Disciplina de Didática
Professora Kátia Maria Kasper
Caio Henrique de Almeida
Relato de uma aula
4/12/2012 - Colégio Municipal Irati, Cajuru - Curitiba –PR. Terça-feira, às 18h58min.
“A paisagem não é só aquilo que você pode ver.”
Fala do professor
De inicio observa a interação entre os alunos antes do inicio da aula. Logo que o professor entra em sala da boa noite a turma e faz alguns repasses das aulas anteriores. Neste momento, às 18h59min, conto 5 alunos(3 mulheres e 2 homens); a menina ao fundo confere o seu celular, o rapaz logo a minha frente, a esquerda, está sentado pensativo; conto quatro fileiras de carteiras da sala: 2 filas com carteiras duplas, outras 2 filas com carteiras normalmente dispostas, uma atrás da outra. Chegam mas 3 alunas.
Acompanho a aula de Geografia ministrada pelo professor A...
Optamos em manter em suspenso a identidade dos atores sociais. .Chegam mais 2 alunos. Neste momento a sala conta com um total de 9 alunos. A sala é pequena, o suficiente para comportar os alunos. Mais 2 alunos chegam, somando aos seus 9 colegas, somando 11 (6 meninas e 5 meninos) no total. Aviso sobre a prova que será na próxima aula. A aula que acompanho será uma revisão do conteúdo que será avaliado nesta prova.
O aluno L... responde as questões feitas pelo professor. Esse mesmo aluno foi um dos que chegaram após o inicio da aula, o professor fez questões de apresenta-lo. O professor distribui uma folha para cada aluno, com as perguntas com os respectivos conteúdos que vão “cair” na prova. “A paisagem não é só aquilo que você pode ver.”- diz o professor a turma. Ele possui uma boa interação com os alunos. O rapaz ao meu lado esquerdo desiste do seu desenho para prestar atenção na aula. A folha distribuída pelo professor continha 17 perguntas relacionado aos conteúdos discutidos nas aulas anteriores. A unidade trabalhada pelo professor era sobre Geografia Física. Os conteúdos foram sistematização no quadro, a partir das questões distribuídas a turma. A revisão se dá resolução das questões. Os alunos copiam as respostas do quadro em seus respectivos cadernos.
O aluno L..., que chegou atrasado, copia as palavras do quadro. Observo que ele é o único negro entre os demais alunos na sala. Mais uma aluna entra na sala. Logo após a porta e novamente aberta, dessa vez e a inspetora. Ela interrompe a aula, estava a procura de “Gustavo”. “O Gustavo está ai?” - “Não” é a resposta. Ela responde - “então pode riscar o nome dele da chamada.” A aluna que chegou por ultimo, está gravida de 7 meses. Só soube disso porque o professor fez a pergunta: “Está de contos meses?” - “7 meses”- respondeu ela.
“F... mexe com ela na hora do recreio.” – é a frase que escuto do professor. O aluno F... tentava puxar conversar com sua colega, mas ela insistia em prestar atenção na aula. Esse mesmo aluno tem um destaque perante a turma, ele responde a quase todas as perguntas feitas pelo professor. Mostrando possuir um domínio sobre a matéria. Minha mãe está logo a minha frente. Ela arrisca respondes algumas questões, consultando suas anotações no caderno.
O aluno F... pelo que percebo, tem uma visibilidade maior. Seus colegas demostram certa irritação com ele. “Ele possui uma maneira peculiar de se comportar.” – Diz o professor olhando em minha direção. F... se levanta, procura chamar a atenção, o professor o repreende, de maneira respeitosa. Pelo que observei, pude concluir que o comportamento dele já é conhecido pela turma.
Dois alunos iniciam uma conversa paralela à aula, F... incomoda-se é manda os dois se calarem. Mais um aluno chega, são 19h50min.
Novamente ao meu lado, os alunos iniciam uma nova conversa. O assunto, pelo que percebi, gira em torno do “Skate”. O aluno que chegou atrasado é informado por seu colega sobre a finalidade da aula de hoje: revisão para a prova. Logo começa a copiar em uma folha de papel almaço.
Faço uma intervenção ao responder a pergunta de P... : “ O que Sociologia?” Essa situação só possível por causa da abertura que o professor de a mim e aos seus alunos, sem contar que a minha presença naquela aula, chamou a atenção da turma, já que pelo simples fato de estar ali, a rotina da aula foi alterada. Logo gostariam de saber o que fazia ali.
As 08h10min o professor pausa a aula para um breve intervalo de 15 minutos. O professor trouxe dois pacotes de bolacha para dividir com a turma. Pelo que acompanho e escuto dos alunos, eles estão programando uma confraternização para o final do semestre.
Após o retorno do intervalo a aula se inicia e vai até às 21h25min, seguindo a rotina descrita anteriormente, o professor solicitava para alguém da turma a leitura da questão, em seguida escrevia a resposta no quadro e a turma copiava.
Reflexões sobre o que foi observado: o olhar, o saber e a experiência.
“Só é capaz de dar uma outra vida, aquele que aceita a morte de sua própria vida; só é capaz de dar um outro tempo, aquele que aceita a morte de seu próprio tempo; só é capaz de dar uma outra palavra, aquele que aceita a morte de suas próprias palavras; só é capaz de dar um outro pensamento, aquele que aceita a morte de seu próprio pensamento; só é capaz de dar uma outra humanidade, aquele que aceita a morte de sua própria humanidade, Porque só aceitando essa morte e essa ausência que as faz fecundas, essa vida, esse tempo, essas palavras, esse pensamento e essa humanidade têm porvir.”
Jorge Larrosa. Dar a palavra. Notas para uma dialógica da transmissão.
Pensar o saber como experiência é bem mais do que avaliar o desempenho do professor e dos alunos durante uma aula. Pretendo problematizar a noção de experiência a partir das ideias de Jorge Larrosa. Tentarei pensar tanto o professor conto os alunos como sujeitos da experiência. Vendo a sala de aula como um espaço de compartilhamento e construções de experiência. Esse sujeito da experiência e diferente desse moderno sujeito do conhecimento. A experiência seria um sentir o mundo, um “se permitir viver”, errar e sofrer. O sujeito da experiência seria sempre uma vir a ser, uma pessoa nunca pronta, sempre em construção. Como um humano que vivencia e reflete sobre os acontecimentos do seu dia-a-dia. Quando pensamos a sala com um espaço de acontecimentos, ou seja, como produtora de experiência, as para isso é preciso que os sujeitos que compartilham esse espaço mesmo que por algumas horas, se permitam sentir, parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, falar sobre o que nos acontece, escutar os outros, enfim, não seria a sala de aula o espaço ideal para isso? Ou seria o contrario, sala de aula funcionaria como um mecanismo de controle da experiência?
Num primeiro momento ao iniciar a observação fiquei focado na prática educativa do professor. Procurei ficar atendo as suas práticas educativas, tentando identificar a metodologia de ensino aplicada. Vi que ficar olhando para o professor seria observar muito pouco, algo muito superficial. Resolvi observar a sala e os alunos, seus gestos, seus comportamentos, escutar as frases soltas no ar, prestei atenção as expressões de seus rostos, etc... . Situações que me mostraram que a sala de aula é um espaço de interação de experiência, onde as informações contidas no quadro acabam sendo o menos relevante para aquelas pessoas naquele momento. Digo isto a partir do que me permitir observar. Os conteúdos repassados as alunos era uma teoria “fria”, abstrações envolvendo conteúdos geográficos como classificações do clima, tipos de solo, relevo e etc... .Saberes técnicos que não passam pelo crivo da experiência e das trajetórias de vidas da maior parte dos alunos, e sim não passa de um exercício de repasse (transmissão) de informação pelo professor e memorização
CUNHA, Maria I. Aula universitária: inovação e pesquisa. In: LEITE, D. ; MORSINI, M. ( Orgs.) Universidade Futurante. Campinas: Papirus, 1997. p. 81. de conteúdos pelos alunos, construindo assim uma relação vertical entre professor, aluno e conhecimento.
Neste contexto no qual realizei essas observações, procurei pensar a sala de aula como um local de interação. Essa interação não fica restrita entre professor e aluno, mas do que isso, durante a aula, muitas outras relações acontece. Evidenciando o “complexo social” que se constitui uma sala de aula. Pretendo pensar a sala de aula como um espaço de relações entre pessoas e suas experiências. A particularidade da turma observada, esta no fato dos alunos se enquadrarem dentro da modalidade de ensino - EJA (Ensino de Jovens e Adultos) - são pessoas com trajetórias de vidas parecidas. As experiências compartilhadas por esses estudantes são semelhantes na medida em que compartilham de um mesmo contexto social. Uma vez que trabalham durante o dia e estudam na parte da noite e moram em um bairro da periferia (Cajuru) de Curitiba.
Entre os mais jovens percebe-se que a grande maioria se viu obrigado a parar de estudar no ensino médio regular (diurno) para trabalhar. Entre os adultos, são pessoas que retornaram a escola após um longo período de ausência. No caso da minha mãe, desde muito nova trabalhou para ajudar no sustendo de sua família, casou-se com meu pai aos 19 anos, deu a luz ao seu primeiro filho quando tinha 20 anos de idade. Com dificuldades de concluir os estudos deve que abandonar a escola. Durante a maior para de sua vida se dedicou a serviços domésticos. Voltou aos estudos após uma “pausa” de 20 anos.
A aula que acompanhei foi uma revisão, o método do professor foi bem claro, o de passar o conteúdo no quadro para os alunos copiarem. Foram em torno de 2 horas e 30 minutos de repasse de conteúdo, em nenhum momento da aula houve um contraponto (participação) por parte dos alunos. O aluno F... que procura responder as questões, demostrava com sua palavras frases feitas, quase que se estivesse lendo a definição do conceito em um livro didático. O que me chamou mais a atenção foi o fato da quantidade de conteúdo revisada e a falta de interação com a turma. Isso só foi quebrado na hora do intervalo, neste momento, o professor deu uma liberdade maior para os alunos saírem da sala para irem até o banheiro ou beber água. Com a breve pausa, os grupos de alunos se formaram para conversar sobre outros temas, não relacionados com o ambiente escolar. Pelo que observei as conversar giram em torno de assuntos relacionados ao cotidiano, de eventos ocorridos no trabalho, enfim, sobre suas respectivas vidas particulares.
Cabe ressaltar que as criticas feitas a essa prática educativas possui algumas particularidades. Não seria justo avaliar a experiência de um semestre inteiro que o professor A... construiu com a turma. Acompanhei uma única aula de revisão, isso me permitiu fazer uma analise simplificada desse complexo processo. Nem por isso deixamos de fazer observações interessantes e de levar algumas questões. Após refletir sobre as observações, pude perceber que o intervalo foi o único momento em que os alunos se sentiram a vontade para conversarem e se expressarem mais livremente entre eles. Durante a aula, o clima que senti foi tenso, pesado, controlador, disciplinador, objetivo. Quando houve a pausa, senti as coisas se acalmarem, dando uma sensação de tranquilidade. Também pude aproveitar esse momento de interrupção para conversar um pouco com o professor. Ele me falou um pouco da sua trajetória acadêmica e da rotina da sala de aula. Entre uns dos pontos importantes a ser destacado, foi o incentivo que recebi por parte dele conto comentei sobre a vontade que tenho de ser professor e o fato dele acreditar no poder transformador da educação.
A educação não esta restrita somente nos conteúdos que é ministrado pelo professor, ela também se constitui nas relações sociais estabelecidas no cotidiano da sala de aula e da escola entre os indivíduos. Pensar minha própria experiência nesta observação como estudante de ciências sociais acompanhando uma aula de Geografia me fez me sentir um pouco “perdido”, um pouco fora de mim. O tempo psicológico se arrastava. Os conteúdos pareciam complicados num primeiro momento, foram assuntos que me fizerem relembrar meus anos como aluno do ensino médio. A Geografia não possui uma fronteira rígida com a Sociologia (Ciências Sociais) deve e pode existir uma interdisciplinaridade entre essas áreas.
Para concluir, penso que a escola deveria ser um espaço privilegiado de construção de experiências. Isso se daria se as crianças, jovens e adultos tivessem uma maior liberdade para se expressarem e se relacionarem entre si. O professor dentro da sala de aula teria um papel não só de mediador, mas também participaria das experiências construídas em conjunto com a turma. Acredito que uma pedagogia mais libertaria e um pouco mais de imaginação poderia orientar nossas ações em prol de uma educação emancipatória.
Referências bibliográficas:
- CUNHA, Maria I. Aula universitária: inovação e pesquisa. In: LEITE, D. e MORSINI, M. ( Orgs.) Universidade Futurante. Campinas: Papirus, 1997. p. 79-93.
- LARROSA, J. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação., nº 19, p. 20-28. jan/fev/mar/abr/ 2002.
-LARROSA, J. Dar a palavra. Notas para uma dialógica de transmissão. In: LARROSA, J. e SKLIAR, C. (Orgs.) Habitantes de Babel. Políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p.281-295.
-VEIGA-NETO, Alfredo & LARROSA, Jorge. Literatura, experiência e formação (uma entrevista com Jorge Larrosa). In: COSTA, Marisa V. (org.) Caminhos investigativos I: novos olhares na pesquisa em educação. 3ª ed., RJ: Lamparina. 2007. p. 129-156.