Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                
12 Política ZERO HORA TERÇA-FEIRA, 23 DE JULHO DE 2013 A POLÍTICA NA PRANCHETA Como financiar as campanhas Para eliminar imperfeições do atual modelo, especialistas debatem aplicação de restrições, como o fim das doações de empresas JULIANA BUBLITZ O QUE ESTÁ EM JOGO Fonte de algumas das principais mazelas nacionais – entre elas as triangulações envolvendo autoridades, empresas e contratos públicos –, o financiamento das campanhas está entre os temas mais controversos da reforma política. Para uns, a saída é criar um sistema exclusivamente público para reduzir a influência do poder econômico sobre os políticos. Para outros, o modelo é apenas uma forma de drenar o dinheiro dos contribuintes, sem garantias contra o caixa 2. Entenda as propostas que estão em debate no Brasil para mudar o atual sistema de custeio das campanhas eleitorais. Na página 16, leia a opinião do Grupo RBS sobre o assunto. H oje, no Brasil, as campanhas são custeadas com recursos públicos e privados. Só nas eleições de 2012, os gastos ultrapassaram R$ 3,5 bilhões.Foram mais de 900 mil doadores, que bancaram a maior parte das despesas. É nesse cenário que germina o debate em torno do financiamento público. Os defensores do modelo sustentam que a alteração poderia se dar de duas formas: com a proibição de recursos privados ou com restrição só para empresas. Na primeira alternativa, os custos seriam pagos pelo Estado. Na segunda, além dos repasses públicos, os candidatos poderiam receber de cidadãos. É o que prega o projeto Eleições Limpas, fruto da mobilização de entidades como a OAB e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). – Entendemos que empresa não doa, faz investimento. É por isso que queremos mudar – diz a diretora do MCCE,Jovita Rosa. Se o projeto se transformar em lei, como querem as entidades, pessoas comuns poderiam doar até R$ 700. O partido receberia a doação e a dividiria de forma igualitária entre seus candidatos. – Não podemos mais aceitar que meia dúzia de setores financie as eleições – destaca o presidente da OAB-RS,Marcelo Bertoluci. Mas nem todos consideram necessário alterar o sistema atual. – O que falta é impor um limite fixo para os gastos e para as doações, e melhorar a fiscalização. Só isso já resolveria os problemas – afirma o cientista político Vitor Peixoto, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). juliana.bublitz@zerohora.com.br COMO É HOJE ● O sistema de financiamento de campanhas no Brasil é misto, com verbas públicas e privadas. O recurso privado é obtido, pelos candidatos e partidos, por meio de empresas e pessoas físicas. ● ● QUAL É O PROBLEMA A maior parte da receita das candidaturas vem de doações de empresas. ● O recurso público tem origem no Fundo Partidário, mantido a partir do orçamento da União. Há o risco de troca de favores, isto é, o político pode ser levado a beneficiar as empresas que financiaram sua campanha. AS DUAS PRINCIPAIS OPÇÕES SISTEMA PÚBLICO SISTEMA MISTO ● Seria mantido o formato atual, mas poderiam ser implementadas alterações pontuais para aprimorá-lo. Uma delas seria estabelecer um teto para as doações e para o valor gasto por campanha. ● Com isso, seria mais fácil realizar a fiscalização sobre o uso de caixa 2. Outra opção seria impedir as doações de empresas, para reduzir sua influência sobre os eleitos. Seriam aceitas, porém, doações de pessoas. ANÁLISE EM SÉRIE O que você vai encontrar em ZH PONTOS EM EXAME Dia 21 – Voto obrigatório ou facultativo? Dia 22 – O fim da reeleição Dia 23 – Financiamento de campanha Dia 24 – Representação política Dia 25 – Horário eleitoral Dia 26 – Sistema de governo A DISTORÇÃO ● As alterações poderiam combater uma distorção apontada por levantamento feito pelo deputado Henrique Fontana (PT-RS). O estudo mostra o peso do dinheiro nas eleições hoje: das 513 campanhas mais caras para deputado federal em 2010, 379 elegeram seus candidatos. Ou seja, são menores as chances de vitória para quem não conta com doadores generosos. ● Os candidatos não poderiam mais receber dinheiro do setor privado, em nenhuma hipótese. Todas as candidaturas seriam custeadas com recursos públicos. O objetivo seria diminuir a força do poder econômico. ARGUMENTOS A FAVOR ● O modelo também baratearia as campanhas e reduziria o caixa 2. Para ter efeito, no entanto, a mudança deveria ser combinada ao voto em lista fechada (o eleitor vota em um rol de candidatos preordenado pelo partido). ARGUMENTOS CONTRÁRIOS 1) Reduziria a pressão do poder eco- 1) Se as doações fossem proibidas, nômico sobre campanhas e sobre o mandato dos eleitos. haveria um estímulo à prática de caixa 2 eleitoral. 2) Diminuiria a desigualdade entre as 2) Haveria um aumento no custo candidaturas, pois todas teriam o mesmo patamar de financiamento. das eleições para o contribuinte. 3) Dificultaria a participação de 3) Setores que não têm condições de fazer grandes doações seriam melhor representados. empresas, também consideradas atores sociais legítimos, no processo eleitoral. ENTREVISTA > GUILHERME REIS Cientista político ENTREVISTA > JAIRO NICOLAU Cientista político “Empresas fazem doações para serem favorecidas” “Vai estimular partidos interessados no dinheiro” Guilherme Simões Reis é professor de Ciência Política da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Jairo Nicolau é professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Zero Hora – Por que o senhor é a favor do financiamento público? Guilherme Simões Reis – Considero fundamental para uma boa democracia que o capital não determine o resultado das eleições. Pelo atual sistema, quem representa setores com mais dinheiro recebe vantagens indevidas e acaba se beneficiando. Impedir as empresas de doar para campanhas é o mínimo. ZH – O financiamento público não estimularia o caixa 2? Reis – O caixa 2 é o financiamento ilegal e pode acontecer em qualquer sistema. A melhor forma Zero Hora – Por que o senhor é de coibir isso é ter campanhas mais baratas, porque aí ele vai se tornar contra o financiamento público? Jairo Nicolau – A estatização não visível. Hoje, as campanhas são tão caras que, se aparecerem R$ 300 mil é a melhor opção. Nenhum país democrático adota esse modelo. Não a mais, mal se percebe. significa que o Brasil não possa adoZH – Os críticos argumentam tar, mas é arriscado.Acredito que deque o custo das eleições seria alto veríamos aperfeiçoar o sistema atual e seguir o exemplo de países como para o contribuinte. Reis – Com o sistema atual, o di- a França, que proíbem a doação de nheiro público é gasto de outras for- empresas,mas não de pessoas. mas, que as pessoas nem imaginam, ZH – O sistema não reduziria a por meio de contratos superfaturados, por exemplo.Empresas fazem doações influência do poder econômico? Nicolau – Sem dúvida,mas a quespara serem favorecidas de alguma forma.O financiamento público deve ser tão não é essa.A questão é tirar recurso do Estado sem ter um controle do encarado como um investimento. potencial de corrupção que o sistema pode gerar. Se o financiamento for estatizado, os recursos públicos vão estimular o surgimento de partidos e de candidatos interessados no dinheiro. ZH – Os defensores da ideia argumentam que as campanhas ficariam mais simples e baratas. Nicolau – Não há garantia disso.As campanhas só ficariam mais baratas se fosse adotado o voto em lista fechada, com menor número de candidatos, mas é muito improvável que isso aconteça. O que precisamos é acabar com as doações de empresas.Empreiteira continuar doando é uma piada.