Nunes seja proveniente de uma família de carpinteiros,
ascendência que remonta pelo menos até ao avô paterno, Domingos Francisco. Os dois filhos deste último, Vicente Nunes e António Nunes, seguiram as pegadas do pai, enquanto os sobrinhos viviam em Coruche, sendo
Irmãos da Misericórdia daquela vila. Um dos filhos de António Nunes (tio
do nosso construtor) chegou mesmo a formar-se em Coimbra, vindo a exercer Medicina.
Segundo as testemunhas do processo de habilitação à Ordem de Santiago5, os irmãos viviam em Azambuja, junto ao rio, sendo carpinteiros de
2
3
4
5
ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO [ANTT] – Registos Paroquiais. Lisboa, Santos.
Livro de Baptismos N.º 11, fl. 112v: «Aos onze de Junho de mil e sete centos e onze Baptizou o d.o P.e Thez.o de licença minha a M.el filho leg.o de Vicente Nunes n.al da Villa da
Azambuja e de M.a Magdalena já defunta n.al da Freg.a da Magdalena desta Cid.e m.res
na Rua dos Mastros foy Padr.o Franc.o Roiz. m.or na Freg.a da Magdalena de q. fiz este
acento dia mes e anno ut. supra. O Pr.o Manuel Pinto de Faria. O P.e Thzr.o Franc.co Frz
Sobreyra.»
[ANTT] – Registos Paroquiais. Lisboa, Santos. Livro de Óbitos N.º 2, fl. 55 v: «Aos dez de
Junho de mil e sette centos e onze faleceo com todos os sacram.os Maria Magdalena casada
com Vicente Nunes m.ra na Rua dos Mastros não fez testam.to e foi sep.da nesta Igr.a de q.
fiz este assento dia mez anno ut sup.a o Par.o Manoel Pinto de Faria.»
Esta ascendência do lado materno, «may e avo materna mulheres de Segunda condição»,
para além da condição de «oficiais mecânicos», do lado paterno, levou precisamente a que
se tivessem levantado objecções à sua entrada na Ordem de Santiago, em 1757.
Grande parte das informações biográficas sobre a família de Manuel Vicente Nunes encontra-se no processo de habilitação à Ordem de Santiago. [ANTT]. Chancelaria Ordem de Santiago, Letras N a Z, Livro C 740.
460
NUNO SALdANHA
barcos e navios que construíam, e também calafetavam, associando assim
o ofício de carpinteiro de machado ao de oficial de calafate. Mesmo depois
de estabelecido em Lisboa, continuou a visitar o irmão na terra natal, «onde
fazia seus bateis com que se divertia com elle, e outros amigos pello rio».
O pai de Manuel Vicente Nunes veio ainda criança para Lisboa, onde
aprendeu o «oficio de carpinteiro de naus», no qual terá tido bastante
sucesso, uma vez que se alude ao facto de os pais serem abastados e de
ter montado um estaleiro próprio, com diversos oficiais, na Boa Vista. Ali
se fabricavam vários tipos de embarcações, se vendiam madeiras para conserto de outras, bem como se calafetava, dadas as diferentes aptidões do
mestre. Foi precisamente aqui, neste estaleiro à beira-Tejo, que se formou o jovem Manuel, tanto no ofício de carpinteiro do machado, como
no de mestre calafate. Cremos que este estaleiro é o que se pode observar no célebre painel de azulejos com uma Vista de Lisboa, de Gabriel del
Barco, dos inícios do século XVIII, actualmente no Museu Nacional do
Azulejo (Fig. 2). Efectivamente, a poente do Baluarte e da Porta do Pó, na
zona sul do actual Conde-Barão (travessa e rua Cais do Tojo), observa-se
nitidamente um estaleiro que podemos identificar como sendo o da família Nunes. Assim, perto da casa dos pais, na Rua dos Mastros, se formou
Manuel Vicente, vindo a exercer aí a actividade principal até 1742. Nesta
data, contando 31 anos de idade, aparece-nos já referenciado com Carta de
Serventia como Mestre (carpinteiro?), na Ribeira das Naus (futuros Arsenais Reais).
Estaleiro Nunes à Boa-Vista. Gabriel del Barco, Grande Panorama de Lisboa (porm.), azulejo, c. 1700,
Museu Nacional do Azulejo, Lisboa.
2
MANUEL VICENTE NUNES (1711-C.1775),
PRIMEIRO-CONSTRUTOR dO ARSENAL REAL –
DESIGN E ARQUITECTURA NAVAL NO REINAdO dE d. JOSÉ I
461
A década de 40 não nos aporta grandes dados sobre a vida ou trabalhos
de Nunes, para além de se ter casado. Prossegue com a superintendência
do estaleiro herdado do pai, à Boa Vista, e terá certamente desenvolvido e
aprofundado a sua formação na Ribeira das Naus, sob a direcção do então
construtor naval, o inglês William Warden, já por nós identificado oportunamente6.
Em 1748 executa uma ponte de madeira de 114 palmos (c. 25m),
provavelmente sobre barcas (sobre o rio dos Frades, rio Quente ou rio da
Albufeira), no sítio do Arelho, no «espaço de hua noute». Primeira obra
conhecida ao serviço do rei, ela serviu para passagem das carruagens e
cavalgaduras da comitiva real às Caldas da Rainha, por ocasião da 13.ª jornada de D. João V àquela vila, a 24 de Setembro, após as obras de ampliação
do Hospital Real do ano anterior. Além disto, construiu também pequenas
embarcações, como os «12 saveiros por ordem de S. Mag.de p.ª andarem no
sítio do Arelho aonde foi 14 vezes p.ª os por prontos».
Nesse mesmo ano, foi mandado à cidade do Porto, pelo então secretário de Estado de Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, António
Guedes Pereira, para preparar (armar?) e escolher uma nau para a carreira
da Índia7, trazida para Lisboa e comandada pelo próprio Manuel Vicente,
conforme atesta, tendo custeado a despesa da jornada8.
A viragem para a segunda metade do século, já com o advento do reinado de D. José, é marcada pela fase mais importante e produtiva da carreira, associada a uma correspondente ascensão social e profissional.
Passado pouco mais de um ano, após a elevação do novo monarca D.
José ao trono de Portugal, a 22 de Novembro de 1751, é lançada ao Tejo
a nau Nossa Senhora da Conceição e S. José (1751-1764), o primeiro navio
de linha construído por Manuel Vicente Nunes ao serviço da Coroa9.
6
7
8
9
Nuno SALDANHA, «Manuel Vicente Nunes (1711-c.1771), Primeiro Construtor da Ribeira
das Naus – Subsídios para a História do Design e Construção Naval do século XVIII em
Portugal», in A Cidade do Tejo – História, Vida e Imaginário – COLÓQUIO, Lisboa, Sala do
Arquivo/Paços do Concelho, 13 Nov. 2014.
Poderá tratar-se da Nossa Senhora do Vencimento e S. José (1748-1764), nau de guerra de 58
peças que partiu para a Índia, a 1 de Abril de 1748, ou de uma «nau de viagem», armada
para o efeito?
[ANTT], Registo Geral de Mercês D. José I, Liv. 11, fol. 519-519v.
Diversamente do que foi apontado, por Esparteiro (depois seguido por outros autores),
Manuel Vicente não foi o construtor da nau Nossa Senhora Madre de Deus e Santo António, de
1740, dado que por essa data era Warden quem tinha essa responsabilidade, e porque o próprio Nunes não a menciona no inventário de obras em 1757 (António Marques ESPARTEIRO,
Três séculos no Mar, 1640-1910, II Parte, 3.º vol., Lisboa, Ministério da Marinha, 1976, p. 23).
462
NUNO SALdANHA
Trata-se nitidamente de uma nau de guerra da classe «74»10, muito admirada em Lisboa, conforme constava na época, e de bom governo e bolineiro, segundo Marques Esparteiro11. Como refere Larry Ferreiro, o navio
de 74 peças, que começara como uma experiência na Marinha francesa em
1730, no espaço de vinte anos torna-se no modelo típico do navio de linha
dos ingleses, bem como das outras marinhas europeias12.
Também nos primeiros anos do reinado de D. José, Manuel Vicente
Nunes é enviado ao porto de Cádis por duas vezes, em 1752 e 1753, por
ordem do novo secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Diogo de
Mendonça Corte-Real. Apesar de ainda não esclarecidos os contornos e
propósitos destas viagens, este facto poderá revelar-se de grande importância, pois presumimos que esta deslocação esteja relacionada com o corrente
hábito de espionagem entre as nações europeias, assunto já estudado por
diversos autores. Na verdade, o século XVIII foi marcado pela espionagem
industrial em larga escala, por quase todos os países europeus, processo
já iniciado por Colbert, em 1670. Dado o particular progresso da Inglaterra setecentista, ela foi frequentemente alvo da visita destes estrangeiros, alguns apenas por simples interesse ou curiosidade, mas tendo como
objectivo principal o de rivalizar e superar os desenvolvimentos técnicos
e militares ingleses13. Naturalmente, também os portos franceses, holandeses e espanhóis foram alvo de semelhante interesse, frequentemente
visitados por espias ao serviço das várias coroas.
Um dos casos mais notórios e interessantes é o do espanhol Jorge
Juan y Santacilia, cuja acção de espionagem nos estaleiros britânicos –
entre Março de 1749 e Maio de 1750, por iniciativa do célebre Marquês
de Enseñada – foi de extrema importância para o desenvolvimento da
Armada espanhola14.
10
11
12
13
14
Um jovem tenente francês, que a viu em 1755, afirma que tinha 74 peças; Quirino da Fonseca, diz que era guarnecida com 70 (Quirino, 1989, p. 575); e Marques Esparteiro refere
apenas 72 peças de artilharia, reduzidas para 60, em 1758, quando entrou ao serviço da
Frota do Brasil (Esparteiro, 1974, p. 15).
António Marques ESPARTEIRO, Três séculos no Mar, 1640-1910, II Parte, 4.º vol., Lisboa,
Ministério da Marinha, 1974-1987, p. 15.
Larrie D. FERREIRO, «Spies Versus Prize, Technology Transfer between Navies in The Age
of Trafalgar», in The Mariner’s Mirror, 93,1, Routledge, New York, 2007, p. 27.
Margaret BRADLEY, Daniel Lescallier, 1743-1822, Man of the Sea and Military Spy?: Maritime
Developments and French Military Espionage, Lewiston: Edwin Mellen Press, 2005.
Veja-se António Lafuente GARCÍA e J. Luis PESET, «Politica cientifica y espionaje industrial
en los viajes de Jorge Juan y Antonio de Ulloa (1748-1751)», in Melanges de la Casa de Velazquez, t. 17, Madrid, 1981, pp. 233-262.
MANUEL VICENTE NUNES (1711-C.1775),
PRIMEIRO-CONSTRUTOR dO ARSENAL REAL –
DESIGN E ARQUITECTURA NAVAL NO REINAdO dE d. JOSÉ I
463
O interesse pela Espanha pode justificar-se, precisamente, pelo
período de grandes transformações e desenvolvimento da construção
naval, que se estava a desenvolver com a direcção da Junta de Construcción
por Jorge Juan, a partir de 1752. Por outro lado, Portugal não necessitava
de espiar os ingleses que, desde os inícios do século, trabalhavam ao serviço da Coroa como mestres construtores na Ribeira das Naus – de que
são exemplo Josiah Radcliff, William Warden ou Francis Warden. Cádis,
para além do centro do monopólio do comércio imperial espanhol, tinha, a
par de Ferrol, Guarnizo e Cartagena, um dos arsenais mais importantes de
Espanha (La Carraca), cujas obras de remodelação e ampliação se iniciam
em 1752, dois anos após a chegada dos primeiros técnicos ingleses aliciados por Jorge Juan. Entre eles, contavam-se os famosos construtores de
origem irlandesa Matteo e Ignacio Mullan.
Presumivelmente também de 1753 é a Galeota de D. José, ou Galeota
Pequena, pequeno bergantim de recreio para uso da família real, actualmente em exposição no Museu da Marinha em Lisboa, ao lado de outros
exemplares do mesmo género. No entanto, a atribuição, quer da autoria
do risco quer da construção a Nunes, assim como a decoração (trabalho de
talha atribuído ao célebre Silvestre de Faria Lobo [1781-1782]; e pintura
decorativa, dos listões dos costados, a Lourenço da Silva Paz [1666-c.1718],
sucessor de Bento Coelho da Silveira), não passam de fantasia, sem fundamento documental, face aos evidentes erros de cronologia15.
2. A carreira no Arsenal Real
Podemos considerar que a «segunda fase» da vida e carreira de Manuel
Vicente Nunes é marcada pelo trabalho desenvolvido no novo Arsenal
Real da Marinha. Apesar de a construção se ter iniciado apenas em 175758, prolongando-se até mais tarde, o facto é que a nova designação da destruída Ribeira das Naus data logo de 1755, por alvará de 14 de Novembro.
O próprio Nunes, na sua habilitação à Ordem de Santiago, em 1757, se
refere à actividade ali exercida como de mestre dos «Reaes Arsenaes».
Estas duas décadas finais da vida são, sem dúvida, as mais importantes
(não obstante o facto de os dados biográficos serem escassos), uma vez
que, ao longo destes anos, o mestre produzirá parte significativa da sua
15
Veja-se Alberto CUTILEIRO, «A vida faustosa das Galeotas Reais. Subsídios para a história
das antigas embarcações da Casa Real Portuguesa que se guardam no Museu de Marinha»,
Comunicação apresentada ao Centro de Estudos de Marinha no dia 21 de Abril de 1971. Lisboa, Instituto Hidrográfico, 1973. E idem. As Galeotas Reais. Lisboa, Edições Inapa, 1998.
464
NUNO SALdANHA
obra, que consta de, pelo menos, oito grandes naus, de 64, 74, e até uma de
90 peças de artilharia – o maior e mais poderoso navio de linha construído
no Portugal de Setecentos, a famosa N.ª S.ª da Conceição/Príncipe Real.
Com o terramoto de 1755 e a destruição da Ribeira das Naus, é natural
que a construção naval tenha entrado numa fase de desaceleração, mormente pela falta de materiais de construção, entretanto desviados para as
obras de reedificação da cidade16 (ou para o novo palácio de N.ª S.ª da
Ajuda – conhecido por Paço de Madeira ou Real Barraca), onde a madeira
era fundamental, dada a nova tipologia de construção dos chamados «prédios pombalinos».
De facto, só passados dois anos, voltaria a ser lançada ao Tejo uma nova
nau, enquanto teríamos de esperar outros cinco para o mesmo suceder com
uma fragata. Cremos que deverá datar deste período a construção das três
fragatas referidas na habilitação de Vicente Nunes à Ordem de Santiago:
«fabricando diversas embarcações p.ª o serviço do d.º Sr. em que entrou
huma do lote de 70 pessas duas de quarenta e quatro e hua de 30». Sobre
a primeira (Nª. Sª. da Conceição e São José), já nos referimos, enquanto estas
três últimas, desconhecemos quais sejam, dado não existirem quaisquer
referências, até à data, que associem o nome de Nunes ao risco de fragatas.
Por outro lado, é provável que as mesmas tenham sido construídas noutros
estaleiros, fora de Lisboa, nomeadamente no de São Martinho do Porto,
onde Nunes refere ter trabalhado.
Durante a curta vigência de Tomé Joaquim da Costa Corte-Real como
secretário de Estado da Marinha (1756-c.1760), e após o degredo de Diogo
Mendonça, em Agosto de 1756, o mestre construiu duas naus de 64 peças.
A primeira foi a N.ª S.ª da Assunção, lançada ao mar a 25 de Abril de
1757, pela qual sabemos ter recebido de ajudas de custo 198 000 réis
(78 000 pela armação, e 120 000 pela botação ao mar)17, soma apreciável,
tendo em conta que o vencimento do «Mestre da Ribeira das Naus», em
1753, era de 200 000 réis.
Em 1759, construiu a N.ª S.ª da Ajuda e S. Pedro Alcântara; lançada a
29 de Março18, é uma das naus mais bem documentadas entre as produzidas pelo construtor. Efectivamente, estamos perante a primeira em que se
16
17
18
Já em 1730, por ocasião das obras do Palácio de Mafra, os construtores da Ribeira das
Naus foram fortemente afectados, o que levou à paragem, durante perto de dois anos, da
produção de naus nos estaleiros da capital.
ESPARTEIRO, op. cit., p. 44.
Chegou a montar 68 e 74 peças. Entrou no novo dique do Arsenal a 28 de Setembro de
1792, e de lá saiu a 8 de Agosto do ano seguinte, rebaptizada como Princesa da Beira.
MANUEL VICENTE NUNES (1711-C.1775),
PRIMEIRO-CONSTRUTOR dO ARSENAL REAL –
DESIGN E ARQUITECTURA NAVAL NO REINAdO dE d. JOSÉ I
465
identifica a autoria de Nunes, logo no dia do seu lançamento, como refere,
a propósito, a Gazeta de Lisboa: «Suas Majestades Fidelissimas e toda a
Real Familia, vieram quinta feira 29 de Março ao Arsenal desta Cidade
para verem lançar ao Mar huma nau de guerra de 68 portas que estava
acabada no estaleiro, o que se fez com bom sucesso, com o nome de N.
Senhora da Ajuda, e São Pedro de Alcântara; feita pelo Construtor (Portuguez), Manoel Vicente Nunes, e no Domingo antecedente, tinhão ido ver
a dita não SS.MM., e AA. Andando por dentro della; e sahindo da Tribuna
em que estiveram se embarcarão nos seus Escaleres, e andaram rodeando
a dita não no rio»19. Note-se também, para além da referência já explícita
à designação de «Arsenal», a curiosidade de se assinalar a circunstância
de o dito construtor ser português, com um toque de orgulho nacional, o
que parece ir ao encontro da nova mentalidade do período, bem distinta
da do reinado de D. João V, marcada pela presença maioritária de mestres
estrangeiros20.
Conhecem-se, pelo menos, duas imagens coevas desta nau (uma gravura e uma pintura, algo fantasiadas, é certo) e uma maquete executada
em meados do século XX por Manuel Carrelhas (todas reproduzidas por
Esparteiro21), ainda hoje existente no Museu da Marinha, assim como um
modelo de finais dos anos 70 do século XVIII, oferecido à Igreja da Penha
de França, em Lisboa, pelos marinheiros que sobreviveram à catástrofe de
1778.
De facto, parte do que conhecemos deste navio deriva de um infeliz
acontecimento que ocorreu durante uma viagem de regresso do Brasil, em
Novembro de 1778. A nau sofreu então pesados estragos, cuja descrição foi
bastante divulgada nesse mesmo ano; em primeiro lugar, em vários números da Gazeta de Lisboa, e depois numa obra de Elias Alexandre e Silva22.
De acordo com a promessa feita durante a tempestade, quando chegados a Lisboa, os marinheiros ofereceram a vela grande a Nossa Senhora da
19
20
21
22
Gazeta de Lisboa. N.º 14, 5 de Abril de 1759, Lisboa, p. 112.
Sobre a construção naval e os mestres deste período, encontramo-nos presentemente a
preparar um estudo, a publicar oportunamente.
António Marques ESPARTEIRO, op. cit., pp. 57, 61. Belo exemplar de maquete, embora não
isenta de alguns erros, por exemplo na figura de proa, dado sabermos que tinha um leão, de
acordo com a descrição da tragédia de 1778.
Supplemento à Gazeta de Lisboa, n.º 14, 6 Nov. 1778, pp. 3-4, Supplemento…, n.º 15, 13 Nov.
1778, p. 4, e Supplemento…, n.º 18, 1 Out. 1778, p. 4; e Elias Alexandre e SILVA, Relação
ou noticia particular da infeliz viagem da nau de Sua Magestade Fidelissima Nossa Senhora da
Ajuda e S. pedro de Alcantara, do Rio de Janeiro para a cidade de Lisboa, Lisboa, Regia Officina
Typográfica, 1778 (reed. Imprensa Nacional, 1869).
466
NUNO SALdANHA
Bonança da Igreja de Santos, e um modelo da nau, bem como o resto do
pau do traquete, à Igreja de Nossa Senhora da Penha de França, onde
foram colocados na Casa do Navio, ou Casa dos Milagres23.
Não deixa de se constituir como exemplo da qualidade e resistência
das construções de Nunes, o facto de a nau ter sobrevivido a tão grande
tempestade. Parte disso deriva naturalmente dos materiais utilizados,
nomeadamente a dura madeira de sucupira para as cavernas, proveniente
do Brasil, como o comprova o envio da Bahia para Lisboa, em Setembro
de 1757. Foram assim despachadas nessa data para os armazéns de Lisboa,
pela nau Santo António e Justiça24, na derrota da Índia, várias madeiras para a
construção de naus de 50, 60 e 70 peças, tendo respectivamente os «páos»
21, 22 e 23 pés de comprimento, 18 polegadas de largo (para ambas), e 11,
12 e 13 de espessura25.
Com esta, veio também para Lisboa, na mesma ocasião, a nau Nossa
Senhora da Caridade, S. Francisco de Paula e Santo António, recentemente
concluída nos estaleiros da Bahia (28 de Setembro), pelo conhecido
Manuel de Araújo e Silva. Parte da carga era precisamente constituída por
madeiras que haviam sido pedidas por Manuel Vicente Nunes, em Junho,
e que não puderam ser embarcadas na nau Santo António e Justiça26.
23
24
25
26
Actualmente desaparecidos. Veja-se a referência em Norberto de ARAÚJO, Peregrinações em
Lisboa, Vol. VIII. Lisboa, Parceria A. M. Pereira, [1938]-1939, p. 19.
Trata-se da nau da carreira da Índia, Santo António e Justiça (1752-1766), inicialmente usada
na frota da Bahia, e da qual pouco se sabe, no tocante às suas características ou seu armamento.
Para cavernas, segundos, e terceiros braços. Ofício do Provedor-mor da Fazenda Real Manuel
de Matos Pegado Serpa, para o Secretário de Estado [Tomé Joaquim da Costa Corte-Real],
Bahia, 13 de Setembro de 1757. ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO [AHU]-ACL-N-Bahia
N.º Catálogo: 2874-2876. Para além das madeiras, açúcar, tabaco, sola, couro, mel, farinha e
pimenta, a mesma nau trazia também nove leões. Mappa da carga que n’esta cidade da Bahia
se meteu na Nau da Índia Santo António e Justiça…, Bahia, 14 de Setembro de 1757. AHU-ACL-N-Bahia N.º Catálogo: 2887.
«Nesta nau Santo Antonio Justiça, ao tempo q recebi a carta de V. Ex.ª, com data de cinco de
Junho do prezente anno, se achava já recolhida a madeyra para construção de nauz; q consta
da relação junta do ezcrivão dos Armazens da Coroa; e por esse motivo não vay nesta occazião
o que se pedia e constava da relação q v.ª Ex.ª foy servido remeterme assinada pelo mestre
Manoel Vicente Nunez; e na naú nova q está próxima a deytarse ao mar, consuzirá para essa corte
a madeyra, que consta da dita relação, e da que vay nesta nau, remeto ao Prov.dor dos Aramazens conhecimento em forma. Deos guarde a pessoa de V.ª Ex.ª Bahya 13 de Septembro de
1757. Manuel de Mattos Pegado Serpa.» O sublinhado é nosso. Aliás, a 20 de Agosto, tinha
mesmo de se suspender o corte de árvores em Alagoas, por causa do excesso de madeiras que
se haviam acumulado: «OFÍCIO [do vice-rei e governador-geral do Brasil, conde dos Arcos],
Marcos de Noronha ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Tomé Joaquim da Costa
Corte Real, sobre a suspensão do corte de madeira na vila de Alagoas devido à grande quantidade de madeira que está na Ribeira das Naus da Bahia e outros portos de mar à espera de
transporte. Bahia, 20 de Agosto de 1757. AHU_CU_005, Cx. 132, D. 10300.
MANUEL VICENTE NUNES (1711-C.1775),
PRIMEIRO-CONSTRUTOR dO ARSENAL REAL –
DESIGN E ARQUITECTURA NAVAL NO REINAdO dE d. JOSÉ I
467
Mas o evento mais importante da vida de Vicente Nunes, nesse ano de
1757, será a outorga do hábito da Ordem de Santiago, facto que constitui
um claro indício da sua ascensão social e profissional. Note-se que, em
Junho, lhe fora dado um parecer negativo, julgando-o como «inhábil»27,
em virtude da sua ascendência, tendo-se o processo arrastado por mais
quatro meses, até à entrega final da Carta de Hábito.
Por esta ocasião, sabemos que era casado e morava em «duas casas que
fez de novo (junto aos moinhos) neste lugar de Alcântara da parte da freguesia de Santos». Era ainda proprietário do estaleiro do pai, na Boa Vista,
em plena actividade, fazendo todo o tipo de embarcações e reparos (e evidentemente, a ). O estaleiro parece ter-se mantido em actividade até inícios
do século XIX, já depois da morte de Nunes, uma vez que nos aparece um
«Hiate de carga» aí construído, numa relação das embarcações ao serviço
da Coroa de Portugal em 180328. O autor do Nossa Senhora do Bom Despacho era o futuro engenheiro-construtor Manuel da Costa (act. 1796-1824),
o que, para além da indicação de ali ter trabalhado (antes de ser enviado
como construtor para o Arsenal da Bahia), nos permite igualmente deduzir
um contacto próximo e eventual aprendizagem com Manuel Vicente29.
Já se refere também nesta data que era «um dos mestres da Ribeira das
Naus de sua Magestade, dos que costumam riscar», afirmação que se revela
de extrema importância, pois é sintoma da substituição de um saber-fazer
artesanal e empírico por uma abordagem mais «científica». No entanto,
devemos ter em conta que, apesar de os construtores já desenharem planos, ainda não fazem uso dos correspondentes cálculos. De acordo com o
27
28
29
«Foi V. Mag.e Servido fazer m.ce a Manoel Vicente Nunes do habito da Ordem de S.
Thiago, e de suas provanças constou ter as partes pessoais e limpeza necessária. Porem, q,
he Calafate, e Carpinteiro, o Pay foi Carpinteiro com estaleiro, o avo materno Çapateiro, a
may e avo materna mulheres de Segunda condição e por estes impedimentos e pelo da falta
de calidade e conhecimento dos avos paternos, se julgou por inhabil para entrar na ordem
do que se dá conta a V. Mag.e como Gov.r Prepetuo Adm.or della na forma que dispoem os
Difinctorios. Lisboa quatro de Junho de mil Sete Centos Sincoenta e Sete.»
Veja-se Mappa das Embarcaçõens da Coroa de Portugal desde o anno de 1759 athe o de 1803.
AHU, Lisboa, Conselho Ultramarino, Cx. 202.
Não obstante a formação principal de Manuel da Costa se ter desenvolvido com Torcato
José Clavina, como refere o Cardeal Saraiva: «Discípulo de Torquato José Clavina. Serviu
no Arsenal de Lisboa, donde foi despachado Constructor para a Bahia nos estados do Brazil.
Ahi construio alguns navios, e entre elles a náo Príncipe do Brazil, lançada ao mar em 1800.
Conservou-se naqueles estados até á época da sua independência. Também pertenceo ao
corpo dos Engenheiros Constructores, e teve patente de Capitão Tenente graduado da
Armada.» Cardeal SARAIVA, «Lista de Alguns Artistas Portuguezes, coligida pelo Auctor de
Escriptos e Documentos no decurso das suas leituras em 1825 e 1839», in Obras Completas
do Cardeal Saraiva (D. Francisco de S. Luís) Patriarcha de Lisboa, Tomo VI. Lisboa: Imprensa
Nacional, 1876, p. 368.
468
NUNO SALdANHA
Naus Santo António (1), N.ª S.ª da Ajuda (2) e N.ª S.ª dos Prazeres (3). In Mapa das Naus e Fragatas de
guerra Portuguezas que se emcorporarão na Esquadra do Sul (porm.), 1774, Biblioteca Nacional, Lisboa.
3
que escrevia o Cardeal Saraiva, «E posto que não tinha grandes conhecimentos theoricos, era comtudo dotado de rara habilidade, com a qual lhe
foi fácil comprehender o mais dificil da arte. Foi também o primeiro que
ensinou a traçar na sala do Risco os diferentes planos de construcção, e a
tirar as competentes formas, o que até então se fazia, como em segredo,
pelo Constructor Inglez que dirigia o Arsenal»30.
Ao longo da última década da actividade de Vicente Nunes, durante a
vigência do secretário de Estado da Marinha Francisco Xavier Mendonça
Furtado (irmão e anterior secretário de Estado auxiliar de Pombal), o mestre irá construir mais seis naus de guerra, quase todas da mesma classe
das «64» (Fig. 3), com excepção para duas delas, uma de 74, e outra de 90
peças: a São José e N.ª S.ª das Mercês, de 64 peças, deitada ao mar em 1760
ou 1761 (segundo Quirino da Fonseca, ou Esparteiro), conhecida como O
Gigante31; a N.ª S.ª Madre de Deus e S. José, de 64 peças, de 1761; a N.ª S.ª do
Pilar32, depois rebaptizada como Conde D. Henrique (1793), de 74 peças, de
1763; a N.ª S.ª do Bom Sucesso33, rebaptizada como D. João de Castro (1800),
30
31
32
33
Cardeal SARAIVA, op. cit., p. 369.
Afundou-se a 19 de Dezembro de 1793, perto de Ovar.
Conhecida como A Cananea.
Parece ter sido iniciada em 1764. Entrou no dique do Arsenal em 1799. A.H.M. Cod. 599.
MANUEL VICENTE NUNES (1711-C.1775),
PRIMEIRO-CONSTRUTOR dO ARSENAL REAL –
DESIGN E ARQUITECTURA NAVAL NO REINAdO dE d. JOSÉ I
469
Uniforme de Capitão-Tenente da Armada,
ilustração, 1765, Arquivo Histórico-Militar,
Lisboa.
4
de 64 peças, de 1766; a N.ª S.ª dos Prazeres, rebaptizada como Afonso Albuquerque (15/Março/1797), de 64 peças, de 1767; e por fim, aquela que é a
mais extraordinária obra de Vicente Nunes, a famosa N.ª S.ª da Conceição,
rebaptizada como Príncipe Real (1794)34, de 80 a 90 peças, lançada ao mar a
13 de Julho de 177135.
Terá sido provavelmente durante a regência da Secretaria de Estado da
Marinha por Mendonça Furtado, que Nunes ascendeu ao estatuto de «Primeiro Construtor» e ao posto de Capitão-tenente (Fig. 4), de acordo com
o que referia o Cardeal Saraiva: «El-Rei D. José I conhecendo o grande
merecimento de Manoel Vicente, o nomeou Primeiro Constructor, e lhe
conferio as honras do posto de Capitão Tenente da Armada, dando-lhe o
ordenado de 4$800 réis por dia, que d’antes somente se dava aos Constructores estrangeiros que vinhão servir em Portugal»36. Aliás, a partir da
34
35
36
Saiu do dique do Arsenal Real a 19 de Dezembro de 1794, onde esteve oito meses.
Já durante a direcção de Martinho de Melo e Castro, na Secretaria de Estado da Marinha.
Cardeal SARAIVA, op. cit., p. 369.
470
NUNO SALdANHA
década de 60, são várias as referências a ordens ou pareceres pedidos ao
mestre do Arsenal37.
Não sabemos ainda ao certo em que ano terá falecido Manuel Vicente
Nunes, o que deverá ter ocorrido depois de 177138, por volta de 1775,
quando o seu antigo discípulo, Torquato José Clavina, lhe sucede, assumindo as funções de Mestre Construtor. Aliás, a sua última obra conhecida
é a do modelo executado em Lisboa para construção de duas chalupas de
guerra no Brasil. Construídas em 1775, com a invocação de Nossa Senhora
do Bom Sucesso (Fig. 5) e de Nossa Senhora da Boa Viagem, na Ribeira do
Pará, por ordem de João Pereira Caldas, então governador e capitão-general do Pará e Maranhão, destinavam-se ao serviço de guarda-costa, para o
Canal do Norte e Canal do Sul da foz do Amazonas39. Desta chalupa, existe
um desenho aguarelado de Joaquim José Codina, de extrema importância,
dado constituir o único exemplar conhecido da obra de Manuel Vicente,
coetâneo, fidedigno e documentalmente comprovado40.
37
38
39
40
Veja-se, por exemplo, em 1762, «1 Set, Palácio N.ª Senhora da Ajuda – Aviso para Manuel
Vicente Nunes a mandar que, com a maior brevidade, se concluam as barcas na forma que
este indicara». Boletim do Arquivo Histórico Militar, vol. 52, 874, Lisboa, 1984, p. 305 – 1.ª
D.; 6.ª S; L. 44; Doc. 78; ou «Resposta de Manuel Vicente Nunes em 12 de Novembro de
1762. Sobre os alçapoens das Barcas, sempre os considerei não poderem ser maiores, do que
se fizeram por poderem contrapesar o pezo, que havião de suportar. E quanto o que se diz,
de abaterem de um lado com a passagem da Artilharia; seria por não enchavetarem os gatos,
que fixão nas outras Barcas, e não lhe porem os seus barrotes de hua, e outra banda, para
os sobreditos alçapoens assentarem em cheio na borda. Pelo que parece será conveniente,
q as ferragens, que levarem as que se estão fazendo, sejão mais fortes: e que em todos os
seus furos levem hua cavilha fechada com sua chaveta, para que se não possão despregar.»
Arquivo Histórico Militar. DIV/1/07/5/05.
Sabemos que a 22 de Julho de 1771, Vicente Nunes envia para São Paulo um outro pedido
de madeiras para construção. «Relação dos paus de pinho que são precisos para as mastreações das Naus, Fragatas e Embarcações miúdas e ligeiras que se acham feitas neste Arsenal
da Ribeira das Naus…», in Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo,
vol. LXIV, São Paulo, Typographia do Globo, 1939, pp. 8-9. A 18 de Dezembro de 1771,
foi padrinho de baptismo de Maria, filha do mestre da Ribeira das Naus, Rafael Antonio
Martins, e de sua mulher, Teresa Casimira.
Alexandre Rodrigues FERREIRA, Memória sobre a Marinha Interior do Estado do Grão Pará,
26 Março 1787 (mns). Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro – Cota: 21,1,24-MS-574 (3).
O Plano de Navio existente no acervo da Biblioteca Central de Marinha – Arquivo Histórico, Lisboa (Inv. 2405-A1) oferecido pelo Eng.º Rozendo Moraes da Maia, alegadamente
do espólio do Almirante Ramires Esquível, está identificado como a nau Nossa Senhora da
Conceição/Príncipe Real de Manuel Vicente Nunes. No entanto, tanto a identificação como a
autoria, sem qualquer base documental, suscitam sérias dúvidas, que oportunamente tentaremos esclarecer. Muito provavelmente, trata-se de um navio espanhol, próximo dos modelos desenhados por Juan José Navarro, Marquês de la Victoria (1687-1772), no seu célebre
Diccionario demostrativo de la arquitectura naval antigua y moderna (1719-1756 – Álbum de
Construcción Naval) – Hoja 14 – Vista de la figura y adornos de esculptura de la Popa y Proa.
MANUEL VICENTE NUNES (1711-C.1775),
PRIMEIRO-CONSTRUTOR dO ARSENAL REAL –
DESIGN E ARQUITECTURA NAVAL NO REINAdO dE d. JOSÉ I
471
Joaquim José Codina, Barco Nossa Senhora do Bom Sucesso, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro,
Brasil, mss 1095096.
5
Não podemos deixar de assinalar o vazio em que caiu a construção
naval com a sua ausência, uma vez que, só uma década depois, se volta a
ter notícia do lançamento ao mar de uma nova nau, no Arsenal Real.
No entanto, mesmo após a morte, a sua herança permanecerá através
das oito naus construídas que se conservaram, em particular, as Conde D.
Henrique, D. João de Castro, Afonso de Albuquerque e Príncipe Real (capitânia),
que acompanharam a partida da Família Real para o Brasil em 1807, de
onde não voltariam a regressar. Numa espécie de «justiça poética», elas
terminariam os seus dias já na posse do novo país independente, de onde
havia sido colhida, décadas antes, grande parte das madeiras para a sua
construção.
Mas o seu legado além-atlântico não se reduz a isso. Embora não as tenha
fabricado, Vicente Nunes foi também o autor de várias naus construídas no
Brasil, desde a década de 60, através de planos ou mesmo de modelos, enviados de Lisboa para os estaleiros da Bahia, Rio de Janeiro ou Pará. Vejam-se
os casos, já confirmados, da nau Santo António e S. José – depois rebaptizada
Infante D. Pedro Carlos (1794), Martim de Freitas (1806) e D. Pedro I (1822)
–, construída por António da Silva Araújo em 1763 (Fig. 6), segundo o risco
472
6
NUNO SALdANHA
Nau Santo António e São José, 1775.
de Manuel Vicente Nunes41 (gémea da N.ª S.ª da Madre de Deus e S. José); ou
das chalupas N.ª S.ª do Bom Sucesso e N.ª S.ª da Boa-Viagem, acima referidas.
3. Os navios e o design naval – Need for speed
Não nos compete fazer aqui uma análise em detalhe de toda a obra produzida por Vicente Nunes, que deixaremos para outra ocasião, mas sobretudo
tecer algumas considerações sobre as características gerais do design dos
navios, mormente naquilo que ele trouxe de novo ou de original, quer no
tocante ao período que o antecedeu, quer face aos modelos da construção
naval europeia do seu tempo.
No global, a construção de navios de linha deste construtor (excluindo
aqui as três fragatas de 30 e 44 peças, e outras embarcações mais pequenas), insere-se naquilo a que geralmente os ingleses classificavam, em
meados do século XVIII, como 3rd Rate (2ème rang, segundo os franceses),
41
O mesmo terá sucedido com a nau S. Sebastião/Brasil, construída por António da Silva, no
Rio de Janeiro em 1767, dadas as semelhanças das medidas e proporções.
MANUEL VICENTE NUNES (1711-C.1775),
PRIMEIRO-CONSTRUTOR dO ARSENAL REAL –
DESIGN E ARQUITECTURA NAVAL NO REINAdO dE d. JOSÉ I
473
constituída por naus de duas pontes (cobertas), e armadas com 64 a 84
peças de artilharia (fig. 9). É verdade que em Portugal se mantém a anterior designação de nau e fragata, distinguindo-as apenas pelo número de
peças ou portinholas, parecendo ignorar os diversos sistemas de classificação europeus. Método pouco prático, dado que o número de canhões podia
variar ao longo do tempo e de acordo com as missões a efectuar. Contudo,
embora não usado, ele era conhecido, como atesta um manuscrito setecentista, a Dieta Nautica e Militar de 1720, onde o autor se queixava dos portugueses, que, embora conhecendo as designações utilizadas pelas outras
nações, não tinham regra para classificar os seus navios42.
Dentro desta tipologia, encontram-se os famosos navios de 64 e 74
peças, os mais comuns entre as marinhas europeias, mormente a francesa e
a espanhola, classe dominante no período que decorre entre 1748 e 1770, e
considerados como os mais bem adaptados para a linha de batalha (Fig. 7).
7
Nau N.ª S.ª do Bom Sucesso/D. João de Castro, foto do modelo da antiga Escola Naval (desaparecido).
42
Dieta Náutica e Militar. Um Manuscrito Inédito do século XVIII regulamentando a vida a bordo.
Cit. por SALGADO, op. cit., 2012, p. 166.
474
NUNO SALdANHA
Efectivamente é o 64 que marca a produção de Vicente Nunes,
contabilizando dois terços do total da sua produção, que se situa maioritariamente no tempo da Guerra dos Sete Anos (1756-1763). Da classe dos
74 temos apenas dois exemplares, produzidos em 1751 e 1763, talvez
porque o sucesso deste modelo só se generalize na Europa após a Guerra
da Independência da América, passando a dominar a linha de batalha. Para
Jean Boudriot, que lhe dedicou uma das suas obras monumentais43, este
navio tornou-se na principal máquina de guerra naval dos finais do século
XVIII, graças ao compromisso de que resulta, do equilíbrio entre a força
de artilharia e qualidades de manobra, com a sua potente bateria de
canhões44.
Neste sentido, a obra de Nunes está perfeitamente de acordo com
a tendência geral da construção naval europeia da primeira metade do
século XVIII, que tende para uma uniformização, ou estandardização,
dos seus modelos45. Essa uniformidade depende de vários factores, ditados pela nova táctica do combate naval em linha, o mesmo cenário de
guerra e armamento e as mesmas tradições técnicas. Neste campo, a globalização técnica resulta da mobilidade dos construtores, da espionagem
industrial e militar, das capturas, cópias ou compra e venda de navios,
entre as várias nações. O facto de os construtores terem começado a fazer
modelos à escala e planos com o desenho dos navios, no intuito de compreender melhor o processo de construção, conduziu à uniformização do
seu design, como também a uma difusão mais rápida e alargada, à escala
mundial.
Esta tipologia de navios era já comum na primeira metade do século,
durante o reinado de D. João V (1706-1750), que Vicente Nunes herda
naturalmente dos seus antecessores, os construtores navais ingleses Wil-
43
44
45
Jean BOUDRIOT, Le vaisseau de 74 canons, 4 vols. Grenoble: Éditions des Quatre Seigneurs,
1977.
Alguns navios ingleses de 90 peças e três pontes chegaram mesmo a ser cortados para duas
pontes e meia, transformados em navios de 74. Sobre este assunto, veja-se Charles Napier
ROBINSON, The British Fleet: The Growth, Achievements and Duties of the Navy of the Empire,
London, George Bell & Sons, 1894; e Arthur HERMAN, To Rule the Waves: How the British
Navy Shaped the Modern World, New York, Harper Collins, 2004.
L. FERREIRO, op. cit., p. 35.
MANUEL VICENTE NUNES (1711-C.1775),
PRIMEIRO-CONSTRUTOR dO ARSENAL REAL –
DESIGN E ARQUITECTURA NAVAL NO REINAdO dE d. JOSÉ I
475
liam Warden e seu filho, Francis Warden46. Aliás, aquela que parece ter
sido uma das primeiras obras de William Warden em Portugal foi precisamente uma 64, a conhecida nau N.ª S.ª da Vitória, como atestam as fontes
da época47.
Infelizmente não possuímos dados sobre as características ou dimensões dos navios construídos por Warden. Se é verdade que as normas do
Almirantado britânico eram bastante rígidas, por outro, sabemos que os
construtores ingleses trabalhando noutros países gozavam de maior autonomia, até porque tinham de responder às solicitações e necessidades das
marinhas dessas nações.
Não obstante a tendência para a uniformização generalizada da construção naval europeia, cada construtor tinha uma abordagem particular
para resolver os vários problemas colocados pelas exigências contraditórias
que surgiam durante a concepção e realização de uma máquina de combate eficaz, e com boa performance48. E, neste aspecto, o design dos navios
de Nunes revela-se de particular interesse.
Conforme nota James Pritchard, diferentes necessidades produzem
diferentes designs49, devendo as qualidades de um navio assentar sobre
diversos factores, como velocidade, estabilidade, leveza, durabilidade,
navegabilidade ou poder de fogo, apesar de as respostas se poderem tornar
incompatíveis entre elas.
46
47
48
49
William Warden foi Mestre Construtor da Ribeira das Naus, ali activo desde 1716, cedo
introduzindo em Portugal, com a nau S. Lourenço, um novo método de lançar ao mar os
navios. Casou com Maria Warden, sobrinha do capitão Thomas Stepney, com quem teve
seis filhos (Francis, William, John, Kingston, George e Lydia). Francis parece suceder no
cargo ao pai, que desempenhará até à sua morte, ocorrida por volta de 1760, sendo casado
com Teresa Warden. The National Archives, Kew, Richmond, Surrey, Reino Unido. Secretaries of State: State Papers Foreign, Portugal. Records of the Navy Board and the Board
of Admiralty, ADM 106 Navy Board: Records. Pelo menos mais duas gerações dos Warden permanecerão em Portugal, dedicando-se à Marinha ou ao comércio. Estamos neste
momento a desenvolver uma investigação sobre este período da construção naval, que
esperamos publicar oportunamente.
Perdeu-se num incêndio no Tejo a 3 de Janeiro de 1730, conforme noticiava a Gazeta de Lisboa Occidental, (n.º 1, 5 Janeiro 1730, p. 8): «Terça feira de noyte por hum infeliz acidente,
se queymou dentro do porto desta cidade huma fragata de guerra chamada nossa Senhora
da Victoria de 64 peças». Segundo o autor da Gazeta Manuscrita, era «a melhor que El-Rei
tinha, e das primeiras que o mestre inglês fabricou» (Lisboa, 2002, 72).
Richard W. UNGER, « Conception et construction des vaisseaux de guerre européens aux
XVIIe et XVIIIe siècles », in Acerra, M. ; Merino, J. ; Meyer, J. Les marines de guerre européennes XVIIe-XVIIIe siècles, Paris, Presses de l’Université de Paris Sorbonne, 1998, p. 29.
James PRITCHARD, «From Shipwright to Naval Constructor: The Professionalization of
18th-Century French Naval Shipbuilders», in Technology and Culture, Society for the History of Technology, Vol. 28, No. 1 (Jan. 1987), p. 2.
476
NUNO SALdANHA
Para o nosso construtor, aquela que parece ser uma das qualidades mais
importantes é a velocidade, colocando-o muito mais próximo do modelo
francês (e espanhol) que do inglês, onde se formara.
Um dos atributos que determinavam a alegada superioridade dos
navios franceses, mais largos e compridos, era a velocidade, aliada ao poder
de fogo, com as suas baterias bem acima da linha de água. Desde o ministério de J. B. Colbert (7/3/1669-1683), assistimos a um aumento crescente
do rácio comprimento/largura nos navios franceses, que os ingleses tentam
imitar, entre os reinados de Jorge I e Jorge III. No entanto, os construtores
britânicos encontravam-se numa situação de menor liberdade, dados os
esforços repetidos do Almirantado para fixar uma uniformização de tamanho, tonelagem e armamento, para cada classe, impedindo assim quaisquer variações no design; pelo contrário, do outro lado da Mancha, dada
uma menor tradição de construção, havia maior espaço para a inovação.
A produção de Vicente Nunes não foi muito variada, é um facto. Podemos afirmar que, dentro do 64, terá eventualmente criado a classe N.ª S.ª
da Assunção50, com uma tipologia original, que serviu de modelo a praticamente todos os navios de guerra que foram construídos desse género, tanto
no continente, quanto do outro lado do Atlântico, como vimos. A característica particular das naus deste construtor, nomeadamente em confronto
com as suas congéneres europeias, é o seu tamanho. Os seus 182 pés de
comprimento (c. 56m) fazem delas os maiores 64 da Europa, atingindo uma
dimensão próxima dos navios ingleses de 100 canhões (2nd Rate) (Fig. 8).
Contudo, face ao grande comprimento, o design de Nunes não lhe
amplia a largura, como seria de esperar, para lhes dar maior estabilidade inicial e menor balanço (o que seria feito à custa da estabilidade de reserva),
criando um inédito rácio comprimento/boca de 4,1:1, naquilo que configura, assim, uma fórmula-padrão, empregue em todas as construções de
navios de linha, tanto para os de 64, 74, ou mesmo 90 peças de artilharia.
Este parece ser efectivamente o dado mais original do design do construtor
português. Se compararmos com o rácio c/b das marinhas francesas e inglesas, de 1764 a 1817, ele nunca ultrapassa os 3,7:1-3,8:151, bem aquém do
modelo utilizado nos navios de Vicente Nunes.
50
51
Embora não saibamos, até à data, as dimensões desta nau, é muito provável que tivesse as
mesmas das que lhe sucederam.
Veja-se « Comparaison des vaisseaux français avec les vaisseaux anglois en dimentions
principales…en 1764» (Archives Nationales – Departement de la Marine, B5 11), e P. G.
Gicquel des TOUCHES, Tables Comparatives des Principales Dimensions des Batimens de Guerre
Français et Anglais de tous Rangs, Paris, Libraire pour la Marine, 1817.
MANUEL VICENTE NUNES (1711-C.1775),
PRIMEIRO-CONSTRUTOR dO ARSENAL REAL –
DESIGN E ARQUITECTURA NAVAL NO REINAdO dE d. JOSÉ I
8
477
Esquema comparativo do rácio comprimento/boca (navios 3rd Rate Marinha europeia).
478
NUNO SALdANHA
Se bem que um casco demasiado comprido e estreito possa quebrar
em mar agitado, devido à força das ondas (na «arfagem»52), a velocidade e
manobrabilidade será sempre superior. Com efeito, no século seguinte, os
Clipper – que atingem um rácio de 5:1 – irão cruzar os oceanos do globo a
uma velocidade inédita.
O rácio de 4:1 é bastante adequado para navios de carga, permitindo
moverem-se mais rapidamente na água, com menos vento. Não será de
estranhar que ele derive de uma adaptação, resultante da experiência do
mestre na construção de navios de comércio, no estaleiro do pai.
Também é sabido que as suas naus eram bastante altas, cujas pontes
(pisos) chegavam a ter mais de 2,5m (portanto, só as duas pontes atingiam
os cinco metros). Possibilitando uma maior capacidade de carga, respondiam assim a uma das necessidades fundamentais das viagens oceânicas, a
par das missões de correio, guarda-costa ou comboio.
A generalidade das fontes é concordante quanto às características
excepcionais destes navios, quase sempre destacando as suas qualidades
veleiras. Segundo a documentação do N.ª S.ª da Conceição e São José, transcrita por Esparteiro, era de bom governo e bolineiro53; uma das testemunhas do processo de habilitação à Ordem de Santiago refere-se a «Naus
todas com a melhor direcção tanto nas suas respectivas proporções e no
bem fabricado, como em se experimentarem boas de vela sendo aprovadas pelos melhores» (14 Out. 1757); o Comandante Bernardo Ramires
Esquível, a propósito da N.ª S.ª da Conceição/Príncipe Real, afirma em 1796
que «Esta nau não há dinheiro que a pague: tem todas as qualidades em
grao superior especialmente a da marcha que anda muito mais que a Vasco
da Gama e fragata Tritão»54; e o Cardeal Saraiva acrescentava, em 1842,
«Construio differentes embarcações… Todas excellentes. A última, Príncipe Real, foi lançada ao mar em 1768, o passou por humma das melhores
náos, que naquelle tempo havia na Europa».
Apesar do desconhecimento internacional do nome de Vicente Nunes,
o sucesso dos seus modelos parece igualmente ter-se feito sentir na
Europa, nomeadamente em França, Inglaterra e Holanda, como atestava
o então Guarda-Marinha neerlandês, Cornelius de Jong, nas suas observações sobre a Marinha Portuguesa, em 1777: «But among this few vessels
one can find the finest ships that can be imagined […] no wonder that
52
53
54
Movimento ascensional do navio motivado pelas vagas, no balanço de popa a proa.
António Marques ESPARTEIRO, op. cit., vol.7, 1977, p. 15.
António Marques ESPARTEIRO, op. cit., vol. 5, 1977, p. 88.
MANUEL VICENTE NUNES (1711-C.1775),
PRIMEIRO-CONSTRUTOR dO ARSENAL REAL –
DESIGN E ARQUITECTURA NAVAL NO REINAdO dE d. JOSÉ I
479
the English, the French and ourselves, often ask for the models from the
Portuguese wharves»55.
Embora esquecido pelo tempo, não haverá talvez nenhum outro construtor deste período que tenha um papel tão importante para a História
Naval, pelos vários aspectos que marcaram a sua vida e obra. Por um lado,
como representante das alterações do estatuto social dos construtores, na
sua gradual ascensão socioprofissional, e, por outro, pela criação de um
design particular, distinto da maior parte da produção naval europeia do
século XVIII, e que esteve na base da construção de navios de guerra, dos
dois lados do Atlântico.
Apesar de se manterem ainda em aberto algumas questões, cremos
que, com este trabalho, se possam estabelecer algumas bases para investigações futuras, no tocante quer ao próprio percurso pessoal e profissional
de Nunes, quer ao conhecimento da história da Construção e Arquitectura
naval portuguesa de Setecentos.
55
Cornelius de Jong van RODENBURG, Reize naar de Middellandsche Zee, in de Jaaren 1777, 1778
en 1779, door Cornelius de Jong, toen ter tijd dienende aan ‘s Lands Fregat van Oorlog, Tetis, 3
vols., Te Haarlem, F. Bohn, 1806. Cit. de Charles Boxer, «From Cape Town to Trondhjem
– The Adventures and Misadventures of a Dutch Naval Officer, 1791-1797», in The Mariner’s Mirror, Vol. 69, Issue 2, Routledge, New York, 1983, pp. 158-159. E porventura este
mesmo apreço pelos navios portugueses, esteja precisamente na base do desaparecimento
dos milhares de planos de navios que se produziram em Portugal ao longo do século XVIII.
Fim
Nome
Tipo
Local
Serviço
(anos)
Início
NUNO SALdANHA
Armam.º
(canhões)
480
Medidas
Pés (c×b×p)
PORTUGAL (autoria de modelos, construção)
1751
1764
N.ª S.ª da Conceição e São José
nau
72
Lisboa
13
?
1750-57
?
?
fragata
44
?
?
?
1750-57
?
?
fragata
44
?
?
?
1750-57
?
?
fragata
30
?
?
?
1757
1762
N.ª S.ª da Assunção
nau
64
Lisboa
5
?
1759
1834
N.ª S.ª da Ajuda e S. Pedro Alcântara
Princesa da Beira (1793)
nau
64
74
Lisboa
75
182/ 44/ 34,6
1760
1793
São José e N.ª S.ª das Mercês
nau
64
Lisboa
32
182/ 44/ 34,6
1761
1780
N.ª S.ª Madre de Deus e S. José
nau
64
Lisboa
19
182/ 44/ 34,6
1763
1823
N.ª S.ª do Pilar
Conde D. Henrique (1793)
nau
74
60
191/ 47/ 35,0
1766
1823
N.ª S.ª do Bom Sucesso
D. João de Castro (1800)
nau
64
Lisboa
57
182/ 44 / 34,6
1823
N.ª S.ª dos Prazeres
Afonso Albuquerque (1797)
nau
64
Lisboa
56
182/ 44/ 34,6
1830
N.ª S.ª da Conceição
Príncipe Real (1794)
nau
90
80
Lisboa
59
200/ 50/ 37,6
1767
1771
Lisboa
BRASIL (autoria de modelos)
1763
1828
Santo António e S. José
Infante D. Pedro Carlos (1794)
Martim de Freitas (1806)
D. Pedro I (1822)
nau
64
Bahia
59
182/ 44/ 34,6
1767
1832
S. Sebastião (Serpente)
Brasil (1807)
nau
64
Rio de
Janeiro
65
182/ 44/ 34,6
1775
c.1781
N.ª S.ª do Bom Sucesso
chalupa
8
Pará
6
53,5/11,5/5
1775
c.1781
N.ª S.ª da Boa Viagem
chalupa
8
Pará
6
53,5/11,5/5
9
56
Cronologia dos navios de Manuel Vicente Nunes56
Dados recolhidos de, entre outros, Marques ESPARTEIRO, op. cit., e do Mappa das Embarcaçõens da Coroa de Portugal desde o anno de 1759 athe o de 1803. ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO, Lisboa, Conselho Ultramarino, Cx. 202.
MANUEL VICENTE NUNES (1711-C.1775),
PRIMEIRO-CONSTRUTOR dO ARSENAL REAL –
DESIGN E ARQUITECTURA NAVAL NO REINAdO dE d. JOSÉ I
481
Bibliograia
1. Fontes Manuscritas
BIBLIOTECA CENTRAL DE MARINHA – ARQUIVO HISTÓRICO, Lisboa
Documentação avulsa. Naus – Cxs. 649-655, Construção Naval, Cxs. 145-151;
Esquadras, Cx. 329.
ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO [AHU], Lisboa
Administração Central; Conselho Ultramarino; Portugal – Reino, Ultramar; Brasil
– Geral, Bahia, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro; Iconografia.
ARQUIVO HISTÓRICO MILITAR, Lisboa
Documento simples, DIV/1/07/5/05.
ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO [ANTT], Lisboa
Livros Paroquiais das Freguesias de Lisboa, Santos, Livro de Baptismos, n.º 11, fol. 112v.
Livros Paroquiais das Freguesias de Lisboa, Santos, Livro de Óbitos, n.º 2, fol. 55v.
Chancelarias Régias: D. João V, D. José I, D. Maria I.
Registo Geral de Mercês de D. José I, Carta de Padrão, liv. 11, f. 519-519v.
Chancelaria Ordem de Santiago, Letras N a Z, Livro C 740.
BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO, Brasil
Manuscritos – Alexandre Rodrigues FERREIRA, Memória sobre a Marinha Interior do
Estado do Grão-Pará, 26 Março 1787 – Cota: 21,1,24- MS-574 (3).
Iconografia – Joaquim José CODINA, Canôa Nossa Senhora do Pilar, mss 1095099;
Joaquim José CODINA, Barco Nossa Senhora do Bom Sucesso, mss 1095096; Joaquim José CODINA, Planta do Barco de Guerra, mss 1095094.
THE NATIONAL ARCHIVES, Kew, Richmond, Surrey, Reino Unido
Secretaries of State: State Papers Foreign, Portugal.
Records of the Navy Board and the Board of Admiralty, ADM 106 Navy Board: Records
IN-LETTERS, Miscellaneous.
2. Fontes Impressas
ALMEIDA, António Lopes da Costa, Legislação da Marinha e do Ultramar (13171856), Repertório Remissivo da Legislação da Marinha e do Ultramar Comprehendida nos Annos de 1317 até 1856, Lisboa: Imprensa Nacional, 1856.
482
NUNO SALdANHA
ANNAES MARÍTIMOS e Coloniaes, Associação Marítima e Colonial, 5.ª Série, Parte
Official, Lisboa: Imprensa Nacional, 1845.
BALBI, Adrien, Essai Statistique sur le Royaume de Portugal et d’Algarve, comparé aux
autres états de l’Europe, et suivi d’un coup d’œil sur l’État actuel des Sciences, des
Lettres et des Beaux-Arts parmi les portugais des deux hémisphères, Paris : Chez Rey
et Gravier, Libraires, T. Second, 1822.
BRASÃO, Eduardo, «Diário do 4.º Conde de Ericeira D. Francisco Manuel de
Meneses», Biblos, vol. XVIII, tomo II, Coimbra: 1943.
COURTILS, Chevalier Charles Christian de, « Description de Lisbonne Extraite du
Journal de la Campagne des Vaisseaux du Roy en 1755, par le Chevalier des
Courtils », in A. A. Bourdon (notas), Bulletin dês Études Portugaises et de l’Institut
Français au Portugal, n. série, T. 26, 1965.
DESCRIPTIVE LIST of the state papers Portugal 1661-1780 in the Public Record Office
London, C. R. Boxer (Pref.), Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 19791983, 3 v., (v. 1: 1661-1723; v. 2: 1724-1765; v. 3: 1759-1780).
Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo, 1772-1775, vol.
LXIV, São Paulo: Typographia do Globo, 1939.
FARIA, Visconde de (ed. 1909), Voyage de Mons.r César de Saussure en Portugal –
Lettres de Lisbonne (1730) – Édité par le Vicomte de Faria (avec Préface),
Milan, (ed. Castelo Branco Chaves, 1983).
Gazetas Manuscritas da Biblioteca Pública de Évora 1729-1732, [MENESES, Francisco
Xavier de], ed. de João Luís Lisboa; Tiago C. P. dos Reis Miranda; Fernanda
Olival, 3 vols., Lisboa: Colibri, CIHCSUE, CHC/UNL, 2002-2005-2011.
MORGAN, William, CREUZE, Augustin, Papers on Naval Architecture and other subjects
connected with Naval Science, vol. 1, London: G. B. Whittaker, Ave-Maria-Lane,
1827.
OLIVEIRA, João Brás de, Modelos de navios existentes na Escola Naval que pertenceram
ao Museu da Marinha: apontamentos para um catálogo, (trad. francesa de Augusto
Celestino Soares), Lisboa: Imprensa Nacional, 1896.
SARAIVA, Cardeal, «Lista de Alguns Artistas Portuguezes, coligida pelo Auctor de
Escriptos e Documentos no decurso das suas leituras em 1825 e 1839», in
Obras Completas do Cardeal Saraiva (D. Francisco de S. Luís) Patriarcha de Lisboa, Tomo VI. Lisboa: Imprensa Nacional,1876.
SILVA, Elias Alexandre e, Relação ou noticia particular da infeliz viagem da nau de Sua
Magestade Fidelissima Nossa Senhora da Ajuda e S. pedro de Alcantara, do Rio de
Janeiro para a cidade de Lisboa, Lisboa: Regia Officina Typográfica, 1778.
MANUEL VICENTE NUNES (1711-C.1775),
PRIMEIRO-CONSTRUTOR dO ARSENAL REAL –
DESIGN E ARQUITECTURA NAVAL NO REINAdO dE d. JOSÉ I
483
SOARES, José Augusto Celestino, Quadros Navais ou colecção dos folhetins marítimos
do patriota seguido de huma epopeia naval portuguesa por Joaquim Pedro Celestino
Soares official da armada, Parte III, Lisboa: Imprensa Nacional, 1865.
TOUCHES, P. G. Gicquel des, Tables Comparatives des Principales Dimensions des Batimens de Guerre Français et Anglais de tous Rangs, Paris: Libraire pour la Marine,
1817.
3. Bibliograia geral
ACERRA, Martine (ed.), Les Marines de Guerre Européennes: XVII-XVIIIe Siècles, Paris:
Presses de l’Université de Paris-Sorbonne, 1985.
BOUDRIOT, Jean, Le vaisseau de 74 canons, 4 vols. Grenoble: Éditions des Quatre
Seigneurs, 1977.
BOXER, Charles R., «From Cape Town to Trondhjem – The Adventures and Misadventures of a Dutch Naval Officer, 1791-1797», in The Mariner’s Mirror, Vol.
69, Issue 2, New York: Routledge, 1983.
BRADLEY, Margaret, Daniel Lescallier, 1743-1822, Man of the Sea and Military Spy?:
Maritime Developments and French Military Espionage, Lewiston: Edwin Mellen
Press, 2005.
BRADLEY, Margaret, «Examples of industrial and military technology transfer in
the eighteenth century», in Documents pour l’histoire des techniques [En ligne],
19 | 2e semestre 2010 (Conf.ª 2007), mis en ligne le 21 juin 2011, consulté le
09 juillet 2015, URL : http://dht.revues.org/1340.
FERREIRO, Larrie D., «Spies Versus Prize: Technology Transfer between Navies
in The Age of Trafalgar», in The Mariner’s Mirror, 93:1, New York: Routledge
2007, pp. 16-27.
FERREIRO, Larrie D., Ships and Science: The Birth of Naval Architecture in the Scientific
Revolution, 1600-1800. Cambridge and London: MIT Press, 2007.
GARCÍA, António Lafuente e PESET, J. Luis, «Politica cientifica y espionaje industrial en los viajes de Jorge Juan y Antonio de Ulloa (1748-1751)», in Melanges
de la Casa de Velazquez, t. 17, Madrid, 1981, pp. 233-262.
HERMAN, Arthur, To Rule the Waves: How the British Navy Shaped the Modern World,
New York: Harper Collins, 2004.
LAVERY, Brian, The Ship of the Line, Vol. I – The Development of the Battlefleet 16501850, London: Conway Maritime Press, 1983.
LAVERY, Brian, The Ship of the Line, Vol. II – Design, Construction and Fittings, London: Conway Maritime Press, 1984.
484
NUNO SALdANHA
LAVERY, Brian, The Arming and Fitting of English Ships of War 1600-1815, London:
Conway Maritime Press, 1987.
LYON, David, The Sailing Navy List, All the Ships of the Royal Navy – Built, Purchased
and Captured 1688-1860, London: Conway Maritime Press, 1993.
POUSSOU, Jean-Pierre; VERGÉ-FRANCESCHI, Michel, « Rivalités maritimes
européennes (XVIe-XIXe siécles) », Revue d’Histoire Maritime, Paris : PUPS,
2005.
PRITCHARD, James, «From Shipwright to Naval Constructor: The Professionalization of 18th-Century French Naval Shipbuilders», in Technology and Culture,
Society for the History of Technology, Vol. 28, No. 1 (Jan., 1987), pp. 1-25.
ROBINSON, Charles Napier, The British Fleet: The Growth, Achievements and Duties of
the Navy of the Empire, London: George Bell & Sons, 1894.
WINFIELD, Rif, British Warships in the Age of Sail: 1603-1714 – Design, Construction,
Careers and Fates, Barnsley: Seaforth Publishing, 2009.
WINFIELD, Rif, British Warships of the Age of Sail: 1714-1792 – Design, Construction,
Careers and Fates, Barnsley: Seaforth Publishing, 2007.
UNGER, Richard W., « Conception et construction des vaisseaux de guerre européens aux XVIIe et XVIIIe siècles », in M. Acerra; J. Merino; J. Meyer, Les
marines de guerre européennes XVIIe-XVIIIe siècles, Paris: Presses de l’Université
de Paris Sorbonne, 1998, pp. 29-44.
4. Bibliograia – Portugal
ALMEIDA, Luís Ferrand de, «Um construtor naval inglês em Portugal (1721-1723)»,
in Revista Portuguesa de História, t. 10, Coimbra: FLUC, 1962, pp. 259-267.
ALMEIDA, Luís Ferrand de, «Um construtor naval francês em Portugal e Espanha (1718-1721)», in Revista Portuguesa de História, t. 6, vol., Coimbra: FLUC,
1955, pp. 149-167.
ALMEIDA, Luís Ferrand de, Alexandre de Gusmão, o Brasil e o Tratado de Madrid
(1735-1750), Coimbra, 1990.
BARKER, Richard, «Sources for Lusitanian Shipbuilding», in Francisco Alves, ed.,
Proceedings of the International Symposium ‘Archaeology of Medieval and Modern
Ships of Iberian-Atlantic Tradition’, Lisbon, 1998. Lisbon: IPA, 2001, pp. 213228.
BARKER, Richard, «Construção naval: que aliança?», in Os Portugueses e o Mundo.
Conferência Internacional, vol. VI: Artes, Arqueologia e Etnografia, Porto: Fundação Eng. António de Almeida, 1989, pp. 67-82.
MANUEL VICENTE NUNES (1711-C.1775),
PRIMEIRO-CONSTRUTOR dO ARSENAL REAL –
DESIGN E ARQUITECTURA NAVAL NO REINAdO dE d. JOSÉ I
485
BARKER, Richard, «Cradles of Navigation: launching of ships in the age of Discoveries», in Limites do Mar e da Terra. Actas da VIII Reunião Internacional de
História da Náutica e da Hidrografia. Inácio Guerreiro e Francisco Contente
Domingues (eds.), Cascais: Patrimonia, 1998, pp. 67-87.
CARREIRA, Ernestine, «From Decline to Prosperity: Shipbuilding in Daman
18th-19th Centuries», in Lotika Varadarajan (ed.), Indo-Portuguese Encounters.
Journeys in Science, Technology and Culture, Goa-Lisbon: Indian National Science Academy-CHAM, 2006. 2 vols. pp. 593-629.
CRUZ Júnior, Abílio, O Mundo Marítimo Português na Segunda Metade do Século XVIII,
Lisboa: Edições Culturais da Marinha, 2002.
CUTILEIRO, Alberto, As Galeotas Reais, Lisboa: Edições Inapa, 1998.
CUTILEIRO, Alberto, «A vida faustosa das Galeotas Reais. Subsídios para a história
das antigas embarcações da Casa Real Portuguesa que se guardam no Museu
de Marinha», Comunicação apresentada ao Centro de Estudos de Marinha no dia
21 de Abril de 1971. Lisboa: Instituto Hidrográfico, 1973.
ESPARTEIRO, António Marques, Portugal no Mar (1608-1923), Lisboa: Gráfica San-Telmo, 1954.
ESPARTEIRO, António Marques, Galeotas e Bergantins Reais, Lisboa: Ministério do
Ultramar, Direcção-Geral das Obras Públicas e Comunicações, 1965.
ESPARTEIRO, António Marques, Catálogo dos Navios Brigantinos (1640-1910), Lisboa: Centro de Estudos de Marinha, 1976.
ESPARTEIRO, António Marques, Três séculos no Mar, 1640-1910, 11 Partes, 32 vols.
Lisboa: Ministério da Marinha, 1974-1987.
FONSECA, Quirino da, «Os Portugueses no Mar. Memórias Historicas e Arqueologicas das Naus de Portugal», in Memórias Históricas e Arqueológicas das Naus de
Portugal, Lisboa: Instituto Hidrográfico, 1989 (2.ª ed.)
GOMES, A. Sousa, Carpinteiros da Ribeira das Naus, Coimbra, 1931.
GOMES, Telmo, Navios Portugueses. Séculos XIV-XIX, Lisboa: Inapa, 1995.
GONÇALVES Matoso, António, Os artistas mecânicos na construção do Império, Lisboa,
1942.
LEÃO,
Manuel, «A construção naval nos séculos XVII e XVIII», in Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia. 37, 38. Vila Nova de Gaia, 1994.
LENTI, Roberto, «L’architettura navale portoghese all’inizio dell’età moderna», in
Studi in onore di Luigi Bulferetti. Miscellanea Storica ligure, Anno XVIII, n.º 1, vol.
1. Genova, 1968, pp. 216-219.
486
NUNO SALdANHA
PEREIRA, José António Rodrigues, Marinha Portuguesa. Nove Séculos de História, Lisboa: Comissão Cultural da Marinha, 2010.
PEREIRA, José António Rodrigues, A Marinha Portuguesa na Época de Napoleão. 2
vols. Lisboa: Tribuna da História, 2005.
PEREIRA, José Manuel Malhão (coord.), Navios, Marinheiros e Arte de Navegar. 16691823, Lisboa: Academia de Marinha, 2012.
RAU, Virgínia R., Achegas para o estudo da construção naval durante os séculos XVII e
XVIII na Ribeira do Ouro-Porto, Lisboa: Grupo de Estudos de História Marítima, 1971.
SALGADO, Augusto A. Alves, «A Importância de Elementos Estrangeiros no Ressurgimento da Marinha Portuguesa no Século XVIII», in Actas do XXI Colóquio
de História Militar, Lisboa: Comissão Portuguesa de História Militar, 2013, pp.
297-304.
SALGADO, Augusto A. Alves, «Teoria portuguesa de arquitectura naval», in José
Manuel Malhão Pereira (coord.), Navios, Marinheiros e Arte de Navegar. 16691823, Lisboa: Academia de Marinha, 2012, pp. 163-184.
SALGADO, Augusto A. Alves, «Arsenais e Estaleiros», in José Manuel Malhão
Pereira (coord.), Navios, Marinheiros e Arte de Navegar. 1669-1823, Lisboa: Academia de Marinha, 2012, pp. 185-204.
SALGADO, Augusto A. Alves, «O poder naval português no Atlântico, Séculos XVI
a XVIII», in Actas do Congresso Internacional «Espaço Atlântico de Antigo Regime:
poderes e sociedades, Lisboa: FCSH/UNL, 2005.
UNGER, Richard W., «Portuguese shipbuilding and the early voyages to the Guinea
Coast», in Vice-Almirante A. Teixeira da Mota. In Memoriam, vol. I, Lisboa:
Academia de Marinha-IICT, 1987, pp. 229-249.