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Breve História Socioeconómica de Faro BREVE HISTÓRIA SOCIOECONÓMICA DE FARO Ficha Técnica Coordenação Geral: Bruno Lage Textos: Jorge Carrega Design e composição: Elissama Barreto Revisão de texto: Liliana Dias Editor: UFF - União das Freguesias de Faro 1ª edição: Novembro 2019 Tiragem: 1.000 exemplares Depósito Legal: n.º 462118/19 ISBN: 978-989-20-9955-2 Créditos fotográficos: União das Freguesias de Faro, Associação Faro 1540, Museu Municipal de Faro, Biblioteca de Arte e Arquivos da Fundação Calouste Gulbenkian, Jornal Folha do Domingo, Faro – Caixa de Memórias, Fotos de Faro Antigo. As fotos cuja autoria não está identificada encontram-se em domínio público Índice Apresentação ......................................................................................................7 Introdução...........................................................................................................8 Capítulo I – Faro antes de Portugal..................................................9 As Origens Fenícias..........................................................................................9 O Período Romano e Visigótico.............................................................11 O Período Árabe..............................................................................................14 Capítulo II – Faro: Da Reconquista Cristã ao Ataque do Conde de Essex (1249-1596)........................................17 A Lenda da Padeira de Aljubarrota.....................................................19 Cristóvão Colombo e os Condes de Faro..........................................21 Capítulo III – Faro nos séculos XVII e XVIII................................28 A População Escrava de Faro...................................................................30 O Terramoto de 1755.....................................................................................31 Capítulo IV – Faro nos Séculos XIX e XX......................................34 Faro e as Invasões Napoleónicas...........................................................34 Breve Panorama Económico.....................................................................37 Feiras e Mercados...........................................................................................40 Comércio e Hotelaria.................................................................................46 O Jardim Manuel Bivar................................................................................53 O Saneamento Básico....................................................................................54 O Ressurgimento da Comunidade.........................................................55 Judaica no Século XIX.................................................................................55 A Chegada do Comboio...............................................................................57 A Visita da Família Real..............................................................................59 A 1ª República em Faro................................................................................,59 1911 - A Luz Elétrica Chega a Faro.......................................................60 A Renovação Urbana após a II Guerra Mundial...........................61 A Inauguração do Aeroporto de Faro e o Desenvolvimento do Turismo.........................................................63 O 25 de Abril e o Nascimento do Hospital Distrital de Faro e da Universidade do Algarve........................64 A “Noite” Farense............................................................................................65 As Freguesias de Faro...................................................................................66 As Origens da Freguesia da Sé.................................................................67 A Freguesia de São Pedro............................................................................68 A Ria Formosa e as Ilhas Barreira........................................................70 Os Clubes Desportivos................................................................................76 Bibliografia Seletiva....................................................................................83 6 Apresentação C idade milenar, Faro desde cedo prosperou graças à riqueza da Ria Formosa e a um porto seguro, transformando a cidade num dos mais importantes centros urbanos do sul da Península Ibérica, por onde passaram as grandes civilizações do Mediterrâneo. Conquistada aos mouros em 1249, a capital algarvia tem contribuído desde então para a economia regional e nacional, constituindo-se como um dos mais importantes centros urbanos do país, estatuto consolidado em 1540 com a elevação a cidade pelo rei D. João III e, já no século XX, com a inauguração do aeroporto internacional em 1965 e a fundação da Universidade do Algarve em 1979. Considerando a importância que assume o conhecimento da história no desenvolvimento de uma identidade coletiva que é, em nossa opinião, fundamental para construir o futuro na era da globalização, a União das Freguesias de Faro disponibiliza aos seus fregueses esta Breve História Socioeconómica de Faro. Trata-se de uma obra de divulgação cultural, obrigatoriamente sucinta, que serve de introdução a um tema vastíssimo, mas que estou certo, ajudará muitos leitores a conhecer melhor a fascinante história da nossa cidade. Gostaria de exprimir o nosso agradecimento ao doutor Jorge Carrega, pelo trabalho de pesquisa realizado para este livro, assim como às diversas entidades que nos disponibilizaram as imagens para esta publicação: CMF – Museu Municipal de Faro; Biblioteca de Arte e Arquivos da Fundação Calouste Gulbenkian; Associação Faro 1540; os jornais A Folha do Domingo e Diário Online; os blogues Restos de Coleção e Promontório da Memória; e os grupos do facebook: Faro – Caixa de Memórias e Fotos de Faro Antigo. Boa leitura! Bruno Lage Presidente da União das Freguesias de Faro 7 Introdução Como em qualquer grande cidade, a história de Faro é indissociável das atividades económicas que, ao longo dos séculos, fizeram a sua riqueza e garantiram, não apenas a sobrevivência, mas, também, a prosperidade dos seus habitantes. Contudo, a dinâmica económica e social de um país e das suas cidades está diretamente relacionada com os regimes políticos e as lideranças que marcam determinados períodos e, também, com catástrofes naturais, guerras e epidemias. De tudo isto trata esta Breve História Socioeconómica de Faro, uma obra que revisita os grandes acontecimentos da história farense, mas também alguns episódios que, embora pouco conhecidos, não deixam de ser fascinantes. O nosso objetivo é claro: estimular nos fregueses (e alguns visitantes) o interesse pela história da capital do Algarve, contribuindo, deste modo, para um aprofundamento da sua cidadania. Jorge Carrega PhD 8 Capítulo I – Faro antes de Portugal As Origens Fenícias Ao longo dos séculos, o Algarve foi uma região fortemente influenciada pelos povos e culturas do Mediterrâneo. De facto, segundo os arqueólogos, as origens de Faro remontam ao século VII a.C., período em que foi estabelecido um entreposto comercial fenício. Este terá estado na origem do topónimo Ossónoba (referido pelos árabes como Ukxunuba), cujo significado era precisamente “armazém no sapal”, nome pelo qual a cidade de Faro foi conhecida até ao século IX. Originários da região correspondente ao atual Líbano e toda a zona costeira da Síria, os fenícios foram um povo de mercadores e comerciantes que estabeleceu colónias e feitorias no sul da Europa. Atraídos inicialmente à Península Ibérica pela exploração de metais como prata, cobre e estanho, foi a abundância de pescado que realmente motivou a sua presença em povoações ribeirinhas como Ossónoba. Todavia, se os fenícios estabeleceram uma feitoria ou entreposto comercial no território onde hoje se situa a cidade de Faro (o mesmo sucedendo em Tavira), foi porque a havia a possibilidade de estabelecer trocas comerciais com a população local. E quem eram então os habitantes desta região? Os historiadores presumem que tenham sido os cónios, povo ibérico cuja história está rodeada de mistérios. Graças a diversas fontes da literatura clássica, sabemos que, durante a Antiguidade, a região algarvia e o baixo Alentejo eram conhecidos como Cineticum e os seus habitantes como cinetes ou cónios. Diversos vestígios arqueológicos comprovam que, pelo menos dois séculos antes da chegada dos fenícios, este povo já havia desenvolvido uma civilização e possuía a sua própria forma de escrita. São muitas as questões que se levantam em torno desta antiga civilização ibérica, mas poucas as respostas conclusivas. Recentemente, alguns autores vieram defender que os povos ibéricos colonizaram grande parte da França, 9 Itália, Córsega, Sardenha, e áreas do norte de África, tendo chegado, inclusive, a estabelecer povoados nas Ilhas Britânicas. No início do século XX, vários linguistas acreditavam que o alfabeto fenício estaria na base da língua cónia. Contudo, outros autores defendem que o alfabeto cónio pertence a uma língua ibérica falada e escrita por todas as tribos (povos) que habitaram a Península Ibérica. Na opinião de Carlos Alberto Castelo (investigador de Arqueologia Epigráfica Ibérica), a língua ibérica foi na realidade a língua “adâmica”, denominada a “mãe” das línguas e escritas que se desenvolveram após o Dilúvio, incluindo as chamadas línguas românicas, muito influenciadas pelo latim, como o português e o castelhano1. Recentemente surgiu uma teoria ainda mais ambiciosa sobre o passado remoto do Algarve. Segundo os investigadores britânicos Peter Dougthrey e Roger Coghill, a região pode corresponder ao território da antiga civilização de Atlântida. Baseando-se no relato de Platão, que localizou a Atlântida para além das colunas de Hércules (estreito de Gibraltar) e a noroeste da região de Gadeira (atual Cádis), os referidos autores concluíram que o Algarve apresenta muitas das características que Platão associou à mítica civilização de Atlântida. Na opinião de Roger Coghill2, a zona de Faro pode corresponder à localização da mítica cidade desaparecida, pois as caraterísticas geológicas do sotavento algarvio sugerem que no passado aqui poderá ter existido uma grande ilha (ou talvez uma península), rodeada por pequenas ilhas interligadas por canais, que foram arrasadas por uma grande catástrofe há cerca de 12 mil anos (tal como descreveu Platão). Esta teoria é sustentada pelo registo sísmico do Algarve que, como sabemos, foi ao longo da sua história abalado por diversos terramotos e tsunamis, sendo que os mais antigos de que existe relato ocorreram em 63 a.C, 309 d.C e 382 d.C, tendo atingindo uma intensidade semelhante à do sismo de 1755 (entre 8.5 e 9 na escala de Richter), e cujos efeitos no litoral algarvio foram de tal modo devastadores que provocaram a ruína da cidade romana de Balsa (perto de Tavira) e o desaparecimento de algumas ilhas ao 1 CEMAL – Centro de Estudos Marítimos e Arqueológicos de Lagos <https://sites. google.com/site/cemallagos/carlos-alberto-castelo/o-reino-do-povo-konii>. 2 Roger Coghill. The Message of Atlantis (kindle edition). 10 largo do Cabo de São Vicente3. Além disso, é bem conhecido o efeito do tsunami originado pelo sismo de 1755, nas ilhas barreira da Ria Formosa, profundamente alteradas na sua extensão e configuração. A grande maioria dos historiadores considera que a civilização de Atlântida narrada por Platão não é mais do que uma simples criação literária, uma alegoria politica que esteve na origem de um mito que ao longo dos séculos estimulou a imaginação de muitos investigadores e artistas. Contudo, o mesmo se disse da cidade de Troia, narrada por Homero, isto até que no final do século XIX, o arqueólogo alemão Heinrich Schliemann descobriu a cidade “mítica” em escavações realizadas na Turquia. Será que o mito de Atlântida também nasceu de uma realidade histórica? Talvez um dia venhamos a descobrir. O Período Romano e Visigótico A ocupação romana do Algarve teve o seu início no século III a.C., sendo a região integrada na província da Hispânia Ulterior e, mais tarde, na província da Lusitânia, à qual pertenceu até ao ano 410 d.C. Durante todos estes séculos Ossónoba integrou o Império Romano, adotando a sua cultura e o seu modelo político e socioeconómico. Com efeito, a cidade foi o mais importante centro urbano do litoral algarvio e uma das principais cidades da Lusitânia, juntamente com Balsa (perto de Tavira), Pax Iulia (Beja), Ebora (Évora), Olisipo (Lisboa) e Scalabbis (Santarém). Com efeito, a localização privilegiada da cidade permitiu a criação de um porto marítimo que, ao longo dos séculos, foi fundamental para o seu desenvolvimento económico. O crescimento do porto de Faro foi obra da burguesia local cujas villae (vilas) se sucediam ao longo do litoral algarvio. As atividades relacionadas com o mar fizeram a prosperidade da cidade, uma vez que o peixe era o alimento favorito dos romanos. Literalmente banhada pela ria, Ossónoba tornou-se num importante centro de produção e transformação de pescado e marisco, produzindo grandes quantidades de garun, um molho de peixe muito apreciado em todo o Império Romano4. Juntamente com a riqueza do mar, o interior algarvio fornecia produtos agrícolas 3 Sobre esta questão recomendamos a leitura de 1755 – Terramoto no Algarve, pp. 17-28. 4 Teodomiro Neto (2009). Faro, Romana, Árabe e Cristã, p. 30. 11 de grande valor económico, nomeadamente o azeite, o vinho, e algumas frutas e hortaliças. Esta produção era escoada para outras cidades romanas através do porto de Ossónoba. Foto do Museu Municipal de Faro/CMF Desde o século XVI, gerações de historiadores especulavam sobre a localização da antiga cidade romana de Ossónoba, apontando como local mais provável as ruínas de Milreu, situadas em Estoi (descobertas no século XVI). A teoria, inicialmente defendida por André de Resende, em 1570, ganhou adeptos após as escavações realizadas por Estácio da Veiga, em 1877, as quais revelaram a grandeza deste sítio arqueológico localizado apenas a nove quilómetros de Faro. No entanto, as escavações levadas a cabo no centro histórico de Faro por Abel Viana, durante a década de 1930 e inícios dos anos 40, permitiram refutar essa possibilidade. Com efeito, entre os muitos achados arqueológicos encontrava-se uma lápide onde se podia ler: “Cida12 de de Ossónoba, da província da Lusitânia, saúda o sacerdote seu protetor, Marco Cornélio Quinto, filho de Galo,” comprovando definitivamente ter sido em Faro a localização da célebre Ossónoba5. “Mosaico do deus Oceano”. Foto cedida pelo Jornal A Folha do Domingo Entre os principais achados arqueológicos do período romano, destaca-se o “Mosaico do Deus Oceano.” Presentemente exposto no Museu Municipal de Faro, este tesouro artístico nacional ornamentava um edifício ligado à atividade marítima, talvez uma bolsa de comércio ou praça de peixe, atestando assim a importância económica de uma cidade onde, inclusive, se chegou a cunhar moeda. No século I d.C., Ossónoba viu nascer uma comunidade cristã ligada ao culto de Santa Maria. No século III d.C., a cidade já era sede de bispado, sendo representada pelo bispo Vicente no concílio de Elvira (Granada), 5 Ao Dr. Mário Lyster Franco, presidente da CMF, ficou a dever-se o incentivo para as escavações arqueológicas de Abel Viana e a posterior divulgação do seu trabalho. 13 realizado no início do século IV d.C., época em que alguns templos pagãos foram adaptados para o culto cristão. Com o declínio do Império Romano e o início das invasões bárbaras, os visigodos chegaram ao Algarve, em 414, e a sua presença na Península Ibérica veio estabilizar politicamente uma vasta região ocupada por vândalos, suevos e alanos. A chegada dos visigodos, em 418, consolidou o processo de cristianização da cidade, que então ficou conhecida como Santa Maria de Ossónoba. O Período Árabe A invasão islâmica da Península Ibérica teve início em 711 e ficou concluída em 714, ano em que o Algarve já estava totalmente ocupado pelas forças militares do general árabe Abû Sabah al-Yamâni. A região foi então denominada de Gharb (Ocidente) do Al-Andalus – integrando o califado omíada de Damasco –, tendo Faro sido a primeira capital regional desta nova província islâmica. Confrontados com o poderio militar muçulmano, que em 712 havia conquistado as principais cidades da Andaluzia, é muito provável que os governantes de Ossónoba tenham, à semelhança de outras cidades, negociado com os invasores a entrega pacífica desta localidade, evitando assim um desnecessário banho de sangue. Contudo, é sabido que, em 740-41, uma parte da população local se revoltou contra os muçulmanos, obrigando os senhores do califado a intervir militarmente com o apoio de uma divisão de militares oriundos do Egito colocados na área de Ossónoba6. A presença muçulmana correspondeu a um período de prosperidade económica e cultural, graças aos conhecimentos introduzidos pelos árabes que muito beneficiaram a agricultura. A riqueza da cidade islâmica de Faro assentou nas oportunidades de negócio criadas pela navegabilidade do seu porto e pela riqueza agrícola das localidades vizinhas, cuja produção de azeite, trigo, frutos secos (figos, amêndoas e alfarrobas) era comercializada para outras cidades do Mediterrâneo. Consequentemente, Faro registou um significativo crescimento populacional, aliado a um processo gradual de misci6 Fernando Pessanha (2012). A Cidade Islâmica de Faro, pp. 22-23. 14 genação dos habitantes locais com a população berbere e árabe oriunda do norte de África e outras regiões da Península Arábica. Originalmente integrada no califado de Córdova, a região algarvia (Garb-Al-Andalus) esteve sob o domínio político da dinastia omíada, uma poderosa família muçulmana reconhecida como descendente da família do profeta Maomé. Os omíadas introduziram nas cidades algarvias um desenho inovador do espaço urbano, transformando o núcleo histórico de cidades como Faro, Silves e Loulé. Com efeito, a cidade islâmica organizava-se em torno de dois polos: a alcáçova e a medina. A alcáçova era um espaço fortificado no interior da muralha que envolvia a cidade (medina). Situada num local de fácil defesa, a alcáçova apresentava sempre uma saída para o exterior e outra para o interior do núcleo urbano. Por seu lado, a medina (aglomerado urbano) envolvia a alcáçova e organizava-se em bairros que se distinguiam por ofícios, etnias ou religiões. Em Faro, a alcáçova situava-se na área hoje conhecida como a antiga fábrica da cerveja, oferecendo proteção à elite governante que podia fugir da cidade por uma pequena porta virada diretamente para a ria. Entre os bairros da medina de Faro, existiu uma judiaria e uma moçarabia (bairro dos judeus e dos cristãos, respetivamente). No local onde hoje se encontra a igreja da Sé, situava-se a mesquita principal da cidade. Com o fim do califado de Córdova, em 1031, Santa Maria do Ocidente transformou-se num reino de taifa (um principado independente), governado pelos Ibn Harum, uma família de ascendência muladi. A estes a cidade ficou a dever o seu nome atual, passando a designar-se Santa Maria de Harum, topónimo que ao longo dos séculos foi derivando até Farun/Farom/ Faro. Segundo alguns historiadores, o governo desta família trouxe progresso e prosperidade à cidade, mas o seu domínio terminou em 1063, quando o pequeno reino foi conquistado por al-Mutadid, o poderoso senhor da taifa de Sevilha, nascido em Beja. Durante todo o período de ocupação islâmica, residiu em Faro uma importante comunidade moçárabe, ou seja, cristãos que viviam sob domínio muçulmano, e de tal importância que, no século IX, a cidade tomou o nome de Santa Maria do Ocidente. É sem dúvida muito relevante que, durante 15 tantos séculos, o nome da cidade tenha prestado homenagem a Santa Maria, mãe de Jesus. Isto reflete a importância de uma comunidade cristã ligada ao culto mariano, e permite-nos igualmente concluir que, durante largos períodos, as três grandes religiões do livro ( Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) conviveram de modo mais ou menos pacífico, em Faro. Na verdade, a explicação para este topónimo reside, em larga medida, no facto de Maria, a imaculada mãe de Jesus, ser a única mulher mencionada pelo seu nome no Alcorão, o livro sagrado do islão. Com efeito, venerada como a mãe do profeta que antecedeu Maomé, Maria é vista como um símbolo de pureza para as mulheres do islão, uma vez que, tal como no Novo Testamento, também no Alcorão Jesus nasceu de um ato miraculoso, tornando-se por isso uma figura venerada por cristãos e muçulmanos. 16 Capítulo II – Faro: Da Reconquista Cristã ao Ataque do Conde de Essex (1249-1596) Desde o início do seu reinado, em 1248, D. Afonso III traçou como objetivo estender o território nacional até ao Algarve. Nesse sentido, o monarca preparou cuidadosamente uma grande campanha militar com o intuito de conquistar todas as cidades do Garb-al-Andaluz, várias das quais constituíam pequenos reinos de taifa. Deste modo, com o apoio das ordens militares de Avis e de Santiago, o monarca tomou Faro, no dia 27 de março de 1249, após um mês de cerco que serviu essencialmente para forçar os muçulmanos a negociar a sua rendição. Após a tomada de Faro, os muçulmanos não foram expulsos ou aprisionados, sendo a maioria autorizada a permanecer na cidade, mediante pagamento de um imposto especial. Naturalmente, as elites árabes optaram por abandonar a região, mas grande parte dos muçulmanos (pequenos comerciantes, artesãos e agricultores) permaneceram. Estes foram, contudo, obrigados a morar fora das muralhas, num bairro próprio que, tal como em muitas outras cidades portuguesas, ficou conhecido como “mouraria”, e cuja localização correspondia à atual rua de Santo António. Tratados como cidadãos de segunda categoria (não podiam sair à noite ou frequentar tabernas), os mouros de Faro foram progressivamente adotando os costumes e a língua dos cristãos, acabando muitos deles por se converter ao cristianismo. No entanto, dada a sua importância no tecido económico-social, os mouros da cidade obtiveram proteção real. Esta foi 17 O foral de Faro. Foto disponível em Faro – Caixa de Memórias concedida, em 1269, por D. Afonso III através de foral, onde se pode ler: “(…) faço carta de foro e segurança a vós, Mouros que sois forros, (…) Mando que nenhum cristão ou judeu tenha poder de fazer-vos mal (…).” Prova da importância que a comunidade moçárabe de Faro reteve no século seguinte à reconquista cristã, foi a criação do mercado das Alcaçarias. Localizado no fim do bairro da mouraria, no local que hoje corresponde ao largo da Pontinha, este mercado representou um espaço de convívio pacífico entre cristãos, judeus e árabes. A ligação de D. Afonso III à cidade de Faro não terminou com a tomada da cidade, pois aqui o monarca viveu também um grande amor, apaixonando-se pela bela princesa Madragana, a filha de Al Bem Bakr, último alcaide mouro de Faro. Segundo o professor Diogo Freitas do Amaral7, o rei de Portugal (na época solteiro), teve três filhos ilegítimos com a bela moura farense: Urraca Afonso, Rodrigo Afonso e Martin Afonso. Todos eles foram criados na corte e beneficiaram da proteção real, pelo que, mais tarde, vieram a casar com membros da nobreza portuguesa. Durante toda a Idade Média, Faro teve na pesca e na produção e comércio de sal as suas principais atividades económicas. Não surpreende, por isso, que a cidade tivesse uma importante comunidade de pescadores, a qual, em 1432, fundou o Compromisso Marítimo de Faro, uma associação que funcionava como sistema de segurança social para os marítimos e respetivas famílias. Esta associação fornecia cuidados médicos e apoio económico a todos os que, mediante o pagamento de uma taxa, contribuíam para o fundo do Compromisso Marítimo. Em 1370, durante o reinado conturbado de D. Fernando e o conflito com Castela, culminando na crise de 1383-1385, Faro foi uma das localidades onde se confecionaram os “biscoitos” para a armada portuguesa. Tratava-se de uma ração de combate que era na verdade uma massa de pão cozida e recozida até ficar desidratada (dura), sendo por isso consumida como um biscoito que era molhado num caldo, vinho ou água. 7 Para melhor conhecer a figura de D. Afonso III e a conquista do Algarve, recomenda-se a leitura de D. Afonso III – O Bolonhês: Um Grande Homem de Estado, Bertrand Editora, 2015. 18 D. Fernando morreu em 1384 abrindo caminho à proclamação de Leonor Teles como regente, o que causou enorme desagrado entre a população. Segundo José Pinheiro e Rosa, Faro terá sido uma das cidades que se opuseram a esta situação política, tendo por isso apoiado a eleição de D. João I (mestre de Avis) como regedor8. Aclamado rei em 1385, D. João I enfrentou a oposição castelhana numa guerra que se estendeu intermitentemente até 1398. O monarca teve o seu grande teste na batalha de Aljubarrota, um momento histórico decisivo na construção da pátria portuguesa, para o qual Faro deu também um importante contributo. Com efeito, é muito provável que alguns farenses e outros algarvios, incorporados nas forças nacionais lideradas pelo condestável D. Nuno Álvares Pereira, tenham participado nesta mítica batalha, mas, curiosamente, foi a farense Brites de Almeida que a história imortalizou. A Lenda da Padeira de Aljubarrota Segundo alguns autores, Brites de Almeida, conhecida como a padeira de Aljubarrota, era feia, alta, corpulenta e forte como um homem, e ainda teria seis dedos em cada mão. Desde criança revelou mau génio e uma tendência para se envolver em desordens. Desde nova trabalhou com o pai, que possuía uma casa de pasto em Faro. Conta a lenda, que por causa do mau feitio matou um dos seus pretendentes durante uma violenta discussão, vendo-se obrigada a fugir das autoridades numa embarcação, depois capturada por piratas mouros. Vendida no mercado de escravos de Argel, Brites de Almeida acabaria por conseguir fugir com mais dois prisioneiros portugueses que roubaram uma embarcação e, após quatro dias de viagem, chegaram à Ericeira. Receando ser reconhecida e entregue às autoridades pelo homicídio do seu pretendente, Brites de Almeida disfarçou-se de homem e foi trabalhar como almocreve (comerciante). Depois de várias peripécias, foi viver para Aljubarrota, onde veio a herdar um forno que lhe permitiu trabalhar como padeira. Esta impetuosa farense teria cerca de 40 anos quando se deu a bata8 José Pinheiro e Rosa in PAULA e PAULA (1991). Faro - Evolução Urbana e Património (1993), p. 29. 19 lha de Aljubarrota (14 de agosto de 1385). Ora, de acordo com a tradição, após a gloriosa vitória das tropas portuguesas alguns soldados castelhanos tiveram a infeliz ideia de procurar esconderijo na casa da padeira nascida em Faro. Regressada das imediações do campo de batalha onde, juntamente com alguns populares havia perseguido os desertores castelhanos, Brites encontrou sete espanhóis escondidos no forno e não hesitou em destilar a sua fúria contra os invasores, matando sete deles à pazada ou, segundo uma outra versão da lenda, cozendo-os como se fossem pães! Pintura evocativa da lenda da padeira de Aljubarrota Durante a Idade Média, os limites da cidade terminavam nos bairros situados nos arrabaldes (exterior da muralha), nomeadamente a mouraria – situada no espaço hoje correspondente à rua de Santo António – e onde viviam os mouros que permaneceram na cidade após a tomada de Faro por D. Afonso III, e o bairro dos pescadores situado na zona ribeirinha. Ao longo dos séculos XIV e XV, residiu em Faro uma importante comunidade judaica, constituída por comerciantes e artesãos. Entre estes estava Samuel Gacon, o primeiro tipógrafo do Algarve, responsável pela impressão, em 1487, do Pentateuco, o mais antigo livro impresso em Portugal. 20 Gacon chegou a Faro oriundo de Sevilha, mas, alguns anos depois, foi obrigado a abandonar o nosso país devido à instituição do Tribunal do Santo Ofício (conhecido como Inquisição)9. Cristóvão Colombo e os Condes de Faro Um dos mais intrigantes e pouco conhecidos episódios da história de Faro é, sem dúvida, a passagem de Cristóvão Colombo pela cidade, no regresso da sua primeira viagem às Índias (América), em março de 1493. Segundo os seus biógrafos, o navegador, a quem durante muito tempo se atribuiu a nacionalidade genovesa, viveu vários anos em Portugal, tendo inclusive estabelecido residência em Porto Santo. Aí casou com Filipa Moniz Perestrelo, filha do antigo governador da cidade, um experiente marinheiro e cosmógrafo do qual terá herdado cartas de navegação do Atlântico. Com efeito, foi no contacto com os marinheiros portugueses que Colombo aprendeu os segredos que o levaram conceber a ideia de alcançar as Índias e a China pela rota ocidental, um projeto rejeitado pelo rei D. João II, mas aceite pelos Reis Católicos espanhóis, em 149210. No dia 3 de agosto de 1492, Cristóvão Colombo zarpou de Palos de la Frontera, Huelva, com 89 marinheiros e três embarcações (Pinta, Nina e Santa Maria). Após uma difícil viagem, avistou terra no dia 12 de outubro e batizou a pequena ilha de São Salvador. A viagem de regresso não esteve isenta de contratempos e, no dia 4 de março de 1493, Colombo aportou em Lisboa, segundo rezam as crónicas, acidentalmente, devido a uma forte tempestade que separou a sua caravela do resto da expedição. Em Lisboa, o navegador, ao serviço de Castela, foi bem recebido, partindo apenas no dia 13 março em direção a Sevilha. Porém, estranhamente, Colombo decidiu fazer escala em Faro, onde permaneceu no dia 14 de mar9 Para saber mais sobre Samuel Gacon e a edição do Pentateuco, recomenda-se a leitura da Breve História da Cultura em Faro. Uma edição da União das Freguesias de Faro (2018), disponível online em: https://sapientia.ualg.pt/handle/10400.1/11021 10 “As Viagens de Cristóvão Colombo.” National Geographic. Disponível em: <https:// nationalgeographic.sapo.pt/historia/grandes-reportagens/1589-cristovao-colombo-o-navegador>. 21 ço, zarpando finalmente para Sevilha na manhã do dia seguinte. Por que razão aportou Colombo a Faro? Não foi com certeza por necessidades de aprovisionamento, pois 24 horas antes saíra de Lisboa, e Faro estava a poucas horas de Sevilha. Segundo alguns autores, este mistério reside nas ligações de Colombo a uma das mais poderosas famílias da nobreza portuguesa, a casa de Bragança e, em particular, os condes de Faro, D. Afonso e seu filho11. Mas quem foi este conde de Faro, figura praticamente desconhecida dos farenses? Chamava-se D. Afonso, era sobrinho do rei D. Afonso V, filho terceiro varão dos 2.os duques de Bragança (D. Fernando I e D. Joana de Castro) e neto do condestável D. Nuno Álvares Pereira. Foi, sem dúvida, um dos mais ricos e poderosos senhores feudais de Portugal. No dia 22 de maio de 1469, o rei D. Afonso V elevou a cidade de Faro a condado, atribuindo ao sobrinho, D. Afonso, o benefício de todas as rendas, direitos, castelo e padroado das igrejas de Faro, que anteriormente haviam pertencido à Coroa, e ainda a quantia de 400$00 réis de assentamento. A atribuição do condado a D. Afonso não agradou aos habitantes de Faro os quais tentaram demover o monarca da sua decisão, invocando o juramento por ele anteriormente feito de manter Faro nos bens da coroa. Ao pedido, o rei respondeu solicitando ao papa Paulo II uma bula (passada em Roma a 12 de julho de 1471), desligando-o do referido juramento. O processo ficou concluído em 22 de abril de 1478, quando em Faro foi passada carta régia a D. Afonso, 1.º conde de Faro, na qual este recebeu também a dízima do pescado de Faro. A morte de D. Afonso V marcou o destino do conde de Faro. Em 1481, D. João II subiu ao trono e procurou implementar medidas de reforma do estado que não agradaram à poderosa casa de Bragança. Esta acabou envolvida numa conspiração falhada, severamente punida pelo monarca. Depois de ver o seu irmão D. Fernando (duque de Bragança) condenado e degolado 11 É de grande interesse a página web Lusotopia, onde Carlos Fontes reúne bastante informação sobre a figura de Cristóvão Colombo e a sua intrigante relação com Portugal. <http://www.filorbis.pt/colombo/index.html>. 22 em Évora, o conde de Faro foi obrigado a procurar exílio em Sevilha, onde foi acolhido pelos Reis Católicos12. Em Sevilha, D. Afonso, conde de Faro, e o seu filho primogénito, Sancho de Noronha, mantiveram uma ligação de grande proximidade com Cristóvão Colombo. Na capital andaluza residia uma importante comunidade portuguesa com ligações à casa de Bragança. Entre os residentes encontrava-se Fernão de Magalhães, o navegador português, filho de Rui Magalhães, cavaleiro fidalgo da Casa de Bragança, o qual, ao serviço dos reis de Espanha, cumpriu a primeira viagem de circum-navegação. A Chegada de Colombo à América por Dióscoro Puebla (1862). Fonte Wikipédia. Afonso de Bragança faleceu em Sevilha, em 1483, cidade onde foi sepultado no convento del Carmen, na atual calle de Baños. Contudo, o seu herdeiro, D. Sancho de Noronha, conde de Odemira, surge também ligado a Cristóvão Colombo. Não terá sido por mera coincidência que, no regresso 12 Na ligação dos condes de Faro à coroa espanhola reside a explicação para que, durante o domínio filipino, D. Estêvão de Faro (neto do 1.º conde de Faro) tenha recebido de D. Filipe III o título de conde de Faro do Alentejo, povoação que este fundou na região de Beja onde a sua família materna possuía muitas terras. 23 da sua segunda viagem às “Índias”, Colombo se tenha dirigido para a costa Alentejana. É sabido que, tendo chegado a 8 de junho, o navegador subiu o rio Mira na direção de Odemira, onde terá passado dois dias, pois só no dia 11 de junho de 1496 chegou a Cádis. Esta profunda ligação de Colombo a Portugal, e em particular à Casa de Bragança, está na base da teoria proposta por autores como Manuel da Silva Rosa e Fernando Branco13, segundo os quais o célebre navegador seria português, e provavelmente um agente secreto ao serviço do rei D. João II, tendo como objetivo desviar as atenções espanholas da costa africana e da descoberta do caminho marítimo para a Índia, nos anos que antecederam a assinatura do tratado de Tordesilhas. Infelizmente, o desaparecimento de muitos documentos da época, em consequência do terramoto 1755, constitui um enorme entrave à investigação histórica, mas parece-nos muito provável que a passagem do almirante Colombo por Faro, tivesse como objetivo recolher informação sobre uma cidade que havia pertencido aos seus patronos e talvez estabelecer contactos com elementos de uma comunidade judaica com fortes ligações à Andaluzia, especialmente desde que os Reis Católicos de Espanha haviam decretado a expulsão dos judeus em 31 de março de 1492. Graças à sua localização geográfica, o Algarve ganhou enorme importância estratégica durante os séculos XV e XVI, assumindo um papel muito importante na política expansionista da dinastia de Avis, apostada nos descobrimentos marítimos. Neste período, Faro viveu uma época de prosperidade, graças ao porto seguro que facilitava o comércio e a exportação de sal e frutos secos, produtos que permitiram estabelecer um comércio ativo com Sevilha, Cádis ou Gibraltar, e com as cidades portuguesas em Marrocos (Ceuta, Tanger e Mazagão). Em 1491, a cidade foi integrada na Casa da Rainha, contando, a partir de então, com o apoio de D. Leonor (esposa de D. João II), a qual patrocinou a construção do convento de Nossa Senhora da Assunção no lugar da antiga judiaria farense (atual largo D. Afonso III). Nasce então a praça da Rainha, no terreiro junto ao cais marítimo e atual jardim Manuel Bivar, espaço onde foi 13 Ambos os autores recusam a biografia oficial que atribui a nacionalidade genovesa a Colombo, por esta se basear em documentos de duvidosa fiabilidade. 24 instalada a alfândega, o açougue (mercado de carne) e o hospital da Misericórdia. A expansão urbana da cidade iria consolidar-se ao longo do século XVI, graças ao crescimento do bairro dos pescadores e à criação da freguesia de São Pedro, o que motivou a construção da atual igreja paroquial passando a ser a matriz de Faro, após a instalação do bispado na Sé catedral. Em 1540, o rei D. João III elevou Faro a cidade e, em 1577, devido à decadência de Silves, tornou-se também sede do bispado do Algarve, ganhando definitivamente o estatuto de capital da região. As razões que mais pesaram para a decisão do rei português foram a centralidade regional de Faro, o facto de a cidade pertencer à Casa da Rainha e o seu dinamismo económico. Nas palavras do professor Joaquim Romero Magalhães: “Ao abrigo da ria, com canais que cruzam os sapais e permitem a navegação, tendo recursos na pesca, não estava longe do Norte de África e estava muito próximo da Baixa Andaluzia marítima.14” A importância económica da cidade para a Casa da Rainha provinha dos mais de 3000 cruzados que os dízimos do sal e peixe miúdo rendiam anualmente à monarca, valor ao qual se juntava ainda a exploração de três armações de atum que eram propriedade da rainha. No antigo termo de Faro ficava também o sítio de Farrobilhas (perto de Almancil), muito rico em pescado, e onde era lançada uma armação de atuns cuja dízima rendia bastante dinheiro à coroa. Com efeito, ao longo do século XVI, a pesca do atum foi uma das principais atividades económicas da cidade e do sotavento algarvio. Implementada no final do seculo XV, por pescadores sicilianos muito experientes na captura, salga e conserva deste peixe, durante mais de um século os tunídeos capturados no Algarve tiveram como principal destino de exportação o sul de Itália. O florescimento da pesca do atum levou também ao desenvolvimento da indústria da salga, que, segundo Romero Magalhães, terá sido introduzida pelos sicilianos durante o reinado de D. Manuel. 14 Joaquim Romero Magalhães (2012). O Algarve na Época Moderna, p. 103. 25 Juntamente com a pesca15, uma das mais importantes atividades económicas da cidade foi a exportação de frutos, produzidos nas vilas e aldeias do interior (Estoi, São Brás de Alportel e Loulé). No entanto, Faro possuía também diversas hortas que abasteciam a cidade, muitas delas localizadas na zona da Atalaia, onde, segundo um cronista da época, existia um grande campo atravessado por uma ribeira, ao longo da qual se encontravam muitas hortas, e que era também zona de caça da perdiz e codorniz. Em 1596, no término de um século de prosperidade, a capital algarvia foi abalada por um evento cuja memória ainda não se apagou. No dia 30 de junho uma armada de 28 navios, com cerca de 7 500 ingleses e 1 000 holandeses, comandados por Robert Devereaux, conde de Essex, atacou a cidade espanhola de Cádis. Esta era uma resposta à tentativa falhada de invasão de Inglaterra por parte de Espanha, em 1588. Contudo, o saque à cidade andaluza não chegou para compensar o avultado investimento desta campanha militar protestante empenhada em enfraquecer o poderio da coroa ibérica que, deste 1580, possuía o maior império desde a queda do Império Romano. De modo a compensar os modestos ganhos do saque de Cádis, o conde de Essex decidiu fazer uma incursão na costa algarvia e, no dia 23 de julho, desembarcou com as suas tropas inglesas a poucos quilómetros de Faro. Percebendo que não iria encontrar resistência, Essex decidiu atacar a capital algarvia. Esta encontrava-se desprotegida pois, ao saber da notícia do ataque a Cádis, o bispo do Algarve (também governador militar da província) havia deslocado as tropas para Lagos, onde julgou que os ingleses iriam atacar, tal como fizera Francis Drake em 1587. Ao saber do desembarque das tropas inglesas, e perante a falta de meios para fazer frente a uma tão poderosa força militar, a população fugiu para outras localidades, deixando a cidade ao abandono. Ao entrar em Faro, os corsários ingleses pilharam a capital algarvia, causando graves prejuízos. Roubaram gado e frutas, vinho doce, sinos e um bom canhão de 11 polegadas e ainda 39 baús de livros e alguns quadros, retirados do palácio episcopal. Não satisfeitos, grupos de corsários tentaram estender o saque a localidades pró15 A julgar pelo foral novo de Faro, no início do século XVII, a captura de chocos e marisco possuía alguma importância económica, pois estava previsto o pagamento de um imposto sobre estas espécies. 26 ximas de Faro, mas foram confrontados com a feroz resistência da população e dos farenses reagrupados em São Brás de Alportel. Com o apoio das milícias de Tavira e Loulé, a população impediu a entrada dos mercenários em outras localidades. No dia 27 de julho de 1596, os ingleses deixaram a cidade e continuaram a sua viagem de regresso a Inglaterra, mas não sem antes incendiarem diversos edifícios, provocando grandes estragos. Entre os objetos roubados em Faro, encontrava-se a biblioteca do Paço Episcopal, com mais de 90 volumes que pertenceram ao bispo D. Fernão Martins Mascarenhas, os quais se encontram, desde então, depositados na biblioteca Bodliana da Universidade de Oxford. De referir que, em 2012, a Associação FARO 1540 pediu oficialmente ao governo britânico a devolução deste tesouro cultural à cidade de onde foi roubado, num dos dias mais negros da sua longa história. 27 Capítulo III – Faro nos séculos XVII e XVIII Gravura de Faro no século XVIII Marcado por uma série de guerras e epidemias, o século XVII assinalou o declínio económico da Península Ibérica, suplantada pela ascensão da Inglaterra e da Flandres como principais centros económicos da Europa. Região periférica, o Algarve e a sua capital foram profundamente afetados por uma sucessão de acontecimentos que escapavam ao seu controlo. Em 1601, a cidade de Faro foi atingida pela peste bubónica, mas poucos anos depois já contava com cerca de 1 700 habitantes, sendo a mais populosa do Algarve. Um dos grandes problemas deste período foi a ameaça constante exercida pelos piratas berberes, obrigando a uma vigilância constante dos acessos da ria e ao reforço das guarnições e patrulhas militares durante os meses de verão, de modo a evitar o desembarque destes piratas marroquinos. Os piratas tinham como principal objetivo saquear as localidades ribeirinhas e fazer cativos para vender nos mercados de escravos do norte de África. 28 Após a restauração da independência, em 1640, a coroa portuguesa investiu na fortificação dos principais portos nacionais, devido ao perigo eminente de uma invasão castelhana. As fortificações modernas refletiam os avanços da balística no século XVII. Em 1653, um engenheiro francês, Pedro Santa Colomba, foi incumbido de reforçar o sistema defensivo de Faro, com a construção de uma muralha (conhecida como cerca seiscentista) que envolveu todo o tecido urbano incluindo conventos, igrejas e capelas. Esta estrutura militar, da qual sobrevive apenas um pequeno troço junto da antiga casa de Fresco, foi reutilizada em 1833 quando a cidade levantou uma linha de fortificação provisória para os canhões que defenderam a cidade durante o cerco miguelista. Um dos grandes problemas que a cidade enfrentou durante este período foi a escassez de pescado, em particular de atum e sardinha. Estas eram duas espécies de grande importância económica entre finais dos séculos XV e XVI, mas que, em finais do século XVII, quase haviam desaparecido da costa algarvia. Todos estes fatores contribuíram para uma crise económica que conduziu a um processo de ruralização do Algarve, verificando-se uma ligeira diminuição do número de habitantes nas localidades do litoral, e um crescimento da população nas zonas rurais do interior algarvio, incluindo Estoi e São Brás de Alportel pertencentes ao antigo termo de Faro. A tendência de estagnação económica manteve-se durante boa parte do século XVIII, em grande medida devido a uma crise das atividades comerciais e portuárias, que estavam sob o controlo de alguns homens de negócio ingleses que se estabeleceram em Faro para abrir negócios de exportação. Segundo Andreia Fidalgo16, este monopólio estrangeiro dificultava enormemente a atividade dos comerciantes locais, mas a recessão da atividade económica tinha como fator principal os pesados impostos aplicados aos produtos que saiam dos portos algarvios para o resto do país, assim como as elevadas taxas cobradas aos produtos nacionais que entravam nos portos algarvios. 16 Sobre esta questão recomenda-se a leitura de FIDALGO, Andreia (2018). 29 Com efeito, podemos concluir que o Algarve sofreu então uma absurda “discriminação fiscal”, em que os seus produtos eram taxados como se fossem originários de um país estrangeiro, enquanto os produtos nacionais destinados ao Reino do Algarve, pagavam mais taxas alfandegárias do que quando tinham como destino outros portos nacionais. Este tratamento vergonhoso prolongou-se por quase todo o século XVIII, sendo apenas corrigido na década de 1770, graças a um conjunto de medidas de “restauração” económica do Reino do Algarve, implementadas pelo governo do Marquês de Pombal. Mas nem tudo foi mau, no início do século XVIII, a ocupação inglesa de Gibraltar provocou um conflito entre Espanha e Inglaterra que proporcionou uma oportunidade de negócio para muitos farenses. Com efeito, quando o rochedo esteve sob bloqueio da marinha espanhola foram os comerciantes e pescadores da cidade quem abasteceu a população e a guarnição britânica com bens de primeira necessidade. A População Escrava de Faro No início do século XVIII, cerca de 10% da população da cidade era composta por africanos negros que haviam sido trazidos como escravos para o Algarve. Segundo Marco Sousa Santos17, a esmagadora maioria destes escravos eram provenientes da região subsariana, nomeadamente de Angola, da Guiné e de Cabo Verde, mas havia também escravos oriundos do Brasil, incluindo alguns índios. Entre os proprietários da mão de obra escrava encontravam-se pessoas de ambos os sexos, incluindo fidalgos, membros do clero, lavradores, pescadores e mestres dos mais diversos ofícios. Ao longo do século XVII e XVIII, foram muitas as crianças que nasceram fruto da relação entre os senhores e seus escravos, dando origem a uma população de mestiços. Em muitos casos, estes acabariam por se tornar homens livres, recebendo cartas de alforria dos seus donos/proge17 Marco Sousa Santos, “Contributos para a História da Escravatura no Termo de Faro (séculos XVI, XVII e XVIII)”, Anais da União das Freguesias de Faro vol. 1 (no prelo). 30 nitores, o mesmo sucedendo com alguns escravos negros, libertados como recompensa pelos serviços prestados. Dada a importância desta enorme comunidade, a igreja implementou um sistema de proteção aos escravos negros, criando, para isso, a confraria Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos (cuja capela se encontra na igreja da Sé). Esta confraria tinha como objetivo prevenir e corrigir os excessos dos seus donos. Com os decretos de 1761, o governo do marquês de Pombal proibiu o transporte de escravos para os portos do reino de Portugal e Algarve, e, com o decreto de 1773, a coroa decretou que os filhos de escravas que, daí em diante, nascessem em Portugal continental seriam cidadãos livres. Consequentemente, a população escrava seria rapidamente assimilada e acabaria por se extinguir em poucas décadas. O Terramoto de 1755 Eram nove e meia da manhã do dia 1 de novembro de 1755 (Dia de Todos os Santos), quando a terra tremeu com uma intensidade nunca sentida pelos portugueses. O Grande Terramoto de Lisboa, como ficou conhecido, causou enorme destruição e teve o seu epicentro no chamado banco de Gorringe (a uma distância de 120 milhas de Sagres), tendo atingindo, segundo os cientistas, a magnitude de 8,7 graus na escala de Richter. Segundo o investigador algarvio do século XIX, Silva Lopes, o poder destruidor deste terramoto ultrapassou largamente os sismos de 1719 e 1722, sendo o número de vítimas mortais no Algarve superior a 1 000 pessoas (aos quais devemos acrescentar milhares de feridos), numa população estimada em cerca de 80 mil habitantes. De acordo com as Memórias Paroquiais de 1758, em Faro, onde a população rondava os 7 mil habitantes, o sismo provocou duzentas vítimas mortais e muitas centenas de feridos, constituindo por isso a maior tragédia de que havia memória na cidade. Transcrevemos o testemunho de Faria e Castro, residente em Faro nesse dia fatídico: 31 Em poucos minutos a formosa cidade de Faro ficou num monte de ruínas. Arrasados pelos alicerces, poucos edifícios escaparam. Sendo dia santo as igrejas estavam cheias e foram muitos os que ali ficaram sepultados sob as ruínas das abóbadas. Nas ruas as fachadas ruíram esmagando muitas pessoas. Na praça abriu-se uma fenda tão grande que não se avistava o seu fundo. (Adaptado pelo autor)18. Na sequência daquele que foi o mais destrutivo terramoto registado até hoje no continente europeu, o litoral algarvio foi atingido pelo maior tsunami (maremoto) de que há memória em Portugal. Segundo os especialistas, apenas seis ou sete minutos decorridos sobre o sismo uma “onda gigante”, com mais de 15 metros, invadiu a terra, penetrando em algumas zonas até mais de um quilómetro da costa19. Ao contrário do que sucedeu no barlavento algarvio, onde o tsunami contribuiu significativamente para a destruição e o aumento do número de vítimas, na região do sotavento (Faro, Olhão e Tavira), o impacto das ondas foi bem menor, graças ao efeito protetor das chamadas ilhas barreira, ampliado pelo facto de, à hora do sismo, se verificar maré baixa. Apesar disso, o terramoto arruinou a grande maioria dos edifícios da capital algarvia. Segundo os registos da época, ficaram danificadas as muralhas, o castelo com as suas torres e baluartes, os quartéis, armazéns, alfândega e cadeia, para além de muitas casas. Além disso, tal como aconteceu em Tavira, o património religioso de Faro foi também profundamente danificado. Na igreja da Sé, caiu grande parte da torre sineira, abatendo-se sobre o coro alto, e ruiu também a capela-mor. Igualmente danificados ficaram o Paço Episcopal, o colégio dos Jesuítas, os conventos de S. Francisco e de Nossa Senhora da Assunção (onde morreram três religiosas), a igreja dos Capuchos (onde a queda da abóbada provocou vários mortos), assim como a igreja paroquial de São Pedro, a igreja da Misericórdia e a igreja do Carmo. 18 Faria e Castro (1786) citado em 1755 - Terramoto no Algarve, p. 98. 19 Os dados e fontes referidas neste subcapítulo encontram-se no livro 1755 – Terramoto no Algarve. 32 Tela com retrato do bispo D. Francisco Gomes de Avelar (1816). Foto do Museu Municipal de Faro/CMF Os efeitos do terramoto de 1755 foram devastadores no Algarve e lançaram a região e a sua capital num período de recessão. Em 18 janeiro de 1789, a rainha D. Maria I nomeou para a diocese do Algarve D. Francisco Gomes do Avelar. Num período em que os bispos desempenhavam uma importante função governativa nas respetivas províncias/dioceses, D. Francisco Gomes do Avelar desempenhou um papel admirável na recuperação económica, social e cultural do Algarve. Com efeito, além de uma notável ação pastoral, em que se destacaram medidas como a proibição dos enterramentos nas igrejas, a construção de cemitérios e a promoção do ensino religioso, ao bispo ficou a dever-se a reconstrução do antigo hospital da Misericórdia, tendo patrocinando também a construção e reconstrução de pontes e estradas. Importante foi igualmente a aposta do bispo no restauro de algumas das mais emblemáticas igrejas algarvias, sendo de destacar, em Faro, a Sé catedral, a igreja da Misericórdia, a igreja de São Pedro e a igreja de Santo António dos Capuchos, todas seriamente afetadas pelo terramoto de 1755. 33 Capítulo IV – Faro nos Séculos XIX e XX Vista de Faro em finais do século XIX Postal do arquivo do Museu Municipal de Faro/CMF Faro e as Invasões Napoleónicas Em 1807, Napoleão Bonaparte ordenou a invasão de Portugal, obrigando a família real portuguesa a exilar-se no Brasil. Em 22 de janeiro de 1808, as tropas napoleónicas, lideradas pelo general Antoine Maurin, entraram no Algarve perante a complacência das autoridades administrativas e eclesiásticas. As autoridades consideravam inútil oferecer resistência a um exército invasor que granjeava a simpatia de alguns sectores da população. O regimento francês, do qual faziam também parte soldados espanhóis, incorporou alguns soldados da pequena guarnição portuguesa de Faro e instalou-se confortavelmente no antigo colégio dos Jesuítas (atual teatro 34 Lethes), enquanto o general Maurin recebeu aposentos numa das casas senhoriais, onde mais tarde seria o Governo Civil. No entanto, se a entrada dos franceses foi pacífica, rapidamente estes granjearam a antipatia da população algarvia, em parte porque impuseram o pagamento de novos impostos, entre os quais 20% do pescado era confiscado pelo exército napoleónico. A revolta era, pois, inevitável e aconteceria em Olhão no dia 16 de junho de 1808, aldeia de pescadores onde uma pequena guarnição de tropas napoleónicas foi incapaz de suster o levantamento espontâneo desta comunidade. Em Faro, a história foi diferente. Com efeito, na capital algarvia residia uma elite de nobres, clérigos e funcionários públicos a quem os invasores trataram com parcimónia, permitindo que estes mantivessem as suas regalias. Pelo contrário, o povo, em particular os pescadores e mariscadores, sentia o mesmo descontentamento que os seus vizinhos olhanenses, uma vez que era o principal visado da carga fiscal imposta pelos franceses, os quais não hesitavam em recorrer à força para efetuar a respetiva cobrança. Deste modo, enquanto as elites se mantinham submissas ao invasor, as camadas populares seguiram o exemplo dos olhanenses e, no dia 19 de junho desse verão quente de 1808, deram início à revolta farense. De acordo com o professor António Rosa Mendes20, a figura emblemática do levantamento popular em Faro chamava-se Manuel Nascimento, mais conhecido como “o maneta”, um farense de baixa condição social, mas bastante enérgico no seu repúdio pelos invasores. Segundo o historiador algarvio, na manhã de domingo de 19 de junho, um grupo de revoltosos aproveitou a deslocação de tropas francesas a Olhão e pagou ao maneta para que este se infiltrasse na torre sineira da igreja do Carmo e, às duas da tarde, tocasse os sinos a rebate, chamando assim a população à rua, onde os conspiradores Bento Tendeiro e Zé do Botequim incitariam os farenses à revolta. Segundo o padre João Pereira de Carvalho, na sua “Memória da Revolução no Algarve,” à chamada do maneta acorreu apenas a “plebe” (o povo humilde) e os rapazes da cidade, tendo as “pessoas bem-nascidas” ficado em suas casas. 20 Sobre este episódio da nossa história recomenda-se a leitura do livro de António Rosa Mendes, Olhão Fez-se a si Próprio, 2009. 35 Foi de facto o povo de Faro quem respondeu ao apelo dos conspiradores e protagonizou a revolta desse dia histórico. Com a ajuda do capitão Sebastião Cabreira, e seus dois irmãos (ambos tenentes), os revoltosos (mal-armados) organizaram-se e, entre vivas à família real portuguesa, tomaram alguns pontos sensíveis da cidade e aprisionaram o general Maurin e a sua escolta. Um ano depois da revolta farense, a mesa da Venerável Ordem Terceira do Carmo, promoveu uma celebração do aniversário da restauração de Faro, e, como tantas vezes acontece, à celebração já não faltaram as mais altas individualidades do clero e da nobreza que ocuparam os lugares de honra na igreja. Expulsos os invasores franceses, o país entrou num período de confronto político culminando na guerra civil (1828-1834) a qual opôs o partido liberal apoiante de D. Pedro IV e o partido absolutista do seu irmão D. Miguel. No dia 27 de junho de 1833, a esquadra liberal fundeou ao largo de Faro e entrou na cidade sem encontrar qualquer resistência. Nesse verão quente de 1833, um grande número de “montanheiros” desceram da serra ao assalto de Faro, Albufeira, Portimão, Tavira e Lagos, tendo como objetivo aniquilar os habitantes da cidade, diabolizados como ímpios e maçónicos, em particular os proprietários, comerciantes e a pequena burguesia intelectual que ocupava os lugares da administração pública. O resultado deste grave confronto social foi o saque de casas e estabelecimentos comerciais, a destruição de cartórios, onde se encontravam os comprovativos de dívidas, e em muitos casos, o homicídio de credores por parte dos devedores. Perante a ameaça de um ataque das forças miguelistas, bastante ativas no interior algarvio, as tropas liberais decidiram então reforçar o sistema defensivo da capital algarvia, aproveitando para o efeito a cerca seiscentista, onde foram instaladas várias peças de artilharia. Lideradas pelo general Tomás Cabreira (sem alguma relação com o ministro das finanças que deu nome à escola secundária), as forças miguelistas tentaram invadir a capital algarvia, mas foram travadas pelas tropas liberais com o precioso auxílio do corpo de atiradores belgas. Foi em Santo António do Alto que se travaram os combates mais sangrentos, tendo-se registado milhares de feridos e centenas de mortos, muitos dos quais fuzilados sumariamente. 36 Nesses dias negros da nossa história, os farenses assistiram impotentes ao saque levado a cabo pelas milícias miguelistas, que não se coibiram de atacar cidadãos indefesos, incluindo mulheres e crianças, com uma brutalidade raramente vista. Na verdade, a barbárie miguelista, não seria esquecida pelos farenses que, no dia 2 de novembro de 1834, obtiveram a sua desejada vingança ao assassinar o general Tomás Cabreira, preso na cadeia de Faro. Contrariamente ao que sucedeu no norte e centro do país, no Algarve os movimentos de guerrilha prolongaram-se alguns anos após o final da guerra civil, transformando o interior algarvio numa zona de grande insegurança. O fim da resistência miguelista chegaria ao fim com a captura do seu principal líder, José Joaquim de Sousa Reis, conhecido como o “remexido”, acabando fuzilado no campo da Trindade (atual jardim da Alameda) e de imediato sepultado no cemitério da Misericórdia de Faro, no dia 2 de agosto de 183821. Em Faro, a implantação do liberalismo e a consequente extinção das ordens religiosas originou a ocupação do antigo convento de São Francisco pelo Regimento de Infantaria e do convento de Santo António dos Capuchos, que foi ocupado pela Guarda Republicana. Breve Panorama Económico Durante o século XIX e primeiras décadas do século XX, a economia do Algarve assentou no setor primário (agricultura e pescas). A pesca e a produção de sal eram, em inícios do século XIX, as principais atividades económicas da capital algarvia, sendo a produção agrícola da região deficitária, devido aos baixos índices de produtividade e de rendimento que, segundo o professor Vilhena Mesquita “eram suscitados pela desigual distribuição social da propriedade, pelo baixo investimento financeiro e pelo atraso científico-tecnológico (…)22.” 21 Sobre a guerra civil no Algarve e a guerrilha miguelista, aconselhamos a leitura de O Remexido e a Resistência Miguelista no Algarve (2009) do professor José Carlos Vilhena Mesquita. 22 Vilhena Mesquita, Breve Ensaio Geoeconómico sobre o Algarve na Primeira Metade do Século XIX, (2000). 37 Em meados do século XIX, a produção e exportação de frutos secos (amêndoa, figo seco e farinha de alfarroba) apresentava um grande valor económico, mas uma das culturas que mais impulsionava a agricultura algarvia era a produção de citrinos. Com efeito, em 1863, o governador civil de Faro solicitou informações relativas à colheita de laranjas e limões daquele ano a cada concelho do distrito. Esses dados hoje permitem-nos compreender a importância da produção de citrinos na economia da região. Deste modo, sabemos que o maior produtor foi o concelho de Faro com 38,4% do total, seguido de Olhão, Monchique e Loulé. Desta considerável produção de citrinos, cerca de 44% era exportada para o estrangeiro. Segundo Aurélio Cabrita, a riqueza do concelho de Faro devia-se à fertilidade e planura da campina de Faro, abundante em água extraída pelas noras que haviam sido desenvolvidas pelos mouros23. No final do século XIX, o cultivo de citrinos entrou em declínio, em grande medida devido aos efeitos de uma praga (gomose), a qual afetou imenso a produção. No entanto, durante a década de 1960, graças à introdução dos furos artesianos, a produção de citrinos voltou a florescer no concelho de Faro. A indústria da pesca floresceu no Algarve, durante o século XIX, graças ao investimento nas artes de captura do atum, sardinha e corvina realizado por empresas nacionais, como a Companhia de Pescarias do Algarve (fundada em 1835), e algumas empresas italianas, espanholas e francesas. Deste modo, as principais cidades portuárias do litoral algarvio (Vila Real de Santo António, Portimão, Faro e Olhão) viram nascer uma indústria de conservas que se desenvolveu na primeira metade do século XX devido à enorme procura de alimentos enlatados provocada pelas duas grandes guerras mundiais. A segunda metade do século XIX e o início do século XX assinala um modesto desenvolvimento industrial em Faro. Em 1860 o convento de Nossa Senhora da Assunção foi vendido em hasta pública a José Maria Carvalho e Teodoro José Tavares, pela quantia de 1 800 réis. Em 1864, Samuel Amran comprou o secular edifício por 2 000 réis, tendo ali instalando uma fábrica de rolhas e preparação de cortiça que laborou durante vários anos (empre23 CABRITA, Aurélio. “Em 1863, o Algarve já Era Campeão da Produção de Citrinos, mas Silves não Estava em Destaque.” Sul Informação, fevereiro 2018. 38 gando mais de uma centena de trabalhadores). A fábrica foi posteriormente adquirida pelos alemães Gremer e Fritz Henzel, que mantiveram esta atividade até aos anos 50. Em 1960, a Câmara Municipal de Faro adquiriu este edifício histórico para instalar o Museu e a Biblioteca Municipais. Claustro do Convento ocupado pela fábrica de cortiça. Foto do Museu Municipal de Faro/CMF Ali bem perto do convento de Nossa Senhora da Assunção/Museu de Faro, no castelo da antiga muralha, foi instalada, em 1904, uma fábrica de destilação de álcool. Esta funcionou durante alguns anos até ser adquirida, em 1931, pela companhia produtora de malte e cerveja, Portugália, que ali construiu uma nova fábrica. Entre 1968 e 1992, o edifício foi ocupado pela Cervisul (Sociedade Distribuidora de Cerveja e Vinhos do Sul) e pelo Regimento de Infantaria do Sul. A transformação de cortiça continuou a realizar-se em Faro, nomeadamente na empresa Torres Pinto (constituída em 1953 e encerrada em 1996), situada perto do Bom João, junto à Ria Formosa. Esta empresa possuía aquele que em tempos foi o maior complexo industrial de Faro, onde 39 se incluíam áreas de escritório, armazém, processamento de matérias-primas e equipamentos de transporte. Igualmente importante foi a fábrica da Companhia de Moagem Farense. Fundada em 1932, esta unidade industrial produziu uma quantidade incalculável de farinhas, abastecendo a maioria dos mercados e padarias da região até ao seu encerramento em 1980. Um dos maiores empreendedores algarvios foi, sem dúvida, João António Júdice Fialho (1859-1934). Natural de Portimão, casou com Maria Antónia Cúmano, filha do médico italiano Dr. Justino Cúmano, e residiu em Faro durante vários anos. Na verdade, foi na capital algarvia que Júdice Fialho Iniciou a sua atividade industrial, fundando uma fábrica de destilação de álcool que acabaria por encerrar poucos anos depois. Fez fortuna ao investir no ramo da indústria da pesca do atum e da sardinha, tendo fundado fábricas em Portimão, Olhão e Lagos. Júdice Fialho investiu, igualmente, na produção de massas alimentícias, compotas e marmeladas. A sua enorme fortuna permitiu-lhe reunir uma importante coleção de arte e, entre 1913 e 1925, construir em Santo António do Alto, uma luxuosa residência inspirada nos solares franceses. Esta residência ficou conhecida como palácio Fialho, onde, desde 1955, funciona o colégio de Nossa Senhora do Alto24. Um outro grande empresário farense que marcou a cidade no início do século XX foi Modesto Reis. Este fez fortuna com as suas fábricas de fiação (algodão e linho), localizadas no quarteirão que abrangia o local onde atualmente se encontra o edifício da Região de Turismo e o espaço presentemente ocupado pela da Escola Secundária Tomás Cabreira. Feiras e Mercados Durante séculos, as atividades comerciais com maior tradição no Algarve foram as feiras francas e os mercados semanais. As feiras aconteciam invariavelmente em datas festivas de carácter religioso ou profano. No século XIII, as feiras ganharam uma importância especial no tecido económico e social do país, refletindo o aumento da população e a consoli24 Sobre este empresário algarvio recomendamos a leitura de Júdice Fialho, O Maior Industrial Conserveiro do Algarve de José Carlos Vilhena Mesquita. 40 dação do território após a reconquista cristã. Numa sociedade com enormes dificuldades de deslocação, com escassez de vias de comunicação e insegurança nas grandes viagens e com o trabalho itinerante dos almocreves (mercadores), as feiras e os mercados semanais ou mensais (realizados ao sábado ou domingo) desempenhavam, até ao século XX, um papel fundamental na economia nacional. Os mercados e feiras contribuíam, assim, para o escoamento da produção agrícola (em particular frutos secos, hortaliças, cereais, ovos, sementes e mel). Ao mesmo tempo, estes disponibilizavam à população toda uma serie de produtos manufaturados, como alfaias agrícolas, mobiliário, vestuário, calçado, loiças e outros utensílios domésticos. Para além do já referido mercado das Alcaçarias (de origem medieval), Faro tinha também uma feira anual. Com efeito, no dia 1 de junho de 1596, D. Filipe I (Filipe II de Espanha) decretou que a Feira de Santa Iria (hoje mais conhecida como Feira de Faro)25, passava a ser feira franca, ficando deste modo isenta do pagamento de impostos e portagens para todos os mercadores e feirantes que se deslocassem a Faro para vender os seus produtos. Entre os privilégios concedidos pelo monarca encontrava-se licença de porte de arma e de qualquer tipo de montada a todos os comerciantes e mercadores que se deslocassem a Faro. Durante muitos anos, historiadores como Pinheiro e Rosa consideraram que a feira de Faro teria nascido com objetivo de afirmar a capitalidade da cidade e ajudar a sua recuperação económica, após o ataque do conde de Essex. No entanto, as origens da feira poderão remontar à Idade Média, época em que os primeiros monarcas portugueses atribuíram vários forais e cartas de feira a diversas localidades nacionais, não sendo assim de descartar a possibilidade de que os reis D. Afonso III ou D. Dinis tenham atribuído carta de feira a Faro, tal como sucedeu com Loulé em 1291. No entanto, a feira de Faro nem sempre beneficiou do estatuto de feira franca, o qual só se tornou definitivo em 1722. Com efeito, no Arquivo Municipal de Faro existe um treslado do alvará régio de 1626, a conceder licença para se fazer a feira franca por um período de seis anos, a realizar 25 Santa Iria, cujo dia se celebra a 20 de outubro, foi uma mártir cristã nascida no século VII perto de Tomar. 41 anualmente no dia de Santa Iria e nos dois seguintes por “aquele reino ser mui falto de coisas necessárias ao comércio dos moradores dele, depois que a dita cidade foi queimada pelos ingleses.” Postal alusivo à Feira de Santa Iria. Disponível em Fotos de Faro Antigo Ao longo da sua história, a feira de Faro ocupou diversos locais da cidade, em particular os mais próximos do centro histórico, como o largo de São Francisco, o largo da Alagoa, o largo e a rua do Pé da Cruz, as Alcaçarias e a praça da Rainha. Em meados do século XIX, por detrás da igreja do Pé da Cruz, começaram a instalar-se os circos e as barracas de diversões, enquanto na atual avenida 5 de Outubro vendia-se cereais e legumes e na zona do atual mercado municipal situavam-se os vendedores de gado. A partir de 1906, a feira passou a realizar-se no largo de São Francisco e ruas adjacentes. Neste período, a feira de Faro era ainda a maior e mais importante do Algarve como testemunhou um artigo do jornal Correio do Sul, em 1929: E a envolver tudo, enchendo as ruas, desde o Jardim a S. Luiz, um enorme, interminável formigueiro humano, manchando a cidade de pinceladas multicores (…) a vivificar as artérias da cidade. (Correio do Sul, nº 661, 20/10/1929) 42 Nos anos 60 e 70 do século XX, a Feira de Santa Iria ainda ocupava todo o largo de São Francisco, assim como o largo D. Afonso III e parte do largo da Sé. Presentemente, a maior feira tradicional do Algarve continua a realizar-se na segunda quinzena de outubro, atraindo milhares de pessoas aos carrosséis e às barracas de comes e bebes, olaria, calçado, roupa, atoalhados, brinquedos, frutos secos e cutelaria. Mais pequena, mas com alguma importância, a feira do Carmo, cujas origens remontavam ao século XVIII, realizava-se no dia da padroeira, a 16 de julho, mas nunca atingiu as mesmas dimensões da Feira de Santa Iria, pois ficou consignada ao largo da igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo e algumas ruas adjacentes. Contudo, nos anos 50 e 60 do século XX, esta feira ainda era um momento aguardado pela população local, em particular os mais jovens que, em plenas férias escolares, afluíam às barracas de diversões. No final dos anos 70, esta feira passou a realizar-se no largo de São Francisco, acabando por desaparecer no início dos anos 90. Pescadores trabalhando as redes junto do Alto da Morraça. Foto disponível em Faro - Caixa de Memórias 43 Em meados do século XIX, Faro tinha um mercado semanal que se realizava ao sábado e no terceiro domingo de cada mês. Durante mais de um século, o mercado da cidade esteve situado no espaço chamado Alto da Morraça (situado em frente ao atual edifico da alfândega e no espaço hoje ocupado pelo Hotel Eva). O mercado era constituído por alguns barracões e tendas, assim como a casa do açougue (talho), situado numa das casas frente ao palácio Bivar. Em 1873, a falta de condições de higiene levaria a Câmara a encetar um projeto para novo mercado da fruta, hortaliças e carne, localizado no espaço frente ao jardim Manuel Bivar, onde hoje se encontra o edifício do Banco de Portugal. Em 1878, a autarquia deu início à construção do novo mercado do peixe, situado junto ao cais (próximo do local onde hoje se encontra o Museu de Ciência Viva), de modo a aproveitar a proximidade do local de desembarque das embarcações de pesca26. Mercado do Peixe junto à doca de Faro. Foto Museu Municipal de Faro No início dos anos 40, a Câmara Municipal de Faro concluiu que as instalações do velho mercado das frutas, hortaliças e carne, assim como o mercado do peixe, já não cobriam as necessidades da cidade, tendo por isso 26 O Mercado de Faro: Uma Herança Mediterrânea, p. 38. 44 decidido construir um novo e moderno edifício para nele instalar o mercado municipal. O local escolhido foi o chamado campo de S. Luís, com um largo projetado para a antiga “estrada da Circunvalação” que confina com a atual rua Dr. Cândido Guerreiro. Com projeto do arquiteto lisboeta Jorge Oliveira, o novo mercado, com um custo estimado em 3 000 contos, abriu ao público no dia 1 de dezembro de 1953. Edifício do antigo Mercado Municipal de Faro. Foto disponível em promontoriodamemoria.blogspot.com No final dos anos 90, o Mercado Municipal de Faro apresentava insuficiências graves, o que acabaria por conduzir à sua demolição em 2001, e a construção de um novo edifício no mesmo local. O novo Mercado Municipal de Faro foi inaugurado em 8 de fevereiro de 2007, com um custo final de 23 milhões de euros. Com 80 bancas de venda, três restaurantes, quatro pastelarias e um parque de estacionamento subterrâneo com 440 lugares, o atual mercado de Faro mantém viva a tradição dos mercados mediterrâneos, oferecendo aos farenses uma enorme variedade de produtos frescos, pão, carne, peixe e marisco da Ria Formosa. 45 Comércio e Hotelaria No início do século XIX, o principal tipo de estabelecimento comercial eram as mercearias (também conhecidas como vendas), onde a população encontrava uma variedade de produtos de primeira necessidade, como sabão, café e ferramentas. Contudo, ao longo do século XIX vão surgir diversos estabelecimentos comerciais que irão permitir aos farenses o acesso a um conjunto cada vez mais diversificado de bens de consumo. Gravura da Rua D. Francisco Gomes no final do século XIX. Disponível em Faro- Caixa de Memórias Sem dúvida um dos mais importantes tipos de estabelecimento comercial foram as farmácias, cujos serviços eram indispensáveis para o bem-estar da população. A mais antiga pharmacia da cidade foi fundada em 1805. Situada no largo de São Pedro e posteriormente na rua D. Francisco Gomes, a Farmácia Pires funcionou durante todo o século XIX e teve como primeiro proprietário Vicente Batista Pires que, para além de farmacêutico, foi também professor do liceu de Faro. No final do século XIX, a Farmácia Pires era bastante requisitada pelos clientes que procuravam a tisana de Zithmann, um excelente remédio para a sífilis (doença sexualmente transmis46 sível), que havia sido desenvolvido em 1865/66 pelo médico italiano Constantino Cúmano e o seu ajudante, José Maria d’Assis. No final do século XIX, Faro recebia várias centenas de turistas e visitantes, muitos deles doentes que aqui se deslocavam de todo o país e até do estrangeiro para experimentarem a já referida tisana de Zithmann. No entanto, o alojamento local era bastante deficiente, pois as hospedarias da cidade estavam longe de primar pela higiene e conforto. Mas, nem tudo era mau. No Hotel Nicola, situado na confluência da rua Ivens com a Travessa Tenente Valadim, era possível saciar a fome com pratos de cozinha tradicional algarvia, regada com vinho da Adega dos Frades da Fuzeta. Por sua vez, no Café Esmeralda era possível apreciar cerveja alemã importada de Inglaterra. Os mais gulosos estavam bem servidos pela Pastelaria Santos, propriedade do pasteleiro lisboeta S.A. Santos, que abriu o seu estabelecimento na atual rua 1.º de Dezembro, e as donas de casa recorriam à Mercearia Inglesa, situada em frente do jardim Manuel Bivar, até ser demolida em 1948 para dar lugar ao edifico da Caixa Geral de Depósitos. Este fica junto da Casa Verde, estabelecimento inaugurado em 1920, que foi, durante décadas, a retrosaria de eleição dos farenses e mantém ainda hoje portas abertas, estando prestes a completar um centenário. Quase em frente à Casa Verde situa-se o igualmente emblemático Café Aliança, um dos mais antigos do país. Inaugurado em 1932, foi propriedade do empresário José Pedro da Silva, que investiu uma avultada quantia na construção e decoração deste estabelecimento que, à época, estava ao nível dos melhores de Lisboa. Com efeito, o histórico Café Aliança, com seus espelhos e porta giratória seguia o estilo dos elegantes cafés parisienses, transformando-se numa das salas de visitas da cidade, palco de grandes tertúlias culturais e de muitos negócios. Nos anos 40 e 50, o Café Aliança teve como vizinho a Barbearia Pavão. Ao empresário José Pedro da Silva a cidade ficou a dever também o Hotel Aliança (mais tarde denominado Hotel Faro). Esta moderna unidade hoteleira, inaugurada pelo governador civil no dia 1 de março de 1946, dispunha de 36 quartos mobilados com requinte (incluindo casa de banho privativa com água quente), e veio dotar a capital algarvia de um importante equipamento que permitiu satisfazer as necessidades dos muitos turistas que não encontravam alojamento de qualidade na cidade. 47 Anúncio de jornal sobre a inauguração do Hotel Aliança. Foto disponível em Faro – Caixa de Memórias. Até ao início do século XX, a grande rua do comércio foi a rua D. Francisco Gomes. A rua de Santo António nasceu em meados do século XIX quando a autarquia abriu uma nova rua que atravessava a antiga horta da Mouraria. Em finais do século XIX, os comerciantes começaram a introduzir algumas melhorias para dignificar a rua e os seus estabelecimentos comerciais, como por exemplo a iluminação a gás acetilene que atraia os clientes. No entanto, rua de Santo António só ganhou verdadeira importância com a abertura da filial dos Grandes Armazéns do Chiado, em maio de 1910, um grande estabelecimento comercial situado no mesmo local onde hoje se encontra a Casa da Sorte, e que, quatro décadas depois, foi deslocado para a rua Conselheiro Bivar. Nas primeiras décadas do século XX, os farenses frequentavam a rua de Santo António para tomar café na Brazileira, encomendar serviço à Tipografia Serafim e roupa ao alfaiate João Silvestre Coelho da Matta ou comprar joias na Ourivesaria Tavares Bello e Filho. Nos anos vinte, aqui ficava a Retrozaria Parisiense que vendia luvas, chapéus, meias, gravatas e perfumes e nos n.os 50 e 52 localizava-se a Drogaria e Perfumaria Bandeira e Cª Limitada, que, em 1922, publicitava no jornal Alma Académica dos alunos do liceu de Faro produtos como a Virilina, um eficaz remédio para a impotência sexual e a melancolia, e o Herpetol, “único remédio eficaz para as doenças de pele.” 48 Secção de anúncios publicitários da revista Alma Académica (março 1922). Imagem cedida pela Associação FARO 1540 49 Na rua Tenente Valadim (antiga travessa dos Cavalos) encontrava-se a Adega dos Frades, estabelecimento conhecido pela qualidade dos seus vinhos, mas que atraia uma clientela pouco moderada no consumo do álcool, e, ali bem perto, na praça Ferreira de Almeida abriu, em 1925, a Adega dos 2 Irmãos, atual Restaurante 2 Irmãos. Na rua Filipe Alistão, n.º 13, ficavam os Armazéns do Sul, que disponibilizavam aos clientes uma variada oferta de lanifícios, fazendas, panos e chapéus. Na rua Ivens, n.º 17, encontrava-se a Sapataria Pereira que anunciava grande variedade de calçado para homem, criança e senhora, segundo os modelos de Paris! Por sua vez no largo do Carmo, ficavam as mercearias e armazéns de venda por grosso e a retalho da família Lã. Em 1950 abria portas a Rádio Eléctrica Farense, propriedade do Sr. José de Sousa Cabecinha Júnior e seu filho. Localizado na rua Conselheiro Bivar, o estabelecimento vendia diversos modelos de rádios e telefonias, pois era concessionário de marcas como Blaupunkt e Philips. O jardim Manuel Bivar nos anos 60. Disponível em Fotos de Faro Antigo Foi também no início dos anos 50 que abriu o Quiosque do Vieguinhas, situado perto do coreto no jardim Manuel Bivar, e mais tarde integrado no Café das Pirâmides, que abriu em finais dos anos 60. Durante décadas ambos os espaços foram paragem obrigatória para todos os que passavam pela 50 baixa de Faro, incluindo turistas e homens de negócios que ficavam alojados no Hotel Eva, inaugurado em 1956 e, até hoje, uma referência na oferta hoteleira do concelho de Faro. Em plena rua de Santo António ficava a Casa Rodrigues, uma elegante loja de roupa que abriu em 1947 e a Mercearia do Sr. Gago (no espaço ocupado desde 1979 pela Casa da Sorte). No final dos anos 50 abriu a Pastelaria Gardy, propriedade do Sr. Dias e da sua esposa, oriundos de Tavira, e surgiu a Papelaria Artys (onde presentemente se encontra a loja W52), um estabelecimento essencial para os estudantes de Faro que aí adquiriam material escolar e de papelaria. Sem dúvida, um dos espaços mais emblemáticos da rua de Santo António foi o Cineteatro Santo António, palco de grandes sessões de cinema aplaudidas entusiasticamente pelos cinéfilos farenses que não perdiam uma noite de estreia. Inaugurado em janeiro de 1953, no espaço anteriormente ocupado pelo Cineteatro Farense (construído em 1916), esta sala incluía um pequeno centro comercial onde, até aos anos 90, funcionaram diversas lojas, incluindo uma loja de discos, lojas de roupa (conhecidas como bou- Entrada do Cineteatro de Santo António. Foto cedida pelo Arquivo de Artes da tiques), uma tabacaria/papelaria, Fundação Gulbenkian e também Shop Lucas, uma das lojas mais procuradas pelos jovens farenses, entre finais dos anos 80 e o início dos anos 90, pois vendia jogos para os célebres computadores Commodore. No início da década de 1970, a rua de Santo António foi encerrada ao trânsito e pavimentada com um excelente trabalho de calçada portuguesa que constitui uma das atrações turísticas da cidade. Deste modo, ao permitir a livre circulação de peões, a rua de Santo António, transformou-se 51 num verdadeiro centro comercial a céu aberto, muito antes da abertura do Fórum Algarve, em março de 2001. Por estes anos, os farenses encontravam aqui um diverso conjunto de serviços (médicos, dentistas e advogados), e estabelecimentos comerciais, como a Farmácia Baptista, a Óptica Graça, a sede do Banco Português Ultramarino ou lojas emblemáticas como a António Manuel (antiga loja Riviera) e a Palloran (fundada em 1966), que abriu no local anteriormente ocupado pela Tipografia Serafim. Rua de Santo António em inícios dos anos 70. Foto do Museu Municipal de Faro/CMF Ali bem perto, na rua D. Francisco Gomes, abriu em meados dos anos 70 a Bijou, um dos cafés mais frequentados da cidade, que surgiu no local da antiga Leitaria Baleizão, e cujo salão de jogos era, no final dos anos 80, um dos locais mais procurados pelos jovens da cidade. Ao lado da Bijou ficava a Casa Campeão (aberta ao público desde os anos 50), e em frente, no edifício presentemente ocupado pela Pastelaria Chelsea, ficavam a Luzbel, e os Studios Hélder, uma das melhores lojas de fotografia da cidade. 52 Quase ao lado da Luzbel, que comercializava uma grande variedade de produtos, ficava a padaria do Sr. Costa, mais conhecida como Padaria da Dona Benta (sua filha), especializada em pão espanhol de farinha branca fina, e onde os farenses compravam papos-secos, vianinhas, pão em forma de passarinho e excelentes tortas de creme. Dois estabelecimentos emblemáticos que abriram portas na década de 1970 foram a Papelaria Sagres (em 1976), localizada na rua D. João Castro, e a Livraria Europa América (em 1971), localizada na praça Ferreira de Almeida. Ali bem perto, na rua Ivens, encontra-se o Salão Algarve (antigo Salão Lisboa), estabelecimento centenário fundado em plena I Guerra Mundial, onde gerações de farenses se habituaram a cortar o cabelo e a barba. Quase em frente do Salão Algarve, ficam duas lojas de referência, a Óptica Graciete (antigo Oculista Serra) e a Ourivesaria Margarido, que abriram portas em meados dos anos 70, e ficavam ao lado do já extinto Restaurante Flórida. O Jardim Manuel Bivar Vista do Jardim Manuel Bívar no final do século XIX. Postal do arquivo do Museu Municipal de Faro 53 Na praça D. Francisco Gomes (antiga praça da Rainha), um dos mais importantes espaços urbanos da cidade, onde, desde o seculo XVI, se localizavam o edifício da alfândega, o hospital e a igreja da Misericórdia, foi construído, em finais do século XIX, o chamado “Passeio do Bacalhau”, um dos locais de convívio favoritos dos farenses que aproveitavam os dias e noites mais amenas para passear e, por vezes, escutar as bandas filarmónicas que atuavam com regularidade no coreto, construído em 1894. No início do seculo XX, este espaço assume-se definitivamente como um jardim, local de lazer e sociabilidade, onde se realizaram durante décadas as festas da cidade de Faro, as festas dos Santos Populares e a Feira do Livro. Presentemente o jardim Manuel Bivar mantém-se como um dos espaços mais emblemáticos e populares da capital algarvia, recebendo a Feira dos Queijos, Vinhos e Enchidos (que decorre em abril), a Farnáutica – Mostra do Mar e da Náutica de Faro (que decorre em maio) e a Feira do Doce Regional e Conventual (que decorre em agosto), eventos organizados pela União das Freguesias de Faro, e por onde passam anualmente milhares de visitantes nacionais e estrangeiros. O Saneamento Básico Até finais do século XIX, a cidade era atravessada por valas, algumas das quais correspondendo aos antigos cursos de água por onde escoavam as águas da chuva e dos ribeiros. Durante a época das chuvas era frequente o transbordo de estas valas, condicionando a circulação da população, obrigada a utilizar pequenas pontes colocadas em locais sensíveis da cidade. Esse era o caso da Pontinha do Peixoto, na área ainda hoje conhecida como “a Pontinha.” Estas valas serviram durante muitos anos como um verdadeiro esgoto a céu aberto, pois a população lançava as águas de uso doméstico para as valetas da via pública ou para os quintais das residências. No final da década de 1860, a autarquia começou a substituir as principais valas da cidade por canos subterrâneos para o escoamento de esgotos e águas da chuva. No entanto, em 1893, os esgotos da cidade desembocavam junto da muralha, provocando um cheiro nauseabundo nas horas de maré-baixa, tornando-se quase insuportável nos meses de verão. Perante este problema de 54 saúde pública, a autarquia avançou para a construção do primeiro coletor de esgotos da cidade em 1904. Infelizmente, até aos anos 90, boa parte dos esgotos da cidade continuaram a ser escoados diretamente para a Ria Formosa. Um dos principais indicadores de desenvolvimento económico e social de uma localidade é, sem dúvida, o abastecimento de água. Contudo, só nas décadas de 1930 e 1940 a capital algarvia foi dotada de um sistema público de abastecimento de água canalizada. Com efeito, durante décadas os farenses exigiram a resolução do problema e a edilidade por diversas vezes entrou em negociações com investidores privados para a introdução de um sistema moderno de abastecimento de água, porém, as exigências contratuais impostas impediram durante vários anos a resolução do problema. Durante o século XIX e os primeiros anos do século XX, o abastecimento de água ao domicílio era assegurado pelos aguadeiros, que transportavam nas suas carroças água da fonte para abastecer os estabelecimentos comerciais e residências de alta burguesia farense. Contudo, o cidadão mais humilde era obrigado a recorrer aos vários poços públicos situados na cidade: como o poço de São Pedro, o poço do largo do Pé da Cruz, o poço da Sé e o poço do largo de São Sebastião. Estas eram fontes de abastecimento cuja qualidade variou bastante ao longo dos anos, sendo os poços frequentemente encerrados pelas autoridades por constituírem perigo para a saúde pública. De facto, segundo a imprensa da época, por diversas vezes os poços foram contaminados por atos de puro vandalismo (com despejo de lixo para o interior) e, ocasionalmente eram também o alvo dos suicidas que para aí se atiravam. No entanto, dada a deficiente iluminação noturna da cidade, acredita-se que alguns casos de “suicídio” tenham sido, na verdade, acidentes provocados pelo excesso de álcool. O Ressurgimento da Comunidade Judaica no Século XIX Com o fim da Inquisição e a implantação do liberalismo, Portugal assistiu ao ressurgimento da comunidade judaica. Oriundos do norte de África em particular de cidades como Rabat, Gibraltar e Tanger, as novas comunidades hebraicas portuguesas eram descendentes dos judeus ibéricos, expul55 sos de Portugal e Espanha no final do século XV. Em Faro, a comunidade judaica renasceu nos anos 20 e 30 do século XIX, chegando a contar com mais de 60 famílias, entre as quais os Amram, Levy, Ruah e Sequerra, os quais, durante um século, vieram a desempenhar um papel fundamental na sociedade farense. Eram na grande maioria comerciantes cujos contactos internacionais trouxeram nova dinâmica ao comércio e economia local. O seu estatuto social era de tal modo elevado que a burguesia farense rapidamente os inseriu na vida social da cidade, nomeadamente nas tertúlias familiares, bailes, banquetes e espetáculos, eventos sociais que passaram a realizar-se à sexta-feira de modo a não chocar com o sábado (dia santo dos judeus). O poder económico destes empreendedores hebraicos granjeou-lhes tal prestígio e influência que, quando o rei D. Carlos e a rainha D. Amélia, visitaram Faro, em 1897, foi Abraham Amram (cuja família morava no solar do Capitão-Mor/o edifício do antigo Colégio Algarve) quem mobilou luxuosamente os aposentos da família real, instalada no Paço Episcopal. No século XIX, a comunidade hebraica de Faro era tão importante que tinha duas sinagogas e um cemitério privado. Presentemente localizado junto ao estádio de São Luís, o cemitério dos judeus foi construído em 1820 e funcionou até 1932, apesar do último enterramento se ter verificado em 1918. Desde 1978, o cemitério judaico de Faro é classificado como monumento nacional, acolhendo presentemente o Museu-Sinagoga Isaac Bitton. Na entrada do cemitério judaico podemos observar uma lápide que homenageia os irmãos Samuel e Joel Sequerra, filhos do industrial Moisés Sequerra, um dos elementos mais influentes da comunidade judaica farense. Nascidos em Faro, em agosto de 1913, os irmãos foram estudar para Lisboa na adolescência e foi aí que, durante a II Guerra Mundial, desempenharam um papel decisivo no auxílio aos refugiados de guerra (não apenas de origem judaica), ajudando a salvar centenas de vidas do holocausto nazi. Após a II Grande Guerra abandonaram Portugal e estabeleceram-se no Brasil. 56 A Chegada do Comboio Uma das grandes invenções do seculo XIX foi a locomotiva a vapor, o que permitiu revolucionar o transporte de pessoas e bens. No entanto, a introdução do caminho de ferro em Portugal foi tardia, quando comparada com países europeus como a Inglaterra, França e Alemanha. Até à chegada da ferrovia ao Algarve, em finais do século XIX, a região encontrava-se relativamente isolada da capital, assim como das cidades mais importantes (Coimbra, Porto, Braga), sendo o comércio realizado essencialmente por via marítima. Foi só nos anos 80 do século XIX que o erário régio (orçamento do estado) disponibilizou as verbas necessárias para completar a ligação ferroviária entre Faro e o resto do país. Deste modo, no dia 1 de julho de 1889, a capital algarvia recebeu com pompa e circunstância a chegada do comboio, 33 anos após a inauguração do primeiro troço de caminho de ferro em Portugal (que havia ligado Lisboa ao Carregado). Postal da Linha Férrea de Faro. Arquivo do Museu Municipal de Faro/CMF 57 Segundo Aurélio Cabrita, apesar das longas discussões sobre o traçado da linha e a falta de empenho do governo na concretização do projeto, esta importante obra pública deu trabalho a milhares de algarvios, ajudando as populações rurais a sobreviver aos cíclicos períodos de crise económica motivados pela seca27. Contra todas as expectativas criadas pela imprensa regional, a inauguração do caminho de ferro não contou com a presença de membros do governo e da família real, facto considerado por muitos algarvios como uma enorme falta de respeito dos governantes da nação para com toda a região. Isto não impediu os farenses de organizarem um programa de festividades, incluindo fogo de artifício, iluminação e decoração dos principais edifícios da cidade, assim como vários momentos musicais a cargo das diversas bandas filarmónicas da região. A chegada do comboio a Faro. Foto disponível em wikipedia.org 27 <https://www.sulinformacao.pt/2014/07/ha-125-anos-abriu-o-caminho-de-ferro-do-algarve-com-o-lanco-amoreirasodemira-faro>. 58 A Visita da Família Real Após a inauguração da linha de caminho de ferro, a população algarvia e os farenses, em particular, aguardaram com expectativa a inevitável visita da família real. Tal viria a acontecer em 8 de outubro de 1897, quando o rei D. Carlos e a rainha D. Amélia chegaram à capital algarvia. A comitiva ficou instalada no Palácio Episcopal, com exceção dos criados, cozinheiros, valetes e guarda pessoal (mais de meia centena de indivíduos), que ficaram instalados no Seminário Episcopal. Naturalmente, Faro engalanou-se para receber a comitiva real. Durante a sua estadia D. Carlos e D. Amélia visitaram o Museu Municipal e o Museu Marítimo, assim como a igreja de Santo António do Alto, a Escola Industrial e o hospital da Santa Casa da Misericórdia. Na noite de 8 de outubro, após o banquete oferecido a Suas Altezas Reais, estes dirigiram-se ao edifício do Governo Civil acompanhados pela elite farense, para dali assistirem a um grande espetáculo de fogo de artifício. A 1ª República em Faro No dia 1 de fevereiro de 1908, o rei D. Carlos foi assassinado em pleno Terreiro do Paço, vítima de uma conspiração organizada por elementos da Carbonária, uma sociedade secreta da qual faziam parte membros influentes da vida política e económica nacional. No trono sucedeu-lhe o filho D. Manuel II, deposto através de um golpe de estado em 5 de outubro de 1910. Os revoltosos, aproveitando o descontentamento popular gerado pela difícil situação económica do país e a humilhação provocada pelo ultimato inglês, concretizaram um projeto de poder delineado há muito pela fação mais radical do partido republicano. A notícia da Implantação da República em Faro, e o ambiente que aqui se viveu, ficou registado no jornal republicano Província do Algarve. Segundo o jornal, o povo acorreu em grande número à praça D. Francisco Gomes e, entre vivas à república, dirigiu-se ao edifício do Governo Civil, exigindo permissão para hastear a bandeira vermelha do partido republicano, tendo esta sido colocada no Arco da Vila, para grande entusiasmo dos apoiantes da revolução. 59 Logo nas primeiras semanas de governo, a república publicou leis que proibiam o ensino da doutrina cristã nas escolas portuguesas, eliminavam os feriados católicos e repunham as leis pombalinas de expulsão dos jesuítas e a extinção das ordens religiosas. Estas decisões políticas viriam a culminar com a lei da separação, concebida pelo ministro Afonso Costa, com a intenção de eliminar completamente o catolicismo em Portugal. Com esta lei, o estado confiscou a maioria dos bens da igreja (templos, casas paroquiais, seminários, colégios, asilos e hospitais), passando também a imiscuir-se na nomeação dos clérigos. Obviamente, a diocese do Algarve, com sede de bispado em Faro, foi bastante afetada pelo sentimento anticlerical da república, a qual considerava a religião católica como o principal obstáculo à modernização da sociedade. Com efeito, no dia 6 de setembro de 1911, a polícia, munida de um ofício do presidente da comissão, encarregue de confiscar os bens da igreja, exigiu a entrega imediata das chaves do Seminário de São José e obrigou os clérigos a abandonar as instalações. Confiscado foi também o Paço Episcopal, cujo recheio foi vendido ao desbarato, ou simplesmente depositado no Museu e na Biblioteca Municipal (em particular livros e pinturas)28. Num país onde a taxa de analfabetismo rondava os 90%, o regime republicano teve o grande mérito de realizar uma forte aposta no ensino público, investindo na escola enquanto espaço de socialização e instrumento de desenvolvimento social. 1911 - A Luz Elétrica Chega a Faro Em meados do século XIX, Faro não possuía qualquer sistema de iluminação pública. Só no início da década de 1870 surgiram os primeiros candeeiros públicos, funcionando a petróleo. Foi apenas no dia 1 de abril de 1911 que a capital algarvia inaugurou o sistema de abastecimento de luz elétrica, entrando assim definitivamente no século XX. A central geradora localizava-se no atual edifício do Centro de Ciência Viva e, segundo noticiava o jornal O Distrito de Faro, as lâmpadas encontravam-se distribuí28 DUARTE, Afonso da Cunha. A República e a Igreja no Algarve, pp. 42-43. 60 das pelas ruas, enquanto os arcos voltaicos iluminavam as praças: “A luz é esplêndida. A iluminação consta de 300 lâmpadas, sendo 100 da força de 32 velas de filamento metálico (tantel), 200 força de 16 velas, filamento de carvão e 18 arcos voltaicos, de 8 amperes de energia29.” Dada a importância social e económica desta obra pública, que beneficiou imediatamente toda a indústria e serviços da cidade, a inauguração contou com presença das mais altas individualidades civis e militares, incluindo o governador civil e o comendador Ferreira Neto (grande impulsionador do projeto), sendo os discursos da praxe abrilhantados com música e foguetes. A Renovação Urbana após a II Guerra Mundial Na década de 1930, o Estado Novo nomeou Mário Lyster Franco para presidente da Câmara Municipal de Faro, tendo este cumprindo dois mandatos (1932-1934 e 1937-1939). A este autarca a cidade ficou a dever melhoramentos significativos nas infraestruturas de abastecimento de águas, eletricidade e esgotos. Em 1939, o ministro das Obras Públicas, Duarte Pacheco, visitou a cidade de Faro e deslocou-se à zona de Santo António do Alto para onde foi projetada a construção do novo liceu de Faro, cujo edifício inaugurado em 1948, correspondeu na verdade (por troca acidental) ao projeto do liceu de Beja30. O novo Liceu de Faro constituiu parte de um ambicioso plano de urbanização que veio dar uma nova imagem à capital algarvia. Delineado em 1945 pelo arquiteto João António Aguiar (um dos principais colaboradores do ministro Duarte Pacheco), o projeto tinha como objetivo principal regularizar o trânsito, e ordenar a expansão da cidade, através do estabelecimento de um regulamento para as construções particulares. 29 A luz elétrica foi inaugurada em Faro há 100 anos – 1 de Abril de 1911. Disponível em www.barlavento.pt. 30 No dia 26 de maio de 2018, a Associação dos Antigos Alunos do Liceu de Faro promoveu as comemorações dos 70 anos deste histórico estabelecimento de ensino (atual Escola Secundária João de Deus), incluindo a apresentação do livro 70 Anos, 70 Histórias do Liceu de Faro. 61 Segundo Isabel Cruz, para executar o plano foi escolhido o arquiteto lisboeta Jorge Oliveira, vindo a residir na capital algarvia durante alguns anos, e ao qual se ficaram a dever obras como o Mercado Municipal de Faro, o edifício do Comando Distrital da PSP, o edifício da Junta da Província do Algarve (atual CCDR), o Cineteatro de Santo António, o Cine-esplanada São Luís Parque e a sede do Ginásio Clube Naval de Faro, obras que transformaram a capital algarvia entre finais dos anos 40 e meados dos anos 5031. Jorge Oliveira foi sem dúvida um dos grandes arquitetos do chamado estilo “português suave,” que distingue as grandes obras do Estado Novo, e que podemos observar igualmente em edifícios emblemáticos como a Escola Secundária Tomás Cabreira, a Escola do Carmo e a sede da Rádio Algarve. Esplanada São Luiz Parque. Foto disponível em: https://promontoriodamemoria.blogspot.com/2009/07/inauguracao-do-esplanada-sao-luis.html 31 CRUZ, Isabel. “O Arquiteto Jorge Oliveira e a Política de Obras Públicas do Estado Novo na Cidade de Faro,” Anais do Município de Faro, volume XXXIX, 2017. 62 A Inauguração do Aeroporto de Faro e o Desenvolvimento do Turismo Uma das obras públicas promovidas pelo Estado Novo e que maior impacto teve no desenvolvimento da cidade de Faro e de toda a região algarvia foi, sem dúvida, o Aeroporto Internacional de Faro. O projeto de construção remonta a 1946 e, segundo Aurélio Cabrita, teve como grande mentor o general Humberto Delgado, que, em 1945, fora o fundador da Transportadora Aérea Portuguesa (TAP). O local escolhido foi o chamado sítio da Arábia, perto do Montenegro, local por vezes utilizado como pista de aterragem. Contudo, a aquisição de terrenos e os primeiros trabalhos de construção tiveram início apenas em 1962, sendo o valor total do investimento nas infraestruturas do aeroporto e respetivos acessos estimado em 100 mil contos. O aeroporto de Faro nos anos 70. Disponível em: https://restosdecoleccao.blogspot.com/2013/04/aeroporto-de-faro.html 63 Dotado de uma pista de 2 400 metros, torre de controlo, aerogare e sinalização luminosa, o novo aeroporto empregou uma centena de trabalhadores e veio de imediato impulsionar o turismo na região algarvia. O Aeroporto Internacional de Faro foi inaugurado no dia 11 de julho de 1965 pelo presidente da república, Américo Tomás. Foi um domingo de festa na capital algarvia, que se engalanou para receber o chefe de estado, a quem o presidente da Câmara, major Vieira Branco, entregou as chaves da cidade. Presentemente, o Aeroporto Internacional de Faro desempenha um papel de grande importância na indústria turística nacional, recebendo cerca de 8 milhões de passageiros por ano, e constitui uma das maiores entidades empregadoras da região. O 25 de Abril e o Nascimento do Hospital Distrital de Faro e da Universidade do Algarve O 25 de abril de 1974 assinalou uma nova etapa na história de Portugal. Uma das grandes conquistas do regime democrático foi a implementação do Serviço Nacional de Saúde. Foi nesse sentido que, em dezembro de 1979, abriu o Hospital Distrital de Faro, cujo projeto remontava à década de 1960. A inauguração desta obra estruturante e de enorme importância para toda a região algarvia permitiu que os algarvios beneficiassem de um enorme salto qualitativo nos cuidados médicos. Além disso, o impacto desta obra traduziu-se, igualmente, na criação de largas centenas de postos de trabalho diretos e indiretos que em muito beneficiaram a população farense. Igualmente importante foi a criação da Universidade do Algarve em março de 1979. Trata-se da única universidade portuguesa criada por lei da Assembleia da República (Lei n.º 11/79 de 28 de março), promulgada pelo presidente da república, Ramalho Eanes. Para presidir à comissão instaladora da jovem universidade foi escolhido o professor Manuel Gomes Guerreiro, ilustre investigador, que viria a ser eleito o primeiro reitor da Universidade do Algarve, em 1982. 64 Entrada do Campus da Penha A UAlg encontra-se sediada em Faro, onde possui dois campus (Penha e Gambelas), aos quais se junta um polo universitário em Portimão. Com cerca de 10 mil alunos de diversas nacionalidades, a Universidade do Algarve desempenha um papel fundamental na formação e qualificação de quadros superiores que muito têm contribuído para o desenvolvimento da região algarvia. Igualmente importante é o trabalho desenvolvido por centenas de investigadores em centros de investigação como o CCMAR – Centro de Ciências do Mar, o CBMR – Centro de Investigação Biomédica, CIMA Centro de Investigação Marinha e Ambiental e o CIAC - Centro de Investigação em Artes e Comunicação, cujo trabalho tem vindo a ser reconhecido ao nível nacional e internacional. A “Noite” Farense O início dos anos 90 assinala a consolidação da UAlg, graças à abertura de vários cursos e um aumento exponencial de alunos oriundos de toda a região, e de outros distritos do país. Este afluxo de estudantes veio desencadear uma pequena revolução social na capital algarvia. Com efeito, a vida académica 65 trouxe nova vida à cidade, impulsionando a abertura de diversos estabelecimentos de diversão noturna muito frequentados pela comunidade estudantil. Nestes anos de apogeu da “noite farense”, a quinta-feira académica era o dia em que a baixa de Faro, em particular a rua do Prior (conhecida como rua do crime), se enchia com jovens universitários que se reuniam para conviver e beber, em cafés e bares emblemáticos como o Café Paris, O Seu Café, Mktostas, Morbidus, Univercidade, Chaplin, Reitoria, King, King II (que evoluiu para FRA), Diesel, Arcos, Copison, NBA e Conselheiro, mas também Upa, Dux, Património, Colombus e CheSsenta (que ainda hoje perduram). Para muitos, a noite terminava nas discotecas, nomeadamente a Praxis (localizada perto do Teatro Municipal onde fica atualmente o restaurante A Gruta), Chiado, Mega Hertz e Emporium (mais tarde Millennium), espaços que, graças à alegria e irreverência que caracteriza os estudantes universitários, acabaram por atrair outros segmentos da população farense, para quem a noite ganhou também novo encanto. Desde então os pontos altos da vida académica são a Semana de Receção ao Caloiro (setembro) e a Semana Académica (maio), noites de convívio que tinham início com os típicos jantares de curso, que aconteciam com regularidade nos restaurantes Vilaça, O Cruzeiro (do Sr. Tó), Rainha, Chalavar, Ribatejano, Académico, Lady Suzan, Chefe Branco, Coobital, O Caldeirão, Bruno, Farense, Casa Algarvia e O Javali, prosseguindo depois a festa para os bares da cidade ou para o recinto da semana académica, por onde passaram grandes nomes da música portuguesa e internacional. As Freguesias de Faro O limite geográfico do distrito de Faro corresponde ao espaço que pertenceu à diocese provincial visigótica no século VI e, posteriormente, à província islâmica de Ossónoba, nos séculos VIII a XIII. No entanto, a atual divisão administrativa do território português remonta a meados do século XIX, período em que foram criados os atuais distritos. Os concelhos são a mais antiga subdivisão do território português. Nasceram através das cartas de foral que os monarcas portugueses atribuíam a diver66 sas vilas portuguesas, nos séculos XII e XIII. Os concelhos possuem também freguesias, as mais pequenas subdivisões administrativas do seu território. É relativamente consensual entre os historiadores que as freguesias nasceram das antigas paróquias, algumas das quais remontam ao período visigótico e suevo (séculos V e VI d.C.), tendo sido posteriormente recuperadas pela monarquia católica portuguesa que adotou as paróquias como unidades administrativas. Na verdade, até ao liberalismo, “freguesia” e “paróquia” constituíam sinónimos que designavam uma comunidade, pois não existia ainda uma estrutura civil separada da estrutura eclesiástica. De facto, o termo “freguês” nasceu da aglutinação da expressão latina “filius ecclesiae”, que significa “filho da igreja”, dando origem à palavra “filigrês” que designava os paroquianos que eram os “fregueses” do pároco. Com a reforma administrativa de 1835 foi criada a estrutura civil da junta de paróquia, pela primeira vez autonomizada da estrutura eclesiástica, isto apesar dos limites territoriais das juntas coincidirem geralmente com o das paróquias católicas. Foi só em 1916, durante a 1.ª República, que as paróquias civis passaram a designar-se freguesias (e a junta de paróquia passou a designar-se junta de freguesia), diferenciando-se definitivamente a estrutura civil (a freguesia) da estrutura eclesiástica (a paróquia). Após o 25 de Abril de 1974, as juntas de freguesia assumiram um papel fundamental na orgânica administrativa do estado e na representatividade democrática das populações. Segundo a Constituição de 1976, “as autarquias locais são pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas.” Graças à atribuição de competências e à transferência de verbas previstas no orçamento dos municípios, as juntas de freguesia desempenham presentemente um papel de grande importância em todo o território nacional. As Origens da Freguesia da Sé Sabemos que, nas últimas décadas do Império Romano do Ocidente (séc. IV d.C.), já existia em Faro uma importante comunidade cristã, e que a cidade e o seu termo constituíam uma diocese. Contudo, foi durante o do67 mínio visigótico (séc. V d.C.) que a cidade passou a denominar-se de Santa Maria de Ossónoba (constituindo-se como sede de bispado), tendo erguido sob as ruínas do templo romano uma imponente catedral, dedicada à invocação de Nossa Senhora. Logicamente terá sido neste período que nasceu a primeira paróquia de Faro. Após a reconquista cristã do território, verificou-se, ao longo da Idade Média, o estabelecimento de uma rede paroquial que, segundo os historiadores, não teve uma motivação unicamente religiosa, mas igualmente económica e administrativa, visando o controlo das comunidades locais e a coleta de impostos. Com a transferência do bispado de Silves para Faro, em 1577, a paróquia de Santa Maria passou a acolher a residência episcopal e o cabido da catedral, um estatuto privilegiado que imediatamente se traduziu na alteração do nome para “Paróquia da Sé.” Como inicialmente referi, foi durante a 1.ª República que a Junta de Paróquia da Sé passou a designar-se por Junta de Freguesia da Sé, separandose definitivamente a estrutura civil (freguesia) da estrutura eclesiástica (paróquia). Apesar disso, a junta manteve a sua ligação histórica com Maria, assinalando o dia da freguesia, precisamente a 2 de fevereiro, dia de Santa Maria, em que se celebra a purificação de Nossa Senhora e a apresentação de Jesus ao Templo, 40 dias após o seu nascimento. A Freguesia de São Pedro Em 1539, D. João III obteve autorização de Roma para transferir a Sé de Silves para Faro. Em 1557, o bispo D. Jerónimo Osório estabeleceu a catedral (Sé) na secular igreja de Santa Maria, pertencente à Ordem de Santiago, que a cedeu ao bispo na condição de este mandar edificar uma igreja semelhante numa outra zona da cidade. Nasceu deste modo a igreja de São Pedro, construída no bairro dos pescadores, para funcionar como sede da nova paróquia de São Pedro, mas mantendo todos os privilégios da anterior paróquia de Santa Maria. 68 Após o 25 de Abril as duas freguesias de Faro desempenharam um importante papel na administração da capital algarvia e suas ilhas barreira. Verdadeiro pilar da democracia e do poder autárquico, as freguesias aproximam as populações do poder político. Em 2013, no âmbito de uma reforma administrativa nacional que levou à agregação de diversas freguesias, foi criada a União das Freguesias de Faro (Sé e São Pedro), tornando-se na segunda maior freguesia urbana do Algarve (a maior é Portimão), com cerca de 40 mil eleitores, numa área de 73 km². A junta de freguesia é o órgão executivo da freguesia, eleito pelos membros da respetiva assembleia de freguesia, à exceção do presidente, uma vez que o primeiro candidato da lista mais votada é automaticamente nomeado presidente da junta de freguesia. Ao executivo da junta compete-lhe propor e executar as principais deliberações relativas a este órgão e fazer a sua gestão corrente. A heráldica, através de uma simbologia que traduz a memória histórica local, desempenha um papel importante na definição identitária de uma comunidade. O brasão da União das Freguesias de Faro é constituído pelos antigos brasões das freguesias da Sé e São Pedro. Assim, o brasão da Sé apresenta um escudo de azul, torre sineira gótica que representa a Sé catedral, ladeada por dois peixes que simbolizam a ligação da cidade ao mar e às suas atividades económicas (não só a pesca, mas também o comércio marítimo). Sem dúvida, a grande característica do brasão é a referência à catedral, símbolo da presença episcopal que, ao longo dos séculos, afirmou a importância da cidade. Por sua vez, o brasão da freguesia de São Pedro traduz a relação 69 histórica da paróquia de São Pedro com a comunidade piscatória farense, simbolizada numa embarcação de pesca, encimada pelas chaves do apóstolo S. Pedro, o patrono dos pescadores. Ambos os brasões apresentam uma coroa mural de três torres, que caracteriza as aldeias e freguesias urbanas. A Ria Formosa e as Ilhas Barreira A cidade de Faro é banhada pela Ria Formosa, um sistema lagunar que se estende por 57 quilómetros, abrangendo os concelhos de Faro, Loulé, Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António. As ilhas barreira da Ria Formosa, nomeadamente a península do Ancão (Praia de Faro), ilha da Barreta, ilha da Culatra, ilha da Armona, ilha de Tavira, ilha de Cabanas e península de Cacela, estão dispostas paralelamente à costa e protegem do oceano esta grande laguna que forma um labirinto de sapais, canais, salinas e ilhotes, que emergem em cerca de 80% durante a maré baixa. Ao longo dos séculos a Ria Formosa tem constituído um recurso de grande importância económica, graças a atividades como a pesca e a produção de bivalves e de sal. Com efeito, a ria é abundante em peixes, moluscos e crustáceos, sendo de destacar espécies de grande valor económico como a amêijoa, o berbigão, a ostra e o lingueirão, e ainda o robalo, o linguado e a dourada. A importância ecológica da Ria Formosa é oficialmente reconhecida desde 1987, quando foi classificada como área protegida pelo governo português que criou, por decreto lei, o Parque Natural da Ria Formosa. Em 2010, a ria foi eleita uma das sete maravilhas naturais de Portugal na categoria de zonas marinhas. Entre as muitas espécies que podem ser observadas neste ecossistema encontram-se cavalos-marinhos, patos mergulhões, cotovias de crista, flamingos, galinhas-sultanas e cegonhas brancas. O sistema de ilhas barreira da Ria Formosa caracteriza-se por uma grande dinâmica, uma vez que as barras que separam as ilhas (à exceção da barra da Armona) se deslocam, ao longo dos anos, de oeste para este, até começarem a assorear. Até meados do século XIX, estas ilhas estiveram basicamente abandonadas. Durante séculos, a ocupação humana foi largamente dificultada pelos 70 constantes ataques de piratas, que procuravam saquear as localidades ribeirinhas e capturar algumas pessoas para venderem no mercado de escravos do norte de África. Perante o clima de insegurança em que viviam as populações ribeirinhas, as autoridades promoveram a construção de pequenas fortificações militares para controlar a entrada de navios através das barras, e assim oferecer maior proteção contra os ataques de piratas. Contudo, estas fortificações, nomeadamente o forte de São Lourenço da Barra, depressa caíram em ruína, devido à ação das marés e às características arenosas do solo. Foi apenas no final do século XIX que se verificou uma ocupação permanente das ilhas barreira, um fenómeno que esteve diretamente ligado ao incremento da indústria pesqueira, nomeadamente à instalação de armações de atum e sardinha que existiam na Culatra, Farol e ilha de Faro. A Ria Formosa. Foto Diário Online A ilha da Culatra (durante séculos conhecida como ilha dos cães) é composta por três núcleos populacionais: Culatra, os Hangares e o Farol. Tal como todas as ilhas barreira do sotavento algarvio, a Culatra possui duas praias, uma marítima e outra fluvial, sendo a norte banhada pelas águas da Ria Formosa e a sul pelo Oceano Atlântico. 71 O núcleo populacional da Culatra surgiu no final do século XIX, quando dezenas de pescadores e suas famílias aí se estabeleceram para trabalhar nas armações de pesca de sardinha e atum. Com efeito, associada a cada uma destas armações nascia um “arraial”, ou seja, um conjunto de cabanas construídas pelos pescadores para residirem com suas famílias durante os meses da pesca, normalmente entre março e setembro. Foi deste modo que nasceram os núcleos populacionais da Culatra e do Farol, graças aos pescadores oriundos de Faro, Olhão e Tavira, que transformaram as suas barracas em casas de habitação permanente, à medida que se dedicavam a toda uma variedade de artes de pesca que lhes permitiam sustentar as famílias ao longo de todo o ano. No núcleo do Farol encontra-se o farol do Cabo de Santa Maria, cuja construção remonta a 1851. Com 47 metros de altura, o farol situado mais a sul de Portugal continental tem um alcance luminoso de 25 milhas náuticas. No início do século XX, aqui se situava uma das principais armações de pesca do atum, sendo a captura de tal modo abundante que, em dias de maior calor e com o vento de feição, era possível sentir, em Faro, o cheiro do sangue que jorrava dos tunídeos. A origem do pequeno núcleo populacional dos Hangares remonta ao período da I Guerra Mundial, quando, em 1918, foi criada uma base militar (Centro de Aviação Marítima do Algarve) para hidroaviões, que funcionou também durante a II Guerra Mundial. O primeiro residente dos Hangares foi o Ti Manel Lobisomem, oriundo de Moncarapacho, ali se estabeleceu em 1922. Posteriormente fixaram-se alguns militares do posto da Guarda Fiscal e respetivas famílias, e, após o encerramento da base militar nos anos 40, desenvolveu-se uma pequena comunidade de pescadores oriundos da Culatra, Faro e Olhão. Anualmente, no primeiro domingo de agosto, as gentes da Culatra realizam a Procissão de Nossa Senhora dos Navegantes, com um bonito cortejo de embarcações de pesca cuidadosamente ornamentadas. Ponto alto das festas da ilha da Culatra, esta importante manifestação cultural traduz o sentimento e a devoção dos culatrenses pela mãe protetora das comunidades piscatórias. 72 Imagem de Nossa Senhora dos Navegantes da Culatra. Foto União das Freguesias de Faro No dia 15 de agosto, feriado nacional dedicado a Nossa Senhora da Assunção, é a vez da pequena comunidade dos Hangares realizar a sua festa, tendo como ponto alto a Procissão de Nossa Senhora dos Navegantes, que, à semelhança da procissão marítima da Culatra, inclui um bonito cortejo de embarcações ornamentadas. Esta data encerra um profundo simbolismo para os Hangares, pois, no dia 15 agosto de 1997, a comunidade inaugurou a sua capela com uma missa de bênção celebrada pelo padre Afonso Cunha32. 32 Para saber mais sobre esta pequena comunidade recomenda-se a leitura do livro Hangares: a História do Primeiro Residente Ti Manel Lobisomem (2009) de Rosa Neves. 73 Cortejo de embarcações da Procissão de Nossa Senhora dos Navegantes. Foto da União das Freguesias de Faro Presentemente os culatrenses abraçam o projeto Culatra 2030 – Comunidade Energética Sustentável. Este projeto pretende dotar o núcleo piscatório da Culatra de uma rede energética totalmente baseada em fontes renováveis e limpas, assumindo, deste modo, o seu compromisso para com a preservação ambiental numa lógica de sustentabilidade, indispensável para a sobrevivência destas comunidades cada vez mais ameaçadas pelos efeitos da poluição e alterações climáticas. À entrada da barra Nova (barra Faro-Olhão), no lado oposto à ilha do Farol, encontra-se a Ilha Deserta, o ponto mais meridional de Portugal continental, onde se localiza o cabo de Santa Maria. Esta é a única das ilhas barreira da Ria Formosa que não tem habitantes (apenas um restaurante). Nesta reserva natural encontra-se uma das poucas praias virgens do país, a praia da Barreta. 74 Presentemente a Culatra e os Hangares apresentam uma ocupação permanente, ainda muito ligada às artes da pesca, contrariamente ao que acontece no Farol e na praia de Faro, cuja ocupação sazonal está intimamente relacionada com o turismo balnear. Com efeito, as décadas de 1960, 1970 e 1980 assinalaram a emergência de uma classe média com maior poder de compra e direito a subsídios de férias. Estes fatores contribuíram para transformar as praias do concelho em locais de lazer para muitas famílias algarvias. Num período em que a maioria dos farenses ainda não possuía automóvel e os barcos de recreio eram uma raridade, o principal meio de transporte para as ilhas barreira, e em particular para a ilha de Faro, eram os barcos da carreira, que os farenses carinhosamente identificavam pelos respetivos nomes de batismo “Gavião” e “Alegria.” O Gavião. Foto disponível em Fotos de Faro Antigo Desde o final do século XX, o desenvolvimento da indústria turística trouxe ao concelho de Faro milhões de visitantes, estimulando assim o florescimento de várias empresas marítimo-turísticas que organizam passeios pela Ria Formosa, ajudando deste modo a divulgar o magnifico património natural do Algarve. 75 Os Clubes Desportivos Para a dinâmica social que caracteriza a capital algarvia muito contribui o seu tecido associativo ligado à prática desportiva. Com efeito, são vários os clubes que diariamente proporcionam a largas centenas de jovens e adultos a oportunidade de praticar as mais diversas modalidades. Entre os emblemas de Faro, parece-nos justo destacar aqueles que, com mais de 35 anos de atividade, já deixaram a sua marca na história da cidade. Fundado no dia 1 de abril de 1910, por um grupo de amigos entusiastas do futebol, o Sporting Clube Farense é o principal clube desportivo da capital algarvia e a instituição desportiva com mais historial no Algarve. A história do SC Farense é indissociável do futebol. Filial n.º 2 do Sporting Clube Portugal (desde 1922) fez do largo de São Francisco o seu primeiro campo de jogos, mudando-se pouco tempo depois para o “campo da Senhora da Saúde”, situado onde presentemente se encontram as instalações da RDP – Radio Difusora Portuguesa. Em 1922, Manuel Santo (um emigrante regressado dos Estados Unidos) adquiriu um terreno perto da igreja de São Luís para aí construir um estádio moderno destinado ao seu clube do coração. Inaugurado em 1923, o estádio de São Luís foi posteriormente arrendado pelo SCF que, desde estão, ali escreveu muitas páginas gloriosas da sua história. Em 1917, a equipa de futebol do SC Farense saiu pela primeira vez de Faro, para, a convite das equipas de Beja, disputar duas partidas. Segundo a imprensa local, a equipa algarvia derrotou os Águias F.C. por 3-1, tendo no dia seguinte esmagado por 13-0 a equipa dos Onze Amigos. O mais curioso neste episódio é que, segundo o professor José Vilhena Mesquita, terminado o jogo, a equipa do Farense foi obrigada a regressar a Faro a pé, isto porque os bejenses que os haviam convidado recusaram-se a pagar as despesas de deslocação como inicialmente haviam prometido33. 33 José Carlos Vilhena Mesquita. O Nacionalismo nos Primórdios do Futebol Algarvio. Jornal Barlavento (09/agosto/2019). 76 Ao longo de mais de um século de história, o SC Farense registou 23 presenças no Campeonato da Iª Divisão e 36 presenças no Campeonato da IIª Divisão Nacional, competição onde se sagrou campeão por duas vezes, nas épocas de 1939/40 e 1982/83. Presentemente, a equipa de futebol do Farense milita na IIª Liga, mas, entre os anos 80 e o início do século XXI, foi presença regular na Iª Divisão do futebol nacional, obtendo na época de 1994/1995 um 5.º lugar que lhe valeu a sua única participação na Taça UEFA. Esta foi uma época verdadeiramente histórica em que o avançado Hassan Nader venceu a bola de prata, criada pela jornal A Bola, que premeia o melhor goleador do campeonato português, e a bota de ouro, atribuída pelo jornal Record. Hassan Nader – internacional marroquino que representou o emblema de Faro durante dez temporadas – foi o herói de uma das mais memoráveis partidas alguma vez disputadas no velho estádio de São Luís, a vitória por 4-1 ao Benfica, no dia 1 de Abril de 1994 (dia de aniversário do clube).34 Entre os momentos de glória vividos pelo Sporting Clube Farense, merece destaque a inolvidável presença na final da Taça de Portugal (época de 1989/1990), jogo em que defrontou o Estrela da Amadora (tendo eliminado o Belenenses na meia-final disputada no estádio do Restelo). Após um empate por 1-1 (após prolongamento) no jogo da final, Farense e Estrela da Amadora regressaram ao estádio do Jamor para disputar uma finalíssima em que os leões de Faro foram derrotados por 2-0. O grande responsável pela excelente prestação do clube nessa temporada em que subiu à Iª Divisão foi o treinador Paco Fortes, uma lenda do SC Farense. Enquanto jogador, Paco Fortes fora também o obreiro de vitórias memoráveis, como a partida do dia 24 maio de 1987 em que o SC Farense derrotou o FC Porto por 1-0, com golo do internacional espanhol que havia representado o Barcelona. Este jogo seria disputado três dias antes da mítica final da Taça dos Campeões Europeus, em que a equipa portuguesa derrotou o Bayern de Munique e deslumbrou a Europa com o talento explosivo de Paulo Futre e o calcanhar mágico de Rabat Madjer. 34 Nesta gloriosa equipa alinhavam nomes como Peter Rufai (internacional nigeriano), Hajry (Internacional marroquino), Moussa N’Daw (internacional senegalês), e ainda Luisão, Sérgio Duarte, Mané, Eugénio, Miguel Seródio, Paixão e Dukic. 77 Hassan Nader. Foto disponível em: http://scfarense1910.blogspot.com/2008/04/o-rei-hassan-nader.html O momento mais difícil da história do clube deveu-se a um colapso financeiro que resultou na despromoção da equipa de futebol à 2.ª divisão distrital na época 2006/2007. Apoiados pelos sócios e pela claque South Side Boys, os leões algarvios renasceram das cinzas, graças a uma década de recuperação financeira e desportiva que, estamos certos, culminará em breve com o regresso do SC Farense à Iª Liga. Para além do futebol, o SC Farense tem apostado ao longo dos anos em modalidades como o basquetebol, o futsal, o boxe, o xadrez e a ginástica. Além disso, desempenha um papel muito importante na promoção da prática desportiva, acolhendo a formação de centenas de jovens atletas em diversas várias modalidades. Em outubro de 1916 nascia o Sport Faro e Benfica, filial n.º 1 do glorioso Sport Lisboa e Benfica, sócio fundador da Associação de Futebol do Algarve. Destacou-se desde cedo pela aposta em modalidades como o ciclismo (participou na primeira Volta a Portugal), boxe, atletismo, hóquei em patins, basquetebol, ténis de mesa, ginástica, vela e futebol. Até aos anos 50, esteve sediado no teatro Lethes tendo ficado célebres os eventos desportivos que o clube acolheu no recinto junto ao teatro (hoje parque de estacionamento de ambulâncias). 78 Numa cidade banhada pela Ria Formosa, era inevitável o nascimento do Ginásio Clube Naval de Faro (fundado em 1928), clube que desde sempre promoveu o amor pelas atividades náuticas, mantendo viva a ligação da cidade com a Ria Formosa. Nos anos cinquenta o GCNF inaugurou a sede atual, localizada junto à doca de Faro, e incrementou fortemente a prática de desportos náuticos, como o remo, a vela e a natação, assim como outras atividades desportivas como ginástica e artes marciais. No início da década de 1980, o GCNF abriu uma escola de vela, onde se formou a geração mais internacional do Clube Naval, que durante os anos 90 e 2000 obteve várias conquistas em provas nacionais e internacionais, culminando com a medalha de bronze obtida por Hugo Rocha, nos Jogos Olímpicos de Atlanta, nos Estados Unidos, em 1996. Presentemente o GCNF conta com mais de 150 atletas federados distribuídos pelas três modalidades atuais: vela, natação e triatlo. Tem ainda à sua responsabilidade a escola de natação das piscinas de Faro com mais de 500 alunos e leciona mensalmente cursos de vela para adultos. Em 1932 nasceu a primeira agremiação columbófila de Faro. A Sociedade Columbófila do Algarve, que muito contribuiu para o desenvolvimento desta modalidade desportiva no sul do país. Em 1964, a Sociedade Columbófila do Algarve fundiu-se com a Sociedade Columbófila Sul de Portugal (fundada em 1954) e nasceu a Sociedade Columbófila de Faro. Este período assinalou um crescimento significativo do número de praticantes de um desporto que continua a ter enorme tradição na capital algarvia. No dia 04 de maio de 1935, nasceu O Clube de Futebol “Os Bonjoanenses”, 24ª filial do Clube de Futebol “Os Belenenses”. Com o slogan “Formar Para Crescer”, este clube desportivo conta nas suas fileiras com mais de 120 atletas, repartidos em 3 modalidades: basquetebol, futsal e ténis de mesa. Ao longo da sua história “Os Bonjoanenses” alcançou vários sucessos desportivos, merecendo destaque o título de Campeão de Futsal Feminino e Vencedor da Taça do Algarve de Futsal Feminino (ambos na época desportiva 2013/2014), Campeão Regional de Ténis de Mesa por Equipas (época 2013/2014), Campeões Nacionais de Ténis de Mesa 79 em Veteranos (época 2018/2019) e a semifinal da Taça Nacional de Ténis de Mesa (época 2014/2015), competição em que foi eliminado pelo Sporting Clube de Portugal. Refira-se ainda que este clube organiza o Torneio de Ténis de Mesa Cidade de Faro (juniores e seniores) – com a presença de mais de 100 participantes a nível nacional e o Torneio Internacional Algarve Minibasketball Cup (idades até 12 anos) – com a presença de mais de 600 participantes a nível nacional e internacional. No dia 1 de novembro de 1935, foi fundado o Clube Atlético Pontense (filial n.º 1 do Clube Atlético de Campo de Ourique) no sítio das Pontes de Marchil. Desde o início, a principal modalidade do clube foi o futebol de 11, tendo a sua equipa participado nos campeonatos regionais onde conquistou alguns títulos. Até meados dos anos 80 o Clube Atlético Pontense organizou festas de verão e bailes abrilhantados por bandas da zona, assim como as célebres “matinées das Pontes”, com música de discos. Presentemente, este clube tem como principais modalidades a Petanca e a Pesca Desportiva. No dia 01 de julho de 1936 nasceu o Futebol Clube de São Luís, filial n.º 9 do F.C do Porto. Ao longo da sua história o clube algarvio distinguiu-se pela sua aposta na formação de jovens atletas em várias modalidades, com destaque para o futebol, modalidade em que se sagrou campeão distrital de juniores, e o basquetebol, modalidade em que conquistou o título de campeão do Algarve. No dia 12 de setembro de 1956 foi fundado o Clube de Amadores de Pesca de Faro (CAP), um clube que se dedica a algumas modalidades da pesca desportiva e conta atualmente com 250 sócios. Do seu largo palmarés merece destaque os títulos de campeão nacional obtidos em 1999, 2002 e 2006; campeão mundial em 2007 e 2015, e vice-campeão mundial em 2011 e 2017. O Clube União Culatrense teve a sua origem num grupo de pescadores que nos tempos remotos das armações da sardinha e do atum se dedicavam a jogar à bola nos tempos livres. Formalizada por escritura notarial em 18 de dezembro de 1974, a Associação Clube União Culatrense, participa desde então nos campeonatos distritais organizados pela Associação de 80 Futebol do Algarve, tendo sido finalista vencido da taça do Algarve, em 2013. A esta associação cultural e desportiva se deve também a organização da Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, a mais emblemática manifestação cultural da ilha da Culatra. Em julho de 1975, um grupo de amigos unidos pela paixão pelo desporto, constituiu o Real Amizade Farense (RAF), cuja ação foi notável até finais do século XX. Com o apoio de diversas entidades públicas, o RAF recuperou um espaço totalmente degrado junto da Cruz Vermelha de Faro e construiu um recinto desportivo que foi palco de diversos torneios de futebol de salão. Foi neste espaço que tiveram lugar os primeiros jogos desportivos da cidade de Faro, direcionados para as camadas jovens (andebol e futebol de salão), duas modalidades em que a RAF se destacou, apostando na formação de atletas de ambos os sexos. A nível federado as equipas de andebol e voleibol da RAF venceram por diversas vezes o campeonato do Algarve de seniores masculinos e disputaram regularmente campeonatos nacionais. Presentemente, uma das principais modalidades da RAF é a patinagem, organizando regularmente provas que contam com a participação de centenas de praticantes. Em dezembro de 1975 nasceu o Futebol Clube “Os 11 Esperanças”, clube de futebol sediado no bairro do Alto Rodes. Desde o início o clube tem desempenhado um papel importante na dinamização desta comunidade farense, apostando no futebol sénior, modalidade em que se sagrou por duas vezes campeão da IIª Divisão Distrital de Futebol, mas também na prática da petanca e até na organização de arraiais durante as festas dos santos populares. Recentemente, “Os 11 Esperanças” converteram as antigas instalações do seu polidesportivo no “Beach Arena”, um campo destinado à prática de desportos de areia. No dia 05 de fevereiro de 1982, nasceu o Moto Clube de Faro, iniciativa de um grupo de amigos entusiastas das atividades motociclistas, que apostaram na organização de algumas provas de velocidade em circuitos de ciclismo (pistas de Loulé e Tavira), e provas de motocross em Faro, que promoveram estas modalidades desportivas. 81 Foi no verão de 1982 que se realizou a 1ª Concentração de Motos de Faro, um evento que, desde o início dos anos 90, se tornou emblemático da capital algarvia. Com efeito esta “Concentração Internacional de Motos” é a única em Portugal a ser incluída no Calendário Internacional de Concentrações da Federação Internacional de Motociclismo (FIM), e por lá têm passado anualmente dezenas de milhares de motards oriundos de todo o Mundo, aos quais se juntam a população de Faro e concelhos vizinhos, numa grande festa da música e do convívio motard que chegou a reunir 29 mil pessoas na edição de 2002. Criado em março de 1985, o Judo Clube do Algarve, tem como objetivo principal a dinamização desta modalidade desportiva na capital algarvia, apostando nas vertentes da formação, competição e recreação, fomentando deste modo a prática desportiva e o Judo como instrumento na educação e formação de jovens, crianças e adultos. Desde finais dos anos noventa, o JCA é um dos mais representativos a nível nacional. No seu palmarés competitivo destacam-se o título de Campeão Nacional por Equipas de Esperanças Masculinos em 2001, e ainda diversas participações de atletas em seleções nacionais, provas do ranking europeu e mundial e Campeonatos da Europa e do Mundo em diversas categorias. Presentemente o Judo Clube do Algarve (sediado no Mercado Municipal de Faro) conta com cerca de 400 praticantes que frequentam aulas de Pilates, Zumba, Step, Localizada, Circuito, Yoga, Bike Indoor e Body Jump, entre outras. No dia 5 de junho de 1985 nasceu o Clube de Petanca de Faro, que é hoje um dos mais antigos de Portugal. Com cerca de uma centena de associados, o Clube de Petanca conta no seu palmarés com 2 campeonatos nacionais em triplete, 4 campeonatos nacionais em doublete, 1 taça de Portugal, 1 taça do Algarve e 2 campeonatos regionais em doublete. 82 Bibliografia Seletiva AAVV. 1755 – Terramoto no Algarve. Edição do Centro de Ciência Viva do Algarve, 2005. AMARAL, Diogo Freitas do. D. 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