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A Obra Nasce 13

2018, A obra nasce

Número da revista do curso de arquitectura e urbanismo da Universidade Fernando Pessoa dedicado ao seu primeiro Congresso e tendo como pano de fundo a aldeia de Boassas.

Título | Serial title A OBRA NASCE revista de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Fernando Pessoa nº13, dezembro de 2018 Edição | Publisher publicações Universidade Fernando Pessoa Praça 9 de Abril, 349 | 4249-004 Porto Tlf. +351 225 071 300 | Fax. +351 225 508 269 publicacoes@ufp.pt | www.ufp.pt Conselho Editorial | Editorial Editor-in-Chief: Luis Pinto de Faria (Professor Associado na Universidade Fernando Pessoa) co-Editor: Cerveira Pinto (Mestre Assistente na Universidade Fernando Pessoa) co-Editor: Rui Leandro Maia (Professor Associado na Universidade Fernando Pessoa) Comissão Científica | Scientific Advisory Board Antonella Violano (Facoltà di Architettura “Luigi Vanvitelli” della Seconda Università degli Studi di Napoli) Avelino Oliveira (Professor Auxiliar na Universidade Fernando Pessoa) Clovis Ultramari (Professor na Pontifícia Universidade Católica do Paraná) Conceição Melo (Mestre em Projecto e Planeamento do Ambiente Urbano FAUP/FEUP) João Castro Ferreira (Professor Auxiliar na Universidade Fernando Pessoa) Luís Pinto de Faria (Professor Associado na Universidade Fernando Pessoa) Miguel Branco Teixeira (Professor Auxiliar na Universidade Fernando Pessoa) Paulo Castro Seixas (Professor Associado no ISCSP - Universidade de Lisboa) Rui Leandro Maia (Professor Associado na Universidade Fernando Pessoa) Sandra Treija (Vice-Dean of the Faculty of Architecture and Urban Planning of Riga Technical University) Sara Sucena (Professora Auxiliar na Universidade Fernando Pessoa) Teresa Cálix (Professora Auxiliar na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto) Design Oficina Gráfica da Universidade Fernando Pessoa ISSN 2183-427X Reservados todos os direitos. Toda a reprodução ou transmissão, por qualquer forma, seja esta mecânica, electrónica, fotocópia, gravação ou qualquer outra, sem a prévia autorização escrita do autor e editor é ilícita e passível de procedimento judicial contra o infractor. 11 71 A PAISAGEM RURAL: PATRIMÓNIO A VALORIZAR THE RURAL LANDSCAPE: AN HERITAGE TO APPRECIATE Andreia V. Quintas LA ARQUITECTURA VERNÁCULA EN LOS TERRITORIOS DE BAJA DENSIDAD: UNA PERSPECTIVA CULTURAL VERNACULAR ARCHITECTURE IN THE LOW DENSITY TERRITORIES: A CULTURAL PERSPECTIVE Javier Pérez Gil 25 CONTEXTO Y PAISAJE EN TERRITORIOS DE BAJA DENSIDAD. LA REHABILITACIÓN DE LOS CONJUNTOS DE VIVIENDA TROGLODITA. CONTEXT AND LANDSCAPE IN LOW DENSITY TERRITORIES. THE REHABILITATION OF THE TROGLODYTE HOUSE SETS. Mario Algarín-Comino 41 AGLOMERADOS DE CINFÃES: DIALÉTICAS ENTRE O PASSADO E UM FUTURO. CLUSTERS OF CINFÃES: DIALECTICS BETWEEN PAST AND A FUTURE Henrique Pereira 57 AMBIENTE E SAÚDE: UMA LEITURA COMPARADA A PARTIR DAS ESTATÍSTICAS DOS MEIOS RURAIS E URBANOS ENVIRONMENT AND HEALTH: A COMPARATIVE READING FROM RURAL AND URBAN ENVIRONMENT STATISTICS Rui Leandro Maia Diogo Guedes Vidal Gisela Marta Oliveira 91 A CASA DO FUNDO DA RUA PATRIMÓNIO CONSTRUÍDO: ESTUDOS, DEFESA E VALORIZAÇÃO THE “CASA DO FUNDO DA RUA”. BUILT HERITAGE: STUDIES, DEFENSE AND RECOVERY Ricardo Soares 101 SUSTENTABILIDADE E PATRIMÓNIO SUSTAINABILITY AND HERITAGE Luís Pinto de Faria A Obra Nasce dezembro 2018, 13, pp. 7-8 O DESAFIO DA REABILITAÇÃO EM CONTEXTO RURAL “A Obra Nasce: Revista de Arquitetura e Urbanismo” é uma revista internacional da Universidade Fernando Pessoa, de acesso aberto e com revisão por pares, direcionada à divulgação de artigos científicos sobre a prática e a teoria da arquitetura e do urbanismo sendo que cada número da revista é enquadrado por um tema específico desta área do conhecimento por modo a permitir comparar a nível internacional as diferentes práticas e metodologias investigadas pelos autores. Esta edição surge na sequência das manifestações de interesse por parte da comunidade científica relativamente ao tema que serviu de mote à realização do “I Congresso de Arquitetura da Universidade Fernando Pessoa” e que agora recuperámos para a chamada dos artigos que compõe este número: “o desafio da reabilitação em contexto rural”. O referido Congresso, realizado entre os auditório da Universidade Fernando Pessoa, a aldeia de Boassas e o auditório Municipal de Cinfães, contou com mais de centena e meia de participantes e trouxe a debate a problemática da «reabilitação» num contexto territorial alargado, focando práticas e experiências subordinadas à “salvaguarda, valorização e reabilitação do património construído como forma de desenvolvimento do mundo rural” ou a novos “princípios de sustentabilidade na reabilitação das aldeias”. Realizar um congresso de arquitetura e de urbanismo focalizado num território eminentemente rural, como se fez, poderia parecer ideia votada ao insucesso. Tal não aconteceu. Pelo contrário. A manifesta adesão de público generalista, de estudantes e de especialistas de arquitetura e de urbanismo veio reforçar a convicção de que a reabilitação de núcleos rurais em territórios de baixa densidade é, cada vez mais, um assunto premente, suscitador de curiosidades e de interesses e que, como se constatou ao longo dos três dias do congresso, um tema com um potencial de investigação e de produção de conhecimento que interessa desenvolver. Outorgadas por investigadores de diferentes nacionalidades e filiações académicas, os artigos aqui reunidos plasmam o resultado de diferentes investigações sobre uma mesma “REHABILITATION ON RURAL ENVIRONMENT: A NEW CHALLENGE.” The University’s Fernando Pessoa Journal of Architecture and Urbanism - “A Obra Nasce”- is an international open access and peer-reviewed journal aimed at the dissemination of scientific articles on the practice and on the theory of architecture and urbanism. This journal is framed by a specific issue of this area of knowledge in order to compare the different practices and methodologies investigated by an international scope of authors. This issue responds to the interest manifested by the scientific community regarding the theme that served as the motto for the “Ist Fernando Pessoa University Architecture Congress”: “Rehabilitation on rural environment.” The Congress, held on Fernando Pessoa University Auditorium and also in the village of Boassas and on the Cinfães Coucil House Auditorium, was attended by over one hundred and a half participants and brought to the debate the issue of 'rehabilitation' in a broad territorial context, focusing on practices and experiences on “safeguarding, enhancing and rehabilitating built heritage as a form of rural development” as well on new “principles of sustainability in village rehabilitation”. Holding a congress of architecture and urbanism focused on an eminently rural territory, as it did, could at first impression be seen as failure-bound idea. This did not happen. On the contrary. The manifest adherence of the general public, students and architecture and urbanism experts has reinforced the conviction that the rehabilitation of rural areas in low-density territories is, increasingly, a pressing issue, arousing curiosity and interest. As it turned out over the three days of the congress, this is a theme with a potential for research and knowledge production that urges to be developed. Awarded by researchers of different nationalities and academic affiliations, the articles gathered here are the result of different investigations and approaches on the same problem - rural rehabilitation – combining problemática – a reabilitação em contexto rural – mas sob múltiplos enfoques como o da reabilitação; do ambiente e da saúde; o da sustentabilidade; da paisagem ou ainda do património. rehabilitation with environment and health; sustainability; landscape and heritage. 9 10 11 A Obra Nasce dezembro 2018, 13, pp. 11-22 A Paisagem rural: património a valorizar The rural landscape: an heritage to appreciate Andreia V. Quintas Professor Auxiliar da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Fernando Pessoa LEP - FCT, Universidade Fernando Pessoa avquintas@ufp.edu.pt RESUMO As paisagens rurais constituem entidades únicas que possuem um caráter e dinâmicas específicas, baseadas numa íntima interação do homem com a natureza, na sua utilização dos recursos naturais disponíveis. Compõem locais patrimoniais de elevado interesse, ao desempenharem serviços de ecossistemas de índole produtiva, regulatória, cultural e de suporte, dos quais o homem depende para a sua sobrevivência. Contudo, nas últimas décadas, o mundo rural tem experienciado fortes transformações, cada vez mais rápidas e intensas, que se evidenciam tanto a nível estrutural como das suas funções de base. Face às novas dinâmicas impostas pela evolução ocorrida, torna-se fundamental a implementação de estratégias de promoção e revitalização da paisagem rural, sem, no entanto, perder a sua essência. Este artigo pretende evidenciar alguns conceitos e ideias a considerar na valorização das paisagens rurais, protegendo, de forma sustentável, este valioso património. Palavras-chave Paisagem rural, Serviços de ecossistemas, Reabilitação territorial, Multifuncionalidade da paisagem, Património. ABSTRACT Rural landscapes are unique entities characterized by a specific character and dynamics, based on an intimate interaction between man and nature, in their use of the available natural resources. They form patrimonial sites of high interest, by providing ecosystem services of productive, regulatory, cultural and supportive nature, on which man depends for his survival. However, in the last decades, the rural world has undergone strong transformations, increasingly fast and intense, demonstrated both at structural level, but also in its basic functions. Considering the new dynamics imposed by the evolution that has been taken place, it is essential to implement strategies to promote and revitalize the rural landscape, without losing its essence. This article aims to highlight some concepts and ideas to reflect in the valuation of rural landscapes, protecting, in a sustainable way, this valuable heritage. Keywords Rural landscape, Ecosystem services, Territorial rehabilitation, Landscape multifunctionality, Heritage. 12 1. DA PAISAGEM À PAISAGEM RURAL De acordo com a Convenção Europeia da Paisagem (2000), uma paisagem pode ser definida como “uma parte do território, tal como é apreendida pelas populações, cujo carácter resulta da ação e da interação de fatores naturais e ou humanos”. As paisagens exprimem-se pelos fatores que encerram, que podem ser naturais (integrando elementos de água, um relevo mais ou menos acidentado, espécies de fauna e flora, etc.) ou antrópicos (tais como edifícios e redes de infraestruturas), e o modo em como estes fatores se relacionam entre si, resultando num “produto” que podemos ver, compreender e mesmo vivenciar, e que é expresso por um caráter muito singular. As paisagens constituem, assim, entidades que se caracterizam por um caráter e dinâmicas específicas, encontrando-se em constante evolução. De um modo geral, podemos dizer que as paisagens podem ser urbanas ou rurais, em que as primeiras se destacam pela dominância dos elementos construídos, sendo áreas mais impermeabilizadas e edificadas, enquanto as paisagens rurais se exprimem pela primazia dos seus elementos naturais, caraterizando-se por uma forte relação entre as atividades humanas e os recursos endógenos, onde homem e natureza geram relações de interdependência. A dualidade entre paisagens urbanas e rurais, assim como o seu modo de interação, têm sofrido várias alterações ao longo do tempo. Desde a Revolução Industrial, as cidades têm-se mostrado bastante atrativas para a população, que partia das áreas mais rurais em busca de maior qualidade de vida, possibilitada por melhores oportunidades de emprego, disponibilidade de serviços e equipamentos, maior conectividade e acesso. Dos vários fenómenos migratórios ocorridos, nem sempre resultaram melhorias socioeconómicas para quem buscava uma melhoria de vida. Com o rápido crescimento populacional, nas cidades, geram-se sérios problemas sociais e ambientais, em oposição a um esvaziamento das áreas rurais e um abandono das atividades que sustentavam estas paisagens. Dados da Urbanet indicam que, em 2015, quase 4 biliões de pessoas habitavam as áreas urbanas, representando cerca de 54% da população mundial, sendo expectável que este número evolua para 66% no ano 2050. Também na Europa verifica-se que mais de dois terços da população reside em áreas urbanas, com Portugal a seguir a mesma tendência demográfica, denotando “uma contínua e intensa atração pelos territórios urbanos, em particular os metropolitanos e costeiros” (Cavaco, 2015, pp. 4), onde mais de metade da população habita a faixa costeira. Nas últimas décadas o processo de urbanização na Europa tem vindo a transformar a relação entre as paisagens urbanas e rurais. Apesar desta dualidade, as constantes dinâmicas ocorridas entre o mundo urbano e rural e o encurtamento das distâncias provocadas pela infraestruturação viária e um sistema de comunicação mais eficiente, decresceram as discrepâncias existentes entre estes dois tipos de paisagem. Cada vez mais recorrentemente, gera-se um genuíno interesse das pessoas pelas áreas rurais, na procura de um maior contacto com a natureza, num local onde a autenticidade, cultura e tradição ainda perduram. As paisagens rurais têm-se tornado mais atrativas para visitação, mas também para permanência, consideradas por muitos como lares de eleição. O ambiente inspirador, reflexo do contacto com a natureza, o sossego, o ar limpo e a água pura tornam-se fatores que levam a população a dirigir-se às áreas rurais na procura de uma maior qualidade de vida que já não encontra nas cidades. 2. ESTRUTURA E DINÂMICA DAS PAISAGENS RURAIS: DA TRADIÇÃO À ATUALIDADE Tradicionalmente, as paisagens rurais pautavam-se pelo predomínio das atividades agrícola e silvícola, ocorrendo uma gestão sustentável da água e solo, num sistema bem definido e organizado, que refletia uma política de aproveitamento e reutilização de recursos. Estes Sistemas Tradicionais de Gestão da Paisagem baseavam-se em ciclos de reciclagem e de reutilização de produtos, numa relação simbiótica do homem na sua utilização dos recursos naturais nas práticas agrícola, florestal e pecuária. As áreas rurais possuíam uma organização própria, com os povoados geralmente localizados a meia encosta, rodeados 13 pelas áreas agrícolas, que ocupavam as zonas mais férteis, na proximidade dos cursos de água. Na envolvente, encontravam-se as matas, bouças ou florestas, destinadas às atividades silvícolas. Este sistema agroflorestal constituía um sistema semifechado, onde agricultura e floresta funcionavam de forma complementar, num ciclo eficiente, tanto a nível ecológico como económico, onde os produtos eram usados e transformados como matéria-prima para outras utilizações. Este modelo de organização do território rural apresenta diversas variantes, dependendo da região, das suas características ambientais e dos recursos naturais disponíveis, assim como o modo de apropriação e utilização pelo homem. Um exemplo de sistema agroflorestal tradicional da paisagem rural do Entre Douro e Minho é o sistema campo-bouça, “que se caracteriza pelo peculiar ordenamento espacial das forragens (no campo bordeado de fruteiras) e espécies florestais (na bouça), as quais com o gado bovino formam um mosaico reticulado de habitats essenciais para a proteção do vento, ciclo do carbono, bem-estar animal, diminuição dos riscos de incêndios e preservação da biodiversidade, sendo um sistema muito equilibrado do ponto de vista produtivo e ecológico” (Oliveira, et. al, 2007, pp 102). O campo constituía a área destinada às culturas agrícolas, tendo como principal papel a produção de alimentos para o homem e para os animais domésticos, mas também a produção de fibras para o fabrico de têxteis. Esta zona era também utilizada pelos animais, como pastagem, os quais exerciam diversas funções, desde cortar a vegetação, produzir fertilizante, auxiliar nos trabalhos com a força motora e também na produção de matérias para o homem (lã para as roupas, carne e leite). A vegetação existente no campo, por sua vez, exercia também um conjunto de funções, a nível social e ambiental, tais como disponibilização de nutrientes (como o nitrogénio), sombra, proteção do solo contra a erosão, etc.. A bouça (ou mata) constituía a área destinada à exploração florestal, sendo usada principalmente na produção de madeira, mas gerando também outros produtos, como resina, cogumelos e pinhões, e o mato (utilizado para a cama dos animais, para incorporação nos terrenos agrícolas, e produção de energia). A mata providenciava também abrigo e alimento para os animais silvestres, servindo de cenário para as atividades cinegéticas. O edificado refletia também os recursos territoriais existentes, tanto nos materiais (pedra, madeira, etc.), como nas técnicas construtivas, encontrando-se o aglomerado estruturado de acordo com as caraterísticas biofísicas do local onde se implantava. As paisagens rurais encontram-se a atravessar um processo de mudança rápido e complexo, como reflexo das dinâmicas demográficas, modernização dos estilos de vida e pelos sistemas económicos “arcaicos” (Pereira e Pedrosa, 2007). Com este processo evolutivo, o mundo rural tem experienciado fortes transformações que se evidenciam tanto a nível estrutural como das suas funções de base. A atratividade da vida urbana, associada à aglutinação de serviços e equipamentos nas cidades, assim como a perda de competitividade das atividades agrícola e florestal, têm conduzido a um esvaziamento populacional das áreas rurais, com um forte impacto na gestão da paisagem. Embora se venha a assistir, há já algum tempo, a uma tendência migratória de volta para o campo, com novos residentes rurais, este fenómeno é ainda bastante pontual e conduz a novas especificidades. Estas dinâmicas evolutivas, que ocorrem tanto nas áreas rurais como nas áreas urbanas, refletem-se no padrão da paisagem, como também nas funções desempenhadas, tornando obsoletas as práticas fundamentais que regiam os sistemas de outrora, e exigindo uma adaptação, de modo a responder a novas necessidades quotidianas. Começa a denotar-se a alteração dos sistemas de cultivo e produção, a degradação dos sistemas de paisagem tradicionais, e o abandono dos campos de cultivo, gerando zonas improdutivas e propensas a diversos riscos sociais e ambientais. A substituição dos carvalhais que compõem a floresta autóctone por espécies de rápido crescimento (como os eucaliptos) e a falta de manutenção e limpeza das florestas, tornam estas áreas mais vulneráveis à ocorrência de incêndios, à perda de biodiversidade e à degradação do potencial produtivo dos solos (e sua consequente erosão). Perde-se também toda uma cultura rural que caraterizava estas áreas, patente no seu modo de trabalhar a terra, mas 14 também nos materiais e métodos de construção, adaptados ao clima e topografia do terreno, assim como os recursos disponíveis. Surgem novas formas de construir, com materiais distintos dos tradicionais e estilos baseadas nos modelos urbanos, mas que em nada pertencem ao caráter dos povoados em que se inserem, gerando conjuntos dissonantes sem o equilíbrio que os caraterizava. Mas acima de tudo, está em causa a perda de uma identidade, sabedoria milenar, vivência e tradições, que formam a base da nossa sociedade e cultura. Face às novas dinâmicas impostas pela evolução ocorrida, torna-se premente a implementação de estratégias de promoção e revitalização da paisagem rural com uma adaptação a novas funcionalidades, novos componentes, novas necessidades e novos desafios, sem, no entanto, perder o seu caráter. A valorização e promoção das paisagens rurais e, em particular, dos serviços de ecossistemas por estas prestados é essencial, não apenas para a conservação destas importantes áreas, mas para o equilíbrio de toda a paisagem global. 3. O PAPEL DAS PAISAGENS RURAIS NO FORNECIMENTO DE SERVIÇOS DE ECOSSISTEMAS As paisagens rurais assumem-se como uma componente territorial fundamental para o equilíbrio dos sistemas naturais e antrópicos, caraterizando-se por uma forte relação entre as atividades humanas e os recursos naturais, onde homem e natureza geram relações de interdependência. Possuem um valor inigualável para a sociedade como geradores de serviços de ecossistemas, providenciando benefícios que as populações humanas obtêm, direta ou indiretamente, dos processos e funções dos sistemas naturais e ecológicos, contribuindo para o seu bem-estar e qualidade de vida (UNEP-WCMC, 2011). Os serviços de ecossistemas podem diferenciar-se em quatro grandes grupos, verificando-se que as paisagens rurais possuem um papel preponderante em quase todos estes, ao desempenharem funções das quais o homem depende para a sua sobrevivência. De acordo com Maes, et al. (2016: 16), “os benefícios gerados pelos serviços de ecossistemas abrangem diversas dimensões do bem estar humano, nomeadamente as necessidades básicas humanas, necessidades económicas, necessidades ambientais e a felicidade subjetiva”. Estes serviços não beneficiam apenas as populações rurais, mas também a sociedade urbana, devido às várias dinâmicas existentes e às complementaridades ocorridas entre estas duas realidades que cada vez mais se dissolvem. Os serviços de ecossistemas podem classificar-se em: a) Serviços de aprovisionamento ou produção, constituindo bens ou produtos gerados ou aprovisionados pelos ecossistemas. Nesta tipologia estão incluídos produtos que integram as nossas necessidades básicas, tais como os alimentos produzidos na atividade agrícola e pecuária, e mesmo florestal (como cogumelos e frutos silvestres). A floresta disponibiliza também matérias-primas, destacando-se a produção de lenha e madeira, usados pelo homem nas suas atividades quotidianas. Um outro exemplo de produto gerado nas áreas rurais é a água para consumo e utilização humana, a partir das várias nascentes e cursos de água que atravessam estes territórios. b) Serviços de regulação, que podem ser entendidos como benefícios obtidos da regulação dos processos de ecossistemas, contribuindo para a saúde do ambiente e sustentabilidade ambiental e económica de uma região. Exemplos são a regularização climática, atingida através das formações de relevo que influenciam diretamente os padrões de temperatura e precipitação, mas também causados pela vegetação e presença de água. O revestimento vegetal do solo é também responsável pelos serviços de regulação de perturbações, mitigando os fenómenos erosivos e contribuindo para a gestão do ciclo da água. Em especial os espaços florestais possuem um elevado contributo para o sequestro do carbono, com efeito na redução de gases com efeito estufa na atmosfera e consequente melhoria da qualidade do ar. c) Serviços de suporte, definidos como os serviços necessários para a produção de todos os outros servi- 15 ços, originando impactos no homem, normalmente de forma indireta e a longo prazo. Neste tipo de serviços inclui-se o papel da vegetação na regulação do ciclo de nutrientes, com impacto direto na qualidade do solo e preservação da sua fertilidade, mas também na produção de matéria orgânica e produção de oxigénio. Outro exemplo de serviços de suporte providenciados pelas áreas rurais é a promoção da biodiversidade, sendo locais caraterizados pela presença de importantes e raras espécies de fauna e flora, assim como de habitats naturais. d) Serviços culturais, definidos como benefícios não materiais obtidos dos ecossistemas, sendo normalmente não transacionáveis, mas afetando os estados físico e mental das pessoas. As paisagens rurais apresentam, na grande maioria das vezes, cenários idílicos, que maravilham, inspiram e enriquecem espiritualmente quem as observa e experiencia. Estas são paisagens que possuem um caráter intrínseco, pautado pelos valores históricos, científicos, ecológicos, tradicionais e culturais, que apelam à sua visitação, por motivos puramente lúdicos ou cognitivos, constituindo verdadeiros centros de conhecimento. Todos estes serviços ambientais são fundamentais para a sociedade, para a sua qualidade de vida e sobrevivência, evidenciando a importância de preservar, promover e valorizar as paisagens rurais. 4. ESTRATÉGIAS DE VALORIZAÇÃO DAS PAISAGENS RURAIS A história da humanidade tem demonstrado que as paisagens se mostram em contínua evolução, sofrendo transformações cada vez mais rápidas e intensas, à medida que se impõem novos papéis e funcionalidades que deem resposta à promoção do bem-estar humano e qualidade de vida ambiental. Atualmente as paisagens rurais possuem dinâmicas diferentes das originais, apresentando funções distintas das anteriormente exercidas. Porém, e apesar de todas estas transformações, ainda têm conservado a sua essência, numa relação íntima entre homem e natureza, que deve ser preservada e valorizada. Apesar de serem imprescindíveis na vida humana, estas áreas exibem uma extrema fragilidade, apelando por estratégias específicas e feitas à medida, já que cada paisagem possui a sua própria essência. Por todo o mundo, têm vindo a ser experienciados mecanismos de valorização das paisagens rurais, visando dotá-las de novas funcionalidades, preservando o seu caráter e revitalizando-as. Estes casos de estudo fornecem importantes pistas do caminho a seguir na demanda da sua valorização e conservação. Não existe um método simples, único e eficaz para a gestão das paisagens rurais, sendo que cada local apela por uma solução adequada às suas caraterísticas inerentes e às funções que devem ser valorizadas. Porém, as lições apreendidas com as estratégias testadas permitem estabelecer alguns conceitos que devem fundamentar o processo de valorização das paisagens rurais, e que em seguida se apresentam. COMPREENDER o que é único Todas as paisagens detêm um caráter que as torna únicas e autênticas e as diferencia, devendo, nas estratégias de desenvolvimento, procurar-se compreender o que torna estas paisagens singulares e especiais, devendo esta essência ser protegida e valorizada. Para tal, é necessário analisar os recursos existentes, compreender as dinâmicas e avaliar as funcionalidades que poderão apresentar. O exemplo do Alto Douro Vinhateiro, paisagem cultural classificada como Património Mundial da UNESCO constitui um exemplo marcante de como o caráter de uma paisagem pode ser valorizado. Os sistemas de socalcos tradicionais que possibilitaram ao homem a utilização de um terreno acidentado com solos de xisto pouco fecundos, transformando-a numa paisagem com alta produtividade e elevada beleza, constituem uma imagem de marca do nosso país. O reconhecimento desta paisagem rural evolutiva e viva, onde a integridade e autenticidade do sistema cultural ancestral ainda se mantém, constitui uma estratégia de elevado sucesso na promoção desta área. 16 Figura 1. Paisagem Rural do Alto Douro Vinhateiro. Fotografia de Andreia Quintas. Promover a MULTIFUNCIONALIDADE Com a evolução dos territórios, e consequentes alterações ocorridas, torna-se essencial a promoção de paisagens que se possam adaptar às novas necessidades que vão surgindo, tornando-se resilientes à mudança e sobrevivendo a tendências sociais, políticas e alterações ambientais. Impõe-se, assim, a criação de paisagens multifuncionais, englobando uma diversidade de atividades, serviços e funções, aliciando diferentes públicos, o que torna estes locais mais valiosos, atrativos, sustentáveis e resilientes. Esta funcionalidade poderá encontrar-se no seu papel produtivo (não apenas em qualidade, mas principalmente de qualidade), mas conciliando também outras alternativas, associadas à preservação dos recursos naturais, conservação da natureza, identidade e património cultural, recreio e turismo, entre outros. As Áreas Protegidas e áreas Rede Natura 2000 constituem locais que detêm um elevado valor natural, muitas vezes motivado pela presença do homem e pela sua relação simbiótica com a natureza. A sua gestão e promoção, baseada numa diversidade de funções, serviços e atividades, atrai turistas e visitantes com diferentes interesses e motivações (desde o simples passeio contemplativo aos desportos de natureza), o que contribui para a sua valorização e proteção, tanto a nível cultural como natural. PRESERVAR e REABILITAR A manutenção das paisagens rurais encontra-se também dependente da conservação dos seus elementos identitários, através da reabilitação e requalificação, criando condições de habitabilidade para as pessoas que nelas habitam, assim como acolhimento para quem as visita. Nos últimos tempos, tem-se assistido a uma tendência à reabilitação urbana, mas que tem também impacto nas áreas rurais. É essencial existir um processo de reabilitação, tanto do edificado como do espaço público, apostando na conservação de uma paisagem a nível dos aglomerados populacionais e sua envolvente, que preserve um conjunto, garantindo a igualdade de oportunidades de acesso das populações às infraestruturas, equipamentos, serviços e funções, e que transforme espaços urbanos funcionalmente obsoletos, com funções inovadoras e competitivas. Existem diversos exemplos de processos de reabilitação urbana e dinamização de centros rurais, tal como as Aldeias 17 Figura 2. Serra do Marão/Alvão, um Sítio Rede Natura 2000. Fotografia de Andreia Quintas. Figura 3 – Aldeia histórica de Linhares da Beira. Fotografia de Andreia Quintas. Históricas, um conjunto de doze aldeias localizadas no centro de Portugal, que sofreram um processo de reabilitação e revitalização, o que gerou um elevado impulso a nível da sua visitação, com consequências e nível social e económico. O facto de estas aldeias integrarem uma rede incrementa o seu valor, gerando-se sinergias exponenciais que levam à sua divulgação e promoção. 18 Figura 4. Passadiços do Paiva, em Arouca. Fotografia de Andreia Quintas. INOVAR sem perder a essência É necessário encontrar estratégias de revitalização das paisagens rurais, atribuindo-lhes novas funções e novos interesses, mais ajustados às novas realidades e às novas necessidades da sociedade de hoje-em-dia. No entanto, estas alterações têm que preservar os valores inerentes a estas paisagens e proteger as suas dinâmicas naturais e culturais, para que estas não se percam. Exemplos como a introdução de novas culturas agrícolas, tal como o cultivo de plantas aromáticas e medicinais, baseadas na vegetação autóctone e nas técnicas tradicionais de cultivo pode ser uma estratégia inovadora de aproveitar o potencial cultural existente. A nível de produção, é também útil uma aposta em vários produtos tradicionais, aliados tanto à agricultura e pecuária, como a floresta, desde a produção de cogumelos silvestres, agricultura biológica à produção apícola. Cada vez mais existe uma preocupação da sociedade na procura de produtos com produção ecológica, natural e tradicional, podendo as funções produtivas das áreas rurais apostar em produtos de qualidade e não em fomento de uma produção massificada em quantidade. O turismo constitui atualmente um dos principais impulsionadores económicos na dinamização destas áreas, com a criação de alojamento, restauração, atividades e serviços cada vez mais diversos e inovadores. O exemplo paradigmático dos Passadiços do Paiva constitui um exemplo de turismo onde se cria um corredor ecológico ao longo do componente fulcral que marca esta paisagem ribeirinha, possibilitando aos visitantes conhecer esta paisagem notável, ao mesmo tempo que sensibiliza para os valores ambientais existentes. COOPERAR trabalhando em rede É fundamental criar sinergias e complementaridades com os territórios envolventes, de modo a criar soluções conjuntas de valorização e promoção. Autoridades locais, associações, investidores e população devem trabalhar em conjunto, no sentido de criar soluções articuladas e complementares de desenvolvimento. A criação de parcerias, contemplando os vários atores territoriais constitui um método simples, mas eficaz de articular diferentes formas de pensar na construção de uma estratégia de planeamento 19 que vá de encontro aos anseios dos vários intervenientes e contribua para um futuro conjunto, mais harmonioso. A criação de redes de paisagens que partilham especificidades pode ter também bastante interesse, promovendo a sua divulgação conjunta e a criação de pacotes de atividades e interesses. Exemplos como as Aldeias Históricas, as Aldeias de Portugal e a Rota do Romântico são exemplos de valorização conjunta de paisagens rurais que se assumem como um produto turístico único, apostando na sua divulgação, partilha de experiências e sensibilização das populações. PARTICIPAÇÃO da sociedade e COMUNICAÇÃO à sociedade É essencial o envolvimento e valorização das paisagens por parte das populações locais, devendo o planeamento e gestão destes territórios ocorrer de acordo com os seus interesses e necessidades, já que constituem os principais criadores e gestores da paisagem. Figura 5. Ovelhinha, uma Aldeia de Portugal. Fotografia de Andreia Quintas. A sensibilização para a importância dos serviços de ecossistemas prestados pelas paisagens rurais é essencial para que a sociedade reconheça a imprescindibilidade destas áreas, para que as entenda, as preserve e valorize. A realização de estudos, de modo a gerar conhecimento, com a sua divulgação científica, assim como a realização de conferências, workshops e sessões de divulgação, e mesmo a organização de eventos lúdicos, feiras e certames, que ilustrem as tradições e produtos locais, constituem mecanismos eficazes de mostrar o que de mais genuíno ocorre nas paisagens rurais. O trabalho que tem vindo a ser realizado em Boassas, numa parceria entre uma instituição universitária, entidades locais e associações locais, visando a criação de uma estratégia de reabilitação da aldeia, tem como objetivo produzir conhecimento sobre o local, esboçando estratégias para o seu desenvolvimento, mas trabalhando com a população local. Nesse sentido, a organização de exposições e congressos torna-se uma ferramenta bastante útil para a di- 20 Figura 6. Aldeia de Boassas, em Cinfães. Fotografia de Andreia Quintas. vulgação dos trabalhos encetados, mas também de integração da população neste processo de planeamento de um território que é de todos. Ter uma VISÃO a longo prazo Como em todas as estratégias de desenvolvimento territorial, é fundamental ter uma perspetiva global e abrangente de uma área, com o esboçar de uma visão a longo prazo do futuro ambicionado para a paisagem. No caso das paisagens rurais, torna-se mais premente, devido às rápidas mudanças que estão a ocorrer e à necessidade de preservar o património natural e cultural que ainda persiste. Há que ter em consideração as especificidades de cada local, traçar cenários de evolução, e prever comportamentos futuros, de modo a construir um futuro sustentável, sustentado nas suas valências, mas de forma inovadora e atrativa. Nas estratégias de valorização dos espaços rurais, há que ter a consciência de que é impossível voltar ao passado e retomar às antigas dinâmicas que regiam estas paisagens. Importa dotá-las de novas e mais valências, preparando-as para o futuro, mantendo sempre uma autenticidade sustentável. Para tal, deverá existir uma visão a longo prazo, contemplando todo um processo de desenvolvimento que não culmina na implementação de projetos e ações, mas que perdura no tempo, num ciclo onde novas estratégias virão, em resposta a futuros desafios. Há, assim, que garantir que este património de índole natural e cultural que marca o caráter das paisagens rurais seja transmitido às gerações vindouras, para que também possam usufruir de um bem que é genuíno, único e verdadeiro, numa paisagem que forma a base da nossa cultura e essência da nossa sociedade. “É em nós que as paisagens têm paisagem”. (Fernando Pessoa) 21 Figura 7. Monte de Santo Adrião, em Castelo de Paiva. Fotografia de Andreia Quintas. BIBLIOGRAFIA Andresen, T; Rebelo, J. (2013). Avaliação do Estado de Conservação do Bem Alto Douro Vinhateiro – Paisagem Cultural, Evolutiva e Viva. Volume 2. Estudos de Base. Porto, CCDRN / ESRVR, CIBIO – UP / UTAD. Antrop, M. (2006). Sustainable landscapes: contradiction, action or utopia? In: Landscape and Urban Planning, 75, pp. 187–197. Cavaco, C. (Coord.) (2015). Cidades Sustentáveis 2020. Anexo I: Diagnóstico Territorial. Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia. Curado, M.J.; Araújo, I.L.; Quintas, A.V. 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Se presentan dos casos: Matera, en Italia un conjunto que sufre la presión del turismo, declarada capital europea de la cultura 2019, y los pequeños poblados, de mucho interés, de la isla de Gran Canaria. La excepcionalidad de su arquitectura servirá de piedra de toque al abordar temas como formas de cartografiado y conocimiento, la percepción de sus ocupantes y usuarios, la rehabilitación, el planeamiento del crecimiento de sus conjuntos o dinámicas generales como la detección de los elementos de un sistema y la inclusión de piezas ajenas que lo reactiven. Las conclusiones obtenidas pueden extenderse a otros ejemplos y conjuntos de arquitectura rural y vernácula. Palabras clave Arquitectura troglodita, Arquitectura vernácula, Arquitectura sustractiva, Arquitectura excavada, Arquitectura popular. ABSTRACT The enhancement, the maintenance and protection of Troglodyte Architecture settlements, within their own particularity, can fit in the current dialogue on the rural and landscape context. Two cases are presented: Matera, in Italy a monumental complex suffering tourism pressure, declared European capital of culture 2019, and the small villages of great interest, in Gran Canaria Island. The exceptional nature of their architecture will serve as a test case in dealing with issues such as cartography solutions and knowledge, perception of occupants and users, urban and specific regeneration, planning the growth of the sites or overall patterns as the detection of elements within a system and the inclusion of unrelated parts which could reactivate them. The findings may extend to other examples and sites of rural and vernacular architecture. Keywords Troglodyte architecture, Vernacular architecture, Subtractive architecture, Architecture dug out, Popular architecture. 26 1. PLANTEAMIENTO El paraíso. No hay duda de que la acción del hombre puede tener la capacidad de mejorar lo preexistente y que es su actividad productiva, la que construye el concepto de paisaje, frente a territorio, con toda la complejidad con la que lo entendemos hoy día. De hecho, esa idea positiva de lo agreste-salvaje es relativamente reciente, alumbrada por la ubicuidad del hombre en el medio. La mirada sobre el contexto, ha sido siempre en occidente interesada, descuidada y extractiva, generando durante siglos nuestro hábitat, nuestro paisaje actual. Desde las primeras líneas de las ruedas de un vehículo en la arena del desierto, a la densa trama de bancales de un cultivo intensivo de viñedos, es la huella del máximo beneficio que el hombre obtiene del medio la que embellece el entorno natural original. Figura 1. Huellas en el lago de Chott El Hodna, Argelia. Fotografía de Yann Arthus Bertrand. Algérie vue du Ciel. http://www.yannarthusbertrand.org/es El mismo concepto en inglés que forma la palabra paisaje, “scape” procede de la idea de dominio, conjunto o escenario, y está ligado al concepto de los “panoramas” de la estrategia militar (Hernández de León, J. 2016, p. 10), en que se representa la disposición del enemigo en el territorio. Una concreción sobre el territorio natural ignoto, o sobre el océano, que estaba situado en el campo de lo desconocido y peligroso, frente al terreno controlado y transformado por la mano del hombre, lo ilimitado frente al límite, el bosque frente al jardín, el desequilibrio frente al equilibrio, lo sublime frente a lo culto. En las fases más primitivas del desarrollo, el hombre solo miraba con placer lo que Ruskin llama “lo accesible y lo útil”, y por ello quería que fuese eso lo que se le recordara –fértiles praderas, ciudades prósperas, viñedos, tranquilos cursos de agua, tiernos árboles aislados, etc.–. La mera visión de las montañas y las rocas resultaba horrible, y traía a la mente los arduos viajes y los asaltantes de caminos; asimismo, el bosque se relacionaba con las bestias salvajes y los bandidos; los árboles viejos con los duendes; el mar, con los naufragios. (Hussey, 2013, 33).1 Esta visión de la naturaleza es constante hasta mucho más adelante, los usuarios de las villas italianas que inauguran su nueva vida en el campo, sólo se detienen en describir los jardines y estanques o pérgolas de sus casas y a lo sumo contar escenas de caza (Maderuelo, 2005, 244). Las villas del Véneto se plantan en el centro de las propiedades roturadas arrebatadas a la marisma precisamente para admirar su inmensidad y en este ámbito se desarrolla la arquitectura de Palla- Figura 2. Viñedos. Fotografía de Yann Arthus Bertrand. http://www.yannarthusbertrand.org/es 1 Hussey en su libro que se publicó por primera vez en 1927, extiende estas “fases” hasta la Edad Media. “En cuanto los viajeros occidentales tuvieron caminos aceptables y se libraron del temor de ser saqueados o asesinados al pasar por un bosque, empezaron a mirar a su alrededor con deleite” (Hussey, 2013, 33). 27 dio, insistiendo en el dominio, hasta los confines de la vista, de la geometría, y con ella, del hombre sobre la naturaleza. Christopher Hussey repasa los diarios de varios de los viajeros del XVII. Del de John Evelyn, que viaja por Francia, Italia, Suiza y Saboya entre 1644 y1648 (Hussey, 2013, 133). recoge que éste, tras recorrer el norte de Italia “después de cientos de millas por la región más plana del mundo, donde difícilmente puede encontrarse una piedra”, llega a los Alpes y anota “era como si la naturaleza hubiera barrido y recogido en los Alpes toda la basura de la tierra para formar y dejar limpias las llanuras de Lombardía”. Al día siguiente, subimos por extraños, horribles y tremendos peñascos […] algunas de estas enormes montañas eran una única gran piedra, y entre sus grietas se precipitaban de vez en cuando inmensas cataratas que resonaban estruendosamente en las rocas y cavidades […] En algunos lugares pasamos entre montañas que se han fracturado y han caído unas sobre otras, lo que es terrible. (Hussey, 2013, 133). No existen representaciones del espacio natural de esta época; señala Maderuelo (2005, 277) que, de hecho, los cuadros más antiguos que se pensó representaban paisajes de forma intencionada, dos tablas de Ambrogio Lorenzetti del Trecento de la Pinacoteca de Siena, no son sino trozos recortados del fondo de una obra mayor. Se considera que no es hasta el siglo XVI cuando Durero traza los primeros dibujos que plasman únicamente un entorno natural sin que éste “acompañe” a un motivo. Es precisamente en los Países Bajos en el siglo XVII cuando el interés por la geografía, con los mejores cartógrafos del momento como Ortelius y Münster, populariza la costumbre de decorar las casas con estos mapas, extraordinariamente detallados, como si fuesen cuadros, algo que nos llama la atención en algunos de los interiores de Vermeer 2 (Maderuelo, 2005, 277); de nuevo la exaltación del control del territorio, a partir de avances en la agrimensura. 2 Otambién (Maderuelo, 2008, 79). Ver por ejemplo de Johannes Vermeer los conocidos óleos “Mujer con jarra de agua” 1662 hoy en el Metropolitan de Nueva York o “Mujer leyendo una carta” 1663 Rijksmuseum. Siguiendo esta estela será sobre todo el XVIII cuando se comience a visitar el campo inexplorado y la montaña. La necesidad científica de cartografiar y medir alturas, pero también el afán de conquistar cumbres no holladas, redescubre el valor natural de cordilleras interiores accesibles como los Pirineos o los Alpes3. La visita a las cumbres las termina poniendo en valor y las consagra como un lugar saludable, alejado de las cenagosas llanuras que están a sus pies, distante de la realidad de la ciudad. El frío y el aire puro de la montaña “curan” durante todo el siglo XIX y buena parte del XX, y esta idea inspirará arquitecturas, como ejemplo Bruno Taut.4 No obstante, esta visión de los cultivos (de culto) frente al azar de lo natural, de lo inculto, del campo ordenado por el hombre, roturado y productivo, permanece y es la que utilizará la iconografía de la primera URSS. Una imagen próxima, todavía, a la que congela la religión en el concepto del Paraíso, que realmente no es un entorno natural y prístino, sino la cerca que encierra un jardín ordenado (Maderuelo, 2005, 52).5 Nuestra visión del territorio, del contexto, consideramos que ha cambiado, que felizmente es muy distinta de ésta previa en la que lo agreste amenazaba nuestra supervivencia, que hemos descubierto el concepto de “paisaje” con toda su complejidad y fragilidad, y que, entendiendo su vertiente patrimonial, éste tiene que preservarse. Quizás el péndulo ahora ha oscilado al lado contrario. ¿debemos congelar la percepción del paisaje en este momento? ¿Hasta qué punto esta preocupación tan reciente es parcial, del mismo modo que consideramos ingrata, esa primera, y mucho más duradera, aversión del hombre al desorden de la naturaleza? 3 El relato de esta conquista de un nuevo paisaje puede seguirse leyendo a un apasionado de la montaña como Eduardo Martínez de Pisón. (Martínez de Pisón, 2009). 4 No parece el momento de extenderse sobre las ricas ideas de intervención sobre el paisaje del Expresionismo, tampoco sobre otras vanguardias del Movimiento Moderno: el sanatorio de Paimio de Alvar Aalto, demuestra científicamente sanar la enfermedad de sus habitantes, y su aura se extenderá a otros ejemplos de la primera arquitectura funcionalista y del Estilo Internacional. 5 Paraíso: del lat. paradīsus, este del gr. παράδεισος, y este del avéstico pairidaēza, cercado circular, aplicado a los jardines reales. Real Academia de la Lengua Española. 28 Figura 3. Hans Hollein. Transformations. Aircraft Carrier City in Landscape, project, Perspective. https://www.moma.org/collection/works/634 El sistema. Nuestro entorno, el territorio, el paisaje no dejan de ser un sistema, un elemento complejo que funciona, generado y activado por la acción del hombre. Igual que admiramos el funcionamiento de un reloj, apreciamos la complejidad que intuimos en la variedad de los procesos que contemplamos. Nos maravilla como si de un mecanismo se tratara, la precisa ubicación de los elementos productivos y la forma de sus edificaciones, la sucesión de las cosechas o el encauzamiento de un arroyo. Un adecuado conocimiento de esas relaciones complejas, a veces circulares, permite descubrir sus implicaciones y en el caso de que parte de la máquina se pare, eventualmente sustituir unos elementos o variables por otros. La forma de que un contexto rural nos siga fascinando en un futuro es que, a pesar de los cambios sufridos, apreciemos cómo este conjunto de engranajes sigue funcionando en el tiempo6. La máquina. El injerto. El elemento nuevo, extraño, puede convivir con el paisaje siempre que lo entendamos como algo externo a él, pensemos en un coche aparcado en un prado. En la Unidad de Habitación de Le Corbusier, un experimento social, esta arca de Noé asume la movilidad de un paquebote como propia, 6 Sobre este tema puede consultarse (Español Echániz, 2008) El paisaje como percepción de las dinámicas y ritmos del territorio. un edificio totalmente autónomo que puede des-localizarse asentándose en cualquier lugar apenas hollándolo. De una forma parecida Hans Hollein en su serie Transformations trabaja sobre lo que implica edificar algo a partir del concepto contemporáneo de paisaje: “todo es arquitectura”. El portaaviones es un elemento ajeno al lugar, aterrizado en él y funcionando, un aeropuerto que permite no tener que alterar su entorno más allá de la visión que impone su presencia. Quizás más caro de construir, pero, a su manera, menos invasivo7. Deducimos que una plataforma petrolífera es temporal y ajena al océano en que se ubica, no altera su visión, permanece en su localización mientras sirve, y se desplaza o desmantela cuando deja de hacerlo. Esto que entendemos para una máquina o instalación, nos es más difícil de asumir en el caso de edificios o de alteraciones del sustrato. Robert Smithson (Passaic, Nueva Jersey, 1938-1973) citará en sus escritos (Smithson, 1966-1973) a Uvedale Price, y su extenso estudio del paisaje le convertirá en una figura clave del Land Art. Propondrá a las grandes corporaciones recuperar instalaciones industriales obsoletas, elementos con gran impacto sobre su entorno como grandes fábricas, vertederos o minas a cielo abierto, para reconvertirlas en 7 Del mismo modo Hollein inserta otros elementos en un paisaje natural o la elegante figura del monte Cervino a una ciudad costera. Hollein, H. Transformations. Aircraft Carrier City in Landscape, project, Perspective, 1964. Se pueden ver otros elementos de esta serie en la colección del MoMA. 29 espacios útiles a la sociedad8. De forma implícita plantea en sus obras una reflexión sobre el ciclo de vida de estos elementos y la consideración de su impacto, reversibilidad y reconversión tras el final de su actividad. Cualquiera que contemple las formas de las limas de los tejados, qué poco se adaptan los edificios al terreno y qué pocos árboles hay entre ellos, estará de acuerdo con mi desagrado (Hussey, 2013, 290). Este trabajo del artista implicado en el ciclo productivo de la industria, en obras de gran escala realizadas a muy largo plazo, y en el que se plantea una preocupación por el entorno natural; ya lo avanza Bruno Taut (Taut, 1919) en su cuaderno Alpine Arkitektur, y se aplica hoy casi literalmente en el proyecto Tindaya de Eduardo Chillida. Independientemente del fondo teórico y compositivo de las observaciones que el texto contiene sobre la topografía de Bath, lo que realmente subyace en el juicio de Price es la visión entrenada en la costumbre, frente a la ajena que ejercita en el caso de la antigua Tibur. Existe una posibilidad más atractiva que ésta, y es que este elemento extraño, ajeno al contexto rural en que se introduce, una arquitectura, un artefacto o una tecnología, desarrolle el papel de un injerto, que fomente una interacción fructífera con el sustrato activándolo, imprimiéndole un nuevo rumbo y posibilitando nuevos frutos. Nos preguntamos si no es quizás esa mirada desapegada la que nos lleva a encontrar valor añadido en lo que nos resulta extraño o curioso. ¿Yerra un aldeano cuando desea modernizar su entorno y convertir su aldea en ciudad? Y nosotros simétricamente, ¿nos equivocamos cuando deseamos sumergirnos en la “naturaleza” y ocupar por unos días la casa del aldeano? La percepción. La forma del orden. Por otra parte, tenemos que considerar cuál es la percepción del paisaje, del contexto rural, que es necesario objetivar, esa visión certera y clara del conjunto es casi siempre externa ¿es una interpretación informada, pero ajena al lugar, la que debe juzgar su valor? Asumimos que la percepción del habitante acostumbrado al sitio, es errónea cuando minusvalora lo propio y aprecia lo ajeno, Kant contrasta la visión del campesino saboyano con la locura del viajero amante de las “montañas nevadas”9. Siguiendo este razonamiento no debemos imponer al entorno rural un orden, ya que nuestra visión probablemente no sea objetiva. Volviendo a Hussey, éste sigue el razonamiento de Uvedale Price (Price, 1794) en su Essay on the Picturesque, As Compared With The Sublime and The Beautiful, cuando, tratando el tema de la planificación de una ciudad pintoresca, compara el conjunto armónico de Tívoli con Bath: 8 Como ejemplo el proyecto Bingham Copper Mining Pit, Utah / Reclamation Project. 1973. 9 Kant, I. Crítica del discernimiento. Ver (Hernández de León, 2016, 43). La atracción de lo sublime. No vamos a internarnos más en este tema amplio y fascinante de la Fenomenología de la Percepción. Por una parte, debemos huir de la visión exclusivamente Romántica, la que, con matices, encarna la estética de lo Pintoresco (Burke, 1757) (Gilpin, 1768, 1782) durante el siglo XVIII. La atención sobre el entorno y el paisaje desplaza el eje de la composición, en la arquitectura y la pintura anglosajonas, desde lo estrictamente clásico, a la imaginación y la sensibilidad. Es la percepción personal, la inspiración, la que guía las obras de los grandes terratenientes en sus propiedades, se trata, más que de un estilo artístico, de materializar un sentimiento enlazado con lo romántico, del establecimiento de una aspiración “culta y universal” de perfección. El pintoresquismo sirve con la misma intensidad al diseño de un pequeño jardín o al trazado de una población, en ambos se aplica un conocimiento profundo de lo existente y un control exquisito del resultado. Trabaja sobre la preexistencia y, si bien la falta de método provoca unos resultados 30 Figuras 4 y 5. Fotografías aéreas de la periferia de Badolatosa y El Ronquillo, Sevilla, España. Instituto de Cartografía de Andalucía. desiguales, sienta las bases que utilizamos hoy día en la actuación sobre el patrimonio. En el otro extremo, las periferias de muchos de nuestros pequeños pueblos, a los que hoy se aplican herramientas urbanísticas pensadas para dar forma a la ciudad, con un evidente error de escala. En ellos la urbanización extensiva, necesaria en la gran ciudad, va acotando sus alrededores y construyendo aceras e infraestructuras que tardan en llenarse lustros, dando a su periferia un aspecto permanentemente inacabado, que imposibilita una transición orgánica al campo. Lejos de crecer como organismos vivos y distintos, los pueblos se uniformizan y aparecen con un orden impuesto, estableciendo estrictos límites donde nunca los hubo, recortando su perímetro bruscamente e incluyendo solares vacíos que quizás nunca se llenen. Los ejidos y sus eras, las áreas de trabajo que transformaban y acercaban el producto del campo a la población, servían como esponjamiento natural a la periferia. Explanadas que cuando no funcionaban eran utilizadas como sitios de encuentro o campos de juego, con árboles creciendo espontáneamente en los lugares no pisados, servían de punto de partida para los caminos que conducían a los cultivos. Hoy este suelo que rodea los pueblos se urbaniza casi siempre sin sensibilidad. Estos antiguos espacios podrían incluirse naturalmente como vacíos, de forma que, una vez perdida su finalidad productiva, pudiesen seguir cumpliendo su función con respecto a la población. Sin embargo, se lotean sin atención a sus peculiaridades y según estánda- res rígidos que establecen una reserva de suelo para “zonas verdes” situada donde, a un paso, hay naturaleza de sobra, y sin una posición estratégica como la que garantizan la historia, la necesidad o el tiempo. El campo aparece roturado de golpe ante nuestros ojos, a la vuelta de cualquier esquina, tras el corte brusco de cualquier calle. Ha desaparecido el grosor de la transición, la arquitectura que diría Oíza, solo una línea separa ambas realidades, pueblo y campo. Cuanto más gruesa es la pared, más gruesa es la relación entre interior y exterior, y más importante es la arquitectura. [...] De manera que los pórticos del mundo mediterráneo son importantes porque son gruesos de pared, entre lo que es mundo exterior, sometido al viento, a la lluvia, y el mundo interior, ajeno a todo ello. Los pórticos constituyen una arquitectura entreabierta. El grueso de pared es donde el medio exterior penetra y el interior sale. Es el filtro de todo. [...] para mí un ramo de flores envuelto en celofán está muy distante, porque el aroma, la delicadeza, la ternura de la planta, desaparece detrás del celofán, detrás del plástico. [...] Es decir que la pared, siendo muy delgada, es muy gruesa desde el punto de vista del comportamiento. La pared está ahí presente, en su ausencia... (Sáenz de Oíza, 2002, 20). 2. LA EXCAVACIÓN El concepto de construcción troglodítica o sustractiva es simple: en zonas donde el terreno es compacto, aunque no 31 demasiado duro, y goza de un cierto grado de impermeabilidad, se puede realizar una excavación en una ladera vertical o en el suelo, que, al retirar material, obtenga espacio hábil como refugio. Esta acción simple se complejiza y refina con el tiempo como cualquier procedimiento constructivo, y se extiende a cualquier uso. Alrededor del mundo tenemos incontables ejemplos, desde Matmata en Túnez hasta los conjuntos más extensos en el Loess chino, siendo la vivienda mayoritariamente usada cuando se dan las condiciones, ya que las cuevas reúnen unas condiciones inmejorables de aislamiento térmico, amortiguando las temperaturas extremas del exterior. Además, la ampliación es muy fácil por estar todo el vacío rodeado de roca, generándose conjuntos muy elásticos en extensión: simplemente retirando material de cualquier punto de un edificio excavado puede añadirse una estancia o alterarse su forma y tamaño. Mediante la ejecución de una chimenea se puede aumentar su iluminación o ventilación. Una elasticidad que es aplicable también a la distribución, ya que las habitaciones aparecen a medida que van siendo necesitadas. La posibilidad de modificación de salas facilita su cambio de uso y con ello proporciona una mayor libertad en la distribución del conjunto, que se personaliza y se convierte en único. De la misma forma, se pierde la habitual división horizontal, ya que las ampliaciones y conexiones pueden realizarse con cualquier altura y partiendo y llegando a cualquier cota con el único condicionante para el ocupante de la comodidad al trazar escaleras y rampas. Pensemos como ejemplo el salto cualitativo que supone con respecto al concepto de “planta libre” al que estamos tan habituados, sus espacios se hacen indefinibles dentro del vocabulario habitual de la arquitectura. Sin embargo, donde se generaliza esta forma de construcción, como ocurre en cualquier ejemplo de arquitectura vernácula o popular, la improvisación se pierde con el tiempo y se especializa el proceso, dando lugar a operaciones más o menos sistematizadas y a unas distribuciones “tipo” establecidas de forma aproximada de antemano en función de la experiencia. Figura 6. Matmata, Gabès, Tunisia (33°33’N, 9°58’E). Fotografía de Yann Arthus Bertrand. http://www.yannarthusbertrand.org/es Figura 7. Fotografía aérea de Guadix, España. Fuente Google Earth. En mi tesis doctoral empecé a estudiar esta “novedosa” forma de construcción desde un punto de vista más teórico, en cuanto a su utilización conceptual en el proyecto, y a su adopción por muchas arquitecturas contemporáneas (Algarín, 2002), no obstante, en paralelo visité muchos edificios realmente “vaciados”. En la península este tipo de construcción es muy abundante, y como ejemplo me detengo en el Sur, en la zona del Marquesado de Guadix, donde encontramos un conjunto muy extenso. Las cuevas ocupan pequeños montículos erosionados de toba, compacta e impermeable, sobre los que se asoman singulares chimeneas de ventilación. Más que ante una parte de la ciudad, estamos ante una extraña topografía, que sirve de filtro y transición del centro de la población, lo urbano, al campo. Las casas cueva se salpican en el territorio componiendo un paisaje característico y, al densificarse a medida que nos acercamos a la zona urbana, la misma topografía exterior 32 Figura 8. Casas cueva en Guadix, España. Fotografía de Mario Algarín. Figura 9. Calle del conjunto de casas cueva en Guadix, España. Fotografía de Mario Algarín. terrosa se va solidificando en gris y blanco. La organización de viviendas y calles no es la habitual y aparece caótica a nuestros ojos: no hay división entre espacio público y privado, apenas vemos calles trazadas ni de pendiente constante, es difícil realizar cualquier movimiento de tierras, y no se entierran las canalizaciones de servicios porque debajo de muchas de las vías hay casas, como sugieren las chimeneas que encontramos en nuestro camino. Como acceso a estas viviendas, muy abundantes en Granada, pero que se extienden con variantes por todo el sur desde Cádiz a Almería10, un grueso arco de acceso como umbral y único contacto con la luz exterior, y, dentro, suelos de la misma roca y paredes revestidas con cal. Una sala amplia distribuidor, y a ambos lados, pequeños pasillos-umbrales-túneles a las demás dependencias de la vivienda, al establo o a 10 La Junta de Andalucía hizo una labor de estudio y catalogación de este tipo de arquitecturas en su territorio que en su día sirvió para considerar el fenómeno y comenzar a trabajar con esta nueva realidad tan alejada de otros tipos de vivienda popular, con proyectos de vivienda social que se situaban en sus proximidades. AA. VV. (1989) Arquitectura Subterránea. Cuevas de Andalucía. Conjuntos Habitados. Sevilla, Consejería de Obras Públicas y Transportes. Junta de Andalucía. 33 las habitaciones, que sólo están ventiladas por chimeneas. En origen no existía cocina, con un fogón improvisado en la explanada-plaza de acceso, ni por supuesto baño, ambos fueron incorporándose al programa con el tiempo. Muchas de estas casas están habitadas y otras, como en cualquier pueblo, se utilizan como segunda residencia, aunque, recientemente, el indudable atractivo de sus interiores ha hecho que se oferten cada vez más para su alquiler turístico. Voy a detenerme, dentro del tema propuesto, los territorios de baja densidad y la rehabilitación en el contexto rural, en este tipo de conjuntos a partir de lo estudiado en dos tesis doctorales que se han leído recientemente bajo mi dirección (Pisciotta, 2017), (Martínez Díaz, 2017). Si bien son dos trabajos de carácter muy distinto, uno se apoya en ejemplos de arquitectura troglodita de Matera, mientras el otro realiza un estudio más sistemático de este tipo de arquitectura en Gran Canaria. En la isla de Gran Canaria las cuevas están labradas en una toba blanda, y las más antiguas localizadas en los tramos medios y altos de enormes paredes verticales, los barrancos. Constituían verdaderas urbes verticales con todos sus edificios e infraestructuras también talladas, caminos y escaleras, aljibes, graneros, alfares, talleres, lugares de culto y espacios de enterramiento. Figura 10. Casa cueva en Gran Canaria. Al soco de la casa. Cuevas Reuti. Fotografía de Carl Norman, 1893. Archivo de Fotografía Histórica de Canarias. Cabildo de Gran Canaria-FEDAC. Los conjuntos se extendieron más tarde por todo su territorio en localizaciones menos abruptas, con una alta concentración en algunas zonas. En Artenara en 1850 se censan solo dos casas de muros de mampostería frente a unas 500 casas-cueva. En Guía más de la mitad de los vecinos residían entonces en casas-cueva, o en Santa Brígida un tercio, concentrado en los núcleos de la Atalaya o las Goteras (Martínez Díaz, 2017). Hoy en la isla siguen existiendo numerosos conjuntos trogloditas aún en uso. Sus usuarios aprecian sobre todo su aislamiento, con una temperatura interior que se mantiene en unos 17 a 20° C todo el año, cuando fuera se mueven entre los 4° C y los 35° C. Figuras 11 y 12. Levantamientos 3D de conjunto troglodita en Gran Canaria. Tesis doctoral de Martínez Díaz, L. Arquitectura Troglodita, un modelo eficiente de habitar el territorio. Estudio tipológico y constructivo en la evolución de la casa-cueva en Gran Canaria. 34 El trabajo con estas viviendas y los conjuntos en los que se integran parte de su conocimiento mediante un estudio profundo, que incluye levantamientos y la elaboración de unas fichas patrimoniales especializadas. En ellas se avanza una clasificación y valoración. La especial configuración de estos espacios ha hecho que en algunos se opte por la utilización del escáner 3D. Se ha trabajado también con el estudio de sus características estructurales y constructivas a partir de ensayos, planteando recomendaciones de luces y acabados, y límites a sus particulares condiciones higrotérmicas, obteniendo conclusiones que pueden utilizarse como guía para la rehabilitación de los ejemplos ya clasificados. Muchos de los usuarios de cuevas no saben ya cómo realizar reparaciones en éstas, que son sus viviendas, al haberse perdido los oficios tradicionales. La zona de estudio tiene un ámbito que incluye unos 30 conjuntos en Gáldar, Artenara, Tunte, Telde, el Juncal de Tejeda y San Bartolomé de Tirajana. Figura 13. Imagen del Sasso Caveoso, Matera. Tesis doctoral de Pisciotta, M. B. Architettura di sottrazione. Declinazioni e caratteri del processo di scavo per la definizione dello spazio. Figuras 14 e 15. Imágenes del conjunto de Matera. Tesis doctoral de Pisciotta, M. B. Architettura di sottrazione. Declinazioni e caratteri del processo di scavo per la definizione dello spazio. Università degli Studi della Basilicata. 35 Figura 16. Dos ejemplos de Vicinato y casas anexas. Levantamiento. Tesis doctoral de Pisciotta, M. B. Architettura di sottrazione. Declinazioni e caratteri del processo di scavo per la definizione dello spazio. Università degli Studi della Basilicata. En Matera la topografía y la piedra caliza blanda facilitaron desde antiguo la realización de núcleos aterrazados muy densos, con comunicaciones a varios niveles y un orden complejo. Su gran desarrollo se produce a partir del siglo VII con el establecimiento de cenobios y órdenes monásticas, muchas venidas de Grecia, en amplios conjuntos tallados en la roca e integrados en las laderas, que incluían, además de las celdas y zonas comunes, una pequeña iglesia. Habitualmente las viviendas cueva se organizan alrededor de una calle o plaza común, elevada o sin salida, el vicinato al que se abren establos y células residenciales. Un espacio abierto, aunque no totalmente público, compartido entre sus vecinos, que garantiza una protección climática y defensiva, y genera un especial entramado urbano. Algunas de las estructuras vecinales se cierran completamente y se complejizan, su ingreso da lugar a la tipología de casa “a corte” (Pisciotta, 2017). Como parte de la compleja realidad de Matera hoy, están la vida que continúa en la Civitá y el Sasso Barisano, cuidados y protegidos como centro turístico, frente a su otra mitad vacía y degradada: el completo abandono del Sasso Caveoso desde los años sesenta con el desplazamiento de sus habitantes y su realojo en poblaciones de nueva planta11, dejó sin uso y con ello sin vida más de la mitad de la ciudad histórica. 11 La publicación de Carlo Levi describiendo las condiciones en las que se vive en las cuevas de Matera desata la reacción del gobierno italiano que reubica a los habitantes del barrio a partir de 1952 en un poblado construido de nueva planta fuera de Matera (Levi, 1945). 36 3. CONCLUSIONES Aplicamos a la arquitectura excavada-sustractiva los temas sobre los que nos hemos extendido previamente: Paraíso. Seguimos a Christopher Hussey de nuevo, esta vez de la mano de unos militares de Norwich que inspeccionan en 1624 iglesias, castillos y otras construcciones en el territorio, cerca de Wells, entran en el Wokey Hole. Algunas cuevas eran como iglesias, otras como despensas o cocinas. Algunos espacios eran muy pronunciados y no sabíamos a qué se parecían [...] (Hussey, 2013, 139). En 1700 será James Brome quien entre en las mismas cuevas y nos dice Hussey que sintió “horrorosas aprensiones”, “terror y asombro”, las emociones, en fin, que Edmund Burke más tarde identifica con lo sublime. (Brome, 1700) citado en (Hussey, 2013, 140). La arquitectura troglodita se sitúa en el umbral que separa la arquitectura del paisaje, lo bello de lo sublime. Aceptemos ahora su situación fuera del paraíso y asumamos su singularidad límite conociéndola y adoptando herramientas nuevas y precisas. Debemos seguir confiando en la acción de modificación del hombre sobre el paisaje, lo que tenemos hoy ha sido configurado por él como resultado de una actividad productiva. El hombre no destruye el paisaje, lo construye modificándolo constantemente. Quizás los conjuntos de casas-cueva, en su singularidad, constituyen el mejor ejemplo de ello. La catalogación y protección de elementos del paisaje, o directamente de éste en su conjunto, debe ser muy prudente y promover ante todo su observación atenta. Provocar el vaciado, cierre y abandono de los conjuntos de arquitectura troglodita para preservar su singularidad o su paisaje es sentar las bases de su desaparición. La declaración de Matera como capital europea de la cultura 2019 debería haber tenido como primer objetivo volver a ver ocupados con habitantes locales, no con hoteles o instalaciones turísticas, los tres extensos barrios excavados de Matera. Para ello es imprescindible trabajar en la definición de condiciones de protección y rehabilitación, en el mismo sentido en que se ha comenzado a hacer en el caso de Gran Canaria. Sistema. La actividad defensiva, de habitación, productiva… del hombre, es fundamental para mantener el funcionamiento de cualquier conjunto en un contexto rural. Hay que admitir que esta actividad cambie, igual que lo ha hecho previamente, a lo largo del tiempo, alterando el entorno y el paisaje. Es necesario mantener el sistema activo, aunque para ello sea necesario incorporar nuevas funciones que supongan alteraciones a lo existente. Y esto significa, en el caso que nos ocupa, promover la construcción de nuevas casas-cueva para usuarios interesados. Frente a la visión de la actividad del turismo como una amenaza a los conjuntos rurales de arquitectura excavada, ésta supone utilización, y una nueva vía para vivir y apreciar este tipo de arquitectura. El uso pone en valor el bien y promueve su mantenimiento y su crecimiento. Es una vivienda que, como cualquiera otra, necesita unos cuidados de mantenimiento específicos, sin embargo, dejar de edificarlas ha provocado que apenas exista hoy mano de obra hábil para realizarlos. La introducción de nuevas herramientas y tecnologías que permitan facilitar la construcción de cuevas, y transmitir la información sobre su utilización a operarios y ocupantes es vital, también la actualización de sus estándares de calidad y acabado para que compitan en igualdad de condiciones con las viviendas construidas “tectónicamente”. Máquina. Injerto. La implantación de nueva actividad puede hacerse desde contenedores, elementos e instalaciones nuevos, ajenos a lo existente. Cada edificio debe pertenecer a su época, si bien el momento actual debe prever la posibilidad de su desmantelamiento o reutilización si es necesario. En determinados contextos, por ejemplo, en poblados excavados, puede ser necesario, incluso preferible, construir nuevos edificios sobre el suelo, actuales y distintos, que sirvan, activen o fertilicen con nuevos servicios o actividad, el sustrato existente. 37 Figura 17. Tres imágenes del interior del Hotel Sextantio Le Grotte Della Civitá, Matera. http://legrottedellacivita.sextantio.it/it/ Percepción. La identificación negativa que las viviendas trogloditas tienen entre sus habitantes, proviene de que tradicionalmente es una vivienda humilde, realizada y acabada con muy pocos medios. El usuario, aun reconociendo las ventajas que disfruta, asume que se trata de un tipo de vivienda inferior a cualquiera tectónicamente construida. cluidos en programas de vivienda social, que aumentaban el tamaño de las viviendas y las dotaban de servicios manteniendo a sus ocupantes. Se alteraba levemente el bien, pero se salvaba, con actuaciones de arquitectura, en muchos casos, muy valiosas. Dentro de lo posible, han de ser los moradores originales los que deben mantenerse en sus viviendas, debemos entender la percepción del habitante sobre su cueva, sea ésta positiva o negativa y plantear una valoración simétrica-objetiva por nuestra parte que obvie el habitual razonamiento externo que tantas veces tiende al pintoresquismo. Hoy día el extenso Sasso Caveoso sigue abandonado. Los mejores hoteles de Matera, ocupan la Civitá, el área central y más monumental, y el Sasso Barisano con un monocultivo absoluto ligado al turismo. De que se puede habitar hoy dignamente la ciudad antigua da fe un hecho: los alojamientos más costosos y cotizados son precisamente los que ocupan las antiguas cuevas. En Matera vaciar y abandonar el Sasso Caveoso fue un grave error, simétrico al de desplazar a los moradores a otra población distante y proporcionarles unas nuevas casas que nada tenían que ver con las cuevas en las que vivían, haciéndoles cambiar su hábitat y su forma de vida. En este caso fueron las malas condiciones higiénicas, y de hacinamiento del barrio, las que descalificaron a la arquitectura que lo integra. La forma del orden. Si ya planteamos que las herramientas urbanísticas que sirven para gobernar el crecimiento de la ciudad no son las idóneas para los pueblos o el contexto rural, cuánto más en el caso de los conjuntos trogloditas. Pensemos en que la urbanización troglodita es continua, no separa la construcción de la calle, de la plaza previa a la cueva, o de su interior. Es ya una construcción dispersa y de transición con el campo, libre o cultivado. En estos casos la ocupación ha de mantenerse, o fomentarse realizando actuaciones de rehabilitación que faciliten el acomodo de los habitantes, aunque éstas alteren necesariamente el edificio, por ejemplo, uniendo o comunicando cuevas, siempre con buen criterio. Para hacerlo, en primer lugar, debería existir un conocimiento profundo de lo existente, utilizando para su descripción y catalogación las últimas tecnologías. Más tarde, no se trataría de alterar los conjuntos a partir de un nuevo planteamiento estándar, creativo o pintoresco, sino de ampliar cada núcleo lógicamente a partir de las condiciones propias, de su material constructivo y su topografía. La desaparición de los Corrales de Vecinos en Sevilla (Morales Padrón, 1974), demolidos y sustituidos en muchos casos, se frenó en los años 80 y 90 del pasado siglo mediante su catalogación, protección y trabajos de rehabilitación, in- Probablemente es necesario sistematizar parcialmente la construcción, para facilitarla y promoverla, y puede que 38 esto le reste con ello parte de su espontaneidad, pero del mismo modo crece cualquier población hoy día, incluso en sus centros históricos protegidos, o en el entorno de sus elementos patrimoniales. BIBLIOGRAFÍA AA. VV. (1989). 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Hoje, o abandono da população e a degradação dos edifícios tornam urgente a definição de uma estratégia de valorização|reabilitação destes núcleos e de sensibilização da população para incutir a importância de salvaguardar o património vernacular. Esta investigação apresenta uma estratégia de reabilitação desenvolvida em dois conjuntos de aglomerados com o objetivo de valorização das suas caraterísticas endógenas. Através de um conjunto de ações, envolvendo a população, pretendemos promover a identidade dos núcleos, a qualidade de vida, a fixação da população e o turismo. Pretende-se que este seja apenas consequência da promoção dos elementos locais e da sua originalidade, envolvendo o Homem numa dialética intergeracional. ABSTRACT Cinfães has a great diversity of landscapes and identities, due to construction materials, customs|traditions, and a group of rural centres that have remained in oblivion. The patrimonial value of vernacular architecture has been neglected by local entities and owners, thus contributing to the region decharacterization. Today, the abandonment of the population and degradation of buildings makes urgent to define a strategy for the valorization|rehabilitation of such centres, as well to raise the awareness of the population to promote the importance of vernacular patrimony’s safeguard. This research presents a rehabilitation strategy developed around two sets of rural clusters with goal of valuing their endogenous features. Based on a set of actions, with population involvement, we intend to promote the local identity of each centre, quality of life, tourism and population’s establishment. Tourism is intended to be a consequence of local products’ promotion, fostering its originality, involving Man in an intergenerational dialectic. Palavras-chave Cinfães, Património vernacular, Rotas, Arquitetura rural, Planeamento estratégico. Keywords Cinfães, Vernacular Patrimony, Route, Rural architecture, Strategic planning. 1 O presente artigo tem como base a dissertação de Mestrado: CINFÃES: Dialética entre o passado e um futuro – Ao encontro dos aglomerados vernaculares. Tese de Mestrado em Arquitectura apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. 42 1. INTRODUÇÃO Entre a Serra de Montemuro e a margem Sul do Rio Douro encontra-se Cinfães, concelho composto por um conjunto de núcleos rurais que se mantiveram no esquecimento essencialmente devido à difícil acessibilidade e às características geográficas. Um aspeto positivo desse esquecimento é a preservação das formas da arquitetura local, registada já no Inquérito à Arquitetura Portuguesa (Associação dos Arquitectos Portugueses (coord.), 1988). Para além de ser muito extenso, o concelho é caraterizado por uma diversidade de paisagens, marcada pela variedade de materiais de construção (colmo, ardósia, granito e xisto) e pelos usos e costumes (do pastoreio da Serra de Montemuro às antigas trocas comerciais do Douro), marcas distintas e identitárias de cada aglomerado. Contudo, a falta de interesse das entidades e a pouca sensibilidade dos proprietários para o valor patrimonial e identitário destes núcleos, bem como o abandono da população com consequente degradação do edificado, têm contribuído para a descaraterização e perda da harmonia espacial entre o sistema Homem-Meio-Casa. Pelo exposto, o presente estudo apresenta um levantamento e análise da arquitetura vernacular destes conjuntos, propõe uma estratégia de valorização, sensibilizando, com a execução do estudo, a população local para a importância deste património. Além disso, pretendeu-se entender como se pode reabilitar e requalificar estes núcleos, que ainda apresentam construções de arquitetura vernacular, para darem resposta às necessidades atuais. E ainda, se o turismo poderia passar por uma das soluções para a permanência destes lugares. Devido ao elevado número de núcleos existentes no concelho de Cinfães, a estratégia passou por definir duas Rotas, criando dois conjuntos de aglomerados. Cada Rota era composto por núcleos com características semelhantes e com proximidade uns dos outros, que permitissem o levantamento dos seus aglomerados e a definição de uma estratégia de desenvolvimento. Os aglomerados a estudar definiram cada uma das rotas, a “Rota de Montemuro” e a “Rota do Granito ao Xisto”, constituindo os próprios objetos da investigação. As rotas pretenderam estabelecer ligações entre os núcleos rurais, ao mesmo tempo, que permitiam uma estratégia de desenvolvimento sustentável pelas potencialidades individuais de cada aglomerado, salvaguardando, contudo, a identidade de cada lugar. Assim, a “Rota de Montemuro” consistiu na ligação de quatro núcleos rurais típicos da arquitetura de montanha desta região, com marcada utilização do granito e do colmo. Esta escolha justificou-se pela simbologia que a Serra do Montemuro tem no concelho, assim como pela existência dos traços originais da arquitetura popular (Vasconcelos et al., 2000). Já a “Rota do Granito ao Xisto” pretendeu representar a diversidade geográfica e morfológica do concelho, pois materializou a alteração da utilização dos materiais construtivos para o xisto e a ardósia. Ao refletir como se poderia intervir nestes conjuntos, melhorando a qualidade de vida dos que lá vivem e possibilitando a fixação de outros, concluiu-se que seria necessário a promoção destes núcleos de forma a aumentar a visibilidade territorial e a autoestima contribuindo também para o reforço da identidade local e regional. A Rota almejou, assim, a criação de emprego e a promoção do turismo, bem como fomentar a fixação e rejuvenescimento da população local. Assim, e como a maioria dos núcleos em estudo são de reduzida dimensão, despovoados e com populações envelhecidas, torna-se urgente intervir, permitindo a conservação e a salvaguarda do seu património popular e identitário, mas fundamentalmente garantindo o desenvolvimento dos aglomerados, do concelho e da região. Espera-se que a estratégia seja para o futuro próximo e para isso tem que passar pela salvaguarda cultural, económica, ambiental e social e não apenas pela salvaguarda arquitetónica. Se tal acontecesse o futuro destes aglomerados rurais estaria apenas submisso ao turismo. Tal estratégia assenta, assim, na definição da Rota de modo a que a interligação entre diferentes aglomerados permita o desenvolvimento uniforme e sustentado. Mais do que as propostas apresentadas, pretende-se que este trabalho fomente a reflexão e quem sabe conduza as entidades locais a repensarem este território e a delinearem também uma estratégia de desenvolvimento 43 assente na valorização e salvaguarda do seu património e dos seus recursos endógenos. 2. MÉTODOS O estudo recorreu à pesquisa bibliográfica que coincidiu com a procura da delimitação do tema em estudo, desdobrando entre reabilitação rural, planeamento e as ações de cidadania. Abrangendo, no entanto, um suporte teórico, cruzando abordagens interdisciplinares desde a história, a geografia, as tradições e costumes, passando ainda pela etnografia, para compreender a arquitetura e o património local. A recolha e análise de diferentes textos e publicações tiveram o intuito de entender a evolução e a pertinência de alguns conceitos, nomeadamente, de património, de arquitetura popular e construção endógena. Neste sentido, destaca-se a publicação “Arquitectura Popular em Portugal” (Associação dos Arquitectos Portugueses (coord.), 1988), que teve um papel crucial, já que veio confirmar o valor da arquitetura popular do concelho de Cinfães (Figuras 1 e 2). Salienta-se, igualmente, as publicações da “Arquitectura Popular da Madeira” (Mestre, 2002) e da “Arquitectura Popular dos Açores” (Caldas, 2000) que para além de completarem o trabalho iniciado em 1950 a nível de Portugal continental, con- tribuem com uma perspetiva mais contemporânea do registo e propõem uma estratégia para a arquitetura endógena. Analisaram-se ainda diferentes convenções e cartas internacionais realizadas no âmbito deste tema e do Património (Lopes e Correia, 2004). Nota também para as várias obras de Ernesto de Veiga Oliveira e Fernando Galhano, dedicadas ao reconhecimento da arquitetura e das construções primitivas nacionais (Oliveira e Galhano, 1992; Pinto, 2000). Concluindo a recolha com uma pesquisa com foco no local, onde se sobressai, a publicação “Arquitectura Popular do Concelho de Cinfães” da autoria de Cristina Pinto (Pinto, 2000) e o artigo “A Arquitectura Popular e tradicional no Concelho de Cinfães” de Manuel Pinto Ferreira (Ferreira, 1996). Para os levantamentos recorreu-se a entrevistas não estruturadas à população local e entidades e associações do município. Este contato próximo à população permitiu um conhecimento direto a partir das pessoas, pois são os seus testemunhos os responsáveis pela reconstituição identitária e comunitária do local (Marques, 2015; Tomás, 2005). Esta etapa iniciou-se com a fase dos levantamentos in situ através de uma ficha-tipo de recolha de dados. Embora, o diálogo com os habitantes esteve sempre presente como elemento de proximidade e de sensibilização da população, ao longo do registo local. Figuras 1 e 2. Ilustrações do Inquérito à Arquitectura Portuguesa em Cinfães, imagens retiradas de http://www.oapix.org.pt/400000/1/index.htm, a 20/01/2016. 44 A última fase do trabalho teve como base a pesquisa realizada até então e correspondeu à elaboração de uma possível estratégia de desenvolvimento destes núcleos preservando a sua identidade. Recorreu-se ao estudo de alguns projetos/programas já experimentados noutros núcleos como os de Idanha-a-Velha (Câmara Municipal de Idanha-a-nova, 2016, 2015), nomeadamente os projetos “Recomeçar”, “Idanha Vive” e “Idanha Experimenta”, que permitiram justificar e exemplificar algumas opções tomadas. 3. RESULTADOS Esta área é delimitada a norte pelo Rio Douro e a sul pela Serra de Montemuro, tendo ainda as fronteiras naturais do Rio Cabrum e do Rio Paiva a este e a oeste, respetivamente (Figura 3). É por esta razão, que o concelho é marcado pela dicotomia entre a área serrana marcada pelo maciço da Serra de Montemuro e a área ribeirinha do vale do Douro. O mapa geológico de Cinfães revela que a maioria do concelho assenta sobre formações graníticas litofácies de tonalidade cinzenta. Contudo, a sul existem unidades metassedimentares do período Ordovícico, constituídas litologicamente por xistos grauvaques, quartzitos e corneanas (Câmara Municipal de Cinfães, 1994). O Sítio Cinfães é um concelho do distrito de Viseu, composto por catorze freguesias, pertencente à região Norte e sub-região do Tâmega perfazendo uma superfície de 241,5 Km2. No entanto, esta variação geológica é facilmente detetada pela observação das construções mais antigas maioritariamente construídas com materiais locais desde “tempos imemoriais na história da humanidade” (Vasconcelos et al., Figura 3. Localização e organização do concelho de Cinfães. Imagem adaptada pelo autor de https://www.cm-cinfaes.pt/index.php/municipio/cmc/freguesias/item/24-cinfaes, a 10/12/2016. 45 2000). Assim, podemos afirmar que: o granito predomina no concelho entre a Serra de Montemuro e o Rio Douro devido aos filões resultantes da evolução geológica e ação de agentes erosivos; e as rochas xistosas têm presença marcante no Vale de Nespereira devido à continuidade do filão geológico de Alvarenga, concelho de Arouca. Esta variação geológica auxiliou a definição dos núcleos a integrar cada rota. A análise das dinâmicas demográficas é igualmente preponderante para a compreensão de um determinado território e, por isso, fundamental para o processo de planeamento e ordenamento de uma região. Contudo, esta dinâmica e distribuição populacional são condicionadas por variadíssimos fatores, de entre eles, os de ordem natural e económica (Vasconcelos et al., 2000). A análise dos dados demográficos confirma que a população da área tem vindo a decrescer. O ano de 1950 apresenta o pico demográfico mais acentuado do concelho com 31984 habitantes. A partir dessa época constata-se um decréscimo até ao ano de 2011, com 20427 habitantes (site do Instituto Nacional de Estatística, consultado a 22/01/2017). Arquitetura Popular em Cinfães O concelho de Cinfães apresenta um vasto e diversificado património arquitetónico “[…] que tem sido esquecido e que, pela sua importância enquanto testemunho da cultura, civilização e identificação de um povo, será urgente falar e chamar a atenção, tanto das autoridades competentes em particular, como do cidadão comum em geral” (Ferreira, 1996). A dimensão e a localização geográficas do concelho favorecem uma grande diversidade de tipos de conceções, materiais, métodos e formas de construção (Ferreira, 1996). Esta caraterística permite diferenciar o concelho em três zonas Figura 4. Aglomerados de Cinfães com presença vernácula. Imagem adaptada pelo autor de https://www.cm-cinfaes.pt/index.php/municipio/cmc/freguesias/item, a 21/12/2016. 46 distintas, segundo a sua arquitetura, em: zona Montanhosa da Serra de Montemuro, região envolvente da freguesia de Nespereira e zona baixa do concelho (imediações do Rio Douro) (Ferreira, 1996; Pinto, 2000). Esta classificação permite também identificar três tipos de conjuntos tendo em conta as características do meio onde se inserem – os aglomerados de montanha, os aglomerados ribeirinhos e os aglomerados de meia encosta (Calheiros, 2006). Em toda a extensão do território de Cinfães é evidente a existência de um património diversificado e de interesse no campo da arquitetura popular (Figura 4), que inclui a habitação, mas também elementos ligados à agricultura, como eiras e espigueiros, à religião como capelas e igrejas, ou com menor dimensão as alminhas e ainda infraestruturas e equipamentos como calçadas antigas, pontes, levadas e águas ou os abrigos dos pastores. Considerando o levantamento de elementos de arquitetura popular foram criadas as Rotas. Estas são constituídas por um conjunto de aglomerados de caraterísticas semelhantes e próximos entre si, mas ao mesmo tempo com distintos materiais, usos e costumes, assim como particularidades decorrentes da localização, clima, vivência e formas de estar no espaço. Deste modo, procuramos apostar em duas Rotas que demonstrassem a variedade do património arquitetural local, assim como permitissem uma estratégia de desenvolvimento sustentado pelas potencialidades de cada aglomerado, salvaguardando, a identidade de cada lugar. Deste modo, a “Rota de Montemuro” consiste na ligação de quatro núcleos rurais típicos da arquitetura de montanha desta região, Alhões, Bustelo, Vale de Papas e Gralheira. A escolha desta rota justifica-se pela simbologia icónica que a Serra tem no concelho, assim como pela existência em grande parte dos traços originais da Arquitetura popular (Vasconcelos et al., 2000). A segunda rota – que chamamos “Rota do Granito ao Xisto”, pretende demonstrar a diversidade geográfica do concelho, que se traduz nos materiais construtivos utilizados nos edifícios e que caracterizam estas paisagens, o granito e o colmo, bem como o Xisto e a Ardósia. Além disso apostamos em aglomerados mais pequenos e com necessidades distintas dos da primeira Rota, procurando demonstrar o potencial que, independentemente das limitações, cada lugar possui. Rota de Montemuro Os núcleos da Rota do Montemuro definem-se por uma implantação de cota elevada, variando entre os 830 e os 1100 metros, sendo por essa razão, dos aglomerados mais altos do concelho de Cinfães. Este facto proporciona a presença de um clima bastante rigoroso no inverno, onde o vento forte e a queda de neve condicionam o quotidiano de quem lá vive, mas que cativa a visita de outros. Os núcleos caracterizam-se por uma arquitetura endógena inserida de forma harmoniosa no meio e ligada a uma paisagem montanhosa, abundante em planaltos e outeiros. A região de Montemuro caracteriza-se pela presença da pedra granítica. Este material é, por isso, a “face” da maioria das construções tipo destes núcleos (Figura 5). Nas construções mais antigas, a pedra surge de uma forma tosca, caracterizada por um alinhamento irregular e sem presença de um elemento ligante. A cobertura era, e ainda é num reduzido número de edifícios, feita em colmo, que tal como o granito é um material local. A utilização deste ma- Figura 5. Representação das casas tipo da Rota do Montemuro, recriada pelo autor (Vale de Papas e Gralheira, respetivamente). 47 terial está também associada à dificuldade de transporte da telha e à falta de meios financeiros. A maioria das paredes apresenta uma alvenaria dupla, com o interior ocupado por terra e pedras de pequenas dimensões para funcionar como isolante térmico. A alvenaria de pedra sendo de junta seca era preenchida com musgo. No entanto, hoje, a melhoria dos meios de circulação permite a chegada de novos materiais de construção. Este facto, contribui, não só, para o desuso do colmo, mas também para o aparecimento do tijolo, bloco e telha, já que a sua aplicação e mão-de-obra é mais barata. A agricultura e a criação de gado mantêm um papel crucial nestes locais, marcando, de forma ativa a organização e, sobretudo, a imagem dos aglomerados. Como exemplo temos a transição harmoniosa entre a aldeia e serra dada quer, pela proximidade das hortas e quintais às construções quer, pela unidade e diversidade de edificado de apoio às práticas agrícolas, como espigueiros, pequenas arrecadações de alfaias, abrigos de animais e eiras. O registo do estado de conservação do edificado permitiu concluir que, na maioria dos conjuntos, os edifícios de traça popular apresentam sinais de evidente deterioração, apesar da ainda utilização. Pelo observado e segundo alguns populares apercebemo-nos que, atualmente, este tipo de edifícios já não é muito utilizado para habitação. A emigração, ou simplesmente, a mudança para habitações com melhores condições de salubridade e conforto fez com que as antigas habitações começassem a ser utilizadas como celeiros e arrumos de alfaias agrícolas. No registo dos elementos descaraterizados notou-se que as zonas de maior “descaraterização” se concentram no perímetro externo dos aglomerados, concluindo tratar-se de uma zona de ocupação recente. Todas, ou quase todas, pouco enquadradas com a imagem do conjunto antigo local. Embora algumas destas construções revelem a vontade|tentativa de enquadramento, normalmente, tal não é executado e pensado da melhor forma, seja pela escolha do tipo de pedra, que muitas vezes não é da região, seja pelo seu aspeto artificial ou, simplesmente, pela má aplicação do material. Contudo considera-se que, com mínimas in- tervenções, é possível amenizar a consequência de algumas destas opções. Falamos essencialmente da utilização de cores demasiado fortes em edifícios, que a sua alteração permitia uma aproximação ao enquadramento pretendido. Nestes conjuntos rurais, o tipo de utilização do edificado distingue-se quase em exclusivo em habitações e anexos agrícolas (onde incluímos os currais, espigueiros, celeiros e arrecadações de alfaias), pontualmente por alguns edifícios associado a comércio e restauração (cafés, minimercados, restaurantes, artesanato e padarias) ou serviços, como escolas, Juntas de Freguesia, capelas, igrejas e cemitérios. Este registo permitiu entender a estrutura que compõe estes aglomerados rurais e a distribuição das várias funções no espaço. O estudo das vias de comunicação dos aglomerados, ao analisar a sua materialidade e estado de conservação, tornou-se fundamental para garantir a ligação entre as quatro aldeias e reduzir o seu isolamento. Em conversa com os habitantes apercebemo-nos que estas aldeias se encontram servidas não só por fracos acessos, mas também por uma escassa rede de transportes públicos. Por exemplo, na maioria destes núcleos e nas interrupções letivas, a frequência de um autocarro para a sede do concelho é de apenas duas vezes por mês. A realização destes estudos contribui, assim, para a definição paramétrica dos levantamentos dos diferentes conjuntos, facilitando assim a sua comparação e o seu planeamento. Rota do Granito ao Xisto A Rota do Granito ao Xisto surge com o intuito de demonstrar a variedade patrimonial vernacular existente no concelho de Cinfães. Com isto pretendemos que a segunda rota não demonstre apenas uma diferenciação material, com a introdução do xisto e da ardósia, ou simplesmente a escolha de uma tipologia de aglomerado distinta. Na realidade almejamos apresentar núcleos com tamanhos, exigências e necessida- 48 des distintos da primeira Rota, reforçando e demonstrando o enorme potencial da região e que todos os lugares são passíveis de valorizar. A presente Rota estende-se entre a Freguesia de Santiago de Piães e Nespereira, estabelecendo a ligação entre os núcleos de Cristelo, Vale de Cão e terminando no lugar de Souto de Paradela. Apesar de relativamente próximos, estes aglomerados apresentam um conjunto de características bastante distintas. A segunda Rota localiza-se nos limites entre os solos de granito e de xisto, visível pela simples observação dos edifícios construídos, cuja imagem depende da utilização do granito, do xisto e da ardósia, que vão assumindo diferente protagonismo nos três núcleos (Figura 6). Figura 6. Representação das casas tipo da Rota do Granito ao Xisto, recriada pelo autor (Souto de Paradela e Cristelo, respetivamente). Em Cristelo, na Freguesia de Santiago de Piães, as construções antigas são construídas com alvenaria de pedra granítica rústica, à imagem da Rota de Montemuro. As coberturas são uma conjugação de dois materiais, o beirado é de ardósia enquanto a restante cobertura é de telha2, método construtivo que permite um maior balanço ao beirado, garantindo um maior resguardo das fachadas às questões climatéricas. Por sua vez, o núcleo de Vale do Cão possui uma arquitetura de transição, onde o Xisto começa a ser utilizado. A sua utilização é variável mas, na maioria, é usado apenas como um elemento de enchimento, ao passo que na cobertura vai surgindo com maior frequência a ardósia. 2 Segundo informação do habitante mais antigo do núcleo, a utilização deste método construtivo está implementada no aglomerado há pelo menos meio século. Em Souto de Paradela as fachadas das construções mais antigas caraterizam-se pela presença quase exclusiva do xisto, sendo que o granito surge apenas nos elementos estruturais de maior esforço, tais como padieiras, ombreiras e cunhais. As coberturas são totalmente construídas em ardósia. Deste modo, as edificações dos aglomerados vão demonstrando as caraterísticas geológicas do solo, alternando entre o granito, o xisto e a ardósia. Para lá das diferenças materiais e construtivas que distinguem os conjuntos, existem algumas semelhanças espaciais, que contribuíram para a inserção destes núcleos na mesma Rota. Estes aglomerados caraterizam-se ainda hoje, e tal como já ocorria nos núcleos serranos da Rota de Montemuro, por uma relação de proximidade à agricultura, que marca a imagem e a composição dos conjuntos. Deste modo, os elementos construídos são envolvidos pelos campos de cultivo que permitem uma transição harmoniosa com a natureza. As próprias construções expressam esta convivência através da presença de espigueiros, eiras e celeiros (Figuras 7, 8, 9 e 10). Além disso, estes núcleos apresentam uma dimensão muito reduzida e assumem um carácter familiar, pelo número muito reduzido de habitantes. Por estas razões observou-se que não se justifica a existência de equipamentos, serviços ou comércio|restauração, uma vez que os há implantados em aglomerados próximos e que as vias dos aglomerados são também de reduzida dimensão e número. Tendo em consideração a localização e implantação no território, estes aglomerados evidenciam as características de núcleos de meia-encosta, ou seja, as suas construções organizam-se ao longo das vias de comunicação, apresentando, por isso, uma maior dispersão em relação aos restantes aglomerados analisados até aqui. Hoje, a agricultura e a criação de gado já não têm o papel de outros tempos, contudo ajudam no equilíbrio mensal dos orçamentos dos agregados familiares. Com poucos habitantes e sem rede pública de abastecimento de água nem saneamento básico, os aglomerados preservam o seu património arquitetónico praticamente inalterado, inserindo-se na paisagem envolvente, de um modo simples e harmonioso. 49 Figuras 7, 8, 9 e 10. Representação da harmonia entre o construído e a natureza. Fotografias do autor. Tal como para a primeira Rota, a realização destes estudos contribuiu para a caraterização individual de cada aglomerado, facilitando o trabalho de comparação e elaboração de uma estratégia para o conjunto. 4. REFLEXÃO O turismo tem sido visto como uma oportunidade de desenvolvimento dos territórios rurais, visando a melhoria da qualidade de vida das populações e valorizando os seus recursos endógenos (Agência para o desenvolvimento turístico das aldeias de xisto, 2000; Correia e Carvalho, 2010; Associação do Turismo de Aldeias, 2013; Fazenda, 2015). Por esta razão, nos últimos anos têm-se multiplicado a criação de programas de intervenção estratégicos nestes meios, onde a Aldeias Históricas de Portugal, a Aldeias de Portugal, a Rede das Aldeias de Xisto e a Rota do Românico, representam apenas alguns exemplos relevantes. A criação destas iniciativas surge também devido à exigência e à procura cada vez maior e mais especializada por parte dos turistas, procurando vivenciar a verdadeira essência dos espaços. Estes programas procuram, assim, impulsionar os potenciais de cada região, oferecendo experiências enriquecedoras e diferenciadas aos visitantes (Agência para o desenvolvimento turístico das aldeias de xisto, 2000; Correia e Carvalho, 2010; Associação do Turismo de Aldeia, 2013; Fazenda, 2015). No entanto como avançam Juliana Correia e Paulo Carvalho, na maioria das vezes a oferta turística local é limitada, em termos de alojamento, animação, gastronomia e atividades lúdicas. Esta limitação surge, por somente, se focalizarem na promoção turística da zona, esquecendo-se de desenvolverem equipamentos locais que a suportem, e sobressai a ideia que a maioria destas iniciativas privilegia mais o visitante do que a população local (Correia e Carvalho, 2010; Sousa, 2014a). Naturalmente defendemos uma inserção natural e adequada do turismo na tipologia dos aglomerados em estudo 50 com vista a garantir a preservação genuína e a harmonia do espaço. Reconhecemos, por isso, as vantagens deste processo na divulgação e na rentabilização destas aldeias, nomeadamente a nível financeiro, justificando muitas vezes e preservação das festividades e das feiras tradicionais. Deste modo, e no caso específico de Cinfães, o turismo tem de ser encarado como uma consequência natural, alicerçada na natureza e nos recursos endógenos locais, reforçando a competitividade da região, através de uma abordagem sustentada e planeada das Rotas propostas. A estratégia da inclusão das Rotas como impulsionador do planeamento estratégico entre os núcleos, segue a tese desenvolvida por J. Ferrão, “[…] uma aglomeração […] com uma posição estratégica no interior de uma rede dinâmica conseguirá, por certo, desenvolver actividades de nível bastante superior ao que seria de esperar numa óptica rigidamente hierarquizada” (Ferrão, 1995). Assim, a Rota é capaz de desenvolver relações socio-espaciais de forma a cultivar as tradições e ligação arquitetura-meio (Carvalho, 2011), além de procurar impulsionar as condições económicas locais, através da rentabilização dos seus recursos, assumindo contudo, consensualização das necessidades locais e da população (Sousa, 2014b). Neste sentido, embora se considere fundamental estender a política de valorização do património popular a todo o concelho, a definição das duas Rotas e o planeamento de uma estratégia de desenvolvimento para cada uma pretende facilitar a sua execução e aumentar a ambição das propostas. A presente reflexão surge, então, por considerarmos necessário e viável a preservação da identidade destes núcleos e a linguagem da arquitetura vernacular de Cinfães e por acreditarmos que esta pode adaptar-se facilmente às exigências da vida contemporânea. Independente do processo de adaptação, é essencial que esta arquitetura mantenha uma forte ligação às pessoas, às memórias e aos locais de origem, porque só com o equilíbrio entre o vernáculo e o contemporâneo é possível assegurar a preservação e a conservação deste valor patrimonial da região. Tal necessidade torna-se premente porque apesar do concelho apresentar aglomerados coesos (essencialmente rurais) de arquitetura popular, com integração harmoniosa na paisagem e com valor patrimonial invejável, não são muitas vezes re- conhecidos pelo cidadão comum. Enquanto as entidades responsáveis, reconhecendo-lhe valor ou não, pouco fazem para a sua divulgação e reconhecimento. Este facto dificulta as ações de conservação e valorização destes conjuntos. Para tentar inverter esta tendência propôs-se uma estratégia baseada em dois eixos, definidos, por sua vez, por linhas de atuação especificadas pelas respetivas propostas e medidas (Figura 11). O primeiro eixo, Valorização do património local, define um conjunto de três linhas de ação: a preservação da cultura e da arquitetura popular, a gestão urbana e qualidade de vida e a promoção|marketing dos produtos locais. A implementação deste primeiro eixo pretende garantir a viabilidade do segundo eixo, cujo objetivo é a atração de novos cinfanenses. Este segundo objetivo terá como apoio programas à fixação e subsídios ao empreendedorismo, inovação, promoção da agricultura e turismo. O segundo eixo – Atração de novos cinfanenses, apesar de ser um objetivo concreto, acaba por ser uma consequência do primeiro eixo. Isto porque a implantação de programas de apoio à fixação está dependente da dinamização, equipamentos e infraestruturas que surgirão com a estruturação do primeiro eixo. Todas estas linhas de ação e medidas visam propor a melhoria da qualidade de vida da população, o reforço dos valores da identidade local e a criação de uma base económica sustentada, sem nunca descurar o contexto social, cultural, económico e estético do aglomerado onde se inserem. Além disso, uma estratégia assente nestes valores permitiam tirar partido das dinâmicas de desenvolvimento não só a nível local, mas também a nível regional e nacional (Gonçalves, 2011). Contudo, reconhece-se que estas propostas exigem que haja um diálogo e uma aproximação prévia à população, como ocorreu com o Programa MEREC (Ramos et al., 2016), que contou com a realização de apresentações e reuniões públicas com os habitantes, explicando as propostas a realizar no conjunto. Sendo que, nestas sessões, a população poderia dar a sua opinião e sugestões permitindo, assim, uma participação e integração ativa na intervenção. 51 EIXO 1 Valorização do Património Local Preservação da Cultura e da Arquitetura Popular • Cursos de formação • Sensibilização nas escolas • Centros de Interpretação da cultura local • Incentivos financeiros à reabilitação Gestão Urbanística e Qualidade de Vida EIXO 2 Atração de Novos Cinfanenses Programas de Apoio à fixação • Fundos de edifícios Apoio ao empreendedorismo e à inovação • Renovação e atração de jovens para a agricultura • Desportos radicais • Turismo de natureza • Criação de Rotas e Redes • Criação de um Gabinete Técnico • Planos de Pormenor • Guias de Correção Promoção | Marketing dos Produtos Locais • Incentivo ao Alojamento Local • Criação de eventos, feiras e festivais Figura 11. Quadro síntese da Estratégia proposta elaborado pelo autor. A interação com a população pretende também ajudar à conversão da imagem associada à pobreza que a arquitetura popular tem, muitas vezes, para a população. Embora, as paredes remetam para as dificuldades que marcaram uma vida, esta reabilitação pretende incentivar o habitar no mundo rural com dignidade e com hipóteses de sucesso, aliada a um ambiente puro e em harmonia com a natureza. O que permitirá gerar novas possibilidades e o ressurgimento e reinvenção de costumes, tradições e conhecimentos que estão em vias de extinção. Por outro lado, é necessário ter em mente que qualquer intervenção e manutenção destes núcleos acarreta significativos encargos que, tendo em conta as condições económicas da população, se tor- nam em muitos casos incomportáveis. É por estas circunstâncias que reforçamos a importância dos fundos de auxílio à reabilitação, por parte das entidades responsáveis, que permitam solucionar as dificuldades dos particulares que não possuem meios para as intervenções. Em suma, consideramos que a valorização e revitalização das aldeias rurais do concelho de Cinfães, que ainda hoje apresentam traços de arquitetura vernacular, é possível a partir de um conjunto de medidas e estratégias das quais destacamos: a adaptação das suas habitações às condições de salubridade e segurança, exigidas na contemporaneidade, e a minimização dos elementos que, por as mais va- 52 riadas razões, descaracterizam o conjunto e levam à perda da identidade rural. Todavia, temos consciência que a falta de habitantes, meios e o elevado número de edifícios e núcleos torna muito difícil a reabilitação de todas as aldeias. No entanto, acreditamos que a concretização de algumas das medidas propostas incutirá uma alteração de mentalidade por parte dos proprietários, das entidades responsáveis e da sociedade em geral, capaz de fomentar a conservação e a dinamização deste património. Tal fica patente nos objetivos delineados para o estudo, embora os planos para cada uma das rotas apresentem objetivos específicos distintos, foram objetivos gerais a melhoria da qualidade de vida da comunidade e a divulgação das qualidades e virtudes da região. É importante referir que as propostas apresentadas resultaram da nossa análise do território e dos núcleos em particular, podendo ocorrer outras medidas igualmente relevantes para a regeneração da área. Além disso, algumas das propostas são aplicáveis não só aos núcleos das Rotas propostas, como a todos os outros conjuntos arquitetónicos de cariz popular do concelho e que, mesmo não tendo uma referência especial nesta investigação, são igualmente caracterizadores da paisagem e da imagem desta região. Por outro lado, reconhecemos que seria crucial associar ao estudo saberes essenciais ao desenvolvimento de uma estratégia deste género, como a sociologia, a economia, a engenharia, o direito, as ciências humanas e outras. Assim “[…] o espaço rural passou de espaço de onde se vem para espaço para onde se vai, de espaço de repulsão para espaço de atração, […]” (Barros, 1993). Esperamos que com as intervenções propostas e muitas outras, esta ideia se aplique num curto espaço de tempo aos aglomerados rurais endógenos do Concelho de Cinfães, esperando que estas sugestões impulsionem as aldeias do município para a sua renovação, valorização da sua beleza arquitetónica e melhoramento dos serviços às populações (CCRC, 1999). 5. NOTAS CONCLUSIVAS Se as caraterísticas e as adversidades levaram Cinfães a preservar, até aos dias de hoje, o seu vasto património vernáculo, é igualmente verdade que o avanço tecnológico e a melhoria das acessibilidades conduziram à descoberta e à ameaça destes elementos. E por isso, é necessário e urgente pensar como estimular o desenvolvimento dos conjuntos. Para tal, será necessário a construção de cenários de intervenção integrando a população e as entidades competentes, nomeadamente a Câmara Municipal, Juntas de Freguesias e Associações locais. Isto porque, no nosso entender, o sucesso na valorização do património endógeno de Cinfães só será possível se o Estado em articulação com as referidas entidades assumirem as suas responsabilidades, em cooperação com a comunidade. Ao articular os diferentes objetivos e interesses, alcançam uma definição comum de um conjunto de estratégias estruturadas, dinamizadoras e planeadas na salvaguarda das caraterísticas endógenas e das identidades locais, no realce e promoção da região. Estes aglomerados, quer pela sua arquitetura endógena, relações harmoniosas com o meio e o espírito comunitário, fortalecem os laços populares, tornando-os em lugares genuínos e de interesse social e cultural e onde a paisagem e a autenticidade das “suas gentes” dão pertinência à valorização deste património. São estes fatores diferenciadores e valorizadores do território, aliados a uma boa gestão destas caraterísticas únicas, que contribuem para o sucesso no desenvolvimento sustentado local. Deste modo, o presente estudo pretendeu levantar o património endógeno existente no concelho de Cinfães com o objetivo de refletir sobre a forma de intervir e criar bases para a valorização e adaptação deste património às exigências contemporâneas. Porque muito embora se tenha partido do caso concreto do Município de Cinfães, reconhece-se que esta é uma realidade de grande parte do interior norte do país. Tornou-se, desta forma, clara a necessidade de uma gestão do património como fator de desenvolvimento em detrimento de uma simples lógica de conservação. Por outro lado, a decisão de salvaguarda torna-se dependente da consciencialização dos proprietários, uma vez que as entidades responsáveis pouco, ou nada, fazem para a preservação e valorização do património rural de Cinfães. No entanto, é importante reforçar que estas propostas são apenas algumas diretrizes possíveis para a dinamização e preser- 53 vação deste património. Reconhecendo que num contexto real, a elaboração de uma estratégia semelhante necessitaria de apoio profissional e técnico noutros campos disciplinares, como a engenharia, sociologia e economia, além de estudos de caraterização mais profundos. A criação das Rotas surgiu, deste modo, como elemento promotor da conservação e valorização destes conjuntos. Ao estabelecer relações entre as várias unidades demonstrou-se a diversidade espacial, material, cultural e histórica que define cada um dos núcleos. Todos estes fatores estimulam o conhecimento e a descoberta da região, oferecendo ao visitante uma experiência ampla e completa ao recuperar as memórias dos lugares, as vivências de modo comunitário que ainda hoje rege os sítios e ativando práticas que, hoje, correm riscos de extinção, e que, todavia, tiveram um papel preponderante na vida destas populações. Embora o turismo tenha surgido como um importante instrumento para a salvaguarda do valor cultural de Cinfães está fortemente dependente de apoios públicos de subsidiação e promoção. Estes são cruciais à criação de zonas turísticas viáveis e rentáveis, mas levam a que, na maioria das vezes, o planeamento tenha o turismo como principal (ou único) foco e, que por essa razão, esteja na base das ações executadas em vez das necessidades da população local. Por isso podemos apenas assumir que o processo de sensibilização desenvolvido durante o trabalho de campo foi positivo, uma vez que conseguimos levar a população, as associações locais e as entidades administrativas a terem consciência do valor cultural e patrimonial que o concelho possui. Assim, esperamos que num curto espaço de tempo estes indicadores positivos apresentem resultados concretos nos aglomerados vernaculares do município. Por fim, não poderíamos deixar de abordar a questão do futuro incerto deste valor patrimonial endógeno que compõe o Município de Cinfães e que hoje se encontra mais perto do abandono que da valorização. Tentou-se com este trabalho apresentar o potencial que estes pequenos aglomerados e aldeias têm para a valorização e dinamização desta região. É, desta forma, que desejamos que este trabalho resultante de prospeções e identificações de mais de 1800 construções, 1700 elementos fotográficos e 650 quilómetros percorridos, alicie e auxilie a continuação e o aparecimento de novas investigações neste âmbito e culmine na valorização do património como elemento estruturador de uma nova geração de estratégias e políticas de desenvolvimento quer a nível local como nacional. BIBLIOGRAFIA Agência para o desenvolvimento turístico das aldeias de xisto. (2000). A Rede das Aldeias de Xisto. Disponível em https://aldeiasdoxisto.pt/content/rede (acedido em 14/08/2017). Associação do Turismo de Aldeias (2013). Território de Intervenção. Disponível em http://www.aldeiasportugal. pt/sobre_nos/ (acedido em 17/05/2017). Associação dos Arquitectos Portugueses (Coord.) (1988). Arquitectura popular em Portugal, 3a edição. Lisboa, Associação dos Arquitectos Portugueses. Barros, A. (1993). A Sociologia e as Perspectivas de Desenvolvimento. 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Cinfães, Nova Lello.. 55 56 A Obra Nasce dezembro 2018, 13, pp. 57-69 57 Ambiente e Saúde: uma leitura comparada a partir das estatísticas dos meios rurais e urbanos Environment and Health: a comparative reading from rural and urban environment statistics Rui Leandro Maia Professor Associado da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Fernando Pessoa FP - ENAS, Universidade Fernando Pessoa CITCEM, Faculdade de Letras, Universidade do Porto rlmaia@ufp.edu.pt Diogo Guedes Vidal Investigador na FP - ENAS, Universidade Fernando Pessoa diogovidal@ufp.edu.pt Gisela Marta Oliveira Investigadora na FP - ENAS, Universidade Fernando Pessoa gisela@ufp.edu.pt 58 RESUMO Este estudo centra-se nas diferenças entre Portugal continental, analisando dados estatísticos oficiais sobre as principais causas de morte do país e importantes emissões de poluentes para a atmosfera. A análise estatística dos dados é realizada à escala municipal, mas também tendo em consideração a densidade populacional nesses territórios, classificando-os como urbanos, semi-urbanos e rurais. Portugal é um país predominantemente rural, mas o impacto das atividades industriais na emissão espacial de poluentes é notório em todas as tipologias territoriais. As emissões de poluentes por área do município demonstram diferenças significativas nos territórios urbanos quando comparados com as zonas rurais, o que é atribuído ao intenso tráfego rodoviário no primeiro. Paralelamente, a análise da ocorrência das principais causas de morte também é significativamente diferente entre territórios urbanos e rurais, sugerindo a associação de poluentes com maiores emissões espaciais a um maior risco de morte. Palavras-chave Municípios, População, Ambiente, Saúde, Estilos de vida. ABSTRACT This study focus on the differences across mainland Portugal analysing official statistical data concerning the main death causes in Portugal and important pollutant emissions to the atmosphere. This data statistical analysis is performed at the municipal scale but takes into account the population density as well territory classification as urban, semi-urban and rural. Portugal is predominantly of rural typology but the impact of industrial activities on the spatial emission of pollutants is notorious across the country. Significant differences in pollutants emissions were found in urban territories when compared with rural zones, a fact that is attributed to intensive road traffic in the former. In parallel, the study of main death causes in Portugal shows that between predominantly urban and rural territories exists a significantly difference, suggesting an association between pollutants with higher spatial emissions to a higher risk of death by specific causes. Keywords Municipalities, Population, Environment, Health, Lifestyles. INTRODUÇÃO A reflexão em torno da forma como as sociedades produzem e consomem tem vindo a ganhar importância nas agendas nacionais e internacionais. A salvaguarda de um meio ambiente com qualidade e sustentável, mediante a adoção de políticas públicas adequadas, assume hoje um papel prioritário à escala local e global. Ainda que transversais, os desafios ambientais do presente encontram nos espaços urbanos a sua maior expressão, fruto do modo de vida, de produção e de consumo preconizado pelas sociedades contemporâneas (Vidal, 2018). A população a residir nas cidades deverá passar dos cerca de 53,9 % atuais para cerca de 68,4 % em 2050 (UN, 2018), colocando novos desafios na gestão dos territórios, causa do aumento da pressão populacional. Os 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 (SDG) estipulam metas muito claras às quais as nações envolvidas deverão corresponder, muito voltadas para uma necessidade urgente em encontrar novas formas de utilização dos recursos naturais, de produção e de encarar o consumo que não coloquem em perigo o equilíbrio natural dos ecossistemas. Relacionado com esta necessidade o Objetivo 11 dos SDG estipula que até 2030 as cidades e os povoamentos humanos deverão tornar-se espaços inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis (United Nations – Sustainable Development Knowledge Plataform, 2015). Para isto é necessária uma reorganização da sociedade ao nível do tecido industrial, das práticas diárias de consumo de energia e água, de mobilidade e de estilos de vida. A rápida urbanização em verticalidade, característica das cidades contemporâneas, coloca um desafio à qualidade do ar e à concentração em elevada escala de poluentes atmosféri- 59 cos. São várias as frentes de batalha, com a necessidade de se assumir uma abordagem multidisciplinar capaz de diagnosticar e de avaliar quais os eixos prioritários que, em cada local, urgem em ser trabalhados. A educação para o ambiente assume-se como a principal ferramenta de mobilização e consciencialização das populações, fomentando o contacto com a natureza e sensibilizando para uma mudança de paradigma (Schmidt e Guerra, 2013). É nas cidades que são registados os mais elevados índices de poluição do ar. Ainda que a indústria seja responsável por grande parte das emissões, a verdade é que as mesmas não se localizam, de forma geral, nos centros da cidade, mas sim em locais periféricos. Nos centros urbanos, o tráfego intenso é o principal responsável, acompanhando a tendência europeia (Anenberg et al., 2017). Este artigo discute e reflete sobre o atual estado de degradação da qualidade do ar nos centros urbanos, procurando estabelecer um olhar comparativo com os meios mais rurais através das estatísticas disponíveis e que nos possibilitam uma análise sobre a vulnerabilidade das populações relacionada com os riscos ao nível da saúde. DA EVIDÊNCIA À CONSCIÊNCIA: ATITUDES E VALORES FACE AO AMBIENTE Durante o século XIX e a maior parte do século XX, as emissões de gases da combustão de biomassa e de combustíveis fósseis para a atmosfera não eram reguladas. A história demonstra vários eventos severos de poluição nas cidades, como o smog em Londres (Bates, 2002), sendo o carvão o principal combustível sólido utilizado, fruto da expansão industrial e da máquina a vapor. A queima de combustíveis sólidos (carvão e biomassa) ou fósseis líquidos (principalmente gasóleo) produz material particulado, óxidos de azoto e enxofre e outros poluentes como compostos orgânicos voláteis e metais pesados em quantidades que dependem dos tratamentos de gases após a combustão. O acesso fácil a energia abundante e barata, principalmente de origem fóssil, tem sido a força motriz do desenvolvimento tecnológico que proporciona melhores condições de vida, melhoria da saúde e aumento da esperança média de vida (Oliveira e Archer, 2015). No século XX, a explosão de- mográfica estimula a extensibilidade dos limites da sustentabilidade (Maia, 2014). Na década de 1970, emergem os movimentos ambientalistas em defesa do ambiente, ganhando expressão uma consciência ambiental (Dunlap et al., 2000; Catton et al., 1978). Catton e Dunlap (1978) reconheceram a interação entre o ambiente físico, a organização social e o comportamento humano, ligação que esteve na base da definição do NEP - Novo Paradigma Ecológico -, que reconhece a dependência dos ecossistemas das sociedades humanas. Foram as primeiras vozes no campo sociológico a referir um ecocentrismo para denotar um sistema de valores centrado na natureza, em oposição a um centrado no homem (antropocêntrico). Com o acumular de evidências científicas e, sobretudo, com a tomada de consciência da degradação ambiental por causas antropogénicas os focos principais da discussão voltaram-se para os problemas relacionados com a poluição do ar e da água e da gestão de recursos, especificamente da energia. O marco histórico que coloca a tónica na regulação ambiental ocorre em 1987 com a elaboração do Relatório Brundtland, em que ficou eternizado o conceito de desenvolvimento sustentável como “… o desenvolvimento que satisfaz as necessidades da geração presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades.” (WCED, 1987, p.56). Este conceito reflete a essência de uma consciência ambiental que perdura até aos nossos dias e que despoleta o sentimento de um compromisso intergeracional. Na verdade, o desenvolvimento sustentável é um conceito multidimensional que coloca a ênfase na inteligência humana enquanto responsável pelo relacionamento do ser humano com o meio ambiente de uma forma de valorização e preservação, oposta a uma lógica de dominação (Oliveira e Archer, 2015). O que também não deve ser descurado é o papel que a educação detém a este nível, sobretudo na sensibilização para uma tomada de consciência ambiental. A educação para o ambiente só conheceu a sua expressão em 2017 com a ENEA 2020 – Estratégia Nacional de Educação Ambiental. Um dos fatores mais importantes para promover a consciência ambiental é desenvolver programas de educação para a saúde ambiental e humana. Não é desconhecida a relação existente entre o estado do ambiente e o nível de consumo 60 da sociedade pois existe uma carência de dimensão cívica e participativa. Se nos anos 70 e 80 o associativismo e a participação ativa na luta pelos direitos ambientais pelas camadas mais jovens era uma constante, atualmente este tipo de intervenção cívica tem vindo a perder expressão entre os mais jovens (Quadro 1). Quadro 1. Pessoal ao serviço (nº) das Organizações não Governamentais de Ambiente por grupo etário, em Portugal, entre 2007 e 2016. Grupo etário Ano Menos de 26 anos 26 - 50 anos 51 e mais anos 2016 236 1066 450 2015 278 1155 442 2014 268 1276 462 2013 285 1341 388 2012 178 1398 384 2011 164 1357 375 2010 191 1398 342 2009 201 1335 340 2008 184 1185 331 2007 138 1109 217 Fonte: INE, Inquérito às organizações não governamentais de ambiente É notória a discrepância entre os grupos etários mais velhos (26-50 anos e 51 e mais anos) e o mais jovem (menos de 26 anos). Os jovens, talvez descrentes do poder público e político, tendem a afastar-se da esfera pública, refugiando-se no foro privado e na sua dimensão individual, criando um mundo no qual o espaço público é digital. É interessante constatar que, apesar deste afastamento, os trabalhos já realizados evidenciam que são os jovens, quando comparados com os grupos etários mais velhos, os que demonstram uma atitude de maior preocupação face às questões ambientais (Schmidt et al., 2016). Estes dados colocam em evidência a necessidade de um trabalho contínuo e multidisciplinar à escala local que procure envolver todos os cidadãos para que todos se familiarizem com a temática do ambiente. ENERGIA, AMBIENTE E SAÚDE: TENSÕES E DESAFIOS NAS CIDADES A expansão do acesso à energia representa um passo gigante na promoção de uma sociedade mais justa e inclusiva. Representa um indicador claro de desenvolvimento que se encontra diretamente relacionado com as pessoas, os seus hábitos, a forma como vivem e os seus rendimentos. O consumo de energia está relacionado também com o conforto pessoal, que é, sem dúvida, uma contribuição para as condições de bem-estar. No entanto, o consumo geral e de energia implicam, inevitavelmente, a geração de resíduos e, por isso, de poluição o que, tradicionalmente se traduz na degradação da qualidade do ambiente. O setor de energia representa a principal fonte de poluição do ar, mais concretamente a produção de energia utilizada em edifícios, indústria e transporte (Watts et al., 2016). A expansão da produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis ainda se encontra numa fase de crescimento, reduzindo a dependência dos combustíveis fósseis. No entanto, mesmo em países com grande expressão de fontes de energia renováveis, como Portugal, que conta com cerca de 55% por cento da produção de eletricidade a partir de fontes renováveis, os combustíveis fósseis ainda permanecem como uma importante fonte de energia primária, especialmente para processos industriais de combustão e transporte (Crippa, et al., 2016). As atividades humanas (antropogénicas) são as principais responsáveis pela exploração dos limites ambientais, causando impactos na biodiversidade, no solo, na qualidade do ar e das águas, resultando por vezes, em processos de degradação irreversíveis (Watts et al., 2016). Atualmente, um dos maiores desafios das cidades é encontrar o equilíbrio entre a disponibilidade de recursos e a forma como eles são usados para satisfazer as necessidades humanas. É da maior importância capacitar o comportamento humano para se adaptar às consequências das alterações climáticas, a fim de promover cidades mais sustentáveis (Environment European Agency, 2016; European Commission, 2015), pressupondo que seja possível “viver bem, dentro dos limites do nosso planeta” (European Parliament & Council, 2013). As soluções sustentáveis para melhorar a qualidade do ar exigem uma ação cooperativa entre as autoridades locais, 61 os governos centrais, as partes industriais interessadas, económicas e académicas e, é claro, as populações-alvo. Essas soluções podem exigir recursos tecnológicos, mas, mais importante, exigem mudanças estruturais comportamentais e governamentais que combinem o compromisso inclusivo. As bases para essas soluções, com perspetivas abrangentes e holísticas, dependem da consciencialização, do envolvimento e do debate aberto dos cidadãos, ambos apoiados em educação adequada e em informações rigorosas. O poder da mudança de pensamento e de atitudes não reside apenas na liderança capaz e na governação sensata, mas, em cada um dos cidadãos, dotados da sua capacidade de decisão informada (Oliveira e Archer, 2015). A poluição do ar, enquanto um dos principais resultados da forma como se produz e se consome energia, continua a ser um desafio para as cidades na medida em que, mesmo num ambiente de ar poluído, ninguém sobrevive sem respirar. Perante esta evidência, as preocupações com a saúde pública tornam-se evidentes pelo facto de que o crescimento económico e o aumento da urbanização representarem um novo risco para o agravamento da incidência de determinadas doenças devido à exposição de um grande número de pessoas à poluição do ar atmosférico (Kötter e Friesecke, 2011). O grande desafio reside no facto de não ser possível controlar a circulação do ar atmosférico, não existindo barreiras aéreas, assumindo-se como a única possibilidade de diminuição da poluição atmosférica a redução das emissões de poluentes. Nos centros urbanos, este é um desafio ainda mais complexo, resultante das características específicas do planeamento urbano que afetam e podem restringir a circulação do ar, como seja a existência de edifícios (ou mesmo árvores) altos ou/e ruas estreitas (Fontes, Barros e Manso, 2016; Watts et al., 2016). O impacto da energia no ambiente tem, como consequência, um impacto direto na saúde. Especificamente, a má qualidade do ar afeta fortemente a saúde humana, especialmente os grupos mais vulneráveis, como as crianças (Miller et al., 2016; Bertin et al., 2015), os idosos e outros grupos imunodeprimidos. Vários anos de estudos epidemiológicos forneceram evidências de que a exposição aos poluentes atmosféricos, principalmente ao material particulado (PM10 e PM2.5), óxidos de azoto (NOX), ozono (O3), óxidos de enxofre (SOX), compostos orgânicos voláteis (VOC) e metais “pesados”, está diretamente relacionada com doenças respiratórias e circulatórias, certos tipos de cancros e distúrbios metabólicos, como a diabetes (Costa et al. 2014; Hystad, et al., 2012). Em consequência, dependendo das condições individuais de imunidade, os efeitos adversos na saúde decorrentes da exposição à poluição do ar podem resultar em efeitos a curto prazo, como sintomas agudos ou doença súbita, ou a longo prazo, como doenças crónicas (Prüss-Ustün et al., 2016; WHO, 2016; Henschel e Chan 2013). As evidências epidemiológicas que ligam a poluição do ar à mortalidade por doenças respiratórias, cardiovasculares e cancerígenas são robustas e amplamente discutidas (Lelieveld et al., 2015; Dockery, 2001). Em 2012, a OMS estimou que 23% de todas as mortes no mundo são causadas por fatores ambientais modificáveis, influenciados pelas mudanças climáticas (Watts et al., 2016). Na Europa, as partículas são responsáveis por 10 por cento das mortes prematuras (Anenberg, et al., 2017; Raaschou-Nielsen, et al., 2016; Greenbaum, 2013). Uma importante contribuição para as emissões de PM2.5, na Europa, e que tem um enorme impacto na mortalidade, é proveniente do tráfego, da geração de energia e da agricultura (Lelieveld et al., 2015; Fann e Risley, 2013). O Gráfico 1 mostra a evolução, em Portugal Continental, das emissões de NOx, PM10 e PM2,5 entre os anos 2003 e 2015: Os esforços que têm sido feitos através de políticas públicas e de diretivas restritas quanto à redução da quantidade de emissões legais permitiram que se conseguissem baixar drasticamente os valores, conforme o Gráfico 1 nos mostra, sendo notório em relação ao NOx. Em Portugal, a qualidade do ar não é afetada da mesma forma em todos os territórios. A intensidade das emissões antropogénicas pode variar de acordo com as principais atividades das regiões, como a existência de grandes centros industriais e o tráfego intensivo. As principais causas de morte em Portugal são as doenças do aparelho circulatório e tumores malignos, especificamente cancro do pulmão, que representa 3,7% das mortes no mundo em 2015 (INE, 2017). Há uma necessidade urgente de continuar a desenvolver trabalho para produzir conhecimento cada vez mais proficiente e eficiente na mitigação de problemas, para que as autoridades locais possam en- 62 tender e responder a esses riscos. É imperativo resolver o conflito entre o desenvolvimento económico e a preservação da saúde humana. Figura 1. Tipologia de território em Portugal Continental, por município, segundo critérios do INE Gráfico 1. Evolução temporal das emissões de NOx, PM10 e PM2,5 (ton/km2) no período 2003 – 2015 em Portugal Continental. Fonte: APA PERCURSO METODOLÓGICO O presente estudo observacional descritivo de natureza transversal baseia-se em dados estatísticos do ano 2015 relativos aos municípios do continente português (N=278). Os dados foram recolhidos das bases de dados INE – Instituto Nacional de Estatística, PORDATA e APA – Agência Portuguesa do Ambiente. As variáveis em estudo são de natureza qualitativa e quantitativa. A variável qualitativa materializa-se na tipologia de território (ver Figura 1) que, segundo definição do INE1, se divide em Predominantemente Urbano (N = 36), Semiurbano (N = 76) e Predominantemente Rural (N = 169). 1 Segundo a tipologia do INE, os territórios predominantemente urbanos devem ter uma densidade populacional superior a 500 hab/km2, os territórios semiurbanos devem ter uma densidade populacional compreendida entre 100 a 500 hab/km2 e, finalmente, os territórios predominantemente rurais uma densidade populacional não superior a 100 hab/km2. Fonte: Dados INE, elaborados a partir do ArcMap. 63 As variáveis quantitativas referem-se às emissões de PM10, PM2,5 e de NOx (expressas em unidades ton/km2) e aos óbitos por doenças do aparelho respiratório, doenças isquémicas do coração, doenças cardiovasculares e tumores neoplasma malignos (expressas em número de indivíduos). A construção dos mapas foi realizada através da utilização do ArcMap 10.5. A análise estatística dos dados foi efetuada com recurso ao software IBM® SPSS® Statistics vs.25.0 e, em todas as análises, foi usado um nível de confiança de 95 por cento (α = 0,05). Após verificada a ausência de normalidade da distribuição (através do teste Kolmogorov-Simirnov), optou-se por utilizar os testes paramétricos pois, em cada grupo, o número de casos é superior a 30. A comparação dos valores de emissões de poluentes e dos óbitos por tipologia de território foi efetuada recorrendo à ANOVA unidirecional de comparações múltiplas com o teste Tukey (à posteriori). A correlação entre os óbitos por causa de morte e as emissões de poluentes atmosféricos por tipologia de território foi realizada pelo coeficiente de correlação de Spearman (rs) dado que este teste não pressupõe a existência de linearidade na distribuição. com os territórios mais rurais, por sinal com uma média de 1,71 ton/km2. Perante estes resultados, a diferença de médias entre urbano e rural, é estatisticamente significativa (≠ μ = 12,99; p = 0,000). Estes resultados vão de encontro ao principal problema dos espaços urbanos, e das cidades em geral, relacionado com o aumento da intensidade de tráfego e da combustão dos veículos a gasóleo, a principal fonte emissora de NOx e responsável pelo aumento de patologias do foro respiratório ao nível da morbilidade e mortalidade na Europa e no mundo (Anenberg, et al., 2017). Ainda que com valores inferiores, as restantes emissões apresentam igualmente diferenças de médias estatisticamente significativas entre territórios urbanos e rurais, nomeadamente PM10 (≠ μ = 4,82; p = 0,000) e PM2,5 (≠ μ = 4,27; p = 0,000). Quadro 2. Comparação das médias dos poluentes entre as tipologias de território para o ano 2015. Poluente Tip. PU NOX SU μ Os resultados alcançados revelam que existem diferenças significativas, pelo teste da ANOVA, entre as tipologias de território para os poluentes NOx (F = 16,16; p = 0,000), PM2,5 (F = 35,82; p = 0,000) e PM10 (F = 36; p = 0,000). O Quadro 2 apresenta as diferenças de médias dos poluentes entre as tipologias de território. PU PM2,5 SU PU PM10 SU 8,43* PR * SU PR 13,0 * σ p 2,59 0,004 2,37 0,000 PU -8,43 2,59 0,004 PR * 4,56 1,72 0,023 PU -13,0* 2,37 0,000 SU * -4,56 1,72 0,023 SU * 0,57 0,000 * 6,27 1,71 4,55 2,76 PR 4,27 0,52 0,000 PU -2,76* 0,57 0,000 1,79 PR PR Verifica-se nos poluentes estudados que a diferença de média (≠ μ) aumenta de forma significativa quando se compara um território predominantemente urbano com um território predominantemente rural. Esta primeira observação permite afirmar, em matéria de lógicas e dinâmicas sociais, que apesar da dicotomia urbano-rural se encontrar num processo de esbatimento como muitos autores referem, a verdade é que isso não acontece em matéria das atividades industriais que estão na base das emissões de poluentes atmosféricos. A emissão de óxidos de azoto (NOx), por exemplo, ganha expressividade em contexto urbano, apresentando uma média de 14,7 ton/km2 contrastando ≠μ 14,7 RESULTADOS E DISCUSSÃO PR Tip. 1,51 * * 0,38 0,000 PU -4,27 0,52 0,000 SU * -1,51 0,38 0,000 SU 2,96* 0,65 0,000 PR 4,82* 0,60 0,000 0,29 5,21 * PU -2,96 0,65 0,000 PR * 0,43 0,000 PU -4,82* 0,60 0,000 SU -1,86* 0,000 2,25 0,38 1,86 0,43 Tip.: Tipologia; PU: Predominantemente urbano; SU: Semiurbano; PR: Predominantemente rural. * A diferença de média é significativa ao nível 0,05. Fonte: elaborado através do SPSS com dados da APA e do INE. 64 Nas Figuras 2 e 3 encontram-se mapeadas as emissões de NOx, PM10 e PM2,5, por município, em 2015. Uma leitura atenta do mapa identifica dois tipos de fontes emissoras presentes no território português: combustão/transportes e indústria. Apoiados numa caracterização exaustiva das fontes emissoras por Oliveira (2016), torna-se possível identificar: duas grandes áreas metropolitanas do Porto e Lisboa, marcadas pelo intenso tráfego de transporte de mercadorias e movimentos pendulares constantes (o automóvel ainda continua a ser o principal meio de deslocação pendular); os municípios de Setúbal, Figueira da Foz e Aveiro onde se localizam indústrias ligadas à produção de pasta de papel; e Sines, localizado na costa alentejana, surge assinalado negativamente devido à localização da Central termoelétrica a carvão. Figura 2. Emissões espaciais de PM10 e PM2,5 no ano 2015 em Portugal Continental, por área de município. A relação que este artigo procura discutir, entre ambiente e saúde, obriga a uma análise da distribuição dos óbitos por causas de morte identificadas na literatura como potencialmente relacionadas com a exposição à poluição atmosférica. Perante esta necessidade realizou-se o teste de ANOVA (tukey à posteriori) entre as tipologias de território para as causas de morte identificando-se diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (Quadro 3): aparelho respiratório (F = 85,48; p = 0,000), doenças isquémicas do coração (F = 70,29; p = 0,000), doenças cerebrovasculares (F = 75,34; p = 0,000) e tumores do tipo neoplasma maligno (F = 97,40; p = 0,000). Fonte: Elaborado através do ArcMap com dados da APA. 65 Figura 3. Emissões espaciais de NOx no ano 2015 em Portugal Continental, por área de município. Quadro 3. Comparação das médias dos óbitos entre as tipologias de território para o ano 2015. Óbitos Aparelho Respiratório Tip. μ PU 140,7 SU PR PU 10,39 PR PU Tumores Neoplasma Malignos SU PR p SU 91,65* 9,80 0,000 PR 117,3* 9,00 0,000 PU -91,65* 9,80 0,000 PR 25,69* 6,49 0,000 PU -117,3* 9,00 0,000 SU -25,69* 6,49 0,000 SU 72,63* 7,78 0,000 PR 84,91* 7,17 0,000 PU -72,63* 7,78 0,000 PR 12,28* 5,15 0,046 PU -84,91* 7,17 0,000 SU -12,28* 5,15 0,046 SU 86,34* 9,72 0,000 PR 109,7* 8,95 0,000 PU -86,34* 9,72 0,000 PR 23,33* 6,44 0,001 PU -109,7* 8,95 0,000 SU -23,33* 6,44 0,001 SU 243,2* 23,32 0,000 PR 298,6* 21,41 0,000 PU -243,2* 23,32 0,000 PR 55,44* 15,34 0,001 PU -298,6* 21,41 0,000 SU -55,44* 15,34 0,001 95,31 PR SU σ 23,36 22,67 Doenças Cerebrovasculares ≠μ 49,05 Doenças Isquémicas SU do Coração PU Tip. 128,9 42,58 19,25 334,8 91,62 36,17 Tip.: Tipologia; PU: Predominantemente urbano; SU: Semiurbano; PR: Predominantemente rural. * A diferença de média é significativa ao nível 0,05. Fonte: Elaborado através do SPSS com dados do INE. Fonte: Elaborado através do ArcMap com dados da APA. Uma análise pormenorizada do Quadro 3 evidencia que, à semelhança do Quadro 2, as diferenças entre o urbano e o rural, em matéria de óbitos por causas de morte relacionadas, em parte, com a exposição à poluição atmosférica, são significativas. É evidente que não se pretende estabelecer uma relação de causa-efeito, mas antes explorar uma relação de possível associação, dado que o impacto destes poluentes na saúde já está amplamente discutida e provada nos nu- 66 Quadro 4. Correlações de Spearman entre as emissões de poluentes e os óbitos por causa de morte, por municípios, para o ano 2015 entre as tipologias de território. Tipologia de Território Pred. Urbano Óbitos Semiurbano Pred. Rural NOx PM2,5 PM10 NOx PM2,5 PM10 NOx PM2,5 PM10 Aparelho respiratório 0,522** 0,397* 0,454** 0,345** 0,378** 0,437** 0,251** 0,271** 0,250** Doenças isquémicas do coração 0,592** 0,481** 0,512** 0,465** 0,399** 0,429** 0,038 0,114 0,148* Doenças cerebrovasculares 0,576** 0,483** 0,539** 0,368** 0,416** 0,485** 0,185* 0,264** 0,286** Tumores neoplasma malignos 0,575** 0,478** 0,530** 0,402** 0,454** 0,510** 0,246** 0,363** 0,375** * A correlação é significativa no nível 0,05 (bilateral). ** A correlação é significativa no nível 0,01 (bilateral). Fonte: Elaborado através do SPSS com dados do INE e da APA. merosos estudos referenciados na discussão da literatura deste trabalho. Perante isto, o Quadro 4 apresenta as correlações de Spearman entre os poluentes e as causas de morte entre as três tipologias de território. Fica claro que os valores mais elevados das correlações entre as emissões e os óbitos estão presentes nos territórios predominantemente urbanos, sendo o NOx o poluente com os valores mais significativos em associação com as doenças do aparelho respiratório (rs = 0,522; p< 0,000), as doenças isquémicas do coração (rs = 0,592; p< 0,000), as doenças cerebrovasculares (rs = 0,576; p< 0,000) e os tumores do tipo neoplasma maligno (rs = 0,575; p< 0,000). Outro dado relevante, e que não deve ser descurado, tem que ver com as emissões de PM10 em territórios semiurbanos. Os valores das correlações de PM10 com os óbitos aproximam-se dos encontrados nos territórios urbanos pois, no caso dos municípios classificados como semiurbanos são as instalações de combustão, as indústrias de tratamento de madeiras e as metalúrgicas as principais atividades industriais responsáveis pelos valores das emissões de substâncias poluentes. É fora dos centros urbanos que as indústrias se localizam, principalmente em territórios semiurbanos de fácil comunicação com os primeiros, devido ao facto de necessitarem de espaço físico para fixarem os seus complexos. CONCLUSÕES A discussão em torno da relação inquestionável entre o ambiente e a saúde humana permite, sobretudo, reforçar a importância de uma consciencialização ambiental. O atual modelo de desenvolvimento económico é marcado por uma componente industrial movida pelo lucro insaciável e indiferente, ainda que com laivos de mudanças ao impacto das suas ações no meio ambiente. As consequências das ações antropogénicas na deterioração da qualidade do ambiente têm um efeito altamente nocivo na saúde humana, funcionando como um ciclo que se inicia do nosso lado e retorna após a degradação da qualidade do meio ambiente do qual fazemos parte. Os números de morbilidade e mortalidade associados à exposição ao ar atmosférico sem qualidade encontram-se numa lógica ascendente, assumindo-se como um desafio verdadeiramente complexo para o século XXI. As práticas e modos de vida, marcadamente urbanos, dão lugar a uma sociedade de consumo, com padrões de consumismo exacerbado e de exigência de conforto que ultrapassam o necessário e que, por inconsciência ou indiferença, resultam em danos irremediáveis no ambiente. Em Portugal, os territórios predominantemente urbanos são palco de valores consideráveis de emissões de substâncias poluentes, em grande parte, fruto da intensidade de tráfego nas cidades e, sobretudo, da utilização de veículos a gasóleo. Os espaços semiurbanos são, por sinal, locais privilegiados para a localização dos complexos industriais, contribuindo para o aumento de emissões de PM10. Importa que os 67 planeadores urbanos, munidos de uma equipa multidisciplinar, equacionem, em momento de construção ou requalificação, a necessidade de ter em linha conta que o próprio edificado condiciona a qualidade do ambiente. Sugere-se, assim, a opção por edifícios não demasiadamente altos, que possibilitem a circulação do ar e, também, a introdução de árvores com potencial de filtragem dos poluentes atmosféricos. Se existem provas científicas de uma relação de exposição a estes poluentes e o surgimento de patologias que vão desde o foro respiratório até aos tumores malignos, e se é constatável que as populações das cidades estão expostas e vulneráveis aos valores mais elevados de poluição atmosférica, o que falta para se mudar de paradigma? BIBLIOGRAFIA Anenberg, S. C., Miller, J., Minjares, R., Du, L., Henze, D. K., Lacey, F., et al. (2017). Impacts and mitigation of excess diesel-related NOx emissions in 11 major vehicle markets. In: Nature, 545, pp. 467-471. Bates, D. (2002). 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General principles. Geneva, WHO. 70 71 A Obra Nasce dezembro 2018, 13, pp. 71-89 La arquitectura vernácula en los territorios de baja densidad: una perspectiva cultural* Vernacular architecture in the low density territories: a cultural perspective Javier Pérez Gil Profesor Titular, E.T.S. de Arquitectura de la Universidad de Valladolid jpgil@tap.uva.es RESUMEN Popular, tradicional o vernácula son algunas de las denominaciones empleadas para referimos a una arquitectura que ocupa hoy un lugar propio en nuestro Patrimonio Cultural y especialmente importante en los territorios de baja densidad. Sin embargo, a pesar de este interés y de la extensa investigación acumulada en nuestro contexto europeo sobre sus expresiones materiales, una reflexión detenida revela que carece de conceptualización clara y coherente. Y dicha ausencia, si consideramos al Patrimonio como construcción cultural, es ciertamente preocupante por cuanto condiciona la aprehensión y conservación de aquello que se pretende salvaguardar. ¿Sabemos realmente lo que es la arquitectura vernácula? ¿Existe hoy, en una sociedad industrial y globalizada? ¿Cómo debemos conservar este patrimonio? Este trabajo aborda estas cuestiones desde una perspectiva cultural y crítica, esbozando una conceptualización más integral y actualizada para dicha arquitectura. Palabras clave Arquitectura vernácula, Patrimonio cultural, Teoría de la arquitectura. ABSTRACT Popular, traditional, or vernacular are usual denominations to refer to an architecture that occupies today a significative place within our Cultural Heritage, especially important in low density territories. However, despite this interest and the wide research accumulated in our European context about its material expressions, a careful reflection reveals that it lacks a clear and coherent conceptualization. . This is certainly worrying if we consider Heritage as a cultural construction, because it conditions the apprehension and conservation of what is intended to be safeguarded. Do we really know what vernacular architecture is? Does it still exist, in an industrialized and globalized society? How should we preserve this heritage? This paper addresses these issues from a cultural and critical perspective and outlines a more comprehensive and updated conceptualization for this architecture. Keywords Vernacular architecture, Cultural heritage, Architectural theory. * Este trabajo se enmarca en el Proyecto de Investigación “El Paisaje Urbano Histórico como recurso de planificación en los conjuntos históricos menores de la España interior” (MCIU/AEI/FEDER, UE; ref. PGC2018-097135-B-I00). 72 1. INTRODUCCIÓN La vernácula, además de parte importante de nuestra arquitectura, constituye una tesela y referencia imprescindible para entender las distintas escalas del conjunto del patrimonio territorial. Y esta importancia es aún mayor en aquellos contextos donde escasean las arquitecturas monumentales, dado que es entonces cuando lo vernáculo se revaloriza como atributo para la identificación cultural de un lugar. Ése es el caso de muchos territorios de baja densidad. En ellos, las arquitecturas vernáculas pueden representar uno de los pocos y más diferenciales recursos de identidad y desarrollo, recibiendo el interés privilegiado que, en otros casos, habrían ostentado los monumentos históricos. Pero esa importancia exige un tratamiento específico y riguroso. Si nos remontamos a su origen en los siglos XIX y XX, comprobamos que el estudio de la arquitectura vernácula europea –adscrita entonces a términos como el de popular o tradicional– nació con una acepción romántica. Se definió a partir de una diferencia clave: su contraposición a la arquitectura “culta” o “erudita”, aquélla emanada de las corrientes artísticas y del devenir oficial del tiempo histórico. Se entendió así la popular como manifestación inequívoca del Pueblo o de sus clases populares y rurales. Pasó a considerarse como la expresión genuina de su identidad cultural. Y no sólo eso. Adquirió también un valor simbólico como reliquia prístina que, descubierta en su indisoluble ligazón al medio natural, había de redimir al resto de la comunidad, del Pueblo, de sus veleidades modernas y urbanitas. Leopoldo Torres Balbás, quizás el más importante teórico español sobre la materia y uno de los más influyentes a nivel europeo, dejó bien claros estos planteamientos, que quedaron instaurados en lo sucesivo como principios axiomáticos: “La arquitectura popular, más que otra manifestación artística cualquiera, por ser utilitaria, local y adaptada al modo de vivir familiar, constituye, con el lenguaje, uno de los signos más distintivos de la nacionalidad, una pura creación del medio. En sus obras no queda nada al capricho o al azar; edifícanse con los recursos del país, según procedimientos seculares, sin influencia exótica alguna. En ellas hay que buscar, y no en iglesias, castillos y palacios, el fondo indígena y milenario del alma colectiva” (Torres Balbás, 1934, p. 151) En similares términos se expresaba por esos años Raúl Lino, según un espíritu nacionalista que le llevaba a ver de manera idealizada la arquitectura portuguesa, tanto la “popular” como la “culta”. “Temos por certo que a casa portuguesa (até perto de nossos dias), com seus defeitos e qualidades, como suas belezas e deficiencias, se moldou em todos tempos admiravelmente à nossa paisagem e à nossa maneira de ser… E há em toda a casa portuguesa, dum extremo ao outro do país, certo ar amoroso de doçura que na modesta habitação campestre só tem paralelo (de género bem diferente) no cottage da Gran-Bretanha, e que na casa mais rica e citadina assume expressão de bonomia, também de formalidade sem altivez, de nobreza sem arrogância, aspecto que pode ser pouco jeitoso ou desmanchado, mas sempre simpático e que também a distingue das casas coetâneas dos outros países” (Lino, 1929, pp. 67-68). Esta forma de ver la arquitectura vernácula, efectivamente, ha marcado desde hace un siglo la tónica investigadora sobre la materia, al menos en el ámbito europeo al que me estoy refiriendo. Portugal y España son buenos ejemplos. En el primer caso, el interés por la arquitectura popular creció en busca de referentes identitarios y arquitectónicos, a los que se sumaron otras propuestas como las neofisiocráticas del Inquérito à habitação rural del ISA, en la línea de lo que había hecho la española Comisión de Mejoramiento de la Vivienda Rural (Leal, 2000, pp. 145-164; Pérez Gil, 2016, pp. 78-85). Así, el movimiento de la Casa Portuguesa representó durante la primera mitad del siglo XX la búsqueda de esos modelos, donde el citado Lino ocupó un papel similar al de un Rucabado en España. En el desarrollo de esa pesquisa fueron sedimentando los sucesivos y heterogéneos estudios de investigadores como Henrique das Neves, Rocha Peixoto o Joaquim Vasconcelos. Y, traspasado el ecuador del siglo XX, el Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal, que podríamos relacionar con los Itinerarios de Luis Feduchi, superó el ámbito de la Casa Portuguesa para ahondar sobre la realidad regionalizada y aprovechar esas lecciones de arquitectura para formular nuevas propuestas proyec- 73 tuales enraizadas en lo vernáculo (Arquitectura, 1961; Leal, 2000; Leal, 2009; Simões Rodrigues, 2016). Aunque con una conceptualización básica común, el sesgo de los distintos análisis que se fueron sucediendo varió en función de los objetivos y herramientas de sus respectivas disciplinas. Sin embargo, hay que reconocer un especial protagonismo a los enfoques constructivos y tipológicos. Bien de la mano de arquitectos, bien de otros especialistas (etnógrafos, historiadores, ingenieros, eruditos…) la arquitectura vernácula fue y es entendida, principalmente, en su vertiente material y constructiva. No quiero definir ahora esta aproximación como “arquitectónica” porque entiendo que es un término coincidente con el objeto de estudio mismo (arquitectura), pero además porque la Arquitectura no es sólo construcción. Más allá de la dimensión material y formal, contiene otros valores mucho más amplios, relacionados con su vertiente utilitaria y su condición de vivienda. Y son precisamente esos otros valores los que, en mi opinión, caracterizan sus obras como arquitecturas y bienes patrimoniales específicos. Fruto de la inicial concepción romántica de lo popular y de la atención preferente al resultado constructivo, la arquitectura popular se impregnó de trascendentales valores simbólicos y de ciertos axiomas como el de su antigüedad inmemorial, su transmisión incorruptible a través de la tradición o el anonimato de su autoría. Se consolidó así una concepción de la arquitectura popular como expresión cultural del colectivo en su secular dependencia y adaptación al medio, a través de fórmulas arraigadas y necesariamente materializadas con técnicas y materiales preindustriales, y que carecía de individualidades creativas, dado su extremo carácter conservador, a la vez que representativo del conjunto de la colectividad. Se presentaba, pues, efectivamente como antítesis de aquella otra arquitectura culta, en constante evolución a partir de las nuevas ideas y de las creaciones de los artistas insignes. Sin embargo, a pesar del consenso internacional en estas convicciones y de la extraordinaria producción investigadora que hemos acumulado desde entonces, lo cierto es que parece que nos encontramos ante un gigante con pies de barro. Su debilidad queda de manifiesto en el mismo mo- mento que lo invocamos. Me parece muy llamativa la utilización, en las distintas lenguas, de denominaciones variadas para referirse a esta arquitectura (popular, tradicional, vernácula…). Se utilizan diferentes vocablos de manera indistinta como si fueran sinónimos. Pero no lo son. Encierran acepciones que arrastran herencias del pasado o que podrían condicionar su asimilación. Y el desinterés generalizado por estas cuestiones teóricas, lejos de significar un dominio extenso de la materia, evidencia un desdén por la semántica que no sería tan preocupante si no fuera porque acaba afectando al propio objeto de estudio; a su entendimiento cultural y a su conservación (Pérez Gil, 2016). Con sus diferentes expresiones, aquellos principios básicos han dirigido desde hace un siglo el estudio e interpretación de nuestra arquitectura vernácula. Al menos en Europa, se han mantenido arraigados y sin apenas revisión. Pero lo cierto es que ha pasado mucho tiempo –demasiado– si consideramos que el Patrimonio es una construcción cultural y que la Cultura cambia en la medida que se transforma su sociedad. Hoy el tradicional concepto de arquitectura vernácula (popular, tradicional) está obsoleto. Hace mucho tiempo ya que, en nuestros contextos, es incapaz de ofrecer una definición epistemológica sólida, lo que dificulta su estudio e interpretación, así como la consiguiente formulación de criterios de protección, intervención y planeamiento. ¿Por qué hay tantos reparos en ofrecer una definición cerrada y no enumerativa de arquitectura vernácula? ¿Podemos definirla per se, sin reducirla a “lo que no es arquitectura culta”? ¿Es realmente una arquitectura en peligro de extinción? ¿Existe al margen de los materiales preindustriales? ¿Cuáles son sus atributos y valores? Responder sin contradicciones a este tipo de interrogantes desde el tradicional paradigma comprensivo es imposible. Como he dicho, sus presupuestos quedaron anquilosados en un contexto cultural que poco tiene que ver con el actual europeo. La Cultura nunca es estática y sus principios son humanísticos, muy diferentes a los que pueden proporcionar las ciencias, si entendemos éstas como disciplinas capaces de extraer leyes objetivas, constantes y eternas. Para responder a esas preguntas, propongo un cambio de conceptualización teórica que permite entender la arquitectura vernácula de manera integral, actual y 74 específica. Según dicho planteamiento, la comprensión de esta arquitectura pasaría por el conocimiento de la naturaleza cultural del bien en tanto que expresión de una determinada comunidad humana; expresión material y arquitectónica, pero que ante todo ofrece información sobre aquélla (sobre sus valores, sus tradiciones, su relación con el medio, etc.), tanto desde la perspectiva de la secuencia histórica (cuando se trata de vernáculo histórico) como en la actualidad (especialmente cuando se analiza un caso híbrido o totalmente contemporáneo). En coherencia con ese enfoque, defino la arquitectura vernácula como el conjunto de obras construidas o arquitectónicas en las cuales una comunidad reconoce los valores –materiales e inmateriales– específicos y genuinos que caracterizan su identidad antropológica cultural a lo largo del tiempo. De esta definición, por el momento, pueden extraerse dos conclusiones que me servirán para desarrollar las ideas de este trabajo. En primer lugar, que la especificidad de la arquitectura vernácula no radica en su resultado material o formal. Éste no sería el valor cultural, sino el atributo a través del cual se manifiesta el valor, que es de carácter antropológico o humanístico. La materialidad es el medio que nos permite conocer y entender a sus creadores y usuarios, su cultura. Por supuesto, dicha materialidad debe ser estudiada en todas sus dimensiones (constructiva, tipológica…) y valorada en todos sus planos (arquitectónico, estético, paisajístico…), pero sin olvidar que todo ello ha de remitirnos siempre a un fin último: las personas. Como se irá viendo en los sucesivos epígrafes, este principio conlleva trascendentales consecuencias que entran en conflicto directo con las perspectivas tradicionales que siguen dominando los estudios sobre la materia. Frente a esas visiones de corte formalista o constructivo, esta otra lectura cultural no comparte sus restricciones en cuanto a materiales (preindustriales), técnicas, tipos, determinismos, etc. Y, en segundo lugar, conviene también que advierta ahora sobre esa diferenciación que hago entre dos tipos de arquitectura vernácula: la histórica y la actual. El vernáculo histórico o relicto lo integran aquellas obras y conjuntos que Figura 1. Tiempo, ambiente, forma y comunidad como variables y objetivos de estudio de la Arquitectura (Pérez Gil, 2016). Frente al paradigma tradicional de la arquitectura vernácula, prevalencia del proceso sobre la forma en el cultural o antropológico. 75 Figura 2. Las cuatro variables de estudio propuestas por el autor (Pérez Gil, 2018) e interrelacionadas; con la autoría o agente humano como núcleo del esquema. poseen valores antropológicos vernáculos, pero de carácter histórico, pues pertenecen a periodos o contextos culturales del pasado de esa comunidad. Por su parte, el vernáculo actual está referido a aquellos bienes que se manifiestan como patrimonio vivo, donde se verifican los valores antropológicos vernáculos de una comunidad que construye, mantiene o usa los primeros. Son obras que siguen desarrollando su función –primigenia o adaptada– y que se elaboran, diseñan o mantienen según la tradición constructiva preindustrial o su evolución contemporánea. Este modelo conceptual, que abordaré a través de diferentes cuestiones generales y casos portugueses y españoles, tiene su propia metodología de estudio. En consonancia con los objetivos expuestos, se trataría de realizar diferentes aproximaciones estructuradas según criterios culturales y transversales donde el objeto arquitectónico sigue siendo el caso de estudio, pero trascendiendo esa materialidad para extraer todo su significado cultural. Para ello habría que atender a cuatro variables básicas que he enunciado de la siguiente manera: el medio geográfico, que establece el contexto físico e histórico; la función, referida al programa, uso y significado de la arquitectura en diferentes escalas humanas y espaciales; la autoría, que materializa el producto cultural y que debe analizarse con la máxima especificidad posible; y la construcción, atendiendo tanto a la histórica como a la contemporánea (Pérez Gil, 2018 y 2019). 2. EL CAMBIO DE PARADIGMA Voy a desarrollar algunas de las cuestiones adelantadas a partir de reflexiones aplicadas y ejemplos cercanos a nuestros territorios hispanos de baja densidad. Dichas cuestiones se centrarán en los aspectos más controvertidos o disonantes con respecto a las lecturas canónicas de lo vernáculo. Para ello tomaré como punto de partida una definición de arquitectura popular que recoge muy bien el significado tradicionalmente atribuido a la misma (el vigente y hegemónico, no lo olvidemos) y que además tiene la virtud de reconocer que definir la arquitectura popular es difícil, valiosa advertencia que muy pocas veces es considerada. “O que é a arquitectura popular? Esta é, ainda hoje, uma pregunta de difícil resposta. A demonstrá-lo, a sua frequente preterição, no discurso actual, por categorias sinónimas ou próximas como arquitectura vernacular, tradicional, rústica ou regional. Todas elas enunciam uma arquitectura resultante de um saber empírico, ontologicamente vinculado à experiencia humana das características ambientais do lugar, predominantemente rural, construída apenas com materiais locais, de autoria anónima, com uma existência de longa duração, se não mesmo atemporal ou suprahistórica. Convoca a idealização de um tempo pré-industrial e précapitalista, agrário, que se 76 acredita ter sido mais humano e solidário, de maior equilíbrio entre o cultural e o ecológico” 1 La ruralidad como causa y expresión de lo popular De partida, comprobamos que la arquitectura vernácula, dada su íntima relación con el medio natural y su carácter tradicional, suele asociarse al ámbito rural o agrario, menos propicio que el urbano para el desarrollo de novedades y expresiones cultistas. Esa inherencia entre arquitectura y medio –la identificación de la primera como producto o consecuencia del segundo (“de las características ambientales del lugar”)– se plasmaría en el empleo de materiales locales y pertenecientes a un tiempo preindustrial. Se asume que es su uso el que proporciona a la arquitectura vernácula algunas de sus características más identificativas y reconocidas, como la autoctonía o su armonía paisajística (Flores, 1973). Y más aún. Se considera que no puede haber arquitectura vernácula al margen de esos materiales preindustriales, pues los industriales no han sido procesados por las gentes del lugar y pueden aplicarse de manera indistinta a contextos culturales muy diferentes, lo que necesariamente va en detrimento de dicha singularidad autóctona o vernácula. existir en las ciudades o que todo lo rural lo es. Se trata de una diferenciación ficticia en el caso de la arquitectura y que, en aras de clarificar conceptos, los tergiversa y confunde. Al igual que sucede con la dicotomía culto-popular, es frecuente que los mismos autores que las toman como referencia admitan las dificultades a la hora de clasificar las obras o conjuntos, e incluso que similares manifestaciones tengan interpretaciones contrarias, en función de si se ubican en una aldea o en una ciudad. Porque lo cierto es que la arquitectura forma parte de un único y complejo sistema cultural. No se deben juzgar las obras según su apariencia o ubicación, sino atendiendo a su significado cultural, que es siempre complejo. Las arquitecturas son híbridas, al igual que heterogéneos son los factores que caracterizan a sus constructores o usuarios. Y a esto hemos de sumar el hecho de que muchos de los aspectos que hoy consideramos rurales hasta hace bien poco formaban parte consustancial del mundo urbano, o que ciertas localidades tomadas por “rurales” tuviesen un funcionamiento más bien urbano en otras épocas. Lo dicho vertebra la tradicional caracterización de la arquitectura vernácula. Se inserta en un discurso que puede remontarse un siglo atrás y que sin duda era coherente con el panorama estructural de Portugal o España en aquella época. Sin embargo creo que hoy debe ser corregido y actualizado. En primer lugar, no considero correcto restringir apriorísticamente la arquitectura vernácula al mundo rural, aun cuando sea allí donde más posibilidades tenga de manifestarse. La distinción entre lo urbano y lo rural no es en absoluto sencilla ni clara, e identificar lo vernáculo o popular con lo rural o agrario podría hacer pensar que no puede 1 Simões Rodrigues, 2016. He tomado como referencia este texto por condensar muy bien en su introducción la conceptualización tradicional de la arquitectura popular. El resto de este excelente artículo está dedicado a sus orígenes disciplinarios en Portugal. Figura 3. Convivencia de lo culto, el vernáculo relicto y el actual en Vale de Mira (Trás-os-Montes, Portugal). Fotografía del autor. El axioma de los materiales preindustriales Ese criterio apriorístico que intenta clasificar la arquitectura lo encontramos también en la identificación de los materiales preindustriales como requisito de la misma. Personalmente, no comparto esa visión materialista como principio de especificidad de la arquitectura 77 vernácula –entendida ésta como tal o como patrimonio cultural–, porque resulta sesgada e insuficiente. Como dije antes, el resultado material o formal es el atributo a través del cual se manifiesta el valor, que es de carácter humanístico o antropológico. Por supuesto, también reconocemos valores técnicos o estéticos en la materia transformada que debemos estudiar, pero no son los específicos de esta arquitectura, sino compartidos con cualquier otra, pues la diferenciación entre lo culto y lo popular es artificial. En su lugar, debemos prestar atención prioritaria a los significados humanos de esas obras, ya sean pertenecientes al citado vernáculo histórico o al actual. Y, en este último caso, la presencia de materiales industriales es lógica y asumible. En efecto, el abuelo de ese joven se decantó por la piedra sesenta años atrás, pero ¿por qué? ¿No fue acaso porque la piedra, además de satisfacer sus necesidades, era el material más eficiente y económico que tenía a su disposición? Si le hubiesen dado la oportunidad de emplear aparejos industriales, igualmente eficientes pero ya labrados y mucho más económicos, ¿no los habría utilizado? A pesar de la diferencia de material ¿realmente difieren en lo cultural ese abuelo que no tenía ni televisión y este otro nieto suyo que se conecta a un mundo global a través del teléfono que lleva en su bolsillo? ¿O quizás el nieto sigue reproduciendo los mismos esquemas culturales en los que se ha educado (eficiencia, austeridad, prevalencia del pragmatismo sobre la estética…)? En efecto, es el proceso (constructivo y uso) y no el resultado lo que determina la especificidad de la arquitectura vernácula. Y lo cierto es que los materiales industriales, a pesar de su origen y procesamiento foráneos, no tienen por qué impedir la manifestación de los valores culturales de la comunidad (Pérez Gil, 2019). Son simplemente un medio que quedará sometido a los principios culturales de las personas. Pero, además, es que, en muchos casos, forman parte del auténtico contexto cultural de éstas. Es verdad que, como señaló Félix Benito (2003, p. 726), la aparición de los nuevos materiales no sólo supuso el inicio de una etapa más en la evolución de nuestras culturas locales, sino que alteró las pautas de regeneración de sus modelos. Pero, más allá de su apariencia, su empleo se rige por los principios y necesidades de los individuos, de acuerdo a una mentalidad que tiene mucho más en común con la tradición heredada de lo que esa apariencia pudiera dejar ver a primera vista. Así, podríamos preguntarnos ¿qué es más auténtico culturalmente, que un joven de la aldea de Boassas (Cinfães) trabaje hoy espontáneamente con bloques de hormigón o que dedique un esfuerzo mucho mayor a labrar manualmente sillares de granito para obtener el mismo resultado constructivo? Obviamente, el resultado estético no será el mismo, y será de agradecer el empleo de la piedra para preservar la armonía del conjunto histórico. Pero ese empleo de piedra ¿realmente sería más auténtico con la tradición cultural del lugar? Figura 4. Expresión del vernáculo actual con materiales industriales y su integración en lo histórico. Caçarelhos (Trás-os-Montes, Portugal). Fotografía del autor. Es más, en muchos casos ni siquiera la propia técnica constructiva de los materiales industriales difiere de la de los antiguos preindustriales. O ¿qué sustancial diferencia constructiva o técnica, de posibilidades o resultados encontramos entre el empleo por parte de un albañil local de un adobe, de un ladrillo cocido o de un paralelepípedo de hormigón? E incluso, ¿por qué un ladrillo hueco actual es más “industrial” que los empleados en la construcción de palomares a principios del siglo XX? ¿Qué sesgo vernáculo aporta un adobe importado? ¿Y una mampostería realizada por un maestro especializado procedente de otra región? Todos esos materiales pueden informarnos en cierta medida sobre la cultura de un lugar. Si son locales y procesados por la misma comunidad su valor será mayor, 78 pues también nos hablarán de las soluciones constructivas de ese grupo humano, de su técnica tradicional, de su relación con el medio, etcétera, ya sea en el plano histórico o en el actual. Pero aun cuando esos materiales sean de tipo industrial e importados, su presencia no tiene por qué erradicar los significados culturales de la arquitectura, pues se aplican según unos criterios locales, en la medida y forma que cubren unas necesidades y expectativas propias y específicas del lugar. Figura 5. Cuéllar (Segovia, España). Fábrica histórica con distintos aparejos (mampostería, adobe) y su reciente reparación con otro igualmente distinto (ladrillo). La innovación se enmarca en la tradición del proceso, y su aplicación constructiva no difiere esencialmente de la anterior. Fotografía del autor. Si admitimos la presencia de lo industrial en la arquitectura vernácula, quizás podría alegarse la consecuente existencia de un universo de bienes inconmensurable. Es más. Que toda arquitectura podría ser vernácula y aun patrimonio vernáculo, siendo lo segundo imposible de gestionar. En el primer caso, efectivamente, no creo que nadie dude que en cualquier arquitectura u objeto puedan verificarse comportamientos locales y personales, pues incluso en los casos más extremos de globalización existen pautas humanas que escapan al pensamiento programado y único. Una vez más, pues, debiéramos primar los significados humanos sobre los formales. Deberíamos ver la arquitectura vernácula como vivienda, antes que como construcción. La aproximación que realicemos a ella debe ponerse como objetivo el conocimiento de una cultura, de sus gentes. Y esos testimonios y significados pueden rastrearse incluso en espacios construidos con medios y agentes ajenos a la comunidad. Como señala Julienne Hanson, una de las pioneras de los estudios de sintaxis espacial, más allá de las necesidades humanas básicas existen patrones específicos que varían en función de cada cultura y contexto. “Houses everywhere serve the same basic needs of living, cooking and eating, entertaining, bathing, sleeping, storage and the like, but a glance at the architectural record reveals an astonishing variety in the ways in which these activities are accommodated in the houses of different historical periods and cultures. The important thing about a house is not that it is a list of activities or rooms, but that it is a pattern of space, governed by intricate conventions bout what spaces there are, how they are connected together and sequenced, which activities go together and which are separated out, how the interior is decorated, and even what kinds of household objects should be displayed in the different parts of the home” (Hanson, 1998, p. 2). En este sentido, incluso se han realizado estudios comparativos entre las viviendas originarias o vernáculas y las impuestas por la Arquitectura contemporánea, a fin de comprobar la eventual pervivencia o adaptación de los antiguos caracteres culturales en los nuevos espacios. En Portugal, autores como Manuel Graça Dias, Roselyne Villanova, Carolina Leite o Isabel Raposo han estudiado notablemente el fenómeno de las casas de emigrante, comenzándolas a valorar como documentos antropológicos. Así, se analizan las lógicas de esos nuevos agentes en los contextos tradicionales, pero también la pervivencia de los comportamientos heredados en contextos extraños, como sucede en las casas de inmigrantes portugueses en Francia y Centroeuropa (Saraiva Neves, 2016; Diogo, 2016). Y, en una escala urbana, trabajos como el de Andrea Signorelli (1999) sobre el caso italiano de posguerra ha demostrado igualmente la pervivencia del concepto campesino de casa en los nuevos contextos urbanos. 79 Figura 6. Barrio de San Pedro (Valladolid, España). Medio siglo después de la construcción de esta promoción de casas sociales, cada familia ha transformado la suya a su manera, hasta hacer casi imperceptible la uniformidad original. Fotografía del autor. una época igualmente desaparecida (histórica), como son los siglos XIX y XX. Y este hecho debe animarnos a conservar el vernáculo histórico, pero no a colegir la desaparición del vernáculo mismo, pues mientras haya gente habrá manifestaciones culturales. Serán distintas, porque el concepto mismo de tradición conlleva dinamismo y cambio, y probablemente menos diferenciales, porque vivimos en un planeta cada vez más globalizado; pero igualmente significativas. Y, en ese sentido, su reconocimiento como patrimonio vernáculo dependerá de la mayor o menor presencia de la tradición y de los recursos locales en detrimento de los patrones externos. Porque cuanto más se diferencie una cultura arquitectónica del resto, más facilidad tendrá su comunidad para identificarse con sus construcciones. Anonimato: entre el romanticismo y la indolencia Cualquier arquitectura, pues, refleja valores de la comunidad que la usa o interpreta. Lo cual, no obstante, no quiere decir que suceda en todos los casos con la misma intensidad. Como dije, lo vernáculo se mostrará en distinto grado en función de la importancia que, en cada uno de los factores, adquiera el carácter exógeno. En cuanto al segundo caso, es cierto que, potencialmente, cualquier arquitectura podría ser patrimonio vernáculo, pero eso no significa –ni mucho menos– que lo sea. En realidad ésa es una característica común a cualquier tipo de patrimonio (cualquier escultura es susceptible de ser patrimonio artístico, cualquier arquitectura un monumento, cualquier objeto tiene un potencial valor historiográfico…). El arquitectónico vernáculo no tiene por qué ser una excepción. Según nuestro moderno concepto de Patrimonio Cultural –antropológico y extensivo–, cualquier manifestación de la Cultura es susceptible de ser reconocida como patrimonio, pero sobre ese universo potencial se aplica una selección crítica que las filtra, de modo que, lejos de suponer que todas las construcciones actuales son patrimonio vernáculo, más bien se desmonta la manida y tácita premisa que sostenía que ninguna no-preindustrial podía serlo y que, por ende, se trataba de un patrimonio abocado a la extinción, conclusión tan popularizada desde hace un siglo como ilógica. No es la arquitectura vernácula la que está desapareciendo, sino la arquitectura vernácula histórica de La arquitectura vernácula ha sido igualmente identificada con una “autoría anónima” y con una “existencia de larga duración, incluso atemporal o suprahistórica”. Ambas afirmaciones, que han venido caracterizando desde hace más de un siglo el entendimiento de dichas arquitecturas, no sólo son incompatibles con la lectura cultural que estoy exponiendo, sino que además son falsas. La cuestión del anonimato es continuadora de la primitiva concepción romántica surgida en los siglos XIX y XX. Entendidas como expresión genuina del pueblo –“uno de los signos más distintivos de la nacionalidad”, según Torres Balbás–, estas obras han querido verse como el producto colectivo de unos conocimientos tradicionales antes que como el trabajo concreto de unos individuos. Ha primado la identificación de los valores grupales y simbólicos sobre el conocimiento de lo particular y específico, hasta el punto de abstraer el elemento humano como constructor, promotor o usuario. Y de esto ha derivado una pseudo-disciplina caracterizada por un estudio de lo humano demasiado laxo que intenta compensarse con el análisis exhaustivo de los tipos y construcción de la materialidad. Sé que esta afirmación es dura, pero creo que aplicable a un sinnúmero de estudios; por supuesto, excluyendo aquellos que –legítimamente– plantean objetivos estrictamente tipológicos o constructivos. 80 En efecto, aunque a priori cualquier investigador de la arquitectura popular dará por hecho que sus estudios incluyen el agente humano, lo cierto es que muy pocos lo tratan con una mínima profundidad más allá de la acción constructiva (Roigè, Estrada y Beltrán, 1997; Pérez Gil, 2019). Apenas se presta atención a los usuarios de esa arquitectura; a los primigenios o a las generaciones que les sucedieron hasta nuestros días. Su estudio se delega en otras disciplinas –como la Antropología–, las cuales, a su vez, tampoco han venido demostrando el interés debido por la arquitectura. Falla así una transversalidad que debiera estar en la base de este conocimiento disciplinario. Y, sin embargo de dicha displicencia por el agente humano, abundan por doquier las citas de compromiso a la “comunidad”, las “gentes” o los “autores anónimos”. Son citas huecas que, de por sí, no hacen sino omitir a los verdaderos protagonistas del artefacto cultural, que son o fueron individuos concretos, con nombres y apellidos. Como señala Kirshenblatt-Gimblett (2004), esos términos genéricos connotan un medio pasivo, carente de voluntad, intención o subjetividad. Las personas quedan entonces fuera de la ecuación cultural y, sin ellas, no hay cultura. Figura 7. Corredor en una casa de Rabal (Trás-os-Montes, Portugal) con pinturas decorativas y bendiciones apotropaicas que caracterizan la arquitectura como vivienda. Fotografía del autor. A decir verdad, este problema no es privativo de la arquitectura vernácula, aunque aquí se manifieste de manera especialmente grave. También en la disciplina de la Historia, incluso la nueva Historia Cultural ha caído en ocasiones en un reduccionismo a la hora de formular muchas de sus explicaciones, que parecen justificarse en virtud de lo que se presupone de una determinada etnia o religión, convirtiendo agentes individuales en meros representantes de su grupo (Burke, 2014). Este tipo de generalizaciones, pues, deberían enmendarse con un tratamiento social más rigu- roso o incluso abordarse desde planteamientos microhistóricos. Ya lo hizo la Arqueología, al matizar por medio de la investigación social la tradición reduccionista que equiparaba equipamiento con cultura y otorgaba un significado étnico a los materiales arqueológicos (Delibes de Castro, 1999). Y lo mismo debieran hacer los estudios sobre arquitectura, prestando más atención a la gente. Todo estudio sobre arquitectura vernácula debe analizar con la mayor profundidad y concreción posible a sus autores materiales, promotores, usuarios y comunidad de referencia, ya sea en su plano histórico o actual (Pérez Gil, 2018). Evidentemente, podría alegarse que la arquitectura vernácula, a diferencia de la culta, presenta más dificultades a la hora de investigarla desde una perspectiva histórica y que sus fuentes rehúyen el testimonio documental. Estas apreciaciones ya fueron advertidas por Bernard Rudofsky, que acuñó la expresión “Arquitectura sin arquitectos”. “Architecture Without Architects [la antológica exposición que comisarió en el MOMA] attempts to break down our narrow concepts of the art of building by introducing the unfamiliar world of nonpedigreed architecture. It is so little known that we don’t even have a name for it. For want of a generic label, we shall call it vernacular, anonymous, spontaneous, indigenous, rural, as the case may be. Unfortunately our view of the total picture of anonymous architecture is distorted by a shortage of documents, visual and otherwise. Whereas we are reasonably well informed about the artistic objectives and technical proficiency of painters who lived 30.000 years before our time. Archaeologists consider themselves lucky when they stumble over the vestiges of a town that goes back to the third millennium B.C. only. Since the question of the beginnings of architecture is not only legitimate but bears heavily on the theme of the exhibition, it is only proper to allude, even if cursorily, to possible sources” (Rudofsky, 1965). Sin embargo, el hecho de que esa investigación sea difícil no quiere decir que sea imposible, ni mucho menos prescindible. Es posible y necesaria. Porque la arquitectura vernácula es de por sí un testimonio que nos remite a sus creadores y usuarios; un documento cultural. Además, disciplinas como la Historia o la Antropología nos proporcio- 81 nan métodos y herramientas válidos para acercarnos a la identidad y circunstancias de unas personas y comunidades que –no lo olvidemos– no son tan lejanas como la premisa de la atemporalidad ha querido sugerir. En otras ocasiones me he referido al trabajo de Arsenio Dacosta (2008) sobre los canteros de la zamorana comarca de Aliste. El estudio identifica a los autores de una serie de dinteles de piedra de la localidad de la Nuez. Uno de ellos, realizado en 1949 por un hombre llamado Manuel Lozano, representa varios animales: peces, palomas y lo que parece ser un bóvido. Dada la secular tradición pecuaria de la zona, lo lógico sería interpretar este último como tal y asociarlo a la ganadería, pudiéndose abrir a partir de aquí lecturas iconográficas muy lógicas y atractivas, desde económicas hasta religiosas. Sin embargo, las entrevistas con el hijo del artífice revelaron un dato sorprendente. Aquella vaca era en realidad un dromedario. ¿Por qué lo puso ahí Manuel Lozano? ¿De dónde tomó el modelo? ¿Por qué carece de joroba? Estas preguntas podrían abrir una línea de investigación dentro del estudio. Pero lo que me interesa ahora es advertir que, de no haberse realizado esa investigación sobre la identidad del artífice, ahora estaríamos dando por buenas interpretaciones totalmente erróneas. Plausibles. Pero equivocadas. La arquitectura vernácula no es anónima. Lo será a ojos de quien no ha indagado en ella, pero eso es desconocimiento o ignorancia, no anonimato. Si no a los individuos concretos, siempre es posible realizar aproximaciones a las comunidades históricas, que permiten contextualizar las obras y entenderlas en su relación con el factor humano generador y usuario. La Carta del Patrimonio Vernáculo construido (ICOMOS, 1999), en su introducción, ya afirma lo siguiente: “O património construído vernáculo é importante; ele é a expressão fundamental da cultura de uma comunidade, do seu relacionamento com o seu território e, ao mesmo tempo, a expressão da diversidade da cultura mundial” (ICOMOS, 1999) Según esto, podemos exigir un estudio exhaustivo de la comunidad a la hora de estudiar su arquitectura vernácula, pues ésta es la “expresión fundamental de la cultura de una comunidad”. Y aceptarlo ad litteram significaría reconocer que la arquitectura vernácula no es expresión de los terri- torios (tal y como parece desprenderse de los acercamientos tradicionales), sino de las comunidades. Su importancia principal radica, pues, en su valor cultural, de testimonio de una comunidad humana cultural e históricamente definida. Y para desentrañar esos significados debe aplicarse una metodología que amplíe el tradicional enfoque “arquitectónico”. O quizás debiera decir más correctamente “constructivo” o “tipológico”, porque la Arquitectura tiene de por sí un carácter mucho más amplio y holístico. El oxímoron de la arquitectura ahistórica Respecto al axioma de la atemporalidad, podría decirse algo parecido. No es cierto que la arquitectura vernácula, la histórica que aún persiste, tenga una antigüedad inmemorial, que sus ejemplares den continuidad a un mismo modelo que hunde sus raíces en la noche de los tiempos, ni siquiera que –en la mayoría de casos– sean obras demasiado antiguas. Todo lo contrario. Cuando realizamos estudios históricos aplicados es frecuente comprobar que la imagen del vernáculo histórico que ha llegado a nosotros es simplemente la imagen del último vernáculo, pero no la que podríamos haber conocido unos pocos siglos atrás (Pérez Gil, 2019). Cierto es que, a causa de la estabilidad y precariedad de las estructuras tradicionales, así como de la tendencia conservadora de las comunidades artífices, esos cambios suelen ser muy lentos, casi geológicos. Pero siempre existen, porque las sociedades evolucionan. Es más, el propio concepto de tradición –traditio– lleva implícito el dinamismo a través del trasvase generacional (tradere). Y este hecho rige tanto para aceptar las nuevas versiones de la arquitectura vernácula (el vernáculo actual) como para reconocer el cambio en los estadios anteriores (del vernáculo histórico). 82 Figura 8. Dintel en una casa de Montesinho (Trás-os-Montes, Portugal). Las arquitecturas ni son anónimas ni atemporales. Fotografía del autor. Podríamos poner innumerables ejemplos relativos a estas transformaciones, y muchos chocarían frontalmente con la percepción que tenemos de sus respectivas imágenes “auténticas”, las que se han institucionalizado a partir del último vernáculo histórico. Así, los historiadores de la Arquitectura Agustín Bustamante y Fernando Marías, al estudiar las Relaciones de Felipe II (1575-1578) en el área de Toledo, llegaron a la conclusión de que el uso de ladrillo y teja podía ser excepcional incluso en lugares donde se producían. A pesar de la imagen que hoy tenemos de su arquitectura tradicional, la mayoría de viviendas rurales de esa zona eran entonces miserables construcciones de tapial de una sola planta y cubierta vegetal. Seguían unos modelos que, como afirman estos autores, hoy tan sólo podríamos reconocer en construcciones como “chozas y bombos, estructuras completamente cerradas y de miserable ventilación y, lógicamente, carentes de patio, una de las características más señaladas de la habitación urbana y de lo que hoy consideramos arquitectura popular de los pueblos castellanos” (Bustamante and Marías, 1990). Y en el mismo sentido, aunque de manera más gráfica y elocuente, podemos echar un ojo a las fotografías históricas de Artur Pastor para comprobar cómo aun a mediados del siglo pasado eran muy comunes las cubiertas vegetales de colmo en las aldeas de Trás-os-Montes, aunque poco después se generalizase la teja árabe y, más recientemente, otras industriales. Figuras 9 y 10. Trás-os-Montes (Portugal), construcciones con cubierta vegetal en la década de 1950 (Arquivo Municipal de Lisboa, Coleção Artur Pastor, PT-AMLSB-ART-010965). Portelo (Trás-os-Montes, Portugal). Nuevos tejados de teja conviviendo con otros antiguos de pizarra. Antes hubo vegetales. Fotografía del autor. Si hemos perdido la memoria de las fases anteriores del vernáculo histórico, habremos de hablar de amnesia, desconocimiento o falta de investigación. Pero en ningún caso de atemporalidad, con la acepción de estatismo que conlleva ese término. A este respecto, la citada Carta del Patrimonio Vernáculo construido nuevamente parece que vuelve a confirmar nuestro discurso al reconocer lo vernáculo como un proceso cultural en continuo cambio y adaptación: “A construção vernácula é a forma tradicional e natural pela qual as comunidades habitavam. É um processo contínuo que inclui as necessárias modificações e adaptações contínuas como resposta às restrições sociais e ambientais. A 83 sobrevivência desta tradição está mundialmente ameaçada pelas forças da homogeneização económica, cultural e arquitectónica. Como se podem deter essas forças é um problema fundamental que deve ser abordado pelas comunidades e, também, pelos governos, pelos planeadores, pelos arquitectos, pelos conservacionistas e por grupos multidisciplinares de especialistas” (ICOMOS, 1999). Ahora bien, aceptada esa explicación de ICOMOS podríamos preguntarnos: sin menoscabo de la salvaguardia del vernáculo histórico, ¿Por qué negar el vernáculo actual afectado por la Globalización? ¿No es expresión cultural de las comunidades locales? ¿Acaso no constituye esa Globalización un “proceso continuo, que incluye cambios necesarios y una continua adaptación como respuesta a los requerimientos sociales y ambientales”? 3. CONSECUENCIAS Y CONCLUSIONES Todo lo dicho hasta ahora puede encuadrarse en un intento por esbozar una relectura de la arquitectura vernácula. Representa una enmienda a la visión que ha venido imperando el último siglo, anquilosada y demasiado conflictiva como para no ser revisada. Su indefinición conceptual es también evidente en los textos legislativos, a pesar de que, en principio, debieran partir de una identificación absolutamente clara de los conceptos. En España, la imprecisión y ambigüedad de las propias categorías que engloban esta arquitectura, como las de “Patrimonio etnológico”, “antropológico” o “etnográfico”, es patente incluso cuando funcionan como títulos jurídicos. La Ley 16/1985 de Patrimonio Histórico Español, sancionó definitivamente en su título VI el reconocimiento de la Arquitectura tradicional como parte del Patrimonio histórico español. Sin embargo, no se concedió a esta especificidad su correspondiente protección, pues quedó regulada por lo dispuesto en los títulos II y IV, lo mismo que el común de bienes inmuebles, a pesar de que las características y necesidades de los etnográficos –generalmente abocados a la categoría de “conjuntos históricos”– poco tengan que ver con las de un bien “monumento”. Y la situación poco ha evolucionado con las más recientes leyes autonómicas, pues si bien todas incluyen un sitio para el Patrimonio “etnográfico” o “etnológico”, ni siquiera lo acotan con el detalle debido, algo extensible incluso a leyes más nuevas y específicas, como la 2/1993 catalana o la 1/2002 balear, que apenas concretan acciones de Conservación directa sobre los bienes inmuebles. Respecto a otros marcos legislativos, como los autonómicos de Ordenación del territorio y Ordenación urbanística, las referencias a este tipo de patrimonio son habituales pero igualmente genéricas. En el caso portugués, la Ley 107/2001 afirma que integran el patrimonio cultural todos los bienes que “sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização” y, en este sentido, la cultura tradicional popular (en la que se integra la arquitectura vernácula) “ocupa uma posição de relevo na política do Estado e das Regiões Autónomas sobre a protecção e valorização do património cultural e constitui objecto de legislação própria” (art. 2.1 y 2.8). Sin embargo, a pesar de esa relevancia reconocida, dicha legislación propia aún no se ha desarrollado como tal, y las contradicciones implícitas en la propia ley no tardan en hacerse presentes. El artículo tercero establece la obligación del Estado de asegurar la herencia nacional, “cuja continuidade e enriquecimento unirá as gerações num percurso civilizacional singular” (art. 3.1). Ese patrimonio se entiende como un instrumento “de realização da dignidade da pessoa humana, objecto de direitos fundamentais, meio ao serviço da democratização da cultura e esteio da independência e da identidade nacionais” (art. 3.2). Y también se afirma que el “conhecimento, estudo, protecção, valorização e divulgação do património cultural constituem um dever do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquías locais” (art. 3.3.). Todos estos principios son sensatos y necesarios para la salvaguardia de la arquitectura vernácula. Sin embargo, si entendemos ésta en los términos que he expuesto, todo queda en entredicho en el momento en el que la misma ley, al referirse a los proyectos, obras e intervenciones, encomienda la realización de cualquier proyecto de obra a “técnicos de qualificação legalmente reconhecida ou sob a sua responsabilidade directa” (art. 45; DL 309/2009; DL 140/2009, cap. III), a la vez que ordena la preceptiva “autorização e acompanhamento do órgão competente para a 84 decisão final do procedimento de classificação”. En efecto, la presencia de lo que Caniggia y Maffei (1995) denominaron “conciencia crítica” imposibilita el ejercicio de aquella otra “espontánea” que permite al sujeto actuar según la esencia cultural heredada, sin necesidad ni obligatoriedad de mediaciones o decisiones críticas. El libre y auténtico desarrollo del vernáculo actual se ve así menoscabado. Y, además, los bienes vernáculos quedan adscritos a las mismas categorías y protección que los cultos –monumento, conjunto o sitio–, siendo tratados en términos artísticos e históricos (Lei 107/2001, art. 45.2), aunque su valor y necesidades no son los mismos. Para la arquitectura vernácula esto supone seguir manteniendo el antiguo paradigma comprensivo, que prima el resultado material sobre el antropológico o cultural. Las carencias legislativas de la arquitectura vernácula son comprensibles si partimos de la deficiente conceptualización de ésta. Pero la advertencia de esos problemas no puede justificar su persistencia. En los últimos años hemos visto cómo las diferentes normativas –tanto documentos soft Law como de carácter jurídico vinculante– han ido incorporando una sensibilidad cada vez más decidida hacia las comunidades locales, avalando a través del relativismo cultural el derecho de éstas a gestionar su patrimonio según sus propios valores. Una noción como la de paisaje urbano histórico (UNESCO, 2011) parte precisamente de la idea de que las ciudades son entes dinámicos y cambiantes, donde la diversidad y creatividad culturales son importantes y donde las tradiciones y percepciones locales deben respetarse igual que los valores (más oficiales) de las comunidades externas (Lalana, 2011; Lalana and Pérez Gil, 2018). Pero, a pesar también de la popularización de la gestión participativa o del derecho a la ciudad, sigue ignorándose por completo la libertad expresiva de las comunidades, esa conciencia espontánea –tan importante para el patrimonio vernáculo– que va más allá de la conciencia crítica de determinados agentes sociales y que debería considerarse implícita en los derechos ya reconocidos de las comunidades locales a comprender y salvaguardar de manera preferente su propia identidad cultural. Y, en este sentido, podríamos preguntarnos si la legislación portuguesa (o la internacional) está realmente asegurando esa protección del patrimonio cultural como “instrumento primacial de realização da dignidade da pessoa humana, objecto de direitos fundamentais, meio ao serviço da democratização da cultura e esteio da independência e da identidade nacionais”. Si se imposibilita el libre desarrollo del vernáculo actual, ¿se permitirá esa “transmissão de uma herança nacional cuja continuidade e enriquecimento unirá as gerações num percurso civilizacional singular”? ¿No se estará privando a las generaciones venideras del testimonio cultural auténtico de nuestro tiempo? Figura 11. La incorporación de lo actual sobre lo histórico en Nuez de Aliste (Zamora, España). Fotografía del autor. Las consecuencias de la aceptación del nuevo paradigma cultural son muchas y traumáticas porque suponen una revolución de las actuales estructuras epistemológicas y procedimentales. Volviendo a los conceptos de vernáculo histórico y actual, no cabe duda de que el primero tendrá más posibilidades de ser reconocido como patrimonio por su condición de testimonio histórico e irrepetible. Generalmente pensamos en esa categoría cuando hablamos de arquitectura vernácula y a ella (o a su continuidad contemporánea) se adscriben la práctica totalidad de declaraciones de protección, generalmente aplicadas a conjuntos. Sin embargo, la lectura que defiendo tendría un carácter más amplio e integrador. En otra ocasión ya me he referido al caso de Río de Janeiro, que en 2012 se convirtió en la primera ciudad en acceder al Patrimonio Mundial con la categoría de paisaje cultural, al cumplir los criterios V y VI de evaluación del valor universal excepcional: “ser un ejemplo destacado de formas tradicionales de asentamiento humano o de utilización de la tierra o del mar, representativas de una cultura (o de varias culturas), 85 o de interacción del hombre con el medio, sobre todo cuando éste se ha vuelto vulnerable debido al impacto provocado por cambios irreversibles” (WHC, 2008, criterio V). Es cierto que dicha declaración no recoge expresamente los barrios de favelas, sino los principales hitos naturales y urbanos (Parque Nacional de Tijuca, Jardines Botánicos, Corcovado y su Cristo, Copacabana…). Ni el Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, como promotor, ni UNESCO, como declarante, citan en sus documentos las favelas, más que como asentamientos irregulares y de manera indirecta. Sin embargo, las históricas de Santa Marta y Morro da Babilônia están en su perímetro, así como otras en las zonas de amortiguamiento, y nadie duda que resultaría muy difícil concebir hoy el paisaje carioca sin el telón de fondo de esos barrios. Más bien parece que esa omisión se debe a cierto prejuicio aporofóbico, reacio a la inclusión de espacios marginales y pauperizados, aun cuando éstos, paradójicamente, representarían la quintaesencia de algunos de los valores cariocas más universales, como la samba o el carnaval. Y, por eso mismo, en un momento en el que las favelas parecen haber sido aceptadas como tales por las instancias municipales y han comenzado a integrarse en sus políticas urbanísticas, empiezan a surgir algunas voces que reivindican expresamente su reconocimiento patrimonial como paisaje cultural y en tanto que forma legítima de vivienda (Huguenin and Andrade, 2014). E igualmente, a pesar de que todavía no existe ninguna favela con declaración patrimonial, desde hace años se han venido desarrollando acciones que las valoran, especialmente a partir de los propios vecinos, e incluso abriéndose museos temáticos en Horto, Rocinha, Maré o el Museu da Favela (MUF), en Pavão-Pavãozinho (Groves, 2015). Dichas favelas, pues, entendidas como asentamientos irregulares y al margen de cualquier normativa2, pueden con- 2 Para el Instituto Brasileño de Geografía y Estadística (IBGE) “Las favelas se definen como aglomeraciones urbanas subnormales, asentamientos irregulares en áreas consideradas como no aptas para la urbanización, como las pendientes escarpadas de las montañas de Rio de Janeiro: un conjunto que consta de por lo menos 51 unidades habitacionales (chozas, casas, etc.) que ocupan —u ocupaban— hasta hace poco terrenos de propiedad ajena (pública o privada), dispuestas en general de manera desordenada y densa, y carentes, en su mayoría, de servicios públicos y básicos” (Jovchelovitch and Priego-Hernández, 2015, p. 4). siderarse hoy una de las expresiones más auténticas del vernáculo actual, precisamente por esa cierta libertad constructiva que otorga a sus constructores la ilegalidad (entendida como independencia respecto de proyectos, normativas o estándares oficiales e impuestos). Serían, pues, un buen ejemplo de la citada “conciencia espontánea”. Obviamente, el reconocimiento de obras del tipo de las favelas como arquitectura vernácula o patrimonio cultural resultaría incómodo para muchas instancias, tanto por romper con el tradicional paradigma comprensivo como por las consecuencias que pudiera acarrear la valoración de infraviviendas en esos términos. Pero la primera reticencia repugna al conocimiento, y la segunda olvida que la mayor parte de las arquitecturas vernáculas ha sido siempre el hogar de la miseria. Si en ellas hemos hallado la esencia de lo vernáculo es precisamente porque históricamente se han hecho con apenas los recursos humanos y materiales del lugar. Y la lectura actual del alabado vernáculo histórico está a menudo tan alejada de lo que fue su realidad cotidiana como la que obtuvieron desde un prisma idealizado y pintoresco muchos de aquellos pioneros que se acercaron por vez primera a ella. Pero, además, ese reconocimiento tendría también importantes consecuencias de cara a la caracterización y conservación de esos nuevos conjuntos, como el de las favelas cariocas. Paola Jacques ha afirmado a este respecto que son construcciones que responden a un proceso arquitectónico y urbanístico vernáculo singular, distinto proyectual y estéticamente del erudito u oficial, y que su especificidad obliga a pensar su urbanismo desde la conservación de la noción de participación y de la de los espacios-movimiento. Sin embargo, esta idea resultaría paradójica, por cuanto exigiría conservar y patrimonializar el movimiento, el cambio. Y para ello habría que seguir permitiendo el propio cambio, el dinamismo, esa libertad que caracteriza la expresión cultural, pues fosilizar el patrimonio (como a menudo se hace desde los enfoques monumentalistas o desde sus estribaciones vernáculas) supondría negar su esencia. “Em outros termos, se pode conservar o movimento se deixarmos, justamente, que ele se movimente. Isso nos leva a pensar na noção de patrimônio de outra forma que 86 não a da consolidação cultural dentro de uma lógica conservadora de museificação. O próprio movimento pode ser proposto como patrimônio a ser conservado… Ou seja, o que deveria pretender preservar é a participação ativa do habitante/cidadão na construção de seu próprio espaço/cidade, como ocorre em diferentes níveis nos espaços-movimento” (Jacques, 2001, p. 150). La ampliación y nueva conceptualización de la arquitectura vernácula obliga asimismo a considerar el posible valor de todas aquellas obras desechadas por no ajustarse a los paradigmas canónicos, como las fechorías (“malfeitorias”) repudiadas por los modernos arquitectos del Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal y que no encajaban con su percepción idealizada de lo popular (Leal, 2011). Cierto es que autores como Ernesto Veiga de Oliveira en su Arquitectura Tradicional Portuguesa (escrito en 1970) o Carlos Flores en su Arquitectura popular española (1973) llegaron a dejar entrever alguna sensibilidad hacia las expresiones del vernáculo contemporáneo3, pero para acabar ahogándola en la visión tradicional del concepto. Hubo que esperar a finales del siglo pasado para que en Portugal construcciones como las casas de emigrante empezaran a ser valoradas como expresiones culturales (Raposo, 2016). Y aunque esto no signifique de forma alguna que debamos abandonar a su suerte al vernáculo histórico, que olvidemos la tradición o que nos sumemos de manera acrítica al todo vale, lo cierto es que es hora de asimilar los testimonios de nuestra propia época, tal y como vienen reclamando autores como João Leal, uno de los antropólogos que más brillantemente ha abordado las causas y proceso de cambio de nuestras arquitecturas vernáculas (Leal, 2009 and 2011). 3 “Rótulos, carteles, muestras comerciales, constituyen así mismo nuevos soportes del color dentro de la arquitectura popular. A veces, suponen también el rasgo pintoresco o humorístico que no debería ser menospreciado si se pretende recoger en toda su amplitud el fenómeno de lo popular” (Flores, 1973, p. 131). Figura 12. Un tipo de casa de emigrante en Grajal de Campos (León, España). Fotografía del autor. Sin prejuicios pero sin condescendencias debemos considerar toda esa ingente cantidad de obras que, aprovechando también materiales industriales, han permitido desde el siglo pasado –especialmente a los lugareños de los ámbitos rurales– autoconstruir incontables arquitecturas, generalmente de pequeña escala por escapar a las prescripciones técnicas legales y facultativas (construcciones auxiliares, casetas, cercados…). E incluso podríamos sumar algunas viviendas de nuestros territorios de baja densidad que aportan una valiosa información cultural y sociológica que sumar a la cadena histórica y sin la cual no podremos alcanzar una comprensión integral de su realidad cultural. Todo ello, como he dicho, sin olvidar las necesidades del vernáculo histórico, aplicando una metodología de aproximación integral y enfocada hacia la especificidad cultural de estas arquitecturas, e implementado una gestión prudente que regule unos límites aceptables de cambio. 87 Figura 13. Para entender integralmente y en clave cultural el paisaje de la ribera del Bestança (Cinfães, Portugal) hay que leer e interpretar todos los factores que lo constituyen: naturales y humanos, materiales e intangibles, históricos y actuales. Así, la adaptación topográfica de las aldeas y caserío, las relaciones con el río, las nuevas infraestructuras y comunicaciones, las terrazas históricas, los abandonos, las aportaciones de los retornados… Fotografía del autor. BIBLIOGRAFÍA Arquitectura popular em Portugal. (1980). Lisboa, Associação dos Arquitectos Portugueses. Arquivo Municipal de Lisboa, Coleção Artur Pastor, PT/ AMLSB/AJG/S01838. [On line]. Available at http:// arquivomunicipal2.cm-lisboa.pt/xarqdigitalizacaocontent/ Imagem.aspx?ID=1674541&Mode=M&Linha=1&Coluna=1 [accessed on 23/5/18]. Benito, F. (2003). La Arquitectura Tradicional de Castilla y León. Salamanca, Junta de Castilla y León. Burke, P. (2014). Fortalezas y debilidades de la Historia Cultural. 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Built heritage: Studies, defense and recovery Ricardo Soares Mestrando em Arquitectura e Urbanismo, Universidade Fernando Pessoa ricardojsoares@hotmail.com RESUMO A “Casa do Fundo da Rua” pertencente à família Serpa Pinto é um edifício de habitação nobre e o único exemplar de arquitectura barroca na aldeia de Boassas. Este é a peça chave de uma investigação, ainda a decorrer, que tem como principal objectivo analisar as diferentes formas de valorização da casa nobre enquanto património evolutivo-vivo, que com o passar dos tempos, sejam eles históricos ou culturais, tem resistido a diversas transformações responsáveis por uma clara e crescente perda de identidade, fazendo com que existam diferentes modos de apreciação e valorização dos elementos construídos e do próprio contexto onde o objecto se insere ao longo de diferentes períodos. Deste modo, é importante uma compreensão clara e minuciosa dos elementos ligados não só à geografia, arquitectura, heráldica e cultura, mas também à própria genealogia, resultando numa profunda análise que certamente contribuirá para um desenvolvimento sustentável da aldeia de Boassas, da região e manutenção da memória da família da casa. ABSTRACT Casa do Fundo da Rua belongs to Serpa Pinto family. It is a noble house building and the only type of baroque architecture in the village of Boassas. It is a key piece of an investigation, which is still ongoing, with the main objective to analyse the different ways of valuation and appreciation of the noble house evolutive patrimony. Along the times, the house has endured many transformations, which are accountable for an evident loss of its identity. This has contributed to the emergence of different modes of valuation and appreciation of the elements built and the context where the object is inserted over different periods. Thus, it is important to establish an evident and thorough understanding of the building elements, related with not only geography, architecture, heraldry and culture, but also related to its genealogy. This broad analysis will certainly contribute to a sustainable development of Boassas village, the region and to the conservation of Serpa Pinto family remembrance. Palavras-chave Património construído; Arquitectura, defesa e valorização; Serpa Pinto; Casa do fundo da rua. Keywords Built heritage; Architecture, protection and appreciation; Serpa Pinto; Casa do fundo da rua. 92 A CASA A “Casa” deve ser tida como símbolo da relação entre a história, a memória e a identidade, no entanto, quando abordamos estes três elementos assumimos que esta terá certamente um significado contínuo, pois muitas das vezes, acabamos por confundir as cinzas de um passado com a chama de um futuro globalizado, quase como que se a história, a memória e a identidade fossem a viagem que fazemos na estrada que retrata uma época. Contudo, não deverá a história, a memória e a identidade ser como a “Casa”? A casa não tem o carácter de uma estrada, porque absorve marcas do tempo, as memórias, as vivências, os valores paisagísticos da sua envolvente, o sol, a chuva e as emoções. Absorve as imagens, mobiliário, utensílios, cheiros, sensações, sem esquecer a forma como a mesma é capaz de alterar o modo como percecionamos o “mundo exterior” a partir das suas janelas marcadas por uma quadrícula que o organiza. A casa tem o poder de transformar o habitante e permite preservar uma identidade individual ou colectiva através da memória. “A Arquitectura é o único meio de que dispomos para conservar vivo um laço com o passado ao qual devemos a nossa identidade, e que é parte do nosso ser” citava a certa altura a historiadora francesa Françoise Choay o autor de As pedras de Veneza no seu livro Alegoria do Património (Choay, 1999, p.121). Esse laço com o passado e a história pode ser visto como uma memória coletiva, que foi sendo passada ao longo dos tempos às diferentes gerações que compõem uma comunidade e essa memória colectiva é responsável por garantir a preservação da identidade de um grupo, região ou nação. É certamente um erro assumir que a memória é estritamente individual porque as nossas raízes, religião, princípios, gastronomia, técnicas, vivências e sem nunca esquecer a arquitectura estão na grande maioria das vezes ligadas aquilo que é a nossa história, memória e identidade. E mesmo num mundo cada vez mais global, onde as pessoas estão cada vez mais próximas através dos mais diversos meios tecnológicos, há uma história, há uma me- mória e há uma identidade que ainda diferencia as mais diversas culturas. Dizia John Ruskin “Podemos viver sem a arquitectura, adorar o nosso deus sem ela, mas sem ela não podemos recordar” (Ruskin, 1989, p.147). A Casa constitui uma presença viva do passado no presente e certamente, essa presença viva manter-se-á também no futuro. A casa tal como o ser humano adquire uma reminiscente identidade. É necessário pensar que o ser humano tem como uma das suas principais ambições a busca pela compreensão da história, da memória e da identidade, sendo a casa a caverna dos tempos modernos e o refúgio dos pensamentos. É necessário olhar a casa com humildade. A humildade reflete o nosso bom senso, é vista como uma virtude, e permite que as pessoas se avaliem a elas mesmas em relação aos outros, é sinónimo de respeito e honestidade. É urgente que exista humildade para uma profunda compreensão da história, memória e identidade, pois a casa deve ser valorizada das mais diversas formas enquanto património evolutivo-vivo, pertencendo a diversos períodos históricos e culturais. Foram estes períodos responsáveis por influenciar o modo como intervimos, valorizamos e salvaguardamos o património tangível e intangível. OS PINTOS Segundo o conde D. Pedro a família dos Pintos é uma das mais antigas de Portugal descendendo de D. Egas Mendes de Gondar, um dos mais valorosos capitães da sua época e companheiro de armas do rei D. Afonso Henriques. No seu brasão as armas dos Pintos são: “De prata com cinco crescentes de vermelho, postos em sautor. Timbre: um leopardo de prata, armado e lampassado de vermelho com um crescente do mesmo na espádua.” (Cerveira-Pinto, 2008, p.31). 93 dalgo da casa real e camarista de el-rei D. Sebastião. Fruto do casamento entre António Rodrigues de Oliveira e Serpa e D. Luísa Delgada, nasceu D. Mariana de Serpa da Casa de Castro Cio em Ferreiros de Tendais. D. Mariana casou com Manuel Pinto da Costa, senhor da Torre de Chã e como resultado do casamento nasceu o Sargento-Mor do concelho de Ferreiros de Tendais António de Serpa Pinto, que terá mandado edificar a Casa do Fundo da Rua, no final do século XVIII. Figura 1. Brasão. Fonte: Rezende, J.; Rezende, M. (1988). Famílias Nobres nos concelhos de Cinfães, Ferreiros e Tendais nos Sécs. XVI, XVII e XVIII. Porto. A CASA DO FUNDO DA RUA Este edifício senhorial está directamente relacionado com a família dos Pintos de Riba-Bestança e nele viveram Alexandre Alberto de Serpa Pinto e Joaquina Antónia da Silveira Lacerda Pinto, avós maternos do grande explorador de terras africanas Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto, filho do Dr. José da Rocha Miranda de Figueiredo e de D. Carlota Cacilda de Serpa Pinto. Figura 2. Alçado Sul, Casa do Fundo da Rua. Fotografia de Cerveira Pinto. A “Casa do Fundo da Rua”, ou “Casa do Fundo de Vila”, pertenceu à família dos Serpas, que teve origem em António Rodrigues de Oliveira e Serpa, conhecido como “O Velho”, fi- Figura 3. Pretória, 1879. Serpa Pinto depois da travessia. Fonte: SERPA PINTO, Carlota de. (1937). A Vida Breve e Ardente de Serpa Pinto. Agência Geral das Colónias, Lisboa. 94 A família, em alguns dos manuscritos que resistiram ao tempo, nomeadamente “A História da Família Serpa Pinto” refere-se à Casa do Fundo da Rua como a Casa de Boassas. É aqui sentido que o edifício é visto como a casa sede, estabelecimento e membro da família, tendo este caráter familiar, de berço, de abrigo, sendo uma referência histórica e patrimonial ligada à história dos Pintos. No norte de Portugal, na freguesia de Oliveira do Douro, concelho de Cinfães, distrito de Viseu, localiza-se a Aldeia de Boassas na margem esquerda do Rio Douro e nas proximidades do Rio Bestança e das aldeias de Pias, Lodeiro e Porto Antigo. A aldeia fazia outrora parte do extinto concelho de Ferreiros de Tendais que era realengo, mas pelos serviços prestados à coroa foi doado à Família dos Pintos que tinha sede na Torre de Chã. Figura 4. Alçado Sul, Casa do Fundo da Rua. Fotografia de Ricardo Soares. A Casa do Fundo da Rua encontra-se localizada na parte baixa do núcleo principal da aldeia de Boassas, sendo também designada por “Casa de Fundo de Vila”, como antes dito. A casa possui vastos terrenos de cultivo e jardins, bem como um miradouro de onde se desfruta a paisagem sobre a zona da Pala, a albufeira do Carrapatelo e o vale do Rio Bestança. O nobre edifício setecentista faz parte de um conjunto que compõe toda a aldeia, rica em património edificado de um grande valor arquitectónico, cultural e histórico e assume uma posição preponderante, na relação com os enfiamentos visuais, com a exposição solar e com o próprio micro-clima que abraça a aldeia, mantendo ainda relação com os rios que demarcam aquela região. No final do Século XVIII foi construída a Casa do Fundo da Rua. O edifício único exemplar de arquitetura barroca na al- 95 Figura 5. Teto da sala principal da Casa. Fotografia de Ricardo Soares. deia. Trata-se de uma edificação de grandes proporções e de planta retangular que ainda se mantém relativamente bem conservado, inserido numa quinta composta por casas de caseiro, azenhas e palheiro. Quanto à sua composição, os elementos em destaque da fachada sul são as molduras em granito nas portas e janelas, sublinhando os cunhais e ainda o caraterístico beiral. Estes elementos reforçam o enorme esforço arquitetónico concentrado na fachada principal. Um outro elemento de destaque é a escadaria que dá acesso à sala principal que possui um teto em madeira, de forma octogonal, ornamentado, em cujo centro se encontra esculpido o brasão de Serpa, Costa, Pinto e Brito (Figura 5). A quinta onde a casa se insere é constituída essencialmente por espaços diferenciados, os quais são marcados por um muro que divide a zona “pública”, onde se encontra a Cape- la, à qual era permitido o acesso a população da aldeia, e a “zona privada” que possui os terrenos de cultivo e também alguns vestígios dos jardins e do seu antigo esplendor (na fachada norte), zona esta que era reservada aos proprietários e convidados da casa. A vegetação no alçado sul é outro elemento essencial, ligada à arquitetura teatral típica da arte Barroca, e é de salientar as árvores exóticas nomeadamente as duas palmeiras que eram tidas como símbolo de nobreza. A “zona privada” é ainda caraterizada pelos espaços de lazer, e composta por um miradouro, lagos, pérgolas, bancos e mesas. É importante referir que os enfiamentos visuais são parte integrante da composição, satisfazendo a tendência da arte barroca de prolongar os espaços até ao infinito. Esta zona é uma das partes mais importantes que compõem a casa, pois a vivência do exterior tinha um especial destaque para os seus habitantes. 96 O elemento arquitetónico de maior destaque na fachada é sua monumental chaminé, estrutura preponderante símbolo de imponência e ostentação, normalmente relacionado proporcionalmente com o tamanho da cozinha. São de destacar também os três postigos que compõem a fachada, elemento raro e muito dificilmente encontrado nos solares barrocos. Curiosamente, aqui, a fachada, por oposição dos outros elementos, apresenta-se bastante pobre de elementos caraterísticos, acontecendo o mesmo na fachada norte. Figura 6. Palmeira localizada face ao alçado sul da Casa. Fotografia de Lourenço Pereira. Figura 8. Fachada Este, Casa do Fundo da Rua. Fotografia de Ricardo Soares. A água é também um elemento presente na casa, com uma organização barroca, composta por um aqueduto, tanque e fonte que cruza os jardins e zonas de estar. A água está diretamente relacionada com a rega dos jardins e atividade agrícola. Figura 7. Espaço de lazer e miradouro. Fotografia de Renato Brito. 97 Como solar do século XVIII, a casa desenvolve-se horizontalmente, numa planta rectangular e possui os dois pisos característicos. O piso superior destina-se à habitação e é composto pelos quartos, a sala principal, sala de jantar, cozinha. O trabalho em granito confirma a fama dos antigos pedreiros de Boassas, salientando a cruz localizada ao centro e os dois pináculos que a ladeiam e rematam a frontaria, bem como os cunhais, singularmente tratados como se de colunas coríntias se tratasse, encimadas com motivos fitomórficos. Figura 9. Planta do piso superior da Casa. Desenho do autor. Já o piso inferior era aproveitado para arrecadações, adega, cavalariça e celeiro ligado às atividades agrícolas da casa. Figura 10. Planta do piso inferior da Casa. Desenho do autor. A capela encontra-se adossada à casa e destaca-se como o elemento principal do edifício, existindo um acesso ao coro a partir do interior da casa, o qual era utilizado pelos proprietários e convidados. Figura 11. Capela de Nossa Senhora. Fotografia de Renato Brito. A CAPELA O templo integrante da Casa do Fundo-da-Rua é designado por Capela de Nossa Senhora. Encontra-se adossado ao edifício principal e contém na sua frontaria o brasão. Trata-se de uma construção de caraterísticas barrocas, na sua melhor tradição, em que a profusão ornamental e a textura do granito contrastam com a superfície lisa e austera do reboco caiado. No interior, bastante despojado se comparado com o exterior, é de salientar o retábulo de talha barroca em madeira à vista e o coro anteriormente referido, que permitia aos donos da casa assistir às celebrações religiosas. 98 tribuindo para uma estratégia de desenvolvimento sustentável da Aldeia e da Região, bem como para a manutenção da memória e identidade do grande explorador Alexandre Alberto de Serpa Pinto e da sua Família. Figura 12. Capela de Nossa Senhora: retábulo de talha barroca. Fotografia de Ricardo Soares. O BRASÃO O brasão é o exemplo máximo de cantaria e um elemento escultural, cuja minúcia do trabalho em granito é exemplar. A decoração profusa, delicada e tipicamente barroca encontra-se diretamente relacionada com a composição da fachada da capela, conferindo-lhe uma notável aura de dignidade e imponência. A sua descrição é a seguinte: Figura 13. Brazão. Fotografia de Ricardo Soares. BIBLIOGRAFIA Cerveira-Pinto, M. (2008). Boassas, Uma aldeia com história. Cinfães, Jornal Miradouro Edições, Lda. Ruskin, J. (1989). The seven lamps of architecture. Nova Iorque, Dover. «Escudo esquartelado de Serpa, Costa, Pinto e Brito. Elmo com grades, tarado de perfil à direita, com paquife e virol e o timbre de Serpa. Granito. Século XVIII. - (V.- O. da Nóbrega)» (Guimarães, B.,1954). Choay, F. (1999). A Alegoria do Património. Lisboa, Edições 70. As caraterísticas da “Casa do Fundo da Rua” relevam a sua importância patrimonial, tanto pelo significado histórico/ cultural, como arquitetónico e alertam para a necessidade da sua preservação e salvaguarda. A sua classificação como Imóvel de Interesse Público surgirá assim como o resultado lógico e incontornável de uma análise mais profunda, con- Rezende, J.; Rezende, M. (1988). Famílias Nobres nos concelhos de Cinfães, Ferreiros e Tendais nos Sécs. XVI, XVII e XVIII. Porto. Guimarães, B. (1954). Cinfães – Subsídios para uma Monografia do Concelho. Porto, Junta de Província do Douro Litoral. Serpa-Pinto, C. (1937). A Vida Breve e Ardente de Serpa Pinto. Lisboa, Agência Geral das Colónias. 99 100 101 A Obra Nasce dezembro 2018, 13, pp. 101-109 Sustentabilidade e património Sustainability and heritage Luís Pinto de Faria Professor Associado da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Fernando Pessoa CAPP – ISCSP, Universidade de Lisboa | LEP – FCT, Universidade Fernando Pessoa lpintof@ufp.edu.pt RESUMO A definição de «desenvolvimento sustentável» veiculada pelo Relatório Brundtland (1987), apesar das justificações e aclarações de que foi objeto durante as últimas décadas, permite ainda um leque alargado de leituras dependentes do olhar e dos interesses de quem a procura interpretar, designadamente no que respeita ao modo como ela é incorporada na definição e na implementação de reformas de ordem política, económica e social com vista a um “outro desenvolvimento”. Sendo certo que a dependência desta noção relativamente ao ambiente cultural que a informa não permite uma definição taxativa do conceito, este artigo propõe a sua revisitação no contexto das profundas transformações de ordem social, política e económica, decorridas durante as últimas décadas para, a partir daí, aprofundar o modo como ela hoje se apresenta no discurso da disciplina da arquitetura e, consequentemente, se reflete no exercício de reabilitação do território. Conclui-se que o objetivo de integrar a agenda do «desenvolvimento sustentável» no gesto de “re habilitare”/“voltar a adequar” o território implica, não só uma reforma instrumental e metodológica do processo de «reabilitação», como uma revisão conceptual, agora mais informada na complexidade de todo o «sistema» global, formado por constituintes físicos artificiais e naturais, sociológicos, culturais e ambientais. Palavras-chave Arquitetura; Urbanismo; Crescimento; Desenvolvimento sustentável; Cultura; Ecologia. ABSTRACT The definition of «sustainable development», as published in the Brundtland Report (1987), despite the justifications and explanations that it has received over the last decades, has a wide range of readings and interpretations depending on the perspective and on the interests of those who seeks to interpret it and thus on the way that this definition is reflected on the execution of political, economic and social reforms aimed at “other development”. Despite this concept’s dependence on the cultural context does not allow its restrictive definition, this article proposes to revisit it in the context of the profound social, political and economic transformations that have taken place during the last decades, hence, to deepen the way in which it is articulated with the rehabilitation issues. It is concluded that the objective of integrating the «sustainable development» concept’s agenda into the process of “re-habilitare”/”re-adapt” the territory implies not only an instrumental and methodological reform of the practice of “rehabilitation”, but also a cultural reform and a conceptual review that reflects the complexity of the whole global “system”, now understood as a set of artificial, natural, sociological, cultural, and environmental physical constituents. Keywords Architecture; Urbanism; Growth; Sustainable development; Culture; Ecology. 102 INTRODUÇÃO Os sucessivos incumprimentos dos objetivos da agenda económica, ambiental e social associados ao «desenvolvimento sustentável” evidenciados no contínuo agravamento dos desequilíbrios detetados no ecossistema global, estão a contribuir para uma nova tomada de consciência coletiva sobre a real complexidade dos problemas ecológicos da humanidade. Em detrimento daquele que até agora terá sido o seu primeiro objeto de atenção – o alerta energético –, o debate sobre a sustentabilidade tende agora a centrar-se mais na sua dimensão territorial, política e cultural, enquanto contexto, palco e objeto da sua agenda económica, social e ambiental. Conforme ficou expresso nas conclusões do “Fórum Mundial Porto21” (Silva, 2013, p.7) sobre as Cidades e Desenvolvimento Sustentável, a reforma cultural é simultaneamente objeto e agente do novo paradigma de «desenvolvimento» exigindo uma mudança nos padrões de comportamento e mentalidade dos indivíduos, das sociedades e dos governantes. No sentido de enquadrar o diálogo entre os dois conceitos que dão mote ao título deste artigo – «sustentabilidade» e «reabilitação» – procede-se agora a uma revisão do percurso conceptual de ambos, atribuindo-se especial enfoque ao modo como eles têm sido reinterpretados no contexto de toda uma transformação civilizacional em curso, bem como ao modo eles estão a ser integrados na prática da arquitetura. O «DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL» Os anos 60 marcam um momento fundamental no estudo da evolução do conceito de ecologia na arquitectura e no urbanismo, na medida em que introduzem no debate, definitivamente, a tónica ambientalista. Apesar de logo após a II Guerra Mundial serem já visíveis alguns sinais de preocupação/revisão dos sistemas comportamentais instituídos, terá sido o bestseller de Rachel Carson, “Silent Spring” de 1962, o sinal de alarme e marco inaugural para o movimento ambiental que o seguiu. Concentrado no perigo que os produtos tóxicos usados como pesticidas representavam para a natureza e para a huma- nidade, este trabalho espoletou toda uma série de acontecimentos internacionais no campo político e legislativo, bem como activou definitivamente o debate sobre a preservação dos recursos naturais do planeta. Nos anos seguintes, a publicação de novos títulos sobre o tema, o aparecimento de diversas organizações cívicas e governamentais de alerta, intervenção e protecção do ambiente, bem como o surgimento da primeira agência nacional de protecção ao meio ambiente, a NEPA (National Environmental Policy Act), marcam o início de uma nova etapa na sociedade do mundo ocidental (note-se, a título de exemplo, a celebração do primeiro Dia da Terra, em 1970, ou o surgimento do GreenPeace no Canadá, em 1971) Se o anúncio e divulgação de uma crise ambiental generalizada foi, de facto, a principal motivação do movimento ambientalista que então se afirmava, o factor económico, sublinhado pela crise petrolífera do final da década de 60, terá sido preponderante para a extensão deste debate à generalidade da população mundial, tornando-se uma temática incontornável em qualquer discurso sobre a contemporaneidade, incluindo, naturalmente o da arquitetura e o do urbanismo. Os antecedentes verificados nas propostas de homens como Frank Lloyd Wright, Buckminster Fuller, ou dos irmãos Olgyay; nas contribuições de autores posteriores como as do filósofo norueguês Arne Naess e a sua noção de «ecologia profunda», as do arquitecto americano (de origem italiana) Paulo Soleri e o seu conceito de «arcology» (arquitectura coerente com a ecologia), as do físico austríaco Fritjof Capra com “O Tau da Física”, de 1975, as do físico americano James Lovelock com “Gaia – A new look at life on Earth”, de 1979, ou as do economista alemão Ernst Friedrich Schumacher que, em 1977, em “Small is Beautiful”, apelava já ao uso de “earth and user friendly technology” (Shumacher, 1989), representam alguns exemplos de alerta, bem como uma predisposição internacional para a mudança. No entanto, o reflexo internacional mais mediático e provavelmente mais consequente sobre esta matéria ficou registado num estudo publicado por uma associação livre de cientistas, empresários e políticos de diversos países que se reuniu em Roma, nos finais da década de 60, para refletir, 103 debater e formular propostas sobre os problemas do sistema global: o Clube de Roma (McCORMICK, 1985). O referido estudo, intitulado “Limites de Crescimento”, também conhecido por relatório Meadows, foi publicado em 1972 por este grupo internacional e sublinhava a necessidade de associar a protecção da natureza ao desenvolvimento económico, defendendo que, se fossem mantidos os níveis de industrialização, poluição, produção de alimentos e exploração dos recursos naturais, o limite de desenvolvimento do planeta seria atingido, no máximo, em 100 anos. A reação a este relatório foi imediata: os países desenvolvidos consideraram que a tese que veiculava representava o fim do crescimento da sociedade industrial enquanto os países menos desenvolvidos viram este alerta como um modo dos países mais ricos impedirem o crescimento dos mais pobres sob a justificação ecológica. No mesmo ano, aquando da realização da Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano de 1972, Ignacy Sachs, a partir de uma proposta do secretário da Conferência, Maurice Strong, no sentido de conciliar a necessidade de “desenvolvimento” dos países do terceiro mundo com o necessário respeito pelos ecossistemas, propõe o termo «ecodesenvolvimento» como: “(…) um instrumento heurístico que permite aos urbanistas e aos decisores políticos abordarem a problemática do desenvolvimento segundo uma perspectiva mais ampla, compatibilizando uma dupla abertura à Ecologia Natural e à Ecologia Cultural“ (Sachs, 1996, s.p.). Este conceito, o «ecodesenvolvimento», é adoptado na Declaração de Cocoyok das Nações Unidas, assinada num hotel com o mesmo nome no México, na qual, em sequência do Relatório Meadows, é afirmado que os índices de consumo verificados nos países mais industrializados, bem como a explosão demográfica nos países subdesenvolvidos eram os grandes responsáveis pela delapidação dos recursos naturais do planeta. No entanto, como refere o próprio Ignacy Sachs (1996), esta reunião vai ser decisiva não tanto pelo seu conteúdo, mas por representar o início do fim da adoção do termo «ecodesenvolvimento». Terá sido pelo conteúdo da Declaração, pelo facto desta ter sido também assinada pelo presidente do México, Luís Echeverría, ou pelo modo como o termo «ecodesenvolvimento» foi enfatizado, que o chefe da diplomacia Norte Americana, Henry Kissinger, manifesta-se junto do Presidente do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente no sentido de forçar a necessidade da sua retificação. O Relatório Dag-Hammarskjold do Desenvolvimento e Cooperação Internacional, apresentado na 7ª Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas de 1975, apesar de não apresentar um termo alternativo concreto, lança a ideia de «Outro Desenvolvimento» sublinhando o facto de ser necessário redefinir o conteúdo e a direção do desenvolvimento. Um primeiro esboço deste novo desenvolvimento ficou registado, em 1981, no manifesto “Building a Sustainable Society” de Lester Brown, do Worldwatch Institute, quando é referido que “(...) uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz as suas necessidades sem diminuir as perspectivas das gerações futuras” (Brown, 1982). No ano de 1987, a Comissão Mundial da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), presidida pela primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, apresenta o documento “Our common future”, também chamado relatório Brundtland, no qual, ao contrário dos relatórios anteriores, mas em conformidade com muitas das ideias lançadas por Lester Brown seis anos antes, não são referidas críticas à sociedade industrial, nem tão pouco ao seu crescimento económico, mas é sublinhado um novo conceito de desenvolvimento bastante mais inclusivo, aplicável tanto aos países pobres como aos países ricos, e que, como veremos, irá transformar o debate sobre o tema: o «desenvolvimento sustentável». Esta expressão, pela sua maior ambiguidade, pela exclusão das possíveis conotações associáveis ao prefixo «eco», pelo esvaziamento dos conteúdos políticos e emancipadores do ecodesenvolvimento, bem como pela sua semelhança ao “self sustained growth”, anteriormente introduzido por Rostow e já assimilado pela comunidade dos econo- 104 Apesar do Relatório Brundtland ter sido tornado público em 1987, terá sido o mediatismo merecido pela Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento de 1992, também conhecida por Cimeira do Rio ou Cimeira da Terra, que colocou o conceito de “desenvolvimento sustentável” definitivamente no panorama cultural internacional. tima década: como sucessos foram destacadas as novas medidas para a recuperação da camada de ozono até 2050, a crescente participação pública através de ONGs, a nova responsabilidade social e ambiental do sector empresarial, a disponibilidade e acesso à informação, ou a implementação do Protocolo de Quioto, assinado cinco anos antes; como fracassos foram apontados o défice de implementação do acordo do Rio, o aumento de disparidade na distribuição de riqueza, os padrões insustentáveis na produção e consumo, a proliferação do terrorismo e dos conflitos armados, a extinção crescente de espécies e a destruição de habitats, bem como o aumento das pressões sobre os recursos hídricos. Se na Conferência de Estocolmo, de 1972, o ambiente surgiu reconhecido como um problema mundial – fundamentalmente no que diz respeito à poluição atmosférica e à delapidação dos recursos naturais –, a Cimeira da Terra associa os problemas de ambiente com os de desenvolvimento, alinhavando já algumas perspectivas de concertação internacional para este problema. Passados mais dez anos, na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável Rio +20, é reconhecido pela ONU que, “(…) apesar dos esforços de Governos e agentes não estatais em todos os países, o desenvolvimento sustentável continua a ser uma meta distante e ainda restam grandes barreiras e lacunas sistêmicas na implementação de compromissos aceites internacionalmente” (ONU, 2012). De facto, os chefes de estado reunidos, em 1992, no Rio de Janeiro comprometeram-se a procurar juntos as vias para dar resposta às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer as suas, lançando três desafios que pareciam então fundamentais para pôr fim à crise ambiental instalada: a análise da totalidade do ciclo de vida das matérias; o desenvolvimento do uso das matérias-primas e energéticas renováveis; a redução da quantidade de matérias e energias utilizadas na extracção de recursos naturais, bem como a destruição ou a reciclagem dos resíduos resultantes. Apesar de todos os esforços governamentais, bem como da emergência de uma aparente consciência coletiva sobre os objetivos do desenvolvimento sustentável – alicerçados nos pilares ambiental, económico e social - os resultados não foram os esperados. mistas, permitia a sua interpretação sob um ponto de vista mais economicista, segundo o qual seria possível associar a sustentabilidade económica com a sustentabilidade ambiental sem alterar os padrões culturais e comportamentais já enraizados. Em 1995, na Cimeira de Copenhaga foram validados na Comunidade Europeia os três pilares do Desenvolvimento Sustentável – a «prudência ambiental» a «justiça social» e a «eficácia económica» – afirmando-se então globalmente como os principais componentes estratégicos a implementar. A Cimeira Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável de Joanesburgo, realizada em Setembro de 2002 na cidade da África do Sul que lhe deu o nome, marcou os dez anos da realização da Cimeira da Terra, resultando num novo momento de reflexão sobre as conquistas e fracassos da úl- Consciente destas limitações, o mesmo Ignaci Sachs, referido anteriormente como principal mentor do conceito de desenvolvimento sustentável vem, em 1993, sugerir a adoção mais dois pilares estratégicos – o territorial e o cultural – já que, segundo este autor (SACHS, 1993. p. 2956), seriam componentes que não estavam a acompanhar as exigências e os níveis de complexidade que o conceito «desenvolvimento sustentável» tinha vindo a adquirir durante as últimas décadas. Mais tarde, em “Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável” (Sachs, 2002, p. 85-89), este autor vem ainda reforçar a importância do pilar político, nomeadamente no que se refere à necessidade de construir novos modelos de governância. Se, relativamente aos três pilares iniciais – «prudência ambiental», «justiça social» e «eficácia económica» – 105 foram ao longo das últimas décadas associadas respostas do tipo «saber fazer» –como a criação de novas práticas, produtos e medidas legislativas – as dimensões territorial, cultural e política da sustentabilidade percebem-se hoje muito mais pelo seu valor estratégico, processualmente localizadas a montante dos três pilares anteriormente enunciados e mais dependentes de uma resposta fundamentada na valorização do «cidadão» enquanto recurso e enquanto ator fundamental no exercício de uma «cidadania» ativa e na persecução de um novo «saber ser». TERRITÓRIO E CULTURA Conforme foi destacado, se num primeiro momento os esforços internacionais se dirigiram para a definição e adoção de medidas para a solução de um problema que então se identificava – a crise ambiental –, os sucessivos fracassos, e consequente agravamento das dificuldades associadas a essa ameaça, têm conduzido a que, gradualmente, se tenha valorizado substancialmente a necessidade de uma revisão conceptual e metodológica dessas medidas conferindo-lhes uma nova dimensão ecossistémica mais alargada, indissociável das dinâmicas culturais, económicas, sociais e políticas que a informam. Este olhar cruzado sobre o ser humano, a cidade e os atuais modelos de governância é, no entanto, uma realidade relativamente recente. De facto, apesar das Nações Unidas existirem oficialmente desde outubro de 1945, quando dois terços do mundo eram ainda rurais, a sua atenção sobre as especificidades e consequências do desenvolvimento urbano tardou a se manifestar. Um dos primeiros sinais surgiu vertido na “The Vancouver Declaration on Human Settlements”, assinada em junho de 1976, por ocasião do encontro organizado pelas Nações Unidas em Vancouver, no Canadá, conhecido por «HABITAT I». Apesar desta declaração reconhecer já uma relação direta entre o crescimento rápido e desordenado das cidades, a poluição e a qualidade de vida das populações, ela centra-se fundamentalmente no contexto dos países ditos subdesenvolvidos, focando a sua atenção nos problemas de habitação decorrentes de guerras ou catástrofes naturais, bem como nas questões sociais e económicas associadas à organização das respetivas cidades. Este encontro teve como sequência a formação do programa HABITAT, criado em 1978, que, apesar de demorar alguns anos a afirmar-se verdadeiramente no panorama internacional, irá desempenhar um papel significativo no reforço da temática territorial no discurso sobre a sustentabilidade. A “United Nations Conference on Human Settlements” (HABITAT II), que decorreu em Istambul em Junho de 1996, quatro anos depois da “Conferência do Rio” (1992), dois anos após “The International Conference on Population and Development do Cairo” (1994) e apenas um ano depois da “World Conference on Women de Beijing” (1995), resulta na definição de uma nova Agenda para o desenvolvimento, visando fundamentalmente “(...) melhorar a qualidade de vida nos aglomerados humanos defendendo o nosso ambiente global”. Neste sentido, os vários chefes de estado que assinaram a “Istambul Declaration on Human Settlements” comprometem-se a promover hábitos de produção e consumo sustentáveis, novos e mais eficientes meios/métodos de construção e de transporte, bem como “(...) cooperar num espírito de parceria global para conservar, proteger e recuperar a saúde e integridade do ecossistema da Terra.” De carácter mais interveniente que indicativo, a “United Nations Millennium Declaration”, assinada em setembro de 2000, formatou os alicerces teóricos dos chamados “Millennium Development Goals”, que definem não só vários indicadores de avaliação, como também oito objetivos concretos a alcançar até 2015. Destaca-se aqui os dois últimos: garantir a sustentabilidade ambiental e fomentar uma parceria estratégica global de desenvolvimento. O encontro a que chamaram “Istambul+5”, ocorrido em Nova Iorque em Junho de 2001, apesar de resultar em pouco mais do que uma reafirmação das recomendações documentadas cinco anos antes, encerra já uma visão retrospetiva sobre os resultados ou fracassos alcançados, sublinhando, entre outros aspetos, a necessidade de considerar os seres humanos no centro da preocupação sobre o desenvolvimento sustentável e o facto do processo de urbanização levado a cabo nas últimas décadas ter resultado em concentrações urbanas que ultrapassam largamente as fronteiras administrativas das cidades originais, extravasando os limites do poder local e conduzindo a uma grave 106 ausência de uma coordenação global. O reforço dos temas «território» e «cultura» na agenda do desenvolvimento sustentável começa então a tornar-se mais presente. Em maio de 2004, em Barcelona, foi aprovada a “Agenda 21 da Cultura” onde ficou registada não só a relação indissociável entre o desenvolvimento sustentável e o território e a cultura, como também o compromisso de implementar os instrumentos que garantam a participação democrática dos cidadãos: “As cidades e os espaços locais são ambientes privilegiados da elaboração cultural em constante evolução e constituem os âmbitos da diversidade criativa, onde a perspetiva do encontro de tudo aquilo que é diferente e distinto (procedências, visões, idades, gêneros, etnias e classes sociais) torna possível o desenvolvimento humano integral. O diálogo entre identidade e diversidade, indivíduo e coletividade, revela-se como a ferramenta necessária para garantir tanto uma cidadania cultural planetária, como a sobrevivência da diversidade linguística e o desenvolvimento das culturas. (…) O patrimônio cultural, tangível e intangível, é o testemunho da criatividade humana e o substrato da identidade dos povos. A vida cultural contém, simultaneamente, a riqueza de poder apreciar e acumular tradições dos povos com a oportunidade de permitir a criação e a inovação das suas próprias formas. Esta característica descarta qualquer modalidade de imposição de padrões culturais rígidos. (…) A afirmação das culturas, assim como o conjunto das políticas que foram postas em prática para o seu reconhecimento e viabilidade, constitui um fator essencial no desenvolvimento sustentável das cidades e territórios no plano humano, econômico, político e social. O carácter central das políticas públicas de cultura é uma exigência das sociedades no mundo contemporâneo. A qualidade do desenvolvimento local requer a imbricamento entre as políticas culturais e as outras políticas públicas –sociais, econômicas, educativas, ambientais e urbanísticas.” (Agenda 21 da Cultura, 2004) É nesta sequência que a “HABITAT III”, realizada em 2016, teve como objectivo principal identificar os desafios emergentes no sentido de mobilizar a população e garantir um novo compromisso político para que as cidades desempenhem o seu papel enquanto “motores” do desenvolvimento sustentável, enfatizando assim a necessidade de se questionar o modo como as novas políticas públicas devem tender a retomar como essencial na sua fundamentação e objecto aquele que aqui se considera o principal recurso de uma cidade: as suas gentes. “Ao longo da história moderna, a urbanização tem sido um dos principais motores de desenvolvimento e redução da pobreza. Os governos podem responder a esta oportunidade de desenvolvimento através da promoção de um novo modelo de desenvolvimento urbano que seja capaz de integrar todas as facetas do desenvolvimento sustentável para promover a equidade, o bem-estar e a prosperidade partilhada.” (UN-HABITAT III, 2016) Note-se que, em 1976, quando foi realizada a Habitat I, em Vancouver (Canadá), a percentagem da população mundial que vivia em cidades era de 37,9% enquanto em 1996, no ano da Habitat II decorrida em Istambul (Turquia) era 45,1%. Em 2016, na altura da realização “HABITAT III” em Quito (Equador) esta percentagem cifrava-se já 54,5%, sendo que apesar deste grupo populacional ocupar apenas dois por cento do território terrestre mundial e concentrar 70 por cento do PIB global, era também responsável pelo consumo de mais de 60 por cento de energia, pela emissão de 70 por cento dos gases de efeito estufa e por 70 por cento da produção de resíduos. Mais tarde, na “Kuala Lumpur Declaration on Cities 2030” (2018), é reforçada a certeza de que, no sentido de se almejar um desenvolvimento urbano sustentável, é necessário adotar diferentes mecanismos de governança colaborativa que envolvam ativamente os governos nacionais, regionais e locais, todos os grupos da sociedade, inclusive “(...) os jovens, as mulheres e as associações locais e particularmente os grupos excluídos, vulneráveis e desfavorecidos. (…)”, sendo que, no contexto das recentes transformações ambientais, geopolíticas, económicas, sociais e tecnológicas, a atual perceção do ser humano enquanto principal “recurso” do novo planeta urbano, quer a nível individual quer coleti- 107 vo, implica uma revisão continuada dos modelos e metodologias do passado. É necessária uma nova visão acompanhada da utilização de novas ferramentas mais adequadas à reforma cultural em curso. Conclui-se que a perspetiva determinista associada às primeiras definições de «desenvolvimento sustentável», focada na procura de uma solução para a problemática ambiental que então se começava a perceber, tem vindo ao longo das últimas décadas, após múltiplos fracassos e sucessos, a integrar novos níveis de complexidade e interdependências, percebendo-se hoje que a sustentabilidade ambiental, social, económica, territorial, cultural e política são constituintes de uma mesma realidade ecossistémica global. SUSTENTABILIDADE E PATRIMÓNIO Tal como alertou Sachs, é agora claro que, para alcançar a sustentabilidade, é necessário valorizar as pessoas, os seus costumes e os seus saberes. O «ambiente» já não pode ser percebido como algo que surge em oposição à «civilização», mas sim, pelo contrário, enquanto conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais cuja interação pode resultar num contexto mais ou menos auspicioso ao desenvolvimento equilibrado do ser humano. Isto é, como refere Silva (1995:2), o conceito «ambiente» abrange toda a natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos. Ele é objeto, mas é também condicionador da ação humana. Sendo os cidadãos, na sua singularidade e enquanto parte integrante do ecossistema global, quem, independentemente do seu sexo, raça ou habilidade, constitui hoje o principal recurso de uma cidade, garante da sua sustentabilidade e suporte para a sua competitividade. Ou, da perspetiva inversa, sendo a polis, enquanto espaço democrático significante e palco de oportunidades e encontros, o principal agente facilitador da qualidade de vida e da realização pessoal da sua população, será necessário procurar novas metodologias e ferramentas para a qualificação e gestão do espaço público mais coadunáveis com a responsabilidade social que lhe são próprias. Desta perspetiva, se no passado a ausência de comunicação entre os “agentes ambientalistas” (que resistiam a incorporar a dimensão cultural na sua análise ou nos seus planos de ação) e os “agentes culturais” (que expressavam a autonomia da cultura relativamente ao “ambiente” ou à “economia”), contribuiu para uma divisão artificial entre o que é o “Património Ambiental”, o “Património Cultural” e o “Património Edificado”, hoje esta polarização tende a diluir-se, tornando-se cada vez mais difícil individualizar o processo de reabilitação/readequação do espaço urbano das dinâmicas de revitalização social, a ambiental e a económica que lhe são inevitavelmente associadas. (Mendes, 2013: 35) Os princípios da «sustentabilidade», tal como hoje são considerados, justapõem-se assim aos objetivos da «reabilitação»: preservar e/ou voltar a adequar o “património” tangível e intangível da humanidade por modo a não só incluir o sentido de solidariedade intrageracional e intergeracional implícito em ambos os conceitos, como também a necessidade de integrar os pilares ambiental, social, económico, territorial, político e cultural, num único gesto. No contexto de uma reforma cultural, globalmente informada, mas não condicionada, glocalmente interveniente, mas consciente; e localmente alicerçada, mas não espartilhada, integrar as várias dimensões da sustentabilidade no processo de reabilitação de edifícios e de lugares não é uma característica de tipo excecional que, pela adição de prefixos ou sufixos, vai distinguir uma qualquer prática arquitetónica. Assegurar a integração dos princípios da «sustentabilidade» na «reabilitação», ou em qualquer outra prática ou processo, é assim mais do que qualquer medida avulsa pode ambicionar. O sucesso depende de uma revisão prévia do atual “modelo de desenvolvimento”, de cariz hegemónico e atópico (Rodrigues, 2007), que terá de ser inteiramente repensado e complexificado (Morin, 1996). Como conclui Edgar Morin (1996: 178-179): “A partir de agora, (…) podemos ver melhor o que havia de secundário e de essencial na tomada de consciência ecológica. O que era secundário, e que alguns tomaram pelo principal, era o alerta energético.” 108 BIBLIOGRAFIA Ascher, F. (2001). Les Nouveaux Principes de l’Urbanisme : La fin des villes n’est pas à l’ordre du jour. Gémenos, Éditions de l’Aube. Brown, L. (1982). Building a Sustainable Society. New York, W.W. Norton & Company Ltd. Carson, R. (2002). Silent Spring. New York, Mariner Books. Lima, G. C. (2003). 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O artigo deve ser escrito a espaço duplo, com letra Times New Roman de tamanho de corpo de 11-12 pontos, e uma extensão máxima de 30 páginas (10.000/12.000 palavras), incluindo gráficos, tabelas, mapas, notas (estas no mesmo tipo de letra, de corpo 10), apêndice(s) e bibliografia (esta a um espaço). O artigo é precedido das seguintes informações: o título, o nome do autor/a (autores/as), o centro académico de procedência, a direção postal, o telefone e o endereço eletrónico. Nesta primeira página deve aparecer também um breve resumo (com o máximo de 150 palavras), em português e em inglês, e uma série de 5 palavras-chave, em português e em inglês, que descrevam o seu conteúdo. Todos os gráficos, quadros e mapas devem ser acompanhados de um título e de uma referência à fonte de procedência. 4. A bibliografia surge no final do artigo, ordenada por ordem alfabética de autores, segundo o modelo seguinte, de acordo com o tipo de fonte: LIVROS: Apelido, [Iniciais do Nome]. (Ano de publicação). Título [em itálico]. Número de Edição [quando não a primeira]. Lugar de publicação, Editor. Exemplo: Negroponte, N. (1995). Being Digital. New York, Vintage Books. CAPÍTULOS INCLUÍDOS EM LIVROS: Apelido, [Iniciais do Nome]. (Ano de publicação). Título do 2. Manuscripts for publication should be sent by means of electronic mail to: Editorial Board of the “A Obra Nasce” Faculty of Science and Technology University Fernando Pessoa E-mail: obranasce@ufp.edu.pt 3. All text (Portuguese or English or Spanish) should be Times New Roman 12-point font, double spaced, with a maximum length of 30 pages (10.000/12.000 words), including charts, tables, maps, notes (body 10). The article is preceded by the following information: the title, the author’s name, the institutional affiliation and the email address. This information should be followed by a brief abstract in English (maximum 150 words) where the purpose of the research, the main results, and the major conclusions of the study should be stated, and a series of 5 keywords. 4. The bibliography list would be placed at the end of the paper and it would be organised by alphabetical order and will have to obey to the following formats, depending on the kind of source: BOOKS: Surname, [Name initials]. (Year). Title [in italics]. Edition number [when not the first]. Place of publication, Publisher name. Example: Negroponte, N. (1995). Being Digital. New York, Vintage Books. CHAPERTS INCLUDED IN BOOKS: Surname, [Name initials]. (Year). Title of chapter. In: Surname, [Name initials] (Ed.). Book title[in italics]. Place of publication, Publisher name, page range. 112 capítulo. In: Apelido, [Iniciais do Nome] (Ed.). Título do livro [em itálico]. Lugar de publicação, Editor, páginas. Exemplo: Buhalis, D. (2001). Tourism in an Era of Information Technology. In: Faulkner, B., Moscardo, G. and Laws, E. (Eds.). Tourism in the 21th Century. London, Continuum, pp. 163-180. ARTIGOS: Apelido, [Iniciais do Nome]. (Ano de publicação). Título do artigo. In: Nome da revista [em itálico]. Volume, Nº. /Mês, etc., páginas. Exemplo: Burke, R. (1996). Virtual Shopping: Breakthrough in Marketing Research. In: Harvard Business Review, MarchApril, pp. 120-131. Os artigos que não mencionem os nomes dos autores, ou publicações sem autor explícito devem ser referenciados pelo nome da organização ou fonte responsável por eles. DOCUMENTOS DISPONÍVEIS NA INTERNET: Apelido, [Iniciais do Nome]. (Ano de publicação). Título do documento. [Em linha]. Disponível em <direção>. acedido em [data]. Exemplo: Hoffman, D. (1996). A New Marketing Paradigm for Electronic Commerce. [Em linha Disponível em http:// ecommerce.vanderbilt.edu/novak/new.marketing. paradigm.html. [acedido em 10/01/2001]. 5. As fontes de informação originais devem ser referidas ao longo (dentro) do texto de acordo com o “Sistema Harvard” (autor-data, acrescido do número de página(s), se for o caso de citações diretas). Exemplos: (Kotler and Rainisto, 2002) ou (Kotler and Rainisto, 2002, p. 26) Citações diretas que excedam duas linhas devem ser destacadas do corpo de texto principal e ter um tamanho de fonte inferior (Times New Roman 9pt). Citações diretas que não excedam duas linhas devem ser incluídas do corpo de texto principal entre aspas. 6. Após a submissão dos artigos, o Conselho de Redação da Revista enviará um comprovativo da sua receção aos Example: Buhalis, D. (2001). Tourism in an Era of Information Technology. In: Faulkner, B., Moscardo, G. and Laws, E. (Eds.). Tourism in the 21th Century. London, Continuum, pp. 163-180. PAPERS: Surname, [Name initials]. (Year). Title of paper. In: Journal name [in italics], Volume, Nº. / Month, etc., page range. Example: Burke, R. (1996). Virtual Shopping: Breakthrough in Marketing Research. In: Harvard Business Review, MarchApril, pp. 120-131. Papers without mentioning of author names, or publications without explicit authors, should be referred by the name of the organisation or source responsible for them. DOCUMENTS AVAILABLE IN THE INTERNET: Surname, [Name initials]. (Year). Title of document. [On line]. Available at <address>. accessed on [date]. Example: Hoffman, D. (1996). A New Marketing Paradigm for Electronic Commerce. [On line]. Available at http:// ecommerce.vanderbilt.edu/novak/new.marketing. paradigm.html. [accessed on 10/01/2001]. 5. The original sources of information should be referred along the text by the “Harvard System” (author-date, plus page numbers, if it is the case of direct citations). Examples: (Kotler and Rainisto, 2002) or (Kotler and Rainisto, 2002, p. 26) Direct citations that exceed two lines should be detached from the main text and with a lower size font (Times New Roman 9pt). Direct citations that do not exceed two lines should be included in the main text between commas. 6. After the submission of the manuscripts, the Editorial Board of the Journal will send a receipt to the authors. All manuscripts will be reviewed by two or more referees. The evaluation process is confidential. 7. If required, manuscripts are sent to the authors for checking and corrections and/or proofs. In the case of 113 autores. Todos os artigos serão revistos por dois ou mais especialistas. O processo de avaliação é confidencial. 7. Se requerido, os artigos são enviados aos autores para revisão e correcção e/ou provas. No caso de atraso na receção da prova por parte do autor (mais de 10 dias), os Editores reservam-se o direito de publicar os artigos sem as correções do autor. 8. Para considerar a sua publicação, é imprescindível que o artigo enviado cumpra os requisitos previamente definidos. 9. 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