Revista de Direitos Difusos Ano XVII Vol. 68
ISSN 1517 -9192
ISBN 978-85-8248-142-4
GOVERNANÇA AMBIENTAL INTERNACIONAL1
Economia Verde, Tragédia dos Comuns, Problemas ultra complexos e Emotivismo
Danielle Mendes Thame Denny2
Resumo:
Ao longo das últimas décadas, o quadro jurídico da Governança Ambiental Global mudou
drasticamente. Este trabalho examina os efeitos jurídicos da interdependência e o
conjunto de forças atuantes. Com essa finalidade aborda os conceitos de Economia
Verde, Tragédia dos Comuns, problemas ultra complexos (Super-Wicked) e Emotivismo.
A tese deste artigo é que a legislação ambiental pode ficar presa nos modelos errados,
não abordando eficazmente o contexto prático que pretende regular. Assim precisa ser
adotado, com frequência, um quadro conceitual e normativo para inserir formas de
governança, com base em solucionásticas possíveis e articuladas entre diversos públicos,
muitas vezes com interesses conflitantes. A metodologia escolhida foi a análise descritiva
e normativa com uso das técnicas de pesquisa da análise documental, legislativa e
bibliográfica.
Palavras-chave:
Economia Verde, Tragédia dos Comuns, Problemas ultra complexos e Emotivismo
Abstract:
The Global Environmental Governance legal framework has changed dramatically over
the last few decades. This paper examines the legal effects of interdependence and the
balance of power in place. For this purpose uses concepts like Green Economy, Tragedy
of the Commons, Super-Wicked Problems and Emotivism. The main argument of this
article is that environmental legislation can get stuck in the wrong models, not effectively
addressing the practical context it seeks to regulate. Thus, a new conceptual and
normative framework have to be adopted to introduce forms of governance, based on
finding possible solutions and on the orchestration of many conflicting interests. The
methodology was the descriptive and normative analysis using the research techniques of
the documentary, legislative and bibliographic analysis.
Key words:
Green Economy, Tragedy of the Commons, Super-Wicked Problems and Emotivism
Introdução
O período de globalização no século XIX beneficiou-se do poder da energia a vapor e da
paz internacional para implementar uma maneira rentável e eficaz de transportar
mercadorias através das fronteiras. Algumas nações estavam em melhor posição para
aproveitar esse processo e estabeleceram assim seu domínio global. Esta época pode
1
2
Esta temática foi objeto de uma das teses habilitadas no Prêmio Vladimir Garcia Magalhães – 2017, para
ser defendida pela autora no 15º Congresso Brasileiro do Magistério Superior de Direito Ambiental, no
dia 14 de setembro de 2017, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo/SP.
Pesquisadora Visitante no Whitney and Betty MacMillan Center for International and Area Studies na
Universidade Yale, EUA. Doutoranda na Universidade Católica de Santos com bolsa da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Professora na Universidade Paulista e na Fundação
Armando Álvares Penteado. E-mail: danielle.denny@gmail.com
1
ser denominada "Era da Grande Divergência" (BALDWIN, 2016, p. 12) na qual os países
ganhavam com a exploração de suas diferenças e potencialidades por meio das
vantagens comparativas. A atual globalização, contudo, é bem diferente, impulsiona-se
pelo poder da tecnologia da informação, que possibilita o movimento barato e preciso de
ideias e dados através das fronteiras. Esse processo viabiliza que o trabalho intensivo em
mão-de-obra seja realizado no exterior, onde os recursos humanos são mais baratos e a
regulamentação sócio ambiental mais fraca. Os negócios passaram, com isso, a se
estruturar em cadeias globais de valor o que impulsionou um rápido processo de
industrialização de um grupo de países em desenvolvimento. Isto é o que pode ser
denominado "Era da Grande Convergência" (BALDWIN, 2016, p. 12). Essa
interdependência econômica, com mudanças tecnológicas aceleradas e desafios
ambientais comuns tornam o mundo mais imprevisível e difícil de controlar.
Ao mesmo tempo que as cadeias globais de valor oferecem um enorme potencial
econômico para os países desenvolvidos, são também fundamentais para os países em
desenvolvimento, uma vez que os integra à cadeia permitindo que importem produtos
intermediários do exterior e assumam a parte do processo produtivo que melhor se
adeque à sua realidade, sem ter que construir uma indústria inteira nacionalmente. A
integração das redes de produção pode, portanto, ser considerada uma estratégia de
crescimento promissora. E já é bastante significativa para o volume total de comércio,
para se ter uma ideia, em 2010, mais de 25% das exportações brutas globais foram
contabilizadas pelo menos em dobro (UNFSS, 2017, p. 4). Isso identifica, inclusive que o
cálculo das exportações brutas de um país não são mais suficientes para analisar os
padrões de comércio internacional uma vez que podem mascarar a estrutura subjacente
de produção em rede global e exagerar portanto o desempenho das exportações
individualizadas dos Estados.
Além da necessidade de nova métrica econômica de avaliação de desempenho
econômico, tanto os países ricos como os em desenvolvimento enfrentam desafios
políticos sem precedentes. Se a ameaça internacional de guerra declarada entre nações
tornou-se improvável para a maioria dos países, fora algumas poucas exceções, outras
ameaças urgentes surgiram como as provenientes de forças não-estatais disruptivas, tipo
os ataques terroristas; e os problemas associados a causas difusas, de longo prazo,
como as mudanças climáticas. Nesse tipo de contexto geopolítico e ambiental, o líder
econômico, militar e político mundial, os EUA, tem relativamente menos poder do que
teria na Era da Grande Divergência, as ações americanas são frustradas por uma
profunda interdependência global. E outras nações influentes (‘shaper nations’)
(HITCHCOCK; LEFFLER; LEGRO, 2016) também têm condição de influenciar políticas
globais, especialmente países como China, Alemanha, Brasil, Índia, Israel, Rússia e
Turquia.
Seria de se esperar que os EUA tivessem desempenhando um papel positivo na
construção de uma ordem mundial sustentável para o século XXI, mas não é o caso
necessariamente, uma vez que a busca do interesse nacional de longo prazo pode ser
obstruída por muitas circunstâncias. Porém, cresce o impacto das forças políticas
americanas internas, subnacionais, para em muitos casos adiantar políticas mais
arrojadas que as nacionais ou inclusive subjugar o potencial dano de ações lesivas do
governo federal. A retirada recente dos EUA do Acordo de Paris é um exemplo. A
comunidade ambiental americana e os padrões de sustentabilidade, como os de energia
limpa por exemplo, já existentes e aplicados por muitos estados, cidades e empresas
continuarão a surtir efeitos positivos e passam a pautar a agenda sobre temas ambientais
estratégicos, independentemente dos retrocessos no âmbito federal.
Outro ponto significativo a ser considerado é que a governança ambiental social, se não
for bem implementada, pode custar acesso a mercados através de iniciativas
governamentais, privadas, nacionais, estrangeiras, juridicamente vinculantes,
2
negocialmente obrigatórias ou mesmo voluntárias. Confrontos entre empresas
multinacionais e estados-nação crescem em frequência e intensidade, evocando
respostas conjuntas dos setores público e privado (VERNON, 2001, p. viii). Os riscos de
boicotes a serem feitos pelos consumidores, de experimentar perdas de reputação e de
ser responsabilizado jucidialmente pelo não cumprimento de uma determinada conduta
esperada não são os únicos riscos a serem avaliados. Também em termos de
concorrência, as empresas passam a pressionar os seus governos para fazer valer as
regras socioambientais, então denunciam e exigem condenação de concorrentes
praticando concorrência desleal por dumping sócio ambiental por exemplo. E entre si
exigem um “jogo justo” (‘fair play’). Portanto, além do alto desempenho econômico a alta
integridade ética passa a ser fundamental para os negócios globais.
Poliarquia e interdependência
Há alguns anos, apenas os Estados nacionais e as organizações internacionais eram
sujeitos de Direito Internacional Público, podiam ser titulares de direitos e deveres
internacionalmente. Consequentemente, eles eram os únicos com capacidade de agir no
âmbito do Direito Internacional. Além disso, pelos princípios da Igualdade de Direitos e
Autodeterminação dos Povos e da Igualdade soberana dos Estados (UN, 1970), cada
país tem liberdade ilimitada para exercer autoridade soberana dentro de suas fronteiras e
não pode ser coagido por outros a agir de uma determinada maneira na esfera
internacional, onde então prevalece uma anarquia hobbesiana (HOBBES, 1982). A única
exceção neste modelo era quando o próprio Estado concordava, de acordo com um
tratado internacional, por exemplo, a ceder parte de sua soberania a uma organização
internacional, uma autoridade supranacional ou a outro Estado. As violações maciças de
direitos humanos obrigaram o Direito Internacional a iniciar a expansão de seus conceitos
para admitir sujeitos não estatais, como indivíduos que passaram a poder ser condenados
por crimes de genocídio por exemplo.
A interação tecnológica, comercial e informacional em escala global, bem como o impacto
que as ações humanas têm tido sobre o meio ambiente, criam questões que só podem
ser enfrentadas cooperativamente, a exemplo da crise climática. Exigindo dos países
níveis crescentes de coordenação, interdependência e relativização de sua soberania. A
coerção jurídica tradicional nesse contexto se torna escassa ou até impossível de ser
aceita numa negociação internacional, afinal, é raríssimo o caso em que os países
concordam em limitar seus próprios poderes e se submeter a formas de coação caso não
cumpram o acordado. Em virtude disso os instrumentos coercitivos se tornam improváveis
de constar nos tratados internacionais e muito menos de serem implementados para
resolver problemas complexos que envolvam múltiplos agentes, de diferentes países ao
redor do mundo, com interesses conflitantes.
Sendo assim, mais uma vez o conceito de sujeito do Direito Internacional precisa ser
ampliado (DIXON, 2013, p. 121) para abranger qualquer entidade individual, grupal,
governamental ou privada, legalmente reconhecida ou pragmaticamente aceita como
capaz de assumir direitos e obrigações no âmbito internacional. Pois no novo contexto de
interdependência, os Estados compartilham o poder com outras instituições, como
corporações, governos locais, organizações da sociedade civil e indivíduos. Assim, a
demarcação entre Direito nacional e internacional tem ficado cada vez menos clara, o
Direito Internacional clássico está estagnando em termos de quantidade e qualidade,
sendo cada vez mais substituído por uma normatização com impacto internacional,
envolvendo novos atores, novos processos e novos produtos, em áreas que vão desde
finanças e saúde até a regulamentação da internet e do meio ambiente. Afinal no contexto
global, em muitas ocasiões, as estruturas tradicionais de leis formais tornaram-se grilhões
a serem evitados a todo custo pelas nações (PAUWELYN; WESSEL; WOUTERS, 2014,
3
p. 1). Esses autores denominam essa nova forma de normatização internacional de
‘informal international lawmaking’3.
Apenas uma abordagem de Direito Internacional revisada pode responder a um mundo
cada vez mais desigual, com uma miríade de desafios globais. Considerando a pobreza,
por exemplo, os últimos dados globais mostram que 11 em cada 100 pessoas (WORLD
BANK, 2017) vivem abaixo da linha de pobreza internacional (com menos de US $ 1,90
por pessoa por dia). Esses indivíduos estão principalmente na África Subsaariana e
muitos em Estados falidos (HELMAN; RATNER, 1992) onde tensões políticas
persistentes, falta de segurança e incapacidade prática da administração pública de
prestar serviços essenciais aos cidadãos prejudicam o desenvolvimento autônomo e a
juridicidade dentro do próprio país, quanto mais no âmbito regional ou global. Esperar que
tais Estados sejam atores internacionais ativos e ajam de forma contundente para
resolver uma determinada problemática não é condizente com a prática. Assim, frente a
esses números, quem vive em países ricos ou nos com melhor nível de desenvolvimento
tem o direito de não agir? Ajudar essa população pobre é apenas um dever moral,
religioso, assistencialista? Oferecer ajuda financeira e transferência tecnológica é
meramente um ato de filantropia ocasional? ou também pode servir os interesses daquele
que ajuda? Por exemplo, se um país pobre recebe incentivos para adotar uma tecnologia
para produzir energia mais limpa, as empresas sustentáveis do país rico não poderiam se
beneficiar do aumento das vendas e todo o planeta não experimentaria no longo prazo
uma melhora ambiental? Isso não seria uma maximização dos próprios interesses dos
países ricos?
No âmbito interno, nesse mesmo raciocínio, os governos devem oferecer as mesmas
oportunidades a todos, independentemente das diferenças de sua população? Ou, em
alguns casos, as capacidades dos indivíduos (SEN, 1991) precisam ser levadas em
conta, para mitigar algumas diferenças como por exemplo via ações afirmativas?
Seguindo essa lógica, os países que não emitiram quantidades significativas de CO2 no
passado devem enfrentar os mesmos limites para seu desenvolvimento econômico que
aqueles que experimentam uma prosperidade melhor justamente porque praticaram dois
séculos de altas emissões? Esses tipos de questões complexas demandam respostas
jurídicas criativas interdisciplinares, entre direito e economia, por exemplo, e envolvendo
diversos níveis além do tradicional nível internacional no qual as relações entre Estados
soberanos normalmente ocorrem. Outros níveis de normatização emergem como efetivos
para regular as relações internacionais é o caso dos subnacionais, transnacionais e
supranacionais. Além de, nesse novo contexto, os Estados passarem a compartilhar
poder e discricionariedade com outras instituições como corporações, governos locais,
organizações da sociedade civil, etc. Este conjunto altamente heterogêneo de atores e
regras leva a uma distribuição de poder "poliárquica" onde nenhum ator único, nem
mesmo a nação mais poderosa, tem a capacidade de impor sua própria solução sem
levar em conta a visão dos outros (SABEL; ZEITLIN, 2010, p. 15).
Outro ponto desafiante desse novo contexto é a interdependência prática regulada por
uma governança desconectada (PETERSMANN, 2017). Questões de direito difusos
impactam a segurança internacional, por exemplo, e portanto precisam ser pensadas em
conjunto. A escassez cada vez mais drástica de recursos naturais decorrente das
mudanças climáticas, tende a representar riscos à segurança pública e
internacionalmente, criando uma nova categoria de ‘refugiados’, o deslocados ambientais
3
A definição em ingles de ‘international lawmaking’ é : ”‘[c]ross-border cooperation between public
authorities, with or without the participation of private actors and/or international organizations, in a forum
other than a traditional international organization (process informality), and/or as between actors other
than traditional diplomatic actors (such as regulators or agencies) (actor informality) and/or which does
not result in a formal treaty or other traditional source of international law (output
informality)’”(PAUWELYN; WESSEL; WOUTERS, 2012, p. 22)
4
que passam a pressionar a infraestrutura dos países receptores. Alfonso J. Iglesias
Velasco (2009, p. 345) resume a relação umbilical entre o ambiente e a segurança
internacional, reconhece que a relação entre ambiente e segurança sempre existiu, mas
foi exacerbada no século passado como consequência do impacto da tecnologia, do
aumento do consumo de energia e da explosão demográfica . Ele acredita que o objetivo
insubstituível de preservar o ambiente natural pode ser combinado com a necessidade
internacional de segurança, já que ambos os objetivos são complementares e
interdependentes, apesar da constante ameaça representada pelas mudanças climáticas
e pelo aquecimento global (VELASCO, 2009, p. 346).
Os regimes internacionais, servem para propiciar essa articulação multitemática e
complementar. De acordo com Stephen D. Krasner, eles são conjuntos de princípios,
normas, regras e procedimentos de tomada de decisão, explícitos ou implícitos, em torno
dos quais convergem as expectativas dos atores em uma determinada área (2012, p. 93).
Correspondem, portanto, a arranjos institucionais permanentes criados para facilitar o
diálogo, o estudo de problemas e para fomentar a cooperação em torno de objetivos
comuns. Dentro do tema de meio ambiente, existem muitos regimes internacionais.
Segundo Eduardo Viola (2002, p. 26), o Regime Internacional de Mudanças Climáticas é
um dos regimes internacionais mais complexos e relevantes, porque implica profundas
inter-relações entre a economia e o meio ambiente global.
Neste sentido, regimes são espécies de governança, como ensina Alcindo Gonçalves
(2011, p. 43), este último é mais abrangente, correspondendo a totalidade de formas de
resolver problemas comuns, sendo a articulação em regimes apenas uma dessas formas.
Em outras palavras governança é a totalidade das maneiras pelas quais os problemas
comuns podem ser tratados e os regimes internacionais uma das formas possíveis de
promover essa governança global, a governança é gênero enquanto os regimes são
espécies. Ou seja, na medida em que a governança se refere à busca de solução de
problemas comuns e os regimes seriam uma das possibilidades para promover a
governança, “pode-se então argumentar que todos os regimes internacionais representam
ações ou sistemas de governança, mas nem todas essas ações ou sistemas se limitam a
regimes” (GONÇALVES; COSTA, 2011). A cooperação pragmática de múltiplos atores
internacionais na busca de objetivos pelas mais variadas formas de estruturação jurídica,
técnica e administrativa pode ser definida como governança global. Neste contexto, os
regimes internacionais são apenas alguns exemplos deste comportamento cooperativo;
sua estrutura tende a facilitar a cooperação (BIERMANN, 2014, p. 54). Sem eles, no
entanto, também pode haver cooperação desde que existam expectativas convergentes.
Assim, o fato de existirem acordos-quadro explícitos não constitui uma medida necessária
de coordenação de objetivos comuns, mas eles são facilitadores. Além disso, há um
papel fundamental a ser desempenhado pelos governos-chave, a liderança e o empenho
deles pode contribuir para aliviar o problema, ainda que de forma momentânea, da a falta
de representatividade das instituições, tanto internacionais quanto nacionais, na
governança global, refletindo a interdependência entre as empresas e o poder público. Os
avanços em relação às questões complexas que precisam ser gerenciadas de forma
cooperativa exigem dos países níveis crescentes de comprometimento e uma certa
transferência de soberania (YOUNG, 2010, p. 25, 2014, p. 83). Poucas sociedades estão
dispostas a fazê-lo, consequentemente o sistema internacional é dominado por impasses,
avanços pontuais e equilíbrios instáveis. Especialmente no contexto das mudanças
climáticas o cenário é marcado por altos e baixos tanto nos acordos bilaterais como
multilaterais (PAUWELYN; WESSEL; WOUTERS, 2014). Um período de otimismo
político, como os anos 90, pode desaparecer, como ocorreu no período pós-2008, assim,
é crucial também a iniciativa privada aplicar o princípio do desenvolvimento sustentável
para promover mais ativamente as questões ambientais.
5
Dessa forma essa desaceleração na legislação internacional formal foi acompanhada pelo
surgimento de novas formas de cooperação que utilizam diferentes abordagens e
envolvem uma orquestra (ABBOTT, K. W. et al., 2015; BIERMANN et al., 2012; VEN;
BERNSTEIN; HOFFMANN, 2017) de atores e processos, fora da metodologia jurídica
tradicional fragmentada do Direito Internacional (PETERSMANN, 2017). Basicamente,
isso ocorre porque os sistemas jurídicos tradicionais não conseguem lidar com múltiplos
fatores, questões transdisciplinares e interesses difusos não específicos de um país
(PAUWELYN; WESSEL; WOUTERS, 2014). As preferências e possibilidades políticas
das nações têm portanto divergido dos saturados tratados internacionais existentes, ao
passo que uma rede cada vez mais diversificada permite novas formas de colaboração
transcendentes para além dos Estados e por meio de uma sociedade da informação cada
vez mais complexa, onde conhecimento específico significa relevância (PAUWELYN;
WESSEL; WOUTERS, 2014) e portanto poder.
Para responder a esse novo contexto a ‘orquestração’ (ABBOTT, K. W., 2017, p. 5) seria
o modo indireto de governança que se estrutura com incentivos sutis e não controles
obrigatórios. É comum em muitas áreas da governança global e das iniciativas
transnacionais os atores governamentais possuírem autoridade e poder limitados para a
ação direta e coercitiva. Um ‘orquestrador’ (ABBOTT, K. W., 2017, p. 5), paralelamente a
isso, trabalha através de intermediários com pontos de vista semelhante, catalisando
parcerias, incentivando-os e auxiliando-os, orientando suas atividades através de apoio
técnico, organizacional e outros incentivos, visando objetivos comuns concretos
alcançáveis. Um orquestrador também pode contribuir estruturando e coordenando as
atividades dos intermediários, melhorando e agilizando o processo decisório e de
implementação4.
Mesmo entre os organismos públicos, dentro dos estados, novos atores passam a ser
ativos agentes de diplomacia. Eles cooperam com os seus homólogos estrangeiros,
articulam-se com os reguladores, às vezes apoiando interesses nacionais ou desafiando
os que contrariam seus interesses locais ou regionais (FARIAS; REI, 2016). Articulações
entre ministérios das finanças, autoridades de Direito Concorrencial, bancos centrais,
parlamentos, regiões, províncias, estados ou cidades são alguns exemplos. Essa
articulação política feita por atores não-estatais e subnacionais pode ser definida como
paradiplomacia e colabora com a sociedade em rede de diversas e efetivas maneiras
(TAVARES, 2016). Eles afetam a formulação de políticas e restringem as ações dos
agentes, às vezes até melhor do que os próprios tratados tradicionais, afinal, não é
porque algo não é legalmente vinculante que está aquém do abrigo do direito
internacional, que não afeta a formulação de políticas públicas ou a liberdade individual.
Instrumentos não vinculantes ou com modos informais de cooperação entre os novos
atores e / ou de acordo com processos inovadores podem ser tão restritivos - senão mais
do que os próprios tratados tradicionais (PAUWELYN; WESSEL; WOUTERS, 2014, p.
754).
Por exemplo, as recomendações sobre lavagem de dinheiro da Financial Action Task
Force (FATF, 2012) podem ser mais eficazes do que a própria Convenção das Nações
Unidas contra a Corrupção (UN, 2003). Os padrões internacionais de combate a lavagem
de dinheiro, contra o financiamento do terrorismo e à proliferação de armas são
voluntários, no entanto, para que um Estado se torne um membro da força-tarefa, tem
4
Nas palavras do autor: “Orchestration is an indirect mode of governance that relies on soft inducements,
not mandatory controls. It is common in many areas of global governance, where ‘governors’ – from IGOs to
transnational initiatives – possess limited authority and power for hard, direct action. An orchestrator (O)
works through like-minded intermediaries (I), catalysing their formation, encouraging and assisting them, and
steering their activities through support and other incentives, to govern targets (T) in line with the
orchestrator’s goals (O-I-T). An orchestrator can also structure and coordinate intermediaries’ activities,
enhancing ordering” (ABBOTT, K. W., 2017, p. 5)
6
que ter esses padrões convertidos em regras internas juridicamente vinculantes. E a falta
de cooperação com o sistema pode resultar em inclusões em listas negras e até mesmo
em algumas sanções. Este tipo de mecanismo de execução é muito raro no nível
internacional tradicional devido à falta de poder de polícia centralizado e à soberania dos
estados. Então, o padrão normal de conformidade internacionalmente raramente é a
restrição legal. Reputação, reciprocidade, retaliação e consentimento prévio para a
legitimidade das normas são o que normalmente determinam o cumprimento delas ou a
observância de seus preceitos (HOWSE; TEITEL, 2010).
A reputação é um atributo organizacional que reflete como os stakeholders externos veem
a empresa e a valorizam como boa ou ruim. Esta avaliação subjetiva tem muitos efeitos
práticos, como a possibilidade do preço cobrado por produtos e serviços ser maior, bem
como a possibilidade de atrair "os melhores e os mais brilhantes" (FISHMAN, 1998, p. 2)
trabalhadores o que é vital para a sobrevivência e o desenvolvimento de uma empresa no
longo prazo. Roberts e Dowling analisaram empiricamente que a boa reputação é um
bem valioso que permite que uma empresa obtenha uma lucratividade persistente no
longo prazo para sustentar um desempenho financeiro superior (ROBERTS; DOWLING,
2002, p. 1078). A reputação é extremamente relevante para a economia intangível atual,
mas ainda é insuficiente para entender como as regras internacionais se tornam efetivas
e o que é necessário para construir essas "plataformas de orquestração" (VEN;
BERNSTEIN; HOFFMANN, 2017).
O Financial Action Task Force, por exemplo, se define como um "órgão de formulação de
políticas que trabalha para gerar a vontade política necessária para levar a cabo reformas
legislativas e regulatórias nacionais" (FATF, 2012, p. 7). Como desenvolvedor dos
padrões para combater lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e proliferação
de armas de destruição em massa, promove uma "resposta coordenada a essas ameaças
à integridade do sistema financeiro e ajuda a garantir condições equitativas" (FATF, 2012,
p. 7). Também colabora com outras partes internacionais interessadas "com o objetivo de
proteger o sistema financeiro internacional contra o mau uso" (FATF, 2012, p. 7). A
administração deste tipo de "plataformas de orquestração" (VEN; BERNSTEIN;
HOFFMANN, 2017) corresponde a estabelecer metas quantificáveis claras, mecanismos
adequados de monitoramento, revisão ou avaliação e a criação de parcerias convenientes
para assumir compromissos subnacionais e intergovernamentais. Os objetivos e as
métricas permitem avaliar o que está funcionando ou não, para melhor planejar as ações
futuras e investir os recursos além disso, tem uma característica intrínseca colaborativa
que pode favorecer a transparência e a boa governança de muitas maneiras indiretas, se
os interesses políticos não ofuscarem as "decisões tecnocráticas" (VEN; BERNSTEIN;
HOFFMANN, 2017).
As intervenções de governança ambiental estão interconectadas de maneiras diversas e
complexas. As ações em uma área ou em uma escala podem, e muitas vezes, criar
efeitos conexos em outras áreas e escalas numa interdependência complexa (KEOHANE;
NYE, 1998). Os efeitos das intervenções podem ser não-lineares e podem se estender
muito além dos limites ou escopo da intervenção original (VEN; BERNSTEIN;
HOFFMANN, 2017, p. 15). Para desencadear ações coordenadas e efetivas que podem
levar a mudanças transformadoras, as intervenções devem demonstrar: capacidade de
incitar uma dependência procedimental chamada de ‘path-dependencies’ (CASHORE et
al., 2015), com previsões legais, potencial de dimensionamento para contextos mais
amplos, e capacidade para gerar os efeitos positivos desejados de forma duradoura5. Os
5
Nas palavras originais dos autores: “Actions in one area or at one scale can, and often does, create ripple
effects in other areas/scales. The effects of interventions can be non- linear and can extend beyond the
bounds of the original intervention” (VEN; BERNSTEIN; HOFFMANN, 2017, p. 15). To trigger coordinated
and effective actions that can lead to transformative change, interventions must demonstrate: capacity to
7
atores não estatais e subnacionais têm um papel importante para articular tais
"plataformas de orquestração" (Ven et al., 2017), mas também as iniciativas privadas
podem ser muito eficazes.
A busca pela convergência entre Economia, Política e Direito foi o caso dos dois acordos
recentes e muito importantes sobre sustentabilidade: a Agenda de 2030 e o Acordo de
Paris sobre o Clima. Estes documentos são molduras normativas para propiciar o
progresso em direção à Economia Verde. A Agenda 2030 estabeleceu os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável sem fazer recomendações políticas específicas, enquanto o
Acordo de Paris estabeleceu a contribuição nacionalmente determinada de cada estado,
que são os compromissos reais desses Estados para conter as mudanças climáticas.
Ambos estão estruturados para trabalhar lado a lado, como parte de um novo design de
paradigmas focados no desenvolvimento econômico socioambientalmente sustentável, a
‘economia verde’.
Economia Verde
O Relatório Brundtland (WCED, 1987) definiu desenvolvimento sustentável como um
"desenvolvimento que atende as necessidades do presente sem comprometer a
capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias necessidades". A partir
dessa definição, o conceito de desenvolvimento sustentável evoluiu para abranger três
pilares a serem articulados equilibradamente: o econômico, o social e o ambiental. A
partir da Rio + 20, esses conceitos foram ampliados para incorporar o setor privado como
parte da solução consolidando o conceito de economia verde 6.
O PNUMA define a economia verde como a “economia que resulta da melhoria do bemestar e equidade social, com a redução significativa de riscos ambientais e da escassez
ecológica” (UNEP, 2011, p. 2). Em outras palavras, uma economia com baixa emissão de
carbono, uso consciente de recursos e inclusão social. Assim, o crescimento da renda e
da geração de empregos devem ser resultado de investimentos públicos e privados que
também contribuam com a redução das emissões de carbono, da poluição e que
aumentem o aproveitamento dos recursos e da energia a fim de evitar perdas de
biodiversidade e sobrecarregamento dos ecossistemas. Tendo em vista a falta de
competitividade das novas tecnologias, esses tipos de investimentos precisam ser a
princípio apoiados com subsídios, gastos públicos específicos, facilitação dos
procedimentos ou mudanças normativas. A trajetória do desenvolvimento precisa ser
ajustada para manter, aprimorar e, onde for possível, recriar as características naturais
saudáveis, gerando resultados econômicos e benefícios sociais, especialmente para a
incite path-dependencies (CASHORE et al., 2015), with legal lock ins, potential of scaling to broader
contexts, and capacity to generate the desired positive effects in a durable way.
6 Esse conceito de economia verde foi o objetivo da conferência Rio + 20, enquanto o conceito de
desenvolvimento sustentável passou a representar um conjunto mais amplo de diretrizes políticas. A
definição original em ingles de economia verde é: “(…) a green economy can be considered as having low
carbon, and is aware in its use of resources and socially inclusive. In a green economy, income and
employment growth must be driven by public and private investments that reduce carbon emissions and
pollution and increase energy and resource use, and prevent losses of biodiversity and ecosystem services.
These investments need to be generated and supported by specific public spending, policy reforms and
regulatory changes. The development path must maintain, enhance and, where possible, rebuild natural
capital as a critical economic good and as a source of public benefits, especially for the needy population
whose livelihood and security depend on nature. The concept of a "green economy" does not replace
sustainable development, but today there is a growing recognition that achieving sustainability is based
almost entirely on obtaining the right model of economy. Decades of creating new wealth through a "brown
economy" model have not dealt substantially with social marginalization and resource depletion, and we are
still far from achieving the Millennium Development Goals. Sustainability remains a vital long-term goal, but
we need to make the economy greener to get there.” (UNEP, 2011, p. 2)
8
população mais carente, cuja sobrevivência e segurança dependam diretamente da
natureza.
O conceito de “economia verde” não substitui o de desenvolvimento sustentável, um
conjunto mais amplo de diretrizes políticas, porém, há um crescente reconhecimento de
que, para alcançar os objetivos mais abrangentes da sustentabilidade, um apropriado
modelo econômico precisa ser posto em prática. Por décadas a criação de novas
riquezas foi feita por meio da “economia marrom”, modelo esse que não lidou
substancialmente com a marginalização social e do uso inconsequente de recursos
naturais. Em virtude disso, ainda estamos distantes de atingir os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (UN, 2015), assim, os princípios da sustentabilidade
continuam a ser vitais, principalmente no longo prazo, mas há um desafio empírico de
identificar os limites planetários (ROCKSTRÖM et al., 2009) e alterar os paradigmas
econômicos para tornar a economia mais verde para chegarmos mais rápido e
eficazmente a esses objetivos (UNEP, 2011, p. 2). O maior desafio, portanto, é identificar
esses conteúdos ideológicos em sinergia na busca da complementariedade, como
apontado pelo conceito de Economia Verde, consolidado na Rio + 20: desenvolvimento
econômico com responsabilidade social e ambiental. Em adição à necessária redução na
emissão de carbono, esse novo paradigma econômico precisa enfrentar questões como
limites geopolíticos e o princípio da equidade. Na prática, isso corresponde a manter um
nível significativo de crescimento para os países mais pobres, intermediário para os
países em desenvolvimento, e próximo a zero nas sociedades desenvolvidas (UNEP,
2011).
Esse mesmo entendimento foi verificado no conceito de Economia Azul, por Günter Pauli
(2010). O mundo precisa de um novo modelo econômico, o liberalismo jamais conseguiu
distribuir os recursos de modo eficiente. Com efeito, o mercado evoluiu para um sistema
de economias de escala e um constante crescimento em produtividade, o qual tem
gerado reestruturações empresariais que, em certa medida, cartelizaram a maior parte
dos agentes financeiros com maior capacidade para atuar em globalmente, com a
ampliação do nível de endividamento e de ativos intangíveis. Objetivos traçados
cuidadosamente e boas intenções coordenadas em escala global não são suficientes,
para que haja uma efetiva mudança no atual modelo econômico em direção à
sustentabilidade, os governos precisarão subsidiar tecnologias limpas, o setor privado
deverá se adaptar a menores margens de lucros e, por seu turno, os consumidores
deverão pagar mais caro. Essa opção é consistente com o crescimento da renda e da
empregabilidade, mas demanda coordenação e transparência em níveis locais, regionais,
nacionais e internacionais, nos setores público e privado. Assim, como ensina Pauli, é
uma reestruturação pragmática inspirada pelo ecossistema: "a economia azul precisa
expor, e não impor, as inúmeras possibilidades científicas, de modo que um novo e
competitivo modelo econômico possa emergir, o quanto antes melhor (PAULI, 2010, p.
3)."
Nessa mesma orientação os relatórios de governança sócio ambientais (‘Environmental,
Social, and Governance’) tornaram-se uma parte crescente da estratégia de negócios,
repercutindo algumas características reais da economia como na criação de indexadores
financeiros específicos e análise de riscos socioambientais para concessão de créditos
por exemplo. Definir os indicadores corretos para usar na empresa e em um setor,
promover o engajamento das partes interessadas e melhorar as práticas sócio ambientais
das empresas portanto passaram a ser cruciais para determinar a efetividade desses
relatórios para alcançar a sustentabilidade a longo prazo das empresas, evitando assim
passivos de potenciais condenações judiciais ou administrativas, longos litígio e riscos de
reputação que podem eventualmente comprometer o desempenho inclusive financeiro de
uma empresa afastando investidores e melhores oportunidades de crédito.
9
Além da perspectiva econômica financeira de longo prazo, há também uma questão moral
humana por trás de implementar a governança socioambiental: a dignidade das pessoas
depende de como elas têm acesso a um ambiente saudável. Sébastien Jodoin e
Katherine Lofts ilustram como, por exemplo, os Direitos Humanos são interdependentes
dos aspectos ambientais (“Economic, Social, and Cultural Rights and Climate Change: A
Legal Reference Guide”, 2013, p. 5). Para citar um exemplo, o aumento do nível do mar
gera no meio ambiente enchentes, mares altas, erosões, salinização, isso impacta a vida
das pessoas causando perda de terras, afogamentos, falta de água potável, doenças,
perdas na infraestrutura costeira, menos terra agricultável, lesando, portanto, uma
sequencia de direitos como o direito à vida, à saúde à propriedade, à autodeterminação
dos povos, ao acesso a água de qualidade, entre outros.
Medir de forma confiável a eficácia das ações da empresa e comparar o desempenho da
governança socioambiental das empresas ainda é algo a ser melhorado. Isso revela a
demanda por pesquisas mais empíricas sobre os resultados concretos das ações
específicas adotadas pelas empresas e uma maior integração da sustentabilidade
socioambiental no processo de planejamento estratégico. Essa abordagem mais ampla
aceleraria concretamente a mudança necessária dos padrões de produção atuais para
novos paradigmas, seguindo uma forma estruturada de governança socioambiental
global. Mas pelo contrário, as deficiências institucionais e o enfraquecimento do poder
soberano têm impedido esforços mais contumazes de transição para uma estrutura
econômica mais sustentável ao mesmo tempo em que uma sensação de frustração e
desespero com a falta de tempo e com o efeito tímido das medidas tomadas até agora
têm prevalecido entre a maioria dos especialistas. As dificuldades decorrem
principalmente do fato de que o meio ambiente é um bem de uso comum e que se
enfrenta um conjunto desafiador de características.
Tragédia dos comuns, problemas ultra-complexos e emotivismo
O meio ambiente é um bem de uso comum do povo 7; portanto, todos estão interessados
e são responsáveis pela conservação dos recursos naturais e pelo controle de
externalidades negativas, tais como vazamentos transfronteiriços e poluição. Mas a
evidência de se tratar de interesse e responsabilidade comuns muitas vezes não é
suficiente para inspirar ações coletivas. Pelo contrário, a colaboração, se não estimulada
por regras e mecanismos, tende a se limitar ao interesse próprio dos agentes gerando
inações ou a continuidade de soluções desvantajosas para todos8. Esta situação é
conhecida como "a tragédia dos comuns".
A tragédia dos comuns é um conceito popularizado por Garret Hardin em um artigo
histórico (HARDIN, 1968) e implica que a existência de um objetivo ou interesse comum
não é suficiente para forçar um grupo de indivíduos a participar de ações coletivas,
mesmo que os efeitos dessa colaboração sejam benéficos para todos os membros de um
grupo, o que raramente o é. Em outro texto, o mesmo autor aplica esse conceito para
justificar a não ajuda aos pobres. Na sua opinião, o planeta é como um bote salva-vidas:
se tentarmos salvar muitas pessoas, afunda e todos morrem (HARDIN, 1974).
7 O art. 225 da Constituição estabelece: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. (CF, 1988)
8 A atitude de maximização dos interesse individuais de curto prazo faz com que se priorizem os lucros,
isso impede os investimentos em tecnologias mais limpas e econômicas pois elas tendem a ser mais caras
que as tradicionais, este é um exemplo de inação, mas também pode haver o pior, um agravamento dos
caminhos insustentáveis de exploração dos bens ambientais de forma inconsequente focada no curto prazo
e comprometendo a manutenção da atividade no longo prazo.
10
Em resposta a isso, Mancur Olson escreveu um livro paradigmático no qual conclui que a
ação coletiva pode ocorrer em grupos pequenos ou onde há coerção ou incentivos
seletivos para os indivíduos, reforçando os interesses do grupo. Como nenhum membro
individual de um grupo tem um impacto decisivo no resultado final e a pressão social é
improvável, os jogadores, como as empresas que atuam em um mercado, por exemplo,
não têm motivos para se organizar em busca da preservação de bens comuns. Nesse
sentido, o envolvimento efetivo só é viável se houver um comprometimento de várias
partes interessadas com transparência e cooperação em vários níveis, institucional,
municipal, local, regional e sob a supervisão ativa dos próprios stakeholders (OLSON,
1971, p. 15).
Assim, nesse contexto, as unidades de governança menores ligadas pelas redes de
monitoramento são o modelo mais viável, uma vez que as grandes soluções negociadas
a nível mundial tornam-se absolutamente ineficazes se não houver apoio de iniciativas
policêntricas com ações locais. Por exemplo, mesmo que todos os Estados membros das
Nações Unidas concordem em buscar metas de desenvolvimento sustentável, esse
esforço global será comprometido se as iniciativas subnacionais não transmitirem esses
princípios genéricos em ações, especialmente a nível local.
Elionor Ostrom, de forma complementar, pensa que os conflitos sobre o ecossistema e os
problemas ambientais podem ser resolvidos com base na análise de arranjos
institucionais bem-sucedidos. Ela identifica oito princípios fundamentais: (1) limites
claramente definidos; (2) congruência entre as regras de uso e responsabilidade; (3)
acordos de escolha coletiva, como metas voluntárias e obrigatórias; (4) monitoramento;
(5) sanções; (6) mecanismos de resolução de controvérsias; (7) reconhecimento dos
direitos organizacionais; e (8) iniciativas e empreendimentos coerentes e bem
fundamentados, formando empresas aninhadas ('nested enterprises') (OSTROM, 1990, p.
80).
Kelly Levin, Benjamin Cashore, Steven Bernstein e Graeme Auld ampliaram o conceito da
tragédia dos comuns para identificar a necessidade de ultrapassar as escolhas racionais
individuais haja vista as preferências inconsistentes no tempo (muitas vezes os indivíduos
escolhem algo ruim a longo prazo que seja bom no curto prazo ou acatam mudanças para
solucionar problemas menos urgentes e negligenciam uma questão de vida e morte). Em
virtude disso os autores recomendam uma abordagem orientada para conseguir
implementar uma dependência procedimental (‘path-dependency’) de modo a influenciar
as condutas no sentido de se alcançarem objetivos comuns. "Quase nenhum país ou
acordo intergovernamental desenvolveu políticas consistentes com essa evidência
científica, e é esse fato que consideramos irracional" (BERNSTEIN; CASHORE, 2012, p.
123). Muitos indivíduos podem discordar de definições, conceitos, valores, mas estarem
perfeitamente de acordo sobre a necessidade de procedimentos e políticas seguindo as
lógicas causais características de processos, esse caminho institucional pode ajudar e ser
bem efetivo para restringir o comportamento futuro dos agentes e para alcançar os
benefícios sociais desejáveis no longo prazo.
A falta de coerência entre os interesses individuais e coletivos e entre o curto e longo
prazo é verificável mesmo quando há evidências científicas a respeito de um determinado
problema. Por um lado ela é causada pela característica do bem comum ser marcado
pela falta de ambiente propício à coordenação coletiva, mas, por outro lado, é também
gerada por uma questão peculiar principalmente nas causas ambientais e consumeristas
que implicam em direitos difusos, sendo impossível determinar especificamente quais são
as pessoas impactadas, além da complexidade de potencialmente impactar gerações
presentes e futuras. Sendo assim, diante dessa realidade, soluções simples são
insuficientes para problemas complexos.
O conceito de ‘problemas assombrados’ é usado para designar problemas tão complexos
que a palavra perverso (‘wicked problems’) é usada no conceito em inglês criado por Rittel
11
e Webber (1973) para designar dez características: 1- não há uma formulação única e
definitiva: depende da percepção da própria pessoa tentando resolver o caso; 2- não há
fim: não há critérios para uma compreensão completa, suficiente para abarcar do começo
ao fim; 3- as soluções são polivalentes, não dicotômicas, não há apenas verdadeiro ou
falso, bom ou mal, mas sim uma miríade de possibilidades melhores ou piores
dependendo do referencial; 4- é impossível testar antes a solução: a ação é realizada
durante o processo de implementação e enfrenta seus efeitos imediatamente; 5- cada
solução é definitiva e tem que ser implementada de uma vez, porque é impossível
aprender por tentativa e erro uma vez que todas as ações deixam vestígios que não
podem ser desfeitos; 6- existe um conjunto infinito de soluções; 7- cada problemática é
única; 8- cada problema é um sintoma de outro; 9- há sempre várias maneiras de explicar
esse tipo de problema; e 10 - eles afetam o bem-estar de muitos (RITTEL; WEBBER,
1973, p. 161–167).
Levin, Cashore, Bernstein e Auld (2012) expandem este conceito para ‘problemas superassombrados’ (‘super-wicked problems’), adicionando novos critérios à definição: 1- falta
de tempo, 2- a participação daqueles que estão buscando a solução no agravamento do
problema, 3- a ineficácia das autoridades centrais e a condução irracional dos jogadores
na perspectiva de longo prazo. Assim como Hardin e Ostrom argumentaram que para a
solução da tragédia dos comuns, são necessários novos arranjos institucionais para lidar
com esse tipo de problemas contemporâneos, caracterizados 1) por sistemas não lineares
em que todos interagem de maneira imprevisível, 2) são afetados reflexivamente por
todas as ações, e 3) enfrentam a tendência humana de superexplorar os recursos. Nesse
sentido, deve ser estabelecido um novo conjunto de ferramentas políticas e técnicas de
análise consistentes com essas características. Uma estratégia de pesquisa com o
objetivo de encontrar explicações simplistas, generalistas e resolutivas é simplesmente
inadequada para problemas com características ultra complexas. Um objetivo mais
adequado é identificar possíveis intervenções políticas e explicar formas como o problema
e as intervenções podem se desenvolver ao longo do tempo (BIERMANN et al., 2012, p.
130).
A produção voltando-se para o modelo de cadeias globais de valor e a prolífica criação de
normas por parte de agentes privados ao mesmo tempo que se torna lucrativa, atendendo
às necessidades das corporações transnacionais e coordenando os interesses de
entidades não-governamentais e dos consumidores. Mas o que também pode ocorrer e
tem sido frequente é o uso do princípio da precaução e impasses ideológicos sobre o que
se entende por sustentabilidade. Nem mesmo os argumentos baseados na ciência são
indiscutíveis. Uma diversidade de pontos de vista, forma o pluralismo atual "não é uma
mera condição histórica que em breve passará", é "uma característica permanente da
cultura pública das democracias modernas" (RAWLS, 1987, p. 4). Mas, na política, há
uma separação entre os meios e os objetivos, mesmo que as pessoas não concordem
com os fins, elas ainda podem articular os melhores meios para lidar com uma
determinada situação, neste sentido, os meios podem ser tratados como bens primários,
eficazes para prevenir injustiças, violência e abuso. E, consequentemente, uma das lições
mais importantes da modernidade é ser possível viver sob regras comuns que seguem
uma base moral, mesmo sem compartilhar uma visão de mundo abrangente ética ou
religiosa a respeito do que é o bem (POGGE, 1989, p. 34).
Isso é básico porque os pressupostos da moral, como o que é certo ou errado, têm um
caráter análogo à teologia na distinção entre pecado e virtude. O mesmo acontece com
as opiniões políticas, as pessoas podem argumentar para sempre usando os mesmos
argumentos e, dessa forma, o problema nunca será resolvido, porque ninguém muda seu
ponto de vista e ninguém efetivamente espera que a outra parte o faça. Apesar de esses
argumentos usarem razões, deduções de lógica e fatos científicos e, mesmo
apresentando o argumento certo ou mais lógico, eles são insuficientes para convencer a
12
outra parte que assume uma posição defensiva do seu ponto de vista, o que MacIntyre
chama de emotivismo. Assim, uma das características mais marcantes da expressão
moral contemporânea é que é usada para expressar desentendimentos intermináveis.
Parece não haver uma maneira racional de garantir o acordo moral em nossa cultura
(MACINTYRE, 2007, p. 7).
Por outro lado, é difícil aceitar que estamos em uma situação de oba-oba (‘hurray boo’),
que se argumenta simplesmente para ganhar empatia ou para criticar os adversários.
Consequentemente, a lógica e a razão normalmente ainda são usados para justificar,
tanto um lado como o outro do argumento 9. Sendo assim, ainda que as pessoas não
concordem com os objetivos, conceitos e valores, é perfeitamente possível que elas
cheguem a um acordo sobre os procedimentos e medidas que pragmaticamente precisam
ser tomadas para resolver um problema. Esses procedimentos e medidas pragmáticos
precedem e sucedem os indivíduos. MacIntyre define-os como práticas: "atividade
humana cooperativa socialmente estabelecida através da qual os bens internos a essa
atividade são realizados"10 (MACINTYRE, 2007, p. 187–188). São atividades de
cooperação muito complexas que dependem da virtude das pessoas envolvidas, e
virtudes são "qualidades humanas adquiridas que nos permite alcançar esses produtos
internos às práticas"11 (MACINTYRE, 2007, p. 197).
Nesse mesmo sentido Mandrew J Hoffman, para analisar como a cultura molda o debate
sobre mudanças climáticas estudou a área de Ciências Sociais e o porquê de algumas
pessoas aceitarem os dados científicos sobre mudanças climáticas e outras não. A
conclusão foi que a compreensão pública sobre as mudanças climáticas não é
prejudicada pela falta de informação, mas por uma recusa intencional de compreender
(HOFFMAN, 2015, p. 27). Portanto, o debate sobre mudanças climáticas não é sobre
dióxido de carbono e gases de efeito estufa, mas sobre oposição a valores culturais e a
diferentes pontos de vista e visões de mundo. Esta referência axiológica serve como um
filtro pelo qual a informação científica é analisada.
Como é de se esperar, quando diferentes grupos observam a mesma ciência com essas
lentes culturais opostas, veem realidades opostas. O desafio de melhorar o debate
público e político sobre o meio ambiente não é simplesmente científico, é também sobre a
comunicação da ciência e da ciência em si pois todas as pessoas estão limitadas pelo
tipo e pela quantidade de informações a que têm acesso, bem como à capacidade
cognitiva que têm para processar essa informação. Seria simplesmente impossível
investigar minuciosamente todos os assuntos que encontramos. Então, confiamos em
certas fontes porque elas dão credibilidade para resumir os problemas para nós. Por isso,
uma das maneiras de suscitar suspeitas no debate público sobre o clima é minar a
credibilidade da fonte. Afinal, existem basicamente três tipos de discursos neste tema:
ambientalistas, políticos e cientistas. Muitos opositores da ciência do clima, por exemplo,
acreditam que as políticas ambientais são secretas e constituem desculpas para intervir
no mercado e diminuir a liberdade dos indivíduos (HOFFMAN, 2015, p. 27). Por outro lado
alguns extremistas temem que os ambientalistas liderem a agenda para desmantelar o
capitalismo (Hoffman, 2015, p.8).
Essa paixão dicotômica do contra ou a favor não contribui para os avanços necessários
na temática ambiental e todos os agentes acabam se sentindo derrotados. A visão
9 Nas palavras originais do autor: “Emotivism thus rests upon a claim that every attempt, whether past or
present, to provide a rational justification for an objective morality has in fact failed (…) What emotivism
however did fail to reckon with is the difference that it would make to morality if emotivism were not only true
but also widely believed to be true (…) implying an appeal to an objective and impersonal standard (…)”
(MacIntyre, 2007, p.19)
10
Tradução livre feita pela autora de: “practice are socially established cooperative human activity through
which goods internal to that activity are realized” (MACINTYRE, 2007, p. 187–188)
11
Tradução livre feita pela autora de: “virtues are acquired human quality that enable us to achieve those
goods which are internal to practices” (MACINTYRE, 2007, p. 197).
13
simplista é tão apaixonante quanto incompetente para resolver problemas complexos. As
decisões que são necessárias são cada vez mais difíceis de serem tomadas, portanto, os
graus irreconciliáveis de oposição não servem a um debate construtivo. O melhor é
promover um envolvimento eficaz de múltiplos atores e interessados para incitar um
debate qualificado com dados empíricos e cientificamente verificados para favorecer a
reconciliação entre economistas, ambientalistas e políticos. Não há solução milagrosa a
ser prescrita, a sociedade tem que fazer escolhas e decidir-se informada e consciente de
quais são as consequências de suas decisões. E para alcançar uma convergência,
mesmo que seja precária e temporária, a divergência precisa ser organizada (Hoffman,
2015, p.37)
Portanto, para governar a conexão e interdependência muito profunda entre indivíduos
emotivos, devemos nos concentrar em promover essas práticas cooperativas construídas
sobre as virtudes e, portanto, é impossível escapar da política e em tal cenário, os
vencedores e os perdedores sempre disputarão, às vezes ferozmente. O papel das
normas neste contexto é criar uma dependência procedimental que atenuem na prática a
injustiça, a violência, o abuso e evite discrepâncias irreconciliáveis, permitindo um tipo de
concertação ou ajustamento dos interesses em prol da eficácia. Assim é necessário um
novo paradigma jurídico para lidar com esses tipos de problema e características da
sociedade. Levin, Cashore, Bernstein e Auld (2012) recomendam a dependência
procedimental; Esty (2006) sugere globalizar o direito administrativo. Essas alternativas
serão explicadas abaixo, mas a necessidade de encontrar uma maneira de governar essa
complexidade é inquestionável.
Práticas para influenciar a governança internacional
Nessa realidade, o consenso sobre os objetivos a serem atingidos e controles sobre o
cumprimento ou não dos agentes é uma filigrana desnecessária e improvável. O alto grau
de conformidade e consentimento pode indicar, por exemplo, que uma norma não é
ambiciosa o suficiente e que portanto é inócua e ineficiente para mudar o comportamento
dos atores. Para detalhar o que Bernstein e Cashore recomendam como dependência
procedimental imagine-se uma abordagem de causalidade e, idealmente a criação de
normas que possam instituir procedimentos travados, difíceis de serem alterados,
eficazes para instigar a adesão de grupos de interesse diversos de maneira imediata e
com mecanismos processuais que evitem a reversibilidade imediata caso outros grupos
eventualmente cheguem ao poder. O objetivo é articular um maior suporte ao longo do
tempo e expandir os indivíduos em favor da desses procedimentos, mesmo entre aqueles
que se opuseram no princípio. Nesse modelo, uma norma pode ser considerada
"influente" (melhor do que ser efetiva, de acordo com os autores) e alterar eficientemente
os comportamentos que causam os problemas super-perversos. Uma mudança de foco
para "conformidade" e "eficácia" a fim de "influenciar" facilita a análise dos efeitos
combinados desses esforços nacionais, regionais, internacionais e transnacionais em
torno de firmes políticas e práticas duradouras (BERNSTEIN; CASHORE, 2012, p. 587).
Esses autores destacam um quadro de quatro caminhos de influência (não "eficácia"):
intervenções nos mercados; regras internacionais; normas e discursos com efeito
internacional; e acesso direto aos processos de política interna (BERNSTEIN; CASHORE,
2012, p. 587). Nesse contexto, múltiplas formas de influenciar podem ser sinérgicas,
sobrepostas, contrariando-se ou concordando com as autoridades. Ao fazê-lo, a
complexa governança global, focada em ser influente, interage com um tipo de soberania
mais flexível, em que outros agentes regionais e locais também participam. Os autores
identificaram quatro caminhos para influenciar o comportamento, mas podem haver mais
e que sejam interdependentes.
14
Detalhando melhor cada um deles, o primeiro, o mecanismo de mercado, estimula
mudanças no comportamento dos agentes ou na política através de incentivos
econômicos ou desincentivos, ao internalizar no preço dos produtos e serviços as
externalidades negativas, por exemplo, aumentando assim a competitividade daqueles
que sejam mais eficientes e menos degradantes ao meio ambiente. Além disso, as
demandas dos consumidores por melhor qualidade justificam margens melhores de
preços para produtos com rótulos sustentáveis, que atestem a conformidade da empresa
com os padrões voluntários de sustentabilidade ou outras formas de certificação.
Idealmente, os mecanismos de mercado funcionam melhor se acompanhados de políticas
públicas mais amplas, para que sejam eficientes a longo prazo e não apenas mudanças
pontuais paliativas na agenda de discussões, sem um verdadeiro compromisso efetivo
dos produtores.
O segundo tipo, as regras internacionais (tratados internacionais típicos e também
decisões e recomendações) tendem a moldar as respostas domésticas, que os países
articularão para um determinado problema, mesmo que essas tratativas internacionais
não tenham conteúdo juridicamente vinculantes e formas de coerção. O importante é
causar nos agentes o efeito da opinio juris, ser percebido pelos agentes como obrigatório,
juridicamente ou eticamente. O terceiro caminho é o acesso direto a incentivos para
capacitação, transferência tecnológica e assistência técnica, com o objetivo de
proporcionar aos atores privados e aos funcionários do governo uma melhor participação
no mercado de forma mais sustentável. E o quarto caminho apontado pelos autores é que
as normas internas nacionais e até subnacionais podem produzir efeitos suficientemente
fortes para moldar as ações dos agentes da economia estruturada em cadeias globais de
valor.
Este quadro de referência desloca o foco das condições para que determinados atores ou
instituições ajam efetivamente, para condições para que eles exerçam influência ao longo
de determinados caminhos (BERNSTEIN; CASHORE, 2012, p. 587), capacitando atores
transnacionais e instituições internacionais a múltiplos papéis. Um dos caminhos inclusive
pode ser fornece suas instalações e equipe para facilitar a congregação de atores
governamentais, sub-nacionais e multinacionais para interagirem, promovendo também a
expertise e o desenvolvimento de uma infra-estrutura própria e a capacitação de pessoal
para a criação de regras, verificação de conformidade e certificação "ao longo do caminho
tipo um, mas também aprendendo e promovendo novas normas de comportamento
apropriando-se ao longo do caminho dois, ou construindo coalizões que podem ser
importantes ao longo dos caminhos três e quatro”12 (BERNSTEIN; CASHORE, 2012, p.
587).
Nessa mesma direção de compromissos processuais para conduzir à governança global,
Daniel Esty sugere a implantação de um conjunto de ferramentas de Direito
Administrativo para equilibrar a necessidade de uma cooperação internacional estruturada
com a tensão política implícita a qualquer instituição global. O Direito Administrativo tem
sido tradicionalmente utilizado no contexto doméstico, deve ser ampliado para atingir
metas internacionais e ser informado pela elaboração de políticas a nível internacional
(ESTY, 2006, p. 1490). Este quadro regulamentar orientado para o mundo deve ser
implementado a nível nacional pelas nações influentes (‘shaper nations’) (HITCHCOCK;
LEFFLER; LEGRO, 2016). Esses países estão em posição de coordenar seu próprio
desenvolvimento com a mitigação de problemas compartilhados e eles têm a autoridade
política para contribuir não só com a ordem local, mas também regional e mundial.
Esta maneira de governança supranacional, com o direito administrativo nacional de um
país afetando a vida de cidadãos de outros Estados soberanos é muito menos
12
Tradução livre feita pela autora do trecho: “along path one, but also learning about and promotion of new
norms of appropriate behavior along path two, or coalition-building which may be important along paths
three and four” (BERNSTEIN; CASHORE, 2012, p. 587)
15
democrática, mas eficaz em um mundo de interdependência. Esty reconhece algumas
maneiras de resolver as desvantagens de falta de legitimidade e alcançar uma
cooperação internacional estruturada nessa legitimidade processual: "conhecimento e
capacidade de promover o bem-estar social; a ordem e a estabilidade previstas pela lei;
freios e contrapesos; deliberação estruturada; e (...) princípios e práticas de direito
administrativo”13 (ESTY, 2006, p. 1490). Um exemplo deste tipo de governança complexa
pode ser mostrado nos recentes acordos internacionais Agenda 2003 e Acordo de Paris.
A lógica de ambos os acordos está focada no caminho para influenciar os países em
direção aos paradigmas da economia verde. Se esses documentos serão influentes o
suficiente para manter o aquecimento global abaixo dos 2 graus da era pré-industrial e,
assim, evitar a extinção humana, ainda é uma incógnita. Mas esse tipo de governança
complexa parece ser o melhor tipo disponível para lidar com o emotivismo, os problemas
ultra complexos e com a tragédia dos comuns característicos principalmente na área
ambiental.
Conclusões
O conceito de "Tragédia dos Comuns" ainda é útil para analisar os problemas ambientais,
mas a sua complexidade aumentou ainda mais devido à característica de problemas
super-complexos e ao emotivismo de hoje em dia, marcado por visões políticas
irreconciliáveis. A falta de um poder soberano internacional supranacional representa
desafios para a governança global, mas, por outro lado, não há viabilidade para outras
medidas além de compromissos voluntários nacionais que, mesmo a princípio sendo
voluntários, tornam-se depois de declarados oficialmente, obrigatórios para os Estados
em uma escala global.
As organizações internacionais desempenham um papel fundamental na governança
global para a sustentabilidade norteadas na Agenda 2030 e no Acordo de Paris. Tais
agentes estão em melhor posição para servir como um fórum de discussão e podem
coordenar a cooperação no sistema jurídico internacional anárquico, onde todos os
Estados têm sua própria soberania, não havendo autoridade central para impor regras
aos outros e resolver disputas entre agentes com poderes equivalentes.
Outros níveis de governos sub nacionais, empresas privadas, academia e sociedade civil
têm uma tarefa coletiva a desempenhar: identificando os possíveis caminhos de influencia
para alcançar o desenvolvimento ambiental, social e econômico. Os recursos, a
experiência técnica e a representação democrática devem ser combinados, para construir
este novo paradigma econômico atendendo às necessidades globais de resolução de
problemas, uma rede bem orquestrada para lidar com padrões de consumo, energia,
alimentação, trabalho, urbanização, mídia social, resiliência, etc. Sendo assim, apenas
uma certeza, será um período profundamente desafiador até 2030.
Referências
ABBOTT, K. W. et al. Two Logics of Indirect Governance: Delegation and Orchestration.
ResearchGate, [S.l.], 2015. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/268926143_Two_Logics_of_Indirect_Governan
ce_Delegation_and_Orchestration>. Acesso em: 25 jun. 2017.
______. Orchestration: Strategic Ordering in Polycentric Climate Governance.
ResearchGate, [S.l.], 2017. Disponível em:
13
Tradução livre do trecho: “expertise and the ability to promote social welfare; the order and stability
provided by the rule of law; checks and balances; structured deliberation; and, (…) principles and
practices of administrative law.” (ESTY, 2006, p. 1490)
16
<https://www.researchgate.net/publication/317552167_Orchestration_Strategic_Ordering_
in_Polycentric_Climate_Governance>. Acesso em: 25 jun. 2017.
BALDWIN, R. The Great Convergence: Information Technology and the New
Globalization. Cambridge, Massachusetts: Belknap Press: An Imprint of Harvard
University Press, 2016.
BERNSTEIN, S.; CASHORE, B. Complex global governance and domestic policies: four
pathways of influence. International Affairs, 1 maio. 2012. v. 88, n. 3, p. 585–604.
BIERMANN, F. et al. Transforming governance and institutions for global sustainability:
key insights from the Earth System Governance Project. Current Opinion in
Environmental Sustainability, fev. 2012. Open issue. v. 4, n. 1, p. 51–60.
______. Earth System Governance: World Politics in the Anthropocene by Frank
Biermann. [S.l.]: MIT Press, 2014.
CASHORE, B. et al. The Role of Market Forces Across Multiple Pathways. In: PANWAR,
R.; KOZAK, R.; HANSEN, E. (Org.). Forests, Business and Sustainability. London ;
New York: Routledge, 2015.
CF. Constituição da República Federativa do Brasil. . 1988.
DIXON, M. Textbook on International Law: Seventh Edition. 7 edition ed. Oxford:
Oxford University Press, 2013.
Economic, Social, and Cultural Rights and Climate Change: A Legal Reference
Guide. New Haven, CT, USA: CISDL, GEM & ASAP, 2013.
ESTY, D. C. Good Governance at the Supranational Scale: Globalizing Administrative
Law. Yale Law Journal, 2006. v. 115, p. 1490–1562.
FARIAS, V. C.; REI, F. Reflexos jurídicos da governança global subnacional. a
paradiplomacia e o direito internacional: desafio ou acomodação. Revista de Direito
Internacional (Brazilian Journal of International Law), 5 ago. 2016. v. 13, n. 1.
Disponível em: <https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/rdi/article/view/3642>.
Acesso em: 31 maio 2017.
FATF. The FATF Recommendations. [S.l.], 2016. 2012. Disponível em: <http://www.fatfgafi.org/publications/fatfrecommendations/documents/fatf-recommendations.html>.
Acesso em: 13 jun. 2017.
FISHMAN, C. The War for Talent. Fast Company, [S.l.], 31 jul. 1998. Disponível em:
<https://www.fastcompany.com/34512/war-talent>. Acesso em: 20 jun. 2017.
GONÇALVES, A.; COSTA, J. A. F. Governanca Global E Regimes Internacionais.
Cincias Humanas e Sociais edition ed. [S.l.]: Almedina, 2011.
HARDIN, G. The Tragedy of the Commons. Science, 13 dez. 1968. v. 162, n. 3859, p.
1243–1248.
______. Lifeboat Ethics: The Case Against Helping the Poor. Psychology Today, 1974.
p. 800–812.
17
HELMAN, G. B.; RATNER, S. R. Saving Failed States. Foreign Policy, 1992. n. 89, p. 3–
20.
HITCHCOCK, W. I.; LEFFLER, M. P.; LEGRO, J. W. (Org.). Shaper Nations: Strategies
for a Changing World. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2016.
HOBBES, T. Leviathan. Harmondsworth: Penguin Books, 1982.
HOFFMAN, A. J. How Culture Shapes the Climate Change Debate. 1 edition ed.
Stanford, California: Stanford Briefs, 2015.
HOWSE, R.; TEITEL, R. Beyond Compliance: Rethinking Why International Law Really
Matters. Global Policy, 1 maio. 2010. v. 1, n. 2, p. 127–136.
KEOHANE, R. O.; NYE, J. S. Power and Interdependence in the Information Age. Foreign
Affairs, 1998. v. 77, n. 5, p. 81–94.
MACINTYRE, A. After Virtue: A Study in Moral Theory, Third Edition. 3rd edition ed.
Notre Dame, Ind: University of Notre Dame Press, 2007.
OLSON, M. The Logic of Collective Action: Public Goods and the Theory of Groups,
Second printing with new preface and appendix. Revised edition ed. Cambridge,
Mass.: Harvard University Press, 1971.
OSTROM, E. Governing the Commons: The Evolution of Institutions for Collective
Action. 1st edition ed. Cambridge ; New York: Cambridge University Press, 1990.
PAULI, G. A. The Blue Economy: 10 Years, 100 Innovations, 100 Million Jobs. Taos,
NM: Paradigm Publications, 2010.
PAUWELYN, J.; WESSEL, R. A.; WOUTERS, J. Informal International Lawmaking.
[S.l.]: OUP Oxford, 2012. Google-Books-ID: 9O5vwKKnjiIC.
______; ______; ______. When Structures Become Shackles: Stagnation and Dynamics
in International Lawmaking. European Journal of International Law, 1 ago. 2014. v. 25,
n. 3, p. 733–763.
PETERSMANN, E. U. Multilevel Constitutionalism for Multilevel Governance of
Public Goods: Methodology Problems in International Law. Oxford ; Portland, Oregon:
Hart Publishing, 2017.
POGGE, T. W. Realizing Rawls. 1 edition ed. Ithaca: Cornell University Press, 1989.
RAWLS, J. The Idea of an Overlapping Consensus. Oxford Journal of Legal Studies,
1987. v. 7, n. 1, p. 1–25.
RITTEL, H. W. J.; WEBBER, M. M. Dilemmas in a General Theory of Planning. Policy
Sciences, 1973. v. 4:2 (1973:June), p. 155–169.
ROBERTS, P. W.; DOWLING, G. R. Corporate reputation and sustained superior financial
performance. Strategic Management Journal, 1 dez. 2002. v. 23, n. 12, p. 1077–1093.
ROCKSTRÖM, J. et al. Planetary Boundaries: Exploring the Safe Operating Space for
Humanity. Ecology and Society, 18 nov. 2009. v. 14, n. 2. Disponível em:
18
<https://www.ecologyandsociety.org/vol14/iss2/art32/main.html>. Acesso em: 20 ago.
2017.
SABEL, C. F.; ZEITLIN, J. (Org.). Experimentalist Governance in the European Union:
Towards a New Architecture. 1 edition ed. Oxford: Oxford University Press, 2010.
SEN, A. K. On Ethics and Economics. Reprint edition ed. Oxford: Wiley-Blackwell, 1991.
STEPHEN, D. KRASNER, Causas Estruturais e Consequências dos Regimes
Internacionais: Regimes como Variáveis Intervenientes. In Revista de Sociologia e
Poltica Curitiba vol n 42 junho, 2012. v. 20.
TAVARES, R. Paradiplomacy: Cities and States as Global Players. [S.l.]: Oxford
University Press, 2016. Google-Books-ID: yVCsDAAAQBAJ.
UN, U. N. A/RES/25/2625 - Declaration on Principles of International Law concerning
Friendly Relations and Co-operation among States in accordance with the Charter of the
United Nations - UN Documents: Gathering a body of global agreements. . 24 out. 1970.
______. United Nations Convention against Corruption. . 2003.
______. Agenda 2030. Disponível em:
<http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/70/1&Lang=E>.
UNEP, U. N. E. P. (Org.). Towards a green economy: pathways to sustainable
development and poverty eradication. Nairobi, Kenya: UNEP, 2011.
UNFSS, U. F. On S. S. POLICY BRIEF: Fostering the Sustainability of Global Value
Chains (GVCs). UNFSS, [S.l.], 11 abr. 2017. Disponível em:
<https://unfss.org/2017/04/11/fostering-the-sustainability-of-global-value-chains-gvcs/>.
Acesso em: 11 jun. 2017.
VELASCO, A. I. La seguridade Internacional y la protección del medio ambiente: el caso
del cambio climático. In El Cambio Climático en el Derecho Internacional y Comunitario.
Remiro Brotns A Fernndez Eds Bilbao Fundacin BBVA, 2009.
VEN, H. Van Der; BERNSTEIN, S.; HOFFMANN, M. Valuing the Contributions of Nonstate
and Subnational Actors to Climate Governance. Global Environmental Politics, 18 fev.
2017. v. 17, n. 1, p. 1–20.
VERNON, R. In the Hurricane’s Eye: The Troubled Prospects of Multinational
Enterprises. New Ed edition ed. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 2001.
VIOLA, E. O regime internacional de mudança climática e o Brasil. Revista Brasileira de
Ciências Sociais, out. 2002. v. 17, n. 50, p. 25–46.
WCED, W. C. On E. And D. Our Common Future. Nosso Futuro Comum. Brundtland
Report. [S.l.]: [s.n.], 1987. Disponível em: <http://www.un-documents.net/wced-ocf.htm>.
WORLD BANK. Poverty and Shared Prosperity 2016. World Bank, [S.l.], 13 abr. 2017.
Text/HTML. Disponível em: <http://www.worldbank.org/publication/poverty-and-sharedprosperity/en>. Acesso em: 13 abr. 2017.
YOUNG, O. R. Arrested Development: the Climate Regime. MIT, 2010.
19
YOUNG, O. R. The Effectiveness of International Environmental Regimes: Existing
Knowledge, Cutting-edge Themes, and Research Strategies. In: BETSILL, M. M.;
HOCHSTETLER, K.; STEVIS, D. (Org.). Advances in International Environmental
Politics. [S.l.]: Palgrave Macmillan UK, 2014, p. 273–299.
20
21