PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA – PUC-SP
Depto. Ciências Sociais – Curso: História (Bacharelado)
Disciplina: Diáspora II – Novembro - 2016
Aluno: Luiz Felipe de Oliveira – RA00182273
Resenha de texto
HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidade e Mediações Culturais, Trad: (Cap.
Pensando a Diáspora), Org; Liv Sovik, trad: Adelaide La Guardia Resende, Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2003.
Reflexões sobre a terra no exterior
Stuart Hall inicia sua reflexão acerca da diáspora e suas complexidades
apresentando como recorte histórico as diásporas caribenhas, mas ressalta que tal
análise não se trata de um relato histórico. Hall mostra que com a chegada do navio
Windrush no Reino Unido, que marca o início da migração caribenha, passa-se a
problematizar as questões identitárias caribenhas e, para compreender tal
fenômeno, o autor mostra que, de acordo com Benedict Anderson, as nações nada
mais são que “comunidades imaginadas”, em que as identidades são elaboradas à
medida que o sujeito vai sendo dotado de significações. É natural que, diante disso,
se questione qual foi o impacto causado pela experiência diaspórica na identidade
caribenha. Nesse âmbito, Hall mostra que os sujeitos não se desataram de suas
raízes completamente, pois, “aquilo que poderíamos denominar “identificação
associativa” com as culturas de origem permanece forte, mesmo na segunda ou
terceira geração” (HALL, 2006, p.26) desses sujeitos e, ainda que exista
especificidades culturais, há a qualidade de ‘ser caribenho’ como atributo
generalizador. Outro problema elucidado na reflexão é a dificuldade do retorno à
terra de origem, pois, ainda que a identidade original seja mantida no exílio, ela não
é a única que passa a compor os sujeitos, gerando sempre uma sensação de
deslocamento. A identidade cultural, por sua vez fixada no nascimento, atua como
elo perpétuo ao local de origem, de modo que mesmo as causas da diáspora
caribenha não o eliminam. Causas essas que estão intimamente conectadas com o
legado destrutivo do imperialismo, como desigualdade social, desemprego e etc.
Esta íntima relação entre o local de origem e a identidade cultural é de grande
importância no Caribe dado que há uma construção metafórica que considera o
destino do caribenho análogo ao destino dado, no Velho Testamento, ao ‘povo
escolhido’ no cativeiro da Babilônia, ou seja, após a escravidão houve o Grande
Êxodo seguido pelo movimento de retorno à ‘terra prometida’. Hall aponta que a
história é, desta forma, dotada de um caráter teleológico e redentor que restituí a
origem reparando as rupturas causadas pela diáspora. No entanto, “possuir uma
identidade cultural nesse sentido é estar primordialmente em contato com um núcleo
imutável e atemporal, ligando ao passado o futuro e o presente numa linha
ininterrupta” (HALL, 2006, p.29), de modo a elaborar uma tradição, um mito fundador
cuja redenção humana se encontra no futuro. Mas, é notório que a interpretação
literal de tal mito gera mais problemas que soluções e que no caso específico
caribenho não há como definir o dito local de origem, pois, nesse sentido, Hall afirma
que “a distinção de nossa cultura é manifestamente o resultado do maior
entrelaçamento e fusão, na fornalha da sociedade colonial, de diferentes elementos
culturais africanos, asiáticos e europeus“ (HALL, 2006, p.31), isto é, dentro da lógica
colonial, se trata de um processo de transculturação ou crioulização. Stuart mostra,
como produto desse processo, a pintura haitiana, cujo expoente André Pierre
apresenta uma ‘dupla consciência’ religiosa ao fazer preces ao deus cristão e ao
vodu antes de pintar.
Stuart Hall ainda afirma que a noção fechada de diáspora, seu binarismo e
suas fronteiras de exclusão bem definidas não se aplicam a realidade caribenha,
pois, suas fronteiras são sempre dotadas de significados que estão perpetuamente
em deslize sem qualquer direção específica. Deve-se notar que o fato da cultura
caribenha ser fruto dessa grande mistura de elementos não implica que haja
igualdade entre estes, de modo que, segundo o autor, tais elementos sempre estão
sujeitos às relações de poder, em especial a que estabelece o colonialismo. Ao
quebrar o laço colonial, a ressignificação dos elementos se torna ainda mais intensa.
Assim, “a relação entre as culturas caribenhas e suas diásporas não pode, portanto,
ser concebida em termos de origem e cópia, [...] tem de ser compreendida como a
relação entre uma diáspora e outra” (HALL, 2006, p.34). A noção do
desenvolvimento de uma cultura distinta dentro de uma fronteira rígida imposta pela
formação do Estado-Nação também não se sustenta, pois, a cultura não respeita
fronteiras e sempre está em conexão e diálogo em diversos locais. E, dentro do
contexto da globalização, é necessário ter a noção de que a identidade cultural
passa por um processo de desterritorialização ainda mais intenso, assim, o autor
afirma que as identidades negras no Reino Unido nada mais são que uma imagem
distante de suas origens. Um exemplo desse processo é a apropriação da música e
subcultura jamaicana dancehall na cultura britânica, de modo que este estilo vem a
ganhar uma forma sumamente diaspórica. Essas trocas culturais elaboram um
entrelaçado que “não há mais como traçar uma origem, exceto ao longo de uma
cadeia tortuosa e descontínua de conexões” (HALL, 2006, p.37). Outro exemplo, é
a obra do artista visual Aubrey Williams, que é fruto de um fluxo multidirecional de
trocas culturais desafiando, segundo o autor, qualquer tipo de caracterização.
Ainda que diante de um caminho complexo para reestabelecer as origens de
certas manifestações culturais, as lutas para recuperar e retrabalhar a África na cena
caribenha não são infrutíferas, pois, o autor afirma que essa busca se mostra como
um elemento insurreto dentro política cultural do século passado. No entanto, a
África em questão não é de um caráter cultural singular, é uma África que sofre
releituras e ressignificações, é um “turbilhão violento do sincretismo colonial,
reforjada na fornalha do panelão colonial” (HALL, 2006, p.39). Os elementos de
sobrevivência cultural provenientes da África são intensamente atingidos, segundo
o autor, pelo processo de ‘tradução cultural’, ou seja, a tradução não se trata de
transcrever elementos de uma língua para outra, e sim de construir significados
dentro de sua matriz originária e, depois traduzir esse significado na segunda língua.
O mesmo processo ocorre com as outras manifestações culturais africanas no
caribe, “não porque a África seja um ponto de referência antropológico fixo – [...] é
que a África é o significante, a metáfora, para aquela dimensão de nossa sociedade
e história” (HALL, 2006, p.40), história esta que foi marcada pela opressão e
marginalização da cultura africanizada. As lutas para o redescobrimento dessas
raízes se tornaram uma impactante ‘revolução’ cultural de caráter subversivo que
levou a formação, segundo Stuart, do que é o sujeito caribenho negro. Hall afirma
que o rastafarismo ao produzir ‘a África novamente’, tornou a sociedade caribenha
pela primeira vez negra, mas ele também aponta o risco da criação dessa
identidade, pois, ela pode vir a exercer uma forma de silenciamento na sociedade.
Assim, Stuart Hall mostra que a cultura não é algo que pode ser
simplesmente redescoberto, mas que antes de tudo ela é uma produção, ela é o uso
conhecimento sobre a origem que está em um contínuo processo de transformação
e que resulta na reelaboração de nós mesmos como sujeitos. Hall afirma que “não
é uma questão do que as tradições fazem de nós, mas daquilo que nós fazemos de
nossas tradições (HALL, 2006, p.43). A identidade cultural sempre estará em
processo de construção. A globalização, por outro lado, vem exercendo um papel
fundamental na elaboração dessas identidades, pois, nota-se que os modelos
culturais hegemônicos têm sido desestabilizados por diversas razões. Um exemplo
é que com fluxos de migrações mais constantes e livres, as identidades dos antigos
Estados dominantes europeus passam a ter suas raízes ramificadas. E, claro, dentro
do espaço público, em que há uma zona de contato intensa entre diferentes culturas,
haverá, dentre estas, minorias que poderão ser subjugadas pela cultura dominante.
Nesse sentido, Stuart Hall aponta que há dois processos, contraditórios entre si, que
regem tal fenômeno: a homogeneização cultural, em que a cultura dominante
subjuga as menores e a disseminação da diferença cultural, que visa a assimilação
da diferença. No último caso, Hall aponta que o mercado consumidor global está
intimamente ligado ao ‘local’, de modo que um depende do outro. A modernidade,
dessa forma, não é mais exportada da Europa para o ‘terceiro mundo’, “hoje, ela
não possui um tal centro. As ‘modernidades’ estão por toda parte; mas assumiram
uma ênfase vernácula” (HALL, 2006, p.44). Esta modernidade vernacular, por outro
lado, passa a elaborar, segundo o autor, uma ‘consciência transcultural’. Mas a
erosão das bases identitárias dos antigos impérios também levou o desenvolvimento
de um nacionalismo exclusivo, que se realizava através da injustiça, discriminação
e o preconceito. Stuart mostra que tal processo também não está longe de se aplicar
nas culturas periféricas, pois, ao se sentirem ameaçadas, as medidas de isolamento
surgem como reações a cultura dita dominante. Portanto, o autor defende que,
diante desse caminho tortuoso e pluridirecional que constituí a elaboração de
identidades culturais, é necessário “abarcar os processos mais amplos – o jogo da
semelhança e da diferença – que estão transformando a cultura do mundo inteiro”
(HALL, 2006, p.45).