MERCOSUL+2 e Segurança Energética: Uma Análise Comparada das
Interpretações do Conceito e das Políticas Energéticas Nacionais
Thauan Santos1
Carlos Henrique Ferreira da Silva Júnior2
Felipe Augustus Ferreira da Silva e Silva3
Letícia Silva Félix4
Luís Filipe de Souza Porto5
Vivian de Mattos Marciano6
Resumo
As preocupações com a segurança e a defesa nacional sempre estiverem no centro da pauta das
Relações Internacionais. Contudo, recentemente, outras temáticas foram incorporadas. Nesse
sentido, o conceito de segurança energética emerge partir dos anos 1970, em especial após os
dois choques do petróleo de1973 e 1979. Diante disso, os recursos energéticos passaram a
protagonizar as questões de segurança, soberania e política externa, fazendo, muitas vezes, com
que as questões extravasassem o nível de análise nacional e passassem para o âmbito regional.
Portanto, houve dois movimentos conjuntos e complementares decorrentes desse cenário da
década mencionada: (I) expansão do conceito de segurança; e (II) evidência da limitação da
abordagem estadocêntrica para o tema. Considerando-se as duas questões supracitadas, o objetivo
do presente trabalho é justamente investigar, discutir e avaliar o conceito de ‘segurança
energética’ no âmbito regional. Para tal, será analisado o caso do Mercado Comum do Sul
ampliado (MERCOSUL+2), ou seja, já considerando a entrada da Venezuela (2012) e da Bolívia
(2015). Dessa forma, serão pesquisadas as políticas energéticas nacionais dos estados membros
do MERCOSUL+2 à luz da interpretação de cada um deles acerca do conceito de segurança
energética.
Palavras-chave: Segurança energética; MERCOSUL; Integração regional; América do Sul.
1
Professor do Departamento de Defesa e Gestão Estratégica Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(DGEI/UFRJ), do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(IRI/PUC-Rio) e pesquisador do LEEI-UFRJ.
2
Estudante de graduação do DGEI/UFRJ e pesquisador da Escola de Guerra Naval (EGN).
3 Estudante de graduação do DGEI/UFRJ e pesquisador do Laboratório de Estudos Estratégicos Institucionais (LEEIUFRJ).
4 Estudante de graduação do DGEI/UFRJ e pesquisadora da EGN e do Laboratório de Estudos Estratégicos
Institucionais (LEEI-UFRJ).
5 Estudante de graduação do DGEI/UFRJ e pesquisador do LEEI-UFRJ.
6 Estudante de graduação do DGEI/UFRJ e pesquisadora da EGN e do LEEI-UFRJ.
1
Introdução
No final da Guerra Fria surgiu um novo ímpeto para tratar da segurança, propondo o
alargamento e o aprofundamento da agenda securitária vigente até então. O fim pacífico da
tensão entre superpotências fez com que emergissem teóricos propondo que o entendimento de
segurança fosse abordado além da visão realista do Estado e do seu poderio militar.
Na contramão do mainstream viés realista que trata o tema da Defesa e de Segurança
Internacional, Alan Collins, em seu livro “Contemporary Security Studies”, de 2007, destacou
uma gama de assuntos hoje incluídos na disciplina. Sem dúvidas, existe a pertinente e necessária
análise associada à segurança e à defesa militar, o que constituiria a high politics, contudo é cada
vez mais frequente a inclusão e discussão de novos temas. Em seu livro, Collins (2007) destaca a
necessidade do estudo sobre a segurança alimentar, da saúde, econômica, ambiental, humana,
energética, entre outras. Portanto, e na linha de compreensão que se faz necessário um estudo do
conceito de segurança mais amplo e interdisciplinar, a proposta desse trabalho é avaliar a
relevância do estudo da segurança energética como uma via estratégica na garantia do pleno
funcionamento dos Estados não apenas do ponto de vista da produção e do fornecimento de
energia, mas, inclusive, do ponto de vista do bem-estar ambiental e político.
A garantia da segurança energética sempre foi uma preocupação humana, sobretudo desde
meados do século XVIII, quando da primeira Revolução Industrial. Apesar de não aparecer na
literatura nesses termos, a autossuficiência energética ou a estável importação de bens energéticos
sempre foram almejadas. Mais recentemente, porém, e principalmente a partir da segunda metade
do século XX, a preocupação com a escassez de recursos naturais, meio ambiente e outras
questões que mantêm a estabilidade de um Estado vem protagonizando as discussões na mídia e
nos fóruns internacionais, bem como se tornando senso comum na preocupação da sociedade
civil. Paradoxalmente, a enorme dependência mundial dos combustíveis fósseis gera um
externalidade sobre diversos setores e, uma vez continuado esse fato, seus impactos serão
penetrantes.
Nesse sentido, a interdisciplinaridade que norteia o presente trabalho se demonstra
complementar e intrínseca à própria segurança energética, e não perspectivas distintas da
segurança. Dessa forma, não apenas estará sendo analisada a segurança energética propriamente
dita, mas os diferentes entendimentos sobre o conceito, tanto pelo ponto de vista acadêmico,
como político.
O Conceito de Segurança
Com a I Guerra Mundial e o desejo de evitar os horrores associados a ela, nasceu a
disciplina das Relações Internacionais em 1919, em Aberystwyth, Reino Unido. Esta preocupação
com as origens da guerra e sua condução permitiu que as Relações Internacionais fossem
habilitadas a se distinguirem de outras disciplinas, como a História, a Economia e o Direito
Internacional. (COLLINS, 2007, p. 2)
É a sobrevivência de agentes, que para muitos teóricos da disciplina significa “Estados
soberanos”, que se tornou aceita como ferramenta explicativa dominante para compreender o
2
comportamento dos Estados. A segurança, nesse sentido, configura-se como uma questão de high
politics (alta política). No esforço para definir segurança, muitos autores se debruçaram sobre o
tema através do viés realista das relações internacionais, mas a priori pode-se entender que
segurança é tudo aquilo que ameaça a sobrevivência – seja de um Estado, seja dos seres
humanos. De acordo com Bellamy (1981), segurança em si é uma liberdade relativa da guerra,
juntamente com uma grande expectativa que a derrota não seja uma consequência de qualquer
guerra que possa ocorrer.
Por outro lado, segurança também pode ser definida em relação às vulnerabilidades internas ou externas - que ameaçam ou têm o potencial para derrubar ou enfraquecer estruturas
estatais, tanto territoriais e institucionais, como regimes governamentais (AYOOB, 1995). É
possível visualizar, portanto, importantes modificações de acordo com a temporalidade de
significado da segurança. A definição tradicional de segurança pressupõe que o Estado é único
atuar de forma soberana com o intuito de garantir a autoridade sobre seu território, e para isso é
imprescindível a utilização dos mecanismos militares. Essa definição de segurança, por muito
tempo, foi empreendida com vigor, tendo o Estado como principal ator a desempenhar as
atividades inerentes ao tema (OLIVEIRA, 2009).
Alargamento do Conceito de Segurança
O realismo moderno nas relações internacionais pode ser entendido de diversas maneiras
e, de fato, houve uma gama de autores que fez um esforço no sentido de propor uma definição
sobre essa teoria. Nessa corrente de pensamento, é levada em conta apenas a capacidade de o
Estado manter sua hegemonia e responder suas necessidades políticas através do poderio militar
(hard power).
O teórico realista Edward H. Carr (1981) constrói sua teoria com base na centralidade do
poder na política internacional, definindo o poder em três categorias: 1) Poder Militar: expressão
mais alta do poder (high politics); 2) Poder econômico (low politics): submete-se ao poderio
militar; 3) Poder sobre a opinião: a arte da persuasão como essência do político. Essas categorias,
na verdade, não são totalmente independentes, pois integram as partes de um poder indivisível;
portanto, o poder militar constitui a conhecida esfera da high politics (alta política), enquanto o
poder econômico é considerado low politics (baixa política) (SARFATI, 2000).
Nesse sentido, o conceito de segurança restringe-se a sobrevivência do Estado, sua força
bruta e poderio militar. Carr não constrói uma teoria propriamente dita de segurança
internacional. No entanto, sua retomada do Realismo em termos modernos deixa claro que a
arena internacional é essencialmente dominada pela força (Ibid., p. 90).
Entretanto, após o fim da Guerra Fria, a segurança passa a ter uma visão mais
generalizada. O Estado e seu poderio militar ainda têm importância, contudo o surgimento de
novos fatores passa a englobar diversas vulnerabilidades intrínsecas à questão da segurança, entre
eles a economia, as mudanças climáticas, a fome, a segurança energética, entre outros. Com base
neste viés, a visão clássica de assimilar os estudos de segurança focalizados em um Estado
militarista começa perder força, tendo em vista que novos estudos de segurança tendem a
conectar diferentes perspectivas de pensamento (VILLA, 1999).
3
Definindo Segurança Energética
Existem diversas definições e entendimentos sobre o que significa o termo segurança
energética. Essas definições variam de acordo com o tempo, contexto em que são aplicadas e
necessidades dos Estados de manterem consolidada uma estrutura de segurança energética livre
de ameaças ao fornecimento e geração de energia.
O conceito de segurança energética varia de acordo com as diferentes preocupações sobre
energia que vêm mudando através do tempo e que adquirem contornos diferentes, de acordo com
os interesses específicos de cada ator do sistema internacional em diferentes setores - econômico,
ambiental, político, entre outros (ACOSTA. 2013). Nesse sentido, há uma distinção na relação
entre Estados produtores e Estados fornecedores. A percepção neorrealista da segurança
energética vê o termo apenas a partir da garantia do fornecimento e geração de energia, sem se
preocupar com os transbordamentos que esse processo pode gerar para a política dos Estados
envolvidos, a segurança humana, ambiental e social. Portanto, foca-se no descasamento entre
oferta e demanda, à luz dos mecanismos de mercado.
Collins (2007) examina as preocupações emergentes em relação à segurança energética
global de acordo com a acelerada demanda por combustíveis fósseis pelas economias
industrializadas, o que aumenta as incertezas sobre as futuras reservas de energia do planeta.
Toma como ponto chave a política do petróleo (como fonte de energia global), o que, por sua
vez, caracteriza a abordagem mais tradicional (e limitada) para a temática da segurança
energética (SANTOS, 2016). O autor avalia as formas como a insegurança energética vai
aumentar entre as grandes potências do mundo e como isso vai impactar a segurança
internacional. Discute também os diferentes entendimentos sobre a probabilidade de futuras
guerras por recursos e uma rivalidade geopolítica.
Ainda de acordo com a definição de Collins (2007), a segurança energética deve
considerar: 1) uma interseção de uma série de tendências emergentes vindas da demanda global
por energia; 2) o temor pelo encolhimento das fontes de abastecimento; 3) o aumento da
instabilidade em regiões ricas em energia; 4) as preocupações sobre a futura devastação
provocada pelas mudanças climáticas e como isso afeta a garantia das fontes locais e estabilidade
do abastecimento energético mundial. Além disso, define segurança energética quando existem
grandes fontes de energia suficientes para atender as demandas por energia da comunidade
política - que inclui os setores militar, a atividade econômica e social. Essas fontes devem ser
capazes de fornecer quantidades de energia de forma confiável e estável em um futuro previsível.
Quando, por outro lado, essas condições não são atendidas, surge a insegurança energética.
Na linha de entendimento de que há dois tipos de Estados quando consideramos a
segurança energética, ou seja, produtores e fornecedores, o autor faz uma comparação entre as
regiões que enfrentam problemas de insegurança energética (países do Hemisfério Sul) com os do
estável Norte. No sul global, a escassez no fornecimento de energia é um fato da vida, mesmo em
lugares onde existem abundantes fontes de energia, e isso gera um efeito negativo na qualidade
de vida dessas regiões em setores como saúde, educação e infraestrutura de transportes. Por outro
lado, para os países industrializados do norte, a segurança energética se manifesta de forma
diferente; a existência de fornecimento de energia estável é garantia suficiente para um nível
adequado de vida da população.
4
O que se pode entender, dessa forma, é que a segurança energética é uma preocupação
tanto por parte do Norte quanto do Sul, dada a industrialização rápida de várias regiões do globo
e a crescente dependência de combustíveis fósseis por parte das grandes potências. Em especial
no contexto do presente trabalho, vale destacar a vulnerabilidade associada aos países do sul
global, com destaque para a América Latina.
Por outro lado, Dirmoser (2007) define segurança energética como minimização do risco
de crises energéticas por meios políticos. O autor destaca que a maioria dos países tem algo em
comum: eles não são capazes de cobrir sua demanda de energia com seus próprios recursos. A
maioria dos 193 países do mundo depende cada vez mais de um pequeno número de países
exportadores que têm uma superabundância de commodities de energia, chamados pelo autor
“elipse energética”. Diante desse contexto, cabe compreender o papel crescente do comércio
internacional dessas commodities energéticas ou, como será avaliado no trabalho, da cooperação
e da integração energéticas.
Na necessidade de se definir segurança energética em um escopo mais amplo, Silva
(2007) aponta para a necessidade de considerar um novo conceito de segurança energética para o
século XXI. O leque de ameaças diversificou-se com o terrorismo, a desestabilização interna nos
países produtores, a erosão da capacidade excedentária de produção, a influência do fator
demográfico e a ameaça climática, portanto seria necessário expandir a compreensão de tal
conceito. Nas palavras do autor:
“O conceito atual de segurança energética nasceu a seguir ao
primeiro choque petrolífero em 1973 e está essencialmente
direcionado para prevenir rupturas de abastecimento nos países
produtores. Este conceito não é suficiente para responder aos
problemas atuais que são multi-dimensionais e polifacetados” (Ibid.,
p. 37).
Além disso, e reforçando o argumento mais comum já citado de que o conceito de
segurança energética se debruça sobre o descasamento entre oferta e demanda do recurso
energético, recurso esse geralmente associado ao petróleo, Silva (2007, p. 39) ratifica que:
“O conceito de segurança energética que hoje prevalece significa a
segurança do abastecimento de petróleo e gás. É este conceito que
figura no Artigo 103 do Tratado de Roma que criou a Comunidade
Europeia e que é retomado no Artigo 100 do Tratado de Maastricht
onde se apela a uma reflexão para a diversificação das várias fontes
de energia quer em termos de produtos quer de áreas geográficas.”
O autor aponta ainda diversos fatores para o alargamento do conceito de segurança
energética. Entre eles, destaca-se a necessidade de
“criar condições para a mudança do modelo energético atual
favorecendo a maior contribuição das energias renováveis, da
hídrica, da eólica, solar, biomassa, da energia nuclear, dos
biocombustíveis e do hidrogênio, de forma a compatibilizar o
desenvolvimento com a proteção do ambiente e a redução das
emissões de gases com efeito de estufa.” (Ibid., p. 44).
5
Na estrutura do setor energético - composto por fontes, recursos, infraestrutura,
equipamentos e meios tecnológicos, Espona (2013) aponta que existem muitos fatores
contextuais que demonstram a natureza multifacetada da segurança energética, bem como geram
influências sobre a mesma. “limitarse al suministro -el cual es, sin duda, esencial- no es
conceptualmente suficiente para una consideración completa de la Seguridad Energética,
habiendo más factores que inciden en ésta”7 (ESPONA, 2013, p. 7)
Nesse sentido, pode ser entendido que a segurança energética não tem sido tratada de
forma concreta e sistematizada, considerando todos os aspectos funcionais convergentes sobre o
conceito. Até agora tem sido utilizada uma visão clássica sobre o termo, baseada na infraestrutura
energética e na geopolítica do fornecimento de energia.
Ainda de acordo com autor:
“La moderna doctrina considera la Seguridad Energética de modo
integrado y multidimensional, predominando los elementos
funcionales sobre el territorial. La consideración sistémica incide
en la independencia, la resiliencia, la reducción de vulnerabilidad
y sensibilidad del sector energético, ante amenazas
multivectoriales.”8 (Ibid., p. 12).
Salientando o termo Segurança Energética e sua característica multifacetada, Espona
(2013, p. 3) postula que o termo
“busca la salvaguarda de la independencia y resiliencia, reducción
de la vulnerabilidad y sensibilidad del sector energético. Conjuga
los campos de la seguridad, la defensa, la economía y las
relaciones internacionales, contemplando varios planos de acción
sobre aspectos tangibles e inmateriales del sector energético, desde
la clásica securización de instalaciones hasta la protección de la
imagen empresarial y la gestión del conocimiento”9
De fato, há uma intrínseca necessidade de tratar a segurança energética não apenas a partir
do fornecimento e geração de energia, mas principalmente de forma multifacetada, levando em
consideração outros aspectos envolvidos na dinâmica da produção e do fornecimento. Nesse
sentido, não há consenso entre os autores sobre o que a segurança energética representa de fato.
O conceito varia de acordo com o tempo e contexto em que é aplicado e sua definição não pode
ser limitada a rasas conceituações baseadas apenas na necessidade de energia dos Estados.
Vale destacar, contudo, que a abordagem para a temática da segurança energética é muitas
vezes associada ao espeço de tempo em análise, seja ela uma análise de curto prazo ou de longo
7
“Limitar-se à oferta – a qual, sem dúvidas, é essencial – não é conceitualmente suficiente para uma consideração
mais completa da Segurança Energética, havendo mais fatores que incidem na mesma” (tradução dos autores).
8
“A moderna doutrina considera a Segurança Energética de modo integrado e multidimensional, predominando os
elementos funcionais sobre o territorial. A consideração sistêmica incide sobre a independência do setor energético
ante ameaças multi-vetoriais” (tradução dos autores).
9
“Busca a salvaguarda da independência e resiliência, redução da vulnerabilidade e sensibilidade do setor energético.
Conjuga os campos da segurança, da defesa, da economia e das relações internacionais, contemplando vários planos
de ação sobre aspectos tangíveis e imateriais do setor energético, desde a clássica securitização das instalações até a
proteção da imagem empresarial e a gestão do conhecimento” (tradução dos autores).
6
prazo. Santos (2016, p. 7), por exemplo, destaca que na definição da Agência Internacional de
Energia (IEA, sigla em inglês)
“(...) é sugerida uma abordagem em 02 (dois) casos distintos: no
curto prazo (CP), o ponto central seria a capacidade de o sistema
responder prontamente a mudanças subidas do mercado (oferta e
demanda); no longo prazo (LP), lidaria principalmente com
investimentos alinhados ao desenvolvimento econômico e às
necessidades energéticas.”
A perspectiva regional do MERCOSUL +2
Ainda que alguns autores destaquem a necessidade de se ampliar o conceito de segurança
energética, outros como Vallejo (2013), irão problematizar também os impactos na produção em
larga escala de fontes renováveis, como os biocombustíveis de primeira geração, em especial para
a região da América do Sul. Se usarmos o conceito clássico de capacidade de abastecimento
energético, a América do Sul é decerto uma região autossuficiente, com grande produção de
energia fóssil e alto potencial hidrelétrico (OBANDO, 2008). Considerando também a temática
sustentável da segurança energética, dada preocupação ambiental e os recursos esgotáveis, a
região também demonstra grande potencial e preocupação com a eficiência energética.
Contudo, para falarmos de eficiência energética, quando acoplado ao conceito de
segurança energética, devemos considerar a distribuição natural desses recursos, que revela duas
grandes potências na região: Venezuela, com 90% das reservas de petróleo e 73% das reservas de
gás natural, e Brasil, que possui 77% das reservas de carvão mineral e 40% do potencial
hidrelétrico (VALLEJO, 2013). Além dessa assimetria natural, há uma assimetria estrutural
quanto à distribuição de riquezas, que irá impactar na infraestrutura de produção de energia, uma
vez que a desigualdade causada pela distribuição assimétrica irá impactar no consumo, logo, na
demanda industrial por energia. Outro fator importante é quanto ao projeto de desenvolvimento
estatal a essa temática. Dessa forma:
“Claramente se puede ver en la región dos proyectos de desarrollo
diferentes y antagónicos. Uno basado en la economía de mercado y
el otro en el Estado gestor. En el primer caso están Chile,
Colombia y Perú; en el segundo están claramente Venezuela y
Bolivia, y fuera de la región Cuba y Nicaragua. Argentina, Brasil y
Uruguay se mantienen en una situación intermedia” 10 (BROSS,
2012, p. 120).
Venezuela e Bolívia, por compartilharem da ideologia bolivariana, colocam o Estado
como o ator principal nas mesas de negociação energética, ou seja, o Estado é o regulador dos
recursos estratégicos que possui – por exemplo, ambos possuem as maiores reservas de gás
natural do continente. Os dois países utilizam sua capacidade de produção de energia para dar
reforço a pleitos internacionais, como no caso do litígio boliviano com o Chile para saída
10
“Claramente, pode-se ver na região dois projetos de desenvolvimento diferentes e antagônicos. Um baseado na
economia de Mercado e o outro no Estado gestor. No primeiro caso, estão Chile, Colômbia e Peru; no Segundo,
estão claramente Venezuela e Bolívia, e for a da região Cuba e Nicarágua. Argentina, Brasil e Uruguai se mantêm
emu ma situação intermediária.” (tradução dos autores).
7
soberana para o Oceano Pacífico, em que o país de Evo Morales usa sua autossuficiência
energética como barganha para dependência de exportação de energia chilena.
Apesar da convergência de ambos quanto ao uso político de seus recursos, existe um
abismo quanto ao planejamento de ambos. Com uma demanda de 1.200 MW e uma capacidade
de geração de 1.600 MV, a Bolívia se destaca nos índices de segurança energética do Conselho
Mundial de Energia (WEC, em inglês), que estabelece uma relação entre demanda, capacidade e
investimento para determinar o nível de segurança. Enquanto isso, a Venezuela, que possuí como
principal produto de exportação o petróleo, não consegue se reerguer com a queda dos preços dos
barris causados, também, pela descoberta de novas reservas, logo, novos produtores, como foi o
caso do Brasil, além do aumento nos investimentos em fontes de energias alternativas, dada a
preocupação ambiental. Vale destacar, ainda, que a queda do preço internacional do barril de
petróleo também está associada ao shale gas (gás de xisto).
Já no cenário político energético brasileiro, segundo a política de Defesa Nacional
vigente, o Atlântico Sul possui grande relevância estratégica, pois se trata de uma área com cerca
4,5 milhões de quilômetros, a qual o Brasil é o ator mais influente da região. Essa importância
brasileira neste setor origina-se no direito de jurisdição sobre os recursos econômicos que o país
tem nesta faixa territorial que é denominada Amazônia Azul, sendo esta de suma importância no
que tange a segurança energética, tendo em vista que apenas no ano de 2010 foram produzidos
mais de 90% do petróleo e aproximadamente 65% do gás no território brasileiro (ANP, 2012, p.
82-84 apud PAIVA, 2012).
Vale ainda ressaltar que o território brasileiro possui sua matriz energética a partir de
recursos que se encontram, em sua maioria, no mar, assim como o pré-sal, ou seja, o reforço da
marinha deve ser pauta de discussão. Em relação a essa temática, cabe ressaltar que na dimensão
militar de segurança energética brasileira essas ações tocam a vigilância e a manutenção da
soberania, assim como o transbordamento e desenvolvimento dos mais variados campos civis e
militares.
Ademais, a atuação brasileira no exterior se dá principalmente através de multinacionais
para empreendimentos que envolvem a produção e geração de energia, tais como a construção de
hidrelétricas e termelétricas, a exploração de minérios e gás, o investimento na indústria
transformadora de matéria-prima como refinarias e petroquímicas, bem como a edificação de
gasodutos e outras interconexões energéticas (LOHBAUER, 2010, p. 118 apud PAIVA, 2012).
Dessa forma:
“Os principais entes públicos no Brasil que estão envolvidos nas
políticas de investimentos de empresas brasileiras no exterior (...)
são os seguintes: o Ministério das Relações Exteriores – MRE; a
Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos −
APEX-Brasil; a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial
– ABDI; o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social – BNDES; e a Secretaria de Assuntos Internacionais −
SAIN, do Ministério da Fazenda.” (RIBEIRO & LIMA, 2008, p.
35, apud PAIVA, 2012).
Nesse sentido, e de acordo com a análise de Ribeiro e Lima (2008), os três principais primeiros
entes públicos envolvidos na política de investimento de empresas brasileiras no exterior:
8
“demonstram uma nítida preocupação em desenvolver uma visão
estratégica para os investimentos brasileiros no exterior, seja em
termos do benefício que as empresas brasileiras podem obter com
esse processo, seja pelo impacto positivo que os investimentos
podem ter sobre os fluxos de comércio exterior do país, seja ainda
por quanto os investimentos podem colaborar para a integração
regional sul-americana e, especificamente com vistas ao tema do
presente trabalho, para a maior integração do Brasil com os países
andinos. O trabalho do BNDES, por sua vez, relaciona-se
basicamente à administração de uma linha de crédito destinada
especialmente à realização de investimentos no exterior por parte
das empresas brasileiras. Já a Secretaria de Assuntos Internacionais
analisa a questão dos investimentos sob o prisma macroeconômico,
qual seja, do quanto ele pode colaborar para o crescimento
econômico e, mais especificamente, seus impactos sobre o balanço
de pagamentos brasileiro. (Ibid., p. 36).
Entretanto, tais investimentos geram também visões controversas no cenário
internacional, por parte dos países receptores gerando o discurso imperialista, o que pode levar a
instabilidade político econômica com reflexos na segurança energética de toda a região.
O Brasil, assim como a China e a Índia, faz parte dos países em desenvolvimento visados
no âmbito internacional devido ao significativo aumento na emissão de poluentes, o que não
significa dizer que a agenda brasileira desconsidera tal temática, no entanto torna-se um desafio a
um pais em desenvolvimento. Para lidar com a questão da segurança energética, apresenta um
perfil de integração energética regional fortemente associado a projetos hidrelétricos binacionais,
como é o caso de Itaipu Binacional (SANTOS, 2014).
Já na Argentina, de acordo com Schutt e Carucci (2008), nos últimos tempos destaca-se o
papel do gás natural. Nos anos 2000, suas reservas começaram a declinar enquanto o consumo
subia. Consequentemente, as reservas caíram de 19 anos em 2000 para 9, em 2006, por não haver
registrado incorporações de reservas suficientes, pois não havia atividade exploratória suficiente
em contexto de desvalorização (crise do modelo econômico argentino em 2001-2002).
O Gás Natural é vital para o fornecimento de energia elétrica ao povo argentino. No
contexto, de integração sul-americano, o gás natural teve desenvolvimento desigual,
concentrando-se fundamentalmente na Bolívia e Argentina (após a descoberta de Loma e La Lata
nos anos setenta) e Venezuela em menor medida. Este intercâmbio se dá através dos gasodutos
regionais construídos com esses propósitos, destacando as vinculações de Argentina com Chile
ao longo de toda fronteira, da Bolívia com Brasil e Argentina, e Argentina com Uruguai. É
notável que as vinculações se estabeleceram fundamentalmente entre os países do MERCOSUL
ampliado com Bolívia e Chile.
A construção do gasoduto NEA, em andamento, na Argentina será vital não só para o país
em si como também para toda a região, seu projeto irá abastecer o noroeste e centro da Bolívia,
uma área de 1.500 km.
“A pedido de los gobiernos de Brasil, Argentina, Bolivia,
Paraguay, Uruguay y Perú, el Banco Mundial ha realizado un
estudio para analizar la factibilidad de las interconexiones en las
9
que incluye el GNEA (1.500 km), Humay-Tocopila (1.356 km) y
Uruguayana-Porto Alegre (615 km), con resultados que avalarían
la realización de las obras (Mayorga Alba, 2006). Sobre la cuenca
del Río de la Plata, sobre los ríos Paraná y Uruguay, se
concretaron aprovechamientos importantes por sus capacidades
instaladas y que tuvieron un largo período de gestación: Salto
Grande, Yacyretá e Itaipú. (...) Este intercambio contribuyó a
paliar las restricciones que por momentos debió afrontar Argentina
por limitaciones en su generación, a la vez que Uruguay recibió, en
determinados años, un aporte del sistema hidrotérmico argentino
que le permitió asegurar la cobertura de su demanda.” 11
(SCHUTT& CARUCCI, 2008, p. 73).
Com o objetivo de promover a integração energética na América do Sul e buscando adotar
uma legislação interna aos biocombustíveis, de acordo com Branco e Khair (2010), para tanto os
membros do MERCOSUL assinaram um memorando de entendimentos, em dezembro de 2006,
ampliando a colaboração recíproca dos Países-Membros. “O referido memorando, prevê o
estabelecimento de um Grupo de Trabalho Especial com o fito de criar um programa de
cooperação na área de biocombustíveis e suas tecnologias, foi aprovado pela Decisão n° 32/06 da
CMC.”
Considerações finais
Ante todo o exposto, é observado ao logo da pesquisa o não consenso dos autores sobre a
definição de segurança energética e de suas particularidades, tendo em vista que cada autor realça
elementos de acordo com sua vivência, tempo e contexto histórico, sendo essas conceituações,
insuficientes para abarcar uma questão tão sensível e complexa que não abrange apenas as
necessidades estatais e empresariais, mas envolve em si, outros debates muitas vezes
desconsiderados dentro desta temática como o caso da segurança humana e ambiental.
No caso sul-americano, nota-se uma disparidade entre os modelos e políticas adotadas
internamente no setor energético, enfraquecendo e dificultando o projeto de integração regional.
Ademais, os países aqui analisados, apresentam comportamentos distintos, sendo que alguns
trabalham o setor energético tendo o foco na nacionalização e outros interagem com o setor
privado. Como foi colocado no decorrer do texto, existe uma assimetria natural energética,
devido, em maior parte, à quantidade que a Venezuela e o Brasil têm de recursos energéticos
naturais em seus territórios. Porém, com a criação de um projeto regional integrador, essas
assimetrias deveriam ser levadas em conta e discutidas entre os Estados da região para promoção
11
“A pedido dos governos do Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Peru, o Banco Mundial realizou um
estudo para analisar a viabilidade das interconexões nas que inlcui o GNEA (1.500 km), Humay-Tocopila (1.356 km)
e Uruguayana-Porto Alegre (615 km), com resultados que avaliariam a realização das obras (Mayorga Alba, 2006).
Sobre a bacia do Rio do Prata, sobre os rios Paraná e Uruguai, concretizaram-se aproveitamentos importantes devido
às suas capacidades instaladas e que tivieram um longo período de gestão: Salto Grande, Yacyretá e Itaipu (…) Esse
intercâmbio contribuiu para aliviar as restrições que, por vezes, teve de enfrentar a Argentina por limitações em sua
geração, enquanto o Uruguai recebeu em alguns anos, uma contribuição de sistema hidrotérmico argentino que lhe
permitiu garantir a cobertura de sua demanda.” (tradução dos autores).
10
e estruturação de políticas voltadas ao setor energético, com a finalidade de reduzir as assimetrias
supracitadas.
Apesar da existência de um grande potencial energético na região, este não é utilizado
pelo bloco, por causa da carência infraestrutural sul-americana. Esta problemática não permite
que os países explorem toda capacidade energética que a área provém. O que acaba
demonstrando a conexão dos campos energéticos e infraestruturais, sendo ambos essenciais para
a integração e para a solução para os problemas de demanda energética no âmbito regional, por
meio da cooperação.
Referências
ACOSTA, Diego Lucas Mena. “Una aproximación al concepto de seguridad energética: su
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