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ANPUH 2018

ANPUH 2018 Raija Maria Vanderlei de Almeida Doutoranda em História Social da Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Professora da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) raijaalmeida@gmail.com Palavras-chave: Estúdios Disney, Cinema de animação, Pocahontas, Mito, História das Américas. Resumo Pocahontas: A história das Américas no cinema de animação da Disney. Este artigo vem tratar da relação entre cinema, história e educação. Especialmente sobre a forma como aprendemos através do entretenimento e construímos um conhecimento sobre grandes acontecimentos e grandes personagens da história através do cinema. Aqui iremos analisar a reconstrução da narrativa de uma parte importante da história das Américas, especificamente sobre a colonização inglesa na América do Norte. Propomos refletir especificamente sobre como um dos mitos fundadores dos Estados Unidos da América, Pocahontas, foi reconfigurado pela Disney, um dos mais importantes agentes culturais do mundo. O filme foi produzido e lançado durante a década de 1990, marcada pela globalização e um forte avanço do neoliberalismo pelo mundo. A análise do filme nos revelará importantes elementos da cultura americana numa reconstrução romântica e heroica de um mito fundador. Reza a lenda que Pocahontas era uma índia nativa-americana que em 1607, salvou o capitão inglês John Smith se tornando uma espécie de mediadora de conflitos entre os nativos e os colonizadores ingleses. Da lenda ao filme vemos importantes transformações que permitem uma reflexão crítica sobre o produto da ficção e sua relação com o conhecimento histórico. Pretendemos aqui discutir sobre a força das narrativas audiovisuais no processo ensino-aprendizagem, que acontece dentro e fora da escola nas leituras cinematográficas do passado, pensando a Disney como um potente instrumento de ensino. Refletiremos também sobre os grandes dilemas em relação ao ensino de história tradicional e os usos pedagógicos do cinema em sala de aula e fora dela, bem como sobre as novas formas de narrativas históricas que o cinema passou a legitimar. Artigo Pocahontas: A história das Américas no cinema de animação da Disney. INTRODUÇÃO Desde o primeiro filme dos Irmãos Lumière em 1885, a indústria cinematográfica evoluiu muito e a cada dia faz parte das nossas vidas de uma forma mais intensa, principalmente entre as crianças e os jovens, que, segundo Duarte (2012), os vêem em grande quantidade seja na televisão, no computador, em DVD ou nas salas de cinema. Essa cultura audiovisual ou cinematográfica fornece experiências através de sistemas de representação da cultura, que segundo Bhabha (2010) define uma imagem de identidades e de culturas como um canal que possibilita uma experiência pós-moderna além da imagem e da identidade dos sujeitos. Dessa forma, as narrativas fílmicas se tornam uma ferramenta para observar as relações dos sujeitos nos seus espaços constituídos e seus pontos de identificações e reconhecimentos. O cinema, como parte da cultura audiovisual se torna hoje uma importante área no campo da mídia-educação para compreender como se constitui a literácia mediática Literácia midiática corresponde ao ato de educar o olhar sobre, com e através do audiovisual e da mídia em geral, incluindo o cinema. Tratando-os como meios pedagógicos, no sentido que a educação midiática ou audiovisual pode ocorrer dentro e fora da escola, através de toda a vida., principalmente no âmbito da formação da identidade, do imaginário e da cidadania de crianças e jovens. A Disney, como a maior e talvez a mais importante empresa da indústria de animações vem, desde os anos 30, fazendo parte da cultura e do imaginário da sociedade ocidental por muitas gerações e isso faz dela um importante objeto de estudo, que se revela nas inúmeras pesquisas nas mais diversas áreas de investigação científica ao redor do mundo. Este artigo vem tratar da relação entre cinema, história e educação. Especialmente sobre a forma como aprendemos através do entretenimento e construímos um conhecimento sobre grandes acontecimentos e grandes personagens da história através do cinema. Aqui iremos analisar a reconstrução da narrativa de uma parte importante da história das Américas, especificamente sobre a colonização inglesa na América do Norte. Propomos refletir especificamente sobre como um dos mitos fundadores dos Estados Unidos da América, Pocahontas, foi reconfigurado pela Disney, um dos mais importantes agentes culturais do mundo. Como aprendemos através do cinema e do entretenimento? Hoje, é praticamente impossível se pensar a sociedade sem pensar na influencia do audiovisual na formação de seu povo, na cultura, economia e sociedade. Para Ana Lúcia Magela Rezende ela “participa da construção de uma visão crítica do mundo da criança, mas tal construção (desconstrução ou recriação) não pode ser apreendida como dissociada do meio social da criança” (in PACHECO, 1992, p.80). Antes mesmo de aprendermos a falar, ler e escrever já temos um forte e intenso contato com a cultura audiovisual, transformando-a no principal agente educador e formador de opinião, causando sérias implicações no funcionamento de toda a sociedade. Ela penetra em todas as classes sociais, em todas as faixas etárias, fornecendo, segundo Eugênio Bucci (2000), um código pelo qual as pessoas se reconhecem como parte de um grupo, uma pátria, uma sociedade construindo ou reconstruindo o espaço público. A preocupação com a influência da mídia na formação das crianças está presente em diversas pesquisas e grupos de estudos, principalmente no eixo Rio-São Paulo e nos estudos da Unesco (CARLSSON, 2002). Por tudo isso, se faz cada vez mais necessário ampliar a discussão sobre o tema para que se possa entender a mídia transformando este poderoso veículo de comunicação em mais um aliado do que um inimigo da formação das crianças. Para Cosette Castro (in BRITTOS, 2005) existe um dispositivo pedagógico da mídia que não passa necessariamente através de programas específicos, mas está embutido em toda a produção midiática para a formação dos sujeitos e das subjetividades, construindo identidades, ensinando modos de ver e pensar o mundo através dos discursos que dirigem o olhar e quem vê para aquilo que se quer mostrar. A escola tem um papel muito importante na produção de conhecimento, ajudando a transformar a informação, editada e fragmentada, dos meios de comunicação em conhecimento e pensamento crítico. Para Baccega (2005), se queremos formar cidadãos críticos, temos que nos preocupar com as relações deste cidadão com os meios educadores para que possamos selecionar a partir do que nos chega editado, o meio adequado para a elaboração do novo, estabelecer as inter-relações entre os fatos apresentados e desenvolver o raciocínio crítico. Grandes dilemas da educação e o uso do cinema em sala de aula. A crise de paradigma na educação - gerado a partir do surgimento das novas tecnologias e de uma nova demanda social por uma formação mais autônoma e crítica e mais condizente com o atual momento de evolução da sociedade - nos leva a pensar que o problema não está na no uso das tecnologias na educação, mas sim, na forma, em como se pode utiliza-las para o desenvolvimento da autonomia e da criatividade. Essa discussão está ganhando espaço inclusive em documentários como Do Giz ao Tablet, do (Santo Caos, 2015) que provoca uma discussão sobre o novo papel da escola e sua conexão com o mundo “Onde o papel do professor se desloca para uma função de um provocador de perguntas, de questionamentos, curiosidades, pois para a criança toda a hora é hora de aprender, desde que elas tenham interesse no aprendizado” (ALMEIDA, 2015). Nesse contexto, a escola tem um papel muito importante na produção de conhecimento, ajudando a transformar a informação editada e fragmentada dos meios de comunicação em conhecimento e pensamento crítico. A Educomunicação tem muito a contribuir nesta mediação entre o encantamento da mídia, as novas formas de aprender e as novas formas de ensinar. Novas formas de narrativas históricas que o cinema passou a legitimar. Para Bloch (2001) buscamos constantemente conhecer as nossas origens para compreender o nosso presente, mas a compreensão do presente também pode ser a chave para elucidar o passado, No entanto, se faz necessário que o historiador tenha um olhar crítico sobre suas fontes, que saiba indagá-la e confrontá-la em relação tanto à sua veracidade quanto às suas condições de produção e a quais interesses serviam. Na relação entre cinema, história e educação, vemos nas formas de representação audiovisual da Disney - na reconstrução do mito fundador da nação americana, em torno da personagem Pocahontas, a cultura indígena americana e a fundação dos Estados Unidos das Américas - múltiplas possibilidades de análises sob os impactos nas relações entre o cinema, a história e a educação. O filme, como produto cultural, constrói sentidos e identidades através de estratégias discursivas que tem como objetivo criar uma narrativa sobre a origem de um povo a partir de histórias de lendas e passadas pela tradição oral que agem como mitos fundadores. A Disney como máquina de ensino. Henry Giroux (2001) sugere que possamos empreender novas perspectivas de análise da Disney que “ligue em vez de separar” os aspectos sociais, culturais e políticos nas quais a empresa está fortemente engajada, levando em consideração o poder que ela exerce através de uma pedagogia do entretenimento, se referindo a ela como “a máquina de ensino da Disney” enfatizando que “a pesquisa sobre a Disney tem de ser primeiro histórica, relacional e multifacetada”. É isso que pretendemos fazer. Durante a década de 1980 e 1990 os movimentos dos direitos civis alcançou ativistas indígenas nas discussões raciais e de discriminação, segundo Denise Bates (2012), apesar da vitimização na historiografia entre os anos 60 e 70, os elementos culturais indígenas foram base para o estilo das formas de protestos da contracultura. Os pesquisadores também modificaram o seu olhar sobre o passado indígena através da etno-história, baseados em Clifford Geertz e Marshall Sahlins, surgindo assim a Nova História Indígena, com uma visão mais ativa e menos vitimistas dos indígenas, passando a revisitar temas. Segundo Dornelles(2015), como políticas estatais, questões jurídicas, responsabilidade de Estado, perda de terras indígenas e seus efeitos, questões de gênero, educação e fronteira, os avanços nas pesquisas e nos movimentos sociais indígenas mostraram um crescimento das comunidades e a luta pelos seus direitos e reconhecimento. Nos anos 1990, durante a comemoração dos 500 anos da conquista da América, estudiosos nativos como Ned Blackhawk (2005) afirmam que as revisitações do passado mostraram uma reestruturação e avanços demográficos, econômicos e sociais dos nativos indígenas durante as últimas décadas, inclusive na formação de seus próprios intelectuais; passando a ter mais voz e reivindicando espaços na construção de narrativas históricas. Os temas indígenas têm recebido cada vez mais atenção em todo o mundo e, segundo Dornelles (2005), a criação da Native American and Indigenous Studies Association de 2008 e o Native American Languages Act, lei de 1990, que reconhece as línguas indígenas, protege e promove os direitos e liberdades dos nativos americanos para usar a prática e desenvolver línguas nativas americanas são grande representativas desse avanço. Em se tratando dos indígenas, este, segundo Azevedo (2009) persistiu na resistência pela conservação de sua cultura e valores de Native Americans construindo uma história própria. Grande parte dos indígenas foi exterminada no século XIX, os que restaram passaram a viver em reservas índios, viram a sua cultura destruída ao longo dos séculos de guerra e políticas discriminatórias. Segundo Azevedo, quando a designação native-americans foi disseminada no discurso político nos anos 1960, muitos grupos rejeitaram a inclusão na narrativa nacional, afirmando seu desejo de serem reconhecidos como sujeitos com identidade e história própria (Azevedo, op cit). Desse modo, uma animação que, inclusive, alcançasse os indígenas era relevante já que passava a contemplar outras culturas como a chinesa e a árabe. Lembramos que a primeira animação de sucesso foi Aladim. Ainda dentro do tema do multiculturalismo, a Disney lançou filmes ligados a cultura celta com o filme Valente, uma princesa rebelde que quer liderar seu reino independente de casamento e muito ligada a sua cultura. Em 2017 foi lançado o filme Moana, com a temática da cultura polinésia, cheia de mitos e novos significados multiculturais e muito ligado a questões ambientalistas. Em 2018 o lançamento do filme Viva, a vida é uma festa, finalmente contempla a cultura mexicana em seu festivo culto aos mortos. Para Giroux (2001), os filmes dessa época fornecem muitas oportunidades de discutir como a Disney constrói uma cultura de prazer e inocência, incorporando princípios estruturais e temas que se tornaram marca registrada da animação Disney. Através de estereótipos, produzem vilões e heróis, revelam preconceitos raciais, de gênero e sociais, moldando poderosamente “a forma como a paisagem cultural da América é imaginada”. A Era da Disney Renaissance deixou sua marca em toda uma geração, construindo um imaginário social tanto nos Estados Unidos como no mundo e fizeram sucesso não apenas na época de seu lançamento, até hoje ainda são vistos e revistos reavivando o poder de uma década em que o global e o local se fundiram, se mesclaram, se reconfiguraram. Assim, partimos do pressuposto que o papel do cinema de animação da Disney, como outras produções culturais, não é apenas entretenimento, mas além de produto de uma época, é também produto de uma sociedade, com forte capacidade de intervir nesta mesma sociedade, exercendo através do cinema uma certa pressão pedagógica que deve ser analisada de forma crítica pela sua inserção na infância e na sociedade. Como já evidenciado, as animações abordam temas como o encontro de culturas, muitas vezes com enlace entre pessoas dispares impossibilitadas de se unir. Ajudavam a animação cores fortes, expressões contundentes, músicas fortes e cenários grandiosos que, segundo Finch (2011), são característicos desta fase. Estereótipos, racismo, orientalismo, questão de gênero e conformismo social também são apresentados aqui de forma sutil e transvestida num mundo de fantasia e entretenimento, moldando, como diria Giroux (2001), o senso de realidade, fornecendo ao seu público noções de identidade, cultura e história “no aparente apolítico universo do ‘Reino Encantado’. Não pretendemos aqui fazer uma análise comparativa entre o filme e os fatos históricos, mas sim tentar compreender como e em que medida os filmes da Disney (por suas aproximações e distanciamentos) estimulam o interesse pela pesquisa, ensino e aprendizado histórico. Tratamos aqui da possibilidade de um produto cultural ser um impulsionador do conhecimento sobre o passado e suas conexões na sua relação com o presente Muitos outros filmes e documentários já foram realizados em torno do tema Pocahontas que poderão vir, ou não, a compor o nosso quadro de fontes posteriormente, dependendo de novos olhares sobre o objeto.. Pretendemos compreender as possibilidades de estimular o prazer da história no ambiente escolar propiciando, através de discussões e reflexões entre o real e o imaginário, entre a ficção e a historiografia, sobre diversos temas contextualizados nos filmes, criando um processo prazeroso de ensino e aprendizado crítico e conectado com experiência vivida de cada envolvido. Para Surrel (2009), Disney faz filmes convencionais visando um público específico, o público familiar, a estrutura das suas histórias é linear, sem áreas nebulosas ou muita agitação, onde a história acontece entre o “Era uma vez” e o “viveram felizes para sempre”. Seus filmes são o resultado do trabalho de uma extensa equipe de colaboradores nas mais variadas funções todas envolvidas com o objetivo de contar uma determinada história da melhor forma possível. O roteiro é a base de tudo, onde seus principais componentes são a história, a estrutura, os personagens e o diálogo. Segundo o autor, a estrutura mítica e os personagens arquetípicos também tiveram grande influência nos desenhos animados da Disney, através do paradigma mítico da jornada do herói, baseado nas obras de Raglan e Campbell, que estão presentes pelo mundo inteiro e se tornou matéria prima das histórias populares. A construção de conhecimentos sobre grandes acontecimentos e personalidades da história através do cinema. O filme e a história de Pocahontas. Partindo do pressuposto de que a história não é o real, mas sim, uma produção de discurso sobre o real, entendemos que a relação entre cinema e história tem um papel fundamental na construção do que imaginamos como real. Pretendemos investigar as relações entre cinema e história na construção ou reconstrução do mito fundador da nação americana a partir das narrativas fílmicas da Disney, Pocahontas e Pocahontas II, produzidos em 1995 e 1998, nos Estados Unidos. Pocahontas é o primeiro filme que a Disney desenvolve baseado em fatos reais, com uma protagonista que não é branca nem europeia e que não termina com o final típico dos “Felizes para Sempre”. Pocahontas: o encontro entre dois mundos. Direção: Mike Gabriel e Eric Goldberg. Estados Unidos. Walt Disney Pictures. 1995 Pocahontas II: Uma viagem a um novo mundo. Direção: Tom Ellery e Bradley Raymond. Estados Unidos. Walt Disney Pictures. 1996 Figura 1: Filmes a serem analisados Fonte: produzido pela autora. Pocahontas é a primeira personagem que a Disney desenvolve baseado em fatos reais, com uma protagonista que não é branca nem europeia, uma índia nativo-americana com espírito livre, corajosa e hábil, pois foi mediadora entre a cultura indígena e a branca-inglesa. O filme traz em sua trama questões pertinentes às demandas da década de 1990 dos Estados Unidos, como a temática do envolvimento do homem com a natureza e como os nativos-americanos se relacionavam com ela, resgatando um dos mitos fundadores dos Estados Unidos, 400 anos depois. Para voz de Pocahontas foi escolhida a atriz Irene Bedard, que por conta dos seus traços indígenas também serviu de modelo para as expressões e movimentos corporais da personagem. Para Barbosa, a animação da Disney provocou muita discussão e aumentou significativamente o interesse em novas pesquisas sobre o tema. Todas as discrepâncias entre a narrativa Disney e as narrativas de John Smith, trouxeram muito mais interesse em contrastar a versão Disney com outras narrativas sobre Pocahontas Como exemplo ela cita as obras de Elizabeth Cook-Lynn’s American Indian Intellectualism and the New Indian Story (Writing about American Indians) e a de Amy Aidman’s “Disney's Pocahontas: Conversations with Native American and Euro-American Girls” (Growing Up Girls: Popular Culture and the Construction of Identity.. Sinopse: O filme Pocahontas: o encontro entre dois mundos (1995) conta a história de Pocahontas, uma indígena, filha do chefe dos Powhatans, que se torna uma espécie de mediadora indígena nas relações entre os índios locais e os colonizadores ingleses no século XVII. Pocahontas se apaixona pelo Capitão Jonh Smith e o salva de ser decapitado pelo seu próprio pai. Durante o filme o casal romântico troca conhecimentos sobre as diferentes culturas. Mas o amor se torna impossível já que existe um conflito entre os colonizadores ingleses e os índios nativos. No fim do filme, como na história, Jonh Smith retorna à Inglaterra ferido e Pocahontas fica na sua terra natal. O filme Pocahontas: o encontro entre dois mundos (1995) conta a história de Pocahontas, uma indígena, filha do chefe de uma das tribos mais importantes entre os nativos americanos, os Powhatans, que se torna uma espécie de embaixatriz indígena nas relações entre os índios locais e os colonizadores ingleses. Isto se dá a partir do momento em que a personagem principal impede seu pai de executar o Capitão Inglês Jonh Smith. Criando, a partir daí, uma reconstrução romantizada da história com um envolvimento amoroso entre a índia e o capitão, numa narrativa cheia de representações da cultura indígena, de sua relação com a natureza e dos conflitos entre os nativos e os colonizadores. No fim do filme, como na história, Jonh Smith retorna à Inglaterra ferido, mas Pocahontas fica na sua terra natal. A história se passa em 1607, ano da viagem da Virgínia Companhia, que partiu para a colônia inglesa de Jamestown na América, em busca de ouro e glória, num processo de colonização inglesa que resultou no extermínio dos povos indígenas e do surgimento de um dos mitos fundadores da nação Americana: Pocahontas. O segundo filme a ser analisado é sequencial ao primeiro, Pocahontas II: Uma viagem a um novo mundo (1998), também é baseado em dados históricos e conta a história de quando Pocahontas viaja para a Europa com inglês Thomas Rolfe, para ser apresentada à Rainha Anne em 1616. O objetivo era mostrar para os britânicos que os indígenas americanos não são selvagens e terminando o filme com um final feliz entre ela e Rolfe. Pelos dados históricos que temos conhecimento, Pocahontas realmente se casou com Thomas Rolfe, mas como forma de se libertar do cativeiro e para isso teve que se converter ao cristianismo adotando o nome cristão de Rebecca. Pelas análises historiográficas, sua viagem à Londres foi usada como estratégia para desmistificar a ideia de que os índios eram selvagens e atrair novos colonizadores para o novo mundo. Nas duas narrativas da Disney encontraremos muitas aproximações e rupturas com história real baseada nos fatos históricos e nas lendas passadas pela tradição oral quando confrontadas com a ficção, que causam ainda hoje muita polêmica em torno do filme. Mas o que pretendemos aqui é analisar o filme como documento e fonte histórica enquanto produto cultural, enquanto construtores de sentidos e identidades. Através das versões da história produzidas pela Disney, os filmes se constituem veículos de divulgação de um saber histórico, a partir de identificações e interpretações das versões da história. Reflexão crítica sobre o produto de ficção e sua relação com o conhecimento histórico. Como diria Marcos Silva (2008), os filmes em questão não estão soltos no tempo, estão conectados a ele em suas múltiplas temporalidades, no tempo temático das suas narrativas e no tempo de sua realização e circulação. Através da estética da animação da Disney, seus filmes constroem uma memória, explicam uma época e transformam experiências históricas, na sua poética do possível, do imagético, da ficção. Ao longo do tempo a Disney se tornou uma espécie de ícone da cultura americana. Seu império penetra em vários aspectos da vida social, além dos filmes, a Disney se faz presente em parques temáticos, uma infinidade de produtos relacionados às suas produções culturais (como roupas, cadernos livros, jogos, etc), criando um mundo de encantamento em torno da sua marca. Também levamos em consideração que a cultura dos Estados Unidos é uma forte influenciadora em todo o mundo e, para Kellner (2001, p.14), isso é um tema de interesse global. Além do fato de que, para Burgoyne (2002), a questão da identidade nacional, cultural e racial, estava se tornando um tema central de debates no Estados Unidos, trazendo à tona narrativas de pessoas excluídas dos relatos tradicionais, numa reconstrução da narrativa nacional americana através da ficção, enfatizando a representação das minorias raciais e étnicas. Esta pesquisa entende que a abordagem posta pela Disney desde os seus primórdios centra a sua perspectiva dentro do patriotismo e de um ideal norte-americano em que, segundo Tota (2017), as pessoas daquela sociedade são vistas como dotadas de fé, capacidade de liderança, perseverança, eficiência e engenhosidade, autoestima e engenhosidade e sem dúvida uma alta dose de patriotismo, nacionalismo, autoestima e excepcionalidade. Jésus Martín-Barbero (1997) diz que, é preciso ver a cultura num lugar estratégico, com efeitos de legitimação a partir de quando o poder dos EUA começa a atuar globalmente e influenciar cada vez mais a cultura de massa global, fazendo do “estilo de vida Norte-americano” um novo paradigma cultural, valorizando a experiência individual e o arquétipo do herói. Para ele, a relação entre cultura e meios de comunicação estabelecidas pelos Estados Unidos “deve ser abordada através da articulação de dois planos: o daquilo que os meios produzem – um estilo de vida peculiar – e o daquilo que produzem – uma gramática de produção com que os meios universalizam um modo de viver” (op cit, p.194). Para Rosenstone, o cinema tornou-se um dos principais meios de transmissão de histórias “que nossa cultura conta para si mesma – quer elas se desenrolem no presente ou no passado, sejam elas factuais, ficcionais ou uma combinação das duas coisas” (op 2010, p.17). Ele considera o cinema como uma fonte importante para o nosso entendimento da história, da nossa relação como o passado e que não podemos “ignorar a maneira como um segmento enorme da população passou a entender os acontecimentos e as pessoas que constituem a história” (2010, p.17). Aponta que é preciso reconhecer que o filme não possui a fidelidade entre suas regras de produção, mas que isso não prejudica a capacidade fílmica de condensar, nas suas formas plásticas, a história e defende o entendimento das regras específicas da linguagem cinematográfica com os vestígios do passado. Para Jaques Aumont (2002) estudar o cinema americano, narrativo, industrial exige entre outras coisas que se analise o cinema como um veículo de representações que uma sociedade faz de si mesma, construindo ou substituindo grandes narrativas míticas através de um jogo complexo de representações num diálogo entre o real e o visível, que se aproxima do sonho sem confundir-se com ele (op cit p.101). Para ele, o filme de ficção não é um discurso que se disfarça de história, mas apresenta uma história que se conta sozinha, e que dessa forma, adquire um valor essencial: O caráter de verdade”. Sua narrativa permite ser como a realidade, imprevisível e surpreendente, onde o universo fictício formam uma globalidade repleta de sentidos e afirma dizendo que “no cinema, não é apenas o conteúdo que é político: o próprio dispositivo cinematográfico também o é” (op cit, p.94). Para entender o dispositivo cinematográfico precisamos compreender o cinema como linguagem onde a imagem cinematográfica não é representação, mas um significado, um enunciado. Através do cinema se constrói um imaginário contemporâneo onde fazem circular seus discursos, onde disputam espaços pela representação de sentido, exercem uma pressão pedagógica na formulação de imagens de mundo O conceito de imaginário será aprofundado posteriormente e está presente em DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 1997. / O conceito de pressão pedagógica do cinema está presente em ALMEIDA, Rogério de. Pressão pedagógica e imaginário cinematográfico contemporâneo. In: Rogério de Almeida; Marcos Beccari. (Org.). Fluxos Culturais: arte, educação, comunicação e mídias. 1ed.São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2017, v. , p. 151-177.. Segundo Ismail Xavier (2008, p.83) o cinema sempre foi fundamentado do ponto de vista artístico mas seus usos são pedagógicos. Seus usos ao longo da história para convencer determinadas populações sobre determinados imaginários podem ser compreendidos como uma pressão pedagógica. Como foi no caso da II Grande Guerra Mundial com filmes para propiciar o apoio da população (tanto para a Alemanha como para os EUA) como exemplifica Rogério de Almeida (2017). Na sua tese, o cinema possui aspectos propriamente educativos que vão além do conteúdo disciplinar, discursivo ou ideológico ancorando o cinema em sete fundamentos educativos - cognitivo, filosófico, estético mítico existencial, antropológico e poético – criando forças imaginário-discursivas que pleiteiam uma imagem de mundo no cenário contemporâneo multifacetado em que vivemos. Aprofundando as discussões sobre o cinema de animação e o papel da Disney na história contemporânea, Solomon (apud BARBOSA JÚNIOR, 2001, p.98) afirma que o grande talento de Disney estava na comunicação, com um senso estético apurado e um profundo conhecimento da estrutura da trama, da narrativa e do tempo e tinha a animação como a arte do entretenimento. Para Barbosa Júnior (2001, p. 81 e 97), “o século XX não teria as feições culturais que o caracterizam sem a influência do imaginário do mundo de fantasia criado a partir dos desenhos animados de Walt Disney”. Angel Montón (In NOVOA, FRESSATO, FEIGELSON, Org., p.33) demonstra uma outra preocupação com “a ausência de uma clara concepção educativa em relação à imagem”, já que vivemos submetidos a uma constante presença vários tipos de imagens no nosso cotidiano transmitindo mensagens das mais diversas ordens, sem, no entanto, sermos preparados para interpretá-las a fundo. Não aprendemos a ler as imagens com uma postura crítica. Montón, percebe uma tendência homogeneizante gerado pelas multinacionais da imagem, sobretudo a indústria do espetáculo hollywoodiana, ampliando o debate sobre a indústria cultural e a cultura de massa. Pretendemos aqui discutir sobre a força das narrativas audiovisuais no processo ensino-aprendizagem, que acontece dentro e fora da escola nas leituras cinematográficas do passado, pensando a Disney como um potente instrumento de ensino. Refletiremos também sobre os grandes dilemas em relação ao ensino de história tradicional e os usos pedagógicos do cinema em sala de aula e fora dela, bem como sobre as novas formas de narrativas históricas que o cinema passou a legitimar. CONCLUSÃO Através da teoria das mediações no espaço escolar poderemos chegar a uma educação escolar participativa e atenta ao lugar que a mídia ocupa em nosso contexto cultural contemporâneo. Ao trabalhar a leitura crítica da mídia na escola temos que indagar sobre os códigos de linguagem, as condições de produção e seus códigos, as questões ideológicas e aspectos de recepção. A escola como mediadora e espaço de leitura e recepção crítica é também um espaço de produção e endereçamento de respostas às mídias na construção de uma cidadania plena ainda durante a infância. O que se ensina e o que se aprende através de Pocahontas da Disney? Referências Bibliográficas DURAND, Gilbert. As Estruturas Antropológicas do Imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 1997. GIROUX, Henry. A disneyzação da cultura infantil. In: SILVA, Tomaz Tadeu da; MOREIRA, Antonio Flávio (Org.). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis: Vozes, 1995a. p. 49-81. GIROUX, Henry. Memória e pedagogia no maravilhoso mundo da Disney. In: SILVA, Tomaz Tadeu da.(Org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos Estudos Culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 1995b. p. 132-158. ALMEIDA, Raija. Comunicação nos Espaços de Educação Formal. Comunicação publicada no 3° Congresso de Literacia Media e Cidadania. In PEREIRA, Sara & TOSCANO, Margarida . Literacia, Media e Cidadania - Livro de Atas do 3º Congresso. Editora CECS - Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade Universidade do Minho. Braga, Portugal. Disponível em www.cecs.uminho.pt . 2015. Acesso em 22 jun. 2017. ASSMAN, Hugo. Reencantar a Educação: Rumo à sociedade aprendente. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. BELLONI, Maria Luíza. Infância, mídias e educação: revisitando o conceito de socialização. Revista Perspectiva, Santa Catarina, Brasil. v. 25, n. 1 (2007) disponível em <http://www.perspectiva.ufsc.br/perspectiva_2007_01/5-Maria%20Luiza.pdf> Acesso em 22 jun. 2017. MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. Campinas.: Papirus. 2012. PEREIRA, Sara, PEREIRA, Luís e PINTO, Manuel. Como TVer. Braga, Edumedia. 2009. SANTO CAOS. (2015). Do Giz ao Tablet: por que a tecnologia não revolucionou a educação. Acessado em novembro de 2105, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ozpEMQ5niUA. Acesso em 23 jun. 2017.