Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

História dos Matulos

2020, Jornal Miradouro

História, hipotética, do doce tradicional de Boassas

1 História dos MATULOS, os doces de Boassas Há em Boassas um doce muito especial, confeccionado pelas ainda existentes doceiras, nomeadamente a Sra. Joana e sua filha… e que é característico da aldeia, que o fabricam desde sempre, numa tradição que se mantém desde tempos imemoriais, numa receita transmitida durante os séculos por sucessivas gerações. De facto este doce tradicional, cuja origem se perde na noite dos tempos está directamente relacionado com a aldeia de Boassas e com as suas arcaicas actividades de comércio. Porto Antigo era, à época, o porto mais importante entre o fundo do concelho, em Escamarão e Porto de Rei, em Resende. Ainda não havia automóveis, tudo se transportava à força de braços ou puxado por carros de bois e o caminho principal que ligava o rio à serra, à sede da freguesia e do concelho passava pelo centro de Boassas. Nesses tempos de antanho muita gente de Boassas, para além da agricultura, vivia do comércio. A aldeia possuía diversas mercearias, tascos e diversas actividades económicas que se entrelaçavam umas nas outras, tendo como fonte de desenvolvimento o tráfego fluvial, efectuado na altura pelos barcos rabelos que no seu movimento de vai-e-vem deixavam na cidade, para além do líquido precioso das arribas durienses os produtos das aldeias ribeirinhas e traziam para estas os produtos mais diversos, como o café, o açúcar, o arroz, as especiarias e, claro, o peixe do mar, sobretudo sardinha e carapau. Os barcos, chegados a Porto Antigo tinham, invariavelmente à sua espera, para além de uma plêiade de comerciantes, as “sardinheiras” de Boassas. Intrépidas mulheres que, fosse Verão ou Inverno, carregavam o peixe à cabeça, na canastra que tenteavam lestas pelos caminhos pedregosos e que levavam o desejado peixe às aldeias da Serra do Montemouro, chegando muitas vezes à “Paiva”, já do outro lado da montanha, no vizinho concelho de Castro Daire. Os tempos eram árduos e mor parte das vezes os pagamentos eram feitos em géneros, troca-por-troca, porque a pobreza era muita e o dinheiro escasso. Levavam sardinhas e “chicharros” e, na volta, traziam produtos “serranos”. Presunto, salpicão, queijo e…manteiga. No Inverno essa manteiga e também o queijo, que tantas vezes traziam, eram muito apreciados, já que em Boassas não havia tradição de confecção 2 desses produtos, mas no verão a manteiga era um problema, já que não havia frigoríficos e a sua conservação não era possível. Assim, o engenho, aguçado pela necessidade e pela escassez, levou a que as mulheres da aldeia pensassem numa forma de não terem tanto prejuízo, transformando a manteiga num doce que, assim, poderia ser vendido no Verão pelas inúmeras feiras, festas e romarias que têm lugar pela região. Esse doce, que tinha a manteiga da serra como ingrediente principal, feito de forma um pouco rudimentar, nos mesmos fornos de lenha onde se cozia o pão, foi chamado de “Matulo” e é, ainda hoje, o mais tradicional dos doces da região, ao lado dos “Melindres”, das cavacas e do doce da Teixeira. Manuel dos Santos da Cerveira Pinto Ferreira Boassas, Fevereiro de 2020 3