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Oiccionario político y social del mundo iberoamericano I.S.B.N.: 978-84-259-1599-4 91~JlI, Introducción Javier Fernández Sebastián, Director Civilización João Feres Júnior, Editor Iberconceptos Universidad dei País Vasco Euskal Herriko Unibeftsitatea UNlVERSIDAD DEL P AÍS VAs co/EUSKAL HERRIKO UN IBÉRTSITATEA I BE RCON CEPTOS CENTRO DE ESTUDIOS POLÍTICOS y CONSTITUCIONALES Los editores de esta obra expresan su agradecimiento aI Grupo Santander por el apoyo recibido para su difusión. Centro de Estudios Políticos y Constitucionales Plaza de la Marina Espanola, 9 28071 Madrid http://www.cepc.es Catálogo general de publicaciones oficiales http://www.060.es Quedan rigurosamente prohibidas, sin la autorización escrita de los titulares de! copyright, bajo las sanciones establecidas en las leyes, la reproducción total o parcial de esta obra por cualquier medi o o procedimiento, comprendidas la reprografía y el tratamiento informático. © ]AVIER FERNÁNDEZ SEBASTIÁN (dir.) © De esta edición, 2014: UPV/EHU © De esta edición, 2014: CENTRO DE ESTUDIOS POLÍTICOS y CONSTITUCIONALES NIPO: 005-14-046-6 (CEPC) l.S.B.N.: 978-84-259-1598-7 (Obra completa) l.S.B.N.: 978-84-259-1599-4 (Tomo 1) Depósito legal: M-23010-2014 Diseno de cubierta: ÁREA GRÁFICA ROBERTO TURÉGANO Imagen cubierta: «Carte nouveIle de la mer du Sud», de Andries de Leth Fotocomposición e impresión: COMPOSICIONES RALI, S.A. Costa, 12-14, 7a planta 48010 Bilbao SUMARIO Relaci ón general d e autores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 Cuadro sinóptico de voces y autores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 Abreviaturas y siglas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 INTRODUCCIÓN. T IEMPOS DE TRANSICIÓN EN EL ATLÁNTICO IBÉRICO. CON- Fernández Sebastián . . . . . . . 25 Agradecimientos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 CEPTOS POLÍTICOS EN REVOLUCIÓN, por Javier CIVILIZACIÓN Rel ación de autores de es te tomo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 Fernández Sebastián . . . . . . . . 81 o CONCEITO DE CIVILIZAÇÃO: UMA ANÁLISE TRANSVERSAL, por João Feres J únior. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 PRESENTACIÓN DEL PRIMER TOMO, por Javier 1. ARGENTINA/Río DE LA PLATA Genevieve Verdo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 2. BRASIL João Feres Júnior - Maria Elisa Noronha de Sá. . . . . . . . . . . . . . . . . 123 3. CARIBE/ ANTILLAS HISP Anas Consuelo N aranjo Orovio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 141 4. CENTROAMÉRICA Sajid Alfredo Herrera Mena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 157 5. CHILE Gabriel Cid - Isabel Torres Dujisin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 169 6. COLOMBIA/NuEVA GRANADA Carlos Villamizar Duarte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185 7 DICCIONARIO pOLÍTICO Y SOCIAL DEL MUNDO IBEROAMERICA::\O 7. ESPANA Javier Fernández Sebastián . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 8. MÉXICO/NuEVA ESPANA Guillermo Zermefio Padilla. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 9. 263 VENEZUELA Luis Ricardo Dávila - Luis Daniel Perrone 8 251 URUGUAy/BANDA ORIENTAL Ariadna Islas Buscasso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 12. 233 PORTUGAL Fátima Sá e Melo Ferreira - Sérgio Campos Matos. . . . . . . . . . . . .. 11. 217 PERÚ MareeI Velázquez Castro 10. 201 277 CENTRO DE ESTUDIOS POLÍTICOS Y CONSTITUCIONALES Consejo Editorial Luis Aguiar de Luque José Álvarez Junco Paloma Biglino Campos Bartolomé Clavero Euas Díaz Cannen Iglesias Santos Juliá Francisco J. Laporta Benigno Pendás García Francisco Rubio Uorente Ángel Sánchez Navarro Joan Subirats Humet Joaquín Varela $uanzes-Carpegna María Isabel Wences Simon Diccionario político y social deI mundo ibero americano Conceptos políticos fundamentales, 1770-1870 [Iberconceptos-11] Introducción general aI volumen 11 Civilización tomo 1 ]AVIER FERNÁNDEZ SEBASTIÁN (DIRECTOR) Universidad deI País Vasco / Euskal Herriko Unibertsitatea Centro de Estudio s Políticos y Constitucionales Madrid,2014 o CONCEITO DE CIVILIZAÇÃO: UMA ANÁLISE TRANSVERSAL João FeresJúnior ., ~ C'est le sem de ce mot, son sens général, humain, populaire, qu 'il faut étudier. Il y a presque toujours, dans!'acception usuelle des termes les plus généraux, plus de vérité que dans les définitions en apparence plus précises et plus rigoureuses de la science. François Guizot A ssim como outros conceitos do nosso léxico, o de civilização é usado até os dias de hoje. O artigo The clash o/ civilizations? de Samuel P. Huntington (1993), que serviu de base para o livro em cujo título o ponto de interrogação já não mais aparece!, assim como os atentados de 11 de setembro de 2001 ajudaram muito a ativar debates onde o termo tinha um papel fundamental. Huntington previa que o contexto pós-Guerra Fria seria marcado pelo conflito entre grandes blocos culturais (cristão, muçulmano, hindu, coniucionista, etc.), e acusava a cultura muçulmana-árabe de ser particularmente avessa aos valores fundamentais do Ocidente cristão, como o pluralismo e a democracia. A despeito do uso do termo civilização no título das obras e também de sua aparição nos referidos debates, o observador atento notaria que, na verdade, o conceito mais operacional nos argumentos trocados é o de cultura. Civilização, assim, opera mais como um slogan, urna buzzword. Escreve Huntington na primeira página do artigo: «[ ...] as grandes divisões da humanidade ... serão culturais >,2. Logo depois define civilização como «uma entidade cultura},,), ou em maior detalhe: «Uma civilização é, portanto, o mais alto agrupamento cultural e a mais abrangente identidade cultural que os povos têm [...},4. A literatura crítica sobre o conceito de civilização, assim como a leitura dos verbetes sobre o conceito de civilização que compõem o presente léxico, mostra que essa dependência do conceito de cultura não existia nos séculos XVIII e XIX, quando civilização foi definida abundantemente por meio de referências diretas a aspectos materiais, políticos e morais dos povos. A evolução semântica do conJ Samuel L. HUNTINGTON, The Clash ofCivilizations and the Remaking ofWorld Order, N ueva York, Sirnon & Schuster, 1996. I Samuel L. HUNTINGTON, «The Clash of Civ'ilizations ?», Foreign Affairs 72/ 3 (1993), pp. 22-49. J HUNTINGTON, «The Clash of Civilizations?», p. 23. , HUNTINGTON, «The Clash of Civilizations?», p. 23. 85 DICCIONARlO POLÍTICO Y SOCIAL DEL MUNDO IBEROAMERICANO ceito de civilização até os dias de hoje mostra uma peculiaridade interessante quando comparada à de outros termos do vocabulário social e político. A partir do século XIX e principalmente ao longo do século xx parte significativa do vocabulário social e político foi recebida pelas ciências sociais, que se desenvolveram nesse período. Os conceitos, que já eram empregados na linguagem comum, ganharam assim uma camada semântica extra como termos técnicos e analíticos. Esse é o caso de Estado, direito e justiça, entre muitos. Alguns termos, contudo, não foram plenamente incorporados pelas ciências sociais; esse parece ser o caso de civilização. O termo cultura, seu parente semântico e hoje concorrente em muitas línguas modernas, tornou-se o principal conceito analítico da antropologia e mais recentemente dos Cultural Studies, além de ter sido adotado por uma miríade de outras disciplinas como a história, sociologia e ciência política. Já o termo civilização foi apropriado somente por alguns historiadores, o mais recente c ilustre talvez seja Fernand Braudel (1994). A tentativa de Huntington de ressuscitar o uso do termo civilização de modo analítico encontrou enorme resistência. Por que as coisas tomaram esse caminho? A resposta talvez repouse no fato de o termo civilização não conseguir facilmente cumprir o papel de termo técnico, ou seja, despido de julgamentos de valores, à maneira como requerem as ciências sociais behavioralistas e pós-behavioralistas. Como bem nota Brett Bowden (2009b), tal conceito reúne elementos descritivos e valorativos. Talvez o fato de o conceito ter sido usado tantas vezes como justificativa de projetos colonialistas tenha selado seu destino de marginalidade nas ciências humanas; essa é uma hipótese consonante à interpretação de Bowden. Nosso próprio projeto Iberconceptos pode servir de contraexemplo. Hipoteticamente, ele poderia ser cognominado Projeto de História Conceitual da Civilização Ibérica, mas tal título sequer foi aventado pelos membros do grupo. Apesar da origem europeia, a experiência americana foi também responsável pelo destino do conceito de civilização, não somente na língua inglesa, mas também no português e espanhol- ainda que esse desenvolvimento histórico e semântico não tenha sido suficientemente explorado pela literatura especializada, algo que torna a presente iniciativa ainda mais meritória. O presente ensaio pretende ser uma reflexão sobre a história desse conceito nos países onde essas duas línguas ibéricas são faladas, no período que vai de 1750 a 1870. Mais especificamente, ele será baseado nos verbetes sobre o conceito de civilização compostos por: Genevieve Verdo (Argentina), João Feres Júnior e Maria Elisa Noronha de Sá (Brasil), Consuelo Naranjo Orovio (Caribe-Antilhas), Sajid Alfredo Herrera Mena (América Central), Isabel Torres e Gabriel Cid (Chile), Carlos Villamizar Duarte (Colômbia), Javier Fernández Sebastián (Espanha), Guillermo Zermeno (México), MareeI Velázquez Castro (Peru), Fátima Sá e Melo Ferreira e Sérgio Campos Matos (Portugal), Ariadna Islas Buscasso (Uruguai) e Luis Ricardo Dávila e Luis Daniel Perrone (Venezuela). I João FeresJúnior CIVILIZAÇÃO - O CONCEITO DE CIVILIZAÇÃO: UMA ANÁLISE TRANSVERSAL As teses acerca do desenvolvimento semântico do conceito de civilização levantadas pela literatura crítica são muitas e não totalmente congruentes, e quase todas versam sobre experiências europeias. Um exame detalhado delas tomaria todo este ensaio e mais. Assim, no presente texto pretendo examinar os desenvolvimentos semânticos ocorridos no mundo de fala ibérica à luz de alg{1mas dessas teses, somente aquelas que parecem mais relevantes. Prosseguirei então da seguinte maneira: na próxima seção elencarei as teses que considero mais relevantes a~ estud? do conceito de civilização no Mundo Ibérico, adicionando a elas questoes adVIndas da metodologia da história conceitual, que, a meu ver, são capazes de emprestar poder sintético e clareza à análise. FORTUNA CRÍTICA Na introdução do livro Civilisatian: le mat et l'idée, Henri Berr detecta o caráter duplo, descritivo e valorativo, do termo civilização, para logo em seguida de~lar que os ensaios que compõem o livro rejeitam o segundo, ou seja, o valo:at~vo, e seu conteúdo subjetivo. Trata-se de fazer um estudo da palavra e das Idelas, segundo eleS. Outros tantos autores identificaram o duplo caráter do termo. Interessa aqui particularmente aqueles que refletiram sobre o conceito ou a ideia, e não aqueles que o utilizaram de maneira naturalizada, como uma p~lavr que descreve algo no mundo de maneira incontroversa - o que podemos chamar de tratamento instrumental do termo. O propósito do presente estudo, assim como o dos verbetes, é fazer uma história do conceito, tanto de seu uso normativo c.omo do descritivo. Tal posição já é em si nutrida por um espírito cético, que dUVIda de que um termo dotado de tamanha carga normativa possa se constituir em um descritor de algo no mundo de maneira incontroversa. Muitos autores que estudaram o conceito de ci vilização adotaram démarche similar. O próprio livro Czvzlzsatzon: le mat et l'idée é um exemplo; As Máscaras da Civilização, de Jean Starobinski (2001), é outro. Mesmo autores que usam o conceito de maneira instrumentai no seu trabalho, como ferramenta de análise, como Fernand Braudel (19~) e Norbert Elias (1982), sentiram-se premidos a fazer uma introdução refletIndo sobre a evolução semântica do conceito. . ~.posiçã cét!ca defendida aqui em tudo se coaduna com a metodologia da hlstona dos conceItos. Isto é, o paradigma da história conceitual evita a cilada de ter de optar pelo aspecto descritivo ou normativo dos conceitos. Os elementos descritivos e normativos são tomados como partes da semântica do conceito, e, portanto, 5 Lueien FEBVRE, MareeI NlAuss, Émile TONNELAT e Alfredo NrcEFORo, Civilisation: le mot et l'idée, Paris, Renaissance du livre, 1930, p. XII. . R7 DICCIONARIO POLÍTICO Y SOCIAL DEL MUNDO IBEROAMER I CANO como objetos a serem estudados. Também não precisamos nos ater à separação entre objetivo e subjetivo, própria do paradigma cartesiano, pois a inspiração feno. menológica embutida na história conceitual foca a experiência e a construção da linguagem através de um processo social de atribuição de significado intersubjetivo, que nunca é totalizante ou propriamente objetivo, pois se encontra fracionado como a própria sociedade. Assim, a história conceitual rejeita a busca da univocidade e da perfeição conceitual, que hoje são comuns nas ciências humanas e sociais, especialmente naquelas que perseguem, mesmo que reto ricamente, o modelo das ciências naturais, tais como amplos setores da sociologia e da ciência política. É contra essa concepção que as abordagens de Reinhart Koselleck (1996) e de Quentin Skinner (1969), para citar apenas os nomes mais célebres, pleiteiam a necessidade de se resgatar a linguagem em seus múltiplos usos e significados. A história conceitual, da maneira como a concebeu Kosel1eck, é especialmente bem equipada para detectar os aspectos normativos da linguagem. Três das quatro hipóteses básicas, adotadas na feitura da Geschichtliche Grundbegriffe, prestam-se a esse serviço: a temporalização (Verzeitlichung), que corresponde à disposição de inserir conceitos políticos e sociais modernos na filosofia da história, esquematizados teleologicamente e divididos em períodos, fases e estados de desenvolvimento; a ideologização (f deologisierbarkeit), que corresponde a um processo de aumento do «grau de abstração de muitos conceitos que já não são capazes de refletir a mudança dos acontecimentos ou as transformações sociais», daí, por exemplo, o surgimento de singulares coletivos como história, direito ou mesmo civilização; e a politização (Politisierung) do vocabulário social e político, que redunda na nova u tilização de conceitos como «armas de guerra» em batalhas ideológicas entre classes, grupos de status e movimentos sociais 6 • A hipótese da democratização (Demok ratisierung), ou seja, a expansão progressiva da penetração social do uso de conceitos sociais e políticos, não será tratada aqui pelo simples fato de que o des enho da pesquisa não nos permite testá-la de maneira satisfatória, pois para tal precisaríamos ter instrumentos para avaliar a circulação social dos termos. Além das hipóteses de Kosel!eck, desejamos perguntar se algumas das teses defendidas por autores que estudaram o conceito de civilização na Europa se aplicam aos casos dos países de fala ibérica. Vamos começar aqui pelas tes es acerca da semântica do conceito propriamente dita. Da literatura secundária acerca do tema despontam pelo menos quatro definições fundamentais do conceito de civilização. São elas: 1) ato de civilizar; 2) modelo ou padrão; 3) processo; 4) expressão da nacionalidade. em Otto BRUNNER, Werner CONZE e Reinhart Ko Geschíchtliche Grundbegriffe; historisches Lexikon zur politisch-sozíaien Sprache in pp. V-XXXVI. Deutschland, Sruttgart, E. Klett, 1 972~1, b Reinhart KOS ELLECK, «Einleitung», SELLECK, 00 João Feresfúnior CIVILIZAÇii.o - O CONCEITO DE CIVILIZAÇÃO: UMA ANÁLISE TRANSVERSAL o primeiro significado, o de ato de civilizar, é notado por Javier Sebastián na primeira aparição do termo em língua espanhola, em texto d e autoria do padre jesuíta Juan José Delgadó acerca de algumas tribos filipinas. Delgado chama de bárbaros os costumes daqueles que ainda se recusavam a vivir en polida, acrescentand o que tais tribos parecem fugir daquilo que conduz a su a civilizaçã07. O ensaio de Delgado apareceu em 1754, ou seja, dois anos antes da publicação de L 'ami des hommes de Mirabeau - obra que é reputada por muitos comentadores como a primeira aparição do termo em língua europeia. A evidência proporcionad a por Fernández Sebastián é sólida e revela um viés francocêntrico da literatura secundária oupelo menos um possível preconceito contra a língua espanhola. Se formos para além do mero emprego lexical, notamos que o significado estrito de ato de civilizar adotado por Delgado é muito mais antigo do que seu século. O verbo civilizar já era usado desde o final da Idade Média em francês e estava presente nos principais dicionários das línguas neolatinas produzidos no século XVIII, ou seja, bem antes do vocábulo civilização, que passa a ser u sado com mais frequência em francês, inglês, e logo em seguida nas principais língu as neolatinas 8 (com exceção do italiano) somente a p artir do último quarto do século XVIII • A partir do descobrimento do Novo Mundo, ou seja, já a partir do século XVI, o projeto de «civilizar» os indígenas foi muitas vezes aventado. Mesmo que o verbo usado nem sempre tenha sido esse, de radical civil-, o significado era o mesmo: fazer, se necessário com o uso da forç a, que os indígenas passassem a viver em cidades, regidas por leis civis e por costumes cristãos, ist o é, arrancá-los da prática de supostos costumes bárbaros, como o canibalismo e a poligamia, e submetê-los ao governo civil português 9 • No Plano de Colonização dos índios do Brasil, feito pelo jesuíta Manoel da Nóbrega, o termo usado era «aldeamento»lo. As Reducciones paraguaias, implantadas algumas décadas depois, foram projetos em tudo similares ll . Ao analisar a história do conceito de civilização na França, Raymonde Monnier diz que nos anos de 1760 e 1770 o termo já era usado em duas acepções 7 J avier FERNÁNDEZ SEBASTIÁ..'1, «The Concept of Civilization in Spain, 1754-2005: From Progress to Idenriry», Contributions to the History ofConcepts 4/1 (2008), pp. 81-1 05, cita em p. 84. 8 Lucien FEBVRE et al., Civilisation; Sandro CHIGNOLA, "Civis, civitas, civiJitas: Translations in Modern Italian and Conceptual Change", Contributions to the History of Concepts 3/2 (2007), pp. 234-253. 9 José ErSENBERG, As missões jesuíticas e o pensamento político moderno; encontros culturais, aventuras teóricas, Belo Horizonte, UFMG, 2000. 10 Serafim LEITE, Manoel DA NOBREGA e Antóni o VIEIRA, Novas cartas jesuíticas (de Nóbrega a Vieira), São Paulo, Editora Nacional, 1940. 11 Barbara Arme GANSON, The Guaraní under Spanish ruie in the Río de la Plata, Stanford, Staruord University Press, 2003. 89 DICCIONARlO POLÍTICO Y SOCIAL DEL MUNDO IBEROAMERlCANO modernas, perfectiva e imperfecriva; a primeira é a que chamamos aqui de «modelo ou padrão», segundo a qual o termo descreve o alto grau de desenvolvimento de uma nação, e a segunda designa um processo dinâmico e gradual, segundo o qual uma sociedade primitiva avança em direção a estágios mais elevados, por meio do desenvolvimento moral e materiap2. Aqui nos deparamos com um problema interpretativo interessante, que em grande medida tem a ver com a imprecisão do uso do conceito de «moderno» como ferramenta analítica. Seria o ato de civilizar dos jesuítas do século XVI um conceito moderno? Ou somente as definições modelar e de processo, que a autora atribui ao século XVIII, merecem essa designação? A noção de temporalização de Koselleck pode nos ajudar a responder a essa questão. Como notou com propriedade Anthony Pagden, as etnologias dos povos do Novo Mundo feitas pelos padres catequistas, como Bartolomé de Las Casas (1967) e José Acosta (1977), por exemplo, continham um germe de temporalização 13 . Havia nelas já teorias de estágio e a possibilidade de passagem de um estágio a outro superior, como é o caso explicitado na retórica dos defensores dos projetos de aldeamento. Havia também a percepção nítida de um padrão ou modelo, representado pela catolicidade europeia, que ocupava o ápice da escala, aspectos que não escapam a Pagden. Ao mesmo tempo, contudo, a temporalização não era clara e inequívoca, como mais tarde, no Século das Luzes, se tornaria, pois esses esquemas conviviam com a ideia de Juízo Final, uma interrupção abrupta do tempo que em si é destituída de imanência histórica, pois depende da intervenção extemporânea de Deus no mundo. O que os padres portugueses e espanhóis começaram a fazer foi traduzir diferenças culturais (usos e costumes) em diferenças temporais (primitivismo, atraso, etc.), abrindo assim a possibilidade para um amplo leque de argumentos morais que vão da justificação do colonialismo à refutação da tese da escravidão natural dos indígenas1+. Assim, não me parece recomendável assumirmos que os significados de modelo e de processo sejam em si modernos, se por modernos entendemos conceitos insuflados por uma concepção temporal de história imanente, nutrida pela ideia de perfectibilidade humana e aberta ao progresso sem fim determinado!s. Nem as concepções de Mirabeau ou mesmo de Guizot se encaixam perfeitamente nesse 12 Raymond MONNIER, «Usages d'un couple d'antohymes au 18e siecle: la civilisation et son revers, la barbarie», Dix-Huitiême Siêcle 40 (2008), pp. 523-543. 13 Anthony PAGDEN, The Fa!l of Natural Man: the American lndian and the Origins of Comparative Ethnology, Cambridge e New Y ork, Carnbridge University Press, 1982. H João FERES JÚNIOR, «Polítical Philosophy, Ethnology, and Time: A Study of the Notion of Historical Handicap», Kriterion 105 (2002), pp. 19-42. 15 Karl L6WITH, Meaning in History, Chicago e Londres, Phoenix Books-The University of Chicago Press, 1949. João FeresJúnior CIVILIZAÇÃO - O CONCEITO DE CIVILIZAÇÃO: UMA ANÁLISE TRANSVERSAL critério. Mas se isso é verdade, então devemos esperar encontrar em nossas fontes significados dotados de concepções diversas de temporalidade, tanto as pré-Iluministas quanto as mais afeitas ao espírito das Luzes. Isso é consonante com a tese de Koselleck acerca da contemporaneidade do não contemporâneo: o acúmulo de experiência histórica na linguagem faz com que em um dhdo tempo convivam noções com diferentes concepções de temporalidade. Dessa maneira, antes de determinar a temporalização do conceito a priori, como uma consequência natural de algum suposto Zeitgeist, temos que analisar cada uso para avaliar a concepção de temporalidade nele imbricada. Em suma, os significados de ato, de modelo e mesmo de processo já estavam presentes antes do nosso período de análise. O que não havia era uma concepção de temporalidade propriamente secularizada, linear e não teleológica, como descrita por Karl Lowith (1949), concepção essa que é em grande medida também adotada por Koselleck como um dos signos da modernidade. Uma leitura mesmo que cursiva dos verbetes mostra que o grau em que o conceito de civilização é interpenetrado por essa nova noção temporal varia muito de exemplo para exemplo de uso. Claramente ligado ao processo de temporalização do conceito está o de ideologização. Aqui temos um fato peculiar que atinge o conceito em questão, pois se por um lado ele parece já ter nascido como um singular coletivo, por outro passou por um processo de pluralização que não ocorreu com outros conceitos. Ou seja, quase como um processo inverso ao que foi descrito por Koselleck, de uma civilização passou-se a falar-se de várias civilizações, a grega, a romana, a asteca, a espanhola, a brasileira, etc., como não deixa de notar Braudel (1994). Isso não significa que o uso da fórmula singular despareceu, muito pelo contrário, ele passou a conviver com os usos plurais, não raro em tensão com eles. Essa tensão entre singular e plural, que está presente tanto nos trabalhos de Guizot ([1828J 1985) corno nos de Arnold Toynbee (1934), só para citar dois nomes muito influentes na propagação do uso do termo, é também notada nas análises da semântica do conceito feitas por L ucien Febvre, N orbert Elias, Jean Starobinski e Brett Bowden. Febvre afirma que a versão singular é sempre feita da perspectiva de um eu coletivo que se coloca como superior e, portanto, dotado dos quesitos morais e materiais modelares, enquanto que o uso plural, em sua época defendido mormente por etnólogos, tenta colocar em pé de igual valor as diferentes culturas 16 . Bowden argumenta que o singular coletivo serviu de esteio ideológico para um sem número de projetos coloniais (2009a). Em uma formulação que sabe a Hegel, Starobinski defende que o surgimento do conceito de civilização, no singular, é produto da tomada de consciência do Ocidente de si mesmo, ou seja, de um ato 16 Lucien FEBVRE et aL, Civilisation. 91 DICCIONARIO POLÍTICO Y SOCIAL DEL MUNDO IBEROAMERICANO reflexivo que produz a autoconsciência e a partir daí é capaz de nomear outras civilizações ao mesmo tempo que se coloca como superior a todas elas!7. Avaliação parecida já havia sido feita por ELias ao anotar que o conceito de civilização serve para que o Ocidente se jacte como superior a outros povos no tocante a uma miríade de aspectos morais, culturais e técnicos, e assim justifique seus projetos de conquista e colonização. O autor escreve: «O lema 'civilização' conserva sempre um eco da Cristandade Latina e das Cruzadas de cavaleiros e senhores feudais»!8. Uma faceta importante da ideologização é sua interação com as diferentes definições básicas do conceito. A civilização como ato de civilizar o bárbaro ou selvagem pode muito bem ser articulada a urna teoria de estágios, com um modelo no ápice que corresponde ao estágio mais excelente. Nesse caso podemos ter boas justificativas para projetos coloniais, como de fato ocorreu na primeira onda do colonialismo europeu já citada aqui, ainda antes da consolidação do termo civilização. Mesmo uma temporalização «pré-moderna» foi capaz de gerar um horizonte de expectativas onde se justifica arrancar o selvagem de seus modos bárbaros para colocá-lo em um estágio superior, mesmo que esse estágio não seja ainda o modelo. A definição modelar pode, por seu turno, prescindir de uma teoria de estágios e ser usada em oposição binária à barbárie. Tal uso é muito comum em justificativas mais severas de erradicação da barbárie ou mesmo na fórmul a mais branda de «clube de nações civilizadas», muito comum no século XIX, inclusive em nossa amostra. Por fim, a definição de civilização como expressão da nacionalidade coloca a ideologização em um patamar diferente daquele pensado por Koselleck1 9 , pois não se trata mais de propor aquilo que ainda não é por meio da construção de uma narrativa unilinear da históri a universal, mas sim de proj etar um devir que corresponde à realização do espírito de um povo, de uma nação. Assim, a pluralização do conceito não se faz sem negar a positividade da civilização ou mesmo seu aspecto universal, mas sim ao se reclamar para um determinado modus vivendi nacional o valor de contribuição inestimável a esse processo de desenvolvimento de toda a humanidade. Mas o aspecto da ideologização só é bem entendido se a ele juntarmos a politização do conceito de civilização. Aqui também temos algo muito interessante, Jean STAROBINSKI, «La palabra civilisation», Revista Prismas 3 (1999), p. 31. Norbert ELIAS, O processo civilizador: uma história dos costumes, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1990, p. 67. 19 Segundo Koselleck, ideológico é o tipo de discurso que projeta um futuro que ainda não é parte da experiência do presente. Em sua análise do advento da modernidade tal operação é ligada ao surgimento de conceitos cada vez mais gerais e até universais. Reinhart KOSELLECK, Futures Past: On the Semantics of Histoncal Time, Carnbridge e Londres, The MIT Press, 1985, pp. 255-275. 17 18 92 João Feres Júnior CNlLlZAÇÃO - O CONCEITO DE CIVILIZAÇÃO: UMA A."IÁLrsE TRANSVERSAL pois por toda sua história o conceito de civilização - assim com? vocá?ulos que foram seus diretos predecessores históricos, como cristão, políCla, pohdez, refinamento, etc. - tem sido usado como o elemento positivo de um par de contraconceitos assimétricos que tem «bárbaro», e a partir do século XVI também ~ «selvagem», no polo negativ0 20 • Do ponto de vista metodológico, o interesse aqUI repousa no fato de que a hipótese da politização foi pensada por. ~oselck para a análise de conceitos-chave, ou seja, daqueles que se tornam cruCIaIS para o entendimento e o auto entendimento de uma comunidade política21. Não há reflexão teórica, contudo, acerca da aplicabilidade dessa hipótese para o caso de contraconceitos assimétricos. Qual seria problema em fazê-lo? A resposta t em a ver com o termo «assimétrico", definido pelo autor corno a condição em que um grupo nomeia e outro é nomeado, e o grupo nomeado é, ao ~e:o tempo, i~ca­ paz de reagir ao ato de nomeação. Daí advém o caráter aSSlmetnco. Ou seJa, o grupo nomeado está quase sempre fora da comunidade política, sej: por ser marginal a ela ou por se tratar de povos que vivem em países est:a ngelr~s. Será que poderíamos falar de politização nesse caso? Parece-me ~ue ald~ aSSim, no caso do conceito de civilização, essa hipótese pode ser produtIva, partlcularmente nos casos de consumo interno, ou seja, quando o conceito é usado para nomear grupos de pessoas que habitam a nação, mas não estão plenamente integrados à comunidade política (indígenas, negros, camponeses, a plebe, etc.). Em outras palavras as lutas em torno da incorporação ou não de parcelas da população ao sist:ma político geralmente se travam em torno do significado de contraconceitos assimétricos, na definição dos limites entre o Eu coletivo e seus outros. ° CIVILIZAÇÃO NA AMÉRICA o que podemos dizer acerca da evolução semântica do conceito de civilização nos diversos países da América? O ATO DE CIVILIZAR E O MODELO Quando Guizot publica suas conferências sobre o tema da civilização no ano de 1830, o conceito já estava sofrendo um processo de temporalização em algumas línguas europeias de seu tempo. No entanto, em nossa mostra de texto não é muito comum encontrar evidências de temporalização explícita do conceito antes 20 Reinhart KOSELLECK, Futures Past: On the Semantics Df Historical Time, Cambridge e Londres, The MIT Press, 1985, pp. 155-191. 21 KOSELLECK, «Einleitung», pp. I-IV. 93 DICCIONARIO POLÍTICO Y SOCIAL DEL MUNDO IBEROAMERICANO dessa data. Isto é, os usos mais comuns do conceito de civilização até quase a metade do século XIX estão associados ao que se denominou «significado modelar»: a civilização é concebida simplesmente como um modelo a se imitar, europeu, da vida em cidades, regida por leis e em conformidade com a polícia e a cortesia. Não é raro também encontrar o conceito associado à religião cristã e à educação. Outro significado presente é o de «ato de civilizar». Tal significado já se faz presente no verbete civilización no Diccionario Castellano de 1786: «Acción de civilizar y domesticar a algunos pueblos silvestres: la civilización de los Brasilenos fue muy difícil para los misioneros»22. É interessante notar que o exemplo dado pelo Dicionário não vem da América Espanhola, mas do Brasil. Esse mesmo significado se observa nas vozes de outros países do Mundo Ibérico. O ato em si, em seu sentido mais concreto, se refere à solução prática do «problema indígena»; porém, quando esse projeto vem mesclado à missão religiosa de conversão de indígenas pagãos, ele tende a ser justificado mais pelos ditados da fé e por questões práticas de governabilidade do que por razões inerentes a uma concepção imanente da história. É compreensível que os primeiros usos da palavra «civilização» se refiram ao «ato de civilizar». Sabemos que o verbo «civilizar» começou a ser utilizado antes da aparição da palavra civilização, como fartamente documentado pela literatura crítica. Além disso, o projeto de «aldeamento» dos indígenas como medida para sua cristianização foi articulado pelos jesuítas no Brasil já no século XVI e depois se espalhou para outros lugares. Para que a conversão fosse exitosa, os indígenas eram obrigados a abandonar sua vida na selva, com seus costumes «bárbaros», para viver em aldeias, povos pequenos sob o domínio dos sacerdotes. Isto é, a reforma do espaço social e da sociabilidade se implantou como uma medida com objetivos temporais e espirituais. Encontramos o mesmo projeto, por exemplo, em Vicente Carvallo, que, ao discorrer sobre os indígenas chilenos, escreveu que é necessário «reduzir a população, para que, vivendo em civilização e sujeitos à legislação, sejam úteis ao Estado e aptos para receber as impressões da verdade evangélica»23. O autor desconhecido de «Notícias dos campos de Buenos Aires e Montevidéu para Sua disposição», dirigida ao rei em 1803, sugere também a pregação do Evangelho, João Feres Júnior para promover «a extinção de bandidos e foragidos que inundam aqueles campos; a civilização política e moral de seus habitantes; a propagação legal da espécie humana (... ). Estes são objetos que nós propomos para a cura daquela Babilônia»24. E esse significado adentra o século XIX e é adotado em textos que tratam da questão da civilização. Podemos encontrá-lo nos Âpontamentos para a ci1Jilização dos Índios bravos do Império do Brasil escritos por José Bonifácio25 e também na Venezuela, organizando o projeto da Ley sobre Reduccíón y Cívilización de Indígenas, de 184126 • o ato de civilizar, com o decorrer dos anos, passa também a ser expresso por meio de esquemas temporais advindos das Luzes, como na passagem abaixo já de meados do século XIX: A Araucania, filha do atraso e da ignorância, resta constrangida de estupidez e imperícia, se coloca em movimento, atrevendo a se dirigir contra as formas de civilização, levantando seu grito selvagem e orgulhoso para cobrir de vergonha e desonra o nome do Chile. A civilização por uma parte, a barbárie por outra se colocam em luta e o triunfo não deve ser posto em dúvida no século em que estamos; o século da ilustração e do saber é o século da liberdade que não se deixará vitimar pelo gênio das trevas e da mais cega opressão. A Araucania se levanta hoje contra o Chile, porém amanhã, o Chile soltará seu braço de ferro sobre os temerários indígenas para reduzi-los à impotência, ao nada e fazer desaparecer de seu território uma horda de bandidos revelados à luz da razão e da verdade." Aqui, O que guia e em última instância justifica a redução dos índios à civilização é um Zeitgeist que em si expressa a autoconsciência da diferença entre o presente, o século da liberdade, e o passado. O ato de civilizar, porém, inclusive antes de receber esse nome, já significava a imposição de um ideal, que chamamos aqui de significado modelar. E esse modelo no princípio não era expresso pelo termo civilização, senão por outros termos com significados similares como polícia e polidez. A definição da palavra «policiado», do Dicionário Moraes da língua portuguesa, expressa bem o parentesco semântico dos termos: Civilizado, Policiado, Polido: um povo é civilizado quando, tendo deixado os costumes bárbaros, se governa por leis. É policiado quando, pela obediência às leis, tem adquirido o hábito das virtudes sociais. E polido quando em suas ações mostra 24 Esteban de TERREROS Y PANDO, Diccionario Castellano con voces de ciencias y artes, y sus correspondientes en las tres lenguas francesa, latina e italiana, Madrid, Arcos, 1987 [1786], I, pp. 439-440. 23 Vicente CARVALLO (1796), «Descripción histórico-jeográfica deI Reino de Chile», em Colección de Historiadores de Chile y documentos relativos a la histo ria nacional, Santiago de Chile, Imprenta de la Estrella de Chile, IX, p. 367. 22 94 CIVILIZAÇÃO - O CONCEITO DE CIVILIZAÇÃO: UMA ANÁLISE TRANSVERSAL Vicente CARVALLO (1796), «Descripción histórico-jeográfica de] Reino de Chile», p. 389. 25 José Bonifácio de ANDRADA e SILVA, Apontamentos para a civilização dos indios bravos do Império do Brasil, Projeto apresentado à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, 1823. 16 Elena PLAZA, «Venezuela y la Piedad Ilustrada (La Secularización de las Misiones entre 1830 y 1847)>>, Politeia XX:XVI/29 (2006), pp. 103-138. 27 El Corre0 deI Sur, Concepción, 29-1 -1859. 95 DICCIONARlO POLÍTICO Y SOCIAL DEL MUNDO IBEROAMERICANO João Feres Júnior elegância, urbanidade e gosto. No pOVO civilizado reinam as leis N . . remam os bons costumes. No povo polido· b.d d . o pOVO policiado , . d I reina a ur anI a e e gosto ' quencla o uxo. As leis estabelece . ·1· _ ' que e consem a CIVI lzacao entre os povos b'ar b aros, f ormand os bons COstumes.28 • o No entanto, «civilizado» é um termo novo a u · . dez» e principalmente « 1'· ., q. 1, .VISto que as palavras «poli]a caregv~m o sIgmficado modeIar de excelência europeia29, urbana e ~:cIa» d d· I . '1 governada, muIto antes que essas palavras derivad ~ . .. - as o ra Ica CIVI - começassem a ocu ar esse e tellano (1788) t ··fi d . . ~ Spaço semantIco. Dzcczonario Cas\ raz SIglll ca os sIfilIar d M polidez, associadas a leis bons costu:e~; oraesbP~d ads p~Iavrs ?olícia e DZClonário Bluteau (1728) , , r em e ur anl a e. Jo . . ' que reflete uma semântica do português do sécul b .. . _ o XVII ou mesmo antenor, obVIamente não contém o civilidade, traz definições técnicas (~r .ete c.Iv.;hzaçaa. e, para ?~ termos civil e Ire~O CIVI, ar~UIteu CIVIl, guerra civil, etc.) ou francamente n e ' · ·. gatlvas (descortesIa, grossena e rusticidade) d IClOnansta narra que esse 'd ' , . . propno ° ° ° ' . dos vocábulos latinos civlt:~ ci~z;I:Ovr pI:~rã do sle.ndtido o rig~al todas as qualidades ositiv . _ ~cIa e amp la o e contem I d . ir p as que maIS tarde serao assocIadas à concepção mod _ ar e CIV Izaçao, como boa ordem, leis justas, bom governo e bons costumes. e Oto vserb;te. polícia ainda contém outra evidência forte dessa tese de desloca men emannco: nenhuma nem outra polícia se acha nos o vos a h ' como v.g. o gentio do Brasil [ ] [ . P que c .amamos de barbaros, luz da razão quase como ,... . o s fquaIs] andam nus,. [ ... J VIve neles tão apagada a nas mesmas eras parecem maIS brut ' . , n em têm ane nem polícia alguma J " os em pe que racIOnais, A barbárie que será . d . , maIS tar e O contraconcelto mais perfeito de . T d I' CIVl lzaçao, sua comp Ieta negação, aparece no dicionário como palavras de radical civil. o oposto e po ICIa e não das c;~mderaI:vls do século XIX nossa mostra contém muitos casos do uso do 1 Izacao como um modelo a ' . E . _ b Imita!. sse modelo era especialmente europeu refinado pol ·d , 1 o cnstao e ur ano E .d . . , modelar poderia ser facilmente c~mbinado ao ato d~ ci~; z :;tpeoqru ' me o slg1~ c ~dfiO , esses Slglll 28 A . 29 Is so é também verdade ar momo M ORAES E SILVA, Dicionário da lín ua . . . Tadeu Ferreira, 1831, p. 263. g portuguesa, LIsboa, OfiCIna de Simão I' 30 Esteban de TERREROS Y ~A1aNDOlngu francesa. Ver Lucien F EBVRE et al. , C ivilisation . , leCIOnaria castellano con la d · · I· ,. f . 5 v oces e czenczas y artes y sus correspondientes en Las tres lenguasfi r . C -, r a n~ e s a , latma e Ita zana' P-Z M d ·d V· d d .!lilOS Y ompama, 1788, p. 169. . , a r I , lU a e Ib arra, &L · . " Raphael BLUTEAU, Vocabulario Portu va, 1712- 1727, I, p . 575. guez atmo, Lisboa, OfficÍna de Paschoal Sil- CIVILIZAÇÃO - O CONCEITO DE CIVILIZAÇÃO: UMA ANÁlISE TRANSVERSAL cados não vêm necessariamente juntos. Cabe assinalar que, apesar de haver muitas vezes referência à fé cristã, ela entra como mais um dos elementos do modelo. Isto é, a conversão dos pagãos não é necessariamente o propósito principal aqui. ° conceito modelar foi utilizado muitas vezes para fazer compa.rações entre nações e povos, e associado a ele encontramos o uso muito frequnt~ da ideia de «clube das nações civilizadas» em contraposição aos povos bárbaros do mundo, como no caso colombiano, em referência de 180931, na Espanha33 , no Brasil (onde tal noção aparece várias vezes nas páginas do Correio Braziliense, do começo do século XIX) e em muitas referências na Venezuela. Nesse caso, a conceituação serve para produzir uma geografia dualista do mundo, dividido entre civilizados e não civilizados. O modelo mais utilizado é a Europa, porém, muitas vezes, nações europeias específicas são eleitas. Descontando as preferências regionais, a França é o modelo mais citado, seguido por Inglaterra e Estados Unidos . Espanha e Portugal também são citados corno exemplos de civilização em relação a suas colônias na América, todavia este uso é menos frequente e geralmente está envolto em polêmicas. ° conceito modelar de civilização carece de um sentido temporal forte. Como programa social e político ele reclama a eleição de um ideal estrangeiro e a articulação dos meios para sua emulação. Em outras palavras, o processo da civilização corresponde a uma mudança da barbárie ao clube das nações civilizadas. Não obstante, há uma diferença fundamental aqui entre o uso do significado modelar por parte de europeus e sua adaptação ao debate político interno aos países do Novo Mundo. Enquanto que no primeiro caso trata-se quase sempre de defender a Superioridade da própria posição, no segundo o reconhecimento de inferioridade frente ao modelo justificaria sua emulação. Tomemos o exemplo encontrado na Gazeta de! Gobierno de México acerca de como devem atuar os países da América: «[... ] proporcionar a seus povos todas as vantagens compatíveis com a civilização em que se falava, para aumentar estas no que fosse possível, e ir caminhando para se colocar no patamar das demais culturas »34. Apesar de o texto sugerir a existência de um processo, o desenho é binário e o processo é simplesmente a transição de uma condição, da barbárie, a outra, a civilização. Os dois significados que vimos até agora, o ato de civilizar e o modelo, são _ plenamente compatíveis com a condição colonial. Sua falta de temporalização El Redactor Americano 55, Santafé de Bogotá, I mprenta Real [4- UI -1809]. Pedro RODRÍGUEZ CAMPOMANES, Bosquejo d e política económica espaiíola [ca. 1750J, edição Jorge C EJUDO, Madrid, Edirora Nacional, 1984, pp. 140-141. H Gazeta dei Gobierno de México, 14-Xl-1820, 2 . J2 JJ 96 97 DICCIONARIO POLíTICO Y SOCIAL DEL MUNDO IBERO AMERICANO também aponta para perpetuação dessa condição de subordinação. Isso é particularmente certo no caso do ato de civilizar. No caso da definição modelar temos já a possibilidade de tensão entre o modelo a almejar e aquele de fato adotado pelos colonizadores. Em outras palavras, se Espanha e Portugal não pertencessem ao clube das nações civilizadas, então não poderíamos aspirar a ter implantada, por meio da colonização, uma civilização nos trópicos. Isto é, se nossos colonizadores são incapazes de imitar o modelo, logo temos de desfazer os elos para alcançar a civilização. Dito isso, devemos assinalar que existe uma quantidade muito pequena de referências à utilização do conceito de civilização como argumento para rechaçar o jugo metropolitano nos processos de independência. Isto é, as evidências reconhecidas em nosso projeto mostram que o conceito de civilização não foi muito acionado nos debates que acompanharam as lutas de independência. Isso pode ter ocorrido pelo termo em português e espanhol ter sido plenamente introduzido no uso corrente das línguas um pouco tardiamente em relação aos movimentos de emancipação. No entanto, a questão da eleição de modelos, isto é, da adoção de parâmetros culturais e instituições espanhóis e portugueses vis-à-vis os modelos francês, inglês e norte-americano, esteve presente durante várias décadas que se seguiram à independência política, ou mesmo anteriormente, com variações em cada contexto «nacional». o PROCESSO CIVILIZATÓRIO A noção de civilização como processo deve ser buscada em meio a outros significados, muitas vezes mesclada a eles, e corresponde à aquisição de um caráter temporal pleno pelo conceito. Porém, é importante notar que esse movimento de tempo ralização se realiza em um campo semântico marcado por dois núcleos, o material e o espiritual, ou seja, a civilização entendida como progresso material el ou como desenvolvimento moral e institucional da sociedade. Assim, as referências temporalizadas, não raramente, são expressadas combinando esses dois elementos, como no exemplo do México: «Queremos que venha a civilização, queremos o desenvolvimento material, porém de maneira que o povo mexicano tome parte no movimento e por este meio suba ao mesmo nível da civilização que nos invade»J5. Inclusive a reação católica antiliberal ao rechaçar o conceito, como ocorreu nos casos d e Espanha, Peru e em alguns outros países de maneira mais tímida, o faz nos termos que denotam temporalização de um campo semântico dominado pelos dois núcleos, como se nota na seguinte citação sobre o Peru: João FeresJúnioT CIVILIZAÇÃO - O CONCE ITO DE CIVILIZAÇÃO: UMA ANÁLISE TRANSVERSAL Nós sabemos que nenhum preceito evangélico ordenou, como meio indispensável para a salvação eterna, a construção de ferrovias, de telégrafos elétricos, ou de palácios de cristal para a exposição dos produtos da indústria e das artes. E o que fazer com esta espécie de tarefas, o movimento econômico, a grandeza política, o crescimento das artes, o aumento das comodidades e dos prazeres e to.do o conjunto de aumentativos que emprega o mundo quando querem definir a civilização ?36 Nessa crítica ao modelo europeu feita pelo venezuelano Fermín Toro, notam-se os mesmos elementos: Arrastada, se pode dizer, pela Europa, recebendo suas ideias, seus usos e costumes, sua civilização entra sem haver passado pela difícil tarefa de adquiri-la com seu próprio desenvolvimento, pouco a pouco e no curso dos séculos, nesta situação, dizemos, não progredirá em ideias e, consequentemente, nas necessidades, mais que nos meios de fazê-las ?3 7 A abundância de termos temporais nessas passagens é impressionante. Em nossa amostra os usos temporalizados iniciam nas primeiras décadas do século XIX, porém muito timidamente, e só se tornam mais numerosos em meados do mesmo século. Exemplos precoces, do começo do século, vêm da Argentina, como no título do artigo «Exame dos progressos da civilização na América do Sul, depois de sua conquista», de 1815 38 • Também vemos temporalização marcada nas deliberações do Congresso de Cúcuta, de 1821: o presente é o século das instituições sociais em que todos os povos se armam contra a tirania e ao que parece se elevaram a maior perfeição dos elementos da política. Não nos apresentemos, portanto, ao mundo como ignorantes e pouco civilizados; adotemos uma constituição que não nos desonre em nosso século.)' A democracia absoluta é a infância da civilização e não queremos retroceder tanto [.. .]. Consequentemente, portanto, e com disposição à ilustração do século, estamos prontos para preferir o governo representativo .+o o sentido temporalizado que expressa a urgência do tempo presente, um Zeitgeist autoconsciente, como na passagem acima, também se faz óbvio em referências como a de Esteban Echeverría, que declara ser a América «a oficina da nova civiEl Católico 10, Lima [30-VI-1855], p. 116. Fermín TORO, La Doctrina Conservadora. Pensamiento Político del Siglo Presidencia de la República, 1960, 1,102 [1842]. 36 37 XIX, Caracas, Gazeta de Buenos-AYTes, 9-IX-1815,p.2. Actas del Congreso de Cúcuta: 1821, Bogotá, Fundación Francisco de Paula Santander, 1989, I, pp. 56-57. 40 Actas del CongTeso de Cúcuta: 1821, I, p. 80. 33 39 35 98 El Sigla Diez y Nueve, México, 17-XI-1870, 1. 99 DICCIONARIO POLÍTICO Y SOCIAL DEL MUNDO IBEROAMERICANO João Feres Júnior lização » (1837). Em 1847, o uruguaio Manuel Herrera y Obes coloca a civilização como causa imanente de si própria: [EJssa potência irresistível da civilização, que [corria] o mundo sob as formas do comércio, das artes, da indústria, dos livros, que em todas as cabeças deixa uma ide ia, em todos os corações um interesse, que começa no bem-estar de cada homem e acaba na felicidade pública." Referências a uma narração universal da história da civilização também estão presentes, como nessa fala do presidente da Costa Rica, Tomás Guardia, se dirigindo ao congresso do país em 1 de maio de 1873: «Se o 'cetro da civilização' havia passado da Asia à Europa, os americanos deviam abrigar esperanças de que algum dia passaria' às mãos da jovem América'». Ou em passagens como esta: «A civilização do século estava exigindo a construção de novas prisões, nas quais se corrijam os presos sem os destruírem. As que existem atualmente pertencem a outra época em que dominavam ideias menos favoráveis à humanidade,,42. Em suma, a auto consciência histórica de excepcionalidade do tempo presente em relação ao passado é nessas passagens abundantemente conectada ao conceito de civilização. A história se faz universal e imanente, e a civilização por vezes torna-se a expressão viva da própria história. Cabe assinalar que o conceito de civilização como processo plenamente temporalizado parece ter-se implantado definitivamente no período imediatamente posterior às independências. Contudo, sua aplicação não tem lugar sem algumas tensões importantes. Como vimos, os significados modelar e de ato de civilizar são intensamente eurocêntricos. Isso acarreta o problema de aplicar de maneira bem sucedida o conceito a contextos não europeus. Tal tensão está relacionada ao fato de que as independências foram realizadas mediante o rechaço, pelo menos em parte, do projeto do colonizador europeu. Isto é, existe uma contradição imediata na ideia de instalar algo que está sendo rechaçado. Essa contradição, todavia, encontrou algumas soluções práticas. Uma delas foi declarar Espanha e Portugal como o oposto da civilização europeia, como se nota no caso argentino e em muitos outros. Porém surge também uma nova aderência a pautas culturais e institucionais espanholas e portuguesas depois que o processo de independência se completa. Além da questão de se adotar ou não a referência ibérica, o contexto político da utilização do próprio conceito havia mudado. Antes se tratava de uma situação colonial, agora os autores escrevem como cidadãos de repúblicas e de governos constitucionais e a questão da civilização se converte em um problema predomi41 Manuel HERRERA Y OBES, Estudios sobre la súuación [1847J, em Juan E. PIVEL D EI caudillismo y la revo!ución americana, Montevideo, Biblioteca Anigas, 1966, p. 57. 4Z El Faro Salvadoreiío, 1869, p. 1. 100 EVOTO, CrvlLIZAÇÃO - O CONCEITO DE CIVILIZAÇÃO: UMA ANÁLISE TRAN SVERSAL nantemente interno. Mais concretamente, o problema prático se refere à adequação da civilização europeia às realidades dos novos países que surgiram. Em outras palavras, trata-se de corno produzir, do ponto de vista interno, civilização nos novos países? Uma solução adotada em muitos lugares foi a de a~rm que a civilização poderia sim se desenvolver no Sul; porém, para que este p1ocesso obtivesse êxito, não se deveria imitar simplemente a Europa, isto é, buscar pular de uma vez as etapas do desenvolvimento social, material e moral percorridas por França, Inglaterra e inclusive os Estados Unidos. O problema principal para o sucesso desse projeto foi muitas vezes identificado com a suposta má qualidade do povo, como neste exemplo do México: «Os americanos ao nascer já tinham andado o caminho da civilização, caminho complicado que os demais povos atravessaram após mil erros e fatalidades»; diferentemente, o México tinha enormes dificuldades para libertar-se do atraso, marcado pelo «heterogêneo da população, pela impunidade dos crimes, pelo oportunismo político depois de 13 anos de guerra»4J. Essa compreensão da natureza da população teve consequências políticas di~ retas. Já em 1819, em meio a discussões acerca do senado constitucional proposto por Bolívar em Angostura, o deputado Fernando Penalver defendeu a centralização política da república e rechaçou a adoção de um regime federalista com o seguinte argumento: «( ... ) contudo, Repúblicas tão perfeitas não são próprias para povos que estão na infância da liberdade, encharcadas de vícios da escravidão, e sem os costumes, as virtudes e a civilização que elas exigem»44. Em 1822, encontramos na Gazeta dei Imperio Mexicano um autor peruano recomendando a monarquia constitucional no lugar da democracia, porque «a ilustração e a civilização dos povos se friccionam com a natureza de sua população, e com a qualidade de seus usos, costumes e opiniões», que no Peru estão reduzidas à «escuridão da ignorância, tanto na parte alta corno na baixa», porque o governo anteri orj amais se preocupou em «remover os obstáculos à instrução e à civilização»45. Domingo Faustino Sarmiento, em seu Facundo, Civilización y Barbarie (1845), parece ter uma concepção similar, compartilhada com a Geração de 1837 da Argentina. A principal preocupação desses autores consiste na busca de instituições que estejam em conformidade com os costumes e a singularidade argentinos. No entanto, ao mesmo tempo, como afirma Sarmiento, essa nova civilização tem que livrar-se do elemento selvagem: «Esta é a questão: ser ou não ser selvagém»46. 4) Águila Mexicana, 16-III-1824, p. L ... Corre0 de! Orinoco 34 [24-VIl-1819]. 4; Gazeta dellmperio Mexicano, 26-1X-1822, p. 5. 46 Domingo F. SARMIENTO, Facundo, Civilización y Barbarie [1845] , Buenos Aires, Co1.ihue, 2006. 1 f\1 DIC CIONARIO POLÍTICO Y SOCIAL DEL MUNDO IBEROAMERICANO João FeresJúnior CIVILIZAÇÃO - O CONCEITO DE CIVILIZAÇÃO: UMA ANÁLISE TRANSVERSAL Argumentos semelhantes foram utilizados pelo Partido Conservador na defesa da centralização política no Brasil, como solução para as revoltas do período da Regência. Paulino Soares de Souza, o Visconde do Uruguai, associa as insurr~ições aos «horrores friamente perpetrados pela barbaridade, pela lascívia, pela vlllgança e por outras paixões alheias à política» de «uma massa enorme de homens ferozes, sem moral, sem religião e sem instrução alguma, eivados de todos os ví~ios da barbaridade! [ ...] Nem o sexo, nem a idade, nem a propriedade, nada respeitaram! Parece que era sua missão ap agar até os últimos vestígios da nossa civilização nascente! »47. ção [da escravidão], mas estou convencido de que a abolição sempre trará perturbações », que, por seu turno, seriam contrárias ao d esenvolvimento da própria civilização52 . A semelhança entre essa formulação e o argumento que Pereira de Vasconcelos fizera algumas décadas antes é grande. O verbete do Caribe e Antilhas assevera que a partir do final da década de 1850 o uso do concei\o de civilização na justificação da escravidão se tornou raro na região. Esse movimento vinha acompanhado da rejeição da capacidade civilizadora da Espanha, inclusive por ter povoado suas colônias com «uma raça contrária à civilização»53. Bernardo Pereira de Vasconcelos, outro campeão do regresso conservador, reconhece haver um movimento do século em direção à maior liberdade e igualdade; contudo, argumenta que «no lugar de produzir os efeitos que a civilização espera, a fará retroagir». Vasconcelos insiste no argumento de que não devemos perder de vista o «estado da civilização» do país, porque «nenhuma reforma será exitosa se não é apropriada às circunstâncias nacionais»48. A concepção de civilização como processo é marcada pela temporalização, que não estava presente tão claramente nas versões modelar e de ato de civilizar. É importante notar que o argumento da exceção, ou da diferença em relação à Europa, como justificação da centralização política e mesmo da escravidão, também expressa aspectos da politização do conceito e de sua ideologização. Tal conclusão era também r eferendada pelo próprio Guizot, segundo o qual o despotismo e a existência de «homens sem direitos e despossuídos» «são desculpados se contribuíram em algo com a civilização»54 . . Em nossa. coleção de verbetes, essas «circunstâncias nacionais » ap arecem estreitamente :Inculadas a? caráter da população, ou mais especificamente, à pres:nça de. mUl~o s nei?TOS, Indígenas e mestiços entre eles. Inclusive, tal interpretaçao servIU .ate para Justificar a escravidão, a princípio tão contrária à civilização, como medida necessária em face da má qualidade da população local. Entre muitos outros, temos o exemplo de Francisco Arango y Parreiío, que na Representación de la .Ci.udad de L a Habana a las Cortes, de 1811, defendeu, contra a propost~ de SUprImir a esc r~vi dão, a compatibilidade entre essa instituição e a civilizaçã049, ]a que os negros afncanos eram p ovos bárbaros e canibais 50 • Na Gazeta del Gobierno de México encontra-se o argumento de que «a Espanha não inventou a escravidão, mas aproveitou sua existência devido à barbárie dos africanos, para salvar da morte seus p risioneiros e aliviar sua triste condição»5l. o informe apresentado por Zeno C orrea à Junta de Información em Porto Rico, exprime a tensão entre o conceito universal e abstrato e os « impe~atv os » da questão nacional: «[ ... ] compreendo que a civilização do século demanda a aboliPaulin o José SOARES DE SOUZA, «Rela torio da Repartição dos Negocias da Justiça do de 1840 apresentado à Assembléa Ger al Legislativa, na sessão ordinaria de 1841 », Rio de Janeiro, T ypographia Nacional, 1841. 47 an~ 48 Bernardo PEREIRA DE VASCONCELOS, «Discurso de 10 de julho de 1834», em Bernardo Perezra de Vasconcelos, São Paulo, Editora 34, 1999, p. 269. 'lO. Francisco ARANGO Y PARRENO, Obras de D. Francisco de Arango y Parreiio, L a Haba na, MJnlsteno de Educación, 1952, lI, p . 169. ~ 'I 102 Francisco ARANGO Y PARRENO, Obras de D. Francisco de Arango y Parreiio, p. 276. Gazeta deI Gobierno de México, 2- V-1818, p. 3. Assim, nos processos de consolidação política que, não raramente, envolveram esforços de colonização interna de índios, negros e mestiços, pode-se negar direitos civis e políticos e promover a centralização política em nome da civilização. O que mudou, então, em relação ao ato de civilizar, não é o objetivo em si mesmo, mas a retórica de justificação e a estratégia para atingir esse objetivo, agora bem temporalizada, dotada de etapas que devem ser adaptadas às condições locais. NAÇÃO E C IVILIZAÇÃO Em sua análise histórica do termo civilização, Fernand Braudel declara que durante o século XIX o emprego do termo passou de singular para plural. Se verdadeiro, esse é um desenvolvimento interessante, pois revela-se contraditório à noção de Koselleck, cuja tendência na modernidade vai em direção à singularização e maior abstração dos conceitos. Braudel proclama qu e o século XVIII, quando o conceito foi gestado, com sua crença no progresso, reservou a civilização somente para a Europa e o Ocidente, ao passo que o século xx perdeu esses juízos 52 EI Progreso, 1873. Francisco FRÍAS y J Acorr, «En d efensa de C ub a» [1860], R eformismo agrario, La Habana, Secretaría de Educación, 1937, pp.128-129y 157-158 . 54 François GUlZOT, Pierre GUILLAUME e Pierre ROSANVAlLON, Histoire de la áviLisation en Europe: depuis la chute de L'Empir e romain jusqu 'ã la R evolution française; suivie de Philosophie politique de la souveraineté [1828], P a ris, Hachette, 1985, IJ' 29. 53 103 DICCIONARIO POLÍTICO Y SOCIAL João Feres Júnior DEL MUNDO IBEROAMERICANO de valor e agora reconhece as vanas civilizações do mundo (1987). Devemos acrescentar que Braudel publicou essas ideias antes do livro de Huntington e do 11 de setembro de 2001. Mas além da anedota, esse processo de pluralização do conceito, que ele reconhece, ainda que incompleto, é verdadeiro, e foi em parte produto do que Pim den Boer chamou nacionalização do conceito de civilizaçã0 55 . Isso significou um processo de ideologização do conceito que foi além daquilo previsto por Koselleck em sua teoria da modernidade. Den Boer, autor de um livro sobre o conceito de civilização no projeto holandês de história conceitual56 , argumenta que a nacionalização do conceito foi um fenômeno do final do século XIX, que ocorreu predominantemente nos países germânicos. Assim, é interessante notar, em dissonância com as ideias do autor, qUê esse fenômeno também se nota nos países americanos, já a partir de meados do século XIX, ainda que de maneira tímida. Na Espanha os historiadores românticos reivindicam o pluralismo da civilização, o que é o mesmo que dizer, como o faz Larra em meados dos anos 1830, «o caráter peculiar da civilização de cada povo». Décadas mais tarde, Gil de Zárate equipara o conceito de civilização com o «espírito de nacionalidade»57. No Peru, Sebastián Lorente introduziu a expressão «civilização peruana» em 1863. Com uma visão influenciada por o Inca Garcilaso, celebra a civilização incaica e aposta na redenção do índio. Posteriormente, se criou a cátedra Historia da Civilização Peruana na Faculdade de Letras da Universidade Nacional Maior de São Marcos (1876). Vejamos outro exemplo na citação do presidente da Costa Rica, Tomás Guardia, de 1873: «Nos sobra a seiva de uma raça jovem e vigorosa aquecida pelo sol intertropical; e nossa civilização, jovem também, se tornará uma civilização do mundo>,58. CIVILIZAÇÃ.O - O CONCEITO DE CIVILIZAÇÃ.O: UMA AN'ÁLrSE TRANSVERSAL No Brasil o movimento romântico também mostrou distanciamento crítico ao modelo europeu e elege o índio como representante da nascente civilização brasileira. José de Alencar, o maior expoente da segunda geração, declara, ainda que reto ricamente, que «o conhecimento da língua indígena é o melhor critério para a nacionalidade da literatura»59. Em outro texto o autor também enxerga uma civilização americana em contraposição à velha Europa: «É nas águas lustrais do Amazonas, do Prata e do Mississípi, que o mundo velho e carcomido há de receber o batismo da nova civilização e remoçar»60. Assim, Alencar vai além de Guardia, que reclamava um lugar ao sol no concerto das civilizações para a nascente Costa Rica, ao postular a superação por parte da América da velha civilização europeia. Nas duas citações, os marcadores temporais são claros, assim como a premissa de uma narrativa universal que se caracteriza como uma competição entre particulares «nacionais». Isto é, ambas contêm aspectos de temporalização, ideologização e politização claros e característicos dessa última fase da evolução semântica do conceito. Nessa última fase, o conceito de civilização passa a compartilhar muitos significados com os termos «nação», «cultura» e «raça», todos compreendidos de maneira marcadamente essencialista. O caráter universal do termo se perde em parte, ainda que não possamos descontar completamente concepções, similares à formulada no século anterior por Herder, de um universal fo rmado por contribuições pontuais de particularidades nacionais. O caráter eurocêntrico também é afetado, contudo, de maneira variada, pois a adesão ao elemento nacional muitas vezes foi mais retórica e em nenhum caso significou o rechaço total do padrão europeu. CONCLUSÃO 55 Pim DEN BOER, «Towards a C omparative Hístory of Concepts: Civilísation and Beschaving», Contributions to the History of Concepts 3/ 2 (2007), pp. 207-233 . 56 Pim DEN 'BoER, Civilisation (Beschaving) , Amsterdam, Amsterdam University Press, 2001. ' É claro que no caso da Espanha existia o problema ainda mais urgente, de d efinir seu lugar e' contribuição à civilização da Europa, frente a omras nações concorrentes. Algumas nações optaram por abraçar () conceito de civilização, França (Raymonde MONNIER, «The Concept of Civílisation from Enlightenrnent to Revolution: An Ambiguous Transfer», Contributions to the History of Concepts 4/ 1. (2008), pp. 106-136), Inglaterra, Espanha avier FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, «The Concept af CiviJization in Spain, 1754-2005: From Progress to Iden,ity», Contributions to lhe History of Concepts 4 /1, pp. 81 -105), outras por rechaçá-Ia como influência estrangeira e ado tar um termo local, aviltá, na Itália (Sandro CHIGNOLA, «Civis, civitas, civilitas: T [anslations in Modem Italian and Conceptual Change», Contributions to the History of Corzcepts 3/2 (2007), pp. 234-253), e Kultur, na Alemanha (KOSELLECK, «Einleitung»), por exemplo, 58 Gazeta Oficial, 1873, p, 2. 57 a 104 Neste ensaio pretendemos ter tratado de alguns aspectos cruciais do desenvolvimento semântico do conceito de civilização levando em conta as formulações europeias e sua recepção nas colônias e, depois, nas nações do continente americano de fala ibérica. Como mostramos, as hipóteses da temporalização, ideologização e politização se confirmaram em nossos verbetes, mas sua evolução obedeceu a padrões heterogêneos que foram ao mesmo tempo particulares à evolução do conceito de civilização, ao longo de seus significados básicos, e-também sujeitos às contingências de cada caso. 59 José Martiniano de ALEN CAR, Iracema, lenda do Ceará, Rio de Janeiro, Typ. de Vianna & Filhos, 1865, p. 195. 60 José Martiniano de ALENCAR, O Gaúcho, romance brasileiro, Rio de Janeiro, B. L. Garnier, 1870, II, p. 14. 105 DICClONARIO POLÍTICO Y SOCIAL DEL MUNDO IBERO AMERICANO Mas além desses temas substantivos, gostaria de, por fim, chamar a atenção à questão acerca da natureza do conceito de civilização. Trata-se de um conceito-chave ou de um contraconceito, ou ainda de outra espécie de conceito? Se tomarmos a contestação como condiçãq sine qua non para a formação de um con. ceito-chave, como quer Melvin Richter61 teremos um problema. O conceito de ci,:~zação foi raramente contestado. Quase sempre os publicistas e autores que o utilIzaram foram favoráveis à civilização. Raras vezes discutiram-se definições contrastantes do conceito - a reação católica, que se expressou mais marcadamente em alguns países, é provavelmente a exceção mais importante. Entretanto, podemos ver que o conceito teve seu papel na justificativa da colonização europeia, na oposição às metrópoles europeias, nos processos de independência (ainda que não muito pronunciado), na colonização interna durante os processos de consolidação política e na consolidação das identidades nacionais. A falta de contestação direta se reflete na evolução semântica do conceito de civilização, que se faz mormente pela deposição de novos significados sem a supressão dos anteriores, com exceção da nacionalização, quando a universalidade e o eurocentrismo foram parcialmente rechaçados. Isso confirma o diagnóstico d.e q~e civilização é um «conceito-ônibus», que carrega um fardo muito amplo de slgmficados, como não deixaram de notar quase todos seus comentadores . A explicação da falta de contestação no plano da história social parece residir no fato de que aqueles que são objeto do projeto civilizatório (índios, negros, mestiços) historicamente estiveram alijados do espaço público, isto é, não tinham acesso à política, e, portanto, à contestação dos significados que os rebaixavam. O caráter contraconceitual da civilização é proeminente, pois muitas vezes o vemos usado em contraposição à barbárie, aos selvagens, índios, negros, ao despotismo, à escravidão, etc. Assim, a resposta parece ser que «civilização» se ajus ta melhor à definição de contraconceito assimétrico de Koselleck do que à sua definição de conceito-chave. Isso mostra que é muito importante incluir o estudo de contraconceitos assimétricos em nossos planos de investigação, além de procurar desenvolver uma teoria que dê conta de suas peculiaridades. 6 1 Melvin RI C HTER, The History of Political and Social Concepts: A Criticai Introduaion, Nova Iorque/Oxford, Oxford University Press, 1995. 106 ARGENTINA/ruO DE LA PLATA Genevieve Verdo C ivilización es un término cuyo êxito se explica por un encuentro azaroso y afortunado entre una voz y una coyuntura, en este caso la del siglo X1X. Hay que recordar que en 1810 civilización todavía es una palabra nueva. Su primer uso en francés se atribuye a Mirabeau (padre), en un libro titulado L 'ami des hommes ou Traité sur la population, del ano 1756. Antes de esta fecha, tanto en francés como en castellano, el verbo civilizar se empleaba en el campo jurídico para designar la transferencia de un as unto criminal aI plano civil. Pero Mirabeau utiliza ya el sustantivo, civilización, como sinónimo de sociabiIidad. EI neologismo, que no se encuentra en la Encyclopédie de Diderot y d'Alembert, recién aparece en la edición de 1771 de! diccionario de Trévoux, con una referencia explícita a Mirabeau. Desde entonces, el uso moderno de la palabra se extiende y se encuentra en Espana (Fernández Sebastián, 2002 y 2008): anos después de una primera definición lexicográfica en e! Diccionano de Terreros y Pando (1786 [1765],439-440), la inclusión del sentido moderno de la palabra en el Diccionario oficial de la RAE se verifica 1817; en la siguiente edición del DRAE, en 1822 (p. 187), se define la civilización como «el grado de cultura que adquieren pueblos o personas, cuando de la rudeza natural pasan ai primor, e!egancia y dulzura de voces, usos y costumbres propias de gente culta». Como lo recuerda Jean Starobinski, el proceso de civilización remite a la acción de pulir las cosrumbres y los usos (Starobinski, 1999). A este primer sentido, estático, se va a anadir otro más dinámico, en que la palabra civilización remite tanto a un proceso que se desarrolla en el tiempo, es decir, a una filosofía progresista de la historia plasmada sobre todo por la Ilustración escocesa, como a una característica que constituye un ras go esencial y distintivo de pueblos o países, y que incorpora, por lo tanto, la ídea de una jerarquía entre eUos y funciona como un criterio de clasificación. A lo largo de! periodo estudiado, se pasa de un primer uso de civilización que refiere a una concepción global de la historia (donde se refiere aI «aera de civilizar», aplicado esencialmente a los indios) a un segundo uso que remi te a una forma de ser particular de cada 107 BRASIL João Feres Júnior- Maria Elisa Noronha de Sá 3~ O termo civilização tem características conceituais particulares que devem ser levadas em conta para permitir a compreensão correta de sua evolução histórica. Como bem notou KoseUeck, uma das consequências semânticas do processo de transição para a modernidade foi a aparição dos singulares coletivos: termos que antes eram usados no plural passam a ser empregados no singular para deno minar de maneira sintética um processo ou ente social como um todo (exemplo: de direitos a direito, de histórias a história, etc.). Segundo o autor, durante essa transição aparecem tamb ém muitos neologismos. Ou seja, a experiência do mundo se altera tão substancialmente que ele passa a não caber mais no vocabulário que antes o descrevia, daí a necessidade de criação de novos termos. No caso do conceito de civilização na língua portuguesa, ambos processos parecem ter ocorrido. Como talo termo não existia até o começo do século XIX, quando passa a ser empregado em diversos contextos e para distintos propósitos. Tanto no Brasil como em outros lugares onde foi empregado, o termo civiLização apresentou acentuado caráter contraconceitual, isto é, seu campo semântico foi povoado por oposições dicotômicas a outros termos como selvageria, ignorância, irreligiosidade, falta de lei, mas sobretudo barbárie. Como tal, o conceito serviu para distinguir, separar e diferenciar povos, nações, grupos humanos e mesmo indivíduos, hierarquizando-os do ponto de vista material e, não raro, moral: a civilização ocupa o paIo positivo da dicotomia, enquanto seu oposto.ocupa o negativo. Se tomarmos todo o processo de evolução do termo no período que nos interessa, temos os seguintes estágios: do período colonial até o começo do século XIX não havia termo civilização; a partir das primeiras décadas do século ele passa a ser empregado, mas em um sentido de estágio, como padrão de medida de diferenciação entre bárbaros e civilizados; a partir de meados do século XIX o termo adquire o caráter de coletivo singular e passa a denotar um processo temporalizado que engloba toda a humanidade. Essa é, contudo, uma· avaliação muito geral ° 171 DrCClONARIO POLITrCO Y SOCIAL DEL MUNDO IBEROAMERICANO João Feres Júnior - Maria Elisa Noronha de Sá desse caminho de evolução. Precisamos aqui revelar seus meandros. Ademais, seria interessante testar a hipótese de Pim den Boer, de que o conceito de «civilização» passou em vários lugares do mundo por um processo de nacionalização. Isto é, se passa de um uso de civilização que se refere a uma concepção universal de história, na qual se inclui a América, a um uso que remete a uma forma de ser particular, à definição de uma identidade nacional. ro de usos do termo em textos do começo do século XIX . Também é importante notar ue o caráter contraconceitual também já se faz presente no fe~hamnto do quando o dicionarista opõe civilidade a rusticidade e sumt_a, , a raiz civil-, parece ter haVI'd o um pro cesso de cam 10 semantlco ao no tocante drástico que praticamente inverteu o significado do termo. 'À. . . verbt~ A grbo~sena. ~n: Vale adicionar que enquanto no Bluteau nenhuma palavra da fam~: o estudo da história do conceito de civilização não pode se dar sem uma avaliação das palavras que pertencem à mesma raiz etimológica. Isso é particularmente necessário por tratar-se de neologismo baseado em uma raiz já existente: civil-o Os dicionários da lingua portuguesa revejam um dado da evolução desse conceito que não foi detectado em estudos do termo «civilização» em outras línguas como alemão, holandês, italiano, espanhol e francês (Chignola, 2007; den Boer, 2001,2007; Fernández Sebastián, 2008; Fisch, 1992; Monnier, 2008). O Dicionário de Bluteau, publicado no inicio do século XVIII, não contém o termo ou mesmo palavras derivadas do radical civil-, mas traz o verbete bárbaro e vários de seus derivados . Aqui, bárbaro aparece basicamente de duas maneiras, uma descritiva, como um termo que gregos, romanos e portugueses usavam para denominar todos os estrangeiros, e Outra fortemente valorativa, associada a maus COstumes, crueldade, sacrifícios humanos e ignorância (BIuteau, lI, 45-46). A segunda edição do Dicionário de Moraes (1813) traz informações bem distintas. O termo civilização não foi captado pelo dicionarista, mas outros termos da família civil- estão presentes no volume. Por exemplo, o termo cível é definido Como aquele «[qJue compõe o corpo da mercancia, e mecânicos; oposto à Corte. Gente cível; não cortesã. § figo Não nobre, § it. Gente vil, de más manhas». O termo civeldade, hoje um arcaísmo, aparece como «[a]ção vil, vileza, indignidade» (Moraes, 1813,401). Temos aqui dois dados interessantes: um conteúdo descritivo que define cível como relativo ao povo comum, em contraposição à nobreza, associado a um julgamento de valor que associa essa condição à baixeza, à falta de qualidades e virtudes. O verbete civil, da mesma edição do dicionário, dá uma pista de que esse significado negativo já era pretérito: «Baixo, mesquinho; gente civil: epíteto que se dava aos mecânicos, que moravam em cidades cercadas, e não nos campos, em castelos como a gente nobre, e guerreira; aliás vilãos». Essa interpretação é confirmada pelo verbete civilidade: «s.f. antiq . Ação de homem do povo, de mecânico, vil. Comment. D'Albuquerque. 'sofrer civilidade'; r. é, vilanias. § Outros escrevem civeldade. § Civilidade de hoje significa cortesia, urbanidade, opp. rusticidade, grosseria» (Moraes, 1813, 402). O verbete civilidade captura um câmbio semântico interessante, confirmando que o uso pejorativo dos termos da família civil-, que atribuía baixeza à condição do homem comum, já estava caindo em desuso e que os significados positivos de cortesia e urbanidade passaram a ser associados à civilidade - dado corroborado por um sem núme- CIVILIZAÇÃO - BRASIL _C!vt foi usada na definição por oposição do termo b~aro, na .s~: :;~o a~ Moraes ele é definido como «homem rude, sem po ICla nem ClV! I 'd d a tese e que . _ucivilizado e urbano» (1M oraes, 1813 " 263) dado que . corrobora l"d rante o hiato da publicação desses dois dicionános se _conso! ou a 0Jos!ça~ entre palavras derivadas da raiz civil- e barbárie, oposlçao essa que per ura ate os dias de hoje. O termo civilização apareceu ~oe.nt na quarta e~io ~o Dicionár: ~: a de 1831 de maneira muito sllltetlCa: «O ato de CIVIlIzar..o. estado d p raes" , . civilizado». Mas em um verbete semanticamente prOX1mo, «p ohc!ado» , encontramos definição bem mais rica: d , . 1 d U ando tendo deixado os Civilizado, policiado, polido: um p<?vo ~. ~l lza o pel; obediência às leis, costumes bárbaros, se governa por leiS. ~ yo ICIa o quan o, a ões mostra r' d tem adquirido o hábito das virtudes SOCiaIS. E pohdo quando em suas ç u banidade e gosto. No povo civilizado remam as leis. No po,vo po o I e :gancIa, b rns costumes No povo polido reina a urbanidade e gosto, que e conseqduenremam os O . cia do luxo. As leis estabelecem a civilização entre os povos b'ar baros , forman o os bons cosrumes (Moraes, 1831,263). A ICl: • Aqui temos uma linha evolutiva onde a civilização cons~itu o prim~ e~á­ io dos ovos que saem da barbárie e a polidez seu derradeiro. A seque?Cla ca noPexemplo dado: «Os gregos começaram a antes de. LIcurgo e Sólon' policiaram-se no século destes dois célebres legIsladores; e pohrdam-se comparan os tresa notar que es s a passagem d' _ de 1844 e deo 1858, século" de Péricles ». E impor~ante termos semanticamente relaclOnados se repete nas e lçoes r· d . q uinta e a sexta mas agora ela não aparece mais no verbete «po l~aMo» edsIillSe1m , fim, outro d·lClOnano · ,. contemporan . eo > o de LUIZ • danad af I va «civilizado» . Por Pinto (1832), confirma os achados do .Moraes e do Bluteau, repetln o e orma abreviada as definições comentadas aCIma. ~lar civl~zar-se r::o A Um documento importante para estabelecermos os limites da introdu~ã;O termo na lín ua portuguesa é o Diretório que se deve obser'V~ nas.P?voaçoes os índios do Pa;á e Maranhão (D. José 1,1757), conjunto de leIS e.m 1755 e ublicadas em 1757 por D. José I, que regulamentou a polItlca lDdges~a p b l' O texto de pouco mais de 20 páginas uulIza termos denvados da pom a ma. . j." ~ • , • "lidade/m .. civil- 27 vezes. No documento encontram-se mUltas re.erenClas a CIVI . d e CIVI . '1'Izar como uma ação que conduz a esta CIVlcivilidade dos índios e à idela . re~glds r~lz 174 125 DICCIONARrO pOLfnco Y SOCIAL DEL MUNDO IBEROAMERlCANO ° lidade. Entre as. medidas propostas, temos: estabelecer uso exclusivo da língua p~tuge.sa; estImular o casamento entre índios e brancos, assim como um conVIVlO sOCIal e co.munit~r nas novas povoações ou nas antigas missões que então se elevavam a ~las; sUjeitar os habitantes dessas povoações, índios e brancos, às mesmas leIs C:VIS. que regiam as populações urbanas de Portugal; organizar o po,:,o.ações através da implantação do trabalho agrígoverno econ;>IIuco desa~ e demaIs atlvIdades econômicas sugeridas pelo ambiente de cola, do co~erlO cada pov~aç, do trabalho remunerado e do sistema de tributação, entre outras. O Dxretorzo expressa a política laicizada que elevava os índios à condicão de «vassalos úteis"., buscando prover o crescimento econômico da colônia, 'rebaixando a cate~Ulzçã.o _- antes a just.ificativa dominante da política indigenista port~ges: - a co~dla de um dos lllstrumentos (entre outros) de colonização mdlDs selvag~. Nas recomendações números 5 e 6 diz-se que e assIr:mlaçao ~os ~a lmgua portuguesa e a base «fundamental da civilidade,> e um dos o e~slo melDs,maIs e~zs de se arrancar os «povos rústicos da barbárie». Nota-se aqui o. v~abulo CIVIlIdade sendo usado com o mesmo sentido que décadas mais tarde clVlhzação vai adquirir: o de um estágio, ideal, de sociabilidade diametralmente oposto à barbárie. Ou seja, estamos perante um caso em que o conceito aparece antes do termo. Outro elmn~o ~eântico im~onate que já aparece no Diretório e que vai a.trav_essar toda a hlstona do conceIto no período estudado é a associação da civihzaçao com a questão indígena. Ou melhor, a identificação do índio como um p.roblema a ser re~oid por meio de sua civilização. É inclusive no sentido preCiSO de «ato de ~lvzar», «~e tornar civih, de «promover a civilidade» que o termo faz suas pn:neIras apanções. Ainda que haja câmbio semântico dos primeiros usos ~o con~e1t? desde o início do século XIX aos anos de 1870, ele não perdeu e~s s:nndo maIS direto de promover o bárbaro ou selvagem, por meio da urbamzaçao e da educação, ao estado civil, o que não raro significava viver de maneira ordenada sob o império das leis e da religião cristã. Nas primeiras décadas do século XIX, o termo civilização começa a ser usado com mais frequência, na maioria das vezes com o significado de «ato de civilizar» ..As :xce~õ correspondem a um significado que alude a um patamar de sofistlcaçao ~:mgIdo por. u~a determinada sociedade ou grupo de sociedades. Ele aparece p com tal slgmficado em 1808 no jornal Correio Braziliense, em trecho no qual o autor argumenta que havia mais civilização na nação portuguesa do que nas outras (Correio Braziliense 2, 123 [1808J), e em vários outros textos publicados pelo jornal. As páginas do Correio dão azo a outras descobertas e inferências. Nelas encon~ram-se os primeiros registros do termo civilização que extrapolam o mero sentido de «ato de civilizar» em direção a um ideal. Esse sentido é dominante nos João Feres Júnior - Maria Elisa Noronha de Sá CIVILIZA.ÇÃO - BRASIL textoS do jornal, que foi publicado de 1808 a 1822. O contexto cosmopolita ~a edição do Correio, editado e impresso por Hipólito da Costa,. e.n: L(~ndres, ea explicação mais plausível para a presença,abunda.nte do termo clvd~zaço em suas como O ~a­ páginas, em contraposição a outras publIcações 1mpres.sas no ~rasIl triota, que contém pouquíssimas ocorrências do conceIto, seil o .qu~ · ~s exceçoes ano~ d.o expressam o sentido mais antigo de «ato civilizacionah. Nos, ~nmelTos Correio, o termo aparece dominantemente em trechos de polItlc?s e figuras ilustres dos Estados Unidos, Inglaterra, França ou Portugal, tradUZidos para o português, mas Hipólito passa a empregá-lo crescentemente com ~ pa~sr do tempo. O cosmopolitismo talvez explique também o fato de que a aphcaçao do conceito noS textoS do jornal extrapola a questão indígena (doméstica), abarcando comparações entre nações e povos de todo o mundo. ~ amplo. Sua,v~c­ O campo semântico de civilização nas páginas do Corei~ ção contraconceitual é clara. Ou seja, civilização é o paIo ?OSltlVO de uma sene de oposições conceituais. Como polo positivo, e:tava asoc~ a. term~s co~ Europa, educação, comércio, indústria, comUnicações, cnstiarusmo, lmpeno das con.~ls ~e leis, polidez e bons costumes. O polo oposto era povoado pe~os barbarismo, selvageria, despotismo, tirania e violência. O conceIto de C1';Ihza7a? servia desde então para marcar oposições binárias entre um grupo de paIses CIVIlizados, que já atingiram aquele patamar, e o resto, como na fala de_Do :t:fanuel reproduzida em dezembro de 1808, onde se utiliza a expressão «naçoes clVlllzadas», um tipo de bordão repetido um sem número de vezes pos textoS publI~ados no jornal durante as duas primeiras décadas do séc~lo XIX. E elar? que essa nqueza semântica não deve ser assumida como automaticamente partIlhada por toda a comunidade de leitores do jornal na América de colonização portuguesa, ou mesmo pelos membros da corte. Significados similares aos encontrados no j ornaI estão também no discurso argumenta q~e. o reg~m dos opositores da corte. Em escrito de 1823, frei Ca~ec monárquico é próprio para a Europa, «por estar multO avançada na Clvi~a.ço>, enquanto que os países do Novo Mundo, por não terem as ordens SOClaIS tao solidificadas e diferenciadas, deveriam adotar o sistema federaL Textos que apadas Cartas ~e receram no Typhis Pernambucano, um ano depois da public~ç Caneca, fazem uso de expressões como «história dos povos CiVIlIzados» ou «C1vilização dos povos» com intuito idêntico, para defender o r~p.ubhclsmo contra o regime monárquico, mas o significado é o mesmo dê Clvlhzaçao como um estado atingido por um «clube» de nações (Typhis Pernambucano, 29-IV-1824 e 27-V-1824). Vale notar o exemplo do Visconde de Cairu, que se refere aos romanos .an~i­ gos como tendo «civilizado o mundo» e constiuí~ «a malDr monarq.u~ ao mundo civilizado» (Cairu, 1819,62) e aos gregos antIgos como um povo ClVIhza127 126 DICCIONARIO POLÍTICO Y SOCIAL DEL MUNDO IBEROAMERICAl'lO do. U:m do.s p~oneirs seguidores do iluminismo escocês no Brasil, Cairu também aSSOCIa a cIvIhzação ao aument? do comércio entre os povos (Cairu, 1819, I, 1 e 13~), empregando {) termo mUltas vezes acrescido do adjetivo «universal». Em CaIru nota-se claramente o uso de civilização como um padrão, onde estão aus~nt. formas de temporalização que possam articular o conceito a teorias da h.Is~na e da t~mporalide. Deste modo, os romanos e gregos do passado eram cIvIlizados as~m ~om os povos europeus do presente também o são, basta que eles adotem leIS vIrtuosas e costumes liberais. traços de te~porlizaçã do conceito em alguns poucos textos O ~aIs antIgo não é de autoria de um português, reino I mas do presIdente dos Estados Unidos, de 1809, reproduzida em t~aduço para o port~guês. Nela fala-se de promessas do «progresso da civiliza~ao» (Correzo Brazdzense A8, ~9 [1809]). No mesmo ano, há um texto do próprio J?rnal no qual se faz referenCla aos «graus de civilização» de maneira bem evolutIva e aos «progressos da ~ivlzação» (Correio Braziliense, 15, 147-149 [1809J). Em 1810, outro texto do Jornal faz referência aos "progressos de civilizacão a que o mundo todo atul.me~ aspi~». (Correio Braziliense 31, 629 [180J)~ Mas esses traços d~ ~emporalzç coeXlstIam com referências ao termo com signific.ado maIS estatlco, como na expressão «nações civilizadas», abundantemente uti~zad em to~ o período, _e que se refere a uma espécie de clube ao qual pertence m seleto numero de naçoes, mormente as europeias, com destaque para Inglaterra e França (Correzo Braziliense 32, 86-87 [1811]). Enco~tram do Core!~ ou da ~olrua, ~raulzens. tad Um dos ~so ~is. célebres do term~ dá~se no tíul~ de um projeto Jpreseno por Jose BomfaclO de Andrada e SIlva a AssembleIa ConstItuinte em 1823: Apontamentos para ~ ~ivl z c:ção do~ índios bravos do Império do Brasil (1823a). Segundo o autor~ a cIvlhzaçao sen: Impulsionada pela adoção do regime constÍtuclO~a no, Bras~l, contudo a eXlstencla de muitos selvagens e gentios nas terras d.o paIS recem-s aldo do Jugo português constituía um entrave ao projeto civilizaclOna!. Aparentemente a solução sugerida por José Bonifácio não diferia muito pombalinas, às quais ele faz referência explícita. Eram elas: das recom~daç.õs promover: JustIça, abnr comércio com os bárbaros, favorecer os matrimônios a cateqUlzaçao, estabelecer presídios militares, organizar bandeiras e aldemnt~s ensl~r a ler, .escrever e contar, e criar novos hábitos de sociabilidade. Bonifác~ tambe~ sublmha a necessidade de se «introduzir brancos e mulatos morigerados para mIsturar as raças, lig:r os interesses recíprocos dos índios com a nossa gente, e fazer deles todos um 50 corpo da nação, mais forte, instruída e empreendedora», outra m~dla já prevista pelo Diretório pombalino. É importante, porém ressaltar os dIferentes contextos políticos em que os textos foram escritos pOI·S' tratav m a- se, com B"f'· aClO, de pensar a questão da civilização dos índios no' moento postenor a rndependência, o da construção do Império do Brasil como :'ill 128 João Feres Jún ior - Maria Elisa Noronha de Sá CIVILIZAÇÃO - BRASIL corpo político autônomo. Na base desse projeto estava a possibilidade da universalização dos direitos civis e políticos aos cidadãos livres. Para o autor, o problema para a efetivação desses direitos estava no tratamento que índios e negros recebiam dos brancos, capaz de perverter a capacidade racional daqueles com o constante apelo à força - fonte da imoralidade permanente, da falta d@~observância dos direitos e de civilização. Durante o período estudado, Bonifácio foi um dos raros autores que incluiu a escravidão como um problema civilizacional do Brasil. Sua posição encontra-se em uma representação feita à mesma Assembleia Constituinte sobre o assunto da escravidão. Segundo o autor (1823b), a escravidão era causa da degenerescência moral da nação, pois tornava os senhores indolentes e inclinados a toda a sorte de vícios. A solução proposta é gradual: fim do tráfico, emancipação paulatina, abrandamento do sofrimento e a instituição da religião católica. Em suas próprias palavras: «Por todos esses meios nós lhes daremos toda a civilização de que são capazes no seu desgraçado estado, despojando-os o menos que pudermos da dignidade de homens e cidadãos». É interessante notar que o conceito de civilização parece não ter sofrido intensa utilização política durante o período da independência. Ou seja, ele não foi mobilizado para estabelecer diferenças entre partidos e facções e, portanto, não sofreu o inchaço semântico que geralmente decorre desse processo. Essa realidade começa a se transformar no período regencial. Em 1831, com a abdicação de D. Pedro I, inaugurou-se formalmente no Brasil o chamado período regencial, que compreendeu os anos de 1831 a 1840, quando o país passou a ser governado por regentes escolhidos pela Assembleia Geral. Nos primeiros anos da Regência, foram aprovadas medidas que consagraram a autonomia local e provocaram mudanças importantes no sistema político-administrativo do Império. Dentre elas, destaca-se o Ato Adicional, aprovado em agosto de 1834, que reformava a Constituição de 1824, abolindo o Conselho de Estado, estabelecendo a Regência Una, eletiva e temporária, e criando as Assembleias Legislativas Provinciais, com amplas atribuições. Os anos que se seguiram à promulgação do Ato Adicional estão de fato entre os mais agitados da história do Império, com ameaças à unidade nacional pretendida pela Corte do Rio de Janeiro, provocadas pelas várias rebeliões que eclodiram entre 1835 e 1838 em diferentes províncias. O Ato Adicional representou, por isso, um divisor de águas com enorme impacto sobre a vida política do país, provocando um rearranjo das forças partidárias em torno da questão da descentralização e de seus efeitos. Os «regressistas», que posteriormente comporão o PartidD Conservador, levantaram a bandeira da necessidade de revisão ela estrutura institucional, visando, segundo eles, o restabelecimento da autoridade e da ordem, contra a «anarquia» reinante e o «perigo da dissolução territorial do Império». ,Suas propostas e ações 129 DICCIONARIO POLÍTICO Y SOCIAL DEL MUNDO IBEROAMERICANO constituíram a chamada «reação centralizadora» ou «regresso conservador», concretizada, sobretudo, na Lei de Interpretação do Ato Adicional, de maio de 1840, que anula todas as conquistas anteriores. A partir daí, abriu-se um caminho que levou, em meados do século XIX, a uma estrutura política e administrativa bastante centralizada no Império do Brasil. Importa salientar a relevância desse período, por ter sido nele que se originaram fundamentais redefinições de ideias, conceitos e projetos que implicaram a construção de novos significados e procedimentos no campo da política. Dentre os mais importantes líderes políticos do grupo dos conservadores estavam Bernardo Pereira de Vasconcelos e o Visconde do Uruguai. Para o Visconde do Uruguai, teria ocorrido na história do Brasil, durante as Regências, um desvio de seu caminho em direção à civilização. Associando o período regencial, com suas medidas liberais e descentralizadoras, a um espírito revolucionário que teria levado a nação à desordem, ele condenava veementemente as revoltas nas províncias, associando-as aos «horrores friamente perpetrados pela barbaridade, pela lascívia, pela vingança e por outras paixões alheias à política», pois, afinal, naqueles sertões, rebelava-se uma massa enorme de homens ferozes, sem moral, sem religião e sem instrução alguma, eivados de todos os vícios da barbaridade! [...] Nem o sexo, nem a idade, nem a propriedade, nada respeitaram! Parece que era sua missão apagar até os últimos vestígios da nossa civilização nascente! (Soares de Souza, 1841, p. 9). Daí ser possível entender o papel fundamental desempenhado por ele no Regresso Conservador, quando, por intermédio da elaboração e adoção de uma série de medidas centralizadoras, acreditava estar trazendo a nação brasileira de volta para o caminho da ordem, do progresso e da civilização. Tratava-se de uma ordem política e social que, para Uruguai, não ocorreria naturalmente, mas que resultaria da ação política coordenada e da expansão da capacidade regulatória do governo do Estado, por meio da criação de um aparato administrativo subordinado a um comando único. Diz ele: Para estes e outros casos semelhantes são indispensáveis medidas extraordinárias, porque não basta a ação ordinária das leis para destruir um Estado tão tirânico e tão violento, e que é inteiramente excepcional. Muito se deve esperar do tempo e da civilização, mas a sua ação é lenta, e aqueles males não podem esperar somente dela o urgente e indispensável remédio (Soares de Souza, 1843, p. 91). Civilizar significava, então, generalizar o princípio da ordem estendendo o raio de ação da autoridade. o conceito de civilização ocupou, assim, um importante papel na agenda saquarema. As revoltas populares do período regencial muito contribuíram para propagar o medo das éeites, já que muitos desses eventos eram percebidos como 130 João Feres Júnior - Maria Elisa Noronha de Sá CIVILIZAÇÃO - BRASIL provocados pelos descontentamentos e protestos populares dos homens livres e pobres que formavam o mundo da desordem. Além disso, a maioria da população era formada por negros escravos. Nesse contexto, a civilização, considerada claramente uma virtude europeia, contrastava com a barbárie das massas, consideradas «visivelmente» não europeias. E o ato de civilizar essas camadaS. significava inculcar nelas as boas maneiras, a polidez e a civilidade europeias, tornando-as menos violentas e propensas a revoltas. A ênfase está aqui na ideia de ação, civilizar podendo significar educar, prover instrução pública, criar boas leis, incentivar a imigração, entre outras coisas. Nota-se também o quanto os construtores do Império brasileiro se esforçaram em associar o traço que mais os diferenciava do resto da América - sua forma de governo monárquica, seu caráter hereditário e suas instituições políticas - à civilização, à estabilidade, à ordem e, principalmente, à garantia da manutenção de uma suposta unidade territorial e de uma continuidade. No discurso saquarema está presente também a ideia de que, para se atingir a civilização, as condições particulares da sociedade brasileira demandavam medidas particulares, a elas adaptadas, e não a importação cega de modelos políticos e constitucionais estrangeiros. O epíteto conservador é adequado pois, como no caso de Bernardo Pereira de Vasconcelos, um dos mais importantes defensores do regresso conservador, já há uma consciência temporal «moderna» de um movimento do século em direção à maior liberdade e igualdade; contudo, o autor argumenta que, «em vez de fazer produzir os efeitos que a civilização espera, nos fará retrogradar». Vasconcelos ([1834J 1999) insiste no argumento de que não podemos perder de vista o «estado de civilização» do país, pois «nenhuma reforma terá êxito se não for adequada às circunstâncias nacionais». Diferentemente de Bonifácio, duas décadas antes Vasconcelos usou o argumento da adaptação às condições locais para defender a escravidão, e a consonância desta com o projeto civilizacional. «Eu digo que a associação brasileira hoje precisa de adotar uma economia política em grande parte contrária à geralmente admitida, por isso que a abolição do tráfico deve trazer tendências barbarizadoras [...J». Isso é feito invertendo-se a associação entre escravidão e barbárie. Acrescenta o autor: «É uma verdade: a África tem civilizado a América! Renuncio a todas as teorias [... ] quero só o positivismo dos fatos». Vasconcelos estabelece uma particular relação entre agricultura e civilização: já que a grande lavoura de exportação de produtos coloniais dependia da mão de obra escrava negra, era a escravidão quem propiciava, no fundamental, a civilização que distinguia o Império do Brasil no concerto das nações civilizadas. Em meados do século XIX, com o Império consolidado e a hegemonia saquarema afirmada, o tema da ordem passará ao segundo plano, sendo suplantado 131 DICCIONARIO POLÍTICO Y SOCIAL DEL MUNDO IBEROAMERICANO pelo da necessidade de difusão da civilização. Partindo da crença de que o poder poütico de alguma maneira molda a nação, a centralização político-administrativa engendrada nesse período teria tido também esse objetivo, abrindo caminho para a civilização. A civilização devia se estender a partir de agora para dentro da nação, por meio, principalmente, da construção de uma língua, de uma literatura, de uma educação e de uma história nacionais. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IBGB), criado em 1839, torna-se, em meados do século XIX, palco importante do debate acerca desse projeto. De certa forma, nesse debate, há uma volta à centralidade do indígena como problema da civilização no país. A História Geral do Brasil de Francisco Adolpho de Varnhagen, publicada em Madri no ano de 1854, é o texto principal desse debate. A simples comparação lexicométrica desse texto com o Diretório dos Índios do período pombalino demonstra o quanto o uso das palavras derivadas do radical civil- evoluiu no período de aproximadamente um século que separa a publicação de cada texto. No Diretório, termos derivados da raiz civil- aparecem 23 vezes em 20 páginas de texto. Já na História Geral eles aparecem 211 vezes em aproximadamente 1000 páginas, o que demonstra uma centralidade ainda maior dessa família de conceitos no segundo texto. Enquanto que no Diretório o termo civilização não consta, na História Geral ele representa sozinho mais da metade das ocorrências de termos da família civil-o Ele já está presente na frase que abre o livro: «Quando a Grécia, herdeira da antiga civilização fenícia, babilônica e egípcia» (H G, II, 1). O intuito declarado da obra de Varnhagen é mostrar que «um novo império», o Brasil, passava a «figurar na Orbe entre as nações civilizadas» (HG, II, 10). Mas a concretização da civilização no Brasil e seu progresso esbarravam no problema das populações bárbaras e semibárbaras que ocupavam as grandes extensões do interior do país. Varnhagen descreve os índios como originalmente desprovidos de qualquer traço de civilização, em grande parte porque eram nômades: «[ ...] as gentes que habitavam o Brasil» não se encontravam em estado de «civilização, mas de barbárie e de atraso» (HG, 1,97-103). Daí o autor saca uma conclusão que ecoa a clássica passagem orientalista da Filosofia da História de Hegel ([1837] 1899): «De tais povos na infância não há história: há só etnografia» (HG, I, 107-108). Varnhagen é bem claro quanto aos métodos que deveriam ser usados para resolver o problema civilizacional dos índios: «Foi a experiência e não o arbítrio nem a tirania, quem ensinou o verdadeiro modo de levar os bárbaros, impondo-lhes à força a necessária tutela, para aceitarem o cristianismo e adotarem hábitos civilizados» (HG, I, 177). Ao contrário de Bonifácio, seu predecessor no assunto, que via a escravidão como um entrave à civilização, Varnhagen escreve que ,,'a escravidão e a subordinação são o primeiro passo para a civilização das nações', disse, com admirável filosofia e coragem, o virtuoso e sábio bispo brasileiro Aze132 João Feres Júnio r - Maria Elisa Noronha de Sá CIVILIZAÇÃO - BRASIL redo Coutinho» (HG, II, XXI), sugerindo que o índio escravizado, igualado à .os condição do negro, já seria um progresso. Para o autor, era preciso esp~lhar escravos índios pelo país e não aldeá-Ios, como fizeram os jesuítas, pOIS assim seus hábitos selvagens seriam mais facilmente quebrantados (HG, lI, XXII). Ele também é claro quanto ao caráter eminentemente europeu da\ivlz~ão e também da nacionalidade brasileira: «Claro está que o elemento europeu e o que essencialmente constitui a nacionalidade atual». E a partir desse diagnó~to: vaticina: «E com mais razão (pela vinda de novos colonos da Europa) constltulra a [nação] futura», sacando daí consequências de ordem política e epistemológica: «É com esse elemento cristão e civilizador que principalmente devem andar abraçadas as antigas glórias da pátria e, por conseguinte, a história na~io » (HG, lI, XXV). Nessa passagem o autor se opõe abertamente àqueles .hlstonadores que querem inscrever o elemento africano e o índio na história nacIOnal. Para consolidar sua posição, cita Alberdi: «Pero siempre es la Europa la obrera de nuestra civilización» (HG, lI, 472-474). É importante notar que Varnhagen está engajado em uma controvérsia con:ra aqueles que denomina «defensores dos direitos dos índios»; contra as «tend~c:as indiscretas e falsas do patriotismo caboclo» (HG, 1,484). Contudo, a semantlca do conceito de civilização na História Geral não traz muitas inovações, a não ser sua associação com a questão da identidade nacional. Ela é em geral desproVIda de sinais claros de temporalização, pouco abstrata - o termo é usado para denominar um sem número de civilizações particulares (egípcia, grega, fenícia, ameríndia, etc.) sem nunca alçar-se à condição de coletivo singular -, e profundamente eurocêntrica. O mesmo não se dá, contudo, com a utilização que deles o fazem seus contendores. no Varnhagen não estava sozinho nesse debate que se travou não som~nte campo da história em geral, mas também da história. da literatura ~r.asleu, esta última com a função principal de narrar o desenvolVimento do esprnto naclOnal. João Manuel Pereira da Silva (Mello Moraes, I, 8) e Caetano Maria Lopes Gama (1850) descrevem os índios de maneira muito semelhante, imputando a eles total falta de civilização. Contudo, outros autores da época, como José Ignácio de Abreu e Lima, chamaram atenção para as civilizações que existiam no continente antes da chegada de Colombo (Abreu e Lima, [1845] 1983, 7). Raimundo José da Cunha Matos, mesmo sem discordar totalmente de Varnhagen, reconhece urna história indígena anterior à «história geral da terra de Santa Cruz», com três estágios civilizacionais, e pretende que aquela seja entendida como uma introdução a essa (Cunha Matos, 1863, 131). Segundo Ignacio Accioli de Cerqueira e Silva, o IHGB chegou demasiadamente rápido «à conclusão desiludida que, até <l;gora, faltavam no Bra133 DICCIONARIO pOLÍTICO Y SOCIAL DEL MUNDO IBEROAMERlCANO sil quais~r :restígios dessa civilização» (Cerqueira e Silva [1849] 1874 13) P o aut~r, eXI~tam antes da «conquista muitos centros de u:Ua civilização' prI:il~ta va cUJas mut I . 1, . . uas re açoes se Ignoram» (Cerqueira e Silva, [1849] 1874 64) M . afirmtI~. ~md_a n~ tocan~e à historicidade do índio e, portanto, a sua ~apid para a CIvIlIzaçao> e J oaqli1m Manuel de Macedo ao afirmar que: «Os índ· _ esta~: portanto, fora da civilização, mas pertenciam a ela ainda que' t lOS ~ao em cIVIlIzação'» (Macedo, 1861,23). , a rasa os José Joaquim Machado ~'C?livera vai além ao argumentar que, antes da che?ada d~ Pdor~gues, «os IndlOS não eram excluídos da civilização», pois «Sua m~apc.I a e e a~ autonomamente em termos de civilização não prejudicou a pncI~ a sua ap~Io pa~ ~ ~esma, já que os índios tinham mostrado no assad~ m~Ita receptIvIdade a cIVIlIzação» (Machado d'Oliveira [1842] 1863 1~4) Ao m~es dos s~vagen antropófagos de Varnhagen, o aut;r descreve o' índi~ como gura socIavel, de «índole dócil e condição pacífica», que associou-se de boa me t b· h 'b· n e, a nu seu coraç~ com candura à civilização, e renunciou a todos os a Itos e costumes por uma relIgIão que não conhecia e ue se afi u . rav~ de ,ur:n a :xpres~ão severa, e por homens cuja ambição de rique;asqe avidez gd~ pre omIlllO nao sabIa calcular (Machado d'Oliveira, [1842J 1863, 197). . 1Ou seja, Machado d'Oliveira coloca em dúvida a virtude da empreitada coloma portuguesa. Ca.mo vin;os .acima, no debate acerca da historicidade dos índios e, ortanto para a narrativa da história da civilização no Brasil oPconceit; e CIVI Izaçao amda apresentava uma semântica marcadamente «anti 'a» ou se·a el·rp~tavd mobrmente um ideal europeu, desprovido de tracos forte~ de' tempJo~ ra Izacao e - A· d ' e ~ straç~. In a que o projeto fosse o de construir a história da naçao, essa naçao era VIsta corno um arremedo da civilização europeia que via como puro empecilho as hordas de negros e indígenas que povoavam o Brasil. ~e s~a.;p<:rtcI _ > Com o advento do romant· .. f Ismo, o conceIto val so rer alterações importantes . d . JI osed'd e .AITencar-' um dos m alOres expoentes a geração romântica, relativiza o va- or a CIVI lzaçao. Por exemplo, em seu romance O gaúcho, o povo dos am as é comparado favoravelmente aos «filhos das cidades enerv d I · PI· P_ (Al 187 ' a os pe a CIvllzaçao» encar'd ~O), qu~ é também culpada por babujar a virgindade primitiva das margens o .n:). n:gual (Alencar, 1870,6). Em outro romance, Alencar acusa os "pol e.ttuas dacIvl.1zço>~ de fazerem «pura imitação», por colherem suas impressões d a eI ra e Ivros e nao da e .~ d· d xpenenCla Ireta a naturen (Alencar, 1875b, 15). ?, A ~a ~o mesmo tempo,_ Alencar usa o conceito de civilização para favorecer a men.ca em comparaçao ao velho mundo: «O ênero hum . da América, dando-lhe : encar nao se re ena somente aos Estados Unidos, mas a todo o continente: «D~ mIsã~ regnt~doa designaçã:~ ~e;>a João FeresJúnior- Maria Elisa Noronha de Sá CIVILIZAÇÃO - BRASIL feito, é nas águas lustrais do Amazonas, do Prata e do Mississípi, que o mundo velho e carcomido há de receber o batismo da nova civilização e remoçar» (Alencar, 1870, n, 14). Em O Tronco do Ipé, por meio dos personagens de Alice e Adélia, o autor critica a importação acrítica de modismos franceses e defende uma síntese nacional «da formosura e elegância com os pequenos misteres domésticos» (Alencar, 1871,34-36). N o final do livro, em meio a ressalvas, o escritor apresenta a civilização como «um processo de propagação continental que vai estreitando a união de povos ligados pelo mesmo amor da liberdade, e pelas mesmas aspirações de engrandecer o nome americano» (Alencar, 1871,264-265). Ou seja, aqui vemos traços claros de temporalização até então difíceis de encontrar em textos anteriores. Em livro posterior, O Sertanejo, faz novamente uso da palavra civilização como sujeito de uma sentença; como processo histórico abrangente (Alencar, 1875a, 1). Alencar vai mais longe na refutação das teses defendidas por Varnhagen e outros. Ao criticar o poema Os Timbiras de Gonçalves Dias em carta ao DL Jaguaribe, Alencar mostra-se contrário à ideia de que à civilização brasileira deveria ser atribuída uma matriz puramente europeia: «O conhecimento da língua indígena é o melhor critério para a nacionalidade da literatura». A razão está exatamente em contrapor à Europa o que é próprio do Brasil, ou seja, em rejeitar um projeto puramente mimético: «[Tal conhecimento] nos dá não só o verdadeiro estilo, como as imagens poéticas do selvagem, os modos de seu pensamento, as tendências de seu espírito, e até as menores particularidades de sua vida» (Alencar, 1865, 195). o mesmo Gonçalves Dias, a despeito de ter-se envolvido em controvérsia pública com Alencar, tem uma visão parecida à dele no tocante ao conceito de civilização brasileira e do papel do índio nela. Dias se refere aos índios tupi como «os mais civilizados» entre os índios quando da chegada dos portugueses, confirmando a opinião de que eram eles «os judeus da América» (Gonçalves Dias, 1846, 31), algo que contraria a ideia de que eram todos bárbaros canibais. Em outra obra, o autor escreve: «[os índios] são o princípio de todas as nossas coisas; são os que deram a base para o nosso caráter nacional, ainda mal desenvolvido, e será a coroa da nossa prosperidade o dia da sua inteira reabilitação» (Gonçalves Dias, 1846,206-207). Em suma, com a geração romântiça o conceito de civilização começa a mostrar sinais de temporalização e abstração explícitos. Ironicamente, essa é a mesma geração que promove também uma nacionalização do conceito, fenômeno aludido por Pim den Boer, algo que necessariamente tenciona seu caráter universal e abstrato. Há de se notar que, a despeito de algumas exceções como José Bonifácio, os negros sequer eram tema do debate acerca da civilização, e sua condição de escravos era ignorada ou até justificada pelas próprias necessidades do processo civilizacional, como em Bernardo Pereira de Vasconcelos e Varnhagen. 134 11.e; DICCIONARIO POLÍTICO Y SOCIAL DEL MUNDO IBEROAMERICANO FONTES E BIBLIOGRAFIA Fontes primárias João FeresJúnior- Maria Elisa Noronha de Sá CIVILIZAÇÃO - BRASIL Correio Braziliense (1808-1822): (http://www.brasiliana.usp.brl). CUNHA MATOS, Raimundo José da (1863): «Dissertação acerca do systema de escrever a historia antiga e moderna do imperio do Brasil», Revista do IHGB 26/27, pp. 121-143. 'Á ABREU E LIMA, José Ignácio de (1983) [1845]: Sinopse ou dedução cronológica dos fatos mais notáveis da história do Brasil, Recife, Fundação de Cultura Cidade do Recife. D. JosÉ I (1757): Diretório que se deve observar nas povoações dos índios do Pará e Maranhão. 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En las Antillas hispanas hubo elementos diferenciados en el uso y significado del concepto civilización respecto a otras territorios americanos: por un lado la existencia de la esclavitud, que no sólo marcó la carga racial que tuvo, fundamentalmente en Puerto Rico hasta la abolición en 1873 y en Cuba hasta 1886; y, por otro, su íntima relación con el devenir político de estas territorios, cuya condición colonial-en los casos de Cuba y Puerto Rico- se prolongó hasta 1898, mientras la República Dominicana, tras su pronto desligue de Espana y forzada anexión a Haití hasta 1844, sólo. vivió un periodo corto de incorporación a la Monarquía hispana entre 1861 y 1865. LA ClvILIZAcrÓN COMO FIN A ALCANZAR Los productos agrícolas, frutos exóticos, animales, geografía y riquezas de las islas -en cuanto elementos diferenciadores- confirieran a Cuba, Puerto Rico y a la que fuera República Dominicana un lugar en el mundo. Algunos alimentos y plantas pasaron a formar parte dei universo simbólico en el que los pueblos basaron su imaginaria e identidad; aI mismo tiempo, productos como el azúcar, el tabaco o el café les dotaron de una situación privilegiada en el mercado internacional para, desde finales del siglo XVIII, ser reconocidps y valorados de otfO 141