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UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DO VALE DO IGUAÇU – UNIGUAÇU FACULDADES INTEGRADAS DO VALE DO IGUAÇU CURSO DE DIREITO GEAN LUCAS CARVALHO (RE)PENSANDO A DECISÃO JUDICIAL EM TEMPOS DE NEUROCIÊNCIAS – O DIÁLOGO ENTRE CÉREBRO E TOGA. UNIÃO DA VITÓRIA 2018 UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DO VALE DO IGUAÇU – UNIGUAÇU FACULDADES INTEGRADAS DO VALE DO IGUAÇU CURSO DE DIREITO GEAN LUCAS CARVALHO (RE)PENSANDO A DECISÃO JUDICIAL EM TEMPOS DE Neurociências – O diálogo entre cérebro e toga. Trabalho de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito das Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu – UNIGUAÇU, como requisito parcial à obtenção do título em Bacharel em Direito Orientador: Prof. Ms. André Luan Domingues. UNIÃO DA VITÓRIA 2018 TERMO DE APROVAÇÃO (RE)PENSANDO A DECISÃO JUDICIAL EM TEMPOS DE Neurociências – O diálogo entre cérebro e toga. GEAN LUCAS CARVALHO Trabalho de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito das Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu – UNIGUAÇU, como requisito para obtenção do grau em Bacharel em Direito, considerado aprovado pela banca examinadora e avaliado com nota:10 em sua defesa pública Orientador: Prof. Ms. André Luan Domingues Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu Membro da Banca: Prof. Dr. João Vitor Passuello Smaniotto Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu Membro da Banca: Prof. Ms. Cainã Domit Vieira Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu UNIÃO DA VITÓRIA - PR “Sim, e quantos anos uma montanha pode existir Antes que ela seja dissolvida pelo mar? Sim, e quantos anos algumas pessoas podem existir Até que sejam permitidas ser livres? Sim, e quantas vezes um homem pode virar sua cabeça E fingir que ele simplesmente não vê? A resposta, meu amigo, está soprando ao vento A resposta está soprando ao vento” Bob Dylan AGRADECIMENTOS Meus sinceros agradecimentos ao meu pai Paulo Carvalho, por todo o apoio espiritual, por demonstrar que após a nossa existência terrena, o amor persiste e os bons exemplos relutam por toda a eternidade cósmica, que conjuntamente com minha Mãe não mediram esforços, frente a todas as adversidades da vida, para me proporcionar o acesso à educação e ao conhecimento de qualidade, serei eternamente grato por todo amor. Não posso deixar de agradecer ao meu primo Felipe, pela amizade que cultivamos desde a tenra infância. Ao meu orientador André Luan Domingues, por acreditar nesta ideia, incentivar a minha trajetória acadêmica e demonstrar que o direito é uma realidade viva que ultrapassa a lei em sentido estrito, obrigado pela amizade. Ao colegiado do curso de Direito da Uniguaçu, em especial ao professor João Vitor pelas primeiras lições de Introdução ao Estudo Direito e o professor Fernando Perazzoli, por deixar claro que o diálogo entre o direito e as ciências naturais é algo possível, aos professores Cainã e Hugo por todo conhecimento repassado no NPJSS. Aos meus caros amigos da graduação Rafael, Patrícia e Renato, que escolheram o direito como uma forma de vida. A todos que direta ou indiretamente colaboraram na minha trajetória, porque sou o que sou, porque nós somos (ubuntu). “Houve um tempo... houve um tempo em que eu invejava os heróis. Aqueles que tinham participado dos grandes acontecimentos, que viveram épocas de ruptura, momentos de reviravolta da história. Falámos e cantávamos sobre eles. Havia canções muitos bonitas. “Águias, águias...”. É assim? Que lindas! Que lindas eram as palavras das nossas canções. Eu sonhava! Lamentava não estar lá em 1917 ou em 1941. Hoje penso de outra forma: eu não quero viver a história, no tempo histórico. A minha pequena vida ficaria imediatamente sem sequer nota-la. Sem se deter. Depois de nós, restará apenas a história.1” ALEKSIÉVITCH, Svetlana. Vozes de Tchernóbil: a história oral do desastre nuclear. Companhia das Letras, São Paulo, 2016. p. 270. 1 RESUMO CARVALHO, Gean L. (RE)PENSANDO A DECISÃO JUDICIAL SOB O VIÉS DA NEUROCIÊNCIA – um diálogo entre cérebro e toga. 2018. 125 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito – Área: Hermenêutica Jurídica) – Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu – UNIGUAÇU, União da Vitória, 2018. A bilhões de quilômetros da terra a sonda espacial Voyager 1 vaga solitariamente pela imensidão do universo, ela é o único objeto humano que já ultrapassou as fronteiras da Via Láctea, provando a inigualável capacidade cognitiva do homo sapiens. Além disso somos capazes de criar as mais sofisticadas máquinas, desenvolver teorias complexas, explorar as belezas do universo e desfrutar dos avanços da tecnologia, no entanto, pouco compreendemos sobre o funcionamento do cérebro, órgão fundamental para o desenvolvimento da humanidade. Sendo assim, a neurociência busca desvendar os mistérios dessa magnifica estrutura, desenvolvendo várias teorias, sendo que algumas afirmam que ações humanas não são atos voluntários, mas feitos predeterminados pelo cérebro, produzindo o conceito de Neurodeterminismo, gerando um grande debate no direito penal, pois como seria possível punir um indivíduo se a sua conduta não é fruto da sua vontade? A doutrina criminalista analisou duramente essas ideias, mas não percebeu que o magistrado também é uma pessoa, ou seja, a decisão judicial também é predeterminada. Sabemos que a teoria analisada não foi comprovada cientificamente, mas isso não nos impede de analisar os possíveis impactos dessa tese na seara jurídica, pois caso ela for confirmada, não será somente o conceito de crime que estará em risco, mas todo o direito. Por conseguinte, precisamos repensar o ato decisório sob o viés das neurociências, através da criação de um novo conceito decisão judicial, o qual preserve as garantias da jurisdição frente aos avanços das pesquisas neurais. Palavras-chave:Decisão Judicial; Filosofia da Ciência; Neurociência; Teoria do Processo. ABSTRACT Billions of kilomenters from Earth the space probe Voyager 1, walks lonely by the immensity of the universe, it is the only human object that crossed the borders of Lacteal Way, proving the unparalleled cognitive ability of the homo sapiens. In addition we are able to create the most sophisticated machines, develop complex theories, explore the beauties of the universe and enjoy the advances of technology, however, little we understand about the functioning of our brain, fundamental organ for the development of humanity. Therefore, neuroscience seeks to unravel the mysteries of this magnificent structure, developing several theories, some of which affirm the human actions are not voluntary acts, but made predetermined by the brain, producing the concept of neurodeterminism, generating a great debate in the criminal law, since how could an individual be punished if his conduct is not the result of his free will? The criminal law, analyzed these ideas hardly, but did not that the magistrate is also a person, that is, the judicial decision is also predetermined. We know that the theory analyzed has not been proven scientifically, but this does not prevent us from analyzing the possible impacts of this thesis in law, because if it is confirmed, it will not only be the concept of crime that will be at risk, but all law. Therefore, we need rethink the decision making act under the gaze of the neuroscience, through the creation of a new concept of the judicial decision, which preserves the free conviction of the judge against the advances of the neural researches KEYWORDS: Judicial decision; Philosophy of Science; Neuroscience; Process Theory. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11 2 UM UNIVERSO CHAMADO NEUROCIÊNCIA ...................................................... 17 3 4 2.1 Conceitos básicos de neurociência .............................................................. 20 2.2 Neurociência Comportamental e Cognitiva .................................................. 24 DECISÃO JUDICIAL UMA TENTATIVA CONCEITUAL ................................... 28 3.1 O papel do julgador em um estado democrático de direito .......................... 36 3.2 O Cpc/15 – Uma revolução no ato de julgar? .............................................. 39 DETERMINISMO, MODERNIDADE E FILOSOFIA DA CIÊNCIA. ..................... 42 4.1 Os primórdios da filosofia da ciência moderna e a busca por um conhecimento válido .............................................................................................. 43 4.2 A construção do direito moderno; ................................................................ 47 4.3 Laplace e o determinismo absoluto; ................................................................ 49 5 A REVOLUÇÃO QUÂNTICA E A QUEBRA DO PARADIGMA DOMINANTE – DA ORDEM AO CAOS;’ ........................................................................................... 52 5.1 Os Pilares do Direito Moderno apresentam uma Rachadura? ........................ 56 6 O RENASCIMENTO DO DETERMINISMO ATRAVÉS DA NEUROCIÊNCIA ....... 58 6.1 Os efeitos do neurodeterminismo no direito penal ........................................... 61 6.2 A decisão do magistrado seria determinada? .................................................. 65 7 PESQUISAS NEURAIS E A INAPLICABILIDADE DO NEURODETERMINISMO 68 7.1 Plasticidade neural e pluralidade sinaptica ...................................................... 71 7.2 O gato de Schoringer, Werner heisenberg e o neuromito do neudeterminismo: uma questão epistemológica? ............................................................................... 73 7.3 Neuropossibilidades?....................................................................................... 78 8 DECISÃO JUDICIAL E NEUROCIÊNCIAS ........................................................... 81 8.1 Cognição e Automatismo ................................................................................. 86 9 LIMITES À SUBJETIVIDADE DO JULGADOR ..................................................... 95 9.1 O dever de seguir o texto constitucional e a força vinculante dos direitos e garantias fundamentais; ........................................................................................ 99 9.2 A fundamentação como resposta à arbitrariedade. ....................................... 102 9.3 A necessidade de decisões democráticas ..................................................... 108 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 113 11 REFERENCIAL TEÓRICO................................................................................. 116 1 INTRODUÇÃO Construir uma ponte entre o direito e as neurociências em um primeiro momento parece ser algo ilógico, que ultrapassa as fronteiras da prudência, frente a grande distância epistemológica existente entre as ciências sociais e as ciências biológicas. Sem maiores discussões é pacífico que o objeto de estudo do direito contemporâneo é análise da norma e dos seus efeitos sociais, em especial em um país como o Brasil que adota a tradição da civil law (LOSANO, 2007, p. 352), o que obriga que toda pesquisa jurídica ao menos teça breves comentários sobre a legislação vigente, por isso fomos em busca de uma norma jurídica, em especial um lei em sentido stricto que fizesse remições a temas neurocientificos, e para nossa surpresa encontramos apenas um dispositivo na legislação federal, o Art. 3 ˚ da Lei 9.434/97 (Lei de Transplantes). Tal artigo tem uma natureza ambivalente, representando a morte e a esperança na mesma frase, ordenando que a retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento médico, deverá ser precedida do diagnóstico de morte encefálica, antes da efetiva doação. Morte encefálica, este é o único termo neurocientifico expresso na legislação federal brasileira, o que demonstra que o diálogo entre o direito e as neurociências são ínfimos, e quando feito representa o fim da vida, trazendo uma aura negativa a tal estudo, frente a repulsa natural ao sofrimento. Contudo o nexo entre o cérebro e a lei não pode ser limitado ao evento biológico que caracteriza o suposto fim da vida, é necessário entender que o direito regula a vida pulsante dos indivíduos e as suas condutas no meio social, já as neurociências em síntese buscam descobrir o liame entre uma infinidade de interações celulares ocorridas no sistema nervoso e os efeitos no comportamento e na realização atividades biológicas pelo seres vivos, em especial pelo homo sapiens. Traçar um paralelo entre o direito e as neurociências não é um mero deleite acadêmico, mas uma necessidade prática, frente ao fato que segundo Fritoj Capra todos os ramos do saber estão interligados, como em uma grande teia, obrigando que a ciência no século XXI abandone a construção de conhecimentos ditos “puros”, ficando aberta à criação de uma sapiência multidisciplinar e plural (CAPRA, 2003, p. 23). 11 Por isso a tempos a visão que o direito é um ramo independente e autentico do conhecimento mostrasse conturbada, tornando imprescindível repensar o papel do saber jurídico, tendo uma visão de superação das leituras feitas de Kelsen, frente ao fato que o direito está intrinsecamente pautado na regulamentação da vida social, este que sem sombra de dúvidas é marcada pela sua constante metamorfose, obrigando que as normas consigam alcançar a sua fugacidade. A multidisciplinaridade é importantíssima para aprimorar o saber humano/jurídico, porque traz à tona elementos “desconhecidos”, mas que tem uma grande relevância na interpretação e aplicação da norma em sentido lato (ADEODATO, 2008, p. 52) Em síntese, o direito precisa realizar um diálogo com as mais diversas searas do saber, frente a uma necessidade hermenêutica, fruto da contemporaneidade a qual construa uma estrutura mais sólida para aplicação da norma jurídica, justificando a presente obra, que se propõe a mesclar o direito com um dos ramos mais promissores do saber. Infelizmente o debate entre o direito e a neurociência ainda é limitado a poucas indagações no direito penal, acerca dos possíveis efeitos desta ciência na teoria da culpabilidade, como fez o ilustre penalista paranaense Paulo Busato na obra Direito Penal e Neurociência, publicado em 2014 pela editora Atlas, tal livro faz uso de uma teoria neurocientifica criada pelo neuropsicólogo Benjamin Libet, conhecida como neurodeterminista, a qual parte do pressuposto que o comportamento humano é previamente determinado pelas sinapses neurais, partindo, desta visão determinista vários juristas europeus afirmam que se o neurodeterminismo é de fato um realidade, o direito penal perde a sua razão de ser, por os deliquentes não poderão sofrer uma pena, frente a ausência de livre arbítrio na pratica de condutas ditas criminosas, assim não há que se falar em culpabilidade, não havendo base jurídica para aplicar uma sanção a um sujeito que agia deterministicamente. A obra de Busato refuta as teses neurodeterministas, através de argumentos puramente, afirmando em síntese que o direito só pode existir em mundo pautado na liberdade, não há direito sem liberdade (BUSATO, 2014, p. 71-4). A problemática neurodeterminista gera impacto direto no direito (BUSATO, 2014), contudo poucos juristas questionam o seu impacto na teoria da decisão judicial, porque do ponto de vista de vista biológico inexiste qualquer diferença entre o delinquente que comete uma conduta tida como ilícita e um magistrado que profere uma sentença válida, por que, não se poderia afirmar que as decisões judiciais são 12 determinadas pelo cérebro do julgador? Para rebater esta questão apresentamos este trabalho, que propõe a analisar o fenômeno da decisão por um viés neurocientifico, questionando conceitos como o livre arbítrio e apresentando respostas jurídicas e neurocientificas que podem contrapor o neurodeterminismo de Libet. O diálogo entre direito e neurociência não pode ser feito de maneira simplista, pois são duas áreas do pensamento aparentemente opostas, por isso o primeiro capítulo desta obra terá a função de contextualizar e apresentar ao leitor o mundo das neurociências, dando breves pinceladas sobre a evolução do sistema nervoso ao longo dos milênios, explicando a estrutura neural, seja pelo aspecto celular ou sistêmico. Tais conceitos são primordiais, já que demonstram como que o comportamento humano é formado, frente ao fluxo de milhões de sinapses ocorridas entre os neurônios, que levam os indivíduos a terem um conduta X ou Y (LENT, 2004, p. 10). Em síntese, só é possível problematizar e aplicar as neurociências caso estivermos familiarizados com ela, sob pena de criarmos um conhecimento obscuro, marcado por falhas que gerarão desinformação. Provavelmente o leitor está se perguntado por que é preciso discutir a decisão judicial? Incontáveis respostas poderiam ser dadas, mas o que torna as deliberações decisórias do judiciário tão importantes é o fato que elas representam um argumento de autoridade (STRECK, 2015), porque a determinação do magistrado é um dos únicos meios capazes de legitimarem a coerção estatal sobre a liberdade e a propriedade dos indivíduos, decidir esta intrinsicamente ligado com os fundamentos do estado democrático, através da aplicação da lei aos litígios e da supremacia da jurisdição pública sobre a deliberações privadas, constituindo a estrutura basilar das sociedades ocidentais modernas. Desta forma o segundo capitulo tece breve comentários sobre as principais teorias da decisão judicial, passando pela escola da exegese, da escola sociológica, apresentando os estudos de Kelsen e de Schmitt, trazendo à tona os impactos gerados pela filosofia da linguagem no direito, através do auxílio da obras de Lênio Streck, e por fim suscitar as mais recentes teorias da decisão como a escola da Decision and Making. Também é explicitado como a decisão judicial é vista pelo ordenamento jurídico Brasileiro, que em tese deve ter uma vertente constitucional, a qual foi reafirmada pelo Código de Processo Civil de 2015, que enfatizou o dever dos magistrados em fundamentar as suas decisões. 13 A filosofia da linguagem ensinou que nada vem do nada (STRECK, 2014, p. 110), existe uma razão para as coisas acontecerem, e por isso é necessário encontrar as origens do neurodeterminismo, como será demonstrado nos capítulo três, quatro e cinco. O terceiro mostra que a humanidade sempre flertou com teorias deterministas, contudo com a revolução cientifica ocorrido a partir do século XVI e a consolidação da filosofia da ciência e a propagação da teoria de Isaac Newton de ação e reação, levando sujeito como Pierre Laplace à desenvolverem hipótese que mecânica clássica possuía efeitos uniformes em todo o universo, assim as condutas seriam previamente determinadas por um conjunto de acontecimentos físicos, inexistindo livre arbítrio, mas um estágio de determinismo absoluto. Já quarto capítulo busca quebrar o paradigma determinista de Laplace, mostrando como as teorias quânticas surgidas no século XX, representaram um ponto de ruptura com a física newtoaniana, a qual perdeu o seu status de uma teoria física universal, visto que as reflexões de Einstein, Niels Bohr e Werner Heisenberg, confirmar que o cosmo é regido pela incerteza, inexistindo previsibilidade em escalas subatômicas. Por conseguinte o determinismo Lapliciano perdeu o seu arcabouço teórico, não havendo mais espaço para a sua difusão. Mesmo com a física quântica e com a solidificação do arquétipo da incerteza, um neuropsicólogo chamado Benjamin Libet, inspirado pelos experimentos de biólogos chilenos, desenvolveu uma teoria conhecida como neurodetermismo. Libet realizou uma serie de eletroencefalogramas em indivíduos saudáveis, e observou um padrão nestes exames, ele percebeu que o cérebro sinais elétricos milésimos de segundos antes que sujeitos tivessem a consciência que haviam realizado um movimento motor, como o ato de mexer um dedo, logo Libet concluiu que há fortes indícios que as condutas humanas são previamente determinadas pelo sistema nervoso central (LIBET, 1999, p. 50). Uma parcela esparsa da doutrina no final do século passado tiveram contado a teoria de Libet, e entenderam que ela poderia ser útil na teoria do crime, já que os humanos são seres determinados, inexiste livre arbítrio e portanto os delinquentes não poderiam ser punidos por seus atos, frente a ausência de culpabilidade da sua conduta, frente ao fato a ausência de liberdade gera a imputabilidade, não havendo arcabouço jurídica apto a justificar a aplicação de um pena, salvo uma medida de segurança (HASSEMER IN BUSATO, 2014, p. 2). Mesmo que o foco do estudo 14 desses magistrados não fosse a teoria da decisão, um detalhe ficou despercebido, o magistrado também é uma pessoa, portanto, se o delinquente não tem autonomia da vontade, o juiz idem, em resumo a decisão judicial também é determinada. Para evitar que o direito enfrentasse em uma crise de legitimidade, os mesmos juristas que apostaram no neurodeterminismo, construíram uma resposta estritamente jurídica a uma teoria biológica, argumentando que o direito só pode existir onde há liberdade (GUARAGNI E GUIMARÃES IN BUSATO, 2014, p. 195), não há a menor dúvida que esta é uma realidade, contudo, parece não ser convivente os argumentos trazidos por estes juristas, visto que existe uma notória diferença metodológica entre o saber o neurocientifico e o jurídico. Para evitar contradições, o capítulo seis vamos demonstrar como o neurodeterminismo é uma teoria falha do ponto de vista neurocientifico, frente a existência de fenômenos neurais como a plasticidade neural e pluralidade sináptica, que tornam os impulsos cerebrais indeterminados. Tais objeções também são compartilhadas pelo própria Benjamin Libet, que frente aos avanços da física quântica, começou a repensar os seus escritos (LIBET, 2006, p. 125). O capítulo oito parte do pressuposto que o determinismo neural é uma teoria falha, contudo, a psicologia e as neurociências, demonstram que o comportamento humano é repleto de nuances e influencias tanto internas quanto externas, que modelam as condutas do sujeito ao longo da sua vida, havendo acerca da existência de uma liberdade plena. Tornando notório conforme vários juristas como Alexandre Morais da Rosa, que a decisão está aquém de uma dita neutralidade do julgador, frente a impossibilidade cientifica de afirmar que o sujeito no momento de aplicar a lei esteja atrelado apenas a norma, é notório que a personalidade influi duramente na sua forma de decidir (MORAIS DA ROSA, 2017, p. 162). A influência das ciências heurísticas nas deliberações jurisdicionais, foi amplamente pesquisas pelo laureado Daniel Kahneman nos tribunais Israelense, sendo que o fato de certos magistrados estarem com fome influi diretamente na dosimetria da pena (KAHNEMAN, 2012, p. 249). Os questionamentos acima não tem a índole de questionar a autoridade democrática do poder judiciário, mas demonstrar que o direito, em especial as decisões judiciais não podem ser explicadas apenas pelo direito, é necessário repensar conceitos, sob pena de cometermos uma grave hipocrisia epistemológica. 15 Por fim o capítulo nove, explica que não há mais espaço para negligenciar o fato que as decisões judicias são influenciadas por uma série de fatores, contudo, existem barreiras jurídicas que impedem que a subjetividade do julgador se sobreponha a norma jurídica. O primeiro impedimento à subjetividade e nos caso mais graves à arbitrariedade, são os obstáculos democráticos inseridos no texto constitucional, que impedem que decisões que contrariem a hermenêutica constitucional sejam consideradas válidas, portanto, a constituição torna-se um filtro objetivo conta a subjetividade. Também é salientado a importância da fundamentação das decisões judiciais, porque do ponto de vista neurocientificos, uma das formas mais eficientes que o interprete tem para excluir os seus (pré)conceitos sobre o caso concreto é fundamentar, obrigando que o julgador entenda o caso, podendo excluir interpretações falhas e subjetivas dos autos, em resumo, a fundamentação é algo interessante porque ela impede as decisões sejam tomadas automaticamente, sem juízo aprofundado de cognição. Os estudos neurocientificos demonstram que a forma de tomarmos decisões e quando estamos abertos ao diálogo (KAHNEMAN, 2012, p. 42), desta maneira o novo código de processo civil pode ser revolucionário, ao momento que tenta implantar uma nova cultura processual no Brasil, partindo do pressupostos conforme Marinoni, que as decisões judiciais devem ser democráticas, ou seja, as opiniões das partes devem ser levadas em consideração no momento de sentenciar, prezando pela auto composição (MARINONI, ARENHART E MITIDIERO, 2017, p. 82). Em síntese a integração das neurociências com o direito é um fenômeno pósmoderno, frente a uma busca acadêmica pela unificação das ciências, baseado no fato que todas as searas do saber estão interligadas entre si, por si movimentos como a neurolaw tendem a ganhar destaque no século XXI, fruto do zeitgeist presente como afirma Valanciené (2013), e a decisão judicial precisa ser repensada, não apenas pelas neurociências, mas por todos os saberes sejam eles científicos ou não, para só construirmos um direito democrático e plural, dando concretização as utopias do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. 16 2 UM UNIVERSO CHAMADO NEUROCIÊNCIA Até hoje a humanidade almeja compreender os mistérios do sistema nervoso, essa incrível jornada remonta a um passado longínquo, com o surgimento dos primeiros hominídeos nas planícies africanas, nossos ancestrais possivelmente buscavam estabelecer uma relação entre a mente e o corpo, achados arqueológicos em regiões da África Subsaariana e da Mesopotâmia comprovam que ascendentes do homo sapiens dissecavam crânios, sob a suspeita que esta região do corpo era mística, responsável por estabelecer um contato entre os mortais e uma possível divindade, o poder simbólico do crânio humano está presente na maioria nos cultos religiosos primitivos, representando principalmente a morte e o sofrimento, consistindo no elo de ligação entre as estruturas terrenas e as forças metafisicas, possuindo caraterísticas ambivalentes por demonstrar o fim da vida e o desconhecido (CASTRO E LANDEIRA-FERNANDEZ, 2010, p. 141-9). Já na idade antiga Aristóteles afirmava que a mente humana estava localiza no coração e o cérebro era um órgão que servia para diminuir a temperatura e a pressão sanguínea, no entanto, Hipócrates atribuía ao cérebro como a região onde se localizava a mente, com o decorrer das estações e o aprimoramento do estudo da anatomia humana, acreditou-se que os sulcos cerebrais eram como campinas nas quais os pensamentos eram cultivados, mas foi René Descartes que consolidou a ideia que a mente era localizada no cérebro, a qual funcionava mecanicamente, controlando o resto do corpo (KOLB e WHISHAW, 2002, p. 251). O estudo da anatomia humana sofreu profundas transformações com o aprimoramento da ciência moderna, a descoberta dos fenômenos elétricos mudaram a forma como o mundo e os seres biológicos eram vistos, principalmente porque estes também emitiam e recebiam sinais elétricos e químicos, contudo, os primeiros indícios que o cérebro humano liberava partículas eletroquímicas foi constatado em 1731 por Stephen Grey, mas só em meados do século XIX e XX os estudos sobre a eletricidade levaram cientistas como Alexander Von Humboldt, Friedisch Gortz, Gustav Fritsch, David Ferrier a comprovar definitivamente a relação entre a eletricidade e o cérebro, comprovando que córtex cerebral irradiava sinais elétricos ordenados, sendo que a decodificação destes possibilitaria compreender a relação entre o cérebro e o funcionamento do restante do corpo, este momento é marcado como o nascimento da 17 neurociência. Como se pode constatar o cérebro tem um linguagem própria de externada através de correntes elétricas, cabendo aos neurocientistas descobrir o significado desses eventos (HERCULANO-HOUZEL IN LENT, 2008, p. 17). A partir de então o sistema nervoso central foi compreendido como um complexo conjunto de órgãos, responsáveis pelo controle e comando de toda a estrutura corporal, suas manifestações ocorriam através da eletricidade e não por secreções orgânicas como o restante dos órgãos e tecidos corporais. Mesmo que os pesquisadores acima sejam considerados os pais da neurociência, a sua consolidação como um ramo autônomo do conhecimento médico, desvinculando da neurologia, somente aconteceu no século XX, a partir de então era passou a ser entendida segundo Lent (2010, p. 5) como a seara da medicina que estuda o funcionamento do sistema nervoso, tendo o objetivo de compreender a relação entre os sinais eletroquímicos emitidos pelo cérebro e o comportamento do sujeito. Basicamente a neurociência é dividida em cinco grandes áreas: A neurociência molecular que analisa o estruturas moleculares do sistema nervoso; A neurociência celular que aborda as células e a estrutura do sistema nervoso; A neurociência sistêmica a qual busca relacionar as estruturas celulares como o funcionamento neural; A neurociência comportamental que estuda a relação entre as estruturas neurais e o comportamento do sujeito; E a neurociência cognitiva que analisa as capacidades complexas como a autoconsciência, a memória e a linguagem. Neste estudo apenas usaremos os conhecimentos fornecidos pela neurociência comportamental, fazendo pequenas abordagens acerca da neurociência cognitiva Lent (2010, p.10). Atualmente a neurociência vem se apresentando como um dos ramos mais promissores da conhecimento cientifico, principalmente pelas facilidades que o conhecimento das funções cerebrais poderá proporcionar a humanidade, ganhando destaque as pesquisas sobre a interação cérebro-máquina, as quais poderão modificar a forma como vivemos e ser uma solução para problemas como a paralisia e outras doenças degenerativas como o Parkinson2. O cientista brasileiro Miguel Nicolelis é um dos principais desenvolvedores destas pesquisas, em sua obra: Muito Além do Nosso Eu, Companhia das Letras, 2015 é possível através de uma “viagem” literária conhecer tais estudos e seus futuros efeitos na sociedade. 2 18 O universo da neurociência é vasto e quase completamente desconhecido, fatores que possibilitam a criação de inúmeras pontes entre a ciência do cérebro e outros ramos do saber, gerando inúmeras abordagens interdisciplinares, principalmente em setores os quais estão relacionados diretamente com o contato humano, como a psicologia, a psiquiatria, a administração e a publicidade. Contudo, tal dialogo na maioria das vezes é feito de maneira superficial deixando de demonstrar que a maioria das teses neurocientificas ainda são teorias as quais necessitam de uma comprovação fáticas, motivo pelo qual é necessário ter cautela, para evitar levar o leitor a erro. Para a comprovar que a neurociência é entendida erroneamente pelo senso comum, não se pode deixar de mencionar o artigo publicado por Brockington e Mesquita afirmam que o conhecimento cientifico é disponibilizado pelos meios de comunicação em especial pelas redes sociais de forma deturpada, seja pela falta de conhecimento teórico dos divulgadores das informações que limitam a publicam matérias rasas, que não condizem com os resultados colhidos na academia, pelo fato da neurociência ser novidade para a sociedade, são criados vários neuromitos, frutos de meras hipóteses teóricas, as quais são exponencialmente divulgadas a sociedade como verdadeiras, como o caso Brain Gym, no qual uma famosa rede de academias norte-americana divulgou na sua página no Facebook que a atividade física melhora o funcionamento do cérebro, sem citar nenhuma fonte cientifica de renome, gerando desinformação, com a finalidade de ampliar o seu número de clientes, existem milhares de neuromitos como: “O cérebro do homem é diferente do da mulher”; “Beber menos que 6 a 8 copos de água por dia murcha o cérebro”, “As pílulas e suprimentos que melhoram o desempenho cognitivo”, mas o problema central reside no fato que os neuromitos são vistos como verdades cientificas, iludindo o público leigo (Brockington e Mesquita, 2016, p. 32-3). Para evitar a propagação de neuromitos é interessante a perspectiva de Costa e Simon (2015, p. 18) que entendem que neurociência deve sofrer uma abordagem multinivelar, ou seja, além de considerar as teorias neurocientificas, outros conhecimentos de searas diferentes devem ser integrados aos seus estudos, possibilitando que os seus resultados sejam aplicados com maior facilidade, pois diferentemente das ciências exatas, o conhecimento biológico não é meramente 19 descritivo, mas imprescindível de demonstrações praticas, incabíveis de explicações reducionistas/exclusivistas. O conceito de multinivelaridade das neurociências também pode ser entendido como a forma de estudo desta ciências, porque o conhecimento por ela buscado prescindem de elementos de vários níveis como o molecular, neural e o sistema, necessários para explicar os fenômenos neurais (LENT, 2010, p.20). Portanto cabe informar ao leitor que em 2018 ainda não é possível conhecer e controlar as ações humanas através dos gráficos das sinapses neurais, pois como havíamos salientado o cérebro produz bilhões de estímulos eletroquímicos e ainda somente é possível controlar uma parte minúscula desta reações, não havendo ainda meios para monitorar todos os eventos cerebrais, ou seja, os cientistas não sabem como um conjunto de sinais elétricos cerebrais produzem experiências subjetivas, ainda existe um longo a caminho a percorrer. Também é importante saber que relacionar sentimentos e ações humanas a apenas sinapse consiste em uma ortodoxia cientifica, a qual despreza a maioria das crenças do senso comum que acredita veementemente na existência de uma alma ou outra essência metafisica que nos garanta o livre arbítrio. Em resumo esta obra é pautada em pressuposto exclusivamente científicos, não almejando fazer uso de neuromitos capazes de enganar o leitor. No mundo do direito o diálogo entre a neurociência ainda é uma novidade acadêmica, as primeiras interações entre as áreas ocorreu no início da década passada em países como os Estados Unidos, no entanto, as análises na maioria destes estudos era limitado a “divagações” filosóficas questionando o livre-arbítrio e outros conceitos abstratos, a partir de 2006 universidades americanas e espanholas, desenvolveram pesquisas questionando o conceito de culpabilidade do direito penal, tal implicação será analisada nos próximo capítulos. Já no Brasil tal debate é novíssimo, pois as primeiras produções cientificas sobre o tema remontam a início da década, sendo parcas o número de teses e dissertações sobre o tema, e em sua maioria carecem de novidade acadêmica, pois se limitam a fazer uma compilação bibliográfica de artigos estrangeiros (BUSATO, 2014, p. 49). 2.1 CONCEITOS BÁSICOS DE NEUROCIÊNCIA 20 Antes de adentramos a fundo no tema é primordial conhecermos alguns termos neurocientíficos e um pouco sobre a fisiologia e o funcionamento do sistema nervoso, principalmente pelo fato da maioria dos estudiosos das ciências sociais desconhecer terminologias médicas, no entanto, cabe salientar que tal explanação é um breve resumo, pois não caberia a nós aprofundar tal tema, no entanto, ela é essencial para a compreensão plena desta obra, porque a maioria dos escritos sobre o tema, em especial os relacionados com o direito utilizam termos como neurociência, neudeterminismo, neurônios, entre outros, sem proporcionar ao leitor uma base acerca do debatido, o que pode levar o receptor do conteúdo a deduzir que as soluções neurocientificas são simplórias3. Basicamente a neurociência estuda o sistema nervoso, em escala macroscópica ele é composto pelo sistema nervoso periférico, onde estão localizado os nervos dispersos por todo o corpo humano, estando interligados ao sistema nervoso central, este último é formado pela medula espinhal, a qual desempenha funções motoras e sensitivas, principalmente, relacionadas ao controle imediato do funcionamento do corpo e pelo encéfalo, um grupo de três órgãos – cérebro, cerebelo e tronco encefálico –, ambos com uma morfologia irregular, cheia de dobraduras e saliências, desenvolvendo atividades cognitivas complexas, como o controle e comando do restante do corpo, fruto da grande agremiação de neurônios presentes no local, é localizado no crânio, estrutura protetiva do encéfalo contra eventuais impactos externos (LENT, 2010, p. 9-13) . O cerne da estudo da neurociência também pode ser reduzido à escala microscópica, através da análise da células neurais, as quais basicamente são divididas em células neuronais e gliais, as primeiras são conhecidas popularmente como neurônios sendo responsáveis por emitirem sinais eletroquímicos, os quais gerarão um resultado físico ou comportamental no corpo do indivíduo, tal evento é conhecido como sinapse, ou seja, a interação entre neurônios ou entre um neurônio e outra célula do corpo, além disso, os neurônios podem ser considerados verdadeiros bits de informação, capazes de (des)codificar todos os eventos exteriores e interiores do organismo em sinais eletroquímicos, permitindo a realização de atividade de controle e comando com o restante do corpo (LENT, 2010, p.14). Havendo o interesse sobre o tema recomendamos as seguintes obras: LENT, Robert. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência. ATHENEU, São Paulo, 2008 3 21 Já as células gliais são estruturas de suporte aos neurônios, elas são encarregadas de alimentar e garantir a saúde do neurônio, fornecendo suprimentos como o oxigênio, sem menosprezar a sua capacidade defensiva, protegendo os neurônios contra invasões patológicas, contudo, existem indícios que os gliocitos são capazes de modificar as informações transmitidas (sinapses) entre os neurônios (LENT, 2010, p. 15). Em resumo o encéfalo realiza um conjunto de operações, sendo que a neurociência comportamental busca explicar como um conjunto de atividades neurais consegue gerar determinada ação ou omissão humana, conforme salienta Kandel et Al (2015, pág.5) a mente humana poderia ser resumida a apenas um conjunto de operações realizadas pelo encéfalo, contudo, Sousa Lyra et Al (2015) entende que termos abstratos como a mente, não podem ser explicados através da simples analise empírica. Conforme salienta Lent (2008, p. 22-8) existem vários tipos de neurônios, sendo que cada modalidade é responsável por realizar certo estimulo e função fisiológica, parte da academia conhecida como localistas entende que cada área do cérebro é responsável por uma função fisiológica especifica, como o lobo frontal (parte da frente do cérebro) que é responsável pelas coordenação de atividades relacionadas ao planejamento das ações do sujeito, no entanto, mesmo sendo majoritária tal corrente vem perdendo força para a teoria Holística, a qual parte do pressuposto que o encéfalo é uma estrutura única, sendo que cada sessão possui a sua autonomia, mas a estrutura neural precisa trabalhar conjuntamente para gerar o comportamento esperado. Cada neurônio pode emitir e receber estímulos elétricos, os quais possuem uma carga elétrica determina, a qual é uma forma que o corpo desenvolveu para transmitir informações entre as células, a decodificação destas cargas, possibilitará ao cientistas o conhecimento acerca do funcionamento cerebral. Após a emissão da carga elétrica pelo neurônio, a informação é transmitida a outra célula através de um axônio, que é uma ramificação do neurônio responsável por transporta a informação, cada neurônio possui apenas um axônio e vários dendritos –em alguns casos chegando a cinquenta mil dendritos- estrutura responsável pelo recebimento de informações pelo neurônio (LENT, 2010, p. 111-5). 22 É importante salientar que as atividades cerebrais são complexas, pois estas dependem do funcionamento harmonioso de bilhões de neurônios em conjunto, os quais produzem uma infinidade de estímulos elétricos e químicos, criando uma infinidade de circuitos/redes os quais são alterados a cada sinapse, os estudos das redes neurais representam o grande emaranhado que é o sistema nervoso, assim atividades comuns como conversar, dependem do funcionamento de neurônios relacionados a fala, a audição, a memória entre, criando uma teia de acontecimentos, sem os quais a emissão de um som seria impossível. (LENT, 2010, p.21-5). Após esta pequena base podemos entender como um conjunto de estímulos neurais pode realizar um ato físico como a movimentação de um membro ou um evento mental como a produção de um pensamento, vamos ao exemplo: Um grupo de neurônios emite estímulos elétricos ou químicos, que através da medula espinhal acionara um nervo, o qual acionara um músculo, o qual realizará um contração, após a consumação do evento, envia outro sinal elétrico ao sistema nervoso central, para confirmar a execução do ato. Eventos neurais como a contração de músculos são passiveis de serem “controlados” e executados por um agente externo, como é demonstrado na obra de Nicolelis (2013), o qual explana com é possível fazer com que um macaco da espécie rhesus movimente involuntariamente um membro do seu corpo, após receber micro correntes elétricas em determinadas regiões do seu cérebro, no entanto, quando se trata de atividades neurais complexas com o sentimento de raiva ou capacidade de raciocínio, a ciência ainda não consegue reproduzi-los em laboratório, devido ao alto grau de abstração de tais fatos. Tendo uma base estritamente neurocientifica Kandel et Al (2014, p. 26) afirma categoricamente que todo o comportamento físico ou mental é o fruto de um conjunto interconexões neurais, as quais em tese podem ser previstas previamente através da ligação de alguns eletrodos conectados ao crânio e ligados a um osciloscópio, no entanto, a previsibilidade do ato está limitada a milésimos de segundo. Outro fator que merece destaque é o fato do cérebro ser segundo LENT (2008, p. 35-40) um estrutura dinâmica, a qual é modificada a cada momento por fatores internos como a execução de sinapses, ou por eventos externos com o envelhecimento, além disso falhas durante a formação do encéfalo, a qual somente é finalizada na maturidade, interferem no funcionamento da estrutura neural. 23 2.2 NEUROCIÊNCIA COMPORTAMENTAL E COGNITIVA Como já havíamos salientado a presente obra busca analisar o processo decisório judicial, processo que por si só é complexo, pois submete o julgador a várias escolhas as quais devem estar fundadas no ordenamento jurídico para serem validas, tornando-se primordial analisar eventos neurais relacionados ao comportamento, a cognição e a consciência do sujeito, para podermos entender parte dos porquês de uma sentença. Primeiramente se deve entender consciência como a condição de estar consciente da realidade, decorrente de um estado de vigília, já a cognição é o processo de tomada de conhecimento da própria atividade psíquica (HERCULANOHOUZEL, 2008, p. 3). Diferente de outras áreas do saber a neurociência busca encontrar através de bases celulares ou moleculares eventos que expliquem o processo comportamental e cognitivo humano, no entanto, em alguns casos o saber fornecido pela psique se funde com a ciência do cérebro. O comportamento e a cognição são atividades cerebrais complexas, pois todo o encéfalo precisa trabalhar conjuntamente para produzir ideias e ações mentais, produzindo em alguns casos bilhões de sinapses, o que por si só gera uma dificuldade na sua decodificação, diferente da realização de movimentos musculares, os quais necessitam em tese do funcionamento de apenas determinadas do cérebro (KANDEL ET AL, 2014, p. 298). O processo mais relevante no comportamento do sujeito é segundo Kolb e Whishaw (2002, p. 258) as experiências que este passa durante a sua, tais fatos quando relevantes tem o poder ter alterar lentamente a estrutura cerebral, modificando a forma como a realidade é percebida, este evento é o resultado de uma necessidade adaptativa dos seres ao seu meio, no entanto, pode ser desvantajosa, deixando o sujeito inerte na sua subjetividade, criando barreiras para a compreensão das coisas e da realidade por outro ponto de vista. A informação acima tem grande importância no ato de julgar, pois segundo um viés puramente neurocientifico o julgamento é um compilado das experiências do julgador. Cabe salientar que lesões físicas ou químicas alterações metabólicas ou hormonais também afetam o comportamento, no entanto, não vamos analisaras nesta obra. 24 Partindo de um viés psicológico o comportamento é um conjunto de ações dirigido a uma rede de expectativas em relação aos efeitos do agir, levando três fatores em consideração como as experiências anteriores, a observação do ambiente e o conhecimento adquirido previamente, além disso parte da psicologia também entende as atividades comportamentais como um mecanismo para a auto realização do agente (FIORELLI E MANGINI, 2016, p. 24). Quando falamos em comportamento o senso comum parte do pressuposto que ele consiste em uma manifestação do livre-arbítrio, mas alterações na fisiologia cerebral conseguem limitar e alguns extinguir a liberdade decisória do indivíduo, também não esquecer falhas psicológicas também são responsáveis por várias mudanças comportamentais. Todo comportamento está dependente de um impulso seja externo ou interno como a produção de uma sinapse neural, e a maioria dos atos comportamentais são marcados pelo automatismo, sendo que a interação entre sujeito transforma o agir de ambos, sem levar em conta ainda as influências do ambiente (KOLB E WHISHAW, 2002, p. 45-8). Os comportamentos podem ser divididos em duas categorias: regulatórios – aqueles realizados automaticamente pelo corpo como a respiração – e não regulatórios – modalidade sujeita a ação do indivíduo como a alimentação e inclusive o ato de julgar -, a última modalidade é qual está mais propensa a interferências externas na sua execução (KOLB E WHISHAW, 2002, p. 420). As emoções também são fatores de fulcral importância nas atividades neurais, consequentemente gerando efeitos relevantes em qualquer sistema nervoso, primeiramente devemos entender emoção como um conjunto de sentimentos subjetivos que temos em relação ou pessoa, tal fato faz com que o nosso cérebro sinapses de acordo com as emoções que está sujeito, neste ponto a experiência armazenada ao longo da existência do julgador serve como um gatilho mental, podendo desencadear as mais profundas sensações, tais eventos na maioria dos casos são incontroláveis (KOLB E WHISHAW, 2002, p. 432). Outro fator de grande importância na neurociência comportamental é papel da recompensa sobre as ações, pois sempre que realizamos algo esperamos uma compensação, em escala neural não é diferente, pois a partir da realização de uma sinapse que gera um comportamento, os neurônios receberam alguma substancia química como a dopamina como forma de prêmio pelo estimulo produzido, 25 incentivando assim a realização de eventos neurais futuros (KOLB E WHISHAW, 2002, p. 439), fazendo uma analogia com o processo judicial poderíamos utilizar o exemplo de Alexandre Morais da Rosa que afirma que a recompensa que o juiz busca ao proferir uma sentença é vê-la confirmada pelo tribunal (MORAIS DA ROSA, 2017, p. 367). O pensamento é outra característica que merece relevante análise na neurociência e também nesta obra, pois eles são conhecidos como construções psicológicas, marcado por um alto grau de abstração, o que impede que o seu controle seja monitorado apenas pelo registro dos sinais elétricos emitidos pelo cérebro, mesmo que em pesquisas seja comprovado que primatas submetidos a estímulos visuais possuem uma atividade cerebral uniforme (KOLB E WHISHAW, 2002, p. 531), outro hipótese para a compreensão do pensamento é partir do pressuposto que o cérebro é um estrutura dinâmica e holística, assim a atividade cognitiva não está limitada a apenas a um lóbulo cerebral, mas dispersa ordenadamente em todo o sistema nervoso, sendo assim neurocientistas criaram o conceito de rede neural, que seria a criação de uma rede de neurônios interconectados por todo o sistema, sendo que a compreensão do eventos ocorridos nesta “teia” levaria ao entendimento do pensamento humano. O que distingue o pensamento humano dos demais seres é a capacidade de expressar as ideias através de uma linguagem, pois pensamos através de uma linguagem, e graças a nossa capacidade de sintaxe, ou seja, o poder de agrupar palavras e criar expressões significativas, permitindo a comunicação (LENT, 2008, p. 644). Antes de finalizar este subcapítulo é relevante deixar expresso que pesquisadores como Nussbaum e Ibrahim (2012) entendem que a ciência do cérebro por si só, não conseguira decifrar os “códigos” do pensamento e muito menos criar uma linha diferenciando atitudes conscientes das inconscientes, tornado primordial um estudo interdisciplinar, com áreas como a psicologia, a psiquiatria e quem sabe até a psicanalise. Em posição convergente Sousa Lyra et Al (2015, p. 289-292) entende que o conceito que de consciência não pode ser reduzido ao estudo heurístico, cabendo a filosofia explicar termos com tamanha abstração, incapazes de serem entendidos em sua plenitude pelas ciências naturais, portanto, caso se socorrermos dos saberes filosóficos se pode afirmar que a consciência é a percepção que indivíduo tem do 26 espaço/tempo, podendo planejar o futuro, refletir acerca do passado e agir no presente, além de possibilidade de interagir com o seu meio ambiente, consistindo em uma experiência totalmente subjetiva, sem esquecer da influência das relações intersubjetivas que modularam a forma como o agente percebe a realidade, contudo não se pode negligenciar o fato que alterações fisiológicas do sistema nervoso central modificam a estrutura do cognitiva e comportamental do sujeito, modulando as suas experiências ditas conscientes. 27 3 DECISÃO JUDICIAL - UMA TENTATIVA CONCEITUAL O processo judicial é pautado pela busca de uma resposta jurisdicional que seja apta a solucionar de forma efetiva a lide debatida em juízo, para obter tal resultado é necessário o seguimento ao rito estabelecido na lei, solucionado as arrestas e os pontos dúbios da demanda, através da instrução, para finalmente chegar ao momento mais esperado depois da concretização do direito material, o proferimento da sentença (CINTRA ET AL, 2011, p. 43). O conceito de decisão judicial pode ser limitado a toda deliberação jurisdicional permitida em lei, com carga decisória, como as sentenças e as decisões interlocutórias, como regra elas devem ser proferidas por uma autoridade competente, para existirem no mundo jurídico, devendo respeitar o ordenamento legal posto para serem válida e possuir aplicabilidade para ser eficaz (STRECK E DELFINO, 2016, p. 322). Já Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2015, p. 468) salientam que o conceito de decisão está intrinscamente ligado a uma abordagem procedimentalista do processo, pois a modernidade impõe ao julgador o dever de seguir o procedimento estabelecido da norma para construir uma decisão válida, a qual em tese atenderia os anseios democráticos do legislador. Desde a idade antiga se buscou estabelecer os parâmetros da decisão judicial, segundo Monteiro (2007, p. 75) Platão já buscava criar uma razão de ser para as leis, as quais eram estabelecidas para evitar as injustiças, nessa época toda decisão para ser justa deveria obedecer os preceitos legais, tendo o juiz um papel fulcral nesta relação, pois caberia a ele aplicar a “justiça”, devendo ter sentido anteriormente ao ofício o peso da injustiça, livre de vícios que possam desacreditar a sabedoria do seu veredito. Já para Aristóteles a atividade judicante consiste na faculdade de dizer o direito, não cabendo ao magistrado criar regras alheias aquelas estabelecidas pelo povo. Já em Descartes e principalmente em Kant a decisão deve ser pautada em um pressuposto de racionalidade, devendo o interprete escolher a linha argumentativa que mais se adeque ao ideal de razão, abandonando impulsos subjetivos, os quais impedem a materialização da verdade, assim a decisão deve buscar a realidade dos 28 fatos, abandonando construções intuitivas que levam apenas ao erro e consequentemente a injustiça. Tal corrente busca estabelecer a certeza da física mecânica as atitudes do sujeito, entendo que todos os atos natureza, são passiveis de previsibilidade e guiados através da razão e sempre em busca da verdade. Também cabe informar que o posicionamento acima foi superado pelo advento da mecânica quântica, a qual será abordado no longo desta obra (FONSECA, 2012). Não se pode deixar de lado o fato que as decisões judiciais não são limitadas as sentenças, mas presentes em todos os atos jurisdicionais com um caráter imperativo, capaz de mudar o mundo dos fatos ou o andamento do processo, para Bobbio (2006, p. 172) tais atos são marcados pelo poder/dever do magistrado em aplicar a lei em sentido lato ao caso em debate, podendo utilizar em regime de exceção normas extra estatais para construir um decisão adequada ao contexto. Com o movimento de codificação do direito civil, iniciado principalmente na França com o código napoleônico e pela influência de movimentos epistemológicos modernos, a decisão passou a ser vista por viés exegético, onde a atividade judicante era reduzida a subsunção do preceito menor – fato social com relevância jurídica – ao preceito – norma jurídica abstrata -, criando um processo interpretativo mecânico e linear, impedindo que o magistrado deliberasse além do limite legal (STRECK, 2016, p. 111). Tal posicionamento é durante criticado por deixar o direito alheio a realidade social onde ele está inserido, contudo, é necessário entender o presente momento como a evolução do processo civilizatório, proporcionando um ideal de segurança jurídica as deliberações judiciais, possibilitando que a burguesia europeia pudesse desenvolver empreendimentos e aprimorar a negociações comerciais amparadas na certeza do direito expresso na lei, possibilitando que tais sociedades tivessem um crescimento econômico exponencial, o qual não seria possível caso houvesse um direito mutável. Não se pode negligenciar o papel de Kelsen no desenvolvimento da teoria da decisão, principalmente no ocidente, o grande jurista de Viena criou um ideal ciência jurídica, onde o direito deveria ser estudo e aplicado através de uma formula estritamente cientifica, fazendo que o direito foi entendido através do direito, como uma ciência autônoma, alheia a influencias externas como a moral e os costumes sociais, impedindo que agentes alheios ao direito maculassem a sua aplicação (KELSEN, 2006). 29 Cumpre salientar que Kelsen é erroneamente tratado como um exegeta, contudo, tal posicionamento é errôneo, porque ele em momento algum afirmou que o direito é o sinônimo de lei em sentido estrito, desenvolvendo uma teoria que entende o fenômeno jurídico por um viés estritamente cientifico, frente a necessidade de estabelecer conceitos objetivos à aplicação da norma, também não se pode afirmar o positivismo jurídico está limitado a Hans Kelsen, não, ele é uma corrente do pensamento jurídico dividido em várias vertentes, indo de Savigny até Dworkin (STRECK, 2016). Como um dos maiores expoentes da corrente decisionista o alemão Carl Schmitt (1996, p. 106-8) em contraponto a Kelsen, entende que o direito não pode estar fundado na objetividade, instrumento da ciências matemáticas, devido ao fato dele ser um mecanismo social de poder, consequentemente, realidade jurídica não é pautada exclusivamente no significado da norma jurídico, mas no poder decisório dos sujeitos estatais, os quais guiam o fenômeno jurídico. A teoria acima põe em evidencia o peso da decisão no direito, descontruído a visão que a norma é o pilar da segurança e da justiça, mas o fator legitimador do poder estatal, o qual é expressado pela decisão dos seus agentes. Conforme Lins e Horta (2016, p. 152-3) o estudo da decisão judicial pode ser dividido em três grandes correntes: A primeira corrente trata a decisão com um enfoque interpretativo/argumentativo, a qual consiste no discurso justificador do pronunciamento judicial, tendo como base a razão empírica presente na norma jurídica, construindo um ideal de objetividade e imparcialidade do interprete, exposta por estudiosos como Alexy, Dworkin, Perelman, Streck tendo uma ampla aceitação no meio acadêmico brasileiro, merecendo destaque os estudos desta corrente com a filosofia da linguagem; Já a segunda merece destaque, pois pensa a decisão sob um contexto político/institucional, dando ênfase aos efeitos decisórios no meio social, sendo muito bem representa pela escola do realismo jurídico, a qual segundo Bobbio (2006, p. 142) aborda o direito como “o conjunto de regras que são efetivamente seguidas em determinada sociedade”, portanto o ato deliberativo consiste em uma tomada de decisão do interprete/juiz, o qual em hard cases deve “adotar” a ideologia/política que mais beneficie a sociedade; Por último existe a teoria conhecida como “Psicologia da Decisão” ou “Judgment and Decision Making”, a qual utiliza dos saberes disponibilizados através da psicologia, das ciências cognitivas ou através das 30 Neurociências, partindo do pressuposto que a decisão é influenciada por inúmeros fatores externos ou inconscientes, fazendo com que o interprete/julgador primeiro decida para depois construir a argumentação que justifique a sua escolha, diferente da primeira corrente que reluta pelo caminho inverso Nesta obra teremos como base a teoria do “Judment and Decision Making”, mais especificamente da corrente neurocientifica, partindo do pressuposto que a decisão judicial, não está limitada à saberes jurídicos, mas condicionadas a fatores extrajurídicos, tendo a norma a função de servir de base para construir a narrativa justificadora da decisão. As outras duas teorias não serão esmiuçadas neste texto, no entanto, não se pode deixar de destacar que vários argumentos nelas contidas servem como base para reforçar a terceira vertente. Em uma crítica bem fundamentada Lins e Horta (2016, p. 163) afirma que discutir a decisão judicial tendo como base argumentos exclusivamente dogmáticos/ filosóficos, deixe o interprete longe da realidade onde a sua deliberação gerará efeitos, torna-se ineficaz, pois carece de mecanismos concretos que possibilitem a sua eventual execução, exceto em casos de pronunciamento meramente declaratórios. Na situação acima o autor não pretende acabar com a corrente dogmática/filosófica, ele a entende relevante para a construção de um conceito adequado de decisão, o que se busca é a realização de um diálogo interdisciplinar. Um ponto relevante da corrente filosófica/dogmática é a implantação no direito da filosofia da linguagem, a qual busca construir um saber alheio ao mundo dos fatos, se limitando a analisar o significado do objeto, tendo como marco o giro linguístico produzido por Saussure, o qual tirou a linguagem de uma posição coadjuvante na análise filosófica para traze-la ao centro do debate. Este ramo da filosofia busca compreender o verdadeiro sentido do pensamento do agente através das sentenças linguísticas, e como é evidente o direito só consegue se manifestar através da linguagem (OLIVEIRA, 2017). Já em relação a corrente realista se pode afirmar que atividade decisória é a expressão da preferencias político/ideológicas do julgador, famosa por sua ampla aplicabilidade no sistema contencioso norte-americano, nessa hipótese a decisão não é o reflexo da “verdade real”, mas o fruto de uma escolha individual, a qual deve ter amparo na norma. Recentemente a doutrina anglo-saxã representada pelas pesquisas de Epstein e Sunstein adotou novos paradigmas ao realismo, partindo do 31 pressuposto que a atividade deliberativa está longe de ser um ato individual, pois o magistrado muitas vezes profere a sua decisão conforme o entendimento do seu tribunal superior, evitando uma futura reforma da sua sentença, a respectiva ação é convergente ao sistema da common law, o qual diga-se de passagem baseado em precedentes (LINS E HORTA, p. 165), diante da análise dos dados empíricos só existe uma alternativa as cortes, a pluralidade ideológica de seus membros, gerando a probabilidade de haver decisões democráticas, se pode ainda fazer uma comparação com o perfil das decisões dos ministros do Supremo Tribunal Brasileiro, pois se pode conhecer os rumos que tomará o processo conforme o posicionamento ideológico do magistrado, é evidente aqueles que são liberais ou conservadores ou neutros, estes últimos são “exceção”, o que torna comum a comparação do STF à onze ilhas isoladas. O realismo jurídico tem como seu maior expoente o jurista dinamarquês Alf Ross, o qual partiu do pressuposto que o direito é um conjunto de fatos sociais, buscando separar o mundo deontológico (dever-ser) do ontológico (ser) na seara jurídica, partindo do pressuposto que o direito não é pautado em termos metafísicos, mas na realidade social onde ele está inserido. Ross relaciona os requisitos de validade da norma com a sua aplicabilidade social, isso permite com que o direito consiga acompanhar o alto grau de mutabilidade social, evitando a ineficácia produzida pela adoção de um legalismo extremo, proporcionando uma grande interação entre direito e moral, pois esta também é originada no seio social, mas diferentemente do direito, ela não possui uma coercibilidade jurídica e o direito se resume a uma forma de manter a paz social, através de mecanismos que proporcionam a tutela de certos interesses, os quais são protegidos pelo estado (RODRIGUES, 2016). O realismo está em um momento de transformação, principalmente através da divulgação de estudos norte-americanos que propõem que direito é influenciado por fatores extralegais, se mesclando com terceira escola a “Judment and Decision Making”. Quando abordado o realismo, devemos ser cautelosos, porque ele foi pensando para sistema jurídicos baseados no common law, nesse caso a sua aplicação no direito brasileiro se torna limitada, frente a adoção da civil law, mesmo havendo um amplo anseio doutrinário pela valorização dos precedentes e da 32 jurisprudência iniciado pela EC /45 e consolidado com o novo código de processo civil em 2015. Em relação a “jurisprudencialização” do direito brasileiro, cabe demonstrar a opinião de Catharina (2014, p. 9) o qual afirma que o fortalecimento dos precedentes no Brasil não decorre de uma escolha da coletividade, mas de uma necessidade social por segurança jurídica, frente aos milhões de processos em trâmite, nas dezenas de tribunais espalhados pelo país, buscando criar um oásis de estabilidade em um local onde existe inúmeros entendimentos para um mesmo caso, além da grande morosidade. A vantagem do sistema de precedente é que além de proporcionar segurança jurídica, eles acabam gerando aos litigantes um tratamento isonômico nas suas pretensões, evitando decisões surpresas, devido a natureza fontes primárias do direito que lhes é concedida, superando a sua utilização como um mecanismos de integração normativa em caso de lacunas no ordenamento jurídico. O maior problema deste sistema reside no fato que a adoção das decisões judiciais como fonte do direito em ampla escala, reduz o caráter democrático da norma jurídica, devido a menor atuação do poder legislativo na criação da norma A vantagem do realismo jurídico segundo Fernandes (2016) resume no fato, que ele expõe os fatores que levarão o magistrado à deliberar de certa forma, permitindo que receptor da decisão tenha uma melhor compreensão do ato decisório. Contudo o realismo parte do pressuposto que a compreensão da verdade dos fatos é a melhor maneira de se construir uma decisão justa, sem cair em divagações metafisicas, mas a problemática da verdade não é aquilo que aconteceu no mundo dos fatos, e sim a o que o magistrado entendeu como verdadeiro (FERNANDES, 2016). Havendo o estudo da decisão judicial através da teoria da “Judment and Decision Making” se chega ao ponto que a decisão consiste no objetivo que o intérprete busca atingir, baseado em seus padrões comportamentais, emocionais e cognitivos. Tal teoria teve até recentemente uma rejeição no meio jurídico, podendo citar como referência o jurista Lênio Streck entre outros que entendem que a busca por fatores extrajurídicos poderia gerar uma crise de legitimidade as deliberações dos magistrados, o senso comum jurídico está(va) pautado em um ideal racional Kantiano, sob o qual o julgador interpretava conforme os cânones estabelecidos pela razão moderna, mas a prática mostra que detalhes inconscientes e externos influem no resultado decisório, esta tese foi proposta pelo jurista Herbert Simon em meados do 33 século XX, nomeando ela como “racionalidade limitada” (LINS E HORTA, 2006, p. 171). No meio jurídico esta teoria é conhecida pela frase “o que os juízes comem no almoço define o resultado da sentença”4. Simon também adotava a ideia que a decisão é o reflexo do contexto no qual ela é elaborada, tudo isso foi compilado com os escritos de outros estudiosos como Daniel Kahnemam e Amos Tversky, somado as recentes inovações apresentadas pela psicologia, deixando o direito em uma zona cinzenta, porque a racionalidade normativa não era o único fator determinante do processo decisório, mas apenas um meio justificador da escolha do julgador (KAHNEMAN, 2012, p. 20). O maior problema da terceira teoria é o fato que o princípios processuais como o contraditório e a ampla defesa podem tendem a serem vistos como um fantoche jurídico, servindo apenas para dar um ar de formalidade ao procedimento jurisdicional, frente a sua ínfima influência no resultado final do pleito, conforme salienta Lins e Horta (2016, p. 173) a deliberação do sujeito/julgador está repleta de fatores sociais e subjetivos que modelaram a forma como o agente vê a sua realidade, como a obediência cega à autoridade jurisdicional superior, a polarização a posições e opiniões ao grupo social em que ele está inserido, resultando em uma decisão recheada de subjetividades, as quais o próprio magistrado entende serem inexistentes. Mesmo não adotando expressamente a teoria acima, em posição convergente Nalini (2015, p. 172) aponta que a práxis judicante, releva que a vontade do julgador é estabelecida antes das pesquisas doutrinárias e normativas do caso e a argumentação é o meio utilizado para legitimar a deliberação do magistrado. Em tese primeiro deveria haver a colheita de instrumentos cognitivos para só depois haver a decisão. Em 2011 foi realizada uma pesquisa em Israel e nos Estudos Unidos, comparando milhares de sentenças penais, com o horário em que elas eram proferidas, levando a comprovação estatística que quanto mais tarde elas foram elaboradas, mais pesadas foram as penas cominadas, se juízes estivessem com fome a pena aplicada tendia a maior, comparado com decisões proferidas após uma farta A escola do Decision and Making não é uma vertente do realismo jurídico, porque, este parte do pressuposto que a realidade social constrói as regras que são formalizadas pelas decisões judiciais, já a primeira não já a primeira não é baseada no processo de elaboração normativa, mas nos fatores extralegais que influem na tomada de decisão do julgador (RUBLIN, 2011, p.184). 4 34 refeição (DANZIGER; LEVAV; AVNAIM-PESO, 2011). O Empirismo acima leva a comprovação que a decisão é um emaranhado de fatores desconhecidos até pelo sujeito “consciente”, o qual decide através de impulsos e utiliza de uma construção argumentativa para justificar a sua escolha. Contudo não se pode deixar de salientar que a “Judment and Decision Making” possui alguns pontos obscuros, primeiramente não se pode desprezar o valor argumentativo que norma jurídica tem em qualquer decisão, devido a sua abstratividade ela é passível de ser aplicada em diversas situações além das previstas pelo legislador, servido como base para qualquer sistema democrático moderno, além de tudo ela é o cerne da segurança jurídica, ficando difícil acreditar que vivemos em uma república de juízes. Sem esquecer que a comprovação da teoria em debate depende da comprovação empírica dos fatores que influenciam a decisão, o que por si só é um tarefa hercúlea (LINS E HORTA, 2016). Em um posicionamento critico na sua coluna semanal no CONJUR, o ilustre jurista Lênio Streck aponta alguns pontos obscuros acerca da teoria acima, primeiramente ele parte do pressuposto que se podemos conhecer antecipadamente os rumos do pronunciamento judicial, através de informações sobre a vida privada do julgador, não haveria mais a necessidade de estudar direito, mas apenas conhecer um pouco sobre o mundo privado do juiz e tabular tais dados, obtendo a probabilidade que determina decisão seja emitida, o colunista também enfatiza que a ciência jurídica não pode ser reduzida ao um mero empirismo, sob pena de desencadear uma crise social, gerando um retrocesso epistemológico, acarretando na quebra de toda a teoria do direito (STRECK, 2017). Não se pode negar que o argumentos expostos por Lênio Streck são combativos e possuem uma claríssima argumentação teórica, no entanto, as teorias que se enquadram na categoria do “Judment and Decision Making”, não buscam extinguir toda a teoria do direito e consequentemente o direito, nenhum dos pesquisadores desta área tenta limitar o fenômeno decisório a dados empíricos, mas apresentar a decisão como um evento complexo que prescinde de uma análise multidisciplinar, o qual pode ser influenciado por diversos fatores como a psicologia e a estrutura neural do julgador, tudo isso é complementado à teorias clássicas, as quais servem de suporte aos dados coletados, além disso é amplamente aceito no mundo acadêmico que é impossível o controlar todas as vicissitudes que interferem na 35 decisão, tendo a norma jurídica ainda uma função primordial em todas as teorias, pois ela pode ser um mecanismo capaz de controlar os impulsos do interprete frente aos devaneios da sua mente. Em resumo não se quer extinguir o direito, mas mostrar o fenômeno decisório por um outro ângulo, se socorrendo das inovações cientificas, também não se busca construir uma teoria final e sim contribuir para o estudo deste fenômeno social chamado direito (LINS E HORTA, 2016). Em contraponto Sabahi e Akbarzadeh (2013) entende que a teoria da decisão não é dividida em três correntes como especificou Lins e Horta, mas em duas grandes vertentes; A primeira é baseada na razão instrumental moderna, entendendo a decisão como expressão da racionalidade jurídica do julgador, alheia à fatores externos ao mundo dos autos; Já a segunda é pautada na incerteza, devido à infinidade de variantes que influenciam o processo decisório, cabendo aos juristas se socorrem das ciências matemáticas, para encontrar uma formula apta à apontar a probabilidade da decisão esperada. 3.1 O PAPEL DO JULGADOR EM UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO O estudo do processo decisório em uma democracia está além do seguimento estrito ao procedimento estabelecido, cabe ao interprete, estudar a decisão por um viés constitucional, buscando o sentido pretendido pelo texto constitucional e consequentemente efetivando os direitos fundamentais. Em um século que supostamente será marcado pelo protagonismo do poder judiciário, nada mais relevante do que trazer à tona as responsabilidades do julgador em um Estado Democrático de Direito, tamanho enfoque trará também inúmeras responsabilidades aos juízes que deverão encontrar alternativas ao judiciário (NALINI, 2015). O estado de direito é fruto de uma grande transformação social iniciada com o fim da idade média e o fortalecimento das revoluções burguesas, tendo a lei posta pelo legislador uma posição de destaque, impondo barreiras as arbitrariedades do soberano e garantindo um vasto rol de liberdades aos indivíduos, que através de suas deliberações democráticas podem escolher os rumos políticos do seu país, mediante o exercício do voto. Já o poder judiciário ganha relevante notoriedade nesta forma 36 organizacional, porque ele é o responsável por aplicar a lei e fazer cumprir os preceitos expostos na norma, concretizando a vontade democrática do povo, utilizando de meios processuais aptos a cumprirem tais preceitos. O primeiro desafio a ser superado pela pratica forense é entender o processo por um viés substancialista, relativizando a formalidade do procedimento, para facilitar a concretização do direito material, pois os princípios estão em um patamar superior as regras processuais (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2015, p. 477), mas evitando que direitos fundamentais sejam violados em busca da celeridade. Em relação ao substancialismo constitucional, Streck (2007, p. 38-45) enfaticamente afirma que em terrae brasilis ele consiste na efetivação do Welfare State pelo poder judiciário, com risco da invasão da política pelo direito, muitas vezes sendo contraproducente pois ataca o caráter deontológico, sob o qual a maioria das normas jurídicas são fundadas, mas caso adotarmos a constituição pois um viés dirigente como o proposto por Canotilho, o judiciário acaba tendo o dever de concretizar as promessas do constituinte. Contudo, o judiciário não pode ser o único poder responsável pela concretização das promessas constitucionais, é necessário uma ação integrada principalmente executivo, devendo atividade judicante ser apenas um mecanismo de socorro da opressão ou omissão estatal frente as necessidades da coletividade. O paradigma moderno estabeleceu a perspectiva que o magistrado é a “boca da lei”, limitando o subjetivismo do julgador em prol da segurança jurídica, tendo o judiciário uma função mecânica de aplicar a lei a caso concreto e assim efetivar o direito, contudo, o legislador não consegue prever todas as situações sociais que carecem de regulamentação, aparecendo as famosas lacunas normativas, as quais deveriam ser solucionadas pela aplicação do ordenamento jurídico, o qual conforme a visão de Bobbio possui as respostas necessárias para solucionar todos os problemas sociais. Carece informar que a visão do juiz bouche de loi, a partir da visão de Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2015, p. 449) é incompatível em uma democracia, cabendo ao julgador atuar frente às peculiaridades do processo, zelando pelo cumprimento das regras do jogo, através da garantia ao contraditório e a paridade de armas, o processo deve ser fundado na igualdade substancial dos litigantes, para haver uma decisão coerente com a realidade fática, ao juiz cabe ser ativo neste aspecto, incentivando a cooperação os litigantes, deixando a inércia de lado, frente a 37 concretização do direito material, sem acarretar em uma violação as princípios basilares da jurisdição como a imparcialidade, pois constitui uma grave violação a constituição a aplicação irrestrita do direito processual, conhecendo que a realidade é oposto do expresso no mundo nos autos. Carece informar que substancialismo constitucional está relacionado com o pós-positivismo, porque o texto da lei não contêm todo o direito em si, por isso é necessário interpretar para conseguir extrair a norma jurídica implícita no texto, gerando um processo comunicativo entre texto (significante) e norma (significado), o qual é dependente do hermeneuta, que deve construir e atribuir sentido a lei, porque ela não tem uma essência declaratória (JALES, 2015, p. 273). Assim a substancia da norma só pode ser compreendida com a sua aplicação ao caso concreto, tornando difícil a extração de sentido apenas pela aplicação instrumental do procedimento, esta foi uma das falhas do positivismo exegético que deduziu que a lei era sinônimo de norma. A crise de credibilidade que a atravessa o poder legislativo também gera efeitos no poder judiciário, pois conforme o ilustre desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Roberto Nalini (2015, p. 28-32) o magistrado no século XXI terá as suas funções questionadas caso aplique a lei as demandas, sem levar em consideração a legitimidade do dispositivo normativo, é preciso ter um visão do fenômeno político frente aos anseios da população, devendo demostrar em suas deliberações que está ciente do efeitos que sua decisão gerará e a necessidade daquela medida, sob pena de submergir o poder judicante em uma crise de confiança sem precedentes. Já o magistrado brasileiro recebe uma dose a mais de dificuldade, pois é notório o fato que são poucos os tribunais que possuem uma estrutura adequada a carga de processos existentes, sem contar na cultura pautada na litigância como a única resposta aos conflitos sociais, somando ao número reduzido de servidores, gerando uma carga de trabalho hercúlea a qualquer juiz, somado a um orçamento cada vez mais enxuto devido à fatores econômico, obrigando os operadores do direito a construir alternativas para a resolução destas intempéries (NALINI, 2015, p. 30). O protagonismo judicial quando é usado de imoderadamente pode causar um problema gravíssimo, chamado ativismo judicial, o qual segundo Barroso (2012) consiste em deliberações jurisdicionais que ultrapassam os poderes conferidos ao 38 judiciário, o qual intervém imoderadamente em setores que não possui competência, como em políticas públicas e econômicas ou exercendo a atividade legislativa por meio de suas sentenças, gerando uma grave violação ao princípio das separação dos poderes, sob a justificativa de efetivar direitos previstos na norma. 3.2 O CPC/15 – UMA REVOLUÇÃO NO ATO DE JULGAR? O novo código de processo civil é o primeiro diploma processual brasileiro criado em um período democrático, gerando o desenvolvimento e a reformulação de vários institutos processuais, o magistrado ganhou novas funções e deveres, seja zelando pela igualdade entre os litigantes ou pela celeridade processual e até mesmo incentivando a autocomposição, contudo nenhum dispositivo ganhou tanto destaque quanto o Art. 489 § 1˚ do CPC/15, que a reafirmou a obrigação/direito constitucional de fundamentação das decisões judiciais, garantindo que os juízes decidam apenas quando estiverem amparados em fundamentos fáticos e jurídicos, evitando a arbitrariedade e discricionariedade imoderada do poder judicante. A fundamentação é um dos elementos da sentença judicial, consistindo na análise minuciosa do fatos e do direito, criando um nexo entre estes elementos, levando em consideração os argumentos expostos pelas partes, não devendo ser um instrumento para justificar o que o magistrado deliberou antecipadamente, mas o guia para a construção de uma apta a solucionar o conflito debatido, controlando a subjetividade do intérprete e assegurando a segurança jurídica, fundamentar deixa de ser um detalhe da decisão, porque ela é uma condição intrínseca de validade dos atos deliberativos, sem ela se viveria em um estado de exceção (STRECK, 2016, p. 683). Contudo, o dever de fundamentar já era expresso no Art. 93, IX da CF/88, consistindo em um direito fundamental inerente aos processos judiciais, porque conforme salientar Marinoni (2016, p. 815) fundamentar está diretamente relacionado com direito ao contraditório, permitindo que as partes conheçam os motivos da deliberação jurisdicional, possibilitando a construção de eventuais argumentos impugnativos, promovendo a unidade do ordenamento jurídico, o qual não pode ficar à mercê de subjetivismos, devido a necessidade de segurança imposta pela modernidade. 39 Mesmo que a fundamentação seja um princípio constitucional a práxis forense brasileira ainda é marcada por decisões carentes de fundamentação, sem contar que cada tribunal emitem interpretações distintas, criando insegurança jurídica, e o CPC/15 busca alterar esta realidade, a qual é prejudicial ao sistema (JALES, 2015, p. 263), evitando que haja sentenças surpresas e incoerentes com a realidade dos autos, no entanto, alguns membros poder judiciário fizerem importantes críticas ao novo código de processo civil, questionando seria conveniente fundamentar minuciosamente as suas decisões em um sistema saturado de processos, aumentando o grau de morosidade das respostas judiciais, contudo, o autor acima entende que a magistratura nacional não entendeu que fundamentar não significa criar decisões prolixas, mas deliberações que sejam a gerar legitimidade pelos argumentos empregados. Outra novidade trazida pelo CPC/15 é vedação de decisões surpresas, sendo que o Art. 10 do CPC é enfático ao afirmar que o magistrado não pode decidir com base em fundamento a respeito do qual não tenha se dado às partes oportunidade de se manifestar, almejado o debate processual e evitando que os pronunciamentos sejam alheias aos argumentos das partes, concretizando assim o princípio da influência que está diretamente relacionado ao contraditório e criando um sistema processual cooperativo, depende da efetiva participação da partes para a resolução da demanda (NUNES, 2016, p. 54). A estabilização da jurisprudência também teve destaque no CPC/15, através do Art. 926 deste diploma é possível constatar que as decisões das cortes devem ser coerentes com a jurisprudência estabelecida, evitando que o direito seja um palco de incerteza jurisdicional, devido à multiplicidade de entendimento de uma situação fática, gerando desigualdade através do poder judiciário (STRECK, 2015, p. 1186), tal tese, é uma reprodução da teoria da chain novel de Dworkin, que entende a jurisprudência como um romance, no qual cada capítulo é escrito por um autor e o ultimo deve ser coerente com os antecessores. Finalizando, Trindade (2015, p. 250-1) afirma que o CPC/15 é de fato transformador, surgindo como uma luz no fim do túnel, evitando que o direito fique refém da subjetividade dos juízes, os quais estarão limitados a fundamentação e ao dever de ser íntegro com a jurisprudência, mesmo que este dispositivos já estivessem presentes na constituição, não se pode esquecer que eles vem em um bom momento, 40 fortalecendo o estado democrático de direito Brasileiro e gerando uma reformulação na atividade judicante. 41 4 DETERMINISMO, MODERNIDADE E FILOSOFIA DA CIÊNCIA. Carece informar ao leitor que o presente capítulo e os seus sequentes tem um papel de ligação entre a decisão judicial e as neurociências, se busca evidenciar através de argumentos filosóficos e históricos a forma como estas áreas do saber foram consolidadas e como podem dialogar, portanto, é imprescindível um estudo aprofundado com bases epistemológicas, questionando o conceitos de conhecimento e a sua mutação como fruto dos avanços da ciência e da mudança da forma de pensar da sociedade É notório que a direito e em especial as neurociências são estabelecidos por uma estrutura estritamente empírica que foi consolida com o advento da modernidade, tornando imprescindível uma profunda análise da epistemologia social dominante, problematizando a forma do pensar moderno, frente as mudanças paradigmáticas ocasionadas por movimentos como as revoluções burguesas do século XVIII que modificaram a maneira como a pessoas veem a realidade, que em resumo substituíram a autoridade do clero, por preceitos lógicos sujeitos a um controle metodológico, a milhas de distancias de argumentos metafísicos Uma breve recapitulação histórica demonstra que a queda da igreja católica e das monarquias, desencadeou um giro de cento e oitenta graus na sociedade, concentrando o poder na estrutura estatal, a qual em tese seria estabelecida através da manifestação democrática da vontade do povo, além de instaurar um regime de racionalidade, fazendo com que todo o conhecimento gerado para ser considerado válido precisaria passar por um filtro metodológico, para ser considerado cientifico e digno de aplicabilidade (SANTOS, 2005). A importância do método como um requisito de validade foi introduzida por Descartes, buscando concretizar um ideal de imparcialidade e racionalidade no conhecimento, o qual necessita de um crivo cientifico para ser aceito, com isso a verdade deixou de ser o fruto da interpretação de escrituras sagradas, mas o resultado de experimentos controlados que podem ser entendidos através da lógica e não apenas na fé em uma divindade (FURLAN, 2003, p. 126). Contudo a forma de pensar moderno é entendida a partir de um pressuposto Newtoniano de ação e reação, o qual quando é levado ao extremo leva a conclusão que todos os atos naturais e humanos são determinados, consequente a liberdade 42 vira um conceito intangível e ilusório, sem aplicabilidade prática, como será exposto no decorrer deste capítulo No século XXI ainda é latente o poder que o racionalismo implantado pela modernidade dispõe em todo o globo, é claro que não se pode esquecer que os avanços tecnológicas que melhoram a nossa qualidade e expectativa de vida são os resultados da ciência moderna, a qual conseguiu decifrar o funcionamento das estruturas orgânicas e inorgânicas, aplicando seus achados e criando soluções aptas a resolver problemas que eram considerados irresolúveis a décadas atrás. Toda via o diálogo entre a epistemologia e a sociedade forma segundo Furlan (2003, p. 126) uma relação vertical, onde os fatores sociais e econômicos guiam os rumos que a ciência e o pensamento seguiram, estimulando certos campos de pesquisa em detrimento de outros, criando barreiras a um conhecimento que se diz em tese livre. Para entender os fenômeno social descrito acima será essencial se socorrer dos ensinamentos trazidos pela filosofia da ciência, a qual segundo Gondim e Rodrigues (2010, p. 62) consiste em um ramo da filosofia que faz indagações acerca do conhecimento cientifico, questionando os seus impactos no meio social, inclusive na forma de pensar e entender a realidade. O autor também tem a plena consciência que as teorias epistemológicas contemporâneas, muito bem representada pelas obras de Boaventura de Sousa Santos, reconhece que o conhecimento não pode ficar adstrito a um crivo eminentemente cientifico, contudo, entendemos que tal abordagem pouco contribuiria no desenvolver desta obra, limitando o estudo a filosofia da ciência em sentido estrito. 4.1 OS PRIMÓRDIOS DA FILOSOFIA DA CIÊNCIA MODERNA E A BUSCA POR UM CONHECIMENTO VÁLIDO Como informamos acima a filosofia da ciência busca questionar o conhecimento cientifico, sendo que o termo ciência na sua acepção moderna está relacionado diretamente com as ideias de René Descartes, fazendo com que todo o saber criado para ser considerado válido precisaria ser filtrado pela aplicação analítica do método. Em outras palavras, para algo ser considerado como cientificamente verdadeiro, era imprescindível que fatos fossem realizado conforme com o método 43 cientifico estabelecido, por uma questão lógica, assim a resposta sempre seria a mesma, caso o questionamento fosse submetido a uma análise metodológica, assegurando certeza e confiança ao resultado obtido. Não se pode negar que Descartes mudou a epistemologia dominante, transferindo a fonte da verdade dos preceitos religiosos do catolicismo, para a racionalidade do método cientifico (GONDIM E RODRIGUES, 2010, p. 65). O método de Descartes é dividido em quatro máximas: a primeira é jamais aceitar algo como verdadeiro que não se conhecesse evidentemente como tal, ou seja, a verdade decorre do grau de clareza do objeto; em segundo o problema/coisa deveria ser fracionada no mesmo número de parcelas, devendo estudar cada divisão, portanto, só entendermos que 2+2 é 4, caso explodirmos a equação e contarmos que 1+1 é igual a 2, em resumo primeiro devemos entender fundamentos, para depois criticarmos o sistema; em terceiro devemos conduzir os nossos pensamentos, iniciando dos objetos mais simples e mais tangíveis, para gradativamente chegarmos ao conhecimento complexo, ou seja, primeiro devemos saber somar para depois conseguirmos multiplicar; por último é primordial fazer em cada passo acima, enumerações gerais que assegurem que nenhum dado foi omitido (GONDIM E RODRIGUES, 2010, p. 62), assim o conceito de verdade está centrado no intelecto do sujeito – típico de uma era antropocentrista-, a qual reiteramos só é atingida caso o método acima seja aplicada, em resumo a verdade não está latente no objeto, porque ela é só e atingida através da aplicação racional do método. Em resumo Descartes entende que a verdade é imutável e é inerente ao objeto, cabendo, ao interprete/cientista descobrir o sentido da coisa através da sua observação (GONDIM E RODRIGUES, 2010, p. 69). Tal linha interpretativa também é complementada pela visão de Francis Bacon o qual entendia que o conhecimento está baseado na observação dos eventos naturais, partindo do pressupostos que é totalmente plausível que a experiência cientifica esteja despida de interferências que deturpam a realidade dos fatos, criando princípios gerais que poderão ser aplicados indistintamente a eventos futuros, o que se pode conceituar como o Conceito de Indução (FURLAN, 2003, p. 126) Já David Hume também constrói uma teoria do conhecimento baseada em dois pilares: a experiência e as ideias, questionando a validade de conceito de causa e efeito – como apresentado por Bacon - sem que este esteja baseado em vivencias 44 praticas, no entanto, a experiência por si só não constitui um argumento irrefutável da existência de um princípio casualista, porque, este estará amparado no costume e nos hábitos e não no raciocínio, dificultando a sua, a visão de Hume é interessante porque a ciência moderna estuda os eventos por um viés sucessivo/indutivo, sabendo que B vai ocorrer depois de A, mas não consegue entender as razoes intrínsecas que levaram ao evento, tendo argumentos baseados exclusivamente na experiência e na indução, desconhecendo os porquês das coisas (GONDIM E RODRIGUES, 2010, p. 64). Em uma visão contemporânea Karl Popper entende que a regularidade fenomenologia é uma condição de possibilidade para a ciência moderna, todavia a experiência empírica não garante por si só que os eventos naturalísticos ocorram futuramente, em um simplório exemplo o filósofo alega que o fato do sol nascer na alvorada e se pôr no crepúsculo não garante que tal evento ocorrerá amanhã, frente ao desconhecimento dos eventos astronômicos em sua plenitude, consequentemente a empiria é baseada em juízo de probabilidade baseada na observação metodológica do eventos controlados, inexistindo a plena da certeza que eles ocorrem no futuro. Dando continuidade o presente autor entende que inexiste pureza na pesquisa empírica, porque os ideias não surgem simplesmente das impressões sensíveis colhidas durante o experimento, mas este serve para comprovar um tese anteriormente elaborada, assim a pesquisa não é realizada por um valor intrínseco, mas com um meio de dados para comprovar determina tese, inexistindo em tese um postura integralmente imparcial no desenvolvimento da ciência (Furlan, 2003, p.127). Dando continuidade Popper parte do pressuposto para o conhecimento para ser válido cientificamente é imprescritível que a teoria seja compatível com a empiria, sendo que aquela deve prever hipóteses as quais, se ocorrerem, gerarão a queda do preceito dito cientifico, em outras palavras, o conhecimento só é válido se ele puder ser refutado, não cabendo ao cientista questionar os fatores que levaram ao surgimento da tese, mas apenas analisar se a sua justificativa é lógica (RIBEIRO, 2014, p. 210-6), caso a teoria não for passível de constatação empírica ela não será considerada cientifica, mas metafisica, porque ela não pode ser submetida ao crivo da falseabilidade, no entanto, é necessário cautela, porque o fato da teoria não possuir meios presentes que possibilitem o seu testes não a configura como anticientífica, basta que o pesquisador aponte quais mecanismos podem ser utilizados para o seu 45 futuro estudo empírico, vamos ao exemplo, na década de sessenta quando Peter Higgs propôs a existência de uma partícula subatômica conhecida popularmente como Bosón de Higgs, não existiam meios científicos/materiais capazes de provar a sua teoria, a qual só foi comprovada no século XXI devido ao desenvolvimento de aceleradores de partículas, possibilitando um estudo aprofundado da física quântica, no entanto, em nenhum momento a sua ideia foi considerada anticientífica ou metafisica, porque, havia veementes indícios da plausibilidade do estudo e o projeto do desenvolvimento de estrutura/meio de pesquisa hábil a comprovar a sua teoria, em resumo, o fato de não termos como o que teorizamos hoje, não significa um ataque aos preceitos científicos, exceto quando ultrapassamos limite lógicos e fundamentamos o nosso estudo em preceitos subjetivos e nitidamente valorativos. Em posição divergente a Popper o teórico Thomas Kuhn entende que um paradigma/tese cientifica/concepção de mundo seja explorada ao máximo, desenvolvendo e aplicando todas as suas possibilidades, extraindo todo o conhecimento possível daquela área, só para depois abandonará e adotar outro posicionamento, ou seja, deve-se aprofundar ao máximo o conhecimento, dividindo-o em áreas especificas, assim imprecisões teóricas não podem ocasionar uma crise em uma teoria, gerando no máximo algumas alterações enunciativas, fazendo com que o conhecimento possa ser desenvolvido em seus por menores e não simplesmente excluída como apontava Popper, principalmente porque a ciência consegue progredir com os erros (FURLAN, 2003, p.131). A teoria de Kuhn sofreu sérios ataques no mundo acadêmico, sob a acusação que ela tentava implantar um relativismo incompatível com o mundo cientifico ao entender que um teoria deve ser especificada ao extremo, contudo em seus escritos ele não afirma que ciência deve trabalhar apenas como uma teoria, o que ele alega é que um estudo não pode ser elevado ao esquecimento caso possua falhas circunstanciais, cabendo ao pesquisador exaurir ao máximo as possibilidades da sua teoria em resolver os problemas que ela busca solucionar, sendo que o próprio autor entende que é “saudável” um estudo, caso outro apresente melhores perspectivas na resolução de um problema, sendo que as provas acumuladas ao longo do estudo de um teoria falha, não perdem o sua função de aprimorar a ciência e aprimorar o grau de confiabilidade de pesquisas futuras (CARVALHO, 2013) 46 Os estudos de Kuhn foram aprofundados por Lakatos que criou o conceito heurística negativa, afirmando que toda teoria deve ter um núcleo básico, o qual não é passível de falsificação, o que não é aplicado as suas subáreas, afirmando que uma teoria somente é progressiva quando esta consegue antecipar os resultados empíricos, estabelecendo pontos comuns entre Kuhn e Popper (FURLAN, 2003, p.133). Em síntese a epistemologia moderna busca construir uma estrutura cognitiva extremamente racional e metodológica, amparado em conceitos estritamente matemáticos que em tese trariam certeza e aplicabilidade universal, como almejado por Descartes, já Popper apresenta o conhecimento cientifico como algo transitório e extremamente mutável e sempre passível de refutações, criando uma ponte entre a certeza Newtoniana e o caos quântico, temas estes que serão aprofundados nos próximos capítulos, já Kuhn entende que as refutações não auxiliam no progresso das ciências, o que torna imprescindível um estudo analíticos das teorias, e em clima conciliatório Lakatos cria o conceito de heurística negativa. 4.2 A CONSTRUÇÃO DO DIREITO MODERNO; O presente subcapitulo tem a intenção de demonstrar ao leitor como as mudanças epistemológicas criadas nos últimos quinhentos anos mudaram a forma como o direito é entendido, aplicado e criado, trazendo que à tona que lei é o reflexo da realidade onde ela está inserida. Dando sequência ao estudo, se pode afirmar que modernidade reformulou a organização social vigente até então, o sistema medieval que era pautado em um estrutura econômica feudal e organizado conforme os preceitos do clero, foi superado ilustrativamente com a queda da Bastilha, por uma nova forma de concepção da realidade, fundada no antropocentrismo, delegando ao sujeito o papel do principal agente transformador da realidade, que através de Descartes se tornou o responsável por estabelecer a sua própria lei, mediante o seu poder deliberativo, nitidamente representado pelo parlamento, consequente a gênese normativa é submetida a vários filtros metodológicos, os quais também são utilizados na sua aplicação concreta da lei, transformando o direito em um fenômeno objetivo, alheio a intempéries externas como a religião e a moral, como ocorria no medievo. 47 Aprofundando o tema Grossi (2012, p. 20-25) entende que a modernidade jurídica deve ser entendida como um momento de superação do jusnaturalismo pelo positivismo, o primeiro justificava o direito vigente através da essência das coisas, consequentemente a ordem jurídica era o resultado de fenômenos naturais imutáveis, estes criados pela sabedoria de possível divindade que dominava o conceito de certo e errado, o qual era “delegado” a determinados homens que interpretavam os sinais metafísicos e faziam valer a lei deus/natural, contudo, os movimentos iluministas reformularam esta perspectiva, afirmando que caberia ao indivíduo transformar o meio social onde ele reside, devendo criar um estrutura jurídica pautada em preceitos lógicos, alheios à subjetividade e a conceitos religiosos, tirando o poder da mão do clero e colocando nas mãos do príncipe/estado, o qual atuaria amparado na razão. O direito moderno deve ser visto como um fruto das transformações epistemológicas dos últimos quinhentos anos, pois ele é estruturado de forma a gerar segurança e certeza ao litigantes, pressuposto o qual é aplicado indistintamente ao processo, porque, o modelo Cartesiano da busca da resposta correta através da aplicação do método cientifico/processo, reduziu a complexidade de uma ciência nitidamente social e incerta a parâmetros matemáticos objetivos, fazendo com que a aplicação normativa valorize o seguimento literal do procedimento e em alguns casos deixe em segundo plano a substancia normativa (STRECK, OLIVEIRA E TRINDADE, 2013, p.5-10). Contudo, a modernidade jurídica não pode ser vista como um movimento que rompeu com todas as arrestas do passado, mas o contrário, devido ao fato que na Europa Ocidental, inúmeras escolas do pensamento jurídico, reformularam institutos do direito romano, muitos dos quais foram negligenciados no medievo e aplicando-os ao mundo moderno, ficando evidente no fato que o código napoleônico foi inspirado nas codificações de Justiniano (LOSANO, 2007), portanto, a modernidade deve ser vista como um momento de evolução do direito, representado pelo encontro das ideias clássicas com aos anseios de liberdade de uma sociedade vibrante e em transformação que lutava contra o arbitro das monarquias e almejava pela segurança jurídica, necessária as relações comerciais em ascensão. Não se pode negar que transformações ocorridas na modernidade, pretendiam construir um sistema jurídico estático, marcado pelo alto grau de certeza proporcionado pela norma posta, inerente a momento histórico que atravessava a 48 sociedade ocidental, a qual estava reformulando a sua forma de pensar e a sua estrutura econômica, gerando eventos como o êxodo rural e concentrando a maior parte da população em grandes centros, incentivando a criação de centros de estudos, os quais passaram a pesquisar os eventos da natureza através do empirismo, criando escolas do pensamento jurídico que consolidaram conceitos como a segurança jurídica, essenciais no presente, principalmente em um mundo globalizado e capitalista que necessita de uma estrutura estável apta a gerar a confianças nas tratativas comerciais. Não se pode negligenciar a posição de Grossi (2012, p. 28) que entende que a modernidade reduziu o fenômeno jurídico a objetividade racional do sujeito, contudo, o direito é uma ciência social, marcada por uma complexidade inerente a sua estrutura, a qual é constantemente modificada, seja pela influência das ideologias ou políticas, pelas oscilações do mercado ou pelo simples passar do tempo que modificam a realidade e tornam o direito um evento dinâmico, o qual precisa ser reformulado rotineiramente, sob pena de ficar obsoleto no meio em que é incerto. 4.3 LAPLACE E O DETERMINISMO ABSOLUTO; Como já salientamos o século das luzes teve um papel essencial para a construção da sociedade moderna, através da aplicação da método cientifico desenvolvido por Rene Descartes aos acontecimentos naturais, a ciência cresceu vertiginosamente e criou uma sociedade fundada sob os pilares da racionalidade, também não podemos esquecer de Isaac Newton, ilustre pensador, o qual é lembrado pela sua obra Principia Mathematica e principalmente pelas suas três leis sobre a mecânica clássica. Quem nunca ouviu falar sobre a terceira lei de Newton, conhecida popularmente pela frase: “Toda ação tem uma reação”, esta expressão moldou a ciência moderna e ainda é a base do conhecimento contemporâneo, através dessa ideia se pode afirmar que um objeto somente se move caso for influenciado por uma força (GONDIM E RODRIGUES, 2010). Até meados do século XX acreditava-se que a teoria newtoniana poderia ser aplicada a qualquer situação no universo, com base nessa linha de pensamento o francês Pierre Laplace desenvolveu um experimento mental o qual colocou em xeque o conceito de livre arbítrio, pois caso soubermos todas as variáveis iniciais da 49 formação do universo poderemos descobrir quais eventos ocorreram no futuro, visto que as leis de newton são universais5, poderemos afirmar que uma ação X ocorrida no passado somente poderá gerar uma reação Y no futuro, ou seja, o futuro é imutável e determinado, ele é um simples acontecimento mecânico resultante de inúmeros fatores naturais. A teoria Laplace pode ser estruturada em dois grandes princípios, o primeiro é baseado em uma reação capaz de desencadear um evento e o segundo e a continuidade física do ocorrido, assim o determinismo consiste na aplicação de uma formula matemática, a qual terá apenas um resultado possível, desde que seja descoberto todas as condições iniciais de movimento, contudo o respectivo estudo tem inúmeros pontos falhos, principalmente porque Laplace não justifica o motivo de haver apenas uma resposta válida para o mesmo problema, frente a existência de equações diferenciais que possibilitam uma diversidade de soluções e a impossibilidade de descobrir todos os elementos básicos da equação laplaciana, contudo, no século XIX matemáticos como Lipschitz, tentarão estabelecer teoremas que provassem a lei da continuidade, mas os seus esforços foram infrutíferos (STRIEN, 2014). Com base no exposto, podemos concluir que o conceito de livre arbítrio ficou em maus lençóis, pois caso a teoria laplaciana fosse confirmada, as ações humanas seriam determinadas por uma série de eventos passados, ou seja, o Homo Sapiens não seria um ser livre, mas apenas uma máquina a qual está limitada a realizar ações determinadas por eventos passados, para SILVEIRA (1993, p. 138) o conceito de Determinismo criado por Laplace gera um conflito com o senso comum, que acredita que o futuro é algo a ser construído através das nossas ações e vontades e não um acontecimento imutável. Assim a atividade cognitiva é dependente de uma causa pretérita, sem a qual ela não poderia existir, consequente, os pensamentos e ações humanas não são uma construção, mas o resultado imutável do passado (STRIEN, 2014). Segundo STRIEN (2014) não se pode afirmar que a teoria de Laplace é uma cópia das leis de Newton, mas uma construção hipotética, que almeja estabelecer as leis básicas da natureza através de uma formula matemática, também não se pode negligenciar que os princípios da lei da continuidade e da reação suficiente, são originários das obras de Leibniz, as quais serviram de inspiração a Laplace, além de haverem autores contemporâneos a Laplace como Roger Boscovich que criaram teorias similares. 5 50 Em resumo o conceito de determinismo pode ser entendido como uma equação matemática, a qual tem apenas uma resposta correta, assim o futuro apenas poderá se desencadear de certa forma e não de outra, resultado de uma estrutura lógica que refuta a multiplicidade de alternativas para um único problema (MULLER, 2013, p. 735) O dilema Laplaciano gerou inúmeras discussões acadêmicas, inclusive na seara jurídica, pois como seria possível punir alguém que não teve liberalidade para realizar uma conduta criminosa? Injusto, não? Para Rosenberg (2009, p. 27) se o comportamento humano é simplesmente determinado pela aplicação da teoria Newtoniana à esfera molecular, poderíamos afirmar que a responsabilidade moral por nosso atos é inexistente, sendo assim as ações delituosas não podem ser punidas, devido à ausência de vontade. Felizmente a mecânica clássica newtoniana foi superada pela mecânica quântica no século XX, levando por água abaixo as teorias deterministas. 51 5 A REVOLUÇÃO QUÂNTICA E A QUEBRA DO PARADIGMA DOMINANTE – DA ORDEM AO CAOS. A evolução do pensamento humano é marcada por processo intermitente de construção e quebra de paradigmas, esse movimento continuo é primordial para a lapidação da sapiência, aprimorando a maneira como a realidade é vista e entendida, contudo, a mudança de paradigmas é um evento longo e complexo, marcado por um conflito entre o processo e a conservação do status quo, a transformação começa a germinar no exato momento em que um conjunto de ideias não consegue mais explicar de forma razoável e racional os eventos que ela buscava solucionar, pois, conforme o conhecimento vai se aprofundando é perceptível que o método utilizado é repleto de pontos dúbios, sendo incapaz de responder as novos questionamentos surgidos com o tempo, impedindo a obtenção de elementos exatos e aceitáveis, fazendo com que um novo paradigma surja para suprir as lacunas deixadas pelo antigo (KUHN, 2001, p. 96-100), representando um momento de crise, em que novo gradualmente vai substituindo o pretérito, como demonstrado pela história, como a substituição da astronomia ptolomaica – a qual partia do pressuposto que a terra era um corpo inerte e os outros astros a circundavam – pela copernicana – entendo que a terra não era o centro do universo, mas um corpo que realiza um movimento translacional em volta do sol -, ou como será abordado abaixo pela substituição da física newtoniana pela física quântica. Através da compreensão que o conhecimento é algo mutável e instável, se pode constatar que com o desenvolvimento da física quântica no último século a epistemologia social sofreu inúmeras transformações, a primeira foi a mudança da estrutura cognitiva marcada pelas ideias de Descartes/Newton, por conceitos abstratos que levaram em consideração fatores como o tempo e a existência de “leis” diferentes na escala subatômica, peculiaridades desprezadas no entendimento dos eventos naturalísticos, contudo, não se pode desprezar o fato que o racionalismo moderno como afirma Boaventura de Sousa Santos (2005, p. 21) revolucionou a sociedade que até então havia acabado de sair do medievo e entrado na era moderna que foi forjada sob o fogo da razão instrumental de Descartes, criando um modelo global racionalidade, acreditando que todo o conhecimento construído sem a utilização do método cientifico é considerado inexistente, sendo assim as ciências 52 sociais precisaram se adaptar a essa corrente epistemológica para serem “válidas” na sociedade, basta analisar o positivismo jurídico para perceber a influência do método na criação do direito no século XIX e XX. Em meados do século XX o paradigma newtoniano foi superado definitivamente pelo advento da mecânica quântica, agora as leis de newton já não tinham uma aplicabilidade universal, pois de acordo com as pesquisas de alguns cientistas como Albert Einstein, Niels Bohr e Martin Heisenberg foi possível comprovar que o mundo subatômico não é regido pelas leis de Newton, mas por um conjunto de variáveis incertas as quais a ciência ainda busca compreender. Com a derrocada da tese newtoniana o pensamento ocidental moderno precisou se reinventar, a lógica de causa e efeito já não conseguia explicar todos os fenômenos naturais, a certeza fornecida pela razão instrumental, foi superada pela incerteza da física quântica (SANTOS, 2005). A nova forma de entender os eventos físicos gerou um profundo abalo na estrutura determinista prevista por Laplace, contudo, umas das principais mudanças decorre do fato que a teoria de Newton não entendia o tempo como uma variável capaz de alterar a matéria, mas como uma linha cronológica, capaz de demonstrar ao cientista o momento em que o evento naturalístico iria ocorrer, mas, com a física quântica o tempo, passa a ser visto como um fator responsável por alterar a matéria, devido as suas interações com o espaço onde ela está inserida, assim, o tempo além de ser entendido como um fator cronológico, passa a ser visto como uma dimensão do universo capaz de alterar as coisas, gerando a união do espaço e do tempo, gerando o conceito de espaço-tempo (MULLER, 2013, p. 737-9). Em resumo o fato de “todos” os eventos naturalísticos estarem sujeitos as alterações proporcionadas pelo clico temporal, impede que eles sejam previstos antecipadamente como uma exatidão matemática, assim, a estrutura cientifica que estava pautada na ordem imposta pela física subatômico, passou a ser regido pelo caos quântico 6 A história da civilização grega é marcada pelo florescimento de ideias filosóficas atemporais, seja pelos escritos da Platão ou Homero, contudo, o estudo de conceitos pré-socráticos, podem ser interessante para a compreensão do atual estágio cientifico, primeiramente, porque eles almejam descobrir a essência de todas as coisas, através da decodificação dos sinais ocultos da natureza, transformando-os em uma linguagem acessível e lógica, partindo de um princípio que a ordem das coisas somente era estabelecida através do caos, o qual é a estrutura basilar de toda a natureza, no entanto, este conceito sofreu serias deste Aristóteles, o qual entendia que existia um ordem oculta, inerente as coisas, tal visão foi intensificada na modernidade, pela construção de uma linha de pensamento pautada na harmonia dos eventos, a qual é posta em dúvida no século XX, através dos 6 53 A crise do paradigma newtoniano gerou a total inaplicabilidade da tese determinista, pois como o futuro é um evento certo, se o mundo subatômico é incerto? Além disso a esfera biológica é caracterizada pela sua complexidade e adaptação ao meio, o que torna inoperante a aplicação de uma simples lei da física, para compreender o seu o seu funcionamento. Felizmente o demônio de Laplace foi exorcizado pela mecânica quântica e pela biologia molecular e o conceito de livre arbítrio voltou a ser inquestionável na ciência assim para Silveira (1993, p. 146) a física quântica mostrou para a ciência que a natureza é marcada pelo caos e pela incerteza, onde a certeza é exceção e a não regra, além disso seria uma tarefa herculana conhecer todas as variáveis as quais ocasionaram o surgimento do cosmos, mostrando a dificuldade de comprovar a teoria determinista. Em interessante artigo publicado por Osvaldo Pessoa Jr., há o questionamento se haveria uma relação causal entre os eventos subatômicos ou microscópicos com os acontecimentos em escala macroscópica, tal questionamento poderia ser aceitável caso fosse adotado o posicionamento de Laplace racionalmente possível, através da adoção de uma lógica linear, partindo do micro ao macro, contudo, existem estágios da matéria que são elementares, impedindo tal reducionismo, no entanto, através de experimentos laboratoriais é possível manipular partículas subatômicas, gerando feixes luminosos, capazes de serem refletidos em um espelho (PESSOA JR, 2013). A superação da física clássica não gerou apenas efeitos nas ciências naturais, mas em toda a sociedade ocidental moderna, para Boaventura (2005, p. 41) a superação do paradigma moderna é marcado pela pluralidades de condições fornecidas pela física, evidenciando a fragilidade dos pilares sob os quais a sociedade é constituída, evidenciando a necessariedade de repensar a estrutura da sociedade e principalmente o método utilizado pelas ciências sociais para analisar o corpo social. A física quântica reformulou uma estrutura social e cientifica pautada na metodologia analítica, a qual diga-se de passagem era pautada em um juízo de certeza, para implantar um sistema caótico, no qual inexiste certeza, mas probabilidades, as quais são mutáveis a cada momento, frente as mudanças temporais e pela própria dinâmica dos fenômenos naturais e humanos, assim o eventos deixam de ser acontecimentos irreversíveis – como proposto por Newton e estudos quântico, reencontrado o caos como ponto de partida para a compreensão do cosmos (CAMPOS E LASTÓRIA, 2016). 54 Laplace –, tornando-se reversíveis, frente a incerteza do subatômica e da possibilidade de mutação da realidade, seja pela influência humana ou natural (BRICMONT, 1996), contudo, preceitos básicos dos estudos Newtonianos ainda amplamente utilizado na análise da maioria dos eventos macroscópicos, sendo que o caos é mais evidente em escalas subatômicas. Em um sistema caótico o conhecimento das condições iniciais não permite que o pesquisador descubra antecipadamente os resultados/movimentos do seu estudo, porque, a realidade não obedece um lógica linear, devido a existência de fatores externos imprevisíveis – partindo de uma estrutura sistêmica em que todos os eventos estão ligados em uma grande teia como sugerido por Fritoj Capra - e pelo grande desconhecimento das influencias das forças quânticas frente aos acontecimentos, assim o cientista perde a função de ser o interprete do Oráculo, virando um estatístico, demonstrando a probabilidade da ocorrência do evento X ou Y (BRICMONT, 1996, p. 10). Também é indiscutível negar que o senso comum ainda entende a realidade por um viés determinista, o qual dificilmente será alterado com a dispersão dos conhecimentos quânticos, seja pelo fato que as religiões ocidentais, em especial aquelas de origem cristã, partem de uma perspectiva finalista da vida humana, como pela crença da existência de um “paraíso” pós-morte ou pela possibilidade de juízo final, tornado difícil difundir tais conceitos (CAMPOS E LASTÓRIA, 2016), inclusive no mundo do direito que ainda entende o processo com um viés mecanicista. Outro pilar do paradigma moderno que sofreu latentes deformações com a física quântica, foi que a quebra que os acontecimentos naturais não são passiveis de reversão, frente a impossibilidade de mutação do passado e das estruturas microscópicas, contudo, Boltzmann rompe esta logica, partindo do pressuposto que é cientificamente possível reverter eventos subatômicos, frente à dinamicidade das partículas subatômicas, que estão em constante transformação, aplicando o mesmo raciocínio a fatos macroscópicos, cabendo aos cientistas, descobrir o nexo entre as partículas e os organismos (BRICMONT, 1993, p. 11-8). 55 5.1 OS PILARES DO DIREITO MODERNO APRESENTAM UM RACHADURA? As transformações desencadeadas pela revolução quântica não afetaram somente os paradigmas das ciências naturais, é importante perceber que a epistemologia social do século XIX e início do século XX foi estruturada de maneira condizente as “verdades” Newtonianas, somadas ao crivo metodológico de Descartes, portanto, a evolução da física também problematiza a legitimidade teórica da ciências sociais modernas, inclusive do direito (SANTOS, 2005), pois, como é possível alegar que a norma jurídica é válida, se o seu arcabouço argumentativo se mostra falho? Não seria ilógico construir o direito com base em uma racionalidade que já foi descontruída em próprio meio? Tal problemática é relevante frente ao fato que o direito moderno em si é fundado sob os pilares deterministas/newtoniano, partindo do pressuposto que a aplicação exegética da norma sempre dará os mesmos resultados, independentemente das peculiaridades do caso concreto, buscando aplicar o determinismo rígido do mundo físico as ciências humanas (MORAIS DA ROSA, 2008, p. 69). Para responder os questionamentos acima se socorremos dos ensinamentos de Lopes (2006, p. 64) que o processo/direito é um sistema dinâmico, o qual está envolto por uma nuvem de incerteza, ter o direito material não significa conseguir uma tutela jurisdicional favorável, pois inúmeros fatores podem determinar a decisão judicial, nem o transito em julgado é recinto de paz e estabilidade, devido aos meios de relativizara, assim, a visão moderna aplicada de ação e reação aplicada ao fenômeno jurídico perde a sua razão de ser, em um sistema social flexível como o direito. Sendo nítida a superação da epistemologia moderna na construção e aplicação do direito, é necessário que as ciências sociais consolidem a sua autonomia teórica (SANTOS, 2005), acabando com a visão que a lei é apenas a expressão puramente racional do legislador, que reflete a vontade social dominante. Tal movimento abre margem para que fatores como a luta de classes, os fluxos econômicos e a ideologia auxiliem os juristas na compreensão do fenômeno jurídico, pois como salienta Clève (2012, p. 33-4) o iluminismo criou a perspectiva que a lei é a expressão escrita da 56 racionalidade do legislador, o qual representa apenas os interesses burgueses, mas com a difusão da democracia participativa através do sufrágio universal, a atividade legislativa passou a ser um campo de embate ideológico entre os representantes políticos das classes sociais, sendo a lei em sentido strito o fruto da vontade política e não a mera criação metodológica do direito. Adotando o posicionamento acima é possível concluir que a base do direito moderno – a lei – não está calcada apenas na razão, por isso cabe ao interprete da norma analisar os fatores que levaram a criação do dispositivo em questão, para a sua aplicação ao caso concreto ser a mais correta possível. 57 6 O RENASCIMENTO DO DETERMINISMO ATRAVÉS DA NEUROCIÊNCIA A muito tempo a humanidade vem tentando decifrar os enigmas do cérebro, como evidenciamos no capítulo I, seja pela busca de uma resposta amparada em argumentos metafísicos que poderiam criar uma ponte entre os mortais terrenos e uma possível divindade, contudo, o niilismo social e racionalidade decartiana requisitaram respostas fundadas em cânones científicos, com isso a neurociência passa a ser a um dos ramos mais promissórios da ciência moderna e contemporânea, prometendo que através do estudo do sistema nervoso central, velhas perguntas poderão ser respondidas, sem menosprezar que inúmeras patologias terão a sua cura descoberta, colocando tal seara berlinda do conhecimento (LENT, 2008). Contudo a neurociência é apresentada ao senso comum cheia de falhas ou como dizem os neurocientistas, repleta de neuromitos, que transmitem informações sem se ater a metodologia cientifica, basta navegar alguns minutos pelo youtube e ver como alguns vídeos de coaching apresentam técnicas de autoajuda, vendas ou simplesmente “ensinam” como estudar, alegando a validade de tais mecanismos através da frase “conforme a neurociência”, sem sequer citar a fonte de tal afirmação, reduzindo uma a neurociência a um argumento retorico, repleto de impropriedades, no entanto, quando a neurociência é usada de forma metódica ela pode produzir resultados impressionantes, basta ver que marqueteiros a tempo entenderam que os seres humanos podem ser facilmente manipulados, seja por uma imagem, um som ou por um sentimento, tal fato fica evidente em campanhas publicitárias as quais utilizam do conhecimento da psicologia e da neurociência para influenciar determinado grupo de pessoas a consumir certo produto ou votar em certo candidato, pois caso os meios sejam usados corretamente o processo de tomada de decisões do sujeito pode ser guiado para certo ponto, como será explicitado abaixo, através dos estudos de Daniel Kahneman. Com o boom da neurociência nos últimos cinquenta anos, um velho fantasma saiu do armário, o fantasma do determinismo, o qual mudou a sua roupa, trocando as velhas vestimentas newtonianas pelo charmoso casaco da grife neuroscience, agora não era mais as leis da física que explicavam porque as ações dos indivíduos eram um continuum imutável, mas as sinapses neurais, nascendo assim o 58 neurodetermismo, que pode ser conceituado como a vertente do pensamento que afirma que o livre arbítrio é uma ilusão, frente ao fato que as ações humanas são determinadas pelas sinapses neurais e não pela sua consciência, todas essas ideias remontam ao final do século passado tendo como o autor o neuropsicólogo Benjamin Libet (LIBET, 1999) Através de seus experimentos Libet (1999) estudou o processo de tomada de decisões de vários pacientes, os quais estavam sendo monitorados por uma máquina de eletroencefalograma (EEG), responsável por coletar as ondas mentais dos sujeitos, os quais apenas movimentar esporadicamente a sua mão direita quarenta vezes, quando tivessem vontade, após a coleta e a análise dos dados, um padrão foi observado entre os pacientes, pois, as atividades neurais ocorriam 550 milissegundos (ms) antes do ato “voluntário”, sendo que a intenção do agente somente emitia sinais elétricos antes de 200 ms da atividade motora, tal evento ficou conhecido como readiness potentials, assim iniciou-se o questionamento, se o fato das sinapses terem uma diferença de 350 ms da intenção da cobaia, não eliminaria o livre arbítrio, frente ao fato que a sinapses são previas a consciência, contudo o próprio autor não descartar a hipótese do sujeito possuir filtros inibidores dos fluxos neurais, os quais em tese quando ausentes causariam doenças como o Parkinson e a síndrome de Tourette. É inegável que atividade neural inicia-se antes da ações motoras, mas o que é questionado se de fato a atividade neural é consciente ou ela é uma intenção aparente, frente a comprovação que a consciência surge após as sinapses, sem a excluir a possibilidade de veto, a qual diga-se de passagem ocorre em tempo ínfimo, sofrendo um substancial redução em ações “automáticas”, pois a partir do momento em que comando cerebral é transmitido a medula cerebral, nada pode ser feito para evitar o movimento de um membro ou a vibração das cordas vocais, contudo, nada impede o processo de veto também seja fruto do inconsciente e consequentemente determinada (LIBET, 2009). Mais recentemente Haynes em estudos sobre o readness potentials, o autor concluiu a teoria de Libet deve aprofundada, frente ao fato que as pesquisas realizadas por este foram limitadas a poucos experimentos em uma época que a neurociência estava engatinhando, sem esquecer que a mesma foi duramente criticada pela academia, assim caberia aos cientistas contemporâneos aprofundar 59 seus estudos na teoria neurodeterminista, utilizando dos métodos e meios mais modernos, especificando os seus estudos a pequenas populações de neurônios e em áreas limitadas do córtex cerebral, porque, com a difusão das máquinas de ressonância magnética e a análise das imagens coletadas durante testes com indivíduos que submetidos a tomar alguma decisão, possuem fortes indícios que a escolha humana ocorre antecipadamente a percepção da consciência, havendo um chance significativa que em pouco tempo seja descoberto qual comportamento o indivíduo realizara antes mesmo que ele o faça, contudo, o autor não descarta a possibilidade de haver um mecanismo de veto desconhecido (HAYNES, 2011). Já Gerhard Roth apud Busato (2014, p.23) entende que: (...)a representação tradicional segundo a qual a vontade se transforma em fatos concretos através de uma ação voluntária dirigida por um eu consciente não é mais que uma ilusão, devido a que, com, consequência da concatenação da amígdala, do hipocampo e dos nós ventral e dorsal, a memória emocional da experiência (que trabalha de modo inconsciente) tem a primeira e última palavra no que concerne à aparição de desejos e intenções, de modo que as decisões adotadas ocorrem no sistema límbico um ou dois segundos antes de que possamos percebê-las de modo consciente. Tal sistema atuaria como um aparato de poder organizado, frente ao qual o ser humano se percebe, devido a um autoengano, só de um modo aparentemente livre (grifos nossos) O surgimento do neurodetermismo abala toda a visão ocidental de livre arbítrio, elemento indispensável para a convivência social, pois eliminando toda de doutrinas como o liberalismo e o catolicismo em especial o protestantismo que pregam a autonomia do sujeito e a sua responsabilidade por seus atos, cânones considerados intransigíveis pela sociedade contemporânea, acabando com toda a legitimidade das instituições ao momento em que transforma os humanos em reféns do próprio cérebro. Problematizar o neurodeterminismo também consiste em questionar a relação entre o cérebro e a mente, principalmente porque está é vista como uma experiência subjetiva acessível apenas pelo indivíduo que a tem, contudo, a teoria determinista inverte este lógica, transformando a consciência em um evento passível de controle, frente ao fato que ela está diretamente ligada as atividades neurais, consequentemente, o seu estudo não dependerá dos relatos do sujeito, mas da decodificação dos sinais eletroquímicos das sinapses, em resumo o 60 neurodeterminismo tem a índole de implantar um visão materialista ao fenômenos da mente (LIBET, 2006). 6.1 OS EFEITOS DO NEURODETERMINISMO NO DIREITO PENAL A multidisciplinariedade proporcionada pelas neurociências fez com que alguns juristas repensassem o papel do direito em mundo marcado pelas novíssimas descobertas da ciências do cérebro, assim o fenômeno jurídico não poderia ficar alheio aos avanços científicos, frente ao fato que o direito é um fenômeno social dinâmico e a sociedade se transformou profundamente com a ciência moderna, fruto de um processo de mutação ou evolução social caso adotarmos a visão de Auguste Conte de um paradigma metafisico para ou mundo positivista, no entanto, caso entendermos a realidade pela ótica de Heidegger se poderá afirmar que o tempo é mola de propulsão das transformações sociais. Sob pena de carecer de efetividade o direito precisa se reformular constantemente, partindo deste pressuposto alguns penalistas europeus7 buscavam reformular alguns institutos como a culpabilidade, para a tornarem mais tangível com a realidade, para isso se socorrem dos ensinamentos da neurociência e encontraram a teoria neurodeterminista de Benjamin Libet e escreveram diversos artigos sobre os seus efeitos e sua eventual (in)aplicabilidade no direito penal (BUSATO, 2014, p. 50). Utilizando de um malabarismo hermenêutico, alguns penalistas partiram do pressuposto que inexiste liberdade humana na realização de atos delitivos, pois a conduta não decorre do livre arbítrio do delinquente, mas de um conjunto de sinapses, gerando a sujeição do agente aos deleites neurais de seu cérebro. Tamanho foi o impacto desta tese, que começou a se discutir o conceito de culpabilidade, pois caso os estudos de Libet fossem comprovados cientificamente, o direito penal sofreria uma rachadura gigantesca em sua estrutura, pois como seria possível aplicar um pena, se o sujeito não podia controlar a sua vontade do momento do ato? Neste ponto não possível é referenciar com exatidão quais penalistas defendem a tese neurodeterministas, pois tais aconteceram geralmente em simpósios jurídicos, não nos meios acadêmicos nenhum artigo ou obra literária que adote cabalmente tal posicionamento, devido a suas grandes incompletudes teóricas, o que existe são incontáveis especulações sobre o tema, contudo, em sentido divergente a literatura sobre o tema é vasta, como será demonstrada. 7 61 A assertiva que o homem não tem liberdade no seu agir, gera um abalo em especial na teoria tripartite do crime, a qual entende que para a conduta ser considerada crime ela deve ser típica, ilícita e culpável, este último elemento é entendido segundo Cesar Bitencourt (2015, p. 449) como o fundamento e o limite para a imposição de uma pena justa, sendo que no ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria pura da culpabilidade, a qual a entende como a reprovação pessoal contra o agente do fato que poderia ter agido conforme a norma legal, dividindo-se em uma série de três requisitos: a inimputabilidade, a inexigibilidade de obediência ao direito e a possibilidade de conhecimento da ilicitude do fato pelo delinquente, requisitos que tem a função de demonstrar se é possível aplicar uma penalidade a um fato proibido, e caso presentes algum dos elementos acima, mesmo que isoladamente é excluída a possibilidade da aplicação de um sanção penal, em resumo a culpabilidade é a reprovabilidade jurídica da conduta delitiva. A exposição do conceito é essencial para a compreensão da problemática neurodeterminista, contudo ainda é primordial entender o significado legal do termo inimputabilidade, o qual segundo Bitencourt (2015, p. 456) consiste na capacidade ou aptidão para ser culpável, cindindo-se na competência intelectual e volitiva do agente, ou seja, na sua capacidade de compreensão do injusto e a determinação da vontade conforme essa compreensão. A aplicação de tal teoria tornaria todos os sujeitos em inimputáveis e consequentemente haveria a inaplicabilidade jurídica de aplicar uma pena, limitandose no máximo a imposição de um medida de segurança, como disciplinado no Art. 96 do Código Penal. Para resolver tal embate vários juristas tentaram aplicar argumentos jurídicos, sociológicos e filosóficos para resolver tal embate acadêmico, como será visto abaixo. O penalista alemão Winfried Hassemer é um dos maiores expoentes mundiais da tese neurodeterminista no direito penal, o autor parte do pressuposto que os juristas sempre se encantaram com a retórica que o direito pode ser algo determinado, constituindo uma ciência marcada pela exatidão dos seus cânones, basta fazer uma recapitulação da obra “L’uomo Deliquente” do médico italiano Cesare Lombroso, o qual buscava identificar e exibir o perfil do “criminoso nato”, e como fruto da pósmodernidade a escola crítica do direito penal fez uso da teoria neurodeterminista, afirmando categoricamente que o livre arbítrio é uma ilusão criada pelo cérebro, 62 consequentemente os delinquentes não podem ser punidos por seus atos, pois carecem de culpabilidade (HASSEMER in BUSATO, 2014). Dando continuidade ao seu posicionamento Hassemer entende que o determinismo foi superado definitivamente pela revolução quântica, não cabendo ao juristas ressuscitarem uma teoria que a tempo foi provada ser implausível, tal postura gera uma afronta a toda epistemologia contemporânea que conforme Thomas Kuhn é a representação mais contundente que as mudanças na forma de pensar moderna/racional foram ultrapassados pelo caos atômico. O autor também entende que o direito e as ciências sociais a tempo consolidaram a sua autonomia, motivo pelo qual não necessitam do aval das ciências exatas e biológicas para ser considerado válido, tal posicionamento é convergente com as ideias de Boaventura que prega que a modernidade criou um filtro epistêmico que classificou os conhecimentos gerados sem o crivo cientifico/metodológico como inválidos, dessa maneira deve haver uma libertação do conhecimento, o qual não pode ficar restrito ao racionalismo decartiano, somado ao fato que os juristas em sua grande maioria não possuem uma bagagem teórica para discutir temas tão técnicos como a neurociência (HASSEMER in BUSATO, 2014). Já o jurista espanhol Eduardo Demetrio Crespo in Busato (2014, p. 23-41) entende que uma parcela de neurocientistas afirmaram que decisões são adotadas um ou dois segundos antes de que possamos percebê-las de modo consciente, sendo que no mundo da psicologia é falho afirmar que os humanos tem liberdade na suas vontades, pois os nossos cérebros acumulam inconscientemente um grande fluxo de informações, as quais afetaram a psique do sujeito no futuro, já quando entramos no mundo da filosofia há inúmeros obstáculos teóricos que impede que a corrente neurodeterminista se propague, tendo como seu maior defensor Kant e Sartre, mas que saúdam a liberdade como uma condição inerente a natureza humana. Aprofundando-se sobre o assunto o autor entende que a implantação no determinismo em especial no direito penal, traria sérios riscos de surgirem tiranos, que aplicariam medidas de segurança desenfreadamente sem fazer um estudo do caso concreto, porque, não há interpretação que permita pensar o direito sem a existência da liberdade do sujeito. No Brasil um dos maiores expoentes e críticos do neurodeterminismo é o jurista paranaense Paulo Busato, que entende que esta teoria é a fênix do 63 determinismo Laplaciano, mas que sofreu uma mutação neurocientifica, causando sérios prejuízos no direito penal, caso implantada, porque se os delinquentes não tem livre arbítrio, consequentemente as condutas não podem ser consideradas culpáveis, pois eles não podiam agir livremente, sem ter a consciência do resultado dos seus atos e consequentemente devem ser classificados inimputáveis, tornando juridicamente inviável a aplicação de um pena restritiva de liberdade ou direito e sim uma medida de segurança. O autor demonstra que o filosofo Jurgen Habermas critica veementemente tais ideias, porque ela evoca teorias que foram superadas no século XIX, frente a autonomia das ciências sociais, a qual deve ser preservada, mesmo na pós-modernidade (BUSATO, 2014, p. 49-58). Paulo Busato afirma que caso o neurodeterminismo fosse implantado, medidas drásticas poderiam ser implantadas, como a obrigatoriedade de submeter “prováveis” delinquentes a uma bateria de exames, e conforme os seus resultados o estado poderia submeter os “pacientes” a um “tratamento” ambulatorial prematuramente, frente ao caráter preventivo do neurodireito, uma fase de eugenia e controle estatal extremo pode estar preste a nascer, caso o direito volte a flertar com o determinismo, é necessário cautela, sob pena de retrocesso (BUSATO, 2014, p. 60-61). A chance do neurodeterminismo abrir a possibilidade que o estado possa submeter os indivíduos a um tratamento antecipado contra futuras e hipotéticas condutas delinquentes, infringe toda a evolução social forjada pela modernidade, seja pela luta contra as penas corporais ou pela implantação de princípios constitucionais que vedam a aplicação de um penalidade sem a consumação de um delito e a observância do devido processo legal –pois na práxis Brasileira medidas de segurança em vários casos em muito superam as barbáries do sistema prisional-, abre uma margem jurídica para a imposição de um tratamento desumano o qual buscara a cura a qualquer custa, mesmo que precise violar direitos fundamentais e a Constituição (MORAIS DA ROSA, 2006, p. 132-133). Para finalizar o debate é primordial transcrever a posição de Ferrajolli apud Morais da Rosa (2006, pág.133) que o conceito de determinismo é inaplicável no direito penal, pois é necessário haja uma relação direta entre a culpa do agente e o resultado naturalístico do delito, somente através do livre arbítrio é possível imputar uma pena ao delinquente, pois o agente só é culpável caso o ato dependa da sua vontade. 64 6.2 A DECISÃO DO MAGISTRADO SERIA DETERMINADA? A influência do neurodeterminismo no mundo jurídico não pode ser limitada ao direito penal, frente ao fato que o delinquente é um homo sapiens igual aos advogados, promotores, juízes e vítimas, portanto, se o criminoso não possui livre arbítrio e consumou um tipo penal a mesma regra deve ser aplicada aos outros atores processuais, pois seria contraproducente afirmar que o transgressor da lei é uma marionete do seu cérebro e o juiz é um sujeito que não está determinado, contraproducente não? Frente ao fato que o direito que o direito é todo integrado, sendo que a sua divisão em ramos tem uma função meramente pedagógica/estrutural. Em interessante artigo elaborado por Kawohl e Habermeyer (2007, p. 314-17) demonstram claramente como os efeitos da teoria neurodeterministas não acarretará apenas efeitos no direito penal, mas em todo o ordenamento jurídico, os pesquisadores fazem um estudo sistemático do Código Civil Alemão (Burgerliches Gesetzbuch) e concluem que institutos similares ao impedimento e suspeição, necessitam do livre arbítrio do julgador para serem declarados de oficio, sem contar que em procedimentos relativos a concessão de guarda ou declaração de incapacidade, a vontade dos interessados deve ser levada em consideração, sem negligenciar que na constituição de contratos o livre arbítrio é o cânone basilar dos negócios jurídicos, portanto, é obvio que a comprovação de uma eventual teoria neurodeterministas abalaria todo o direito e não apenas a seara criminal, motivo que poderia desencadear uma crise de legitimidade sobre o estado e as suas instituições, não haveria motivos para que a sociedade aceitasse a coerção jurídica, caso ela decorresse exclusivamente das sinapses determinantes dos agentes públicos, em resumo sem livre arbítrio não há direito. Mas sob quais argumentos se poderia afirmar que a decisão do julgador é determinada ou porque a teoria neurodeterminista afetaria a atividade judicante? Para responder esta questão Nussbaum e Ibrahim (2012) afirmam que o ato de julgar é um característica exclusivamente humana, decorrente do livre arbítrio, característica que permite que o sujeito possa fazer escolhas baseadas em parâmetros morais, peculiaridade a qual não está presente em outras espécies, não existindo nenhuma diferença neural entre o ato de decidir nos autos e qualquer outra deliberação do cotidiano. 65 Assim se o livre arbítrio é a mola propulsora das atividades decisórias e consequentemente das condutas julgadoras, o neurodeterminismo colocaria em risco a legitimidade das decisões judiciais, pois sob qual fundamento a sociedade deveria acatar o pronunciamento judicante se ele não é a manifestação do ordenamento, mas sim o reflexo das sinapses das sinapses? Por que na prática haveria dois pesos e duas medidas que diferenciassem a pessoa do julgador do réu, se a Constituição é expressa ao afirmar no caput do Art. 5º que todos são iguais perante a lei? Qual seria a muleta utilizada pela doutrina para conferir legitimidade aos julgadores? Será que seria criada uma espécie de “medida de segurança” que justificasse o cumprimento de uma ordem judicial, como foi proposto no direito penal? A tese neurodeterminista de Benjamin Libet aplica-se perfeitamente à atividade judicante, pois segundo Libet (1999) o processo decisório humana, inicia-se milésimos de segundos antes do sujeito ter consciência da sua conduta, assim fica evidente que o magistrado ao momento de deliberar o seu pronunciamento, já foi previamente determinado pelo seu cérebro, usando apenas para justificar uma decisão que já foi elaborada previamente, fruto de uma soma de eventos que foram acumulados pelo juiz durante a sua vida e que certamente manipularam a sua ratio decidendi Não se pode deixar de citar que a estrutura psíquica humana é baseada em valores, emoções, preconceitos, experiências e expectativas que em certa forma escravizam o sujeito, limitando a sua liberdade, por isso a tarefa de julgar é hercúlea, o magistrado deve tentar a todo custo se livrar das amarras das amarras da sua subjetividade, para tentar construir um decisão imparcial (FIORELLI E MANGINI, 2016, p. 186). No entanto, segundo a psicologia é irrisório acreditar que todas as atividades cognitivas são determinadas pelo inconsciente. Mesmo que o jurista Alexandre Morais da Rosa não tenha utilizado a teoria neurodeterminista na sua obra Bricolage dos Significantes, não se pode menosprezar os seus escritos em relação aos externos e internos que influenciam o magistrado no momento de decidir, o autor afirma que na seara jurídica os atores processuais são influenciados rotineiramente, sendo que os pronunciamentos dos magistrados podem ser previamente manipulados previamente pelo próprio juiz ou por outros “jogadores” processuais, contudo nesse caso a decisão é maquiada pelos princípios da imparcialidade e da neutralidade, aplicando a mesma lógica de uma relação comercial na qual os vendedores (advogados, promotores, defensores...) fazem uso de 66 inúmeros artifícios (normas, fatos, moral...) para convencer certo consumidor (Magistrado) a comprar determinado produtor (condenação ou absolvição), podendo haver o uso de mecanismo espúrios como o doping processual (Morais da Rosa, 2006) Em um posicionamento convergente temos a opinião do desembargador Nalini (2015, p. 171) segundo a qual: A tese irracionalista central sustenta que a tomada de decisão seria um procedimento racional, senão irracionalmente conduzido, pois constituiria fruto de fatores psíquicos e sociais. O asserto é irrecusável. Qualquer juiz de carreira com experiência vivencia ou já vivenciou esse processo. Sabe que decidirá impulsionado por sua história pessoal, suas angústias e sonhos, sua fé ou seu agnosticismo, suas predileções, antipatias e idiossincrasias Para finalizar Pallarés-Dominguez e González Esteban (2015) entendem que o questionamento das neurociências sobre a autonomia da vontade dos sujeitos, obrigará que o conceito de norma e o papel do poder judiciário seja reformulado, várias mudanças deveram ocorrer como a submissão dos agentes públicos a exames cerebrais constantemente, para auferir a sua capacidade mental, sob pena de pôr em risco a legitimidade das instituições. 67 7 PESQUISAS NEURAIS E A INAPLICABILIDADE DO NEURODETERMINISMO O reducionismo determinista de Laplace como demonstrado no capítulo 4 foi desfalcado com a evolução da física, marcada pela superação das ideias Newtonianas pelas teorias quânticas do século XX, demonstrando que a lapidação do conhecimento pode alterar paradigmas em uma questão de anos, alterando a forma como a sociedade se relaciona e se autocompreende profundamente. A lógica acima é perfeitamente aplicável a neurociência, sendo contraproducente afirmar que o neurodeterminismo é uma teoria impassível de refutação, caso seja adotada a visão Popperniana de ciência, somado ao fato que em termos cronológicos a neurociência é um novo ramo do conhecimento médico, havendo uma grande margem para o aprimoramento dos seus estudos, não havendo argumento lógico plausível que possibilite a adoção irrestrita do determinismo neural (GONDIM E RODRIGUES, 2010). Primeiramente devemos compreender a complexidade do sistema nervoso humano, composto por mais de oitenta e cinco bilhões de neurônios, os quais trocam informações entre si e com outra células, através de estímulos químicos ou elétricos, conhecidos cientificamente como sinapses, as quais geram o funcionamento da atividade neural e o comando e controle do corpo humano (LENT, p. 75); Através do enunciado acima podemos fazer uma esdrúxula comparação do sistema nervoso com uma rodovia, a qual é composta por inúmeras vias secundárias, cruzamento, viadutos, atravessando centenas de cidades, proporcionando aos veículos – informações – que nela transitam a possibilidade de chegar de um ponto ao outro de milhares maneiras. Devido a tamanha heterogeneidade do sistema neural, os neurocientista não compreenderam ainda toda a estrutura nervosa humana, sendo que o nosso comportamento está a sujeito a inúmeras variáveis, as quais desencadeiam milhões de sinapses, modificando a cada momento a nossa percepção da realidade e consequentemente os nossos atos. Para comprovar a afirmação acima é interessante conhecer as pesquisas empíricas realizadas pela neurocientista Suzana Herculano-Houzel, que desenvolvem um interessante trabalho sobre a quantificação, localização e catalogação dos 68 neurônios, seus estudos buscam principalmente estabelecer um linha evolutiva entre o cérebro humano com outros seres como primatas, roedores e cetáceos, auferindo resultados interessantes que indicam que humanos em média possuem oitenta e cinco bilhões de neurônios em seus cérebros, trinta e dois bilhões dos quais estão localizados no córtex cerebral, fator que torna o cérebro humano especial quando em paralelo com seres com uma massa cerebral maior como os elefantes e as baleias, contudo, a própria pesquisadora demonstra que a tarefa de quantificar o número de neurônios no encéfalo humano exigiu um esforço cientifico considerável, mesmo utilizando dos mais modernos instrumentos e técnicas de pesquisas, existindo um longínquo caminho para decifrar as funções de cada neurônio e as suas inter-relações sinápticas (HERCULANO-HOUZEL, 2017) Por esses e outros motivos que serão abordados ao longo desse capítulo, partimos do pressuposto que é irracional e anticientífico acreditar que todas interações neurais que geram o comportamento humano podem ser controladas através de um conjunto de eletrodos ligados a um osciloscópio, tal fato acarretaria na inexistência da consciência e da responsabilidade do sujeito, tornando imprescindível analisar cuidadosamente os pontos falhos do neurodeterminismo. O próprio Benjamin Libet entende que a tese neurodetermista causa implicações éticas ao abalar o conceito de livre arbítrio, o qual é visto um dogma tanto no ocidente e no oriente, por isso uma solução adequada para este gigantesco embate é reformular a sua teoria, partindo do pressuposto que as ideias surgem do inconsciente-determinado, contudo o sistema de veto neural selecionada conscientemente/racionalmente as ações que vai realizar ou abortar (LIBET, 2009). Já em uma publicação mais recente Libet admite que existem pontos dúbios na sua teoria, primeiramente ele parte do pressuposto que em tese podemos ser seres “inconscientes”, porque as sinapses ocorrem involuntariamente e somente após uma diminuta fração de mini milésimos o sujeito toma o conhecimento da ocorrência do evento neural, a partir deste ponto é possível haver a ocorrência de estímulos voluntários, os quais podem dar um aval para o prosseguimento da ação ou ativar um mecanismo de inibição da conduta, assim é cada vez mais evidente a existência de um mecanismo neural de veto, como demonstrado no parágrafo acima (LIBET, 2011, p. 7). 69 O comportamento do sujeito também está relacionado a sua estrutura genética, tendo os genes um papel primordial na construção e funcionamento do sistema nervoso central, alterações genéticas principalmente em células nervosas podem influenciar na postura comportamental do sujeito, em pesquisas realizadas com em macacos e moscas é possível escolher quais sujeitos terão uma maior taxa reprodutiva, conforme as suas atitudes no meio social (CORREA E ROCHA, 2008, p. 60-9), a relação entre as atividades neurais e comportamento do sujeito é conhecido como neuropsicologia e é comumente utilizada no diagnóstico de patologias psiquiátricas, o conhecimento das predisposições genéticas dos sujeitos é importantíssima no tratamento de várias doenças, conhecimentos que podem engrandecer o debate jurídico em relação ao comportamento do agente. A relação entre as condutas e o genética do sujeito deve ser tratada com o devido zelo, evitando a utilização de argumentos restritivos que reduzam o comportamento aos padrões genéticos do indivíduo, tal posição é adotada por Kandel et Al (2014, p. 36) afirmando que não se pode desprezar a influência dos genes no funcionamento neural e consequentemente no comportamento do agente, mas fatores ambientais como a estrutura familiar do sujeito, o meio social em que ele vive e as instituições nas quais ele foi inserido e a sua formação psicológica são mais relevantes do que os códigos do seu DNA. O parágrafo acima traz à tona outra problema na teoria neurodeterminista, porque é evidente que o desenvolvimento dos órgãos humanos do sua concepção até a sua morte é marcada por mutações genéticas, as quais evidentemente também atingem o sistema nervoso, sendo mais um fator que deve ser levado em consideração quando é tecido o comentário que as atitudes do agente são determinadas pelos seu neurônios, passiveis de alterações genéticas, tornando a decodificação dos genes do agente imprescindível o conhecimento da sua função cognitiva. Cabendo informar que os estudos genéticos aprofundados só se consolidaram no início deste século e ainda existem vários desafios a serem finalizados, não havendo no momento a decodificação concreta do genoma humana. Tanto a incerteza quanto a determinação dos eventos cerebrais, são teorias que ainda não foram comprovadas, pressupor na existência do determinismo gera graves implicações metafisicas, além de fato da maioria das religiões se pautar na 70 existência de um livre arbítrio o qual deve estar ao serviço do bem e de um ser superior, assim a sociedade é pautada na liberdade do sujeito (LIBET, 2011, p.8). Já Nussbaum e Ibrahim (2012) entendem que processos neurobiológicos são necessários, porém insuficientes para explicar a condição de consciência dos humanos, argumento que a consciência8 é um estado intermediário entre os processos neurais que captam ou produzem informações e a vontade, existindo uma simetria incapaz de ser entendida através de um reducionismo biológico, tal posicionamento é amparado em pesquisas neurais e em uma grande pesquisa bibliográfica que apresentaram indícios que determinadas atividades relacionadas a consciência, demonstravam uma atividade cerebral ínfima e em alguns até inexistente. Como se pode perceber o posicionamento acima cria mais um obstáculo a tese determinista ao momento que alega que o reducionismo biológico não pode explicar a consciência, ou seja, descobrir o “código” de determinada sinapse não significa que o comportamento do sujeito será necessariamente A e não B, frente ao fato que a consciência é vista como um sistema dinâmico à lá Fritoj Capra. Para finalizar é interessante transcrever na integra a afirmação crítica feita ao neurodeterminismo por Busato (2014, p. 63) entendendo que: Se todos os raciocínios são prévia e igualmente determinados, não há nenhuma função neurológica para a consciência ou, para ser mais preciso, para diferenciar os atos conscientes dos meros atos reflexos ou instintivos, pelo que haveria de se questionar, no plano da evolução como o conceito darwiniano, com que funcionalidade o homem teria desenvolvido a consciência. 7.1 PLASTICIDADE NEURAL E PLURALIDADE SINAPTICA O presente subcapitulo demonstra como conceitos basilares das neurociências podem por si só desestruturar a teoria neurodeterminista, em especial os estudos relacionados a plasticidade neural e a pluralidade sináptica. Primeiramente deve-se compreender que as sinapses são processos de transmissão de estímulos elétricos ou químicos – informação – entre os neurônios e O termo consciência deve ser entendido em sentido amplo, não apenas como um sinônimo de comportamento, mas como um conjunto de atividades realizadas pelos humanos como a percepção de si, a noção de tempo e espaço, as habilidades motoras, inclusive as demonstrações emocionais e os estágios de sono profundo e coma. 8 71 outras células, no entanto, quando os estímulos elétricos são transmitidos entre os neurônios, ocorre uma modificação da informação transportada no momento em que a célula receptora “interpreta” o estimulo recebido, cada transmissão é diferente, inexistindo uma identidade plena entre a informação produzida e a recebida, frente as modificações biológicas que ela sofre, tal fenômeno é conhecido como pluralidade sináptica, ou seja, mesmo que houvesse mecanismos que possibilitassem o conhecimento das informações transmitidas e o seu conteúdo inicial, ainda não conseguiríamos ter a absoluta certeza do seu contéudo, pois a cada nova sinapse a informação é modificada pelo seu receptor, somado ao fato que um simples movimento muscular voluntário necessita do funcionamento harmônico de bilhões de neurônios e uma quantidade imensamente maior de sinapses (LENT,200 p. 113),. Outro fenômeno que merece destaque no nosso estudo é a neuroplasticidade ou plasticidade neural, que consiste na capacidade do cérebro humano de se adaptar as alterações ocorridas no seu interior ou exterior, portanto, a estrutura neural humana não é algo estático passível de previsibilidade, mas um complexo sistema, o qual busca construir mecanismos que facilitem a sua adaptação ao ambiente (LENT, 2008 p. 149). O conceito de neuroplasticidade foi criado pelo neurocientista Ramón y Cajal, o qual buscava encontrar uma solução para reabilitar pacientes que sofreram um lesão cerebral, através do fortalecimento de regiões sadias, as quais poderiam executar a tarefa prejudicada, atualmente existem indícios que a plasticidade pode ocorrer em sinapses químicas, devido a alterações fisiológicas presenciadas em tecidos cerebrais (KANDEL, 2014, p. 33), hoje acreditasse através dos estudos com células tronco que o cérebro humano pode se regenerar após um trauma, devido à alta capacidade de adaptação do tecido cerebral, mediante plasticidade neural (LENT, 2008, p.114) . A plasticidade é um evento inerente a atividade cerebral, iniciando-se com a formação embrionária do sistema nervoso, consolidando as bases do comportamento do sujeito no futuro, ocorrendo inclusive na fase adulta, modificando as células neurais e as suas moléculas e consequentemente a forma como as sinapses são produzidas e interpretadas, a plasticidade pode ser resumida como a capacidade do sistema nervoso dos seres vivos em se adaptar ao ambiente em que eles estão inseridos, condição básica para a sobrevivência e para a procriação dos seres (LENT, 2008, p. 112-113). 72 A tempos a neuroplasticidade é aceita sem grandes limitações no mundo neurocientifico, graças a pesquisas realizadas em camundongos que tiveram um dos seus olhos tapados e após algum tempo foi comprovado que os seus cérebros sofreram significativas alterações fisiológicas que deslocaram a capacidade funcional dos neurônios responsáveis pelo funcionamento do olho vedado para o olho que estava livre, aumento a sua capacidade visual (LENT, 2008, p. 119-120). Em humanos pesquisas também comprovaram a neuroplasticidade, pois segundo Lent (2008, p.123-5) interessante linha de pesquisa em neuroplasticidade funcional, envolvendo músicos e não-músicos, tem fornecido dados sobre a plasticidade das áreas corticais motoras, somestésicas e auditivas por meio de técnicas de ressonância magnética funcional, demonstrando que as áreas cerebrais relacionadas a audição e ao movimento das mãos são mais desenvolvidas nos músicos, em especial naqueles que tiveram uma educação musical precoce, tal estudo também foi realizado em pacientes com um histórico de depressão profunda, evidenciando que eventos traumáticos sofridos ao longo do tempo alteram o funcionamento cerebral. Como é possível perceber a neuroplasticidade e a pluralidade sináptica são comprovações neurocientificas incontroversas até o momento, dificultando o reconhecimento acadêmico da teoria neurodeterminista, portanto, é perfeitamente prudente afirmar que o cérebro humano em especial o dos magistrados, não são órgãos estáticos, mas dotados de uma dinamicidade singular, frente a modificações desencadeadas pelo ambiente, impedindo que o comportamento do sujeito seja previamente conhecido através do registros das suas sinapses, as quais alteram o conteúdo da informação a cada conexão, em resumo, a neurociência é incompatível com o neurodeterminismo. 7.2 O GATO DE SCHORINGER, WERNER HEISENBERG E O NEUROMITO DO NEUDETERMINISMO: UMA QUESTÃO EPISTEMOLÓGICA? Quando estudamos uma teoria, é totalmente provável que esqueçamos de relaciona-la com outras vertentes do conhecimento, e com isso impedimos que obviedades sejam consideradas durante o estudo, por isso, entendemos que criticar 73 que o neurodeterminismo apenas por argumentos neurocientificos, pode acarretar falhas conceituais as quais seriam nitidamente perceptíveis caso fizéssemos um paralelo com outros saberes, portanto, nesse subcapitulo tentaremos analisar o neurodeterminismo sob o viés da epistemologia, em especial ensinamentos da física quântica. Para demonstrar a importância de uma abordagem epistemológica/quântica se socorremos dos ensinamentos de Putnam apud Ronde e Melogno (2013, p. 332-3) que a lógica da física da quântica impõe um filtro epistemológico, fazendo com que o conhecimento cientifico produzido, esteja sujeito aos seus dogmas para ser considerado válido, isso não que as outras formas de conhecimento sejam inferiores, contudo, em um mundo pós-moderno, marcado pela enxurrada de informações criadas e disponibilizadas a cada segundo é primordial que alguns parâmetros sejam estabilizados, sob risco de nós em um mar de futilidades, carentes de fundamentos, sendo primordial a existência de uma base teórica sólida, que guie os rumos do conhecimento cientifico, não impedindo que ela seja superada futuramente, desde que haja fundamento para tal, como é evidente na superação da física Newtoniana. Fruto da posição acima, a ciência do século XXI deve considerar os paradigmas quânticos no desenvolvimento das suas teorias, tal perspectiva é plenamente aplicável no neurociência, evitando que neuromitos sejam criados deliberadamente, pois a ciência é coisa séria e não especulação teórica (BROCKINGTON E MESQUITA, 2016). O primeiro pilar quântico que deve ser considerado no estudo das neurociências é princípio da incerteza criado pelo físico alemão Werner Heisenberg em meados do século XX, o qual é aceito como um “dogma” da ciência contemporânea. O respectivo princípio parte da tese – a qual, diga-se de passagem já foi comprovada empiricamente, ou ainda não foi descoberto uma teoria que criasse um nexo causal nesse emaranhado de incertezas- que no mundo quântico (subatômico) inexiste certeza na ocorrência dos eventos, como no exercício mental do gato de Schroedinger, criado pelo físico de mesmo nome Erwin Schroedinger, para entende-lo devemos imaginar a seguinte situação, um gato (partícula subatômica) é colocada dentro de uma caixa, e o bichano tem um comportamento “incerto” comparado com outros felinos, após um momento um indivíduo é questionado se o animal está vivo ou morto, mas como no mundo subatômico inexiste certeza, ele não 74 terá a mínima probabilidade de conhecer antecipadamente o resultado, o qual só será descoberto quando a caixa for aberta, conduto quando o resultado é apresentado ele perde a sua “pureza” porque a observação do sujeito, mudou a realidade em que o gato foi apresentado, assim cada evento quântico é indeterminado e influência do indivíduo no experimento criou um novo evento que influenciara na incerteza (SANTOS, 2005) . A visão de Heisenberg sobre a incerteza quântica não é usada apenas na física, mas a base de toda a ciência contemporânea, gerando efeitos inclusive nas ciências sociais (RONDE E MELOGNO, 2013, p.336), não havendo óbice que os seus ensinamentos sejam usufruídos na neurociência, inclusive para rebater os desígnios neurodeterministas. Tal posição é adotado até por Benjamin Libet, que entende que a teoria de Heisenberg expõe a incerteza como um da fundamento da física subatômica, inexistindo uma certeza absoluta, mas um conjunto de possibilidades como no experimento de Schroedinger, as quais podem ser concretizadas ou não, tal estudo é amplamente aceito do meio cientifico, o que leva a ser incoerente deduzir que neurônios são estruturas biológicas estáveis, podendo ser inteiramente controladas (LIBET, 2011, p.8).9 Contudo em posição divergente Hong (2015, p.700) afirma que a aplicação do princípio da incerteza às neurociências, pode ocasionar um desserviço acadêmico, frente ao fato que a estruturas moleculares não obedecem as mesmas regras de espaço/tempo das partículas quânticas. Mesmo que todo o saber quântico indique que as relações de causalidade neural sejam facilmente refutadas, não é exagero pensar que se o neurodeterminismo fosse eventualmente comprovado seria primordial reafirmar a separação epistemológica entre as ciências sociais e as ciências biológicas, pois aquelas a tempo são autônomas e independentes destas, por isso o conhecimento gerado inclusive pelo direito é valido por si só, não dependendo da outorga de outras searas (BUSATO, 2014) Benjamin Libet (1999) também afirma em artigo pretérito que teoria de Heisenberg pode ter uma aplicabilidade integral no mundo da física, contudo, nada impede que as ciências biológicas adotem leis diferentes, frente ao fato que é difícil estabelecer o grau de influência da física quântica em estruturas microscópicas como as células, não havendo nenhuma comprovação teórica que existe uma simetria entre as leis da física e as da biologia, não impedindo que esta tenha princípios determinista incautos. 9 75 Em relação a conduta humana ela também deve ser regida por pressuposto incertos, ou seja, como algo contextual, linguístico e não meramente físico, caso a entendermos pela filosofia da linguagem, assim a estrutura cerebral não pode ser reconhecida como a única responsável pela ação dos sujeitos, devendo ser sopesado outros fatores como as relações intersubjetivas/sociais e os efeitos temporais (Busato, 2014, p.69) No mundo direito a indeterminação é base legitimadora da coerção, não havendo obstáculos que impeçam a sua compatibilidade com um visão quântica da realidade, tal perspectiva é adotado pelo jurista espanhol Vives Anton apud Busato (2014, p. 70) (...) somente é possível a estruturação normativa a partir do reconhecimento da liberdade de ação. Não é possível regular aquilo que se faz obrigatoriamente ou que não é possível fazer. Não faz sentido determinar-se normativamente, por exemplo, a proibição de respirar. Igualmente não faz sentido proibir que as pessoas se transformem em baratas. Para que exista um espaço normativo é imprescindível o reconhecimento de uma margem de indeterminação. (Grifos nossos). Também entendemos ser interessante que a ciência jurídica desenvolvesse um conceito de livre arbítrio hipotético, para manter a estabilidade social, caso a teoria neurodeterminista venha a ser comprovada, constituindo assim uma ficção jurídica garantidora de arbitrariedades contra um estado interventor. Já Borgoni (2016) parte do pressuposto que a consciência é um problema exclusivamente epistemológico, dependente exclusivamente das experiências subjetivas do sujeito que não podem ser explicadas por argumentos neurocientificos, frente ao fato que a consciência é fruto das experiências e sensações que o sujeito tem ao longo da sua vida10. Para demonstrar como o argumento acima é plausível Borgoni apud Jackson (2016, p.395) realiza um experimento mental que merece ser transcrito na integra: “(...) a protagonista dessa situação hipotética é Mary, uma neurocientista que sempre viveu num quarto preto e branco. Na época em que Mary vive, sabiam-se todas as informações físicas a respeito da visão humana e, por meio de livros e um monitor que só transmitia imagens em preto e branco, ela se tornou uma especialista em neurofisiologia da visão. Ela sabe como a luz afeta a retina, como a informação e processada no cérebro, enfim, o seu conhecimento físico a respeito da visão humana é completo, isto é, Mary sabe tudo o que há para saber sobre a parte física do que acontece com alguém quando vê. Então, um dia, Mary sai do quarto e vê a cor vermelha de um tomate maduro pela primeira vez. Será que Mary aprenderá mais coisas sobre como o mundo é ao ver o vermelho pela primeira vez? (...) Mary aprende algo sobre a cor vermelha que somente quem teve a experiência de ver algo vermelho sabe. Se tudo que Mary aprendera sobre a visão humana enquanto estava no quarto não foi suficiente” 10 76 Através do posicionamento acima é possível concluir que Borgoni (2016) entende que a consciência está intrinsicamente ligada com a práxis, inexistindo conhecimento que possa ser produzido sem que este possa ser sentido e expressado exclusivamente pelo sujeito, consequentemente, a afirmação que através da neurociência será possível controlar os comportamentos em sua plenitude, se mostra falha ou incompleta quando posta em paralelo com estudos epistemológicos, frente a existência de um elo entre o conhecimento físico e o conhecimento epistemológico, em resumo, a relação entre a consciência e a matéria está além dos cânones científicos modernos. Aprofundando os seus estudos epistemológicos Alan Schwerin critica os argumentos que o filosofo Nagel utiliza para explicar o EU em tempos de neurociências, principalmente devido ao fato que este entende que o sujeito é o seu cérebro (he is his brain) quando questionado ao famoso dilema de Descartes, “Quem e o que eu sou?”, contudo, tal resposta consiste em um velho determinismo causal naturalista, que transforma a mente e o cérebro em sinônimos, comparação que não possui aceitabilidade filosófica quando confrontada com o paradigma da linguagem, que aceita que a consciência do indivíduo é formada por um emaranhado de relações intersubjetivas (SCHWERIN, 2015). Também é interessante mencionar o artigo de Costa e Simon (2015, p. 21) que demonstra que as neurociências, são multinivelares, frente ao fato que o seu estudo é organizado em vários níveis indo do molecular até o sistêmico, obstaculiza uma análise reducionista/causal das neurociências, mesmo assim a maioria dos neurocientistas organizam as suas pesquisas desse forma e em vários casos obtiveram resultados que evidenciaram que certas incisões moleculares podem controlar um sistema macro, contudo é unanime na academia que a complexidade sistêmica das neurociências não pode ser descartada, mesmo havendo a comprovação de teses reducionista em experimentos específicos, frente que a cognição e o comportamento por exemplo, são fenômenos complexos. Para finalizar o próprio Benjamin Libet entende que a tese neurodetermista causa implicações éticas ao abalar o conceito de livre arbítrio, o qual é visto um dogma tanto no ocidente e no oriente, tanto no mundo filosófico e principalmente na religião, algumas as quais consideram determinados pensamentos como uma afronta à Deus, sem menosprezar que o poder de coerção estatal presume haver um ato consciente 77 do sujeito, para assim haver a possibilidade de aplica um penalidade (LIBET, 2009), por isso, o debate sobre o livre arbítrio deve interagir com diversas áreas do saber 7.3 NEUROPOSSIBILIDADES? A teoria quântica acarretou na destruição do paradigma determinista moderno, pois inexiste certezas na esfera subatômica, mas infinitas possibilidades, portanto, achamos correto adotar o termo neuropossibilidades, pois estaríamos em erro caso afirmássemos que todas as ações humanas são previsíveis, mas isso não nos impede de presumir que é possível aumentar as chances da ocorrência de determinada possibilidade neural. Tal visão encontra amparo nos estudos de Daniel Kahneman, que entende que os sujeitos possuem um padrão decisório, o qual é formado pelas experiências que o indivíduo sofreu ao longo da sua vida, as quais moldam a personalidade do nascimento até a morte, influenciando na forma como ele decide, fruto do processo evolutivo do cérebro humano que foi formado de maneira a poupar energia, dando ênfase na realização de atividades automáticas, gerando um padrão comportamento, que torna os humanos aptos a se adaptar com facilidade ao ambiente (Kahneman, 2012). Além exames específicos de imagem são instrumentos aptos a mostrar o padrão comportamental do sujeito, mediante a preponderância da atividade neural em determinadas áreas do cérebro (VALANCIENE, 2013), ou seja, é possível descobrir através de uma tomografia se o sujeito tem um comportamento amistoso ou apático. Tais dados quando compilados e comparados entre si, podem criar padrões comportamentais entre os sujeitos, os quais quando disponibilizado previamente podem auxiliar os causídicos a construir uma estratégia processual que mais se adapte com o comportamento do magistrado. Este visão a tempo vem sendo disseminada no meio jurídico, contudo sem se fundamentar em argumentos científicos, basta ler a obra Eles, os Juízes, vistos por um Advogado do jurista italiano Pierro Calamandrei que afirma que a experiência forense permite que o advogado após anos de trabalho conheça o resultado do pleito apenas pelo juiz que julgara o caso (CALAMANDREI, 2015), evidenciando, que a tempo o fato que os magistrados adotam um padrão decisório (Kahneman) cabendo 78 ao procuradores decifra-lo, o que em tese pode ser facilitado pelos conhecimentos neurocientificos. Divergindo do posicionamento acima e contrário a existência de um padrão decisório, Sabahi e Akbarzadeh (2013) entendem que o fenômeno jurídico não obedece as regras da lógica booleana, onde a resposta para um problema apenas pode ser sim (0) ou não (1) – entendesse sim ou não como a adoção de um padrão-, não existindo um meio termo, mas acata os preceitos da lógica difusa, entendendo que entre o sim e o não, há o talvez (o qual em termos matemáticos é entendido como um número entre 0 e 1), portanto, a deliberação do julgador ou a interpretação do causídico é incerta e sujeita a variáveis que não são expressas na lei e nem na posição do magistrado. Os autores também são contundentes ao afirmar que a lógica difusa também é aplicada ao conceito de validade da decisão, pois entre a decisão legal e ilegal, existem situações na pautadas na dúvida sobre a legalidade, nessas os remédios recursais podem ser a única alternativa capaz de gerar segurança jurídica aos demandantes, pois a validade está diretamente relacionada a força do argumento utilizado pelo magistrado e havendo duvidas relevantes este fica prejudicado Caso se adote o conceito da lógica difusa ao fenômeno decisório é notório o fato que a escolha do magistrado estará pautada na incerteza, devido a pluralidade de opções interpretativas que o direito permite, não impedindo que o destinatário da decisão possa conhecer antecipadamente os rumos mais prováveis do seu pleito, caso tenha em suas mãos dados como sentenças anteriores do magistrado e informações da sua privada e personalidade, a compilação destas informações e a sua codificação em uma equação matemática podem demonstrar a linha decisória do juiz (SABAHI E AKBARZADEH, 2013), contudo, os autores são claros ao afirmar que o estabelecimento de uma formula matemática/jurídica que demostre a possibilidades da demanda, é uma tarefa complicadíssima devido à infinidade de variáveis inerentes ao julgador e ao próprio sistema. Portanto, o usuário do poder judiciário não tem como conhecer antecipadamente o resultado do seu pleito, mas as deliberações mais prováveis, devendo levar em consideração que as atitudes dos litigantes e dos seus procuradores também interferem no resultado final do processo Em um tom conciliatório Hong (2015, p. 704) entende que é uma completa ilusão acreditar que os todos os atos humanos são conscientes, frente a existência de mecanismos que permitem a realização de atividades cognitivas inconscientemente, 79 contudo, o velho dilema determinista de Laplace não pode ser aplicado indistintamente, frente a incompatibilidade epistemológica e cientifica do neurodeterminismo, por isso é primordial encontrar um ponto de consenso entre a liberdade e a determinação. 80 8 DECISÃO JUDICIAL E NEUROCIÊNCIAS O presente capitulo busca demonstrar como as neurociências podem influir na decisão judicial, consistindo em uma ramificação da escola americana do Decision and Making, a qual nas palavras de Rublin (2015, p. 180) consiste na vertente do pensamento que “(...) demonstrates that courts go beyond strict application of case law to consider extra-judicial factors when making their decisions”11, ou seja, os conhecimentos das neurociências podem ser uteis para explicar o processo de tomada de decisão dos magistrados, partindo do pressuposto que a norma não é o único fator que influi na atividade decisória, tal corrente doutrinária é conhecida como neurolaw ou neurodireito. A relação entre a decisão judicial e as neurociências é evidente porquê do ponto de vista biológico as emoções/comportamentos12 humanos podem ser definidos como um conjunto de reações químicas e neurais subjacentes à sobrevivência dos seres, existindo um substrato neural que organiza as respostas aos estímulos emocionais, frente aos quais os seres apresentaram comportamentos inerentes a situação em que foram colocados, consistindo em um mecanismo de adaptação ao ambiental, sem qual os hominídeos não conseguiriam evoluir (OLIVEIRA ET AL, 2008, p. 254). As emoções humanas podem ser divididas em três categorias: a) primárias: inerentes a natureza do ser, como expressões faciais de tristeza ou alegria; b) secundárias: são consideradas complexas e dependem de fatores socioculturais para serem construídas, como o sentimento de culpa ou vergonha; c) emoções de fundo: relacionados ao sentimento de bem-estar ou mal-estar, fruto de momentos de calma ou tensão. Marcadas pela característica de produzirem eventos neurais uniformes que podem ser monitorados, através da análise das reações corporais do sujeito, como a frequência cardíaca, a sudorese, as contrações musculares e o movimento dos olhos, havendo indícios o estado corporal é uma previa a decisão futura, como foi proposto pelos experimento do cientista William James (OLIVEIRA ET AL, 2008, p. 254-264). Rublin (2015, p. 182) também entende que as questões extra legais não influem somente da atividade judicante, mas também no processo de elaboração normativa, feita em sua maioria pelo poder legislativo e na elaboração de políticas públicas pelo executivo. 12 O processo de tomada de decisão é uma forma de comportamento. 11 81 A expressão emocional do julgador demonstrada pela sutileza do seu corpo pode ser trunfo para os litigantes que conseguem decodificar previamente os seus significados, podendo alterar os rumos da estratégia processual e aumentar a sua chance de vitória (MORAIS DA ROSA, 2015), basta que o “jogador” (promotor ou advogado) esteja preparado e conheça o timing do julgador. Em pesquisas com macacos foi comprovado que apenas alterações em estruturas cerebrais como a amígdala, acarretam profundas modificações na como as cobaias se comportavam socialmente, havendo sucesso em intervenções cirúrgicas que realizam lesões controladas no córtex cerebral dos macacos, o que possibilitou que os pesquisadores descobrissem determinadas incisões medicas aumentavam a propensão do animal a desenvolver comportamentos de comando ou de submissão em seu grupo (OLIVEIRA ET AL, 2008, p. 260). Tais comprovações neurocientificas não deixam dúvidas que a estrutura do julgador é relevante no momento de decidir, pois a forma como o seu sistema nervoso central se relaciona com as emoções e com o ambiental, são fatores de fulcral importância no momento do comportamento decisório, portanto, o direito não pode menosprezar os ensinamentos neurocientificos, contudo, isso não significa que a deliberação jurisdicional pode sofrer os efeitos do reducionismo cerebral de Libet. No direito não é possível debater o processo decisório minorando o papel da interpretação, devido ao fato que a decisão é a manifestação da interpretação acolhida pelo magistrado sobre a aplicação da norma no caso concreto, consistindo do discurso que segundo a visão do interprete é o mais apto a representar a realidade, através da reconstrução mental desta (BETTI, 2007, p. 5), interpretar é conhecer as possibilidades existentes nos autos, entender como a lei deverá ser aplicada e se a situação prevista abstratamente no texto poderá ser utilizada no caso, inexistindo tal atividade é impossível deliberar validamente, em resumo, existe uma relação mutua entre decisão e interpretação, a primeira só pode ocorrer se houver a segunda. O processo de interpretar um texto ou resolver um problema está diretamente ligada com a capacidade de raciocínio e planejamento desempenhadas pelo córtex pré-frontal, sendo que pequenas alterações nessa região podem comprometer a capacidade de julgamento do sujeito, como no Elliot, onde um bem sucedido empresários chamado Elliot foi submetido a um procedimento cirúrgico para a retirada de um tumor cerebral no córtex pré-frontal, no pós-operatório nenhuma sequela foi 82 demonstrada, contudo, após anos a Elliot realiza transações comerciais cada mais arriscadas, sentido apatia ao risco (OLIVEIRA ET AL, 2008, p. 263-264). Assim é contumaz que a interpretação é uma atividade neural de grande complexidade, sujeita as várias intempéries que modulam a forma como o sujeita vê e interpreta a realidade, não argumento plausível capaz de afastar a influência da estrutura neural do julgador no processo de tomada decisão. Entender o fenômeno jurídico através da neurociência, requer um intenso dialogo interdisciplinar, não havendo como falar de comportamento humano sem considerar os relevantes estudos da psicologia e da psicanalise, havendo uma imensa dificuldade pedagógica para a diferenciar o campo de atuação de cada seara, para entender esta relação sistêmica entre os diferentes campos do saber é interessante fazer um breve estudo dos ensinamentos do jurista Alexandre Morais da Rosa, que realiza um riquíssimo debate entre o direito e as ciências da mente Alexandre Morais da Rosa entende o direito por uma perspectiva Freudiana, consistindo em um mecanismo social apto a controlar os impulsos humanos, legitimando a opressão estatal, através do amor pelo censor (estado), criado através do mito da completude racional do legislador e para pela disseminação de ideias estatizantes que remontam ao velho contratualismo, levando o senso comum a acreditar – inclusive os juristas – que o julgador é um indivíduo neutro, alheio as particularidades da sua vivencia, pois ele representa a racionalidade estatal em sua plenitude qual vê todos os súditos em um patamar igual, aplicando o direito objetivamente, sem se ater que o julgador é um humano comum e não um “superhomem” à lá Nietzsche, sofrendo as influências do seu subconsciente, inclusive no momento de decidir (MORAIS DA ROSA, 2006). Tal posicionamento desconstrói a visão moderna que ainda é vigente que o juiz é um sujeito alheio a si mesmo e adstrito ao direito objetivo, motivo pelo qual se deve entender como fatores extrajudiciais são importantes na práxis judicante, por isso os “operadores” dos direitos devem estar atentos e se aventurarem a ver o direito através de outras perspectivas. Contudo Morais da Rosa em momento algum afirmar que o presente establishment deve ser considerado ilegítimo e passível de descumprimento porque a sua função de impor limites as pessoas e as suas pulsões e desejos, foi primordial 83 para a construção da civilização e necessário para a sua manutenção e progresso (MORAIS DA ROSA, 2006). Após essa breve curva psicanalítica, é interessante ver que a neurociência não pode ser vista apenas como um óbice a atividade judicante, mas como um trunfo, pois através de exames específicos, fatores relevantes aos autos podem ser descobertos, como o grau de autonomia do mental do delinquente, a capacidade mnemônica das testemunhas e até a possível propensão de determinados sujeitos à mentir, o grau de impactado mental que uma agressão causou a vítima, entre outros vários exemplos que podem ser imprescindíveis para uma instrução processual plena, facilitando e engrandecendo a legitimidade da decisão judicial (VALANCIENE, 2013, p.75). Nos Estados Unidos da América a neurociência está a cada dia mais presente na práxis forense, basta analisar no caso United States vs Semru, julgado em 2010 pela Corte Suprema, que se socorreu de ressonâncias magnéticas, para auferir se determinado indivíduo tinha mentido no seu depoimento, no caso sub judice o réu foi inocentado, pois as suas alegações eram verdadeira. Já no caso Graham vs Florida, julgado em 2010 pelo tribunal da Florida a demanda foi solucionada com base exames neurais que comprovaram que certa criança sofria abusa sexuais, pois foi constatado que a sua estrutura neural sofreu profundas alterações decorrentes de um trauma psíquico. Tais efeitos são até perceptíveis na esfera civil como no caso Van Middlesworth vs Century Bank and Trust Co na qual um contrato foi considerado nulo, frente a demonstração através de tomografias digitais que o contratante possuía uma propensão neural a não prestar atenção a detalhes como as cláusulas contratuais impugnadas. Tal fato não é diferente no direito laboral, representado pelo caso Boyd vs Bert Bell/Pete Rozelle NFL Players Retirement Plan, no qual foi comprovado que determinado obreiro perdeu a sua capacidade mental para o trabalho, através da juntada nos autos de um eletroencefalograma do sujeito (VALANCIENE, 2013, p. 7576). Ainda existem demandas emblemáticas que causam implicações éticas que não são passiveis de solução mediante exames neurocientificos, como no caso de sujeitos que autorizam sua eventual eutanásia, contudo, tal procedimento em alguns estados dos Estados Unidos da América prescinde de autorização judicial, devendo ser instruída com exames que comprovem a capacidade do sujeito da manifestação da sua vontade e o seu estágio de saúde presente, imaginemos a situação hipotética 84 de um sujeito que sofre um acidente automobilístico e está em estado de coma, mas com as funções corporais perfeitas, nesse caso provavelmente apenas os exames médicos não serão suficientes para resolver a demanda, o juiz deverá se socorrer também de argumentos éticos que autorizem ou não eventual eutanásia (AGGARWAL E FORD, 2013, p. 795). A utilização de instrumentos neurocientificos para a produção de provas gerará uma revolução das cortes em especial no ocidental, trazendo mais mecanismo instrutórios as partes, obrigando que os magistrados atualizem os seus conhecimentos, pois a análise da provas coletadas mediante imagens de ressonâncias magnéticas ou tomografias, exigira dos juízes um conhecimento técnico que hoje é desnecessário, o judiciário em breve se deparará com milhares de demandas que não serão baseadas apenas no direito objetivo e na narração sucinta dos fatos, mas em complexas provas neurocientificas (AGGARWAL E FORD, 2013, p.790). Mesmo havendo um altíssimo grau de validade e legitimidade das provas neurocientificas produzidas para os autos, não significa que o magistrados estará adstrito, isso no ordenamento jurídico Brasileiro, pois este por determinação da CF/88 e dos diplomas processuais tem independência no momento decidir, podendo, inclusive deliberar contrario sensu a prova pericial, contudo seus atos deveram ser fundamentados e encontrarem consonância com a norma e com os autos, sob pena de serem classificados como discricionários (STRECK, 2016, p. 551-5). O fato de teorias como neurodeterminismo possuirem pontos falhos, não significa que o conceito de livre arbítrio deve ser implantado de forma absoluta no ordenamento jurídico, porque é evidente que existem patologias de natureza psicológica como a esquizofrenia ou de natureza neural como sequelas de traumas cerebrais que acarretam em uma diminuição e em casos graves a inexistência de consciência pelo sujeito (KAWOHL E HABERMEYER, 2007, p. 317), motivo pelo qual procedimentos como a Interdição disciplinada nos Art. 747 e subsequentes do CPC/15 e a aplicação de Medidas de Segurança ao inimputáveis, expressas nos Art. 96 e subsequentes do CP devem ser mantidas, evitando levar o direito ao extremo oposto do determinismo. Para concluir a o posicionamento de Morais da Rosa (2006, p. 206) ensina que a medicina não pode chegar ao direito para dizer quem é louco e merece tratamento, 85 ou afirmar que determinada norma/decisão só é válida se seguir à risca os cânones científicos, pois o direito não é pautado em certezas físicas, mas em humanidades. 8.1 COGNIÇÃO E AUTOMATISMO É possível definir cognição como um processo cerebral, caracterizado pela procura pelo conhecimento ou pela resposta ao questionamento, tal atividade é inerente ao labor judicante, frente ao fato que o julgador precisa conhecer o problema e apresentar uma decisão juridicamente para solucionar, entanto, a compreensão da cognição judicial pode ser engrandecida caso ela seja estuda por um viés neurocientifico. Primeiramente a cognição deve ser entendida como uma função executiva, ou seja, como um conjunto de operações mentais que organizam e direcionam os diversos estímulos ambientais para que o ser consiga agir e se adaptar em seu meio, esse organização sistêmica da cognição permite que o indivíduo filtre as informações que são consideradas relevantes e exclua as de menor importância, garantindo que o mesmo não seja submetido a um fluxo avassalador de dados, o que acarretaria um grave dano a estrutura neural, assim o cérebro humano é na maior parte do tempo funciona de forma automática, sem a necessidade de um intervenção consciente do seu usuário para conhecer e deliberar (OLIVEIRA-SOUZA, 2008, p. 288-292). O posicionamento acima é claro ao demonstrar que o cérebro humano possui filtros que impedem que sujeito/magistrado esteja atento a todas os detalhes do seu meio/processo, por isso a atividade cognitiva é restrita aos dados mais importantes do caso concreto, excluindo fatos secundários, assim é possível constatar que a decisão é o fruto de uma escolha neural-consciente dos fatores preponderantes dos autos, excluindo movimentos rotineiros (LENT, 2008, p. 611-620) A visão acima é plenamente justificável, mesmo que teses como o neurodeterminismo possa ser caracterizado como um neuromito, não se pode negar que os sujeitos achem conscientemente na maioria do tempo, pois a maioria das condutas humanas são marcadas pelo automatismos e pelos hábitos, que com o decorrer do tempo modificam o funcionamento neural, extinguindo a visão de um livre arbítrio pleno, fruto de processo evolutivo, que permitiu que o homo sapiens, pudesse focar a sua atenção e força em um tarefa especifica, realizando automaticamente 86 condutas secundarias, evitando o desgaste mental e físico desnecessário, sem significar que somos robôs ou zumbis que seguem um script sem nenhuma autonomia (HONG, 2015, p. 704). O posicionamento de Hong pode ser aplicado perfeitamente a atividade decisória, em especial a árdua rotina judicante, pois é evidente que a práxis forense, marcada pelos seus milhões de processos em tramite, obstaculiza materialmente que o magistrado realize uma análise minuciosa e analítica das demandas sob o seu juízo, sendo evidente que a maioria dos atos decisórios são automáticos, fato comprovado pela similitude das decisões em casos diferenciados, evento que ganha maior notoriedade em caso de demandas de massa, ou seja, a própria estrutura do sistema judicial é um “gatilho” mental que auxilia o julgador a decidir automaticamente. Por fim é evidente que em um sistema judicial como o Brasileiro com um carga processual de mais de cem milhões de demandas, conforme os últimos dados CNJ, torna-se impossível requerer que atividade judicante seja mais analítica, não havendo em tese alternativa que possa evitar o automatismo decisório nesse cenário. As perspectivas acima também são adotadas por Daniel Kahneman que entende que a mente humana funciona de forma a poupar energia, realizando atividades rotineiras de forma automática, fazendo com que o foco do sujeito seja transferido para condutas especificas e que merecem uma maior atenção, permitindo que muitas mais tarefas sejam realizadas em um mesmo espaço de tempo, garantido um trunfo evolutivo ao homo sapiens, contudo, o automatismo pode deixar passar erros relevantes, os quais facilmente seriam detectados caso o grau de consciência fosse maior (KAHNEMAN, 2012). A cognição humana também é estruturada para substituir a dúvida por um resposta, contudo existem várias saídas argumentativas para o mesmo questionamento, levando o interprete a basear a sua decisão em experiências passadas e na lógica dos eventos apresentados, contudo, a história presente nos autos é depende da argumentação trazida pelo causídico, consequentemente a cognição do magistrado está em tese dependente dos fatos demonstrados no processo, cabendo a ele escolher a narrativa mais convincente e por fim deliberar (CUNLIFFE, 2014). A visão acima também é adotada por Kahneman pelo fato que os humanos são propensos a manter um padrão decisório, o qual é passível de variações e 87 modificações desde que o sujeito entenda que o seu posicionamento é errôneo, contudo, fatores intrínsecos ao sujeito/julgador como o seu ego podem dificultar ou facilitar esta tarefa (KAHNEMAN, 2012). 8.2 O GRAU DE SUBJETIVIDADE DA DECISÃO E O MITO DA NEUTRALIDADE Decidir é uma atividade inerente a todos os seres e como humanos decidimos a todo o momento, seja escolhendo o que iremos comer no almoço ou qual profissão teremos ao longo da nossa vida, por isso, problematizar a decisão judicial não é problema ou uma especificidade do ponto de vista cientifico. Frente ao fato que ela é proferida por humano que tem uma longa trajetória histórica, que possui legitimidade estatal momentânea de dizer o direito, não havendo óbice argumentativa que impeça a aplicação de preceitos gerais do processo de tomada de decisão as deliberações jurisdicionais. No tempo presente a decisão judicial deve ser vista como o fruto da superação do paradigma moderno/decartiano para o pós-moderno/quântico, pois segundo Lopes apud Damásio (2006, p. 265) a lógica de Descartes sob a qual as decisões são o reflexo de um processo racional/analítico é totalmente equivocado, pois na maioria da vezes escolhemos para depois justificar, como é evidente na obra Freud, mediante a influência do inconsciente e das emoções, assim o sujeito inegavelmente faz o uso dos seu sentimento (sentire) criando um caminho argumentativo apto a justificar a sua escolha/decisão. O fato da sociedade contemporânea ser considerada uma sociedade da informação gera impactos significativos na atividade judicante, pois como salienta Lopes (2006, p. 193) a sociedade pós-moderna é caracterizada pelo grande fluxo de informações sob as quais estamos sujeitos a todo momento, principalmente através da mídia, a qual entulha a coletividade de publicações, as quais acabam mesmo que indiretamente construindo a opinião do sujeito, caso esses acontecimentos sejam analisados durante um processo judicial, se pode concluir, que os atores processuais (autor, réu e juiz) na maioria da vezes estão influenciados diretamente pela opiniões emitidas pela imprensa, a qual em muitos dos casos pode definir o resultado do processo, para que este atenda aos seus interesses. Contudo, a leitura de Lopes 88 devido a sua antiguidade, não considera o fato que as informações em tempos de redes sociais em vários casos a informação não transmite uma opinião ou visão sobre os fatos, mas os cria por si só, mesmo que eles materialmente nunca tenham existindo, sendo caraterizados como Fake News, fator que enrijece ainda mais as deliberações jurisdicionais, porque, o magistrado além de se certificar que a informação foi ou não manipulado, deve estar atendo se ela de fato existiu. Mesmo que a pós-modernidade demonstre que a decisão é um procedimento intrinsicamente subjetivo, a dogmática processual vigente ainda adota a lógica que o processo busca definir a verdade-imparcial dos fatos, para apresentar um solução razoavelmente justa, para isto acontecer é necessário reconstituir os eventos controvertidos do passado, para proporcionar uma resposta para a resolução da lide, no entanto, o passado é inatingível. Mesmo sendo impossível reproduzir ou reconstruir fielmente o passado, muitos estudiosos do direito creem e a acreditam no mito que o processo é o meio apto e idôneo de construir a verdade real, contudo a realidade só existe no presente e do passado o que resta é conjunto de borradas impressões, passiveis de manipulação (LOPES, 2006, p. 275). Para sintetizar o posicionamento de Aury Lopes Junior merece ser transcrita a seguinte citação “o juiz é um ignorante, pois ele ignora os fatos e necessita de alguém que tenha conhecimento do ocorrido (cognitio) para lhe permitir a re-cognito. É com certeza, uma cognição bastante corrompida” (LOPES, 2006, p. 279). Assim é notório o fato que o autor descontrói a visão romantizada da decisão como a expressão da racionalidade jurídica, mas como um evento marcado por fluxo escaldante de informações que guiam os rumos do processo do seu início ao fim, consequentemente a conclusão de Aury Lopes expressa que: O juiz na sentença, constrói a “sua” história do delito história do delito, elegendo os significados que lhe parecem validos, dando uma demonstração inequívoca de crença, de fé. O resultado final não é (e não precisa ser) a “verdade”, mas sim o resultado do seu conhecimento (LOPES JR, 2006, p. 283) Em resumo o autor compreender a decisão como um complexo processo construído por fatores que ultrapassam as fronteira dos direito, como a subjetividade do julgador e a capacidade de convencimento dos litigantes, contudo, a dogmática legal ainda compreender a decisão como a expressão da objetividade da norma, paradigma que merece ser repensando em tempos de neurociências. 89 Os posicionamentos expressados por Aury Lopes Jr, são passiveis de um perfeito paralelo com os conhecimentos neurocientificos, em especial quando comparados com os estudos realizados por Lent (2008) sobre as pluralidades sinápticas, gerando a modificação da informação transmitida entre os neurônios, após cada sinapse, como demonstrado no capítulo anterior, assim é evidente que a informação quando trazidas aos autos –frente a ignorância do magistrado aos fatospode sofrer uma serie de influencias, que a fazem chegar ao interlocutor/julgador de forma deturpada. Contudo não queremos afirmar que existe um reducionismo causal entre a pluralidade sináptica e a troca de informações entre os sujeitos, porque, ainda há uma enorme caminho para percorrer antes de encontrar uma relação entre as trocas de sinais eletroquímicos entre os neurônios e o comportamento geral do sujeito, no entanto, não se pode desprezar que a informação em sua modalidade basilar, ou seja, como sinapse, perde a sua “pureza” quando transmitida a outros neurônios. Já quando comparamos a crítica de Lopes Jr com o fenômeno da neuroplasticidade, o argumento que o paradigma pós-moderno retirou a “certeza” newtoniana do direito ganha força, frente ao fato que os preceitos básicos da neuroplasticidade que o cérebro é uma estrutura modulável, sofrendo modificações ao longo de toda a vida do sujeito (LENT, 2008). A flexibilidade neural deve ser vista no direito como um argumento que justifica o alto grau de incerteza presente nas decisões jurisdicionais, é o fato que após cada sinapse, ocorre uma modificação na estrutura neural do julgador, ou seja, a forma como um juiz decide hoje provavelmente será diferente da maneira como ele decidirá daqui a um ano, pois o seu cérebro se modificou cabendo ao litigante escolher qual mais propicio para ver a sua demanda atendida, no entanto, não podemos desprezar o fato que a lei por si só pode ser um ponto de certeza em judiciário incerto, exceto nos casos em que o texto normativo permite um interpretação ampla, nessas situações a surpresa decisória consegue ter um forte amparo na norma, deixando as partes ao mercê da sorte no momento da decisão, parafraseando Alexandre Morais da Rosa no conceito de decisão judicial lotérica. O dever de cumprir a determinações normativas é o reflexo milhares de anos de uma longa construção social apta a legitimar e dar validade a quem detém o poder, mantendo o status quo, a mesma lógica é perfeitamente aplicada e utilizada no estado moderno, basta perceber a aceitação social ao cumprimento das ordens judicias não 90 encontrar força em si mesmo, mas em preceitos legais que foram implantados a coletividade ao longo dos anos. Contudo a decisão judicial desde o momento da sua confecção até a sua execução necessita de uma conduta ativa do magistrado, frente ao fato que a lei por si só não consegue ser aplicada, pela simples razão dela carecer de existência concreta no plano físico, por isso, o ordenamento jurídico criou argumentos dotados de força normativa que fornecem um arcabouço teórico extralegal que justifica a atuação do poder judiciário, sendo o principal deles a garantia da imparcialidade do julgador, contudo tal conceito é mostrado frágil quando visto por um olhar crítico (MORAIS DA ROSA, 2017, p. 873). A doutrina dominante entende que a imparcialidade é o dever do magistrado julgar isento de paixões, sem interesses com a causa e com as suas partes, para isso o ordenamento jurídico criou instrumentos como os incidentes de suspeição e impedimento, remédio apto para que as partes se defendam de um juiz que toma partido em um pleito sob sua análise, contudo, imparcialidade não é sinônimo de neutralidade, que pode ser entendida como o inegável fato que o sujeito/julgador sofre influencias históricas, sociais, psicológicas e até políticas que modulam a sua de pensar, contudo a neutralidade não gera risco ao direito, porque, a decisão judicial é pautada em cânones objetivos que evitam que a subjetividade do julgador influencie na sua decisão (GRINOVER ET AL, 2008). Em tom crítico a corrente dominante o jurista Alexandre Morais da Rosa entende que em termos práticos não existe uma diferença nítida entre a neutralidade e a imparcialidade, não havendo como comprovar que a subjetividade do julgador o influenciou no momento de deliberar, principalmente porque a decisão não existe sem interpretação a qual é um ato finito, dependente das interações dialéticas existentes entre o sujeito (julgador) e o objeto (processo), por isso não existem respostas universais, passiveis de uma expressão objetiva/legal, mas respostas dependestes da subjetividade da julgador que infelizmente não pode ser afastada do processo (MORAIS DA ROSA, 2006, p. 195). Assim a autor entende que imparcialidade e neutralidade materialmente são sinônimos, inexistindo um juiz com um ph 7, ou seja, completamente neutro. Cabe salientar que a influência da subjetividade no processo decisório não é apenas uma retórica construída por juristas e filósofos, pois o neurocientista Lent (2008, p. 113) afirma que as células neurais modificam as informações recebidas 91 pelas sinapses para melhor se adaptar ao seu meio, pois o cérebro não é uma ilha isolada por um vasto oceano, mas uma estrutura dinâmica, a qual influencia e é influenciada pelo ambiente externo, por isso é ilusório acreditar que o magistrado está imune aos seus devaneios psicológicos e as pulsões sociais, enfatizando o argumento que a imparcialidade/neutralidade do julgador é um mito que precisa ser desconstruído13. Em uma interessante pesquisa empírica realizada por Meernik (2011, p. 591) que comparou as sentenças proferidas em tribunais penais internacionais com juízos ordinários, levando a constatação que as decisões daqueles órgãos estão sujeitas a gravidade do delito em analise, ao seu grau de repercussão social e as características da(s) vitima(s), somada a pressão oferecida pela opinião pública/midiática que requer em seus editoriais punições exemplares, as quais na maioria das vezes são atendidas pelos magistrados, sendo nítido que os tribunais internacionais emitem pronunciamentos mais severos caso postos a lado com deliberações iguais, mas decididas por um juiz comum. Na obra acima o autor também evidenciou que a decisão judicial quando proferida em tribunais internacionais, não é limitada a um debate estritamente jurídico, porque fatores políticos de cunho diplomáticos devem ser sopresados, como a influência de uma eventual condenação na balança comercial de um pais, sem contar que estes pronunciamentos são paradigmáticos e muitos magistrados entendem que eles devem impor uma punição exemplar, porque os crimes sujeitos a jurisdição internacional possuem um alto grau de reprovabilidade, pois os bens jurídicos tutelados representam os pilares para um convivência harmônica entre os povos e as pessoas, sendo que a gravidade da punição terá uma função repressiva, evitando que delitos como o genocídio sejam praticados no futuro (MEERNIK, 2011). O parágrafo acima demonstra que a decisão judicante quando proferida em órgãos internacionais está repleta de influencias extrajurídicas que preponderam no momento do pronunciamento jurisdicional, consequentemente a norma é um fator a ser ponderado frente as pressões políticas e midiáticas que invariavelmente são 13 Para resolver a problemática da ausência de imparcialidade/neutraliadade, o direito deve superar o paradigma do sujeito moderno/consciente, considerando que o magistrado é influenciado a cada sentença, por isso o ideal é construir um modelo de juiz bricoler –artesão- que molde os significantes – fatos e influencias - ao caso concreto, construindo uma decisão aceitável do ponto de vista jurídico e lógico (Morais da Rosa, 2006). 92 sobrepesadas no pronunciamento final, levando a consideração que mesmos em organismos extra estatais, a imparcialidade é filtrada com base em um juízo de conveniência que o magistrado adota, mesmo que inconscientemente. Cumpre expressar que o autor do artigo em debate em momento algum questionou a legitimidade dos tribunais internacionais, somente trouxe à tona que os respectivos órgãos possuem nuances que estão além do direito, devido as funções políticos que visam combater os crimes ditos contra a humanidade. Em outro estudo realizado no Canadá tendo como base decisões criminais que discutiam crimes sexuais e homicídios contra crianças, todos eles sujeitos ao rito tribunal do júri, foi possível constatar que os jurados constroem a sua própria versão sobre o caso, a qual será confirmada ou descontruída conforme as evidencias trazidas aos autos Meernik (2011). A atividade instrutória e decisória estão intrinsicamente ligadas na atividade jurisdicional e cognitiva, por isso se entende que o sujeito que está diretamente inserido na colheita de provas automaticamente cria pré-juízos (FIORELLI E MANGINI, 2016) os quais indiscutivelmente vão interferir na decisão final, por isso entendemos que seria interessante para aumentar o grau de imparcialidade separar as atividades judicantes, tendo um juiz responsável apenas pela realização de procedimentos instrutórios e finalmente um julgador encarregado apenas de decidir, o qual em tese teria um grau maior de imparcialidade, estando puro de preconceitos acerca da lide, como o modelo de um Juiz de Garantias proposta pelo processualista Candido Rangel. Mesmo na seara filosófica o conceito de neutralidade/imparcialidade se mostra instável, pois conforme Heidegger a interpretação é formada por uma posição previa do sujeito, que possui uma imensa bagagem histórica/temporal que modulam a sua forma de ver a “realidade”, podendo a sua visão descontruída com o andamento do ato interpretativo (HEIDEGGER IN MORAIS DA ROSA, 2006, p. 190). Já para Gadamer, a interpretação depende principalmente dos horizontes pelos quais o sujeito pode ver a realidade, os quais são formados conforme as experiências que este ser teve ao longo da sua história, pois só podemos compreender algo quando interpretamos (GADAMER IN MORAIS DA ROSA, 2006, p.195). Indo em posição convergente a Gadamer e Heidegger o neurocientista Robert Lent compreensão da realidade não pode ser construída do zero, existindo uma série 93 de fatores neurais e psicológicos passados que serem como um ponto de partida – pré-juízo- intrínseco na nossa subjetividade (LENT, 2008, p.185), assim a afirmação de Gadamer de que não existe uma única interpretação sobre um mesmo fato – como afirmava o positivismo -, pois está dependente do seu interprete, tornado imprescindível a realização de um diálogo – dialética – entre os vários sujeitos processuais para chegarmos a um local comum, aceito por todos. Não se pode negar que a atividade judicante é um desafio, principalmente em um país como o Brasil onde existe mais cem milhões de processos em trâmite, sem esquecer é claro da falta de estrutura do judiciário. Quando se parte de uma corrente psicológica o trabalho do juiz está marcado pela presença inconsciente de vários processos psíquicos, mas alguns atos processuais como a instrução e as decisões precisam de um alto grau de sensibilidade do julgador para realiza-los tais atos, porque fatores físicos como o cansaço físico/mental, os preconceitos e as crenças arraigadas na mente e os automatismos do inconscientes guiam a deliberação do agente (FIORELLI E MANGINI, 2016, p. 189). Em resumo é inegável que um dos fatores que mais interfere na capacidade de julgamento humano, é modificação do funcionamento cerebral do sujeito/julgador que está geralmente relacionada à existência de um trauma passado que este individuo vivenciou, mediante exames específicos é possível comprovar que eventos traumáticos como o fim de um relacionamento, uma frustação profunda, um ato de violência física ou psicológica, modifica a forma como os humanos deliberam, tais acontecimentos fazem parte da vida humana e cada pessoa geram efeitos diferentes (AGGARWAL E FORD, 2013, p. 791). 94 9 LIMITES À SUBJETIVIDADE DO JULGADOR A longo da obra apresentamos ao leitor as implicações da teoria neurodeterminista no mundo do direito, fazendo um correlação entre os seus cânones e a evolução do pensamento ocidental, marcado pelo ciclo da revoluções cientificas (Kuhn) e as alterações causadas na forma de pensar da sociedade (Boaventura), para logo após criticar o neurodeterminismo, por fim criando um elo entre as neurociências e a decisão judicial, contudo, mesmo que o determinismo neural se mostre falho e em alguns momentos até anticientífico, não se pode desprezar o fato que os conhecimentos trazidos pela heurísticas (Kahneman) demonstram que decisões são marcadas por série de fatores que extrapolam a esfera consciente volitiva do sujeito, por isso, é errôneo continuar reproduzindo o velho dilema que o direito é um fenômeno/ciência moderno, constituídos em pilares racionais e metodológicos (Kelsen), gerando objetividade e certeza ao direito, considerando como inexistente a subjetividade dos atores processuais. Fruto da modernidade o mito da imparcialidade/neutralidade do julgador (Morais da Rosa) necessita ser superado, sob o risco de ser considerado irracional quando comparado com as formas de pensar contemporâneas, para evitar que o direito caia em um fosso de contradições, demonstraremos neste breve capitulo que o ordenamento jurídico brasileiro possui mecanismo que quando aplicados corretamente impedem que a decisão seja construída e proferida com base na subjetividade do magistrado – ou de seus assessores -, assim enfatizaremos como a força vinculante dos direitos fundamentais (Sarlet), a fundamentação das decisões (Streck) e o caráter democrático das decisões (Marinoni), podem ser antídotos contra as decisões inerentemente subjetivas ou solipcistas, para evitar que o direito seja predado pelas outras ciências, parafraseando Lênio Streck. O primeiro pilar que a decisão deve estar fundada é o respeito ao fundamentais, que segundo Sarlet (2017, p. 303) são “àqueles – em geral atribuídos à pessoa humana- direitos reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado estado”, somado que a constituição na visão de Canotilho (2003) possui uma força vinculante, ou seja, os seus vocábulos e sentidos extrapolam as fronteiras do direito e regulam toda a sociedade em que ela está inserida, por isso 95 a decisão judicial em primeiro lugar deve respeitar e fazer o possível para efetivar os direitos fundamentais. Essa força vinculante dos direitos fundamentais caso vista pela perspectiva de Norberto Bobbio (1999) pode ser caraterizada como um instrumento que gera harmonia ao ordenamento jurídico, nutrindo com suplementos que permitem que sua não dependa da validade de outros saberes e o defendo das arbitrariedades dos seus operadores, servindo até como um escuto contra uma eventual teoria “neurodeterminista”, evitando que os magistrados sejam reféns do seus cérebros, mas guiados ou determinados pelos direitos fundamentais. O segundo pilar apto a combater os subjetivismos das decisões é o dever de fundamentação que está expresso no Art. 93, IX da CF/88, frente ao fato que institutos como a imparcialidade, não podem ser pautados exclusivamente em um ideal de neutralidade do magistrado, o qual deve estar preparado aos dilemas apresentados pelo cotidiano e pela práxis forense, não existindo sequer indícios da que as decisões sejam repletas da neutralidade do julgador (MORAIS DA ROSA, 2006, p. 250), com isso, cabe aos teóricos encontrar barreiras que impeçam que os juízes sejam agentes arbitrários. Pois como frisa Alexandre Morais da Rosa (2008, p. 311), inúmeros fatores influenciam a decisão judicial, tendo destaque o inconsciente e o medo do pai – ou tribunal-, se socorrendo dos estudos de Freud o autor entende que a maioria dos atos humanos/decisões são frutos do inconsciente e com isso marcados por um automatismo incontrolável, em relação ao “medo do pai”, o ilustre magistrado avalia que os juízes de primeira instancia decidem conforme a linha argumentativa que o tribunal em que ele está vinculado adota, seja por medo de sofrer represálias – o que diga-se de passagem é inconcebível em um estado democrático de direito -, de ver a sua decisão reforma - o que na maioria das vezes causa um grande abalo no ego do julgador - ou simplesmente para agradar os desembargadores, por isso fundamentar evita que decisões sejam homogêneas frente a situações distintas. Em posicionamento convergente o constitucionalista Clève (2012, p. 44-5) salienta que a neutralidade é uma forma utilizada pelos operadores jurídicos para disfarçar a ideologia presente nos seus atos jurisdicionais, pois quando o magistrado expressa que a sua decisão é a representação da verdade, ele deixa de analisar os 96 interesses sociais e ideológicos presentes na norma, repetindo inconscientemente a ideologia dominante. Em posição divergente à Morais da Rosa é interessante a pesquisa de Bowie e Songer (2009) os quais estudaram os impactos das decisões proferidas pela Suprema Corte dos Estados Unidos em pronunciamentos posteriores de tribunais de apelação – equivalentes aos tribunais de justiça e federais brasileiros- em casos similares, mediante a coleta de dados empíricos, os autores concluíram que os magistrados americanos não ficaram dependentes do posicionamento jurídico da Corte Suprema, demonstrando a independência do poder judicante em um país que adota a common law, mesmo que as decisões analisadas não se tratem de entendimentos pacíficos na jurisprudência é evidente que o sistema não coage magistrados de instâncias inferiores à seguirem a linha interpretativa das cortes, mostrando a inexistência de um comportamento corporativista da justiça Americana. Portanto, o interprete corre o risco de sucumbir caso fundamente a sua demanda exclusivamente em julgados de cortes superiores, devendo considerar a autonomia de cada julgador, o que é importante em qualquer democracia, pois prova aos demandantes que a sua pretensão é analisada cuidadosamente e o pronunciamento final não é uma paráfrase de casos anteriores. Contudo é necessário cautela, pois o estudo acima foi realizado em um país com uma democracia consolidada a mais de duzentos anos, diferente do Brasil que foi redemocratizado no final século XX, e a sua estrutura federativa ainda está se adaptando a democracia, depois de uma longa ditadura, portanto, não causara surpresa que magistrados de primeira instância serem temeroso ao divergirem de tribunais, sob pena de sofrerem represálias pessoais. Para concluir os autores entendem que é irrelevante aos causídicos adotar uma estratégia processual que supervalorize as deliberações de cortes superiores, é mais interessante conhecer a linha ideológica do juiz da causa. Em resumo a fundamentação tem um papel primordial de combate as arbitrariedades, demonstrando a sociedade as ideias fundantes da decisão, possibilitando o eficácia a transparência à qual é exigida em um estado democrático de direito, contudo, ainda cabe ao magistrado aplicar o direito de forma adequada as necessidades dos seus usuários, sem deixar de lado a legalidade, para evitar eventuais atos ativistas. (CLÈVE, 2012, p. 45-7) 97 Contudo a fundamentação é processo longo e complexo que exige um grande trabalho que precisara analisar analiticamente o caso concreto e encontrar uma solução que seja coerente com o ordenamento jurídico, no entanto, na prática judicial brasileira conforme Lins e Horta apud Rodriguez (2016, p.161) é marcada pela pela utilização de argumentos baseados exclusivamente na citação de juristas que concordam com aquele posicionamento in abstracto, no entanto, se esquecem do fato que a retórica jurídica não pode estar estabelecida exclusivamente em teses, mas na situação concreta que ensejou a demanda, pois as peculiaridades da vida social possuem inúmeros detalhes os quais quando passados despercebidos podem gerar efeitos incorrigíveis na vida do receptor da decisão, outro fator peculiar em nosso ordenamento jurídico, é o “simples” detalhe que o garante a integralidade e estabilidade jurisprudência não é o argumento utilizado na decisão, mas a pessoa do magistrado, pois a cada mudança de um membro do judiciário, cria-se a expectativa de qual rumo a jurisprudência vai seguir, inexistindo segurança jurídica que ultrapasse a aposentadoria compulsória dos membros dos tribunais, tal posição está tão dissimulada que é prevista expressamente no Art. 1043, § 3 ˚ do NCPC, no caso em especial dos Embargos de Divergência. O último pilar necessário a barrar as subjetividades do julgador é a difusão de decisões democráticas, as quais podem ser conceituadas segunda a visão a de Marinoni e Mitidiero (2017, p. 767) como um conjunto de princípios constitucionais que garantem que os processos judiciais observem em desenrolar o respeito aos direitos fundamentais, em especial aqueles com natureza processual como o contraditório e a ampla defesa, instrumentos indispensáveis a construção de uma decisão adequada e passível de cumprimento pelas partes. Contudo o caráter democrático da decisão é efetivado em sua plenitude quando é garantido as partes o direito de influir nos rumos do processo e da cognição judicial, permitindo que os litigantes demonstrem ao magistrados as especificidades do caso sub judice, formando conforme Marinoni e Mitidiero (2017, p. 773) um modelo processual cooperativo, evitando que a resolução da demanda seja delegada apenas a um agente estatal, mas um construção criada pelas partes, que facilitara inclusive o cumprimento do acordado/decidido. 98 9.1 O DEVER DE SEGUIR O TEXTO CONSTITUCIONAL E A FORÇA VINCULANTE DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS; Os direitos e garantias fundamentais são instrumentos que garantem aos cidadãos uma prestação do estado ou da sociedade, ou simplesmente um conduta passiva, como o respeito a liberdade, tais direitos são caracterizados pela sua indisponibilidade, cabendo ao estado construir meios aptos que possibilitem a sua concretização e eficácia. No ordenamento jurídico brasileiro os direitos e garantias fundamentais expressos ou implícitos na constituição de 1988 refletem segundo Sarlet (2017, p. 253) o espirito do constituinte originária, que fundou uma ordem constitucional que almeja o pleno desenvolvimento das capacidades do ser humano, para isso um leque de garantias são concedidas à coletividade, desde os direitos de primeira geração como a liberdade e a propriedade, passando pelo de segunda geração no caso dos direitos coletivos e sociais, e pelos de terceira geração como os direitos difusos, comumente representados pela preservação do meio ambiente, contudo esta classificação não reflete uma hierarquia entre os direitos e garantias14. O alcance dos direitos fundamentais não está limitado a sua inserção terminológica no texto normativa, ou em outras palavras em sua expressão formal, é imprescindível que eles sejam compreendidos em sua materialidade, ou seja, somente a interpretação gramatical não consegue demonstrar ao interprete o grau de extensão dos direitos fundamentais, é necessário que ele utilize técnicas argumentativas que sejam coincidentes com a dogmática constitucional contemporânea, adotando a linha argumentativa que mais se adeque a concretização dos ditos direitos e garantias fundamentais (SARLET, 2017, p. 321), tal posicionamento é pacifico na doutrina, pois a mesma em sua maioria entende que os Cabe salientar que a doutrina entende que existem diferenças entre os direitos fundamentais e os direitos humanos, pois conforme Sarlet (2017, p.303) “(...) o termo “direitos fundamentais” se aplica àqueles direitos (em gerais atribuídos à pessoa humana) reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guarda relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e em todos os lugares, de tal sorte que revelam um caráter supranacional (internacional) e universal.” 14 99 direitos fundamentais não são apenas aqueles rotulados no Art. 5˚ da CF/88, mas dispersos por todo texto constitucional15. A materialidade dos direitos fundamentais vincula a atuação da sociedade e em especial do poder público, incluindo neste rol o poder judiciário, o qual deve agir de forma a concretizar os direitos fundamentais, seja na sua estruturação administrativa/funcional ou na sua atividade típica, o exercício da jurisdição. Pautado neste pressuposto é evidente que as decisões judiciais devem formulados da forma a concretizar o regime dos direitos fundamentais, tal imperatividade como demostrada acima é uma garantia do cidadão contra os arbítrios do estado – facilmente notado nos direitos de primeira geração -, evitando que um pronunciamento judicial pautado exclusivamente na subjetividade do julgador seja válido, pois os direitos fundamentais podem ser entendidos como um filtro de objetividade, fruto de um longo processo civilizatório, que impede que as deliberações jurisdicionais não os observem em sua materialidade (CANOTILHO, 2003). No plano teórico existe uma facilidade cognitiva que permite que os juristas não encontrem nenhum óbice que dificulte a aplicabilidade imediata nos direitos, representada principalmente pelo texto do Art. 5 § 1º da CF/88, dispositivo normativo que vincula toda a administração pública, seja o legislativo no instante de criar leis, o executivo no momento de implantar políticas públicas ou o judiciário na aplicação da norma, contudo à luz da concretude dos fatos, diversos fatores impedem que os direitos fundamentais sejam efetivados corretamente na prática, seja pela existência de um conflito social ou político ou pelas condições desfavoráveis da economia, fatores que devem ser considerados frente a força vinculante dos direitos fundamentais (SARLET, 2017, p. 367-373). Mesmo presente condições adversas a aplicação/efetivação dos direitos fundamentais não significa que a consciência do magistrado deve superar a força da norma, por isso, mesmo que a vivência histórica ou o turbilhão midiático indique que o magistrado deve decidir de forma A, pois a mesma reflete os anseios sociais e econômicos, a sua deliberação somente será considerada válida quando respeite os direitos fundamentais. Robert Alexy entende que a caraterização dos direitos fundamentais em uma constituição pode ocorrer de duas maneiras, primeiro por um aspecto formal, fazendo que os direitos fundamentais estejam limitados a um rol do texto constitucional, ou por visão substancial ou material, a qual não caracteriza os direitos exclusivamente por sua forma, mas também pela sua natureza. (Alexy, 2008, p. 66). 15 100 Para comprovar o caráter vinculante dos direitos fundamentais as decisões judicias, não se pode desprezar a tese da irradiação desenvolvida por Robert Alexy, que entende que os direitos fundamentais não são apenas ferramentas disponibilizadas ao indivíduo para se proteger contra o estado, mas também representam uma ordem irradiante que atinge todos os ramos do direito, fornecendo diretrizes e impulsos para a legislação, a administração e para a construção da jurisprudência, e com isso influenciando a forma como os juízes decidem, frente ao fato que a constituição institui uma ordem objetiva, fazendo com eles estejam além de uma mero direito subjetivo das partes, mas sejam entendido como princípios objetivos (ALEXY, 2008, p. 524-6). Passando de Sarlet a Alexy é notório que ambos os autores compartilham da visão que os direitos fundamentais são filtros objetivos contra as arbitrariedades que eventualmente possam ser proferidas através da decisões jurisdicionais, esta força argumentativa do direito constitucional, consegue afirmar a independência da ciência jurídica quando posta em confronto com outros saberes, ou seja, mesmo que a retorica do neurodeterminismo ganhe força a constituição servirá como um muro, impedindo que o direito seja o reflexo das sinapses ou das vontades do julgador. Para evitar que o antidoto contra o neurodeterminismo e as decisões arbitrarias, sofra uma mutação e se transformação em um veneno, é preciso compreender que a abertura interpretativa que a doutrina conferiu ao direitos fundamentais, o risco que as decisões judiciais arbitrarias sejam maquiadas pelo argumento de cumprimento aos direitos e garantias fundamentais é grande, devido ao fato que estes direitos possuem um alto grau de abstração, para resolver este dilema Robert Alexy cria alguns parâmetros necessários para a construção de uma argumentação racional a aplicação dos direitos fundamentais. O primeiro pilar estabilizado pelo jurista alemão é a própria limitação semântica do texto normativo, podendo a mesma ser conciliada com a mens legilatoris e com posicionamentos finalísticos (teleológicos), desde que a mesma não ultrapasse os limites gramaticais da norma. O segundo é o respeito aos precedentes, que em países de civil law deve ser entendido como o respeito as decisões do Tribunal Constitucional em situações semelhantes, em razão do princípio da universalizabilidade. Já o terceiro é a observância as teorias do direito, devido ao seu grande arcabouço teórico que facilita a compreensão do direito (ALEXY, 2008). 101 Para evitar que a aplicação dos direitos fundamentais não seja um convite ao ativismo judicial, Sarlet (2017, p. 383) entende que o constitucionalismo contemporâneo adota a tese que os direitos fundamentais possuem limites imanentes a sua natureza (teoria interna), mas a tangibilidade de tais limites é implícita, necessitando de um aprofundado exercício interpretativo, já a teoria externa entende os direitos fundamentais necessitam de um nítido contorno da sua seara restritiva. A imposição de limites reflete a própria do essencial do direito constitucional que é impor limites a atuação estatal, por condutas ativistas além de abalarem a estrutura constitucional, representam uma afronta a um longo processo civilizatório que levou a criação do atual estado democrático, pois a criação de um direito sem o crivo democrático da sociedade carece de validade16. Para somar aos posicionamentos acima é interessante o posicionamento de Lênio Streck, que o ativismo judicial não é um evento qualquer no direito, mas uma gravíssima violação ao direito fundamental das partes em receberem uma decisão judicial adequada, frente ao fato que os magistrados devem prezar pela observância da lei, desprezando suas inclinações subjetivas e a moral da sociedade (STRECK, 2016, p. 727), o que importa é que a decisão esteja correta a constituição. 9.2 A FUNDAMENTAÇÃO COMO RESPOSTA À ARBITRARIEDADE. O modelo positivista adotado largamente no século XX, não conseguiu pacificar todas as demandas sociais, frente ao fato que o direito ficou isolado em um ilha e alheio as modificações que ocorriam na sociedade, gerando um engessamento da lei, frente as peculiaridades das demandas, como resposta à crise, a doutrina construiu teorias que permitissem a superação teórica desse paradigma, vindo a desenvolver o famoso modelo pós-positivista, que segundo Abboud e Oliveira in Leite e Streck (2017, p. 84) consiste em uma forma de pensar o direito sem dissocia-lo da realidade, fazendo com que a aplicação da norma não seja limitada ao reducionismo silogístico, Mesmo havendo restrições aos direitos fundamentais Ingo Sarlet (2017, p. 398-401) é inovador ao desenvolver a teoria da garantia do núcleo essencial dos direitos fundamentais, esta corrente é estruturada no argumento que existem conteúdos invioláveis dos direitos fundamentais que se reconduzem a posições indisponíveis às intervenções dos poderes estatais, mas que também podem ser opostas aos particulares. Mesmo que a CF/88 não tenha adotado expressamente tal posicionamento, é evidente que dispositivos como o Art. 60 § 4º, da CF/88 que tangem como inconstitucionais medidas que acarretem o desmonte dos direitos fundamentais. 16 102 transformando a decisão judicial em uma tarefa complexo, que além de analisar o direito objetivo, compreenda a realidade em que ela é elaborada. Mesmo que em tempos de pós-positivismo a decisão seja construída com argumentos extralegais, é inegável que ela é ainda jurídico, dotada de coerção e força executiva, inerente aos atos do poder público, por isso segundo Streck (2016, p. 681) decisões judiciais não consistem em uma escolha do julgador, mas um resposta da jurisdição, ou segundo a visão de Dworkin a decisão é um ato de responsabilidade em que o estado precisa dar uma resposta que seja integra e coerente com o direito. A simples aplicação silogística da lei ao caso concreto, mostra-se insuficiente para resolver os problemas sociais que o direito se o propõe à resolver, é necessário que o julgador demonstre à coletividade os porquês do seu decidir, pois sem ele as partes não conhecer a forma como a sua demanda foi soluciona, gerando uma sensação de ilegitimidade dos pronunciamentos judiciais, pois o que garante as partes que a lei foi aplicada corretamente, se elas desconhecem os argumentos utilizados pelo magistrado? Como resposta ao problema, a fundamentação se torna o elo legitimador das deliberações judiciais, podendo ser conceituada como o ato de trazer à tona os argumentos determinantes da resposta jurisdicional, a qual não pode ser limitada a uma aplicação silogística dos preceitos legais aplicados, tal conduta do poder público foi positivada no Art. 93, IX da CF/88 e mais recentemente no Art. 489, II do CPC/15, como um elemento essencial da sentença. O dever de fundamentar é uma conduta imprescindível no presente estágio do direito, porque o pós-positivismo demostra que a norma carece de uma aplicabilidade intrínseca, necessitando ser interpretada para descobrir o seu real sentido, isso porque o legislador não consegue prever de antemão todos os problemas sociais e o judiciário não pode deixar de decidir, para evitar o surgimento de lacunas normativos, o ordenamento jurídico transforma a fundamentação em um instrumento apto a suprir as omissões legislativas, portanto frisar os elementos interpretativos é primordial, pois releva os porquês da escolha do magistrado (JALES, 2015, p. 272). Mas em que consiste fundamentar? Segundo o Art. 489, II do CPC, fundamentar é a exposição do fatos e do direito que levaram a decisão, consistindo em um preceito lógico pelo qual será construído a decisão, podendo também ser entendido como um dever do magistrado/estado e um direito das partes/sociedade, nesse sentido Streck (2016, p. 683) entende a fundamentação como: 103 (...) o dever de levar a sério todos os argumentos das partes (...). O dever de fundamentar – que é mais do que motivar – não é simplesmente um adereço que será posto na decisão. Tampouco será uma justificativa para aquilo que o juiz decidiu de forma subjetivista-solipsista. O Estado Democrático de Direito e a Constituiçao são incompatíveis com modelos de motivação teleológicos do tipo “primeiro de decido e só depois busco o fundamento” (...). A fundamentação é condição para a decisão e não uma justificativa das premissas tomadas para a conclusão. Isso quer dizer que o juiz não decide para depois fundamentar. Absolutamente não. E, se o faz, está colocando a sua subjetividade acima do direito. Na verdade, a decisão deve ser o resultado da fundamentação e não o contrário. (Grifos nossos) Em síntese a fundamentação é o caminho pelo qual o magistrado deve percorrer para conseguir chegar a decisão, consistindo em pressuposto lógico, apto a afasta a sua subjetividade do processo decisório, no entanto, fundamentar é uma atividade complexa, por isso fundamentar não é sinônimo de reproduzir, indicar ou parafrasear um texto legal, ou o uso de motivos que serviriam para justificar qualquer outra decisão ou a simples utilização de conceitos indeterminados, entre outros exemplos trazidos pelo Código de Processo Civil Brasileiro, por isso fundamentar é uma atividade artesanal do magistrado que deve ser construído sob medida com o caso concreto, sob pena de gerar uma profunda violação ao Art. 489 §1˚ do CPC/15 (STRECK, 2016, p. 683-9) No ordenamento jurídico brasileiro a fundamentação tem segundo Mendes e Streck (2014, p. 1324) o status de um direito fundamental, porque, cria um limite as decisões judiciais e aos atos da administração pública revestidos de natureza decisória, obrigando o julgador a explicar o que foi deliberado, evitando que a sua subjetividade prepondere ao direito, decorrente de uma longa construção doutrinária, que chegou à conclusão que o direito à ação (tutela jurisdicional) é insuficiente, sendo necessário que a tutela prestada seja adequada e com isso fundamentada. Após o exposto a dúvida ainda está dispersa no ar, qual é a relação entre a fundamentação das decisões e as neurociências ou como a fundamentação pode afastar o argumento neurodeterminismo e ainda afasta a sombra da arbitrariedade e do solipicismo? Para responder a estes questionamentos usaremos a obra de Daniel Kahneman sobre o processo de tomada de decisão da mente, contudo antes precisamos entender o processo evolutivo do cérebro humano. Segundo a neurocientista Suzana Herculano-Houzel (2017) a evolução do cérebro e do comportamento humano remonta as condições de vida de seus primos 104 mais remotos não savanas africanas, os Neandertais, tais hominídeos viviam em pequenos grupos e a sua fonte de alimentação era baseada na caça e na coleta de frutos, contudo, estes seres não estavam no topo da cadeia alimentar, devido a seu diminuto tamanho e força física, comparado com seres maiores e mais fortes como crocodilos e felinos primitivos. Para garantir a sua sobrevivência a este ambiente adverso, o cérebro dos hominídeos foi organizado de forma a criar duas grande formas comportamentais, a primeira e mais desenvolvida prezava pela produção de comportamento automáticos desencadeados pela presença de um estimulo, permitindo que o Neandertais pudessem distinguir uma planta venosa de uma comestível ou evitar que ficasse frente à frente com um predador, além de permitir que atividades secundarias fossem realizados automaticamente, permitindo que a atividade neural fosse concentrada em um ponto especifico como a busca por uma trilha de um antílope, trazendo a atenção como uma competência elementar do comportamento dos primatas. Já a segunda é baseada em comportamentos lógicos como o desenvolvimento de atividades como a caça em grupo, tais características foram aprimoradas com evolução e repassadas até o homo sapiens. O arcabouço teórico trazido pelas teorias evolucionistas, além de outros estudos das ciências heurísticas permitiu que Daniel Kahneman em sua obra Rápido e Devagar: duas formas de pensar, que busca entender o processo de tomada de decisão dos humanos, passando pela economia, pelo direito, pela medicina e pela administração, explicasse porquê certos comportamentos são mais propensos que outros. Para isso o autor entende que mente a humana possui dois grandes sistemas, o S1 e o S2. O S1/rápido/inconsciente é o sistema mais atuante na mente humana, permitindo que o sujeito atividades automaticamente, como uma resposta aos estímulos ou como forma de poupar energia na realização de tarefas habituais, este sistema preza pela velocidade – lembre-se os hominídeos precisavam agir rapidamente, pois senão poderiam ser o almoço de um predador – em desfavor dos detalhes, permitindo que várias atividades sejam realizadas conjuntamente, como exemplo quando dirigimos um veículo automotor, realizamos automaticamente a troca de marchas, a aceleração ou a frenagem, o nosso cérebro não precisa que a sua atenção seja transferida a atos secundários. Já o S2/devagar/consciente é o sistema responsável pela atenção, pela realização de atividades complexas e pela compreensão de conceitos abstratos e lógicos, exigindo que sujeito fique focado em 105 algo, seja em um atividade completamente nova ou cheia de detalhes como um jogo de xadrez, nessas situações a energia é concentrada em uma atividade em especial, delegando ao S1 a realização de atividades secundárias (KAHNEMAN, 2012). Como a decisão judicial deve analisar uma imensidade de fatores fáticos e jurídicos, a fundamentação torna-se uma barreira contra a arbitrariedade, evitando que o S1 prepondere, impedindo que as decisões sejam genéricas e incongruentes com a demanda, porque, se o magistrado não fundamenta os seus atos, a sua mente estará propensa a agir automaticamente, devido a enxurrada de estímulos que ela recebe diariamente – em especial ações similares-, o cérebro humano não encontra nenhuma razão para manter o seu foco em atividades habituais, e como uma resposta biológica a economia de energia, as suas decisões estarão mais semelhantes, porque o S1 despreza eventos secundários, muitos dos quais estão presentes no caso concreto, prevalecendo automatismo (KAHNEMAN, 2012, p. 116). Portanto, a fundamentação além de ser um argumento jurídico e filosófico que impeça a arbitrariedade, também encontra amparo nos estudos de Kahneman (2015), porque fundamentar faz com que o S2 funcione com maior intensidade no processo decisório, permitindo que a mente do magistrado esteja atenta aos detalhes do caso sub judice, diminuindo as chances que decisões idênticas sejam proferidas em casos diferentes, principalmente porque o S2 exige que o sujeito/julgador pense intense, construindo uma resposta lógica e coerente com a demanda, evitando que a subjetividade (automatismo) do interprete prepondere sobre o direito, eliminando preconceitos, fazendo com que o direito e o caso sejam de fato seja analiticamente estudados pelos magistrado. Em resumo a fundamentação permite que um padrão decisório criado pelo S1, seja descontruído pelo S2, diminuindo as chances que a sentença seja a aplicação da subjetividade do magistrado ao caso concreto. A adoção das teses de Kahneman é citada por Alexandre Morais da Rosa, como o teoria de grande valia para o direito, mas desconhecida pela maioria dos juristas. Com isso ele enaltece que julgar que um processo não é uma atividade natural dos seres humanos, mas pode ser aprendida e transformar em um ato automático quando realizada reiteradas vezes (MORAIS DA ROSA, 2017, p. 191)17, como na citação que merece ser transcrita na integra. A cotidiano forense brasileiro possui diversos estímulos que incentivam que os magistrados operem com o S1. Seja pelas ações de massa ou através de edição de enunciados sumulares que limitam a interpretação do magistrado a literalidade da súmula e também pela difusão inclusive pelo CNJ de 17 106 A maioria das decisões são tomadas pelo S1, que possui a resposta na ponta da língua. Talvez seja o caso de se dar uma chance para a versão contrária e levar a sério a função do processo. No Filme 12 homens e uma sentença (Sidney Lumet, 1957) a primeira impressão era que o acusado teria sido o autor do homicídio. A prova era convergente. O S1 deu a resposta imediata. Quando um dos jurados duvida do S1 e pede para que se expliquem as razões do convencimento, verifica-se a fragilidade da decisão operada pelo S1. A reflexão pode chegar ao mesmo resultado, todavia, qualificada pela compreensão do fenômeno e não apenas da aparência (Morais da Rosa, 2017, p. 196-198). Em sentido convergente ao posicionamento acima Mendes e Streck (2014, p.1325) entendem que: A disposição constitucional que determina a obrigatoriedade da fundamentação das decisões traz ínsita a tese de que a sentença judicial é um processo de reconstrução do direito (...). Há sempre uma précompreensão que conforma a visão do intérprete. Mesmo demonstrado que a fundamentação é um elemento legitimador do direito, em uma pesquisa empírica realizada por Jales apud Rodriguez (2015, pág. 264-266) nos bancos de dados do Supremo Tribunal Federal Brasileiro foi possível levantar os argumentos que prenominam nas decisões de ADIs do pretório excelso. A maior parte da interpretação do STF é baseada na visão que o ministro relator tem sobre o caso, citando a si mesmo como um argumento de autoridade para o seu voto. Em segundo é dado ênfase a precedentes jurisprudências, em seguida aos posicionamentos doutrinários e por último aos princípio, inexistindo um padrão decisório Contudo não se pode esquecer que o ordenamento jurídico possui lacunas as quais necessitam ser supridas através da aplicação de métodos integrativos quando inexistir previsão legislativa ou jurisprudencial para o caso em debate, nestas situações o direito faz com decisões judiciais estejam sujeitas a certa discricionariedade do magistrado, deliberando conforme um critério de conveniência e oportunidade, além disso a própria norma prevê situações especificas que estão sujeitas a discricionariedade do juiz (BETTI, 2007, p. 73-9). metas de julgamento, impelindo os juízes a decidirem com maior celeridade. Fundamentar exige um custo não apenas do magistrado, mas de todo o sistema (Morais da Rosa, 2017, p.192) 107 Não se pode negar que em algumas situações é primordial que o magistrado tenha um maior grau de poder decisório, como previsto no Art. 370 do CPC/15 que permite que o juiz determine de oficio a produção de determina prova que considere necessário ao julgamento da causa, neste dispositivo é evidente que o julgador não está adstrito as provas requisitadas pelos litigantes e através de um juízo de conveniência e oportunidade pode impor certo meio instrutório com o intuito de sanar pontos dúbios da demanda. No processo penal também é possível a realização de atos ex officio, como expresso no Art. 127 do CPP, que possibilita que o juiz determine o sequestro de certo, com a finalidade de assegurar a efetividade da futura decisão. A discricionariedade não é sinônimo de arbitrariedade, porque, as opções do sujeito são limitadas e prevista apenas em situações expressas, devendo o juiz atender aos critérios de conveniência – em relação a qual conduta que poderá ser adotada- e oportunidade – relativo ao momento de atuação-, os quais são limitados pela lei, portanto, o magistrado nestas situações não pode deliberar conforme a sua consciência ou amparado em subjetivismo, mas decidir conforme os preceitos da constituição e nunca em sentido contrário ao ordenamento jurídico, sendo que as suas decisões deverão ser imprescindivelmente fundamentadas, sob pena de nulidade, por disposição expressa do Art. 93, IX da CF/88. Caso a parte entender que ato do juiz atentou os limites tutelados pela lei, poderá insurgir desta ordem através de remédios recursais como o Mandado de Segurança. Além disso decisões mesmo que discricionárias, conforme o Art. 10 do CPC/15 não podem em nenhum grau de jurisdição serem proferidas com base em argumentos que as partes não tiverem a oportunidade de se manifestar, portanto, a ampla defesa e contraditório deve ser observado em todos os pronunciamentos judiciais, o quais diga-se de passagem são fundamentos básicos de qualquer estado de direito moderno. 9.3 A NECESSIDADE DE DECISÕES DEMOCRÁTICAS Quando se buscar efetivar os fundamentos do estado democrático de direito, o judiciário é incumbido de uma árdua tarefa, concretizar através da aplicação da lei a vontade do constituinte originário, portanto, suas deliberações não devem ser apenas validas perante o direito, mas legitimas frente a sociedade. A necessidade que 108 democracia esteja presente nas decisões ultrapassa a retórica doutrina, é primordial que as partes sinta-se acolhidas no poder judiciário, e percebam que as suas alegações de fato foram analisadas pelo magistrado, como almeja o CPC/15 pela valorização do contraditório e de uma participação mais ativa dos litigantes no rumo pleito, seja no momento da delimitação do objeto controverso ou na elaboração da decisão. A legitimidade das decisões judiciais merece destaque nas mais recentes teorias jurídicas, pois ela representa o grau de eficácia que o pronunciamento judicante terá no meio social. Uma decisão que não encontra amparo entre as partes, em caso de demandas privadas ou quando não tem coerção como o social, em casos coletivos, dificilmente terá uma execução pacifica, isso não significa que os juízes devem decidir conforme a opinião pública, desprezando o direito objetivo, pois o judiciário é um poder independente, no entanto, o paradigma pós-positivista obriga que o poder judicante esteja atento a realidade (MARINONI, ARENHART E MITIDIERO, 2017, p. 182). A efetiva construção de processo democrático, depende primeiramente do respeito as regras e princípios processuais. O princípio ao devido processual legal ou nas palavras de Marinoni e Mitidiero, o direito fundamental ao processo justo, é base dessa sistemática, porque é imprescindível mandamentos procedimentais sejam respeitos, seja para proteger as partes dos arbítrio estatal ou delas mesmas, caso se entenda o processo como um jogo na visão de Alexandre Morais da Rosa. A noção devido de processo não é limitada apenas a um aspecto formal – respeito ao procedimento -, mas deve ser vista frente a dogmática constitucional contemporânea de maneira substancial, ou seja, como um mecanismo apto a tutelar os direitos vinculado às ideias de razoabilidade e de proporcionalidade, influenciado diretamente no funcionamento de todo o ordenamento jurídico, limitando inclusive o poder legislativo. O respeito ao devido processo processual, não pode acarretar um engessamento processual, assim Marinoni e Mitidiero (2017, p. 767) entendem que: O direito ao processo justo é um modelo mínimo de conformação do processo. Com fundo na história e desconhecendo cada vez mais fronteiras, o direito ao processo justo é reconhecido pela doutrina como um modelo em expansão, variável – pode assumir formas diversas, moldando-se às exigências do direito material e do caso concreto – e perfectibilizável. (Grifos nossos) 109 O combate ao subjetivismo presente nas decisões judiciais não pode ser vencido sem o respeito ao devido processo legal, na visão de Mendes (2014, p. 429) o devido processo legal consiste em um garantia, permitindo a observância da imparcialidade do julgador e a legitimidade democrática da decisão, a qual é construído dentro dos limites procedimentais, respeitando os direitos e as liberdades básicas dos indivíduos. Evitando a sobreposição da coerção estatal aos interesses dos particulares. A objetividade de princípios constitucionais como o devido processo legal, forma uma barreira doutrinaria contra a difusão de teses como o neurodeterminismo, frente ao fato que o magistrado tem o dever de os preceitos legais, havendo uma sobreposição do seu subjetivismo frente à lei, a base do estado democrático de direito estará comprometida. Mesmo que o cérebro do julgador decida antecipadamente o litigio, a resposta nos autos deve respeitar a constituição, servindo de filtro garantidor da democracia, através da concretização do principio do devido processo constitucional (MENDES, 2014, p. 429). O NCPC através do seu Art. 6 º inseriu no ordenamento jurídico brasileiro um novo modelo de processo, o modelo cooperativo. Fruto do direito fundamental à colaboração no processo, a cooperação processual é marcada pela “divisão do trabalho” entre os seus participantes, contudo, o sentido de colaboração deve ser entendido para com as partes e não entre as partes18. Nesse modelo a organização processual não fica restrito ao juiz, mas dividido entre todas as partes. Nas palavras de Marinoni e Mitidiero (2017, p. 774): A colaboração é um modelo que visa a organizar o papel das partes e do juiz na conformação do processo, estruturando-o como uma verdadeira comunidade de trabalho, em que se privilegia o trabalho processual em conjunto do juiz e das partes. Em relação ao dever das partes elas devem colaborar, principalmente agindo de boa-fé, evitando a pratica de atos dilatórios, prezando pela lealdade, celeridade e Marioni Mitidiero (2017, p. 776) entendem que “a colaboração no processo não implica colaboração entre as partes. As partes não querem colaborar. A colaboração no processo, devida no Estado Constitucional, é a colaboração do juiz para com as partes. Gize-se: não se trata de colaboração entre as partes. As partes não colaboram e não devem colaborar entre si simplesmente porque obedecem a diferentes interesses no que tange a sorte do litígio. 18 110 buscando uma solução efetiva para o pleito (Cunha, 2016, p. 44). O processo colaborativo busca resolver a demanda de fato e não apenas formalmente, a dialeticidade realizada pelas partes e pelo magistrado, permite que a cooperação ajude na construção de uma decisão que solucione o litigio, porque, ela foi construída especificamente para o caso em debate, com a concordância das partes. A eliminação da arbitrariedade ganha reforços quando adotado o modelo cooperativo de processo, pois conforme Marinoni e Mitidiero (2017, p.775) o processo cooperativo exige um juiz cooperativo que seja isonômico na condução do autos e assimétrico quando impõe suas decisões. O magistrado deverá entender que o direito é uma construção democrática e não a sua concepção do fenômeno jurídico, afastando desígnios autoritários e solipcista do juiz que deve perceber Quando o juiz sai do seu casulo e permite-se – ou melhor, a lei obriga – a ouvir o posicionamento das partes é evidente que as sua subjetividade tende a ser afastada, porque, o diálogo entre os sujeitos, como demonstra Kahneman (2015) permite que o indivíduo perceba a realidade por outro ponto de vista, desconstruindo a sua visão que pode estar repleta de preconceitos e informações errôneas. Essa relação dialética, desperta o S2 do magistrado, fazendo que ele depreenda um tempo maior para estudar o caso, auxiliando na construção de um decisão mais equitativa e racional, afastada de subjetivismos. Mesmo que o modelo cooperativo seja entendido como cooperação para com as partes e não entre as partes, é difícil ver no horizonte forense brasileiro espaço para que esse modelo de processo desenvolva-se. O fato de adotarmos uma cultura baseada na extrema judicialização e pela tímida opção pela resolução alternativa dos conflitos, nos faz acreditar que a visão de Alexandre Morais da Rosa (2014) do processo como um jogo de xadrez é a mais adequada com realidade. Em um jogo de xadrez nenhum jogador (autor ou réu) quer perder ou empatar – cooperar -, hipótese a qual é raríssima na dinâmica do jogo, todos querem vencer, mesmo que seja necessário desrespeitar as regras do jogo. Qual papel teria o juiz em um jogo tão disputado, em que os oponentes em várias situações são desiguais entre si, apenas preservar as regras processuais? Ou ter uma postura ativa, amparada no princípio da paridade de armas, equilibrando o conflito? (MORAIS DA ROSA, 2017) A democracia processual também deve estar amparada nos preceitos dworkianos de coerência e intregridade da decisão com a realidade, para ser efetiva. 111 Como demonstrado em um experimento social realizado por Simon e Scurich (2011, p. 720) que selecionou várias pessoas leigas em assuntos jurídicos, as quais avaliariam um conjunto de sentenças, após a leitura os participantes do experimento deveriam classificar o pronunciamento judicial em aceitável ou inaceitável, explicando suscintamente a escolha. Com a coleta e compilação dos dados, os pesquisadores concluíram que as decisões que eram coerentes com as provas e os argumentos expostos ao longo do processo tinham uma alta taxa de aceitabilidade, aplicando a lógica inversa as deliberações inaceitáveis. Com base no estudo acima é possível deduzir que a coerência entre os autos e o teor da decisão, tem um papel primordial no fortalecimento da legitimidade dos pronunciamentos judiciais. 112 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS Entender a relação entre o direito e as neurociências não é uma tarefa fácil, principalmente quando abordamos temas que para muitos são considerados tabus, como o dever de fundamentação das decisões judiciais, as quais diga-se de passagem são construídas por infindáveis fatores que ultrapassam facilmente o saber jurídico, tornando inegável o posicionamento de Pallarés-Dominguez e González Estaban (2015) que entende em breve veremos a consolidação neurodireito, que ultrapassará as paredes da academia para entrar definitivamente na práxis forense, como vem acontecendo em cortes norte americanas. Contudo não se pode afirmar que o neurodireito não causara objeções entre os operadores do direito, porque, segundo Thomas Kuhn tudo que é novo gera medo, frente a quebra de paradigmas e a reformulação do status quo, tornando qualquer processo de mudança turbulento e quando feito indistintamente caótico, como aconteceu como Nicolau Copérnico que foi perseguido pela santa inquisição pela publicação da sua teoria heliocêntrica, por isso é necessário cautela, não se pode aplicar os saberes heurísticos imediata e indistintamente ao direito, é imprescindível que a sociedade e o poder judiciário estejam prontos e adaptados para esta nova realidade, e isto só pode ocorrer com o tempo e com a difusão dos saberes. As teorias neurodeterministas mostrassem inadequadas e contraproducentes, seja do ponto de vista cientifico frente ao fato que física quântica, já demonstrou que o mundo subatômico é regido pela incerteza, ou pela simples razão de ser do direito, que para Luigi Ferrajolli, não há direito sem liberdade (FERRAJOLI IN MORAIS DA ROSA, 2006). Em relação aos efeitos do neurodeterminismo Busato entende que (...) não é possível uma dissociação entre a pessoa e sua mente, ou seja, não é possível tratar o cérebro como um ente independente da própria pessoa, que além de dominá-la é capaz de enganá-la, fazendo pensar que é ela que decide. Tal bipartição é absolutamente artificial (Busato, 2014, p. 65). Em outra passagem Busato (2014, p. 22) afirma que: A mente é uma substancia separada e distinta, uma substancia não-física, e por essa razão não sujeita às leis que a ciência física pode desvelar. Se a mente de fato não é uma coisa física, isso pode isentar os seres humanos e suas ações da obediência as leis naturais desveladas pela ciência, ou ainda isentá-los da própria pesquisa cientifica 113 Para encerrar o debate entre livre-arbítrio e determinismo, Benjamim Libet aponta uma solução para este dilema, o qual segundo o autor está virando uma especulação teórica, como está ocorrendo no direito, para Libet este empasse pode ser resolvido através da aplicação da teoria do Conscious Mental Field (CMF), a qual propõe que se um ser consciente consiga interferir no funcionamento de um grupo de neurônios que não está conectado a ele, caso estas células emitam algum sinal elétrico ou químico poderemos provar que a consciência é independente da existência de sinapses neurais, mas a ciência ainda não dispõe de meios para provar essa tese (Libet, 2011, p. 8). A teoria do Conscious Mental Field é uma readaptação dos estudos de John Carew Eccles, neurocientista que analisou as transmissões sinápticas e as suas relações no controle do sistema nervoso central, desenvolvendo juntamente com outros pesquisadores um experimento hipotético partindo do pressuposto que a consciência se comporta como uma onda em um campo magnético, podendo influenciar estruturas as quais estejam em seu raio de alcance e não apenas o cérebro, tal ideia trouxe conceitos da física quântica de Niels Bohr para a o mundo da neurociências, sendo que no mundo da física já foi comprovado empiricamente que determinadas partículas subatômicas podem influenciar outras partículas distantes entre si. A adoção da teoria do CFM deve ser feita com cautela, porque, ela pode induzir ao reducionismo que a consciência é nas palavras de Ryle um “mysterious ghost” independente do cérebro, no entanto, o que o CFM propõe é que as sinapses neurais produzem a consciência a qual tem o poder de interagir com sistemas alheios ao cérebro (LIBET, 2006). A opinião pessoal de Benjamin Libet acerca do neurodeterminismo merece ser transcrita em sua integralidade: ““My conclusion about free will, one genuinely free in the non-determined sense, is then that its existence is at least as good, if not a better, scientific option than is its denial by determinst theory” (LIBET, 2009)19 Em síntese, o neurodeterminismo é apenas uma teoria, com muitos pontos falhos, levando os neurocientistas em sua absoluta maioria, entenderem que o livrearbítrio é algo tangível e limitado, pois como foi demonstrado por Daniel Kahnemann “Minha conclusão sobre o livre arbítrio, em um sentido genuinamente livre não determinista, é que a liberdade é algo tão bom, senão a melhor explicação cientifica para negar a teoria determinista (LIBET, 2009). Tradução nossa. 19 114 os comportamentos humanos são influenciados por vários fatores como a psique, os influxos sociais e até pelo clima, destarte a formação da conduta ultrapassa a própria consciência do sujeito, havendo sérios questionamentos acerca do grau de liberdade do fazer humano. As influências que julgador está sujeito no momento de decidir não podem ser negligenciadas, como afirma Alexandre Morais da Rosa a ciência não dá mais margem para que decisões judiciais, utilizem princípios como a imparcialidade e neutralidade do julgado, para legitimarem as suas deliberações, é necessário a criação de novos cânones, que apresentem uma resposta compatível com o paradigma pós-moderno, caberá aos juristas criar um novo direito, sem abandonar conquistas civilizatórias como a liberdade e a democracia. Para dar azo a esta crise de legitimidade que tende a enfrentar o direito, Ricardo Lins e Horta (2016, p. 181) aponta como solução a criação de uma teoria da decisão que unifique os pensamentos divergentes da academia, como as correntes filosófica/dogmática/hermenêutica, o realismo jurídico do common law e a “Judment and Decision Making”, a qual compreenda a influência dos processos cognitivos individuais, o inconsciente, a escolha estratégica/política do interprete e a fundamentação legal, filosófica ou hermenêutica utilizada para justificar o discurso, que por fim levam o magistrado a decidir da forma A ou B. Ricardo Lins e Horta entendem que as decisões colegiadas devem ser valorizadas, frente a redução da subjetividade quando as deliberações são tomadas em conjunto. Em resumo se pode afirmar que toda decisão está sujeita a fatores sociais e institucionais que pressionam o julgador a decidir de tal forma, mesmo havendo garantias constitucionais em prol da independência dos juízes, a qual é uma formalidade legal, existindo outros fatores como o medo pela reforma da sentença pelo tribunal, além da extenuante carga de trabalho no judiciário o que impede a construção de uma decisão que atenda os justos anseios da população. Tal teoria só terá êxito caso os operadores do direito entendam o processo decisório além da figura do magistrado, pois a pratica forense brasileira delega a atividade deliberativa a inúmeros assessores os quais de fato decidem e o juiz na maioria dos casos tem a função de controlar este trabalho, os estagiários também deverão apreender a decidir! Caso o leitor entenda a decisão judicial sob o viés da lógica difusa deverá levar em consideração o posicionamento final de Sabahi e Akbarzadeh (2013) 115 compreendendo que somente é possível desenvolver segurança jurídica através da criação de um sistema computacional que compile todas as informações que influenciam o rumo do processo, tanto as externas como as internas aos direito, contudo tal tecnologia ainda é inexistente, porque é impossível coletar todos os dados que influenciam na decisão e ponderar o seu grau de influência no respectivo pronunciamento, por isso ainda o interprete deve se socorrer da sua experiência e do bom senso, para tentar conhecer antecipadamente o resultado do seu pleito, pois a ciência empírica ainda não tem uma resposta. Para finalizar concluímos que uma nova teoria da decisão deve estar fundada em três vértices: A) O primeiro é fundado em toda uma dogmática constitucional, a qual parte do pressuposto que não há decisão correta, sem a observância dos ditames constitucionais, em especial a busca pela efetivação dos direitos fundamentais, não se pode abandonar esta conquista civilizatória chamada constituição, pois como certa vez falou Joaquim Falcão “ A constituição é o início, o meio e fim”; B) Em segundo devemos insistir na consolidação da fundamentação como uma técnica de julgamento, amparados nos estudos de Daniel Kahneman que comprovam que o S2 só pode superar o S1, quando somos instigados a pensar, fundamentar obriga que o julgador analise o processo e automaticamente afaste parte do subjetivismo; C) Por fim é necessário a adoção de uma modelo processual democrático, que estimule a cooperação das partes, tornando a construção das decisões o fruto de um trabalho conjunto entre o juiz e as partes. Por fim encerramos este trabalho com a reflexão de dois grandes juristas, o primeiro é Dovilé Valanciene (2013) que vê o neurodireito como uma moda temporária, que na próxima estação será considerada antiquada e punida ao esquecimento nas prateiras das bibliotecas. O segundo pensador é o americano Oskar Chase, que entende o processo e o direito como construção cultural (OSNA, 2017), por conseguinte, as neurociências só serão levadas à sério quando os juristas e atores processuais, perceberem que a decisão judicial ultrapassa as fronteiras do direito. 11 REFERENCIAL TEÓRICO ADEODATO, João Maurício. Filosofia do Direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência. 3.ed. São Paulo, Saraiva, 2008 116 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo, Malheiros, 2006 BARROSO, Luís R. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista (SYN)Tesis. Rio de Janeiro, n.5, p. 23-32. 2012; BITENCOURT, Cezar R. Tratado de Direito Penal: parte geral. 21.ed. 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