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20180404 RDD Aprodab publicado.pdf

Revista de Direitos Difusos Ano XVII Vol. 68 ISSN 1517 -9192 ISBN 978-85-8248-142-4 GOVERNANÇA AMBIENTAL INTERNACIONAL1 Economia Verde, Tragédia dos Comuns, Problemas ultra complexos e Emotivismo Danielle Mendes Thame Denny2 Resumo: Ao longo das últimas décadas, o quadro jurídico da Governança Ambiental Global mudou drasticamente. Este trabalho examina os efeitos jurídicos da interdependência e o conjunto de forças atuantes. Com essa finalidade aborda os conceitos de Economia Verde, Tragédia dos Comuns, problemas ultra complexos (Super-Wicked) e Emotivismo. A tese deste artigo é que a legislação ambiental pode ficar presa nos modelos errados, não abordando eficazmente o contexto prático que pretende regular. Assim precisa ser adotado, com frequência, um quadro conceitual e normativo para inserir formas de governança, com base em solucionásticas possíveis e articuladas entre diversos públicos, muitas vezes com interesses conflitantes. A metodologia escolhida foi a análise descritiva e normativa com uso das técnicas de pesquisa da análise documental, legislativa e bibliográfica. Palavras-chave: Economia Verde, Tragédia dos Comuns, Problemas ultra complexos e Emotivismo Abstract: The Global Environmental Governance legal framework has changed dramatically over the last few decades. This paper examines the legal effects of interdependence and the balance of power in place. For this purpose uses concepts like Green Economy, Tragedy of the Commons, Super-Wicked Problems and Emotivism. The main argument of this article is that environmental legislation can get stuck in the wrong models, not effectively addressing the practical context it seeks to regulate. Thus, a new conceptual and normative framework have to be adopted to introduce forms of governance, based on finding possible solutions and on the orchestration of many conflicting interests. The methodology was the descriptive and normative analysis using the research techniques of the documentary, legislative and bibliographic analysis. Key words: Green Economy, Tragedy of the Commons, Super-Wicked Problems and Emotivism Introdução O período de globalização no século XIX beneficiou-se do poder da energia a vapor e da paz internacional para implementar uma maneira rentável e eficaz de transportar mercadorias através das fronteiras. Algumas nações estavam em melhor posição para aproveitar esse processo e estabeleceram assim seu domínio global. Esta época pode 1 2 Esta temática foi objeto de uma das teses habilitadas no Prêmio Vladimir Garcia Magalhães – 2017, para ser defendida pela autora no 15º Congresso Brasileiro do Magistério Superior de Direito Ambiental, no dia 14 de setembro de 2017, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo/SP. Pesquisadora Visitante no Whitney and Betty MacMillan Center for International and Area Studies na Universidade Yale, EUA. Doutoranda na Universidade Católica de Santos com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Professora na Universidade Paulista e na Fundação Armando Álvares Penteado. E-mail: danielle.denny@gmail.com 1 ser denominada "Era da Grande Divergência" (BALDWIN, 2016, p. 12) na qual os países ganhavam com a exploração de suas diferenças e potencialidades por meio das vantagens comparativas. A atual globalização, contudo, é bem diferente, impulsiona-se pelo poder da tecnologia da informação, que possibilita o movimento barato e preciso de ideias e dados através das fronteiras. Esse processo viabiliza que o trabalho intensivo em mão-de-obra seja realizado no exterior, onde os recursos humanos são mais baratos e a regulamentação sócio ambiental mais fraca. Os negócios passaram, com isso, a se estruturar em cadeias globais de valor o que impulsionou um rápido processo de industrialização de um grupo de países em desenvolvimento. Isto é o que pode ser denominado "Era da Grande Convergência" (BALDWIN, 2016, p. 12). Essa interdependência econômica, com mudanças tecnológicas aceleradas e desafios ambientais comuns tornam o mundo mais imprevisível e difícil de controlar. Ao mesmo tempo que as cadeias globais de valor oferecem um enorme potencial econômico para os países desenvolvidos, são também fundamentais para os países em desenvolvimento, uma vez que os integra à cadeia permitindo que importem produtos intermediários do exterior e assumam a parte do processo produtivo que melhor se adeque à sua realidade, sem ter que construir uma indústria inteira nacionalmente. A integração das redes de produção pode, portanto, ser considerada uma estratégia de crescimento promissora. E já é bastante significativa para o volume total de comércio, para se ter uma ideia, em 2010, mais de 25% das exportações brutas globais foram contabilizadas pelo menos em dobro (UNFSS, 2017, p. 4). Isso identifica, inclusive que o cálculo das exportações brutas de um país não são mais suficientes para analisar os padrões de comércio internacional uma vez que podem mascarar a estrutura subjacente de produção em rede global e exagerar portanto o desempenho das exportações individualizadas dos Estados. Além da necessidade de nova métrica econômica de avaliação de desempenho econômico, tanto os países ricos como os em desenvolvimento enfrentam desafios políticos sem precedentes. Se a ameaça internacional de guerra declarada entre nações tornou-se improvável para a maioria dos países, fora algumas poucas exceções, outras ameaças urgentes surgiram como as provenientes de forças não-estatais disruptivas, tipo os ataques terroristas; e os problemas associados a causas difusas, de longo prazo, como as mudanças climáticas. Nesse tipo de contexto geopolítico e ambiental, o líder econômico, militar e político mundial, os EUA, tem relativamente menos poder do que teria na Era da Grande Divergência, as ações americanas são frustradas por uma profunda interdependência global. E outras nações influentes (‘shaper nations’) (HITCHCOCK; LEFFLER; LEGRO, 2016) também têm condição de influenciar políticas globais, especialmente países como China, Alemanha, Brasil, Índia, Israel, Rússia e Turquia. Seria de se esperar que os EUA tivessem desempenhando um papel positivo na construção de uma ordem mundial sustentável para o século XXI, mas não é o caso necessariamente, uma vez que a busca do interesse nacional de longo prazo pode ser obstruída por muitas circunstâncias. Porém, cresce o impacto das forças políticas americanas internas, subnacionais, para em muitos casos adiantar políticas mais arrojadas que as nacionais ou inclusive subjugar o potencial dano de ações lesivas do governo federal. A retirada recente dos EUA do Acordo de Paris é um exemplo. A comunidade ambiental americana e os padrões de sustentabilidade, como os de energia limpa por exemplo, já existentes e aplicados por muitos estados, cidades e empresas continuarão a surtir efeitos positivos e passam a pautar a agenda sobre temas ambientais estratégicos, independentemente dos retrocessos no âmbito federal. Outro ponto significativo a ser considerado é que a governança ambiental social, se não for bem implementada, pode custar acesso a mercados através de iniciativas governamentais, privadas, nacionais, estrangeiras, juridicamente vinculantes, 2 negocialmente obrigatórias ou mesmo voluntárias. Confrontos entre empresas multinacionais e estados-nação crescem em frequência e intensidade, evocando respostas conjuntas dos setores público e privado (VERNON, 2001, p. viii). Os riscos de boicotes a serem feitos pelos consumidores, de experimentar perdas de reputação e de ser responsabilizado jucidialmente pelo não cumprimento de uma determinada conduta esperada não são os únicos riscos a serem avaliados. Também em termos de concorrência, as empresas passam a pressionar os seus governos para fazer valer as regras socioambientais, então denunciam e exigem condenação de concorrentes praticando concorrência desleal por dumping sócio ambiental por exemplo. E entre si exigem um “jogo justo” (‘fair play’). Portanto, além do alto desempenho econômico a alta integridade ética passa a ser fundamental para os negócios globais. Poliarquia e interdependência Há alguns anos, apenas os Estados nacionais e as organizações internacionais eram sujeitos de Direito Internacional Público, podiam ser titulares de direitos e deveres internacionalmente. Consequentemente, eles eram os únicos com capacidade de agir no âmbito do Direito Internacional. Além disso, pelos princípios da Igualdade de Direitos e Autodeterminação dos Povos e da Igualdade soberana dos Estados (UN, 1970), cada país tem liberdade ilimitada para exercer autoridade soberana dentro de suas fronteiras e não pode ser coagido por outros a agir de uma determinada maneira na esfera internacional, onde então prevalece uma anarquia hobbesiana (HOBBES, 1982). A única exceção neste modelo era quando o próprio Estado concordava, de acordo com um tratado internacional, por exemplo, a ceder parte de sua soberania a uma organização internacional, uma autoridade supranacional ou a outro Estado. As violações maciças de direitos humanos obrigaram o Direito Internacional a iniciar a expansão de seus conceitos para admitir sujeitos não estatais, como indivíduos que passaram a poder ser condenados por crimes de genocídio por exemplo. A interação tecnológica, comercial e informacional em escala global, bem como o impacto que as ações humanas têm tido sobre o meio ambiente, criam questões que só podem ser enfrentadas cooperativamente, a exemplo da crise climática. Exigindo dos países níveis crescentes de coordenação, interdependência e relativização de sua soberania. A coerção jurídica tradicional nesse contexto se torna escassa ou até impossível de ser aceita numa negociação internacional, afinal, é raríssimo o caso em que os países concordam em limitar seus próprios poderes e se submeter a formas de coação caso não cumpram o acordado. Em virtude disso os instrumentos coercitivos se tornam improváveis de constar nos tratados internacionais e muito menos de serem implementados para resolver problemas complexos que envolvam múltiplos agentes, de diferentes países ao redor do mundo, com interesses conflitantes. Sendo assim, mais uma vez o conceito de sujeito do Direito Internacional precisa ser ampliado (DIXON, 2013, p. 121) para abranger qualquer entidade individual, grupal, governamental ou privada, legalmente reconhecida ou pragmaticamente aceita como capaz de assumir direitos e obrigações no âmbito internacional. Pois no novo contexto de interdependência, os Estados compartilham o poder com outras instituições, como corporações, governos locais, organizações da sociedade civil e indivíduos. Assim, a demarcação entre Direito nacional e internacional tem ficado cada vez menos clara, o Direito Internacional clássico está estagnando em termos de quantidade e qualidade, sendo cada vez mais substituído por uma normatização com impacto internacional, envolvendo novos atores, novos processos e novos produtos, em áreas que vão desde finanças e saúde até a regulamentação da internet e do meio ambiente. Afinal no contexto global, em muitas ocasiões, as estruturas tradicionais de leis formais tornaram-se grilhões a serem evitados a todo custo pelas nações (PAUWELYN; WESSEL; WOUTERS, 2014, 3 p. 1). Esses autores denominam essa nova forma de normatização internacional de ‘informal international lawmaking’3. Apenas uma abordagem de Direito Internacional revisada pode responder a um mundo cada vez mais desigual, com uma miríade de desafios globais. Considerando a pobreza, por exemplo, os últimos dados globais mostram que 11 em cada 100 pessoas (WORLD BANK, 2017) vivem abaixo da linha de pobreza internacional (com menos de US $ 1,90 por pessoa por dia). Esses indivíduos estão principalmente na África Subsaariana e muitos em Estados falidos (HELMAN; RATNER, 1992) onde tensões políticas persistentes, falta de segurança e incapacidade prática da administração pública de prestar serviços essenciais aos cidadãos prejudicam o desenvolvimento autônomo e a juridicidade dentro do próprio país, quanto mais no âmbito regional ou global. Esperar que tais Estados sejam atores internacionais ativos e ajam de forma contundente para resolver uma determinada problemática não é condizente com a prática. Assim, frente a esses números, quem vive em países ricos ou nos com melhor nível de desenvolvimento tem o direito de não agir? Ajudar essa população pobre é apenas um dever moral, religioso, assistencialista? Oferecer ajuda financeira e transferência tecnológica é meramente um ato de filantropia ocasional? ou também pode servir os interesses daquele que ajuda? Por exemplo, se um país pobre recebe incentivos para adotar uma tecnologia para produzir energia mais limpa, as empresas sustentáveis do país rico não poderiam se beneficiar do aumento das vendas e todo o planeta não experimentaria no longo prazo uma melhora ambiental? Isso não seria uma maximização dos próprios interesses dos países ricos? No âmbito interno, nesse mesmo raciocínio, os governos devem oferecer as mesmas oportunidades a todos, independentemente das diferenças de sua população? Ou, em alguns casos, as capacidades dos indivíduos (SEN, 1991) precisam ser levadas em conta, para mitigar algumas diferenças como por exemplo via ações afirmativas? Seguindo essa lógica, os países que não emitiram quantidades significativas de CO2 no passado devem enfrentar os mesmos limites para seu desenvolvimento econômico que aqueles que experimentam uma prosperidade melhor justamente porque praticaram dois séculos de altas emissões? Esses tipos de questões complexas demandam respostas jurídicas criativas interdisciplinares, entre direito e economia, por exemplo, e envolvendo diversos níveis além do tradicional nível internacional no qual as relações entre Estados soberanos normalmente ocorrem. Outros níveis de normatização emergem como efetivos para regular as relações internacionais é o caso dos subnacionais, transnacionais e supranacionais. Além de, nesse novo contexto, os Estados passarem a compartilhar poder e discricionariedade com outras instituições como corporações, governos locais, organizações da sociedade civil, etc. Este conjunto altamente heterogêneo de atores e regras leva a uma distribuição de poder "poliárquica" onde nenhum ator único, nem mesmo a nação mais poderosa, tem a capacidade de impor sua própria solução sem levar em conta a visão dos outros (SABEL; ZEITLIN, 2010, p. 15). Outro ponto desafiante desse novo contexto é a interdependência prática regulada por uma governança desconectada (PETERSMANN, 2017). Questões de direito difusos impactam a segurança internacional, por exemplo, e portanto precisam ser pensadas em conjunto. A escassez cada vez mais drástica de recursos naturais decorrente das mudanças climáticas, tende a representar riscos à segurança pública e internacionalmente, criando uma nova categoria de ‘refugiados’, o deslocados ambientais 3 A definição em ingles de ‘international lawmaking’ é : ”‘[c]ross-border cooperation between public authorities, with or without the participation of private actors and/or international organizations, in a forum other than a traditional international organization (process informality), and/or as between actors other than traditional diplomatic actors (such as regulators or agencies) (actor informality) and/or which does not result in a formal treaty or other traditional source of international law (output informality)’”(PAUWELYN; WESSEL; WOUTERS, 2012, p. 22) 4 que passam a pressionar a infraestrutura dos países receptores. Alfonso J. Iglesias Velasco (2009, p. 345) resume a relação umbilical entre o ambiente e a segurança internacional, reconhece que a relação entre ambiente e segurança sempre existiu, mas foi exacerbada no século passado como consequência do impacto da tecnologia, do aumento do consumo de energia e da explosão demográfica . Ele acredita que o objetivo insubstituível de preservar o ambiente natural pode ser combinado com a necessidade internacional de segurança, já que ambos os objetivos são complementares e interdependentes, apesar da constante ameaça representada pelas mudanças climáticas e pelo aquecimento global (VELASCO, 2009, p. 346). Os regimes internacionais, servem para propiciar essa articulação multitemática e complementar. De acordo com Stephen D. Krasner, eles são conjuntos de princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão, explícitos ou implícitos, em torno dos quais convergem as expectativas dos atores em uma determinada área (2012, p. 93). Correspondem, portanto, a arranjos institucionais permanentes criados para facilitar o diálogo, o estudo de problemas e para fomentar a cooperação em torno de objetivos comuns. Dentro do tema de meio ambiente, existem muitos regimes internacionais. Segundo Eduardo Viola (2002, p. 26), o Regime Internacional de Mudanças Climáticas é um dos regimes internacionais mais complexos e relevantes, porque implica profundas inter-relações entre a economia e o meio ambiente global. Neste sentido, regimes são espécies de governança, como ensina Alcindo Gonçalves (2011, p. 43), este último é mais abrangente, correspondendo a totalidade de formas de resolver problemas comuns, sendo a articulação em regimes apenas uma dessas formas. Em outras palavras governança é a totalidade das maneiras pelas quais os problemas comuns podem ser tratados e os regimes internacionais uma das formas possíveis de promover essa governança global, a governança é gênero enquanto os regimes são espécies. Ou seja, na medida em que a governança se refere à busca de solução de problemas comuns e os regimes seriam uma das possibilidades para promover a governança, “pode-se então argumentar que todos os regimes internacionais representam ações ou sistemas de governança, mas nem todas essas ações ou sistemas se limitam a regimes” (GONÇALVES; COSTA, 2011). A cooperação pragmática de múltiplos atores internacionais na busca de objetivos pelas mais variadas formas de estruturação jurídica, técnica e administrativa pode ser definida como governança global. Neste contexto, os regimes internacionais são apenas alguns exemplos deste comportamento cooperativo; sua estrutura tende a facilitar a cooperação (BIERMANN, 2014, p. 54). Sem eles, no entanto, também pode haver cooperação desde que existam expectativas convergentes. Assim, o fato de existirem acordos-quadro explícitos não constitui uma medida necessária de coordenação de objetivos comuns, mas eles são facilitadores. Além disso, há um papel fundamental a ser desempenhado pelos governos-chave, a liderança e o empenho deles pode contribuir para aliviar o problema, ainda que de forma momentânea, da a falta de representatividade das instituições, tanto internacionais quanto nacionais, na governança global, refletindo a interdependência entre as empresas e o poder público. Os avanços em relação às questões complexas que precisam ser gerenciadas de forma cooperativa exigem dos países níveis crescentes de comprometimento e uma certa transferência de soberania (YOUNG, 2010, p. 25, 2014, p. 83). Poucas sociedades estão dispostas a fazê-lo, consequentemente o sistema internacional é dominado por impasses, avanços pontuais e equilíbrios instáveis. Especialmente no contexto das mudanças climáticas o cenário é marcado por altos e baixos tanto nos acordos bilaterais como multilaterais (PAUWELYN; WESSEL; WOUTERS, 2014). Um período de otimismo político, como os anos 90, pode desaparecer, como ocorreu no período pós-2008, assim, é crucial também a iniciativa privada aplicar o princípio do desenvolvimento sustentável para promover mais ativamente as questões ambientais. 5 Dessa forma essa desaceleração na legislação internacional formal foi acompanhada pelo surgimento de novas formas de cooperação que utilizam diferentes abordagens e envolvem uma orquestra (ABBOTT, K. W. et al., 2015; BIERMANN et al., 2012; VEN; BERNSTEIN; HOFFMANN, 2017) de atores e processos, fora da metodologia jurídica tradicional fragmentada do Direito Internacional (PETERSMANN, 2017). Basicamente, isso ocorre porque os sistemas jurídicos tradicionais não conseguem lidar com múltiplos fatores, questões transdisciplinares e interesses difusos não específicos de um país (PAUWELYN; WESSEL; WOUTERS, 2014). As preferências e possibilidades políticas das nações têm portanto divergido dos saturados tratados internacionais existentes, ao passo que uma rede cada vez mais diversificada permite novas formas de colaboração transcendentes para além dos Estados e por meio de uma sociedade da informação cada vez mais complexa, onde conhecimento específico significa relevância (PAUWELYN; WESSEL; WOUTERS, 2014) e portanto poder. Para responder a esse novo contexto a ‘orquestração’ (ABBOTT, K. W., 2017, p. 5) seria o modo indireto de governança que se estrutura com incentivos sutis e não controles obrigatórios. É comum em muitas áreas da governança global e das iniciativas transnacionais os atores governamentais possuírem autoridade e poder limitados para a ação direta e coercitiva. Um ‘orquestrador’ (ABBOTT, K. W., 2017, p. 5), paralelamente a isso, trabalha através de intermediários com pontos de vista semelhante, catalisando parcerias, incentivando-os e auxiliando-os, orientando suas atividades através de apoio técnico, organizacional e outros incentivos, visando objetivos comuns concretos alcançáveis. Um orquestrador também pode contribuir estruturando e coordenando as atividades dos intermediários, melhorando e agilizando o processo decisório e de implementação4. Mesmo entre os organismos públicos, dentro dos estados, novos atores passam a ser ativos agentes de diplomacia. Eles cooperam com os seus homólogos estrangeiros, articulam-se com os reguladores, às vezes apoiando interesses nacionais ou desafiando os que contrariam seus interesses locais ou regionais (FARIAS; REI, 2016). Articulações entre ministérios das finanças, autoridades de Direito Concorrencial, bancos centrais, parlamentos, regiões, províncias, estados ou cidades são alguns exemplos. Essa articulação política feita por atores não-estatais e subnacionais pode ser definida como paradiplomacia e colabora com a sociedade em rede de diversas e efetivas maneiras (TAVARES, 2016). Eles afetam a formulação de políticas e restringem as ações dos agentes, às vezes até melhor do que os próprios tratados tradicionais, afinal, não é porque algo não é legalmente vinculante que está aquém do abrigo do direito internacional, que não afeta a formulação de políticas públicas ou a liberdade individual. Instrumentos não vinculantes ou com modos informais de cooperação entre os novos atores e / ou de acordo com processos inovadores podem ser tão restritivos - senão mais do que os próprios tratados tradicionais (PAUWELYN; WESSEL; WOUTERS, 2014, p. 754). Por exemplo, as recomendações sobre lavagem de dinheiro da Financial Action Task Force (FATF, 2012) podem ser mais eficazes do que a própria Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UN, 2003). Os padrões internacionais de combate a lavagem de dinheiro, contra o financiamento do terrorismo e à proliferação de armas são voluntários, no entanto, para que um Estado se torne um membro da força-tarefa, tem 4 Nas palavras do autor: “Orchestration is an indirect mode of governance that relies on soft inducements, not mandatory controls. It is common in many areas of global governance, where ‘governors’ – from IGOs to transnational initiatives – possess limited authority and power for hard, direct action. An orchestrator (O) works through like-minded intermediaries (I), catalysing their formation, encouraging and assisting them, and steering their activities through support and other incentives, to govern targets (T) in line with the orchestrator’s goals (O-I-T). An orchestrator can also structure and coordinate intermediaries’ activities, enhancing ordering” (ABBOTT, K. W., 2017, p. 5) 6 que ter esses padrões convertidos em regras internas juridicamente vinculantes. E a falta de cooperação com o sistema pode resultar em inclusões em listas negras e até mesmo em algumas sanções. Este tipo de mecanismo de execução é muito raro no nível internacional tradicional devido à falta de poder de polícia centralizado e à soberania dos estados. Então, o padrão normal de conformidade internacionalmente raramente é a restrição legal. Reputação, reciprocidade, retaliação e consentimento prévio para a legitimidade das normas são o que normalmente determinam o cumprimento delas ou a observância de seus preceitos (HOWSE; TEITEL, 2010). A reputação é um atributo organizacional que reflete como os stakeholders externos veem a empresa e a valorizam como boa ou ruim. Esta avaliação subjetiva tem muitos efeitos práticos, como a possibilidade do preço cobrado por produtos e serviços ser maior, bem como a possibilidade de atrair "os melhores e os mais brilhantes" (FISHMAN, 1998, p. 2) trabalhadores o que é vital para a sobrevivência e o desenvolvimento de uma empresa no longo prazo. Roberts e Dowling analisaram empiricamente que a boa reputação é um bem valioso que permite que uma empresa obtenha uma lucratividade persistente no longo prazo para sustentar um desempenho financeiro superior (ROBERTS; DOWLING, 2002, p. 1078). A reputação é extremamente relevante para a economia intangível atual, mas ainda é insuficiente para entender como as regras internacionais se tornam efetivas e o que é necessário para construir essas "plataformas de orquestração" (VEN; BERNSTEIN; HOFFMANN, 2017). O Financial Action Task Force, por exemplo, se define como um "órgão de formulação de políticas que trabalha para gerar a vontade política necessária para levar a cabo reformas legislativas e regulatórias nacionais" (FATF, 2012, p. 7). Como desenvolvedor dos padrões para combater lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa, promove uma "resposta coordenada a essas ameaças à integridade do sistema financeiro e ajuda a garantir condições equitativas" (FATF, 2012, p. 7). Também colabora com outras partes internacionais interessadas "com o objetivo de proteger o sistema financeiro internacional contra o mau uso" (FATF, 2012, p. 7). A administração deste tipo de "plataformas de orquestração" (VEN; BERNSTEIN; HOFFMANN, 2017) corresponde a estabelecer metas quantificáveis claras, mecanismos adequados de monitoramento, revisão ou avaliação e a criação de parcerias convenientes para assumir compromissos subnacionais e intergovernamentais. Os objetivos e as métricas permitem avaliar o que está funcionando ou não, para melhor planejar as ações futuras e investir os recursos além disso, tem uma característica intrínseca colaborativa que pode favorecer a transparência e a boa governança de muitas maneiras indiretas, se os interesses políticos não ofuscarem as "decisões tecnocráticas" (VEN; BERNSTEIN; HOFFMANN, 2017). As intervenções de governança ambiental estão interconectadas de maneiras diversas e complexas. As ações em uma área ou em uma escala podem, e muitas vezes, criar efeitos conexos em outras áreas e escalas numa interdependência complexa (KEOHANE; NYE, 1998). Os efeitos das intervenções podem ser não-lineares e podem se estender muito além dos limites ou escopo da intervenção original (VEN; BERNSTEIN; HOFFMANN, 2017, p. 15). Para desencadear ações coordenadas e efetivas que podem levar a mudanças transformadoras, as intervenções devem demonstrar: capacidade de incitar uma dependência procedimental chamada de ‘path-dependencies’ (CASHORE et al., 2015), com previsões legais, potencial de dimensionamento para contextos mais amplos, e capacidade para gerar os efeitos positivos desejados de forma duradoura5. Os 5 Nas palavras originais dos autores: “Actions in one area or at one scale can, and often does, create ripple effects in other areas/scales. The effects of interventions can be non- linear and can extend beyond the bounds of the original intervention” (VEN; BERNSTEIN; HOFFMANN, 2017, p. 15). To trigger coordinated and effective actions that can lead to transformative change, interventions must demonstrate: capacity to 7 atores não estatais e subnacionais têm um papel importante para articular tais "plataformas de orquestração" (Ven et al., 2017), mas também as iniciativas privadas podem ser muito eficazes. A busca pela convergência entre Economia, Política e Direito foi o caso dos dois acordos recentes e muito importantes sobre sustentabilidade: a Agenda de 2030 e o Acordo de Paris sobre o Clima. Estes documentos são molduras normativas para propiciar o progresso em direção à Economia Verde. A Agenda 2030 estabeleceu os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável sem fazer recomendações políticas específicas, enquanto o Acordo de Paris estabeleceu a contribuição nacionalmente determinada de cada estado, que são os compromissos reais desses Estados para conter as mudanças climáticas. Ambos estão estruturados para trabalhar lado a lado, como parte de um novo design de paradigmas focados no desenvolvimento econômico socioambientalmente sustentável, a ‘economia verde’. Economia Verde O Relatório Brundtland (WCED, 1987) definiu desenvolvimento sustentável como um "desenvolvimento que atende as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias necessidades". A partir dessa definição, o conceito de desenvolvimento sustentável evoluiu para abranger três pilares a serem articulados equilibradamente: o econômico, o social e o ambiental. A partir da Rio + 20, esses conceitos foram ampliados para incorporar o setor privado como parte da solução consolidando o conceito de economia verde 6. O PNUMA define a economia verde como a “economia que resulta da melhoria do bemestar e equidade social, com a redução significativa de riscos ambientais e da escassez ecológica” (UNEP, 2011, p. 2). Em outras palavras, uma economia com baixa emissão de carbono, uso consciente de recursos e inclusão social. Assim, o crescimento da renda e da geração de empregos devem ser resultado de investimentos públicos e privados que também contribuam com a redução das emissões de carbono, da poluição e que aumentem o aproveitamento dos recursos e da energia a fim de evitar perdas de biodiversidade e sobrecarregamento dos ecossistemas. Tendo em vista a falta de competitividade das novas tecnologias, esses tipos de investimentos precisam ser a princípio apoiados com subsídios, gastos públicos específicos, facilitação dos procedimentos ou mudanças normativas. A trajetória do desenvolvimento precisa ser ajustada para manter, aprimorar e, onde for possível, recriar as características naturais saudáveis, gerando resultados econômicos e benefícios sociais, especialmente para a incite path-dependencies (CASHORE et al., 2015), with legal lock ins, potential of scaling to broader contexts, and capacity to generate the desired positive effects in a durable way. 6 Esse conceito de economia verde foi o objetivo da conferência Rio + 20, enquanto o conceito de desenvolvimento sustentável passou a representar um conjunto mais amplo de diretrizes políticas. A definição original em ingles de economia verde é: “(…) a green economy can be considered as having low carbon, and is aware in its use of resources and socially inclusive. In a green economy, income and employment growth must be driven by public and private investments that reduce carbon emissions and pollution and increase energy and resource use, and prevent losses of biodiversity and ecosystem services. These investments need to be generated and supported by specific public spending, policy reforms and regulatory changes. The development path must maintain, enhance and, where possible, rebuild natural capital as a critical economic good and as a source of public benefits, especially for the needy population whose livelihood and security depend on nature. The concept of a "green economy" does not replace sustainable development, but today there is a growing recognition that achieving sustainability is based almost entirely on obtaining the right model of economy. Decades of creating new wealth through a "brown economy" model have not dealt substantially with social marginalization and resource depletion, and we are still far from achieving the Millennium Development Goals. Sustainability remains a vital long-term goal, but we need to make the economy greener to get there.” (UNEP, 2011, p. 2) 8 população mais carente, cuja sobrevivência e segurança dependam diretamente da natureza. O conceito de “economia verde” não substitui o de desenvolvimento sustentável, um conjunto mais amplo de diretrizes políticas, porém, há um crescente reconhecimento de que, para alcançar os objetivos mais abrangentes da sustentabilidade, um apropriado modelo econômico precisa ser posto em prática. Por décadas a criação de novas riquezas foi feita por meio da “economia marrom”, modelo esse que não lidou substancialmente com a marginalização social e do uso inconsequente de recursos naturais. Em virtude disso, ainda estamos distantes de atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (UN, 2015), assim, os princípios da sustentabilidade continuam a ser vitais, principalmente no longo prazo, mas há um desafio empírico de identificar os limites planetários (ROCKSTRÖM et al., 2009) e alterar os paradigmas econômicos para tornar a economia mais verde para chegarmos mais rápido e eficazmente a esses objetivos (UNEP, 2011, p. 2). O maior desafio, portanto, é identificar esses conteúdos ideológicos em sinergia na busca da complementariedade, como apontado pelo conceito de Economia Verde, consolidado na Rio + 20: desenvolvimento econômico com responsabilidade social e ambiental. Em adição à necessária redução na emissão de carbono, esse novo paradigma econômico precisa enfrentar questões como limites geopolíticos e o princípio da equidade. Na prática, isso corresponde a manter um nível significativo de crescimento para os países mais pobres, intermediário para os países em desenvolvimento, e próximo a zero nas sociedades desenvolvidas (UNEP, 2011). Esse mesmo entendimento foi verificado no conceito de Economia Azul, por Günter Pauli (2010). O mundo precisa de um novo modelo econômico, o liberalismo jamais conseguiu distribuir os recursos de modo eficiente. Com efeito, o mercado evoluiu para um sistema de economias de escala e um constante crescimento em produtividade, o qual tem gerado reestruturações empresariais que, em certa medida, cartelizaram a maior parte dos agentes financeiros com maior capacidade para atuar em globalmente, com a ampliação do nível de endividamento e de ativos intangíveis. Objetivos traçados cuidadosamente e boas intenções coordenadas em escala global não são suficientes, para que haja uma efetiva mudança no atual modelo econômico em direção à sustentabilidade, os governos precisarão subsidiar tecnologias limpas, o setor privado deverá se adaptar a menores margens de lucros e, por seu turno, os consumidores deverão pagar mais caro. Essa opção é consistente com o crescimento da renda e da empregabilidade, mas demanda coordenação e transparência em níveis locais, regionais, nacionais e internacionais, nos setores público e privado. Assim, como ensina Pauli, é uma reestruturação pragmática inspirada pelo ecossistema: "a economia azul precisa expor, e não impor, as inúmeras possibilidades científicas, de modo que um novo e competitivo modelo econômico possa emergir, o quanto antes melhor (PAULI, 2010, p. 3)." Nessa mesma orientação os relatórios de governança sócio ambientais (‘Environmental, Social, and Governance’) tornaram-se uma parte crescente da estratégia de negócios, repercutindo algumas características reais da economia como na criação de indexadores financeiros específicos e análise de riscos socioambientais para concessão de créditos por exemplo. Definir os indicadores corretos para usar na empresa e em um setor, promover o engajamento das partes interessadas e melhorar as práticas sócio ambientais das empresas portanto passaram a ser cruciais para determinar a efetividade desses relatórios para alcançar a sustentabilidade a longo prazo das empresas, evitando assim passivos de potenciais condenações judiciais ou administrativas, longos litígio e riscos de reputação que podem eventualmente comprometer o desempenho inclusive financeiro de uma empresa afastando investidores e melhores oportunidades de crédito. 9 Além da perspectiva econômica financeira de longo prazo, há também uma questão moral humana por trás de implementar a governança socioambiental: a dignidade das pessoas depende de como elas têm acesso a um ambiente saudável. Sébastien Jodoin e Katherine Lofts ilustram como, por exemplo, os Direitos Humanos são interdependentes dos aspectos ambientais (“Economic, Social, and Cultural Rights and Climate Change: A Legal Reference Guide”, 2013, p. 5). Para citar um exemplo, o aumento do nível do mar gera no meio ambiente enchentes, mares altas, erosões, salinização, isso impacta a vida das pessoas causando perda de terras, afogamentos, falta de água potável, doenças, perdas na infraestrutura costeira, menos terra agricultável, lesando, portanto, uma sequencia de direitos como o direito à vida, à saúde à propriedade, à autodeterminação dos povos, ao acesso a água de qualidade, entre outros. Medir de forma confiável a eficácia das ações da empresa e comparar o desempenho da governança socioambiental das empresas ainda é algo a ser melhorado. Isso revela a demanda por pesquisas mais empíricas sobre os resultados concretos das ações específicas adotadas pelas empresas e uma maior integração da sustentabilidade socioambiental no processo de planejamento estratégico. Essa abordagem mais ampla aceleraria concretamente a mudança necessária dos padrões de produção atuais para novos paradigmas, seguindo uma forma estruturada de governança socioambiental global. Mas pelo contrário, as deficiências institucionais e o enfraquecimento do poder soberano têm impedido esforços mais contumazes de transição para uma estrutura econômica mais sustentável ao mesmo tempo em que uma sensação de frustração e desespero com a falta de tempo e com o efeito tímido das medidas tomadas até agora têm prevalecido entre a maioria dos especialistas. As dificuldades decorrem principalmente do fato de que o meio ambiente é um bem de uso comum e que se enfrenta um conjunto desafiador de características. Tragédia dos comuns, problemas ultra-complexos e emotivismo O meio ambiente é um bem de uso comum do povo 7; portanto, todos estão interessados e são responsáveis pela conservação dos recursos naturais e pelo controle de externalidades negativas, tais como vazamentos transfronteiriços e poluição. Mas a evidência de se tratar de interesse e responsabilidade comuns muitas vezes não é suficiente para inspirar ações coletivas. Pelo contrário, a colaboração, se não estimulada por regras e mecanismos, tende a se limitar ao interesse próprio dos agentes gerando inações ou a continuidade de soluções desvantajosas para todos8. Esta situação é conhecida como "a tragédia dos comuns". A tragédia dos comuns é um conceito popularizado por Garret Hardin em um artigo histórico (HARDIN, 1968) e implica que a existência de um objetivo ou interesse comum não é suficiente para forçar um grupo de indivíduos a participar de ações coletivas, mesmo que os efeitos dessa colaboração sejam benéficos para todos os membros de um grupo, o que raramente o é. Em outro texto, o mesmo autor aplica esse conceito para justificar a não ajuda aos pobres. Na sua opinião, o planeta é como um bote salva-vidas: se tentarmos salvar muitas pessoas, afunda e todos morrem (HARDIN, 1974). 7 O art. 225 da Constituição estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. (CF, 1988) 8 A atitude de maximização dos interesse individuais de curto prazo faz com que se priorizem os lucros, isso impede os investimentos em tecnologias mais limpas e econômicas pois elas tendem a ser mais caras que as tradicionais, este é um exemplo de inação, mas também pode haver o pior, um agravamento dos caminhos insustentáveis de exploração dos bens ambientais de forma inconsequente focada no curto prazo e comprometendo a manutenção da atividade no longo prazo. 10 Em resposta a isso, Mancur Olson escreveu um livro paradigmático no qual conclui que a ação coletiva pode ocorrer em grupos pequenos ou onde há coerção ou incentivos seletivos para os indivíduos, reforçando os interesses do grupo. Como nenhum membro individual de um grupo tem um impacto decisivo no resultado final e a pressão social é improvável, os jogadores, como as empresas que atuam em um mercado, por exemplo, não têm motivos para se organizar em busca da preservação de bens comuns. Nesse sentido, o envolvimento efetivo só é viável se houver um comprometimento de várias partes interessadas com transparência e cooperação em vários níveis, institucional, municipal, local, regional e sob a supervisão ativa dos próprios stakeholders (OLSON, 1971, p. 15). Assim, nesse contexto, as unidades de governança menores ligadas pelas redes de monitoramento são o modelo mais viável, uma vez que as grandes soluções negociadas a nível mundial tornam-se absolutamente ineficazes se não houver apoio de iniciativas policêntricas com ações locais. Por exemplo, mesmo que todos os Estados membros das Nações Unidas concordem em buscar metas de desenvolvimento sustentável, esse esforço global será comprometido se as iniciativas subnacionais não transmitirem esses princípios genéricos em ações, especialmente a nível local. Elionor Ostrom, de forma complementar, pensa que os conflitos sobre o ecossistema e os problemas ambientais podem ser resolvidos com base na análise de arranjos institucionais bem-sucedidos. Ela identifica oito princípios fundamentais: (1) limites claramente definidos; (2) congruência entre as regras de uso e responsabilidade; (3) acordos de escolha coletiva, como metas voluntárias e obrigatórias; (4) monitoramento; (5) sanções; (6) mecanismos de resolução de controvérsias; (7) reconhecimento dos direitos organizacionais; e (8) iniciativas e empreendimentos coerentes e bem fundamentados, formando empresas aninhadas ('nested enterprises') (OSTROM, 1990, p. 80). Kelly Levin, Benjamin Cashore, Steven Bernstein e Graeme Auld ampliaram o conceito da tragédia dos comuns para identificar a necessidade de ultrapassar as escolhas racionais individuais haja vista as preferências inconsistentes no tempo (muitas vezes os indivíduos escolhem algo ruim a longo prazo que seja bom no curto prazo ou acatam mudanças para solucionar problemas menos urgentes e negligenciam uma questão de vida e morte). Em virtude disso os autores recomendam uma abordagem orientada para conseguir implementar uma dependência procedimental (‘path-dependency’) de modo a influenciar as condutas no sentido de se alcançarem objetivos comuns. "Quase nenhum país ou acordo intergovernamental desenvolveu políticas consistentes com essa evidência científica, e é esse fato que consideramos irracional" (BERNSTEIN; CASHORE, 2012, p. 123). Muitos indivíduos podem discordar de definições, conceitos, valores, mas estarem perfeitamente de acordo sobre a necessidade de procedimentos e políticas seguindo as lógicas causais características de processos, esse caminho institucional pode ajudar e ser bem efetivo para restringir o comportamento futuro dos agentes e para alcançar os benefícios sociais desejáveis no longo prazo. A falta de coerência entre os interesses individuais e coletivos e entre o curto e longo prazo é verificável mesmo quando há evidências científicas a respeito de um determinado problema. Por um lado ela é causada pela característica do bem comum ser marcado pela falta de ambiente propício à coordenação coletiva, mas, por outro lado, é também gerada por uma questão peculiar principalmente nas causas ambientais e consumeristas que implicam em direitos difusos, sendo impossível determinar especificamente quais são as pessoas impactadas, além da complexidade de potencialmente impactar gerações presentes e futuras. Sendo assim, diante dessa realidade, soluções simples são insuficientes para problemas complexos. O conceito de ‘problemas assombrados’ é usado para designar problemas tão complexos que a palavra perverso (‘wicked problems’) é usada no conceito em inglês criado por Rittel 11 e Webber (1973) para designar dez características: 1- não há uma formulação única e definitiva: depende da percepção da própria pessoa tentando resolver o caso; 2- não há fim: não há critérios para uma compreensão completa, suficiente para abarcar do começo ao fim; 3- as soluções são polivalentes, não dicotômicas, não há apenas verdadeiro ou falso, bom ou mal, mas sim uma miríade de possibilidades melhores ou piores dependendo do referencial; 4- é impossível testar antes a solução: a ação é realizada durante o processo de implementação e enfrenta seus efeitos imediatamente; 5- cada solução é definitiva e tem que ser implementada de uma vez, porque é impossível aprender por tentativa e erro uma vez que todas as ações deixam vestígios que não podem ser desfeitos; 6- existe um conjunto infinito de soluções; 7- cada problemática é única; 8- cada problema é um sintoma de outro; 9- há sempre várias maneiras de explicar esse tipo de problema; e 10 - eles afetam o bem-estar de muitos (RITTEL; WEBBER, 1973, p. 161–167). Levin, Cashore, Bernstein e Auld (2012) expandem este conceito para ‘problemas superassombrados’ (‘super-wicked problems’), adicionando novos critérios à definição: 1- falta de tempo, 2- a participação daqueles que estão buscando a solução no agravamento do problema, 3- a ineficácia das autoridades centrais e a condução irracional dos jogadores na perspectiva de longo prazo. Assim como Hardin e Ostrom argumentaram que para a solução da tragédia dos comuns, são necessários novos arranjos institucionais para lidar com esse tipo de problemas contemporâneos, caracterizados 1) por sistemas não lineares em que todos interagem de maneira imprevisível, 2) são afetados reflexivamente por todas as ações, e 3) enfrentam a tendência humana de superexplorar os recursos. Nesse sentido, deve ser estabelecido um novo conjunto de ferramentas políticas e técnicas de análise consistentes com essas características. Uma estratégia de pesquisa com o objetivo de encontrar explicações simplistas, generalistas e resolutivas é simplesmente inadequada para problemas com características ultra complexas. Um objetivo mais adequado é identificar possíveis intervenções políticas e explicar formas como o problema e as intervenções podem se desenvolver ao longo do tempo (BIERMANN et al., 2012, p. 130). A produção voltando-se para o modelo de cadeias globais de valor e a prolífica criação de normas por parte de agentes privados ao mesmo tempo que se torna lucrativa, atendendo às necessidades das corporações transnacionais e coordenando os interesses de entidades não-governamentais e dos consumidores. Mas o que também pode ocorrer e tem sido frequente é o uso do princípio da precaução e impasses ideológicos sobre o que se entende por sustentabilidade. Nem mesmo os argumentos baseados na ciência são indiscutíveis. Uma diversidade de pontos de vista, forma o pluralismo atual "não é uma mera condição histórica que em breve passará", é "uma característica permanente da cultura pública das democracias modernas" (RAWLS, 1987, p. 4). Mas, na política, há uma separação entre os meios e os objetivos, mesmo que as pessoas não concordem com os fins, elas ainda podem articular os melhores meios para lidar com uma determinada situação, neste sentido, os meios podem ser tratados como bens primários, eficazes para prevenir injustiças, violência e abuso. E, consequentemente, uma das lições mais importantes da modernidade é ser possível viver sob regras comuns que seguem uma base moral, mesmo sem compartilhar uma visão de mundo abrangente ética ou religiosa a respeito do que é o bem (POGGE, 1989, p. 34). Isso é básico porque os pressupostos da moral, como o que é certo ou errado, têm um caráter análogo à teologia na distinção entre pecado e virtude. O mesmo acontece com as opiniões políticas, as pessoas podem argumentar para sempre usando os mesmos argumentos e, dessa forma, o problema nunca será resolvido, porque ninguém muda seu ponto de vista e ninguém efetivamente espera que a outra parte o faça. Apesar de esses argumentos usarem razões, deduções de lógica e fatos científicos e, mesmo apresentando o argumento certo ou mais lógico, eles são insuficientes para convencer a 12 outra parte que assume uma posição defensiva do seu ponto de vista, o que MacIntyre chama de emotivismo. Assim, uma das características mais marcantes da expressão moral contemporânea é que é usada para expressar desentendimentos intermináveis. Parece não haver uma maneira racional de garantir o acordo moral em nossa cultura (MACINTYRE, 2007, p. 7). Por outro lado, é difícil aceitar que estamos em uma situação de oba-oba (‘hurray boo’), que se argumenta simplesmente para ganhar empatia ou para criticar os adversários. Consequentemente, a lógica e a razão normalmente ainda são usados para justificar, tanto um lado como o outro do argumento 9. Sendo assim, ainda que as pessoas não concordem com os objetivos, conceitos e valores, é perfeitamente possível que elas cheguem a um acordo sobre os procedimentos e medidas que pragmaticamente precisam ser tomadas para resolver um problema. Esses procedimentos e medidas pragmáticos precedem e sucedem os indivíduos. MacIntyre define-os como práticas: "atividade humana cooperativa socialmente estabelecida através da qual os bens internos a essa atividade são realizados"10 (MACINTYRE, 2007, p. 187–188). São atividades de cooperação muito complexas que dependem da virtude das pessoas envolvidas, e virtudes são "qualidades humanas adquiridas que nos permite alcançar esses produtos internos às práticas"11 (MACINTYRE, 2007, p. 197). Nesse mesmo sentido Mandrew J Hoffman, para analisar como a cultura molda o debate sobre mudanças climáticas estudou a área de Ciências Sociais e o porquê de algumas pessoas aceitarem os dados científicos sobre mudanças climáticas e outras não. A conclusão foi que a compreensão pública sobre as mudanças climáticas não é prejudicada pela falta de informação, mas por uma recusa intencional de compreender (HOFFMAN, 2015, p. 27). Portanto, o debate sobre mudanças climáticas não é sobre dióxido de carbono e gases de efeito estufa, mas sobre oposição a valores culturais e a diferentes pontos de vista e visões de mundo. Esta referência axiológica serve como um filtro pelo qual a informação científica é analisada. Como é de se esperar, quando diferentes grupos observam a mesma ciência com essas lentes culturais opostas, veem realidades opostas. O desafio de melhorar o debate público e político sobre o meio ambiente não é simplesmente científico, é também sobre a comunicação da ciência e da ciência em si pois todas as pessoas estão limitadas pelo tipo e pela quantidade de informações a que têm acesso, bem como à capacidade cognitiva que têm para processar essa informação. Seria simplesmente impossível investigar minuciosamente todos os assuntos que encontramos. Então, confiamos em certas fontes porque elas dão credibilidade para resumir os problemas para nós. Por isso, uma das maneiras de suscitar suspeitas no debate público sobre o clima é minar a credibilidade da fonte. Afinal, existem basicamente três tipos de discursos neste tema: ambientalistas, políticos e cientistas. Muitos opositores da ciência do clima, por exemplo, acreditam que as políticas ambientais são secretas e constituem desculpas para intervir no mercado e diminuir a liberdade dos indivíduos (HOFFMAN, 2015, p. 27). Por outro lado alguns extremistas temem que os ambientalistas liderem a agenda para desmantelar o capitalismo (Hoffman, 2015, p.8). Essa paixão dicotômica do contra ou a favor não contribui para os avanços necessários na temática ambiental e todos os agentes acabam se sentindo derrotados. A visão 9 Nas palavras originais do autor: “Emotivism thus rests upon a claim that every attempt, whether past or present, to provide a rational justification for an objective morality has in fact failed (…) What emotivism however did fail to reckon with is the difference that it would make to morality if emotivism were not only true but also widely believed to be true (…) implying an appeal to an objective and impersonal standard (…)” (MacIntyre, 2007, p.19) 10 Tradução livre feita pela autora de: “practice are socially established cooperative human activity through which goods internal to that activity are realized” (MACINTYRE, 2007, p. 187–188) 11 Tradução livre feita pela autora de: “virtues are acquired human quality that enable us to achieve those goods which are internal to practices” (MACINTYRE, 2007, p. 197). 13 simplista é tão apaixonante quanto incompetente para resolver problemas complexos. As decisões que são necessárias são cada vez mais difíceis de serem tomadas, portanto, os graus irreconciliáveis de oposição não servem a um debate construtivo. O melhor é promover um envolvimento eficaz de múltiplos atores e interessados para incitar um debate qualificado com dados empíricos e cientificamente verificados para favorecer a reconciliação entre economistas, ambientalistas e políticos. Não há solução milagrosa a ser prescrita, a sociedade tem que fazer escolhas e decidir-se informada e consciente de quais são as consequências de suas decisões. E para alcançar uma convergência, mesmo que seja precária e temporária, a divergência precisa ser organizada (Hoffman, 2015, p.37) Portanto, para governar a conexão e interdependência muito profunda entre indivíduos emotivos, devemos nos concentrar em promover essas práticas cooperativas construídas sobre as virtudes e, portanto, é impossível escapar da política e em tal cenário, os vencedores e os perdedores sempre disputarão, às vezes ferozmente. O papel das normas neste contexto é criar uma dependência procedimental que atenuem na prática a injustiça, a violência, o abuso e evite discrepâncias irreconciliáveis, permitindo um tipo de concertação ou ajustamento dos interesses em prol da eficácia. Assim é necessário um novo paradigma jurídico para lidar com esses tipos de problema e características da sociedade. Levin, Cashore, Bernstein e Auld (2012) recomendam a dependência procedimental; Esty (2006) sugere globalizar o direito administrativo. Essas alternativas serão explicadas abaixo, mas a necessidade de encontrar uma maneira de governar essa complexidade é inquestionável. Práticas para influenciar a governança internacional Nessa realidade, o consenso sobre os objetivos a serem atingidos e controles sobre o cumprimento ou não dos agentes é uma filigrana desnecessária e improvável. O alto grau de conformidade e consentimento pode indicar, por exemplo, que uma norma não é ambiciosa o suficiente e que portanto é inócua e ineficiente para mudar o comportamento dos atores. Para detalhar o que Bernstein e Cashore recomendam como dependência procedimental imagine-se uma abordagem de causalidade e, idealmente a criação de normas que possam instituir procedimentos travados, difíceis de serem alterados, eficazes para instigar a adesão de grupos de interesse diversos de maneira imediata e com mecanismos processuais que evitem a reversibilidade imediata caso outros grupos eventualmente cheguem ao poder. O objetivo é articular um maior suporte ao longo do tempo e expandir os indivíduos em favor da desses procedimentos, mesmo entre aqueles que se opuseram no princípio. Nesse modelo, uma norma pode ser considerada "influente" (melhor do que ser efetiva, de acordo com os autores) e alterar eficientemente os comportamentos que causam os problemas super-perversos. Uma mudança de foco para "conformidade" e "eficácia" a fim de "influenciar" facilita a análise dos efeitos combinados desses esforços nacionais, regionais, internacionais e transnacionais em torno de firmes políticas e práticas duradouras (BERNSTEIN; CASHORE, 2012, p. 587). Esses autores destacam um quadro de quatro caminhos de influência (não "eficácia"): intervenções nos mercados; regras internacionais; normas e discursos com efeito internacional; e acesso direto aos processos de política interna (BERNSTEIN; CASHORE, 2012, p. 587). Nesse contexto, múltiplas formas de influenciar podem ser sinérgicas, sobrepostas, contrariando-se ou concordando com as autoridades. Ao fazê-lo, a complexa governança global, focada em ser influente, interage com um tipo de soberania mais flexível, em que outros agentes regionais e locais também participam. Os autores identificaram quatro caminhos para influenciar o comportamento, mas podem haver mais e que sejam interdependentes. 14 Detalhando melhor cada um deles, o primeiro, o mecanismo de mercado, estimula mudanças no comportamento dos agentes ou na política através de incentivos econômicos ou desincentivos, ao internalizar no preço dos produtos e serviços as externalidades negativas, por exemplo, aumentando assim a competitividade daqueles que sejam mais eficientes e menos degradantes ao meio ambiente. Além disso, as demandas dos consumidores por melhor qualidade justificam margens melhores de preços para produtos com rótulos sustentáveis, que atestem a conformidade da empresa com os padrões voluntários de sustentabilidade ou outras formas de certificação. Idealmente, os mecanismos de mercado funcionam melhor se acompanhados de políticas públicas mais amplas, para que sejam eficientes a longo prazo e não apenas mudanças pontuais paliativas na agenda de discussões, sem um verdadeiro compromisso efetivo dos produtores. O segundo tipo, as regras internacionais (tratados internacionais típicos e também decisões e recomendações) tendem a moldar as respostas domésticas, que os países articularão para um determinado problema, mesmo que essas tratativas internacionais não tenham conteúdo juridicamente vinculantes e formas de coerção. O importante é causar nos agentes o efeito da opinio juris, ser percebido pelos agentes como obrigatório, juridicamente ou eticamente. O terceiro caminho é o acesso direto a incentivos para capacitação, transferência tecnológica e assistência técnica, com o objetivo de proporcionar aos atores privados e aos funcionários do governo uma melhor participação no mercado de forma mais sustentável. E o quarto caminho apontado pelos autores é que as normas internas nacionais e até subnacionais podem produzir efeitos suficientemente fortes para moldar as ações dos agentes da economia estruturada em cadeias globais de valor. Este quadro de referência desloca o foco das condições para que determinados atores ou instituições ajam efetivamente, para condições para que eles exerçam influência ao longo de determinados caminhos (BERNSTEIN; CASHORE, 2012, p. 587), capacitando atores transnacionais e instituições internacionais a múltiplos papéis. Um dos caminhos inclusive pode ser fornece suas instalações e equipe para facilitar a congregação de atores governamentais, sub-nacionais e multinacionais para interagirem, promovendo também a expertise e o desenvolvimento de uma infra-estrutura própria e a capacitação de pessoal para a criação de regras, verificação de conformidade e certificação "ao longo do caminho tipo um, mas também aprendendo e promovendo novas normas de comportamento apropriando-se ao longo do caminho dois, ou construindo coalizões que podem ser importantes ao longo dos caminhos três e quatro”12 (BERNSTEIN; CASHORE, 2012, p. 587). Nessa mesma direção de compromissos processuais para conduzir à governança global, Daniel Esty sugere a implantação de um conjunto de ferramentas de Direito Administrativo para equilibrar a necessidade de uma cooperação internacional estruturada com a tensão política implícita a qualquer instituição global. O Direito Administrativo tem sido tradicionalmente utilizado no contexto doméstico, deve ser ampliado para atingir metas internacionais e ser informado pela elaboração de políticas a nível internacional (ESTY, 2006, p. 1490). Este quadro regulamentar orientado para o mundo deve ser implementado a nível nacional pelas nações influentes (‘shaper nations’) (HITCHCOCK; LEFFLER; LEGRO, 2016). Esses países estão em posição de coordenar seu próprio desenvolvimento com a mitigação de problemas compartilhados e eles têm a autoridade política para contribuir não só com a ordem local, mas também regional e mundial. Esta maneira de governança supranacional, com o direito administrativo nacional de um país afetando a vida de cidadãos de outros Estados soberanos é muito menos 12 Tradução livre feita pela autora do trecho: “along path one, but also learning about and promotion of new norms of appropriate behavior along path two, or coalition-building which may be important along paths three and four” (BERNSTEIN; CASHORE, 2012, p. 587) 15 democrática, mas eficaz em um mundo de interdependência. Esty reconhece algumas maneiras de resolver as desvantagens de falta de legitimidade e alcançar uma cooperação internacional estruturada nessa legitimidade processual: "conhecimento e capacidade de promover o bem-estar social; a ordem e a estabilidade previstas pela lei; freios e contrapesos; deliberação estruturada; e (...) princípios e práticas de direito administrativo”13 (ESTY, 2006, p. 1490). Um exemplo deste tipo de governança complexa pode ser mostrado nos recentes acordos internacionais Agenda 2003 e Acordo de Paris. A lógica de ambos os acordos está focada no caminho para influenciar os países em direção aos paradigmas da economia verde. Se esses documentos serão influentes o suficiente para manter o aquecimento global abaixo dos 2 graus da era pré-industrial e, assim, evitar a extinção humana, ainda é uma incógnita. Mas esse tipo de governança complexa parece ser o melhor tipo disponível para lidar com o emotivismo, os problemas ultra complexos e com a tragédia dos comuns característicos principalmente na área ambiental. Conclusões O conceito de "Tragédia dos Comuns" ainda é útil para analisar os problemas ambientais, mas a sua complexidade aumentou ainda mais devido à característica de problemas super-complexos e ao emotivismo de hoje em dia, marcado por visões políticas irreconciliáveis. A falta de um poder soberano internacional supranacional representa desafios para a governança global, mas, por outro lado, não há viabilidade para outras medidas além de compromissos voluntários nacionais que, mesmo a princípio sendo voluntários, tornam-se depois de declarados oficialmente, obrigatórios para os Estados em uma escala global. As organizações internacionais desempenham um papel fundamental na governança global para a sustentabilidade norteadas na Agenda 2030 e no Acordo de Paris. Tais agentes estão em melhor posição para servir como um fórum de discussão e podem coordenar a cooperação no sistema jurídico internacional anárquico, onde todos os Estados têm sua própria soberania, não havendo autoridade central para impor regras aos outros e resolver disputas entre agentes com poderes equivalentes. Outros níveis de governos sub nacionais, empresas privadas, academia e sociedade civil têm uma tarefa coletiva a desempenhar: identificando os possíveis caminhos de influencia para alcançar o desenvolvimento ambiental, social e econômico. Os recursos, a experiência técnica e a representação democrática devem ser combinados, para construir este novo paradigma econômico atendendo às necessidades globais de resolução de problemas, uma rede bem orquestrada para lidar com padrões de consumo, energia, alimentação, trabalho, urbanização, mídia social, resiliência, etc. Sendo assim, apenas uma certeza, será um período profundamente desafiador até 2030. Referências ABBOTT, K. W. et al. Two Logics of Indirect Governance: Delegation and Orchestration. ResearchGate, [S.l.], 2015. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/268926143_Two_Logics_of_Indirect_Governan ce_Delegation_and_Orchestration>. Acesso em: 25 jun. 2017. ______. 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