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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES OS ALICERCES DA FOLIA: A LINHA DE BAIXO NA PASSAGEM DO MAXIXE PARA O SAMBA José Alexandre Leme Lopes Carvalho Campinas 2006 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES OS ALICERCES DA FOLIA: A LINHA DE BAIXO NA PASSAGEM DO MAXIXE PARA O SAMBA José Alexandre Leme Lopes Carvalho Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Música do Instituto de Artes da UNICAMP, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Música, sob a orientação do Prof. Dr. Ricardo Goldemberg. Campinas 2006 FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP Bibliotecário: Liliane Forner – CRB-8ª / 6244 Carvalho, José Alexandre Leme Lopes. C253a Os alicerces da folia: a linha de baixo na passagem do maxixe para o samba. / José Alexandre Leme Lopes Carvalho. – Campinas, SP: [s.n.], 2006. Orientador: Ricardo Goldemberg. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. 1. Samba. 2. Maxixe (Dança). 3. Música. 4. Contrabaixo. I. Goldemberg, Ricardo. II. Universidade Estadual de Campinas.Instituto de Artes. III. Título. Título em inglês: “The foundations of the party: the bass line from maxixe to samba” Palavras-chave em inglês (Keywords): Samba – Maxixe(Dance) – Music - Bass Titulação: Mestrado em Música Banca examinadora: Prof. Dr. Ricardo Goldemberg Prof. Dr. Claudinei Rodrigues Carrasco Prof. Dr. Luciano Allegretti Mercadante Prof. Dr. Antonio Rafael dos Santos Prof. Dr. Antonio Fernando da Conceição Passos Data da defesa: 23 de Fevereiro de 2006 Este trabalho é dedicado à minha família, Bia, Pedro, Chico e Luiza, e aos meus pais Regina e Carlos. AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. Ricardo Goldemberg, pela objetividade e sinceridade. Ao Profs.Drs. Claudinei Carrasco e Rafael dos Santos, pelas dicas valiosas. Ao amigo Ary Colares, músico e pesquisador, pelas valiosas informações. Ao Prof. Jorge Oscar, mestre e amigo, pelos ensinamentos. Ao Prof. Dr. Marcos Cavalcante, pelo incentivo. Ao grande músico, ídolo, e amigo Sizão Machado, pelo alto-astral, pela música, e pelas conversas. Aos amigos Aléxis Bittencourt, Goio Lima e Bud Garcia, pela amizade de sempre, e o companheirismo nesta fase de estudos. Aos Profs.Drs. Luciano Allegretti Mercadante e Antonio Fernando da Conceição Passos, por aceitarem participar da defesa desta dissertação. Eu conheço este bumbo, este bumbo é da Mangueira. Jorge Benjor RESUMO Este trabalho faz uma retrospectiva histórico-musicológica do maxixe e do samba do período que vai de 1870 a 1940. Nesta retrospectiva procurou-se por informações sobre personagens, instrumentos e aspectos musicais que se relacionassem com o desenvolvimento da linha de baixo nestes dois gêneros. Na análise dos dados, foram definidas as formações instrumentais mais utilizadas e os instrumentos responsáveis pela execução do baixo, bem como suas origens e a forma de tocá-los. Na segunda parte desta pesquisa, foi realizada a categorização e análise musical das linhas de baixo das músicas transcritas do período. Como resultado, foram definidos padrões de acompanhamento, formas de estruturação e feito um levantamento dos instrumentos mais utilizados. Através da comparação das análises, foi possível apontar algumas transformações ocorridas nas mesmas, com ênfase particular no período que o maxixe se transforma em samba. Palavras-chave: Samba; Maxixe; Linha de baixo; Música; Contrabaixo. ABSTRACT This work makes a retrospective analysis of the maxixe and the samba, from 1870 to 1940, from the historical and musicological point. In this retrospective, information concerning people, instruments and other musical aspects related to the bass line development, in these two styles of music, was searched. In the analysis, the main group formations, the instruments used in the bass line performance, its origins and technique were defined. In the second part of this research a categorization and musical analysis of transcribed bass lines from the period were made. As a result, common comping patterns, structural forms and a survey of the most used instruments were defined. By comparison of the analysis, the main changes that occurred in the bass lines were noted with a particular emphasis in the period that the maxixe turned out to samba. Keys-words: Samba; Maxixe; Bass Line; Music, Double bass. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Baixo Rítmico 23 Figura 2: Baixo Melódico 1 24 Figura 3: Baixo Melódico 2 24 Figura 4: Linha de Baixo 25 Figura 5: Baixo e Bateria 25 Figura 6: Série Harmônica 27 Figura 7: Baixo Cromático 29 Figura 8: Baixo Pedal 1 29 Figura 9: Baixo pedal 2 30 Figura 10: Ostinato 31 Figura 11: Polca Européia 41 Figura 12: Habanera 42 Figura 13: Surdo de Primeira 64 Figura 14: Surdo de Segunda 64 Figura 15: Surdo de Terceira 65 Figura 16: Baixaria do Choro 1 75 Figura 17: Baixaria do Choro 2 75 Figura 18: Baixo Rítmico 1 76 Figura 19: Baixo Rítmico 2 76 Figura 20: Acento do Samba 1 77 Figura 21: Acento do Samba 2 77 Figura 22: Levadas Marciais 78 Figura 23: Preparações do Surdo de Primeira 80 Figura 24: Contrabaixo no Samba 80 Figura 25: Mão esquerda, baixo+acordes 87 Figura 26: Mão esquerda, só baixo 87 Figura 27: Mão esquerda, baixo dobrado. 88 Figura 28: Mão esquerda, baixo híbrido. 88 Figura 29: Amapá – Introdução 91 Figura 30: Amapá – parte A 92 Figura 31: Amapá – parte B 92 Figura 32: Amapá – parte C 93 Figura 33: Bumba-meu-Boi – Introdução 94 Figura 34: Bumba-meu-Boi – parte A 94 Figura 35: As Sapequinhas – Introdução 95 Figura 36: As Sapequinhas – parte A 95 Figura 37: As Sapequinhas – preparação 96 Figura 38: Custe o que Custar – Introdução 97 Figura 39: Custe o que Custar – Ponte 97 Figura 40: De Bocca em Bocca! – parte A 98 Figura 41: Domingo eu vou lá 99 Figura 42: Um bando de Hervas! 99 Figura 43: Os Banzeiros na Poeira – parte A 102 Figura 44: Os Banzeiros na Poeira – partes B e C 103 Figura 45: Ignez – Introdução, parte A, e parte B 104 Figura 46: Amapá piano+sopros – parte A 106 Figura 47: Amapá pino+sopros – parte B 107 Figura 48: Amapá piano+sopros – Trio 108 Figura 49: Bumba-meu-Boi piano+sopros – Introdução 110 Figura 50: Bumba-meu-Boi piano +sopros – parte A 111 Figura 51: Bumba-meu-Boi piano+sopros – refrão 111 Figura 52: Bem-te-vi piano+sopros - Introdução 112 Figura 53: Bem-te-vi piano+sopros – parte A 113 Figura 54: Bem-te-vi piano+sopros – parte B 114 Figura 55: Bem-te-vi piano+sopros – Coda 115 Figura 56: Evohé! Evohé! piano+sopros –Introdução e parte A 117 Figura 57: Evohé! Evohé! piano+sopros – parte B 118 Figura 58: Será Possível – partes A, B e C 120 Figura 59: Cabeça de Porco – parte A 121 Figura 60: Cabeça de Porco – parte B 122 Figura 61: Cabeça de Porco – frase sincopada do maxixe 122 Figura 62: É Água – parte A 123 Figura 63: É Água – partes B e C 123 Figura 64: Não Tens Coração – parte A 124 Figura 65: Não Tens Coração – parte B 124 Figura 66: Não Tens Coração – parte C 125 Figura 67: Chave de Ouro – parte A 125 Figura 68: Só na Flauta – parte A 127 Figura 69: Só na Flauta – notas repetidas 127 Figura 70: Só na Flauta – parte B 127 Figura 71: Massada - parte A 128 Figura 72: Massada – parte B 129 Figura 73: Massada – parte C 129 Figura 74: Corta-Jaca – Introdução e parte A 130 Figura 75: Corta-Jaca – parte B 131 Figura 76: Corta-Jaca – parte C 131 Figura 77: Fica Calmo que Aparece – Introdução 132 Figura 78: Fica Calmo que Aparece – parte A 133 Figura 79: Fica Calmo que Aparece – frase sincopada do maxixe 133 Figura 80: Os Oito Batutas – parte A 134 Figura 81: Os Oito Batutas – parte C 134 Figura 82: Os Teus Beijos – Introdução e parte A 135 Figura 83: Doutor... Sem sorte – parte A 136 Figura 84: Doutor... Sem sorte – parte B 137 Figura 85: Doutor... Sem sorte – parte C 137 Figura 86: Brincando – partes A, B e C 138 Figura 87: Burucuntum – Introdução, parte A e refrão 139 Figura 88: Faceira – parte A 140 Figura 89: Faceira – frase 140 Figura 90: Faceira – parte B 141 Figura 91: Samba de Fato – Introdução 142 Figura 92: Filosofia – Baixo+percussão 143 Figura 93: Estás no meus Caderno – Baixo+surdo 143 Figura 94: Na Virada da Montanha – Baixo Ostinato 144 Figura 95: Na Virada da Montanha – parte A 144 Figura 96: Alegria – baixo 138 Figura 97: Alegria – variações do baixo 145 Figura 98: Da Cor do pecado – baixo+violão 146 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Células Estruturais do Baixo no Maxixe e no Samba 85 Tabela 2 – Principais Padrões Rítmicos de Acompanhamento do Maxixe ao Piano 89 SUMÁRIO 1. Introdução 1 2. Conceitos Fundamentais 7 2.1 O Baixo 7 2.2 A Linha de Baixo 10 2.2.1 Aspectos Históricos 12 2.2.2 Aspectos Estruturais 18 2.3 Os Instrumentos Graves 32 3. O Maxixe e o Samba 37 3.1 Aspectos Históricos 37 3.2 O Instrumental 49 3.3 Linha de Baixo 72 4. Transcrições Comentadas 81 4.1 Observações 81 4.2 Partituras Impressas para Piano 86 4.2.1 Amapá 91 4.2.2 Bumba meu Boi 93 4.2.3 As Sapequinhas 95 4.2.4. Custe o que Custar 96 4.2.5. De Bocca em Bocca! 97 4.2.6. Domingo eu vou lá 98 4.2.7 Um Banho de Ervas 99 4.3 Partituras Manuscritas 100 4.3.1 Os Banzeiros na Poeira 101 4.3.2 Ignez 103 4.3.3 Amapá 105 4.3.4 Bumba meu Boi 109 4.3.5 Bem-te-vi 112 4.3.6 Evohé! Evohé! 112 4.4 Fonogramas 119 4.4.1 Será Possível 120 4.4.2 Cabeça de Porco 121 4.4.3 É Água 122 4.4.4 Não Tens Coração 123 4.4.5 Chave de Ouro 125 4.4.6 Só na Flauta 126 4.4.7 Massada 128 4.4.8 Corta-jaca 130 4.4.9 Fica Calmo que Aparece 132 4.4.10 Os Oito Batutas 133 4.4.11 Os Teus Beijos 135 4.4.12 Doutor... Sem Sorte 136 4.4.13 Brincando 137 4.4.14 Burucuntum 138 4.4.15 Faceira 139 4.4.16 Samba de Fato 141 4.4.18 Estás no meu Caderno 143 4.4.19 Na Virada da Montanha 144 4.4.20 Alegria 145 4.4.21 Da Cor do pecado 146 4.4.22 Seu Mané Luís 146 4.4.23 Quem me Vê Sorrindo 147 4.4.24 Seu Libório 147 5. Conclusão 149 6. Referências 159 6.1 Discografia 163 7. Anexos em Áudio 165 1. Introdução Este estudo pretende, através da pesquisa histórica bibliográfica e das análises musicais, investigar a linha de baixo na época em que o maxixe se transforma em samba. Tendo dedicado toda sua vida profissional e acadêmica ao estudo, execução e ensino do contrabaixo, e com a carreira artística direcionada à música brasileira, especialmente ao samba em seus vários estilos, o autor deste trabalho almejava realizar um estudo que contribuísse para definir e ensinar a execução deste instrumento neste gênero. Seguindo esta determinação, foi com o intuito de se elaborar um método de contrabaixo no samba que esta pesquisa se iniciou. A análise dos métodos de contrabaixo popular que atualmente se encontram no mercado, revela que a grande maioria desses livros aborda as questões estilísticas de maneira excessivamente superficial. O que se nota, é que essas publicações dedicam um grande número de páginas a questões teóricas gerais (formação de acordes e escalas, progressões, leitura, cifras, etc.), e a exercícios e estudos técnicos, que não possuem vínculo direto com os aspectos interpretativos. Como raramente esses métodos apresentam mais do que cem paginas, não sobra espaço suficiente para serem abordadas questões estruturais e interpretativas, o que resulta em um aprendizado no qual se privilegia o “como se faz” em detrimento ao “porque se faz”. A questão é que se eliminando o “porque se faz”, aprende-se um “como se faz” pobre e vazio, à medida que não são fornecidos ao estudante os elementos que o auxiliem a criar suas próprias linhas, e até mesmo a desenvolver um estilo próprio de interpretação, pois, todo o processo de aprendizado se torna meramente imitativo, focado principalmente nos aspectos técnicos da execução instrumental. Acreditando que as questões criativas e estruturais desempenham papel essencial nos aspectos interpretativos dos instrumentos que, como o contrabaixo, fazem parte do acompanhamento na área da música popular, o autor desta pesquisa pensa que um método de contrabaixo que se proponha a ensinar a execução do samba, ou de qualquer outro gênero, não deve apenas sistematizar os padrões e estilos de acompanhamento, mas também, apontar suas origens históricas, discutir suas diferenças e principalmente fornecer elementos para a elaboração de novas linhas de uma maneira independente e criativa. Em outras palavras: nos métodos de contrabaixo voltados para o ensino de um determinado gênero, a linha de baixo deve torna-se mais importante do que o contrabaixo. Após um primeiro levantamento foi verificado que são raros os livros ou trabalhos acadêmicos que abordem exclusivamente a linha de baixo no samba, quer sob os aspectos históricos, ou sob os interpretativos. São encontradas apenas algumas informações, espalhadas em livros sobre assuntos correlatos, e métodos de ensino de contrabaixo que não vão além de apresentarem, nos capítulos dedicados ao gênero, alguns padrões rítmicos estereotipados, parcas sugestões sobre a execução instrumental, e dois ou três parágrafos sobre questões históricas. Com base apenas nas informações fornecidas nestas publicações não se conseguiu traçar um panorama satisfatório da evolução da linha de baixo no samba, e houve a necessidade da realização de uma pesquisa mais aprofundada. Tendo em vista o tempo disponível para a realização do trabalho e o escopo a que se propõe uma dissertação de mestrado, o autor realizou que o levantamento de dados históricos através da pesquisa bibliográfica, a transcrição das linhas de baixo, a definição das principais formas de estruturação e interpretação, e outros procedimentos que embasariam e ilustrariam os aspectos didáticos da pesquisa, ocupariam todo o tempo disponível, e que desta forma, não sobraria tempo suficiente para o cumprimento das etapas necessárias para a elaboração do método. Assim sendo foi abandonada a idéia da elaboração do pretendido método, e o foco da pesquisa passou a ser o levantamento de informações e a transcrição e análise de exemplos musicais, à procura de um mapeamento da linha de baixo no samba. Faz-se necessário apontar que, mesmo esta pesquisa não tendo resultado em um método de ensino, o autor não pode abandonar durante todo o processo, suas intenções pedagógicas, pois acredita firmemente na importância e na necessidade de trabalhos que contribuam para um aprendizado mais sistematizado, aprofundado e consciente dos aspectos interpretativos da música popular brasileira, e se sentirá plenamente realizado, se o atual trabalho vier a contribuir neste sentido. Após esta primeira etapa, notou-se que havia a necessidade de limitar a pesquisa a um período de tempo, pois dada às dificuldades encontradas no levantamento dos dados, não se conseguiria cobrir toda a história do samba. Desta forma foi realizado um corte temporal, e um período de tempo foi escolhido. Este período se inicia no apogeu do maxixe, na virada do século XIX para o XX, até o surgimento do samba batucado do Estácio, no final da década de 1920. Os motivos da escolha desta época serão explicados a seguir. Apesar de ser praticado em todo o país, e da grande variedade de estilos em que o samba se divide, existe um consenso entre historiadores e sambistas, de que o samba tal qual o conhecemos hoje, surgiu no Rio de Janeiro, no final da década de 1920, e se consolidou ao longo dos anos seguintes através do rádio e das escolas de samba. Antes dele havia o samba maxixado, das duas primeiras décadas do século XX, e o próprio maxixe, do final do século XIX. As diversas transformações sociais, políticas, estéticas e culturais que ocorreram no Brasil a partir de 1870, influenciaram os aspectos musicais envolvidos no surgimento do samba carioca em fins da década de 1920. Diversos autores se dedicaram a estudar esta época, e na área da música popular muitos trabalhos foram lançados, tendo o samba como tema, e principalmente ressaltando a importância do período para a consolidação e desenvolvimento, não só deste gênero, mais de toda a cultura nacional. Entre eles podemos citar: “Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro” de Roberto Moura (1983), “O Mistério do Samba” de Hermano Vianna (1999), “Feitiço Decente” de Carlos Sandroni (2001) e “Da Marginalidade ao Estrelato” de Fabiana Lopes da Cunha (2004). Concordando com esses autores, sobre a importância do período para a compreensão da história do samba, e também para a definição de suas práticas interpretativas, o autor desta pesquisa optou por investigar a linha de baixo neste importante período. O presente trabalho está divido em duas partes: pesquisa histórico-musicológica e análises musicais. Tendo em vista a escassez de trabalhos que se dediquem à linha de baixo de um modo geral, o trabalho se inicia com um capítulo que apresenta os conhecimentos e conceitos necessários para a compreensão de como se estruturam os baixos. Neste capítulo é abordado o surgimento e o papel do baixo na música ocidental, as suas principais formas de estruturação, e seus principais instrumentos. Estes conceitos fundamentais auxiliam na compreensão e na análise da linha de baixo no samba, já que ela é herdeira de vários procedimentos e conceitos da música européia, além de compartilhar elementos estéticos, históricos e estruturais com baixos de outros gêneros de música popular. Como este primeiro capítulo não está diretamente relacionado com o tema, o leitor que se julgar conhecedor da história e dos processos estruturais da linha de baixo na música ocidental, pode facilmente pulá-lo. Devido a grande parte da música popular não ser tradicionalmente escrita; como os sons graves são os que mais apresentam dificuldades de captação e reprodução; e como o samba foi no seu início, duramente perseguido, não havendo registro musical algum de suas práticas até a década de 1920, antes da coleta do material para as análises, foi realizada uma pesquisa histórica com a finalidade de orientar o trabalho nos casos em que não havia registros. O segundo capítulo apresenta os resultados desta pesquisa, e aborda a história do maxixe e do samba, priorizando os aspectos relacionados ao baixo, além de descrever os processos estruturais das linhas no âmbito destes dois gêneros. No terceiro capítulo estão as análises de diversos trechos musicais onde as linhas de baixo são abordadas. Por fim são apresentadas as conclusões. 2. Conceitos Fundamentais 2.1 O Baixo O dicionário Aurélio (FERREIRA, 1999) indica que a palavra “baixo” é proveniente do latim vulgar “bassu”, como inflexão de baixar. Usado tanto como adjetivo, como substantivo masculino ou como advérbio, o termo possui diversos significados, indicando desde situação física: baixa estatura, de pouca extensão vertical, inclinado para o chão, abaixo do nível normal, ao sul, etc.; à condição moral: vil, grosseiro, ignóbil, chulo, etc. No campo dos sons e ruídos, “baixo” é utilizado tanto como adjetivo; “o que mal se ouve”, ou como substantivo significando: A mais grave das vozes masculinas; o cantor que tem essa voz; o instrumento de diapasão mais grave de cada família de instrumentos; a parte mais grave das realizações contrapontísticas, em relação às partes superiores do conjunto e não a uma voz ou instrumento de diapasão grave (Ibidem. p. 256) Nos livros e dicionários de música consultados, as definições não vão muito além das fornecidas pelos dicionários gerais, com exceção do Dicionário Grove (SADIE, 2001), que no verbete “Bass” oferece uma descrição completa do termo, da qual está transcrito abaixo o parágrafo introdutório: A parte mais baixa do sistema musical, em oposição à parte aguda, ou parte alta. Especificamente: a parte ou voz em uma composição executada pelos instrumentos ou vozes de registro mais grave (“parte do baixo”); a região mais grave em um som; por conseqüência, a sucessão das notas mais graves de uma passagem ou composição (“linha de baixo”); o segmento mais grave da tessitura de um instrumento; a oitava ou oitavas mais baixas utilizadas em uma composição (“registro grave”); aquelas notas que atuam como suporte para as outras partes, as quais determinam à identidade harmônica das sonoridades e que são as principais responsáveis pelas progressões harmônicas, cadências, modulações e nas relações tonais em larga escala (baixo “harmônico”, “funcional” e “musical”). Estes significados distintos, porém superpostos, são usualmente simplesmente chamados de “baixo” (“bass”). Eles compartilham o sentido de “grave” (“low”), assim como em “baixo” (voz humana mais grave) e “baixo” (o instrumento mais grave); baixo é cognato com o adjetivo “base” (baixo, pouco refinado), os dois derivados do latim tardio “bassus” (baixo, grosso, gordo) (SADIE, 2001, vol. II p. 849). O termo bassus em música apareceu primeiramente por volta da metade do século XV, para designar a voz mais grave das polifonias, cuja uma das designações era contratenor bassus. Outros nomes eram: tenor secundus, theuma tenor, basistenor e baritonuns (Ibidem.). Aproximadamente a partir do século XVI a palavra bassus passa a ser utilizada sozinha como um nome, significando a parte mais grave de uma composição. Neste novo sentido rapidamente surgiram dois significados para o termo, um material e outro figurativo: o de base (base) como a parte mais baixa ou alicerce, e o de base (basis) como o componente principal ou princípio fundamental (Ibidem.). Ao longo da história o termo “baixo” abarcou esses diversos significados correlatos: “o que fica embaixo”, “o mais grave”, a base, a fundação, o alicerce; e também: o fundamento, a essência, a origem, etc. Por conseqüência, eram chamados apenas de “baixos”, independente da família ou do tipo, os instrumentos encarregados de executar esta parte nas composições. Esta prática era bastante comum em toda música de concerto européia até o século XIX, onde “baixo” ou “baixos” eram os termos encontrados nas partituras, não ficando especificado qual ou quais instrumentos deveriam ser empregados. Ainda nos dias de hoje, alguns regentes ao se referirem aos naipes de violoncelos e contrabaixos dizem “os baixos”. Também nas bandas militares e em outras formações menores, os instrumentos graves eram chamados indistintamente de “baixos”. Na música popular a partir dos anos 1930 o contrabaixo acústico aparece como o principal instrumento baixo, sendo que na década de 1950 ele passa a ser progressivamente substituído pelo baixo elétrico, que é hoje em dia o instrumento mais usado. Estes dois instrumentos também são comumente chamados apenas de “baixo”. Por conseqüência o instrumentista que toca o contrabaixo passa a se chamar “baixista”, forma abreviada de “contrabaixista”. Também são chamados indistintamente de baixos os instrumentos mais graves das diversas famílias, por exemplo: na família das flautas, a flauta-baixo; na família das clarinetas, a clarineta-baixo (clarone), na família dos metais, a tuba-baixo, o trombone-baixo, etc. A voz masculina mais grave também e designada de “baixo”, e possui uma extensão aproximada de E1 ao F3. E finalmente, no estudo da harmonia, “baixo” é o nome da nota mais grave de um acorde, independente de sua função harmônica. A seguir está organizado um quadro resumido das definições atribuídas ao termo “baixo”: A melodia mais grave em uma composição ou trecho musical, que possui importância fundamental na estruturação rítmico-harmônica das composições (linha de baixo). A nota mais baixa (grave) em um acorde. A voz masculina mais grave, com tessitura aproximada entre o E1 e o F3. Os instrumentos que executam a linha de baixo. O termo coloquial para o contrabaixo. Nota importante: Para esta pesquisa, toda vez que se fizer referência ao instrumento contrabaixo, serão utilizados os termos: “baixo acústico” para o instrumento mais grave da família dos violinos, e “baixo elétrico”, para a guitarra-baixo. O termo “contrabaixo” será empregado genericamente a esses dois instrumentos. A palavra “contrabaixo” poderá também designar a região ou voz que vai do C1 ao C-2. Instrumentos de outra família trarão juntamente o seu nome de família: saxofone-contrabaixo, baixo-tuba, flauta-baixo, etc. O instrumentista que toca contrabaixo tanto poderá ser chamado de “baixista” ou de “contrabaixista”. Os termos “baixo” ou “os baixos” serão empregados como forma diminuída de “linha de baixo”, ou de um modo genérico englobando todos os cincos significados da palavra acima descritos. 2.2 A Linha de Baixo Definido o termo baixo, será abordado agora um de seus significados, que é o utilizado para se referir a melodia mais grave de um trecho musical, o que também é denominado de “linha de baixo”. Situada na região mais grave de uma composição ou arranjo, a linha de baixo possui importante papel estrutural rítmico e harmônico. Tanto no âmbito da música erudita, como no da popular, ela está presente em praticamente todos os gêneros musicais surgidos no ocidente a partir do século XVII. Existem várias formas e tipos de linhas de baixo, tantas quanto os diversos gêneros e estilos, mas, todas guardam semelhanças entre si na sua origem, função e estruturação. A história da linha de baixo na música ocidental está estreitamente relacionada à história da tonalidade, pois ela surge no final da Renascença, onde o sistema tonal maior-menor se estabelece, e com exceção das músicas atonais, mantém sua importância até os dias de hoje. No dicionário Grove (SADIE, 2001) em diversos momentos esta relação é explicitada: [sobre o período anterior ao sistema tonal maior-menor] Finalmente, a coerência na música tonal depende do baixo, que governa as progressões harmônicas, cadências (portanto frases e períodos) e relações tonais em larga-escala (portanto forma). Especialmente nas relações em larga-escala, nenhuma base [basis] deste tipo é encontrada na Renascença (Ibidem. vol. II p. 849). [Sobre o baixo contínuo] Finalmente, a tonalidade em si própria foi um dos pré-requisitos para o aparecimento da musica instrumental erudita autônoma [...], mas, como foi visto, a tonalidade é dependente do baixo (Ibidem vol. II p. 850). O casamento do baixo com a tonalidade permanece indissolúvel (Ibidem. vol. II p. 851). Como os sons graves são aqueles que mais enfrentam problemas de propagação, e como os instrumentos que atuam nesta região são difíceis de serem construídos e tocados, outros fatores que estiveram relacionados à história dos baixos foram: o desenvolvimento das técnicas de fabricação de instrumentos e o aprimoramento das técnicas de execução. Assim, melhores instrumentos e instrumentistas permitiram linhas mais complexas, da mesma forma que, linhas mais elaboradas demandavam melhores instrumentos e exigiam maior domínio técnico dos músicos. Aos poucos, os instrumentos foram tendo sua extensão em direção aos graves e sua potência sonora aumentadas, isto foi fundamental num período em que as orquestras e as salas de concerto se tornavam maiores. Sobretudo os instrumentos contrabaixos (contrabaixo, contrafagote, tuba, etc.) passam a ser especialmente importantes nas grandes formações, a partir do período Clássico. Herdeira de toda tradição melódico-harmônica da música européia, a linha de baixo na música popular surgida nas Américas, incorporou a rítmica africana, multiplicando-se numa infinidade de novos padrões. Uma das características da música popular é o uso dos instrumentos de percussão na marcação do ritmo, construindo juntamente com os instrumentos de harmonia e os baixos a base rítmico-harmônica, conhecida como “levada” (em inglês groove), que é elemento fundamental para dança. A linha de baixo por estar intimamente ligada a estruturação das levadas, foi influenciada pelos novos ritmos e acentos, transformando-se, sem perder, no entanto, sua importância harmônica e formal. 2.2.1 Aspectos Históricos As origens da linha de baixo podem ser encontradas na Europa no início do século XVII, com o surgimento do baixo contínuo. O estilo contrapontístico que dominou a música européia a partir do século XIII começa a declinar no final do XVI, quando surge em Florença o estilo monódico. Alguns fatores contribuíram para esta mudança: reação contra a complexidade das obras polifônicas, o que atrapalhava a compreensão do texto; secularização da música levando-a tanto para os eventos sociais festivos, como para o teatro com o surgimento da ópera; melhoria das técnicas de construção e execução dos instrumentos musicais. Na monodia a composição era formada por uma melodia única, na forma de recitativo, acompanhada de acordes simples sustentados por uma linha de baixo. Segundo alguns historiadores este tipo de técnica foi primeiramente utilizada pelo compositor italiano Giulio Caccini (c.1553–1618) (WADE-MATTHEWS e THOMPSON, 2002; ISAACS e MARTIN, 1985). Uma das formações típicas para a interpretação das árias no Barroco Médio (1620-1680), era a textura de dueto ou de trio de câmara, que consistia em uma ou duas vozes solistas, de igual importância, sobre um baixo (LINDGREN, s/d). Neste período pós-polifonia as vozes intermediárias passam a ter menos importância, a tal ponto que os compositores fazem apenas indicações da sua execução através de cifras, deixando ao músico grande liberdade parta improvisar o acompanhamento. A melodia principal surge como soberana, tornando-se a voz mais importante, sendo seguida pelo baixo. O acompanhamento do Barroco é chamado de baixo contínuo (ou apenas contínuo). O baixo contínuo também conhecido como “baixo cifrado”, era a linha de baixo por definição, pois incorporava todos os aspectos importantes a esta: era a base rítmico-harmônica, possuía interesse melódico e contrapontístico, e era elemento fundamental na estruturação da forma das composições. Ele não servia apenas de base para as outras partes, mas determinava também todo conteúdo harmônico e formal, por esta razão alguns compositores e teóricos do Barroco acreditavam ser o contínuo a obra musical propriamente dita (SADIE, 2001). O contínuo era geralmente executado por um instrumento de teclado, que tocava o baixo e os acordes, juntamente com outro instrumento grave que dobrava a linha de baixo. Os instrumentos mais usados eram: o cravo, e o órgão para a harmonia e baixo; e as violas da gamba, violoncelo, violone e fagote para o baixo. Após atravessar todo o Barroco, no início do período Clássico o baixo contínuo caiu em desuso, tanto na prática como na teoria. Por esta época vários instrumentos começam a ser usados para realizar a linha de baixo. Nas obras mais tardias de Haydn e Beethoven as partes de violoncelo, contrabaixo e fagote se separam, e a trompa, ocasionalmente o tímpano e excepcionalmente o contrafagote e o trombone, também começam a assumir a função de baixos (Ibidem.). No decorrer do século XIX o contrafagote e o trombone passam a ser utilizados regularmente, e alguns outros instrumentos como a tuba, o clarone e o trompete baixo são acrescentados. Ao final do Classicismo todos estes instrumentos graves passam a ter suas partes separadas, designadas pelos respectivos nomes na partitura, sendo que todos podiam desempenhar, ou não, a função de baixo. Neste período eram comuns, sobretudo na música de câmera, os cruzamentos das partes, onde algumas vezes os instrumentos baixos assumiam a melodia principal, enquanto outro instrumento assumia o baixo (Ibidem). A linha de baixo mantém a sua função estrutural e harmônica durante todo o período Clássico e Romântico e, no século XX, no âmbito da música tonal, estas funções continuam a ser exercidas. Característica imprescindível ao tonalismo, o baixo na música erudita manteve o seu papel durante mais de 300 anos, porém, a partir do atonalismo o quadro se altera, pois não só os conceitos de marcha harmônica e cadência se transformam, como também os de melodia e forma. Como relata o Grove, o baixo deixa de ser o alicerce e o componente principal da harmonia: “No dodecafonismo e em outros tipos de música rigorosamente atonais, pode ser posto em dúvida se o baixo ainda funciona como base harmônica e estrutural” (Ibidem, vol. II p. 851). A música popular nascida nas Américas herdou vários aspectos estruturais da música erudita, entre eles o tonalismo. Iniciando o seu desenvolvimento quando a fase tonal da música erudita atinge o seu auge, na virada do século XIX para o XX, a música popular recebeu a linha de baixo já bem estruturada e a maioria dos instrumentos graves já aprimorados, tanto na construção quanto nas escolas técnicas de execução. A novidade do baixo surgido nas Américas está nos novos padrões rítmicos e no uso de tambores, reforçando a marcação. Uma das funções primeiras da música popular foi servir de base para as danças em festas religiosas e pagãs, e nos cortejos, procissões, marchas e outras manifestações coletivas. O que todas estas atividades tinham em comum, era a necessidade de uma marcação que estimulasse e cadenciasse os movimentos, fossem eles passos de dança, ou de uma marcha. Esta marcação foi reforçada pelo acréscimo de instrumentos de percussão ao acompanhamento, formando a base rítmico-harmônica dos grupos, que é conhecida como seção rítmica. Com a mesma importância que o contínuo na música barroca, a seção rítmica foi fundamental para o desenvolvimento da música popular, estruturando as formas e definindo os estilos. Entende-se por seção rítmica o grupo de instrumentos que desempenham um papel rítmico e/ou harmônico dentro de um conjunto, esse grupo de instrumentos também é conhecido por base, ou “cozinha”. Os instrumentos normalmente usados nesta seção podem ser divididos em três grupos: eles podem ser instrumentos de percussão (tambores, pratos, chocalhos, etc.); instrumentos baixos (baixo acústico, baixo elétrico, violoncelo, sax tenor ou barítono, violão sete cordas, tuba, oficlide, bombardino, trombone, etc.); e instrumentos harmônicos (piano, órgão, violão, guitarra, acordeão, vibrafone, etc.). Sem um número definido de músicos, a seção rítmica pode variar de um a mais de trinta componentes. Um fato observado hoje em dia é a supremacia do contrabaixo (tanto o elétrico como o acústico) e da bateria como os instrumentos mais utilizados na seção rítmica. Não importando o estilo ou o tamanho do conjunto, esses dois instrumentos, geralmente formando um trio com algum instrumento harmônico, estão presentes não só nos grupos que interpretam as músicas de origem afro-pan-americana Apesar do termo “afro-pan-americano” não ser encontrado no dicionário Novo Aurélio Século XXI, e provavelmente não ter uso corrente, decidimos utilizá-lo. Chegamos a este termo pela fusão de “afro-americano” com “pan-americano”. Segundo o dicionário Aurélio, o adjetivo “afro-americano” se refere a algo que é relativo ou pertencente à África e aos Estados Unidos, ou a cultura dos afro-americanos. Já o termo pan-americano, segundo o mesmo dicionário, faz referência a algo relativo ou pertencente a todas nações da América. À procura de um termo que representasse os indivíduos descendentes de africanos nascidos nas Américas do Sul, Central ou do Norte, ou a cultura produzida por estes, pensamos primeiramente em alargar o sentido do termo “afro-americano”, onde “americano” se referisse não apenas aos Estados Unidos, mas a todos ou quaisquer uns dos países das três Américas. Passaríamos a utilizar então “afro-norte-americano”, quando quiséssemos nos referir aos Estados Unidos. Porém, como o termo “afro-americano” tem sido amplamente utilizado com referência à cultura ou aos indivíduos norte-americanos de origem africana, optamos por manter o seu sentido mais comum. Utilizaremos, então, “afro-pan-americano” quando quisermos nos referir às pessoas ou coisas de ascendência africana, porém nascidas ou produzidas em qualquer uma das três Américas. , mas em quase todos os grupos que produzem a música dita popular ao redor do mundo. Será chamado de “seção rítmica moderna” o núcleo contrabaixo/bateria acrescido de um ou mais instrumentos harmônicos e/ou de percussão. A seção rítmica moderna apareceu e se consolidou no jazz norte-americano nas três primeiras décadas do século XX. Algumas formas rudimentares de bateria eram encontradas nos conjuntos e bandas desde o início do Jazz, mas foi apenas a partir da década de 1940, que o formato atual deste instrumento se definiu. Já o contrabaixo dividiu a execução da linha de baixo com a tuba até o início da década 1930, e só a partir desse período é que ele passa a ser o instrumento preferido dos conjuntos e bandas. A bateria e o contrabaixo acrescidos de um ou mais instrumentos harmônicos, se tornaram os instrumentos mais utilizados na seção rítmica jazzística. Pode-se dizer que o aparecimento e a consolidação do uso do contrabaixo e da bateria na música norte-americana foram contemporâneos ao desenvolvimento e à propagação do gramofone, do rádio e do cinema. No final do século XIX os Estados Unidos já estavam se destacando como a maior potência mundial, e possuíam junto com sua forte economia e indústria, um poderoso mercado consumidor. Esse mercado era particularmente ávido pelas novidades tecnológicas e pelo entretenimento, o que impulsionou fortemente a recente indústria do cinema e da gravação. Os novos produtos criados para o mercado norte-americano passam a ser exportados para todo o mundo, e os Estados Unidos começam a ter no cinema e nos cilindros e discos para gramofone, dois importantes veículos de divulgação de sua música, de sua dança e de seus costumes, especialmente após o término da Primeira Guerra Mundial. A partir daí, aos poucos, substituindo a Europa, os Estados Unidos passam a ditar as novas modas para o mundo inteiro, tendência que se acentuaria na década 1950 com o sucesso da televisão. As preferências e principalmente os novos produtos do mercado norte-americano são rapidamente copiados em diversos países e culturas, sobretudo nos grandes centros urbanos onde a busca pela modernidade era ainda mais acentuada. Com isso, as últimas novidades da música e da dança norte-americana começam a ser tocadas nos salões de baile, nas festas, nos cafés e nos teatros de revista das grandes cidades do início do século XX, ganhando o espaço então dominado pelas danças européias. Mas, para que esses novos estilos pudessem ser executados com perfeição, seus instrumentos característicos deveriam ser utilizados e, desta maneira, os instrumentos dos conjuntos e big-bands que tocam o jazz se difundem pelo mundo, entre eles estavam o contrabaixo e a bateria. Após este primeiro momento, por influência do jazz, a predominância do uso do contrabaixo e da bateria na seção rítmica dos grupos de música popular viria a se consolidar com o aparecimento do roque, a partir da década de 1950. Ao longo de seus cinqüenta anos de história, a sonoridade do roque esteve relacionada às guitarras distorcidas e aos vocais gritados ou sussurrados, que simbolizavam a rebeldia, o não-conformismo e o descontentamento, característicos do universo dos jovens, e por isso, possuíam grande apelo junto ao público, fato observado ainda hoje. Porém, para que essas guitarras e vocais pudessem se exprimir com força e energia, em uma música vibrante e muitas vezes dançante, uma base rítmico-harmônica consistente era necessária, e o contrabaixo elétrico e a bateria se mostraram os instrumentos perfeitos para essa função. Não por coincidência a bateria e contrabaixo chegaram até o roque, eles foram herdados das big bands, bandas de baile e grupos de jazz e blues, todas essas formações importantes na gênese deste gênero. A bateria, que já estava bem definida à época do nascimento do roque, é encontrada em todos os grupos, em todas as épocas e em todos os estilos de roque. Com o contrabaixo não foi diferente, sendo que na década de 1950 ele era utilizado na sua versão acústica, e a partir daí, predominantemente na sua versão elétrica. Conclui-se então, que na primeira metade do século XX por influência do jazz, e na segunda metade por influência do roque, o contrabaixo e a bateria se estabeleceram mundialmente como os instrumentos mais utilizados na seção rítmica, em todas as formas de música popular. Cabe acrescentar que além do roque, todos os estilos afro-americanos que surgiram da década de 1950 para cá, possuem o contrabaixo e a bateria em suas formações. Atualmente com o rap e com a música eletrônica, o som e os padrões rítmicos desses dois instrumentos continuam a servir como base, ainda que executados por samplers ou seqüenciadores. Instrumentos extremamente versáteis, o contrabaixo e a bateria formam um duo que pode ser empregado para a execução de quase todos os estilos de música popular, não só a de origem norte-americana. Utilizados em um primeiro momento para a execução dos ritmos afro-americanos ao redor do mundo, eles foram prontamente empregados, através da criatividade de seus executantes, também na interpretação dos gêneros nacionais de diversos países. Adaptando-se bem aos mais variados ritmos da música caribenha e brasileira, são bastante difundidos nas Américas do Sul e Central. Uma característica importante da seção rítmica é a liberdade que os músicos têm de criarem o acompanhamento. Normalmente a parte dos instrumentos de base não vem escrita “nota por nota”, e sim apenas são indicados os acordes por meio de cifras, e definido o ritmo conforme o estilo. A partir destas indicações é que os músicos aplicam um determinado padrão rítmico a uma harmonia, estruturando a base do que chamamos de “levada”, “batida”, ou em inglês, “groove”. A levada é fundamental na definição dos estilos da música popular, sendo que muitas vezes ela é o único elemento de diferenciação entre um estilo e outro. A linha de baixo é fundamental na estruturação da levada, e ela é normalmente executada pelo contrabaixo e pelo bumbo da bateria. Colocando de uma forma simples, o baixista toca os baixos dos acordes no mesmo ritmo do bumbo da bateria, improvisando a linha de baixo na hora, e promovendo a união dos elementos rítmicos com os harmônicos. No seu livro de arranjo Ian Guest (1996) faz um resumo dessa função do contrabaixista: O contrabaixo executa o som mais grave da orquestra. É encarregado, dentro da seção rítmico-harmônica, de tocar os baixos dos acordes, e notas de passagem que soam bem com os mesmos. Ao ler as cifras, o baixista usa o seu livre critério, não só na escolha dessas notas, mas também na figuração rítmica, integrando-se na pulsação da música (GUEST, 1996, p. 69). A boa interação entre o baixista e o baterista é fundamental para o bom desempenho da seção rítmica, e ao longo da historia algumas duplas desses instrumentistas se tornaram famosas pelo entrosamento e suíngue. 2.2.2 Aspectos Estruturais Se em harmonia o baixo é a nota mais grave de um acorde, a linha de baixo seria na sua definição mais simples, a seqüência dos baixos de uma progressão harmônica. De fato, uma linha de baixo que apenas seja formada pelos baixos dos acordes, sem um ritmo definido e sem apelo melódico, pode cumprir satisfatoriamente o papel de embasar a harmonia, mas, normalmente ela deve ser bem mais do que isto. Por estar situado, juntamente com a voz mais aguda, em uma das extremidades (pontas) do espectro sonoro, o baixo é facilmente percebido pelo ouvido. Este fato faz com que compositores e arranjadores, tenham dedicado, ao longo da história, atenção especial a ele, pois, quando bem estruturado e belo, muito contribui para boa qualidade de uma obra. Sendo assim, além dos baixos dos acordes, outras notas são acrescentadas à linha de baixo com o intuito de transformá-la em uma boa melodia. Notas de aproximação, ornamentos, inversões de oitava, arpejos, cromatismos, pedais, enfim, todos os recursos são válidos e devem ser utilizados, na elaboração de uma boa linha. É fundamental, porém, que a linha mantenha uma de suas principais funções que é a de mostrar com clareza e destaque as seqüências dos baixos dos acordes, pois só assim ficam definidas as regiões tonais e a marcha harmônica. Outro ponto importante é o papel rítmico desempenhado pela linha de baixo. Através de figuras rítmicas repetitivas (o que define a pulsação) e da seqüência das fundamentais (o que define o ritmo harmônico), o baixo conduz temporalmente, ou seja, no plano horizontal, o desenvolvimento das peças. Nas músicas feitas para a dança, e conseqüentemente em toda música popular, este papel rítmico é de sobremaneira ressaltado, sendo o baixo o principal responsável pelos acentos que definem o tempo, o compasso e a cadência da dança. Além disso, ele deve através dos movimentos contrários, dobras, duetos, respostas, ecos, etc. dialogar com a melodia principal, ora respondendo, ora contrastando, ora acompanhando, contribuindo enfim, para reforçar o estilo e o caráter da obra. Todos os aspectos acima mencionados são comuns tanto no campo erudito como no popular, e a partir do Barroco os relatos sobre a importância do baixo e de como é construída uma boa linha são bastante freqüentes. Abaixo estão transcritas algumas sugestões de Schoenberg (1999) de como se estruturam os baixos. Quando não for um pedal, o baixo deve participar de cada mudança harmônica. Não se pode esquecer que ele tem que ser tratado como uma melodia secundária, e que deverá, portanto, mover-se no âmbito de uma tessitura definida (exceto quando há intenções especiais) e possuir certo grau de continuidade. O ouvido está acostumado a prestar muita atenção ao baixo, e mesmo uma nota curta é percebida como uma voz “contínua”, até que a nota seguinte seja executada como uma continuação (melódica). Em consideração à fluência, um baixo que não seja um contracanto deve fazer uso de inversões, mesmo que elas não sejam harmonicamente necessárias (SCHOENBERG, 1991 p. 112). E no capítulo “Melodia e Tema” do mesmo livro: O baixo foi, anteriormente, descrito como uma “segunda melodia”. Isto quer dizer que ele está sujeito de certa forma, aos mesmos requisitos da melodia principal: deve ser ritmicamente equilibrado, deve evitar a monotonia com repetições desnecessárias, deve possuir certas variedades de perfil e deve fazer bastante uso de inversões (Ibidem, p.146). Nos métodos de arranjo de música popular, por ser o contrabaixo o principal instrumento grave da seção rítmica, a linha de baixo é geralmente abordada na seção dedicada a ele. A seguir estão algumas descrições de sua importância e de como estruturá-la. No método de Gordon Delamont (1965): Na orquestra moderna o contrabaixo ocupa uma posição única. Ele é muito importante por três aspectos: rítmico, harmônico e melódico. (Ritmicamente) A importância do contrabaixo como instrumento rítmico é inegável [...] (Harmonicamente) Porque normalmente o contrabaixo é o alicerce (botton) da orquestra seu papel “harmônico” é vital... A parte do contrabaixo vai geralmente delinear a progressão harmônica. O pulso harmônico, os acentos fortes e fracos, o movimento contrário, as cadências, as modulações transientes, etc. são fatores que devem ser considerados quando escolhemos as notas do baixo. (Melodicamente) Como o baixo é uma parte “exposta”, e porque ele fornece uma linha forte e constante, contra a qual as partes superiores usam sincopes e movimento oblíquo, a qualidade da melodia do baixo é importante. Curva melódica, ação e reação, resolução de saltos dissonantes, e todos os outros fatores do controle melódico devem receber atenção (DELAMONT, 1965, p. 2). Assim como Delamont, Carlos Almada (2000) no seu manual de arranjo, na parte dedicada ao contrabaixo, também diz que o instrumento deve exercer as três funções acima mencionadas, e concorda com Schoenberg em considerar a linha de baixo uma segunda melodia, citando também que o uso de inversões e rearmonizações podem ajudar na composição de um bom baixo. Almada, ao se referir à função harmônica do contrabaixo acrescenta algumas observações importantes: Já a função harmônica aparece na correta “tradução” do vertical em horizontal, isto é, os acordes transformando-se em linhas melódicas (intercâmbio com a função melódica), através do uso ponderado de arpejos e inflexões. Uma boa linha de baixo deve bastar-se harmonicamente, isto é, não deve precisar de outro instrumento toque os acordes para que a progressão harmônica seja claramente percebida (ALMADA, 2000, p. 58). Essa importância estrutural limita as possibilidades criativas na hora de se estruturar a linha de baixo. Quando foram analisadas acima as funções do baixo, foi dito que ele deve (“é obrigado a”) fornecer a base para as outras vozes, e por isso é de certa forma, subordinado a elas. Por outro lado, o baixo é o fundamento da harmonia e do ritmo, sendo que é a partir dele que as outras vozes se estruturam. Estas duas funções, a de servir e a de gerar o ritmo e a harmonia, pautam as possibilidades criativas na composição da linha de baixo, pois restringem as alternativas de variação rítmica e melódica. Ritmicamente o baixo está comprometido com a marcação dos compassos, ou seja, com o “chão”. A linha de baixo tem que definir, por meio de notas graves e precisas, onde está o tempo, para que os demais elementos rítmicos possam se estruturar. As restrições melódicas são originadas da importância harmônica do baixo. É ele quem define o acorde, por isso, torna-se mais importante para percepção da harmonia do que todas as outras vozes juntas. Se não for tocado suficientemente forte, para ser ouvido, ou suficientemente grave para fundamentar as outras vozes, não cumpre o seu papel, e a clareza harmônica é prejudicada. Quando sob um mesmo acorde, há a possibilidade de serem tocadas duas ou mais notas, a preferência recai sobre as fundamentais e quintas dos acordes. Outro aspecto importante é a relação entre a potência e a extensão dos instrumentos graves, com a formação dos grupos. Esta relação pautou ao longo da história não só a escolha dos instrumentos, mas também, o tipo de linha realizado. Como foi dito acima, o baixo deve ser tocado suficientemente forte para ser ouvido, e relativamente grave para ser baixo, mas, por outro lado, ele não pode encobrir os outros instrumentos e nem atuar numa região muito distante dos instrumentos de harmonia. Um ponto de grande importância é como a região em que está situado o baixo influencia na sua estruturação. Como foi visto acima, a partir do século XIX devido ao aumento do tamanho das salas e dos grupos, houve uma demanda por instrumentos mais potentes e graves. Com isso novos instrumentos foram criados e os já existentes aperfeiçoados e estendidos para atingirem a região do contrabaixo, que está situada abaixo do C1. Sendo assim, juntamente com os instrumentos baixos que atuavam basicamente nas duas oitavas abaixo do C3, como o violoncelo, o fagote e o trombone, começaram a aparecer os instrumentos contrabaixos tocando uma oitava abaixo dos primeiros, entre eles estão o contrabaixo, o contrafagote, e a tuba. Ao longo do século XIX os compositores que originariamente apenas dobravam a linha dos instrumentos baixos com os instrumentos contrabaixos, passam a ter a possibilidade dividir os graves das orquestras criando duas linhas diferentes. Nesse processo surge uma linha de baixo grave, geralmente mais simples, focada na marcação rítmica e no reforço harmônico, e outra mais aguda, com maiores possibilidades melódicas e contrapontísticas. Este autor acredita que esta nova maneira de compor a linha de baixo tenha dois motivos principais. Primeiramente os instrumentos contrabaixos são maiores e mais pesados de serem tocados, por isso oferecem mais limitações técnicas. Soma-se a isso o fato das freqüências graves terem ondas muito longas, que necessitam de mais tempo e espaço para se propagarem. Sendo assim, um trecho que é tocado com relativa facilidade pelo violoncelo, torna-se virtuosístico para o contrabaixo. E, ainda que o contrabaixista tenha um bom nível técnico e execute este trecho com perfeição, ele provavelmente soará menos definido, por estar situado em uma oitava mais grave. Por este motivo, as linhas mais graves que são tocadas pelos instrumentos contrabaixos tendem a ser mais simples. Em segundo lugar, como conseqüência, na medida em que os instrumentos contrabaixos realizavam uma marcação eficiente, fornecendo uma base segura para toda a orquestra, os instrumentos baixos tinham liberdade de realizarem linhas mais complexas, pois o alicerce estava garantido. Então surge uma linha sem tantas restrições e obrigações, que pode tanto complementar o baixo grave, como responder a melodia principal. Esta separação do baixo em duas linhas é encontrada em diversos gêneros musicais, e ao longo do tempo algumas duplas destes dois tipos de instrumento foram se estandardizando. Citando alguns exemplos aparecem: o bumbo da bateria e o contrabaixo, na seção rítmica moderna; as tubas e os bombardinos, nas bandas militares; o cravo e violoncelo, no baixo contínuo; e os violoncelos e contrabaixos, nas orquestras sinfônicas. Quando os dois instrumentos não dobram a mesma linha em oitavas, e cada e cada um dos instrumentos executa uma linha diferente, a interação entre elas deve ser bem planejada. Os choques de notas e ritmos entre duas melodias prejudicam a compreensão do discurso musical sob quaisquer circunstâncias, e nos graves eles são particularmente prejudiciais. Por este motivo, a interação entre os instrumentos que realizam o baixo dentro de um mesmo grupo é fundamental para a clareza da base. É necessário apontar, que a dobra da linha de baixo pelos instrumentos baixos e contrabaixos continuou a existir, principalmente na música sinfônica. Nesta pesquisa chamaremos o baixo mais grave e simples de baixo rítmico, e o baixo contrapontístico e mais agudo de baixo melódico. O baixo rítmico é o tipo mais comum de linha de baixo, ele é encontrado em todo tipo de música, particularmente nas melodias acompanhadas. Formado basicamente através da aplicação de um determinado padrão rítmico aos baixos dos acordes, o baixo rítmico geralmente utiliza padrões que se repetem a cada um, ou a cada dois compassos. Esse tipo de linha de baixo facilita a estruturação do acompanhamento, pois conduz ritmicamente a base através das repetições, e define claramente os acordes e a marcha harmônica, já que apenas os baixos dos acordes com algumas poucas notas de passagem são utilizados. Abaixo está transcrito um trecho da linha da tuba do maxixe “É Água”, onde estão presentes apenas semínimas, e algumas alterações do baixo dos acordes, que ilustra a linha rítmica. Figura 1: Baixo Rítmico Visando o aprimoramento melódico da linha, outras notas são acrescentadas aos baixos dos acordes, e começam a aparecer as notas de aproximação cromática, os arpejos e as inversões. Desta forma a linha torna-se mais cantabile e ganha maior destaque, aí sim atuando como uma segunda melodia, surgindo o baixo melódico. A importância na condução harmônica e rítmica, porém, não pode ser esquecida, e de nada adianta uma linha de baixo melodicamente bem feita, se ela não mantiver o seu papel de servir como base para as outras vozes. No mesmo maxixe “É Água”, na terceira parte aparece este baixo melódico tocado pelo bombardino. Figura 2: Baixo Melódico 1 Ou, neste outro exemplo, no qual o bombardino executa uma linha típica das baixarias do choro. Figura 3: Baixo Melódico 2 O baixo rítmico geralmente é realizado nas oitavas mais graves, entre o C2 e o C-1, pelos instrumentos contrabaixos, e o baixo melódico em regiões mais agudas não indo abaixo do E1. A divisão da linha de baixo em dois tipos e o nome escolhido para classificá-las, é um procedimento relativo, já que em música o ritmo, a melodia e a harmonia, são na maioria das vezes inseparáveis e complementares. Além disso, somente em alguns casos o baixo de uma música possui uma única forma de estruturação, sendo que muitas vezes, em um trecho musical uma linha de baixo pode apresentar as duas características acima descritas, como no exemplo abaixo: Figura 4: linha de baixo Outro ponto que merece destaque é o fato de que na música popular a linha de baixo rítmica ser geralmente composta por dois elementos, um essencialmente rítmico realizado por algum tambor, e outro rítmico, harmônico e melódico, realizado por algum instrumento baixo, seja ele melódico ou melódico-harmônico. No exemplo abaixo está representada uma linha típica de roque, onde se pode notar a interação do contrabaixo com o bumbo da bateria. Figura 5: Baixo e bateria Com relação às opções de notas que podem ser utilizadas na estruturação dos baixos existem três categorias básicas: fundamentais e quintas, notas do acorde e notas de aproximação cromática. Na esfera da música popular o fato de serem usadas majoritariamente fundamentais e quintas nas linhas de baixo (o famoso “tônica e quinta”) tem sido algumas vezes, motivo de incompreensão por parte dos estudantes de contrabaixo (que acham muito simples um acompanhamento só com estas opções) e até mesmo de ridicularizarão pelos outros músicos (que põem em dúvida os conhecimentos harmônicos e a criatividade dos baixistas), existem, porém, razões estruturais importantes, que levam os baixistas a adotarem este procedimento. Para que a linha de baixo cumpra o seu papel rítmico, na maioria das vezes são tocadas mais de uma nota sob o mesmo acorde. Diante desta situação, normalmente o baixista opta por repetir o baixo do acorde, a sua oitava, ou o seu quinto grau. As razões da repetição do baixo e de sua oitava são óbvias, está-se apenas reafirmando o que já foi ouvido, mas, como se explica o uso do quinto grau? O som é um fenômeno físico, e como tal está sujeito a uma série de leis matemáticas e físicas. As relações da série harmônica com o sistema tonal maior-menor são bem conhecidas, e existe um consenso entre teóricos, físicos e musicólogos, de que a série harmônica “explica” a organização melódico-harmônica da música ocidental. Schoenberg expressa claramente esta idéia: A nossa escala maior, a seqüência c-d-e-f-g-a-b, cujos sons se baseiam nos modos gregos e eclesiásticos, pode ser explicada como uma imitação da natureza. Intuição e combinação cooperaram para que a qualidade mais importante do som, seus harmônicos superiores (que representamos - como toda simultaneidade sonora – verticalmente), fosse transferida ao horizontal, ao não simultâneo, ao sonoro sucessivo (SCHOENBERG, 2001, p. 61). Ou seja, em música se imita a natureza na medida em que o sistema tonal maior-menor originou-se de uma propriedade física (natural) dos sons, que é a série harmônica. Partindo da teoria de que o sistema tonal “é um espelho” da série harmônica, conclui-se que, se uma característica vertical do som (a série harmônica) produziu um resultado horizontal (a escala), e que algum tempo depois esta escala originou um resultado vertical (os acordes), estes acordes devem também estar de acordo com a série harmônica. Abaixo está representada a série harmônica do C1. Figura 6: Série Harmônica Pode-se notar que na parte baixa da série harmônica, os quatro harmônicos mais graves são: a própria fundamental, sua oitava, a quinta justa, e mais uma dobra da fundamental. Quando estas notas são utilizadas na linha de baixo, o modelo da série harmônica é respeitado, da mesma forma quando as dissonâncias dos acordes (cores) são tocadas nas regiões mais agudas. O quinto grau é naturalmente ouvido juntamente com qualquer nota, especialmente nas regiões graves, e por isso torna-se neutro, não causando mudança na função do acorde, pois não oferece nenhuma novidade em termos harmônicos, sendo assim pode ser incluído no baixo sem restrições. Soma-se a isto o fato que do ponto de vista melódico o movimento primeiro grau/quinto grau justo/primeiro grau, utilizado em qualquer uma de suas possibilidades melódicas, é, juntamente com os meios tons, a principal força da cadência tônica/dominante/tônica, característica primeira do tonalismo. Realizá-lo no baixo confere movimento, direção e coerência ao ritmo harmônico, sobretudo quando o quinto grau aparece na oitava abaixo da fundamental. A força deste movimento – fundamental/quinto grau justo oitava abaixo/fundamental - é tão grande, que algumas vezes até mesmo quando o acorde possui quinta alterada, ignora-se a alteração da quinta e toca-se a quinta justa. O mesmo ocorrendo com acordes com o baixo alterado, nos quais são tocadas as quintas justas do baixo, e não a quinta do acorde ou alguma outra nota. Este padrão fundamental/quinto grau justo oitava abaixo/fundamental é particularmente utilizado no baixo das marchas e em todas as situações que se necessita de um estímulo ao movimento. As outras vozes da tétrade, as dissonâncias e outras notas permitidas pela harmonia, quando utilizadas em valores longos, tempos fortes, ou sem nenhuma finalidade melódica, podem confundir a percepção do acorde, pois acabam soando como um outro baixo, modificando o acorde. Essas outras notas, porém, desempenham um importante papel quando utilizadas como notas de aproximação, conectando os baixos; ou em situações em que a linha de baixo deve se destacar. Como foi dito anteriormente, existem diversas formas de estruturação dos baixos, e é certo que muitas dessas formas são bem mais complexas do que simples “tônicas e quintas” tocadas nas cabeças dos tempos fortes. Mas, o fato é que todas se originaram deste esquema, ou podem ser reduzidas a ele. Além das fundamentais e quintas podem-se utilizar outras notas do acorde. As terças de um modo geral, e as sétimas nos acordes dominantes e nos menores com sétima menor, são as principais escolhas. As nonas aparecem também com freqüência, mas geralmente no final das frases, após as notas mais baixas do acorde terem sido tocadas. As notas de aproximação cromática são um recurso importantíssimo na estruturação dos baixos, pois, quando bem utilizadas, contribuem para uma boa condução harmônica da linha. O último aspecto estrutural abordado são os recursos utilizados por compositores, arranjadores e baixistas para alterarem, o caráter, a textura ou o efeito de um determinado trecho, através da linha de baixo. Primeiramente o baixo cromático. O uso de cromatismos no baixo é geralmente obtido através da alteração dos baixos dos acordes, ou através da rearmonização. Não está se referindo aqui aos cromatismos que ocorrem, por exemplo, nas notas de aproximação, e sim na utilização clara de uma sucessão cromática dos baixos de uma progressão harmônica. Abaixo estão dois exemplos de baixo cromático. No primeiro exemplo apenas foi alterado o baixo dos acordes; e no segundo os acordes. Figura 7: Baixo Cromático Outro recurso bastante utilizado é o pedal, que pode atuar, tanto tencionando uma determinada passagem harmônica, como criando um efeito de inércia ou repetição. Ele pode acontecer de duas formas: a primeira é quando sob um único acorde é tocado somente o seu baixo, sem nenhuma outra nota. Geralmente isto ocorre por meio de uma nota longa ou por uma série de valores curtos, mas tocados de forma legato, causando a sensação de uma nota ininterrupta. Figura 8: Baixo Pedal 1 A segunda é a definição clássica de pedal, e ocorre quando sob vários acordes um mesmo baixo é utilizado. O detalhe é que para esse tipo de recurso sortir efeito normalmente este baixo também é tocado, como no primeiro caso, ou com uma nota longa, ou com uma série de valores curtos repetidos visando dar uma sensação de uma nota longa. Figura 9: Baixo Pedal 2 Existem também o ostinato e o vamp, que são muito importantes em toda música popular. O termo ostinato originou-se no Barroco e significa em italiano obstinado, persistente. É uma linha de baixo de tamanho e complexidade variável, que é constantemente repetida ao longo de uma composição, tanto vocal como instrumental, formando a base para o desenvolvimento melódico, harmônico ou contrapontístico desta composição. Originou-se provavelmente das danças, e foi um dos elementos que ajudaram a estruturar as monodias no início do século XVII. Segundo Lowell Lindgren (s/d): Durante o Barroco Médio esses padrões (do baixo ostinato), freqüentemente ajudaram a estruturar as músicas do tipo ária (aria-like music), onde o baixo era comumente andante (walking) ou dançante, ou seja, constantemente movendo-se em padrões rítmicos regulares com notas de valores iguais ou no padrão curto-longa [...]. O efeito era quase hipnótico, especialmente quando um breve ostinato em compasso ternário era repetido milhares de vezes sob as variações melódicas (LINDGREN, s/d, p. 329). Não é a toa que o ostinato seja uma das formas mais comuns de estruturação dos baixos na música popular e mais especificamente na música pop, pois assim como na música erudita, o baixo formado por padrões curtos e repetitivos é especialmente próprio para as danças, finalidade primeira da música popular. O funk, o roque, o reggae, o rap e até mesmo a salsa, nas suas descargas fazem uso freqüente dos ostinatos. Abaixo está representado o ostinato da clássica “Take Five” de Paul Desmond, esta pequena célula pode ser repetida durante centenas de compassos sem alteração. Figura 10: Ostinato O ostinato às vezes também é chamado de vamp, mas isso não é totalmente correto. Vamp é uma palavra inglesa que como um verbo significa improvisar um acompanhamento simples para um solo instrumental ou vocal, e como um substantivo significa um pequeno trecho tocado como preparação para a entrada de um solista. Acontece que muitas vezes este pequeno trecho é formado por um baixo ostinato, daí a confusão. Na música popular e no jazz, vamp são as progressões introdutórias ou transitórias de acordes repetidos até a entrada do solista. Este recurso se tornou particularmente comum nos musicais, aonde os cantores pelas necessidades do enredo, às vezes, se demoravam em voltar à cena, sendo que as orquestras deveriam repetir um pequeno trecho até a entrada do cantor (vamp till ready). Em algumas formas de jazz e música popular (principalmente funk) uma peça inteira pode ser baseada em um vamp repetido ad libitum (openended vamp). Por fim, a melodia principal pode ser dobrada pelo baixo, ou tocada apenas na voz mais grave. De certa maneira este procedimento não se encaixa na definição de linha de baixo, mas é um importante recurso de orquestração. Este recurso pode ser utilizado, tanto para se reforçar a melodia principal, quando o baixo dobra o tema; ou como recurso para obtenção de outros timbres, quando a melodia principal é tocada na oitava mais grave do arranjo. Encontra-se também, embora bastante raramente o baixo formando duetos com a voz principal com intervalos de terças, sextas, etc., ou então, realizando o mesmo ritmo da voz principal, mas em movimentos contrários. Esta técnica é originária da escrita a quatro vozes, onde soprano e baixo eram a vozes mais importantes. Na música popular isto não é muito comum, mas algumas vezes o baixo imita apenas o ritmo da voz principal tocando apenas a nota do baixo do acorde ou dos acordes. 2.3 Os instrumentos graves No dicionário Aurélio (FERREIRA, 1999) o adjetivo (em música) “grave” possui dois significados, um relativo ao andamento de uma composição, e outro à altura de um som: “Diz-se do mais lento de todos os andamentos; Na escala geral dos sons, diz-se da região que se estende do C1 ao C2. Andamento lento, vagaroso” (FERREIRA, 1999, p. 1007-1008). Segundo White em seu dicionário de áudio, bass, aqui traduzido por “grave”, significa: Grave (bass) é aquela porção que engloba as alturas mais baixas (lower pitches) das freqüências audíveis. A extensão dos graves é considerada de mais ou menos 30 a 200 Hz ( WHITE, 1987, p. 31). Transformando oitavas em freqüências e vice-versa, obtém-se o seguinte panorama: 30 Hz é a freqüência da fundamental do B-2 (corda mais grave de um baixo de cinco cordas), e no limite agudo 200 hz equivale aproximadamente à fundamental do G2 (corda mais grave do violino). O C1 (corda mais grave do violoncelo) vibra a 65 Hz, e o C2 (corda mais grave da viola) a 130 Hz. A oitava indicada pelo Aurélio (do C1 ao C2) era conhecida como a “grande oitava” (great octave) e é geralmente a oitava mais grave dos instrumentos baixos. Os instrumentos que atingem sons abaixo desta oitava são chamados de contrabaixos, ou em inglês doublebasses Estes dois termos têm raízes históricas nem sempre conhecidas, o que tem gerado confusões, sendo que ambos se originaram de diferentes sistemas de classificação das oitavas. Primeiramente será definido o adjetivo inglês “double”, e depois o prefixo “contra” utilizado em vários idiomas. As definições se encontram no Grove: “Double” (duplo): Adjetivo utilizado para indicar a oitava mais grave. Assim o doublebasson (contrafagote) toca uma oitava abaixo do basson (fagote), o doublebass uma oitava abaixo do violoncelo e assim por diante. Este uso deriva da antiga prática de se identificar as notas abaixo da “gamma ut” (o sol na primeira linha da clave de fá, ou o G 1) por letras duplas: FF, EE, DD, etc. Os construtores de órgãos ainda se referem a estas notas como “double F”, “double E”, etc. (SADIE, 2001, vol. VII p. 519). Contra: prefixo que significa a oitava mais grave, provavelmente derivado da antiga prática de se indicar as notas abaixo da “grande oitava” (great octave) de C a B por traços embaixo da cifra: C, D, etc. Estes traços eram opostos (contra) aos utilizados nas oitavas agudas (c, d, f). Daí a “contra-oitava” é aquela abaixo da “grande oitava” e instrumentos com este alcance eram chamados de contrabaixos. Ex. saxofone contrabaixo, clarinete contrabaixo, contrafagote e o contrabaixo propriamente dito (Ibidem, vol. VI, p. 367). Com base nesses dados concluí-se que, contrabaixo na verdade não é um nome de um instrumento, e sim o nome de uma região do espectro sonoro que engloba as freqüências entre 30 e 300 Hz. O problema em relação ao tamanho dos instrumentos graves sempre foi um obstáculo a ser vencido: tubos muito largos, cordas muito grossas, caixas de ressonância enormes. Difíceis de construir, não apenas pelos problemas impostos pela construção propriamente dita, mas, principalmente pelas dificuldades de projeto, pois os instrumentos tinham que ser grandes, contudo ainda assim tocáveis, apresentando um nível mínimo de recursos. O engenheiro francês E. Leipp (1977) no livro “Acoustique et Musique” aborda esta questão: A força humana é limitada. Ora, a música se utiliza de sons bastante graves. Para produzirem sons de 30 Hz suficientemente intensos a fim de serem claramente percebidos, os pulmões não seriam suficientes nos instrumentos de sopro, e nas cordas, as caixas de ressonância seriam enormes, impossíveis de serem manejadas. A experiência do lutier J. B. Vuilhaume, que construiu um contrabaixo enorme, o octobaixo, de 4 metros de altura, é uma demonstração clara deste fato (LEIPP, 1977, s/p). A invenção e o desenvolvimento de novos recursos e materiais foram fundamentais para o sucesso dos grandes instrumentos. Nos sopros, com o aparecimento das chaves, as notas ficam mais afinadas e ao alcance dos dedos; nas cordas a invenção das cordas recobertas com metal, permitiu uma redução do comprimento e da grossura das mesmas, diminuindo os instrumentos e facilitando a execução. Todavia, apenas o aparecimento de novos materiais e a melhoria dos projetos não conseguiriam sozinhos resolver o problema do tamanho, pois, pelas leis da física, para que um instrumento ou uma outra fonte sonora qualquer, possa irradiar uma energia significante, ele precisa ser tão grande quanto o comprimento da onda gerada. Por este motivo, por maiores que a tuba ou o contrabaixo sejam, eles teoricamente não são grandes o suficiente para produzirem notas audíveis nas oitavas graves. A nota lá grave do piano que vibra a 27 Hz, por exemplo, tem uma fundamental que possui um comprimento de onda de aproximadamente 30m. Obviamente que a corda do piano que produz essa nota não possui este comprimento, mas mesmo assim, ouvimos a nota na oitava certa. Isto acontece por causa de um fenômeno auditivo explicado pela psicoacústica, que é a capacidade que temos de perceber a altura de um som de onda complexa, mesmo que a fundamental deste som seja muito fraca ou esteja faltando, pois, mesmo quando ouvimos apenas os harmônicos superiores de uma nota, nós conseguimos reconstruir e “ouvir” a sua fundamental. Este é um fenômeno há muito tempo conhecido pelos teóricos e construtores de instrumentos, e faz com que os instrumentos graves produzam sons mais graves do que eles, teoricamente, seriam capazes de produzir. Em inglês este fenômeno é chamado de fundamental tracking e em francês de sensation de hauteur. Mesmo com os melhoramentos ocorridos ao longo do tempo, a execução dos grandes instrumentos, pelo seu tamanho, pela energia empregada e pela região grave em que atuam, ainda é trabalhosa. Primeiramente pelo tamanho. No caso da família das cordas, por exemplo, é facilmente perceptível a diferença de uma escala de duas oitavas tocada em um violino, comparada com a mesma escala tocada em um contrabaixo. O violinista quase não mexe a mão de lugar, apenas os dedos se deslocam, já o contrabaixista movimenta o braço inteiro. Em segundo lugar, as notas graves como são percebidas pela “sensação de altura”, necessitam de serem tocadas com mais energia do que as agudas, para serem ouvidas na mesma intensidade. Em outras palavras o instrumentista faz mais força. E por último, os sons graves são os que apresentam maiores problemas de propagação, pois em certas situações os graves podem se tornar “embolados”, o que dificulta na clareza das notas, e principalmente na afinação. Para a composição e execução das linhas de baixo, essas limitações nunca podem ser esquecidas, pois do contrário prejudicam uma das principais qualidades de um bom baixo, que é a clareza. Apesar de toda a importância da linha de baixo no desenvolvimento e na execução da música ocidental, resultando na presença de instrumentos graves em praticamente todas as formações da música popular e erudita, os ouvintes de maneira geral não atentam para sua importância e não conhecem seus instrumentos. O autor afirma isto com base na sua própria experiência, pois em mais de vinte anos como contrabaixista profissional, raras foram as vezes em que as observações sobre o seu instrumento e a função deste dentro da música foram pertinentes, até mesmo quando proferidas por músicos. Fazendo uma analogia com a engenharia, e aproveitando o título deste trabalho, percebe-se que: o interesse pelos alicerces, tanto musicais como arquitetônicos, é para iniciados, não causando espécie no público comum. Espera-se que os conceitos apresentados neste capitulo tenham ajudado a um melhor conhecimento dos alicerces sonoros da música ocidental, e possam ser úteis para a compreensão dos aspectos musicais expostos no capítulo seguinte. 3. O Maxixe e o Samba 3.1 Aspectos Históricos O maxixe, o samba e o choro são três gêneros musicais que se misturam na sua origem e nas suas características musicais. Todos surgiram na cidade do Rio de Janeiro, durante a Primeira República, nas classes média e baixa, compostas por negros e afro-descendentes. Com instrumentação e padrões rítmicos de acompanhamento muitas vezes idênticos, estes três gêneros compartilhavam nas suas origens, dos mesmos ambientes e dos mesmos músicos. Analisando-os hoje em dia, nota-se que as diferenças entre eles, podem estar apenas em um detalhe, como o andamento, a forma ou o arranjo. Na metade do século XIX, antes do aparecimento de qualquer um desses gêneros, as manifestações musicais populares se dividiam em dois grandes grupos: um que reunia as músicas de origem européia, e outro, as de origem africana. Desta forma, em um grupo estavam as polcas, mazurcas, valsas, schottiches, quadrilhas, habaneras, entre outras, todas elas danças da moda na Europa, executadas em um primeiro momento ainda com partituras e interpretação européias; e em outro grupo, as manifestações musicais africanas: o cucumbi, o jongo, o batuque, a umbigada, as músicas do candomblé, etc., que muitas vezes, mesmo que bastante modificados dos seus originais africanos, eram executados quase que exclusivamente por africanos e seus descendentes. Essas músicas, européias e africanas, eram consumidas respectivamente pela classe alta e a aristocracia, e pela classe baixa de negros forros e escravos. Entre essas duas classes sociais, surge ao longo do século XIX, uma nova classe média, composta por brancos mais pobres, negros libertos e remediados, e principalmente mestiços afro-descendentes. Esta nova classe, totalmente cosmopolita, visava ascender socialmente, e por este motivo imitava as modas e os gostos da classe alta, mas, por ser fortemente influenciada pela cultura negra, e também por uma série de tradições populares européias trazidas pelos imigrantes pobres, mantinha vários costumes e tradições de seus lugares de origem. A classe alta, francamente europeizada, consumia, mas não produzia a sua própria música, seja executando ou compondo. A ocupação de músico era considerada um trabalho manual qualquer, e por isso era desprezada pelos “homens de bem” que se ocupavam apenas das funções, burocráticas, administrativas e intelectuais. Por este motivo, a música no Brasil foi confiada primeiramente aos negros, na música de barbeiros dos tempos coloniais; e posteriormente aos negros e mestiços através dos chorões e das bandas militares da Primeira República. Esses músicos, na sua maioria pertencentes às classes média e baixa, passam a executar os ritmos europeus em ambientes mais populares, aonde o povo começa a dançá-los à sua moda, com gestos e movimentos francamente africanizados. Atrás do gesto, do movimento, vem a música, aliás, seguindo uma tradição africana, onde não só os músicos estimulam à dança, mas também os bailarinos transformam a música, através de um dialogo improvisado. Assim nasce o maxixe. Apesar do preconceito da sociedade da época, contra sua dança indecente (que na verdade estava muito mais relacionado à sua origem mestiça e pobre), o maxixe se desenvolve, passa a ser executado nos teatros e salões da alta sociedade, e divulgado nas casas de família através das partituras editadas para piano. Nos primeiros anos do século XX o fonógrafo vira um bem de consumo acessível, Fred Figner cria a Casa Edson, e já em 1897 começa a gravar música brasileira, impulsionando o consumo de música e estimulando assim, a profissionalização dos músicos e a criação de novos grupos. O maxixe vira sucesso mundial através dos pés do bailarino baiano Duque, e em 1914, Dona Nair de Teffé mulher do Mal. Hermes da Fonseca, então presidente da República, executa o maxixe “Corta-Jaca” de Chiquinha Gonzaga no Palácio do Catete. Paralelamente ao sucesso do maxixe, agora aceito e consumido por todos os setores da sociedade, continuavam nos morros, terreiros e fundos de quintal das casas de baixa renda, as manifestações da cultura africana, como os batuques, jongos e umbigadas, as rodas de capoeira e pernada, e os cultos religiosos. Essas manifestações eram perseguidas pela policia e pela igreja, que as associavam à marginalidade e à vagabundagem. A classe média baixa cresce com aumento das possibilidades de ascensão social proporcionadas pelo comércio e pela indústria. Esta perspectiva de melhoria de vida atrai gente do Brasil inteiro, principalmente negros vindos das regiões rurais. Dentre esses negros que chegam à Capital, os de origem baiana tiveram importante papel na organização social deste contingente e na manutenção das tradições africanas, criando o que se tornou conhecido como “a pequena África no Rio de Janeiro”. A partir da década de 1920 uma onda nacionalista se inicia na política, nas artes e na cultura, e em busca de valores e produtos que pudessem representar a alma do povo brasileiro, destaca-se o samba, ainda tocado de forma maxixada. O preconceito com as manifestações de origem negra diminui, e um grupo de compositores oriundos do bairro carioca do Estácio, tradicional reduto de malandros e desocupados, começa a se tornar conhecido fora de seu gueto, transformando a maneira maxixada de se fazer o samba, no samba batucado. Nascia assim, o samba como é conhecido hoje. Com o aparecimento e o sucesso do rádio, e o apoio do governo no Estado Novo, o samba carioca se consolida como música nacional, e passa a ser produzido e executado em todo o país. O período histórico relatado acima vai aproximadamente de 1850 a 1940; a transformação das danças européias em maxixe se dá em algum momento antes da virada do século XIX para o XX; e do maxixe em samba, a partir da década de 1920. Após este breve panorama histórico do surgimento do maxixe e do samba, serão agora abordados alguns aspectos musicais envolvidos neste processo. O maxixe surgiu por volta de 1875 na cidade do Rio de Janeiro, e era inicialmente apenas um jeito brasileiro de se dançar, e consequentemente de se tocar, os ritmos europeus. Ele passa a ser considerado um gênero musical apenas no final do século XIX. Os ritmos que faziam sucesso na Europa, como a polca, a mazurca, o schottish, a habanera, a valsa, a quadrilha, etc., eram por nós importados, copiados e posteriormente transformados. Dentre esses ritmos o que mais influenciou a música brasileira da época foi a polca, verdadeira febre da metade do século XIX, e que já em 3 de julho de 1845 era tocada e dançada no palco do teatro São Pedro no Rio de Janeiro. De andamento vivo e compasso binário, a polca, originária da Boêmia, difundiu-se primeiramente nos salões da alta sociedade, para depois ganhar as ruas da capital. O impacto da polca nos salões foi enorme, e um dos motivos para este sucesso foi o ritmo rápido e alegre da nova dança, que harmonizava com as transformações econômicas, sociais e tecnológicas que ocorriam na época. Tinhorão (1975) ressalta bem este momento: Na verdade, a polca inaugurava nos salões dos ricos e nas salas de visita dos remediados o ritmo 2/4 em allegretto, o que comunicava aos dançarinos uma vivacidade inédita, tão coerente com o momento de euforia econômica, destinado a culminar com o superávit da balança comercial brasileira a partir de 1860. Essa vivacidade de ritmo - que por si só já denunciava uma explosão de individualidade absolutamente nova – vinha sendo anunciada desde o inicio do século XIX pelas quadrilhas. (TINHORÃO, 1975, p.60) Segundo Kiefer (1983, p. 16) “o ritmo de acompanhamento da polca européia obedece, basicamente, ao seguinte esquema”: Figura 11: Polca Européia O autor acrescenta que existe, como era de se esperar, variações a este esquema, mas, sem apresentarem notas pontuadas, ou síncopes internas (ibidem, idem). Esta observação é de grande importância, pois, como veremos adiante, as polcas nacionais fazem largo uso, tanto de notas pontuadas, como das síncopes. Quando chega aos teatros e bailes populares, e passa a ser dançada pelas camadas de baixa renda, compostas majoritariamente por negros e afro-descendentes, a dança européia começa a se transformar. Os músicos tentando acompanhar os remelexos e gingados de corpo dos bailarinos, modificam os ritmos da melodia e do acompanhamento, inserindo novas figuras rítmicas cada vez mais sincopadas, criando assim um novo estilo musical. A Enciclopédia da música brasileira diz que a polca apresenta “melodia saltitante e configuração rítmica baseada em colcheias e semicolcheias com pausas no segundo tempo do binário” (EMB, 1998, p.636). A incorporação da polca ao gosto nacional foi tamanha, que Alexandre Gonçalves Pinto, no seu livro “O choro – reminiscências de chorões antigos”, escrito em 1936, diz: A polka é como o samba, uma tradição brasileira. Só nós o que Deus permitiu que nascessem debaixo da constelação do Cruzeiro do Sul, a sabemos dançar, a cultivamos com carinho, e amor. A polka é a única dança que encerra os nossos costumes, a única que tem brasilidade (Pinto, 1936 apud Paes, 2002, p. 28). Mas, não foi apenas da polca abrasileirada que surgiu o maxixe, outros ritmos vieram a contribuir na mistura, entre eles o lundu e a habanera. Uma definição que se tornou famosa para o maxixe foi proferida por Mário de Andrade em 1926, numa conferência sobre Ernesto Nazareth, e diz que esta música se originou “da fusão da habanera, pela rítmica, e da polca, pela andadura, com adaptação da síncope afro-lusitana” (ANDRADE, 1989, p. 317). Abaixo está exemplificado o ritmo básico da habanera: Figura 12: Habanera Tinhorão (1978, p.73-74) contesta esta definição de Mário de Andrade, pois acredita que quem sofreu influencia da habanera não foi o maxixe como um todo, e sim apenas o músico Ernesto Nazareth. Não cabe analisar qual dos dois estudiosos está certo, o fato é que o ritmo básico da habanera é encontrado em várias músicas da época, independente de serem classificadas como maxixe ou não. Os chorões foram os responsáveis pela adaptação dos ritmos importados pelas elites brancas, ao gosto popular nacional, criando o maxixe e posteriormente o chorinho. Segundo vários autores uma das principais características dos chorões era o destaque dado aos baixos. Um dos relatos mais importantes sobre este assunto é do maestro Guerra Peixe, nele o maestro diz ser a baixaria melódica e destacada dos chorões uma característica da cultura mestiça do brasileiro e uma herança dos tempos das modinhas. Este texto citado por Tinhorão em dois trabalhos (1978, p.65) e (1998, p. 185), e também por Franceschi (2002, p. 153), foi publicado originalmente em 1954 no jornal “O Tempo”. Era no Rio de Janeiro que os chorões encontravam o melhor campo para suas serenatas. Agrupamento instrumental, popular por excelência, o choro se caracterizava também por aquela originalidade mestiça que o brasileiro introduziu na baixaria do violão (contracanto na parte grave do instrumento), desde a modinha até as polcas e, mais recentemente, os choros (forma musical). Essa baixaria, tão em voga naqueles românticos tempos, teria feito sua incursão na musica dos bailes públicos, os quais se chamavam maxixe – isto é, gafieiras em linguagem popular contemporânea. Os músicos das bandas – tantas vezes os mesmos dos bailes públicos – certamente levariam para suas instrumentações, escritas ou improvisadas, este processo urbano de contrapontar. Colocariam, algumas vezes com relevância especial, esta baixaria nas introduções dos tangos, onde era salientada pelos instrumentos de tessitura grave. E o costume de empregá-la era tão apreciado que em certas ocasiões a melodia principal ficava colada no registro grave, cabendo aos instrumentos restantes, dos registros médio e agudo, uma significação secundaria por alguns momentos na estrutura do trecho musical. Alem da aplicação da baixaria de violão na música de trombone, bombardino, oficlide, tuba, etc., ela teve lugar no “toque” característico dos pianeiros cariocas do tempo dos maxixes. Ernesto Nazareth soube extrair admirável proveito dessa genuína criação popular. Ernesto Nazareth e Sinhô, ambos cariocas, aplicavam admiravelmente a baixaria em suas composições, enquanto que Marcelo Tupinambá, paulista, não a usava a não ser em algumas raras oportunidades. Ocupando uma posição menos decidida que Ernesto Nazareth no emprego dos baixos, estão os compositores nordestinos. E por fim Chiquinha Gonzaga - ainda mais discretamente que os últimos – utiliza-se dela de uma forma muito sutil, que precisa ser procurada, sentida e analisada, se quisermos compreender todo o sentido que encerra em si.(...) Outro indício que parece confirmar estas deduções é a exuberante baixaria obrigatoriamente enxertada por qualquer compositor popular ou popularesco da atualidade – orquestrador de radio ou revista – ao pretender imitar a característica gostosa do maxixe, no intento de ridicularizar a sua forma, o seu estilo e caricaturar as gerações que o criaram, tudo numa ambiência burlescamente colocada além dos limites. (GUERRA PEIXE, 1954, p. 18 apud FRANCESCHI, 2002 p.153-154). Segundo Henrique Cazes (1998), esta forma de se estruturar o baixo era uma herança do lundu, o mesmo autor diz: “De todas as vertentes que compõe a musicalidade chorística, o maxixe é o ponto mais próximo da cultura afro-brasileira, tendo acento parecido com o ylu de Iansã” (Ibidem, p. 32). Tinhorão ao se referir as bandas militares afirma: Iria ser, aliás, da forma característica com que essas bandas executavam principalmente as polcas influenciadas pelo lundu, que iria marcar o som tão próprio para os movimentos de corpo dos dançarinos dos bailes pobres, ao que tudo indica chamados de maxixes. (TINHORÃO, 1998, p. 185). O estudo, não só da linha de baixo, mas de todos os outros aspectos musicais do maxixe, é facilitado pela abundância de partituras para piano editadas na época, e também pelas partituras manuscritas das bandas militares. A partir de 1897, quando Fred Figner fundador da Casa Edson do Rio de Janeiro, grava pela primeira vez músicos e música brasileira através do gramofone, pode-se também utilizar os fonogramas para o estudo do gênero. Todas estas partituras e fonogramas traziam indicações do estilo em que a música se enquadrava, e dentro do gênero maxixe existia uma infinidade de nomes, alguns bastante curiosos como: tanguinho sertanejo, samba-cateretê, rico-samba, polca-marcha, entre outros. Apesar da variedade de rótulos a música era sempre maxixe. Como foi dito, o maxixe e o choro se misturavam nesta época. Os chorões tocavam nas bandas militares, nos grupos que animavam os bailes e nas casas de família, assim as formações iam se transformando e sendo adaptadas aos diferentes espaços e tipos de eventos. Numa sala de visitas, um piano ou um terno de choro eram suficientes; em um baile acrescentavam-se mais alguns instrumentos; e nos grandes eventos ao ar livre as bandas militares eram as mais indicadas, pois, como acertadamente aponta Henrique Cazes: “numa época em que não existia amplificação de som, qualquer evento de maior porte exigia a presença de uma banda” (CAZES, 1998, p. 31). No maxixe o baixo era bastante presente, possuía forte apelo melódico e contrapontístico e fazia uso constante de figuras rítmicas sincopadas. Era executado pelas tubas e bombardinos nas bandas militares e orquestras; pelos violões e oficlides nos grupos de choro; e muitas vezes apenas pelo piano, nas salas das casas de família e nos cafés. Paralelamente ao sucesso do maxixe nos salões, aconteciam nos guetos das grandes cidades e na zona rural, as manifestações musicais africanas. Cucumbis, congos, batuques, umbigadas, rodas de pernada e capoeira, festas de candomblé, etc., eram algumas das formas de música e dança de origem africana reproduzidas em solo brasileiro. Praticadas pelas camadas mais pobres da população, compostas por escravos e negros libertos, que não tinham condições de ter instrumentos mais sofisticados, como os instrumentos de sopro e o piano, essas manifestações eram acompanhadas por instrumentos de percussão (muitas vezes adaptados – como pratos e latas de guardar alimentos, entre outros), palmas e pelo violão. O máximo de sofisticação era a flauta, como relata o jornalista Vagalume, no seu livro “Na Roda de Samba” de 1933: “Antigamente, quando numa festa de samba, aparecia uma flauta, era uma novidade [...]” (GUIMARÃES, 1978, p. 77). A falta de recursos financeiros foi um fator determinante para a definição do instrumental do samba, mas não foi o único. A condição de marginalidade que era atribuída aos sambistas e ao samba nas duas primeiras décadas do século XX, também contribuiu para a simplicidade dos instrumentos. As manifestações populares de música e dança no Brasil eram normalmente condenadas pelos padrões religiosos e morais da sociedade. Isso não aconteceu só com o samba nas suas formas mais africanizadas, como o batuque e a umbigada, mas também como as modinhas, lundus e maxixes. As modinhas e os lundus foram no início combatidos, pois suas letras possuíam muitas vezes duplo significado, geralmente com conotação sexual ou de sátira política. O maxixe, por sua vez, era considerado uma dança lasciva, e por isso mesmo inicialmente praticado apenas em locais de grande permissividade, onde as pessoas “de família” não deveriam freqüentar. Mas se tanto as modinhas como os maxixes, sejam eles polcas, habaneras ou outro ritmo qualquer, eram tidas como obscenas ou imorais, e provocavam a ira dos seguimentos mais conservadores da sociedade, nada se comparava à perseguição sofrida pelos músicos quando o assunto era samba. Até os anos 20 do século XX, quando o termo samba ainda não tinha se consolidado, e as reuniões e festas dos negros e mestiços eram chamadas de batuques, fandangos, chulas, etc., a repressão a estas manifestações era prática comum. Geralmente associadas aos cultos religiosos africanos ou aos capoeiras, as festas com palmas e tambores eram proibidas, condenadas pela igreja e reprimidas pela polícia. A repressão era violenta: os grupos eram dispersos à base da força, normalmente os participantes eram detidos, e seus instrumentos eram quebrados. Os relatos desta ação policial são abundantes. Primeiramente Tinhorão (1998, p. 274-275): Segundo depoimento unânime dos velhos foliões das classes mais baixas das primeiras décadas do século XX, a norma policial comum era a repressão contra seus grupos. [...] qualquer grupo reunido para cantar e fazer figurações de dança ao ar livre, ao som de palmas, atabaques e pandeiros era, por princípio, enquadrado como incurso nas disposições contra a malandragem e a capoeiragem. Mukuna cita um relato de um negro de 67 anos de idade, publicado por João Batista Borges Pereira no livro “Cor, Profissão e Mobilidade” de 1967: Quando eu era rapazinho ia assistir o samba da negrada lá no mato [...] me lembro de que uma vez eu estava assistindo bem sossegado à brincadeira quando a polícia entrou, quebrou os instrumentos e botou os negros a correr (PEREIRA, 1967, p. 216-217 apud MUKUNA, 2000, p. 100). O cantor Zeca Pagodinho gravou um samba de 1938 de autoria de Tio Hélio e Nilton Campolino que conta uma história passada na Serrinha. Neste samba fica claro como era a ação da policial que “acabava festa a pau e ainda quebrava os instrumentos”. O refrão: “ele não prendia, só batia” é especialmente significativo, pois narrando que o delegado ao invés de prender, apenas agredia fisicamente os sambistas, mostra claramente a ilegalidade da ação policial, que sem motivos reais para prender os sambistas, usava da violência. O samba diz: “Delegado Chico Palha / sem alma sem coração / não quer samba nem curimba / na sua jurisdição - Ele não prendia / só batia (2x)- Era um homem muito forte / com um gênio violento / acabava festa a pau / ainda quebrava os instrumentos”. O samba “Delegado Chico Palha” foi gravado no álbum “Água da minha sede” de Zeca Pagodinho, gravadora Universal (2000) A condição de marginalidade em que o samba e as outras formas de música africana se encontravam, foi responsável por afastar os pesquisadores, jornalistas e outros profissionais que porventura pudessem se interessar em registrar os fatos e a música deste grupo. Como aponta Sérgio Cabral (1996): Nenhum pesquisador do início do século percebeu que a comunidade negra, instalada no centro da cidade do Rio de Janeiro, criava, mais do que um gênero, uma cultura musical. Esta é uma das razões pelas quais são tão obscuros os dados sobre as origens do samba carioca. Além disso, o preconceito profundamente encravado em nossa sociedade, especialmente nos anos que se seguiram após a abolição da escravatura, impedia que as manifestações culturais e religiosas dos negros merecessem sequer a liberdade de existir, quanto mais a atrair a atenção dos que, por ventura, se interessassem pela história do nosso povo (CABRAL, 1996, p. 27). Durante a década de 1920, inicia-se uma onda nacionalista que viria a ter o seu auge no Estado Novo de Vargas. Ocorrem, então, algumas transformações na mentalidade da sociedade brasileira, que passa a valorizar as diversas formas de cultura nacional. Sendo o Rio de Janeiro a capital da República, o samba carioca, surge como um provável representante da cultura brasileira. Com isso a perseguição aos sambistas diminui no final da década de 1920, e ao longo da década de 1930 o samba vira motivo de orgulho nacional. Essa mudança de perseguido a glorificado deu-se de forma muito rápida, o que levou Hermano Vianna (1995) a chamar de “o mistério do samba” esta rápida transformação. Ele diz: Num primeiro momento, o samba teria sido reprimido e enclausurado nos morros cariocas e nas camadas populares. Num segundo momento, os sambistas, conquistando o carnaval e as rádios, passariam a simbolizar a cultura brasileira em sua totalidade [...] aí está o grande mistério da história do samba (VIANNA, 1995, p. 28-29). O relato de um senhor negro colhido por João Batista Pereira, citado por Mukuna e que reproduzimos a primeira parte acima, termina mostrando de forma contundente esta valorização do samba: Samba era nome que fazia a turma grã-fina fazer o sinal da cruz! Mas tudo isso passou, e hoje eu que andava correndo da polícia, sou homenageado por todos... a nossa música era motivo de vergonha, hoje ela é de orgulho (PEREIRA, 1967, p. 216-217 apud MUKUNA, 2000, p. 100). Na segunda metade da década de 1920, a expansão e modernização da cidade, o crescimento das classes média e baixa, o sucesso da música local através do maxixe, o início da valorização do samba como produto tipicamente nacional, e o surgimento de uma classe cosmopolita boêmia, permitiu que um grupo de sambistas e malandros do bairro do Estácio no Rio de janeiro, começasse a participar do meio artístico carioca. O Estácio é um bairro da região central do Rio de janeiro próximo à zona portuária, que nas primeiras décadas do século XX concentrava um grande numero de malandros, desocupados e biscateiros. Na sua grande maioria negros ou afro-descendentes, esses indivíduos eram excluídos das melhores possibilidades de trabalho e sofriam as conseqüências dos séculos de escravidão. A capoeira, a pernada, o batuque e outras manifestações de raízes africanas e com forte presença dos instrumentos de percussão, eram o principal divertimento deste grupo. Ismael Silva, Heitor dos Prazeres, Rubem Barcellos, Bide, Baiaco, Brancura, Nilton Bastos, Marçal, eram alguns dos sambistas do Estácio que começaram a compor de um jeito diferente, um novo tipo de samba. No ano de 1928 o grupo do Estácio decide participar dos desfiles oficiais do carnaval carioca, que até então era restrito aos ranchos e aos clubes carnavalescos das classes média e alta. Para isto, eles decidem criar aquela que é considerada a primeira escola de samba, a “Deixa Falar”. Seja no carnaval com a “Deixa Falar” e suas sucessoras, ou nos “sambas de meio de ano” como os gravados e executados nas rádios por cantores como Francisco Alves, as composições e o novo tipo de acompanhamento do samba do Estácio chamam à atenção dos músicos e do grande público pelo seu novo jeito de dividir a melodia, pelo seu andamento mais vivo e pela batucada de seus tambores. Foi através da instrumentação, que privilegiava a percussão, e de uma orientação rítmico-melódica bem mais sincopada, que os bambas do Estácio transformam de vez o maxixe em samba. Coincidentemente, na época da transformação do maxixe em samba surge um novo recurso de gravação, que permitiu a captação mais precisa dos instrumentos. Em 1929 chega ao Brasil, primeiramente na gravadora Odeon, o sistema elétrico de gravação. Essa nova técnica vinha substituir o sistema mecânico de gravação, e permitia uma captação mais fiel dos sons, principalmente com relação à dinâmica e ao timbre. Até então era consenso entre os técnicos de som e produtores que os instrumentos de percussão não podiam ser captados nas gravações. No dia 30 de Novembro de 1929 o grupo dos “Tangarás” sob a liderança de Almirante gravou o samba “Na Pavuna”, pela Odeon. Nesta gravação foram utilizados pela primeira vez, um surdo e um tamborim, alem de outros instrumentos de percussão. Nas décadas de 1930 e 1940 o samba se consagra, através do rádio e da oficialização dos desfiles das escolas de samba, como principal música e produto cultural do país. 3.2 O Instrumental Trazidos da África ou manufaturados aqui segundo modelos africanos; emprestados das bandas militares, das orquestras e dos grupos folclóricos de origem européia; saídos da cozinha e da sala de jantar ou inventados segundo a necessidade do momento, os instrumentos do samba tiveram várias origens. Em uma música oriunda das camadas mais pobres e oprimidas da sociedade, a improvisação e o talento foram fatores determinantes na escolha e muitas vezes na criação do instrumental utilizado. Uma faca raspada em um prato, uma caixa de fósforos, copos e garrafas, além do som da voz e das palmas, muitas vezes eram os únicos instrumentos disponíveis para se fazer o samba. A sofisticação dos instrumentos caros e bem construídos, como os da família dos violinos, ou como os metais e o piano, não era acessível pelo seu alto custo, tanto para a aquisição, como para a manutenção. Isso não quer dizer que muitos destes instrumentos não estejam presentes na história do samba. Na verdade os instrumentos de sopro, por exemplo, ocupavam posição central na música dos barbeiros do século XVIII, e nas bandas militares do século XIX, formações importantes na consolidação do modo sincopado de se interpretar as músicas européias, modo este que originaria o maxixe. Outro instrumento de alto custo utilizado pelos sambistas e que também foi muito importante na execução de alguns estilos antecessores ao samba, foi o piano. Apesar de ser encontrado em muitas casas da pequena burguesia na virada do século XIX para o XX, o piano provavelmente não estava presente nos lares mais humildes; os poucos sambistas, que como Sinhô, o utilizavam com freqüência, já não pertenciam às camadas mais pobres da população, e sim à nascente baixa burguesia urbana. Com a bossa nova, o piano passa a ter novamente lugar de destaque, sendo utilizado tanto com instrumento de base, ou como solista, no caso dos trios de música instrumental. A seguir serão descritos os principais instrumentos graves e as formações instrumentais mais comuns do maxixe e do samba. Primeiramente será abordado o piano, os chorões e as bandas militares no maxixe, e depois as escolas de samba, os regionais do samba batucado carioca, e a seção rítmica moderna com contrabaixo e bateria. Um dos principais instrumentos da música ocidental, o piano foi exportado da Europa para todas as partes do mundo. Instrumento versátil e completo permite a execução de quase todo tipo de música. Normalmente não é associado ao samba, mas esteve muito presente na execução do lundu, da polca, do maxixe, do tango-brasileiro, entre outros ritmos antecessores do samba no final do século XIX e começo do século XX, e a partir do final da década de 1950 na execução da bossa nova. O piano teve importância capital no desenvolvimento do maxixe, pois num período anterior ao gramofone e ao radio, a forma mais fácil de ouvir música nos ambientes pequenos, como nas salas de espera dos cinemas e dos teatros, e nas festas familiares era através deste instrumento. Os pianistas brasileiros da época eram chamados de pianeiros, termo de certa forma depreciativo. Segundo a Enciclopédia da Música Brasileira: Desprovido, no geral, de técnica pianística, o pianeiro era dotado, no entanto, de grande musicalidade. Os seus atributos de músico inato lhe permitiam acrescentar nas peças que executava certos adornos de natureza melódica, rítmica e harmônica, inexistentes na escritura impressa. (ENCICLOPÉDIA, 1998, p. 625). No mesmo verbete estão relatados alguns pianeiros famosos dos primeiros decênios do século XX, são citados os nomes de Aurélio Cavalcanti, Porfírio da Alfândega, J. Garcia Cristo, Xandico e Bequinho (Idem, idem). O pianista mais famoso da virada do século foi Ernesto Nazaré. Compositor prolífico é considerado o fixador do tango brasileiro, ganhou admiração de vários músicos de renome, até mesmo do meio erudito. Segundo a coleção “História do Samba” foi Sinhô o primeiro pianista a se destacar no ambiente do samba (HISTÓRIA, 1997, p. 754). Por ser um instrumento caro, de manutenção e afinação trabalhosas, o piano não deveria ser encontrado entre as populações de baixa renda, mas a nascente baixa classe média composta por mestiços e negros já podia desfrutar de seu som. Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello (1997) no livro “A canção no tempo” dizem a respeito dos primeiros quinze anos do século XX: “Não havia família mais ou menos remediada que não ostentasse um piano na sala de visitas” (SEVERIANO; HOMEM DE MELLO, 1997, p. 18). Ilustrando esta situação transcrevo um depoimento dado por Heitor dos Prazeres e reproduzido por Muniz Sodré em seu livro “Samba o Dono do Corpo”: Com sete ou oito anos fiquei fascinado por um piano enorme que havia lá em casa. Naquela época, quase todas as famílias possuíam um piano, só aberto nos dias de recepção, ou nos sábados, para limpeza (SODRÉ, 1998, p. 85). Filho de um marceneiro e de uma costureira, negro, e nascido na Praça Onze, se Heitor dos Prazeres não poderia ser classificado como pertencente às classes baixas, também não deveria estar entre os mais abastados, seu depoimento de que “quase todas as famílias possuíam um piano...” é surpreendente para nós, que hoje em dia dificilmente encontramos este instrumento mesmo entre os mais ricos. Depois dos pianeiros havia os grupos de chorões, nos quais as formações variavam em torno do terno de choro, composto por flauta, cavaquinho e violão. A Enciclopédia da Música Popular Brasileira relata que: Os primeiros grupos de choro surgiram no Rio de Janeiro por volta de 1880, [...] a composição desses grupos girava em torno do terno: flauta, violão e cavaquinho. A flauta como solista, o cavaquinho como centro e o violão na baixaria [...] a partir dos primeiros anos da República há menção de conjuntos já com outros instrumentos de corda, assim como com instrumentos de banda, com função solista ou concertante dentro dos grupos: bandolim, bandola, flautim, clarineta, saxofone, pistom, bombardino, bombardão, trombone e oficlide (ENCICLOPÉDIA, 1998, p. 200). Mário de Andrade também cita algumas formações no verbete choro de seu Dicionário Musical: “A Orquestrinha dos Boêmios Brasileiros, carioca, apresentada em São Paulo nos espetáculos de Josefina Baker (novembro de 1929) se compunha de 1 flauta, 2 cavaquinhos, 3 violões, 1 pandeiro e uma guitarra portuguesa”.(ANDRADE, 1989, p.138). Citando Melo Morais Filho, Mário de Andrade acrescenta o oficlide ao terno do choro. Câmara Cascudo (1988, p. 222) no seu Dicionário do Folclore Brasileiro diz: “Choro é um nome genérico com várias aplicações. Pode designar um conjunto de instrumentos, em geral flauta, oficlide, bandolim, clarinete, violão cavaquinho, pistão e trombone, com um deles solando”. Pode-se dizer que os chorões são herdeiros, na forma de interpretação e nos instrumentos, de uma tradição que se inicia com os barbeiros no século XVIII e passa pelas bandas militares no século XIX. Nas bandas militares o baixo era realizado pelos instrumentos de sopro como, trombones, tubas, bombardinos, Nas formações menores, como nos ternos do choro, a linha ficava com o violão, de seis ou de sete cordas, ou com o extinto oficlide. Cordofone, pertencente à família dos instrumentos de cordas dedilhadas o violão está no mesmo grupo do cavaquinho, da viola, do bandolim e da bandola. Ao se referir ao violão, no seu livro sobre o choro, Henrique Cazes diz: Muito antes do choro e da forma chorada de tocar, o violão já era um instrumento popular que acumulava uma grande participação em todo tipo de música feita fora das elites. Estava presente no acompanhamento das serenatas, dos lundus, das cançonetas, na música dos barbeiros, enfim, tudo que se referia às atividades de música popular anteriores ao choro (CAZES, 1998, p. 47). Ao que tudo indica esses instrumentos de cordas dedilhadas ou tangidas, aqui chegaram junto com os portugueses. Segundo Tinhorão, a popularidade dos instrumentos da família do violão em Portugal é contemporânea à expansão marítima portuguesa. No primeiro capítulo de seu livro “História Social da Música Brasileira” intitulado “Individualismo, viola e canção”, Tinhorão analisa as mudanças das relações de trabalho, produção e capital ocorridas em Portugal e em toda Europa, um pouco antes do descobrimento do Brasil. O autor relata: “a crescente monetarização da economia a partir do século XIV estimula a agricultura de exportação em detrimento da produção para subsistência, assim transferindo de vez o centro de interesses do campo para as cidades” (1998, p. 19) Antes disso, ainda como nos tempos medievais, as populações de Portugal concentravam-se em aldeias ou vilas, isoladas uma das outras, e eram constituídas basicamente de lavradores que cultivavam no seu entorno, exceção feita a Lisboa e Porto. Tinhorão conclui que: A marca cultural de tais comunidades, só podia ser, pois, a da valorização da identidade regional [...] quando tal gente rural se divertia em suas pequenas vilas e povoados, suas danças e cantos constituíam sempre reuniões da comunidade ao ar livre [...] ao som de instrumentos feitos para animar o ritmo e dominar o alarido: gaitas, flautas, pandeiros, adufes, atabaques bumbos e tamboris (Ibidem, idem). Com a migração dessas populações rurais para os grandes centros do litoral, de onde partiam as embarcações rumo ao novo mundo, surge um novo personagem urbano, individualista, sem laços que o prendam a terra, em busca apenas da própria sobrevivência. Mais uma vez Tinhorão tem a palavra: A característica cultural desses elementos postos à margem da estrutura econômico-social como ganha-dinheiros, ou eventuais vadios, será o individualismo, a zombaria, a pretensa esperteza e a hipocrisia, o que os levava à busca isolada do próprio entretenimento na singularidade do canto a solo com acompanhamento individual, ao som de sua viola (Ibidem, idem). Nas notas acrescentadas a este primeiro capítulo, Tinhorão inclui uma interessante lenda histórica que narra terem sido encontradas mais de dez mil guitarras, abandonadas pelos portugueses, derrotados na África em 1578, na batalha de Alcácer Quibir, como que simbolizando a paixão dos portugueses pelas violas e seus semelhantes. É sabido que tanto as tropas dos exércitos, as tripulações das embarcações e as primeiras levas de colonos enviados para o Brasil, eram compostas por gente pobre em busca de uma vida melhor, e que se ao final de uma batalha perdida pelos portugueses, o número de guitarras abandonadas era impressionante, provavelmente muitos desses instrumentos devem ter cruzado o atlântico nos porões das caravelas, nos primeiros séculos da colonização. Instrumentos preferidos pelos colonos portugueses, leves, fáceis de carregar e de baixo custo, os violões, violas, cavaquinhos, etc., se adaptaram bem a dura realidade da colônia, e passaram a ser os instrumentos mais utilizados para a realização da harmonia e do baixo em todos os estilos da música popular brasileira. Facilmente adaptados às músicas com forte apelo rítmico, como as de origem afro-brasileira, esses instrumentos, acrescidos de percussão, formam até hoje, a base para as músicas de dança, nos regionais, conjuntos e orquestras pelo país. Instrumento muito importante no choro, o violão sete cordas consiste em um violão padrão acrescido de uma sétima corda mais grave, que pode ser afinada em dó ou em si duas oitavas abaixo do C3. Com esta tessitura estendida para os graves os violonistas conseguiam realizar melhor as “baixarias”, tão importantes para o choro, e que normalmente eram realizadas pelo oficlide e num segundo momento pelo saxofone tenor. As origens do violão sete cordas não são muito claras. Ao que tudo indica um instrumento deste tipo era utilizado por ciganos que viviam na região do Catumbi, no início do século XX. Na Rússia estes instrumentos são bastante populares desde os fins do século XVIII. Os primeiros músicos a utilizarem este instrumento no samba e no choro foram Tute e China, irmão de Pixinguinha. Arthur de Souza Nascimento nasceu em 1886 no Rio de Janeiro, e se tornou conhecido pelo apelido de Tute. Começou tocando bombo e pratos em bandas militares do início do século XX, e com menos de vinte anos já estava tocando violão. É considerado o introdutor do violão sete cordas no choro, e participou das gravações tão antigas como a da polca “Rato-rato” de 1907 (CAZES, 1998, p. 50). O sucessor de Tute foi Horondino José da Silva, o Dino sete-cordas. Grande virtuose do instrumento, Dino começou a sua carreira artística em 1935 com apenas dezessete anos acompanhando o cantor Augusto Calheiros em circos de Niterói. Desta época até a década de 1950 ele utilizava apenas o violão de seis cordas, com o afastamento de Tute do meio artístico é que Dino passa a tocar e a gravar com o violão sete cordas. Após um período de ostracismo com a decadência do choro nos anos 50, Dino retorna às gravações nos anos 70 introduzindo o violão sete cordas no samba e participando de discos importantes de cantores como Beth Carvalho, Clara Nunes Toquinho, Clementina de Jesus. Atualmente o violão sete cordas tem seu lugar estabelecido no choro e nos grupos de samba, sendo utilizado também em diversos outros estilos de música brasileira. Um outro instrumento que esteve presente na realização das baixarias na virada do século XIX para o XX, foi o oficlide. O estranho nome significa “serpente com chaves” em grego, e de fato este instrumento veio para substituir o antigo serpentão. Inventado em 1821 por Jean Hilaire Asté (Hallary), o oficlide era um instrumento de sopro de metal, com corpo em forma de U, bocal, e utilizando de nove a doze chaves. Na verdade não era apenas um instrumento e sim uma família, da qual o mais conhecido e utilizado era o oficlide baixo em Bb, que possuía uma extensão do Bb-1 ao C4. Freqüentemente mal-falado, o instrumento foi utilizado pelos compositores em toda música de concerto européia até meados do século XIX, quando começou a ser substituído pelos instrumentos da família da tuba (tuba, eufônio, sousafone, etc). A seguir estão incluídas algumas descrições do seu som, que mostram a importância do instrumento como única opção para o baixo dos metais, mas ao mesmo tempo criticam a sua sonoridade. De um manual de orquestração de 1902: Este instrumento estava muito em voga, mas foi gradativamente sendo posto de lado, por causa de seu som coaxado, e suas notas falsas e pouco musicais, que são no mínimo muito desagradáveis. Usado na orquestra pode ser um substituto para o trombone baixo, mas como solista o instrumento é simplesmente horrível (KLING, 1905). Do conhecido manual de orquestração de Berlioz que é de meados do século XIX, e que foi revisto por R. Strauss, sendo publicado em 1948: O ofliclide é excelente para sustentar a parte mais baixa da harmonia [...] O som de certas notas é áspero, duro, mas em certos casos, sob uma massa de metais opera milagres [...] Acredita-se que não deva ser utilizado sem uma cobertura de outros instrumentos [...] Nada mais desajeitado- eu posso dizer mais monstruoso- nada menos apropriado em combinação com o resto da orquestra, do que aquelas passagens mais ou menos rápidas, tocadas como solo na região média do oficlide em certas óperas modernas. Elas são como um touro que escapou pulando em uma sala de visitas (BERLIOZ; STRAUSS, 1991, p. 337). O Grove pondera a questão: Os comentários depreciativos de alguns musicólogos e teóricos de uma geração mais antiga parecem um pouco injustificados no final do século XIX, onde um alto nível de execução foi alcançado (SADIE, 2001, vol. XVIII, p. 498). Vários compositores importantes como, Berlioz, Schumman, Verdi e Wagner, escreveram para o oficlide. A partir da metade do século XIX ele começa a ser substituído pela tuba, e segundo autores europeus no início do século XX só podia ser encontrado em algumas igrejas na Espanha e em pequenas vilas da Itália. O fato é que o oficlide continuou a ser utilizado no Brasil pelos chorões nas primeiras décadas do século passado, o que é narrado por diversos historiadores. Com uma tessitura que ia dos graves aos médio-graves, relativamente ágil, e não possuindo muito volume de som, ele se encaixava bem aos grupos de choro à base de flauta, cavaquinho e violão, sendo utilizado para a realização das baixarias. Com a chegada dos ritmos norte-americanos os saxofones entram na moda e aos poucos o oficlide cai em desuso. É importante observar que no choro os instrumentos eram caros e sofisticados, sendo que para possuí-los era necessário algum capital, o que excluía as maiorias pobres como os negros recém libertos. Analisando o livro “O Choro – reminiscências dos chorões antigos” de Alexandre Gonçalves Pinto, Tinhorão conclui: Realmente apenas o fato de possuir um instrumento musical – um violão, um cavaquinho, um oficlide, uma flauta ou um clarinete – representava prova de um poder aquisitivo que as maiorias (onde a pobreza confrontava as vezes com a miséria) estavam longe de alcançar (Ibidem, p. 200-201). O que explica serem os chorões na sua maioria de classe média, muitos deles com bons cargos no funcionalismo público. Outro tipo de formação instrumental característica dos centros urbanos até meados dos anos 30, que também executava o maxixe nos salões e teatros foram as pequenas orquestras ou “orquestrinhas”. Essas orquestras não tinham uma formação definida, variando tanto os tipos de instrumentos utilizados, bem como o número de participantes. Elas animavam os cinemas, os cabarés, os bailes das grandes sociedades carnavalescas, e uma série de outros eventos sociais da época. Seus músicos eram arregimentados conforme as necessidades de cada evento, bem como a disponibilidade de instrumentistas e de verba, daí o fato da formação ser livre. O conjunto “Os Oito Batutas” é o seu exemplo mais conhecido. Criado por Pixinguinha e Donga em 1919, “Os Oito Batutas” foram muito famosos em sua época, além de terem sido o primeiro grupo de música brasileira a excursionar para Europa numa turnê a França em 1922. Sua formação era: Pixinguinha na flauta, Donga no violão, China (irmão de Pixinguinha) no canto e violão, Nelson Alves no Cavaquinho, Raul Palmieri no violão, Jacob Palmieri na bandola e no reco-reco e José Alves Lima no bandolim e no ganzá. Outros grupos conhecidos naquele tempo de formação semelhante foram: Os Tangarás, Os Cotubas e Os Turunas. Vale a pena ressaltar que esses grupos ou pequenas orquestras não tinham instrumentos de percussão pesados ou muito sonoros como o surdo, a caixa, a cuíca ou o agogô em suas formações. Em sua grande maioria eles utilizavam, e mesmo assim nem sempre, apenas instrumentos leves de marcação como o ganzá, o reco-reco e o pandeiro. Nessas orquestras a realização do baixo dependia dos instrumentos disponíveis, podendo ser feita pelo piano, pelo violão, pelo próprio contrabaixo, ou por algum instrumento de sopro. A última a formação do maxixe abordada são as bandas militares, que além de terem participação capital na consolidação deste gênero, realizaram, como nenhum outro tipo de grupo, a adaptação de um repertório e de uma formação tipicamente europeus ao gosto brasileiro. Um dos melhores relatos sobre a importância das bandas militares no desenvolvimento da música popular brasileira, está no livro “História Social da Música Popular Brasileira” de José Ramos Tinhorão (1998), que será utilizado nas citações que se seguem. Segundo Tinhorão (1998, p.177), as bandas militares “tiveram organização e vida precárias até à chegada do príncipe D. João com a corte portuguesa em 1808”, e que após um período difícil durante a independência, “as bandas dos regimentos de Primeira linha começaram a merecer maior atenção das autoridades [...] até ao aparecimento das Bandas da Guarda Nacional, a partir da década de 1830”. Segundo o mesmo autor (Ibidem, p. 179), as bandas da Guarda nacional foram as primeiras a incluir música popular no seu repertório, além de terem contribuído também para a valorização e profissionalização dos músicos. Tinhorão conclui a primeira parte de seu capítulo sobre bandas militares brasileiras afirmando: “No que se refere à música popular brasileira, a maior contribuição das bandas militares foi, inegavelmente, as criações do maxixe no Rio de janeiro e do frevo em Pernambuco” (Ibidem, p. 180). No Rio de Janeiro, no ano de 1855, o escritor José de Alencar resolve sofisticar o carnaval, importando alguns conceitos europeus para esta festa popular, numa tentativa de acabar com o entrudo e outras manifestações populares consideradas de mau gosto. Tinhorão relata a idéia de José de Alencar: A idéia era a da realização de desfiles de carros alegóricos e, logo no primeiro, realizado naquele mesmo ano (conforme informação do próprio autor), os foliões puderam contar com a música da mesma banda que, aos domingos, tocava para as famílias no interior do Jardim do passeio público (Ibidem, p. 182). Discorrendo sobre o fato de que a única oportunidade que a população das cidades nos meados do século XIX tinha de ouvir música instrumental, era quando as bandas marciais se apresentavam nos coretos das praças publicas aos domingos, Tinhorão aponta a crescente popularização do repertório com a inclusão de ritmos da moda, bem ao gosto da crescente classe média. Pois foi exatamente a necessidade de entremear as marchas militares e dobrados com músicas de agrado do público de gosto popular que estas bandas de corporações fardadas começaram a incluir em seu repertório os gêneros mais em voga àquele tempo ou seja, as valsas, polcas, schottiches, e mazurcas importadas da Europa para atender aos propósitos de modernidade das novas camadas da pequena burguesia (Ibidem, p. 182). Deste momento em diante as bandas militares estariam definitivamente incorporadas às manifestações musicais de cunho popular e festivo da capital. Em 1896 surge a melhor e mais importante de todas elas, a Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de janeiro, organizada e regida pelo compositor e músico de choro Anacleto de Medeiros (1866-1907), responsável pelas primeiras gravações de polcas, dobrados, tangos, valsas e outros ritmos europeus tocados com sotaque brasileiro. Realizando o baixo nas bandas militares tínhamos os instrumentos de metais graves, baixos e contrabaixos, que hoje são genericamente chamados de tuba, e os tambores: bombo e tambor surdo. O termo tuba foi utilizado pela primeira vez para um instrumento inventado na Alemanha em 1830. Desde então este nome passou a ser usado para vários instrumentos graves da família dos metais, entre eles: o sousafone, o helicon, o eufônio e o bombardão (DICIONÁRIO, 1985, p. 392). Até os dias de hoje, porém, seu uso não foi padronizado, como comprova o comentário de Piston (1955, p.282): A tuba é o instrumento menos compreendido pelos compositores. Quando em uma partitura está designado “tuba”, o tubista e o regente têm que decidir qual dos vários instrumentos vai responder melhor às necessidades musicais da parte escrita para tuba [...] O tubista moderno pode escolher entre quatro ou cinco diferentes tubas. Ele adota para o seu uso diário a que melhor se adapta à parte em questão, a maioria delas partes simples de baixo, não indo nem muito alto, nem muito baixo, e não tendo nenhuma grande complicação técnica ou musical. O termo é aplicado indistintamente a qualquer instrumento da família dos metais que possua uma grande campana cônica, de três a seis válvulas, e com um som fundamental aberto de C-1 ou mais grave. O seu provável ancestral foi o oficlide. Geralmente a linha de baixo nas bandas era composta de uma linha rítmica, tocada por uma tuba contrabaixo, como o helicon, e uma linha melódica, tocada pelo bombardino ou eufônio. Por possuírem grande potência sonora, serem relativamente fáceis de tocar andando, e atuarem nos baixos e contrabaixos, as tubas são imprescindíveis nas bandas militares. Por outro lado, tanto pela sua potência, como pela região demasiadamente grave em que atuam, as tubas (assim como o contrabaixo) soam muito “pesadas” quando adicionadas ao terno de choro (flauta, cavaquinho e violão), talvez seja esta a causa da preferência pelo o oficlide ou o trombone para realizarem os baixos do choro até os anos 20 do século passado, quando surge o violão sete cordas. Os bumbos também realizavam o baixo nas bandas marciais, principalmente nas marchas. Agora será abordado o instrumental do samba. Se o som das guitarras distorcidas e os vocais gritados se apresentam como característica mais evidente da sonoridade do rock, a ponto dessas guitarras e vocais terem se tornado símbolos, não só da música, mas da postura e do universo deste estilo, é possível se traçar o mesmo paralelo entre os instrumentos de percussão e o samba. O samba seria inimaginável sem o som das palmas, do pandeiro, do reco-reco, do tamborim, do surdo, enfim, de todos os vários instrumentos de percussão que lhe são característicos. Mesmo quando tocado apenas ao violão ou ao piano, o samba, para ser caracterizado como tal, necessita que os padrões rítmicos definidos pelos seus instrumentos de percussão sejam adaptados e reproduzidos no acompanhamento do violão ou do piano. Mas, como foi visto acima, este destaque da percussão não era característico no samba no seu início. Nota-se que nos grupos de chorões e nas pequenas orquestras que executavam o maxixe e o choro, aproximadamente do final do século XIX até as três primeiras décadas do século XX, os instrumentos de percussão, principalmente os graves, não tinham grande destaque, e que normalmente apenas as percussões leves, como o ganzá e o reco-reco, eram utilizados. Dois fatos podem ter contribuído para esta exclusão dos instrumentos de percussão. Primeiramente até o advento da gravação elétrica no Brasil (1929), os instrumentos de percussão não podiam ser registrados nas ceras dos discos, então todas as gravações até esta época não contam com o som destes instrumentos (exceto as percussões leves). Mas o fato é que mesmo nas apresentações ao vivo não eram utilizados os tambores, e isto se deve a uma causa ainda mais inibidora do uso das percussões: o preconceito. O samba como “coisa de negros” foi duramente perseguido no início do século XX, tudo o que se relacionasse com ele era mal visto; suas coreografias, seu som, e conseqüentemente seus instrumentos. Os grupos que animavam os eventos sociais cariocas no início do século XX, muitas vezes já sofriam o preconceito de serem compostos por negros e mestiços, e por tocarem um tipo de música que incitava às coreografias indecorosas. O conjunto mais famoso da época “Os Oito Batutas”, por exemplo, foi duramente criticado por ter negros na sua formação. A sociedade brasileira da época, que procurava imitar os costumes e os gostos dos europeus, principalmente dos franceses, provavelmente admitia esses grupos pelo fato deles executarem os ritmos da moda européia, ainda que francamente abrasileirados, mas daí a admitir os tambores e agogôs dos batuques e umbigadas, ia uma grande distância. Fato é que com o aparecimento do sistema elétrico de gravação e com a valorização do samba, alçado à condição de símbolo máximo da cultura brasileira, o som batucado dos bambas do Estácio, onde a percussão imperava, teve caminho livre para se desenvolver e pode se consolidar definitivamente como sonoridade característica do samba. Analisando os relatos de pesquisadores sobre as manifestações musicais de origem africana das primeiras décadas do século XX, nota-se que na zona rural e nos guetos das cidades onde aconteciam os batuques e as pernadas, o samba era mais simples, geralmente só com violão, palmas e alguma percussão. No seu livro História Social da Música Brasileira, Tinhorão (Ibidem, p. 267) relata um depoimento do músico João da Baiana (1887-1974): “O Partido Alto era o rei dos sambas. Podia dançar uma pessoa só de cada vez. O acompanhamento era com palmas, cavaquinho, pandeiro e violão, e não cantava todo mundo”. A Enciclopédia da Música Brasileira no verbete samba diz: “são instrumentos do samba baiano o pandeiro, o violão e o chocalho, e às vezes as castanholas e os berimbaus [...] são instrumentos do samba em São Paulo as violas, os adufes e os pandeiros” (ENCICLOPÉDIA, 1998, p. 704-705). Sobre o partido alto, Mário de Andrade (1989, p. 457) acrescenta aos instrumentos citados por João da Baiana a flauta e o prato com faca. Como se pode reparar o surdo, que atualmente é o principal instrumento grave de percussão dos grupos e escolas de samba, não se encontra descrito nos relatos acima. Esta questão é abordada por Nei Lopes no seu livro “O Samba na realidade: a utopia da ascensão social do sambista”. Neste livro, no capítulo “Som e Ritmo”, o autor relata uma declaração de Marinho Jumbeba, neto da Tia Ciata, que diz que o samba na casa de sua avó “era uma coisa muito bonita, não tinha bumbo, essas coisas” (LOPES, 1981, p. 52). Mais adiante Nei Lopes cita uma entrevista feita por Sérgio Cabral com o sambista Ernani Alvarenga (1914-1979), encontrada no livro “As Escolas de Samba do Rio de Janeiro”, onde ao relatar a bateria da “Vai Como Pode” diz: “Tinha pandeiro, cavaquinho, que eu tocava, cuíca. Surdo não tinha. Escola nenhuma tinha surdo. Foi o pessoal do Estácio que apareceu com surdo”. (Ibidem, p. 54). No próprio livro de Sérgio Cabral, Cartola fornece mais algumas informações: Cartola: Muita gente não sabe de uma coisa: o primeiro surdo que a Mangueira teve quem deu foi o Silvio Caldas. Sérgio Cabral: Surdo? Quer dizer que a mangueira não tinha surdo? Cartola: No inicio, não. Quem tinha surdo era o pessoal do Estácio. Aí, Silvio Caldas deu um para a mangueira (CABRAL, 1996, p.276). Sérgio Cabral (Ibidem, p. 77) cita uma matéria do jornal “O Globo” onde o repórter ao visitar a escola “De mim ninguém se lembra”, uma das antecessoras da Portela, relata: “há também um tambor muito grande, que domina todas as vozes. A batida do tambor é monótona, esquisitamente monótona.”, no que Sérgio Cabral comenta: “sem dúvida se referia ao surdo, um instrumento ainda desconhecido que poucas escolas conheciam”. Vários personagens históricos do samba concordam em afirmar que o inventor do surdo foi o músico e compositor Alcebíades Barcelos, o Bide (1902-1975). Em mais uma entrevista feita por Sérgio Cabral, Bide relata: O surdo também fui eu que fiz [antes se referia ao tamborim]. Mas, aí, eu já era rapaz. Foi no Deixa Falar. Peguei uma lata de manteiga redonda, encourei e levei pro Deixa Falar. Quem inventou o surdo fui eu (Ibidem, p. 248). Infelizmente em todos estes relatos não existem datas, mas, algumas especulações podem ser feitas, baseadas nas informações fornecidas. Segundo Ismael Silva o Deixa Falar foi fundado em 12 de Agosto de 1928, e realizou o seu primeiro desfile em 1929, se Bide inventou o surdo para o bloco-escola, só pode ter sido após esta data. O músico também informa que era rapaz à época da invenção, tendo ele nascido no ano de 1902. A escola “De mim ninguém se lembra” participou de um único desfile em 1933, a reportagem do jornal “O Globo” relatada acima, deve ter se passado em 1932. Com base nestes dados supõe-se que o surdo tenha sido inventado nos dois últimos anos da década de 1920, no Estácio, e tenha se espalhado pelas outras escolas nos cinco primeiros anos da década de 1930. Uma questão de grande importância é o que levou os sambistas a introduzirem o surdo nas escolas de samba. Ao que tudo indica este fato ocorreu devido à necessidade de se cadenciar o desfile, e estimular os foliões a andarem sambando. Ismael Silva (1905-1978), um dos nomes mais importantes do novo samba do Estácio relatou a Sérgio Cabral (1996): “Quando comecei o samba não dava para os agrupamentos carnavalescos andarem nas ruas, conforme a gente vê hoje em dia. O estilo não dava para andar. Comecei a notar que havia esta coisa. O samba era assim: tan tantan tan tantan. Não dava. Como é que o bloco ia andar na rua assim?” Apesar de Ismael não ter se referido especificamente ao surdo, ele mostra a preocupação que o pessoal do Estácio tinha com a marcha do samba. Nei Lopes também ressalta esta necessidade de se cadenciar o desfile (1981, p. 52) relata: É certo hoje que o ritmo das primeiras embaixadas e escolas era bem diferente do das rodas de batucada (mais para jongo, talvez) e do samba de salão (mais maxixe que outra coisa) da Cidade Nova. E isto porque, saindo à rua em forma de procissão, de cortejo, o samba teve que ver seu ritmo adaptado às condições de marcha que as embaixadas e escolas empreendiam. Mais adiante o mesmo autor conclui: De tudo isto somos tentados a achar – conjecturas apenas – que a inclusão de bombos, surdos taróis e caixas de guerra no conjunto das escolas – o que veio sem dúvida imprimir um novo ritmo e uma nova cadência ao samba – pode ter sido influência das bandas de jazz dos anos 20, após a volta dos “Oito Batutas” da Europa em 1922 (bateria – drums – era coisa de jazz ou de banda militar). (LOPES, 1981, p. 54-55). O surdo se tornou o principal instrumento de marcação na bateria das escolas de samba. Ele é o “coração” das escolas, mantendo a pulsação do tempo (beat), além disso, sendo o primeiro instrumento que toca, é ele quem define o andamento do samba e conseqüentemente do desfile. No verbete surdo do dicionário de Percussão de Mário Frungillo é encontrado: Surdo é o nome de um tambor com duas peles, casco de madeira ou metal, suspenso por corda ao ombro e/ou pescoço do percussionista, tocado geralmente com uma só baqueta e a mão esquerda participando dos abafamentos ou percutindo a pele. Como tambor grave é essencial sua participação no samba brasileiro, seja em conjuntos comerciais folclóricos ou escolas de samba (FRUNGILLO, 2003, p. 315). Atualmente, com exceção da Mangueira, as escolas de samba possuem três tipos de surdo: os surdos de 1º ou marcação - que tem em média 24 polegadas, surdos de 2º ou resposta - com média de 22 polegadas e os surdos de 3º ou de corte ou centrador - que tem em média 20 polegadas. O surdo de 1º também chamado de “treme-terra”, “surdão” ou “maracanã” foi introduzido no samba pela Mangueira. Tocando no segundo tempo do compasso, cadencia o samba. Figura 13: Surdo de Primeira O surdo de 2º toca no primeiro tempo do compasso, respondendo o ataque do surdo de marcação. Figura 14: Surdo de Segunda E o surdo de 3º ou de corte que toca junto com o surdo de 1º, mas que também improvisa realizando várias outras figuras, e que é um dos principais responsáveis pelo balanço das baterias. Abaixo algumas das variações do surdo de 3º colhidas por Gonçalves e Costa. (2000, P. 20-21). Figura 15: Surdo de Terceira Como foi dito acima a Mangueira possui apenas dois tipos de surdo na sua bateria. Segundo Gonçalves e Costa, esta forma de organizar os surdos foi criada, por Lúcio Pato e executada pela primeira vez por Mestre Valdomiro (Ibidem, p. 50). Na Mangueira utilizam-se os surdos de 1° na marcação e os surdos-mór no corte. Este segundo tipo de surdo é um pouco menor e possui a pele afinada bem frouxa, toca normalmente no contra-tempo do segundo tempo e corta o ritmo com pequenas variações. Das escolas de samba para os pagodes de fundo de quintal, para os regionais e para os conjuntos de MPB, a utilização do surdo se difundiu para todas as formações e tipos de samba. Nos grupos menores normalmente apenas um surdo é tocado, sendo que o instrumentista utilizando a mão esquerda sobre a pele e o cabo da maceta percutida no aro, pode reduzir as figuras rítmicas dos três surdos à apenas um instrumento. O surdo não foi a única contribuição das escolas para o instrumental do samba, outros instrumentos como o reco-reco-de-mola foram também criados para os desfiles, e outros como o tamborim, a cuíca e os repiniques foram aperfeiçoados. As baterias das escolas também foram muito importantes no desenvolvimento da técnica para execução desses instrumentos, bem como para a definição de muitas de suas levadas. Fazendo jus ao nome, as escolas foram, e são ainda hoje, formadoras de novos músicos, sendo que muitos percussionistas que atuam no cenário da música profissional saíram das baterias das escolas de samba do Rio de Janeiro e de São Paulo. E por fim a última formação surgida no período de consolidação do samba, que foram os regionais. Como foi visto acima, no ano de 1929 foram gravados pela primeira vez instrumentos de percussão típicos do samba, como o tamborim, o surdo e a cuíca, juntamente com os violões e sopros. Esta gravação abriu as portas para um tipo de formação instrumental que iria se consolidar como a mais utilizada ao longo da historia do samba, o regional. Originados no final dos anos 20, os regionais tiveram o seu aparecimento vinculado ao mercado fonográfico brasileiro. Esses grupos nasceram da união dos instrumentos do terno do choro com os instrumentos de batucada do samba-de-morro ou samba urbano. Tinhorão na sua História Social da Música Brasileira relata o aparecimento de regionais como o “Gente do Morro” da gravadora Brunswick, que: [...] realizaram a fusão dos velhos grupos de choro à base de flauta, cavaquinho e violão, com a percussão dos sambas populares, herdeiros dos improvisos das rodas de batucadas. O que tais grupos viriam a realizar era o casamento da tradição do choro da pequena classe média com o samba das classes baixas (TINHORAO, 1998, p. 296-297). Tinhorão aponta o fato da crescente demanda por músicas e coisas do povo. Essa demanda está relacionada com a onda nacionalista que varreu o país nos anos 30 (Estado Novo, Gilberto Freyre, modernismo, etc.). Os regionais serviram de base para formações maiores com metais e cordas nas grandes orquestras das rádios e da televisão, e hoje em dia são utilizados por todos os cantores e grupos de samba. Os grupos de pagode, samba de mesa ou samba de raiz, nada mais são do que regionais, com alguns instrumentos acrescentados como as timbas, o banjo, o contrabaixo e a bateria. Nesses grupos surgiram outros tambores graves, que algumas vezes substituem ou auxiliam o surdo na marcação. Eles possuem vários nomes, como rebolo, timba e tantãn, e são tambores cônicos e compridos, com apenas uma pele variando entre 8 e 14 cm de diâmetro, tocados com as mãos. Esses tambores são tocados na posição horizontal, sendo que a mão que toca a pele é responsável pelos graves, e a outra mão toca no corpo do instrumento, respondendo com sons agudos. Os padrões de acompanhamento dos graves são os mesmos dos surdos. Finalizando esta seção estão o contrabaixo e a bateria. Esses dois instrumentos são facilmente encontrados integrando a seção rítmica dos grupos que tocam, não só o samba, mas também os estilos classificados a partir dos anos 60, sob o rótulo de MPB. No samba, até mesmo em conjuntos ditos “de raiz”, como o grupo carioca “Fundo de Quintal”, ou no trabalho de sambistas típicos como Cartola ou Dona Ivone Lara, o contrabaixo e a bateria estiveram e continuam a estar presentes, sendo utilizados tanto em shows, como em gravações. Mesmo sendo encontrados, até que com bastante freqüência, durante todas as fases da história do samba a partir dos anos 20 do século passado (o grupo “Os Oito Batutas” incluíram a bateria em sua formação em 1923), o contrabaixo e a bateria provavelmente só foram utilizados na execução do samba por influência, primeiramente do jazz e depois do roque. Rabecão, baixo-de-pau, baixo acústico, baixo, etc., são alguns dos nomes atribuídos ao contrabaixo acústico. Na enciclopédia Grove de música, encontra-se a seguinte definição de contrabaixo acústico (Double Bass): O maior e mais grave instrumento da família das cordas friccionadas com o arco em uso. Ele tem quatro e menos comumente cinco cordas e soa uma oitava abaixo que o violoncelo. Na música ocidental de concerto o contrabaixo é o responsável não apenas pelo peso e consistência do naipe de cordas, mas também pela condução rítmica (SADIE, 2001, vol. II, p. 849). Ele é utilizado também como contínuo, mas, na música de câmera o contrabaixo foi raramente usado, a não ser em formações maiores como o octeto de Schubert (WESTRUP; HARRISON, 1984, s/p). No jazz o contrabaixo foi utilizado em orquestras de Ragtime e pequenas orquestras de cordas a partir de 1890, e era tocado com o arco até os anos 20. Segundo Joachin Berendt, foi o contrabaixista e bandleader Bill Johnson, que em 1911 durante uma turnê, quebrou o seu arco e foi obrigado a tocar somente com os dedos (pizzicato), o resultado foi tão bom que a partir daí, não só Johnson, mas todos os baixistas começaram a utilizar a técnica de pizzicato no jazz (BERENDT, 1987, p.237). Até a década de 1930 o baixo sustentava o tempo marcando o 1º e 2º tempos do compasso e ocasionalmente dobrava o trombone ou o violoncelo em passagens melódicas ou pontes. Durante a época das gravações acústicas o baixo era constantemente substituído pela tuba, pois como seu volume era menor, era muito difícil de ouvi-lo nos discos, mas a partir de 1925, com o aparecimento da gravação elétrica o contrabaixo passa a ser utilizado também em gravações. No final da década de 1920, particularmente nas grandes formações e nas big bands embrionárias, o baixo começou a ser utilizado como base para seção rítmica e muitos tubistas mudaram para o baixo. Até os anos 30 do século passado os baixistas usavam as cordas com ação bem alta, tocando muito forte, praticamente puxando as cordas que batiam no espelho criando um efeito percussivo chamado de slap. Com a melhoria da amplificação foi possível aos baixistas abaixarem a ação das cordas, pois já não necessitavam puxá-las tão fortemente. Este fato permitiu maior agilidade e velocidade nas passagens musicais. A partir daí os baixistas começam não apenas a fazer a marcação do ritmo, mas também a dobrar o tema e a solar. A amplificação, o tamanho, o alto custo e as dificuldades técnicas eram um empecilho para quem se propunha a tocar o contrabaixo acústico, porém o seu lugar na seção rítmica dos grupos e orquestras que animavam os salões, bares e cafés da metade do século XX estava consolidado. Como alternativa ao contrabaixo acústico surge o contrabaixo elétrico, que além de ser mais leve, mais barato, e muito mais fácil tecnicamente de ser tocado, possuía o timbre e a tessitura semelhantes ao primeiro, cumprindo igualmente bem sua função na seção rítmica. O contrabaixo elétrico foi inventado pelo norte americano Leo Fender em 1951. O seu nome em inglês eletric bass guitar, indica a sua origem mais como uma guitarra-baixo do que como uma modificação do baixo-acústico. O primeiro modelo de baixo elétrico criado por Leo Fender foi o Precision Bass, inspirado na guitarra Telecaster. Um fator importante na época foi o aparecimento do roque, e com ele o crescente aumento da potência sonora das bandas, que tinham incorporado as guitarras distorcidas, e um ritmo mais enérgico e marcado na bateria. Diante desta nova realidade os baixistas não tinham mais como se fazerem ouvir, pois a microfonação e a captação de seu som grave oferecia (e ainda oferece!) muitos problemas para os músicos e técnicos de som. Já com o recém inventado baixo elétrico estes problemas desapareciam, pois este instrumento utilizava a captação semelhante às guitarras permitindo uma equiparação de sua potência sonora. O Precision Bass, como era de se imaginar, foi um grande sucesso, e nove anos mais tarde em 1960, Leo Fender cria o modelo de baixo elétrico que é considerado até hoje padrão de excelência em construção, qualidade sonora e facilidade de execução: o Fender Jazz Bass. Como o próprio nome indica, o Jazz Bass foi criado para atrair os músicos de jazz que ainda não tinham se deixado seduzir pelo Precision Bass, que possui uma sonoridade um pouco dura devido às freqüências médias predominantes no seu timbre. Os músicos do jazz tradicional não adotaram totalmente o baixo-elétrico, que por melhor que fosse não conseguia atingir o mesmo timbre do instrumento acústico, mas os grupos do chamado fusion, mistura do jazz com roque, soul e funk, passam a utilizar o Fender Jazz Bass com freqüência. Da década de 1960 em diante o baixo-elétrico passa a estar definitivamente inserido na seção rítmica do roque. Do roque para o soul, para o funk, o reggae, o folk, o country, o pop, etc., etc., o baixo-elétrico tornou-se presença obrigatória na seção rítmica de todos os estilos afro-americanos. A partir dos Estados Unidos ele foi rapidamente se espalhando pelo resto do mundo, exportado juntamente com a cultura americana. Apesar de possivelmente ter chegado a terras brasileiras já no séc. XVI junto com os primeiros colonizadores, o contrabaixo acústico tinha o seu uso limitado às músicas de concerto de origem européia. Na música popular existem poucos relatos de seu uso freqüente antes da década de 1930. No Samba e no Choro eram preferidos os violões e o extinto oficlide para realizarem as “baixarias”. Fazendo uma rápida análise do material iconográfico presente na bibliografia sobre o assunto, este autor encontrou apenas uma foto em que aparece um contrabaixo antes de 1940. Ele aparece sendo tocado por Bonfiglio de Oliveira em uma foto de 1912, tirada na chopperia La Concha que ficava na Lapa (CAZES, 1998, p. 55). Nas décadas de 1940 e 1950 o baixo acústico está presente em todas as fotos de bandas e orquestras, mas não nas dos pequenos grupos. Apenas com a Bossa nova é que o baixo, seja ele elétrico ou acústico, passa a estar presente em quase todas as fotos dos grupos da MPB, exceção feita aos grupos de Choro e aos regionais. A bateria é uma invenção afro-americana. Criada no início do séc. XX, a bateria surgiu da compactação de diversos instrumentos de percussão, de forma que todos pudessem ser tocados por um único músico. Segundo Tinhorão (1998 p. 252) foi uma invenção dos músicos negros do sul dos Estados Unidos. A bateria é composta de um bombo (ou bumbo), uma caixa clara, um par de pratos a pedal (Charleston), e pratos suspensos, admitindo outras percussões e acessórios subsidiários (como a vassourinha) de acordo com o estilo de música. O aparecimento da bateria foi possível pela invenção, no final do séc. XIX, dos pedais e dos pratos suspensos, livrando as mãos do executante. Inicialmente criados para efeitos sonoros nas rádios (traps) e nos teatros esses instrumentos foram logo incorporados pelos músicos no acompanhamento rítmico e como efeito expressivo em certas passagens musicais. O primeiro pedal foi inventado por Cornelius Ward em 1850 para ser usado em um instrumento chamado Lithofone. Em 1909 a fabricante Ludwig adapta o pedal para tocar o bumbo e os pratos de contratempo (hihat, chimbal, charleston). No início nem todos os bateristas utilizavam o pedal no bumbo, alguns tocavam com o lado oposto da baqueta que utilizavam na caixa, numa técnica conhecida como double drummin, ou com o próprio pé. A partir da década de 1920 o pedal no bumbo se estandardiza. Nos anos 20 e 30 do século passado os bateristas de jazz e de bandas de baile experimentam uma série de instrumentos como, buzinas, tábuas de lavar roupa, sirenes, etc., buscando formas de expandir a sonoridade do instrumento. A maioria desses instrumentos foi deixada de lado com exceção do tom-tom chinês e dos pratos turcos. A partir da década de 1940, na era do be-bop, a bateria atingiu a sua forma clássica: um bumbo operado por pedal, com ton-tons acoplados, pratos suspensos, um par de pratos operados por pedal, um tom-tom de chão e uma caixa clara. A partir da Primeira Grande Guerra através do rádio e do cinema começam a chegar ao Brasil às últimas novidades da música e da dança norte-americanas. Os Foxtrots, Ragtimes, Shimmies, Charlestons, one-steps, etc., passam a ter presença obrigatória no repertório dos grupos que animavam as festas e os salões de baile da crescente burguesia cosmopolita. Instrumento indispensável para a execução fiel desses novos ritmos, a bateria é incorporada ao instrumental das bandas da época, que não queriam ficar desatualizadas frente às novidades. Com a bateria esses grupos adotam o nome de Jazz Bands. Nome da moda e verdadeira mania nacional nas décadas de 1920 e 1930, as jazz bands influenciaram até os grupos da zona rural e das regiões distantes do eixo Rio - São Paulo. O próprio Pixinguinha retornando com “Os Oito Batutas” de uma turnê à Argentina, resolve modernizar o grupo, e no dia 23 de agosto de 1923 ele estréia a “Bi – Orquestra Os Batutas”. Nome curioso, que se explicava pelo fato do grupo tocar tanto o repertório nacional (sambas, maxixes, choros, etc.) como as novidades da música norte-americana. Foram acrescentados ao grupo um piano, um pistão, um trombone, um saxofone e uma bateria. A partir dessa época a bateria foi definitivamente incorporada pelos músicos brasileiros, que aos poucos foram adaptando os ritmos nacionais ao novo instrumento. 3.3 A Linha de Baixo O baixo no samba nasceu europeu, e se nacionalizou através do sotaque africano. Apesar de normalmente os elementos rítmicos do acompanhamento da música popular estarem associados às influências da herança africana, a marcação regular e acentuada nos graves, encontrada hoje em todos os gêneros da música popular, é uma tradição européia. Os acentos regulares nos graves, reforçando os tempos fortes, tão comuns na música européia, não existem na musica africana, onde a pulsação é dada por sons agudos em subdivisões curtas dos tempos. Na cultura musical africana os sons graves não são utilizados na marcação, pois os tambores de som grave normalmente só improvisam, dialogando com os bailarinos e pontuando as cerimônias religiosas. Já nas marchas, valsas, polcas, mazurcas e nos toques marciais utilizados nas paradas e desfiles, os tempos fortes são reforçados pelos graves de forma constante e regular, definindo o compasso e o andamento. Como todos estes estilos de danças européias são exclusivamente tonais, há também a necessidade de um baixo que defina os acordes e a marcha harmônica. O fato é que foram justamente essas danças de salão européias e a música das bandas militares que serviram de ponto de partida para o desenvolvimento do maxixe, e essa nova música nasce com os tempos fortes marcados pelos baixos. Porém, o baixo no samba é basicamente sincopado, o que não ocorre na música européia, e isto é claramente uma influência africana. Mário de Andrade (1989) diz que a síncope pode ser encontrada em vários momentos da música européia, mas nunca no acompanhamento. Então, o baixo no samba compartilha de todos os significados atribuídos ao termo “baixo” que foram definidos no capitulo anterior, pois é herdeiro das mesmas tradições; mas, “a linha de baixo no samba” apresenta características rítmicas e de instrumentação bem diversas da musica européia, por causa da influência africana. Não sendo europeu na aparência, e nem africano na origem, o baixo no samba apresenta-se como um produto tipicamente nacional, brasileiro. A linha de baixo no maxixe e no samba do ponto de vista harmônico, melódico, e formal não apresenta diferenças consideráveis das linhas de baixo européias. O uso de fundamentais e quintas, as notas de aproximação, as inversões, os cromatismos, os pedais e ostinatos, estão presentes no samba, da mesma forma que em toda a música ocidental. A característica principal do baixo do samba é o deslocamento do acento do primeiro para o segundo tempo do compasso 2/4. Este deslocamento pode ser tão realçado que muitas vezes ocorre a ausência completa do baixo no primeiro tempo, sendo tocada apenas uma semínima acentuada no segundo tempo. Este acento é normalmente marcado por todos os instrumentos que realizam o baixo. Mas, esta característica do baixo acentuado no segundo tempo não está presente em todos os estilos de samba, no maxixe isto não acontece, e na bossa nova é bem pouco evidente. Ao que tudo indica este acento surgiu juntamente com o surdo no final da década de 1920, como uma maneira de se cadenciar os desfiles das escolas de samba, e, na opinião deste autor, foi uma das novidades mais importantes implementadas pelos bambas do Estácio, que contribuíram na transformação do maxixe em samba. Antes do aparecimento deste baixo acentuado no segundo tempo havia o baixo destacado do maxixe e as baixarias do choro. Uma das principais características do maxixe era a sua baixaria. Como foi visto acima no depoimento do maestro Guerra Peixe (1954, p. 18 apud FRANCESCHI, 2002 p.153-154), esse baixo tinha tamanho destaque, que muitas vezes assumia a função de melodia principal de um trecho, sendo tocado em uníssono pelos instrumentos graves. Esta forma de se estruturar o baixo no maxixe será chamada nesta pesquisa de baixo temático. Ritmicamente o baixo do maxixe já apresenta as figuras sincopadas e pontuadas tão características da nossa música, sendo bastante comuns as figuras de semicolcheia/colcheia/semicolcheia nas frases preparatórias e de finalização. Da mesma forma proposta no capítulo anterior, as linhas de baixo do maxixe e do samba serão divididas em melódicas e rítmicas. A linha de baixo melódica é tradicionalmente associada ao chorinho através das baixarias do violão sete cordas, mas suas origens são anteriores a este gênero e podem ser encontradas na forma de execução dos grupos populares da segunda metade do século XIX, que ficaram conhecidos como chorões. O baixo contrapontístico e melódico, ou como classifica o musicólogo Bruno Kiefer (1983, p. 15 e 23) o baixo cantante, tão característico do choro, foi e é amplamente utilizada no maxixe e no samba. Funcionando como uma segunda melodia, a linha de baixo do choro, além de dialogar com a melodia principal define a harmonia conectando os acordes. É um tipo de linha muito ornamentada, com grande quantidade de notas, fazendo uso constante de semicolcheias e de tercinas, executada entre o C3 e o C1, e por isso soando bem em instrumentos que, como o violão e o bombardino, possuem nos registros médio-graves a sua melhor sonoridade. Este tipo de linha ficou conhecido como “baixaria do choro”, ou apenas “baixaria”. Abaixo está transcrita a parte de bombardino do samba carnavalesco “Bumba meu Boi”, que ilustra bem a baixaria: Figura 16: Baixaria do Choro 1 E, também nesta transcrição da linha de violão do maxixe “Os Oito batutas”. Figura 17: Baixaria do Choro 2 A linha rítmica é mais simples e marcada. Ela faz uso basicamente dos baixos e das quintas dos acordes tocados nas cabeças de tempo, e varia sobre os padrões rítmicos originados das semínimas e colcheias, com algumas figuras pontuadas. Esse segundo tipo de linha soa melhor nos registros mais graves, e é normalmente escrita entre o E-1 e o C2. A linha rítmica na sua forma básica aparece na linha da mão esquerda das partes para piano da época do maxixe; nas linhas realizadas pelos contrabaixos nas décadas de 1930, 40 e 50, e na bossa nova; nos surdos das escolas de samba, nos pandeiros, e em diversos momentos em que se necessita de uma base discreta e segura. Abaixo está transcrita a linha da tuba da terceira parte do maxixe “Será Possível” gravado em 1902, que ilustra este tipo de baixo. Figura 18: Baixo rítmico 1 E também nesses primeiros compassos da parte B da polca “Ignez”, um exemplo de como este tipo baixo pode ser simples e eficiente. Figura 19: Baixo rítmico 2 Assim como na música erudita, a linha melódica normalmente é realizada pelos instrumentos baixos, e a rítmica pelos instrumentos contrabaixos. Ao longo da história do samba foram se consolidando algumas duplas clássicas desses dois tipos de instrumento. No choro temos: violão sete cordas/violão, oficlide/violão; no maxixe, tuba/bombardino, piano/violão; no samba, surdo de primeira/surdo de corte, surdo/violão, contrabaixo/violão, bateria/baixo. Ocorre que muitas vezes apenas um único instrumento alterna entre os dois tipos de linha. O caráter da linha de baixo é obtido através de um equilíbrio entre esses dois tipos de linha. Normalmente nas introduções instrumentais e nos refrões a linha de baixo melódica tem mais destaque reforçando o arranjo, e nos temas passa a ser mais marcada e simples, destacando a melodia e sedimentando a base. No samba maxixado estes dois tipos de linha também ocorrem, e até o inicio da década de 1930 não se notam diferenças palpáveis na forma de se estruturar o baixo entre o maxixe e o samba. Com o aparecimento do surdo tocado inicialmente apenas com uma batida no segundo tempo do compasso, é que ocorre uma transformação nas levadas do baixo do samba. Como foi apontado acima, este fortalecimento do segundo tempo ocasionou um primeiro tempo fraco, muitas vezes não tocado nos graves. Então, o segundo tempo se torna acentuado com notas cheias, tocadas em regiões mais graves; e o primeiro tempo com notas mais curtas e abafadas, como se pode notar no exemplo abaixo. Figura 20: Acento do Samba 1 Abaixo está exemplificada no primeiro pentagrama batida básica do surdo, e no segundo como ela é traduzida na linha do contrabaixo. Os segundos compassos apresentam o tempo um não tocado. Figura 21: Acento do Samba 2 Não foi encontrada nenhuma informação que explique a razão pela qual os sambistas da época inventaram esta forma característica de tocar, já que todos os relatos encontrados são sobre o aparecimento do surdo, mas, não sobre como surgiu a forma de tocá-lo. O autor deste trabalho acredita que este tipo de marcação nos graves seja uma herança das bandas militares, tanto por estarem historicamente relacionadas com as origens do samba, como pela forma com que o tambor surdo e o bombo são tocados nos toques marciais. Abaixo estão reproduzidos dois desses toques extraídos do método “Ritmos Brasileiros e seus Instrumentos de Percussão” de Edgard Rocca o “Bituca” (c1986, p.55), onde se pode reparar que o bombo e o tambor surdo tocam de maneira idêntica aos surdos de primeira nas escolas de samba: Figura 22: Levadas Marciais Indo ao encontro desta suspeita está o depoimento do percussionista Mestre Marçal (1930-1994), sobre as escolas de samba de sua infância: “A bateria saía com três surdos fazendo a mesma coisa, não tinha segunda. Todos os três fazendo o que ainda faz a Mangueira.” (CABRAL, 1996, p. 101-102) Ou seja, no início o surdo das escolas tinha um toque idêntico ao segundo toque marcial apresentado acima. Aparentemente pode ser estranho relacionar um toque marcial a uma música festiva e balançada como o samba, no entanto, alguns pontos devem ser levados em consideração. Primeiramente havia uma necessidade real de se disciplinar a marcha, e foi com esta finalidade, ainda que intuitivamente, que os sambistas introduziram a marcação marcial nos desfiles. No entanto, os outros elementos rítmicos e melódicos mantiveram suas características originais, com muitas síncopes e contratempos, amenizando a característica marcial dos surdos. Na música marcial apenas os tambores graves acentuam o segundo tempo, sendo que o tempo forte continua no primeiro tempo, com a melodia e o acompanhamento apresentando características cométricas, dentro da tradição européia. No samba toda a orientação melódica e rítmica da música induzia a não acentuação dos tempos, os surdos acentuando no segundo tempo do 2/4, acabaram por inverter a relação primeiro tempo forte/segundo tempo fraco, transformando o segundo tempo no tempo forte. Deslocando o acento forte do primeiro para o segundo tempo o baixo no samba torna-se sincopado, como comprova esta definição de síncope do Dicionário Zahar de Música: Deslocamento do acento rítmico normal do tempo forte de um compasso para outro que usualmente tem batida fraca. Isso pode ser realizado marcando-se as notas fracas com um sinal de acento, substituindo-se as notas normalmente acentuadas por pausas ou se prolongando uma nota que ocorre pela primeira vez em uma batida fraca até uma posição acentuada. (DICIONÁRIO, 1985, p. 353, grifos nossos). Mário de Andrade (1989, p. 476) discorre longamente sobre a síncope, apontando que, apesar dela também estar presente em toda música européia, o seu uso tem razões diversas da música popular, sendo que nesta última ela é aplicada de maneira “imediata, constante e diretamente coreográfica”, e por isso mesmo aparece frequentemente nos acompanhamentos, o que não ocorre na música erudita. Outro fato importante é que com o passar do tempo foram surgindo algumas variações do toque original dos surdos de primeira, que eram utilizadas principalmente para ressaltar as quadraturas e outros elementos formais da música. Essas variações sincopavam ainda mais o toque, causando uma sensação de suspensão no ritmo, “pendurando” a levada. Abaixo estão representadas algumas destas preparações: Figura 23: Preparações do Surdo de Primeira O toque dos surdos se estabeleceu nas escolas e se propagou para as outras formações do samba. Nos instrumentos que realizam o baixo ele se adaptou sendo reproduzido quando o segundo tempo é acentuado por meio da quinta do acorde tocada abaixo da tônica. Figura 24: Contrabaixo no Samba Como foi visto na parte dedicada à estruturação da linha de baixo, existem procedimentos rítmicos e melódicos bastante comuns na elaboração dos baixos. Estes procedimentos podem ser gerais, como por exemplo, o uso das fundamentais e quintas, ou específicos a um gênero, como o acento no segundo tempo do 2/4 no samba. No próximo capítulo serão definidos alguns padrões, e apontado o seu uso nos exemplos musicais. 4. Transcrições Comentadas 4.1 Observações Nas transcrições que se seguem foram pesquisados dois tipos de fontes: partituras e fonogramas. As partituras podem ser impressas ou manuscritas; as impressas são todas para piano, e as manuscritas são as partes dos instrumentos graves extraídas de arranjos para bandas e pequenos conjuntos. Os exemplos estudados foram coletados de três publicações. A primeira chama-se “A Casa Edson e seu Tempo” (2002), e é composta de um livro contendo quatro CDs de áudio e cinco CDROMs, com documentos e partituras. Desta publicação foram copiadas partituras para piano, bem como partes de baixo e contrabaixo de arranjos originais da época. A segunda publicação chama-se “Memórias Musicais” (2002) e consiste em quinze CDs contendo fonogramas de 1902 a 1930, destes CDs foram transcritas as linhas de baixo analisadas nesta parte da pesquisa. Estas duas publicações são do selo “Biscoito Fino”. E por fim, a coleção “História do samba” da editora Globo (1997), que contém quarenta e dois CDs, de onde foram extraídos alguns exemplos. Existem algumas ressalvas em relação à representatividade dos exemplos, tanto impressos como gravados, como retratos fiéis de como a música era executada. Na verdade essas ressalvas não estão restritas a este caso especifico, mas estão presentes em vários aspectos dos trabalhos de musicologia e análise. Primeiramente em relação às partituras para piano. Normalmente estas partituras eram dirigidas para um público pertencente às classes sociais mais elevadas, que possuíam piano em casa, piano este, que na grande maioria das vezes era tocado apenas pelas moças de família. Essas moças não eram profissionais, e provavelmente além das limitações técnicas, deveriam ter menos intimidade com o sotaque e com o balanço dos ritmos populares de dança, principalmente os de origem negra. O quanto essas partituras eram adaptadas de forma a se tornar mais fácil a execução dos ritmos e do acompanhamento é difícil de precisar, pois não foram encontradas gravações apenas com piano, a fim de que pudesse ser comparada a forma que os pianistas da época tocavam, com os acompanhamentos impressos nas partituras. Um segundo fator é a questão da interpretação da partitura. É fato que a notação musical não é precisa, e no caso da música popular, pouco afeita ao uso de partituras, podem-se cometer enganos consideráveis nas análises interpretativas, se não forem levadas em conta as particularidades de cada estilo. Nas partituras analisadas, tanto impressas como manuscritas, as indicações de andamento aparecem raramente, e menos ainda os sinais de interpretação, tais como pontos, acentos, ligaduras, etc. As únicas indicações encontradas são as de estilo, que conforme já foi comentado, são pouco precisas. Por este provável distanciamento que as partituras apresentam em relação à música executada, é que as gravações se apresentam como retratos mais fiéis da sonoridade das músicas da época. No entanto, a utilização dos fonogramas também apresenta restrições. Um primeiro fator são as limitações técnicas das gravações da época, que captavam mal os sons, principalmente os graves, dificultando a escuta da linha de baixo. Soma-se a isso o fato de que os estúdios de gravação não eram capazes de abrigar grandes formações, tanto pelo espaço físico das salas, como pelas possibilidades da aparelhagem, o que implicava numa redução do tamanho dos grupos, prejudicando ainda mais o peso dos graves. Logo nas primeiras gravações analisadas, por exemplo, temos uma versão compacta da Banda do Corpo de Bombeiros, já que a formação completa não caberia no estúdio da Casa Edson. Estas modificações na formação original dos grupos, a fim de que se adaptassem às condições técnicas da época, provavelmente não eram as únicas mudanças sofridas na sonoridade dos mesmos. Mudanças na forma de execução das polcas, maxixes e tangos, que ocorriam conforme a audiência, também deviam ser freqüentes. Uma polca tocada para ser ouvida em uma festa oficial, com certeza deveria ser interpretada de forma diferente quando tocada em um baile da Cidade Nova. Tinhorão observa estas diferentes interpretações quando analisa os grupos de chorões. Quando esses conjuntos de choro eram chamados a tocar em casas de família respeitáveis (embora modestas), as polcas, valsas e mazurcas ainda soavam com uma certa contenção, muito próxima da execução que tinham à vista das partituras, nos salões onde imperavam os pianos. Se, porém, o mesmo grupo tocava em bailes de algum clube popular ou em casas de porta e janela da gente mais heterogênea da Cidade Nova, aí a interpretação tinha que ser diferente. (TINHORÃO, 1978, p.62) As gravações também tinham o seu público alvo, e assim como hoje em dia, os maestros e produtores direcionavam seus músicos para oferecer um produto que estivesse de acordo com este público. Novamente Tinhorão tem a palavra ao abordar a sonoridade das gravações, em um comentário sobre os primeiros sambas gravados: “A criação do samba, entretanto, inicialmente muito preso aos requebrados do maxixe (ao menos como apareciam quando gravados em disco) [...]” (TINHORAO, 1978, p. 126). Mesmo com estas duas ressalvas em relação à sonoridade captada pelas gravações antigas (e de certa forma também as modernas), elas ainda são as fontes mais fidedignas, quando se quer recriar as músicas do início do século XX. Com relação à datação das partituras também houve problemas, pois, na maioria das vezes, as partituras para piano não possuem a data da edição, fato apontado por Kiefer (1990, p. 19), “o que dificulta a pesquisa histórica das musicas de salão do século passado [século XIX] é o fato de, praticamente, nenhuma partitura trazer a indicação do ano de impressão.” Este período pode ser estendido até o início os anos 20 do século XX, época em que já se encontram algumas poucas partituras datadas para piano. Nas partituras manuscritas dos arranjos para bandas e orquestrinhas, as datas aparecem com um pouco mais de freqüência, ainda que dos quase 70 arranjos pesquisados, apenas 11 são datados, com datas indo de 1911 a 1924. Por esse motivo não se pôde precisar com certeza a data do início do período analisado, mas, sabendo que as partituras provêm do arquivo de Frederico Figner, fundador da Casa Edson, e que este iniciou suas gravações de música brasileira no ano de 1897, acredita-se que seu arquivo tenha se iniciado por esta época. Os fonogramas, por sua vez, são todos datados, além de contarem com informações sobre o estilo da música executada e o nome dos grupos e cantores. A ausência de dados nas gravações é sentida na ficha técnica, que não apresenta o nome dos músicos participantes, e nem os instrumentos utilizados. Por se tratarem de linhas de baixo, nas quais o conteúdo melódico é sempre muito simples, não foi utilizada uma técnica de análise musical específica. Apenas foram definidas algumas soluções melódicas recorrentes e apontados os principais padrões rítmicos. Abaixo está reproduzida uma tabela com algumas células que são frequentemente encontradas na elaboração das linhas do maxixe e do samba, com o intuito de facilitar as análises que se seguem. Tabela 1: Células estruturais do baixo no Maxixe e no Samba Tipo de baixo Exemplo Padrão Melódico Fundamental/quinta grave Fundamental/quinta aguda Fundamental/oitava grave Fundamental/oitava aguda Padrão Rítmico Rítmico simples Rítmico pontuado Rítmico acentuado Frases Síncope do maxixe Síncope do samba 4.2 Partituras impressas para Piano Foram analisadas 89 partituras para piano, todas trazendo indicações de estilo e ritmos relacionados com o maxixe e com o samba. Os nomes dados para os estilos são bem variados, mas podem ser separados em quatro grupos básicos, são eles: tango, polca, samba e maxixe. A esses nomes eram geralmente acrescentados outros, originando nomes compostos, alguns bastante curiosos. Entre outros podem ser citados: maxixe de salão, samba da moda, samba-característico, samba carnavalesco, samba-brasileiro, samba-cateretê, rico-samba, tango-cateretê, tanguinho-sertanejo, polca-marcha, etc. Eram comuns também indicações do caráter da peça, ou para que função a música servia, aparecendo frases como: “para ser cantado”, ou “para ser dançado a moda argentina”, “muito próprio para serenatas”, “grande sucesso no carnaval de 1922”, etc. Outro fato interessante é que a quase totalidade das partituras analisadas eram dedicadas a alguém ou a algum clube ou sociedade carnavalesca. Considerando apenas as quatro designações de gênero básicas, os 89 exemplos analisados se dividem em: 34 tangos, 24 Sambas, 18 Polcas, 13 Maxixes. Foi feito um levantamento dos ritmos utilizados no baixo das 89 partituras analisadas, e foram transcritos trechos de sete delas para o trabalho. Analisando o acompanhamento dessas músicas, ou seja, a “mão esquerda” dos arranjos, na grande maioria das vezes encontra-se uma mistura de linha de baixo e acordes, sendo que o baixo aparece sempre na cabeça dos tempos e os acordes nos contratempos e síncopes. Abaixo estão algumas formas comuns de acompanhamento segundo este modelo: Figura 25: Mão esquerda, baixo+acordes. Em apenas em alguns casos (geralmente nas introduções) são encontrados somente a linha de baixo na mão esquerda e os acordes na direita. Este procedimento se deve ao baixo temático, que por ser a melodia principal, deixa a mão direita livre para tocar apenas os acordes, ficando o baixo na esquerda, que pode realizá-lo com maior destaque, como nos exemplos abaixo: Figura 26: Mão esquerda, só baixo. Figura 27: Mão esquerda, baixo dobrado. E, em alguns casos, havia formas híbridas onde os procedimentos se misturavam: Figura 28: Mão esquerda, baixo híbrido. Como foi visto acima as linhas de baixo são basicamente constituídas de pequenas células rítmicas e/ou melódicas, que se repetem formando padrões. Este procedimento se aplica ao acompanhamento como um todo, e pode ser observado em todas as partituras analisadas. Nestes arranjos a mão esquerda é composta basicamente por esses padrões de acompanhamento, intercalados por frases melódicas de preparação, conexão ou finalização. Isolando-se apenas o ritmo desses padrões de acompanhamentos da mão esquerda, foram encontradas onze células distintas. Abaixo está elaborado um quadro com a freqüência que cada uma delas aparece. Tabela 2 – Principais Padrões Rítmicos de Acompanhamento do Maxixe ao Piano Número Padrões Rítmicos Freqüência 1 55 vezes 2 18 vezes 3 14 vezes 4 11 vezes 5 9 vezes 6 5 vezes 7 2 vezes 8 2 vezes 9 1 vez 10 1 vez 11 1 vez Na maioria dos casos encontra-se mais de um padrão numa mesma composição, que estão divididos conforme as partes da composição: parte A, parte B, introdução, refrão, etc. O padrão 1 é encontrado na maior parte dos exemplos, e talvez seja o ritmo mais característico do maxixe. Mario de Andrade (ANDRADE, 1989, p. 476) no verbete síncope de seu dicionário, sugere uma etimologia para este ritmo, que seria uma transformação das colcheias da polca, através do ritmo pontuado da habanera, Em segundo lugar no número de ocorrências esta o padrão 2, que é o ritmo da habanera, e em terceiro o padrão 3, que aparece basicamente nas em peças classificadas como polcas. Este padrão 3 é uma variação do ritmo da polca européia apresentado por Kiefer e reproduzido na fig. 11, no capitulo II. O fato dos padrões 2 e 3 aparecerem com bastante freqüência, pode ser relacionado com a tese de Mário de Andrade que sugere o maxixe como originado da fusão da habanera com a polca. Com exceção dos padrões 3, 10 e 11, que foram encontrados basicamente em polcas (o padrão 3 das 14 vezes que aparece, 12 vezes são em polcas e 2 vezes em maxixes), não se tornou evidente alguma relação entre os padrões rítmicos e os estilos indicados nas partituras, reforçando a afirmação de que os estilos não eram sistematizados na época. É interessante notar que o padrão 11 que apresenta o ritmo da polca européia, conforme apontado por Kiefer(1990, p.16), é bem pouco utilizado. Este fato demonstra claramente o quanto o ritmo europeu já havia se transformado, desde de sua aparição no Brasil em meados do século XIX Os números da primeira coluna que classificam os padrões rítmicos serão utilizados daqui em diante, quando forem feitas referências aos mesmos. 4.2.1 Amapá Compositor: J. Storoni Estilo: Tango Observações: Dançado com grande sucesso em Paris, pelo Snr. Duque O baixo temático na introdução e no A desta composição não deixa duvidas de que se trata de um maxixe. Abaixo estão transcritos os quatro compassos da introdução: Figura 29: Amapá – Introdução. Sobre uma progressão Im7 e V7 o baixo é estruturado pelo padrão 5, sendo que nas semicolcheias aparece sempre o quinto grau da tonalidade, funcionando como um pedal. Esta forma característica de se estruturar o baixo é encontrada em diversos maxixes, inclusive no famoso, “Gaúcho” de Chiquinha Gonzaga. A linha se repete nos quatro primeiros compassos do A, sendo que nos quatro últimos ela passa para padrão 1, que como foi visto na tabela 1, é a figura rítmica mais encontrada nos acompanhamentos de piano para os tangos, sambas e maxixes da virada do século XIX para o XX. Abaixo está o padrão da segunda metade do A. Figura 30: Amapá – parte A Na grande maioria dos casos estudados, o padrão 1 geralmente é encontrado com baixo e acordes, mas no exemplo acima ocorre apenas o baixo. Na parte B da composição a mão esquerda apresenta baixo e acordes, o padrão rítmico utilizado é o 2, que como foi apontado anteriormente, possui o ritmo de habanera, Figura 31: Amapá – parte B Na terceira parte da composição aparece uma figura de semicolcheias menos comum nas partes de piano (encontrada apenas em mais um arranjo), mas, que de certa forma, remete as baixarias de violão dos chorões. Figura 32: Amapá – parte C 4.2.2 Bumba meu boi Compositor: F. J. Freire Junior Estilo: Samba Carnavalesco Observações: Ao endiabrado carnavalesco “Chico Bricio” Neste samba de Freire Junior na introdução os baixos são dobrados em oitavas, apresentando diversas síncopes e figuras pontuadas. Notam-se duas frases distintas, que se repetem duas vezes: a primeira do elevare ao terceiro compasso, e a segunda do quarto ao sétimo compasso. Esta frase apresenta um ritmo que liga o primeiro com o segundo tempo, isto não é muito comum no acompanhamento do maxixe, e se apresenta como um padrão intermediário entre a síncope do maxixe e a do samba. Figura 33: Bumba-meu-Boi – Introdução. Ainda na parte A, misturam-se baixos dobrados e baixo+acordes. Figura 34: Bumba-meu-Boi – parte A. 4.2.3 As Sapequinhas Compositor: música de Luiz Nunes Sampaio (careca), letra de K. K. Reco Estilo: Samba Carnavalesco Observações: Grande sucesso da orquestra Mario Cardozo; homenagem ao carnavalesco Miguel Cavanelas. Na introdução aparece, mais uma vez o padrão 1. Figura 35: As Sapequinhas – Introdução. E na primeira parte o padrão 2. Figura 36: As Sapequinhas – parte A Sendo que uma figura de quatro colcheias é inserida entre as quadraturas, preparando a nova frase. Figura 37: As Sapequinhas – preparação. É interessante notar que as colcheias tocadas de forma cométrica, como no primeiro compasso do exemplo acima, são bastante utilizadas no samba atual, quando se quer preparar ou finalizar um período. Tratando-se de uma música basicamente sincopada, o samba e suas variações, têm nas figuras cométricas, ou como dizem os músicos nos ritmos “no chão”, o contraste para as síncopes, o que cadencia e marca as passagens e viradas entre os períodos e frases. 4.2.4 Custe o que Custar Compositor: J. B. Silva (Sinhô) Estilo: Samba Observações: Oferecido ao Club dos Fenianos e aos queixosos, ao Brisa Na introdução aparecem os padrões rítmicos 1,6 e 5. Figura 38: Custe o que Custar – Introdução. Nas partes A e no refrão o acompanhamento não apresenta novidades sendo estruturado pelo padrão 1, com baixo e acordes. Numa ponte instrumental é que aparece o acompanhamento abaixo, com o baixo apresentando o padrão 5, e uma “resposta” de semicolcheias na mão direita, que atualmente é bastante utilizada como ritmo típico do maxixe. Figura 39: Custe o que Custar - ponte 4.2.5 De Bocca em Bocca! Compositor: J. B. Silva (Sinhô) Estilo: Samba do partido alto Observações: Dedicado ao Estado de Pernambuco e offerecido aos dignos pelotários do Frontão Carioca. A introdução deste samba apresenta o padrão 1 com o característico baixo nas cabeças de tempo e acordes nos contratempos, aliás, acompanhamento bastante empregado em todas composições de Sinhô. O acompanhamento nas partes A e B, apresenta um procedimento não muito comum, que é a ausência padrões que se repetem, utilizando principalmente o padrão 1, mas variando a quase todo compasso. Figura 40: De Bocca em Bocca! – parte A 4.2.6 Domingo eu vou lá Compositor: J. L. de Moraes Estilo: maxixe Observações: offerecido ao Dr. Veriato Corrêa Se for comparada a linha de baixo, ou a própria mão esquerda deste maxixe, com os sambas acima transcritos não serão encontradas diferenças substanciais: o padrão 5 com o baixo em oitavas, e o padrão 1 com baixo e acordes. Apenas a mão direita é que apresenta nos dois primeiros compassos uma célula rítmica diferente. Figura 41: Domingo eu vou lá 4.2.7 Um banho de Hervas! Compositor: música de José Francisco de Freitas, letra de Maria da Silva. Estilo: samba original chula baiana à moda de Gravatá. Observações: Dedicado ao exímio pianista Oswaldo Cardoso de Menezes Mais uma vez o padrão 1 com baixo e acordes, nenhuma novidade. Figura 42: Um bando de Hervas! Em todos os exemplos analisados, quando é isolado apenas o baixo, surge uma linha bastante simples com os baixos e as quintas dos acordes tocados com notas curtas nas cabeças de tempo. As únicas exceções são os baixos temáticos. 4.3 Partituras Manuscritas A seguir serão analisadas as partituras dos arranjos para bandas e pequenas orquestras, fotografados do arquivo de Frederico Figner, e publicados nos CDROMs do livro “A Casa Edson e seu Tempo”(2002). São centenas de arranjos, a grande maioria deles manuscrita, contendo apenas as partes individuais de cada instrumento (dos 63 arranjos por nós analisados apenas um tinha a grade, e apenas dois eram impressos). A primeira coisa que chamou a atenção quando foi iniciada a pesquisa com este material, foi que todas as partes individuais tinham o nome de algum instrumento (flautim, sax alto, cello, bombardino, bumbo, trombone, etc., etc.), mas, nas partes mais graves, vinha indicado apenas “contrabaixo”. O termo contrabaixo é encontrado sempre abreviado, em outro idioma, ou acompanhado de alguma indicação de que a parte estava transposta. Ao todo foram encontradas sete formas diferentes de se indicar o baixo na partitura. Nos arranjos para formações semelhantes às bandas militares, com uma instrumentação geralmente composta por madeiras, metais e percussão de banda (caixa e bumbo), a parte mais grave do baixo, o baixo rítmico, vinha indicada como: “c. baixo em Eb” ou “c.baixo em Bb”, sendo que na maioria das vezes esses arranjos tinham uma parte para cada um desses dois tons. Nos grupos que continham cordas, geralmente violinos e violoncelos, ainda que misturadas aos metais, os nomes eram: baixo, basso, c. baixo, baixo em C, e c. basso, ou seja, nenhum instrumento transpositor. A conclusão é lógica e esperada: nas bandas de metais utilizavam-se os vários instrumentos graves de bocal (bombardão, saxhorn, oficlide, helicon, tuba, etc.); e nas formações mais leves, com madeiras e cordas, o contrabaixo acústico. Os outros instrumentos normalmente relacionados à linha de baixo melódica, como o bombardino, o trombone e o sax barítono, eram sempre nomeados. O fato de não vir indicado qual instrumento deveria ser utilizado para realização do baixo não é novidade, como foi visto no capítulo I (p.9), este procedimento foi comum em diversos períodos da história da música, popular e erudita. O que ocorre é que todos os instrumentos graves das diversas famílias são genericamente chamados de baixos ou contrabaixos. No caso dos metais a confusão é ainda maior, pois existem vários tipos de instrumentos atuando nos baixos, como, por exemplo, a tuba, o saxhorn, o oficlide, o helicon, entre outros, e normalmente o critério da escolha fica ao encargo do instrumentista ou do maestro. Através da consulta dos manuais de orquestração, conclui-se que os instrumentos utilizados pelas bandas de metais brasileiras da virada do século XIX para o XX eram saxhorns, sendo que o saxhorn baixo em C ou Bb é conhecido também por bombardino, ou eufônio; e o saxhorn contrabaixo em C ou Eb por bombardão, helicon, ou tuba. Nesta pesquisa os instrumentos desta grande família serão chamados genericamente de tuba, sendo que o termo “contrabaixo” será usado apenas para o baixo da família das cordas. Outro fato que merece destaque é que, segundo relatos da época, era prática comum os arranjadores e maestros não escreverem a grade dos arranjos (o próprio Pixinguinha trabalhava desta maneira), prova disto é que dos 63 arranjos analisados apenas um tinha a grade. O interessante é que justamente nesta grade, é que foi encontrado, pela única vez, um metal grave indicado pelo seu nome, o helicon, que vinha escrito na frente de duas linhas, uma em Bb, e outra em Eb. A seguir encontram-se os exemplos. 4.3.1 Os Banzeiros na Poeira Compositor: S. Pimenta Estilo: maxixe Observações: datado de 1919 Ao que tudo indica trata-se de um arranjo para banda de metais, nos baixos aparecem o bombardino e a tuba (c. baixo em Bb) Existem três formas básicas de linha de baixo neste exemplo. Na primeira metade da parte A (oito compassos iniciais) o baixo realiza uma figura rítmica não muito comum, com pausas nas cabeças dos segundos tempos. Não ocorrem novidades sob o enfoque melódico-harmônico, a não ser a terça no baixo no acorde V/V no sétimo compasso, aliás, o uso da terça no baixo dos acordes dominantes é um recurso encontrado com freqüência nas linhas desta época. Dos compassos 9 ao 13 ocorre uma variação desta linha, com notas tocadas na cabeça dos segundos tempos, e acrescentando notas de passagem. Estas duas colcheias no segundo tempo são comuns na marcação de diversos tipos de linha de baixo da tradição do samba (notadamente no partido alto atual), e sua característica cométrica, dura, contrasta bastante com o ritmo sincopado do samba, cadenciando a marcação. Figura 43: Os Banzeiros na Poeira – parte A No B da música aparece a segunda forma de baixo, com o mesmo caminhando por colcheias, nos dois tempos do compasso, com uma frase curta na finalização do período (casas 1 e 2). No C (trio) ocorre o baixo temático, não só pelo fato de tuba e bombardino dobrarem, mas também pela análise das partes dos outros instrumentos, que realizam figuras rítmicas de acompanhamento. Figura 44: Os Banzeiros na Poeira – partes B e C. 4.3.2 Ignez Compositor: François Ennders por Francisco Escudero Estilo: polca Observações: datado de 8 de novembro de 1911 O segundo exemplo é a polca “Ignez” de François Ennders, por Francisco Escudero (será o arranjador, ou o copista?), também para banda de metais, com o baixo realizado pelo bombardino e pela tuba (contrabaixo em Eb). Na introdução aparece novamente o baixo temático, com tuba e bombardino dobrando nos segundos tempos, e na frase preparatória do ritornello no compasso 8. Nas parte A e B o baixo caminha por colcheias, com frases de ligação de semicolcheia/colcheia/semicolcheia, e com uma frase sincopada do maxixe no compasso 13. Este tipo de frase que utiliza dois grupos de semicolcheia/colcheia/semicolcheia (ver tabela 1, p.85) pode ser encontrado com diversos caminhos melódicos: ascendentes, descendentes, com inversão de direção; com graus diatônicos ou cromáticos. Talvez seja a frase de preparação mais utilizada e característica do maxixe, e, nos dias de hoje é bastante utilizada, quando se quer amaxixar algum arranjo. No compasso 32 ocorre uma frase com dois grupos de semicolcheias, não muito comum nos instrumentos mais graves. Frases com muitas notas, mesmo quando executadas por instrumentistas de boa técnica, tornam-se emboladas nos registros mais graves, sendo mais comuns em instrumentos barítonos como o bombardino e o violão sete cordas. Figura 45: Ignez – Introdução, parte A, e parte B. Alguns temas arranjados para bandas de metais, possuíam também arranjo para piano, dentre eles o tango “Amapá”, o samba “Bumba meu Boi” e a polca “O Bem-ti-vi”. Decidiu-se comparar a forma de estruturação do baixo entre os dois tipos de arranjo, a fim de se investigar as diferentes soluções empregadas pelos arranjadores nos baixos dos metais e do piano. Serão apresentadas a seguir as partes da mão esquerda das partituras para piano, comparadas às partes de bombardino e tuba dos arranjos para banda, dos três temas acima citados. Infelizmente não foram encontrados dados que informassem se os arranjadores faziam seus arranjos a partir das partes editadas para piano, ou se recorriam a outras fontes, como originais dos autores e até mesmo gravações, o fato é que, nas partes analisadas as tonalidades, as harmonias e os ritmos dos arranjos para banda e das partituras para piano são muito semelhantes. 4.3.3 Amapá Compositor: J. Storoni Estilo: Tango Observações: Dançado com grande sucesso em Paris, pelo Sr. Duque Na introdução e nos quatro primeiros compassos do A aparece o baixo temático, onde todas as vozes graves tocam a mesma melodia. No quinto compasso do A o baixo deixa de ser temático, e aí acontece o acompanhamento propriamente dito. A linha da tuba toca colcheias nas cabeças de tempo, repetindo exatamente as mesmas notas da linha do piano. O baixo agudo do bombardino apresenta um ritmo que complementa o baixo grave da tuba, adicionando mais consistência tanto harmônica, com arpejos nos primeiros tempos, como rítmica, com as semicolcheias dos arpejos e com as colcheias em oitavas nos segundos tempos. Figura 46: Amapá piano+sopros – parte A. Quando é comparado o ritmo da linha do piano com a do bombardino, aparecem nos segundos tempos as mesmas notas e o mesmo ritmo, e nos primeiros tempos duas figuras diferentes (quatro semicolcheias e semicolcheia/colcheia/semicolcheia). Essa diferença no ritmo escrito pode ser bastante atenuada quando a linha é executada, pois ocorre um acento nas cabeças de tempo e um pequeno destaque nas últimas semicolcheias dos grupos. Harmonicamente ocorrem no baixo da tuba e do piano apenas fundamentais e quintas, sendo que nos acordes dominantes (sexto e oitavo compassos), a quinta é tocada no primeiro tempo invertendo o baixo e retardando o aparecimento da fundamental, que aparece no segundo tempo. Como foi apontado anteriormente, as inversões de baixo em acordes dominantes são bastante comuns neste período, tanto com a terça, como com a quinta ocupando o baixo. Na parte B, apesar do ritmo do acompanhamento ser diferente, o processo de adaptação das linhas é o mesmo: a tuba toca a parte grave, com fundamentais nas cabeças de tempo; e o bombardino repete, em parte, o ritmo do piano, mas com arpejos onde na mão esquerda temos acordes. Figura 47: Amapá piano+sopros – parte B Na primeira parte do trio é onde acontece a maior novidade desta peça. Já havia sido dito, quando foi analisada a parte de piano deste tema, que o baixo nos quatro compassos iniciais desta parte lembrava, pelas sucessivas figuras de semicolcheias, a baixaria dos violões do choro. O bombardino repete essas figuras, mas com notas totalmente diferentes e realizando arpejos, ficando dessa forma mais próximo às baixarias dos violões do choro. A tuba toca as fundamentais no registro mais grave com uma longa semínima ligada. Estas notas longas, quase pedais da tuba, auxiliam na clareza da linha do bombardino, funcionando como uma “cama” harmônica. No restante do trio os baixos dos metais traduzem a linha de piano seguindo o mesmo processo das outras partes. No oitavo compasso todos os baixos dobram, em uma frase clássica de preparação entre períodos, quando a harmonia vai da dominante para a tônica. Figura 48: Amapá piano+sopros – trio. 4.3.4 Bumba meu boi Compositor: F. J. Freire Junior Estilo: Samba Carnavalesco Observações: Ao endiabrado carnavalesco “Chico Bricio” A introdução deste samba de Freire Junior é dividida em duas partes; a primeira possui oito compassos e apresenta o baixo temático, sendo que as oitavas dobradas da mão esquerda do piano passam para a tuba e o bombardino. Na segunda parte, de apenas quatro compassos, aparece o bombardino, repetindo a linha do piano, e a tuba, na típica linha de colcheias nas cabeças de tempo. Todos os baixos dobram a frase preparatória do tema, que ocorre no último compasso da introdução. Figura 49: Bumba-meu-Boi piano+sopros – Introdução. Na parte A novamente o bombardino repete a linha do piano e a tuba realiza a marcação grave, e a cada dois compassos, todos dobram destacando a linha de baixo que responde à melodia principal. Figura 50: Bumba-meu-Boi piano +sopros – parte A Nos quatro primeiros compassos do refrão, a tuba e o piano realizam uma linha bastante interessante, de certa forma truncada, quase com breques, utilizando figuras rítmicas que reforçam o acento nos primeiros tempos. Na outra parte do refrão não existe nenhuma novidade, e no último compasso ocorre o elevare do baixo temático voltando para a introdução. Figura 51: Bumba-meu-Boi piano+sopros – refrão. 4.3.5 Bem te vi Compositor: João Pernanbuco Estilo: Samba Carnavalesco Observações: arranjo da parte de piano de Pixinguinha Neste tema de João Pernambuco, na partitura para piano não há indicação do estilo, temos apenas o nome do arranjador, ele é o grande Pixinguinha. Na adaptação para banda de metais na introdução o bombardino repete a parte do piano, mas sem realizar arpejos no lugar dos acordes, tocando somente a nota da ponta destes, e a tuba realizando a marcação grave. Figura 52: Bem-te-vi piano+sopros - Introdução. Na primeira parte a tuba realiza a marcação com colcheias nas fundamentais e quintas, finalizando com a dobra da frase sincopada do maxixe. A linha de baixo do bombardino começa igual à linha do piano, mas vai aos poucos se diferenciando. Figura 53: Bem-te-vi piano+sopros – parte A. Na segunda parte do tema acontece um diálogo entre os baixos e as vozes agudas, no terceiro compasso os baixos respondem à melodia dobrados. A partir do oitavo compasso do B são os baixos que iniciam a melodia, sendo que no décimo compasso as respostas estão nas vozes agudas. Figura 54: Bem-te-vi piano+sopros – parte B Um fato digno de nota é que na parte da tuba nos compasso 11, 12, e 13 do B as três primeiras semicolcheias de cada compasso estão riscadas ou apagadas, como se o arranjador tivesse escrito estas notas e depois mudado de idéia. O fato é que são notas rápidas, em uma região grave. Dois motivos podem ser os causadores desta mudança da parte: pode ser que o músico não tenha conseguido executar as notas de modo aceitável e tenha optado por uma linha mais simples, ou então, mesmo que o tubista fosse tecnicamente capaz de executar o trecho, este tenha soado demasiadamente pesado. Já foi apontado o fato de que as notas rápidas na região grave embolam mesmo quando bem executadas, por isso a necessidade da linha de baixo grave ser mais simples. No coda da música novamente a tuba toca colcheias, e o bombardino semicolcheias realizando arpejos. Figura 55: Bem-te-vi piano+sopros – coda. 4.3.6 Evohé! Evohé ! Compositor: Assis Republicano Estilo: maxixe (?) Observações: parte de piano integrante do arranjo Será apresentado agora, mais um tema onde estão comparadas as linhas da tuba, do bombardino e da mão esquerda do piano. A diferença deste exemplo é que o piano faz parte do arranjo, e desta forma sua parte foi escrita par ser tocada juntamente com as demais. Não ocorre aqui, então, uma adaptação, e sim, uma complementação das partes de acompanhamento. O tema é o samba “Evohé! Evohé!” de Assis Republicano, e infelizmente faltam alguns compassos na parte do piano, talvez erro do copista, mesmo assim, pelo valor do exemplo, foram comparadas as linhas de baixo nos lugares em que havia todas as três partes. O arranjo começa com o baixo temático nos moldes do Corta-jaca, mas, com uma interessante nona menor no acorde dominante (segundo e quarto compassos). O acompanhamento do piano é basicamente o mesmo em toda primeira parte, com os baixos tocados nos tempos, e acordes nos contratempos. A tuba também mantém o mesmo padrão durante todo o A, com semínimas nos primeiros tempos e colcheias nos segundos, dobrando as frases conclusivas. É interessante notar que essas colcheias da tuba, tocam durante cinco compassos (4-9) a nota G, quinto grau da tonalidade, funcionando como um pedal. Estes pedais graves também são bastante característicos do maxixe. A linha do bombardino apresenta algumas vezes uma ligadura não muito comum entre o primeiro e segundo tempo, no mais segue os padrões até agora encontrados. Figura 56: Evohé! Evohé! piano+sopros – parte A Na parte B o bombardino e piano executam o mesmo ritmo, com o bombardino arpejando os acordes do piano. A tuba realiza uma marcação até agora não encontrada, de semínimas tocando apenas as fundamentais, com algumas variações. Figura 57: Evohé! Evohé! piano+sopros – parte B Comparando a parte do piano deste arranjo, que é manuscrita e provavelmente estruturada para ser tocada juntamente com os outros instrumentos, com as partes impressas e editadas e que foram analisadas acima, não foram encontradas novidades estruturais. Apesar de ser apenas um exemplo, ele indica que, talvez, não existissem grandes diferenças na forma de se estruturar o acompanhamento do piano entre os arranjos para piano solo, destinados ao público em geral, com os escritos para músicos profissionais das bandas e conjuntos. 4.4 Fonogramas Como foi apontado anteriormente, nos fonogramas estudados não há informações precisas sobre os músicos e os instrumentos utilizados. Em alguns casos, quando se trata de grupos ou artistas notórios, são encontrados os nomes dos executantes, mas, raramente existe algum dado sobre os músicos e instrumentos utilizados na linha de baixo. Para a esta pesquisa, que aborda basicamente os sons graves do espectro sonoro, esta ausência de informação foi algumas vezes bastante problemática, já que as freqüências graves são mais difíceis de serem produzidas e captadas, e em certas gravações antigas são praticamente inaudíveis. A ausência de ficha técnica dificulta a identificação do tipo de instrumento que realiza o baixo, e se ele é executado por um, ou mais instrumentos. Um procedimento comum nas bandas e pequenos grupos era que mais de um instrumento realizava o baixo, por exemplo, o oficlide junto com o helicon, o violão com o piano, e algumas vezes até três instrumentos juntos. Em alguns exemplos foi difícil a separação dessas duas linhas que eram parecidas, porém não idênticas. Nesses casos optou-se por transcrever uma “linha de baixo resultante”, sendo esta, o baixo ouvido naturalmente. Neste ponto as partituras dos arranjos foram de grande valia, pois através delas pôde-se diferenciar claramente os baixos. Como no caso das partituras, as linhas não foram transcritas na íntegra, e sim apenas a amostragem suficiente para serem definidos os padrões e as características do baixo. Todos os trechos das linhas abaixo transcritos encontram-se gravados em um CD que acompanha a dissertação (ver anexos). 4.4.1 Será Possível Autor: desconhecido Intérprete: Banda da Casa Edson Álbum: CD integrante da coleção “Memórias Musicais” CD 15, Faixa: 12 Ano: 1902 Maxixe de autoria desconhecida, gravado no ano de 1902 pela Banda da Edson, para a gravadora Zon-o-Phone. Formada por músicos integrantes da famosa Banda do Corpo de Bombeiros do maestro Anacleto de Medeiros, presume-se que a Banda da Casa Edson contasse com aproximadamente dez integrantes (PAES, 2002, p. 30). Não há informações sobre os nomes dos músicos nem os instrumentos tocados, mas sabemos que são apenas instrumentos de sopro, com alguma percussão. Ouvindo a gravação não se pôde determinar com precisão qual o instrumento de sopro realiza o baixo, mas deve ser muito provavelmente um instrumento da família das tubas, como o helicon ou o bombardão. A linha de baixo é composta de semínimas e mínimas, tocadas de forma curta, sendo que o primeiro tempo dos compassos é levemente acentuado. Não existe diferença na estruturação da linha entre as partes A e B, apenas na terceira parte da música, é que a baixo caminha apenas por semínimas, resultando em uma marcação mais cadenciada, mas, de um modo geral não se notam variações no caráter da linha ao longo da composição. Abaixo estão transcritas cada uma das três partes da composição. Figura 58: Será Possível – partes A, B e C. 4.4.2 Cabeça de Porco Autor: Anacleto de Medeiros Intérprete: Banda do Corpo de Bombeiros Ano: 1904 Nesta composição já se pode perceber claramente o ritmo do maxixe, especialmente na terceira parte, onde tanto a caixa, como o acompanhamento dos metais são claramente amaxixados. Na primeira parte desta composição aparece o baixo temático. Figura 59: Cabeça de Porco – parte A. Na parte B as semínimas estão novamente presentes, e finalizando a seção ocorre uma figura rítmica pontuada com as duas colcheias, o que remete a uma figura típica da habanera. Figura 60: Cabeça de Porco – parte B. Na terceira parte tem-se a impressão de que os baixos não tocam no início, realizando apenas a frase sincopada do maxixe ao final do período, que está transcrita abaixo. Figura 61: Cabeça de Porco – frase sincopada do maxixe. 4.4.3 É Água Autor: Jorge Seixas Intérprete: Banda da Casa Edson Ano: 1907 Mais uma gravação da Banda da Casa Edson, esta realizada no ano de 1907. Novamente o baixo temático aparece nos dois primeiros compassos do A, e também mais uma vez a figura rítmica da habanera.. Figura 62: É Água – parte A. Na parte B as semínimas são bem marcadas pelo peso da tuba. No C é onde a baixaria tem maior destaque. A tuba ganha o reforço de outro instrumento, talvez um trombone baixo ou um bombardino, para juntos realizarem o baixo temático. Figura 63: É Água – partes B e C 4.4.4 Não Tens Coração Autor: Antonio Maria Passos Intérprete: Grupo K. Laranjeira Ano: 1908 Conforme se pode concluir ouvindo esta gravação, o Grupo K. Laranjeira do famoso violonista Quincas Laranjeiras, era um terno de choro, formado por flauta cavaquinho e violão. Ao que tudo indica o violão usado possui seis cordas. A linha de baixo faz uso de semínimas e de colcheias, e ocorre uma interessante figura sincopada de colcheia/semínima, que aparece tanto na parte A, nos compassos 12 e 16, como na C, nos compassos 8, 10 e 16. Esta figura sincopada adianta o segundo tempo do compasso, causando uma sensação de suspensão. Figura 64: Não Tens Coração – parte A No B, nos compassos 2 e 10, aparece um motivo de três semicolcheias descendentes, bastante comum na baixaria dos chorões, assim como o padrão rítmico 4, claramente expresso no compasso 6. Figura 65: Não Tens Coração – parte B. A terceira parte não apresenta padrões diferentes, seguindo o mesmo estilo das duas partes anteriores. Figura 66: Não Tens Coração – parte C. 4.4.5 Chave de Ouro Autor: Armando Faria Intérprete: Quarteto da Casa Faulhaber & Cia Ano: 1910 Nesta gravação a formação instrumental é um tanto incomum: um quarteto de sopros com requinta (pequena clarineta em Eb), saxhorn, bombardino e tuba. Não é fácil transcrever a parte da tuba com clareza, pois não se ouve bem o seu som grave. Optou-se por transcrever também a parte do bombardino, pois assim se percebe como ele dialoga com a tuba. Figura 67: Chave de Ouro – parte A. 4.4.6 Só na Flauta Autor: Chiquinha Gonzaga Intérprete: Grupo Chiquinha Gonzaga Ano: 1910 O grupo Chiquinha Gonzaga, que nesta gravação conta com a própria compositora ao piano, era constituído pelos mais famosos e requisitados instrumentistas do início do século XX. Como o flautista Antônio Maria Passos, o cavaquinhista Nelson Alves, que participou de diversos grupos entre eles “Os Oito Batutas”, e o violonista Tute, o primeiro grande violonista sete cordas da música brasileira. O grupo era basicamente um terno de choro acrescido do piano. Na gravação o piano mal se ouve, mas a linha de baixo realizada pelo violão se destaca claramente no arranjo. Sendo constituído apenas de colcheias e semicolcheias, o ritmo básico do baixo é uma célula que se repete de dois em dois compassos, e que aparece sem variações nos três primeiros compassos do A. Figura 68: Só na Flauta – parte A Em algumas repetições Tute apresenta uma variação rítmica que consiste em tocar o baixo com colcheias repetidas, o que resulta em uma linha mais marcada. Figura 69: Só na Flauta – notas repetidas. O B da música segue o mesmo padrão. Figura 70: Só na Flauta – parte B 4.4.7 Massada Autor: Lulu Cavaquinho Intérprete: Choro Carioca Ano: 1911 Com Pixinguinha com apenas 14 anos, Bonfiglio Oliveira e Irineu de Almeida, o Grupo Choro Carioca era um conjunto formado por importantes nomes do choro. Na gravação do choro Massada, Irineu de Almeida toca o extinto oficlide, realizando a linha de baixo com maestria, e mostrando porque foi mestre de Pixinguinha, e um dos mais importantes chorões do início do século. A linha de baixo é realizada pelo violão e pelo oficlide, sendo que a melodia do oficlide é mais ornamentada, mas, na maioria do tempo os dois instrumentos caminham em uníssono. Na transcrição abaixo está a linha resultante dos dois instrumentos. Arpejos, movimentos cromáticos e diatônicos, saltos, todos os recursos são utilizados na elaboração desta linha, que dialoga com perfeição com o tema principal. No segundo compasso do A aparece um ritmo ainda inédito nas linhas até aqui transcritas, bem como uma tercina no quinto compasso, da mesma seção. Figura 71: Massada - parte A A principal diferença da linha no B é a utilização de elevares formados por grupos de três colcheias, sendo que as últimas duas notas alcançam a fundamental por movimento cromático, motivo bastante comum nas baixarias dos chorões. As figuras de colcheia pontuada/semicolcheia, tão comuns no samba, começam a aparecer nos baixos da época. Figura 72: Massada – parte B A terceira parte apresenta uma linha menos ornamentada, com repouso nos primeiros tempos dos compassos. Figura 73: Massada – parte C 4.4.8 Corta Jaca Autor: Chiquinha Gonzaga Intérprete: Grupo Chiquinha Gonzaga Ano: 1912 O Corta-Jaca é um dos temas mais famosos da música brasileira. Segundo Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello (1997) este tema é conhecido desde 1895, mas só fez sucesso no ano de 1904. O título original é “Gaúcho”, e teve nada menos do que oito gravações entre 1904 e 1912. Na primeira parte da música aparece uma linha de baixo seguida por uma melodia de quatro compassos e novamente a linha de baixo, mais uma vez aqui a baixaria aparece como tema. O motivo rítmico-melódico da linha de baixo do “Corta-jaca” é um dos mais utilizados, e este padrão pode ter se originado se originado na forma de se tocar os baixos pelos pianistas, pois além de ser extremamente pianístico, ele é ser encontrado em diversas partituras para piano da época. Figura 74: Corta-Jaca – Introdução e parte A No B uma linha simples que caminha por semínimas e mínimas, e novamente a baixaria inicial. Figura 75: Corta-Jaca – parte B E, na parte C, uma linha baseada nas semínimas, extremamente simples e eficiente, pela excelente condução melódica dos baixos. Figura 76: Corta-Jaca – parte C 4.4.9 Fica Calmo Que Aparece Autor: Donga Intérprete: Grupo do Pixinguinha Ano: 1919 Mais uma vez o violão sete cordas de Tute e o banjo de Nelson Alves, formando um terno de choro, desta vez com Pixinguinha na flauta. Estamos em 1919 e o autor da música é Donga, que dois anos antes havia lançado “Pelo telefone”. Nesta gravação, o locutor como era costume na época, anuncia a obra, o intérprete, e o estilo, classificando a composição de samba, mas, o que se ouve é um maxixe. A harmonia é simples, apenas três acordes, e o tema é quase que um improviso com variações. O baixo dobra a melodia na introdução e nas pontes, causando um efeito parecido com o do “Corta-jaca” de Chiquinha Gonzaga, ou seja, baixo e tema se misturam na primeira parte. Figura 77: Fica Calmo que Aparece – Introdução. Na linha propriamente dita, o acompanhamento é típico do maxixe. No final do tema já é conectada a baixaria do começo (compasso 9). Figura 78: Fica Calmo que Aparece – parte A Em vários momentos ao longo da música, Tute coloca um dos motivos mais recorrentes na baixaria dos maxixes da época, a frase sincopada do maxixe, que está transcrita abaixo. Figura 79: Fica Calmo que Aparece – frase sincopada do maxixe. 4.4.10 Os Oito Batutas Autor: Pixinguinha Intérprete: Pixinguinha Ano: 1919 No fonograma “Os Oito Batutas” os componentes são os mesmos da gravação anterior, sendo que as duas foram gravadas no mesmo ano, e muito provavelmente no mesmo dia. Nesta gravação a linha de baixo se movimenta por figuras pontuadas, com menos fraseado melódico, e fazendo uso de notas repetidas. Esse tipo de acompanhamento já se parece mais com o acompanhamento de samba atual. Nos compassos 13, 14 e 15 Tute toca por colcheias, fazendo uma espécie de walking bass, que também se tornaria bastante comum alguns anos mais tarde. Figura 80: Os Oito Batutas – parte A Na terceira parte da composição Tute realiza um padrão melódico nas semicolcheias, sendo que nas cabeças dos tempos estão as notas do escala de D maior em movimento diatônico descendente. Logo após esta frase o violão realiza uma figura rítmica bem balançada, que ao que parece não foi executada pelo violão sete cordas, mas, por outro violão que responde e completa a frase anterior. Figura 81: Os Oito Batutas – parte C 4.4.11 Os Teus Beijos Autor: Felisberto Martins Intérprete: Orquestra Típica Pixinguinha-Donga Ano: 1928 Não se sabe ao certo qual instrumento realiza a linha de baixo nesta gravação, parece ser uma tuba ou bombardão. A forma de acompanhamento é típica dos metais graves, sendo basicamente formada por semínimas tocadas de forma curta, com algumas aproximações cromáticas. Apenas a introdução e o primeiro A foram transcritos, no resto do arranjo a linha não apresenta novidades. Figura 82: Os Teus Beijos – Introdução e parte A 4.4.12 Doutor... Sem Sorte Autor: Agenor Bens Intérprete: Orquestra Victor Brasileira Ano: 1930 Nesta gravação de 1930 mais uma vez não há informações precisas sobre quem realiza a linha de baixo, tem-se a impressão de que dois ou mais instrumentos dobram o baixo. Ouve-se claramente uma tuba, pode ser que o piano também faça o baixo. Na ficha técnica aparece o omelê, que é um instrumento hoje instinto, uma espécie de cuíca grave, citado por Vaga-lume no seu livro “A Roda de Samba” (1978, p. 125-126), e também por Henrique Cazes (1998, p. 80-81). Segundo estes autores o omelê realizaria uma marcação grave, como um surdo. Na presente gravação não conseguimos identificar o seu som. Aqui mais uma vez na primeira parte da composição os baixos estão em destaque, e respondem ao motivo do A, nos compassos 3, 7, 11 e 16. A idéia melódica dos baixos se repete de quatro em quatro compassos, e as figuras rítmicas são bem características do maxixe. Figura 83: Doutor... Sem sorte – parte A O B começa com uma convenção que todos os instrumentos tocam juntos, o ritmo é do maxixe. O baixo caminha por semínimas em stacatto, Figura 84: Doutor... Sem sorte – parte B Na última parte, temos uma linha de baixo simples, formada por semínimas curtas. Figura 85: Doutor... Sem sorte – parte C 4.4.13 Brincando Autor: Ratinho Intérprete: Ratinho Ano: 1930 Nesta peça de andamento bastante acelerado o baixo é realizado pelo violão sete cordas. Não existem diferenças consideráveis na forma de estruturação do baixo entre as três partes da composição, a linha caminha basicamente por semínimas e colcheias e não existem figuras pontuadas nem síncopes. É curioso o fato da linha só entrar no segundo compasso do A, transcrevemos abaixo trechos das três partes. Figura 86: Brincando - partes A, B e C. 4.4.14 Burucuntum Autor: Sinhô Intérprete: Carmem Miranda Ano: 1930 Neste samba claramente maxixado de Sinhô a linha de baixo é muito simples, estruturada quase que exclusivamente por semínimas. Apenas no refrão aparece uma figura melódica típica das finalizações do baixo do maxixe. É bem difícil a audição dos graves neste fonograma, e não foi possível saber com precisão qual, ou quais instrumentos executam o baixo, mas, com certeza não é um instrumento de sopro, podendo ser um violão ou um contrabaixo. Figura 87: Burucuntum – Introdução, parte A e refrão. 4.4.15 Faceira Autor: Ary Barroso Intérprete: Silvio Caldas Ano: 1931 Aqui sim já se trata do samba batucado carioca. Nesta composição de Ary Barroso a nova forma de compor pode ser claramente notada na construção rítmica do tema, que intercala notas longas com figuras sincopadas. Aparecem alguns breques que permitem a participação mais evidente da bateria, que, durante o acompanhamento, não é bem ouvida. Mais uma vez existe a dificuldade de se distinguir qual instrumento realiza o baixo, algumas vezes parece um contrabaixo, outras uma tuba, e pode ser que sejam até os dois juntos. Abaixo está transcrita a parte A da composição. Figura 88: Faceira – parte A Já se pode perceber claramente o uso das quintas na oitava inferior, acentuando os segundos tempos dos compassos, e também a presença das figuras pontuadas. Nos compassos 9 e 10 temos uma figura rítmica bastante balançada, que quebra a pulsação de semínimas, e nos remete às preparações dos surdos nas batucadas. Figura 89: Faceira – frase A segunda parte não apresenta novidades, sendo utilizadas apenas semínimas e colcheias, ainda na tradição dos maxixes. Nos últimos compassos temos um rallentando pouco usual para os ouvidos de hoje. Figura 90: Faceira – parte B 4.4.16 Samba de Fato Autor: Pixinguinha/ Baiano Intérprete: Patrício Teixeira Ano: 1932 Como se pode confirmar pela letra e pela estrutura desta composição, temos aqui um samba de partido-alto. A harmonia e a melodia são bastante simples. Na marcação rítmica temos a presença evidente do pandeiro e do violão, com algum outro instrumento de cordas agudo. A linha de baixo é composta basicamente por semínimas, tocadas pelo violão e pelo pandeiro, que tem uma afinação grave. Apenas na introdução aparecem algumas síncopes, e o violão realiza figuras cromáticas em semicolcheias, no estilo dos chorões. Abaixo está transcrita a introdução do tema. Na parte de pandeiro as notas agudas não são claramente ouvidas, e representam o som da pele abafada, mas pela má qualidade da gravação, muitas vezes podemos apenas senti-las. Figura 91: Samba de Fato – Introdução. 4.4.17 Filosofia Autor: Noel Rosa Intérprete: Mário Reis e Orquestra Pixinguinha Ano: 1933 Neste fonograma de 1933 estão reunidos dois dos principais nomes do samba na década de 1930, o cantor Mário Reis e o arranjador Pixinguinha. O samba é de Noel Rosa e a seção rítmica conta com vários instrumentos, que parecem ser: piano, violão, contrabaixo, pandeiro, prato e faca, e talvez mais algum tambor. A linha de baixo apresenta apenas semínimas, normalmente tocadas com fundamentais, quintas e algumas terças de passagem. As quintas no segundo tempo situam-se na oitava da tônica, e não há diferença de acentuação. Uma percussão de afinação média grave realiza a figura representada abaixo, completando a linha de baixo das semínimas graves. Figura 92: Filosofia – Baixo+percussão. 4.4.18 Estás no meu Caderno Autor: Benedito Lacerda/ Oswaldo Silva/ Wilson Batista Intérprete: Mário Reis e conjunto Gente do Morro Ano: 1934 Nesta gravação de 1934 o famoso Mário Reis é acompanhado pelo grupo Gente do Morro, grupo este que representou um marco na história do samba, como foi visto no capítulo II (p.66-67). Aqui se pode comprovar a junção do quarteto do choro, com as percussões. Enquanto o pandeiro e surdo fornecem uma base sólida de figuras pontuadas, os violões realizam a baixaria nas semicolcheias, bem ao estilo dos chorões. Ainda existe alguma reminiscência do maxixe nos violões, quando eles realizam duas semicolcheias marcadas no segundo tempo. Figura 93: Estás no meu Caderno – Baixo+surdo. 4.4.19 Na Virada da Montanha Autor: Lamartine Babo/ Ary Barroso Intérprete: Francisco Alves Ano: 1935 Neste arranjo se pode sentir claramente as influências estrangeiras do jazz norte-americano e das músicas caribenhas. O sotaque brasileiro é dado quase que exclusivamente pela presença do pandeiro. Como este fonograma apresenta uma qualidade de gravação um pouco melhor, foi possível a audição clara de um contrabaixo realizando os baixos. Sua sonoridade, no entanto, apresenta-se um pouco desequilibrada, com algumas notas muito sonoras e outras um pouco mais abafadas, o que é uma característica da captação deste instrumento. Na introdução ocorre um ostinato na linha de baixo, que apesar da figura pontuada, apresenta certo sabor latino. Figura 94: Na Virada da Montanha – Baixo Ostinato No resto da música as semínimas e as colcheias de sempre. Abaixo estão transcritos os primeiros compassos do A. Figura 95: Na Virada da Montanha – parte A 4.4.20 Alegria Autor: Assis valente/ Durval Maia Intérprete: Orlando Silva. Ano: 1937 Neste samba rápido já é possível perceber um baixo nitidamente influenciado pela levada dos surdos das escolas de samba. O acento no segundo tempo se torna claro, e já se nota a semínima do primeiro tempo um pouco mais curta. O padrão de fundamental/quinta grave é o mais utilizado. Essa característica das levadas de escola de samba é ainda mais realçada pelo fato do primeiro acorde (um B maior), durar quatro compassos. Figura 96: Alegria – baixo. Ao longo do tema a levada se mantém a mesma, com o padrão fundamental/quinta grave algumas vezes sendo substituído por fundamental/quinta aguda ou fundamental/fundamental. Algumas vezes ocorrem as variações rítmicas apresentadas abaixo, que só vêm a confirmar a influência do surdo na linha. Figura 97: Alegria – variações do baixo 4.4.21 Da Cor do pecado Autor: Bororó Intérprete: Silvio Caldas Ano: 1939 Na instrumentação desta gravação temos uma seção rítmica hibrida, onde se encontram o terno de choro com o contrabaixo. Os baixos são realizados pelo violão e o contrabaixo, sendo que o primeiro executa a linha de baixo melódica e o segunda a linha rítmica simples. Figura 98: Da Cor do pecado – baixo+violão 4.4.22 Seu Mane Luís Autor: Donga/ Baiano Intérprete: Zé da Zilda Ano: 1940 Neste fonograma a instrumentação é típica dos sambas de morro, onde além da flauta e do violão, estão os instrumentos de percussão. A linha de baixo é feita pelo grave do pandeiro e por outro tambor grave, mas não possui muito peso. O violão não participa da linha de baixo, e é tocado de forma “rasgueada”. 4.4.23 Quem me vê sorrindo Autor: Cartola/ Carlos Cachaça Intérprete: Cartola Ano: 1940 Mais uma formação típica dos sambas batucados, sendo que aqui não aparece a flauta, apenas instrumentos de cordas. Na marcação dos graves estão o surdo de primeira e a cuíca tocando semínimas nos dois tempos do compasso. Um dos violões realiza a baixaria, nos moldes do choro. 4.4.24 Seu Libório Autor: João de Barro/ Alberto Ribeiro Intérprete: Vassourinha Ano: 1941 Neste samba de andamento lento o baixo, ao que tudo indica, é realizado por dois violões. Não se percebe se existe um surdo ou outro tambor médio grave realizando os acentos no segundo tempo, ou se é um dos violões, o fato é que o segundo tempo é acentuado à maneira do surdo de primeira. 5. Conclusão Como forma de apresentação, neste último capítulo do trabalho será feita uma breve retrospectiva do desenvolvimento da pesquisa, na qual serão expostas as conclusões consideradas mais relevantes para o estudo do tema, bem como serão apontadas algumas questões ainda não esclarecidas. Foi dito na introdução que havia a idéia inicial de se elaborar um método que ensinasse a tocar samba no contrabaixo. Neste método seriam abordadas questões estruturais e estilísticas envolvidas na construção dos baixos, com o intuito de fornecer ao estudante elementos que permitissem a criação de suas próprias linhas dentro dos diversos estilos do samba, e desta forma o foco principal do trabalho seria a linha de baixo e não o contrabaixo. À procura de informações que desvendassem o desenvolvimento das várias formas de estruturação da linha de baixo no samba, concluiu-se que existiam poucos trabalhos que abordavam o tema, e assim sendo, com base apenas nas informações encontradas, não seria possível elaborar um método consistente. Como material para a pesquisa, havia apenas os fonogramas e partituras, que após serem analisados, ofereceriam um panorama evolutivo da linha de baixo ao longo da história do samba. Mas, apenas as análises não desvendariam pontos como: a preferência por determinados instrumentos, as influências exercidas por outros tipos de música, as razões que levaram as transformações ocorridas no baixo, entre outras questões. O primeiro passo foi realizar uma pesquisa bibliográfica histórica em busca de informações sobre a participação do contrabaixo no samba. Através de um levantamento inicial sobre as formações instrumentais, concluiu-se que o contrabaixo não era utilizado no samba, na época em que este gênero se definiu, e como não estava presente nos grupos de choro, nas escolas de samba, e nos regionais, não havia participado do desenvolvimento da linha de baixo no samba. Seu uso nesta música era devido à influência da música estrangeira, principalmente da norte-americana, e quando ele era utilizado para tocar samba, geralmente apenas imitava a linha de baixo de instrumentos tradicionais deste gênero, principalmente a do surdo e a do violão. Sendo assim, para se conhecer e sistematizar a forma de se tocar o contrabaixo no samba, seria primeiramente necessário estudar o surdo e o violão, a fim de se investigar como a linha de baixo se manifestava nestes instrumentos. Pesquisando a participação do violão na música de barbeiros, nas modinhas e nos lundus, conclui-se que este instrumento era o mais utilizado para a realização do baixo na música popular brasileira até o final do século XIX. A linha de baixo do violão brasileiro era ornamentada, contrapontística e cantada, e ficou conhecida como “baixaria”. Não foram encontradas informações que permitam precisar as origens desta linha. Alguns autores como Cazes (1998) e Tinhorão (1998), atribuem a uma herança do lundu, porém não apresentam dados que comprovem esta afirmação. O maestro Guerra Peixe (1954, p. 18 apud FRANCESCHI, 2002, p.153-154) fala na “originalidade mestiça que o brasileiro introduziu na baixaria do violão, desde a modinha até as polcas”, mas também não apresenta evidências que comprovem esta suspeita. O fato, é que esta forma de se estruturar o baixo também é encontrada nas partes de bombardino das bandas militares e no baixo dos pianeiros da Primeira República. Ou seja, independente do instrumento utilizado a baixaria é a mesma, e não há evidencias que indiquem em qual destes três instrumentos (violão, piano, sopros) esta linha de baixo primeiramente surgiu. Através da análise das linhas de baixo do violão, do piano e dos sopros, percebe-se que do ponto de vista harmônico, o baixo no maxixe e no samba não difere das outras formas de estruturação das linhas dentro da música tonal, pois ele é estruturado basicamente através do uso de fundamentais e quintas, notas de aproximação e inversões. Foi proposta uma divisão do baixo no samba em dois tipos: o melódico e o rítmico. A linha melódica tem sua origem na baixaria dos chorões do século XIX; melodicamente é bastante ornamentada, realizando movimentos diatônicos e cromáticos, faz uso constante de arpejos, mas realiza poucos saltos de oitava ou de quinta; ritmicamente utiliza colcheias, semicolcheias, tercinas e sextinas, e menos frequentemente semínimas, as síncopes são freqüentes na forma de deslocamentos de colcheias ligadas, mas praticamente inexistentes na forma de acentos ou pausas; originariamente executada nos violões, sopros (bombardino, oficlide e trombone) e piano, atualmente é executada principalmente pelo violão de sete cordas, mas pode ser também ser realizada no contrabaixo, principalmente o elétrico. A linha rítmica é a forma básica de se estruturar o baixo dentro de qualquer gênero. Nas danças européias ela já estava presente, e continuou a ser empregada no maxixe e no samba. Melodicamente é extremamente simples, utilizando basicamente movimentos de quartas, quintas, e oitavas, com algumas notas de passagem; ritmicamente é constituída de semínimas e colcheias tocadas nas cabeças de tempo. Surte mais efeito quando executada na região grave, abaixo do C2, por isso sendo normalmente realizada pelos instrumentos contrabaixos como os surdos de primeira e segunda, a tuba e o contrabaixo. Investigando o surdo, foi apontado que no final da década de 1920, o movimento musical do Estácio transformou o maxixe em samba através da inclusão de elementos musicais de origem africana, principalmente através de melodias mais sincopadas e de uma instrumentação que privilegiava os instrumentos de percussão. E, que uma das principais inovações ocorridas na época, foi justamente, o aparecimento dos surdos na marcação. Criado pelo sambista Bide para o desfile da “Deixa Falar”, o surdo teve sua introdução no mundo do samba provavelmente em 1929, ano do primeiro desfile de escolas de samba. O motivo da introdução do surdo nos desfiles foi a necessidade de uma marcação mais consistente, que cadenciasse o samba e estimulasse a marcha do cortejo. Através de relatos de sambistas da época, foi notado que no início os surdos tocavam apenas no segundo tempo dos compassos, mas não foram encontradas informações que explicassem a razão para este procedimento. Tudo leva a acreditar que este toque tenha se originado na batida do bombo e do tambor surdo das bandas militares. O próprio nome do instrumento leva a esta suspeita. Sendo assim, Bide não inventou o surdo, e sim o transplantou para as escolas de samba, juntamente com a sua batida. É difícil precisar se isto foi feito de uma forma premeditada e consciente, ou por meio de uma influência não explicitada, mas apenas intuída, já que as bandas militares tinham forte participação nas manifestações musicais da época. Indo ao encontro da suspeita da utilização do toque militar juntamente com o surdo, o autor deste trabalho recolheu o depoimento do percussionista e pesquisador Ari Colares que acredita que quando se adapta um instrumento que é tradicionalmente utilizado em uma formação à outra, este instrumento traz consigo os seus toques característicos. Na história do samba existe também o caso do violão de sete cordas, que quando passou a ser utilizado nas gravações de samba nos anos 70, principalmente pelas nas mãos do violonista Dino 7 Cordas, manteve o toque característico do choro, e até hoje o mantém. Esta constatação é complementar à afirmação de que a linha de baixo é mais importante que o instrumento que a realiza. Quando em um gênero ou estilo musical já existe uma linha de baixo, estilística e tecnicamente definida, mas, devido a uma mudança de contexto instrumental, um outro instrumento baixo passa a realizá-la, este instrumento normalmente procura reproduzir a linha original. Como exemplo desta situação, há o contrabaixo e a bateria no samba, que imitam os instrumentos de percussão. No entanto, quando não há uma linha de baixo definida, e por algum motivo surja à necessidade de implantá-la, esta implantação ocorre através de um instrumento baixo, que traz consigo seu toque característico. O surdo e o violão sete cordas nas escolas de samba são exemplos deste segundo caso. Independente de sua origem, a batida do surdo acentuando o segundo tempo do compasso, se tornou a principal característica do baixo do samba, e nos instrumentos que produzem sons com altura definida, se estandardizou no movimento tônica/quinta grave. Segundo o depoimento de personagens da época, antes do surdo não havia tambores graves de marcação, indo ao encontro da constatação de que na tradição africana os sons graves normalmente não marcam o ritmo, e sim improvisam. Uma das principais conclusões que se chega após a análise deste período, é que, se os sambistas do Estácio transformaram o samba através de uma africanização da melodia, do ritmo e da instrumentação, no que tange a linha de baixo ocorreu, primeiramente, uma europeização, já que o toque dos surdos tem sua origem na forma de se tocarem os tambores nas marchas militares. Com o passar do tempo os sambistas foram deslocando, ainda mais, a batida do surdo, acrescentando síncopes e contratempos, e por fim os surdos de terceira recuperaram a tradição africana do improviso nos tambores graves do samba. Outra suspeita possível é de que o caráter marcial da levada dos surdos tenha se transformado em síncope no samba, devido a toda orientação rítmico-melódica da música, que é sincopada e contramétrica. Voltando a participação do contrabaixo no samba, há uma última questão que pode revelar algumas pistas para pesquisas futuras. O samba quando comparado ao jazz, à salsa e ao tango, é o único gênero que não possui o contrabaixo em suas formações tradicionais. Podem-se levantar duas hipóteses para este fato. A primeira foi comentada algumas vezes ao longo deste trabalho, e diz respeito às formações instrumentais. Como na música dos chorões os instrumentos de base eram os violões e cavaquinhos, e os solistas eram flautas, clarinetes e bandolins, o contrabaixo tornava-se um instrumento excessivamente grave e pesado, quando utilizado nas baixarias. Já no jazz e na salsa, com o instrumental baseado nos metais e no piano, e no tango com o piano e o bandoneon, o contrabaixo encaixava-se bem. Em segundo lugar, na época em que as formações do samba crescem de tamanho, com o surgimento das escolas de samba e dos regionais, o que permitiria a inclusão de um contrabaixo, aparece o surdo realizando a marcação, dispensando assim, a utilização de outro instrumento grave. Já no jazz, na salsa, e no tango não existem tambores graves de marcação (o bumbo da bateria do jazz não realiza marcação após a década de 1940, e a bateria não é um instrumento tradicional no tango e na salsa), o que deixa a linha de baixo exclusivamente para o contrabaixo. Abaixo estão apresentadas as principais conclusões em destaque: Não sendo europeu na aparência, e nem africano na origem, o baixo no samba e no maxixe apresenta-se como um produto tipicamente nacional, mestiço e brasileiro. Uma das mudanças mais importantes que ocorreram na passagem do maxixe para o samba, foi a introdução do surdo na linha de baixo, deslocando o acento do primeiro para o segundo tempo. O uso de um tambor grave acentuando o segundo tempo do 2/4 é uma prática comum na música militar européia, e deve ter chegado ao samba por esta via. A orientação rítmico-melódica africanizada do samba transformou a batida do surdo, de marcial para sincopada. Os sambistas ressaltaram ainda mais esta característica através das preparações e dos surdos de terceira. O toque variado e improvisado dos surdos de terceira é provavelmente uma herança africana. Existem duas formas básicas de linha de baixo no maxixe e no samba: a rítmica e a melódica. A linha melódica é contrapontística e ornamentada, e é executada nas regiões médio-graves entre o C3 e o C1. A linha rítmica é simples e marcada, utilizando-se basicamente dos baixos e dos quintos graus dos acordes, e executada entre o C2 e o E-1. Do ponto de vista harmônico a linha de baixo no maxixe e no samba não difere de outros tipos de baixo da música tonal ocidental. Sua novidade está apenas na rítmica e nos padrões rítmicos. O baixo acústico e o baixo elétrico não são instrumentos tradicionais do samba. O samba é único gênero de musica, dentre os mais importantes gêneros de música afro-pan-americana, surgidos antes da metade do século XX, como o jazz, a salsa e o tango, que não possui o contrabaixo nas suas formações tradicionais. Em um primeiro momento o contrabaixo não se estabeleceu no samba por não adequar-se ao terno de choro, e em um segundo momento por ser desnecessário, devido à presença do surdo. Finalizando, algumas últimas considerações. A grande maioria dos autores que pesquisaram a história do samba até a primeira metade do século passado não eram músicos, ou quando eram, como no caso de Mário de Andrade e Guerra Peixe, não escreviam para músicos. Isto resulta em trabalhos nos quais os aspectos históricos e sociais, merecem maior destaque do que os musicais, que na maioria das vezes não são sequer abordados. Agravando a falta de informação, existe o já citado fato, de que até quase o início da década de 1930, poucos pesquisadores se interessaram pelas manifestações culturais dos guetos negros do Rio de janeiro. As informações sobre as primeiras escolas e sambistas foram passadas por relatos orais dos próprios sambistas, em entrevistas realizadas quase que cinqüenta anos após os fatos, quando as lembranças já não eram tão precisas. Descrições da música e dos músicos populares dos tempos coloniais e imperiais são ainda mais raras. Estas observações foram feitas para ressaltar que algumas das conclusões acima são de certa maneira intuídas, e que provavelmente os elementos que possam comprová-las ou desmenti-las, tenham se perdido no tempo. O ponto que se apresenta como o mais duvidoso diz respeito à origem da baixaria dos chorões. Há uma tendência a relacioná-la ao lundu e ao toque dos violões dos músicos populares do século XIX, mas, não existem provas concretas desta suspeita. No importante relato do maestro Guerra Peixe, vimos que este notório pesquisador e músico, afirma que a baixaria do violão dos chorões influenciou os arranjos e a execução do maxixe pelas bandas e pianeiros do final do século XIX. Mas, será que não se passou o inverso? As partes de bombardino dos arranjos da época do maxixe apresentam maior complexidade contrapontística e melódica do que qualquer linha de baixo de violão analisada. (lembrando que o violão sete cordas não era um instrumento comum, e que o seu desenvolvimento se deu com Dino 7 cordas, em tempos bem mais recentes). Eram famosas as linhas de baixo realizadas ao oficlide, pelo músico Irineu Batista, notório chorão e mestre do grande Pixinguinha. Pixinguinha, por sua vez influenciou com seu saxofone as linhas de violão de sete cordas de Dino, e de outros chorões da metade do século passado. A questão é saber por que Irineu Batista e outros chorões de sua geração realizavam as baixarias daquela forma. Quem os influenciou? Foram os violonistas populares? Foram os pianistas? Ou terá sido uma característica surgida dentro das bandas militares da época, proveniente de algumas circunstancias como: o caráter livre e improvisado do choro, o talento deste ou daquele músico, ou o “espaço livre” que existia entre a parte da tuba e do acompanhamento, o que permitia a execução de uma segunda linha de baixo contrapontística que dialogava com o tema. Será este baixo complexo e contrapontístico, a baixaria do choro, também uma reminiscência ancestral do caráter improvisado dos tambores graves africanos? Estas e outras questões ainda estão por serem esclarecidas, mas, provavelmente devido ao distanciamento histórico e à falta de registros talvez algumas fiquem sem resposta. O importante, no entanto, é que o objetivo de investigar a linha de baixo na passagem do maxixe para o samba, como forma de se levantar dados para a elaboração de um método de contrabaixo foi alcançado. Outros pesquisadores têm se dedicado a este e a outros temas relacionados, e dentro de alguns anos teremos um quadro ainda mais definido do desenvolvimento dos aspectos musicais do samba. Todo este processo resultará, com certeza, no aprimoramento do ensino e da execução da música brasileira como um todo, contribuindo para a valorização de nossa cultura e de nosso país. 6. REFERÊNCIAS Baseadas na norma NBR 6023, de 2002, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) ALMADA, Carlos. Arranjo. Campinas: Editora da UNICAMP, 2000. ALVARENGA, Oneyda. Música Popular Brasileira. Porto Alegre: Editora Globo, 1950. ANDRADE, Mário de. Dicionário Musical Brasileiro. Coordenação Oneyda Alvarenga, 1982-84, Flávia Camargo Toni, 1984-89. Belo Horizonte, Itatiaia, Brasília. Ministério da Cultura, São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1989. BERENDT, Joachim E. O Jazz: do Rag ao Rock. trad. Júlio Medaglia . 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Anexos em Áudio CD com ilustrações musicais do capítulo III, os números correspondem às faixas. 1- Será Possível Autor: desconhecido Intérprete: Banda da Casa Edson Álbum: CD integrante da coleção “Memórias Musicais” CD 15, Faixa: 11 Gravadora: Zon-o-Phone Ano: 1902 2- Cabeça de Porco Autor: Anacleto de Medeiros Intérprete: Banda do Corpo de Bombeiros Álbum: CD integrante da coleção “Memórias Musicais” CD 1, Faixa: 4 Gravadora: Odeon Ano: 1904 3- É Água Autor: Jorge Seixas Intérprete: Banda da Casa Edson Álbum: CD integrante da coleção “Memórias Musicais” CD 11, Faixa: 10 Gravadora: Odeon Ano: 1907 4- Não Tens Coração Autor: Antonio Maria Passos Intérprete: Grupo K. Laranjeira Álbum: CD integrante da coleção “Memórias Musicais” CD 6, Faixa: 1 Gravadora: Columbia Ano: 1908 5- Chave de Ouro Autor: Armando Faria Intérprete: Quarteto da Casa Faulhaber & Cia Álbum: CD integrante da coleção “Memórias Musicais” CD 11, Faixa: 7 Gravadora: Favorite Record Ano: 1910 6- Só na Flauta Autor: Chiquinha Gonzaga Intérprete: Grupo Chiquinha Gonzaga Álbum: CD integrante da coleção “Memórias Musicais” CD 6, Faixa: 11 Gravadora: Columbia Ano: 1910 7- Massada Autor: Lulu Cavaquinho Intérprete: Choro Carioca Álbum: CD integrante da coleção “Memórias Musicais” CD 2, Faixa: 6 Gravadora: Favorite Ano: 1911 8- Corta Jaca Autor: Chiquinha Gonzaga Intérprete: Grupo Chiquinha Gonzaga Álbum: CD integrante da coleção “Memórias Musicais” CD 6, Faixa: 18 Gravadora: Columbia Ano: 1912 9- Fica Calmo Que Aparece Autor: Donga Intérprete: Grupo do Pixinguinha Álbum: CD integrante da coleção “Memórias Musicais” CD 9, Faixa: 8 Gravadora: Odeon Ano: 1919 10- Os Oito Batutas Autor: Pixinguinha Intérprete: Pixinguinha Álbum: CD integrante da coleção “Memórias Musicais” CD 9, Faixa: 16 Gravadora: Odeon Ano: 1919 11- Os Teus Beijos Autor: Felisberto Martins Intérprete: Orquestra Típica Pixinguinha-Donga Álbum: CD integrante da coleção “Memórias Musicais” CD 4, Faixa: 11 Gravadora: Parlophon Ano: 1928 12- Doutor... Sem Sorte Autor: Agenor Bens Intérprete: Orquestra Victor Brasileira Álbum: CD integrante da coleção “Memórias Musicais” CD 4, Faixa: 11 Gravadora: Victor Ano: 1930 13- Brincando Autor: Ratinho Intérprete: Ratinho Álbum: CD integrante da coleção “Memórias Musicais” CD 7, Faixa: 1 Gravadora: Victor Ano: 1930 14- Burucuntum Autor: Sinhô Intérprete: Carmem Miranda Álbum: CD integrante da coleção “História do Samba” CD 2, Faixa: 2 Gravadora: RCA Victor Ano: 1930 15- Faceira Autor: Ary Barroso Intérprete: Silvio Caldas Álbum: CD integrante da coleção “História do Samba” CD 2, Faixa: 4 Gravadora: RCA Victor Ano: 1931 16- Samba de Fato Autor: Pixinguinha/ Baiano Intérprete: Patrício Teixeira Álbum: CD integrante da coleção “História do Samba” CD 6, Faixa: 1 Gravadora: RCA Victor Ano: 1932 17- Filosofia Autor: Noel Rosa Intérprete: Mário Reis e Orquestra pixinguinha Álbum: CD integrante da coleção “História do Samba” CD 10, Faixa: 1 Gravadora: Continental Ano: 1933 18- Estás no meu Caderno Autor: Benedito Lacerda/ Oswaldo Silva/ Wilson Batista Intérprete: Mário Reis e conjunto Gente do Morro Álbum: CD integrante da coleção “História do Samba” CD 3, Faixa: 4 Gravadora: RCA Victor Ano: 1934 19- - Na Virada da Montanha Autor: Lamartine Babo/ Ary Barroso Intérprete: Francisco Alves Álbum: CD integrante da coleção “História do Samba” CD 2, Faixa: 5 Gravadora: RCA Victor Ano: 1935 20- Alegria Autor: Assis valente/ Durval Maia Intérprete: Orlando Silva. Álbum: CD integrante da coleção “História do Samba” CD 2, Faixa: 6 Gravadora: RCA Victor Ano: 1937 21- Da Cor do pecado Autor: Bororó Intérprete: Silvio Caldas Álbum: CD integrante da coleção “História do Samba” CD 2, Faixa: 9 Gravadora: RCAVictor Ano: 1939 22- Seu Mane Luís Autor: Zé da Zilda Intérprete: Donga/ Baiano Álbum: CD integrante da coleção “História do Samba” CD 19, Faixa: 2 Gravadora: Columbia Ano: 1940 23- Quem me vê sorrindo Autor: Cartola/ Carlos Cachaça Intérprete: Cartola Álbum: CD integrante da coleção “História do Samba” CD 19, Faixa: 3 Gravadora: Columbia Ano: 1940 24- Seu Libório Autor: João de Barro/ Alberto Ribeiro Intérprete: Vassourinha Álbum: CD integrante da coleção “História do Samba” CD 10, Faixa: 4 Gravadora: Continental Ano: 1941 138 PAGE ii