FILOSOFIA 10.º ANO
Ano letivo 2018-2019
I - Racionalidade argumentativa da Filosofia e a dimensão discursiva do trabalho filosófico
Textos complementares de acordo com as
Aprendizagens Essenciais
Tese, argumento, validade, verdade e solidez
Quadrado da oposição
Explicitar os conceitos de tese, argumento, validade, verdade e solidez;
Operacionalizar os conceitos de tese, argumento, validade, verdade e solidez, usando-os como instrumentos críticos da filosofia;
Aplicar o quadrado da oposição à negação de teses.
1. Tese, argumento, validade, verdade e solidez
1.1. Tese
Para responder aos problemas que colocam, os filósofos apresentam teses e desenvolvem teorias.
Uma tese corresponde a uma ideia que se quer afirmar a propósito de um dado problema. No âmbito da filosofia, uma tese constitui uma resposta a um problema em aberto, estando, por conseguinte, sujeita à discussão. Para defender uma ideia, ou tese, é necessário construir bons argumentos.
Na base do trabalho filosófico estão o pensamento (raciocínio lógico) e a argumentação. Para assegurar a qualidade e o rigor dos argumentos que apoiam as suas teses e teorias, os filósofos recorrem à lógica.
1.2. Lógica formal e lógica informal
A lógica é a disciplina filosófica que estuda a distinção entre argumentos válidos e inválidos, mediante a identificação das condições necessárias à operação que conduz da verdade de certas crenças à verdade de outras. Ela dedica-se ao estudo das leis, princípios e regras a que devem obedecer o pensamento e o discurso para serem válidos.
Distingue-se a lógica formal – que analisa a validade dos argumentos dedutivos – da lógica informal – que se debruça fundamentalmente sobre a validade dos argumentos não dedutivos. Voltaremos a esta distinção quando apresentarmos a diferença entre argumentos dedutivos e não dedutivos.
1.3. Argumento
No âmbito da lógica, o argumento é definido como um conjunto de proposições devidamente articuladas – a conclusão e a(s) premissa(s) –, no qual a(s) premissa(s) procura(m) defender, sustentar ou justificar a conclusão. À conclusão também se chamada tese, uma vez que ela traduz a ideia que se quer defender.
O que caracteriza o argumento é o nexo lógico entre as premissas e a conclusão.
Exemplo de um argumento:
Os alunos da turma 10A são estudantes de Filosofia.
Pedro e Miguel são alunos da turma 10A.
Logo, Pedro e Miguel são estudantes de Filosofia.
Um argumento tem subjacente uma inferência ou raciocínio, uma operação mental através da qual chegamos a uma conclusão partindo de determinadas razões e efetuando a transição lógica entre proposições. Quando essa transição lógica falha, percebemos que algo está errado. Vejamos:
Os alunos da turma 10A são estudantes de Filosofia.
Pedro e Miguel são estudantes de Filosofia.
Logo, Pedro e Miguel são alunos da turma 10A.
Neste exemplo, compreendemos facilmente que o facto de Pedro e Miguel serem estudantes de Filosofia não implica que façam parte da turma 10A. Neste sentido, estaremos a cometer um erro de raciocínio, tornando o argumento inválido e, portanto, nada convincente.
No nosso discurso quotidiano, formulamos constantemente argumentos. Usamos expressões que indicam a presença de premissas – porque, pois, dado que, sabendo que – e de conclusões – logo, então, por conseguinte. São estes indicadores que nos permitem descobrir ideias, ou teses, a propósito de diferentes assuntos e problemas.
1.4. Proposições
É nas frases que usamos no nosso discurso que encontramos expressas as proposições que compõem os argumentos. Contudo, nem todas as frases expressam proposições. As frases associadas a atos de interrogar, ordenar, exclamar, pedir, chamar, prometer não se enquadram na categoria das frases que expressam proposições, pois não podem ser classificadas como verdadeiras ou falsas. Só as frases declarativas é que expressam proposições, dado que podem ser classificadas como verdadeiras ou falsas.
A proposição é o pensamento ou conteúdo, verdadeiro ou falso, expresso por uma frase declarativa. A mesma proposição pode ser expressa por diferentes frases declarativas.
A proposição relaciona pelo menos dois termos. O termo é geralmente entendido como a expressão verbal do conceito. O conceito constitui o elemento básico do pensamento e é a representação intelectual de determinada realidade.
A operação mental que permite estabelecer uma relação entre conceitos e que está subjacente à formação de proposições é o juízo.
1.5. Verdade, validade e solidez
É ao nível das proposições que ocorrem a verdade e a falsidade. Atribui-se às proposições, e apenas a elas, um dos valores lógicos: verdadeiro ou falso. A verdade e a falsidade aplicam-se apenas à matéria ou conteúdo das proposições. Se estiverem de acordo com a realidade, as proposições são verdadeiras; se não estiverem, são falsas.
A validade e a invalidade são qualidades próprias dos argumentos, resultantes do facto de as premissas apoiarem/garantirem ou não a conclusão. A validade traduz uma certa relação entre os valores de verdade das premissas e o valor de verdade da conclusão. Isso acontece diferentemente nos argumentos dedutivos e não dedutivos.
Os argumentos dedutivos são aqueles cuja validade depende apenas da sua forma lógica. Um argumento dedutivo só é válido quando as suas premissas oferecem uma garantia completa à conclusão, sendo logicamente impossível que as premissas sejam verdadeiras e, simultaneamente, a conclusão falsa. Assim, a conclusão terá de ser verdadeira, se todas as premissas forem verdadeiras.
Exemplo:
Todos os portugueses são europeus.
João é português.
Logo, João é europeu.
Contudo, pode dar-se o caso de alguns argumentos válidos apresentarem premissas falsas. No exemplo apresentado, não temos a certeza se João é português. Por isso, para ficarmos plenamente convencidos, é importante averiguar a verdade das proposições.
Os argumentos válidos constituídos por proposições verdadeiras denominam-se argumentos sólidos. Nesse sentido, a solidez já pressupõe a validade.
Exemplos:
Todos os portugueses são europeus.
João Sousa é português.
Logo, João Sousa é europeu.
João Sousa é vimaranense e é português.
Logo, é português.
No que se refere aos argumentos não dedutivos, que serão referidos mais à frente, a sua validade depende de aspetos que vão para lá da forma lógica do argumento.
1.6. Falácias
Entende-se por falácia todo o argumento inválido, embora aparente ser válido. As falácias formais são aquelas que decorrem apenas da forma lógica do argumento, sendo por isso cometidas ao nível dos argumentos dedutivos. As falácias informais são cometidas ao nível dos argumentos não dedutivos, resultando de aspetos que vão para lá da forma lógica do argumento. Veremos diferentes exemplos destes tipos de falácias mais à frente.
1.7. O Quadrado da Oposição
Na linguagem corrente, as frases que expressam proposições nem sempre se apresentam de uma forma adequada à análise lógica dos argumentos. No entanto, quaisquer frases declarativas se podem transformar em proposições relativamente fáceis de analisar em termos lógicos, se as apresentarmos na sua forma-padrão ou forma canónica.
Existem diferentes tipos de proposições: categóricas, condicionais, disjuntivas. Iremos aqui considerar as proposições categóricas.
A qualidade das proposições categóricas refere-se ao seu carácter afirmativo ou negativo e a quantidade refere-se à extensão do sujeito da proposição, podendo esta ser universal – o sujeito é tomado em toda a sua extensão – ou particular – o sujeito é tomado apenas numa parte da sua extensão. As proposições singulares – o predicado é afirmado ou negado de um único elemento – foram frequentemente consideradas proposições universais.
Tipos de proposições
Forma lógica
Tipo A
Universal afirmativa
Todo o S é P.
Tipo E
Universal negativa
Nenhum S é P.
Tipo I
Particular afirmativa
Algum S é P.
Tipo O
Particular negativa
Algum S não é P.
Entre as proposições categóricas podem ser estabelecidas diferentes relações lógicas. Essas relações podem sintetizar-se na seguinte representação, que ficou conhecida como Quadrado da Oposição.
A
E
CONTRÁRIAS
SUBALTERNAS CONTRADITÓRIAS SUBALTERNAS
O
I
SUBCONTRÁRIAS
Inferir por oposição consiste em tirar de uma proposição outras proposições, alterando a quantidade e/ou a qualidade, e em concluir imediatamente, a partir da verdade ou falsidade da proposição inicial, a verdade ou falsidade daquelas que se obtêm.
As teses filosóficas surgem, frequentemente, sob a forma de proposições universais. Para negar uma proposição universal não é correto apresentar a sua contrária, pois se a verdade de uma delas implica a falsidade da outra, da falsidade de uma não podemos concluir a falsidade ou veracidade da outra.
Assim, por exemplo, para negar a tese segundo a qual “Nenhuma guerra é justa”, não é correto afirmar que “Todas as guerras são justas”; será necessário propor a sua contraditória: “Algumas guerras são justas”. Da mesma maneira, a negação da proposição “Algumas guerras não são justas” será “Todas as guerras são justas”.
Segue-se uma síntese das regras da oposição:
Regra das contraditórias: duas proposições contraditórias não podem ser verdadeiras e falsas ao mesmo tempo. A verdade de uma implica a falsidade da outra e vice-versa. São a negação uma da outra.
Regra das contrárias: duas proposições contrárias não podem ser ambas verdadeiras ao mesmo tempo. Mas da falsidade de uma não se pode concluir a falsidade ou veracidade da outra. Por isso, não são a negação uma da outra.
Regra das subcontrárias: duas proposições subcontrárias não podem ser ambas falsas ao mesmo tempo, mas podem ser ambas verdadeiras. Não são a negação uma da outra.
Regra das subalternas: da verdade da universal infere-se a verdade da particular que lhe está subordinada; da verdade da particular nada se pode concluir quanto à universal; da falsidade da universal nada se pode concluir relativamente à verdade ou falsidade da particular; da falsidade da particular infere-se a falsidade da universal.
Nota: No âmbito da relação de subalternidade, verificada entre as proposições de tipo A e I, por um lado, e E e O, por outro, A implica I e E implica O, mas o contrário não se verifica. Daí a seta apresentar apenas um sentido.
Formas de inferência válida
Explicitar em que consistem as conetivas proposicionais de conjunção, disjunção (inclusiva e exclusiva), condicional, bicondicional e negação;
Aplicar tabelas de verdade na validação de formas argumentativas;
Aplicar as regras de inferência do modus ponens, do modus tollens, do silogismo hipotético, das leis de De Morgan, da negação dupla, da contraposição e do silogismo disjuntivo para validar argumentos.
Principais falácias formais
Identificar e justificar as falácias formais da afirmação do consequente e da negação do antecedente.
2. Formas de inferência válida – lógica proposicional
As formas de inferência válida que iremos abordar no âmbito da lógica proposicional referem-se, em geral, a argumentos constituídos por proposições de tipo diferente daquelas que já referimos.
Assim, para estudarmos os aspetos mais elementares da lógica proposicional, devemos começar por distinguir proposições simples de proposições complexas, referindo também em que consistem os operadores proposicionais.
2.1. Proposições simples e complexas e operadores proposicionais
Uma proposição é o pensamento ou o conteúdo expresso por uma frase declarativa, suscetível de ser considerada verdadeira ou falsa. As proposições têm, portanto, valor de verdade.
Proposições simples são proposições em que não estão presentes quaisquer operadores. Proposições complexas são proposições em que está presente um operador ou mais do que um.
O valor de verdade das proposições simples depende do facto de elas estarem ou não de acordo com a realidade.
O valor de verdade das proposições complexas depende do valor de verdade das proposições simples e dos operadores utilizados.
Às palavras ou expressões como “e”, “penso que”, “acredito que”, “ou”, “mas”, “se…, então”, etc., chama-se operadores proposicionais. Ligadas a determinada(s) proposição(ões), elas permitem formar novas proposições.
Dentro dos operadores proposicionais, chamam-se operadores verofuncionais – operadores lógicos ou conetivas proposicionais – quaisquer operadores que nos permitam, uma vez conhecidos os valores de verdade das proposições simples, determinar, apenas com base nessa informação, o valor de verdade da proposição complexa resultante. Nessa altura, diz-se que a proposição complexa é uma função de verdade.
Podemos representar as proposições usando letras maiúsculas – P, Q, R, etc. –, às quais se chama letras proposicionais. Enquanto símbolos que representam quaisquer proposições simples, elas designam-se por variáveis proposicionais.
2.2. Operadores verofuncionais e formas proposicionais
O quadro seguinte apresenta-nos os operadores verofuncionais, com a simbolização respetiva – a estes símbolos também se chama constantes lógicas –, com a maneira como se lê cada símbolo e com as formas proposicionais correspondentes.
OPERADORES VEROFUNCIONAIS
Símbolo
Leitura
Formas proposicionais
não
Negação
e
Conjunção
ou
Disjunção inclusiva
ou… ou
Disjunção exclusiva
→
se..., então
Condicional
↔
se, e só se
Bicondicional
Vejamos agora exemplos concretos dessas formas proposicionais, simbolizadas pelas letras maiúsculas referidas:
Forma lógica
Exemplos
P
Não P
A alma não é espiritual.
P Q
P e Q
A alma é espiritual e o corpo é material.
P Q
P ou Q
A alma é espiritual ou o corpo é material.
P Q
Ou P ou Q
Ou a alma é espiritual ou o corpo é material.
P → Q
Se P, então Q
Se a alma é espiritual, então o corpo é material.
P ↔ Q
P se, e só se, Q
A alma é espiritual se, e só se, o corpo é material.
Distingue-se operador singular, unário ou monádico – o que se aplica apenas a uma proposição – de operador binário ou diádico – o que se aplica a duas proposições. O operador “não” é o único operador unário.
A negação é uma proposição que se representa por “ P”. Se P é verdadeira, P é falsa; se P é falsa, P é verdadeira. A negação de uma negação equivale a uma afirmação.
Uma tabela de verdade – ou matriz lógica – apresenta as diversas condições de verdade de uma forma proposicional específica, permitindo determinar de modo mecânico a sua verdade ou falsidade.
Eis a tabela de verdade da negação:
P
P
V
F
F
V
A conjunção (P Q) é uma proposição que é verdadeira se as proposições conectadas forem verdadeiras e falsa se pelo menos uma delas for falsa.
P Q
P Q
V V
V F
F V
F F
V
F
F
F
O operador “ou” pode ter um sentido inclusivo ou exclusivo.
A disjunção inclusiva (P Q) é uma proposição sempre verdadeira, exceto quando P e Q forem simultaneamente falsas.
P Q
P Q
V V
V F
F V
F F
V
V
V
F
A disjunção exclusiva (P Q), por sua vez, é uma proposição que é verdadeira se P e Q possuírem valores lógicos distintos, e falsa se possuírem o mesmo valor lógico.
P Q
P Q
V V
V F
F V
F F
F
V
V
F
A condicional, ou implicação material (P → Q), é uma proposição que só é falsa se P – o antecedente – for verdadeira e Q – o consequente – for falsa. Nas restantes situações, a proposição é verdadeira. O antecedente é uma condição suficiente para o consequente, o qual é uma condição necessária para o antecedente.
P Q
P → Q
V V
V F
F V
F F
V
F
V
V
A bicondicional, ou equivalência material (P ↔ Q), é uma proposição que é verdadeira se ambas as proposições tiverem o mesmo valor lógico e falsa se as proposições tiverem valores lógicos distintos.
P Q
P ↔ Q
V V
V F
F V
F F
V
F
F
V
2.3. Âmbito dos operadores e formalização das proposições
Os operadores incidem sobre proposições simples ou complexas. O âmbito de um operador refere-se à(s) proposição(ões) sobre a(s) qual(is) esse operador incide. Ao operador de maior âmbito chama-se operador principal.
Eu pinto e não canto.
P Q
Não é verdade que eu pinto e não canto.
(P Q)
Para formalizar proposições, deverão seguir-se os passos abaixo indicados:
Colocar as proposições na forma canónica.
Isolar as proposições simples e atribuir variáveis proposicionais a cada uma (“construir o dicionário” ou proceder à “interpretação” das proposições).
Simbolizar ou formalizar a proposição complexa.
Vejamos um exemplo:
Expressão canónica
Dicionário
Formalização
Se é falso afirmar que o mal não existe e o bem é ilusório, então as normas morais têm sentido.
P: O mal existe.
Q: O bem é ilusório.
R: As normas morais têm sentido.
( P Q) → R
2.4. Tabelas de verdade, tautologias, contradições e contingências
As tabelas de verdade permitem-nos determinar se uma proposição complexa é uma tautologia – fórmula proposicional sempre verdadeira –, uma contradição – fórmula proposicional sempre falsa – ou uma contingência – fórmula proposicional que tanto pode ser verdadeira como falsa.
Exemplo de uma tautologia
Forma lógica
Se observo o céu e escuto o vento, então observo o céu.
(P Q) → P
P Q
(P Q) → P
V V
V F
F V
F F
V V
F V
F V
F V
Exemplo de uma contradição
Forma lógica
Não penso ou não sonho se, e só se, penso e sonho.
( P Q) ↔ (P Q)
P Q
( P Q) ↔ (P Q)
V V
V F
F V
F F
F F F F V
F V V F F
V V F F F
V V V F F
Exemplo de uma contingência
Forma lógica
Se passeio ou corro, então passeio.
(P Q) → P
P Q
(P Q) → P
V V
V F
F V
F F
V V
V V
V F
F V
2.5. Inspetores de circunstâncias
Uma forma de inferência dedutiva é válida se, e somente se, a fórmula proposicional (implicativa) que lhe corresponde for uma tautologia.
Para a determinação da validade das formas de inferência dedutiva, é habitual o uso dos inspetores de circunstâncias – que, no fundo, consistem numa sequência de tabelas de verdade, que são feitas para as premissas e para a conclusão.
Como num argumento dedutivo válido é impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa, num inspetor de circunstâncias um argumento válido será aquele em que não existe nenhuma linha (circunstância) que torne as premissas verdadeiras e a conclusão falsa.
Vejamos um exemplo.
Argumento
Dicionário
Formalização
Se canto, então sou feliz.
Canto.
Logo, sou feliz.
P: Canto.
Q: Sou feliz.
P → Q
P
Q
Em vez do símbolo , também poderemos usar o símbolo , que se designa por “martelo semântico”. Ambos se leem “Logo”, um indicador de conclusão.
Teremos então o seguinte inspetor de circunstâncias:
Conclusão
Premissa 1
Premissa 2
P Q
P → Q, P Q
V V
V F
F V
F F
V V V
F V F
V F V
V F F
A primeira linha exprime a única circunstância em que as premissas são verdadeiras. Ora, dado que tal circunstância também torna a conclusão verdadeira, o argumento é considerado válido.
Analisemos outro exemplo.
Argumento
Dicionário
Formalização
Se canto, então sou feliz.
Sou feliz.
Logo, canto.
P: Canto.
Q: Sou feliz.
P → Q
Q
P
Vejamos agora o respetivo inspetor de circunstâncias:
P Q
P → Q, Q P
V V
V F
F V
F F
V V V
F F V
V V F
V F F
O argumento é inválido. A primeira e a terceira linhas exprimem as únicas circunstâncias em que ambas as premissas são verdadeiras. Contudo, se na primeira linha a circunstância torna a conclusão verdadeira, já na terceira linha a circunstância em causa torna a conclusão falsa.
Vejamos outro argumento, mais complexo, acompanhado do respetivo inspetor de circunstâncias:
Argumento
Dicionário
Formalização
Se Manuel barafusta e Pedro não sorri, então o ambiente é pesado.
O ambiente é pesado.
Logo, Manuel barafusta e Pedro não sorri.
P: Manuel barafusta.
Q: Pedro sorri.
R: O ambiente é pesado.
(P Q) → R
R
P Q
P Q R
(P Q) → R, R P Q
V V V
V V F
V F V
V F F
F V V
F V F
F F V
F F F
F F V V F F
F F V F F F
V V V V V V
V V F F V V
F F V V F F
F F V F F F
F V V V F V
F V V F F V
Há três circunstâncias (1.ª, 5.ª e 7.ª) em que ambas as premissas são verdadeiras e a conclusão é falsa. Logo, o argumento é inválido.
2.6. Formas de inferência válida
P → Q
P
Q
Apresentam-se de seguida algumas formas de inferência válida, acompanhadas de exemplos:
Modus ponens: Se canto, então sou feliz. Canto. Logo, sou feliz.
P → Q
Q
P
Modus tollens: Se canto, então sou feliz. Não sou feliz. Logo, não canto.
P → Q
Q → P
Contraposição: Se há sol, então vou caminhar. Logo, se não vou caminhar, então não há sol.
P Q
P
Q
Silogismo disjuntivo (disjunção inclusiva): Penso ou sinto. Não penso. Logo, sinto.
P → Q
Q → R
P → R
Silogismo hipotético: Se durmo bem, então descanso. Se descanso, então tenho saúde. Logo, se durmo bem, então tenho saúde.
(P Q)
P Q
Leis de De Morgan:
– negação da conjunção: Não é verdade que sou injusto e cruel. Logo, não sou injusto ou não sou cruel;
(P Q)
P Q
– negação da disjunção: Não é verdade que há sol ou chuva. Logo, não há sol e não há chuva.
P
P
Negação dupla: Não é verdade que eu não penso. Logo, eu penso.
2.7. Variáveis de fórmula
As letras maiúsculas do meio do alfabeto – P, Q, R – são usadas para representar determinadas proposições simples. A fim de saber o que simboliza cada uma dessas letras proposicionais, cria-se um dicionário ou uma interpretação.
Todavia, as proposições podem ser simples ou complexas. Assim, é costume usarem-se as letras iniciais do alfabeto – A, B, C, etc. – para aquilo a que se chama variáveis de fórmula, as quais representam qualquer tipo de proposição (simples ou complexa).
Exemplo
Dicionário
Formalização
Se tenho livros, então sou feliz e sábio.
Não é verdade que sou feliz e sábio.
Logo, não tenho livros.
P: Tenho livros.
Q: Sou feliz.
R: Sou sábio.
P → (Q R)
(Q R)
P
A → B
B
A
Apresentam-se de seguida as formas de inferência válida, com base nas variáveis de fórmula.
Formas de inferência válida
Modus ponens
Modus tollens
A → B
A
B
A → B
B
A
Silogismo disjuntivo
Silogismo hipotético
A B
A
B
A B
B
A
A → B
B → C
A → C
Contraposição
Leis de De Morgan
A → B
B → A
B → A
A → B
(A B)
A B
A B
(A B)
OU
A → B B → A
OU
(A B) A B
Negação dupla
(A B)
A B
A B
(A B)
A
A
A
A
OU
(A B) A B
OU
A A
Nota: o símbolo significa, no presente contexto, que tanto
se pode inferir validamente num como noutro sentido.
2.8. Principais falácias formais (formas de inferência inválida)
Duas das principais falácias formais são a:
P → Q
Q
P
Falácia da afirmação do consequente:
Se trabalho, então ganho dinheiro. Ganho dinheiro. Logo, trabalho.
P → Q
P
Q
Falácia da negação do antecedente:
Se trabalho, então ganho dinheiro. Não trabalho. Logo, não ganho dinheiro.
O discurso argumentativo e principais tipos de argumentos e falácias informais
Clarificar as noções de argumento não-dedutivo, por indução, por analogia e por autoridade;
Construir argumentos por indução, por analogia e por autoridade;
Identificar, justificando, as falácias informais generalização precipitada, amostra não representativa, falsa analogia, apelo ilegítimo à autoridade, petição de princípio, falso dilema, falsa relação causal, ad hominem, ad populum, apelo à ignorância, boneco de palha e derrapagem;
Utilizar conscientemente diferentes tipos de argumentos formais e não formais na análise crítica do pensamento filosófico e na expressão do seu próprio pensamento;
Aplicar o conhecimento de diferentes falácias formais e não formais na verificação da estrutura e qualidade argumentativas de diferentes formas de comunicação.
3. O discurso argumentativo e principais tipos de argumentos e falácias informais
3.1. Principais tipos de argumentos
Em qualquer discurso argumentativo são vários os tipos de argumentos que poderemos usar quando queremos convencer alguém da razoabilidade de uma tese. Para além dos argumentos dedutivos, podemos usar outro tipo de argumentos – os não dedutivos: argumentos indutivos (ou induções), argumentos por analogia e argumentos de autoridade.
Os argumentos não dedutivos são aqueles em que a verdade das premissas apenas sugere a plausibilidade da conclusão ou a probabilidade de ela ser também verdadeira. Neste tipo de argumentos, as premissas apenas dão um suporte parcial à conclusão, fornecendo razões a seu favor, mas não a tornando necessariamente verdadeira. Por isso, a conclusão é apenas recomendada.
A validade dos argumentos não dedutivos depende do grau de probabilidade, de razoabilidade ou ainda de relevância das proposições que compõem o argumento. Assim, tal validade depende de aspetos que vão para lá da forma lógica do argumento. Um argumento não dedutivo é válido quando é improvável, mas não propriamente impossível, ter premissas verdadeiras e conclusão falsa.
Se as premissas não fornecem boas razões para apoiar a verdade da conclusão, o argumento é inválido – também se lhe chama argumento fraco. Se fornecem boas razões, o argumento é válido – também se lhe chama argumento forte.
Os argumentos indutivos ou induções podem ser de dois tipos: a generalização e a previsão.
A indução por generalização consiste num argumento cuja conclusão é mais geral do que a(s) premissa(s).
Exemplo:
Todos os peixes observados até agora respiram através da absorção do oxigénio presente na água.
Logo, todos os peixes respiram através da absorção do oxigénio presente na água.
Uma generalização é válida se cumprir os seguintes requisitos:
– se partir de um número relevante de casos observados;
– se não se tiverem encontrado, depois de procurados, quaisquer contraexemplos;
– se os casos observados forem representativos do universo em questão.
Uma das falácias decorrentes do não cumprimento destes requisitos é a falácia da generalização precipitada, que ocorre quando se conclui abusivamente o geral de apenas um ou poucos casos:
Exemplo:
Fiz um teste de Filosofia e foi difícil.
Logo, todos os testes de Filosofia são difíceis.
Outra falácia decorrente do não cumprimento dos requisitos de validade é a falácia da amostra não representativa, a qual consiste em concluir de um segmento da população para toda a população, apesar de poder incluir um número significativo de casos.
Exemplo:
Com base em inquéritos realizados ao conjunto dos estudantes portugueses do ensino superior, constata-se que todos eles valorizam este tipo de ensino.
Logo, todos os portugueses valorizam o ensino superior.
(Apesar de o número de casos da amostra ser significativo, os estudantes portugueses do ensino superior não representam a população portuguesa.)
A indução por previsão é o argumento que, baseando-se em casos passados, antevê casos não observados, presentes ou futuros.
Exemplo:
Todos os cavalos observados até hoje nasceram quadrúpedes.
Logo, o próximo cavalo a nascer também nascerá quadrúpede.
Uma indução por previsão é válida se cumprir os seguintes requisitos:
– se existir uma forte probabilidade de a conclusão corresponder à realidade;
– se não existir informação disponível contrária ao que se afirma no argumento.
Quando estes requisitos não se cumprem, estamos perante a falácia da previsão inadequada.
Exemplo:
A temperatura na Terra nunca apresentou variações significativas no passado.
Logo, ela nunca apresentará variações significativas no futuro.
(A conclusão é ilegítima porque existe informação disponível que dá conta do aquecimento global.)
O argumento por analogia consiste em partir de certas semelhanças ou relações entre dois objetos ou duas realidades e em encontrar novas semelhanças ou relações. Baseia-se, assim, na comparação que se estabelece entre as realidades, supondo semelhanças novas a partir das já conhecidas.
Exemplo:
O cantor A canta bastante bem.
O cantor B tem um timbre e uma extensão vocal semelhantes aos do cantor A.
Logo, o cantor B também canta bastante bem.
Um argumento por analogia é válido se cumprir os seguintes requisitos:
– se as semelhanças entre as realidades forem relevantes no que diz respeito à conclusão;
– se as semelhanças relevantes no que diz respeito à conclusão forem em número suficiente;
– se não existirem diferenças relevantes no que diz respeito à conclusão.
O não cumprimento destes requisitos corresponde à falácia da falsa analogia:
Exemplo 1:
O carro da marca X é bastante potente.
O carro da marca Y tem a mesma cor e o mesmo tamanho que o carro da marca X.
Logo o carro da marca Y também é bastante potente.
(Neste caso, as semelhanças não são relevantes no que diz respeito à conclusão.)
Exemplo 2:
O médico A, que estudou numa Universidade de prestígio, é um profissional excelente.
O médico B estudou na mesma Universidade.
Logo, O médico B também é um profissional excelente.
(Neste caso, as semelhanças relevantes no que diz respeito à conclusão não são em número suficiente.)
Exemplo 3:
As máquinas não são conscientes de si.
A mente humana é como uma máquina.
Logo, a mente humana não é consciente de si.
(Neste caso, existem diferenças relevantes entre a mente humana e as máquinas, no que diz respeito àquilo que é afirmado na conclusão.)
O argumento de autoridade pode ser definido como o argumento que se apoia na opinião de um especialista ou de uma autoridade para fazer valer a sua conclusão.
Exemplo:
Galileu afirmou que todos os corpos caem com aceleração constante.
Logo, todos os corpos caem com aceleração constante.
Para o argumento de autoridade ser válido deve cumprir os seguintes requisitos:
– deve referir-se o nome da autoridade e a fonte em que ela exprimiu essa ideia;
– a autoridade invocada deve ser um efetivo especialista ou perito na área em questão;
– não pode existir controvérsia entre os especialistas da área em questão, ou seja, aquilo que é afirmado deve ser amplamente consensual entre as autoridades dessa área;
– o especialista invocado não pode ter interesses pessoais ou de classe no âmbito do assunto em causa;
– o argumento não pode ser mais fraco do que outro argumento contrário.
Quando estes requisitos não são cumpridos, comete-se a falácia do apelo ilegítimo à autoridade.
Exemplo 1:
Estudos indicam que comer um ovo por dia prejudica a saúde.
Logo, comer um ovo por dia prejudica a saúde.
(Será necessário referir quem foram os autores do estudo; existe controvérsia entre os especialistas relativamente a este assunto; além disso, o argumento talvez seja mais fraco do que o argumento contrário.)
Exemplo 2:
Um membro do governo afirmou que, desde que o governo iniciou funções, a felicidade dos cidadãos aumentou bastante.
Logo, desde que o governo iniciou funções, a felicidade dos cidadãos aumentou bastante.
(Além de não ser referido o nome da pessoa invocada, talvez também não se trate de uma autoridade efetiva na área em questão, sendo inclusive alguém com interesses pessoais no âmbito do assunto em causa; além disso, existe certamente controvérsia entre os especialistas relativamente a este assunto.)
3.2. Falácias informais
As falácias informais são argumentos inválidos, aparentemente válidos, e cuja invalidade não resulta de uma deficiência formal, antes decorre do conteúdo do argumento, da sua matéria, da linguagem natural comum usada nesses argumentos.
Uma vez que este tipo de falácias não depende da forma lógica do argumento, pode haver argumentos com a mesma forma que sejam fortes ou fracos, bons ou maus, válidos ou inválidos.
Algumas falácias informais foram já referidas – as da generalização precipitada, da amostra não representativa, da previsão inadequada, da falsa analogia e do apelo ilegítimo à autoridade.
Vamos agora ver outras, que são bastante comuns.
A falácia da petição de princípio é a falácia que consiste em assumir como verdadeiro aquilo que se pretende provar. Neste tipo de argumento falacioso, a conclusão é usada, de uma forma implícita, como premissa, encontrando-se muitas vezes disfarçada com palavras de significação idêntica à daquelas que aparecem na conclusão propriamente dita. Também se chama argumento circular ou falácia da circularidade à petição de princípio.
Exemplos:
Andar a pé é um desporto saudável. Logo, andar a pé é um desporto que faz bem à saúde.
O ser humano é inteligente, porque é um ser que possui inteligência.
A falácia do falso dilema é a falácia que consiste em reduzir as opções possíveis a apenas duas, ignorando-se as restantes alternativas, e em extrair uma conclusão a partir dessa disjunção falsa. “Falso dilema” é sinónimo de “falsa dicotomia”.
Exemplos de disjunções falsas:
Ou votas no partido x ou será a desgraça do país.
(Outros partidos são ignorados.)
Ou estás comigo ou estás contra mim.
(Ignora-se a possibilidade de se ser neutro.)
Vejamos agora o exemplo de um argumento baseado neste tipo de premissas:
Exemplo:
Ou votas no partido x, ou será a desgraça do país.
Não votas no partido x.
Logo, será a desgraça do país.
Embora seja válido em termos dedutivos, este argumento exprime um falso dilema: ignora-se a possibilidade de todos os outros partidos poderem evitar a desgraça do país.
A falácia da falsa relação causal – conhecida também como “post hoc, ergo propter hoc”, que significa “depois disto, logo por causa disto” – é a falácia que se comete sempre que se toma como causa de algo aquilo que é apenas um antecedente ou uma qualquer circunstância acidental. Trata-se, por isso, de concluir que há uma relação de causa e efeito entre dois acontecimentos que se verificam em simultâneo ou em que um se verifica após o outro.
Exemplos:
Sempre que eu entro com o pé direito no campo, a minha equipa ganha o jogo.
Logo, a causa das nossas vitórias é o facto de eu entrar com o pé direito no campo.
Quando faço testes em dias de chuva, tiro negativa.
Logo, a chuva é a causa das classificações negativas dos meus testes.
A falácia ad hominem é a falácia que se comete quando, em vez de se atacar ou refutar a tese de alguém, se ataca a pessoa que a defende.
Exemplos:
A tua tese de que tudo é composto de átomos está errada, porque cheiras mal da boca sempre que a proferes.
Sartre estava errado a respeito do ser humano, porque não ia regularmente à missa.
A falácia ad populum é a falácia que se comete quando se apela à opinião da maioria para fazer valer a verdade de uma conclusão.
Exemplos:
A maioria das pessoas considera que a leitura é uma perda de tempo. Logo, a leitura é uma perda de tempo.
A maioria dos contribuintes considera legítimo fugir ao fisco.
Logo, é legítimo fugir ao fisco.
A falácia do apelo à ignorância é a falácia que se comete quando uma proposição é tida como verdadeira só porque não se provou a sua falsidade ou como falsa só porque não se provou que é verdadeira.
Exemplos:
Não existem fenómenos telepáticos, porque até agora ninguém provou que eles existem.
A alma é imortal. Isto porque ninguém provou que a alma morre com o corpo.
A falácia do espantalho ou do boneco de palha é a falácia cometida sempre que alguém, em vez de refutar o verdadeiro argumento do seu opositor/interlocutor, ataca ou refuta uma versão simplificada, mais fraca e deturpada desse argumento, a fim de ser mais fácil de rebater a tese oposta. Trata-se de distorcer as ideias do interlocutor para que elas pareçam falsas.
Exemplo:
António defende que não devemos comer carne de animais cujo processo de industrialização os tenha sujeitado a condições de vida e morte cruéis.
Manuel refuta António dizendo: “António quer que apenas comamos alface!“
(Note-se que em momento algum António defende que não devemos comer qualquer tipo de carne, sugerindo que sejamos vegetarianos – “comer alface” –, mas apenas aquele tipo de carne sujeito às condições descritas. O argumento é assim deturpado e simplificado.)
A falácia da derrapagem, “bola de neve” ou “declive escorregadio” é a falácia cometida sempre que alguém, para refutar uma tese ou para defender a sua, apresenta, pelo menos, uma premissa falsa ou duvidosa e uma série de consequências progressivamente inaceitáveis. A partir da primeira premissa, outras vão surgindo, até se mostrar que um determinado resultado indesejável inevitavelmente se seguirá.
Exemplo:
Se jogares a dinheiro, vais viciar-te no jogo. Se te viciares no jogo, perderás tudo o que tens. Se perderes tudo o que tens, terás de mendigar. Se tiveres de mendigar, ninguém te dará nada. Se ninguém te der nada, morrerás à fome. Logo, se jogares a dinheiro, morrerás à fome.
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José Ferreira Borges · Marta Paiva · Orlanda Tavares · Novos Contextos