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CATISAS
SEZJS EFEI TOS
S E ü
F IM
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-
J. KRISUNAMÍIRTI
f
Conceitos sobre Jiddu Krishnam urti
e suas obras :
“Krishnamurti centraliza todo o seu ensino num insis
tente convite à inteligência. Não há na sua mensagem nenim m
i u u u.
íN ci ua
o i ci ct t :
ue
i i i i b t ei i u b u ,
n u u u
d p i ese.u u i
pa i a
sei’ adotado e seguido por outrem. Todo o seu apelo consis
te em despertar a criatura para que possa, livre de tutelas
espirituais, fazer uma autocrítica de’ todos os falsos valores
que adotou.” (Dr. Francisco Aires).
“ Seja Freud ou Krishnamurti, um ou outro surgem nesse
instante de inquietação social e de angústia da alma huma
na, como dois grande iniciados que parecem antecipar a pers
pectiva de uma nova humanidade.” (Gastão Pereira da Silva).
“ Nada tenho que acrescentar ao caráter eminentemente
social destes ensinamentos. O homem que se entrega à cons
tante busca da Verdade, tal como a define Krishnamurti, é
o melhor servidor da humanidade.” (Ludowic Kehault).
“ Krishnamurti, para mim, é o mais profundo dos psicó
logos atuais; um psicólogo que leva a sua análise, sua inves
tigação, até às ultimas conseqüêneias; que convida cada um
de nós a ser um psicólogo imparcial, leal, sincero, honrado
em si mesmo, sem vacilação alguma, nem temor dos resulta
dos.” (Da obra “ Krishnamurti, el inspirador”, de Arturo
Montesano Delchi).
“ Estas idéias” (as do autor) “ têm inspirado igualments
a políticos como Gçorge Lansbury; a pensadores e cientistas'
como o Dr. Johannes Verweyen, professor de Filosofia da
Universidade de Bonn, Alemanha, ou o etnologista america
no, Dr. Edward Craighill Handy; artistas como o famoso
maestro Leopoldo Stokowski e também ao grande escultor
francês, Antoine Bourdelle.” (De “ Krishnamurti, The man
and bis message”, de Lilly Heber, Ph. D.).
A OBRA E O A U TO R
Encerra êste livro, como os mais
de J. Krishnamurti, autênticas li
ções de uma nova arte de viver, pois
os ensinamentos nele contidos fo
gem a quanto se há escrito sobre
matéria filosófica, religiosa ou mo
ral, sendo, antes, um convite indis
criminado para adquirirmos a plena
consciGiiCiti Jc owvlwõ wj eitos ^
sarnentos, necessária a nos tornar
mos verdadeiras parcelas de uma
sociedade eminentemente coopera
tiva.
Só essa particularidade justifica
ria a precisão de um maior conheci
mento da mensagem do autor, tão
envolvidos e dominados nos acha
mos, hoje em dia, por ideologias,
princípios e credos, que só laboram
para a confusão e irresponsabilida
de do homem.
Em verdade, vivemos numa com
pleta desorientação espiritual, espe
rando solucionar os difíceis proble
mas de ordem social e financeira
com o alcance de uma estrutura
econômica mais equitativa, capaz de
promover o bem-estar coletivo.
Embora urja tal transformação
em face dos justos anseios dos po
vos de toda a parte, não constituirá
ela, todavia, o elemento propiciató
rio daquilo a que, de um modo ou
de outro, estamos sempre visando:
a felicidade.
Por entre as névoas da crise uni
versal já podemos distinguir que a
atual tragédia humana é, na essên
cia, de caráter psicológico, porquan
to a questão econômico-social decor
re, em última análise, da generali
zação do egotismo, da expansão dos
desejos pessoais e, também, da ló
gica contraditória e mundana do es
pírito individualista.
Inegàvelmente, não obstante a
experiência histórica, não aprende
mos ainda a viver plenamente. O
homem ama e odeia, sofre e goza,
ambiciona e renuncia, mas jamais
se detém no indagar a causa primá
ria de seus pensamentos e sentimen
tos. No entanto, do ponto de vista
de Krishnamurti, como de outros
psicólogos, é essa indagação fator
relevantíssimo para a aquisição do
esclarecimento indispensável.
Indicando como observar-nos im
parcialmente, para' estendermos cada
vez mais o autoconhecimento e, em
conseqüência, a percepção e o dis
cernimento das coisas; fazendo-nos
ver o significado real das influên1 'ín c
o-m V iio-nfpc!
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p
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’ lin sn rv
V f llr t-
res dos sentidos, convence-nos o
grande pensador de aue só a ação
inteligente, baseada no humanismo
verdadeiro, nos propiciará o gran
dioso mundo há tanto almejado.
Quem vê a existência sob prisma
tão alevantado não é um puro teó
rico, um ser que vive distanciado de
suas criações: ao contrário, o que
mais o recomenda é revelar êle, na
conduta própria, a melhor prova do
acêrto de seus enunciados.
Por isso, suas obras são conside
radas no presente, como de alguns
anos para cá, um gTande auxílio
para o despertar da humanidade.
Quando contemplamos tanto so
frimento e solidão na alma do rico
e do pobre de nossos dias e senti
mos, de perto, os tremendos males
causados pelo egoísmo e pela vaida
de humana, é que avaliamos a im
portância de trabalhos como êste
para o bem e a plenitude geral.
Eis por que deve êle andar em to
das as mãos e ser meditado por to
das as pessoas. Qualquer um, inde
pendentemente do grau de cultura,
poderá lê-lo com proveito, impor
tando mais a “ ação” conforme aos
seus profícuos ensinamentos que,
propriamente, o mero entendimento
“ intelectual” dos mesmos.
Contém êste livro, em suma, um
manancial de sabedoria e facultai’â,
aos que a observarem, o indestrutí
vel bem do pensar criador — meio
único de alcançarmos a ventura sem
fim.
**
E d itad o pela In stitu içã o
C u ltu ral K rishnam urti.
K R IS H N A M U R T I
Conferências — com perguntas e respostas
— realizadas, em Ojai, Califórnia, Es
tados Unidos da América do Norte,
em 1934.
J. KRISHNAMURTI
A LUTA DO HOMEM
SUAS CAUSAS
SEUS EFEITOS
SEU FIM
★
Editado pela
In stitu iç ã o C u ltu ral K rish n am u rti
AVENIDA RIO BRANCO, 117, sala 203 - Tel. 23-2697
RIO DE JANEIRO (BRASIL)
19 4 8
ÍNDICE
Pág.
I
7
II
19
III
IV
...................................................................
36
..............
51
V ....................................................................
65
VI
78
V II
92
V III
108
IX
122
X
136
XI
151
X II
167
Direitos de tradução em português da
INSTITUIÇÃO CULTURAL KRISHNAMURTI
RIO DE JANEIRO — BRASIL
I
É m inha intenção, duran te estas p alestras,
não tan to expor um sistem a de pensam ento,
como d esp ertar o pensam ento e, p ara tal, enun
ciarei certo s conceitos — não dogm áticos, na
tu ra lm e n te — que espero sejam m ed itad o s p o r
vós e, enquanto o forem , num erosas questões,
haverão de ap resentar-se, as quais, se tiv erd es
a bondade de me p e rg u n ta r, te n ta re i esclarecer,
desenvolvendo assim m ais am plam ente o que
ten h o para tfansm itir-vos.
E u quisera saber por que vem aqui a m aio
ria de vós. V indes provavelm ente em busca de
algum a coisa. Mas, que buscais? Não sabeis,
n atu ralm en te, resp o n d er a essa perg u n ta, p o r
que o vosso m étodo de busca varia e tam bém
varia o objeto de vossa busca. Ê ste últim o mo
difica-se continuam ente e, por isso, não sabeis
com precisão o que buscais nem o que d esejais
Infelizm ente, já form astes o hábito de passar
d e um suposto m estre esp iritu al para outro,
igualm ente suposto, de filiar-vos a d iferen tes
7
organizações e sociedades, e de seg u ir siste •
m as. P o r o u tras palavras, fo rcejais p o r desco
b rir o que vos dê satisfação e excitação, em es
cala crescente.
lísse c o n f i r m o n ro ced er de um a escola filo
sófica para outra, de um sistem a de pensam en
to para outro, de m estre para m estre, vós cha
m ais a busca da verdade. Em o utros term o s:
passais de um a idéia para outra, de um siste
ma de pensam ento para outro, acum ulando
constantem ente, esperando com preender a vida,
ten tan d o p e n e trar o seu significado, o sentido
de suas lutas, e declarando, sem pre, haverdes
descoberto algum a coisa.
M as eu espero que, no fin al de m inhas p a
lestras, não ides dizer que achastes algum a coi
sa, um a vez que, no m om ento em que isso acon
tecer, estareis já p erd id o s; porque, preso a essa
âncora o espírito, cessará aquêle m ovim ento
eterno, aquela v erdadeira busca de que vou fa
lar-vos. A m aioria dos esp írito s dem anda um
alvo determ inado, com o desejo fixo de ach ar
algum a coisa, e, já que se firm ou esse desejo,
achar-se-á, de fato, algo. M as não será coisa
com vida, será um a coisa m orta o que achareis
e, p o r isso, vós a reje ita re is, voltando-vos para
o u tra. E esse contínuo escolher e reje ita r, vós
cham ais o processo para a aquisição da sabe
doria, da experiência, da verdade.
8
É provável que a m aioria de vós, consciente
ou inconscientem ente, veio te r aqui com igual
propósito e, assim sendo, o vosso pensam ento
está aplicado m eram ente na busca de sistem as
e confirm ações, no deseio de vos lig-ardes a um
m ovim ento ou de vos congregardes em grupos,
sem a luz da realidade fundam ental e sem p ro
cu rardes com preender o significado dessas coi
sas básicas da vida. A ssim , pois, como já disse,
não vou p ro p o r um ideal para ser im itado, uma
m eta p ara se alcançar, pois m eu p ro p ó sito é,
antes, o de d e sp ertar o pensam ento pelo qual
possa a m ente lib ertar-se das coisas que nela
im plantam os, adm itidas que foram como v e r
dades certas.
Com efeito, cada um procura im o rtalizar o
p ro d u to do am biente. E ssa coisa que é o resu l
tad o do am biente, nós a querem os eternizar.
Isto é, os d iferen tes tem ores, esperanças, an
seios, preconceitos, inclinações, que costum a
m os ex altar e cham ar nosso tem peram ento, es
sas coisas são, afinal, o prod u to do am biente;
e esse feixe de lem branças, que é o resultado
do am biente, prod u to das reações ao am bien
te, vai c o n stitu ir aquele estado consciente que
cham am os “ eu”. Não é assim ? A lu ta se desen
rola, tôda ela, en tre o resultado do am biente,
com o qual a m ente se identifica, tornando-se
o “ eu”, e o próprio am biente. Ao cabo de tudo,
o “ eu”, o estado consciente com que a m ente
0
se id en tifica, é o resu ltad o do am biente. E a
lu ta se tra v a e n tre êsse “ eu” e o am biente sem
p re cam biante.
E m penham o-nos continuam ente na busca
de im ortalidade para êsse “ eu”. P o r o u tras pa
lav ras: o falso fo rceja por elevar-se ao real, ao
eterno. P a ra quem com preende o significado
do am biente, não existe reação e não existe, por
conseqüência, choque en tre a reação, isto é,
aquilo que cham am os “ eu”, e o fa to r da reação,
ou seja, o am biente.JjE assim essa busca de
im ortalidade, êsse desejo de certeza e du rab i
lidade, se chama processo evolutivo, processo
p ara alcançar a verdade, ou D eus, ou a com
preensão da vida. E quem quer que vos ajude
nessa busca, quem q uer que vos aju d e a im or
ta liz a r a reação que cham am os “ eu ”, vós o in
titu la is o red en to r, o salvador, o senhor, o m es
tre , e seguis o seu sistem a. V ós o seguis com
raciocínio ou sem êle. Seguis com raciocínio,
quando pensais fazê-lo in telig en tem en te, por
que êle vai conduzir-vos à im ortalidade, ao
sentim ento dêsse enlêvo. Isto é, ten d es neces
sidade de outrem que im ortalize p ara vós essa
reação que é prod u to do am biente e que é, em
si, fundam entalm ente falsa. No desejo de im or
ta liz a r o que é falso, vós criais religiões, sis
tem as e divisões sociais, m étodos políticos, panacéias econôm icas e padrões m orais. E assim ,
gradualm ente, nesse desenvolver de sistem as
10
p ara p erp etu ar o indivíduo, dar-lhe d u rab ilid a
de e segurança, o hom em se perde in teiram en
te e e n tra em choque com as criações de sua
p ró p ria busca, criações nascidas do anseio por
essa segurança que ele chama im ortalidade.
Mas, porque há religiões? A s religiões,
como divisões do pensam ento, se desenvolve
ram , glo rificad as e n u trid a s p o r c o n ju n to s de
crenças, em v irtu d e dêsse desejo de vos certi
fic a rd e s da im ortalid ad e e asseg u rard es a vos
sa im ortalidade.
E os padrões m orais, êsses são p u ro s p ro d u
tos da sociedade p a ra m an ter o in d iv íd u o em
sua servidão. A m eu ver, a m oral não pode ser
padronizada. Não podem co ex istir m oral e pa
drões. O que deve haver é com preensão, tão so
m ente, e esta não é nem pode ser padronizada.
M as apreciarem os m elhor êsse ponto em m i
nhas próxim as palestras.
N essas condições, essa contínua busca em
que se acha em penhado cada um de nós, essa
busca de felicidade, verdade, realidade, beme sta r e sp iritu a l — êsse desejo in in te rru p to é
cultivado p o r cada um de nós, p a ra term o s se
guran ça e perm anência. E dessa busca de p e r
m anência tem de re su lta r choque, choque en
tre o resultado do am biente, o “ eu”, e o pró
p rio am biente.
A gora, re fletin d o bem, que vem a ser o
“ eu” ? Q uando falais do “ eu” e do “ m eu”, quan-
11
do dizeis m i n h a casa, m i n h a alegria, m i n h a m u
lher, m e u filho, m e u amor, m e u tem peram ento
— que coisa é essa? A penas o resu ltad o do
am biente, e en tre êsse resultado, o “ eu ”, e o
p ró p rio am biente, ex iste choque perm anente.
Só pode haver choque, e inevitavelm ente o há,
en tre o falso e o falso, nunca en tre o v erd ad ei
ro e o falso. Não é assim ? Não pode haver cho
que en tre o que é verdadeiro e o que é falso.
M as pode haver choque, e necessàriam ente o
haverá, en tre duas coisas falsas, en tre as g ra
dações do falso, en tre os opostos.
Não ju lg u eis, pois, que essa lu ta — que cha
m ais a verd ad eira lu ta — en tre o “ eu” e o am
biente, seja legítim a. Não se desenrola um a luta
en tre vós m esm os e o vosso am biente, tudo o que
vos cerca, vosso m arido, esposa, filho, vizinhos,
m eio social, organizações políticas? Não se de
senrola aí um a b atalh a perm anente? Ju lg a is
necessária essa batalha, p ara que possais alcan
çar a felicidade, a verdade, a im ortalidade, ou
o êxtase. De ou tro modo ex presso: o que ju l
gais ser a verdade é apenas a consciência da
personalidade, o “ eu ”, continuam ente em pe
nhado em im ortalizar-se, e o am biente, que eu
digo ser o m ovim ento contínuo do falso. Êsse
m ovim ento do falso, que co n stitu i o vosso am
b ien te sem pre cam biante, é cham ado p ro g res
so, evolução. N essas condições, p ara mim, a
felicidade, a verdade, ou D eus, não pode de12
co rrer do resu ltad o do am biente, o “ eu”, nem
de condições ex te rn as sem pre variantes.
V ou m ais um a vez te n ta r expressá-lo d ife
rentem ente. E x iste um choque, de que ten d es
conhecim ento, en tre vós mesmos e o am bien
te, as condições externas. Mas, d ireis p a ra vós
m esm os: “ Se eu conquistar o am biente, supe
rá-lo, dom iná-lo, ficarei em condições de des
cobrir, de com preender”. É por essa razão que
se trav a essa b atalh a perm anente e n tre vós
m esm os e o am biente.
Mas, que sois “ vós m esm os” ? Sim ples p ro
duto do am biente. E que fazeis? E sta is comba
ten d o um a coisa falsa com o u tra coisa falsa,
pois falso será sem pre o am biente, enquanto o
não com preenderdes. O am biente, pois, produz
aquele estado consciente que chamamos “ eu”
e que está continuam ente interessado na p ró
p ria im ortalidade. E para dar-lhe essa im orta
lidade deve haver m uitos m odos e m eios, e por
isso vós tendes religiões, sistem as, filosofias,
to d as essas inconveniências e b arreiras que ha
veis criado. P o r essa razão e x istirá sem pre cho
que en tre o resu ltad o do am biente e o p róprio
am biente; e, repito, só pode haver choque en
tre o falso e o falso, nunca en tre o verdadeiro
e o falso. Todavia, ten d e s firm em ente a rra ig a
da em vossas m entes a idéia de que nessa lu ta
e n tre o resultado do am biente, que é o “ eu”, e
o p róprio am biente, h á força, h á sabedoria, e
13
que p a r ela alcançareis a eternidade, a rea lid a
de, a verdade, a felicidade.
O que nos deve interessar, sobretudo, é o
am biente, não o choque com ele nem a m anei
ra flp dom iná-lo OH dp fnodr-líiP Tnfprrop-nnrín n
am biente e p rocurando com preender-lhe o sig
nificado, descobrirem os o seu verdadeiro va
lor. Não é assim ? A m aioria de nós está colhi
da no processo de te n ta r dom inar ou fu g ir às
circunstâncias, o am biente; não ten tam o s des
cob rir o que êle sig n ific a — a sua causa, o seu
sen tid o e valor. Q uando perceberdes o sentido
do am biente, sig n ific a rá isso ação violenta,
um a e x tra o rd in á ria v irav o lta em vossa vida,
transform ação com pleta e revolucionária de
vossas idéias, na qual p rescin d ireis de a u to ri
dades e m odelos. M as são bem poucos os que
querem ver o significado do am biente, p o r
quanto isso im plica m odificação, m odificação
radical e revolucionária, e m ui poucos desejam
ta l coisa. Sendo assim , a m aioria dos in d iv í
duos, m ilhões de indivíduos, põem todo o in
teresse em fu g ir do am biente, seja en cobrin
do-o, seja buscando su b stitu to s: desfazendose de Je su s C risto p ara entronizarem um novo
salvador, procurando novos m estres p a ra subs
titu íre m os velhos, m as sem indagarem um a só
vez se realm ente necessitam de um guia. Ei só
isso lhes tra ria benefícios, só isso lhes forne-
14
ceria o verdadeiro significado dessa busca de
substitu to s.
N essas condições, quando se p ro cu ra subs
titu to , procura-se um a auto rid ad e, um guia
p ara seguir, do que re su lta to rn ar-se o in d iv í
duo um sim ples d ente na engrenagem social e
relig io sa da vida. C onsiderada de p erto , essa
busca se resum e num a busca de conforto, segu
rança, refú g io : não é um a busca de com preen
são, nem de verdade, porém , antes, um a busca
de por onde fu g ir e, conseqüentem ente, um es
forço para a fa star todos os obstáculos. Ora,
a fa star equivale a su b stitu ir, e no su b stitu ir
não há com preensão.
H á fugas por m eio das religiões, com seus
m andam entos, seus padrões m orais, atem orizações, au to rid ad es; e há fugas atrav és da ex
pressão individual — o que cham ais expressão
individual, o que a grande m aioria desig n a por
êsse nome, é puram ente a reação c o n tra o am
biente, o esforço de ex pressar a personalidade
através dessa reação — expressão individual
nas artes, nas ciências e o utras form as de ação.
Não me refiro aqui às verdadeiras, às es
pontâneas expressões da beleza, da a rte e da
ciência; estas são, por si sós, com pletas. R efi
ro-m e ao homem que busca essas coisas como
u ten sílio s p ara a expressão de si próprio. O
verdadeiro a rtista não fala de expressão in d i
v id u al; o que êle expressa é o que sen te com
15
tô d a a intensidade. M as há tan to s a rtista s des
viados que, como os indivíduos esp iritu alm en
te desviados, vivem à procura de expressão
pessoal como m eio de alcançar algum a coisa,
algum a satisfação que são incapazes de enconixtti no am biente em que vivem.
E m v irtu d e dessa busca de segurança e p e r
m anência, tem os relig iõ es estabelecidas, com
todas as suas fu tilid ad es, discórdias e explo
rações, como vias de fuga. E essas vias de eva
são assum em tam anha significação e im por
tân cia porque, p ara p ro cu rar conhecer o am
biente, isto é, as condições que nos cercam, n e
cessita-se ação intensíssim a, ação v o lu n tá ria e
dinâm ica, e bem poucos se inclinam a em preen
der ta l ação. P elo contrário, inclinam o-nos
m ais a nos d eixar fo rçar à ação pelo am biente,
pelas circu n stân cias; se, por exem plo, um ho
mem alcança um elevado g rau de m oralidade e
v irtu d e, num a época de crise econôm ica geral,
logo o considerais um homem adm irável, em
v irtu d e de ta l m udança. M as foi o am biente
que forçou a m udança, e enquanto estiv erd es
na dependência dêle p ara p rocederdes re ta
m ente, necessitareis de m eios de fu g a e de
substituições, chamai-o relig ião ou como q u i
serdes. E n tre tan to , p ara o genuíno a rtista ,
tam bém esp iritu alm en te genuíno, a expressão é
espontânea, p o r si m esm a suficiente, com ple
ta, in teg ral.
16
E vós, que fazeis? Q ue se passa com cada
um de vós? Q ue estais ten tan d o na vida? P ro
cu rais algo — mas, que procurais? E x iste um
conflito en tre vós m esm os e o m ovim ento cons
ta n te do am biente. O que p ro cu rais é um meio
dc dom inar Gs&e m iuneiite, p<uct p erp etu ard es
o vosso “ eu”, que nada m ais é que o re su lta
do dêsse mesmo am b ien te; ou, porque já ta n
tas vezes vos tem contrariado o am biente, im
pedindo a vossa expressão individual, como o
chamais, buscais novos m eios de expressão com
serviços à hum anidade, planos de aju stam en
to econômico, e o que m ais seja.
Cada indivíduo deve saber o que busca; se
nada busca, há, então, saciedade e decom posi
ção. Se existe choque, há o desejo de vencer
esse choque, de fu g ir-lh e, de dom iná-lo. M as,
como já disse, só pode haver choque en tre duas
coisas falsas, en tre essa suposta realidade que
cham ais o “ eu” — p ara mim, sim ples resu ltad o
do am biente — e o p ró p rio am biente. P o r isso,
se vossa m ente está interessada apenas em
vencer essa luta, estais, então, p erp etu an d o o
falso, resultando daí m ais conflito, m ais so
frer. Ma$„ se quiserdes descobrir o sig n ifica
do do am biente, isto é, das condições do am
biente — opulência, m iséria, exploração, opres
são, nacionalidades, religiões, e tô d as as f u tili
dades da m oderna vida social — sem te n ta r do
m iná-las, m as pro cu ran d o ver o que significam ,
17
requer-se, então, ação individual e um a com ple
ta revolução na esfera das idéias e do p en sa
m ento. M as isso não será luta, será a luz a d is
sip ar as trevas. Não há choque en tre a luz e a
treva. Não o há en tre o verdadeiro e o falso.
Só h á choque onde h á opostos.
18
II
E stareis lem brados de que ontem eu vos fa
lava da origem dos conflitos e do modo pelo
qual a m ente busca solução p ara êles. T encio
no, hoje, ap reciar am plam ente a idéia de con
flito e de desarm onia e d em onstrar a absoluta
in u tilid ad e de ocupar-se a m ente com a pro
cura de solução p ara qualquer conflito, porque
a m era busca de solução não te rá a v irtu d e de
desfazer o conflito. Q uando buscais um a so
lução, um a m aneira de dissolver o conflito, es
tais apenas p rocurando sobrepor-lhe ou su b sti
tuir-lhe um a nova série de idéias, um a nova
série de teorias, ou estais ten tan d o evitá-lo de
todo. Q uando desejam os um a solução p a ra nos
so conflito, é isso o que procuram os.
O bservando bem, percebereis que, quando
se v erifica conflito, im ediatam ente procurais
solucioná-lo. D esejais en co n trar um a saída dêsse conflito, e de ordinário a achais, realm en te;
m as o conflito ficou sem solução, porque vós
o tra n sfe ristes, sim plesm ente, passando para
19
I
um novo am biente, com condições novas, as
quais, por sua vez, produzirão novo conflito.
C onsiderem os, pois, dem oradam ente, a idéia
de conflito, de onde su rg e e o que podem os fa
zer em presença dele.
O ra, todo conflito é resultado do am bien
te, não é verdade? E xpressando-o em o u tro s
term o s: Q ue é o am biente? Q uando ten d es
consciência do am biente? Som ente quando vos
chocais com êle e lhe opondes resistência. N es
sas condições, se observardes e exam inardes as
vossas vidas, v erific a re is que há sem pre con
flito a desfigurá-las, deturpá-las, m oldá-las; e
a inteligência, que é a harm onia p e rfe ita da
m ente e do coração, nada in flu i nas vossas v i
das. Isto é, o am biente está continuam ente fo r
m ando, m oldando vossas vidas e vossas ações,
e, n aturalm ente, dêsse contínuo d esfig u rar,
m oldar, form ar, p erv erter, origina-se o c o n fli
to. A ssim , pois, onde há êsse constante proces
so gerad o r de conflito, não pode haver com
preensão. T odavia, supom os que, atravessando
contínuos conflitos, atingirem os aquela com
preensão, aquela abundância, aquela p len itu d e
do êxtase. Mas, pela acum ulação de conflitos
jam ais descobrirem os a m aneira de viver in
te lig e n te m e n te ; só a descobrirem os com preen
dendo o am biente, o criador dos conflitos, e a
m era substituição, isto é, a introdução dè no
vas condições, não d a rá solução ao conflito.
20
Não obstante, se observardes, vereis que, sem
pre que há conflito, sem pre p ro cu ra a m ento
um a solução. E dizem os, en tão : “ é efeito da
h ered itaried ad e, das condições econômicas,
das circunstâncias an terio res” — ou afirm am os
a nossa crença no "k arm a , na reincarnação,
na evolução. P rocuram os desse m odo ju s tifi
car o conflito atu al em que se acha colhida a
nossa m ente, e não tentam os descobrir a sua
causa, investigando o significado do am biente.
O conflito, pois, só pode e x istir en tre o am
b ie n te —jm tendendo-se por am biente as con
dições econôm icas e sociais, o regim e político,
os nossos sem elhantes — en tre esse am biente e
o seu resultado, o “ eu”. Só pode e x istir co n fli
to enquanto houver reação a esse am biente ge
rad o r do “ eu”, da personalidade. A m aioria
dos indivíduos não está consciente desse con
flito — o conflito en tre o “ eu”, que é o resu l
tado do am biente, e o p róprio am biente; em
verdade, m ui poucos se dão conta dessa con
tín u a batalha. Só se faz n o tar êsse conflito,
essa desarm onia, essa lu ta en tre o falso p ro d u
to do am biente, o “ eu ”, e o p ró p rio am biente,
pelo sofrim ento. N ão é assim ? É só n a crise
aguda do sofrim ento, da dor, da desarm onia,
que nos tornam os conscientes do conflito. ►
Q ue acontece quando tom ais conhecim ento
do conflito? Q ue acontece quando, sob o ag u i
lhão do sofrim ento, vos to rn a is plenam ente
21
conscientes da batalha, da lu ta que se trava? A
m aioria quer socorro im ediato, solução im e
diata. Q uer abrigar-se dêsse sofrim ento e en
contra d ife ren te s vias de fuga, ta is sejam ,
como já ontem citei, as religiões, as ex cita
ções, <AÍ> f 1 i v o i i u a u c i s , C d o m U itcl£ > u u u a u istti
das m isteriosas que ten d es criado, no desejo
de abrigar-vos dessa luta. O sofrim ento to r
na o indivíduo consciente dêsse conflito, mas
não o conduz àquela abundância, àquela riq u e
za, àquela plen itu d e, àquele êxtase da vida,
porque, em verdade, o sofrim ento só tem o efei
to de aguçar a m ente. M as esta, um a vez agu
çada, põe-se a in te rro g a r o am biente, as con
dições, e nessa indagação está em ativ id ad e a
in te lig ê n c ia ; e é só a in telig ên cia que p o d e
conduzir o indivíduo à p len itu d e da vida e ao
descobrim ento do sig n ificad o do so frer. A in
telig ên cia en tra em atividade na fase agu d a do
sofrim ento, quando m ente e coração já não
buscam evadir-se, fu g in d o pelas d iferen tes
passagens que tão engenhosam ente soubestes
p rep a ra r e que se vos afig u ram tão razoáveis,
tão concretas e reais. Se observardes a te n ta
m ente, sem preconceito, vereis que, enquanto
houver fuga, nenhum a solução podereis dar
a« conflito, porq u an to ev itais olhá-lo de fren te.
C onseqüentem ente, o vosso sofrim ento nada
m ais é que a acum ulação de ignorância. Q uan
do desistirm o s de fu g ir, de evadir-nos pelos
22
cam inhos já sabidos, será então, no sofrim en
to m ais intenso, que com eçará a ex ercitar-se a
inteligência.
E xcuso-m e de ap resentar-vos exem plos e
com parações, pois desejo que penseis p ro fu n dam ente no assunto, e, se eu vos apresentas
exem plos, estarei pensando no vosso lu g ar e
sereis m eros ouvintes. Mas, se com eçardes a
m ed itar o que vos digo, vereis, observareis por
vós mesmos, que a m ente, habituada a suces
sivas substituições, autoridades, fugas, nunca
atin g e aquêle grau suprem o de sofrim ento que
exige o exercício da inteligência. E é som ente
com a intelig ên cia em p len a atividade que se
pode efe tu ar a com pleta dissolução da causa
do conflito.
Sem pre que h á fa lta de com preensão do
am biente, tem de haver conflito. O am biente
g era o conflito, e enquanto não com preender
mos o am biente, as condições externas, tu d o o
que nos cerca, e estiverm os ocupados apenas
em p ro cu rar substitu içõ es para essas condi
ções, estarem os fu g in d o de um conflito e nos
lançando noutro. M as se naquele agudo so fri
m ento que nos revela um conflito, em tô d a sua
intensidade, com eçarm os a in te rro g a r o am
biente, chegarem os a com preender o seu v er
dadeiro valor, visto que a in telig ên cia assum e
então a sua atividade n atu ral. A té agora a m en
te se tem id en tificad o com o conflito, com o
23
am biente, com evasões, e, portanto, com o so
frim en to —• dizeis “ eu sofro”. M as naquele es
tad o de agudo sofrim ento em que já não é perm issível a evasão, a m ente se to rn a in te li
gência.
E xpressando-o de o u tra m aneira, m ais uma
vez: enquanto estiverm os na busca de soluções,
e substituições, e au to rid ad es para alívio de
nossos conflitos, há de haver identificação da
m ente com circu n stân cias específicas. Mas, se
a tin g ir a m ente aquele estado de intenso so
f re r em que ficam bloqueadas todas as saídas,
ocorrerá, nesse m om ento, o d esp ertar da in te
ligência, que e n tra rá em atividade, n a tu ra l e
espontâneam ente.
T en d e a bondade de exp erim en tar o que vos
su g iro : V ereis que não estou propondo teo
rias, mas algo com que podereis exercitar-vos,
algo de praticável. T en d es uns tan to s am bien
tes, os quais vos foram im postos pela socieda
de, pela religião, pelas condições econômicas,
pelas distinções sociais, pela exploração e pe
las opressões políticas. O “ eu ” nasceu dessa
im posição, dessa compulsão. E x iste em vós o
“ eu ”, que se opõe ao am biente, daí resultando
conflito. N ada ad ian ta criar-se um novo am
biente, porque continua a e x istir a m esm a coi
sa. Mas, se nesse co n flito houver aflição e so
frim en to , vivam ente sentidos — e em todo con
flito há sofrim ento, m as preferim os fu g ir des24
sa lu ta e buscam os, p o r isso, su b stitu to s — e
nessa agudez do sofrim en to d esistird es de pro
c u ra r su b stitu to s e olhardes de fre n te os fa
tos, vereis que a m ente, que é a p len itu d e da
inteligência, com eçará a descobrir o verdadeibertação do conflito. Ê na p ró p ria agudez do
sofrim ento que se en co n tra a sua dissolução.
É, pois, aí que está a com preensão da causa do
conflito.
C um pre igualm ente ponderar que o que cha
m am os acum ulação de sofrim entos não nos
leva a so frer com in te n sid a d e ; nem tão pouco
resu lta da m ultiplicação do sofrim ento a sua
dissolução. P orque o aguçam ento da m ente
pelo so frer só se v e rific a depois de h aver a
m ente cessado de evadir-se. Pois, enquanto es
tiv e r in teressad a na fuga, não haverá co n fli
to que desperte aquêle so fre r intenso, p o r
q uanto na fu g a não h á com preensão.
R esum indo m ais um a vez antes de passar
a responder às p e rg u n ta s que me foram ap re
sen tad as: P rim eiram ente, todos nós estam os
colhidos nas m alhas do sofrim ento e do con
flito , m as a m aioria dos indivíduos não está
consciente desse conflito porque vive a p ro
cu rar substituições, soluções e refú g io s. Se,
en tretan to , deixarem de p ro cu rar refú g io e co
m eçarem a in te rro g a r o am biente, que é a cau
sa do conflito, tornar-se-á, então, a m ente pe-
25
3
n etran te, ativa, in telig en te. N essa in ten sid ad e
a m ente se to rn a in telig ên cia e capaz, p o rta n
to, de d iscern ir o exato valo r e sig n ificad o do
am biente, causador do conflito.
O uso a c re d ita r que a m etade dos que me
^pti '
com prí
im porta. O que podereis fazer, se vos a p ro u
ver, é m ed itar as m inhas palavras, para v e rifi
car se correspondem , ou não, à verdade. M as
m ed itar não deverá sig n ificar in telectu alizar o
assunto, isto é, acom odar-se num a p o ltro n a e
fazê-lo evaporar-se atrav és do intelecto. P a ra
descobrirdes se é verdade o que vos digo, de
veis de o pôr em prática, e para o pordes em
p rática, cum pre in te rro g a rd e s o am biente. Isto
é, se estiverdes em conflito, é claro que deveis
in te rro g a r o am biente, m as a m ente da m aio
ria já de tal modo se d esvirtuou que não p e r
cebe que está à cata de soluções e m eios de
fuga, com suas m aravilhosas teorias. É p e rfe i
to o seu raciocinar, porém baseado, em bora in
conscientem ente, no desejo de fuga.
Se há, pois, co n flito e desejais descobrirlhe a causa, deixai que a m ente a descubra pela
intensidade do pensam ento e, portanto, in te r
rogando tu d o o que o am biente põe em tô rn o
de vós — vossa fam ília, vossos sem elhantes,
vossas religiões, vossas autoridades p o lític a s;
no in te rro g a r haverá ação contra o am biente.
T en d es a fam ília, o sem elhante, o E stado, e,
26
in terro g an d o o sig n ificad o dessas coisas, ve
reis como é espontânea a in teligência, que ela
não é coisa que se a d q u ira ou cultive. L ançada
a sem ente do percebim ento, nasce a flo r da in
teligência.
P e r g u n t a
d u to
:
D iz e is q u e o “ e u ” é o p r o
d o a m b i e n te . S o i s d e p a r e c e r
que
s e r ia
p o s s í v e l c r ia r - s e u m a m b i e n t e p e r f e i t o , n o q u a l
não
se
d e s e n v o lv e s s e
êsse
e s ta d o
c o n s c ie n te
c h a m a d o “ e u ” ? S e a s s im é, a p e r f e i t a l i b e r d a
d e d e q u e f a l a i s d e p e n d e d a c r ia ç ã o d o a m b i e n
te ju s to . É e x a to is s o ?
V O Z E S DO A U D IT Ó R IO : “ N ão” !
K r i s h n a m u r t i : Um m om ento. É
possível haver um am biente justo, p erfeito ?
Não. A quêles que responderam negativam ente
por certo não pensaram a fundo na questão.
Vamos, pois, racio cin ar jun to s, e n tra r em cheio
no assunto.
Q ue é o am biente? O am biente é coisa cria
da. T ôda essa e s tru tu ra hum ana foi criada, pe
los tem ores, pelos anseios, esperanças, desejos,
realizações, dos hom ens. O ra, não se pode
criar um am biente p e rfe ito porque cada in d i
víduo cria, de acordo com seus caprichos e de
sejos, novas séries de condições; mas, com um a
m ente intelig en te, podeis p e n e trar to d o s êsses
27
am bientes falsos e fic a r livres da
do “ eu”. P ois não é verdade que a
do “ eu ”, o sentim ento do “ eu”, é
do am biente? N ão acho necessário
m os m ais a resp eito dêsse ponto,
consciência
consciência
o resu ltad o
racio cin ar
já b astante
S e o E stad o vos desse casa e tudo o m ais
de que necessitásseis, não haveria m otivo da
expressão “ m inha” casa — talvez houvesse ou
tro sentido de “ m eu”, mas estam os apreciando
circu n stân cias específicas. Como e n tre ta n to
assim não aconteceu, existe o sentim ento de
“ m eu”, de posse. Isso é resultado do am bien
te ; aquele “ eu ” é um a falsa reação ao am bien
te. Se, en tretan to , com eçar a m ente a in te rro
g ar o p róprio am biente, desaparecerá essa rea
ção. Não nos interessa, pois, a possibilidade de
e x istir, em algum tem po, um am biente p er
feito.
Mas, que vem a ser am biente p erfeito ? Cada
hom em vos d irá o que é, p ara ele, o am biente
p e rfe ito : o a rtista d irá um a coisa, o fin an cis
ta outra, a estrela cinem atográfica outra. Cada
indivíduo pede um am biente p erfeito , que o
satisfaça, isto é, que não lhe tra g a „conflito.
C onsequentem ente, não pode e x istir am biente
p erfeito . Mas, havendo com preensão, perde o
am biente todo valor e significado porque, nes
se caso, a in teligência, lib ertad a das circu n s
tâncias, funciona plenam ente.
28
A questão, pois, não é de saberm os se se
pode criar um am biente perfeito , porém , antes,
de saberm os d e sp ertar aquela com preensão que
esteja livre do am biente, seja êle im p erfeito ou
p erfeito . A firm o que p o deis d e sp ertar essa
com preensão, investigando o v erdadeiro valor
de qualquer am biente em que esteja colhida a
vossa m ente. V ereis então que e sta reis livres
de qualquer am biente que seja, porquanto o
vosso proceder se baseará na com preensão, uma
vez que estareis sendo deform ados, p e rv e rti
dos, m oldados pelo am biente.
P e r g u n t a
presse
vo ssa
parecem
:
N ão
c o n v ic ç ã o
s ig n ific a r .
é p o s s ív e l q u e
ex
o q u e v o s s a s p a la v r a s
Q uando
a la s tr a r - s e p e l o m u n d o , s i n t o
v e jo
o
v íc io
a
u m fo r te im p u l
s o a l u t a r c o n tr a ê le e t o d o s o s s o f r i m e n t o s q u e
o r ig in a n a s v id a s d e m e u s s e m e lh a n te s . S i g n i
fic a
iss o
tre m e n d o
c o n flito , p o rq u e ,
quando
t e n t o s o c o r r e r , e n c o n tr o , m u i t a s v ê z e s , v i o l e n
ta
o p o s iç ã o .
Com o
e n tã o
n ã o e x is te c o n flito e n tr e
p o d e is
o
fa ls o
a fir m a r
e
o
que
verd a
d e ir o ?
K r i s h n a m u r t i : Disse-vos, ontem,
que só pode haver lu ta en tre duas coisas falsas,
que só pode haver conflito en tre o am biente e
o resultado do am biente, o “ eu”. P o is b^m.
E n tre êsses dois existem inúm eras vias de eva-
29
são, denom inadas vício, caridade, m oralidade,
padrõ es m orais, tem ores, e todos os num ero
sos o p ostos; e a lu ta só pode e x istir en tre os
dois, en tre a falsa criação do am biente, o “ eu”,
e o p róprio am biente. M as não é possível lu ta
en tre .a verdade e o que é falso. Isso é óbvio,
pois não? P odeis en co n trar v iolenta oposição,
devida à ignorância de vosso adversário. Não
digo que não devais lu tar, mas tam bém não
digo que seja lícito lu tar. H á um a m aneira na
tu ral,. um a m aneira espontânea e suave de fa
zer as coisas que julgam os justas, sem o rec u r
so à agressividade e à violência.
P rim eiram ente, an tes de lutar, deveis saber
co n tra que ides lutar. É necessária, p ortanto,
com preensão da realidade profunda, e não das
desarm onias en tre as coisas falsas. M as é tão
viva a nossa percepção das desarm onias en tre
as coisas falsas, en tre o resu ltad o e o am bien
te, que lutam os contra elas, e daí o desejo de
reform ar, m odificar, alterar, sem en tre ta n to
fazerm os algo que m odifique fundam entalm en
te a e stru tu ra da vida hum ana. Isto é, querem os
que subsista a consciência do “ eu”, que é a fa l
sa reação ao am biente; querem os p reserv ar essa
coisa e ao mesmo tem po refo rm ar o m undo.
P o r o u tras p alavras: q uereis co n tin u ar na pos
se de vosso livro de cheques, vossas p ro p rie
dades, q uereis p reserv ar o sentim ento do
“ m eu” e ao mesmo tem po desejais refo rm ar o
30
m undo p o r m aneira que deixe de e x istir essa
idéia de “ m eu” e “ vosso”.
Assim, pois, o que nos cum pre fazer é v eri
fic a r se tem os que ver com o pro fu n d o ou ape
nas com o su p erficial. E, a m eu juízo, ex istirá
o su p erficial enquanto vos preocupardes ape
nas com a refo rm a do am biente, p ara aliv iar o
conflito. Isto é, quereis contin u ar apegados à
consciência do “ eu”, como “ m inha” consciên
cia, e en tre ta n to d esejais a lte ra r as circu n stân
cias por form a que não criem co n flito naquele
“ eu”. A isso eu chamo pensar sup erficialm en
te, do que resulta, por fôrça, ação superficial.
E n tre ta n to , se pensardes profundam ente, isto
é, in terro g an d o o p róprio resultado do am bien
te, que é o “ eu ”, e conseqüentem ente in te rro
gando tam bém o p ró p rio am biente, procedereis
fundam entalm ente e, portanto, duradouram en
te. E há nisso um enlêvo, um deleite que não
conheceis agora, porque receais p ro ced er fu n
dam entalm ente.
P e r g u n t a
te m
:
E m v o ssa p a le s tr a d e o n
fa la s te s d o a m b ie n te c o m o m o v im e n to d o
fa ls o . I n c lu ís
no
a m b ie n te
t o d a s a s c r ia tu r a s
d a n a tu r e z a , in c lu s iv e a s fo r m a s h u m a n a s ?
K r i s h n a m u r t i :
O am biente não se
m odifica constantem ente? Sim ou não? P ara
a m aioria das pessoas o am biente não m uda,
31
porque to d a m udança im plica contínua ad ap ta
ção e, p o rtan to , contín u a v igilância da m ente,
e a m aioria se in teressa apenas pelas condições
e státicas do am biente. M as o am biente movese, porque não o p o d eis controlar, e será falso
enquanto náo com preenderdes o seu s ig m iicado.
“ O am biente in clu i as form as hum anas?”
P o rq u e separá-las da n atureza? Não nos in
teressa tan to a natureza, porque quase já a te
m os sob nosso controle, m as ainda não com
preendem os o am biente criado pelos en tes h u
m anos. C onsiderai as relações en tre os povos,
en tre os seres hum anos, considerai to d as as
condições criadas pela hum anidade, que ainda
não com preendem os, em bora já tenham os con
siderável com preensão e dom ínio da n a tu re
za através da ciência.
A ssim , pois, não nos preocupa m uito a es
tabilid ad e, a continuação de um am biente que
já com preendem os, porque, no m om ento que
com preendem os, cessa o conflito. M as nós b u s
camos segurança, em ocional e m ental, e, como
nos sentim os felizes enquanto tem os g aran tid a
essa segurança, não interrogam os o am biente
e, po r isso, essa coisa falsa e em constante mo
vim ento, que é o am biente, tra z continuam ente
novas p erturbações a cada indivíduo. E n q u an
to houver conflito, in d icará ele fa lta de com
preensão das condições que nos cercam ; e per-
32
m anecerá falso êsse m ovim ento do am biente,
enquanto não inquirirm os o seu significado, e
este só poderem os descobrir naquele estado de
in ten sa consciência do sofrim ento.
P e r g u n t a
:
& s tá p e r t e i t a m e n t e c la r o
p a ra m im q u e a c o n s c iê n c ia d o “ e u ” é o r e s u l
t a d o d o a m b i e n te . M a s , n ã o v o s l e m b r a is , p o r
v e n t u r a , q u e o “ e u ” n ã o s u r g i u p e la p r i m e i r a
vez
na
v id a
p r e s e n te ? D o q u e d iz e is se d e
p r e e n d e , c la r a m e n te , q u e a c o n s c i ê n c i a d o “ e u ”,
c o m o r e s u l t a d o d o a m b i e n te , d e v e t e r c o m e ç a
d o a e x i s t i r n o r e m o t o p a s s a d o e c o n ti n u a r á a
e x is tir n o fu tu r o .
K r i s h n a m u r t i : V ejo que esta p er
g u n ta se destina a enredar-m e na questão da
reincarnação. Mas, não im porta. Exam inem o-la.
P rim eiram ente, deveis adm itir, pensando
bem, que o “ eu” é o resultado do am biente. Ora,
a mim pouco im porta que se tra te do am biente
passado ou do am biente presente. A fin al de
contas, o am biente é tam bém coisa do passado.
Se fizestes uma coisa qüe não com preendestes,
se ontem fizestes um a coisa que não com preen
destes, essa coisa vos p erseg u irá até que a com
preendais. Não podeis dissolver êsse am biente
do passado, enquanto não viverdes com plena
consciência, no presente. Não im porta, pois,
saber se a m ente se debilitou pelas condições
33
passadas ou pelas atuais. O que im p o rta é que
com preendais o am biente e só isso p oderá li
b e rta r vossa m ente do conflito.
H á quem creia que o “ eu” se orig in o u no
passado rem oto e co n tin u ará a e x is tir no fu
tu ro . Isso, p ara mim, carece de im po rtân cia e
sentido. J á vos digo porque. Se o “ eu” é o re
sultad o do am biente, se o “ eu” é a verd ad eira
essência do conflito, deve então a m ente in
teressar-se não p o r essa en tidade continuadora do conflito, m as pela p ró p ria libertação do
conflito. Não im porta, pois, que seja o am bien
te passado que está debilitando a m ente, ou
que seja o atu al que a e stá pervertendo, ou que
o “ eu” se ten h a o riginado no passado rem oto.
O que im porta é que naquele estado de so fri
m ento, naquela consciência, naquele sofrim en
to intensam ente sentido, h a ja a dissolução
do “ eu”.
Sugere isso a idéia de “ karm a”. Sabeis o
que ela sig n ific a : que arcais com um fardo, o
fard o do passado, no presente. Isto é, trazeis
p ara o presen te o am biente do passado, e, p o r
que levais esse fardo, in flu en ciais tam bém o
fu tu ro , m oldais tam bém o fu tu ro . Se re f le tir
des sôbre isso, vereis que tem de ser assim, por
que, se vossa m ente está p erv ertid a pelo passa
do, o fu tu ro forçosam ente será tam bém d esfi
g u rad o ; porque, se não com preendestes o am
biente de ontem , êle se estende necessàriam en-
34
te ao dia de h o je; e, conseqüentem ente, como
não com preendeis o dia de hoje, é claro que
não com preendereis, tão pouco, o de amanhã.
Isto é, se não tiv erd es percebido o exato sen
tid o de um am biente ou de um a ação, p erv er
te-se o vosso julg am en to do am biente de hoje,
da ação de hoje, nascida do am biente, a qual
de novo vos p e rv e rte rá am anhã. Vê-se, assim,
o indivíduo colhido num círculo vicioso e daí
a idéia de contínuo renascim ento, renascim en
to da m em ória, ou renascim ento da m ente con
tin u a d a pelo am biente.
Mas, afirm o que a m ente pode ficar livre
do passado, do am biente do passado, dos obs
táculos do passado, e que, conseqüentem ente,
podereis ficar livres do fu tu ro , porque vivereis,
então, no presente, dinam icam ente, in ten sa
m ente, suprem am ente. No presente está a e te r
nidade, e para tal com preender deve estar a
m ente lib erta da carga do passado; e p ara al
cançar essa libertação, requer-se in ten sa inves
tigação do presente, não a preocupação sôbre
como su b sistirá o “ eu” no futu ro .
35
Ill
L im itar-m e-ei hoje a responder a p erg u n tas.
P e r g u n t a :
a u to d is c ip lin a
Q u a l é a d ife r e n ç a e n tr e
e r e fr e a m e n to ?
K r i s h n a m u r t i : Não vejo gran d e
d iferen ça en tre essas duas coisas, porque são
ambas a negação da inteligência. R efream ento
é a form a gro sseira da autodisciplina, m ais su
til, porém , tam bém repressão. Isto é, tan to re
fream ento como au to d iscip lin a rep resen tam
m eras adaptações ao am biente. O prim eiro é a
form a g rosseira da adaptação, e a segunda, a
autodisciplina, a form a sutil. Baseiam -se, um e
outra, no tem o r: o refream ento, num tem or
ev id en te; a autodisciplina, no tem or que acom
panha o desejo de ganho.
A au to d iscip lin a — o que cham ais au to d is
cip lin a — é m eram ente a adaptação a um am
b ien te que não com preendem os claram ente;
por conseqüência, nessa adaptação tem de ha-
36
v er negação da com preensão. P o r que d iscip li
nar-se o indivíduo? P o r que nos disciplinam os,
obrigando-nos a nos m oldar de acordo com de
term in ad o padrão? P o r que há tan ta s pessoas
filia d a s às várias escolas de disciplina, as quais,
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com preensão m ais clara, e m aior desdobram en
to do pensam ento? V ereis que, quanto m ais
d iscip lin ard es a m ente, quanto m ais a ed u car
des, m aiores se tornam as suas lim itações. Deve j
o indivíduo ponderar essas coisas com m uito
cuidado e apurada percepção, para não se con
fu n d ir, introduzindo ou tras questões. E sto u
aqui em pregando a palavra au to d iscip lin a no
sentido que tem na perg u n ta, isto é, o d isc ip li
nar-se um indivíduo de acordo com determ in a
do padrão, preconcebido ou preestabelecido, e
p o rtan to com o desejo de consecução, de ga
nho. P a ra mim, en tretan to , esse processo m es
mo da disciplina, esse contínuo to rc e r do in
divíduo p ara conform á-lo a um padrão p rees
tabelecido, acabará por deform ar a m ente. A
m ente verdadeiram ente in telig en te está isen
ta de autodisciplina, porquanto a in telig ên cia
nasce da investigação do am biente e da desco
b e rta do seu verdadeiro sentido. N essa desco
b e rta está a verd ad eira adaptação, não adap
tação a determ inado padrão ou condição, mas
adaptação pelo entendim ento, isenta, p o rtan to ,
de condição.
37
C onsiderai o selvagem . Que faz êle? N êle
não existe disciplina, nem controle, nem refream ento. Êle faz o que deseja fazer. O ho
mem in telig en te tam bém faz o que deseja, mas
com inteligência. A in telig ên cia não nasce da
ou do refream ento.
prim circ
exem plo, trata-se p uram ente da atividade ins
tig a d a pelo desejo — o hom em p rim itivo a p er
seg u ir o objeto que deseja. No segundo exem
plo, o homem in te lig e n te percebe a sig n ifica
ção do desejo e percebe o conflito. O selva
gem nada percebe, p ro cu ra alcançar qualquer
coisa que deseja e, com isso, cria sofrim ento
e dor. E m conclusão, pois, a m eu ver, autodisciplina e refream ento são coisas idênticas, p o r
que rejeitam ambas a inteligência.
E x p erim en tai o que acabo de dizer-vos so
bre disciplina e autodisciplina. Não o re je i
teis, não digais que necessitais de au to d isc ip li
na porque, do contrário, rein ará o caos no m un
d o .— Como se já não reinasse! — P o r outro
lado, não aceiteis p rontam ente o que vos digo,
reconhecendo-o verdadeiro. E stou-vos tra n sm i
tin d o algo que eu pró p rio experim entei e ve
rifiq u e i
ser verdadeiro.
P sicologicam ente,
acho-o verdadeiro, porque a au to d iscip lin a su
gere um a m ente atad a a determ inado pensa
m ento, crença ou ideal, to lh id a por um a con
dição; e assim como um anim al atado a um a
estaca só pode afastar-se quanto lhe p erm ita
38
o com prim ento da corda, do mesmo modo a
m ente que se acha p resa a um a crença, a m en
te p erv ertid a pela autodisciplina, só pode mo
ver-se den tro dos lim ites p erm itidos por essa
condição. E ssa m ente, p o rtan to , não é m ente,
em ausuiuio, puiqucm iu cota incapacitada para
o pensam ento. Será capaz, talvez, de a d ap ta
ção en tre os lim ites da estaca e do ponto ex
trem o a seu alcance. M as essa m ente, êsse co
ração, não podem, em verdade, p ensar e sen tir,
porque estão disciplinados, p ervertidos, pela
negação do pensam ento e do afeto. Deveis, por
isso, observar, perceber como funciona o vosso
p róprio pensam ento, os vossos p ró p rio s se n ti
m entos, sem o desejo de guiá-los num sentido
determ inado. E m prim eiro lugar, an tes de os
guiardes, procurai saber como estão fu n cio n an
do. A n tes de ten ta rd e s m odificar e a lte ra r o
pensam ento e o sentim ento, v erificai a m anei
ra de seu funcionam ento, e, fazendo-o, vereis
que estão continuam ente a adaptar-se dentro
dos lim ites estabelecidos por aquele ponto f i
xado pelo desejo e a realização do desejo. No
percebim ento não há disciplina.
P erm iti-m e um exem plo. Suponham os que
ten h ais o esp írito de classe, a consciência de
classe, isso que se cham a s n o b is m o . Não sabeis
ainda se sois s n o b s , m as desejais descobrir se
o sois. Como descobri-lo? T ornando-vos cons
cientes de vosso pensam ento e vossas emoções.
39
Q ue acontece então? Suponham os que des
cubrais que sois s n o b s : N esse caso, essa mesma
descoberta cria um a perturbação, um conflito,
e esse mesmo co n flito dissolve o s n o b is m o .
M as, se vos lim itard es a d iscip lin ar a m ente
p a ta não ser s n o b , irers desenvotver uma carac
te rístic a oposta à do s n o b , — e pro ced er deliberadam ente, e p o rtan to erroneam ente, é por
ig u al pernicioso.
N essas condições, porque estabelecem os d i
fere n te s padrões, objetivos, expedientes, os
quais, consciente ou inconscientem ente, nos es
forçam os continuam ente por alcançar, d iscip li
nam os nossas m entes e nossos corações na d i
reção dos mesmos, o que im plica necessaria
m ente controle e perversão. Mas, se e n trard es
a in v estig ar as condições que geram conflito,
despertando por êsse modo a inteligência, será
então suprem a essa in telig ên cia e, como tal,
estará em contínuo m ovim ento, não ap resen
tan d o um só ponto estático que possa gerar
conflito.
P e r g u n t a
:
A d m i t i n d o - s e q u e s e ja o
“ e u ” c o n s titu íd o
de
b ie n te ,
m é to d o
suas
por
que
lim ita ç õ e s ?
r e a ç õ e s o r iu n d a s d o
O u,
p oderem os
com o
40
fu g ir
procederm os
r e o r i e n ta ç ã o , p a r a e v i t a r m o s c o n f l i t o
d u a s c o is a s f a ls a s ?
am
às
à
e n tr e as
K r i s h n a m u r t i : E m prim eiro lu
gar, desejais saber o m étodo de fu g ir das li
m itações. P o r que? P o r que o p erg u n tais? D i
zei-me, por que estais sem pre a so licitar um m é
todo, um sistem a? Q ue indica esse desejo de
m étodo? T odo desejo de m etoao denota o de
sejo de fuga. P edis-m e que delineie um siste
ma, para o observardes. P o r o u tras palavras,
q uereis que seja inventado para vós um siste
ma, para o sobrepordes àquelas condições que
estão gerando conflito, a fim de poderdes es
capar de qualquer conflito. Isto é, p rocurais
sim plesm ente adaptar-vos a um padrão, a fim
de fu g ird e s ao co n flito ou ao vosso am biente. É
esse o desejo em que se baseia a busca de m é
todo, de sistem a. Sabeis que a vida não é Pelm anism o (1). O desejo de m étodo indica, essen
cialm ente, o desejo de fuga.
“ Como p roceder à reorientação, p ara evi
tarm os conflito e n tre as duas coisas falsas?”
E m prim eiro lugar, estais consciente de vos
achardes em conflito, antes de d esejard es sa
ber a m aneira de fu g ir-lh e? Ou, consciente do
conflito, buscais apenas um su b terfú g io , um
abrigo, onde não se criem novos conflitos?
Vamos, pois, certificar-n o s sôbre se desejais
um abrigo, um a zona de segurança, que não
m ais produza co n flito ; ou se desejais fu g ir do
p resente conflito p ara in gressardes num a con
dição na qual não h aja c o n flito ; ou se estais
(1) Sistema de treinamento para desenvolver a
memória, a força de vontade, etc.
(N o ta do tr a d u to r).
4
41
inconsciente do conflito em que vos achais. Se
não estais consciente do conflito, isto é, da ba
ta lh a que se trav a en tre o “ eu” e o am biente,
se não tendes conhecim ento dessa batalha, p o r
que, então, pro cu rar outro rem édio? P erm ane
cei nesse desconnecim ento. iJeixai que as pró
p ria s condições produzam o conflito necessá
rio, em vez de vos p recip itard es num conflito,
provocardes artificialm en te, falsam ente, uni
conflito que não existe nem na vossa m ente
nem no vosso coração. Se criais artificialm en te
um conflito, é porque receais perd er algum a
coisa. M as a vida não se esquecerá de vós, não
vos d eixará perd er nada. Se ju lg a is o co n trá
rio, ten d es algum a anom alia. T alvez sejais neu
rótico, anorm al.
Se estais em conflito, não deveis pedir-m e
um m étodo. Se eu vos desse um m étodo,
iríe is apenas disciplinar-vos de acordo com
êsse m étodo, procurando im itar um ideal, um
pad)/~o por m im estabelecido, com o que iríeis
d e stru ir a vossa p ró p ria inteligência. Mas, se
ten d es real consciência do conflito, com essa
consciência se to rn a rá agudo o sofrim ento, e
nessa agudeza, nessa intensidade, dissolver-se-á
a causa do sofrim ento, que é a falta de com
preensão do am biente.
J á perdem os totalm en te o senso de viver
norm alm ente, sim plesm ente, indissim uladam ente. P a ra v oltardes a essa norm alidade, a essa
42
sim plicidade, a essa lealdade, não deveis seguir
m étodos não deveis tornar-vos m eros autôm a
tos. Inclino-m e a crer que a m aioria de nós
pro cu ra m étodos p o r ju lg a r que por meio dêles
alcançará p lenitude, estabilidade e perm anên
cia. P ara mim, os m étodos conduzem à estagna
ção e à deterioração, e nada têm que ver com
a verdadeira esp iritu alid ad e, a qual é a plen i
tu d e da inteligência.
P e r g u n t a
um a
:
r a d ic a l r e v o l u ç ã o
F a l a is d a n e c e s s i d a d e d e
na
v id a
do
in d iv íd u o .
S e ê le n ã o d e s e j a r r e v o l u c i o n a r o s e u a m b i e n
te p e sso a l e x te r n o , p o r ca u sa d o s o fr im e n to q u e
a c a r r e ta r ia p a r a a f a m í l i a e o s a m ig o s , p o d e r á
u m a re v o lu ç ã o in te r n a
c o n d u z i-lo
à l ib e r ta ç ã o
d e q u a lq u e r c o n flito ?
K r i s h n a m u r t i : P rim eiram ente, se
nhores, não achais tam bém necessária um a re
volução radical na vida do indivíduo? O u es
ta is satisfeito s com as coisas tais como são,
com vossas idéias de progresso e evolução, vos
sos desejos de realizações, vossos anseios e
vossos prazeres precários? No m om ento em
que com eçardes a pensar realm ente, a se n tir
realm ente, sereis em polgados dêsse ard en te de
sejo de m odificação profunda, revolução rad i
cal, com pleta reorientação do pensar. P o is bem.
Se sen tird es necessária tal coisa, então, nem
43
fam ília, nem am igos con stitu irão em pecilhos.
P orque, nesse caso, não haverá revolução ex
te rn a nem revolução in te rn a ; haverá, sim ples
m ente, revolução, m odificação. Mas, se come
çais a estabelecer restrições, dizendo: “ não
devo m agoar m m na fam ília, m eus am igos, m eu
pároco, m eu explo rad o r cap italista ou m eu ex
p lo rad o r p o lítico ” — não vedes então a neces
sidade de m udança radical e apeteceis apenas
m udança de am biente. Isso é evidente letargia,
a qual criará ou tro am biente falso, fazendo
co n tin u ar o conflito.
Parece-m e um tan to falaz o p rete x to de não
deverm os m agoar nossas fam ílias e amigos. P o r
certo, quando desejais fazer algo de capital
im portância, vós o fazeis, sem considerações
de fam ília nem de am igos, não é verdade? Não
receais, então, p rejudicá-los. Isso já não está
sob vosso controle: sen tis tão intensam ente,
pensais tão com pletam ente, que sois tra n sp o r
tad o s para fora das lim itações dos círculos de
fam ília, das obrigações de qualquer classe. Mas
só com eçais a levar em conta a fam ília, os am i
gos, os ideais, as crenças, as tradições, a ordem
estabelecida — só começais a tom á-los em con
sideração quando ainda vos apegais a um a de
term in ad a segurança, quando vos falta aquela
riqueza in te rio r de que vos falei há pcuco, e,
em lu g ar dela, existe apenas a dependência de
estím ulos exteriores. A ssim , pois, se existe ple-
44
na consciência do sofrim ento, desp ertad a pelo
conflito, não estais, então, to lh id o s pelos vín
culos de qualquer ortodoxia, am igos ou fam í
lia: quereis achar a causa do sofrim ento, que
reis descobrir o significado do am biente que
----tlU - •
4i
desapareceu a idéia lim itada do “ eu”. É so
m ente quando vos apegais a essa idéia lim ita
da do “ eu”, que sois obrigados a considerar
até onde vos podeis tra n sp o rta r e até onde não
deveis ir.
Certo, não se pode en co n trar a verdade, ou
essa faculdade divina da com preensão, enquan
to estiverm os apegados à fam ília, à tradição,
ou ao hábito. E la só poderá encontrar-se quan
do estiverdes em plena nudez, despidos de vos
sos desejos, esperanças e cautelas. N essa sim
plicidade d ire ta está a riqueza da vida.
bov
^
x- w^ ?
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p i / i »>u I i au u i A Í
t)
P e r g u n t a :
P o d e is e x p lic a r p o r q u e
razão o a m b ie n te co m eç o u a e x is tir co m o co i
sa fa lsa , em v e z d e v erd a d eira ? Q u a l a o rig em
d e to d a essa d e so rd e m e in q u ie ta ç ã o ?
K r i s h n a m u r t i : Q uem ju lg ais ha
ver criado o am biente? A lgum a divindade m is
teriosa? Um m om ento, p o r fav o r: Quem criou
o am biente, a e s tru tu ra social, a e s tru tu ra eco
nôm ica e religiosa? Mós mesmos. Cada um con
trib u iu p ara a sua form ação, individualm ente,
45
até se to rn a r coisa coletiva, e o indivíduo, que
cooperou para a criação do coletivo, vê-se ago
ra perdido nesse mesmo coletivo, que se tornou
o seu m olde, o seu am biente. Pelo desejo de
segurança financeira, m oral e esp iritu al, te n
des criado um am biente capitalista,
existem nacionalidades, distinções de classe e
exploração. Fom os nós que criam os isso. Vós
e eu. E ssa coisa não su rg iu m iraculosam ente
p ara a existência. E v oltareis a criar outro sis
tem a capitalista, aquisitivo, com um a lig eira
d iferen ça de m atiz, de côr, enquanto viverdes
na busca de segurança. P odereis abolir o pa
drão atual, mas, enquanto houver am or à posse,
criareis outros estados capitalistas, com novas
fraseologias, novos jargões.
O mesmo se pode dizer das religiões, com
suas absurdas cerim ônias, suas explorações e
tem ores. Q uem as criou? V ós e eu. P elos sé
culos em fora, vimos criando essas coisas e nos
subm etendo a elas pelo tem or. F oi o indivíduo
quem criou o am biente falso, por toda a p arte
e se fêz escravo dêle. E dessa condição falsa
resu lto u uma falsa busca de segurança p ara
aquele estado consciente que cham am os “ eu”,
e daí a batalha sem tré g u a entre o “ eu” e o
am biente falso.
D esejais saber quem criou esse am biente e
tô d a essa horrível confusão e inquietação, p o r
que desejais um red e n to r que vos erga para
46
fora dessa inquietação e vos ponha num novo
céu. A pegados a todos os vossos preconceitos,
esperanças, tem ores e preferências, vós crias
tes, individualm ente, êsse am biente, e por isso
o deveis quebrar individualm ente, sem esperar
o a d v e n t o d e u m sistem a q u e o v eu ic i da f u u c
da terra. Um novo sistem a v ir á , sem dúvida,
que v arrerá o am biente atual, m as passareis a
escravos dessoutro sistem a. O sistem a com unis
ta poderá im plantar-se, e, quando isso aconte
cer, usareis provàvelm ente um a nova term in o
logia, mas continuarão as m esm as as vossas
reações, com diferen ça apenas de m aneira e de
ritm o.
E is a razão por que há dias eu vos dizia que,
se o am biente vos im pele a uma determ inada
ação, essa ação já não é justa. J u s ta é som en
te a ação nascida da com preensão do am biente.
Assim, pois, individualm ente, devemos to r
nar-nos conscientes. A sseguro-vos que criareis,
então, individualm ente, algo grandioso, não
um a sociedade aderente a um ideal, e p o rtan to
em decomposição, m as uma sociedade em mo
vim ento constante, que jam ais a tin g irá uma
culm inância para depois m orrer. Os indivíduos
estabelecem um objetivo, lutam por alcançá-lo,
e depois de o alcançarem tom bam extenuados.
E stão sem pre ten tan d o alcançar um a determ i
n ada m eta e perm anecer no nível a que se er
gueram . Qual o indivíduo, tal o E stado. O E s
47
tad o acha-se continuam ente em penhado em al
cançar um ideal, um objetivo. Mas, p ara mim,
deve o indivíduo viver em m ovim ento constan
te, recriando-se continuam ente, nunca m iran
do culm inâncias, nem perseguindo objetivos.
ü«ntao, a expressão individual, que é u &ueiedade, estará, perenem ente, em m ovim ento
constante.
P e r g u n t a :
J u lg a is q u e “k a rm a ” é a
a ç ã o r e c íp r o c a e n t r e o a m b i e n t e f a l s o e o f a l
so “ e u ”?
K r i s h m a m u r t i : “ K arm a” é um a
palavra sânscrita, que sig n ifica p raticar, fazer,
obrar, im plicando tam bém causa e efeito. O ra,
“ karm a” é escravidão, é reação nascida do am
biente que a m ente não com preendeu. Como
ontem ten te i explicar, se não com preendem os
um a determ inada condição, a m ente fica n a tu
ralm en te gravada com essa condição, com essa
falta de com preensão. E com essa falta de com
preensão nós obram os e agim os, criando assim
novos fardos, lim itações m aiores.
T orna-se, pois, necessário descobrir-se o
que g era essa fa lta de com preensão, o que im
pede o indivíduo de perceber o exato s ig n ifi
cado do am biente, quer se tra te de am biente
passado, quer se tra te do atual. E para desco
b rir êsse significado, é necessário que a m ente
48
esteja de todo isenta de preconceito. É coisa
das m ais d ifíceis ficarm os inteiram en te livres
de um a propensão, de um tem peram ento, de
um a deform ação e, jp ara encararm os p am bien
te com renovada sim plicidade e lealdade, ne* • .
tc to c
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u u i.
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c itv a u y
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1
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A m aioria dos esp írito s está sob a in flu ên
cia da vaidade, do desejo de causar im pressão
em outros, com ser alguém ; ou do desejo de
alcançar a verdade, ou fu g ir do am biente, ou
exp an d ir a p ró p ria consciência (a que dão, en
tre tan to , um nom e esp iritu al especial), ou sob
a influ ên cia de preconceitos nacionalistas.
Ê sses desejos, todos, im pedem a m ente de p e r
ceber diretam en te o verdadeiro valor do am
b ien te; e como a m aioria dos indivíduos está
dom inada por preconceitos, a prim eira coisa
de que deve to rn ar-se consciente o indivíduo
são as p ró p rias lim itações. E , quando começa
m os a torn ar-n o s conscientes delas, essa cons
ciência nos tra z conflito. Q uando verificam os
que somos, com efeito, b ru talm en te orgulhosos
e presunçosos, começa a presunção, pela p ró
p ria consciência que dela tem os, a dissipar-se,
porquanto percebem os, então, quanto é ab su r
da. Mas, se ten ta rd e s encobri-la, ela criará no
vos males, novas reações falsas.
D essarte, p ara viverm os cada m om ento num
eterno presente, sem o fardo do passado nem
do presente, sem essa lem brança deform adora
49
gerada pela falta de com preensão, deve a m en
te e n fre n ta r as coisas de m aneira o riginal, i .e .,
p rescindindo da tradição. É fatal e n fre n ta r a
vida com o fardo da certeza, com a p re su n
ção/ do saber, porque, afinal, o saber é m era
z z iz a do passado. A ssim , pois, precedendo com
originalidade, em todos os encontros com a
vida, sabereis o que é viver sem conflito, êsse
continuado e ex ten u an te esforço. N avegareis
então longas distâncias pelos m ares da vida.
50
IV
R esponderei prim eiram ente a algum as das
p erg u n tas que me foram feitas, concluindo
com uma breve palestra.
P e r g u n t a :
A in tu iç ã o c o m p r e e n d e a
e x p e r i ê n c i a p a s s a d a e m a i s a lg u m a c o is a , o u s o
m e n te a e x p e r iê n c ia p a ssa d a ?
K r i s h n a m u r t i : P ara mim, in tu i
ção é inteligência, e in telig ên cia não é a ex
p eriência do passado, m as a com preensão des
sa experiência. V ou daqui a m om entos falar
sobre a idéia de experiência passada, m em ória,
in telig ên cia e m ente, mas responderei ago ra a
este ponto especial: se a intuição é nascida do
passado.
P a ra mim, o passado é uma carga, e rep re
sen ta apenas lacunas na com preensão. Se de
fato baseardes a vossa ação no passado, no que
se convencionou cham ar intuição, isso fa ta l
m ente vos desnorteará. Mas, se houver ação
51
espontânea no presen te, nesse presen te em con
tín u o m ovim ento, nela haverá in teligência, e
esa in telig ên cia é intuição. A in telig ên cia não
pode separar-se da intuição. A m aioria se apraz
em separar a intuição da inteligência, porque
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i íl v o
"
cvi
ta
v
esperança. M uitas pessoas dizem pro ced er “ por
in tu ição ”, o que quer dizer p roceder sem a ra
zão, sem profu n d eza de pensam ento. M uitos
aceitam um a teoria, um a idéia, que sua “ in tu i
ção” lhes d1' - ser verdadeira. Não se fu n d a na
razão tal proceder. Ê les aceitam ta l teo ria ou
ta l idéia, porque ela lhes traz algum a solução
ou conforto. Não é a razão que fu n cio n a: são
as p ró p rias esperanças e anseios dêsses in d i
víduos, que orientam as suas m entes. M as a in
telig ên cia está separada do am biente e se fu n
da, p o rtan to , na razão e no pensam ento.
P e r g u n t a :
C om o
posso
a g i r fivre-
m e n te e s e m a u to -r e p r e s s ã o , q u a n d o s e i q u e m i
n h a a ç ã o d e v e r á m a g o a r o s q u e a m o ? N u m c a so
d ê s se s , d e q u e m a n e ir a p o d e m o s r e c o n h e c e r a
ação ju s ta ?
K r i s h n a m u r t i : Creio haver res
pondido a essa p erg u n ta, há dias, mas como é
possível que não estivesse p resen te o seu au
to r, responderei de novo a ela. O c a ra c te rísti
co da ação ju sta é a espontaneidade, m as p ro
52
ceder espontâneam ente é revelar p ro fu n d a in
teligência. A m aioria dos indivíduos têm so
m ente reações, desvirtuadas, desfiguradas, su
focadas, pela fa lta de in teligência. Q uando
opera a inteligência, é espontânea a ação.
D eseja tam bém saber o in te rro g a n te como
poderá proceder livrem ente e sem refream ento, quando saiba que sua ação deverá m agoar
os que ama. O ra, am ar é ser livre. No amor,
são livres am bas as partes. Se ex iste a possi
bilidade de sofrim ento, não se tra ta então de
am or, mas, sim, puram ente, de um a form a su
til do in stin to de posse, do in stin to de aqu isi
ção. Se amais, se realm ente am ais alguém , não
há possibilidade de lhe causardes dor, fazendo
algo que ju lg u e is justo. É som ente quando que
rem os levar a pessoa am ada a fazer o que d e
sejam os, ou esta nos quer levar a fazer o que
ela deseja, é som ente então que existe dor.
Isto é, am ais a posse. Com ela vos sen tis ab ri
gados, seguros, confortáveis. E m bora saibais
tra n sitó rio êsse conforto, buscais abrigo nêle,
na sua tran sito ried ad e. T ôda lu ta em busca de
conforto, incitam ento, denuncia fa lta de rique
za in terio r, e, por conseguinte, cada ação in
com patível com um dos am antes, cria-lhe na
m ente perturbação, dor e sofrim ento. Assim,
um dos am antes tem de re p rim ir o que rea l
m ente sente, a fim de aju star-se ao outro.
E m suma, essa constante repressão, ocasiona-
53
da p o r isso que chamam amor, destró i os dois
indivíduos. E m ta l am or não existe liberdade;
ele é apenas um a form a su til de escravidão.
Q uando sen tis ard entem ente a necessidade de
fazer um a coisa, vós a fazeis, às vezes -com as
tú c ia e sutileza, m as a fazeis de qualquer m a
neira. E x iste sem pre êsse im pulso a operar, a
ag ir independentem ente.
P er g u n t a :
E s to u
c e r to
em
a cre
d i t a r q u e t o d a s a s c o n d iç õ e s e a m b i e n t e s s e r ã o
j u s t o s p a ra a m e n te v e r d a d e ir a m e n te i n te li g e n
t e ? N ã o é q u e s tã o d e s a b e r a p r e c ia r a a r te n o
desen h o ?
K r i s h a a m u r t i : À m ente in te lig e n
te o am biente confia o seu significado. P o r
isso, essa m ente in te lig e n te é senhora do am
biente, está lib erta do am biente, não está por
êle condicionada. Que é que condiciona a m en
te? É a fa lta de com preensão. Não o achais?
Não é o am biente. Ê ste não lim ita a m ente. O
que a lim ita é a fa lta de com preensão de uma
dada condição.
Q uando há in teligência, não é a m ente con
dicionada por am biente nenhum , porque ela
está sem pre consciente, desperta e ativa, e,
p o rtan to , discernindo, percebendo o exato va
lo r do am biente. Só pode condicionar-se ao
am biente a m ente letá rg ic a e indolente, ã~qual
54
p ro cu ra fu g ir à condição mesma. Em bora, em
ta l estado, seja a m ente capaz de pensar, não
é p e rfe ito o seu funcionam ento, porque pensa
apenas dentro do lim itado círculo da condição,
e isso, para mim, não é pensar com pletam ente.
N essas'condições, o que cria a inteligência,
o que desperta a in telig ên cia é a percepção
dos valores genuínos, e como a m ente está de
form ada por tan to s valores im postos pela tr a
dição, é preciso estarm os livres dessas expe
riências do passado, dessas cargas do passado,
para poderm os com preender o am biente atual.
A batalh a é, portanto, en tre o passado e o p re
sente. A lu ta se trav a en tre esse “ b ackground”,
i .e . a tradição, enriquecida através dos séculos,
e as circunstâncias sem pre cam biantes do p re
sente. Ora, um a m ente obnubilada pelo passa
do não pode com preender essas céleres m odi
ficações do am biente. E m outros term o s: para
com preender o presente, cum pre estar a m ente
soberanam ente livre do p a ssa d o ; isto é, deve
te r um a espontânea apreciação de valores no
presente. T ra ta re i disso m ais adiante.
“ Não é questão de apreciar a a rte no de
senho?” B e certo. Isto é, no desenho das c ir
cunstâncias, no padrão do am biente, deve a
m ente perceber o valor sutil, sem pre tão ocul
to e delicado. E p ara perceber essa sutileza,
essa delicadeza, requer-se um a m ente ágil, fle
xível, penetrante, não onerada pelos valores
do passado.
55
P e r g u n t a
:
P arecem
a s v o s s a s p a la
v r a s s u g e r i r a i d é i a d e q u e a l ib e r ta ç ã o é u m
o b je tiv o , um a
c u lm in â n c i a .
Q ual a
d i fe r e n ç a ,
n e s s e c a so , e n t r e o e s f o r ç o p a r a a lc a n ç a r - s e a
l ib e r ta ç ã o , e o e s f o r ç o
p a r a a lc a n ç a r - s e
q u a l
q u e r o u t r a c u lm in â n c i a ? J á n o s f o i d i t o q u e é
e rrô n e a a id é ia d e u m
c u lm in â n c i a . A
fim , um
o b je tiv o , um a
n ã o c o n s id e r a r m o s a l ib e r ta ç ã o
p o r e s s a m a n e ir a , c o m o
d e v e m o s e n tã o
c o n s i
d e r á - la ?
K r i s h n a m u r t i : Inclino-m e a crer
que o consulente não tem ouvido as m inhas
p alestras. T alvez te n h a lido m inhas obras m ais
an tig as, que lhe insp iraram tal p ergunta.
P o is bem. A m ente p ro cu ra um a culm inân
cia, um objetivo, um fim , porque deseja estar
certa, segura. V arrei da m ente tôdas as c e rte
zas e seguranças, que são form as su tis de autoexaltação ou do desejo de perpetuação p ró p ria ;
v arrei tudo isso da m ente, desnudai-a de todo,
e vereis que ela v o lta a lu ta r pela p ró p ria se
gurança, por um abrigo, porque nesse abrigo
ela pode ju lg ar, pode funcionar, pode a g ir em
segurança, tal como o anim al atado a um a es
taca.
Como já disse, a libertação não é um fim,
não é um alvo; é a com preensão dos v erd ad ei
ro s valores, dos valores eternos. A in te lig ê n
cia se recria perenem ente, não tem objetivo
56
nem finalidade. No desejo de alcançar um a al
tu ra , existe um su til anseio de perpetuação
p ró p ria, continuação g lo rificad a do “ eu ” pes
soal; e todo esforço, tô d a lu ta p ara alcançar a
libertação, sig n ifica fu g a do presente. E ssa
p len itu d e da coiJ.ipj.ceu£>ãu, que é a libei Lu^ão,
não deve ser en ten d id a como coisa que se ad
q u ire pelo esforço. T odo esforço denota dese
jo de adqu irir, conqu istar algum a coisa. M as a
libertação não é coisa que se conquiste; a v er
dade não é adquirível. D essarte, onde existe
desejo de libertação, de culm inância, de con
secução, existe tam bém, infalivelm ente, esfo r
ço p ara su sten tar, preservar, p e rp e tu ar aquela
consciência que cham am os “ eu”. A essência
m esm a do “ eu” é um esforço por a tin g ir uma
culm inância, porque êle vive num a série de
m ovim entos da m em ória e se d irig e p ara um
alvo.
“ Mas, então, como havemos de considerar
a libertação, se não fô r por essa m an eira?” —
M as, por que havem os de considerá-la? P o r
que desejais a libertação? Será porque tenho
estado a falar dela nestes últim os dez anos?
O u será porque desejais fu g ir das condições
que vos cercam, ou porque desejais m aior ex
citação, m aior estím ulo, m aior p rep o n d erân
cia intelectu al? P orque desejais libertação?
D izeis, p o rv en tu ra: “ Não sou feliz, e se encon
tr a r a libertação enco n trarei a felicid a d e; por
57
5
que vivo em sofrim ento, e se en co n trar essa
coisa d iferen te, desaparecerá o so frim en to ”.
Se assim falais, estais sim plesm ente em busca
de substituição.
A libertação não é coisa para “ contem plarb t
.
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ça a e x istir quando a m ente já não p ro cu ra fu
g ir da condição em que se acha colhida, mas
pro cu ra, antes, com preender o significado da
quela condição que cria o conflito. Como não
com preendeis a condição, o am biente que gera
o conflito, p ro cu rais um a idéia, um a culm inân
cia, um fim , um objetivo, dizendo p ara vós m es
m o s :— “ Se eu com preender aquilo, desapare
cerá isto ”, ou “ Se eu o b tiv er aquilo, poderei so
brepô-lo a esta condição”. E tem os com isso,
m eram ente, uma m aneira su til de fu g ir do p re
sente. T odos os ideais, todos os credos, obje
tivos e culm inâncias não são m ais do que m e
ras passagens por onde fugirm os do presente.
Mas, pensando bem, vereis que, quanto m ais
p erseg u ird es um objetivo, um alvo, um a espe
rança, um ideal, tan to m ais estareis onerando
o fu tu ro , porque estareis fugin d o do p resen te
e criando, conseqüentem ente, lim itação sôbre
lim itação, conflito sôbre conflito, pesar sôbre
pesar.
P e r g u n t a
p arecer
58
que
:
devem os
H á q u e m d ig a q u e s o is d e
to r n a r - n o s l i v r e s a g o r a ,
e n q u a n to n o s é d a d a o p o r tu n id a d e , e q u e p o
derem os
p o s te r io r m e n te
to r n a r - n o s
m e s tr e s .
S e h a v e m o s d e to rn a r -n o s m e s tr e s , p o r q u e não
convém
e n c a m in h a r m o s
desde
já
n ossos
pas
s o s n e s s e s e n tid o ?
K r i s h n a m u r t i : E x iste ago ra uma
o p ortunidade p ara vos to rn a rd es livres? Q ue
sig n ificais por o portunidade? De que m aneira
podeis tornar-vos livres agora? P o r algum p ro
cesso m ilagroso? E como vos to rn a reis m es
tres, m ais tard e? Mas, que vem a ser “ m estre”,
que vem a ser “ lib ertação ” ? Que sig n ifica o
“ ser m estre” ? Se não sig n ifica libertação, não
pode ser m estrado. Se a libertação não é a ple
n itu d e da inteligência, já agora, essa in te lig ê n
cia por certo não poderá ser ad q u irid a m ais
tarde, em fu tu ro rem oto. D esejais, pois, lib er
tar-vos agora e ser m estre depois? S eria in te
ressante saber por que desejais agora a lib er
tação. A cho que a libertação nenhum s ig n ifi
cado tem , quando nós a d e s e j a m o s . E essa idéia
de “ tornar-se m estre” — será que o consulente im agina a vida como um exame, a que nos
subm etem os para receber um diplom a, to rn a rnos algum a coisa? — essa idéia de “ to rn ar-se
m estre”, “ tornar-se liv re”, estou quase a acre
d ita r que ela é in teiram en te vazia de sentido
para o au to r da perg u n ta. Não percebeis que é
só quando não desejais tornar-vos a l g u m a c o i -
59
sa , só quando viveis plenam ente em cada dia,
na riqueza de cada dia, que é só então que sa
beis o que é m estrado, o que é libertação? O
vosso desejar está criando, incessantem ente,
um fu tu ro jam ais atin g ív el, e por essa razão
viveis incom pletam ente no presente.
N os últim os trê s dias tenho falado da m en
te e da inteligência. Ora, para m im não há se
paração en tre m ente e inteligência. A m ente
despida de tôdas as suas lem branças e óbices,
funcionando espontâneam ente, plenam ente, a
m ente v ig ilan te e perceptiva, cria a com preen
são, e isso é inteligência, isso é e n lê v o ; isso,
para mim, é im ortalidade, atem poralidade (1).
A in telig ên cia é atem poralidade, e a in te lig ê n
cia é a p ró p ria m ente. E ssa in telig ên cia é o
real, é a m ente mesma, da qual é inseparável.
E ssa in telig ên cia é enlêvo, ela se cria p eren e
m ente e se move contxnuam ente.
M as a m em ória é apenas a bagagem dessa
in te lig ê n c ia ; a m em ória é independente dessa
in te lig ê n c ia ; a m em ória é a perpetuação da
quela consciência do “ eu”, que é resu ltad o do
am biente, dêsse am biente cujo significado in
te g ra l a m ente não percebeu. P o r isso, a m e
m ória entorpece, obvia a inteligência, essa in
telig ên cia que se renova perenem ente, que se
move incessantem ente, que não está contida no
(1)
60
Qualidade do que está fora do tempo.
tem po. A m ente é inteligência, mas a m em ória
se im pôs à m ente. Isto é, a m em ória, que é a
consciência do “ eu”, identifica-se com a m en
te, e essa consciência do “ eu” se interpõe, por
assim dizer, en tre a in telig ên cia e a m ente,
d e ssa n e dividinuu-a, c a w i j j c o c j u u v j - a , obviando-a, pervertendo-a. A ssim , pois, a m em ória,
identificando-se com a m ente, p ro cu ra to rn arse inteligência, o que p ara mim é falso — se
posso em pregar aqui o term o “ falso” — p o r
quanto a m ente é in telig ên cia e a m em ória,
pervertendo a m ente, nubla a in teligência. P o r
essa razão parece a m ente estar sem pre à pro
cura daquela in telig ên cia atem poral, que é a
m ente mesma.
M as que é a m em ória? Não é ela circu n stân
cia, experiência, tem or, esperança, anseio, cren
ça, idéia, preconceito e tradição, ação, realiza
ção, com tôdas as suas reações su tis e com ple
xas? Tão logo exista tem or, esperança, anseio,
crença, idéia, preconceito, tem peram ento, tão
logo se condiciona a m ente, e êsse condiciona
m ento gera a m em ória, a qual obscurece a cla
ridade da m ente, que é a inteligência. E ssa m e
m ória rola pelo tem po, coagulando-se e so lid i
ficando-se até se to rn a r a consciência do “ eu”.
Q uando falais do “ eu”, é disso que falais. Ê le
é a cristalização, a solidificação das lem bran
ças de vossas reações, que são as reações da ex
periência, das circunstâncias, crenças e ideais,
61
e depois de tornar-se um a m assa sólida, essa
m em ória, êsse “ eu”, id entifica-se e confundese com a m ente. R efleti, p ara vos convencerdes
disso. A consciência da p ró p ria pessoa, cu essa
consciência do individual, o “ eu”, nada m ais
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campo em que ela pode o perar e atuar. N essas
condições, essa sólida m assa de reações não
pode ser dissolvida, não pode dissolver a si
m esm a recuando no tem po, pela análise, a aná
lise do passado, porque essa m esm a retro sp ecção, essa análise do passado, é um a das p e c u lia
rid ad es da p ró p ria m em ória. Êsse p razer m ór
bido de reafirm ar e renovar o passado no p re
sen te é a atividade constante, é o “ m e tie r” da
m em ória, não é verdade? Não estou en u n cian
do um a sutileza, nem conceito filosófico. P o
deis verificá-lo, m editando um m inuto, e ve*
rific a re is ser isso verdadeiro. E x iste essa m as
sa de reações nascidas das condições, do am
biente, dos preconceitos, dos d iferen tes anseios,
e o que m ais seja — e por conseqüência ex is
te essa coisa que cham am os “ eu”.
Acode-vos, em seguida, a idéia de que de
veis dissolver o “ eu”, porque eu vos tenho fa
iado dessa necessidade. O u percebeis vós m es
m os o absurdo e com eçais a desdobrar — co
m eça a m em ória a desdobrar-se, regressivam en
te, para o passado, num processo de auto-aná
lise. Mas, se a ten tard es p ara isso, reconhecereis
62
que a m em ória se está entregando a um prazer
doentio em renovar o passado no presente. Do
m esm o modo, o fu tu ro da m em ória será m aior
solidificação, em v irtu d e de novos desejos, no
vas acum ulações de experiências e reações.
P o r ou tras p alav ras: o tem po é m em ória ou
consciência do “ eu”. Não podeis resolver ou
dissolver a consciência do “ eu”, recuando para
o passado. O passado é m era acum ulação de
lem branças, e esquadrinhar o passado não é
m eio de dissolver aquela consciência no p re
sente. Não podeis dissolvê-la projetando-vos
no fu tu ro — co n stitu íd o de novas acum ulações,
novos desejos, novas reações e solidificações,
que chamamos crenças, ideais e esperanças —
êsse fu tu ro ainda envolto nas dobras do tem
po. E nquanto p e rd u ra r êsse processo da m e
m ória como equivalente de passado e fu tu ro ,
nunca poderá a in telig ên cia o perar de modo
com pleto e in te g ral no presente.
A intuição, como em geral a entendem , ba
seia-se no passado, na an te rio r acum ulação de
lem branças, na a n te rio r acum ulação de expe
riências, que representam um a sim ples adver
tên cia a procederm os com cautela — ou em li
berdade — no presente. E ssa atem poralidade,
repito-o, não é p ara m im um conceito filo só fi
co, é um a realidade, e podereis ver essa rea li
dade se experim en tard es o que vos digo. Isto
é, podereis vê-la, se não estiver entravada a
63
vossa m ente pela acum ulação do passado que
cham ais m em ória e que funciona e vos guia no
presente, im pedindo-vos o pleno uso da in te li
gência e, p o r conseqüência, de viver de m anei
ra com pleta no presente.
N essas condições, a liberdade, ou a verd a
de, ou D eus é o aliv iar da m ente, que ela pró
p ria é inteligência, do fard o da m em ória. J á
vos expliquei que entendo por m em ória não a
lem brança de fatos ou falsidades, m as a carg a
im posta à m ente pela consciência do “ eu ”, que
é m em ória, e essa m em ória é a reação ao am
bien te não com preendido. A im ortalidade não
é a perpetuação dessa consciência do “ eu ”,
m ero resultado de um am biente falso, m as a
liberdade da m ente, aliviada do fardo da m e
m ória.
64
V
E sta manhã, desejo falar do tem or, que cria»
que to rn a necessária a compulsão, a influência.
O ra, dividim os a m ente em pensam ento, ra
zão, in telecto ; mas, conform e já expliquei em
m inha últim a fala, a m ente é, para mim, in te li
gência, intelig ên cia que se cria, m as obscure
cida pela m em ória; a m ente, que é in te lig ê n
cia, está obnubilada pela m em ória e co n fu n d i
da com aquela consciência do “ eu”, resu ltad o
do am biente. T orna-se, assim , a m ente escravi
zada ao am biente que ela p ró p ria criou pelo
desejo, e por isso ex iste continuam ente tem or.
A m ente criou o am biente, e, enquanto não com
preenderm os êsse am biente, tem de e x is tir o
tem or. Não aplicam os por in teiro o pensam en
to ao am biente e não tem os plena consciência
dêle, e por essa razão torna-se a m ente escra
vizada a êsse am biente e em conseqüência d is
so existe o tem o r; e a com pulsão é o in stru
m ento do tem or. N essas condições, a fa lta de
com preensão do am biente é, naturalm en te, oca-
65
sionada por aquela fa lta de inteligência, e p o r
que não com preendem os o am biente, cria-se em
conseqüência o tem or, e este to rn a necessária
a influência, ex tern a ou interna.
E como se cria essa contínua com pulsão, que
se to rn o u o instrum ento, o p en etran te in s tru
m ento do tem or? A m em ória obscurece a m en
te, e isso, já o disse repetidam ente, é re su lta
do da falta de com preensão do am biente, a
qual gera conflito, e a m em ória se to rn a cons
ciência do “ eu”. E ssa m ente, obscurecida, li
m itada e confinada pela m em ória, busca a p er
petuação do resultado do am biente, que é o
“ eu ” ; dessarte, no em penho de p e rp e tu ar o
“ eu”, pro cu ra a m ente adaptação, alteração ou
m odificação do am biente, seu progresso e ex
pansão. A m ente está de contínuo procurando
adaptação ao am biente; mas adaptação ao am
b ien te não traz com preensão, e tam bém não é
possível perceber o significado do am biente
m ediante unia sim ples m odificação das condi
ções m entais ou pela ten ta tiv a de a lte ra r ou
e x p an d ir aquêle am biente. P orque a m ente vive
em constante busca de proteção, torna-se obs
curecid a pela m em ória, estando esta já co nfun
dida, id en tificad a com a consciência do “ eu ”
— essa consciência individual que deseja perp etu ar-se; por essa razão procura a m ente a l
te ra r, adaptar, m o d ificar o am biente, ou, por
outra, a m ente procura to rn a r o “ eu’, segundo
66
pensa, im ortal, universal e cósmico. Não é
assim ?
N essas condições, buscando a im ortalidade,
deseja a m ente, com efeito, a continuação des
sa consciência do “ eu”, a perpetuação do am
biente. Isto é, enquanto estiver apegada a
idéia da consciência do “ eu”, que é som ente
fa lta de com preensão do am biente e, por conseqüência, da causa do conflito, e stará a m en
te, nessa lim itação, na busca da p ró p ria perpe
tuação, e essa perpetuação nós cham am os im or
talidade, ou essa consciência cósmica, na qual
subsiste o individual. E nquanto a m ente, que é
inteligência, estiv er escravizada à m em ória,
que é a consciência do “ eu”, haverá p ro cu ra do
falso p ara o falso. Ê sse “ eu”, como já expliquei,
é a falsa reação ao am biente; existe um a causa
falsa em perene busca de um a solução falsa, um
falso efeito, um falso resultado. A ssim , quan
do a m ente, obscurecida pela m em ória, pro
cura p erpetuar-se como consciência individual,
o que ela busca é um a im ortalidade falsa, uma
falsa expansão cósmica, ou como quer que o
chameis.
Nesse processo de perpetuação do “ eu”,
essa m em ória apegada à pró p ria preservação,
na perpetuação dêsse “ eu” nasce o tem o r — não
o tem or superficial, mas o tem or fundam ental
de que falarei m ais adiante. A faste-se êsse te
m or, que se m anifesta ex terio rm en te como na
67
cionalidade, progresso, realização, sucesso —
afaste-se esse tem or fundam ental, êsse anseio
de perpetuação do “ eu”, e cessarão todos os
tem ores.
E x iste , pois, o tem or só enquanto existe o
desejo ae perpetuação aessa coisa faisa ; esse
“ eu ” é falso, e conseqüentem ente deveis se n tir
um a reação falsa, que é o tem or. E onde ex is
te tem or, tem de e x istir disciplina, com pulsão,
influência, dom ínio, ap etite de poder, o qual
a m ente g lo rifica como coisa v irtu o sa e divi
na. Mas, se refletird e s, haveis de perceber que
onde existe in telig ên cia não pode e x istir a am
bição de poder.
O ra, tô d a vida é m oldada pelo co n flito e,
p o rtan to , pela com pulsão, pela im posição de
m andam entos e peias, considerados p o r alguns
como ornam entos de v irtu d e e dignidade, por
o u tro s ,' como coisas perniciosas e m alignas.
Não é assim ? T ais são as inibições que vos im
pusestes, em vossa busca de perpetuação livre
de tem ores. N essa busca criastes disciplinas,
códigos e autoridades, e vossa vida é m oldada,
governada e form ada pela compulsão, sob vá
rias form as e gradações. U ns cham am essa
com pulsão virtuosa, o utros m aléfica.
T em os em p rim eiro lugar a com pulsão ex
terio r, que é a coerção do am biente sobre o in
divíduo. O indivíduo comum, êsse que cham a
m os não evolvido, não esp iritu al, é governado
68
pelo am biente, pelo am biente exterior, isto é,
a religião, os códigos de conduta, os padrões
m orais, a auto rid ad e política e social; ele é es
cravo dessas coisas, porque todas elas têm suas
raízes nas necessidades econôm icas do indiví
duo. E iim inai ue todo as necessidades econôm i
cas das quais o indivíduo depende, e vereis
desaparecer os códigos de conduta, os padrões
m orais, os valores políticos, econôm icos e so
ciais. Assim , pois, nessas inibições do am bien
te exterior, que geram conflito en tre o indiví
duo e o mesmo am biente ex terio r, que esma
gam, deform am , contorcem o indivíduo, tornase este cada vez m enos intelig en te.
O indivíduo, sem pre condicionado pelo am
biente exterior, m oldado por determ inadas re
gras, leis, reações, preceitos, padrões m orais —
qu an to m ais oprim ido êle é, tan to m enos in te
lig en te se torna. M as in telig ên cia é com preen
são do am biente, percepção do seu sig n ifica
do sutil, isenta de tô d a com pulsão.
E ssas restriçõ es im postas ao indivíduo, as
quais êle chama am biente exterior, têm por ex
poentes os charlatães e os ex p loradores na re
ligião, na m oral popular, e na vida p o lítica e
econôm ica do homem. E x p lo rad o r é o indiví
duo que se serve de vós, consciente ou incons
ciente, e o, quem, consciente ou inconsciente
m ente, vos subm eteis, por fa lta de com preen
são. V ós vos to rn a is os explorados, econômica,
69
social, política, relig io sam en te; êle, o explo ra
dor. E é dêsse modo que a vida se to rn a uma
escola, um a fôrm a, um a fôrm a de aço, cu ja con
fig u ração o indivíduo é forçado a tom ar, to r
nando-se em conseqüência um a sim ples m áqui
n a
—
U ili
u í
&i o
a c iile
u t
m a q u in a ,
p iiv a d o
úu
pensam ento e rig id am en te lim itado. T orna-se a
vida um a lu ta contínua, um a batalh a sem tré
gua, e foi assim que se firm ou a falsa idéia de
ser a vida uma série de lições que cum pre
apren d er, que cum pre assim ilar, para que o in
divíduo esteja prevenido e possa, am anhã, en
fre n ta r de novo a vida, arm ado de suas idéias
preconcebidas. T orna-se a vida, com efeito,
um a escola, um a sim ples escola, e não um a coi
sa p ara ser vivida — com deleite, com enlevo,
com p lenitude, sem tem ores.
O am biente e x te rio r força o indivíduo, com
prim e-o nessa fôrm a de aço dos padrões de
m oral, das idéias religiosas, dos m andam entos
m orais, e, vendo-se esm agado pelo am biente
ex terio r, busca o indivíduo refú g io num m un
do que êle cham a in terio r. É n atu ral que a m en
te, forçada, m oldada, p e rv e rtid a pelo am biente
ex terio r, em penhada ex ternam ente num con
flito constante, num a batalh a incessante, em
contínuas adaptações falsas, afague esp eran
ças de tran q ü ilid ad e e felicidade, num m undo
d ife re n te ; e constrói assim o indivíduo um ro
m ântico pôrto de salvação, no qual busca com
7a
pensações p ara as privações e sofrim entos do
m undo ex terio r.
Mas, senhores, eu já vos disse que aqui es
tais p ara in v estig ar e p a ra ju lg a r, e não p ara
objetar. P odeis objetar, depois de ponderardes
-- *
41 t
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CtO Xi-i.JLii.XJ.o. o
f j c u a V JLCIO,
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deis erg u er barreiras, se o desejardes, mas ave
rig u ai antes o que estou procurando tra n sm i
tir-vos, e para ta l necessitais de c ritério apu
rado, vigilância e inteligência.
Como dizia, esm agado pelas circunstâncias
exteriores, que geram sofrim ento, e desejoso
de fu g ir a essas circunstâncias exterio res, cria
o indivíduo um m undo in te rio r, começa a ela
borar um a lei in te rio r e estabelece as suas p ró
p rias restrições, as quais cham a autodisciplina
ou cooperação com o que ele ap ren d eu a deno
m inar o seu “ eu ” superior.
A m aioria dos indivíduos — desses que são
cham ados “ e sp iritu a is” — lograram rep e lir a
fôrça e a in flu ên cia ex tern as do am biente, m as
elaboraram um a lei interio r, um padrão in te
rior, um a d iscip lin a in terio r, o que eles cha
mam b aixar o “ eu” superio r ao in fe rio r; isso,
em o utros têrm os, é m era su bstituição. A í está
o que é autodisciplina. E h á tam bém o que se
chama a voz in terio r, de fôrça e in flu ên cia
m uito su p eriores às do am biente externo. Mas,
afin al de contas, qual é a d iferen ça en tre uma
coisa e o u tra — en tre o “ e x te rio r” e o “ in te
71
r io r ”. Ambos controlam , pervertem a m en
te , que é inteligência, com esse desejo de p e r
petuação do “ eu”. E há, ainda, a cham ada
intuição, a qual sig n ifica m eram ente a livre
realização de vossas esperanças e desejos se
creto». Povoaste», assim , o m uuuv íu té lio i,
o
que cham ais m undo in terio r, com essas coisas
tô d as — autodisciplina, voz in terio r, intuição.
P ensando bem, são tô d as elas form as su tis da
quele mesmo conflito, tra n sp o rta d as p ara um
m undo d iferen te, onde não existe en tendim en
to, m as um m ero m oldar e a ju s ta r a um am
b ien te m ais sutil, ou, como diríeis, m ais espi
ritu a l.
A ssim como, no m undo exterior, alguns p ro
curaram e encontraram distinções sociais, as
sim tam bém, no m undo in terio r, êsses in d iv í
duos cham ados e sp iritu ais buscam som ente —
e geralm ente encontram — os seus pares e os
seus superiores esp iritu ais. O utrossim , ta l como
existe, no m undo ex terio r, conflito en tre os in
divíduos, do mesmo modo se cria no m undo
in te rio r um conflito e sp iritu a l en tre os ideais,
os sucessos, e os correspondentes desejos. A í
está o que se criou.
No m undo e x te rio r não há possibilidade de
expressão para a m ente, obscurecida que está
pela m em ória; não h á tam bém para a consciên
cia do “ eu ”, porque o am biente é m uito forte,
m u ito poderoso, esm agador: nêle, ou vos adap
72
ta is ao m olde, ou vos despedaçais. C riais, assim*
um a form a in terio r, um a form a m ais su til de
am biente, no qual, e n tretan o t, se desenrola exa
tam en te o mesmo processo. Êsse am biente criatio pui voa c u m r c f n o qual ,roz áb'1" g —
’
do am biente externo, e, nele, ten d es tam bém
os vossos padrões, as vossas leis m orais, vos
sas intuições, o “ eu” superior, a voz in te rio r
— a que vos aju sta is incessantem ente. E is um
fa tp inegável.
E m essência, essas lim itações que cham a
m os “ o e x te rio r” e “ o in te rio r”, nascem do de
sejo, e p o r essa razão existe o tem o r; e do te
m or resu lta inibição, compulsão, in flu ên cia e
am bição de poder — p u ras m anifestações e x te r
nas do tem or. O nde ex iste tem or, não existe
in teligência, e enquanto não houverm os com
p reendido isso, tem de haver essa divisão na
vida, isto é, “ o e x te rio r” e o “ in te rio r”, e por
conseguinte as nossas ações são necessàriam ente influenciadas, forçadas, quer pelo “ ex
te r io r ”, e portan to falsas, quer pelo “ in te rio r” ,
o que tam bém é falso, porquanto, no “ in te rio r”
p ro cu rais tam bém, m eram ente, ajustar-vos a de
term in ad o s padrões de o u tra ordem .
C ria-se o tem or quando o falso busca a pró
p ria perpetuação no am biente falso. M as que
acontece com nossas ações, que são a nossa
co nduta diária, com nosso pensam ento e nos
sas emoções — que lhes acontece?
73
6
A m ente e o coração procuram am oldar-se
ao am biente, ao am biente externo, mas, quando
o não conseguem , por ser dem asiado fo rte a
com pulsão, voltam -se p ara um a condição in te
r io r
rtnql a mpntp
o
o pnriPÕn blISCam trSIt
qüilid ad e e satisfação p erfeitas. Ou, de todo
sa tisfe ito s com o p ró p rio bom êxito, econôm i
co, social, religioso ou político, voltam -se p ara
o in te rio r, no desejo de tam bém aí te r bom êxi
to, te r sucesso, alcançar alg o ; m as ta l im plica
necessariam ente uma culm inância, um o b jeti
vo a alcançar, e essa culm inância ou objetivo
se to rn a a condição à qual a m ente e o cora
ção terão de aju star-se continuam ente.
M as, entrem entes, que acontece aos nossos
sentim entos, às nossas emoções, nossos pensa
m entos, nossos afetos, nossa razão? Q ue lhes
acontece, enquanto estais ocupados unicam en
te em aju star, m odificar, a lte ra r? Q ue aconte
ce a um a c o is a ... que acontece a um a casa,
quando vos lim itais a decorar as suas paredes,
em bora os alicerces estejam com balidos? O ra,
os nossos pensam entos e nossas emoções tam
bém estão-se am oldando, alterando, m odifican
do de acordo com um padrão, seja o padrão ex
tern o ou o padrão in te rn o ; ou em conform ida
de com um a com pulsão externa, ou um a in
flu ên cia interna. De tal modo são as nossas
ações lim itadas pela in fluência, que a razão se
to rn a m era im itação de um padrão, m era adap-
74
tação a um a condição, e o am or um a o u tra fo r
m a de tem or. T o d a a nossa vida — a fin a l a
nossa vida são os nossos pensam entos, as nos
sas emoções, nossas alegrias e pesares — tô d a
ü ViCZZZ vida fica
in p n m n lp + a
fo rln i
O
tlO S S O
p ensar ou expressão dessa vida se c ifra num a
sim ples adaptação, num a m odificação — nunca
é plen itu d e, nunca perfeição. E resu lta daí p ro
blem a sobre problem a, porquanto se pro cu ra
adaptação a um am biente que varia incessantem ente, e conform idade a padrões que tam bém
variam de contínuo. E prosseguis, assim , nes
sa batalha, a qual cham ais evolução, p ro g res
so da personalidade, expansão dessa consciên
cia que é apenas m em ória. In v en tastes palavras
para tran q ü ilizard es vossa m ente, m as co n ti
nuais a luta.
A gora, se realm ente m editard es sôbre isso
— e ju lg o que te re is ocasião p ara tal, estes
dias, aquêles d en tre vós que se deixarem ficar
tranq u ilam en te p o r aqui — se reconhecerdes
isso e, sem o desejo de alterar, sem o desejo de
m odificar, ficard es a ten to s p ara esse am biente
ex terio r, suas circunstâncias e condições, e f i
cardes igualm ente aten to s p ara o m undo in te
rior, em que existem as m esm as condições e cir
cunstâncias, a que destes todavia nom es m ais
su tis e suaves — se ficard es realm ente aten to s
p ara tudo isso, com eçareis então a com preender
o verdadeiro significado do “ e x te rio r” e do “ in-
75
te rio r”, pois nesse caso haverá percepção im e
diata, a libertação da v id a; a m ente se to rn a rá
então inteligência, operando com n atu ralid ad e,
fecundam ente, livre daquela batalha constante.
a tv t-3 ! o
rs
í n t o l i V í - —
~
obstáculos, e porque com preenderá êsses obstá
culos, será p e n e tran te ; não haverá adaptação,
nem m odificação, mas, som ente, com preensão. E,
p o rtan to , não dependerá a m ente nem do “ ex
te r io r ” nem do “ in te rio r”, e nesse percebim ento não e x istirá desejo, nem anseio, m as a p e r
cepção do que é verdadeiro. N a percepção do
verdadeiro, não pode haver desejo.
Q uando existe um desejo, já está a m ente
obscurecida, já está pervertid a, porquanto ela
se id en tifica cofn um a coisa e re je ita a o u tra
— pois, onde existe desejo não h á com preen
são.
Mas, quando a m ente não se id en tifica com
o “ eu ” e se to rn a consciente do “ e x te rio r” bem
como do “ in te rio r”, das divisões sutis, das d i
fere n te s emoções, das delicadas nuanças da
m ente, dividida em m em ória e in telig ên cia
então, com essa percepção, apreciareis o p le
no significado do am biente, por nós criado,
atrav és dos séculos — tan to daquele am biente
que chamamos ex terio r, como do outro, que
cham am os in terio r, am bos os quais se m o d ifi
cam continuam ente, ajustando-se um ao outro.
O que agora vos in teressa é som ente m odi-
76
ficação, alteração, adaptação, e por isso tem
de haver tem or. O tem o r tem por in stru m en to
a com pulsão, e esta existe som ente n a ausên
cia da com preensão, quando não funciona nor
m alm ente a inteligência.
77
VI
F arei, em prim eiro lugar, um a breve pales
tra , respondendo a seg u ir a algum as das p e r
g u n tas que me foram apresentadas.
T ive ontem ocasião de apreciar am plam en
te a idéia de tem or e a m aneira como êle gera
com pulsão; hoje d issertarei, resum idam ente,
sôbre a m aneira como a in su ficiên cia cria a
com pulsão. O nde há insuficiência, existe o de
sejo de guia, de autoridade, dessa influ ên cia
m odeladora que se cham a tradição, trad ição que
já não é pensam ento, m as tem apenas a fu n
ção de guia. P a ra mim, a tradição deveria ser
um m eio de d esp ertar o pensam ento, não um
m eio de sufocá-lo, aniquilá-lo. O nde há in su
ficiência, tem de e x istir com pulsão; e dessa
com pulsão nasce um determ inado modo de
vida, ou um m étodo de ação, de onde nova
luta, novos conflitos, novos sofrim entos. Isto é,
quando, consciente ou inconscientem ente, o in
divíduo sente o p u n g ir da insuficiência, cornase inevitável o conflito, torna-se inevitável um
78
sentim ento de desdita, de su perficialidade, de
vacuidade, um sentim ento da to ta l in u tilid ad e
da vida. P ode o indivíduo não te r consciência
dessa insuficiência, ou pode e sta r consciente
dela.
A ssim , pois, quando existe insuficiência,
que se passa na m ente? Que acontece quando
nos tornam os cônscios dessa vacuidade, dessa
su p erficialid ad e in te rio r? Que fazemos, quan
do sentim os, quando damos fé dessa inanidade,
dêsse vazio em nós? D esejam os preenchê-lo e
saím os à pro cu ra de um padrão, um m odêlo
criado por o u trem ; copiam os, seguim os êsse
padrão, disciplinam o-nos nesse m olde talhado
por outrem , esperando preencher, de tal modo,
êsse vácuo, essa su p erficialid ad e de que nos
tornam os m ais ou m enos conscientes.
Começa então êsse padrão, êsse m olde, a in
flu en ciar as nossas vidas, obrigando-nos a a ju s
tar-n o s a êle, a a ju star-lh e nossas m entes, co
rações e ações. Começamos, dessarte, a viver,
não no âm bito de nossa p ró p ria experiência,
de nossa com preensão, m as segundo a ex p res
são, as idéias, as lim itações de o u tra pessoa. Ê
isso o que acontece. Se m editardes um pouco
nisso, vereis que, sentindo essa insuficiência,
começamos a re je ita r a nossa p ró p ria expe*
riên cia e a com preensão dessa experiência
e a im itar, a copiar, a viver segundo a ex
periência de outro. E quando tem os os olhos
79
na experiência de outrem e não vivem os se
gundo nosso entendim ento, advém, n a tu ra l
m ente, m ais e m ais insuficiência, m ais e m ais
c o n flito ; mas, por o u tro lado, se nos dispo
m os a viver segundo nossa p ró p ria ex p eriên
cia e com preensão, estabelecem os tam bém unj
ideal, um ou tro padrão, e segundo êsse padrão
inoldam os as nossas vidas.
Suponham os que d ig ais p ara vós m esm os:
“ Não quero depender da experiência de outro,
m as viver segundo a m inha”. — N esse caso, po
sitivam ente, já criastes um m olde p a ra a êle
vos aju stard es. Q uando d izeis: “ V ou viver pela
m inha p ró p ria ex p eriên cia”, estais já im pon
do um a lim itação ao vosso pensam ento, p orque
esta idéia de que p recisais viver segundo vosso
p ró p rio entendim ento, cria com placência, o que
é apenas ineficaz ajustam ento, conducente à
estagnação. M uitas pessoas dizem te r decidido
re je ita r o padrão extern o que constantem ente
copiam e viver segundo o próprio entendimer*to. D izem elas: “ Farem os som ente o que com
preenderm os” — e criam dèsse modo um pa
drão, com que e n tristecem as suas vidas. E que
acontece então? Sentem -se satisfeitas, cada vez
m ais, entrando, assim, em len ta decom posição.
P a ra elim inar essa insuficiência, voltam onos p ara a sim ples ação, porque, quando ex iste
in su ficiên cia e vácuo, nosso desejo único é
preen ch er êsse vácuo, e p ara tal recorrem os à
80
ação. M as que fazemos, recorrendo a um a ação
p ara preen ch er essa insuficiência? T entam os,
apenas, m ediante acum ulação, preen ch er aque
le vazio, o que sig n ifica que não tentam os descobrir a causa da insuficiência.
(^ue acontece quando vos s e n u s incom ple
tos? P ro cu rais p reencher a insuficiência, p ro
curais enriquecer-vos interio rm en te, e ju lg a is
que p ara assim enriquecerdes, para vos to rn a r
des com pletos, precisais de reco rrer a outrem ,
e começais, pois, a a ju s ta r os vossos pensam en
to s e sentim entos às idéias e à experiência d e
outrem . M as isso não vos d ará aquela riqueza,
isso não vos tra rá su ficiên cia ou preenchim en
to. E dizeis, então, p ara vós m esm os: “ V o u
p ro cu rar viver segundo m eu p ró p rio en te n d i
m ento” — o que, como já apontei, ap resen ta
perigos, visto que conduz à com placência. E
se reco rrerd es à sim ples ação, dizendo: “ P ro
cu rarei agir, en tre os hom ens, por m aneira que
possa enriquecer in terio rm en te, com pletar-m e”
— estareis de novo procurando p reen ch er o va
zio m ediante substituição. Mas se vos to rn a r
des a t e n t o s pela ação, descobrireis então a cau
sa da insuficiência. Istp é, em vez de p ro c u ra r
des preenchim ento, cçareis ação pela in te li
gência.
Mas, que é ação? Bem considerada, ela é
aquilo que pensam os e sentim os. E enquanto
não tiv erd es percepção de vosso pensam ento,
81
de vossos sentim entos, tem de haver in su fi
ciência, e por m aior que seja a vossa ativ id a
de e x te rio r não conseguireis o preenchim ento.
Isto é, só a in telig ên cia pode elim inar aquela
vacuidade, não a acum ulação; e a inteligência,
como ja irisei, e a harm onia p e rte ita da m en
te e do coração. Assim , pois, se com preender
des o funcionam ento de vosso p róprio p ensar
e das vossas p ró p rias emoções e, dêsse m odo,
com essa ação, vos to rn a rd es atentos, d esper
ta r á então a inteligência, que elim inará a in su
ficiência, não procurando su b stitu í-la pela su
ficiência, pela p lenitude, porque a inteligência,
ela própria, é p lenitude.
N essas condições, onde existe p le n itu d e não
pode e x istir com pulsão. Mas a desarm onia, a
in su ficiên cia prom ove separação en tre a m en
te e o coração. Não é assim ? Q ue é desarm onia?
É a percepção da distinção en tre o que p ensais
e o que se n tis, d istinção em que n atu ralm ente
existe conflito. Mas, para mim, p ensar e se n tir
são a m esm a coisa. A ssim , pois, envoltos em
co n flito e desarm onia, e tendo separado a m en
te dos sentim entos, efetuam os nova divisão, se
parando a m ente da in telig ên cia — da in te li
gência que, para mim, é verdade, beleza, amor.
Isto é, o conflito que, conform e já expliquei,
é a lu ta en tre o resu ltad o do am biente, a cons
ciência do “ eu”, e o pró p rio am biente — o con
flito en tre o resu ltad o do am biente e o p ró p rio
82
am biente m otiva luta, que produz desarm onia.
Separam os a m ente dos sen tim en to s e, feito
isso, passam os a sep arar a in telig ên cia da m en
te e do coração, que para m im são um a só coi
sa. In te lig ê n c ia é pensam ento e sentim ento em
p e ríe ita harm onia, e, p o rtan to , a m teíigencia
é a p ró p ria beleza, inerentem ente, e não uma
coisa para ser procurada.
Sem pre que há intenso conflito, g ra nde d e
sarm onia, sem pre que existe um vivo se n tim e n -1
to de~vacuidade, ocorre a busca de beleza, ver
d a de, amor, p ara in fluenciarem e o rien tarem as
nossas vidas. Isto é, conscientes dessa vacuidade, ex tern ais o b elo na n atu reza, n a arte, na
m úsica, e começais a ro d ear-vos artificia lm e nte dessas expressões, em ordem a que se to r
nem, n a nossa vida, influ ên cias p a ra a aquisi
ção de apuram ento, c u ltu ra e h arm onia. Não é
isso o que se passa na m ente? Como disse, em
face do conflito, separam os a in telig ên cia da
m ente e dos sentim entos, sobrevindo aquele
sentim ento de insu ficiên cia e vacuidade. Co
meçamos, então, a pro cu rar a felicidade, o
preenchim ento na arte, na m úsica, na natureza,
nos ideais religiosos, e começam essas coisas a
in flu en ciar as nossas vidas, a governar-nos, do
m inar-nos, guiar-nos, e esperam os por ta l m a
n eira a tin g ir aquela p len itu d e ; esperam os, com
a acum ulação de experiências positivas, capa
citar-nos para dom inar a desarm onia e o con
83
flito . Isso é afastar-se cada vez m ais da in te li
gência, e p o rtan to da verdade, da beleza e do
am or, que são a p len itu d e mesma.
Isto é, sentindo a nossa insuficiência, im
perfeição, começamos a acum ular, esperando
com pletar-nos com essa coineita de ex periencia e a utilização das idéias e padrões de ou
tra s pessoas. E n tre ta n to , para mim, a in su fi
ciência só desaparece quando atu a a in te lig ê n
cia, que é, ela m esm a, a beleza e a verdade.
N ão poderem os perceber ta l coisa enquanto es
tiv erem separados a m ente e o coração, e êles
se separam em v irtu d e do conflito. Separam os
a in telig ên cia da m ente e do coração, desenro
lando-se, continuam ente, êsse processo de se
paração e pro cu ra de preenchim ento. M as o
preenchim ento está na p ró p ria inteligência, e
d e sp ertar essa in telig ên cia é descobrir o que
cria desarm onia e, pois, divisão.
Q ue cria desarm onia em nossas vidas? A
fa lta de com preensão do am biente, das circu n s
tâncias. Q uando com eçais a in v estig ar e a com
p ree n d er o am biente, seu pleno valor e signifiçad o , nao ten tan d o copiá-lo, nem seg u i-lo,
n em ajustar-vos a êle, nem fu gir-lhe, nasce en
tão a in teligência, que é beleza, verdade e
am or.
~~
P e r g u n t a :
Q ue
s e r ia
m e lh o r
em
v o s s a o p i n i ã o : T o r n a r - m e d ia c o n is a d a I g r e j a
84
P r o t e s t a n t e E p i s c o p a l , o u s e r ia e u m a i s ú t i l à
h u m a n id a d e p e r m a n e c e n d o c o m o so u ?
K r i s h n a m u r t i
iu i a
ü
Cí j LcX p c i g u n l c t
:
u ta tja
Presum o que a auüdUCl
coxxxo
puuc
ser ú til à hum anidade, e não se deve ligar-se
a esta ou àquela igreja, o que pouco im porta.
Como pode alguém ser ú til à hum anidade?
C ertam ente, deixando de criar novas divisões
sectárias, deixando de criar m ais nacionalism o.
O nacionalism o, em ú ltim a análise, é apenas o
desenvolvim ento, o efeito de explorações eco
nôm icas ; e as religiões são as cristalizações
de certos conjuntos de crenças e doutrinas. Se
alguém deseja realm ente ser ú til à hum anida
de, não o conseguirá, na m inha opinião, por
m eio de qualquer religião organizada, seja o
cristianism o ou o hinduísm o, com suas inum e
ráv eis seitas, ou qualquer o u tra religião. E las
são, com efeito, p erniciosas divisões do e sp íri
to, da hum anidade. E julgam os, todavia, que,
se todo o m undo se torn asse cristão, adviria en
tão a fra tern id a d e das religiões e a unidade
da vida. P a ra mim, a religião é o falso resu lta
do de um a causa falsa, sendo essa causa o con
flito e a religião um sim ples m eio de escapar
do conflito. A ssim sendo, quanto m ais se de
senvolverem e fo rtificarem as divisões sectá
ria s da religião, ta n to m enos fra tern id a d e ha
verá, e quanto m ais se fo rtalecer o nacionalis-
85
mo, ta n to
m ens,
m enos união haverá en tre os ho
P e r g u n t a :
A
c o b iç a
é p r o d u to
tU
JublC
iU
G \JU U
c
LU
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ÍU
JLC
U
jcLIáU
íJ
U
cU
IcU
do
4
K r i s h n a m u r t i : Q ue é n atu reza h u
m ana? Não é ela tam bém prod u to do am bien
te? P o r que separá-los? E x iste um a ta l coisa
de n atu reza hum ana separada do am biente? J u l
gam alguns a rtific ia l a distinção en tre n a tu re
za hum ana e am biente, porque, dizem , m edian
te alteração do am biente, será possível m odi
fic a r e m oldar a n atu reza hum ana. Bem consi
derada, a cobiça é m ero resu ltad o do am bien
te falso e, por conseqüência, da p ró p ria n a tu
reza hum ana.
Q uando o indivíduo pro cu ra com preender
o seu am biente, as condições em que vive, en
tão, porque existe in teligência, não pode exis
t i r cobiça. Não é, pois, a cobiça um vício ou pe
cado que cum pre subjugar. Não com preendeis
e não m o dificais o am biente que p roduz a co
biça, mas tem eis o seu resu ltad o e o cham ais
pecado. T odavia, a m era busca de um am bien
te p erfeito e, portanto, de um a n atu reza hum a
na p erfeita, não pode d esp ertar a in te lig ê n c ia ;
m as onde existe in teligência, ex iste a com
preensão do am biente e por conseguinte isen
ção de suas reações. O ra, o am biente ou a so-
86
ciedade força-vos, im pele-vos à proteção pró
pria. Mas, se com eçardes a com preender o am
biente que p roduz a cobiça, então, ao verdes o
significado do am biente, se desvanece a cobi
ça e l l ã u d a u u a u i u i o p c l u a c u u ^ o a i - u .
P e r g u n t a
:
S e g u n d o e n te n d o , v ó s a fir
m a is q u e o c o n flito c e ssa , q u a n d o o e n fr e n ta
m o s s e m o d e s e jo d e fu g ir - lh e . A m o u m a p e s
so a q u e n ã o m e a m a , e s in to - m e s o litá r io e i n
f e l i z . C r e io s i n c e r a m e n t e q u e e s t o u e n f r e n t a n
d o o c o n flito e q u e n ã o e s to u p r o c u r a n d o f u
g ir;
e n tr e ta n to ,
c o n tin u o
s o litá r io
e
in fe liz .
N ã o p r o d u z iu , p o is, e fe ito o q u e d is s e s te s . P o
d e i s e x p li c a r - m e p o r q u ê ?
K r i s h n a m u r t i : B uscais, talvez, nas
m inhas palavras um m eio de fu g a ; talvez quei
rais servir-vos delas para preencherdes a vos
sa p ró p ria vacuidade.
Ora, dizeis haver enfren tad o o conflito.
Será que o e n fren tastes de fato? D izeis am ar
um a pessoa; m as a verdade é que q uereis pos
su ir essa pessoa, e é por isso que ex iste con
flito . E porque desejais possuir? P orque ju l
gais encontrar, na posse, a felicidade e a ple
nitu d e.
O au to r da p e rg u n ta não en fre n to u real
m ente o problem a. Ê le deseja possu ir um a cer
ta pessoa, lim itando com isso a sua p ró p ria
87
afeição. Porque, em suma, quando
am am os alguém , nesse am or existe
do sentim ento de posse. Tf „nos em
siões, raras, aliás, esse sentim ento
realm ente
a isenção
dadas oca
de intensa
afeição em que uão e x is it a c m a i d ue jjtjoauu.,
de conquistar. E isso nos reconduz ao que d is
se há pouco, isto é, que e x istirá ânsia de pos
s u ir enquanto houver insuficiência, fa lta de r i
queza in terio r. E essa riqueza in te rio r se en
contra, não com acum ulações, mas na in te lig ê n
cia, na ação v ig ilan te em presença do co n flito
causado pela falta de com preensão do am biente.
P e r g u n t a
:
O s im p le s fa to d e v ir m o s
a q u i p a ra o u v ir -v o s n ã o f a z d e v ó s u m m e s tr e ?
E n tr e ta n to , d iz e is q u e não d e v e m o s te r m e s tr e s .
D e v e m o s , e n tã o , d e i x a r d e v ir ?
K r i s h n a m u r t i : D eveis d eix ar de
v ir aqui, se estais fazendo de m im vosso m es
tre e guia. Se estou criando nas vossas vidas
tim a influência, se com m inhas p alavras e ações
vos estou com pelindo a um a determ in ad a ação,
deveis, então, m anter-vos afastados de mim,
porque o que digo não tem valia nem sig n ific a
ção para vós, pois ire is fazer de m im um m es
tre para vos explorar. E em ta l coisa não pode
h aver com preensão, nem riqueza, nem enlêvo,
m as, som ente, tris te z a e vacuidade. Se, e n tre
tan to , vindes escutar-m e p ara desco b rird es a
88
m aneira de d esp ertar a inteligência, não sou,
então, vosso explorador, m as um m ero episó
dio um a sim ples ocorrência na vossa vida, na
qual vos é dada a possibilidade de com preen*~
r,
t a n *- a
rv n o
YOS
PÇCrpW -
zado.
M as a m aioria dos indivíduos querem m es
tres, querem guias, querem senhores, seja nes
te plano físico ou em outro plano qualq u er;
querem ser guiados, im pelidos, in fluenciados
a proceder retam ente, a ag ir retam ente, p o r
que, em si próprios, não têm com preensão. Não
com preendem o am biente, não com preendem
as várias sutilezas dos p róprios pensam entos e
em oções; sentem por isso que, seguindo ou
trem , alcançarão o preen ch im en to ; o que,
como já ontem disse, é o u tra form a de com pul
são. Como há um a com pulsão a vos fo rç a r para
uma determ inada rotina, porque não existe in
teligência, p rocurais m estres, p ara serdes in
fluenciados, guiados, m oldados, no que tam
bém não há inteligência. In te lig ê n c ia é a ver
dade, a plen itu d e, a beleza e o am or mesmo. E
nenhum m estre nem discip lin a algum a vos
conduzirão a ela. P orque essas coisas, tôdas,
são form as de com pulsão, m odificações do am
biente. Som ente quando com preendeis plena
m ente o significado do am biente e percebeis o
seu valor, som ente então desponta a in te li
gência.
89
7
P e r g u n t a
:
C o m o se p o d e d e te r m in a r
o q u e d e v e r á p r e e n c h e r o v á c u o c r ia d o p e la e l i
m in a ç ã o
da
c o n s c iê n c ia
p e s s o a l?
K r i s h n a m u r t i : Senhor, porque de
sejais elim inar a consciência individual? P o r
que ju lg a is im portante dissolver a consciência
individual, esse “ eu”, essa lim itação eg o tista?
P orque ju lg a is necessária tal coisa? Se a dizeis
necessária porque am bicionais a felicidade,
nesse caso, su bsistirá, do mesmo modo, essa
consciência individual, essa lim itada caracte
rístic a do “ ego”. M as se d isserd es: “ Percebo
um conflito, m inha m ente e m eu coração es
tão cativos da desarm onia, m as percebo a causa
da desarm onia, a qual causa é a fa lta de com
preensão do am biente que criou aquela cons
ciência in d iv id u al” — não haverá, então, vazio
a preencher. E sto u quase a crer que o a u to r da
p e rg u n ta não com preendeu, em absoluto, o que
acabo de dizer.
D eixai-m e, pois, explicá-lo, m ais um a vez:
O que cham am os consciência individual, ou
consciência do “ eu ”, nada m ais é que o re su l
tado do am biente; isto é, quando m ente e co
ração não com preendem o am biente, as circu n s
tâncias, as condições em que se enco n tra um
indivíduo, então, em v irtu d e dessa fa lta de
com preensão, gera-se o conflito. A m ente se
obscurece por êsse conflito, e êsse contínuo
90
conflito cria a m em ória e se id en tifica com a
m ente, solidificando-se, assim, a idéia do “ eu”,
a consciência do “ ego”. E resu lta daí m ais con
flito , m ais sofrim ento e dor. M as a com preena c tu
u a a
^ jl à c u i i a i . < a . n c i . c 4c>, u u
x n tio ,
u c ti»
que criam esse conflito, não se adquire pela
substituição, porém pela in teligência, que é
m ente e am or — essa intelig ên cia que se recria
perenem ente, que está em m ovim ento perp é
tuo. E para mim isso é a eternidade, um a rea
lidade atem poral.
Mas, em vez disso, procurais a perpetuação
daquela consciência que é resultado do am bien
te, a qual cham ais “ eu”, e êsse “ eu” só poderá
desaparecer quando houver com preensão do
am biente. É só então que funciona norm alm en
te a inteligência, sem freios nem com pulsões.
Só então fin d a essa terrív e l luta, essa busca do
belo, do verdadeiro, e a b atalha constante do
am or que quer possuir, porque in telig ên cia é
plenitude.
91
V II
Vamos, por um m om ento, im aginàriam ente
pelo m enos, contem plar o m undo de um ponto
de v ista que nos revele as ações in tern as e as
ações ex tern as do homem, suas criações e suas
b atalh as; e, se por um m om ento, o p u derdes
im aginar, que se desco rtin a aos vossos olhos?
V edes o homem aprisionado por m u ralh as in u
m eráveis, m uralhas de religião, de lim itações
sociais, políticas e nacionais, m uralhas criadas
pelas suas p róprias am bições, aspirações, tem o
res, esperanças, precauções, preconceitos, ódio
e amor. D entro dessas b arreiras está êle cativo,
lim itado pelos m apas coloridos das fro n te iras
nacionais, pelos antagonism os raciais, pelas lu
tas de classe e distinções de grupos cu ltu rais.
V edes o homem, pelo m undo todo, a p risio n a
do, enclausurado pelas lim itações, pelas m u ra
lhas que êle p róprio criou. A través dessas m u
ralh as e através dessas clausuras, pro cu ra êle
ex p ressar o que sente e ó que pensa, e d en tro
delas êle atua, en tre aleg rias e tristezas.
92
V edes, pois, o homem, em todo o m undo,
prisioneiro, encerrado nas m uralhas de sua
p ró p ria criação, nas m uralhas que êle próprio
c o n s tru iu ; e através dessas clausuras, através
dessas m uralhas do am biente, atrav és da lim i
tação de suas idéias, ambições e aspirações —
através dessas coisas procura êle atu ar, às vêzes com bom êxito, ou tras vêzes, porém , com
lu ta m edonha, E o hom em que lo g ra conquis
tar, naquela prisão, um a situação confortável
chamamos vencedor, e chamamos vencido o que
nela sucumbe. M as tan to o bom êxito como o
m alogro ocorrem no in te rio r das m uralhas da
prisão.
P ois bem. Q uando contem plais o m undo por
essa m aneira, vedes o homem d en tro desa lim i
tação, dessa clausura. E que é esse homem, que
é essa individualidade? Q ue é o seu am biente,
e que são as suas ações? É sobre isso que de
sejo falar hoje.
A ntes de tudo, que é a individualidade?
Q uando dizeis “ sou um indivíduo”, que que
reis dizer com isso? Ju lg o que q uereis dizer
— sem rec o rre r a su tis explicações filosóficas
ou m etafísicas — ju lg o que com o term o i n d i
v i d u a l i d a d e ojuereis designar o sentim ento de
separação e a expressão dessa consciência iso
lada, a qual denom inais expressão individual.
Isto é, individualidade é o pleno reconheci
m ento e o pleno sentim ento da ex istên cia de
93
pensam ento separado, sentim ento separado, li
m itados e m antidos na servidão do am biente; e
a expressão dêsse pensam ento lim itado, dêsse
sentim ento lim itado, os quais são em essência
um a só coisa, se cham a expressão individual.
F,«sa evnressão nrónria. Ho indivíduo mie é
apenas o sentim ento de separação, é um as ve
zes forçada e com pelida pelas circunstâncias
a seg u ir um a d eterm inada senda; o u tras vêzes,
a despeito das circunstâncias, expressa-se in te
ligência, que é o viver criador. Isto é, como in
divíduo, tornou-se o hom em cônscio de sua
ação separativa, sendo com pelido, forçado, ads
trito , instigado a a tu a r p o r um a d eterm inada
senda, a qual não lhe é dado, em absoluto, es
colher. A m aioria das pessoas são forçadas a
en treg ar-se a trabalhos, atividades, profissões,
p ara as quais por form a nenhum a estão ta lh a
das. Passam o resto da existência batalhando
co n tra essas circunstâncias, dispersando assim
tô d as as energias em lutas, dores, sofrim entos,
e, tam bém, prazeres ocasionais. O utros hom ens
rom pem as lim itações do am biente, depois de
com preenderem o seu verdadeiro significado,
passando a viver intelig en tem en te, em ativ id a
de criadora, seja no m undo da arte, da ciência,
seja nas profissões, sem o sentim ento de sepa
ração por meio da expressão.
É m uito rara essa expressão de in te lig ê n
cia criadora, e em bora ten h a a aparência de in-
94
d ividualidade ou ação separativa, p ara m im ela
não é individualidade, porém inteligência.
Q uando opera a verd ad eira in teligência, não h á
consciência da in d iv id u alid ad e ; mas, quando
ex iste frustração, esforço e lu ta co n tra as cir
cunstancias, existe a consciência da ind iv id u a
lidade, que não é inteligência.
Ao homem que atu a in telig en tem en te e que
está, portanto, livre das circunstâncias, a tr i
buím os poder criador, chamamo-lo divino. P ara
o homem encerrado num a prisão, o hom em li
berto, o hom em in telig en te, é qual um deus.
Não é necessário, pois, discorrerm os sôbre ê s se 1
hom em que está livre, porque não estam os in
teressados nêle — êle não interessa à m aioria
das pessoas, e não vou, por isso, falar a resp ei
to dessa liberdade, porquanto a libertação, a d i
vindade, só poderá ser com preendida e reco
nhecida depois de d eixardes a prisão. Não po
deis com preender a divindade fechados num a
prisão. É por isso de todo in ú til, é p u ra espe
culação m etafísica ou filosófica, d isco rrer so
bre a essência da libertação, da divindade, de
D eus, porque o que agora fordes capazes de
d isc e rn ir como sendo Deus, há de ser lim ita
do, porquanto a vossa m ente está circu n scrita,
m antida em servidão; po r isso, não vou descre
v er tal coisa.
E nquanto estiver sendo co n trariad a essa ex
p ressão espontânea e in te lig e n te que chama-
95
mos vida e que é aquela delicada realidade, te n
derá som ente a acentuar-se a consciência do
indivíduo. Q uanto m ais b atalh ard es co n tra o
am biente, sem com preensão, quanto m ais lu
ta rd e s co n tra as circunstâncias, tan to m ais viV 2I T ' e r ’ 4"<'
cp c f n r c n
w n ç c s
U m itação.
Não suponhais, agora, que o con trário des
sa consciência lim itada equivalha à an iq u ila
ção com pleta, ou à atuação m ecânica, ou à a ti
vidade coletiva. E stou-vos m ostrando a causa
da individualidade, como a indiv id u alid ad e
su rg e ; m as com a dissipação, a desaparição da
quela consciência, lim itada, não se segue que
vos ten h ais de m ecanizar ou que deva haver
um funcionam ento coletivo centralizado n a
vontade de um só indivíduo d ete n to r do poder.
P orque a in telig ên cia é livre do p articu lar, que
é o indivíduo, bem como do coletivo (pois, a fi
nal, o coletivo é som ente a m ultip licid ad e de
indivíduos) e em vista do desaparecim ento des
sa consciência lim itad a que chamamos in d iv i
dualidade, não se segue que vos ten h ais de m e
canizar ou to rn a r m assa coletiva; segue-se, an
tes, que estará em função a inteligência, a qual
é cooperativa, não d estru tiv a, nem in d iv id u a
lista ou coletiva.
T odo homem, pois, está sendo contrariado,
e cônscio de sua individualidade, fu n cio n a e
atu a no am biente e p o r m eio do am biente, ba
96
talhando contra êle e despendendo esforços
colossais para aju star, m odificar, a lte ra r as cir
cunstâncias. Não é isso o que estais todos fa
zendo? Sois co n trariad o s no vosso amor, na
vossa profissão, nas vossas ações, e n a lu ta
c o n t * * '’!
as
v o ssa s
F u n ^ a ç õ ?«
a g u ç a - « !?
n
v o ssa
consciência individual e começais a m o d ificar
e a lte ra r as circunstâncias, o am biente. Q ue
acontece então? A um entais, sim plesm ente, as
m uralhas de resistência, porque tô d a m o d ifi
cação ou alteração é m ero resu ltad o da falta
de com preensão; quando com preendem os, não
tentam os m odificar, alterar, reform ar.
A ssim , pois, na m odificação, no aju stam en
to, na alteração, no esforço p a ra rom per as li
m itações, as m uralhas, consiste o que cham ais
atividade. P ara a v asta m aioria das pessoas
ação sig n ifica unicam ente m odificação do am
biente, mas tal ação tem por efeito aum entar
as m uralhas da p risão ou lim itar o am biente.
Se não com preendeis algum a coisa e te n ta is
som ente m odificá-la, vossa ação deverá neces
sariam ente aum entar as barreiras, c o n stru ir
novas séries de b a rre ira s; vossos esforços têm
unicam ente o resu ltad o de refo rçar a prisão.
E essas barreiras, essas m uralhas chama o ho
mem am biente; e o m ovim ento que se observa
no seu in te rio r chama-se ação.
Não sei se expliquei bem isso. F altan d o -lh e
a com preensão do significado do am biente,
97
lu ta o hom em por alterar, m o dificar êss<?« am
biente, com o que to rn a m ais altas as m uralhas
de sua prisão, em bora ju lg u e havê-las a fa sta
do. E ssas m uralhas são o am biente sem pre em
m utação, e para êsse homem ação sig n ifica
apenas m odificação de ta i am biente.
A ssim , pois, nunca h á libertação, nem p reen
chim ento, nem enriquecim ento em tal ação; o
que há é som ente um tem or crescente, e ja
m ais preenchim ento. A m ultiplicação de pro
blem as enche tô d a a existência do indivíduo.
J u lg a is haver resolvido um problem a, e logo
su rg e outro no seu lugar, e assim prosseguis
até o fim da vida, e quando não há m ais p ro
blem as a resolver, dizeis então que é a m orte.
Q uando já não existe possibilidade de um novo
problem a, n atu ralm en te para vós essa coisa é
aniquilam ento e m orte.
O utrossim , as vossas afeições, o vosso am or,
não são êles nascidos do tem or, angu stiad o s
pelo ciúme, pela suspeição, e oprim idos pela
ânsia de possuir? A ssim é, porque ta l amor
nasceu do desejo de possuir, nasceu da in su fi
ciência, da ausência de plenitude. E, nessas con
dições, o pensam ento é m era reação à lim itação,
ao am biente. Não é assim ? Q uando dizeis “ eu
penso’", “ eu sin to ”, estais reagindo co n tra o am*
b iente, e não ten tan d o penetrá-lo. M as, in te li
gência é o m ovim ento que p en etra o am bien
te, e não reação ao am biente. Isto é, quando
98
dizeis “ eu penso”, quereis dizer que possuís de
term inadas ordens de idéias, crenças, dogm as e
d o utrinas. E como um anim al am arrado a uma
estaca vagueia d en tro do com prim ento da cor
da, assim tam bém m ovim entais-vos d en tro das li
m itações dessas crenças, dogm as e credos. P o si
tivam ente, isso não é pensar. T al coisa exprim e
unicam ente as vossas reações à servidão, às
crenças, dogm as e d o u trin a s; essas reações pro*
vocam um esforço, um conflito, e ta l conflito
cham ais pensar, m as isso equivale a dar voltas
d en tro das m uralhas de uma prisão. V ossa ação
é p u ra reação a essa prisão, produzindo m ais
tem ores, m ais lim itações, não é assim ?
Q uando falam os de ação, que querem os d i
zer? M ovim ento, d en tro da lim itação do am
biente, m ovim ento lim itado por um a idéia fixa,
um preconceito fixo, dogm a ou credo. T a l mo
vim ento, den tro de ta l lim itação, vós cham ais
ação. N essas condições, quanto m ais agis, ta n
to m ais vos p rivais da in telig ên cia e da liber
dade, porque ten d es sem pre esse ponto fixo
de salvação, de segurança, êsse dogm a ou cre
do; e como as vossas ações partem desse pon
to, criais, está visto, som ente novas lim itações,
novas m uralhas restritiv a s. Não é então cria
dora a vossa ação; ela não nasce da in te lig ê n
cia, que é a p len itu d e mesma. C onsequente
m ente, ela não é acom panhada nem de alegria,
nem de enlêvo, nem de plen itu d e, nem de amor.
99
N essas condições, carecendo dessa in te li
gência criad o ra que é a com preensão do am
biente, começa o hom em a en treter-se d entro
das m uralhas da prisão, começa a em belezá-la
e decorá-la, p ara to rn a r confortável a sua situ a
ção den tro de suas rrmralhas* e nensa e esoera
in sta la r a beleza d en tro dessa feia prisão. P o r
essa razão começa êle a reform ar, p ro cu ra li
gar-se a sociedades que falam de fratern id ad e,
m as que tam bém estão d entro da p risão ; quer
to rn ar-se livre, m as continuar possessor. A
esse em belezar, reform ar, en treter-se, a essa
busca de conforto d en tro das m uralhas da p ri
são, êle chama viver, atu ar, agir. E como não
existe aí in telig ên cia nem êxtase criador, está
êle fadado a ser sem pre esmagado pela falsa
e s tru tu ra que ergueu. Começa, então, a re
signar-se à prisão, reconhecendo a p ró p ria in
capacidade para alterar, para quebrar essas li
m itações; porque não tem o desejo nem a in
ten sid ad e de sofrim ento que reclam a a demo
lição da prisão, resigna-se a ela e busca re fú
gio no devaneio ou na glorificação de si p ró
prio. E essa glorificação p ró p ria êle cham a re
ligião, espiritualism o, ocultism o, q uer o cien
tífic o quer o espúrio.
N ão é isso o que faz cada um? D izei, não se
aplica tam bém ao vosso caso? Não dig ais que
se ap lica ao indivíduo que estais observando
do ponto m ais alto do m undo. Êsse indivíduo
100
sois vós próprios, vosso sem elhante, cada um de
vós. Assim , pois, quando falo dessas coisas, não
olheis p ara vosso vizinho nem penseis em al
gum am igo ausente, o que rep resen ta apenas
um a fuga im ediata, tím vez disso, enquanto
falo, deixai criar-se diante de vós o espelho da
inteligência, no qual possais contem plar vossa
imagem, sem desfiguração, sem parcialidade,
porém com p e rfe ita clareza. D essa clareza nas
cerá ação, e não pensam ento letárg ico ou m era
m odificação do am biente.
O utrossim , se não sois im aginosos nem ro
m ânticos, se não p ro cu rais o que se chama
D eus ou religião, criais em tô rn o de vós um
redem oinho, um vórtice tum ultuoso, tornai-vos
inventores de planos, com eçais a refo rm ar o
vosso am biente, a m odificar as paredes da p ri
são, e increm entais as atividades d en tro da
mesma.
Começais, se não sois im aginosos, nem ro
m ânticos, nem m ísticos, começais a prom over
atividade cada vez m aior den tro da prisão, in
titulando-vos reform adores, criando assim m ais
lim itações, m ais restrições e caos d en tro da
prisão. P o r essa razão, ten d es divisões desna
tu ra is cham adas religiões e nacionalidades,
causadas ou criadas por exploradores e perp e
tu ad as para profissão e benefício deles pró
prios.
101
M as, que é religião? Q ual a função da re li
gião, ta l como a conhecem os? Não im agineis
um a relig ião m aravilhosa, verd ad eira e p e rfe i
ta ; estam os tra tan d o do que existe e não do
^-*r *•-«4-*r* O f - j ç o o c c ? r * r p l í ot ioa Afk que
o hom em se to rn o u escravo, à qual sucum biu,
irrem ediàvelm ente, abdicando a in teligência,
p ara ser im olado no a lta r pelo seu ex plorador?
Como se criou ela? — F o i o indivíduo que a
criou, pelo desejo de segurança, o qual n a tu
ralm ente gera o tem or. Q uando encetais a bus
ca de segurança por m eio do que cham ais es
p iritu alid ad e, o que é falso, deveis experim en
ta r tem or. Q uando a m ente busca segurança,
que espera ela? A ssegurar-se um a condição que
lhe dê tran q ü ilid ad e, assegurar-se um ponto de
certeza, prêsa ao qual possa p ensar e atu ar, e
viver perpètuam ente em tal condição. M as a
m ente que busca certeza nunca tem segurança.
É a m ente que não pro cu ra a certeza que pode
to rn ar-se segura, a m ente que não conhece te
m or, que enxerga a fu tilid a d e de qualquer
alvo, de qualquer culm inância, de qualquer
triu n fo , que vive in telig en tem en te e p o rtan to
em segurança, e que é, por isso, im ortal.
A ssim , a busca de segurança g era o tem or,
e do tem or nasce o desejo de d o u trin as e cren
ças p ara m anter afastado êsse tem or. Com vos
sas crenças, do u trin as, dogm as e autoridades,
recalcais o tem or p ara o segundo plano. P ara
102
m an terd es afastado o tem or p ro cu rais guias,
m estres, sistem as, porque, seguindo-os, obede
cendo-lhes, im itando-os, esperais en co n trar a
paz e o conforto. São im postores os que se a r
voram em sacerdotes, exploradores, pregado
res, interm ediários, “ sw am is” e iogues.
Não m anifesteis assentim ento com sinais de
cabeça, porque todos vós estais neste caos. E s
ta is todos presos nêle. Só podereis a n u ir com
vossas cabeças, quando estiverdes liv res dêle.
Com ag itard es as cabeças ao ouvirdes as m i
nhas palavras, m an ifestais apenas aprovação
in telectu al de um a idéia que estou ex p ressan
do. E que valor tem isso?
O nde existe êsse anseio de segurança, há
tem or, e por isso a m ente e o coração procuram
educadores esp iritu a is p ara lhes ensinarem os
cam inhos por onde possam fu g ir. A ssim como
num circo são os anim ais ad estrados p ara re
p rese n tar e d iv e rtir o público, do mesmo
m odo, im pelido pelo tem or, pro cu ra o indiví
duo adestrad o res esp iritu ais, cham ados sacer
dotes e “ sw am is”, defensores de um a e sp iritu a
lidade falsa e das inanidades da religião. Na
tu ralm en te, a função desses ad estrad o res é
c ria r d ivertim entos p ara vós e inventam , pois,
cerim ônias, d isciplinas e devoções; essas coi
sas afetam -se de belas na expressão, m as dege
neram em superstição. São frau d e im pudente
sob color de culto.
103
A discip lin a é m ero ajustam ento a um am
biente de ordem diversa, mas a b atalha conti
nua, incessante, den tro de vós, apesar de e sta r
des sufocando, com a disciplina, a in telig ên cl d
ciicm ujLcu
jll í
d U cvu ^ d u , í t â l ü i c i Ji i t
tdu
ú ci a ,
porquanto ela é afeto, é amor, torna-se obje
tivada, explorada, desprezível, sem sig n ific a
do nem valor.
De todo êsse tem or advém, n aturalm ente, a
busca de segurança, a busca de D eus ou da
verdade. Pode-se en co n trar D eus? Pode-se en
c o n tra r a verdade? M as existe a verd ad e; D eus
existe. Não podeis achar a verdade, não podeis
achar Deus, porque vossa busca é apenas uma
fu g a do tem or, vossa busca é apenas um dese
jo de culm inância. P o r conseguinte, quando
p ro cu rais Deus, estais m eram ente à p ro cu ra de
um confortável lu g ar de descanso. P o sitiv a
m ente, isso não é D eus, isso não é a v erd ad e; é
m eram ente um lugar, um a m orada de estag n a
ção de onde a in telig ên cia é banida, onde se
ex tin g u e tôda vida criadora. P a ra mim, a m es
ma busca de D eus ou da verdade é a negação
de D eus e da verdade. A m ente que não d e
m anda um a culm inância, um alvo, um fim , des
cobrirá a verdade. Porque, p ara ela, a divinda
de não é um desejo objetivado e irrealizado,
porém inteligência, pois esta é Deus, é beleza,
verdade, perfeição.
104
Como já disse, criam os, p ara a vida hum ana,
divisões d esn atu rais que chamamos relig iõ es
e organizações sociais. E ssas organizações so
ciais são, afin al de contas, baseadas nas nossas
necessidades
necessidades de teto , alim en
tação, sexo. T ô d a a e s tru tu ra de nossa civ ili
zação está assentada nessa base. Mas, to rn o u se tão m onstruosa essa e s tru tu ra e de ta l modo
tem os exaltado as nossas necessidades de m o
rada, nutrição e sexo — necessidades sim ples
n a tu ra is e p u ras — que estas se to rn aram com
plicadas, m edonhas e cruéis, p o r efeito dessa
e s tru tu ra colossal e sem pre a desm oronar-se,
que chamamos sociedade e que foi c ria d a pelo
homem.
Em suma, para poderm os desco b rir as nos
sas necessidades, na sua sim pleza, n a sua n a tu
ralidade, na sua pureza, na sua esp o ntaneida
de, requer-se in telig ên cia ex trao rd in ária. O ho
mem que descobriu as suas necessidades, não
m ais está cativo do am biente.
Mas, porque existe ta n ta exploração, tan ta
fa lta de inteligência, tan ta im piedade em glo
rificar-se essas necessidades, existe essa e stru
tu ra que chamamos nacionalism o, independên
cia econômica, organizações políticas e sociais,
organizações de classe, prestíg io dos povos e
das respectivas c u ltu ras raciais — existe essa
e s tru tu ra para a exploração do hom em pelo ho
mem, e ela conduz ao conflito, à desarm onia, à
105
8
g u e rra e à destruição. É essa, em suma, a fin a
lidade de to d as as distin çõ es de classe, essa a
função de tôdas as nacionalidades, dos gover
nos soberanos, dos preconceitos raciais, da ex
trem a espoliação e exploração do hom em pelo
homem, que leva à guerra.
E is, pois, as coisas como são, eis a e s tru tu
ra criada pela nossa m ente hum ana, erig id a p o r
nós próprios, individualm ente. E ssas d istin
ções sociais e religiosas, distinções m o n stru o
sas, cruéis, te rrific a n te s, dividindo, separando,
desunindo os seres hum anos, espalham a de
vastação pelo m undo. Sois vós os seus criado
res; elas não vieram a ser naturalm ente, m iste
riosam ente, espontâneam ente. Não foi um deus
m iraculoso que as criou. F oi o indivíduo que
as inventou e som ente vós, como indivíduos,
podereis destruí-las. Se esperardes o advento
de ou tro sistem a m onstruoso que crie um a nova
condição para viverdes nela, passareis a escra
vos dessa nova condição. N isso não pode ha
ver inteligência, nem viver espontâneo e c ria
dor.
Como indivíduos, deveis com eçar a p erce
ber o verdadeiro significado do am biente, quer
do passado quer do p resen te, i . e . , p erceber o
significado das circun stân cias em contínua
m utação. M as na percepção do verdadeiro am
biente, tem de haver grande conflito, e vós
não desejais c o n flito : desejais reform as, dese-
106
ja is alguém que reform e o am biente. Como a
m aioria das pessoas está em co n flito e busca
um a solução, p a ra fu g ir desse conflito, o que
só pode red u n d ar em m odificação do am bien
te ; como a m aioria das pessoas e stá presa de
con ilito , eu vos d ig o : io rn a i-v o s vivam ente
cônscios desse c o n flito ; não te n te is fu g ir dele,
não p rocureis soluções para êle. P orque é na
agudez do sofrim ento que p o dereis d iscern ir
o verdadeiro significado do am biente. N essa
claridade do pensam ento não há ilusões, nem
precauções, nem reservas, nem lim itações.
Isso é in teligência, e essa in telig ên cia é a
ação pura. Q uando a ação nascer da in te lig ê n
cia, quando a ação m esm a fô r in teligência, não
p ro cu rareis então a inteligência, nem pro cu ra
reis adquiri-la p ela ação. Será então a p le n itu
de, a suficiência, a riqueza in terio r, o se n ti
m ento daquela etern id ad e que é D eus. E essa
plen itu d e, essa in teligência, im pedirá por todo
o sem pre a criação de b arreiras e prisões.
107
■'
V III
R esponderei hoje a perguntas.
P e r g u n t a :
S e v o s e n t e n d o b e m , s o is
d e o p i n iã o q u e o “ e g o ”, c o m p o s t o d o s e f e i t o s
d o a m b i e n t e , é a c á p s u la
v is ív e l q u e
e n v o lv e
u m n ú c le o d is tin to e im o r ta l. Ê s s e n ú c le o c r e s
c e , c o n tr a i - s e o u m o d i f i c a - s e ?
K r i s h n a m u r t i : A lguns de vós in
troduzem o esp írito de especulação, o esp írito
de jogo na vossa indagação da verdade. T al
como especulais na bolsa para enriquecerdes
depressa, explorando e burlando os vossos se
m elhantes, com o pernicioso hábito de jogar,
dõ mesmo modo entrega-se a m ente filo só fica
ao hábito da especulação. Com tal disposição
m ental começais a in q u irir se existe um a alma,
en tid ad e ou ser im ortal e perm anente, com ple
to em si mesmo, ou uma individualidade em
perene crescim ento, desenvolvim ento e ex pan
são.
108
Ora, porque desejais saber? Q ue é que ins
tig a essa indagação, esse esp írito de especula
ção? Não seria m elhor abster-vos de in q u irir,
de especular, e em vez disso v e rific a r se o am
biente cria aquele conflito do qual re su lta a
•a . •
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rí.U
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OjL
J
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Não seria isso p referív el ao m ero especular,
visto que to d a especulação em ta l m atéria tem
de ser absolutam ente falsa, já que, em ta l es
tado de lim itação, em tal estado de co n flito en
tre o resultado do am biente e o p róprio am
biente, não se pode conceber aquela realidade,
aquela vida eterna, que é a verdade? Se disser
des que essa realidade é a consciência, a cres
cer e a expandir-se perenem ente, ou que ela é
em si m esm a com pleta, eterna, acho-o incorre
to, uma vez que não é nem um a nem o u tra coi
sa do ponto de v ista da in teligência. Se estais
apenas especulando p ara descobrirdes se aque
le ser cresce ou ex iste eternam ente, o resu lta
do de tal especulação será um padrão, um con
ceito filosófico ou m etafísico, pelo qual, cons
ciente ou inconscientem ente, ire is m oldar as
vossas vidas. P o r conseguinte, um ta l padrão
será um sim ples m eio de fuga, fu g a daquele
conflito que, só êle, poderá lib e rta r o homem
dessa especulação, dêsse jôgo. Se vos to rn a r
des, pois, cônscios do conflito, percebereis, em
tô d a a sua fôrça, o significado da e te rn id a d e ;
isto é, quando com eçardes a lib e rta r a m ente e
i
i au i v i U u ai
ÜC
109
o coração de todo conflito, despo n tará a in te
ligência, assum indo então a etern id ad e um
sig n ificad o to talm en te d iferen te. E la é um
p reenchim ento, não é crescim ento É um re
criar-se perene, não em dem anda de um fim ,
m as im anentem ente. .Podeis com preender isso
intelectualm ente, su perficialm ente, mas não o
podeis com preender fundam entalm ente, em
tô d a a sua p ro fu n d id ad e e riqueza, se a m ente
e o coração buscam som ente um refú g io m eta
físico, ou se deleitam com especulações filo só
ficas.
P e r g u n t a :
c ia e p o r t a n t o
S e o e te r n o é i n t e l i g ê n
v e rd a d e , não lh e
d á c u id a d o s ,
e n tã o , o f a l s o , q u e é o “ e u ” e o a m b i e n te . I d ê n
t i c a m e n t e , n a d a i n d u z o f a l s o , o “ e u ”, o a m
b ie n te , a p re o c u p a r-se co m
o e te r n o , a v e r d a
d e, a in te lig ê n c ia ; p o r q u e , co m o já te n d e s d ito
e r e p e t i d o , u m a c o is a n ã o p o d e s e r a lc a n ç a d a
p e la o u t r a , p o r m a i o r q u e s e ja o e s f o r ç o d e s
p e n d id o . E
p a re c e , ig u a lm e n te , q u e e m
to d o s
o s m i l ê n i o s d e v id a h u m a n a , n ã o c o n s e g u i u
o
e te r n o a v a n ç a r m u ito n o s e n tid o d e d is s ip a r o
f a l s o e e s ta b e l e c e r a v e r d a d e . U m a v e z q u e , a o
que
d i z e i s , n ã o e x i s t e , a p a r e n t e m e n t e , r e la ç ã o
e n tr e u m e o u tr o , p o r q u e n ã o d e ix a r m o s o e te r
n o n a s u a e te r n id a d e e o fa ls o n a s u a fa ls id a
d e , o u p io r d o q u e is s o , s e lh e a p ra z? N u m a p a -
110
la v r a , p o r
que
nos
p reocuparm os
com
o que
q u e r q u e s e ja ?
K r i s h n a m u r t i : P o rq u e vos preo
cupardes? P orque vos preocupais com qualquer
coisa, na vida? P orque existe conflito, porque
o hom em vive en tre tristezas, dores, aleg rias
tra n sitó ria s, lu tas inum eráveis, fú te is in v esti
gações, su tis fan tasias e sonhos que de contí
nuo se desm oronam ; porque se d esenrola um a
lu ta contínua, na m ente, com eçais a ind ag ar
por que existe essa luta. Se não há luta, por
que nos preocuparm os? T em razão o a u to r da
perg u n ta. P orque nos preocuparm os com o que
quer que seja, se não existe luta, lu ta pela
aquisição de dinheiro e conservação desse di
nheiro, lu ta para vos aju sta rd e s a vossos se
m elhantes, ao am biente, às condições e exigên
cias, lu ta para serdes vós mesmos, p ara ex pres
sardes o vosso sen tir? Se não percebeis essa
luta, não vos preocupeis, então, deixai as coi
sas como estão. M as creio que não ex iste um
só ente hum ano no m undo — a não serem , ta l
vez, os selvagens de rem otas regiões, a fasta
das da civilização — que não e ste ja em luta,
num a lu ta incessante pela segurança, pelo con
forto, m otivada pelo tem or. N essa lu ta começa
o homem a conceber idéias concernentes à ver
dade, como vias de fuga.
111
A firm o e x istir um modo de v id a em que
cessa de todo o conflito, um a m aneira de viver
espontâneam ente, n aturalm ente, extàticam ente.
Isso p ara m im é um fato, não é teoria. E eu
desejo a ju d a r os que estão em aflição, os que
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cobrir a causa desse conflito, os que não estão
à p ro cu ra de solução — porque não existe so
lução — desejo ajudá-los a d esp ertar em si
p ró p rio s aquela in telig ên cia que dissipa, pela
com preensão, a causa do conflito. Mas, se não
estais em conflito, nesse caso nada m ais há
que dizer. P orque cessastes de pensar, cessas
tes de viver, porque en contrastes m eram ente
um a segurança, um abrigo afastado desse cons
ta n te m ovim ento da vida, o qual, incom preen
dido, se converte em c o n flito ; porém , quando
o com preendem os, se to rn a um deleite, um en
levo, um m ovim ento perene, atem poral, e isso
é eternidade.
M as, que é esse co n flito ? C onflito, como já
disse, só pode e x istir en tre duas coisas falsas;
não pode e x istir conflito en tre o enten d im en
to e a ignorância, en tre o verdadeiro e o falso.
N essas condições, o co n flito do homem, suas
dores e sofrim entos, jaz en tre duas coisas fa l
sas, en tre o que êle considera essencial e o não
essencial. C onsiderem os o que são essas duas
coisas falsas; não qual delas foi criada p rim e i
ro, não a velha p e rg u n ta : que nasceu prim eiro,
112
a galinha ou o ôvo? Isso é tam bém indolência
m etafísica da m ente especulativa, que, na rea
lidade, não pensa.
E nquanto não com preenderm os o exato va
lor do am biente, criador do indivíduo, que
c o n u a cic se bate,
ha vera conflito,
haverá crescente restrição e lim itação. P o r
isso, a ação, como ontem disse, cria novas bar
reiras. E a m ente e o coração, que são para
m im a mesma coisa — divido-as por com odida
de de linguagem — se debilitam e obscurecem
pela m em ória, e esta m em ória é o resu ltad o da
busca de segurança, o resultado do a ju s ta
m ento ao am biente. E ssa m em ória m otiva a
fa lta de com preensão, ela cria o co n flito en
tre a m ente e o am biente. Mas, se fo rd es ao en
contro do am biente sem pre renovados, sem a
carga dessa m em ória do passado, que é apenas
um ajustam ento cauteloso e p o rtan to um a m era
ad v ertên cia; se sois essa inteligência, essa
m ente que de contínuo se recria, sem aju starse nem m odificar-se segundo um a condição,
m as indo ao encontro das coisas sem pre reno
vada, como o sol em cada aurora, como as es
tré ia s ao cair da noite, então, nessa novidade,
nessa vivacidade, vereis su rg ir a com preensão
de tôdas as coisas. Cessa, aí, todo o conflito,
porque in telig ên cia e conflito não podem co
ex istir. Cessa de todo a desarm onia, porque a
a a v u a
l u t a,
113
in telig ên cia funciona, então, em tô d a a sua
p lenitude.
P e r g u n t a
:
am o sem apêgo n em
W
Aâ Í i s S y
U
C
Í
Q uando um a pesso a que
d e s e jo , v e m o c u p a r m e u s
Ai íC
I»
jT
Ct
V
/
V
A J.X
é i s s o o q u e c o n d e n a is c o m o n ã o v i v e r c o m p l e
ta m e n te n o p r e s e n te ?
K r i s h n a m u r t i : Q ue é viver com
p letam ente no p resente? T e n tare i ex p licar
m ais um a vez o m eu ponto de vista. U m a m en
te que se acha em conflito, em luta, está con
tin u am en te à p ro cu ra de um meio de fu g a; ou,
inconscientem ente, a m em ória do passado p re
cipita-se na m ente, ou esta se volta deliberadam ente para o passado e deleita-se em reviver
aquele passado, o que é um a form a de evasão;
ou, ainda, a m ente em conflito, em luta, p riv a
da de com preensão, pro cu ra um fu tu ro , um fu
tu ro que cham ais crença, alvo, culm inância,
realização, bom êxito, e foge para lá. É o o fí
cio da m em ória, ser ard ilo sa e fu g ir do p re
sente. Ê sse processo de retrospecção, que cha
m ais auto-análise, é um dos estratag em as da
m em ória e só tem o efeito de p e rp e tu ar a m e
m ória e, por conseguinte, de lim itar a m ente,
b an ir a inteligência.
E xistem , pois, essas v árias form as de eva
são, e é só depois de a m ente te r deixado de
114
fu g ir p o r m eio da m em ória, e quando esta já
não obscurece a m ente e o coração, que se al
cança aquêle enlevo de viver no presente. Isso
só se pode dar quando a m ente já não se apega
com aprazim ento ao passado ou ao fu tu ro , quani
uu
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j a
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nau
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c d lâ tiu c c o
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j.
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u ua l a a o
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vras, quando aquela intelig ên cia suprem a que é
a verdade, que é a beleza, que é o am or mesmo,
está funcionando norm alm ente, sem esforço
— então, nesse estado, a intelig ên cia é atem po
ral e não m ais existe esse tem or de não viver
no presente.
P e r g u n t a :
Q u a n d o o a m o r s e lib e r ta
in te ir a m e n te d o d e s e jo
de
daí
a s c e tis m o
n e c e s s a r ia m e n te
o
p o sse , n ã o r e su lta
e
p o r ta n to
a n o r m a lid a d e ?
K r i s h n a m u r t i :
Se estivésseis isen
to do desejo de posse, não faríeis esta p erg u n
ta. A ntes de alcançardes essa coisa grandiosa,
já vos sentis tem eroso e tra ta is de c o n stru ir
um a m uralha p ro teto ra, que cham ais ascetism o.
C onsiderem os, pois, em prim eiro lugar, não se
sobrevirá ascetism o e portan to anorm alidade,
depois de vos em ancipardes do desejo de pos
suir, porém se não é êsse desejo m esm o que
cria e produz a anorm alidade.
P o r que existe essa idéia de posse? Não
nasce ela da insuficiência, da fa lta de p len itu
115
de? E p o r causa dessa insuficiência assum em
gran d e relevância os pro b ltm as do sexo e ou
tro s problem as, de onde o papel im p o rtan tíssi
mo da posse na vida dos indivíduos. N a p le n itu
de, que é a p ró p ria in teligência, não existe anor------ 1 • ü ^ j
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tos, conhecendo a pobreza, a vacuidade, a ab
so lu ta su p erficialid ad e de nossos pensam en
to s e sentim entos, dependem os de o u tras pes
soas, dos livros, da litera tu ra , das idéias, da f i
losofia, p ara enriquecer nossas vidas, e come
çamos, assim, a ad q u irir, a arm azenar. Ê sse
processo de arm azenam ento, para nosso govêrno no presente, é ofício da m em ória, que de
pen d e do saber, o qual é coisa do passado e,
p o rtan to , m orta.
A ssim como o hom em de m uitas posses bus
ca o conforto no m eio dos seus bens, assim
tam bém o homem que vive na pobreza, na s u
perficialidade, na ausência de p len itu d e, aspira
à posse de seu amigo, de sua m ulher ou de seu
am or: e dêsse desejo de posse provém a batalha
e os constan tes rem ordim entos da m ente e do
coração. E quando existe isenção desses c o n fli
tos, a qual só pode p ro v ir do percebim ento a ti
vo, da com preensão do am biente, e não do esfo r
ço — quando existe essa liberdade, essa com
preensão, não existe então desejo de posse e
por isso não existe anorm alidade. O asceta é,
em suma, o hom em que se fu rta à vida, porque
116
não a com preende. F oge da vida e de suas expresõ es; ao passo que a in telig ên cia não bus
ca fu g ir de coisa algum a, porque nada h á |na
vida que se deva r e je ita r; a in telig ên cia é com
pleta, e nessa p len itu d e não há divisão.
P e r g u n t a :
S e o s s a c e r d o t e s sã o e x
p lo ra d o r e s , p o r q u e i n s t i t u i u
a p o s tó l i c a e B u d a
C r i s to a s u c e s s ã o
o se u “sa n g h a ”?
K r i s h n a m u r t i : A n tes de m ais
nada, como o sabeis? P orque vo-lo disseram ,
porque o lestes nos livros. Como sabeis que es
sas coisas não são invenções dos sacerdotes,
para profissão e benefício dêles próprios? Um a
au to rid ad e am adurecida através das névoas do
tem po, torna-se invulnerável, e o hom em acei
ta-a como decisiva. P o rq u e aceitar o C risto ou
o B uda ou outro qualquer, inclusive a mim
pró p rio ? V erifiquem os antes se são de fato
exploradores os sacerdotes, em vez de a d m itir
mos prontam ente que não o são, só porque se
supõe haver C risto in stitu íd o a sucessão apos
tólica. Isso é apenas hábito da m ente indolen
te que p refere tudo resolver pela autoridade,
pelo precedente, alegando que, porque alguém
o disse, deve ser verdade, não im portando que
seja grande ou pequeno êste alguém .
Vamos, pois, ap u ra r isso. Como ontem te n
te i explicar, as religiões são o resu ltad o da
117
busca de segurança pelo homem. P o r conseqüência, quabdo a m ente busca abrigo, certeza,
um pouso, um a g a ra n tia de im ortalidade, quan
do a m ente p rocura essas coisas, há então ne
cessidade de quem con fo rte ou satisfaça essa
m ente. Chamai-o sacerdote, explorador, in te r
m ediário, “ sw am i”, são todos da m esm a m ar
ca. P o is bem. Q uando buscais um abrigo, exis
te sem pre o tem or de o p e rd e r; quando bus
cais um ganho, com êle vem, n aturalm ente,
tam bém o tem or de perda. Êsse tem o r de p er
da, pois, im pele-vos continuam ente a essa bus
ca de segurança, a qual p ara m im é absoluta
m ente falsa. D esse m odo, um a causa falsa cria
um p ro d u to falso ; e êste p ro d u to é o sacerdo
te, o “ sw am i”, o explorador.
P orque n ecessitais de sacerdote? P o r ser
um a pessoa conveniente para vos casar ou en
te rra r, ou p ara vos d ar um a bênção que lavará
todos os vossos su postos pecados? Não existe
ta l coisa de pecado, existe som ente fa lta de
com preensão e essa fa lta de com preensão não
pode ser lavada por sacerdote algum , com ou
sem as credenciais da sucessão apostólica. É só
a in telig ên cia que pode libertar-vos da fa lta de
com preensão, e não as benzeduras de um p a
dre, dian te de um a lta r ou à beira do túm ulo.
B uscais um sacerdote, porque êle d esp er
ta rá a vossa in telig ên cia e vos con fo rtará?
C onsiderai, então, o caso como considerais o
118
alcoolism o. È deplorável o vício de beber, por
que tô d a dependência é falta de in telig ên cia e
acarreta, portanto, sofrim ento. E o hom em está
continuam ente cativo desse sofrim ento, embo{ra não lhe veja nem queira ver a ícausa; por
isso m u ltip lica ele os m odos e m eios de tuga.
M as a causa é a p ró p ria busca de segurança,
dessa certeza que não existe.
A m ente in te lig e n te não busca segurança,
porque não há lu g ar nem m ansão algum a onde
ela possa repousar. A in telig ên cia é, ela pró
pria, tranq ü ilid ad e, força criadora, e enquan
to não e x istir essa in teligência, haverá so fri
m ento. O fu g ir da causa do sofrim ento, não
vos dará essa in te lig ê n c ia ; pelo contrário, to r
na-vos m ais cegos e m ais ig n o ra n tes; e tan to
m ais haveis de sofrer. O que vos dá percepção
im ediata, direta, é aquela v ig ilân cia in ten sa e
p lena no presente. C om preender o am biente,
seja êle qual fôr, é in teligência. E stam os en
tão independentes de sacerdotes, independen
tes de lim itações, in dependente dos p róprios
deuses.
P e r g u n t a
:
F a l a is d e d u a s f o r m a s d e
a ç ã o : a r e a ç ã o a o a m b i e n t e , q u e c r ia c o n f l i t o ,
e a c o m p r e e n sã o d o a m b ie n te , q u e tr a z a lib e r
ta ç ã o d o c o n f l i t o . C o m p r e e n d o a p r i m e i r a , m a s
n ã o c o m p re e n d o a se g u n d a . Q u e q u e r e is d iz e r
com
“co m p reen sã o
do
a m b ie n te ” ?
119
K r i s h n a m u r t i : H á reação ao am
b iente, quando a m ente não o com preende e,
ag in d o sem com preensão, aum enta dêsse modo
a lim itação do mesmo. E ssa é um a fo rm a de
ação em que está em penhada a m aioria dos in
divíduos. R eagis a um am biente que cria um
co n flito , e p a ra fu g ir dêsse conflito criais ou
tro am biente que esperais vos tra g a tran q ü ilidade, o que sig n ifica sim plesm ente a tu a r no
am biente sem com preender que êle pode m u
dar. E sta é um a form a de ação.
E h á a o u tra form a, que é com preender o
am biente e agir, o que não quer dizer prim ei
ro com preender e depois agir, mas que a com
preensão m esm a é ação, isto é, ela é desacom
panhada de cálculo, m odificação, adaptação,
que são funções da m em ória. V êdes o am bien
te, ta l como é, no seu pleno significado, no es
pelho da inteligência, e nessa espontaneidade
de ação existe liberdade. Mas, que é liberdade?
É m ovim entar-se sem os obstáculos de b a rre i
ras, sem d eixar b a rre ira s atrás, nem criá-las
pelo cam inho. Ora, a criação de barreiras, a
criação do am biente, é função da m em ória, a
qual é consciência individual, que sep ara a
m ente da inteligência. E xpressando-o d ife ren
tem ente, m ais um a vez: a ação en tre duas coi
sas falsas — o am biente e o seu resu ltad o — a
ação en tre essas duas coisas, ten d e rá forçosa
m ente a aum entar as b arreiras e conseqüente120
m ente a dim inuir, a b an ir a in teligência. Mas,
se reconhecerdes isso — a ação de reconhecer
não é de ordem intelectu al, porém deve nascer
de vosso ser com pleto — então nessa percep
ção plena, ocorre um a ação d iferen te, desone
rad a da m em ória — e já expliquei o que en ten
do por m em ória. P o r consequência, todo m ovi
m ento de pensam ento e sentim ento tom a um
m atiz diferen te, um significado d iferen te. A
intelig ên cia não é, então, um a separação en tre
o objeto, que é o am biente, e o criador, que vós
cham ais a consciência individual. A in te lig ê n
cia não divide, não separa, e é por conseguin
te, ela própria, espontaneidade de ação.
m
0
IX
F a lare i hoje sôbre o conceito dos valores.
T ô d a a nossa vida é apenas m ovim ento de um
valor para outro, m as ju lg o que há um a m aneira
— se posso em pregar, aqui, esta palavra com
ponderação e bom gosto — pela qual pode a m en
te ser lib ertad a do senso estim ativo. E stam os
afeito s aos valores e sua m utação constante.
O que chamamos essencial breve se to rn a não
essencial, e nesse processo contínuo de m u ta
ção de valores há conflito. E nquanto não com
preenderm os o elem ento fundam ental na m u
tação dos valores, e a causa de ta l m utação,
continuarem os presos à roda dos valores em
choque.
D esejo tra ta r da idéia radical dos valores,
v e rific a r se ela é fundam ental, se a m ente, que
é in teligência, pode sem pre a g ir espontânea
m ente, com natu ralid ad e, sem a trib u ir valores
ao am biente. O ra, sem pre que há insatisfação
com o am biente, com as circunstâncias, êsse
descontentam ento tem de conduzir ao desejo
122
de m udança, de reform a. O que cham ais refo r
m a é merame-nte a criação de novas ordens de
valores e a destru ição das velhas. E m o u tras
palav ras: quando se fala de reform a, entendese, em realidade, m era substituição. E m vez de
viver na vem a tradiçao, com valores tixos,
quereis, com o m u d ar das circunstâncias, criar
novas ordens de valores; isto é, onde existe
esse senso estim ativo, tem de haver a idéia de
tem po, e conseqüentem ente co n tín u a m utação
dos valores.
E m épocas de estagnação, épocas de estável
conforto, ao que é apenas um a g rad u al tra n s
form ação dos valores chamamos a lu ta entre
a velha e a nova geração. Isto é, em tem pos de
paz e tran q ü ilid ad e, ocorre um a m odificação
gradual dos valores, o m ais das vezes im per
ceptível, e essa m udança, essa g rad u al m odifi
cação denom inam os a lu ta en tre o velho e o
novo. Em tem pos de agitação, em tem pos de
grande conflito, ocorrem violentas e im placá
veis m odificações nos valores, o que chamamos
revolução. A ráp id a m utação dos valores, que
chamamos revolução, é violenta, im piedosa. A
m odificação len ta e gradual dos valores é a ba
talh a contínua que se trav a en tre a m ente es
tabilizada, confortável, estagnada, e as circuns
tâncias que a estão com pelindo p ara condições
novas, forçando-a a c riar um a nova ordem de
valores.
, 123
A ssim , pois, as circunstâncias m udam len
tam ente ou rapidam ente, e a criação de novos
valores é o m ero resu ltad o de ajustam en to s ao
am biente sem pre cam biante. Conseqüentem ente, os valores são sim ples padrões do co n fo r
mismo. Mas, porque precisais ae valores? F oi
favor, não d ig ais: “ Q ue será de nós, se não t i
verm os valores?” Não cheguei até aí, ainda
não disse o que será de vós. T ende, pois, a bon
dade de acom panhar-m e. Porque precisais de
valores? Q ue sig n ifica essa busca de valores se
não vum conflito en tre o novo e o velho, en tre
o an tig o e o m oderno? Não são os valores um
m ero m olde estabelecido por vós ou pela so
ciedade, ao qual a m ente, na sua indolência,
na sua falta de percepção, busca conform ar-se?
A m ente procura um a certeza, um a conclusão,
e sua ação se c ifra nessa busca; ou, ela educouse a si p ró p ria p ara ad q u irir um fundo de sa
b er e experiência, um “ b ackground”, e atu a
p a rtin d o dêsse “ back g ro u n d ” ; ou tem ela uma
crença, e p artin d o dessa crença começa a colo
r ir as suas atividades. A m ente reclam a valo
res para que se não veja em dificuldades, para
que possa te r sem pre um guia a seguir, a co
piar. D êsse modo, tornam -se os valores u n ica
m ente os m oldes pelos quais a m ente estacio
na, e a p ró p ria finalidade da educação parece
ser o com pelir ao conform ism o a m ente e o co
ração.
124
N essas condições, tôdas as reform as, na re
ligião, nos padrões m orais, na v id a social e nas
organizações políticas, são m eram ente os d ita
m es do desejo de ajustam ento ao am biente sem
p re variante. E is o que cham ais reform a. O s
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tâncias estão em m ovim ento contínuo, e as re
form as se fazem unicam ente po r causa da ne
cessidade de aju stam en to en tre a m ente e o
am biente, e não porque a m ente p en e tra e com
preende o am biente. Ê sses novos valores são
g lorificados como fundam entais, o riginais, ver
dadeiros. P a ra mim, êles são apenas form as su
tis de coerção e conform ism o, form as su tis de
m odificação, e concorrem , fü tilm en te, para a
introdução de um a reform a de retalhos, uma
ilusória transform ação de roupagens, que cha
mamos renovação.
A ssim , pois, po r causa desse crescente con
flito criam -se as divisões e as seitas. Cada m en
te estabelece um a nova ordem de valores, em
conform idade com suas p ró p ria s reações ao
am biente, e começa, então, a divisão dos povos,
aparecem as distinções de classe e os ferozes
antagonism os en tre os credos, en tre as d o u tri
nas. E do m eio dêsse conflito im enso, surgem
autoridades, que entram em atividade, p rocla
m ando-se reform adores na religião e m édicos
dos m ales sociais e econômicos. E sp ecialistas
que são, de ta l modo estão êles obsecados pelas
125
respectivas especialidades, que o que fazem é au
m en tar a divisão e a luta. São esses os re fo r
m adores religiosos, os reform adores sociais, e
os reform adores econôm icos e políticos, p e ri
tos, todos êles, nas p ró p rias lim itações, todos
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a vida e a atividade hum anas.
Mas, para mim, a vida não pode, absoluta
m ente, ser d ividida por essa m aneira. Não po
deis p ensar em refo rm ar vossa alm a e ser na
cio n alistas; não podeis te r consciência de clas
se e ao mesmo tem po falar de fra te rn id a d e ; nem
podeis erg u er m uralhas ta rifá ria s em to rn o de
vosso país e falar de unidade da vida. Se obser
vardes, vereis que é isso ju stam en te o que fazeis
sem pre. P o d eis p o ssuir dinheiro em abundân
cia, viver cercados de condições estáveis, te r
am or à posse, ser n acionalista e “ snob”, e to
davia d iv id ir essa consciência separativa de
vossa consciência e sp iritu a l que vos im pele à
fratern id ad e, à ética, à m oral, e ao sentim ento
de D eus. P o r ou tras palav ras: div id istes a vida
em vários com partim entos e cada com parti
m ento tem os seus valores especiais, e por êsse
modo criais som ente m ais conflito.
E ssa divisão, essa confiança nas a u to rid a
des, nada m ais é que indolência da m ente, p ara
não te r necessidade de pensar, mas som ente de
conform ar-se. O conform ism o, que é u n ica
m ente a criação e a destruição de valores, é o
126
am biente ao qual a m ente se a ju sta con stan te
m ente, tornando-se cada vez m ais lim itada e
escravizada. M as co n tin u ará a e x istir confor
m ism o enquanto a m ente estiv er vinculada pelo
am biente. E n quanto não houver a m ente comr
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cunstâncias, das condições, e x istirá conform is
mo. A trad ição é apenas o m olde p ara a m ente,
e um a m ente que se im agina livre da tradição,
cria sim plesm ente um m olde próprio. O ho
mem que d iz : “ estou livre da tra d içã o ” tem
provavelm ente o u tro molde, dele próprio, do
qual é escravo.
N essas condições, não consiste a liberdade
em passar de um m olde velho p ara um novo,
de um a estu p id ez velha para um a nova, ou da
lim itação da trad ição para a licença da amentalidade, da privação da m ente. E, no entanto,
observareis que os que falam tan to sobre liber
dade, libertação, estão fazendo tal coisa; isto é,
êles alijaram sua velha tradição e têm agora um
padrão próprio a que se ajustam , e n atu ralm en
te esse aju stam en to é apenas fa lta de m en tali
dade e ausência de inteligência. O que cham ais
tradição é apenas o am biente extern o com
os seus valores, e o que cham ais e sta r livre
da tradição é som ente a escravização a al
gum am biente in te rio r e aos respectivos va
lores. Um é im posto, e o ou tro criado pelo
p ró p rio indivíduo. Não é assim ? A s circuns-
127
tâncias, o am biente, as condições, im põem cer
to s valores, fazendo-vos conform ar-vos com
eles, ou vós criais vossos p ró p rio s valores e a
eles vos conform ais. N um e n outro caso o que
existe é m ero ajustam ento e não com preensão
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tão sobre se a m ente poderá descobrir valores
perm anentes, a fim de que desapareça essa m u
dança constante, êsse incessante conflito p ro
duzido pelos valores que um indivíduo criou
para si p róprio ou que lhe foram im postos de
fora.
Q ue é isso que se chama “ valores incons
ta n te s ” ? P a ra m im eles são unicam ente tem o
res cultivados. H averá m utação de valores en
quanto ex istirem “ essenciais” e “ não essen
ciais”, enquanto houver opostos, e enquanto
houver a idéia e o exagerado culto do sucesso,
no qual incluím os ganho, p e rd a e realização,
enquanto existirem essas coisas e a m ente es
tiv e r a p ersegui-las como um objetivo, como
um alvo, tem de haver valores em m utação e,
portanto, conflito.
M as qual é a causa da m utação dos valo
res? A m ente, que é tam bém coração, enevoa
da pela m em ória, su je ita a contínuas m odifica
ções e alterações, está sem pre na dependência
do m ovim ento das circunstâncias, sendo a fa l
ta de com preensão d estas que gera a m em ória.
Isto é, enquanto estiver a m ente obscurecida
128
pela m em ória, que é resultado do ajustam en
to ao am biente e não com preensão do am bien
te, essa m em ória há de in terpor-se en tre a in
telig ên cia e o am biente, o que im pede a plena
com preensão deste.
-’''ÇniOria q v j A O V*m m a i o m A - n A n r i i n s se em a trib u ir valores, não é verdade? E sta é
precisam ente a função da m em ória, a qual cha
m ais m ente. Isto é, a m ente, em vez de ser in
teligência, que é percepção d ireta, a m ente
obscurecida pela m em ória, confere valores que
ela chama v erdadeiros e falsos, essenciais e não
essenciais, conform e a p ró p ria astúcia, de acor
do com os seus tem ores calcu listas e seu dese
jo de segurança. Não é assim ? M as essa é p re
cisam ente a função da m em ória, que cham ais
m ente, m as que, em absoluto, não é m ente.
P ara a m aioria das pessoas, com exceção, ta l
vez, de algum raro e feliz indivíduo, aqui e ali,
a m ente é m era m áquina, arm azém da m em ória,
a qual se ccupa constantem ente em a trib u ir va
lores às coisas que se lhe deparam e às pró
prias experiências. E essa atrib u ição de valo
res depende de seus cálculos sutis, de sua as
tú cia e capacidade de enganar, baseados no te
m or e na busca de segurança.
E m bora não ex ista coisa cham ada seguran
ça fundam ental — é bem evidente, e podê-loeis v erificar se quiserdes p ensar e observar um
m omento, que não existe tal coisa de seguran
129
ça — p ro cu ra a m ente segurança sôbre segu
rança, certeza sôbre certeza, “ essencial” sôbre
“ essencial”, sucesso sôbre sucesso. E stan d o em
con stan te busca de segurança, no m om ento em
que a alcança passa a m ente a considerar “ não
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um a vez, é m era atribuição de valores, e assim ,
nesse m ovim ento de alvo p ara alvo, de “ essen
cial” p ara “ essencial”, nesse m ovim ento cons
tan te, transform am -se os valores estabelecidos
pela m ente em conform idade com os seus dese
jos de segurança e sua ansiedade de p erp etu a
ção.
E stá, pois, a m ente-coração, ou a m em ória,
colhida na lu ta dos valores cam biantes, e essa
batalh a se cham a progresso, a senda evolutiva
da seleção, conducente à verdade. Isto é, a
m ente que busca segurança, alcançando esse
alvo, não se satisfaz com ele e novam ente se
põe em m ovim ento com eçando de novo a a tr i
b u ir valores a tu d o quanto encontra. Ê sse p ro
cesso de m ovim ento cham a-se desenvolvim ento,
a senda evolutiva da seleção en tre as coisas es
senciais e não essenciais.
Êsse desenvolvim ento é para m im apenas a
m em ória a conform ar-se e ajustar-se à sua p ró
p ria criação — o am biente; e não existe d ife ren
ça fu ndam ental en tre essa m em ória e o am bien
te. N aturalm ente, a ação é sem pre o resultado
de cálculo, quando nasce dessa conform idade e
130
ajustam ento. Não é verdade? Q uando obscure
cida pela m em ória, que é m ero resu ltad o da
fa lta de com preensão do am biente, p ro cu ra a
m ente, na sua ação, um meio de fuga, um a
culm inância, um m otivo, e por consequência
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continuam ente novas servidões e novos con
flito s. T orna-se, assim , esse círculo vicioso da
m em ória, carregada com seu conflito, o criador
de valores. O s valores são o am biente, e a ele
se escravizam a m ente e o coração.
Não estou certo de que com preendestes isso.
N ão: vejo alguém a m enear a cabeça. V ou ex
p ressar a m esm a idéia d iferen tem en te e to r
ná-la clara, se possível.
E n quanto a m ente não com preender o am
b iente, o am biente criará a m em ória, e o m o
vim ento da m em ória é a transform ação dos va
lores. A m em ória e x istirá enquanto estiv er a
m ente em busca de culm inâncias e alvos; e sua
ação será sem pre calculada, nunca espontânea
— por ação entendo pensam ento e sentim ento
—• e tal ação, por conseqüência, p ro d u zirá cres
centes cargas e lim itações. O aum ento da lim i
tação, a extensão da prisão, é cham ada evo
lução, a senda da seleção conducente à v er
dade. E is como fu n cio n a a m ente, p ara a m aio
ria das pessoas, e, assim sendo, quanto m ais
funciona, tan to m aior o sofrim ento e a in te n
sidade da luta. A m ente cria constantem ente
131
b a rre ira s novas e m ais altas, procurando de
pois novos m eios de fu g ir de ta l conflito.
M as, como poderem os lib ertar a m ente des
sa ten d ên cia a a trib u ir valores? Q uando a m en
te a trib u i valores, só o pode fazer atrav és das
der o exato significado do am biente. Q uando
exam inam os ou procuram os com preender as
circu n stân cias pelo prism a de d ife ren te s p re
conceitos, firm em ente arraigados — preconcei
tos nacionais, raciais, sociais ou religiosos —
como poderem os com preender o am biente? Ê
ju stam en te isso o que a m ente p ro cu ra fazer,
a m ente enevoada pela m em ória.
M as a in telig ên cia nunca a trib u i valores,
que são unicam ente as m edidas, padrões ou cál
culos o riundos do desejo de proteção. Mas,
como pode despontar essa in teligência, esse
espelho da verdade, cujo s reflexos são absolu
tam ente fiéis e nunca deturpados? E m últim a
análise, o homem in telig en te é o p ro d u to da
in te lig ê n c ia ; êle é a percepção absoluta, a p er
cepção direta, sem as alterações e d e sfig u ra
ções resu lta n tes da ação da m em ória.
O que estou dizendo só se aplica àqueles
que se acham realm ente em conflito, e não
para os que querem reform ar, fazer obra de re
talhos. J á expliquei o que entendo por re fo r
ma, por obra de reta lh o s: é o ajustam ento a um
am biente nascido da fa lta de com preensão.
132
Como poderem os p o ssuir essa in teligência
que põe term o à luta, ao conflito, ao esforço
incessante que consome a p ró p ria m ente?
Q uando fazeis um esforço contínuo, sois como
um pedaço de m adeira a ser desbastado ininte r r u p ta m e n te , a té n ã o ic s i a i uiadcA ia a lg u m a .
E x istin d o êsse esforço constante, esse dispên
dio contínuo, cessa a m ente de ser ela p ró p ria ;
m as só e x istirá ta l esforço, enquanto e x istir
conform idade ou ajustam ento ao am biente. Se,
en tretan to , houver percepção direta, com preen
são im ediata e espontânea do am biente, não ha
verá esforço de adaptação. H averá, sim, ação
im ediata.
A ssim sendo, como d esp ertar essa in te li
gência? Ora, que acontece nos m om entos de
gran d e crise? N esse m om ento fecundo em que
a m ente não está a fu g ir, nessa v ig ilân cia ag u
da e intensa das circunstâncias, do am biente,
sobrevém a percepção do verdadeiro. É o que
fazem os em m om entos de crise. Estam os, en
tão, plenam ente conscientes de tôdas as cir
cunstâncias, das condições que nos rodeiam , e
estam os igualm ente cônscios de que a m ente
não pode fu g ir. N essa intensidade que não é
relativa, nessa intensidade da crise aguda, atua
a inteligência, sendo espontânea a com preen
são.
Mas, que é que chamamos crise, aflição?
Q uando a m ente está letárgica, adorm ecida,
133
quando se condicionou a si p ró p ria, na sa tis
fação, na estagnação, e sobrevém um aconteci
m ento que nos desperta, a esse desp ertar, a
esse choque chamamos crise, aflição. P o is bem :
se fô r realm ente in ten sa essa crise, ou conflito,
nesse estauo üe inten sid ad e aa m ente e do co
ração existe percepção im ediata. E ssa in te n si
dade torna-se relativ a som ente quando a m e
m ória intervém com os seus cálculos, suas mo
dificações e névoas.
E sp ero que experim enteis o que estou di
zendo. Cada um de nós tem seus m om entos de
crise. Ê les ocorrem m uito f req ü e n tem e n te ; se
estiverm os sem pre vigilantes, vê-los-em os ocor
re r a cada m inuto. Ora, nessa crise, nesse con
flito , observai, sem o desejo de solução, sem o
desejo de fuga, sem o desejo de dom inar. V e
reis então que a m ente com preenderá incontin en ti a causa do conflito, e com preendida a
causa, esta se dissolve. Mas, de ta l m aneira
educam os a m ente p ara a fuga, p ara se deixar
obscurecer pela m em ória, que é m uito d ifíc il
ficarm os intensam ente vigilantes. Buscam os,
por isso, m odos e m eios de fu g ir ou de des
p e rta r aquela inteligência, o que p a ra m im é
tam bém falso. A in telig ên cia fu n cio n ará es
pontaneam ente, se a m ente cessar de fu g ir, dei
x ar de p ro cu rar soluções.
A ssim sendo, se a m ente não se ocupa com
avaliações, o que é puro conform ism o, se exis-
134
te espontânea com preensão da prisão que é o
am biente, nota-se, então, a ação da in te lig ê n
cia, que é liberdade.
E nquanto a m ente, obscurecida pela m em ó
ria, c ria r valores, sua ação erg u erá novas m u
ralhas a p risio n a n te s; mas na espontânea com
preensão das m uralhas da prisão, que é o am
biente, consiste a ação da inteligência, que é
liberdade; porque essa ação, essa inteligência,
não cria nem atrib u i valores. E x istirã o valo
res — valores que são circunstâncias e p o rta n
to servidão, conform idade ao am biente — exis
tirão esses valores rep resen tativ o s do confor
mismo, das circunstâncias, enquanto e x istir o
tem or, nascido da p ro cu ra de segurança. E
quando a m ente, que é inteligência, percebe o
pleno significado do am biente, e p o rtan to o
com preende, é espontânea a ação, pois estã é a
p ró p ria inteligência, a qual não atrib u i valores
às coisas, porquanto com preende p erfeitam en
te as circunstâncias que a cercam.
X
P elas p erg u n tas que me foram feitas, p are
cem as m inhas p alestras haver m otivado certa
confusão, ao que ju lg o porque, presos às pala
vras, não aprofundam os o seu significado, ou
nos servim os delas como in stru m en to s de com
preensão.
P a ra mim, existe um a realidade, um a v er
dade viva e im ensa; e para com preendê-la é
necessária absoluta sim plicidade do pensam en
to. O que é sim ples é in fin itam en te sutil, o que
é sim ples é extrem am ente delicado. E x iste uma
g rande sutilidade, um a su tilid ad e e delicadeza
in fin itas, e se vos u tilizard es das palavras
como sim ples in stru m en to s para alcançar aque
la delicadeza, p ara alcançar aquela sim plicida
de do pensam ento, acred ito que não podereis
com preneder o que desejo tra n sm itir. Mas, se
vos u tiliz a rd e s da significação das palavras
como um a ponte que cum pre tran sp o r, não se
to rn arão , então, as palavras uma ilusão na qual
a m ente fica perdida.
136
A firm o que existe esa realidade viva, cha
mai a Deus, ou como quiserdes, e que ela não
pode ser en co n trad a nem sen tid a pela busca.
T u d o que im plica busca, im plica contraste e
dualidade. Sem pre que a m ente está à pro cu ra
de algo, tal coisa im plica, forçosam ente, um a
divisão, um a distinção, um co ntraste, o que
não quer dizer que deva a m ente quedar-se sa
tisfe ita , que devn e s t a g n a r . E x iste um equilí
brio delicado, que não é nem satisfação nem
esforço incessante aplicado à busca, à realiza
ção do desejo de alcançar, realizar algo. E nes
sa delicadeza de equilíbrio reside a sim plicida
de, não a sim plicidade consistente em te r pou
cas roupas e poucas posses. Não falo de uma
ta l sim plicidade, que é form a gro sseira de sim
plicidade, porém da sim plicidade nascida dessa
delicadeza de pensam ento, na qual não existe
nem busca nem satisfação.
Como dizia, to d a busca im plica dualidade,
contraste. Ora, onde existe co ntraste, d ualida
de, e x istirá necessàriam ente identificação com
um de dois opostos, e disso re su lta compulsão.
Q uando dizem os que buscam os algo, nossa
m ente está reje ita n d o algum a coisa e p ro cu ran
do um su b stitu to que a satisfaça, criando dêsse modo dualidade, do que resu lta com pulsão.
Isto é, a escolha de um a coisa sig n ific a re je i
ção de outra, não é assim ?
137
10
Q uando dizem os que procuram os ou c u lti
vamos um novo valor, sig n ifica isso sim ples
m ente que desejam os desem baraçar-nos daque
le a que está prêsa agora a nossa m ente, e que é
o oposto do que procuram os. E ssa escolha baseia-se na atração p ara um ou no tem or do ou
tro, e esse apegar-se pela atração, ou re je ita r
pelo tem or, influ en cia a m ente. E ssa in flu ê n
cia, pois, é a negação da com preensão e só pode
e x istir onde há divisão, a divisão psicológica
de que resu ltam distinções tais como as de
ciasse, nacionalidade, religião, sexo. Isto é,
procurando livrar-se de algo, cria a m ente dua
lidade, e essa dualidade im pede o en tendim en
to e cria as distinções denom inadas de classe,
religião e sexo. E ssa dualidade influencia a
m ente, e tôda m ente influenciada pela d u ali
dade não pode com preender o significado do
am biente ou o significado da causa do conflito.
E ssas influências psicológicas são m eras rea
ções ao am biente que partem daquele centro
de consciência do “ eu”, de inclinação e aver
são, de antítese, e natu ralm en te onde existem
an títeses, opostos, não pode haver com preen
são. D essa distinção resu lta a classificação das
influências em benéficas e m aléficas. E n q u an
to a m ente fôr influenciada — e a in flu ên cia
nasce da atração, dos opostos, das an títeses —
haverá dom ínio cu com pulsão, do am or, do in
telecto, da sociedade, e essa in flu ên cia será
138
um em pecilho àquela com preensão que é bele
za, verdade e o p ró p rio amor.
Mas, se vos to rn a rd es cônscios dessa in
fluência, podereis d iscernir-lhe a causa. A
m aínríp n arere pstar cônscia superficialm ente
e não pela form a m ais profunda. É som ente
quando existe percepção, no m ais pro fu n d o da
consciência, do pensam ento e dos sentim entos,
que se pode d iscern ir a divisão criada pela in
fluência, que é a negação da com preensão.
P e r g u n t a :
D e p o is ú e o u v ir v o ssa p a
le s tr a sô b rc a m e m ó ria , p e r d i d e to d o a m in h a ,
e v e r i f i c o q u e j á m e n ã o le m b r o d e m i n h a s d í
v i d a s c o lo s s a is . S i n t o - m e i m e n s a m e n t e f e l i z . É
l ib e r ta ç ã o i s s o ?
K r i s h n a m u r t i : P erg u n tai-o ao
vosso credor. Parece-m e que existe c e rta con
fusão com respeito ao que tenho procurado ex
pressar, relativam ente à m em ória. Se confiais
na m em ória como um guia de conduta, um
m eio de atividade na vida, essa m em ória deve
rá entrav ar a vossa ação, a vossa conduta, por
que, então, essa ação ou conduta será m eram en
te o resultado de cálculo, não tendo p o rtan to
espontaneidade, nem riqueza, nem p len itu d e
de vida. Não sig n ifica isso que devais esque
cer as vossas dívidas. Não podeis esquecer o
passado. Não o podeis ob literar da m ente. Isso
139
é um a im possibilidade. Subconscientem ente,
ele co n tin u ará a ex istir. M as, se essa lem bran
ça subconsciente, essa lem brança adorm ecida,
vos está influenciando inconscientem ente, se
ela está m oldando a vossa acão. vossa conduta,
tôda vossa perspectiva da vida, continuará, en
tão, essa in flu ên cia a criar novas lim itações, a
im por novas cargas ao funcionam ento da in
teligência.
P o r exem plo, voltei recentem ente da ín d ia ;
estive tam bém na A u strá lia e na N ova Z elân
dia, onde conheci várias pessoas, ocorreram -m e
m uitas idéias e vi m uitas coisas. Não posso
esquecer essas coisas, em bora possa esm aecerse a sua lem brança. M as a reação dessas coi
sas passadas pode e n tra v ar tô d a a m inha com
preensão do presente, pode im pedir o fu n cio
nam ento in telig en te de m inha m ente. Isto é,
m inhas experiências e lem branças do passado
podem , pela sua reação, tornar-se em pecilhos
no presente, im pedindo-m e de o com preender
ou de nêle viver plena e intensam ente.
V ós reagis com o passado, porque o p re
sente perd eu a significação, ou porque quereis
ev itar o p rese n te; por isso regressais ao pas
sado e viveis nesse frêm ito em ocional, nessa
reação da lem brança ressurgida, porque o p re
sente tem pouco valor. Assim , quando dizeis
“ p e rd i de todo a m em ória”, quer-m e parecer
que só há um lu g ar apropriado p ara vos alo-
140
j a r . . . Não podeis p erd er a m em ória, mas, se
viverdes com pletam ente no presen te, na p len i
tu d e do m om ento, podeis tornar-vos conscien
tes de todos os em aranhados subconscientes
da m em ória, das esperanças e desejos laten tes
que, r e s s u r g i n d o , v o s i m p e d e m u c a i u c u ***.1»ligentem ente no presente. Se perceberdes isso,
se perceberdes esse entrave, em to d a a sua pro
fundeza, não superficialm ente, desaparecerá
nesse caso a m em ória subconsciente, latente,
que é som ente fa lta de com preensão e in su fi
ciência do viver, e estareis em condições de
e n fre n ta r com o rig in alid ad e cada variação do
am biente, cada m ovim ento célere do pensa
m ento.
P e r g u n t a :
D iz e is q u e a p e r fe ita co m
p r e e n s ã o d o a m b ie n te e x te r n o e d o in te r n o a li
v ia o i n d i v í d u o
ra, m e sm o
d a s e rv id ã o e d o p e sa r. A g o
n e s s e e s ta d o , c o m o p o d e
o in d iv í
d u o l ib e r ta r - s e d o i n d e s c r i t í v e l a c a b r u n h a m e n t o q u e , p e la n a t u r e z a d a s c o is a s , é c a u s a d o p e la
m o r t e d e a l g u é m q u e ê le a m a r e a l m e n t e ?
K r i s h n a m u r t i : Q ual é a causa do
sofrim ento, nesse caso? E que é isso que cha
m am os sofrim ento? Não é o sofrim ento um
choque aplicado à m ente, p ara despertá-la para
o reconhecim ento da pró p ria insuficiência? O
reconhecim ento dessa insu ficiên cia m otiva o
141
que chamamos pesar. Suponham os que contás
seis com vosso filho, ou m arido, ou espôsa,
para preen ch er aquela insuficiência, aquela au
sência de p le n itu d e ; com a perda dessa pessoa
que amais, cria-se um vivo sentim ento de vazio,
.
i
,•
r
* —*j J I ' U VJLJl JLQO
ÜCÒÔC
C3C ii .L i .i A .i W J .i t U
W
Ü U U U ,
*
“ p erd i alguém ”.
A ssim , pois, a m orte nos revela claram en
te, em prim eiro lugar, o vazio que d ilig en te
m ente evitávam os. C onsequentem ente, quando
há dependência, há tam bém vazio, su p erficia
lidade, insuficiência, e p o rtan to tris te z a e dor.
Não querem os reconhecer êsse fato ; não que
rem os ver, aí, a causa fundam ental. E começa
mos, por isso, a d ize r: “ Q ue falta me faz m eu
am igo, m eu m arido, m inha m ulher, m eu filho.
Como poderei indenizar-m e dessa perda? Como
poderei vencer esta tris te z a ? ”
Ora, indenizar ou vencer é sem pre su b sti
tu ir. Não há com preensão nisso, e por conse
g u in te só pode re su lta r m ais pesar, em bora
possais en co n trar um su b stitu to que m om enta
neam ente anestesie a m ente. Se não p ro cu rais
um m eio de vencer ò vosso pesar, apelais p ara
as sessões de espiritism o, para os “ m édiuns”,
ou buscais abrigo na prova cien tífica da con
tinuação da vida após a m orte. Começais, dêsse modo, a descobrir vários m eios de fu g a e
substituição, que vos aliviem momentâneamen.te do sofrer. Mas, se se elim inasse o desejo de
142
vencer a dor e lhe sucedesse um desejo real
de com preender, de descobrir, fu n d am en tal
m ente, o que causa dor e pesar, descobriríeis
que quando há solidão, su perficialidade, vacui
dade, insuficiência, cuja expressão é a depenciencia, tem cie e x istir cior. a , tai insuficiência
não se pode p reencher com a superação de
obstáculos, com substituições, com fugas ou
acum ulações, que são m eros ard is da m ente,
p erd id a na perseguição do ganho.
O sofrim ento é apenas aquela elevada e in
ten sa claridade do pensam ento e do sentim en
to, que vos força a reconhecer as coisas tais
como são. M as isso não sig n ifica aceitação, re
signação. Q uando percebem os as coisas tais
como são, no espelho da verdade, que é a in
teligência, experim entam os ale g ria e êxtase.
Não existe aí dualidade, nem sentim ento de
perda, nem separação. A sseguro-vos que isso
não é teoria. Se ponderardes o que agora vos
digo, juntam ente com m inha resp o sta à p ri
m eira pergunta, relativ a à m em ória, vereis
como a m em ória aum enta a dependência, r e
cordando acontecim entos passados para obter
deles uma reação em ocional que im pede a plèna expressão da intelig ên cia no presente.
P e r g u n t a :
Q u e s u g e s t ã o o u c o n s e lh o
d a r í e i s a u m a p e s s o a q u e l u t a c o m o e m p e c il h o
d e fo r te s e x u a lid a d e ?
143
K r i s h n a m u r t i : P ensando bem,
quando não existe expressão criadora da vida,
costum am os a trib u ir exagerada im portância ao
sexo, que se to rn a um problem a agudo. N essas
condições, o que in teressa saber não é o con
selho ou sugestão que eu daria, ou a m aneira
de dom inar a paixão, o desejo sexual, mas sim
a m an eira de lib erar o viver criador, em vez
de nos ocuparm os com um a p arte dêle, apenas,
que é o sexo; o que nos deve in te ressa r é a
com preensão da vida no seu todo, na sua in te
gridade.
O ra, por efeito da m oderna educação, por
efeito das circun stân cias e do am biente, sois
im pelidos a fazer algo que detestais. R epugnavos, isso, m as sois forçados a fazê-lo, porque
vos faltam elem entos apropriados, porque vos
falta o necessário adestram ento. N as vossas
atividades, sois im pedidos pelas circ u n stâ n
cias, pelas condições, de vos expressardes fu n
dam entalm ente, com força criadora, do que re
su lta a necessidade de uma saída p ara a vossa
expressão, e essa saída se to rn a o problem a do
sexo, ou do alcoolism o, ou ou tro problem a
qualquer, idio ta e fú til. T odas essas saídas se
tornam problem as.
Ou, ten d es inclinações artísticas. H á bem
poucos a rtistas, m as se ten d es propensão p ara
a arte, e essa inclinação está sendo co n tin u a
m ente perv ertid a, adulterada, contrariada, im-
144
p edindo tal circu n stân cia a vossa v erd a d e ira
expressão, começais a a trib u ir indevida im por
tân c ia ao sexo ou qualquer m ania religiosa.
Ou, se são co n trariad as e estorvadas as vos
sas ambições, resu lta disso a trib u ird es, tam bém,
im portância exagerada a coisas que deveriam
ser norm ais.
Assim , pois, enquanto não com preenderdes
integ ralm en te as vossas aspirações religiosas,
políticas, econôm icas e sociais, e os entraves
que se lhes opõem, as funções n a tu ra is da vida
assum irão im portância im ensa e o p rim eiro
plano na vossa vida. E ssa a razão p o r que to
dos os inum eráveis problem as da cobiça, do
desejo de possuir, do sexo, das distin çõ es so
ciais e raciais, têm a sua m edida e o seu valor
falsos. Mas se, no tra to com a vida, deixásseis
de considerá-la nas suas partes p ara considerála no seu todo, com preensivam ente, fecunda
m ente, com inteligência, veríeis desaparecerem
os problem as que debilitam a m ente e des
troem o viver criador, e n traria a in telig ên cia
a fun cio n ar norm alm ente e ex p erim en taríeis
as doçuras do êxtase.
P e r g u n t a :
T e n h o a im p r e s s ã o d e e s
ta r p o n d o e m p r á t i c a a s v o s s a s i d e i a s ; m a s n ã o
e n c o n t r o a l e g r ia n a v i d a n e m
e n tu s ia s m o p o r
a t i v i d a d e a lg u m a . T o d o s o s m e u s e s f o r ç o s p o r
m a n t e r - m e v i g i l a n t e n ã o c la r i fi c a r a m
a m in h a
145
c o n fu s ã o n e m t r o u x e r a m m o d i f i c a ç ã o o u m a i o r
v ita lid a d e
à m in h a
e x is tê n c ia . N ã o te m
agora
m a i s s i g n i f i c a d o a m i n h a v id a d o q u e t i n h a h á
s e te
anos, q u a n d o
p a le s tr a s. Q u e
c o m e c e i a o u v ir as vo ssa s
é que não
e s tá
c e rto , n o m e u
K r i s h n a m u r t i : T enho m inhas dú
vidas sôbre se o au to r da pergunta, antes de
m ais nada, com preendeu o que tenho dito, an
tes de p ô r em p rática as m inhas idéias. Mas,
porque haveria ele de pô-las em prática? Que
são m inhas idéias? E porque m i n h a s ? Não vos
estou fornecendo um m olde ou código para
viverdes em conform idade com êle, nem um
sistem a para seguirdes. O que venho dizendo
é que, para viver fecundam ente, en tu siastica
m ente, com in telig ên cia e fôrça vital, requerse ação da inteligência. E ssa in telig ên cia é
p e rv ertid a e co n trariad a por essa coisa chama
da m em ória. —• J á expliquei o que entendo por
m em ória, e não necessito repeti-lo. — E n q u an
to e x istir essa b atalha constante para conse
guir-se algo, enquanto a m ente estiver su je i
ta a influências, haverá dualidade, e por con
seg u in te dores e lutas, sendo a nossa busca da
verdade ou da realidade uma m era fu g a do
sofrer.
P o r isso, eu vos digo: Tom ai sentido de que
vossos esforços, vossas lutas, vossas lem bran146
ças in terco rren tes, estão-vos d estru in d o a in
teligência. T om ar sentido não sig n ifica to rnár-se superficialm ente cônscio, mas, sim, des
cer ao m ais pro fu n d o da consciência, por m a
n eira que não fique por descobrir um a só reaç& o
ín co i i aci ei i t c .
í ssu
oc
»-Om
w
.
m ento, com a atividade intensa da m ente e do
coração, e não com um a m ente atravancada de
crenças, d o u trin as e ideais. A m aioria das m en
tes está gravada dessas coisas e do desejo de
ser guiada.
Ao dardes fé dessa carga, não comeceis a
dizer que não deveis te r ideais, não deveis te r
credos, e por aí a fora. A p ró p ria idéia de “ de
v e r” reclam a o u tra doutrina, outro credo; to
m ai sentido, — som ente, e na intensidade dêsse conhecim ento, na intensidade do percebim ento, nessa chama, se criará um a tal crise, um
conflito tal, que êsse mesmo conflito dissol
verá o obstáculo.
Sei que há pessoas que vêm aqui ano por
ano, e cada ano procuro explicar por m aneiras
d iferen tes essas idéias, mas quer-m e parecer
que há m uito pouca intensidade de pensam en
to da parte das pessoas que dizem “ há sete
anos que vimos ouvindo as vossas p alestras”.
E n te n d o por pensam ento, não o m ero racioci
n ar intelectual, que é som ente cinzas, m as o
equilíbrio en tre os sentim entos e a razão, en
tre os afetos e o pensam ento; e êsse equilíbrio
147
não é in fluenciado nem atin g id o pelo co n flito
dos opostos. Mas, se não existe nem capacida
de de p ensar claram ente nem intensidade do
sen tir, como é possível o despertar, como é
possível o equilíbrio, como poderá haver vigiiâxicia e pei cebim ento ? T om a-se, assim , a
vida fú til, vazia, sem valor.
P o r essa razão, o que cum pre fazer, em p ri
m eiro lugar, se posso sugeri-lo, é descobrir
po r que estais pensando e sentindo de um a cer
ta m aneira. Não p ro cu reis a lte ra r nem analisar
vossos pensam entos e sen tim en to s; m as tom ai
conhecim ento do que vos faz pensar por um
determ inado sulco, e do m otivo de vossas
ações. E m bora possais descobrir êsse m otivo
pela análise, em bora algo se possa descobrir
pela análise, não será real o que descobrirdes;
só descobrireis algo real, estando intensam en
te v ig ilan tes no m om ento em que funcionam
vossos pensam entos e sen tim en to s; percebe
reis, então, a sua extrem a su tileza e delicade
za. E n quanto vossas ações forem ditadas pelas
noções de “ dever” e “ não dever”, não podereis,
sob ta l com pulsão, perceber as céleres divaga
ções do pensam ento e dos sentim entos. E estou
certo de que fostes educados na escola do “ de
v er” e “ não dever” ; e por isso d e stru íste s
o pensam ento e o sentim ento. F o stes m ania
tados e m utilados pelos sistem as, pelos m éto
dos, e por vossos m estres. D eixai, pois, to-
148
dos esses “ devo” e “ não devo”. Não sig n ifi
ca isso que deva e x istir liberdade sem peias,
porém que deveis e sta r v ig ilan tes p ara a vos
sa m ente, se ela estiv er sem pre a dizer “ devo”
c “ não devo”. E n tão , assim como um a flo r de
sabrocha num a bela m anhã, assim tam bém a in
teligência se m anifesta, está presente, funcio
nando, criando com preensão.
P e r g u n t a
hom em
que
possui
f a l a i s , p e lo m e n o s
guém
r e a g ir
com o
:
D iz -s e q u e o a r tis ta é u m
essa
co m p reen sã o
e n q u a n to
de
que
c r ia . M a s , s e a l-
o p e r t u r b a o u c o n tr a r ia , é ê le c a p a z d e
v io le n ta m e n te ,
m a n ife s ta ç ã o
de
ju s tific a n d o
ta l
te m p e r a m e n to .
reação
É
e v i
d e n t e q u e n u m m o m e n t o d ê s s e s ê le n ã o e s tá v i
v e n d o c o m p l e t a m e n t e . T e m ê le
de
fa to
aque
la c o m p r e e n s ã o , s e é tã o f á c i l f a z ê - l o r e c a ir n a
sua
c o n s c iê n c ia in d iv id u a l?
K r i s h n a m u r t i :
A quem chamais
a rtista ? Ao hom em que só m om entaneam ente
é criador? P a ra m im um tal hom em não é a r
tista . Ao hom em que só em m om entos raros tem
o im pulso criad o r e expressa o seu poder de
c ria r pela perfeição da técnica, positivam ente
não podem os chamá-lo artista . P a ra mim,
o verdadeiro a rtis ta é aquêle que vive com
pletam ente, harm oniosam ente, que não separa
a sua arte da vida, cu ja vida m esm a é ex-
149
pressão, seja na tela, ou na m úsica, ou n a sua
co n d u ta; é o homem que não divorciou a sua
expressão, na tela, na m úsica, ou no m árm ore,
de sua conduta, de seu viver cotidiano. N isso
se revela in telig ên cia e harm onia no m ais alto
grau. P a ra mim, o verdadeiro a rtis ta é o ho
mem que possui essa harm onia. Ê le a expressa
na tela ou pela palavra, ou não a expressa por
form a algum a, sentindo-a som ente. M as tudo
isso req u er delicado equilíbrio, percebim ento
intenso, e por este m otivo não está divorcia
da a sua expressão do seu viver cotidiano.
150
XI
O que cham am os felicidade ou êxtase é,
para mim, o p ensar criador. E o p en sar criador
é o m ovim ento in fin ito do pensam ento, do sen
tim en to e da ação. Isto é, quando o pensam en
to, que é sentim ento, que é a p ró p ria ação, não
é estorvado no seu m ovim ento, não é com peli
do nem influenciado, nem está vinculado por
u m a ' idéia, nem procede do acervo da tradição
ou do hábito, êsse m ovim ento é então criador.
E n quanto o pensam ento — e não vou rep e tir
to d as as vezes sentim ento e ação — enquanto
estiv er circunscrito, prêso por um a idéia fixa,
ou m eram ente a aju star-se a um a trad ição ou
condição, tornando-se assim lim itado, não é
criador o pensam ento.
Assim , pois, a p e rg u n ta que faz a si tôda
pessoa m editativa é “ como d e sp ertar êsse p en
sam ento criad o r?” — porque, quando existe
êsse pensam ento criador, que é m ovim ento p e
rene, não pode haver idéia de lim itação, de
conflito.
151
O ra, êsse m ovim ento do pensar criad o r não
busca, na sua expressão, nem resu ltad o , nem
realização ; seus resu ltad o s e expressões não
rep resen tam a sua culm inação. Ê le jam ais a tin
ge culm inância ou objetivo, porque é eterno o
seu m ovim ento. A m aioria das m entes visa a
um a culm inância, um objetivo, um a realização,
m oldando-se pela idéia de sucesso, e por isso
ta l pensam ento, tal pensar está a lim itar-se
continuam ente. Mas, se não houver propósito
de realização, m as som ente o contínuo m ovi
m ento do pensam ento, como com preensão,
como in teligência, é então criador êsse m ovi
m ento do pensam ento. Isto é, o p ensar criador
cessa quando a m ente se debilitou pelo a ju s
tam ento, a que a im pele a influência, ou, quan
do ela funciona apoiada num a trad ição incom
p reen d id a ou p a rtin d o de um ponto fixo, como
anim al prêso a um a estaca. E n quanto e x istir
ta l lim itação, tal ajustam ento, não haverá pen
sar criador, não haverá inteligência, que, só
ela, é liberdade.
Ê sse m ovim ento criador do pensam ento não
busca jam ais resu ltad o nem a tin g e culm inân
cia, porque resu ltad o e culm inância são sem
pre o p ro d u to de paradas e m ovim entos a lte r
nados, ao passo que, não havendo p ro cu ra de
resu ltad o , mas som ente m ovim ento contínuo
do pensam ento, isso é, então, pensar criador.
Igualm ente, está livre o p en sar criad o r da di
152
visão, geradora de co n flito en tre o pensam en
to, o sentim ento e a ação. E só ex iste divisão
quando se busca objetivo, quando ex iste a ju s
tam ento e a com placência da certeza.
A ação é êsse m ovim ento, que é, êle próPAo, pensam ento c sentim ento, co™" já a p l i
quei. E ssa ação é a relação en tre o indivíduo
e a sociedade. E la é conduta, trabalho, coope
ração, que cham am os preenchim ento. Isto é,
quando a. m ente atu a sem visar a um a culm i
nância ou objetivo, e é p o rtan to criad o r o seu
pensar, êsse pensar é ação, a qual é a relação
e n tre o indivíduo e a sociedade. P o is bem : se
fô r êsse m ovim ento do pensam ento claro, sim
ples, direto, espontâneo, profundo, não exis
tirá então conflito no indivíduo, co n tra a socie
dade, porque a ação é, nesse caso, a p ró p ria ex
pressão desse m ovim ento vivo e criador.
N essas condições, não há, para mim, a r te
de pensar, só há p ensar criador. Não h á téc n i
ca de pensar, m as som ente a espontânea ação
criad o ra da inteligência, a qual é a harm onia
da razão, do sentim ento e da ação, não separa
dos ou divorciados uns dos outros.
Ora, êsse pensar e sentir, sem a sp irar a re
com pensa ou resultado, é uma v erd ad eira ex
periência, não achais? No verdadeiro ex p eri
m entar, no verdadeiro provar não pode haver
busca de resultado, porque tal ex p erim en tar é
o m ovim ento do pensam ento criador. P a ra ex-
153
11
p erim en tar deve a m ente estar a livrar-se con
tin u am en te do am biente com que se choca no
seu m ovim ento, êsse am biente que chamamos o
passado. Não pode haver pensar criad o r p a ra
a m ente estorvada pela busca de recom pensa,
O C g 4 * 1 . ^ € 4 *U-
U iiJ l
U U jC w iV O .
Q uando a m ente e o coração1 buscam resu l
tado ou vantagem , e com isso com placência e
estagnação, tem de haver a prática, a necessi
dade de superar, a disciplina, de onde resu lta
conflito. J u lg a a m aioria das pessoas que, pela
p rática de d eterm inada idéia, conseguirão li
b e rta r o pensam ento criador. Ora, se observar
des, se m editardes, vereis que a p rática é m ero
resu ltad o da dualidade. E to d a ação nascida
da dualidade deverá p e rp e tu a r a distinção en
tre m ente e coração, tornando-se, pois, tal
ação m era expressão de um a conclusão calcula
da, lógica, au to p ro tetó ria. Se existe tal p rá
tica de autodisciplina, ou êsse contínuo do
m ínio ou in flu ên cia das circunstâncias, é a p rá
tica então sim ples alteração, sim ples m o d ifi
cação em v ista de um fim ; é ação confinada
pelo pensam ento re s trito que cham ais cons
ciência individual. A ssim sendo, a p rática não
o rig in a o pensar criador.
P en sar criativam ente é estabelecer harm o
nia en tre a m ente, o sentim ento e a ação. Isto
é, se estais convencidos de um a ação, sem v i
sardes a um a recom pensa final, essa ação, re-
154
sultando da in teligência, afasta to d o s os óbi
ces im postos à m ente pela fa lta de com preen
são.
C reio que não estais com preendendo isso.
Q uando enuncio um a idéia pela p rim eira vez,
é n atu ral, por nao estardes habituados a ela,
achardes d ifícil a sua com preensão; mas, se m e
d ita rd es sobre a mesma, com preendereis o seu
significado.
Q uando a m ente e o coração estão tolhidos
pelo tem or, pela fa lta de com preensão, pela
compulsão, essa m ente, em bora capaz de p en
sar den tro dos confins, d entro dos lim ites da
quele tem or, não ex p ressará o verdadeiro p en
sam ento, e a sua ação deverá sem pre lev an tai
novas barreiras. P o r conseqüência, a sua capa
cidade de pensar está sendo re strita . Mas, se
a m ente se lib erta pela com preensão das c ir
cunstâncias, e p o rtan to age, tal ação é pensa
m ento criador.
P e r g u n t a : P o d e is d a r u m e x e m p lo
d a p r á tic a da v ig ilâ n c ia c o n sta n te e da ação s e
le tiv a , na v id a co tid ia n a ?
K r i s h n a m u r t i : P a ríe is essa p er
g u n ta se houvesse um a serpente venenosa no
vosso quarto? E m ta l caso, não p e rg u n ta ríe is:
“ Como me m an terei desperto? Como poderei
ficar intensam ente v ig ila n te ?” Só faz ta l per-
155
g u n ta quem não está certo da presença do ré p
t il no seu quarto. O u ignorais com pletam ente
essa presença, ou desejais en treter-vos com a
serpente, p articipando de suas dores e de seus
deleites.
Acom paim ai-m e, poi lav u i. Nãu p u a t li«.ver
vigilância, êsse alertam ento da m ente e dos sen
tim entos, quando a m ente está ainda cativa da
dor e do prazer. Q uer dizer, quando um a ocor
rência vos proporciona dor e prazer ao mesmo
tem po, nada fazeis. A gis som ente quando a dor
é m aior do que o prazer, mas, se é m aior o p ra
zer, nada fazeis, porque não há conflito in te n
so. É só quando a do r excede o prazer, quan
do é m ais aguda que o prazer, que reclam ais
um a ação.
A m aioria espera que a dor aum ente antes
de agir, e nesse período de espera q u er saber
como m anter-se vig ilan te. N inguém lho pode
dizer. E speram que recrudesça a dor, p ara en
tão agir, isto é, esperam que a dor, pela sua
com pulsão, os force à ação, e n a com pulsão
não há inteligência. É apenas o am biente, e não
a inteligência, que os força a a g ir de |determ inada m aneira. P o r conseguinte, quando uma
m ente está nessa estagnação, nessa fa lta de in
tensid ad e, tem de haver, n aturalm ente, m ais
do r e m ais conflito.
P elo aspecto das coisas, do ponto de vista
político, é provável a irrupção de nova guerra.
156
E la poderá ex p lo d ir daqui a dois, cinco, dez
anos. U m hom em in telig en te pode ver isso e
ag ir in telig en tem en te. M as o hom em que ficou
estacionário,à espera de que a dor o force à
ação, agu ard a um caos m aior, um sofrim ento
m aior que ine de o ím peto de agir, e não está,
por conseguinte, funcionando a sua in telig ên
cia. Só há v ig ilân cia quando a m ente e o co
ração estão tensos, altam ente tensos.
P o r exem plo: quando vedes que o am or pela
posse conduz à insuficiência, quando vêdes que
a insuficiência, a fa lta de riqueza in terio r, a
superficialidade, sem pre o rig in am dependên
cia, quando reconheceis êsse fato, que aconte
ce a vossa m ente e coração? O desejo im edia
to é de preen ch er a in su ficiên cia; mas, por
outro lado, quando percebeis a fu tilid a d e da
acum ulação contínua, com eçais a ficar vig i
lantes para o funcionam ento de vossa m ente.
V êdes que no m ero acum ular não pode haver
pensam ento cria d o r; maS, apesar disso, a m en
te se ocupa em acum ular. P o r consequência,
se vos d erdes conta desse fato, criareis um
conflito e êsse mesmo conflito dissolverá a
causa da acum ulação.
P e r g u n t a
um
:
P o r q u e m a n e i r a p o d e r ia
e s ta d is ta q u e c o m p r e e n d e s s e o q u e d iz e is ,
p ô - lo
em
p r á ti c a
n o s n e g ó c io s p ú b lic o s ?
O u,
n ã o é m a i s p r o v á v e l q u e ê le s e r e t i r a s s e d a p o -
157
I
lític a , r e c o n h e c e n d o fa ls o s os s e u s o b je tiv o s e
b a ses?
K r i s h n a m u r i i : Se êle com preen
desse o que digo» não sep araria a política da
vida na rua p len itu d e ; c não vejo l ^ Z c *
que devesse afastar-se da política. Ê verdade
que a política é atu alm en te um in stru m en to de
exploração; mas, se êle considerasse a vida
como um todo, e não a p o lític a som ente —<uma
vez que por p o lítica êle entende a s u a p átria,
o s e u povo, e a exploração dos sem elhantes —
e considerasse os problem as hum anos não
como problem as nacionais, porém m undiais,
não como problem as am ericanos, cu hindus, ou
germ ânicos, nesse caso, se de fato com preen
desse o que digo, seria êle um v erdadeiro ser
hum ano, e não um político. E para mim, é esta
a coisa m ais im p o rta n te : ser hum ano, e não urn
explorador, ou sim ples expoente de um a d e te r
m inada especialidade. J á na m inha p a le stra de
ontem pro cu rei ex p licar isso. A cho que aí é
que está o mal. O político só cuida de p o líti
ca, o m o ralista de m oral, o suposto m estre es
p iritu a l, do esprito, cada um deles se ju lg a n
do autoridade, com exclusão de todos os ou
tros. T ô d a a e stru tu ra de nossa sociedade se
assenta nessa base, e prom ovem assim esses
líd eres das diversas especialidades devastação
e m iséria cada vez m aiores. M as se nós, como
158
entes hum anos, percebêssem os a relação ín ti
ma en tre to d as essas coisas, en tre a política, a
religião, e a vida econôm ica e social, se en x er
gássem os essa relação, não pensaríam os nem
agiríam os, nesse caso, separativam ente, indiviNa ín d ia, p o r exem plo, há m ilhões a m or
rerem de fome. O hindu, que é nacionalista,
d iz: “ T ornem o-nos prim eiro intensam ente na
cionalistas, e estarem os depois, em condições
de resolver o problem a da penú ria.” P a ra mim,
en tretan to , a m aneira de resolver o problem a
da pen ú ria é d eix ar de ser nacionalista, e to rnar-se o co n trário d isso ; a fom e é um proble
m a m undial, e ta l processo de isolam ento só
tem o efeito de aum entar a penúria. Se, pois,
o político tra ta r dos problem as da vida hum a
na como político, apenas, êsse hom em o rig in a
rá m aiores devastações, m aiores m ales, e m isé
ria m aior; se, porém , considerar a vida como
um todo, sem distinção en tre raças, n acionali
dades e classes, é ele, então, um v erdadeiro ser
hum ano, apesar de político.
P e r g u n t a : D is s e s te s q u e , co m d o is
o u tr ê s q u e c o m p re e n d e sse m , s e r íe is ca p a z de
tr a n sfo r m a r o m u n d o . H á m u ito s q u e ju lg a m
c o m p re e n d e r e q u e a c re d ita m h a v er o u tr o s nas
m e sm a s c o n d iç õ e s; ta is são o s a r tista s e o s h o
m e n s d e ciên cia , e n o e n ta n to o m u n d o c o n ti -
159
n u a s e m m o d i f ic a ç ã o . E x p l i c a i p o r q u e m a n e i ra ir íe is tr a n s fo r m a r o m u n d o . J á n ã o e s ta is ,
p o r v e n tu r a , m o d ific a n d o
m a n e ir a
o m u n d o , q u iç á
va g a ro sa e s u til, p o ré m
por
d e c is iv a m e n
t e , p e la p a la v r a , p e la v o s s a v id a , e p e la i n f l u ê n
c ia q u e s e m
d ú v id a e x e r c e r e is n o p e n s a m e n to
h u m a n o , n o s a n o s fu tu r o s ? Ê essa a tr a n s fo r
m ação
a lg o
que
tín h e is em
m e n te , o u se tr a ta d e
d e e fe ito s im e d ia to s na e s tr u tu r a
p o líti
ca , e c o n ô m i c a e r a c ia l?
K r i s h n a m u r t i :
Se b e m me lem
bro, nunca pensei na sucessão im ediata da ação
e seu efeito. P ara se o b ter resultado du rad o u ro
e real, é necessário haver, na base da ação,
g rande observação, pensam ento e in telig ên cia
pro fu n d o s, e bem poucos se dispõem a p ensar
criativam ente ou a livrar-se de in flu ên cias e in
clinações. Se, individualm ente, com eçardes a
pensar, estareis então em condições de cooperar
in te lig e n te m en te ; mas, enquanto não houver
in teligência, não será possível a cooperação e
rein a rá som ente a com pulsão e, p o rtan to , o
caos.
P e r g u n t a
p esso a
g o vern a r
m o s, a to d o
:
A t é q u e p o n to p o d e u m a
s u a s p r ó p r ia s
a çõ es?
Se
e q u a lq u e r m o m e n to , a so m a
so
de
n o ssa e x p e r iê n c ia a n te r io r , se não h á p e r s o n a
lid a d e
e s p ir itu a l, é p o s s ív e l a g irm o s p o r m a
n e ir a d i f e r e n t e d a q u e la d e t e r m i n a d a p e l a h e r e
d ita r ie d a d e ,
160
p e la
educação
e p e lo s
e s tím u lo s
d o m o m e n t o ? S e a s s im
é, q u e é q u e ca u sa as
m o d ific a ç õ e s n a s e q u ê n c ia d o s fa to s fís ic o s , e
com o?
K r i s h n a m u r t i : “ A té que ponto
pode um a pessoa governar as suas açoesr
N inguém governa as suas ações sem haver com
preendido o am biente, porque, nesse caso, a
ação obedece à com pulsão, à in flu ên cia do am
b ien te ; tal ação não é ação, absolutam ente, po
rém sim ples reação ou autoproteção. M as,
quando começa um indivíduo a com preender o
am biente, a perceb er o seu exato sig n ificad o e
valor, torna-se êle então senhor de suas ações,
porque é, nesse caso, in te lig e n te ; e, po r conse
guinte, atu ará intelig en tem en te, sob quaisquer
condições.
“ Se somos, a todo e qualquer m om ento, a
soma de nossa experiên cia an terio r, se não há
personalidade esp iritu al, é possível agirm os
por m aneira d ife ren te daquela d eterm inada
pela h ereditariedade, pela educação, e pelos es
tím ulos do m om ento?” — Tam bém aqui se a p li
ca o que acabo de dizer. Se a ação do in d iv í
duo provém do acervo do passado, sua h eran
ça ancestral ou racial, tal ação é m era reação
de tem o r; mas, se êle com preende o subcons
ciente, isto é, as acum ulações do passado, es
ta rá então, livre do passado e livre, p o rta n
to, da com pulsão do am biente.
161
O am biente, afin al de contas, é tan to do
presen te como do passado. Não com preendem os
o p rese n te quando a m ente está to lh id a pelo
passado; e lib e rta r a m ente do subconsciente,
dos estofvos inconscientes do passado, não
eiu fctzex iuxéti a m em ória para o pas
sado, mas, sim, em m anter-nos plenam ente
conscientes no presente. N essa consciência,
nessa in ten sa consciência do presente, põemse em agitação e vêm à to n a todos os resíduos
do passado, e nessa ocasião, se estiverdes a te n
tos, percebereis o ju sto significado do p assa
do e com preendereis, pois, o presente.
“ Se assim é, que causa as m odificações, na
sequência dos fatos físico s?” Segundo en ten
do, o a u to r da p e rg u n ta deseja saber o que é
que produz a ação a que é forçado pelo am
biente. Ê ie atu a de uma determ inada m aneira,
coagido pelo am biente, mas se com preendesse,
inteligentem ente, êsse am biente, não e x istiria
com pulsão de espécie algum a; haveria com
preensão, que é a p ró p ria ação.
P e r g u n t a : V iv o n u m m u n d o c a ó ti
co, do p o n to d e v is ta p o lític o , e co n ô m ic o e s o
cial, to lh id o p o r le is e c o n v e n ç õ e s q u e m e r e s
tr in g e m a lib e rd a d e. Q u a n d o os m e u s d e se jo s
se ch o ca m com essas im p o siç õ e s, ou so u f o r
çad o a v io la r a le i e s o fr e r as c o n se q u ên cia s,
o u a r e p r im ir o s m e u s d e se jo s. O n d e ê p o s s í162
v e l, en tão , n u m m u n d o com o ê s te , e v ita r a autod isc ip lin a ?
K r i s h n a m u r t i :
J á falei a esse re s
peito, m u itas vezes, porém , te n ta re i explicá-lo
1
1
A .
,
'vAVx
ÁX^J V O .
,
t •
•
•
A X Ml C U U 4 0 V A. j^ / J . J . i J . C l
U l U V A i . V.
ajustam ento ao am biente, ocasionado pelo con
flito . É isso que chamo autodisciplina. T endes
estabelecido um padrão, um ideal, que atu a sob
a form a de com pulsão, e forçais a m ente a a ju s
tar-se a esse am biente — estais a forçá-la, mo
dificá-la, controlá-la. Q ue acontece quando as
sim procedeis?
E stais, com efeito, a d e stru ir a ação criado
ra ; estais a p erv erter, a rep rim ir o sentim ento
criador. Mas, se com eçardes a com preender o
am biente, d eixará então de e x istir a repressão
ou o m ero aju stam en to ao am biente, que cha
m ais autodisciplina.
Mas como p o d eis com preender o am biente?
Como podeis com preender o seu exato valor
e significado? Q ue vos im pede de perceber
êsse significado? Em prim eiro lugar, o tem or.
É o tem or a causa da busca de proteção ou se
gurança, seja . de ordem física ou esp iritu al,
seja religiosa ou em ocional. E n quanto houver
ta l busca, e x istirá tem or, o qual ergue um a b ar
reira entre vossa m ente e o am biente, criandoassim co n flito ; e tal conflito não sereis capa
zes de dissolver, enquanto vos interessardes
153
som ente em aju stam en to s e m odificações, e
nunca no descobrim ento da causa fundam en
ta l do tem or.
N essas condições, quando existe busca de
segurança, de certeza, de objetivo, a im p ed ir
o pensam ento criador, na necessariam ente a ju s
tam ento, cham ado autodisciplina, o qual é so
m ente com pulsão, im itação de m odelo. Mas,
quando a m ente percebe que não se consegue
segurança m ediante acum ulação de fato s ou de
saber, está ela então lib erta do tem or, sendo,
pois, in teligência, e a in telig ên cia não se dis
cip lin a a si mesma. Só há au to d iscip lin a na
ausência da inteligência. Q uando há in te lig ê n
cia, existe com preensão, livre de in fluências,
livre de controle e domínio.
P e r g u n t a :
C o m o é p o s s ív e l d e s p e r
ta r o p e n s a m e n to n u m
o m e c a n is m o
o r g a n is m o a q u e f a l t a
in d is p e n s á v e l pa ra
a com preen
sã o d e i d é i a s a b s tr a ta s ?
K r i s h n a m u r t i : Pelo sim ples pro
cesso de s o fre r; pelo processo da experiência
contínua. Mas, de tal modo nos abrigam os
a trá s dos falsos valores, que deixam os com ple
tam ente de pensar, e por isso começamos a
p e rg u n ta r : “ Q ue devemos fazer? Como pode
rem os d esp ertar o pensam ento?” T em os tem o
res cultivados, glo rificad o s como v irtu d e s e
164
ideais, a trá s dos quais busca a m ente abrigo,
procedendo dêsse abrigo, dêsse m olde, todas
as nossas ações. E p o r isso não existe o p en
sar. T endes convenções, e o a ju sta r a essas con
venções cham ais pensam ento e ação, m as tal
nào é absoiutainente pensai nem a ^ íi, pu±4 uv.
é resultado do tem or, e por isso esse a ju sta r
d eb ilita a m ente.
Como d esp ertar o pensam ento? A s circuns
tâncias, ou a m orte de alguém que amais, ou
um a catástrofe, um a crise econôm ica, vos lan
çam no conflito. A s circunstâncias ex terio res
forçam -vos a agir, m as nessa com pulsão não
pode ocorrer o d e sp ertar do pensam ento, por
que a vossa ação resu lta do tem or. M as, se co
m eçardes a perceber que não deveis ag u ard ar
que as circun stân cias vos forcem à ação, co
m eçareis então a observar as p ró p rias circu n s
tân cias; com eçareis a p e n e trar e a com preen
d er as circunstâncias, o am biente. Não esperais
que uma crise econôm ica vos tran sfo rm e num
homem virtuoso, porém lib ertais a m ente do
desejo de possuir, da compulsão.
O sistem a aq uisitivo se baseia na idéia de
que podeis te r posses e que é lícito possuir. A
posse vos confere um a auréola de glória.
Q uanto m ais tem o indivíduo, ta n to m elhor e
ta n to m ais nobre é considerado. V ós criastes
êste sistem a e a êle vos escravizastes. P odeis
c riar o utra sociedade, não baseada no espírito
165
de aquisição, e ta l sociedade poderá obrigar-vos
a vos conform ardes com as suas convenções, tal
como a atu al vos obriga a vos conform ardes
com a sua aquisitividade. Q ual a d iferen ça en
tre as duas? N enhum a, absolutam ente. Como
indivíduos estais m eram ente sendo forçados
pelas circunstâncias ou pela lei a ag ir num de
term inado sentido, não havendo por isso, em
absoluto, pensar c ria d o r; mas, se começa a in
telig ên cia a funcionar, nesse caso não sereis
escravos nem de um a nem de o u tra sociedade,
nem da aquisitiva nem da não aquisitiva. Mas
para lib ertar-se a m ente, requer-se gran d e in
te n sid a d e; requer-se v igilância e observação
contínuas, que criam conflito. E ssa p ró p ria vi
g ilância pro d u z um a perturbação, e quando
ocorre essa crise, êsse conflito intenso, então
a m ente, se não busca a fuga, começa a pen sar
originalm ente, a pensar criativam ente, e é êsse
pensam ento que é eternidade.
166
X II
Parece-m e que a m aioria das pessoas p er
deu a arte de ouvir. Vêm te r aqui com seus
problem as, ju lg an d o que, com ouvirem as m i
nhas palestras, êles se resolverão. A cho que tal
não acontecerá; mas, se souberdes ouvir, co
m eçareis a com preender o todo, e vossa m en
te não m ais se d eix ará enlear pelas partes.
A ssim sendo, se me p erm itis sugeri-lo, não
busqueis n esta p a le stra uma solução p ara vos
so problem a, nem alívio p ara vosso sofrim en
to. Só poderei servir-vos, ou, antes, só podereis
servir-vos a vós mesmos, se pensardes o rig in al
m ente, criativam ente. E n carai a vida, não como
um a m ultiplicidade de problem as isolados, po
rém integralm ente, como um todo, com um a
m ente que não este ja sufocada pela busca de
soluções. Se- ouvirdes as m inhas palavras ali
viados da carga dos problem as, tom ando um a
perspectiva global, vereis então o vosso pro
blem a assum ir significado d ife re n te ; e, con
quanto possa não ser resolvido im ediatam ente,
167
com eçareis a perceber a causa dele. No pensar
renovado, no reap ren d er a pensar, o co rrerá a
dissolução dos problem as e conflitos que one
ram a m ente e o coração e dos quais resultam
tô d as as desarm onias, dores e sofrim entos.
U ic t,
odv.tc*.
u ix j .
u.c
JUO£>, e m
m a io i
ou
u ic n u i
grau, está consum ido de desejos, cujos obje
tos variam conform e o am biente, o tem p era
m ento e a h ered itaried ad e. Conform e a vossa
condição individual, vossa educação e criação,
em m atéria religiosa, social e econôm ica, es
tabelecestes certos objetivos que incessante
m ente vos esforçais por alcançar, tendo-se to r
nado êsse esforço a preocupação dom inante na
vossa vida.
E stabelecidos êsses objetivos, surgem na
tu ralm en te especialistas, que se incum bem de
vos g u iar p ara a realização de vossos desejos.
D êsse modo, torna-se a perfeição técnica, a es
pecialização, o m eio que vos asseg u rará o fim
alm ejado; e, p ara que possais a tin g ir êsse fim,
estabelecido pelo vosso condicionam ento re li
gioso, econôm ico e social, tendes necessidade
dos especialistas. P erd e, assim , a vossa ação
to d o o significado, todo o valor, porque o que
vos interessa é a consecução do objetivo, e não
o p reenchim ento da in teligência, que é ação.
Interessa-vos a chegada, e não o p reen ch i
m ento. T orna-se o viver um meio, apenas, para
se chegar a um fim , e a vida um a escola, na
168
qual se aprende a a tin g ir um fim . E , p o r con
sequência, a ação se to rn a um sim ples (meio
pelo qual podereis alcançar o objetivo estabe
lecido pelos vossos diversos am bientes e con
dições. T orna-se a vida um a escola de grande
conflito e luta, e nunca uma coisa p ara preen
chim ento, enriquecim entç), aperfeiçoam ento.
Começais, por isso, a ind ag ar qual a fin a
lidade, qual o alvo da vida. È o que p e rg u n ta a
m aioria dos in d iv íd u o s; é o que ocupa os p en
sam entos da m aioria das pessoas aqui presen
tes. P o r que viveis? Q ual a finalidade? Q ual o,
objetivo? Q ual o alvo? P reocupados com o
alvo, a finalidade, esquecei-vos de viver no
p rese n te; ao passo que o hom em que busca o
preenchim ento jam ais indaga dos fins, porque o
preenchim ento é, em si, suficiente. M as, como
não sabeis como se alcança o preenchim ento,
como se vive com pletam ente, com riqueza in
terio r, com suficiência, começais a in q u irir a
finalidade, o objetivo, o alvo, ju lg an d o que fi
careis aptos para e n fre n ta r a vida, se conhe
cerdes a sua fin alid ad e — pelo m enos, acred i
tais possível conhecer essa fin alid ad e — e, de
posse dêsse conhecim ento, esperais servir-vos
da experiência como meio para cheg ar a um
fim ; torna-se por isso a vida um meio, um a m e
dida, um valor, de que vos u tilizais p ara alcan
çar tal fim.
169
12
C onsciente ou inconscientem ente, ocu lta ou
abertam ente, começa o indivíduo a in d ag ar a
fin alid ad e da vida, recebendo as resp o stas dos
cham ados especialistas. O artista, se lhe p er
g u n tard es o objetivo da vida, vos d irá que é a
auto-expressão pela pintura, pela escultura,
p ela m úsica ou p o esia; o econom ista, se lhe
p erg u n tard es, d irá que é trabalho, produção,
cooperação, vida em conjunto, atuação em g ru
po, em sociedade; e se p e rg u n ta rd e s ao religionário, êste vos d irá que a fin alid ad e da
vida é a pro cu ra e o sentim ento de D eus, é v i
ver em conform idade com as leis estatu íd as pelos m estres, pro fetas, salvadores, e que, viven
do em consonância com ta is leis e decretos, al
cançareis a verdade que é D eus. Cada especia
lista vos d ará a sua resp o sta sobre a fin alid ad e
da vida, e de acordo com vosso tem peram ento,
vossos caprichos, vossa im aginação, começais
a considerar essas finalidades, esses objetivos,
como vossos ideais.
T a is ideais e fin alid ad es tornaram -se, m era
m ente, um pô rto de salvação, porque vos se r
vis deles p ara que vos guiem e p ro tejam no
tu m u lto da vida. Começais, pois, a u tiliz a r es
ses ideais p ara m edir as ocorrências de vossa
vida, p ara in v estig ar as condições de vosso
am biente. Começais, sem o desejo de com
p reen d er ou de preencher, unicam ente a in
v estig ar a finalidade do am biente; e, com a
170
descoberta dessa finalidade, de acordo com
vosso condicionam ento, vossos preconceitos,
ev itais som ente o conflito de v iv er sem com
preensão.
A ssim , pois, a m ente d ividiu a vida em
5------ U - j
f ' OnseCUC^eS
•fiw
>
2É
3
j
n alid ad es; agitação, conflito, p erturbação, tu
m u lto ; e vós próprios, vossa consciência in d i
vidual. Isto é, a m ente d iv id iu a v id a nessas
trê s seções. E sta is em agitação e, pois, através
dessa agitação, dêsse conflito, dessa p e rtu rb a
ção que é tô d a sofrim ento, laborais p ara alcan
çar uma finalidade, um alvo. T en tais, penosa
m ente, atravessar essa agitação, esse conflito,
p ara atin g ird es o alvo, a finalidade, o pôrto de
salvação, o id ea l; e êsses ideais, finalidades,
refú g io s foram delineados pelos especialistas
econômicos, relig io so s e esp iritu ais.
E stais, assim , de um lado, ab rin d o caminho,
laboriosam ente, através de condições e am
bientes, e criando co n flito s nesse esforço para
alcançardes o o u tro lado, onde estão os ideais,
os objetivos, os alvos que se to rn aram vossos
abrigos e refúgios. A p ró p ria indagação sobre
a finalid ad e da vida é indício de fa lta de in
telig ên cia no p rese n te; e o hom em plenam en
te ativo — não im erso em atividades, como a
m aioria dos am ericanos, mas plenam ente a ti
vo, com a in teligência, com os sentim entos,
com plena v italid ad e — êsse hom em preencheu
171
a si mesmo. É por isso fú til a busca de fin a li
dade, porquanto não existe fim nem p rin c íp io ;
o que existe é o m ovim ento contínuo do p en
sar criador, e o que cham ais problem as são os
resu ltad o s de vossos esforços para atravessar4 Cl U i U CUVU*
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preocupa-vos saber a m aneira de dom inar o t u
m ulto, de vos a ju stard es ao am biente, a fim de
a tin g ird e s um fim . É isso, e não vós mesmos
o vosso objetivo, o que preocupa tô d a a vossa
vida. O que vos preocupa é som ente o tu m u l
to, como atravessá-lo, como dom iná-lo, como
superá-lo, e p o rtan to como fu g ir dêle. Q uereis
a tin g ir aquela p e rfe ita esquiva que cham ais
ideais, e aquele p e rfe ito refúgio, que cham ais
a fin alid ad e da vida, o que rep resen ta apenas
um a fu g a da presen te agitação.
N aturalm ente, quando te n ta is superar, do
m inar, esquivar-vos, e a tin g ir aquele objetivo
final, sobrevém a p rocura de sistem as e dos
respectivos corifeus, guias, m estres e especia
lista s; todos êstes são, p ara mim, explorado
res. Os sistem as, os m étodos, e os seus m es
tres, com tôdas as suas com plicadas riv alid a
des, incitam entos, prom essas e m entiras, criam
divisões na vida, conhecidas por seitas e cultos.
É isso o que acontece. Q uando pro cu rais
alcançar algum a coisa, um resultado, uma m a
n eira de su p erar o tum ulto, sem levardes em
consideração a “ vossa psssoa”, a consciência
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do “ eu”, nem o fim que, consciente ou incons
cientem ente, buscais sem cessar, ten d e s n a tu
ralm ente de c riar exploradores, quer do pas
sado quer do presente, e ficais colhidos nas
suas fu tilid ad es, suas rivalidades, disciplinas,
desarm onias e discórdias. Assim , pois, o sim
ples desejo de atrav essar esse tu m u lto cria
sem pre novos problem as, porque não se leva
em conta nem o ag ente nem a m aneira por que
age, mas som ente a cena do tu m u lto é levada
em consideração como meio de se chegar a um
fim.
Ora, p ara mim, o tum ulto, o fim , e “ vos
sa pessoa” são um a só coisa; não existe se
paração. E ssa divisão é a rtificia l, sendo cria
da pelo desejo de ganhar, pela busca de aqui
sição e acum ulação, nascida da insuficiência.
Ao tornar-se consciente do vazio, da super
ficialidade, com eça o indivíduo a reconhecer a
insuficiência de seu p en sar e sen tir, surgindo
então, no seu pensam ento, a idéia de acum ula
ção, resultando daí a separação en tre a “ pes
soa”, isto é,' a consciência individual, e o fim.
P a ra mim, já o disse, tal separação não exis
te, porquanto, alcançado o preenchim ento, já
não pode haver ag en te e ação, m as som ente o
m ovim ento criador do pensam ento, o qual não
busca um resultado, havendo assim o viver con
tínuo, isto é, a im ortalidade.
173
M as vós div id istes a vida. C onsiderem os o
que é êsse “ eu”, esse agente, esse observador,
êsse centro do conflito. Ê le é apenas um lon
go e contínuo rôlo de m em órias. J á apreciei
dem oradam ente a m em ória, em m inhas nalestra s anterio res, e não posso agora e n tra r em
porm enores. Se eles vos interessam , p o deis ler
o que eu disse. Ê sse “ eu” é um rôlo de lem
branças em que se apresentam recalcam entos.
Ê sses recalcam entos ou depressões chamam-se
com plexos, e são eles que determ inam os nos
sos atos. Isto é, a m ente consciente de sua in
suficiência, busca um ganho, criando desse
modo um a distinção, um a divisão. Não pode
essa m ente com preender o am biente, e porque
não o pode, é obrigada a confiar na acum ula
ção da m em ória, para gu iá-la; pois a m em ória
é apenas uma série de acum ulações que atuam
como guia para um objetivo. T al é o fim da
m em ória. A m em ória é fa lta de com preensão;
essa fa lta de com preensão é o fundo de onde
sacais, é dêle que procede a vossa ação.
E ssa m em ória a tu a como guia p a ra um fim ,
e êsse fim , preestabelecido que foi, é sim ples
m ente um refú g io au to p ro tetó rio , o qual cha
m ais ideais, consecução, verdade, D eus ou p er
feição. O comêço e o fim , a “ pessoa” e o obje
tivo, são resu ltad o s dessa m ente au to p ro tetora.
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J á expliquei a gênese da m ente au to p ro teto ra ; essa m ente se o rig in a da consciência ou
percepção de vazio, de vácuo. P o r isso, começa
a p ensar com in tu ito s de consecução, aqu isi
ção, e dêsse ponto de p a rtid a e n tra a fu n cio
nar, dividindo a vida e restrin g in d o as p róprias
ações. Assim, pois, o fim e a “ pessoa” são o
resu ltad o dessa m ente a u to p ro te tó ria ; e a ag i
tação, o conflito, a desarm onia, são apenas o
processo da au toproteção e resu ltam dessa
autoproteção e sp iritu a l e econômica.
E sp iritu a l e econom icam ente p ro cu rais se
gurança, porque confiais na acum ulação, para
vos dar riqueza in te rio r, para vos dar com
preensão, p len itu d e, preenchim ento. E , dêsse
m odo, os astuciosos, ta n to do m undo e sp iritu a l
como do econômico, vos exploram , porque uns
e o utros querem alcançar poderio m ediante
exaltação da autoproteção. A ssim , pois, cada
m ente se vê em penhada num esforço trem endo
p ara p ro teg er a si própria, e o fim , os m eios
e a “ pessoa” nada m ais são que o processo de
autoproteção. Q ue acontece quando existe êsse
processo de au toproteção? A contece, in ev ita
velm ente, co n flito com as circunstâncias, que
chamamos a sociedade; vemos o “ eu ” buscan
do proteger-se co n tra o coletivo, o grupo, a so
ciedade.
M as o inverso disso não é verdade. Isto é,
não ju lg u e is que, se deixardes de pro teg er-
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vos, estareis perdidos. P elo contrário, e stareis
perdidos se vos p rotegerdes, por m otivo de in
suficiência, p o r m otivo de sup erficialid ad e de
pensam ento e sentim ento. Mas, se deixardes
de proteger-vos som ente por ju lg a rd es que, fa
zendo-o, en co n trareis a verdade, será tam bém
isso, apenas, um a o u tra form a de proteção.
A ssim , pois, como tem os construído, a tra
vés dos séculos, de geração em geração, essa
roda da autoproteção, e sp iritu a l e econômica,
vam os av erig u ar se é um a coisa real a a u to
proteção e sp iritu a l e econômica. T alvez, do
ponto de vista econômico, seja possível sus
ten ta r, tem poràriam ente, a autoproteção. O ho
mem de dinheiro e m u itas posses, que se g aran
tiu co n fo rto s e prazeres corporais, é em geral,
se o observardes, m uito in su ficien te e falto de
inteligência, e está de ord in ário a ta te a r à pro
cura da proteção d ita espiritual.
Investiguem os, en tretan to , se realm ente
existe autoproteção esp iritu al, porquanto, eco
nom icam ente, sabem os que não existe seg u ran
ça. A ilusão da proteção econôm ica se dem ons
tra , pelo m undo todo, p elas depressões, crises,
guerras, calam idades e caos. R econhecendo
isso, voltam o-nos p ara a segurança esp iritu al.
M as, p ara mim, não ex iste segurança, não ex is
te autoproteção e nunca as haverá. E u afirm o
que só existe a razão, a qual é com preensão, e
não proteção. Isto é, a segurança, a au to p ro te-
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ção é p ro d u to da insuficiência, na qual não
há inteligência, não h á pensam ento criador, na
qual existe um a b atalh a co n stan te en tre a “ pes
soa” e a sociedade, e na qual os astuciosos vos
exploram im piedosam ente. E n q u an to houver o
desejo de autoproteção, navera co n íiito , não
podendo pois haver com preensão, nem razão.
E enquanto p erd u ra r essa atitu d e, será vã a
vossa busca de esp iritu alid ad è, da verdade, ou
de Deus, porque ela rep resen ta apenas um a
busca de m aior poder e m aior segurança.
É só quando a m ente que se ab rig o u atrás
das m uralhas da autoproteção se lib e rta de
suas p róprias criações, que se pode chegar
àquela delicada realidade. A fin al de contas,
essas m uralhas da autoproteção são criações
da m ente, que, consciente da p ró p ria in su fi
ciência, levanta essas m uralhas de proteção
abrigando-se a trá s delas. O indivíduo ergueu
essas barreiras, consciente ou inconscientem en
te, e por isso a sua m ente está tão debilitada,
tolhida, presa, que a ação m otiva m aior con
flito e novas perturbações.
Nessas condições, a m era busca de solução
p ara os vossos problem as não ise n ta rá vossa
m ente de criar novos problem as. E n q u an to exis
t ir êsse centro au to p ro tetó rio , resu lta n te da in
suficiência, haverá perturbações, dores e so fri
m entos trem en d o s; e não podeis lib e rta r a
m ente do sofrim ento disciplinando-a p ara não
ser insu ficien te. Isto é, não podeis d iscip lin ar
a vós mesmos, nem ser influenciados pelas con
dições e pelo am biente, p ara o efeito de não
serdes superficiais. D izeis para vós m esm os:
“ Sou su p e rfic ial; reconheço esse fato, e como
me liv rarei dêle?”. E u d ig o : Não p ro cu reis li
vrar-vos dêle, pois isso é um m ero processo de
substituição, m as tornai-vos conscientes, tom ai
conhecim ento do que está causando a in su fi
ciência. Não podeis co n stran g er nem fo rç a r o
aparecim ento dessa causa; ela não pode ser in
fluenciada p o r ideais, nem por tem ores, nem
pela busca de prazeres e poderio. Só se pode
achar a causa da insu ficiên cia pela vigilância.
Isto é, pela observação do am biente e a pene
tração de seu significado, revelar-se-ão as ar
dilosas sutilezas da autoproteção.
E m últim a análise, a autoproteção é resu l
tado da insuficiência, e porque a m ente foi
educada na sua servidão, p o r séculos e séculos,
não podeis d iscipliná-la nem superá-la. Se o
fizerdes, deixareis de perceber o significado
das bu rlas e sutilezas do pensam ento e do sen
tim ento, atrás das quais a m ente se abrig o u ;
e p ara descobrirdes essas sutilezas cum pre to r
nar-vos cônscios, vigilantes.
Ora, estar v ig ilan te não é alterar. E s tá a
nossa m ente a fe ita à alteração, que é apenas
m odificação, ajustam ento, disciplina im posta
p o r um a condição; ao passo que, estando v ig i
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lantes, descobrireis o pleno significado do am
biente. Não há, p o rtan to , m odificação, porém
com pleta libertação daquele am biente.
Só depois de se desfazerem tôdas essas m u
ralh as p ro tetó rias, à cham a da vigilância, que
não produz m odificação, nem alteração, nem
ajustam ento, mas som ente a com preensão in te
g ral do am biente, com tôdas as suas nuanças
e sutilezas — só então encontrareis, na com
preensão, o ete rn o ; porque, em ta l estado, de
saparece a “ vossa pessoa”, o foco au to p ro tetó rio. E nquanto, porém , e x istir êsse foco autop ro te tó rio que ôham ais o “ eu”, haverá confu
são, haverá perturbação, desarm onia e co n fli
to. Não podeis elim inar êsses obstáculos m e
dian te autodisciplina, ou seguim ento de um
sistem a, ou im itação de um m odêlo; só pode
reis com preendê-los, em tôda a sua com plica
da e stru tu ra , p o r m eio de vigilância in ten sa da
m ente e do coração. H averá então enlevo, h a
verá então o m ovim ento vivo da verdade, que
não é um a finalidade, nem um a culm inância,
m as um perene viver criador, um enlêvo in
descritível, porque qualquer descrição o des
tru iria . E nquanto não fordes atin g id o s pela
luz da verdade, não conhecereis a im o rtali
dade.
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