ISSN 2446-7014
BOLETIM
GEOCORRENTE
ANO 5 • Nº 95 • 06 DE JUNHO DE 2019
O Boletim Geocorrente é uma publicação quinzenal do Núcleo de
Avaliação da Conjuntura (NAC), vinculado à Superintendência de
Pesquisa e Pós-Graduação (SPP) da Escola de Guerra Naval (EGN).
O NAC acompanha a Conjuntura Internacional sob o olhar teórico da
Geopolítica, a fim de fornecer mais uma alternativa para a demanda
global de informação, tornando-a acessível e integrando a sociedade
aos temas de segurança e defesa. Além disso, proporciona a difusão
do conhecimento sobre crises e conflitos internacionais procurando
corresponder às demandas do Estado-Maior da Armada.
O Boletim tem como finalidade a publicação de artigos compactos
tratando de assuntos atuais de dez macrorregiões do globo, a saber:
América do Sul; América do Norte e Central; África Subsaariana;
Oriente Médio e Norte da África; Europa; Rússia e ex-URSS; Sul da
Ásia; Leste Asiático; Sudeste Asiático e Oceania; Ártico e Antártica.
Ademais, algumas edições contam com a seção “Temas Especiais”.
O grupo de pesquisa ligado ao Boletim conta com integrantes de
diversas áreas do conhecimento, cuja pluralidade de formações e
experiências proporciona uma análise ampla da conjuntura e dos
problemas correntes internacionais. Assim, procura-se identificar
os elementos agravantes, motivadores e contribuintes para a
escalada de conflitos e crises em andamento, bem como seus
desdobramentos.
NORMAS DE PUBLICAÇÃO
Para publicar nesse Boletim, faz-se necessário que o autor seja
pesquisador do Grupo de Geopolítica Corrente, do NAC e submeta seu
artigo contendo até 350 palavras ao processo avaliativo por pares.
Os textos contidos neste Boletim são de responsabilidade única
dos autores, não retratando a opinião oficial da EGN ou da
Marinha do Brasil.
CORRESPONDÊNCIA
Escola de Guerra Naval – Superintendência de Pesquisa e PósGraduação.
Av. Pasteur, 480 - Praia Vermelha – Urca - CEP 22290-255 - Rio de
Janeiro/RJ - Brasil
TEL.: (21) 2546-9394 | E-mail: geocorrentenac@gmail.com
Os textos do BOLETIM GEOCORRENTE poderão ser encontrados
na home page da EGN:
<https://www.marinha.mil.br/egn/boletim_geocorrente>
ESCOLA DE GUERRA NAVAL
SUPERINTENDÊNCIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
NÚCLEO DE AVALIAÇÃO DA CONJUNTURA
BOLETIM
GEOCORRENTE
CONSELHO EDITORIAL
EDITOR RESPONSÁVEL
Leonardo Faria de Mattos (egn)
ÍNDICE
EDITOR CIENTÍFICO
Francisco eduardo aLves de aLMeida (egn)
EDITORES ADJUNTOS
Jansen coLi caLiL n. a. de oLiveira (egn)
Jéssica gerMano de LiMa siLva (egn)
noeLe de Freitas Peigo (FacaMP)
Pedro aLLeMand Mancebo siLva (uFrJ)
________________________________________________________
PEQUISADORES DO NÚCLEO DE AVALIAÇÃO DA CONJUNTURA
adriana escosteguy Medronho (ehess)
aLessandra dantas brito (egn)
ana cLáudia Ferreira da siLva (uFrJ)
ana Luiza coLares carneiro (uFrJ)
andré Figueiredo nunes (eceMe)
ariane dinaLLi Francisco (universität osnabrück)
beatriz Mendes garcia Ferreira (uFrJ)
beatriz victória aLbuquerque da siLva raMos (egn)
carLos henrique Ferreira da siLva Júnior (uFrJ)
caroLina côrtes góis (Puc-rio)
danieL santos kosinski (uFrJ)
david severo Pereira França Pinto (uerJ)
doMinique Marques de souza (uFrJ)
eLy Pereira da siLva Júnior (uerJ)
FeLiPe augusto rodoLFo Medeiros (egn)
Franco naPoLeão aguiar de aLencastro guiMarães (Puc-rio)
gabrieLa de assuMPção nogueira (uFrJ)
gabrieLe Marina MoLina hernandez (uFF)
gLayce keroLin rodrigues MaxiMiano (uFrJ)
Jéssica Pires barbosa barreto (egn)
João FeLiPe de aLMeida Ferraz (uFrJ)
João MigueL viLLas-boas barceLLos (uFrJ)
João victor Marques cardoso (unirio)
José gabrieL de MeLo Pires (uFrJ)
LaiLa neves Lorenzon (uFrJ)
Louise Marie hureL siLva dias (London schooL oF econoMics)
MarceLLe torres aLves okuno (ibMec)
Marina soares corrêa (uFrJ)
Matheus bruno Ferreira aLves Pereira (uFrJ)
Matheus souza gaLves Mendes (egn)
Pedro eMiLiano kiLson Ferreira (universidade de santiago)
Pedro Mendes Martins (eceMe)
Pérsio gLória de PauLa (uFF)
PhiLiPe aLexandre Junqueira (uerJ)
rebeca vitória aLves Leite (egn)
rodrigo abreu de barceLLos ribeiro (uFrJ)
shakiLa de sousa ahMad (uFrJ)
steFany Lucchesi siMões (unesP)
taynara rodrigues custódio (egn)
thaïs abygaëLLe dedeo (université de Paris 3)
thayná Fernandes aLves ribeiro (uFrJ)
victor cabraL ribeiro (uFrJ)
victor eduardo kaLiL gasPar FiLho (egn)
vinícius de aLMeida costa (egn)
vinicius guiMarães reis gonçaLves (uFrJ)
vivian de Mattos Marciano (uFrJ)
AMÉRICA DO SUL
Segurança alimentar e hídrica no Peru: desafios estruturais ............................ 3
AMÉRICA DO NORTE & CENTRAL
MINUJUSTH: a nova aposta para frear a instabilidade haitiana ....................... 4
A necessária renovação da Guarda Costeira canadense ................................. 4
Chineses miram em vulnerabilidade estadunidense no mercado de
terras-raras ........................................................................................................ 5
ÁFRICA SUBSAARIANA
Região do Lago Chade em contínua demanda por segurança e
desenvolvimento................................................................................................ 5
EUROPA
Tensão entre Espanha e Reino Unido nas águas de Gibraltar ......................... 6
ORIENTE MÉDIO & NORTE DA ÁFRICA
A cúpula emergencial em Meca e a importância estratégica do Catar ............. 7
Jordânia e o projeto de conexão Mar Vermelho - Mar Morto ............................ 7
RÚSSIA & EX-URSS
2+2: novo formato de negociações sobre as Ilhas Curilas ................................ 8
LESTE ASIÁTICO
O trem da Esquadra: a importância dos navios de apoio logístico chineses ... 9
SUL DA ÁSIA
A reeleição de Narendra Modi e a política externa indiana ............................. 9
A corrida armamentista entre Índia e Paquistão .............................................. 10
SUDESTE ASIÁTICO & OCEANIA
Marinha da Indonésia: desafios e perspectivas .............................................. 10
ÁRTICO & ANTÁRTICA
O novo quebra-gelo nuclear russo .................................................................. 11
TEMAS ESPECIAIS
Operações de Paz Multilaterais para além da ONU......................................... 11
Artigos Selecionados & Notícias de Defesa........... 12
Calendário Geocorrente......................................... 12
Referências............................................................ 13
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AMÉRICA DO SUL
Segurança alimentar e hídrica no Peru: desafios estruturais
Beatriz Mendes
E
m maio de 2019, o Peru presenciou uma paralisação
de aproximadamente um milhão de agricultores em
escala nacional. Historicamente, a agricultura peruana é
um setor com poucos investimentos e com significativa
escassez de projetos e políticas públicas. As demandas
dos produtores se baseiam primordialmente na promoção
de estímulos por parte do Ministério da Agricultura,
voltados para a produção do consumo interno.
Visando estabelecer reformas que atinjam mais de três
milhões de trabalhadores rurais, as principais medidas
dizem respeito à defesa da produção agrária nacional
contra as importações subsidiadas, e a modificação de
tarifas de importação de alimentos, uma vez que o país
reduziu consideravelmente a produção alimentícia de
produtos essenciais como arroz, leite e açúcar nos últimos
anos. Além disso, os produtores peruanos reivindicam
mudanças na política de segurança hídrica voltada
para a agricultura, como a suspensão da autoridade
administrativa da Agência Nacional da Água sobre os
pequenos agricultores.
Segundo a Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura (FAO, sigla em inglês), a
segurança alimentar diz respeito à capacidade de um
país em produzir alimentos suficientes para nutrir a
população, e está diretamente relacionada a uma certa
quantidade e qualidade de água para o desenvolvimento
de uma produção agrícola autossuficiente.
Apesar de ser um dos países com maior disponibilidade
de água do mundo, o Peru enfrenta atualmente uma
crise hídrica acarretada principalmente pelo fenômeno
do El Niño de 2017, tornando-se um dos países mais
vulneráveis aos impactos climáticos relacionados à
segurança hídrica. Isto revela que o núcleo do problema
está na capacidade de gerir esse recurso por meio de
investimentos em infraestrutura. Em adição às questões
ambientais e agrícolas, aproximadamente 10% dos
peruanos enfrentam a falta de acesso a fontes potáveis de
água para suas necessidades básicas.
Com isso, levando em consideração que a agenda dos
pequenos e médios produtores rurais se relaciona com
a contribuição de aproximadamente 70% da segurança
alimentar nacional, é possível afirmar que essas questões
fazem parte de um complexo panorama de segurança
alimentar e hídrica que diz respeito a uma debilidade
estrutural do Peru, indicando um latente quadro de
instabilidade a longo prazo.
Fonte: Scielo
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AMÉRICA DO NORTE & CENTRAL
MINUJUSTH: a nova aposta para frear a instabilidade haitiana
Ana Cláudia Ferreira
F
oi estendida, até 15 de outubro de 2019, a Missão
das Nações Unidas para o Apoio à Justiça no Haiti
(MINUJUSTH, sigla em inglês), devido à instabilidade
política do país. Esta se agravou em fevereiro de 2019,
após a intensificação de protestos populares contra o
governo e a queda da qualidade de vida. O panorama
instável é marcado, principalmente, por uma alta inflação
e irregularidades na Petrocaribe (Boletim 92) – acordo
de cooperação energética entre Venezuela e países
caribenhos. Nesse acordo, revelou-se um desvio de US$
2 bilhões, que envolveu 15 ex-ministros haitianos e a
Agritrans SA, empresa antes dirigida pelo presidente
haitiano, Jovenel Moïse. As manifestações, que exigem
a renúncia de Moïse desde 2018, ocasionaram a renúncia
do primeiro-ministro Jack Guy Lafontant.
Diferentemente de sua antecessora – a Missão
das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti
(MINUSTAH, sigla em inglês), a MINUJUSTH foca no
fortalecimento das instituições públicas e na fiscalização
da polícia haitiana, para evitar violações aos direitos
humanos. É formada, principalmente, por policiais civis
das Nações Unidas e de países como a Índia. Apesar
de precedida por uma longa missão de estabilização,
iniciada em 2017, encontra dificuldades para conter a
instabilidade local.
Além da revolta civil e da extensão da MINUJUSTH,
o Haiti enfrenta outras adversidades. No ápice dos
protestos, o governo norte-americano retirou funcionários
do país e o Canadá fechou sua embaixada na região,
reabrindo apenas com o cessar dos protestos. Além disso,
a economia haitiana foi afetada pela alta inflação e pela
desvalorização do gourde, moeda nacional.
A situação atual levanta questionamentos sobre a
efetividade da MINUSTAH e da MINUJUSTH. Segundo
registros das Nações Unidas, durante e a MINUSTAH,
ocorreram aproximadamente 150 casos de violações aos
direitos humanos por parte dos militares, a MINUJUSTH
falhou em evitar 26 mortes durante os protestos de
fevereiro e encontra dificuldades em auxiliar o
fortalecimento das instituições haitianas. Com isso,
questiona-se o uso de forças exógenas como forma mais
eficaz de controlar a instabilidade em países onde o
Estado não oferece condições de trabalho e educação.
A necessária renovação da Guarda Costeira canadense
Jéssica Barreto
E
m 22 de maio de 2019, o governo canadense
anunciou o projeto de renovação da Guarda Costeira
do país. Contando com mais de 1.900 funcionários,
44 embarcações e 9 helicópteros, a Guarda Costeira
promove diversas operações, entre elas as de Busca e
Salvamento. Além disso, ela é essencial para a atuação
do país no Ártico, região de interesse para a soberania
e segurança canadenses. Entretanto, por receber poucos
investimentos, seus equipamentos obsoletos têm
prejudicado sua capacidade. Essa renovação para a
Guarda Costeira já era prevista no National Shipbuilding
Strategy (NSS), lançado pelo governo Harper em 2010.
Dessa forma, o plano prevê a aquisição de 18 novas
embarcações, sendo 16 navios multi-propósito, que serão
construídos pelo estaleiro Seaspan (Vancouver), e dois
Artic Offshore Ship Patrol (AOPS), que serão construídos
pelo Irving (Halifax). Os AOPS serão adaptados para
realizar missões de apoio para as embarcações quebragelo. Estima-se que todo esse investimento será de US$
15.7 bilhões. Além disso, o governo também prevê,
aproximadamente US$ 2 bilhões para extensão da vida
útil das atuais embarcações, até que as novas sejam
entregues.
Essa notícia coincide com a entrega oficial do novo
quebra-gelo CCGS Captain Molly Kool, que fará sua
primeira viagem oficial para o Ártico, em junho deste
ano. A embarcação faz parte de um contrato assinado
em agosto de 2018 com a Davie Shipyard, ao custo de
aproximadamente US$ 827 milhões, para a compra e
reforma de três quebra-gelos noruegueses. Apesar da
aquisição permitir uma melhora na capacidade da Força,
que não tinha um novo quebra-gelo há 25 anos, ela traz
questionamentos sobre o andamento da construção do
CCGS John G. Diefenbaker, que é o único quebra-gelo
previsto na NSS, esperado inicialmente para 2017, mas
adiado para 2022.
O governo canadense está, ainda,
avaliando
a necessidade de uma nova classe de pequenas
embarcações, denominadas Mid-shore Multi-mission
ship, para complementar o trabalho especialmente em
águas rasas. Assim, pretende-se acrescentar um terceiro
estaleiro como parceiro dentro do NSS, que já conta com
o Irving e o Seaspan. Apesar de o Davie Shipyard ser
o mais cotado, haverá um processo competitivo para
selecionar esse novo estaleiro.
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BOLETIM GEOCORRENTE • ISSN 2446-7014 • N. 95 • Junho | 2019
Chineses miram em vulnerabilidade estadunidense no mercado de terras-raras
Victor Gaspar Filho
A
pós a decisão do governo estadunidense de elevar
tarifas impostas sobre produtos chineses de 10%
a 25%, a mídia chinesa divulgou a possibilidade do
banimento de exportações chinesas de minério de terrasraras para os Estados Unidos. Os elementos, essenciais
para a indústria de tecnologia civil e militar, foram
poupados das novas alíquotas dada a sua essencialidade.
A medida seria também uma retaliação à determinação
da administração de Donald Trump em cortar o
fornecimento de componentes necessários à fabricação
dos produtos da companhia chinesa Huawei, a qual
despende cerca de US$ 11 bilhões em bens produzidos
nos Estados Unidos.
A China é líder mundial em produção de terras-raras,
configurando cerca de 80% das importações norteamericanas. Mountain Pass, a última mina responsável
pela extração desses elementos nos Estados Unidos foi
fechada em 2015, devido à competição chinesa e ao
baixo retorno financeiro diante das restrições ambientais
necessárias para produção em território americano.
Esta mina retomou sua produção em baixa escala em
janeiro de 2019, mas precisaria de um ano para que
sua produção fosse capaz de substituir as importações
chinesas. É importante notar que a recente reativação de
Mountain Pass é responsável por 10% das exportações
mundiais desses minérios brutos, mas seu processamento
ainda é feito na China.
Uma disputa territorial entre a China e o Japão acerca
das Ilhas Senkaku no ano de 2010 resultou no corte
das exportações chinesas de terras-raras para o Japão,
resultando num precedente a ser observado. Nesta ocasião,
exportações chinesas continuaram a ocorrer em forma
de contrabando, e o Japão encontrou formas de reduzir
a dependência, substituindo seu fornecimento e o próprio
material por matérias primas alternativas.
No curto prazo, os Estados Unidos possuem estoque
suficiente para suprir a demanda por esses minerais em
funções mais essenciais, como a indústria de defesa. Foi
anunciada também a proposta de uma joint venture entre
empresas estadunidenses e australianas para produção de
terras-raras nos Estados Unidos. A China, como um dos
maiores consumidores internacionais de terras-raras, pode
hesitar em restringir as exportações, dada a possibilidade
do impacto no preço do produto do qual também será
dependente de importações, numa projeção de consumo
a partir de 2025.
ÁFRICA SUBSAARIANA
Região do Lago Chade em contínua demanda por segurança e desenvolvimento
João Victor Marques Cardoso
N
o início de maio de 2019, a presidente da 73ª
Assembleia Geral das Nações Unidas, Maria
Espinoza, visitou a Nigéria para estreitar os laços
entre as partes. Dentre os principais temas tratados
com o presidente Muhammadu Buhari, destaca-se a
preocupação com a bacia do Lago Chade que, em 40
anos, encolheu de 24 para apenas 02 mil km² (cerca de
90% da cobertura). Como resultado do encontro, foi
assinado um acordo de cooperação de US$ 4,5 milhões,
por cinco anos, a fim de contribuir para o esforço
regional de recuperar o lago.
Localizado numa região dividida entre Nigéria,
Níger, Camarões e Chade, o lago tem sofrido com as
mudanças climáticas e com a expansão do deserto do
Saara, ameaçando a sobrevivência de 20 milhões de
pessoas. Associada aos impactos ambientais, a realidade
socioeconômica da região é extremamente delicada,
provocando movimentos migratórios devido à pobreza
e à insegurança, sobretudo no nordeste da Nigéria,
epicentro do grupo extremista Boko Haram.
Decisivo para a vitória de Buhari em 2015,
que prometeu o seu extermínio, o Boko Haram foi
considerado oficialmente derrotado no ano seguinte.
Fonte: Big Think (adaptado)
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BOLETIM GEOCORRENTE • ISSN 2446-7014 • N. 95 • Junho | 2019
Entretanto, a insuficiência das operações militares, bem
como a continuidade da grave situação socioeconômica,
mantiveram o ciclo de insegurança e pobreza. Tal realidade
se materializa, por exemplo, conforme uma das facções
que se desvincularam do Boko Haram, o Estado Islâmico
na Província da África Ocidental, que amplia seu poder
bélico e sua influência sobre a comunidade, mediante a
realização de serviços que deveriam ser prestados pelo
Estado: segurança, fornecimento de crédito, assistência
de saúde e governança jurídica.
Apesar de contatos internacionais, como o ocorrido
em setembro de 2018, em Berlim, no qual 70 países e
organizações internacionais anunciaram US$ 2,17 bilhões
em apoio humanitário e em prol da paz, a região do Lago
Chade vive um impasse. O desenvolvimento econômico
torna-se inviável com a insegurança. Tampouco há
segurança sem a realização de projetos voltados ao
desenvolvimento. A região envolve, ao mesmo tempo, as
principais discussões globais na atualidade — mudanças
climáticas, migração, pobreza e terrorismo —, devendo
se manter como um tema delicado e com demandas
urgentes durante o segundo mandato de Buhari.
EUROPA
Tensão entre Espanha e Reino Unido nas águas de Gibraltar
Glayce Kerolin
N
sem ter descumprido nenhuma regra, enquanto que a
Espanha reivindica o território do Rochedo de Gibraltar
e ignora os limites que o Reino Unido estabelece para
as alegadas "águas internacionais". Entretanto, ainda
que a Espanha considere esse episódio uma afronta, o
Reino Unido deixou claro que continuará realizando
operações desse porte na região. Logo, caso essas ações
se tornem frequentes no presente corredor marítimo, o
acirramento entre os dois governos em relação à Gibraltar
se intensificará, tornando o relacionamento entre as duas
Marinhas ainda mais embaraçoso.
o último dia 25 de maio, uma embarcação da
Marinha britânica realizou exercícios militares
próximo a um navio-patrulha espanhol nas águas que
banham as costas de Gibraltar. Foi um episódio confuso
em torno de um território controlado por Londres, desde
1704, mas reivindicado por Madri, cuja situação foi
questionada depois que a ONU sugeriu ao Reino Unido
que restaurasse a soberania do Arquipélago de Chagos,
outro território ultramarino da coroa inglesa, mas no
Oceano Índico (Boletim 94). O Ministério da Defesa do
Reino Unido alega que o HMS Sabre — embarcação
da classe Scimitar — estava conduzindo uma rotina de
exercícios de tiro fora das águas territoriais britânicas de
Gibraltar, ou seja, para além das 12 milhas náuticas da
costa (cerca de 24 quilômetros).
Segundo a Marinha espanhola, a tripulação do navio
de ação marítima Audaz interveio por se sentir coagido
com a presente operação. Convém frisar que o Audaz,
quinto navio da classe Meteoro, que foi comissionado em
2018, é um navio de 2.500 toneladas de deslocamento,
possui uma tripulação de 50 militares e capacidade para
transportar até 30 fuzileiros navais, além de poder operar
um helicóptero. Está armado com um canhão de 76 mm,
metralhadoras de 25 mm e de 12,7 mm. Por outro lado,
o HMS Sabre é uma lancha patrulha de 24 toneladas
com uma tripulação de 5 militares, possuindo duas
metralhadoras de 7,62 mm. Um ponto importante é que
os dois países fazem parte da Organização do Tratado
do Atlântico Norte (OTAN), desde 1982, realizando
exercícios conjuntos frequentemente.
O governo britânico alegou que sua Marinha
exerceu os seus direitos em águas internacionais,
Fonte: Earth Week
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ORIENTE MÉDIO & NORTE DA ÁFRICA
A cúpula emergencial em Meca e a importância estratégica do Catar
Ana Luiza Colares
N
a última quinta-feira (30/05/2019), iniciou-se, em
Meca, cidade histórica na Arábia Saudita, uma
cúpula emergencial convocada pelo anfitrião com a
participação de diversos países árabes, dentre esses, seis
países que fazem parte do Conselho de Cooperação do
Golfo, incluindo Emirados Árabes Unidos, Bahrein,
Kuwait, Omã e Catar. A cúpula teve duração de três dias
e demonstrou uma movimentação dos estados árabes
perante a atual situação regional de tensões na Península
Arábica e no Golfo Pérsico, palco de ataques nas últimas
semanas, cuja autoria está sendo imputada ao Irã por
autoridades locais. A cúpula teve o objetivo claro de
conter a suposta ameaça iraniana e os líderes presentes
afirmaram que irão manter esforços para evitar possíveis
conflitos e manter a estabilidade na região.
A presença que mais chamou atenção nas reuniões
foi a de Abdullah al-Thani, primeiro-ministro do Catar.
Circundado pelas águas do Golfo Pérsico, o país começou
a sofrer sanções lideradas pela Arábia Saudita em 2017,
com quem faz fronteira. Os dois países também passam
por tensões, intensificadas a partir do início da chamada
Primavera Árabe (2011), devido à oposição de opiniões
quanto às revoluções. Além disso, as autoridades do
Catar, traduzindo sua política externa mais diversificada,
possuem boas relações com o Irã, inimigo regional da
Arábia Saudita. A participação do Catar foi marcada pelo
pronunciamento do primeiro-ministro, afirmando que
está disposto a unir forças com os demais líderes visando
à paz regional.
Além de unir as forças locais, a importância da
aproximação com o Catar deve-se à sua localização
estratégica e à sua posição de terceira maior reserva
mundial de gás. O país é o segundo maior exportador de
gás mundial, que representa 48% de suas exportações,
totalizando U$S 25,5 bilhões. Em um cenário mundial
de crescente movimentação dos países em busca de
acesso ao gás, combustível mais limpo que outros como
o carvão, o Catar torna-se um ator importante, tendo
como principais compradores a Coreia do Sul, Japão,
Índia e China. Com os atuais acontecimentos, analisa-se
uma demonstração da força do bloco regional de modo
a conter as tensões crescentes na região a evitar ataques
dentro de seus territórios, e a se fortalecer econômica e
politicamente.
Jordânia e o projeto de conexão Mar Vermelho - Mar Morto
André Nunes
O
projeto de conexão do Mar Vermelho ao Mar Morto
foi concebido por meio de um estudo de viabilidade
assinado, em 2005, pela Jordânia, Israel e Autoridade
Palestina com o Banco Mundial. Em linhas gerais, o
objetivo do empreendimento é abastecer as necessidades
hídricas dos três países e contribuir para a restauração
do Mar Morto, fonte de receitas de turismo que, ao
longo das últimas décadas, tem começado a desaparecer
lentamente.
O Mar Morto, ponto mais baixo da terra, é naturalmente
alimentado por águas fluviais oriundas do Rio Jordão e,
também, por águas pluviais. No entanto, desde a década
de 1960, Israel tem desviado parte da água do rio para
abastecer a demanda hídrica interna, enquanto a Jordânia
tem feito algo semelhante em seu território com o rio
Yarmouk, que deságua no Jordão.
De acordo com a Estratégia Nacional de Água 20162025, documento publicado pelo Ministério de Água e
Irrigação da Jordânia, o país figura entre os que enfrentam
maior escassez hídrica no mundo. As condições climáticas,
a geografia e o ambiente geopolítico contribuem para o
agravamento dos desafios. Apesar das adversidades, o
documento informa que a Jordânia consegue atender a
maior parte das demandas da população local e reutilizar
cerca de 91% de seus recursos hídricos para a agricultura.
Apesar de a construção do projeto ainda não ter sido
iniciada, a conexão do Mar Vermelho ao Mar Morto
contribuiria de três formas para a Jordânia: em primeiro
lugar, a água do Golfo de Aqaba seria transportada por
Fonte: Haaretz
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BOLETIM GEOCORRENTE • ISSN 2446-7014 • N. 95 • Junho | 2019
tubulações e despejada no Mar Morto, onde seriam
movidas turbinas para geração de eletricidade; em
segundo lugar, parte da água será dessalinizada pela planta
de Aqaba, inaugurada em março de 2017, e distribuída
para cidades jordanianas, palestinas e israelenses; por
fim, o sal retirado no processo de purificação da água
seria enviado para o Mar Morto, conforme a necessidade
de equilíbrio de salinidade do local.
O governo da Jordânia entende a importância do
empreendimento, tanto para a criação de alternativa de
água potável por meio da dessalinização, quanto para a
composição da matriz energética nacional. O incerto, no
entanto, seria a recuperação do Mar Morto, principalmente
por conta da possibilidade de consequências ambientais
irreversíveis ao misturar grandes volumes de águas com
diferentes níveis de salinidade.
RÚSSIA & Ex-URSS
2+2: novo formato de negociações sobre as Ilhas Curilas
José Gabriel Melo
N
o último dia 30 de maio, a agência de notícias russa
TASS divulgou que o recém empossado Comandante
da Marinha russa, Almirante Nikolai Yemenov, visitará
o Japão no segundo semestre deste ano, em uma
demonstração de interesse em estreitar laços militares, no
que será a primeira visita do gênero em 18 anos. A notícia
veio durante a reunião no formato 2+2 dos ministros da
Defesa e das Relações Exteriores, Sergei Shoigu e Sergei
Lavrov, respectivamente, com seus pares japoneses para
tratar das disputas territoriais sobre as Ilhas Curilas, ao
sul da Península de Kamtchatka.
As disputas em torno do arquipélago remontam
ao século XIX, tendo sido incorporado ao território
soviético como espólio do Japão após o fim da Segunda
Guerra Mundial. Devido à ausência da União Soviética
no Tratado de São Francisco (1951), as negociações
prosseguiram bilateralmente, com o primeiro passo em
busca de uma solução pacífica sendo dado, em 1956,
pela assinatura da Declaração Conjunta SoviéticoJaponesa, que determinava o fim do estado de guerra
e o reestabelecimento das relações diplomáticas entre
as nações. Todavia, o alinhamento japonês aos Estados
Unidos, nos anos 1960, se tornou um empecilho para
as negociações, que parecem ter ganhado prioridade
apenas na última década, com um aumento considerável
na frequência dos encontros, dando indícios que estão
dispostos a encontrar uma solução definitiva.
Ambos têm preocupações maiores no que diz
respeito a segurança nacional, e não vêem as ilhas, que
vivem basicamente da pesca, como um foco iminente
de tensões. Para Moscou, a resolução das disputas
pode inclusive funcionar como um catalisador para a
cooperação econômica, na busca por reaver o comércio
com o Japão, que encolheu cerca de 50% nos últimos
cinco anos.
Essa foi a primeira vez que as partes adotaram esse
formato, visando aumentar o engajamento na resolução
do conflito. Porém, as conversas permaneceram
incipientes, selando um encontro entre o presidente
Vladimir Putin e o primeiro-ministro Shinzo Abe no
final de junho, por ocasião da reunião do G-20, no Japão.
Vale ressaltar que a soberania sobre as ilhas em disputa
garante suas ZEE e respectivas riquezas. Nesse contexto,
a visita de Yemenov servirá para pavimentar o caminho
da cooperação com Tóquio.
Fonte: Stratfor
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LESTE ASIÁTICO
O trem da Esquadra: a importância dos navios de apoio logístico chineses
Vinicius Almeida
C
orvetas, fragatas, contratorpedeiros, cruzadores,
navios-aeródromo e submarinos são tipos de
belonaves que imediatamente vêm à mente quando se
pensa numa Marinha de Guerra, expressando, talvez,
o significado de poder marítimo. Mas não somente de
belonaves vive uma esquadra. Como Mahan e tantos
outros teóricos(as) do poder marítimo argumentam,
a efetividade de uma Esquadra depende de uma
cadeia de apoio logístico. Mísseis, torpedos, projéteis,
combustíveis, víveres, equipamentos e sobressalentes
são essenciais para a combatividade, mas precisam ser
transportados e entregues aos seus respectivos meios de
forma eficiente. Nisto consiste a importância dos navios
de apoio logístico, cuja missão consiste em fornecer
recursos aos meios da Esquadra nas suas missões.
Geralmente são incorporados a um comando naval à parte
e específico, como nos Estados Unidos, onde o Military
Sealift Command (Comando de Transporte Militar, em
português) exerce essa tal função.
Em marinhas oceânicas, estes navios são importantes
para manter as esquadras aprestadas em águas distantes,
atuando como plataformas modulares, reduzindo a
dependência de portos estrangeiros. Para manter uma
Marinha oceânica, o apoio logístico é essencial para
a capacidade da esquadra de atender aos interesses
chineses em espaços cada vez mais distantes. Isso motiva
o investimento chinês em navios deste tipo. Em um
comando específico da PLA Navy, até 2016, ao menos 8
navios de apoio logístico foram comissionados em tempo
recorde – nas esquadras dos mares do Leste e do Norte,
prioritariamente. A melhor expressão dessa capacidade
é a classe Qiandaohu, versão 903A, deslocando 23.000
toneladas. Pode transportar 2 hovercrafts e desembarcar
um batalhão de infantaria em até 20 minutos.
Similares às contrapartes estadunidenses (classe
Montford Point), os navios de apoio logístico chineses
são cada vez mais adaptados para o futuro que Pequim
planeja à PLA Navy: resguardar seus interesses nos mares
do Leste e do Sul da China; e nos espaços adjacentes,
como o Índico. Nesse sentido, a cadeia logística militar
chinesa tem os navios de apoio como sua espinha dorsal,
já demonstrando prontidão para apoiar o poder naval
chinês aonde for preciso.
SUL DA ÁSIA
A reeleição de Narendra Modi e a política externa indiana
João Miguel Villas-Boas
N
arendra Modi (BJP) foi reeleito primeiro-ministro
indiano com ampla maioria dos votos. Sua vitória
sinaliza algumas questões relevantes. A primeira
delas é o fortalecimento do movimento hindutva, ou o
nacionalismo hindu, o que levanta algumas preocupações
acerca da estrutura institucional secular da maior
democracia global. No campo da política externa, ao
que tudo indica, não haverá mudanças substanciais, ou
seja, Paquistão, China, Estados Unidos e a diplomacia
energética devem permanecer no topo da agenda.
As relações com o Paquistão devem se pautar pelo
discurso indiano de combate ao terrorismo e da afirmação
da superioridade militar do país. Devido às inconstâncias
da política externa de Donald Trump, Modi preferiu rever
as relações com a China. No encontro em Wuhan, em abril
de 2018 – que deverá se repetir no próximo outono – Xi
Jinping e Modi concordaram em recompor as relações.
Todavia, os problemas de fronteira permanecem ativos
e as relações econômicas são amplamente favoráveis à
China, que em 2018 teve um superávit de U$66 bilhões.
Outro tradicional problema para a Índia é furar e conter o
“bloqueio” geoeconômico chinês do “colar de pérolas”,
que vem sendo fortalecido com o projeto da Nova Rota
da Seda.
No que diz respeito às relações com os Estados Unidos,
há espaço para consolidação e mesmo crescimento da
agenda. A Índia é considerada um importante parceiro
de defesa estadunidense e importou mais armamentos
dos EUA que da Rússia, principal fornecedor até 2017.
Há, entretanto, uma questão sensível a ser resolvida no
curto prazo: as sanções estadunidenses ao Irã (petróleo)
e à Rússia (armamentos, especialmente a bateria
antiaérea S-400) e como elas afetam pontos sensíveis
do crescimento do poder indiano. Ao que tudo indica, a
inserção internacional indiana terá de lidar com velhos
problemas e deverá manter a mesma estratégia dos
últimos anos: transformar o crescimento econômico em
poder.
O grande desafio indiano para os próximos cinco
anos será continuar seu processo de acumulação de poder
econômico e militar e ser reconhecida como uma potência
em ascensão. Até o momento, Modi conseguiu capitalizar
os esforços de política exterior para sua reeleição. Resta
saber se conseguirá manter o ritmo.
9
BOLETIM GEOCORRENTE • ISSN 2446-7014 • N. 95 • Junho | 2019
A corrida armamentista entre Índia e Paquistão
Marina Corrêa
A
competição técnica entre Índia e Paquistão mostrouse ativa em 2019, principalmente no último mês de
maio, devido a lançamentos efetuados por ambos países.
Ao demonstrarem as evoluções de suas capacidades
tecnológicas, também fomentam uma corrida
armamentista. Começando com o lançamento do quarto
submarino indiano da classe Scorpene, o INS Vela, na
cidade de Mumbai, realizado por meio de um contrato
cooperativo entre a estatal Mazagon Dock Shipbuilders
Limited (MDL) e a construtora francesa Naval Group.
Durante a quarta semana do mês de maio, a Força
Aérea Indiana (IAF, sigla em inglês), anunciou que
havia realizado um teste bem-sucedido do míssil de
cruzeiro supersônico BrahMos, em Car Nicobar, uma
das ilhas pertencentes ao arquipélago Nicobar, no
leste do Oceano Índico. Este míssil é capaz de realizar
ataques de longa distância contra alvos no mar, tendo alta
precisão. Foi construído por meio de uma joint venture
entre a desenvolvedora russa NPO Mashinotroyenia, e a
Organização de Pesquisa e Desenvolvimento de Defesa
(DDRO, sigla em inglês) da Índia.
No dia 22 de maio deste ano, ocorreu no estaleiro de
Carashi, a cerimônia de lançamento do navio de patrulha
marítima, destinado à Guarda Costeira do Paquistão
(PMSA, sigla em inglês). O navio está preparado
para realizar missões de segurança marítima, busca e
salvamento nas ZEE paquistanesas em colaboração
com a China Shipbuilding & Trading Company e com o
estaleiro Huang Pu.
Já no dia seguinte, o Paquistão conduziu o lançamento
do míssil superfície-superfície balístico Shaheen-II, que
possui capacidade de transportar ogivas convencionais e
nucleares em um alcance de até 1.500 km. Segundo Asif
Ghafoor, porta-voz das Forças Armadas paquistanesas, o
teste serviu para reforçar a postura de dissuasão nuclear e
atender às necessidades estratégicas do país. Por fim, vale
lembrar que o lançamento ocorreu logo após o ministro
das Relações Exteriores, Shah Mahmood Qureshi, ter
reiterado uma oferta à Índia para retomar as negociações
de paz. Esse último movimento paquistanês mostra o
desejo de que a diplomacia prevaleça, mas sem abrir mão
do poder militar.
SUDESTE ASIÁTICO & OCEANIA
Marinha da Indonésia: desafios e perspectivas
Thayná Fernandes
E
m abril deste ano foram realizadas eleições
presidenciais na Indonésia, cujo resultado saiu no
dia 22 de maio. O candidato da situação, Joko “Jokowi”
Widodo, foi reeleito, cenário tido como bom para o país,
apesar dos protestos liderados pelo opositor derrotado,
Prabowo Subianto.
Quando candidato em 2014, um dos principais
assuntos abordados por Jokowi durante a campanha foi
a importância da consolidação da Indústria de Defesa
Nacional. Poucos meses após eleito, o presidente
classificou a Indonésia como “eixo marítimo mundial”
(Boletim 20), declarando a importância de manter e
modernizar os projetos de Defesa Naval, especialmente
pela característica arquipelágica do Estado. Cinco anos
depois, para um novo mandato, é preciso avaliar o que se
conseguiu realizar nesta área.
O conceito de eixo marítimo mundial possui duas
bases: econômica e estratégica. A primeira estabelece
a renovação e a ampliação da esquadra do país,
considerando como principal desafio o patrulhamento
do seu vasto litoral. A segunda abrange a melhoria da
integração das ilhas que compõem o território, via
linhas de comunicação marítimas, visando diminuir
disparidades de desenvolvimento entre elas.
Até meados de 2017, pouco foi realizado pelo
programa, além da abertura a empresas (principalmente
chinesas) para a modernização de portos e melhorias na
indústria pesqueira. Entretanto, no final desse mesmo
ano, alguns avanços se produziram: em novembro, as
primeiras embarcações do Programa de Navios Patrulha
foram entregues, com mais nove sendo comissionadas
entre julho de 2018 e setembro de 2019. Em abril passado,
o governo indonésio fechou um contrato de US$ 1 bilhão
com a empresa sul coreana DSME para o desenvolvimento
de mais três submarinos diesel-elétricos 209/1400, que
complementarão a esquadra junto aos submarinos classe
Nagapasa, contratados em 2011.
Ainda que lentamente, avanços no desenvolvimento
da Marinha da Indonésia estão ocorrendo. A atual
administração objetiva estabelecer a independência da
indústria de defesa até 2029; contudo, o investimento até
o momento é de menos de 1% do PIB. Widodo pretende
mudar este quadro, destinando 1,5% desta receita ao
setor. Os desafios são a necessidade de mão de obra
local, o investimento em projetos de P&D e a busca
pela diversificação de parceiros para além de Pequim.
Afinal, as contendas pelo Mar do Sul da China podem
inviabilizar os investimentos.
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BOLETIM GEOCORRENTE • ISSN 2446-7014 • N. 95 • Junho | 2019
ÁRTICO & ANTÁRTICA
O novo quebra-gelo nuclear russo
Laila Lorenzon
de petróleo, representando 22% do óleo e gás ainda não
explorado no mundo, o que tem impulsionado posturas
assertivas de certos países para marcar sua presença no
Norte. Além disso, com o crescente degelo das regiões
polares, e agora com o lançamento de um quebra-gelo
com potência nunca vista, é cada vez mais viável o
uso da Rota Marítima do Norte como alternativa às
rotas comerciais existentes. A Rússia vem investindo
pesadamente em infraestrutura e equipamentos para
se posicionar à frente nessa corrida pela região e ser
a potência dominante capaz de gerir e executar o tão
sonhado trajeto, significativamente mais rápido que os
usuais, já que a propulsão nuclear permite uma maior
autonomia dos meios, necessitando de menos paradas
para abastecimento. A introdução de uma tecnologia cara
e arriscada demonstra a grande importância atribuída a
esse futuro polo de disputa de poder. É necessário estar
atento aos desdobramentos futuros da corrida pelos
quebra-gelos, bem como do aumento da relevância da
Rota do Norte para o comércio internacional.
N
o dia 25 de maio de 2019, a Rússia lançou um
potente quebra-gelo nuclear, que foi batizado de
Ural e é apenas o primeiro de três navios que deverão estar
operacionais até o ano de 2022. O navio saiu do estaleiro
de São Petersburgo e, até então, é o mais poderoso quebragelo do mundo, que tem capacidade para cortar blocos de
gelo de até três metros de espessura e com capacidade
para uma tripulação de 75 pessoas. Além disso, o quebragelo também foi projetado com a capacidade de operar
em ambiente marítimo e em estuários fluviais.
De acordo com o presidente da estatal Rosatom,
Alexey Likhachev, o novo navio será a força central
do projeto estratégico russo de abrir a Rota Marítima
do Norte, para que seja utilizada durante o ano todo,
até mesmo no inverno. O presidente Vladimir Putin
estabeleceu metas ainda mais ambiciosas de, até 2035,
ter uma frota operando com treze quebra-gelos, dos quais
nove serão movidos por energia nuclear.
Há anos, sabe-se que a região do Ártico reserva
aproximadamente 412 bilhões de barris equivalentes
TEMAS ESPECIAIS
Operações de Paz Multilaterais para além da ONU
Ariane Francisco
N
o último Dia Internacional do Peacekeeper (29
de maio de 2019), o Stockholm International
Peace Research Institute (SIPRI) lançou informações
atualizadas sobre Operações de Paz Multilaterais,
que incluem as operações das Nações Unidas, de
organizações regionais e aquelas criadas por coalizões ad
hoc de Estados, sancionadas e autorizadas pelo Conselho
de Segurança da ONU. De acordo com a publicação, o
número de operações em desenvolvimento, em 2018, foi
o menor desde 2013, totalizando apenas 60 iniciativas.
Em termos de pessoal, a diminuição foi de menos de
1%, acompanhando, porém, a tendência dos últimos três
anos. Em termos geográficos, 24 estão na África, 18 na
Europa, 10 no Oriente Médio, 05 nas Américas e 05 na
região da Ásia e Oceania.
De forma geral, a diminuição das missões diretamente
desenvolvidas pelas Nações Unidas pode ser considerada
uma tendência que vem sendo ensaiada há alguns anos,
com a publicação de dois relatórios elaborados pela
própria Organização. O relatório do Painel Independente
de Alto Nível sobre Operações de Paz (HIPPO Report)
de 2015 teve como principal tema o deslocamento da
primazia das operações para seu componente político;
em 2017, o General brasileiro Carlos Alberto dos Santos
Cruz submeteu ao Secretário Geral o Improving Security
of United Nations Peacekeepers (Relatório Cruz), com
recomendações para a diminuição de fatalidades entre
peacekeepers em missões da ONU, entre elas, a melhora
no treinamento e pre-deployment das tropas.
Não sem críticas, os relatórios têm sido o ponto
de partida para as reformas que a organização tenta
desenvolver, com relativo sucesso: o ano de 2018 teve
o menor número de fatalidades em campo desde 2012.
Por outro lado, apesar de a ONU ainda ter, em termos
absolutos, o maior número de missões e efetivo presente,
vemos o fortalecimento da OTAN nesse tipo de iniciativas
e aumento de seu escopo. Esta organização criou, em
2018, uma missão de treinamento das forças do Iraque,
além de vir apoiando mais efetivamente as operações
da União Africana, que já conta com a maior operação
de paz desde 2015, a Missão da União Africana para
a Somália (AMISOM), com uma média de 21 mil
peacekeepers presentes ao longo do ano. A tendência de
redução das Operações de Paz da ONU não significa,
portanto, a diminuição da importância desse tipo de
operação, mas sim, a maior cooperação e importância de
mecanismos regionais para criação e manutenção da paz.
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BOLETIM GEOCORRENTE • ISSN 2446-7014 • N. 95 • Junho | 2019
ARTIGOS SELECIONADOS E NOTÍCIAS DE DEFESA
•
CSIS, Daniel F. Runde
Beyond Technology: The Fourth
Industrial Revolution in the Developing
World
•
CARNEGIE EUROPE, Peter Kellner
Brexit After May
•
DEFENSE NEWS, Mike Yeo
Testing the waters: China’s maritime
militia challenges foreign forces at sea
•
DEFENSE NEWS, Joe Gould
Key US lawmakers want to give Ukraine
anti-ship and anti-aircraft missiles to
counter Russia
•
PROJECT SYNDICATE, Ian Buruma
Deng Xiaoping’s Victory
•
GEOPOLÍTICAL FUTURES, George Friedman
Europe Redefined
•
EL PAÍS, Bernardo De Miguel
EE UU da un ultimátum a Europa para
que rectifique su plan de defensa
•
MILITARY NEWS, Lolita C. Baldor
Acting US defense chief: Major military
drills with South Korea still on hold
CARNEGIE, Chung Min Lee, Kathryn Botto
Reconceptualizing U.S.-ROK
Cooperation in Korean Unification: A
Stabilization Framework
•
FIFTH DOMAIN, Mark Pomerleau
NATO to integrate offensive cyber
capabilities of individual members
•
CALENDÁRIO GEOCORRENTE
JUNHO
06
Encontro entre Jair Bolsonaro
e Mauricio Macri, em Buenos
Aires
07
Renúncia de Theresa May do
cargo de primeira-ministra do
Reino Unido
07-09
Encontro entre Xi Jinping
e Vladimir Putin, em São
Petesburgo
13-14
Cúpula da Organização para a
Cooperação de Xangai
20-23
34ª Cúpula da ASEAN, na
Tailândia
28-29
Cúpula do G20, no Japão
12
BOLETIM GEOCORRENTE • ISSN 2446-7014 • N. 95 • Junho | 2019
REFERÊNCIAS
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• A cúpula emergencial em Meca e a importância
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Acesso em: 31 maio 2019.
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13