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L U T A Jüy H O H EM $ S/ JAS CATISAS SEZJS EFEI TOS S E ü F IM j! - J. KRISUNAMÍIRTI f Conceitos sobre Jiddu Krishnam urti e suas obras : “Krishnamurti centraliza todo o seu ensino num insis­ tente convite à inteligência. Não há na sua mensagem nenim m i u u u. íN ci ua o i ci ct t : ue i i i i b t ei i u b u , n u u u d p i ese.u u i pa i a sei’ adotado e seguido por outrem. Todo o seu apelo consis­ te em despertar a criatura para que possa, livre de tutelas espirituais, fazer uma autocrítica de’ todos os falsos valores que adotou.” (Dr. Francisco Aires). “ Seja Freud ou Krishnamurti, um ou outro surgem nesse instante de inquietação social e de angústia da alma huma­ na, como dois grande iniciados que parecem antecipar a pers­ pectiva de uma nova humanidade.” (Gastão Pereira da Silva). “ Nada tenho que acrescentar ao caráter eminentemente social destes ensinamentos. O homem que se entrega à cons­ tante busca da Verdade, tal como a define Krishnamurti, é o melhor servidor da humanidade.” (Ludowic Kehault). “ Krishnamurti, para mim, é o mais profundo dos psicó­ logos atuais; um psicólogo que leva a sua análise, sua inves­ tigação, até às ultimas conseqüêneias; que convida cada um de nós a ser um psicólogo imparcial, leal, sincero, honrado em si mesmo, sem vacilação alguma, nem temor dos resulta­ dos.” (Da obra “ Krishnamurti, el inspirador”, de Arturo Montesano Delchi). “ Estas idéias” (as do autor) “ têm inspirado igualments a políticos como Gçorge Lansbury; a pensadores e cientistas' como o Dr. Johannes Verweyen, professor de Filosofia da Universidade de Bonn, Alemanha, ou o etnologista america­ no, Dr. Edward Craighill Handy; artistas como o famoso maestro Leopoldo Stokowski e também ao grande escultor francês, Antoine Bourdelle.” (De “ Krishnamurti, The man and bis message”, de Lilly Heber, Ph. D.). A OBRA E O A U TO R Encerra êste livro, como os mais de J. Krishnamurti, autênticas li­ ções de uma nova arte de viver, pois os ensinamentos nele contidos fo­ gem a quanto se há escrito sobre matéria filosófica, religiosa ou mo­ ral, sendo, antes, um convite indis­ criminado para adquirirmos a plena consciGiiCiti Jc owvlwõ wj eitos ^ sarnentos, necessária a nos tornar­ mos verdadeiras parcelas de uma sociedade eminentemente coopera­ tiva. Só essa particularidade justifica­ ria a precisão de um maior conheci­ mento da mensagem do autor, tão envolvidos e dominados nos acha­ mos, hoje em dia, por ideologias, princípios e credos, que só laboram para a confusão e irresponsabilida­ de do homem. Em verdade, vivemos numa com­ pleta desorientação espiritual, espe­ rando solucionar os difíceis proble­ mas de ordem social e financeira com o alcance de uma estrutura econômica mais equitativa, capaz de promover o bem-estar coletivo. Embora urja tal transformação em face dos justos anseios dos po­ vos de toda a parte, não constituirá ela, todavia, o elemento propiciató­ rio daquilo a que, de um modo ou de outro, estamos sempre visando: a felicidade. Por entre as névoas da crise uni­ versal já podemos distinguir que a atual tragédia humana é, na essên­ cia, de caráter psicológico, porquan­ to a questão econômico-social decor­ re, em última análise, da generali­ zação do egotismo, da expansão dos desejos pessoais e, também, da ló­ gica contraditória e mundana do es­ pírito individualista. Inegàvelmente, não obstante a experiência histórica, não aprende­ mos ainda a viver plenamente. O homem ama e odeia, sofre e goza, ambiciona e renuncia, mas jamais se detém no indagar a causa primá­ ria de seus pensamentos e sentimen­ tos. No entanto, do ponto de vista de Krishnamurti, como de outros psicólogos, é essa indagação fator relevantíssimo para a aquisição do esclarecimento indispensável. Indicando como observar-nos im­ parcialmente, para' estendermos cada vez mais o autoconhecimento e, em conseqüência, a percepção e o dis­ cernimento das coisas; fazendo-nos ver o significado real das influên1 'ín c o-m V iio-nfpc! p p ■ ’ lin sn rv V f llr t- res dos sentidos, convence-nos o grande pensador de aue só a ação inteligente, baseada no humanismo verdadeiro, nos propiciará o gran­ dioso mundo há tanto almejado. Quem vê a existência sob prisma tão alevantado não é um puro teó­ rico, um ser que vive distanciado de suas criações: ao contrário, o que mais o recomenda é revelar êle, na conduta própria, a melhor prova do acêrto de seus enunciados. Por isso, suas obras são conside­ radas no presente, como de alguns anos para cá, um gTande auxílio para o despertar da humanidade. Quando contemplamos tanto so­ frimento e solidão na alma do rico e do pobre de nossos dias e senti­ mos, de perto, os tremendos males causados pelo egoísmo e pela vaida­ de humana, é que avaliamos a im­ portância de trabalhos como êste para o bem e a plenitude geral. Eis por que deve êle andar em to­ das as mãos e ser meditado por to­ das as pessoas. Qualquer um, inde­ pendentemente do grau de cultura, poderá lê-lo com proveito, impor­ tando mais a “ ação” conforme aos seus profícuos ensinamentos que, propriamente, o mero entendimento “ intelectual” dos mesmos. Contém êste livro, em suma, um manancial de sabedoria e facultai’â, aos que a observarem, o indestrutí­ vel bem do pensar criador — meio único de alcançarmos a ventura sem fim. ** E d itad o pela In stitu içã o C u ltu ral K rishnam urti. K R IS H N A M U R T I Conferências — com perguntas e respostas — realizadas, em Ojai, Califórnia, Es­ tados Unidos da América do Norte, em 1934. J. KRISHNAMURTI A LUTA DO HOMEM SUAS CAUSAS SEUS EFEITOS SEU FIM ★ Editado pela In stitu iç ã o C u ltu ral K rish n am u rti AVENIDA RIO BRANCO, 117, sala 203 - Tel. 23-2697 RIO DE JANEIRO (BRASIL) 19 4 8 ÍNDICE Pág. I 7 II 19 III IV ................................................................... 36 .............. 51 V .................................................................... 65 VI 78 V II 92 V III 108 IX 122 X 136 XI 151 X II 167 Direitos de tradução em português da INSTITUIÇÃO CULTURAL KRISHNAMURTI RIO DE JANEIRO — BRASIL I É m inha intenção, duran te estas p alestras, não tan to expor um sistem a de pensam ento, como d esp ertar o pensam ento e, p ara tal, enun­ ciarei certo s conceitos — não dogm áticos, na­ tu ra lm e n te — que espero sejam m ed itad o s p o r vós e, enquanto o forem , num erosas questões, haverão de ap resentar-se, as quais, se tiv erd es a bondade de me p e rg u n ta r, te n ta re i esclarecer, desenvolvendo assim m ais am plam ente o que ten h o para tfansm itir-vos. E u quisera saber por que vem aqui a m aio­ ria de vós. V indes provavelm ente em busca de algum a coisa. Mas, que buscais? Não sabeis, n atu ralm en te, resp o n d er a essa perg u n ta, p o r­ que o vosso m étodo de busca varia e tam bém varia o objeto de vossa busca. Ê ste últim o mo difica-se continuam ente e, por isso, não sabeis com precisão o que buscais nem o que d esejais Infelizm ente, já form astes o hábito de passar d e um suposto m estre esp iritu al para outro, igualm ente suposto, de filiar-vos a d iferen tes 7 organizações e sociedades, e de seg u ir siste • m as. P o r o u tras palavras, fo rcejais p o r desco­ b rir o que vos dê satisfação e excitação, em es­ cala crescente. lísse c o n f i r m o n ro ced er de um a escola filo ­ sófica para outra, de um sistem a de pensam en­ to para outro, de m estre para m estre, vós cha­ m ais a busca da verdade. Em o utros term o s: passais de um a idéia para outra, de um siste ­ ma de pensam ento para outro, acum ulando constantem ente, esperando com preender a vida, ten tan d o p e n e trar o seu significado, o sentido de suas lutas, e declarando, sem pre, haverdes descoberto algum a coisa. M as eu espero que, no fin al de m inhas p a ­ lestras, não ides dizer que achastes algum a coi­ sa, um a vez que, no m om ento em que isso acon­ tecer, estareis já p erd id o s; porque, preso a essa âncora o espírito, cessará aquêle m ovim ento eterno, aquela v erdadeira busca de que vou fa ­ lar-vos. A m aioria dos esp írito s dem anda um alvo determ inado, com o desejo fixo de ach ar algum a coisa, e, já que se firm ou esse desejo, achar-se-á, de fato, algo. M as não será coisa com vida, será um a coisa m orta o que achareis e, p o r isso, vós a reje ita re is, voltando-vos para o u tra. E esse contínuo escolher e reje ita r, vós cham ais o processo para a aquisição da sabe­ doria, da experiência, da verdade. 8 É provável que a m aioria de vós, consciente ou inconscientem ente, veio te r aqui com igual propósito e, assim sendo, o vosso pensam ento está aplicado m eram ente na busca de sistem as e confirm ações, no deseio de vos lig-ardes a um m ovim ento ou de vos congregardes em grupos, sem a luz da realidade fundam ental e sem p ro ­ cu rardes com preender o significado dessas coi­ sas básicas da vida. A ssim , pois, como já disse, não vou p ro p o r um ideal para ser im itado, uma m eta p ara se alcançar, pois m eu p ro p ó sito é, antes, o de d e sp ertar o pensam ento pelo qual possa a m ente lib ertar-se das coisas que nela im plantam os, adm itidas que foram como v e r dades certas. Com efeito, cada um procura im o rtalizar o p ro d u to do am biente. E ssa coisa que é o resu l­ tad o do am biente, nós a querem os eternizar. Isto é, os d iferen tes tem ores, esperanças, an ­ seios, preconceitos, inclinações, que costum a­ m os ex altar e cham ar nosso tem peram ento, es­ sas coisas são, afinal, o prod u to do am biente; e esse feixe de lem branças, que é o resultado do am biente, prod u to das reações ao am bien­ te, vai c o n stitu ir aquele estado consciente que cham am os “ eu”. Não é assim ? A lu ta se desen­ rola, tôda ela, en tre o resultado do am biente, com o qual a m ente se identifica, tornando-se o “ eu”, e o próprio am biente. Ao cabo de tudo, o “ eu”, o estado consciente com que a m ente 0 se id en tifica, é o resu ltad o do am biente. E a lu ta se tra v a e n tre êsse “ eu” e o am biente sem ­ p re cam biante. E m penham o-nos continuam ente na busca de im ortalidade para êsse “ eu”. P o r o u tras pa­ lav ras: o falso fo rceja por elevar-se ao real, ao eterno. P a ra quem com preende o significado do am biente, não existe reação e não existe, por conseqüência, choque en tre a reação, isto é, aquilo que cham am os “ eu”, e o fa to r da reação, ou seja, o am biente.JjE assim essa busca de im ortalidade, êsse desejo de certeza e du rab i­ lidade, se chama processo evolutivo, processo p ara alcançar a verdade, ou D eus, ou a com­ preensão da vida. E quem quer que vos ajude nessa busca, quem q uer que vos aju d e a im or­ ta liz a r a reação que cham am os “ eu ”, vós o in­ titu la is o red en to r, o salvador, o senhor, o m es­ tre , e seguis o seu sistem a. V ós o seguis com raciocínio ou sem êle. Seguis com raciocínio, quando pensais fazê-lo in telig en tem en te, por­ que êle vai conduzir-vos à im ortalidade, ao sentim ento dêsse enlêvo. Isto é, ten d es neces­ sidade de outrem que im ortalize p ara vós essa reação que é prod u to do am biente e que é, em si, fundam entalm ente falsa. No desejo de im or­ ta liz a r o que é falso, vós criais religiões, sis­ tem as e divisões sociais, m étodos políticos, panacéias econôm icas e padrões m orais. E assim , gradualm ente, nesse desenvolver de sistem as 10 p ara p erp etu ar o indivíduo, dar-lhe d u rab ilid a­ de e segurança, o hom em se perde in teiram en ­ te e e n tra em choque com as criações de sua p ró p ria busca, criações nascidas do anseio por essa segurança que ele chama im ortalidade. Mas, porque há religiões? A s religiões, como divisões do pensam ento, se desenvolve­ ram , glo rificad as e n u trid a s p o r c o n ju n to s de crenças, em v irtu d e dêsse desejo de vos certi­ fic a rd e s da im ortalid ad e e asseg u rard es a vos­ sa im ortalidade. E os padrões m orais, êsses são p u ro s p ro d u ­ tos da sociedade p a ra m an ter o in d iv íd u o em sua servidão. A m eu ver, a m oral não pode ser padronizada. Não podem co ex istir m oral e pa­ drões. O que deve haver é com preensão, tão so­ m ente, e esta não é nem pode ser padronizada. M as apreciarem os m elhor êsse ponto em m i­ nhas próxim as palestras. N essas condições, essa contínua busca em que se acha em penhado cada um de nós, essa busca de felicidade, verdade, realidade, beme sta r e sp iritu a l — êsse desejo in in te rru p to é cultivado p o r cada um de nós, p a ra term o s se­ guran ça e perm anência. E dessa busca de p e r­ m anência tem de re su lta r choque, choque en­ tre o resultado do am biente, o “ eu”, e o pró­ p rio am biente. A gora, re fletin d o bem, que vem a ser o “ eu” ? Q uando falais do “ eu” e do “ m eu”, quan- 11 do dizeis m i n h a casa, m i n h a alegria, m i n h a m u­ lher, m e u filho, m e u amor, m e u tem peram ento — que coisa é essa? A penas o resu ltad o do am biente, e en tre êsse resultado, o “ eu ”, e o p ró p rio am biente, ex iste choque perm anente. Só pode haver choque, e inevitavelm ente o há, en tre o falso e o falso, nunca en tre o v erd ad ei­ ro e o falso. Não é assim ? Não pode haver cho­ que en tre o que é verdadeiro e o que é falso. M as pode haver choque, e necessàriam ente o haverá, en tre duas coisas falsas, en tre as g ra­ dações do falso, en tre os opostos. Não ju lg u eis, pois, que essa lu ta — que cha­ m ais a verd ad eira lu ta — en tre o “ eu” e o am­ biente, seja legítim a. Não se desenrola um a luta en tre vós m esm os e o vosso am biente, tudo o que vos cerca, vosso m arido, esposa, filho, vizinhos, m eio social, organizações políticas? Não se de­ senrola aí um a b atalh a perm anente? Ju lg a is necessária essa batalha, p ara que possais alcan­ çar a felicidade, a verdade, a im ortalidade, ou o êxtase. De ou tro modo ex presso: o que ju l­ gais ser a verdade é apenas a consciência da personalidade, o “ eu ”, continuam ente em pe­ nhado em im ortalizar-se, e o am biente, que eu digo ser o m ovim ento contínuo do falso. Êsse m ovim ento do falso, que co n stitu i o vosso am ­ b ien te sem pre cam biante, é cham ado p ro g res­ so, evolução. N essas condições, p ara mim, a felicidade, a verdade, ou D eus, não pode de12 co rrer do resu ltad o do am biente, o “ eu”, nem de condições ex te rn as sem pre variantes. V ou m ais um a vez te n ta r expressá-lo d ife­ rentem ente. E x iste um choque, de que ten d es conhecim ento, en tre vós mesmos e o am bien­ te, as condições externas. Mas, d ireis p a ra vós m esm os: “ Se eu conquistar o am biente, supe­ rá-lo, dom iná-lo, ficarei em condições de des­ cobrir, de com preender”. É por essa razão que se trav a essa b atalh a perm anente e n tre vós m esm os e o am biente. Mas, que sois “ vós m esm os” ? Sim ples p ro ­ duto do am biente. E que fazeis? E sta is comba­ ten d o um a coisa falsa com o u tra coisa falsa, pois falso será sem pre o am biente, enquanto o não com preenderdes. O am biente, pois, produz aquele estado consciente que chamamos “ eu” e que está continuam ente interessado na p ró ­ p ria im ortalidade. E para dar-lhe essa im orta­ lidade deve haver m uitos m odos e m eios, e por isso vós tendes religiões, sistem as, filosofias, to d as essas inconveniências e b arreiras que ha­ veis criado. P o r essa razão e x istirá sem pre cho­ que en tre o resu ltad o do am biente e o p róprio am biente; e, repito, só pode haver choque en­ tre o falso e o falso, nunca en tre o verdadeiro e o falso. Todavia, ten d e s firm em ente a rra ig a ­ da em vossas m entes a idéia de que nessa lu ta e n tre o resultado do am biente, que é o “ eu”, e o p róprio am biente, h á força, h á sabedoria, e 13 que p a r ela alcançareis a eternidade, a rea lid a ­ de, a verdade, a felicidade. O que nos deve interessar, sobretudo, é o am biente, não o choque com ele nem a m anei­ ra flp dom iná-lo OH dp fnodr-líiP Tnfprrop-nnrín n am biente e p rocurando com preender-lhe o sig ­ nificado, descobrirem os o seu verdadeiro va­ lor. Não é assim ? A m aioria de nós está colhi­ da no processo de te n ta r dom inar ou fu g ir às circunstâncias, o am biente; não ten tam o s des­ cob rir o que êle sig n ific a — a sua causa, o seu sen tid o e valor. Q uando perceberdes o sentido do am biente, sig n ific a rá isso ação violenta, um a e x tra o rd in á ria v irav o lta em vossa vida, transform ação com pleta e revolucionária de vossas idéias, na qual p rescin d ireis de a u to ri­ dades e m odelos. M as são bem poucos os que querem ver o significado do am biente, p o r­ quanto isso im plica m odificação, m odificação radical e revolucionária, e m ui poucos desejam ta l coisa. Sendo assim , a m aioria dos in d iv í­ duos, m ilhões de indivíduos, põem todo o in ­ teresse em fu g ir do am biente, seja en cobrin­ do-o, seja buscando su b stitu to s: desfazendose de Je su s C risto p ara entronizarem um novo salvador, procurando novos m estres p a ra subs­ titu íre m os velhos, m as sem indagarem um a só vez se realm ente necessitam de um guia. Ei só isso lhes tra ria benefícios, só isso lhes forne- 14 ceria o verdadeiro significado dessa busca de substitu to s. N essas condições, quando se p ro cu ra subs­ titu to , procura-se um a auto rid ad e, um guia p ara seguir, do que re su lta to rn ar-se o in d iv í­ duo um sim ples d ente na engrenagem social e relig io sa da vida. C onsiderada de p erto , essa busca se resum e num a busca de conforto, segu­ rança, refú g io : não é um a busca de com preen­ são, nem de verdade, porém , antes, um a busca de por onde fu g ir e, conseqüentem ente, um es­ forço para a fa star todos os obstáculos. Ora, a fa star equivale a su b stitu ir, e no su b stitu ir não há com preensão. H á fugas por m eio das religiões, com seus m andam entos, seus padrões m orais, atem orizações, au to rid ad es; e há fugas atrav és da ex­ pressão individual — o que cham ais expressão individual, o que a grande m aioria desig n a por êsse nome, é puram ente a reação c o n tra o am­ biente, o esforço de ex pressar a personalidade através dessa reação — expressão individual nas artes, nas ciências e o utras form as de ação. Não me refiro aqui às verdadeiras, às es­ pontâneas expressões da beleza, da a rte e da ciência; estas são, por si sós, com pletas. R efi­ ro-m e ao homem que busca essas coisas como u ten sílio s p ara a expressão de si próprio. O verdadeiro a rtista não fala de expressão in d i­ v id u al; o que êle expressa é o que sen te com 15 tô d a a intensidade. M as há tan to s a rtista s des­ viados que, como os indivíduos esp iritu alm en ­ te desviados, vivem à procura de expressão pessoal como m eio de alcançar algum a coisa, algum a satisfação que são incapazes de enconixtti no am biente em que vivem. E m v irtu d e dessa busca de segurança e p e r­ m anência, tem os relig iõ es estabelecidas, com todas as suas fu tilid ad es, discórdias e explo­ rações, como vias de fuga. E essas vias de eva­ são assum em tam anha significação e im por­ tân cia porque, p ara p ro cu rar conhecer o am ­ biente, isto é, as condições que nos cercam, n e­ cessita-se ação intensíssim a, ação v o lu n tá ria e dinâm ica, e bem poucos se inclinam a em preen­ der ta l ação. P elo contrário, inclinam o-nos m ais a nos d eixar fo rçar à ação pelo am biente, pelas circu n stân cias; se, por exem plo, um ho­ mem alcança um elevado g rau de m oralidade e v irtu d e, num a época de crise econôm ica geral, logo o considerais um homem adm irável, em v irtu d e de ta l m udança. M as foi o am biente que forçou a m udança, e enquanto estiv erd es na dependência dêle p ara p rocederdes re ta ­ m ente, necessitareis de m eios de fu g a e de substituições, chamai-o relig ião ou como q u i­ serdes. E n tre tan to , p ara o genuíno a rtista , tam bém esp iritu alm en te genuíno, a expressão é espontânea, p o r si m esm a suficiente, com ple­ ta, in teg ral. 16 E vós, que fazeis? Q ue se passa com cada um de vós? Q ue estais ten tan d o na vida? P ro ­ cu rais algo — mas, que procurais? E x iste um conflito en tre vós m esm os e o m ovim ento cons­ ta n te do am biente. O que p ro cu rais é um meio dc dom inar Gs&e m iuneiite, p<uct p erp etu ard es o vosso “ eu”, que nada m ais é que o re su lta ­ do dêsse mesmo am b ien te; ou, porque já ta n ­ tas vezes vos tem contrariado o am biente, im ­ pedindo a vossa expressão individual, como o chamais, buscais novos m eios de expressão com serviços à hum anidade, planos de aju stam en ­ to econômico, e o que m ais seja. Cada indivíduo deve saber o que busca; se nada busca, há, então, saciedade e decom posi­ ção. Se existe choque, há o desejo de vencer esse choque, de fu g ir-lh e, de dom iná-lo. M as, como já disse, só pode haver choque en tre duas coisas falsas, en tre essa suposta realidade que cham ais o “ eu” — p ara mim, sim ples resu ltad o do am biente — e o p ró p rio am biente. P o r isso, se vossa m ente está interessada apenas em vencer essa luta, estais, então, p erp etu an d o o falso, resultando daí m ais conflito, m ais so­ frer. Ma$„ se quiserdes descobrir o sig n ifica­ do do am biente, isto é, das condições do am ­ biente — opulência, m iséria, exploração, opres­ são, nacionalidades, religiões, e tô d as as f u tili­ dades da m oderna vida social — sem te n ta r do­ m iná-las, m as pro cu ran d o ver o que significam , 17 requer-se, então, ação individual e um a com ple­ ta revolução na esfera das idéias e do p en sa­ m ento. M as isso não será luta, será a luz a d is­ sip ar as trevas. Não há choque en tre a luz e a treva. Não o há en tre o verdadeiro e o falso. Só h á choque onde h á opostos. 18 II E stareis lem brados de que ontem eu vos fa ­ lava da origem dos conflitos e do modo pelo qual a m ente busca solução p ara êles. T encio­ no, hoje, ap reciar am plam ente a idéia de con­ flito e de desarm onia e d em onstrar a absoluta in u tilid ad e de ocupar-se a m ente com a pro­ cura de solução p ara qualquer conflito, porque a m era busca de solução não te rá a v irtu d e de desfazer o conflito. Q uando buscais um a so­ lução, um a m aneira de dissolver o conflito, es­ tais apenas p rocurando sobrepor-lhe ou su b sti­ tuir-lhe um a nova série de idéias, um a nova série de teorias, ou estais ten tan d o evitá-lo de todo. Q uando desejam os um a solução p a ra nos­ so conflito, é isso o que procuram os. O bservando bem, percebereis que, quando se v erifica conflito, im ediatam ente procurais solucioná-lo. D esejais en co n trar um a saída dêsse conflito, e de ordinário a achais, realm en te; m as o conflito ficou sem solução, porque vós o tra n sfe ristes, sim plesm ente, passando para 19 I um novo am biente, com condições novas, as quais, por sua vez, produzirão novo conflito. C onsiderem os, pois, dem oradam ente, a idéia de conflito, de onde su rg e e o que podem os fa ­ zer em presença dele. O ra, todo conflito é resultado do am bien­ te, não é verdade? E xpressando-o em o u tro s term o s: Q ue é o am biente? Q uando ten d es consciência do am biente? Som ente quando vos chocais com êle e lhe opondes resistência. N es­ sas condições, se observardes e exam inardes as vossas vidas, v erific a re is que há sem pre con­ flito a desfigurá-las, deturpá-las, m oldá-las; e a inteligência, que é a harm onia p e rfe ita da m ente e do coração, nada in flu i nas vossas v i­ das. Isto é, o am biente está continuam ente fo r­ m ando, m oldando vossas vidas e vossas ações, e, n aturalm ente, dêsse contínuo d esfig u rar, m oldar, form ar, p erv erter, origina-se o c o n fli­ to. A ssim , pois, onde há êsse constante proces­ so gerad o r de conflito, não pode haver com­ preensão. T odavia, supom os que, atravessando contínuos conflitos, atingirem os aquela com­ preensão, aquela abundância, aquela p len itu d e do êxtase. Mas, pela acum ulação de conflitos jam ais descobrirem os a m aneira de viver in ­ te lig e n te m e n te ; só a descobrirem os com preen­ dendo o am biente, o criador dos conflitos, e a m era substituição, isto é, a introdução dè no­ vas condições, não d a rá solução ao conflito. 20 Não obstante, se observardes, vereis que, sem­ pre que há conflito, sem pre p ro cu ra a m ento um a solução. E dizem os, en tão : “ é efeito da h ered itaried ad e, das condições econômicas, das circunstâncias an terio res” — ou afirm am os a nossa crença no "k arm a , na reincarnação, na evolução. P rocuram os desse m odo ju s tifi­ car o conflito atu al em que se acha colhida a nossa m ente, e não tentam os descobrir a sua causa, investigando o significado do am biente. O conflito, pois, só pode e x istir en tre o am ­ b ie n te —jm tendendo-se por am biente as con­ dições econôm icas e sociais, o regim e político, os nossos sem elhantes — en tre esse am biente e o seu resultado, o “ eu”. Só pode e x istir co n fli­ to enquanto houver reação a esse am biente ge­ rad o r do “ eu”, da personalidade. A m aioria dos indivíduos não está consciente desse con­ flito — o conflito en tre o “ eu”, que é o resu l­ tado do am biente, e o p róprio am biente; em verdade, m ui poucos se dão conta dessa con­ tín u a batalha. Só se faz n o tar êsse conflito, essa desarm onia, essa lu ta en tre o falso p ro d u ­ to do am biente, o “ eu ”, e o p ró p rio am biente, pelo sofrim ento. N ão é assim ? É só n a crise aguda do sofrim ento, da dor, da desarm onia, que nos tornam os conscientes do conflito. ► Q ue acontece quando tom ais conhecim ento do conflito? Q ue acontece quando, sob o ag u i­ lhão do sofrim ento, vos to rn a is plenam ente 21 conscientes da batalha, da lu ta que se trava? A m aioria quer socorro im ediato, solução im e­ diata. Q uer abrigar-se dêsse sofrim ento e en­ contra d ife ren te s vias de fuga, ta is sejam , como já ontem citei, as religiões, as ex cita­ ções, <AÍ> f 1 i v o i i u a u c i s , C d o m U itcl£ > u u u a u istti das m isteriosas que ten d es criado, no desejo de abrigar-vos dessa luta. O sofrim ento to r­ na o indivíduo consciente dêsse conflito, mas não o conduz àquela abundância, àquela riq u e­ za, àquela plen itu d e, àquele êxtase da vida, porque, em verdade, o sofrim ento só tem o efei­ to de aguçar a m ente. M as esta, um a vez agu­ çada, põe-se a in te rro g a r o am biente, as con­ dições, e nessa indagação está em ativ id ad e a in te lig ê n c ia ; e é só a in telig ên cia que p o d e conduzir o indivíduo à p len itu d e da vida e ao descobrim ento do sig n ificad o do so frer. A in ­ telig ên cia en tra em atividade na fase agu d a do sofrim ento, quando m ente e coração já não buscam evadir-se, fu g in d o pelas d iferen tes passagens que tão engenhosam ente soubestes p rep a ra r e que se vos afig u ram tão razoáveis, tão concretas e reais. Se observardes a te n ta ­ m ente, sem preconceito, vereis que, enquanto houver fuga, nenhum a solução podereis dar a« conflito, porq u an to ev itais olhá-lo de fren te. C onseqüentem ente, o vosso sofrim ento nada m ais é que a acum ulação de ignorância. Q uan­ do desistirm o s de fu g ir, de evadir-nos pelos 22 cam inhos já sabidos, será então, no sofrim en­ to m ais intenso, que com eçará a ex ercitar-se a inteligência. E xcuso-m e de ap resentar-vos exem plos e com parações, pois desejo que penseis p ro fu n dam ente no assunto, e, se eu vos apresentas exem plos, estarei pensando no vosso lu g ar e sereis m eros ouvintes. Mas, se com eçardes a m ed itar o que vos digo, vereis, observareis por vós mesmos, que a m ente, habituada a suces­ sivas substituições, autoridades, fugas, nunca atin g e aquêle grau suprem o de sofrim ento que exige o exercício da inteligência. E é som ente com a intelig ên cia em p len a atividade que se pode efe tu ar a com pleta dissolução da causa do conflito. Sem pre que h á fa lta de com preensão do am biente, tem de haver conflito. O am biente g era o conflito, e enquanto não com preender­ mos o am biente, as condições externas, tu d o o que nos cerca, e estiverm os ocupados apenas em p ro cu rar substitu içõ es para essas condi­ ções, estarem os fu g in d o de um conflito e nos lançando noutro. M as se naquele agudo so fri­ m ento que nos revela um conflito, em tô d a sua intensidade, com eçarm os a in te rro g a r o am ­ biente, chegarem os a com preender o seu v er­ dadeiro valor, visto que a in telig ên cia assum e então a sua atividade n atu ral. A té agora a m en­ te se tem id en tificad o com o conflito, com o 23 am biente, com evasões, e, portanto, com o so­ frim en to —• dizeis “ eu sofro”. M as naquele es­ tad o de agudo sofrim ento em que já não é perm issível a evasão, a m ente se to rn a in te li­ gência. E xpressando-o de o u tra m aneira, m ais uma vez: enquanto estiverm os na busca de soluções, e substituições, e au to rid ad es para alívio de nossos conflitos, há de haver identificação da m ente com circu n stân cias específicas. Mas, se a tin g ir a m ente aquele estado de intenso so­ f re r em que ficam bloqueadas todas as saídas, ocorrerá, nesse m om ento, o d esp ertar da in te ­ ligência, que e n tra rá em atividade, n a tu ra l e espontâneam ente. T en d e a bondade de exp erim en tar o que vos su g iro : V ereis que não estou propondo teo ­ rias, mas algo com que podereis exercitar-vos, algo de praticável. T en d es uns tan to s am bien­ tes, os quais vos foram im postos pela socieda­ de, pela religião, pelas condições econômicas, pelas distinções sociais, pela exploração e pe­ las opressões políticas. O “ eu ” nasceu dessa im posição, dessa compulsão. E x iste em vós o “ eu ”, que se opõe ao am biente, daí resultando conflito. N ada ad ian ta criar-se um novo am ­ biente, porque continua a e x istir a m esm a coi­ sa. Mas, se nesse co n flito houver aflição e so­ frim en to , vivam ente sentidos — e em todo con­ flito há sofrim ento, m as preferim os fu g ir des24 sa lu ta e buscam os, p o r isso, su b stitu to s — e nessa agudez do sofrim en to d esistird es de pro­ c u ra r su b stitu to s e olhardes de fre n te os fa­ tos, vereis que a m ente, que é a p len itu d e da inteligência, com eçará a descobrir o verdadeibertação do conflito. Ê na p ró p ria agudez do sofrim ento que se en co n tra a sua dissolução. É, pois, aí que está a com preensão da causa do conflito. C um pre igualm ente ponderar que o que cha­ m am os acum ulação de sofrim entos não nos leva a so frer com in te n sid a d e ; nem tão pouco resu lta da m ultiplicação do sofrim ento a sua dissolução. P orque o aguçam ento da m ente pelo so frer só se v e rific a depois de h aver a m ente cessado de evadir-se. Pois, enquanto es­ tiv e r in teressad a na fuga, não haverá co n fli­ to que desperte aquêle so fre r intenso, p o r­ q uanto na fu g a não h á com preensão. R esum indo m ais um a vez antes de passar a responder às p e rg u n ta s que me foram ap re­ sen tad as: P rim eiram ente, todos nós estam os colhidos nas m alhas do sofrim ento e do con­ flito , m as a m aioria dos indivíduos não está consciente desse conflito porque vive a p ro ­ cu rar substituições, soluções e refú g io s. Se, en tretan to , deixarem de p ro cu rar refú g io e co­ m eçarem a in te rro g a r o am biente, que é a cau­ sa do conflito, tornar-se-á, então, a m ente pe- 25 3 n etran te, ativa, in telig en te. N essa in ten sid ad e a m ente se to rn a in telig ên cia e capaz, p o rta n ­ to, de d iscern ir o exato valo r e sig n ificad o do am biente, causador do conflito. O uso a c re d ita r que a m etade dos que me ^pti ' com prí im porta. O que podereis fazer, se vos a p ro u ­ ver, é m ed itar as m inhas palavras, para v e rifi­ car se correspondem , ou não, à verdade. M as m ed itar não deverá sig n ificar in telectu alizar o assunto, isto é, acom odar-se num a p o ltro n a e fazê-lo evaporar-se atrav és do intelecto. P a ra descobrirdes se é verdade o que vos digo, de­ veis de o pôr em prática, e para o pordes em p rática, cum pre in te rro g a rd e s o am biente. Isto é, se estiverdes em conflito, é claro que deveis in te rro g a r o am biente, m as a m ente da m aio­ ria já de tal modo se d esvirtuou que não p e r­ cebe que está à cata de soluções e m eios de fuga, com suas m aravilhosas teorias. É p e rfe i­ to o seu raciocinar, porém baseado, em bora in ­ conscientem ente, no desejo de fuga. Se há, pois, co n flito e desejais descobrirlhe a causa, deixai que a m ente a descubra pela intensidade do pensam ento e, portanto, in te r­ rogando tu d o o que o am biente põe em tô rn o de vós — vossa fam ília, vossos sem elhantes, vossas religiões, vossas autoridades p o lític a s; no in te rro g a r haverá ação contra o am biente. T en d es a fam ília, o sem elhante, o E stado, e, 26 in terro g an d o o sig n ificad o dessas coisas, ve­ reis como é espontânea a in teligência, que ela não é coisa que se a d q u ira ou cultive. L ançada a sem ente do percebim ento, nasce a flo r da in ­ teligência. P e r g u n t a d u to : D iz e is q u e o “ e u ” é o p r o ­ d o a m b i e n te . S o i s d e p a r e c e r que s e r ia p o s s í v e l c r ia r - s e u m a m b i e n t e p e r f e i t o , n o q u a l não se d e s e n v o lv e s s e êsse e s ta d o c o n s c ie n te c h a m a d o “ e u ” ? S e a s s im é, a p e r f e i t a l i b e r d a ­ d e d e q u e f a l a i s d e p e n d e d a c r ia ç ã o d o a m b i e n ­ te ju s to . É e x a to is s o ? V O Z E S DO A U D IT Ó R IO : “ N ão” ! K r i s h n a m u r t i : Um m om ento. É possível haver um am biente justo, p erfeito ? Não. A quêles que responderam negativam ente por certo não pensaram a fundo na questão. Vamos, pois, racio cin ar jun to s, e n tra r em cheio no assunto. Q ue é o am biente? O am biente é coisa cria­ da. T ôda essa e s tru tu ra hum ana foi criada, pe­ los tem ores, pelos anseios, esperanças, desejos, realizações, dos hom ens. O ra, não se pode criar um am biente p e rfe ito porque cada in d i­ víduo cria, de acordo com seus caprichos e de­ sejos, novas séries de condições; mas, com um a m ente intelig en te, podeis p e n e trar to d o s êsses 27 am bientes falsos e fic a r livres da do “ eu”. P ois não é verdade que a do “ eu ”, o sentim ento do “ eu”, é do am biente? N ão acho necessário m os m ais a resp eito dêsse ponto, consciência consciência o resu ltad o racio cin ar­ já b astante S e o E stad o vos desse casa e tudo o m ais de que necessitásseis, não haveria m otivo da expressão “ m inha” casa — talvez houvesse ou­ tro sentido de “ m eu”, mas estam os apreciando circu n stân cias específicas. Como e n tre ta n to assim não aconteceu, existe o sentim ento de “ m eu”, de posse. Isso é resultado do am bien­ te ; aquele “ eu ” é um a falsa reação ao am bien­ te. Se, en tretan to , com eçar a m ente a in te rro ­ g ar o p róprio am biente, desaparecerá essa rea­ ção. Não nos interessa, pois, a possibilidade de e x istir, em algum tem po, um am biente p er­ feito. Mas, que vem a ser am biente p erfeito ? Cada hom em vos d irá o que é, p ara ele, o am biente p e rfe ito : o a rtista d irá um a coisa, o fin an cis­ ta outra, a estrela cinem atográfica outra. Cada indivíduo pede um am biente p erfeito , que o satisfaça, isto é, que não lhe tra g a „conflito. C onsequentem ente, não pode e x istir am biente p erfeito . Mas, havendo com preensão, perde o am biente todo valor e significado porque, nes­ se caso, a in teligência, lib ertad a das circu n s­ tâncias, funciona plenam ente. 28 A questão, pois, não é de saberm os se se pode criar um am biente perfeito , porém , antes, de saberm os d e sp ertar aquela com preensão que esteja livre do am biente, seja êle im p erfeito ou p erfeito . A firm o que p o deis d e sp ertar essa com preensão, investigando o v erdadeiro valor de qualquer am biente em que esteja colhida a vossa m ente. V ereis então que e sta reis livres de qualquer am biente que seja, porquanto o vosso proceder se baseará na com preensão, uma vez que estareis sendo deform ados, p e rv e rti­ dos, m oldados pelo am biente. P e r g u n t a presse vo ssa parecem : N ão c o n v ic ç ã o s ig n ific a r . é p o s s ív e l q u e ex­ o q u e v o s s a s p a la v r a s Q uando a la s tr a r - s e p e l o m u n d o , s i n t o v e jo o v íc io a u m fo r te im p u l­ s o a l u t a r c o n tr a ê le e t o d o s o s s o f r i m e n t o s q u e o r ig in a n a s v id a s d e m e u s s e m e lh a n te s . S i g n i ­ fic a iss o tre m e n d o c o n flito , p o rq u e , quando t e n t o s o c o r r e r , e n c o n tr o , m u i t a s v ê z e s , v i o l e n ­ ta o p o s iç ã o . Com o e n tã o n ã o e x is te c o n flito e n tr e p o d e is o fa ls o a fir m a r e o que verd a ­ d e ir o ? K r i s h n a m u r t i : Disse-vos, ontem, que só pode haver lu ta en tre duas coisas falsas, que só pode haver conflito en tre o am biente e o resultado do am biente, o “ eu”. P o is b^m. E n tre êsses dois existem inúm eras vias de eva- 29 são, denom inadas vício, caridade, m oralidade, padrõ es m orais, tem ores, e todos os num ero­ sos o p ostos; e a lu ta só pode e x istir en tre os dois, en tre a falsa criação do am biente, o “ eu”, e o p róprio am biente. M as não é possível lu ta en tre .a verdade e o que é falso. Isso é óbvio, pois não? P odeis en co n trar v iolenta oposição, devida à ignorância de vosso adversário. Não digo que não devais lu tar, mas tam bém não digo que seja lícito lu tar. H á um a m aneira na­ tu ral,. um a m aneira espontânea e suave de fa ­ zer as coisas que julgam os justas, sem o rec u r­ so à agressividade e à violência. P rim eiram ente, an tes de lutar, deveis saber co n tra que ides lutar. É necessária, p ortanto, com preensão da realidade profunda, e não das desarm onias en tre as coisas falsas. M as é tão viva a nossa percepção das desarm onias en tre as coisas falsas, en tre o resu ltad o e o am bien­ te, que lutam os contra elas, e daí o desejo de reform ar, m odificar, alterar, sem en tre ta n to fazerm os algo que m odifique fundam entalm en­ te a e stru tu ra da vida hum ana. Isto é, querem os que subsista a consciência do “ eu”, que é a fa l­ sa reação ao am biente; querem os p reserv ar essa coisa e ao mesmo tem po refo rm ar o m undo. P o r o u tras p alavras: q uereis co n tin u ar na pos­ se de vosso livro de cheques, vossas p ro p rie ­ dades, q uereis p reserv ar o sentim ento do “ m eu” e ao mesmo tem po desejais refo rm ar o 30 m undo p o r m aneira que deixe de e x istir essa idéia de “ m eu” e “ vosso”. Assim, pois, o que nos cum pre fazer é v eri­ fic a r se tem os que ver com o pro fu n d o ou ape­ nas com o su p erficial. E, a m eu juízo, ex istirá o su p erficial enquanto vos preocupardes ape­ nas com a refo rm a do am biente, p ara aliv iar o conflito. Isto é, quereis contin u ar apegados à consciência do “ eu”, como “ m inha” consciên­ cia, e en tre ta n to d esejais a lte ra r as circu n stân ­ cias por form a que não criem co n flito naquele “ eu”. A isso eu chamo pensar sup erficialm en ­ te, do que resulta, por fôrça, ação superficial. E n tre ta n to , se pensardes profundam ente, isto é, in terro g an d o o p róprio resultado do am bien­ te, que é o “ eu ”, e conseqüentem ente in te rro ­ gando tam bém o p ró p rio am biente, procedereis fundam entalm ente e, portanto, duradouram en­ te. E há nisso um enlêvo, um deleite que não conheceis agora, porque receais p ro ced er fu n ­ dam entalm ente. P e r g u n t a te m : E m v o ssa p a le s tr a d e o n ­ fa la s te s d o a m b ie n te c o m o m o v im e n to d o fa ls o . I n c lu ís no a m b ie n te t o d a s a s c r ia tu r a s d a n a tu r e z a , in c lu s iv e a s fo r m a s h u m a n a s ? K r i s h n a m u r t i : O am biente não se m odifica constantem ente? Sim ou não? P ara a m aioria das pessoas o am biente não m uda, 31 porque to d a m udança im plica contínua ad ap ta­ ção e, p o rtan to , contín u a v igilância da m ente, e a m aioria se in teressa apenas pelas condições e státicas do am biente. M as o am biente movese, porque não o p o d eis controlar, e será falso enquanto náo com preenderdes o seu s ig m iicado. “ O am biente in clu i as form as hum anas?” P o rq u e separá-las da n atureza? Não nos in ­ teressa tan to a natureza, porque quase já a te ­ m os sob nosso controle, m as ainda não com­ preendem os o am biente criado pelos en tes h u ­ m anos. C onsiderai as relações en tre os povos, en tre os seres hum anos, considerai to d as as condições criadas pela hum anidade, que ainda não com preendem os, em bora já tenham os con­ siderável com preensão e dom ínio da n a tu re ­ za através da ciência. A ssim , pois, não nos preocupa m uito a es­ tabilid ad e, a continuação de um am biente que já com preendem os, porque, no m om ento que com preendem os, cessa o conflito. M as nós b u s­ camos segurança, em ocional e m ental, e, como nos sentim os felizes enquanto tem os g aran tid a essa segurança, não interrogam os o am biente e, po r isso, essa coisa falsa e em constante mo­ vim ento, que é o am biente, tra z continuam ente novas p erturbações a cada indivíduo. E n q u an ­ to houver conflito, in d icará ele fa lta de com­ preensão das condições que nos cercam ; e per- 32 m anecerá falso êsse m ovim ento do am biente, enquanto não inquirirm os o seu significado, e este só poderem os descobrir naquele estado de in ten sa consciência do sofrim ento. P e r g u n t a : & s tá p e r t e i t a m e n t e c la r o p a ra m im q u e a c o n s c iê n c ia d o “ e u ” é o r e s u l­ t a d o d o a m b i e n te . M a s , n ã o v o s l e m b r a is , p o r ­ v e n t u r a , q u e o “ e u ” n ã o s u r g i u p e la p r i m e i r a vez na v id a p r e s e n te ? D o q u e d iz e is se d e ­ p r e e n d e , c la r a m e n te , q u e a c o n s c i ê n c i a d o “ e u ”, c o m o r e s u l t a d o d o a m b i e n te , d e v e t e r c o m e ç a ­ d o a e x i s t i r n o r e m o t o p a s s a d o e c o n ti n u a r á a e x is tir n o fu tu r o . K r i s h n a m u r t i : V ejo que esta p er­ g u n ta se destina a enredar-m e na questão da reincarnação. Mas, não im porta. Exam inem o-la. P rim eiram ente, deveis adm itir, pensando bem, que o “ eu” é o resultado do am biente. Ora, a mim pouco im porta que se tra te do am biente passado ou do am biente presente. A fin al de contas, o am biente é tam bém coisa do passado. Se fizestes uma coisa qüe não com preendestes, se ontem fizestes um a coisa que não com preen­ destes, essa coisa vos p erseg u irá até que a com­ preendais. Não podeis dissolver êsse am biente do passado, enquanto não viverdes com plena consciência, no presente. Não im porta, pois, saber se a m ente se debilitou pelas condições 33 passadas ou pelas atuais. O que im p o rta é que com preendais o am biente e só isso p oderá li­ b e rta r vossa m ente do conflito. H á quem creia que o “ eu” se orig in o u no passado rem oto e co n tin u ará a e x is tir no fu ­ tu ro . Isso, p ara mim, carece de im po rtân cia e sentido. J á vos digo porque. Se o “ eu” é o re ­ sultad o do am biente, se o “ eu” é a verd ad eira essência do conflito, deve então a m ente in ­ teressar-se não p o r essa en tidade continuadora do conflito, m as pela p ró p ria libertação do conflito. Não im porta, pois, que seja o am bien­ te passado que está debilitando a m ente, ou que seja o atu al que a e stá pervertendo, ou que o “ eu” se ten h a o riginado no passado rem oto. O que im porta é que naquele estado de so fri­ m ento, naquela consciência, naquele sofrim en­ to intensam ente sentido, h a ja a dissolução do “ eu”. Sugere isso a idéia de “ karm a”. Sabeis o que ela sig n ific a : que arcais com um fardo, o fard o do passado, no presente. Isto é, trazeis p ara o presen te o am biente do passado, e, p o r­ que levais esse fardo, in flu en ciais tam bém o fu tu ro , m oldais tam bém o fu tu ro . Se re f le tir ­ des sôbre isso, vereis que tem de ser assim, por­ que, se vossa m ente está p erv ertid a pelo passa­ do, o fu tu ro forçosam ente será tam bém d esfi­ g u rad o ; porque, se não com preendestes o am ­ biente de ontem , êle se estende necessàriam en- 34 te ao dia de h o je; e, conseqüentem ente, como não com preendeis o dia de hoje, é claro que não com preendereis, tão pouco, o de amanhã. Isto é, se não tiv erd es percebido o exato sen­ tid o de um am biente ou de um a ação, p erv er­ te-se o vosso julg am en to do am biente de hoje, da ação de hoje, nascida do am biente, a qual de novo vos p e rv e rte rá am anhã. Vê-se, assim, o indivíduo colhido num círculo vicioso e daí a idéia de contínuo renascim ento, renascim en­ to da m em ória, ou renascim ento da m ente con­ tin u a d a pelo am biente. Mas, afirm o que a m ente pode ficar livre do passado, do am biente do passado, dos obs­ táculos do passado, e que, conseqüentem ente, podereis ficar livres do fu tu ro , porque vivereis, então, no presente, dinam icam ente, in ten sa­ m ente, suprem am ente. No presente está a e te r­ nidade, e para tal com preender deve estar a m ente lib erta da carga do passado; e p ara al­ cançar essa libertação, requer-se in ten sa inves­ tigação do presente, não a preocupação sôbre como su b sistirá o “ eu” no futu ro . 35 Ill L im itar-m e-ei hoje a responder a p erg u n tas. P e r g u n t a : a u to d is c ip lin a Q u a l é a d ife r e n ç a e n tr e e r e fr e a m e n to ? K r i s h n a m u r t i : Não vejo gran d e d iferen ça en tre essas duas coisas, porque são ambas a negação da inteligência. R efream ento é a form a gro sseira da autodisciplina, m ais su­ til, porém , tam bém repressão. Isto é, tan to re ­ fream ento como au to d iscip lin a rep resen tam m eras adaptações ao am biente. O prim eiro é a form a g rosseira da adaptação, e a segunda, a autodisciplina, a form a sutil. Baseiam -se, um e outra, no tem o r: o refream ento, num tem or ev id en te; a autodisciplina, no tem or que acom ­ panha o desejo de ganho. A au to d iscip lin a — o que cham ais au to d is­ cip lin a — é m eram ente a adaptação a um am ­ b ien te que não com preendem os claram ente; por conseqüência, nessa adaptação tem de ha- 36 v er negação da com preensão. P o r que d iscip li­ nar-se o indivíduo? P o r que nos disciplinam os, obrigando-nos a nos m oldar de acordo com de­ term in ad o padrão? P o r que há tan ta s pessoas filia d a s às várias escolas de disciplina, as quais, , _ *. . ú U ] J U ú ( .a u jic ú tW ) , j v u ju l u u ^ ^ í u * cl r ;f ■» : i a tu a iiu a u C , a com preensão m ais clara, e m aior desdobram en­ to do pensam ento? V ereis que, quanto m ais d iscip lin ard es a m ente, quanto m ais a ed u car­ des, m aiores se tornam as suas lim itações. Deve j o indivíduo ponderar essas coisas com m uito cuidado e apurada percepção, para não se con­ fu n d ir, introduzindo ou tras questões. E sto u aqui em pregando a palavra au to d iscip lin a no sentido que tem na perg u n ta, isto é, o d isc ip li­ nar-se um indivíduo de acordo com determ in a­ do padrão, preconcebido ou preestabelecido, e p o rtan to com o desejo de consecução, de ga­ nho. P a ra mim, en tretan to , esse processo m es­ mo da disciplina, esse contínuo to rc e r do in ­ divíduo p ara conform á-lo a um padrão p rees­ tabelecido, acabará por deform ar a m ente. A m ente verdadeiram ente in telig en te está isen­ ta de autodisciplina, porquanto a in telig ên cia nasce da investigação do am biente e da desco­ b e rta do seu verdadeiro sentido. N essa desco­ b e rta está a verd ad eira adaptação, não adap­ tação a determ inado padrão ou condição, mas adaptação pelo entendim ento, isenta, p o rtan to , de condição. 37 C onsiderai o selvagem . Que faz êle? N êle não existe disciplina, nem controle, nem refream ento. Êle faz o que deseja fazer. O ho­ mem in telig en te tam bém faz o que deseja, mas com inteligência. A in telig ên cia não nasce da ou do refream ento. prim circ exem plo, trata-se p uram ente da atividade ins­ tig a d a pelo desejo — o hom em p rim itivo a p er­ seg u ir o objeto que deseja. No segundo exem ­ plo, o homem in te lig e n te percebe a sig n ifica­ ção do desejo e percebe o conflito. O selva­ gem nada percebe, p ro cu ra alcançar qualquer coisa que deseja e, com isso, cria sofrim ento e dor. E m conclusão, pois, a m eu ver, autodisciplina e refream ento são coisas idênticas, p o r­ que rejeitam ambas a inteligência. E x p erim en tai o que acabo de dizer-vos so­ bre disciplina e autodisciplina. Não o re je i­ teis, não digais que necessitais de au to d isc ip li­ na porque, do contrário, rein ará o caos no m un­ d o .— Como se já não reinasse! — P o r outro lado, não aceiteis p rontam ente o que vos digo, reconhecendo-o verdadeiro. E stou-vos tra n sm i­ tin d o algo que eu pró p rio experim entei e ve­ rifiq u e i ser verdadeiro. P sicologicam ente, acho-o verdadeiro, porque a au to d iscip lin a su­ gere um a m ente atad a a determ inado pensa­ m ento, crença ou ideal, to lh id a por um a con­ dição; e assim como um anim al atado a um a estaca só pode afastar-se quanto lhe p erm ita 38 o com prim ento da corda, do mesmo modo a m ente que se acha p resa a um a crença, a m en­ te p erv ertid a pela autodisciplina, só pode mo­ ver-se den tro dos lim ites p erm itidos por essa condição. E ssa m ente, p o rtan to , não é m ente, em ausuiuio, puiqucm iu cota incapacitada para o pensam ento. Será capaz, talvez, de a d ap ta­ ção en tre os lim ites da estaca e do ponto ex­ trem o a seu alcance. M as essa m ente, êsse co­ ração, não podem, em verdade, p ensar e sen tir, porque estão disciplinados, p ervertidos, pela negação do pensam ento e do afeto. Deveis, por isso, observar, perceber como funciona o vosso p róprio pensam ento, os vossos p ró p rio s se n ti­ m entos, sem o desejo de guiá-los num sentido determ inado. E m prim eiro lugar, an tes de os guiardes, procurai saber como estão fu n cio n an ­ do. A n tes de ten ta rd e s m odificar e a lte ra r o pensam ento e o sentim ento, v erificai a m anei­ ra de seu funcionam ento, e, fazendo-o, vereis que estão continuam ente a adaptar-se dentro dos lim ites estabelecidos por aquele ponto f i­ xado pelo desejo e a realização do desejo. No percebim ento não há disciplina. P erm iti-m e um exem plo. Suponham os que ten h ais o esp írito de classe, a consciência de classe, isso que se cham a s n o b is m o . Não sabeis ainda se sois s n o b s , m as desejais descobrir se o sois. Como descobri-lo? T ornando-vos cons­ cientes de vosso pensam ento e vossas emoções. 39 Q ue acontece então? Suponham os que des­ cubrais que sois s n o b s : N esse caso, essa mesma descoberta cria um a perturbação, um conflito, e esse mesmo co n flito dissolve o s n o b is m o . M as, se vos lim itard es a d iscip lin ar a m ente p a ta não ser s n o b , irers desenvotver uma carac­ te rístic a oposta à do s n o b , — e pro ced er deliberadam ente, e p o rtan to erroneam ente, é por ig u al pernicioso. N essas condições, porque estabelecem os d i­ fere n te s padrões, objetivos, expedientes, os quais, consciente ou inconscientem ente, nos es­ forçam os continuam ente por alcançar, d iscip li­ nam os nossas m entes e nossos corações na d i­ reção dos mesmos, o que im plica necessaria­ m ente controle e perversão. Mas, se e n trard es a in v estig ar as condições que geram conflito, despertando por êsse modo a inteligência, será então suprem a essa in telig ên cia e, como tal, estará em contínuo m ovim ento, não ap resen­ tan d o um só ponto estático que possa gerar conflito. P e r g u n t a : A d m i t i n d o - s e q u e s e ja o “ e u ” c o n s titu íd o de b ie n te , m é to d o suas por que lim ita ç õ e s ? r e a ç õ e s o r iu n d a s d o O u, p oderem os com o 40 fu g ir procederm os r e o r i e n ta ç ã o , p a r a e v i t a r m o s c o n f l i t o d u a s c o is a s f a ls a s ? am ­ às à e n tr e as K r i s h n a m u r t i : E m prim eiro lu ­ gar, desejais saber o m étodo de fu g ir das li­ m itações. P o r que? P o r que o p erg u n tais? D i­ zei-me, por que estais sem pre a so licitar um m é­ todo, um sistem a? Q ue indica esse desejo de m étodo? T odo desejo de m etoao denota o de­ sejo de fuga. P edis-m e que delineie um siste­ ma, para o observardes. P o r o u tras palavras, q uereis que seja inventado para vós um siste­ ma, para o sobrepordes àquelas condições que estão gerando conflito, a fim de poderdes es­ capar de qualquer conflito. Isto é, p rocurais sim plesm ente adaptar-vos a um padrão, a fim de fu g ird e s ao co n flito ou ao vosso am biente. É esse o desejo em que se baseia a busca de m é­ todo, de sistem a. Sabeis que a vida não é Pelm anism o (1). O desejo de m étodo indica, essen­ cialm ente, o desejo de fuga. “ Como p roceder à reorientação, p ara evi­ tarm os conflito e n tre as duas coisas falsas?” E m prim eiro lugar, estais consciente de vos achardes em conflito, antes de d esejard es sa­ ber a m aneira de fu g ir-lh e? Ou, consciente do conflito, buscais apenas um su b terfú g io , um abrigo, onde não se criem novos conflitos? Vamos, pois, certificar-n o s sôbre se desejais um abrigo, um a zona de segurança, que não m ais produza co n flito ; ou se desejais fu g ir do p resente conflito p ara in gressardes num a con­ dição na qual não h aja c o n flito ; ou se estais (1) Sistema de treinamento para desenvolver a memória, a força de vontade, etc. (N o ta do tr a d u to r). 4 41 inconsciente do conflito em que vos achais. Se não estais consciente do conflito, isto é, da ba­ ta lh a que se trav a en tre o “ eu” e o am biente, se não tendes conhecim ento dessa batalha, p o r­ que, então, pro cu rar outro rem édio? P erm ane­ cei nesse desconnecim ento. iJeixai que as pró­ p ria s condições produzam o conflito necessá­ rio, em vez de vos p recip itard es num conflito, provocardes artificialm en te, falsam ente, uni conflito que não existe nem na vossa m ente nem no vosso coração. Se criais artificialm en te um conflito, é porque receais perd er algum a coisa. M as a vida não se esquecerá de vós, não vos d eixará perd er nada. Se ju lg a is o co n trá­ rio, ten d es algum a anom alia. T alvez sejais neu­ rótico, anorm al. Se estais em conflito, não deveis pedir-m e um m étodo. Se eu vos desse um m étodo, iríe is apenas disciplinar-vos de acordo com êsse m étodo, procurando im itar um ideal, um pad)/~o por m im estabelecido, com o que iríeis d e stru ir a vossa p ró p ria inteligência. Mas, se ten d es real consciência do conflito, com essa consciência se to rn a rá agudo o sofrim ento, e nessa agudeza, nessa intensidade, dissolver-se-á a causa do sofrim ento, que é a falta de com­ preensão do am biente. J á perdem os totalm en te o senso de viver norm alm ente, sim plesm ente, indissim uladam ente. P a ra v oltardes a essa norm alidade, a essa 42 sim plicidade, a essa lealdade, não deveis seguir m étodos não deveis tornar-vos m eros autôm a­ tos. Inclino-m e a crer que a m aioria de nós pro cu ra m étodos p o r ju lg a r que por meio dêles alcançará p lenitude, estabilidade e perm anên­ cia. P ara mim, os m étodos conduzem à estagna­ ção e à deterioração, e nada têm que ver com a verdadeira esp iritu alid ad e, a qual é a plen i­ tu d e da inteligência. P e r g u n t a um a : r a d ic a l r e v o l u ç ã o F a l a is d a n e c e s s i d a d e d e na v id a do in d iv íd u o . S e ê le n ã o d e s e j a r r e v o l u c i o n a r o s e u a m b i e n ­ te p e sso a l e x te r n o , p o r ca u sa d o s o fr im e n to q u e a c a r r e ta r ia p a r a a f a m í l i a e o s a m ig o s , p o d e r á u m a re v o lu ç ã o in te r n a c o n d u z i-lo à l ib e r ta ç ã o d e q u a lq u e r c o n flito ? K r i s h n a m u r t i : P rim eiram ente, se­ nhores, não achais tam bém necessária um a re ­ volução radical na vida do indivíduo? O u es­ ta is satisfeito s com as coisas tais como são, com vossas idéias de progresso e evolução, vos­ sos desejos de realizações, vossos anseios e vossos prazeres precários? No m om ento em que com eçardes a pensar realm ente, a se n tir realm ente, sereis em polgados dêsse ard en te de­ sejo de m odificação profunda, revolução rad i­ cal, com pleta reorientação do pensar. P o is bem. Se sen tird es necessária tal coisa, então, nem 43 fam ília, nem am igos con stitu irão em pecilhos. P orque, nesse caso, não haverá revolução ex­ te rn a nem revolução in te rn a ; haverá, sim ples­ m ente, revolução, m odificação. Mas, se come­ çais a estabelecer restrições, dizendo: “ não devo m agoar m m na fam ília, m eus am igos, m eu pároco, m eu explo rad o r cap italista ou m eu ex­ p lo rad o r p o lítico ” — não vedes então a neces­ sidade de m udança radical e apeteceis apenas m udança de am biente. Isso é evidente letargia, a qual criará ou tro am biente falso, fazendo co n tin u ar o conflito. Parece-m e um tan to falaz o p rete x to de não deverm os m agoar nossas fam ílias e amigos. P o r certo, quando desejais fazer algo de capital im portância, vós o fazeis, sem considerações de fam ília nem de am igos, não é verdade? Não receais, então, p rejudicá-los. Isso já não está sob vosso controle: sen tis tão intensam ente, pensais tão com pletam ente, que sois tra n sp o r­ tad o s para fora das lim itações dos círculos de fam ília, das obrigações de qualquer classe. Mas só com eçais a levar em conta a fam ília, os am i­ gos, os ideais, as crenças, as tradições, a ordem estabelecida — só começais a tom á-los em con­ sideração quando ainda vos apegais a um a de­ term in ad a segurança, quando vos falta aquela riqueza in te rio r de que vos falei há pcuco, e, em lu g ar dela, existe apenas a dependência de estím ulos exteriores. A ssim , pois, se existe ple- 44 na consciência do sofrim ento, desp ertad a pelo conflito, não estais, então, to lh id o s pelos vín­ culos de qualquer ortodoxia, am igos ou fam í­ lia: quereis achar a causa do sofrim ento, que­ reis descobrir o significado do am biente que ----tlU - • 4i desapareceu a idéia lim itada do “ eu”. É so­ m ente quando vos apegais a essa idéia lim ita­ da do “ eu”, que sois obrigados a considerar até onde vos podeis tra n sp o rta r e até onde não deveis ir. Certo, não se pode en co n trar a verdade, ou essa faculdade divina da com preensão, enquan­ to estiverm os apegados à fam ília, à tradição, ou ao hábito. E la só poderá encontrar-se quan­ do estiverdes em plena nudez, despidos de vos­ sos desejos, esperanças e cautelas. N essa sim ­ plicidade d ire ta está a riqueza da vida. bov ^ x- w^ ? ^^ « p i / i »>u I i au u i A Í t) P e r g u n t a : P o d e is e x p lic a r p o r q u e razão o a m b ie n te co m eç o u a e x is tir co m o co i­ sa fa lsa , em v e z d e v erd a d eira ? Q u a l a o rig em d e to d a essa d e so rd e m e in q u ie ta ç ã o ? K r i s h n a m u r t i : Q uem ju lg ais ha­ ver criado o am biente? A lgum a divindade m is­ teriosa? Um m om ento, p o r fav o r: Quem criou o am biente, a e s tru tu ra social, a e s tru tu ra eco­ nôm ica e religiosa? Mós mesmos. Cada um con­ trib u iu p ara a sua form ação, individualm ente, 45 até se to rn a r coisa coletiva, e o indivíduo, que cooperou para a criação do coletivo, vê-se ago­ ra perdido nesse mesmo coletivo, que se tornou o seu m olde, o seu am biente. Pelo desejo de segurança financeira, m oral e esp iritu al, te n ­ des criado um am biente capitalista, existem nacionalidades, distinções de classe e exploração. Fom os nós que criam os isso. Vós e eu. E ssa coisa não su rg iu m iraculosam ente p ara a existência. E v oltareis a criar outro sis­ tem a capitalista, aquisitivo, com um a lig eira d iferen ça de m atiz, de côr, enquanto viverdes na busca de segurança. P odereis abolir o pa­ drão atual, mas, enquanto houver am or à posse, criareis outros estados capitalistas, com novas fraseologias, novos jargões. O mesmo se pode dizer das religiões, com suas absurdas cerim ônias, suas explorações e tem ores. Q uem as criou? V ós e eu. P elos sé­ culos em fora, vimos criando essas coisas e nos subm etendo a elas pelo tem or. F oi o indivíduo quem criou o am biente falso, por toda a p arte e se fêz escravo dêle. E dessa condição falsa resu lto u uma falsa busca de segurança p ara aquele estado consciente que cham am os “ eu”, e daí a batalha sem tré g u a entre o “ eu” e o am biente falso. D esejais saber quem criou esse am biente e tô d a essa horrível confusão e inquietação, p o r­ que desejais um red e n to r que vos erga para 46 fora dessa inquietação e vos ponha num novo céu. A pegados a todos os vossos preconceitos, esperanças, tem ores e preferências, vós crias­ tes, individualm ente, êsse am biente, e por isso o deveis quebrar individualm ente, sem esperar o a d v e n t o d e u m sistem a q u e o v eu ic i da f u u c da terra. Um novo sistem a v ir á , sem dúvida, que v arrerá o am biente atual, m as passareis a escravos dessoutro sistem a. O sistem a com unis ta poderá im plantar-se, e, quando isso aconte­ cer, usareis provàvelm ente um a nova term in o ­ logia, mas continuarão as m esm as as vossas reações, com diferen ça apenas de m aneira e de ritm o. E is a razão por que há dias eu vos dizia que, se o am biente vos im pele a uma determ inada ação, essa ação já não é justa. J u s ta é som en­ te a ação nascida da com preensão do am biente. Assim, pois, individualm ente, devemos to r­ nar-nos conscientes. A sseguro-vos que criareis, então, individualm ente, algo grandioso, não um a sociedade aderente a um ideal, e p o rtan to em decomposição, m as uma sociedade em mo­ vim ento constante, que jam ais a tin g irá uma culm inância para depois m orrer. Os indivíduos estabelecem um objetivo, lutam por alcançá-lo, e depois de o alcançarem tom bam extenuados. E stão sem pre ten tan d o alcançar um a determ i­ n ada m eta e perm anecer no nível a que se er­ gueram . Qual o indivíduo, tal o E stado. O E s­ 47 tad o acha-se continuam ente em penhado em al­ cançar um ideal, um objetivo. Mas, p ara mim, deve o indivíduo viver em m ovim ento constan­ te, recriando-se continuam ente, nunca m iran ­ do culm inâncias, nem perseguindo objetivos. ü«ntao, a expressão individual, que é u &ueiedade, estará, perenem ente, em m ovim ento constante. P e r g u n t a : J u lg a is q u e “k a rm a ” é a a ç ã o r e c íp r o c a e n t r e o a m b i e n t e f a l s o e o f a l ­ so “ e u ”? K r i s h m a m u r t i : “ K arm a” é um a palavra sânscrita, que sig n ifica p raticar, fazer, obrar, im plicando tam bém causa e efeito. O ra, “ karm a” é escravidão, é reação nascida do am ­ biente que a m ente não com preendeu. Como ontem ten te i explicar, se não com preendem os um a determ inada condição, a m ente fica n a tu ­ ralm en te gravada com essa condição, com essa falta de com preensão. E com essa falta de com­ preensão nós obram os e agim os, criando assim novos fardos, lim itações m aiores. T orna-se, pois, necessário descobrir-se o que g era essa fa lta de com preensão, o que im ­ pede o indivíduo de perceber o exato s ig n ifi­ cado do am biente, quer se tra te de am biente passado, quer se tra te do atual. E para desco­ b rir êsse significado, é necessário que a m ente 48 esteja de todo isenta de preconceito. É coisa das m ais d ifíceis ficarm os inteiram en te livres de um a propensão, de um tem peram ento, de um a deform ação e, jp ara encararm os p am bien­ te com renovada sim plicidade e lealdade, ne* • . tc to c ....... V u u i. ’ *7 c itv a u y /. u u 1 u t/ ~ A m aioria dos esp írito s está sob a in flu ên ­ cia da vaidade, do desejo de causar im pressão em outros, com ser alguém ; ou do desejo de alcançar a verdade, ou fu g ir do am biente, ou exp an d ir a p ró p ria consciência (a que dão, en­ tre tan to , um nom e esp iritu al especial), ou sob a influ ên cia de preconceitos nacionalistas. Ê sses desejos, todos, im pedem a m ente de p e r­ ceber diretam en te o verdadeiro valor do am ­ b ien te; e como a m aioria dos indivíduos está dom inada por preconceitos, a prim eira coisa de que deve to rn ar-se consciente o indivíduo são as p ró p rias lim itações. E , quando começa­ m os a torn ar-n o s conscientes delas, essa cons­ ciência nos tra z conflito. Q uando verificam os que somos, com efeito, b ru talm en te orgulhosos e presunçosos, começa a presunção, pela p ró ­ p ria consciência que dela tem os, a dissipar-se, porquanto percebem os, então, quanto é ab su r­ da. Mas, se ten ta rd e s encobri-la, ela criará no­ vos males, novas reações falsas. D essarte, p ara viverm os cada m om ento num eterno presente, sem o fardo do passado nem do presente, sem essa lem brança deform adora 49 gerada pela falta de com preensão, deve a m en­ te e n fre n ta r as coisas de m aneira o riginal, i .e ., p rescindindo da tradição. É fatal e n fre n ta r a vida com o fardo da certeza, com a p re su n ­ ção/ do saber, porque, afinal, o saber é m era z z iz a do passado. A ssim , pois, precedendo com originalidade, em todos os encontros com a vida, sabereis o que é viver sem conflito, êsse continuado e ex ten u an te esforço. N avegareis então longas distâncias pelos m ares da vida. 50 IV R esponderei prim eiram ente a algum as das p erg u n tas que me foram feitas, concluindo com uma breve palestra. P e r g u n t a : A in tu iç ã o c o m p r e e n d e a e x p e r i ê n c i a p a s s a d a e m a i s a lg u m a c o is a , o u s o ­ m e n te a e x p e r iê n c ia p a ssa d a ? K r i s h n a m u r t i : P ara mim, in tu i­ ção é inteligência, e in telig ên cia não é a ex­ p eriência do passado, m as a com preensão des­ sa experiência. V ou daqui a m om entos falar sobre a idéia de experiência passada, m em ória, in telig ên cia e m ente, mas responderei ago ra a este ponto especial: se a intuição é nascida do passado. P a ra mim, o passado é uma carga, e rep re ­ sen ta apenas lacunas na com preensão. Se de fato baseardes a vossa ação no passado, no que se convencionou cham ar intuição, isso fa ta l­ m ente vos desnorteará. Mas, se houver ação 51 espontânea no presen te, nesse presen te em con­ tín u o m ovim ento, nela haverá in teligência, e esa in telig ên cia é intuição. A in telig ên cia não pode separar-se da intuição. A m aioria se apraz em separar a intuição da inteligência, porque u ' *. * ~ íí .*v u *^u u 11 . i íl v o " cvi ta v esperança. M uitas pessoas dizem pro ced er “ por in tu ição ”, o que quer dizer p roceder sem a ra­ zão, sem profu n d eza de pensam ento. M uitos aceitam um a teoria, um a idéia, que sua “ in tu i­ ção” lhes d1' - ser verdadeira. Não se fu n d a na razão tal proceder. Ê les aceitam ta l teo ria ou ta l idéia, porque ela lhes traz algum a solução ou conforto. Não é a razão que fu n cio n a: são as p ró p rias esperanças e anseios dêsses in d i­ víduos, que orientam as suas m entes. M as a in­ telig ên cia está separada do am biente e se fu n ­ da, p o rtan to , na razão e no pensam ento. P e r g u n t a : C om o posso a g i r fivre- m e n te e s e m a u to -r e p r e s s ã o , q u a n d o s e i q u e m i ­ n h a a ç ã o d e v e r á m a g o a r o s q u e a m o ? N u m c a so d ê s se s , d e q u e m a n e ir a p o d e m o s r e c o n h e c e r a ação ju s ta ? K r i s h n a m u r t i : Creio haver res­ pondido a essa p erg u n ta, há dias, mas como é possível que não estivesse p resen te o seu au ­ to r, responderei de novo a ela. O c a ra c te rísti­ co da ação ju sta é a espontaneidade, m as p ro ­ 52 ceder espontâneam ente é revelar p ro fu n d a in ­ teligência. A m aioria dos indivíduos têm so­ m ente reações, desvirtuadas, desfiguradas, su­ focadas, pela fa lta de in teligência. Q uando opera a inteligência, é espontânea a ação. D eseja tam bém saber o in te rro g a n te como poderá proceder livrem ente e sem refream ento, quando saiba que sua ação deverá m agoar os que ama. O ra, am ar é ser livre. No amor, são livres am bas as partes. Se ex iste a possi­ bilidade de sofrim ento, não se tra ta então de am or, mas, sim, puram ente, de um a form a su­ til do in stin to de posse, do in stin to de aqu isi­ ção. Se amais, se realm ente am ais alguém , não há possibilidade de lhe causardes dor, fazendo algo que ju lg u e is justo. É som ente quando que­ rem os levar a pessoa am ada a fazer o que d e ­ sejam os, ou esta nos quer levar a fazer o que ela deseja, é som ente então que existe dor. Isto é, am ais a posse. Com ela vos sen tis ab ri­ gados, seguros, confortáveis. E m bora saibais tra n sitó rio êsse conforto, buscais abrigo nêle, na sua tran sito ried ad e. T ôda lu ta em busca de conforto, incitam ento, denuncia fa lta de rique­ za in terio r, e, por conseguinte, cada ação in ­ com patível com um dos am antes, cria-lhe na m ente perturbação, dor e sofrim ento. Assim, um dos am antes tem de re p rim ir o que rea l­ m ente sente, a fim de aju star-se ao outro. E m suma, essa constante repressão, ocasiona- 53 da p o r isso que chamam amor, destró i os dois indivíduos. E m ta l am or não existe liberdade; ele é apenas um a form a su til de escravidão. Q uando sen tis ard entem ente a necessidade de fazer um a coisa, vós a fazeis, às vezes -com as­ tú c ia e sutileza, m as a fazeis de qualquer m a­ neira. E x iste sem pre êsse im pulso a operar, a ag ir independentem ente. P er g u n t a : E s to u c e r to em a cre­ d i t a r q u e t o d a s a s c o n d iç õ e s e a m b i e n t e s s e r ã o j u s t o s p a ra a m e n te v e r d a d e ir a m e n te i n te li g e n ­ t e ? N ã o é q u e s tã o d e s a b e r a p r e c ia r a a r te n o desen h o ? K r i s h a a m u r t i : À m ente in te lig e n ­ te o am biente confia o seu significado. P o r isso, essa m ente in te lig e n te é senhora do am ­ biente, está lib erta do am biente, não está por êle condicionada. Que é que condiciona a m en­ te? É a fa lta de com preensão. Não o achais? Não é o am biente. Ê ste não lim ita a m ente. O que a lim ita é a fa lta de com preensão de uma dada condição. Q uando há in teligência, não é a m ente con­ dicionada por am biente nenhum , porque ela está sem pre consciente, desperta e ativa, e, p o rtan to , discernindo, percebendo o exato va­ lo r do am biente. Só pode condicionar-se ao am biente a m ente letá rg ic a e indolente, ã~qual 54 p ro cu ra fu g ir à condição mesma. Em bora, em ta l estado, seja a m ente capaz de pensar, não é p e rfe ito o seu funcionam ento, porque pensa apenas dentro do lim itado círculo da condição, e isso, para mim, não é pensar com pletam ente. N essas'condições, o que cria a inteligência, o que desperta a in telig ên cia é a percepção dos valores genuínos, e como a m ente está de­ form ada por tan to s valores im postos pela tr a ­ dição, é preciso estarm os livres dessas expe­ riências do passado, dessas cargas do passado, para poderm os com preender o am biente atual. A batalh a é, portanto, en tre o passado e o p re ­ sente. A lu ta se trav a en tre esse “ b ackground”, i .e . a tradição, enriquecida através dos séculos, e as circunstâncias sem pre cam biantes do p re­ sente. Ora, um a m ente obnubilada pelo passa­ do não pode com preender essas céleres m odi­ ficações do am biente. E m outros term o s: para com preender o presente, cum pre estar a m ente soberanam ente livre do p a ssa d o ; isto é, deve te r um a espontânea apreciação de valores no presente. T ra ta re i disso m ais adiante. “ Não é questão de apreciar a a rte no de­ senho?” B e certo. Isto é, no desenho das c ir­ cunstâncias, no padrão do am biente, deve a m ente perceber o valor sutil, sem pre tão ocul­ to e delicado. E p ara perceber essa sutileza, essa delicadeza, requer-se um a m ente ágil, fle ­ xível, penetrante, não onerada pelos valores do passado. 55 P e r g u n t a : P arecem a s v o s s a s p a la ­ v r a s s u g e r i r a i d é i a d e q u e a l ib e r ta ç ã o é u m o b je tiv o , um a c u lm in â n c i a . Q ual a d i fe r e n ç a , n e s s e c a so , e n t r e o e s f o r ç o p a r a a lc a n ç a r - s e a l ib e r ta ç ã o , e o e s f o r ç o p a r a a lc a n ç a r - s e q u a l­ q u e r o u t r a c u lm in â n c i a ? J á n o s f o i d i t o q u e é e rrô n e a a id é ia d e u m c u lm in â n c i a . A fim , um o b je tiv o , um a n ã o c o n s id e r a r m o s a l ib e r ta ç ã o p o r e s s a m a n e ir a , c o m o d e v e m o s e n tã o c o n s i­ d e r á - la ? K r i s h n a m u r t i : Inclino-m e a crer que o consulente não tem ouvido as m inhas p alestras. T alvez te n h a lido m inhas obras m ais an tig as, que lhe insp iraram tal p ergunta. P o is bem. A m ente p ro cu ra um a culm inân­ cia, um objetivo, um fim , porque deseja estar certa, segura. V arrei da m ente tôdas as c e rte ­ zas e seguranças, que são form as su tis de autoexaltação ou do desejo de perpetuação p ró p ria ; v arrei tudo isso da m ente, desnudai-a de todo, e vereis que ela v o lta a lu ta r pela p ró p ria se­ gurança, por um abrigo, porque nesse abrigo ela pode ju lg ar, pode funcionar, pode a g ir em segurança, tal como o anim al atado a um a es­ taca. Como já disse, a libertação não é um fim, não é um alvo; é a com preensão dos v erd ad ei­ ro s valores, dos valores eternos. A in te lig ê n ­ cia se recria perenem ente, não tem objetivo 56 nem finalidade. No desejo de alcançar um a al­ tu ra , existe um su til anseio de perpetuação p ró p ria, continuação g lo rificad a do “ eu ” pes­ soal; e todo esforço, tô d a lu ta p ara alcançar a libertação, sig n ifica fu g a do presente. E ssa p len itu d e da coiJ.ipj.ceu£>ãu, que é a libei Lu^ão, não deve ser en ten d id a como coisa que se ad­ q u ire pelo esforço. T odo esforço denota dese­ jo de adqu irir, conqu istar algum a coisa. M as a libertação não é coisa que se conquiste; a v er­ dade não é adquirível. D essarte, onde existe desejo de libertação, de culm inância, de con­ secução, existe tam bém, infalivelm ente, esfo r­ ço p ara su sten tar, preservar, p e rp e tu ar aquela consciência que cham am os “ eu”. A essência m esm a do “ eu” é um esforço por a tin g ir uma culm inância, porque êle vive num a série de m ovim entos da m em ória e se d irig e p ara um alvo. “ Mas, então, como havemos de considerar a libertação, se não fô r por essa m an eira?” — M as, por que havem os de considerá-la? P o r­ que desejais a libertação? Será porque tenho estado a falar dela nestes últim os dez anos? O u será porque desejais fu g ir das condições que vos cercam, ou porque desejais m aior ex­ citação, m aior estím ulo, m aior p rep o n d erân ­ cia intelectu al? P orque desejais libertação? D izeis, p o rv en tu ra: “ Não sou feliz, e se encon­ tr a r a libertação enco n trarei a felicid a d e; por­ 57 5 que vivo em sofrim ento, e se en co n trar essa coisa d iferen te, desaparecerá o so frim en to ”. Se assim falais, estais sim plesm ente em busca de substituição. A libertação não é coisa para “ contem plarb t . r lU im a i T '< i JL_\;JLC*. i m o c c , H á la »■ b u C O íÜ C ' ça a e x istir quando a m ente já não p ro cu ra fu ­ g ir da condição em que se acha colhida, mas pro cu ra, antes, com preender o significado da­ quela condição que cria o conflito. Como não com preendeis a condição, o am biente que gera o conflito, p ro cu rais um a idéia, um a culm inân­ cia, um fim , um objetivo, dizendo p ara vós m es­ m o s :— “ Se eu com preender aquilo, desapare­ cerá isto ”, ou “ Se eu o b tiv er aquilo, poderei so­ brepô-lo a esta condição”. E tem os com isso, m eram ente, uma m aneira su til de fu g ir do p re ­ sente. T odos os ideais, todos os credos, obje­ tivos e culm inâncias não são m ais do que m e­ ras passagens por onde fugirm os do presente. Mas, pensando bem, vereis que, quanto m ais p erseg u ird es um objetivo, um alvo, um a espe­ rança, um ideal, tan to m ais estareis onerando o fu tu ro , porque estareis fugin d o do p resen te e criando, conseqüentem ente, lim itação sôbre lim itação, conflito sôbre conflito, pesar sôbre pesar. P e r g u n t a p arecer 58 que : devem os H á q u e m d ig a q u e s o is d e to r n a r - n o s l i v r e s a g o r a , e n q u a n to n o s é d a d a o p o r tu n id a d e , e q u e p o ­ derem os p o s te r io r m e n te to r n a r - n o s m e s tr e s . S e h a v e m o s d e to rn a r -n o s m e s tr e s , p o r q u e não convém e n c a m in h a r m o s desde já n ossos pas­ s o s n e s s e s e n tid o ? K r i s h n a m u r t i : E x iste ago ra uma o p ortunidade p ara vos to rn a rd es livres? Q ue sig n ificais por o portunidade? De que m aneira podeis tornar-vos livres agora? P o r algum p ro ­ cesso m ilagroso? E como vos to rn a reis m es­ tres, m ais tard e? Mas, que vem a ser “ m estre”, que vem a ser “ lib ertação ” ? Que sig n ifica o “ ser m estre” ? Se não sig n ifica libertação, não pode ser m estrado. Se a libertação não é a ple­ n itu d e da inteligência, já agora, essa in te lig ê n ­ cia por certo não poderá ser ad q u irid a m ais tarde, em fu tu ro rem oto. D esejais, pois, lib er­ tar-vos agora e ser m estre depois? S eria in te ­ ressante saber por que desejais agora a lib er­ tação. A cho que a libertação nenhum s ig n ifi­ cado tem , quando nós a d e s e j a m o s . E essa idéia de “ tornar-se m estre” — será que o consulente im agina a vida como um exame, a que nos subm etem os para receber um diplom a, to rn a rnos algum a coisa? — essa idéia de “ to rn ar-se m estre”, “ tornar-se liv re”, estou quase a acre­ d ita r que ela é in teiram en te vazia de sentido para o au to r da perg u n ta. Não percebeis que é só quando não desejais tornar-vos a l g u m a c o i - 59 sa , só quando viveis plenam ente em cada dia, na riqueza de cada dia, que é só então que sa­ beis o que é m estrado, o que é libertação? O vosso desejar está criando, incessantem ente, um fu tu ro jam ais atin g ív el, e por essa razão viveis incom pletam ente no presente. N os últim os trê s dias tenho falado da m en ­ te e da inteligência. Ora, para m im não há se­ paração en tre m ente e inteligência. A m ente despida de tôdas as suas lem branças e óbices, funcionando espontâneam ente, plenam ente, a m ente v ig ilan te e perceptiva, cria a com preen­ são, e isso é inteligência, isso é e n lê v o ; isso, para mim, é im ortalidade, atem poralidade (1). A in telig ên cia é atem poralidade, e a in te lig ê n ­ cia é a p ró p ria m ente. E ssa in telig ên cia é o real, é a m ente mesma, da qual é inseparável. E ssa in telig ên cia é enlêvo, ela se cria p eren e­ m ente e se move contxnuam ente. M as a m em ória é apenas a bagagem dessa in te lig ê n c ia ; a m em ória é independente dessa in te lig ê n c ia ; a m em ória é a perpetuação da­ quela consciência do “ eu”, que é resu ltad o do am biente, dêsse am biente cujo significado in ­ te g ra l a m ente não percebeu. P o r isso, a m e­ m ória entorpece, obvia a inteligência, essa in ­ telig ên cia que se renova perenem ente, que se move incessantem ente, que não está contida no (1) 60 Qualidade do que está fora do tempo. tem po. A m ente é inteligência, mas a m em ória se im pôs à m ente. Isto é, a m em ória, que é a consciência do “ eu”, identifica-se com a m en­ te, e essa consciência do “ eu” se interpõe, por assim dizer, en tre a in telig ên cia e a m ente, d e ssa n e dividinuu-a, c a w i j j c o c j u u v j - a , obviando-a, pervertendo-a. A ssim , pois, a m em ória, identificando-se com a m ente, p ro cu ra to rn arse inteligência, o que p ara mim é falso — se posso em pregar aqui o term o “ falso” — p o r­ quanto a m ente é in telig ên cia e a m em ória, pervertendo a m ente, nubla a in teligência. P o r essa razão parece a m ente estar sem pre à pro­ cura daquela in telig ên cia atem poral, que é a m ente mesma. M as que é a m em ória? Não é ela circu n stân ­ cia, experiência, tem or, esperança, anseio, cren­ ça, idéia, preconceito e tradição, ação, realiza­ ção, com tôdas as suas reações su tis e com ple­ xas? Tão logo exista tem or, esperança, anseio, crença, idéia, preconceito, tem peram ento, tão logo se condiciona a m ente, e êsse condiciona­ m ento gera a m em ória, a qual obscurece a cla­ ridade da m ente, que é a inteligência. E ssa m e­ m ória rola pelo tem po, coagulando-se e so lid i­ ficando-se até se to rn a r a consciência do “ eu”. Q uando falais do “ eu”, é disso que falais. Ê le é a cristalização, a solidificação das lem bran­ ças de vossas reações, que são as reações da ex­ periência, das circunstâncias, crenças e ideais, 61 e depois de tornar-se um a m assa sólida, essa m em ória, êsse “ eu”, id entifica-se e confundese com a m ente. R efleti, p ara vos convencerdes disso. A consciência da p ró p ria pessoa, cu essa consciência do individual, o “ eu”, nada m ais C tju e IC iA C U ct jU IC a j l íO I ic t, e O C C U x jJ U , e tp C U a * o campo em que ela pode o perar e atuar. N essas condições, essa sólida m assa de reações não pode ser dissolvida, não pode dissolver a si m esm a recuando no tem po, pela análise, a aná­ lise do passado, porque essa m esm a retro sp ecção, essa análise do passado, é um a das p e c u lia ­ rid ad es da p ró p ria m em ória. Êsse p razer m ór­ bido de reafirm ar e renovar o passado no p re ­ sen te é a atividade constante, é o “ m e tie r” da m em ória, não é verdade? Não estou en u n cian ­ do um a sutileza, nem conceito filosófico. P o ­ deis verificá-lo, m editando um m inuto, e ve* rific a re is ser isso verdadeiro. E x iste essa m as­ sa de reações nascidas das condições, do am ­ biente, dos preconceitos, dos d iferen tes anseios, e o que m ais seja — e por conseqüência ex is­ te essa coisa que cham am os “ eu”. Acode-vos, em seguida, a idéia de que de­ veis dissolver o “ eu”, porque eu vos tenho fa ­ iado dessa necessidade. O u percebeis vós m es­ m os o absurdo e com eçais a desdobrar — co­ m eça a m em ória a desdobrar-se, regressivam en­ te, para o passado, num processo de auto-aná­ lise. Mas, se a ten tard es p ara isso, reconhecereis 62 que a m em ória se está entregando a um prazer doentio em renovar o passado no presente. Do m esm o modo, o fu tu ro da m em ória será m aior solidificação, em v irtu d e de novos desejos, no­ vas acum ulações de experiências e reações. P o r ou tras p alav ras: o tem po é m em ória ou consciência do “ eu”. Não podeis resolver ou dissolver a consciência do “ eu”, recuando para o passado. O passado é m era acum ulação de lem branças, e esquadrinhar o passado não é m eio de dissolver aquela consciência no p re­ sente. Não podeis dissolvê-la projetando-vos no fu tu ro — co n stitu íd o de novas acum ulações, novos desejos, novas reações e solidificações, que chamamos crenças, ideais e esperanças — êsse fu tu ro ainda envolto nas dobras do tem ­ po. E nquanto p e rd u ra r êsse processo da m e­ m ória como equivalente de passado e fu tu ro , nunca poderá a in telig ên cia o perar de modo com pleto e in te g ral no presente. A intuição, como em geral a entendem , ba­ seia-se no passado, na an te rio r acum ulação de lem branças, na a n te rio r acum ulação de expe­ riências, que representam um a sim ples adver­ tên cia a procederm os com cautela — ou em li­ berdade — no presente. E ssa atem poralidade, repito-o, não é p ara m im um conceito filo só fi­ co, é um a realidade, e podereis ver essa rea li­ dade se experim en tard es o que vos digo. Isto é, podereis vê-la, se não estiver entravada a 63 vossa m ente pela acum ulação do passado que cham ais m em ória e que funciona e vos guia no presente, im pedindo-vos o pleno uso da in te li­ gência e, p o r conseqüência, de viver de m anei­ ra com pleta no presente. N essas condições, a liberdade, ou a verd a­ de, ou D eus é o aliv iar da m ente, que ela pró­ p ria é inteligência, do fard o da m em ória. J á vos expliquei que entendo por m em ória não a lem brança de fatos ou falsidades, m as a carg a im posta à m ente pela consciência do “ eu ”, que é m em ória, e essa m em ória é a reação ao am ­ bien te não com preendido. A im ortalidade não é a perpetuação dessa consciência do “ eu ”, m ero resultado de um am biente falso, m as a liberdade da m ente, aliviada do fardo da m e­ m ória. 64 V E sta manhã, desejo falar do tem or, que cria» que to rn a necessária a compulsão, a influência. O ra, dividim os a m ente em pensam ento, ra ­ zão, in telecto ; mas, conform e já expliquei em m inha últim a fala, a m ente é, para mim, in te li­ gência, intelig ên cia que se cria, m as obscure­ cida pela m em ória; a m ente, que é in te lig ê n ­ cia, está obnubilada pela m em ória e co n fu n d i­ da com aquela consciência do “ eu”, resu ltad o do am biente. T orna-se, assim , a m ente escravi­ zada ao am biente que ela p ró p ria criou pelo desejo, e por isso ex iste continuam ente tem or. A m ente criou o am biente, e, enquanto não com­ preenderm os êsse am biente, tem de e x is tir o tem or. Não aplicam os por in teiro o pensam en­ to ao am biente e não tem os plena consciência dêle, e por essa razão torna-se a m ente escra­ vizada a êsse am biente e em conseqüência d is­ so existe o tem o r; e a com pulsão é o in stru ­ m ento do tem or. N essas condições, a fa lta de com preensão do am biente é, naturalm en te, oca- 65 sionada por aquela fa lta de inteligência, e p o r­ que não com preendem os o am biente, cria-se em conseqüência o tem or, e este to rn a necessária a influência, ex tern a ou interna. E como se cria essa contínua com pulsão, que se to rn o u o instrum ento, o p en etran te in s tru ­ m ento do tem or? A m em ória obscurece a m en­ te, e isso, já o disse repetidam ente, é re su lta ­ do da falta de com preensão do am biente, a qual gera conflito, e a m em ória se to rn a cons­ ciência do “ eu”. E ssa m ente, obscurecida, li­ m itada e confinada pela m em ória, busca a p er­ petuação do resultado do am biente, que é o “ eu ” ; dessarte, no em penho de p e rp e tu ar o “ eu”, pro cu ra a m ente adaptação, alteração ou m odificação do am biente, seu progresso e ex ­ pansão. A m ente está de contínuo procurando adaptação ao am biente; mas adaptação ao am ­ b ien te não traz com preensão, e tam bém não é possível perceber o significado do am biente m ediante unia sim ples m odificação das condi­ ções m entais ou pela ten ta tiv a de a lte ra r ou e x p an d ir aquêle am biente. P orque a m ente vive em constante busca de proteção, torna-se obs­ curecid a pela m em ória, estando esta já co nfun­ dida, id en tificad a com a consciência do “ eu ” — essa consciência individual que deseja perp etu ar-se; por essa razão procura a m ente a l­ te ra r, adaptar, m o d ificar o am biente, ou, por outra, a m ente procura to rn a r o “ eu’, segundo 66 pensa, im ortal, universal e cósmico. Não é assim ? N essas condições, buscando a im ortalidade, deseja a m ente, com efeito, a continuação des­ sa consciência do “ eu”, a perpetuação do am ­ biente. Isto é, enquanto estiver apegada a idéia da consciência do “ eu”, que é som ente fa lta de com preensão do am biente e, por conseqüência, da causa do conflito, e stará a m en­ te, nessa lim itação, na busca da p ró p ria perpe­ tuação, e essa perpetuação nós cham am os im or­ talidade, ou essa consciência cósmica, na qual subsiste o individual. E nquanto a m ente, que é inteligência, estiv er escravizada à m em ória, que é a consciência do “ eu”, haverá p ro cu ra do falso p ara o falso. Ê sse “ eu”, como já expliquei, é a falsa reação ao am biente; existe um a causa falsa em perene busca de um a solução falsa, um falso efeito, um falso resultado. A ssim , quan­ do a m ente, obscurecida pela m em ória, pro­ cura p erpetuar-se como consciência individual, o que ela busca é um a im ortalidade falsa, uma falsa expansão cósmica, ou como quer que o chameis. Nesse processo de perpetuação do “ eu”, essa m em ória apegada à pró p ria preservação, na perpetuação dêsse “ eu” nasce o tem o r — não o tem or superficial, mas o tem or fundam ental de que falarei m ais adiante. A faste-se êsse te ­ m or, que se m anifesta ex terio rm en te como na­ 67 cionalidade, progresso, realização, sucesso — afaste-se esse tem or fundam ental, êsse anseio de perpetuação do “ eu”, e cessarão todos os tem ores. E x iste , pois, o tem or só enquanto existe o desejo ae perpetuação aessa coisa faisa ; esse “ eu ” é falso, e conseqüentem ente deveis se n tir um a reação falsa, que é o tem or. E onde ex is­ te tem or, tem de e x istir disciplina, com pulsão, influência, dom ínio, ap etite de poder, o qual a m ente g lo rifica como coisa v irtu o sa e divi­ na. Mas, se refletird e s, haveis de perceber que onde existe in telig ên cia não pode e x istir a am­ bição de poder. O ra, tô d a vida é m oldada pelo co n flito e, p o rtan to , pela com pulsão, pela im posição de m andam entos e peias, considerados p o r alguns como ornam entos de v irtu d e e dignidade, por o u tro s ,' como coisas perniciosas e m alignas. Não é assim ? T ais são as inibições que vos im ­ pusestes, em vossa busca de perpetuação livre de tem ores. N essa busca criastes disciplinas, códigos e autoridades, e vossa vida é m oldada, governada e form ada pela compulsão, sob vá­ rias form as e gradações. U ns cham am essa com pulsão virtuosa, o utros m aléfica. T em os em p rim eiro lugar a com pulsão ex­ terio r, que é a coerção do am biente sobre o in­ divíduo. O indivíduo comum, êsse que cham a­ m os não evolvido, não esp iritu al, é governado 68 pelo am biente, pelo am biente exterior, isto é, a religião, os códigos de conduta, os padrões m orais, a auto rid ad e política e social; ele é es­ cravo dessas coisas, porque todas elas têm suas raízes nas necessidades econôm icas do indiví­ duo. E iim inai ue todo as necessidades econôm i­ cas das quais o indivíduo depende, e vereis desaparecer os códigos de conduta, os padrões m orais, os valores políticos, econôm icos e so­ ciais. Assim , pois, nessas inibições do am bien­ te exterior, que geram conflito en tre o indiví­ duo e o mesmo am biente ex terio r, que esma­ gam, deform am , contorcem o indivíduo, tornase este cada vez m enos intelig en te. O indivíduo, sem pre condicionado pelo am ­ biente exterior, m oldado por determ inadas re­ gras, leis, reações, preceitos, padrões m orais — qu an to m ais oprim ido êle é, tan to m enos in te ­ lig en te se torna. M as in telig ên cia é com preen­ são do am biente, percepção do seu sig n ifica­ do sutil, isenta de tô d a com pulsão. E ssas restriçõ es im postas ao indivíduo, as quais êle chama am biente exterior, têm por ex­ poentes os charlatães e os ex p loradores na re ­ ligião, na m oral popular, e na vida p o lítica e econôm ica do homem. E x p lo rad o r é o indiví­ duo que se serve de vós, consciente ou incons­ ciente, e o, quem, consciente ou inconsciente­ m ente, vos subm eteis, por fa lta de com preen­ são. V ós vos to rn a is os explorados, econômica, 69 social, política, relig io sam en te; êle, o explo ra­ dor. E é dêsse modo que a vida se to rn a uma escola, um a fôrm a, um a fôrm a de aço, cu ja con­ fig u ração o indivíduo é forçado a tom ar, to r ­ nando-se em conseqüência um a sim ples m áqui­ n a — U ili u í &i o a c iile u t m a q u in a , p iiv a d o úu pensam ento e rig id am en te lim itado. T orna-se a vida um a lu ta contínua, um a batalh a sem tré ­ gua, e foi assim que se firm ou a falsa idéia de ser a vida uma série de lições que cum pre apren d er, que cum pre assim ilar, para que o in ­ divíduo esteja prevenido e possa, am anhã, en­ fre n ta r de novo a vida, arm ado de suas idéias preconcebidas. T orna-se a vida, com efeito, um a escola, um a sim ples escola, e não um a coi­ sa p ara ser vivida — com deleite, com enlevo, com p lenitude, sem tem ores. O am biente e x te rio r força o indivíduo, com­ prim e-o nessa fôrm a de aço dos padrões de m oral, das idéias religiosas, dos m andam entos m orais, e, vendo-se esm agado pelo am biente ex terio r, busca o indivíduo refú g io num m un­ do que êle cham a in terio r. É n atu ral que a m en­ te, forçada, m oldada, p e rv e rtid a pelo am biente ex terio r, em penhada ex ternam ente num con­ flito constante, num a batalh a incessante, em contínuas adaptações falsas, afague esp eran ­ ças de tran q ü ilid ad e e felicidade, num m undo d ife re n te ; e constrói assim o indivíduo um ro ­ m ântico pôrto de salvação, no qual busca com­ 7a pensações p ara as privações e sofrim entos do m undo ex terio r. Mas, senhores, eu já vos disse que aqui es­ tais p ara in v estig ar e p a ra ju lg a r, e não p ara objetar. P odeis objetar, depois de ponderardes -- * 41 t • 1,, n ■ p XlXVXX w CtO Xi-i.JLii.XJ.o. o f j c u a V JLCIO, JL o deis erg u er barreiras, se o desejardes, mas ave­ rig u ai antes o que estou procurando tra n sm i­ tir-vos, e para ta l necessitais de c ritério apu­ rado, vigilância e inteligência. Como dizia, esm agado pelas circunstâncias exteriores, que geram sofrim ento, e desejoso de fu g ir a essas circunstâncias exterio res, cria o indivíduo um m undo in te rio r, começa a ela­ borar um a lei in te rio r e estabelece as suas p ró ­ p rias restrições, as quais cham a autodisciplina ou cooperação com o que ele ap ren d eu a deno­ m inar o seu “ eu ” superior. A m aioria dos indivíduos — desses que são cham ados “ e sp iritu a is” — lograram rep e lir a fôrça e a in flu ên cia ex tern as do am biente, m as elaboraram um a lei interio r, um padrão in te ­ rior, um a d iscip lin a in terio r, o que eles cha­ mam b aixar o “ eu” superio r ao in fe rio r; isso, em o utros têrm os, é m era su bstituição. A í está o que é autodisciplina. E h á tam bém o que se chama a voz in terio r, de fôrça e in flu ên cia m uito su p eriores às do am biente externo. Mas, afin al de contas, qual é a d iferen ça en tre uma coisa e o u tra — en tre o “ e x te rio r” e o “ in te ­ 71 r io r ”. Ambos controlam , pervertem a m en­ te , que é inteligência, com esse desejo de p e r­ petuação do “ eu”. E há, ainda, a cham ada intuição, a qual sig n ifica m eram ente a livre realização de vossas esperanças e desejos se­ creto». Povoaste», assim , o m uuuv íu té lio i, o que cham ais m undo in terio r, com essas coisas tô d as — autodisciplina, voz in terio r, intuição. P ensando bem, são tô d as elas form as su tis da­ quele mesmo conflito, tra n sp o rta d as p ara um m undo d iferen te, onde não existe en tendim en­ to, m as um m ero m oldar e a ju s ta r a um am ­ b ien te m ais sutil, ou, como diríeis, m ais espi­ ritu a l. A ssim como, no m undo exterior, alguns p ro ­ curaram e encontraram distinções sociais, as­ sim tam bém, no m undo in terio r, êsses in d iv í­ duos cham ados e sp iritu ais buscam som ente — e geralm ente encontram — os seus pares e os seus superiores esp iritu ais. O utrossim , ta l como existe, no m undo ex terio r, conflito en tre os in ­ divíduos, do mesmo modo se cria no m undo in te rio r um conflito e sp iritu a l en tre os ideais, os sucessos, e os correspondentes desejos. A í está o que se criou. No m undo e x te rio r não há possibilidade de expressão para a m ente, obscurecida que está pela m em ória; não h á tam bém para a consciên­ cia do “ eu ”, porque o am biente é m uito forte, m u ito poderoso, esm agador: nêle, ou vos adap­ 72 ta is ao m olde, ou vos despedaçais. C riais, assim* um a form a in terio r, um a form a m ais su til de am biente, no qual, e n tretan o t, se desenrola exa­ tam en te o mesmo processo. Êsse am biente criatio pui voa c u m r c f n o qual ,roz áb'1" g — ’ do am biente externo, e, nele, ten d es tam bém os vossos padrões, as vossas leis m orais, vos­ sas intuições, o “ eu” superior, a voz in te rio r — a que vos aju sta is incessantem ente. E is um fa tp inegável. E m essência, essas lim itações que cham a­ m os “ o e x te rio r” e “ o in te rio r”, nascem do de­ sejo, e p o r essa razão existe o tem o r; e do te ­ m or resu lta inibição, compulsão, in flu ên cia e am bição de poder — p u ras m anifestações e x te r­ nas do tem or. O nde ex iste tem or, não existe in teligência, e enquanto não houverm os com­ p reendido isso, tem de haver essa divisão na vida, isto é, “ o e x te rio r” e o “ in te rio r”, e por conseguinte as nossas ações são necessàriam ente influenciadas, forçadas, quer pelo “ ex­ te r io r ”, e portan to falsas, quer pelo “ in te rio r” , o que tam bém é falso, porquanto, no “ in te rio r” p ro cu rais tam bém, m eram ente, ajustar-vos a de­ term in ad o s padrões de o u tra ordem . C ria-se o tem or quando o falso busca a pró­ p ria perpetuação no am biente falso. M as que acontece com nossas ações, que são a nossa co nduta diária, com nosso pensam ento e nos­ sas emoções — que lhes acontece? 73 6 A m ente e o coração procuram am oldar-se ao am biente, ao am biente externo, mas, quando o não conseguem , por ser dem asiado fo rte a com pulsão, voltam -se p ara um a condição in te ­ r io r rtnql a mpntp o o pnriPÕn blISCam trSIt qüilid ad e e satisfação p erfeitas. Ou, de todo sa tisfe ito s com o p ró p rio bom êxito, econôm i­ co, social, religioso ou político, voltam -se p ara o in te rio r, no desejo de tam bém aí te r bom êxi­ to, te r sucesso, alcançar alg o ; m as ta l im plica necessariam ente uma culm inância, um o b jeti­ vo a alcançar, e essa culm inância ou objetivo se to rn a a condição à qual a m ente e o cora­ ção terão de aju star-se continuam ente. M as, entrem entes, que acontece aos nossos sentim entos, às nossas emoções, nossos pensa­ m entos, nossos afetos, nossa razão? Q ue lhes acontece, enquanto estais ocupados unicam en­ te em aju star, m odificar, a lte ra r? Q ue aconte­ ce a um a c o is a ... que acontece a um a casa, quando vos lim itais a decorar as suas paredes, em bora os alicerces estejam com balidos? O ra, os nossos pensam entos e nossas emoções tam ­ bém estão-se am oldando, alterando, m odifican ­ do de acordo com um padrão, seja o padrão ex­ tern o ou o padrão in te rn o ; ou em conform ida­ de com um a com pulsão externa, ou um a in ­ flu ên cia interna. De tal modo são as nossas ações lim itadas pela in fluência, que a razão se to rn a m era im itação de um padrão, m era adap- 74 tação a um a condição, e o am or um a o u tra fo r­ m a de tem or. T o d a a nossa vida — a fin a l a nossa vida são os nossos pensam entos, as nos­ sas emoções, nossas alegrias e pesares — tô d a ü ViCZZZ vida fica in p n m n lp + a fo rln i O tlO S S O p ensar ou expressão dessa vida se c ifra num a sim ples adaptação, num a m odificação — nunca é plen itu d e, nunca perfeição. E resu lta daí p ro ­ blem a sobre problem a, porquanto se pro cu ra adaptação a um am biente que varia incessantem ente, e conform idade a padrões que tam bém variam de contínuo. E prosseguis, assim , nes­ sa batalha, a qual cham ais evolução, p ro g res­ so da personalidade, expansão dessa consciên­ cia que é apenas m em ória. In v en tastes palavras para tran q ü ilizard es vossa m ente, m as co n ti­ nuais a luta. A gora, se realm ente m editard es sôbre isso — e ju lg o que te re is ocasião p ara tal, estes dias, aquêles d en tre vós que se deixarem ficar tranq u ilam en te p o r aqui — se reconhecerdes isso e, sem o desejo de alterar, sem o desejo de m odificar, ficard es a ten to s p ara esse am biente ex terio r, suas circunstâncias e condições, e f i­ cardes igualm ente aten to s p ara o m undo in te ­ rior, em que existem as m esm as condições e cir­ cunstâncias, a que destes todavia nom es m ais su tis e suaves — se ficard es realm ente aten to s p ara tudo isso, com eçareis então a com preender o verdadeiro significado do “ e x te rio r” e do “ in- 75 te rio r”, pois nesse caso haverá percepção im e­ diata, a libertação da v id a; a m ente se to rn a rá então inteligência, operando com n atu ralid ad e, fecundam ente, livre daquela batalha constante. a tv t-3 ! o rs í n t o l i V í - — ~ obstáculos, e porque com preenderá êsses obstá­ culos, será p e n e tran te ; não haverá adaptação, nem m odificação, mas, som ente, com preensão. E, p o rtan to , não dependerá a m ente nem do “ ex­ te r io r ” nem do “ in te rio r”, e nesse percebim ento não e x istirá desejo, nem anseio, m as a p e r­ cepção do que é verdadeiro. N a percepção do verdadeiro, não pode haver desejo. Q uando existe um desejo, já está a m ente obscurecida, já está pervertid a, porquanto ela se id en tifica cofn um a coisa e re je ita a o u tra — pois, onde existe desejo não h á com preen­ são. Mas, quando a m ente não se id en tifica com o “ eu ” e se to rn a consciente do “ e x te rio r” bem como do “ in te rio r”, das divisões sutis, das d i­ fere n te s emoções, das delicadas nuanças da m ente, dividida em m em ória e in telig ên cia então, com essa percepção, apreciareis o p le ­ no significado do am biente, por nós criado, atrav és dos séculos — tan to daquele am biente que chamamos ex terio r, como do outro, que cham am os in terio r, am bos os quais se m o d ifi­ cam continuam ente, ajustando-se um ao outro. O que agora vos in teressa é som ente m odi- 76 ficação, alteração, adaptação, e por isso tem de haver tem or. O tem o r tem por in stru m en to a com pulsão, e esta existe som ente n a ausên­ cia da com preensão, quando não funciona nor­ m alm ente a inteligência. 77 VI F arei, em prim eiro lugar, um a breve pales­ tra , respondendo a seg u ir a algum as das p e r­ g u n tas que me foram apresentadas. T ive ontem ocasião de apreciar am plam en­ te a idéia de tem or e a m aneira como êle gera com pulsão; hoje d issertarei, resum idam ente, sôbre a m aneira como a in su ficiên cia cria a com pulsão. O nde há insuficiência, existe o de­ sejo de guia, de autoridade, dessa influ ên cia m odeladora que se cham a tradição, trad ição que já não é pensam ento, m as tem apenas a fu n ­ ção de guia. P a ra mim, a tradição deveria ser um m eio de d esp ertar o pensam ento, não um m eio de sufocá-lo, aniquilá-lo. O nde há in su ­ ficiência, tem de e x istir com pulsão; e dessa com pulsão nasce um determ inado modo de vida, ou um m étodo de ação, de onde nova luta, novos conflitos, novos sofrim entos. Isto é, quando, consciente ou inconscientem ente, o in ­ divíduo sente o p u n g ir da insuficiência, cornase inevitável o conflito, torna-se inevitável um 78 sentim ento de desdita, de su perficialidade, de vacuidade, um sentim ento da to ta l in u tilid ad e da vida. P ode o indivíduo não te r consciência dessa insuficiência, ou pode e sta r consciente dela. A ssim , pois, quando existe insuficiência, que se passa na m ente? Que acontece quando nos tornam os cônscios dessa vacuidade, dessa su p erficialid ad e in te rio r? Que fazemos, quan­ do sentim os, quando damos fé dessa inanidade, dêsse vazio em nós? D esejam os preenchê-lo e saím os à pro cu ra de um padrão, um m odêlo criado por o u trem ; copiam os, seguim os êsse padrão, disciplinam o-nos nesse m olde talhado por outrem , esperando preencher, de tal modo, êsse vácuo, essa su p erficialid ad e de que nos tornam os m ais ou m enos conscientes. Começa então êsse padrão, êsse m olde, a in ­ flu en ciar as nossas vidas, obrigando-nos a a ju s­ tar-n o s a êle, a a ju star-lh e nossas m entes, co­ rações e ações. Começamos, dessarte, a viver, não no âm bito de nossa p ró p ria experiência, de nossa com preensão, m as segundo a ex p res­ são, as idéias, as lim itações de o u tra pessoa. Ê isso o que acontece. Se m editardes um pouco nisso, vereis que, sentindo essa insuficiência, começamos a re je ita r a nossa p ró p ria expe* riên cia e a com preensão dessa experiência e a im itar, a copiar, a viver segundo a ex­ periência de outro. E quando tem os os olhos 79 na experiência de outrem e não vivem os se­ gundo nosso entendim ento, advém, n a tu ra l­ m ente, m ais e m ais insuficiência, m ais e m ais c o n flito ; mas, por o u tro lado, se nos dispo­ m os a viver segundo nossa p ró p ria ex p eriên ­ cia e com preensão, estabelecem os tam bém unj ideal, um ou tro padrão, e segundo êsse padrão inoldam os as nossas vidas. Suponham os que d ig ais p ara vós m esm os: “ Não quero depender da experiência de outro, m as viver segundo a m inha”. — N esse caso, po­ sitivam ente, já criastes um m olde p a ra a êle vos aju stard es. Q uando d izeis: “ V ou viver pela m inha p ró p ria ex p eriên cia”, estais já im pon­ do um a lim itação ao vosso pensam ento, p orque esta idéia de que p recisais viver segundo vosso p ró p rio entendim ento, cria com placência, o que é apenas ineficaz ajustam ento, conducente à estagnação. M uitas pessoas dizem te r decidido re je ita r o padrão extern o que constantem ente copiam e viver segundo o próprio entendimer*to. D izem elas: “ Farem os som ente o que com­ preenderm os” — e criam dèsse modo um pa­ drão, com que e n tristecem as suas vidas. E que acontece então? Sentem -se satisfeitas, cada vez m ais, entrando, assim, em len ta decom posição. P a ra elim inar essa insuficiência, voltam onos p ara a sim ples ação, porque, quando ex iste in su ficiên cia e vácuo, nosso desejo único é preen ch er êsse vácuo, e p ara tal recorrem os à 80 ação. M as que fazemos, recorrendo a um a ação p ara preen ch er essa insuficiência? T entam os, apenas, m ediante acum ulação, preen ch er aque­ le vazio, o que sig n ifica que não tentam os descobrir a causa da insuficiência. (^ue acontece quando vos s e n u s incom ple­ tos? P ro cu rais p reencher a insuficiência, p ro ­ curais enriquecer-vos interio rm en te, e ju lg a is que p ara assim enriquecerdes, para vos to rn a r­ des com pletos, precisais de reco rrer a outrem , e começais, pois, a a ju s ta r os vossos pensam en­ to s e sentim entos às idéias e à experiência d e outrem . M as isso não vos d ará aquela riqueza, isso não vos tra rá su ficiên cia ou preenchim en­ to. E dizeis, então, p ara vós m esm os: “ V o u p ro cu rar viver segundo m eu p ró p rio en te n d i­ m ento” — o que, como já apontei, ap resen ta perigos, visto que conduz à com placência. E se reco rrerd es à sim ples ação, dizendo: “ P ro ­ cu rarei agir, en tre os hom ens, por m aneira que possa enriquecer in terio rm en te, com pletar-m e” — estareis de novo procurando p reen ch er o va­ zio m ediante substituição. Mas se vos to rn a r­ des a t e n t o s pela ação, descobrireis então a cau­ sa da insuficiência. Istp é, em vez de p ro c u ra r­ des preenchim ento, cçareis ação pela in te li­ gência. Mas, que é ação? Bem considerada, ela é aquilo que pensam os e sentim os. E enquanto não tiv erd es percepção de vosso pensam ento, 81 de vossos sentim entos, tem de haver in su fi­ ciência, e por m aior que seja a vossa ativ id a­ de e x te rio r não conseguireis o preenchim ento. Isto é, só a in telig ên cia pode elim inar aquela vacuidade, não a acum ulação; e a inteligência, como ja irisei, e a harm onia p e rte ita da m en­ te e do coração. Assim , pois, se com preender­ des o funcionam ento de vosso p róprio p ensar e das vossas p ró p rias emoções e, dêsse m odo, com essa ação, vos to rn a rd es atentos, d esper­ ta r á então a inteligência, que elim inará a in su ­ ficiência, não procurando su b stitu í-la pela su­ ficiência, pela p lenitude, porque a inteligência, ela própria, é p lenitude. N essas condições, onde existe p le n itu d e não pode e x istir com pulsão. Mas a desarm onia, a in su ficiên cia prom ove separação en tre a m en­ te e o coração. Não é assim ? Q ue é desarm onia? É a percepção da distinção en tre o que p ensais e o que se n tis, d istinção em que n atu ralm ente existe conflito. Mas, para mim, p ensar e se n tir são a m esm a coisa. A ssim , pois, envoltos em co n flito e desarm onia, e tendo separado a m en­ te dos sentim entos, efetuam os nova divisão, se­ parando a m ente da in telig ên cia — da in te li­ gência que, para mim, é verdade, beleza, amor. Isto é, o conflito que, conform e já expliquei, é a lu ta en tre o resu ltad o do am biente, a cons­ ciência do “ eu”, e o pró p rio am biente — o con­ flito en tre o resu ltad o do am biente e o p ró p rio 82 am biente m otiva luta, que produz desarm onia. Separam os a m ente dos sen tim en to s e, feito isso, passam os a sep arar a in telig ên cia da m en­ te e do coração, que para m im são um a só coi­ sa. In te lig ê n c ia é pensam ento e sentim ento em p e ríe ita harm onia, e, p o rtan to , a m teíigencia é a p ró p ria beleza, inerentem ente, e não uma coisa para ser procurada. Sem pre que há intenso conflito, g ra nde d e­ sarm onia, sem pre que existe um vivo se n tim e n -1 to de~vacuidade, ocorre a busca de beleza, ver­ d a de, amor, p ara in fluenciarem e o rien tarem as nossas vidas. Isto é, conscientes dessa vacuidade, ex tern ais o b elo na n atu reza, n a arte, na m úsica, e começais a ro d ear-vos artificia lm e nte dessas expressões, em ordem a que se to r­ nem, n a nossa vida, influ ên cias p a ra a aquisi­ ção de apuram ento, c u ltu ra e h arm onia. Não é isso o que se passa na m ente? Como disse, em face do conflito, separam os a in telig ên cia da m ente e dos sentim entos, sobrevindo aquele sentim ento de insu ficiên cia e vacuidade. Co­ meçamos, então, a pro cu rar a felicidade, o preenchim ento na arte, na m úsica, na natureza, nos ideais religiosos, e começam essas coisas a in flu en ciar as nossas vidas, a governar-nos, do­ m inar-nos, guiar-nos, e esperam os por ta l m a­ n eira a tin g ir aquela p len itu d e ; esperam os, com a acum ulação de experiências positivas, capa­ citar-nos para dom inar a desarm onia e o con­ 83 flito . Isso é afastar-se cada vez m ais da in te li­ gência, e p o rtan to da verdade, da beleza e do am or, que são a p len itu d e mesma. Isto é, sentindo a nossa insuficiência, im ­ perfeição, começamos a acum ular, esperando com pletar-nos com essa coineita de ex periencia e a utilização das idéias e padrões de ou­ tra s pessoas. E n tre ta n to , para mim, a in su fi­ ciência só desaparece quando atu a a in te lig ê n ­ cia, que é, ela m esm a, a beleza e a verdade. N ão poderem os perceber ta l coisa enquanto es­ tiv erem separados a m ente e o coração, e êles se separam em v irtu d e do conflito. Separam os a in telig ên cia da m ente e do coração, desenro­ lando-se, continuam ente, êsse processo de se­ paração e pro cu ra de preenchim ento. M as o preenchim ento está na p ró p ria inteligência, e d e sp ertar essa in telig ên cia é descobrir o que cria desarm onia e, pois, divisão. Q ue cria desarm onia em nossas vidas? A fa lta de com preensão do am biente, das circu n s­ tâncias. Q uando com eçais a in v estig ar e a com­ p ree n d er o am biente, seu pleno valor e signifiçad o , nao ten tan d o copiá-lo, nem seg u i-lo, n em ajustar-vos a êle, nem fu gir-lhe, nasce en­ tão a in teligência, que é beleza, verdade e am or. ~~ P e r g u n t a : Q ue s e r ia m e lh o r em v o s s a o p i n i ã o : T o r n a r - m e d ia c o n is a d a I g r e j a 84 P r o t e s t a n t e E p i s c o p a l , o u s e r ia e u m a i s ú t i l à h u m a n id a d e p e r m a n e c e n d o c o m o so u ? K r i s h n a m u r t i iu i a ü Cí j LcX p c i g u n l c t : u ta tja Presum o que a auüdUCl coxxxo puuc ser ú til à hum anidade, e não se deve ligar-se a esta ou àquela igreja, o que pouco im porta. Como pode alguém ser ú til à hum anidade? C ertam ente, deixando de criar novas divisões sectárias, deixando de criar m ais nacionalism o. O nacionalism o, em ú ltim a análise, é apenas o desenvolvim ento, o efeito de explorações eco­ nôm icas ; e as religiões são as cristalizações de certos conjuntos de crenças e doutrinas. Se alguém deseja realm ente ser ú til à hum anida­ de, não o conseguirá, na m inha opinião, por m eio de qualquer religião organizada, seja o cristianism o ou o hinduísm o, com suas inum e­ ráv eis seitas, ou qualquer o u tra religião. E las são, com efeito, p erniciosas divisões do e sp íri­ to, da hum anidade. E julgam os, todavia, que, se todo o m undo se torn asse cristão, adviria en­ tão a fra tern id a d e das religiões e a unidade da vida. P a ra mim, a religião é o falso resu lta ­ do de um a causa falsa, sendo essa causa o con­ flito e a religião um sim ples m eio de escapar do conflito. A ssim sendo, quanto m ais se de­ senvolverem e fo rtificarem as divisões sectá­ ria s da religião, ta n to m enos fra tern id a d e ha­ verá, e quanto m ais se fo rtalecer o nacionalis- 85 mo, ta n to m ens, m enos união haverá en tre os ho­ P e r g u n t a : A c o b iç a é p r o d u to tU JublC iU G \JU U c LU tX ÍU JLC U jcLIáU íJ U cU IcU do 4 K r i s h n a m u r t i : Q ue é n atu reza h u ­ m ana? Não é ela tam bém prod u to do am bien­ te? P o r que separá-los? E x iste um a ta l coisa de n atu reza hum ana separada do am biente? J u l ­ gam alguns a rtific ia l a distinção en tre n a tu re ­ za hum ana e am biente, porque, dizem , m edian­ te alteração do am biente, será possível m odi­ fic a r e m oldar a n atu reza hum ana. Bem consi­ derada, a cobiça é m ero resu ltad o do am bien­ te falso e, por conseqüência, da p ró p ria n a tu ­ reza hum ana. Q uando o indivíduo pro cu ra com preender o seu am biente, as condições em que vive, en­ tão, porque existe in teligência, não pode exis­ t i r cobiça. Não é, pois, a cobiça um vício ou pe­ cado que cum pre subjugar. Não com preendeis e não m o dificais o am biente que p roduz a co­ biça, mas tem eis o seu resu ltad o e o cham ais pecado. T odavia, a m era busca de um am bien­ te p erfeito e, portanto, de um a n atu reza hum a­ na p erfeita, não pode d esp ertar a in te lig ê n c ia ; m as onde existe in teligência, ex iste a com­ preensão do am biente e por conseguinte isen­ ção de suas reações. O ra, o am biente ou a so- 86 ciedade força-vos, im pele-vos à proteção pró­ pria. Mas, se com eçardes a com preender o am ­ biente que p roduz a cobiça, então, ao verdes o significado do am biente, se desvanece a cobi­ ça e l l ã u d a u u a u i u i o p c l u a c u u ^ o a i - u . P e r g u n t a : S e g u n d o e n te n d o , v ó s a fir ­ m a is q u e o c o n flito c e ssa , q u a n d o o e n fr e n ta ­ m o s s e m o d e s e jo d e fu g ir - lh e . A m o u m a p e s ­ so a q u e n ã o m e a m a , e s in to - m e s o litá r io e i n ­ f e l i z . C r e io s i n c e r a m e n t e q u e e s t o u e n f r e n t a n ­ d o o c o n flito e q u e n ã o e s to u p r o c u r a n d o f u ­ g ir; e n tr e ta n to , c o n tin u o s o litá r io e in fe liz . N ã o p r o d u z iu , p o is, e fe ito o q u e d is s e s te s . P o ­ d e i s e x p li c a r - m e p o r q u ê ? K r i s h n a m u r t i : B uscais, talvez, nas m inhas palavras um m eio de fu g a ; talvez quei­ rais servir-vos delas para preencherdes a vos­ sa p ró p ria vacuidade. Ora, dizeis haver enfren tad o o conflito. Será que o e n fren tastes de fato? D izeis am ar um a pessoa; m as a verdade é que q uereis pos­ su ir essa pessoa, e é por isso que ex iste con­ flito . E porque desejais possuir? P orque ju l­ gais encontrar, na posse, a felicidade e a ple­ nitu d e. O au to r da p e rg u n ta não en fre n to u real­ m ente o problem a. Ê le deseja possu ir um a cer­ ta pessoa, lim itando com isso a sua p ró p ria 87 afeição. Porque, em suma, quando am am os alguém , nesse am or existe do sentim ento de posse. Tf „nos em siões, raras, aliás, esse sentim ento realm ente a isenção dadas oca­ de intensa afeição em que uão e x is it a c m a i d ue jjtjoauu., de conquistar. E isso nos reconduz ao que d is­ se há pouco, isto é, que e x istirá ânsia de pos­ s u ir enquanto houver insuficiência, fa lta de r i­ queza in terio r. E essa riqueza in te rio r se en ­ contra, não com acum ulações, mas na in te lig ê n ­ cia, na ação v ig ilan te em presença do co n flito causado pela falta de com preensão do am biente. P e r g u n t a : O s im p le s fa to d e v ir m o s a q u i p a ra o u v ir -v o s n ã o f a z d e v ó s u m m e s tr e ? E n tr e ta n to , d iz e is q u e não d e v e m o s te r m e s tr e s . D e v e m o s , e n tã o , d e i x a r d e v ir ? K r i s h n a m u r t i : D eveis d eix ar de v ir aqui, se estais fazendo de m im vosso m es­ tre e guia. Se estou criando nas vossas vidas tim a influência, se com m inhas p alavras e ações vos estou com pelindo a um a determ in ad a ação, deveis, então, m anter-vos afastados de mim, porque o que digo não tem valia nem sig n ific a ­ ção para vós, pois ire is fazer de m im um m es­ tre para vos explorar. E em ta l coisa não pode h aver com preensão, nem riqueza, nem enlêvo, m as, som ente, tris te z a e vacuidade. Se, e n tre ­ tan to , vindes escutar-m e p ara desco b rird es a 88 m aneira de d esp ertar a inteligência, não sou, então, vosso explorador, m as um m ero episó­ dio um a sim ples ocorrência na vossa vida, na qual vos é dada a possibilidade de com preen*~ r, t a n *- a rv n o YOS PÇCrpW - zado. M as a m aioria dos indivíduos querem m es­ tres, querem guias, querem senhores, seja nes­ te plano físico ou em outro plano qualq u er; querem ser guiados, im pelidos, in fluenciados a proceder retam ente, a ag ir retam ente, p o r­ que, em si próprios, não têm com preensão. Não com preendem o am biente, não com preendem as várias sutilezas dos p róprios pensam entos e em oções; sentem por isso que, seguindo ou­ trem , alcançarão o preen ch im en to ; o que, como já ontem disse, é o u tra form a de com pul­ são. Como há um a com pulsão a vos fo rç a r para uma determ inada rotina, porque não existe in­ teligência, p rocurais m estres, p ara serdes in ­ fluenciados, guiados, m oldados, no que tam ­ bém não há inteligência. In te lig ê n c ia é a ver­ dade, a plen itu d e, a beleza e o am or mesmo. E nenhum m estre nem discip lin a algum a vos conduzirão a ela. P orque essas coisas, tôdas, são form as de com pulsão, m odificações do am ­ biente. Som ente quando com preendeis plena­ m ente o significado do am biente e percebeis o seu valor, som ente então desponta a in te li­ gência. 89 7 P e r g u n t a : C o m o se p o d e d e te r m in a r o q u e d e v e r á p r e e n c h e r o v á c u o c r ia d o p e la e l i ­ m in a ç ã o da c o n s c iê n c ia p e s s o a l? K r i s h n a m u r t i : Senhor, porque de­ sejais elim inar a consciência individual? P o r­ que ju lg a is im portante dissolver a consciência individual, esse “ eu”, essa lim itação eg o tista? P orque ju lg a is necessária tal coisa? Se a dizeis necessária porque am bicionais a felicidade, nesse caso, su bsistirá, do mesmo modo, essa consciência individual, essa lim itada caracte­ rístic a do “ ego”. M as se d isserd es: “ Percebo um conflito, m inha m ente e m eu coração es­ tão cativos da desarm onia, m as percebo a causa da desarm onia, a qual causa é a fa lta de com­ preensão do am biente que criou aquela cons­ ciência in d iv id u al” — não haverá, então, vazio a preencher. E sto u quase a crer que o a u to r da p e rg u n ta não com preendeu, em absoluto, o que acabo de dizer. D eixai-m e, pois, explicá-lo, m ais um a vez: O que cham am os consciência individual, ou consciência do “ eu ”, nada m ais é que o re su l­ tado do am biente; isto é, quando m ente e co­ ração não com preendem o am biente, as circu n s­ tâncias, as condições em que se enco n tra um indivíduo, então, em v irtu d e dessa fa lta de com preensão, gera-se o conflito. A m ente se obscurece por êsse conflito, e êsse contínuo 90 conflito cria a m em ória e se id en tifica com a m ente, solidificando-se, assim, a idéia do “ eu”, a consciência do “ ego”. E resu lta daí m ais con­ flito , m ais sofrim ento e dor. M as a com preena c tu u a a ^ jl à c u i i a i . < a . n c i . c 4c>, u u x n tio , u c ti» que criam esse conflito, não se adquire pela substituição, porém pela in teligência, que é m ente e am or — essa intelig ên cia que se recria perenem ente, que está em m ovim ento perp é­ tuo. E para mim isso é a eternidade, um a rea­ lidade atem poral. Mas, em vez disso, procurais a perpetuação daquela consciência que é resultado do am bien­ te, a qual cham ais “ eu”, e êsse “ eu” só poderá desaparecer quando houver com preensão do am biente. É só então que funciona norm alm en­ te a inteligência, sem freios nem com pulsões. Só então fin d a essa terrív e l luta, essa busca do belo, do verdadeiro, e a b atalha constante do am or que quer possuir, porque in telig ên cia é plenitude. 91 V II Vamos, por um m om ento, im aginàriam ente pelo m enos, contem plar o m undo de um ponto de v ista que nos revele as ações in tern as e as ações ex tern as do homem, suas criações e suas b atalh as; e, se por um m om ento, o p u derdes im aginar, que se desco rtin a aos vossos olhos? V edes o homem aprisionado por m u ralh as in u ­ m eráveis, m uralhas de religião, de lim itações sociais, políticas e nacionais, m uralhas criadas pelas suas p róprias am bições, aspirações, tem o­ res, esperanças, precauções, preconceitos, ódio e amor. D entro dessas b arreiras está êle cativo, lim itado pelos m apas coloridos das fro n te iras nacionais, pelos antagonism os raciais, pelas lu ­ tas de classe e distinções de grupos cu ltu rais. V edes o homem, pelo m undo todo, a p risio n a­ do, enclausurado pelas lim itações, pelas m u ra­ lhas que êle p róprio criou. A través dessas m u­ ralh as e através dessas clausuras, pro cu ra êle ex p ressar o que sente e ó que pensa, e d en tro delas êle atua, en tre aleg rias e tristezas. 92 V edes, pois, o homem, em todo o m undo, prisioneiro, encerrado nas m uralhas de sua p ró p ria criação, nas m uralhas que êle próprio c o n s tru iu ; e através dessas clausuras, através dessas m uralhas do am biente, atrav és da lim i­ tação de suas idéias, ambições e aspirações — através dessas coisas procura êle atu ar, às vêzes com bom êxito, ou tras vêzes, porém , com lu ta m edonha, E o hom em que lo g ra conquis­ tar, naquela prisão, um a situação confortável chamamos vencedor, e chamamos vencido o que nela sucumbe. M as tan to o bom êxito como o m alogro ocorrem no in te rio r das m uralhas da prisão. P ois bem. Q uando contem plais o m undo por essa m aneira, vedes o homem d en tro desa lim i­ tação, dessa clausura. E que é esse homem, que é essa individualidade? Q ue é o seu am biente, e que são as suas ações? É sobre isso que de­ sejo falar hoje. A ntes de tudo, que é a individualidade? Q uando dizeis “ sou um indivíduo”, que que­ reis dizer com isso? Ju lg o que q uereis dizer — sem rec o rre r a su tis explicações filosóficas ou m etafísicas — ju lg o que com o term o i n d i ­ v i d u a l i d a d e ojuereis designar o sentim ento de separação e a expressão dessa consciência iso­ lada, a qual denom inais expressão individual. Isto é, individualidade é o pleno reconheci­ m ento e o pleno sentim ento da ex istên cia de 93 pensam ento separado, sentim ento separado, li­ m itados e m antidos na servidão do am biente; e a expressão dêsse pensam ento lim itado, dêsse sentim ento lim itado, os quais são em essência um a só coisa, se cham a expressão individual. F,«sa evnressão nrónria. Ho indivíduo mie é apenas o sentim ento de separação, é um as ve­ zes forçada e com pelida pelas circunstâncias a seg u ir um a d eterm inada senda; o u tras vêzes, a despeito das circunstâncias, expressa-se in te ­ ligência, que é o viver criador. Isto é, como in­ divíduo, tornou-se o hom em cônscio de sua ação separativa, sendo com pelido, forçado, ads­ trito , instigado a a tu a r p o r um a d eterm inada senda, a qual não lhe é dado, em absoluto, es­ colher. A m aioria das pessoas são forçadas a en treg ar-se a trabalhos, atividades, profissões, p ara as quais por form a nenhum a estão ta lh a ­ das. Passam o resto da existência batalhando co n tra essas circunstâncias, dispersando assim tô d as as energias em lutas, dores, sofrim entos, e, tam bém, prazeres ocasionais. O utros hom ens rom pem as lim itações do am biente, depois de com preenderem o seu verdadeiro significado, passando a viver intelig en tem en te, em ativ id a ­ de criadora, seja no m undo da arte, da ciência, seja nas profissões, sem o sentim ento de sepa­ ração por meio da expressão. É m uito rara essa expressão de in te lig ê n ­ cia criadora, e em bora ten h a a aparência de in- 94 d ividualidade ou ação separativa, p ara m im ela não é individualidade, porém inteligência. Q uando opera a verd ad eira in teligência, não h á consciência da in d iv id u alid ad e ; mas, quando ex iste frustração, esforço e lu ta co n tra as cir­ cunstancias, existe a consciência da ind iv id u a­ lidade, que não é inteligência. Ao homem que atu a in telig en tem en te e que está, portanto, livre das circunstâncias, a tr i­ buím os poder criador, chamamo-lo divino. P ara o homem encerrado num a prisão, o hom em li­ berto, o hom em in telig en te, é qual um deus. Não é necessário, pois, discorrerm os sôbre ê s se 1 hom em que está livre, porque não estam os in ­ teressados nêle — êle não interessa à m aioria das pessoas, e não vou, por isso, falar a resp ei­ to dessa liberdade, porquanto a libertação, a d i­ vindade, só poderá ser com preendida e reco­ nhecida depois de d eixardes a prisão. Não po­ deis com preender a divindade fechados num a prisão. É por isso de todo in ú til, é p u ra espe­ culação m etafísica ou filosófica, d isco rrer so­ bre a essência da libertação, da divindade, de D eus, porque o que agora fordes capazes de d isc e rn ir como sendo Deus, há de ser lim ita­ do, porquanto a vossa m ente está circu n scrita, m antida em servidão; po r isso, não vou descre­ v er tal coisa. E nquanto estiver sendo co n trariad a essa ex­ p ressão espontânea e in te lig e n te que chama- 95 mos vida e que é aquela delicada realidade, te n ­ derá som ente a acentuar-se a consciência do indivíduo. Q uanto m ais b atalh ard es co n tra o am biente, sem com preensão, quanto m ais lu ­ ta rd e s co n tra as circunstâncias, tan to m ais viV 2I T ' e r ’ 4"<' cp c f n r c n w n ç c s U m itação. Não suponhais, agora, que o con trário des­ sa consciência lim itada equivalha à an iq u ila­ ção com pleta, ou à atuação m ecânica, ou à a ti­ vidade coletiva. E stou-vos m ostrando a causa da individualidade, como a indiv id u alid ad e su rg e ; m as com a dissipação, a desaparição da­ quela consciência, lim itada, não se segue que vos ten h ais de m ecanizar ou que deva haver um funcionam ento coletivo centralizado n a vontade de um só indivíduo d ete n to r do poder. P orque a in telig ên cia é livre do p articu lar, que é o indivíduo, bem como do coletivo (pois, a fi­ nal, o coletivo é som ente a m ultip licid ad e de indivíduos) e em vista do desaparecim ento des­ sa consciência lim itad a que chamamos in d iv i­ dualidade, não se segue que vos ten h ais de m e­ canizar ou to rn a r m assa coletiva; segue-se, an­ tes, que estará em função a inteligência, a qual é cooperativa, não d estru tiv a, nem in d iv id u a­ lista ou coletiva. T odo homem, pois, está sendo contrariado, e cônscio de sua individualidade, fu n cio n a e atu a no am biente e p o r m eio do am biente, ba­ 96 talhando contra êle e despendendo esforços colossais para aju star, m odificar, a lte ra r as cir­ cunstâncias. Não é isso o que estais todos fa ­ zendo? Sois co n trariad o s no vosso amor, na vossa profissão, nas vossas ações, e n a lu ta c o n t * * '’! as v o ssa s F u n ^ a ç õ ?« a g u ç a - « !? n v o ssa consciência individual e começais a m o d ificar e a lte ra r as circunstâncias, o am biente. Q ue acontece então? A um entais, sim plesm ente, as m uralhas de resistência, porque tô d a m o d ifi­ cação ou alteração é m ero resu ltad o da falta de com preensão; quando com preendem os, não tentam os m odificar, alterar, reform ar. A ssim , pois, na m odificação, no aju stam en ­ to, na alteração, no esforço p a ra rom per as li­ m itações, as m uralhas, consiste o que cham ais atividade. P ara a v asta m aioria das pessoas ação sig n ifica unicam ente m odificação do am­ biente, mas tal ação tem por efeito aum entar as m uralhas da p risão ou lim itar o am biente. Se não com preendeis algum a coisa e te n ta is som ente m odificá-la, vossa ação deverá neces­ sariam ente aum entar as barreiras, c o n stru ir novas séries de b a rre ira s; vossos esforços têm unicam ente o resu ltad o de refo rçar a prisão. E essas barreiras, essas m uralhas chama o ho­ mem am biente; e o m ovim ento que se observa no seu in te rio r chama-se ação. Não sei se expliquei bem isso. F altan d o -lh e a com preensão do significado do am biente, 97 lu ta o hom em por alterar, m o dificar êss<?« am­ biente, com o que to rn a m ais altas as m uralhas de sua prisão, em bora ju lg u e havê-las a fa sta ­ do. E ssas m uralhas são o am biente sem pre em m utação, e para êsse homem ação sig n ifica apenas m odificação de ta i am biente. A ssim , pois, nunca h á libertação, nem p reen ­ chim ento, nem enriquecim ento em tal ação; o que há é som ente um tem or crescente, e ja ­ m ais preenchim ento. A m ultiplicação de pro­ blem as enche tô d a a existência do indivíduo. J u lg a is haver resolvido um problem a, e logo su rg e outro no seu lugar, e assim prosseguis até o fim da vida, e quando não há m ais p ro ­ blem as a resolver, dizeis então que é a m orte. Q uando já não existe possibilidade de um novo problem a, n atu ralm en te para vós essa coisa é aniquilam ento e m orte. O utrossim , as vossas afeições, o vosso am or, não são êles nascidos do tem or, angu stiad o s pelo ciúme, pela suspeição, e oprim idos pela ânsia de possuir? A ssim é, porque ta l amor nasceu do desejo de possuir, nasceu da in su fi­ ciência, da ausência de plenitude. E, nessas con­ dições, o pensam ento é m era reação à lim itação, ao am biente. Não é assim ? Q uando dizeis “ eu penso’", “ eu sin to ”, estais reagindo co n tra o am* b iente, e não ten tan d o penetrá-lo. M as, in te li­ gência é o m ovim ento que p en etra o am bien­ te, e não reação ao am biente. Isto é, quando 98 dizeis “ eu penso”, quereis dizer que possuís de­ term inadas ordens de idéias, crenças, dogm as e d o utrinas. E como um anim al am arrado a uma estaca vagueia d en tro do com prim ento da cor­ da, assim tam bém m ovim entais-vos d en tro das li­ m itações dessas crenças, dogm as e credos. P o si­ tivam ente, isso não é pensar. T al coisa exprim e unicam ente as vossas reações à servidão, às crenças, dogm as e d o u trin a s; essas reações pro* vocam um esforço, um conflito, e ta l conflito cham ais pensar, m as isso equivale a dar voltas d en tro das m uralhas de uma prisão. V ossa ação é p u ra reação a essa prisão, produzindo m ais tem ores, m ais lim itações, não é assim ? Q uando falam os de ação, que querem os d i­ zer? M ovim ento, d en tro da lim itação do am ­ biente, m ovim ento lim itado por um a idéia fixa, um preconceito fixo, dogm a ou credo. T a l mo­ vim ento, den tro de ta l lim itação, vós cham ais ação. N essas condições, quanto m ais agis, ta n ­ to m ais vos p rivais da in telig ên cia e da liber­ dade, porque ten d es sem pre esse ponto fixo de salvação, de segurança, êsse dogm a ou cre­ do; e como as vossas ações partem desse pon­ to, criais, está visto, som ente novas lim itações, novas m uralhas restritiv a s. Não é então cria­ dora a vossa ação; ela não nasce da in te lig ê n ­ cia, que é a p len itu d e mesma. C onsequente­ m ente, ela não é acom panhada nem de alegria, nem de enlêvo, nem de plen itu d e, nem de amor. 99 N essas condições, carecendo dessa in te li­ gência criad o ra que é a com preensão do am ­ biente, começa o hom em a en treter-se d entro das m uralhas da prisão, começa a em belezá-la e decorá-la, p ara to rn a r confortável a sua situ a ­ ção den tro de suas rrmralhas* e nensa e esoera in sta la r a beleza d en tro dessa feia prisão. P o r essa razão começa êle a reform ar, p ro cu ra li­ gar-se a sociedades que falam de fratern id ad e, m as que tam bém estão d entro da p risão ; quer to rn ar-se livre, m as continuar possessor. A esse em belezar, reform ar, en treter-se, a essa busca de conforto d en tro das m uralhas da p ri­ são, êle chama viver, atu ar, agir. E como não existe aí in telig ên cia nem êxtase criador, está êle fadado a ser sem pre esmagado pela falsa e s tru tu ra que ergueu. Começa, então, a re ­ signar-se à prisão, reconhecendo a p ró p ria in ­ capacidade para alterar, para quebrar essas li­ m itações; porque não tem o desejo nem a in ­ ten sid ad e de sofrim ento que reclam a a demo­ lição da prisão, resigna-se a ela e busca re fú ­ gio no devaneio ou na glorificação de si p ró ­ prio. E essa glorificação p ró p ria êle cham a re­ ligião, espiritualism o, ocultism o, q uer o cien­ tífic o quer o espúrio. N ão é isso o que faz cada um? D izei, não se aplica tam bém ao vosso caso? Não dig ais que se ap lica ao indivíduo que estais observando do ponto m ais alto do m undo. Êsse indivíduo 100 sois vós próprios, vosso sem elhante, cada um de vós. Assim , pois, quando falo dessas coisas, não olheis p ara vosso vizinho nem penseis em al­ gum am igo ausente, o que rep resen ta apenas um a fuga im ediata, tím vez disso, enquanto falo, deixai criar-se diante de vós o espelho da inteligência, no qual possais contem plar vossa imagem, sem desfiguração, sem parcialidade, porém com p e rfe ita clareza. D essa clareza nas­ cerá ação, e não pensam ento letárg ico ou m era m odificação do am biente. O utrossim , se não sois im aginosos nem ro­ m ânticos, se não p ro cu rais o que se chama D eus ou religião, criais em tô rn o de vós um redem oinho, um vórtice tum ultuoso, tornai-vos inventores de planos, com eçais a refo rm ar o vosso am biente, a m odificar as paredes da p ri­ são, e increm entais as atividades d en tro da mesma. Começais, se não sois im aginosos, nem ro ­ m ânticos, nem m ísticos, começais a prom over atividade cada vez m aior den tro da prisão, in­ titulando-vos reform adores, criando assim m ais lim itações, m ais restrições e caos d en tro da prisão. P o r essa razão, ten d es divisões desna­ tu ra is cham adas religiões e nacionalidades, causadas ou criadas por exploradores e perp e­ tu ad as para profissão e benefício deles pró­ prios. 101 M as, que é religião? Q ual a função da re li­ gião, ta l como a conhecem os? Não im agineis um a relig ião m aravilhosa, verd ad eira e p e rfe i­ ta ; estam os tra tan d o do que existe e não do ^-*r *•-«4-*r* O f - j ç o o c c ? r * r p l í ot ioa Afk que o hom em se to rn o u escravo, à qual sucum biu, irrem ediàvelm ente, abdicando a in teligência, p ara ser im olado no a lta r pelo seu ex plorador? Como se criou ela? — F o i o indivíduo que a criou, pelo desejo de segurança, o qual n a tu ­ ralm ente gera o tem or. Q uando encetais a bus­ ca de segurança por m eio do que cham ais es­ p iritu alid ad e, o que é falso, deveis experim en­ ta r tem or. Q uando a m ente busca segurança, que espera ela? A ssegurar-se um a condição que lhe dê tran q ü ilid ad e, assegurar-se um ponto de certeza, prêsa ao qual possa p ensar e atu ar, e viver perpètuam ente em tal condição. M as a m ente que busca certeza nunca tem segurança. É a m ente que não pro cu ra a certeza que pode to rn ar-se segura, a m ente que não conhece te ­ m or, que enxerga a fu tilid a d e de qualquer alvo, de qualquer culm inância, de qualquer triu n fo , que vive in telig en tem en te e p o rtan to em segurança, e que é, por isso, im ortal. A ssim , a busca de segurança g era o tem or, e do tem or nasce o desejo de d o u trin as e cren­ ças p ara m anter afastado êsse tem or. Com vos­ sas crenças, do u trin as, dogm as e autoridades, recalcais o tem or p ara o segundo plano. P ara 102 m an terd es afastado o tem or p ro cu rais guias, m estres, sistem as, porque, seguindo-os, obede­ cendo-lhes, im itando-os, esperais en co n trar a paz e o conforto. São im postores os que se a r­ voram em sacerdotes, exploradores, pregado­ res, interm ediários, “ sw am is” e iogues. Não m anifesteis assentim ento com sinais de cabeça, porque todos vós estais neste caos. E s­ ta is todos presos nêle. Só podereis a n u ir com vossas cabeças, quando estiverdes liv res dêle. Com ag itard es as cabeças ao ouvirdes as m i­ nhas palavras, m an ifestais apenas aprovação in telectu al de um a idéia que estou ex p ressan­ do. E que valor tem isso? O nde existe êsse anseio de segurança, há tem or, e por isso a m ente e o coração procuram educadores esp iritu a is p ara lhes ensinarem os cam inhos por onde possam fu g ir. A ssim como num circo são os anim ais ad estrados p ara re­ p rese n tar e d iv e rtir o público, do mesmo m odo, im pelido pelo tem or, pro cu ra o indiví­ duo adestrad o res esp iritu ais, cham ados sacer­ dotes e “ sw am is”, defensores de um a e sp iritu a ­ lidade falsa e das inanidades da religião. Na­ tu ralm en te, a função desses ad estrad o res é c ria r d ivertim entos p ara vós e inventam , pois, cerim ônias, d isciplinas e devoções; essas coi­ sas afetam -se de belas na expressão, m as dege­ neram em superstição. São frau d e im pudente sob color de culto. 103 A discip lin a é m ero ajustam ento a um am ­ biente de ordem diversa, mas a b atalha conti­ nua, incessante, den tro de vós, apesar de e sta r­ des sufocando, com a disciplina, a in telig ên cl d ciicm ujLcu jll í d U cvu ^ d u , í t â l ü i c i Ji i t tdu ú ci a , porquanto ela é afeto, é amor, torna-se obje­ tivada, explorada, desprezível, sem sig n ific a ­ do nem valor. De todo êsse tem or advém, n aturalm ente, a busca de segurança, a busca de D eus ou da verdade. Pode-se en co n trar D eus? Pode-se en­ c o n tra r a verdade? M as existe a verd ad e; D eus existe. Não podeis achar a verdade, não podeis achar Deus, porque vossa busca é apenas uma fu g a do tem or, vossa busca é apenas um dese­ jo de culm inância. P o r conseguinte, quando p ro cu rais Deus, estais m eram ente à p ro cu ra de um confortável lu g ar de descanso. P o sitiv a ­ m ente, isso não é D eus, isso não é a v erd ad e; é m eram ente um lugar, um a m orada de estag n a­ ção de onde a in telig ên cia é banida, onde se ex tin g u e tôda vida criadora. P a ra mim, a m es­ ma busca de D eus ou da verdade é a negação de D eus e da verdade. A m ente que não d e ­ m anda um a culm inância, um alvo, um fim , des­ cobrirá a verdade. Porque, p ara ela, a divinda­ de não é um desejo objetivado e irrealizado, porém inteligência, pois esta é Deus, é beleza, verdade, perfeição. 104 Como já disse, criam os, p ara a vida hum ana, divisões d esn atu rais que chamamos relig iõ es e organizações sociais. E ssas organizações so­ ciais são, afin al de contas, baseadas nas nossas necessidades necessidades de teto , alim en­ tação, sexo. T ô d a a e s tru tu ra de nossa civ ili­ zação está assentada nessa base. Mas, to rn o u se tão m onstruosa essa e s tru tu ra e de ta l modo tem os exaltado as nossas necessidades de m o­ rada, nutrição e sexo — necessidades sim ples n a tu ra is e p u ras — que estas se to rn aram com­ plicadas, m edonhas e cruéis, p o r efeito dessa e s tru tu ra colossal e sem pre a desm oronar-se, que chamamos sociedade e que foi c ria d a pelo homem. Em suma, para poderm os desco b rir as nos­ sas necessidades, na sua sim pleza, n a sua n a tu ­ ralidade, na sua pureza, na sua esp o ntaneida­ de, requer-se in telig ên cia ex trao rd in ária. O ho­ mem que descobriu as suas necessidades, não m ais está cativo do am biente. Mas, porque existe ta n ta exploração, tan ta fa lta de inteligência, tan ta im piedade em glo­ rificar-se essas necessidades, existe essa e stru ­ tu ra que chamamos nacionalism o, independên­ cia econômica, organizações políticas e sociais, organizações de classe, prestíg io dos povos e das respectivas c u ltu ras raciais — existe essa e s tru tu ra para a exploração do hom em pelo ho­ mem, e ela conduz ao conflito, à desarm onia, à 105 8 g u e rra e à destruição. É essa, em suma, a fin a ­ lidade de to d as as distin çõ es de classe, essa a função de tôdas as nacionalidades, dos gover­ nos soberanos, dos preconceitos raciais, da ex­ trem a espoliação e exploração do hom em pelo homem, que leva à guerra. E is, pois, as coisas como são, eis a e s tru tu ­ ra criada pela nossa m ente hum ana, erig id a p o r nós próprios, individualm ente. E ssas d istin ­ ções sociais e religiosas, distinções m o n stru o ­ sas, cruéis, te rrific a n te s, dividindo, separando, desunindo os seres hum anos, espalham a de­ vastação pelo m undo. Sois vós os seus criado­ res; elas não vieram a ser naturalm ente, m iste­ riosam ente, espontâneam ente. Não foi um deus m iraculoso que as criou. F oi o indivíduo que as inventou e som ente vós, como indivíduos, podereis destruí-las. Se esperardes o advento de ou tro sistem a m onstruoso que crie um a nova condição para viverdes nela, passareis a escra­ vos dessa nova condição. N isso não pode ha­ ver inteligência, nem viver espontâneo e c ria ­ dor. Como indivíduos, deveis com eçar a p erce­ ber o verdadeiro significado do am biente, quer do passado quer do p resen te, i . e . , p erceber o significado das circun stân cias em contínua m utação. M as na percepção do verdadeiro am ­ biente, tem de haver grande conflito, e vós não desejais c o n flito : desejais reform as, dese- 106 ja is alguém que reform e o am biente. Como a m aioria das pessoas está em co n flito e busca um a solução, p a ra fu g ir desse conflito, o que só pode red u n d ar em m odificação do am bien­ te ; como a m aioria das pessoas e stá presa de con ilito , eu vos d ig o : io rn a i-v o s vivam ente cônscios desse c o n flito ; não te n te is fu g ir dele, não p rocureis soluções para êle. P orque é na agudez do sofrim ento que p o dereis d iscern ir o verdadeiro significado do am biente. N essa claridade do pensam ento não há ilusões, nem precauções, nem reservas, nem lim itações. Isso é in teligência, e essa in telig ên cia é a ação pura. Q uando a ação nascer da in te lig ê n ­ cia, quando a ação m esm a fô r in teligência, não p ro cu rareis então a inteligência, nem pro cu ra­ reis adquiri-la p ela ação. Será então a p le n itu ­ de, a suficiência, a riqueza in terio r, o se n ti­ m ento daquela etern id ad e que é D eus. E essa plen itu d e, essa in teligência, im pedirá por todo o sem pre a criação de b arreiras e prisões. 107 ■' V III R esponderei hoje a perguntas. P e r g u n t a : S e v o s e n t e n d o b e m , s o is d e o p i n iã o q u e o “ e g o ”, c o m p o s t o d o s e f e i t o s d o a m b i e n t e , é a c á p s u la v is ív e l q u e e n v o lv e u m n ú c le o d is tin to e im o r ta l. Ê s s e n ú c le o c r e s ­ c e , c o n tr a i - s e o u m o d i f i c a - s e ? K r i s h n a m u r t i : A lguns de vós in ­ troduzem o esp írito de especulação, o esp írito de jogo na vossa indagação da verdade. T al como especulais na bolsa para enriquecerdes depressa, explorando e burlando os vossos se­ m elhantes, com o pernicioso hábito de jogar, dõ mesmo modo entrega-se a m ente filo só fica ao hábito da especulação. Com tal disposição m ental começais a in q u irir se existe um a alma, en tid ad e ou ser im ortal e perm anente, com ple­ to em si mesmo, ou uma individualidade em perene crescim ento, desenvolvim ento e ex pan­ são. 108 Ora, porque desejais saber? Q ue é que ins­ tig a essa indagação, esse esp írito de especula­ ção? Não seria m elhor abster-vos de in q u irir, de especular, e em vez disso v e rific a r se o am ­ biente cria aquele conflito do qual re su lta a •a . • i ~i i rí.U _ií,w• í . OjL J .cC íí .1 Não seria isso p referív el ao m ero especular, visto que to d a especulação em ta l m atéria tem de ser absolutam ente falsa, já que, em ta l es­ tado de lim itação, em tal estado de co n flito en­ tre o resultado do am biente e o p róprio am ­ biente, não se pode conceber aquela realidade, aquela vida eterna, que é a verdade? Se disser­ des que essa realidade é a consciência, a cres­ cer e a expandir-se perenem ente, ou que ela é em si m esm a com pleta, eterna, acho-o incorre­ to, uma vez que não é nem um a nem o u tra coi­ sa do ponto de v ista da in teligência. Se estais apenas especulando p ara descobrirdes se aque­ le ser cresce ou ex iste eternam ente, o resu lta ­ do de tal especulação será um padrão, um con­ ceito filosófico ou m etafísico, pelo qual, cons­ ciente ou inconscientem ente, ire is m oldar as vossas vidas. P o r conseguinte, um ta l padrão será um sim ples m eio de fuga, fu g a daquele conflito que, só êle, poderá lib e rta r o homem dessa especulação, dêsse jôgo. Se vos to rn a r­ des, pois, cônscios do conflito, percebereis, em tô d a a sua fôrça, o significado da e te rn id a d e ; isto é, quando com eçardes a lib e rta r a m ente e i i au i v i U u ai ÜC 109 o coração de todo conflito, despo n tará a in te ­ ligência, assum indo então a etern id ad e um sig n ificad o to talm en te d iferen te. E la é um p reenchim ento, não é crescim ento É um re ­ criar-se perene, não em dem anda de um fim , m as im anentem ente. .Podeis com preender isso intelectualm ente, su perficialm ente, mas não o podeis com preender fundam entalm ente, em tô d a a sua p ro fu n d id ad e e riqueza, se a m ente e o coração buscam som ente um refú g io m eta­ físico, ou se deleitam com especulações filo só ­ ficas. P e r g u n t a : c ia e p o r t a n t o S e o e te r n o é i n t e l i g ê n ­ v e rd a d e , não lh e d á c u id a d o s , e n tã o , o f a l s o , q u e é o “ e u ” e o a m b i e n te . I d ê n ­ t i c a m e n t e , n a d a i n d u z o f a l s o , o “ e u ”, o a m ­ b ie n te , a p re o c u p a r-se co m o e te r n o , a v e r d a ­ d e, a in te lig ê n c ia ; p o r q u e , co m o já te n d e s d ito e r e p e t i d o , u m a c o is a n ã o p o d e s e r a lc a n ç a d a p e la o u t r a , p o r m a i o r q u e s e ja o e s f o r ç o d e s ­ p e n d id o . E p a re c e , ig u a lm e n te , q u e e m to d o s o s m i l ê n i o s d e v id a h u m a n a , n ã o c o n s e g u i u o e te r n o a v a n ç a r m u ito n o s e n tid o d e d is s ip a r o f a l s o e e s ta b e l e c e r a v e r d a d e . U m a v e z q u e , a o que d i z e i s , n ã o e x i s t e , a p a r e n t e m e n t e , r e la ç ã o e n tr e u m e o u tr o , p o r q u e n ã o d e ix a r m o s o e te r ­ n o n a s u a e te r n id a d e e o fa ls o n a s u a fa ls id a ­ d e , o u p io r d o q u e is s o , s e lh e a p ra z? N u m a p a - 110 la v r a , p o r que nos p reocuparm os com o que q u e r q u e s e ja ? K r i s h n a m u r t i : P o rq u e vos preo­ cupardes? P orque vos preocupais com qualquer coisa, na vida? P orque existe conflito, porque o hom em vive en tre tristezas, dores, aleg rias tra n sitó ria s, lu tas inum eráveis, fú te is in v esti­ gações, su tis fan tasias e sonhos que de contí­ nuo se desm oronam ; porque se d esenrola um a lu ta contínua, na m ente, com eçais a ind ag ar por que existe essa luta. Se não há luta, por­ que nos preocuparm os? T em razão o a u to r da perg u n ta. P orque nos preocuparm os com o que quer que seja, se não existe luta, lu ta pela aquisição de dinheiro e conservação desse di­ nheiro, lu ta para vos aju sta rd e s a vossos se­ m elhantes, ao am biente, às condições e exigên­ cias, lu ta para serdes vós mesmos, p ara ex pres­ sardes o vosso sen tir? Se não percebeis essa luta, não vos preocupeis, então, deixai as coi­ sas como estão. M as creio que não ex iste um só ente hum ano no m undo — a não serem , ta l­ vez, os selvagens de rem otas regiões, a fasta­ das da civilização — que não e ste ja em luta, num a lu ta incessante pela segurança, pelo con­ forto, m otivada pelo tem or. N essa lu ta começa o homem a conceber idéias concernentes à ver­ dade, como vias de fuga. 111 A firm o e x istir um modo de v id a em que cessa de todo o conflito, um a m aneira de viver espontâneam ente, n aturalm ente, extàticam ente. Isso p ara m im é um fato, não é teoria. E eu desejo a ju d a r os que estão em aflição, os que ~ nlrro v . w i * a i . a c .....................■ -• > r>o rrn o i r>rn r * v i r p m l cobrir a causa desse conflito, os que não estão à p ro cu ra de solução — porque não existe so­ lução — desejo ajudá-los a d esp ertar em si p ró p rio s aquela in telig ên cia que dissipa, pela com preensão, a causa do conflito. Mas, se não estais em conflito, nesse caso nada m ais há que dizer. P orque cessastes de pensar, cessas­ tes de viver, porque en contrastes m eram ente um a segurança, um abrigo afastado desse cons­ ta n te m ovim ento da vida, o qual, incom preen­ dido, se converte em c o n flito ; porém , quando o com preendem os, se to rn a um deleite, um en ­ levo, um m ovim ento perene, atem poral, e isso é eternidade. M as, que é esse co n flito ? C onflito, como já disse, só pode e x istir en tre duas coisas falsas; não pode e x istir conflito en tre o enten d im en ­ to e a ignorância, en tre o verdadeiro e o falso. N essas condições, o co n flito do homem, suas dores e sofrim entos, jaz en tre duas coisas fa l­ sas, en tre o que êle considera essencial e o não essencial. C onsiderem os o que são essas duas coisas falsas; não qual delas foi criada p rim e i­ ro, não a velha p e rg u n ta : que nasceu prim eiro, 112 a galinha ou o ôvo? Isso é tam bém indolência m etafísica da m ente especulativa, que, na rea­ lidade, não pensa. E nquanto não com preenderm os o exato va­ lor do am biente, criador do indivíduo, que c o n u a cic se bate, ha vera conflito, haverá crescente restrição e lim itação. P o r isso, a ação, como ontem disse, cria novas bar­ reiras. E a m ente e o coração, que são para m im a mesma coisa — divido-as por com odida­ de de linguagem — se debilitam e obscurecem pela m em ória, e esta m em ória é o resu ltad o da busca de segurança, o resultado do a ju s ta ­ m ento ao am biente. E ssa m em ória m otiva a fa lta de com preensão, ela cria o co n flito en­ tre a m ente e o am biente. Mas, se fo rd es ao en­ contro do am biente sem pre renovados, sem a carga dessa m em ória do passado, que é apenas um ajustam ento cauteloso e p o rtan to um a m era ad v ertên cia; se sois essa inteligência, essa m ente que de contínuo se recria, sem aju starse nem m odificar-se segundo um a condição, m as indo ao encontro das coisas sem pre reno­ vada, como o sol em cada aurora, como as es­ tré ia s ao cair da noite, então, nessa novidade, nessa vivacidade, vereis su rg ir a com preensão de tôdas as coisas. Cessa, aí, todo o conflito, porque in telig ên cia e conflito não podem co­ ex istir. Cessa de todo a desarm onia, porque a a a v u a l u t a, 113 in telig ên cia funciona, então, em tô d a a sua p lenitude. P e r g u n t a : am o sem apêgo n em W Aâ Í i s S y U C Í Q uando um a pesso a que d e s e jo , v e m o c u p a r m e u s Ai íC I» jT Ct V / V A J.X é i s s o o q u e c o n d e n a is c o m o n ã o v i v e r c o m p l e ­ ta m e n te n o p r e s e n te ? K r i s h n a m u r t i : Q ue é viver com­ p letam ente no p resente? T e n tare i ex p licar m ais um a vez o m eu ponto de vista. U m a m en­ te que se acha em conflito, em luta, está con­ tin u am en te à p ro cu ra de um meio de fu g a; ou, inconscientem ente, a m em ória do passado p re ­ cipita-se na m ente, ou esta se volta deliberadam ente para o passado e deleita-se em reviver aquele passado, o que é um a form a de evasão; ou, ainda, a m ente em conflito, em luta, p riv a ­ da de com preensão, pro cu ra um fu tu ro , um fu ­ tu ro que cham ais crença, alvo, culm inância, realização, bom êxito, e foge para lá. É o o fí­ cio da m em ória, ser ard ilo sa e fu g ir do p re­ sente. Ê sse processo de retrospecção, que cha­ m ais auto-análise, é um dos estratag em as da m em ória e só tem o efeito de p e rp e tu ar a m e­ m ória e, por conseguinte, de lim itar a m ente, b an ir a inteligência. E xistem , pois, essas v árias form as de eva­ são, e é só depois de a m ente te r deixado de 114 fu g ir p o r m eio da m em ória, e quando esta já não obscurece a m ente e o coração, que se al­ cança aquêle enlevo de viver no presente. Isso só se pode dar quando a m ente já não se apega com aprazim ento ao passado ou ao fu tu ro , quani uu •; j a ~ nau , , i c d lâ tiu c c o i • • u ív í ~ Sj v o . T-, x j. u i u ua l a a o i .. p t U t t" vras, quando aquela intelig ên cia suprem a que é a verdade, que é a beleza, que é o am or mesmo, está funcionando norm alm ente, sem esforço — então, nesse estado, a intelig ên cia é atem po­ ral e não m ais existe esse tem or de não viver no presente. P e r g u n t a : Q u a n d o o a m o r s e lib e r ta in te ir a m e n te d o d e s e jo de daí a s c e tis m o n e c e s s a r ia m e n te o p o sse , n ã o r e su lta e p o r ta n to a n o r m a lid a d e ? K r i s h n a m u r t i : Se estivésseis isen­ to do desejo de posse, não faríeis esta p erg u n ­ ta. A ntes de alcançardes essa coisa grandiosa, já vos sentis tem eroso e tra ta is de c o n stru ir um a m uralha p ro teto ra, que cham ais ascetism o. C onsiderem os, pois, em prim eiro lugar, não se sobrevirá ascetism o e portan to anorm alidade, depois de vos em ancipardes do desejo de pos­ suir, porém se não é êsse desejo m esm o que cria e produz a anorm alidade. P o r que existe essa idéia de posse? Não nasce ela da insuficiência, da fa lta de p len itu ­ 115 de? E p o r causa dessa insuficiência assum em gran d e relevância os pro b ltm as do sexo e ou­ tro s problem as, de onde o papel im p o rtan tíssi­ mo da posse na vida dos indivíduos. N a p le n itu ­ de, que é a p ró p ria in teligência, não existe anor------ 1 • ü ^ j íía u á á u u u v « t \rr- aU u ú ) . -i ; IU o r • • , U i i w iC l i k v Oj ? i . iliC U Iu p iC * ' tos, conhecendo a pobreza, a vacuidade, a ab­ so lu ta su p erficialid ad e de nossos pensam en­ to s e sentim entos, dependem os de o u tras pes­ soas, dos livros, da litera tu ra , das idéias, da f i ­ losofia, p ara enriquecer nossas vidas, e come­ çamos, assim, a ad q u irir, a arm azenar. Ê sse processo de arm azenam ento, para nosso govêrno no presente, é ofício da m em ória, que de­ pen d e do saber, o qual é coisa do passado e, p o rtan to , m orta. A ssim como o hom em de m uitas posses bus­ ca o conforto no m eio dos seus bens, assim tam bém o homem que vive na pobreza, na s u ­ perficialidade, na ausência de p len itu d e, aspira à posse de seu amigo, de sua m ulher ou de seu am or: e dêsse desejo de posse provém a batalha e os constan tes rem ordim entos da m ente e do coração. E quando existe isenção desses c o n fli­ tos, a qual só pode p ro v ir do percebim ento a ti­ vo, da com preensão do am biente, e não do esfo r­ ço — quando existe essa liberdade, essa com ­ preensão, não existe então desejo de posse e por isso não existe anorm alidade. O asceta é, em suma, o hom em que se fu rta à vida, porque 116 não a com preende. F oge da vida e de suas expresõ es; ao passo que a in telig ên cia não bus­ ca fu g ir de coisa algum a, porque nada h á |na vida que se deva r e je ita r; a in telig ên cia é com­ pleta, e nessa p len itu d e não há divisão. P e r g u n t a : S e o s s a c e r d o t e s sã o e x ­ p lo ra d o r e s , p o r q u e i n s t i t u i u a p o s tó l i c a e B u d a C r i s to a s u c e s s ã o o se u “sa n g h a ”? K r i s h n a m u r t i : A n tes de m ais nada, como o sabeis? P orque vo-lo disseram , porque o lestes nos livros. Como sabeis que es­ sas coisas não são invenções dos sacerdotes, para profissão e benefício dêles próprios? Um a au to rid ad e am adurecida através das névoas do tem po, torna-se invulnerável, e o hom em acei­ ta-a como decisiva. P o rq u e aceitar o C risto ou o B uda ou outro qualquer, inclusive a mim pró p rio ? V erifiquem os antes se são de fato exploradores os sacerdotes, em vez de a d m itir­ mos prontam ente que não o são, só porque se supõe haver C risto in stitu íd o a sucessão apos­ tólica. Isso é apenas hábito da m ente indolen­ te que p refere tudo resolver pela autoridade, pelo precedente, alegando que, porque alguém o disse, deve ser verdade, não im portando que seja grande ou pequeno êste alguém . Vamos, pois, ap u ra r isso. Como ontem te n ­ te i explicar, as religiões são o resu ltad o da 117 busca de segurança pelo homem. P o r conseqüência, quabdo a m ente busca abrigo, certeza, um pouso, um a g a ra n tia de im ortalidade, quan­ do a m ente p rocura essas coisas, há então ne­ cessidade de quem con fo rte ou satisfaça essa m ente. Chamai-o sacerdote, explorador, in te r­ m ediário, “ sw am i”, são todos da m esm a m ar­ ca. P o is bem. Q uando buscais um abrigo, exis­ te sem pre o tem or de o p e rd e r; quando bus­ cais um ganho, com êle vem, n aturalm ente, tam bém o tem or de perda. Êsse tem o r de p er­ da, pois, im pele-vos continuam ente a essa bus­ ca de segurança, a qual p ara m im é absoluta­ m ente falsa. D esse m odo, um a causa falsa cria um p ro d u to falso ; e êste p ro d u to é o sacerdo­ te, o “ sw am i”, o explorador. P orque n ecessitais de sacerdote? P o r ser um a pessoa conveniente para vos casar ou en­ te rra r, ou p ara vos d ar um a bênção que lavará todos os vossos su postos pecados? Não existe ta l coisa de pecado, existe som ente fa lta de com preensão e essa fa lta de com preensão não pode ser lavada por sacerdote algum , com ou sem as credenciais da sucessão apostólica. É só a in telig ên cia que pode libertar-vos da fa lta de com preensão, e não as benzeduras de um p a­ dre, dian te de um a lta r ou à beira do túm ulo. B uscais um sacerdote, porque êle d esp er­ ta rá a vossa in telig ên cia e vos con fo rtará? C onsiderai, então, o caso como considerais o 118 alcoolism o. È deplorável o vício de beber, por­ que tô d a dependência é falta de in telig ên cia e acarreta, portanto, sofrim ento. E o hom em está continuam ente cativo desse sofrim ento, embo{ra não lhe veja nem queira ver a ícausa; por isso m u ltip lica ele os m odos e m eios de tuga. M as a causa é a p ró p ria busca de segurança, dessa certeza que não existe. A m ente in te lig e n te não busca segurança, porque não há lu g ar nem m ansão algum a onde ela possa repousar. A in telig ên cia é, ela pró­ pria, tranq ü ilid ad e, força criadora, e enquan­ to não e x istir essa in teligência, haverá so fri­ m ento. O fu g ir da causa do sofrim ento, não vos dará essa in te lig ê n c ia ; pelo contrário, to r­ na-vos m ais cegos e m ais ig n o ra n tes; e tan to m ais haveis de sofrer. O que vos dá percepção im ediata, direta, é aquela v ig ilân cia in ten sa e p lena no presente. C om preender o am biente, seja êle qual fôr, é in teligência. E stam os en­ tão independentes de sacerdotes, independen­ tes de lim itações, in dependente dos p róprios deuses. P e r g u n t a : F a l a is d e d u a s f o r m a s d e a ç ã o : a r e a ç ã o a o a m b i e n t e , q u e c r ia c o n f l i t o , e a c o m p r e e n sã o d o a m b ie n te , q u e tr a z a lib e r ­ ta ç ã o d o c o n f l i t o . C o m p r e e n d o a p r i m e i r a , m a s n ã o c o m p re e n d o a se g u n d a . Q u e q u e r e is d iz e r com “co m p reen sã o do a m b ie n te ” ? 119 K r i s h n a m u r t i : H á reação ao am ­ b iente, quando a m ente não o com preende e, ag in d o sem com preensão, aum enta dêsse modo a lim itação do mesmo. E ssa é um a fo rm a de ação em que está em penhada a m aioria dos in ­ divíduos. R eagis a um am biente que cria um co n flito , e p a ra fu g ir dêsse conflito criais ou­ tro am biente que esperais vos tra g a tran q ü ilidade, o que sig n ifica sim plesm ente a tu a r no am biente sem com preender que êle pode m u­ dar. E sta é um a form a de ação. E h á a o u tra form a, que é com preender o am biente e agir, o que não quer dizer prim ei­ ro com preender e depois agir, mas que a com­ preensão m esm a é ação, isto é, ela é desacom ­ panhada de cálculo, m odificação, adaptação, que são funções da m em ória. V êdes o am bien­ te, ta l como é, no seu pleno significado, no es­ pelho da inteligência, e nessa espontaneidade de ação existe liberdade. Mas, que é liberdade? É m ovim entar-se sem os obstáculos de b a rre i­ ras, sem d eixar b a rre ira s atrás, nem criá-las pelo cam inho. Ora, a criação de barreiras, a criação do am biente, é função da m em ória, a qual é consciência individual, que sep ara a m ente da inteligência. E xpressando-o d ife ren ­ tem ente, m ais um a vez: a ação en tre duas coi­ sas falsas — o am biente e o seu resu ltad o — a ação en tre essas duas coisas, ten d e rá forçosa­ m ente a aum entar as b arreiras e conseqüente120 m ente a dim inuir, a b an ir a in teligência. Mas, se reconhecerdes isso — a ação de reconhecer não é de ordem intelectu al, porém deve nascer de vosso ser com pleto — então nessa percep­ ção plena, ocorre um a ação d iferen te, desone­ rad a da m em ória — e já expliquei o que en ten ­ do por m em ória. P o r consequência, todo m ovi­ m ento de pensam ento e sentim ento tom a um m atiz diferen te, um significado d iferen te. A intelig ên cia não é, então, um a separação en tre o objeto, que é o am biente, e o criador, que vós cham ais a consciência individual. A in te lig ê n ­ cia não divide, não separa, e é por conseguin­ te, ela própria, espontaneidade de ação. m 0 IX F a lare i hoje sôbre o conceito dos valores. T ô d a a nossa vida é apenas m ovim ento de um valor para outro, m as ju lg o que há um a m aneira — se posso em pregar, aqui, esta palavra com ponderação e bom gosto — pela qual pode a m en­ te ser lib ertad a do senso estim ativo. E stam os afeito s aos valores e sua m utação constante. O que chamamos essencial breve se to rn a não essencial, e nesse processo contínuo de m u ta­ ção de valores há conflito. E nquanto não com­ preenderm os o elem ento fundam ental na m u­ tação dos valores, e a causa de ta l m utação, continuarem os presos à roda dos valores em choque. D esejo tra ta r da idéia radical dos valores, v e rific a r se ela é fundam ental, se a m ente, que é in teligência, pode sem pre a g ir espontânea­ m ente, com natu ralid ad e, sem a trib u ir valores ao am biente. O ra, sem pre que há insatisfação com o am biente, com as circunstâncias, êsse descontentam ento tem de conduzir ao desejo 122 de m udança, de reform a. O que cham ais refo r­ m a é merame-nte a criação de novas ordens de valores e a destru ição das velhas. E m o u tras palav ras: quando se fala de reform a, entendese, em realidade, m era substituição. E m vez de viver na vem a tradiçao, com valores tixos, quereis, com o m u d ar das circunstâncias, criar novas ordens de valores; isto é, onde existe esse senso estim ativo, tem de haver a idéia de tem po, e conseqüentem ente co n tín u a m utação dos valores. E m épocas de estagnação, épocas de estável conforto, ao que é apenas um a g rad u al tra n s­ form ação dos valores chamamos a lu ta entre a velha e a nova geração. Isto é, em tem pos de paz e tran q ü ilid ad e, ocorre um a m odificação gradual dos valores, o m ais das vezes im per­ ceptível, e essa m udança, essa g rad u al m odifi­ cação denom inam os a lu ta en tre o velho e o novo. Em tem pos de agitação, em tem pos de grande conflito, ocorrem violentas e im placá­ veis m odificações nos valores, o que chamamos revolução. A ráp id a m utação dos valores, que chamamos revolução, é violenta, im piedosa. A m odificação len ta e gradual dos valores é a ba­ talh a contínua que se trav a en tre a m ente es­ tabilizada, confortável, estagnada, e as circuns­ tâncias que a estão com pelindo p ara condições novas, forçando-a a c riar um a nova ordem de valores. , 123 A ssim , pois, as circunstâncias m udam len ­ tam ente ou rapidam ente, e a criação de novos valores é o m ero resu ltad o de ajustam en to s ao am biente sem pre cam biante. Conseqüentem ente, os valores são sim ples padrões do co n fo r­ mismo. Mas, porque precisais ae valores? F oi favor, não d ig ais: “ Q ue será de nós, se não t i ­ verm os valores?” Não cheguei até aí, ainda não disse o que será de vós. T ende, pois, a bon­ dade de acom panhar-m e. Porque precisais de valores? Q ue sig n ifica essa busca de valores se não vum conflito en tre o novo e o velho, en tre o an tig o e o m oderno? Não são os valores um m ero m olde estabelecido por vós ou pela so­ ciedade, ao qual a m ente, na sua indolência, na sua falta de percepção, busca conform ar-se? A m ente procura um a certeza, um a conclusão, e sua ação se c ifra nessa busca; ou, ela educouse a si p ró p ria p ara ad q u irir um fundo de sa­ b er e experiência, um “ b ackground”, e atu a p a rtin d o dêsse “ back g ro u n d ” ; ou tem ela uma crença, e p artin d o dessa crença começa a colo­ r ir as suas atividades. A m ente reclam a valo­ res para que se não veja em dificuldades, para que possa te r sem pre um guia a seguir, a co­ piar. D êsse modo, tornam -se os valores u n ica­ m ente os m oldes pelos quais a m ente estacio­ na, e a p ró p ria finalidade da educação parece ser o com pelir ao conform ism o a m ente e o co­ ração. 124 N essas condições, tôdas as reform as, na re ­ ligião, nos padrões m orais, na v id a social e nas organizações políticas, são m eram ente os d ita ­ m es do desejo de ajustam ento ao am biente sem­ p re variante. E is o que cham ais reform a. O s 1• / y r 1c* n f -V * • ............ iUUUCUU CUUiavaulCUlÇUlC ) 0.0 wuwwuú tâncias estão em m ovim ento contínuo, e as re ­ form as se fazem unicam ente po r causa da ne­ cessidade de aju stam en to en tre a m ente e o am biente, e não porque a m ente p en e tra e com­ preende o am biente. Ê sses novos valores são g lorificados como fundam entais, o riginais, ver­ dadeiros. P a ra mim, êles são apenas form as su­ tis de coerção e conform ism o, form as su tis de m odificação, e concorrem , fü tilm en te, para a introdução de um a reform a de retalhos, uma ilusória transform ação de roupagens, que cha­ mamos renovação. A ssim , pois, po r causa desse crescente con­ flito criam -se as divisões e as seitas. Cada m en­ te estabelece um a nova ordem de valores, em conform idade com suas p ró p ria s reações ao am biente, e começa, então, a divisão dos povos, aparecem as distinções de classe e os ferozes antagonism os en tre os credos, en tre as d o u tri­ nas. E do m eio dêsse conflito im enso, surgem autoridades, que entram em atividade, p rocla­ m ando-se reform adores na religião e m édicos dos m ales sociais e econômicos. E sp ecialistas que são, de ta l modo estão êles obsecados pelas 125 respectivas especialidades, que o que fazem é au­ m en tar a divisão e a luta. São esses os re fo r­ m adores religiosos, os reform adores sociais, e os reform adores econôm icos e políticos, p e ri­ tos, todos êles, nas p ró p rias lim itações, todos ésI ésç i t t Í rJ i t h rJ o o fn o rw * -' W - *♦ -*-* »->— ' - n Z a . ... a vida e a atividade hum anas. Mas, para mim, a vida não pode, absoluta­ m ente, ser d ividida por essa m aneira. Não po­ deis p ensar em refo rm ar vossa alm a e ser na­ cio n alistas; não podeis te r consciência de clas­ se e ao mesmo tem po falar de fra te rn id a d e ; nem podeis erg u er m uralhas ta rifá ria s em to rn o de vosso país e falar de unidade da vida. Se obser­ vardes, vereis que é isso ju stam en te o que fazeis sem pre. P o d eis p o ssuir dinheiro em abundân­ cia, viver cercados de condições estáveis, te r am or à posse, ser n acionalista e “ snob”, e to ­ davia d iv id ir essa consciência separativa de vossa consciência e sp iritu a l que vos im pele à fratern id ad e, à ética, à m oral, e ao sentim ento de D eus. P o r ou tras palav ras: div id istes a vida em vários com partim entos e cada com parti­ m ento tem os seus valores especiais, e por êsse modo criais som ente m ais conflito. E ssa divisão, essa confiança nas a u to rid a ­ des, nada m ais é que indolência da m ente, p ara não te r necessidade de pensar, mas som ente de conform ar-se. O conform ism o, que é u n ica­ m ente a criação e a destruição de valores, é o 126 am biente ao qual a m ente se a ju sta con stan te­ m ente, tornando-se cada vez m ais lim itada e escravizada. M as co n tin u ará a e x istir confor­ m ism o enquanto a m ente estiv er vinculada pelo am biente. E n quanto não houver a m ente comr oí o i g i ai i v au u rs uw ío tif o v > rlqq f í r cunstâncias, das condições, e x istirá conform is­ mo. A trad ição é apenas o m olde p ara a m ente, e um a m ente que se im agina livre da tradição, cria sim plesm ente um m olde próprio. O ho­ mem que d iz : “ estou livre da tra d içã o ” tem provavelm ente o u tro molde, dele próprio, do qual é escravo. N essas condições, não consiste a liberdade em passar de um m olde velho p ara um novo, de um a estu p id ez velha para um a nova, ou da lim itação da trad ição para a licença da amentalidade, da privação da m ente. E, no entanto, observareis que os que falam tan to sobre liber­ dade, libertação, estão fazendo tal coisa; isto é, êles alijaram sua velha tradição e têm agora um padrão próprio a que se ajustam , e n atu ralm en ­ te esse aju stam en to é apenas fa lta de m en tali­ dade e ausência de inteligência. O que cham ais tradição é apenas o am biente extern o com os seus valores, e o que cham ais e sta r livre da tradição é som ente a escravização a al­ gum am biente in te rio r e aos respectivos va­ lores. Um é im posto, e o ou tro criado pelo p ró p rio indivíduo. Não é assim ? A s circuns- 127 tâncias, o am biente, as condições, im põem cer­ to s valores, fazendo-vos conform ar-vos com eles, ou vós criais vossos p ró p rio s valores e a eles vos conform ais. N um e n outro caso o que existe é m ero ajustam ento e não com preensão 14 4 o "O c <■ « * -« *» -« *> r | n ík c_ tão sobre se a m ente poderá descobrir valores perm anentes, a fim de que desapareça essa m u­ dança constante, êsse incessante conflito p ro ­ duzido pelos valores que um indivíduo criou para si p róprio ou que lhe foram im postos de fora. Q ue é isso que se chama “ valores incons­ ta n te s ” ? P a ra m im eles são unicam ente tem o­ res cultivados. H averá m utação de valores en­ quanto ex istirem “ essenciais” e “ não essen­ ciais”, enquanto houver opostos, e enquanto houver a idéia e o exagerado culto do sucesso, no qual incluím os ganho, p e rd a e realização, enquanto existirem essas coisas e a m ente es­ tiv e r a p ersegui-las como um objetivo, como um alvo, tem de haver valores em m utação e, portanto, conflito. M as qual é a causa da m utação dos valo­ res? A m ente, que é tam bém coração, enevoa­ da pela m em ória, su je ita a contínuas m odifica­ ções e alterações, está sem pre na dependência do m ovim ento das circunstâncias, sendo a fa l­ ta de com preensão d estas que gera a m em ória. Isto é, enquanto estiver a m ente obscurecida 128 pela m em ória, que é resultado do ajustam en­ to ao am biente e não com preensão do am bien­ te, essa m em ória há de in terpor-se en tre a in ­ telig ên cia e o am biente, o que im pede a plena com preensão deste. -’''ÇniOria q v j A O V*m m a i o m A - n A n r i i n s se em a trib u ir valores, não é verdade? E sta é precisam ente a função da m em ória, a qual cha­ m ais m ente. Isto é, a m ente, em vez de ser in ­ teligência, que é percepção d ireta, a m ente obscurecida pela m em ória, confere valores que ela chama v erdadeiros e falsos, essenciais e não essenciais, conform e a p ró p ria astúcia, de acor­ do com os seus tem ores calcu listas e seu dese­ jo de segurança. Não é assim ? M as essa é p re­ cisam ente a função da m em ória, que cham ais m ente, m as que, em absoluto, não é m ente. P ara a m aioria das pessoas, com exceção, ta l­ vez, de algum raro e feliz indivíduo, aqui e ali, a m ente é m era m áquina, arm azém da m em ória, a qual se ccupa constantem ente em a trib u ir va­ lores às coisas que se lhe deparam e às pró ­ prias experiências. E essa atrib u ição de valo­ res depende de seus cálculos sutis, de sua as­ tú cia e capacidade de enganar, baseados no te ­ m or e na busca de segurança. E m bora não ex ista coisa cham ada seguran­ ça fundam ental — é bem evidente, e podê-loeis v erificar se quiserdes p ensar e observar um m omento, que não existe tal coisa de seguran­ 129 ça — p ro cu ra a m ente segurança sôbre segu­ rança, certeza sôbre certeza, “ essencial” sôbre “ essencial”, sucesso sôbre sucesso. E stan d o em con stan te busca de segurança, no m om ento em que a alcança passa a m ente a considerar “ não 1 ^ i - -------- * -------------- um a vez, é m era atribuição de valores, e assim , nesse m ovim ento de alvo p ara alvo, de “ essen­ cial” p ara “ essencial”, nesse m ovim ento cons­ tan te, transform am -se os valores estabelecidos pela m ente em conform idade com os seus dese­ jos de segurança e sua ansiedade de p erp etu a­ ção. E stá, pois, a m ente-coração, ou a m em ória, colhida na lu ta dos valores cam biantes, e essa batalh a se cham a progresso, a senda evolutiva da seleção, conducente à verdade. Isto é, a m ente que busca segurança, alcançando esse alvo, não se satisfaz com ele e novam ente se põe em m ovim ento com eçando de novo a a tr i­ b u ir valores a tu d o quanto encontra. Ê sse p ro ­ cesso de m ovim ento cham a-se desenvolvim ento, a senda evolutiva da seleção en tre as coisas es­ senciais e não essenciais. Êsse desenvolvim ento é para m im apenas a m em ória a conform ar-se e ajustar-se à sua p ró ­ p ria criação — o am biente; e não existe d ife ren ­ ça fu ndam ental en tre essa m em ória e o am bien­ te. N aturalm ente, a ação é sem pre o resultado de cálculo, quando nasce dessa conform idade e 130 ajustam ento. Não é verdade? Q uando obscure­ cida pela m em ória, que é m ero resu ltad o da fa lta de com preensão do am biente, p ro cu ra a m ente, na sua ação, um meio de fuga, um a culm inância, um m otivo, e por consequência -1 ~ r. i : ---- -- ' ç (*■>♦ is continuam ente novas servidões e novos con­ flito s. T orna-se, assim , esse círculo vicioso da m em ória, carregada com seu conflito, o criador de valores. O s valores são o am biente, e a ele se escravizam a m ente e o coração. Não estou certo de que com preendestes isso. N ão: vejo alguém a m enear a cabeça. V ou ex­ p ressar a m esm a idéia d iferen tem en te e to r­ ná-la clara, se possível. E n quanto a m ente não com preender o am­ b iente, o am biente criará a m em ória, e o m o­ vim ento da m em ória é a transform ação dos va­ lores. A m em ória e x istirá enquanto estiv er a m ente em busca de culm inâncias e alvos; e sua ação será sem pre calculada, nunca espontânea — por ação entendo pensam ento e sentim ento —• e tal ação, por conseqüência, p ro d u zirá cres­ centes cargas e lim itações. O aum ento da lim i­ tação, a extensão da prisão, é cham ada evo­ lução, a senda da seleção conducente à v er­ dade. E is como fu n cio n a a m ente, p ara a m aio­ ria das pessoas, e, assim sendo, quanto m ais funciona, tan to m aior o sofrim ento e a in te n ­ sidade da luta. A m ente cria constantem ente 131 b a rre ira s novas e m ais altas, procurando de­ pois novos m eios de fu g ir de ta l conflito. M as, como poderem os lib ertar a m ente des­ sa ten d ên cia a a trib u ir valores? Q uando a m en­ te a trib u i valores, só o pode fazer atrav és das der o exato significado do am biente. Q uando exam inam os ou procuram os com preender as circu n stân cias pelo prism a de d ife ren te s p re ­ conceitos, firm em ente arraigados — preconcei­ tos nacionais, raciais, sociais ou religiosos — como poderem os com preender o am biente? Ê ju stam en te isso o que a m ente p ro cu ra fazer, a m ente enevoada pela m em ória. M as a in telig ên cia nunca a trib u i valores, que são unicam ente as m edidas, padrões ou cál­ culos o riundos do desejo de proteção. Mas, como pode despontar essa in teligência, esse espelho da verdade, cujo s reflexos são absolu­ tam ente fiéis e nunca deturpados? E m últim a análise, o homem in telig en te é o p ro d u to da in te lig ê n c ia ; êle é a percepção absoluta, a p er­ cepção direta, sem as alterações e d e sfig u ra ­ ções resu lta n tes da ação da m em ória. O que estou dizendo só se aplica àqueles que se acham realm ente em conflito, e não para os que querem reform ar, fazer obra de re ­ talhos. J á expliquei o que entendo por re fo r­ ma, por obra de reta lh o s: é o ajustam ento a um am biente nascido da fa lta de com preensão. 132 Como poderem os p o ssuir essa in teligência que põe term o à luta, ao conflito, ao esforço incessante que consome a p ró p ria m ente? Q uando fazeis um esforço contínuo, sois como um pedaço de m adeira a ser desbastado ininte r r u p ta m e n te , a té n ã o ic s i a i uiadcA ia a lg u m a . E x istin d o êsse esforço constante, esse dispên­ dio contínuo, cessa a m ente de ser ela p ró p ria ; m as só e x istirá ta l esforço, enquanto e x istir conform idade ou ajustam ento ao am biente. Se, en tretan to , houver percepção direta, com preen­ são im ediata e espontânea do am biente, não ha­ verá esforço de adaptação. H averá, sim, ação im ediata. A ssim sendo, como d esp ertar essa in te li­ gência? Ora, que acontece nos m om entos de gran d e crise? N esse m om ento fecundo em que a m ente não está a fu g ir, nessa v ig ilân cia ag u ­ da e intensa das circunstâncias, do am biente, sobrevém a percepção do verdadeiro. É o que fazem os em m om entos de crise. Estam os, en­ tão, plenam ente conscientes de tôdas as cir­ cunstâncias, das condições que nos rodeiam , e estam os igualm ente cônscios de que a m ente não pode fu g ir. N essa intensidade que não é relativa, nessa intensidade da crise aguda, atua a inteligência, sendo espontânea a com preen­ são. Mas, que é que chamamos crise, aflição? Q uando a m ente está letárgica, adorm ecida, 133 quando se condicionou a si p ró p ria, na sa tis­ fação, na estagnação, e sobrevém um aconteci­ m ento que nos desperta, a esse desp ertar, a esse choque chamamos crise, aflição. P o is bem : se fô r realm ente in ten sa essa crise, ou conflito, nesse estauo üe inten sid ad e aa m ente e do co­ ração existe percepção im ediata. E ssa in te n si­ dade torna-se relativ a som ente quando a m e­ m ória intervém com os seus cálculos, suas mo­ dificações e névoas. E sp ero que experim enteis o que estou di­ zendo. Cada um de nós tem seus m om entos de crise. Ê les ocorrem m uito f req ü e n tem e n te ; se estiverm os sem pre vigilantes, vê-los-em os ocor­ re r a cada m inuto. Ora, nessa crise, nesse con­ flito , observai, sem o desejo de solução, sem o desejo de fuga, sem o desejo de dom inar. V e­ reis então que a m ente com preenderá incontin en ti a causa do conflito, e com preendida a causa, esta se dissolve. Mas, de ta l m aneira educam os a m ente p ara a fuga, p ara se deixar obscurecer pela m em ória, que é m uito d ifíc il ficarm os intensam ente vigilantes. Buscam os, por isso, m odos e m eios de fu g ir ou de des­ p e rta r aquela inteligência, o que p a ra m im é tam bém falso. A in telig ên cia fu n cio n ará es­ pontaneam ente, se a m ente cessar de fu g ir, dei­ x ar de p ro cu rar soluções. A ssim sendo, se a m ente não se ocupa com avaliações, o que é puro conform ism o, se exis- 134 te espontânea com preensão da prisão que é o am biente, nota-se, então, a ação da in te lig ê n ­ cia, que é liberdade. E nquanto a m ente, obscurecida pela m em ó­ ria, c ria r valores, sua ação erg u erá novas m u­ ralhas a p risio n a n te s; mas na espontânea com­ preensão das m uralhas da prisão, que é o am ­ biente, consiste a ação da inteligência, que é liberdade; porque essa ação, essa inteligência, não cria nem atrib u i valores. E x istirã o valo­ res — valores que são circunstâncias e p o rta n ­ to servidão, conform idade ao am biente — exis­ tirão esses valores rep resen tativ o s do confor­ mismo, das circunstâncias, enquanto e x istir o tem or, nascido da p ro cu ra de segurança. E quando a m ente, que é inteligência, percebe o pleno significado do am biente, e p o rtan to o com preende, é espontânea a ação, pois estã é a p ró p ria inteligência, a qual não atrib u i valores às coisas, porquanto com preende p erfeitam en ­ te as circunstâncias que a cercam. X P elas p erg u n tas que me foram feitas, p are­ cem as m inhas p alestras haver m otivado certa confusão, ao que ju lg o porque, presos às pala­ vras, não aprofundam os o seu significado, ou nos servim os delas como in stru m en to s de com­ preensão. P a ra mim, existe um a realidade, um a v er­ dade viva e im ensa; e para com preendê-la é necessária absoluta sim plicidade do pensam en­ to. O que é sim ples é in fin itam en te sutil, o que é sim ples é extrem am ente delicado. E x iste uma g rande sutilidade, um a su tilid ad e e delicadeza in fin itas, e se vos u tilizard es das palavras como sim ples in stru m en to s para alcançar aque­ la delicadeza, p ara alcançar aquela sim plicida­ de do pensam ento, acred ito que não podereis com preneder o que desejo tra n sm itir. Mas, se vos u tiliz a rd e s da significação das palavras como um a ponte que cum pre tran sp o r, não se to rn arão , então, as palavras uma ilusão na qual a m ente fica perdida. 136 A firm o que existe esa realidade viva, cha­ mai a Deus, ou como quiserdes, e que ela não pode ser en co n trad a nem sen tid a pela busca. T u d o que im plica busca, im plica contraste e dualidade. Sem pre que a m ente está à pro cu ra de algo, tal coisa im plica, forçosam ente, um a divisão, um a distinção, um co ntraste, o que não quer dizer que deva a m ente quedar-se sa­ tisfe ita , que devn e s t a g n a r . E x iste um equilí­ brio delicado, que não é nem satisfação nem esforço incessante aplicado à busca, à realiza­ ção do desejo de alcançar, realizar algo. E nes­ sa delicadeza de equilíbrio reside a sim plicida­ de, não a sim plicidade consistente em te r pou­ cas roupas e poucas posses. Não falo de uma ta l sim plicidade, que é form a gro sseira de sim ­ plicidade, porém da sim plicidade nascida dessa delicadeza de pensam ento, na qual não existe nem busca nem satisfação. Como dizia, to d a busca im plica dualidade, contraste. Ora, onde existe co ntraste, d ualida­ de, e x istirá necessàriam ente identificação com um de dois opostos, e disso re su lta compulsão. Q uando dizem os que buscam os algo, nossa m ente está reje ita n d o algum a coisa e p ro cu ran ­ do um su b stitu to que a satisfaça, criando dêsse modo dualidade, do que resu lta com pulsão. Isto é, a escolha de um a coisa sig n ific a re je i­ ção de outra, não é assim ? 137 10 Q uando dizem os que procuram os ou c u lti­ vamos um novo valor, sig n ifica isso sim ples­ m ente que desejam os desem baraçar-nos daque­ le a que está prêsa agora a nossa m ente, e que é o oposto do que procuram os. E ssa escolha baseia-se na atração p ara um ou no tem or do ou­ tro, e esse apegar-se pela atração, ou re je ita r pelo tem or, influ en cia a m ente. E ssa in flu ê n ­ cia, pois, é a negação da com preensão e só pode e x istir onde há divisão, a divisão psicológica de que resu ltam distinções tais como as de ciasse, nacionalidade, religião, sexo. Isto é, procurando livrar-se de algo, cria a m ente dua­ lidade, e essa dualidade im pede o en tendim en­ to e cria as distinções denom inadas de classe, religião e sexo. E ssa dualidade influencia a m ente, e tôda m ente influenciada pela d u ali­ dade não pode com preender o significado do am biente ou o significado da causa do conflito. E ssas influências psicológicas são m eras rea­ ções ao am biente que partem daquele centro de consciência do “ eu”, de inclinação e aver­ são, de antítese, e natu ralm en te onde existem an títeses, opostos, não pode haver com preen­ são. D essa distinção resu lta a classificação das influências em benéficas e m aléficas. E n q u an ­ to a m ente fôr influenciada — e a in flu ên cia nasce da atração, dos opostos, das an títeses — haverá dom ínio cu com pulsão, do am or, do in ­ telecto, da sociedade, e essa in flu ên cia será 138 um em pecilho àquela com preensão que é bele­ za, verdade e o p ró p rio amor. Mas, se vos to rn a rd es cônscios dessa in ­ fluência, podereis d iscernir-lhe a causa. A m aínríp n arere pstar cônscia superficialm ente e não pela form a m ais profunda. É som ente quando existe percepção, no m ais pro fu n d o da consciência, do pensam ento e dos sentim entos, que se pode d iscern ir a divisão criada pela in ­ fluência, que é a negação da com preensão. P e r g u n t a : D e p o is ú e o u v ir v o ssa p a ­ le s tr a sô b rc a m e m ó ria , p e r d i d e to d o a m in h a , e v e r i f i c o q u e j á m e n ã o le m b r o d e m i n h a s d í ­ v i d a s c o lo s s a is . S i n t o - m e i m e n s a m e n t e f e l i z . É l ib e r ta ç ã o i s s o ? K r i s h n a m u r t i : P erg u n tai-o ao vosso credor. Parece-m e que existe c e rta con­ fusão com respeito ao que tenho procurado ex­ pressar, relativam ente à m em ória. Se confiais na m em ória como um guia de conduta, um m eio de atividade na vida, essa m em ória deve­ rá entrav ar a vossa ação, a vossa conduta, por­ que, então, essa ação ou conduta será m eram en­ te o resultado de cálculo, não tendo p o rtan to espontaneidade, nem riqueza, nem p len itu d e de vida. Não sig n ifica isso que devais esque­ cer as vossas dívidas. Não podeis esquecer o passado. Não o podeis ob literar da m ente. Isso 139 é um a im possibilidade. Subconscientem ente, ele co n tin u ará a ex istir. M as, se essa lem bran­ ça subconsciente, essa lem brança adorm ecida, vos está influenciando inconscientem ente, se ela está m oldando a vossa acão. vossa conduta, tôda vossa perspectiva da vida, continuará, en­ tão, essa in flu ên cia a criar novas lim itações, a im por novas cargas ao funcionam ento da in ­ teligência. P o r exem plo, voltei recentem ente da ín d ia ; estive tam bém na A u strá lia e na N ova Z elân­ dia, onde conheci várias pessoas, ocorreram -m e m uitas idéias e vi m uitas coisas. Não posso esquecer essas coisas, em bora possa esm aecerse a sua lem brança. M as a reação dessas coi­ sas passadas pode e n tra v ar tô d a a m inha com ­ preensão do presente, pode im pedir o fu n cio ­ nam ento in telig en te de m inha m ente. Isto é, m inhas experiências e lem branças do passado podem , pela sua reação, tornar-se em pecilhos no presente, im pedindo-m e de o com preender ou de nêle viver plena e intensam ente. V ós reagis com o passado, porque o p re ­ sente perd eu a significação, ou porque quereis ev itar o p rese n te; por isso regressais ao pas­ sado e viveis nesse frêm ito em ocional, nessa reação da lem brança ressurgida, porque o p re­ sente tem pouco valor. Assim , quando dizeis “ p e rd i de todo a m em ória”, quer-m e parecer que só há um lu g ar apropriado p ara vos alo- 140 j a r . . . Não podeis p erd er a m em ória, mas, se viverdes com pletam ente no presen te, na p len i­ tu d e do m om ento, podeis tornar-vos conscien­ tes de todos os em aranhados subconscientes da m em ória, das esperanças e desejos laten tes que, r e s s u r g i n d o , v o s i m p e d e m u c a i u c u ***.1»ligentem ente no presente. Se perceberdes isso, se perceberdes esse entrave, em to d a a sua pro­ fundeza, não superficialm ente, desaparecerá nesse caso a m em ória subconsciente, latente, que é som ente fa lta de com preensão e in su fi­ ciência do viver, e estareis em condições de e n fre n ta r com o rig in alid ad e cada variação do am biente, cada m ovim ento célere do pensa­ m ento. P e r g u n t a : D iz e is q u e a p e r fe ita co m ­ p r e e n s ã o d o a m b ie n te e x te r n o e d o in te r n o a li­ v ia o i n d i v í d u o ra, m e sm o d a s e rv id ã o e d o p e sa r. A g o ­ n e s s e e s ta d o , c o m o p o d e o in d iv í­ d u o l ib e r ta r - s e d o i n d e s c r i t í v e l a c a b r u n h a m e n t o q u e , p e la n a t u r e z a d a s c o is a s , é c a u s a d o p e la m o r t e d e a l g u é m q u e ê le a m a r e a l m e n t e ? K r i s h n a m u r t i : Q ual é a causa do sofrim ento, nesse caso? E que é isso que cha­ m am os sofrim ento? Não é o sofrim ento um choque aplicado à m ente, p ara despertá-la para o reconhecim ento da pró p ria insuficiência? O reconhecim ento dessa insu ficiên cia m otiva o 141 que chamamos pesar. Suponham os que contás­ seis com vosso filho, ou m arido, ou espôsa, para preen ch er aquela insuficiência, aquela au­ sência de p le n itu d e ; com a perda dessa pessoa que amais, cria-se um vivo sentim ento de vazio, . i ,• r * —*j J I ' U VJLJl JLQO ÜCÒÔC C3C ii .L i .i A .i W J .i t U W Ü U U U , * “ p erd i alguém ”. A ssim , pois, a m orte nos revela claram en­ te, em prim eiro lugar, o vazio que d ilig en te ­ m ente evitávam os. C onsequentem ente, quando há dependência, há tam bém vazio, su p erficia­ lidade, insuficiência, e p o rtan to tris te z a e dor. Não querem os reconhecer êsse fato ; não que­ rem os ver, aí, a causa fundam ental. E começa­ mos, por isso, a d ize r: “ Q ue falta me faz m eu am igo, m eu m arido, m inha m ulher, m eu filho. Como poderei indenizar-m e dessa perda? Como poderei vencer esta tris te z a ? ” Ora, indenizar ou vencer é sem pre su b sti­ tu ir. Não há com preensão nisso, e por conse­ g u in te só pode re su lta r m ais pesar, em bora possais en co n trar um su b stitu to que m om enta­ neam ente anestesie a m ente. Se não p ro cu rais um m eio de vencer ò vosso pesar, apelais p ara as sessões de espiritism o, para os “ m édiuns”, ou buscais abrigo na prova cien tífica da con­ tinuação da vida após a m orte. Começais, dêsse modo, a descobrir vários m eios de fu g a e substituição, que vos aliviem momentâneamen.te do sofrer. Mas, se se elim inasse o desejo de 142 vencer a dor e lhe sucedesse um desejo real de com preender, de descobrir, fu n d am en tal­ m ente, o que causa dor e pesar, descobriríeis que quando há solidão, su perficialidade, vacui­ dade, insuficiência, cuja expressão é a depenciencia, tem cie e x istir cior. a , tai insuficiência não se pode p reencher com a superação de obstáculos, com substituições, com fugas ou acum ulações, que são m eros ard is da m ente, p erd id a na perseguição do ganho. O sofrim ento é apenas aquela elevada e in­ ten sa claridade do pensam ento e do sentim en­ to, que vos força a reconhecer as coisas tais como são. M as isso não sig n ifica aceitação, re ­ signação. Q uando percebem os as coisas tais como são, no espelho da verdade, que é a in ­ teligência, experim entam os ale g ria e êxtase. Não existe aí dualidade, nem sentim ento de perda, nem separação. A sseguro-vos que isso não é teoria. Se ponderardes o que agora vos digo, juntam ente com m inha resp o sta à p ri­ m eira pergunta, relativ a à m em ória, vereis como a m em ória aum enta a dependência, r e ­ cordando acontecim entos passados para obter deles uma reação em ocional que im pede a plèna expressão da intelig ên cia no presente. P e r g u n t a : Q u e s u g e s t ã o o u c o n s e lh o d a r í e i s a u m a p e s s o a q u e l u t a c o m o e m p e c il h o d e fo r te s e x u a lid a d e ? 143 K r i s h n a m u r t i : P ensando bem, quando não existe expressão criadora da vida, costum am os a trib u ir exagerada im portância ao sexo, que se to rn a um problem a agudo. N essas condições, o que in teressa saber não é o con­ selho ou sugestão que eu daria, ou a m aneira de dom inar a paixão, o desejo sexual, mas sim a m an eira de lib erar o viver criador, em vez de nos ocuparm os com um a p arte dêle, apenas, que é o sexo; o que nos deve in te ressa r é a com preensão da vida no seu todo, na sua in te ­ gridade. O ra, por efeito da m oderna educação, por efeito das circun stân cias e do am biente, sois im pelidos a fazer algo que detestais. R epugnavos, isso, m as sois forçados a fazê-lo, porque vos faltam elem entos apropriados, porque vos falta o necessário adestram ento. N as vossas atividades, sois im pedidos pelas circ u n stâ n ­ cias, pelas condições, de vos expressardes fu n ­ dam entalm ente, com força criadora, do que re ­ su lta a necessidade de uma saída p ara a vossa expressão, e essa saída se to rn a o problem a do sexo, ou do alcoolism o, ou ou tro problem a qualquer, idio ta e fú til. T odas essas saídas se tornam problem as. Ou, ten d es inclinações artísticas. H á bem poucos a rtistas, m as se ten d es propensão p ara a arte, e essa inclinação está sendo co n tin u a­ m ente perv ertid a, adulterada, contrariada, im- 144 p edindo tal circu n stân cia a vossa v erd a d e ira expressão, começais a a trib u ir indevida im por­ tân c ia ao sexo ou qualquer m ania religiosa. Ou, se são co n trariad as e estorvadas as vos­ sas ambições, resu lta disso a trib u ird es, tam bém, im portância exagerada a coisas que deveriam ser norm ais. Assim , pois, enquanto não com preenderdes integ ralm en te as vossas aspirações religiosas, políticas, econôm icas e sociais, e os entraves que se lhes opõem, as funções n a tu ra is da vida assum irão im portância im ensa e o p rim eiro plano na vossa vida. E ssa a razão p o r que to ­ dos os inum eráveis problem as da cobiça, do desejo de possuir, do sexo, das distin çõ es so­ ciais e raciais, têm a sua m edida e o seu valor falsos. Mas se, no tra to com a vida, deixásseis de considerá-la nas suas partes p ara considerála no seu todo, com preensivam ente, fecunda­ m ente, com inteligência, veríeis desaparecerem os problem as que debilitam a m ente e des­ troem o viver criador, e n traria a in telig ên cia a fun cio n ar norm alm ente e ex p erim en taríeis as doçuras do êxtase. P e r g u n t a : T e n h o a im p r e s s ã o d e e s ­ ta r p o n d o e m p r á t i c a a s v o s s a s i d e i a s ; m a s n ã o e n c o n t r o a l e g r ia n a v i d a n e m e n tu s ia s m o p o r a t i v i d a d e a lg u m a . T o d o s o s m e u s e s f o r ç o s p o r m a n t e r - m e v i g i l a n t e n ã o c la r i fi c a r a m a m in h a 145 c o n fu s ã o n e m t r o u x e r a m m o d i f i c a ç ã o o u m a i o r v ita lid a d e à m in h a e x is tê n c ia . N ã o te m agora m a i s s i g n i f i c a d o a m i n h a v id a d o q u e t i n h a h á s e te anos, q u a n d o p a le s tr a s. Q u e c o m e c e i a o u v ir as vo ssa s é que não e s tá c e rto , n o m e u K r i s h n a m u r t i : T enho m inhas dú­ vidas sôbre se o au to r da pergunta, antes de m ais nada, com preendeu o que tenho dito, an ­ tes de p ô r em p rática as m inhas idéias. Mas, porque haveria ele de pô-las em prática? Que são m inhas idéias? E porque m i n h a s ? Não vos estou fornecendo um m olde ou código para viverdes em conform idade com êle, nem um sistem a para seguirdes. O que venho dizendo é que, para viver fecundam ente, en tu siastica­ m ente, com in telig ên cia e fôrça vital, requerse ação da inteligência. E ssa in telig ên cia é p e rv ertid a e co n trariad a por essa coisa chama­ da m em ória. —• J á expliquei o que entendo por m em ória, e não necessito repeti-lo. — E n q u an ­ to e x istir essa b atalha constante para conse­ guir-se algo, enquanto a m ente estiver su je i­ ta a influências, haverá dualidade, e por con­ seg u in te dores e lutas, sendo a nossa busca da verdade ou da realidade uma m era fu g a do sofrer. P o r isso, eu vos digo: Tom ai sentido de que vossos esforços, vossas lutas, vossas lem bran146 ças in terco rren tes, estão-vos d estru in d o a in­ teligência. T om ar sentido não sig n ifica to rnár-se superficialm ente cônscio, mas, sim, des­ cer ao m ais pro fu n d o da consciência, por m a­ n eira que não fique por descobrir um a só reaç& o ín co i i aci ei i t c . í ssu oc »-Om w . m ento, com a atividade intensa da m ente e do coração, e não com um a m ente atravancada de crenças, d o u trin as e ideais. A m aioria das m en­ tes está gravada dessas coisas e do desejo de ser guiada. Ao dardes fé dessa carga, não comeceis a dizer que não deveis te r ideais, não deveis te r credos, e por aí a fora. A p ró p ria idéia de “ de­ v e r” reclam a o u tra doutrina, outro credo; to ­ m ai sentido, — som ente, e na intensidade dêsse conhecim ento, na intensidade do percebim ento, nessa chama, se criará um a tal crise, um conflito tal, que êsse mesmo conflito dissol­ verá o obstáculo. Sei que há pessoas que vêm aqui ano por ano, e cada ano procuro explicar por m aneiras d iferen tes essas idéias, mas quer-m e parecer que há m uito pouca intensidade de pensam en­ to da parte das pessoas que dizem “ há sete anos que vimos ouvindo as vossas p alestras”. E n te n d o por pensam ento, não o m ero racioci­ n ar intelectual, que é som ente cinzas, m as o equilíbrio en tre os sentim entos e a razão, en­ tre os afetos e o pensam ento; e êsse equilíbrio 147 não é in fluenciado nem atin g id o pelo co n flito dos opostos. Mas, se não existe nem capacida­ de de p ensar claram ente nem intensidade do sen tir, como é possível o despertar, como é possível o equilíbrio, como poderá haver vigiiâxicia e pei cebim ento ? T om a-se, assim , a vida fú til, vazia, sem valor. P o r essa razão, o que cum pre fazer, em p ri­ m eiro lugar, se posso sugeri-lo, é descobrir po r que estais pensando e sentindo de um a cer­ ta m aneira. Não p ro cu reis a lte ra r nem analisar vossos pensam entos e sen tim en to s; m as tom ai conhecim ento do que vos faz pensar por um determ inado sulco, e do m otivo de vossas ações. E m bora possais descobrir êsse m otivo pela análise, em bora algo se possa descobrir pela análise, não será real o que descobrirdes; só descobrireis algo real, estando intensam en­ te v ig ilan tes no m om ento em que funcionam vossos pensam entos e sen tim en to s; percebe­ reis, então, a sua extrem a su tileza e delicade­ za. E n quanto vossas ações forem ditadas pelas noções de “ dever” e “ não dever”, não podereis, sob ta l com pulsão, perceber as céleres divaga­ ções do pensam ento e dos sentim entos. E estou certo de que fostes educados na escola do “ de­ v er” e “ não dever” ; e por isso d e stru íste s o pensam ento e o sentim ento. F o stes m ania­ tados e m utilados pelos sistem as, pelos m éto­ dos, e por vossos m estres. D eixai, pois, to- 148 dos esses “ devo” e “ não devo”. Não sig n ifi­ ca isso que deva e x istir liberdade sem peias, porém que deveis e sta r v ig ilan tes p ara a vos­ sa m ente, se ela estiv er sem pre a dizer “ devo” c “ não devo”. E n tão , assim como um a flo r de­ sabrocha num a bela m anhã, assim tam bém a in­ teligência se m anifesta, está presente, funcio­ nando, criando com preensão. P e r g u n t a hom em que possui f a l a i s , p e lo m e n o s guém r e a g ir com o : D iz -s e q u e o a r tis ta é u m essa co m p reen sã o e n q u a n to de que c r ia . M a s , s e a l- o p e r t u r b a o u c o n tr a r ia , é ê le c a p a z d e v io le n ta m e n te , m a n ife s ta ç ã o de ju s tific a n d o ta l te m p e r a m e n to . reação É e v i­ d e n t e q u e n u m m o m e n t o d ê s s e s ê le n ã o e s tá v i ­ v e n d o c o m p l e t a m e n t e . T e m ê le de fa to aque­ la c o m p r e e n s ã o , s e é tã o f á c i l f a z ê - l o r e c a ir n a sua c o n s c iê n c ia in d iv id u a l? K r i s h n a m u r t i : A quem chamais a rtista ? Ao hom em que só m om entaneam ente é criador? P a ra m im um tal hom em não é a r­ tista . Ao hom em que só em m om entos raros tem o im pulso criad o r e expressa o seu poder de c ria r pela perfeição da técnica, positivam ente não podem os chamá-lo artista . P a ra mim, o verdadeiro a rtis ta é aquêle que vive com­ pletam ente, harm oniosam ente, que não separa a sua arte da vida, cu ja vida m esm a é ex- 149 pressão, seja na tela, ou na m úsica, ou n a sua co n d u ta; é o homem que não divorciou a sua expressão, na tela, na m úsica, ou no m árm ore, de sua conduta, de seu viver cotidiano. N isso se revela in telig ên cia e harm onia no m ais alto grau. P a ra mim, o verdadeiro a rtis ta é o ho­ mem que possui essa harm onia. Ê le a expressa na tela ou pela palavra, ou não a expressa por form a algum a, sentindo-a som ente. M as tudo isso req u er delicado equilíbrio, percebim ento intenso, e por este m otivo não está divorcia­ da a sua expressão do seu viver cotidiano. 150 XI O que cham am os felicidade ou êxtase é, para mim, o p ensar criador. E o p en sar criador é o m ovim ento in fin ito do pensam ento, do sen­ tim en to e da ação. Isto é, quando o pensam en­ to, que é sentim ento, que é a p ró p ria ação, não é estorvado no seu m ovim ento, não é com peli­ do nem influenciado, nem está vinculado por u m a ' idéia, nem procede do acervo da tradição ou do hábito, êsse m ovim ento é então criador. E n quanto o pensam ento — e não vou rep e tir to d as as vezes sentim ento e ação — enquanto estiv er circunscrito, prêso por um a idéia fixa, ou m eram ente a aju star-se a um a trad ição ou condição, tornando-se assim lim itado, não é criador o pensam ento. Assim , pois, a p e rg u n ta que faz a si tôda pessoa m editativa é “ como d e sp ertar êsse p en ­ sam ento criad o r?” — porque, quando existe êsse pensam ento criador, que é m ovim ento p e­ rene, não pode haver idéia de lim itação, de conflito. 151 O ra, êsse m ovim ento do pensar criad o r não busca, na sua expressão, nem resu ltad o , nem realização ; seus resu ltad o s e expressões não rep resen tam a sua culm inação. Ê le jam ais a tin ­ ge culm inância ou objetivo, porque é eterno o seu m ovim ento. A m aioria das m entes visa a um a culm inância, um objetivo, um a realização, m oldando-se pela idéia de sucesso, e por isso ta l pensam ento, tal pensar está a lim itar-se continuam ente. Mas, se não houver propósito de realização, m as som ente o contínuo m ovi­ m ento do pensam ento, como com preensão, como in teligência, é então criador êsse m ovi­ m ento do pensam ento. Isto é, o p ensar criador cessa quando a m ente se debilitou pelo a ju s­ tam ento, a que a im pele a influência, ou, quan­ do ela funciona apoiada num a trad ição incom ­ p reen d id a ou p a rtin d o de um ponto fixo, como anim al prêso a um a estaca. E n quanto e x istir ta l lim itação, tal ajustam ento, não haverá pen­ sar criador, não haverá inteligência, que, só ela, é liberdade. Ê sse m ovim ento criador do pensam ento não busca jam ais resu ltad o nem a tin g e culm inân­ cia, porque resu ltad o e culm inância são sem ­ pre o p ro d u to de paradas e m ovim entos a lte r­ nados, ao passo que, não havendo p ro cu ra de resu ltad o , mas som ente m ovim ento contínuo do pensam ento, isso é, então, pensar criador. Igualm ente, está livre o p en sar criad o r da di­ 152 visão, geradora de co n flito en tre o pensam en­ to, o sentim ento e a ação. E só ex iste divisão quando se busca objetivo, quando ex iste a ju s­ tam ento e a com placência da certeza. A ação é êsse m ovim ento, que é, êle próPAo, pensam ento c sentim ento, co™" já a p l i ­ quei. E ssa ação é a relação en tre o indivíduo e a sociedade. E la é conduta, trabalho, coope­ ração, que cham am os preenchim ento. Isto é, quando a. m ente atu a sem visar a um a culm i­ nância ou objetivo, e é p o rtan to criad o r o seu pensar, êsse pensar é ação, a qual é a relação e n tre o indivíduo e a sociedade. P o is bem : se fô r êsse m ovim ento do pensam ento claro, sim ­ ples, direto, espontâneo, profundo, não exis­ tirá então conflito no indivíduo, co n tra a socie­ dade, porque a ação é, nesse caso, a p ró p ria ex­ pressão desse m ovim ento vivo e criador. N essas condições, não há, para mim, a r te de pensar, só há p ensar criador. Não h á téc n i­ ca de pensar, m as som ente a espontânea ação criad o ra da inteligência, a qual é a harm onia da razão, do sentim ento e da ação, não separa­ dos ou divorciados uns dos outros. Ora, êsse pensar e sentir, sem a sp irar a re ­ com pensa ou resultado, é uma v erd ad eira ex­ periência, não achais? No verdadeiro ex p eri­ m entar, no verdadeiro provar não pode haver busca de resultado, porque tal ex p erim en tar é o m ovim ento do pensam ento criador. P a ra ex- 153 11 p erim en tar deve a m ente estar a livrar-se con­ tin u am en te do am biente com que se choca no seu m ovim ento, êsse am biente que chamamos o passado. Não pode haver pensar criad o r p a ra a m ente estorvada pela busca de recom pensa, O C g 4 * 1 . ^ € 4 *U- U iiJ l U U jC w iV O . Q uando a m ente e o coração1 buscam resu l­ tado ou vantagem , e com isso com placência e estagnação, tem de haver a prática, a necessi­ dade de superar, a disciplina, de onde resu lta conflito. J u lg a a m aioria das pessoas que, pela p rática de d eterm inada idéia, conseguirão li­ b e rta r o pensam ento criador. Ora, se observar­ des, se m editardes, vereis que a p rática é m ero resu ltad o da dualidade. E to d a ação nascida da dualidade deverá p e rp e tu a r a distinção en­ tre m ente e coração, tornando-se, pois, tal ação m era expressão de um a conclusão calcula­ da, lógica, au to p ro tetó ria. Se existe tal p rá ­ tica de autodisciplina, ou êsse contínuo do­ m ínio ou in flu ên cia das circunstâncias, é a p rá ­ tica então sim ples alteração, sim ples m o d ifi­ cação em v ista de um fim ; é ação confinada pelo pensam ento re s trito que cham ais cons­ ciência individual. A ssim sendo, a p rática não o rig in a o pensar criador. P en sar criativam ente é estabelecer harm o­ nia en tre a m ente, o sentim ento e a ação. Isto é, se estais convencidos de um a ação, sem v i­ sardes a um a recom pensa final, essa ação, re- 154 sultando da in teligência, afasta to d o s os óbi­ ces im postos à m ente pela fa lta de com preen­ são. C reio que não estais com preendendo isso. Q uando enuncio um a idéia pela p rim eira vez, é n atu ral, por nao estardes habituados a ela, achardes d ifícil a sua com preensão; mas, se m e­ d ita rd es sobre a mesma, com preendereis o seu significado. Q uando a m ente e o coração estão tolhidos pelo tem or, pela fa lta de com preensão, pela compulsão, essa m ente, em bora capaz de p en­ sar den tro dos confins, d entro dos lim ites da­ quele tem or, não ex p ressará o verdadeiro p en­ sam ento, e a sua ação deverá sem pre lev an tai novas barreiras. P o r conseqüência, a sua capa­ cidade de pensar está sendo re strita . Mas, se a m ente se lib erta pela com preensão das c ir­ cunstâncias, e p o rtan to age, tal ação é pensa­ m ento criador. P e r g u n t a : P o d e is d a r u m e x e m p lo d a p r á tic a da v ig ilâ n c ia c o n sta n te e da ação s e ­ le tiv a , na v id a co tid ia n a ? K r i s h n a m u r t i : P a ríe is essa p er­ g u n ta se houvesse um a serpente venenosa no vosso quarto? E m ta l caso, não p e rg u n ta ríe is: “ Como me m an terei desperto? Como poderei ficar intensam ente v ig ila n te ?” Só faz ta l per- 155 g u n ta quem não está certo da presença do ré p ­ t il no seu quarto. O u ignorais com pletam ente essa presença, ou desejais en treter-vos com a serpente, p articipando de suas dores e de seus deleites. Acom paim ai-m e, poi lav u i. Nãu p u a t li«.ver vigilância, êsse alertam ento da m ente e dos sen­ tim entos, quando a m ente está ainda cativa da dor e do prazer. Q uer dizer, quando um a ocor­ rência vos proporciona dor e prazer ao mesmo tem po, nada fazeis. A gis som ente quando a dor é m aior do que o prazer, mas, se é m aior o p ra ­ zer, nada fazeis, porque não há conflito in te n ­ so. É só quando a do r excede o prazer, quan­ do é m ais aguda que o prazer, que reclam ais um a ação. A m aioria espera que a dor aum ente antes de agir, e nesse período de espera q u er saber como m anter-se vig ilan te. N inguém lho pode dizer. E speram que recrudesça a dor, p ara en­ tão agir, isto é, esperam que a dor, pela sua com pulsão, os force à ação, e n a com pulsão não há inteligência. É apenas o am biente, e não a inteligência, que os força a a g ir de |determ inada m aneira. P o r conseguinte, quando uma m ente está nessa estagnação, nessa fa lta de in­ tensid ad e, tem de haver, n aturalm ente, m ais do r e m ais conflito. P elo aspecto das coisas, do ponto de vista político, é provável a irrupção de nova guerra. 156 E la poderá ex p lo d ir daqui a dois, cinco, dez anos. U m hom em in telig en te pode ver isso e ag ir in telig en tem en te. M as o hom em que ficou estacionário,à espera de que a dor o force à ação, agu ard a um caos m aior, um sofrim ento m aior que ine de o ím peto de agir, e não está, por conseguinte, funcionando a sua in telig ên ­ cia. Só há v ig ilân cia quando a m ente e o co­ ração estão tensos, altam ente tensos. P o r exem plo: quando vedes que o am or pela posse conduz à insuficiência, quando vêdes que a insuficiência, a fa lta de riqueza in terio r, a superficialidade, sem pre o rig in am dependên­ cia, quando reconheceis êsse fato, que aconte­ ce a vossa m ente e coração? O desejo im edia­ to é de preen ch er a in su ficiên cia; mas, por outro lado, quando percebeis a fu tilid a d e da acum ulação contínua, com eçais a ficar vig i­ lantes para o funcionam ento de vossa m ente. V êdes que no m ero acum ular não pode haver pensam ento cria d o r; maS, apesar disso, a m en­ te se ocupa em acum ular. P o r consequência, se vos d erdes conta desse fato, criareis um conflito e êsse mesmo conflito dissolverá a causa da acum ulação. P e r g u n t a um : P o r q u e m a n e i r a p o d e r ia e s ta d is ta q u e c o m p r e e n d e s s e o q u e d iz e is , p ô - lo em p r á ti c a n o s n e g ó c io s p ú b lic o s ? O u, n ã o é m a i s p r o v á v e l q u e ê le s e r e t i r a s s e d a p o - 157 I lític a , r e c o n h e c e n d o fa ls o s os s e u s o b je tiv o s e b a ses? K r i s h n a m u r i i : Se êle com preen­ desse o que digo» não sep araria a política da vida na rua p len itu d e ; c não vejo l ^ Z c * que devesse afastar-se da política. Ê verdade que a política é atu alm en te um in stru m en to de exploração; mas, se êle considerasse a vida como um todo, e não a p o lític a som ente —<uma vez que por p o lítica êle entende a s u a p átria, o s e u povo, e a exploração dos sem elhantes — e considerasse os problem as hum anos não como problem as nacionais, porém m undiais, não como problem as am ericanos, cu hindus, ou germ ânicos, nesse caso, se de fato com preen­ desse o que digo, seria êle um v erdadeiro ser hum ano, e não um político. E para mim, é esta a coisa m ais im p o rta n te : ser hum ano, e não urn explorador, ou sim ples expoente de um a d e te r­ m inada especialidade. J á na m inha p a le stra de ontem pro cu rei ex p licar isso. A cho que aí é que está o mal. O político só cuida de p o líti­ ca, o m o ralista de m oral, o suposto m estre es­ p iritu a l, do esprito, cada um deles se ju lg a n ­ do autoridade, com exclusão de todos os ou­ tros. T ô d a a e stru tu ra de nossa sociedade se assenta nessa base, e prom ovem assim esses líd eres das diversas especialidades devastação e m iséria cada vez m aiores. M as se nós, como 158 entes hum anos, percebêssem os a relação ín ti­ ma en tre to d as essas coisas, en tre a política, a religião, e a vida econôm ica e social, se en x er­ gássem os essa relação, não pensaríam os nem agiríam os, nesse caso, separativam ente, indiviNa ín d ia, p o r exem plo, há m ilhões a m or­ rerem de fome. O hindu, que é nacionalista, d iz: “ T ornem o-nos prim eiro intensam ente na­ cionalistas, e estarem os depois, em condições de resolver o problem a da penú ria.” P a ra mim, en tretan to , a m aneira de resolver o problem a da pen ú ria é d eix ar de ser nacionalista, e to rnar-se o co n trário d isso ; a fom e é um proble­ m a m undial, e ta l processo de isolam ento só tem o efeito de aum entar a penúria. Se, pois, o político tra ta r dos problem as da vida hum a­ na como político, apenas, êsse hom em o rig in a ­ rá m aiores devastações, m aiores m ales, e m isé­ ria m aior; se, porém , considerar a vida como um todo, sem distinção en tre raças, n acionali­ dades e classes, é ele, então, um v erdadeiro ser hum ano, apesar de político. P e r g u n t a : D is s e s te s q u e , co m d o is o u tr ê s q u e c o m p re e n d e sse m , s e r íe is ca p a z de tr a n sfo r m a r o m u n d o . H á m u ito s q u e ju lg a m c o m p re e n d e r e q u e a c re d ita m h a v er o u tr o s nas m e sm a s c o n d iç õ e s; ta is são o s a r tista s e o s h o ­ m e n s d e ciên cia , e n o e n ta n to o m u n d o c o n ti - 159 n u a s e m m o d i f ic a ç ã o . E x p l i c a i p o r q u e m a n e i ra ir íe is tr a n s fo r m a r o m u n d o . J á n ã o e s ta is , p o r v e n tu r a , m o d ific a n d o m a n e ir a o m u n d o , q u iç á va g a ro sa e s u til, p o ré m por d e c is iv a m e n ­ t e , p e la p a la v r a , p e la v o s s a v id a , e p e la i n f l u ê n ­ c ia q u e s e m d ú v id a e x e r c e r e is n o p e n s a m e n to h u m a n o , n o s a n o s fu tu r o s ? Ê essa a tr a n s fo r ­ m ação a lg o que tín h e is em m e n te , o u se tr a ta d e d e e fe ito s im e d ia to s na e s tr u tu r a p o líti­ ca , e c o n ô m i c a e r a c ia l? K r i s h n a m u r t i : Se b e m me lem ­ bro, nunca pensei na sucessão im ediata da ação e seu efeito. P ara se o b ter resultado du rad o u ro e real, é necessário haver, na base da ação, g rande observação, pensam ento e in telig ên cia pro fu n d o s, e bem poucos se dispõem a p ensar criativam ente ou a livrar-se de in flu ên cias e in ­ clinações. Se, individualm ente, com eçardes a pensar, estareis então em condições de cooperar in te lig e n te m en te ; mas, enquanto não houver in teligência, não será possível a cooperação e rein a rá som ente a com pulsão e, p o rtan to , o caos. P e r g u n t a p esso a g o vern a r m o s, a to d o : A t é q u e p o n to p o d e u m a s u a s p r ó p r ia s a çõ es? Se e q u a lq u e r m o m e n to , a so m a so­ de n o ssa e x p e r iê n c ia a n te r io r , se não h á p e r s o n a ­ lid a d e e s p ir itu a l, é p o s s ív e l a g irm o s p o r m a ­ n e ir a d i f e r e n t e d a q u e la d e t e r m i n a d a p e l a h e r e ­ d ita r ie d a d e , 160 p e la educação e p e lo s e s tím u lo s d o m o m e n t o ? S e a s s im é, q u e é q u e ca u sa as m o d ific a ç õ e s n a s e q u ê n c ia d o s fa to s fís ic o s , e com o? K r i s h n a m u r t i : “ A té que ponto pode um a pessoa governar as suas açoesr N inguém governa as suas ações sem haver com­ preendido o am biente, porque, nesse caso, a ação obedece à com pulsão, à in flu ên cia do am ­ b ien te ; tal ação não é ação, absolutam ente, po­ rém sim ples reação ou autoproteção. M as, quando começa um indivíduo a com preender o am biente, a perceb er o seu exato sig n ificad o e valor, torna-se êle então senhor de suas ações, porque é, nesse caso, in te lig e n te ; e, po r conse­ guinte, atu ará intelig en tem en te, sob quaisquer condições. “ Se somos, a todo e qualquer m om ento, a soma de nossa experiên cia an terio r, se não há personalidade esp iritu al, é possível agirm os por m aneira d ife ren te daquela d eterm inada pela h ereditariedade, pela educação, e pelos es­ tím ulos do m om ento?” — Tam bém aqui se a p li­ ca o que acabo de dizer. Se a ação do in d iv í­ duo provém do acervo do passado, sua h eran ­ ça ancestral ou racial, tal ação é m era reação de tem o r; mas, se êle com preende o subcons­ ciente, isto é, as acum ulações do passado, es­ ta rá então, livre do passado e livre, p o rta n ­ to, da com pulsão do am biente. 161 O am biente, afin al de contas, é tan to do presen te como do passado. Não com preendem os o p rese n te quando a m ente está to lh id a pelo passado; e lib e rta r a m ente do subconsciente, dos estofvos inconscientes do passado, não eiu fctzex iuxéti a m em ória para o pas­ sado, mas, sim, em m anter-nos plenam ente conscientes no presente. N essa consciência, nessa in ten sa consciência do presente, põemse em agitação e vêm à to n a todos os resíduos do passado, e nessa ocasião, se estiverdes a te n ­ tos, percebereis o ju sto significado do p assa­ do e com preendereis, pois, o presente. “ Se assim é, que causa as m odificações, na sequência dos fatos físico s?” Segundo en ten ­ do, o a u to r da p e rg u n ta deseja saber o que é que produz a ação a que é forçado pelo am ­ biente. Ê ie atu a de uma determ inada m aneira, coagido pelo am biente, mas se com preendesse, inteligentem ente, êsse am biente, não e x istiria com pulsão de espécie algum a; haveria com ­ preensão, que é a p ró p ria ação. P e r g u n t a : V iv o n u m m u n d o c a ó ti­ co, do p o n to d e v is ta p o lític o , e co n ô m ic o e s o ­ cial, to lh id o p o r le is e c o n v e n ç õ e s q u e m e r e s ­ tr in g e m a lib e rd a d e. Q u a n d o os m e u s d e se jo s se ch o ca m com essas im p o siç õ e s, ou so u f o r ­ çad o a v io la r a le i e s o fr e r as c o n se q u ên cia s, o u a r e p r im ir o s m e u s d e se jo s. O n d e ê p o s s í162 v e l, en tão , n u m m u n d o com o ê s te , e v ita r a autod isc ip lin a ? K r i s h n a m u r t i : J á falei a esse re s­ peito, m u itas vezes, porém , te n ta re i explicá-lo 1 1 A . , 'vAVx ÁX^J V O . , t • • • A X Ml C U U 4 0 V A. j^ / J . J . i J . C l U l U V A i . V. ajustam ento ao am biente, ocasionado pelo con­ flito . É isso que chamo autodisciplina. T endes estabelecido um padrão, um ideal, que atu a sob a form a de com pulsão, e forçais a m ente a a ju s­ tar-se a esse am biente — estais a forçá-la, mo­ dificá-la, controlá-la. Q ue acontece quando as­ sim procedeis? E stais, com efeito, a d e stru ir a ação criado­ ra ; estais a p erv erter, a rep rim ir o sentim ento criador. Mas, se com eçardes a com preender o am biente, d eixará então de e x istir a repressão ou o m ero aju stam en to ao am biente, que cha­ m ais autodisciplina. Mas como p o d eis com preender o am biente? Como podeis com preender o seu exato valor e significado? Q ue vos im pede de perceber êsse significado? Em prim eiro lugar, o tem or. É o tem or a causa da busca de proteção ou se­ gurança, seja . de ordem física ou esp iritu al, seja religiosa ou em ocional. E n quanto houver ta l busca, e x istirá tem or, o qual ergue um a b ar­ reira entre vossa m ente e o am biente, criandoassim co n flito ; e tal conflito não sereis capa­ zes de dissolver, enquanto vos interessardes 153 som ente em aju stam en to s e m odificações, e nunca no descobrim ento da causa fundam en­ ta l do tem or. N essas condições, quando existe busca de segurança, de certeza, de objetivo, a im p ed ir o pensam ento criador, na necessariam ente a ju s­ tam ento, cham ado autodisciplina, o qual é so­ m ente com pulsão, im itação de m odelo. Mas, quando a m ente percebe que não se consegue segurança m ediante acum ulação de fato s ou de saber, está ela então lib erta do tem or, sendo, pois, in teligência, e a in telig ên cia não se dis­ cip lin a a si mesma. Só há au to d iscip lin a na ausência da inteligência. Q uando há in te lig ê n ­ cia, existe com preensão, livre de in fluências, livre de controle e domínio. P e r g u n t a : C o m o é p o s s ív e l d e s p e r ­ ta r o p e n s a m e n to n u m o m e c a n is m o o r g a n is m o a q u e f a l t a in d is p e n s á v e l pa ra a com preen­ sã o d e i d é i a s a b s tr a ta s ? K r i s h n a m u r t i : Pelo sim ples pro ­ cesso de s o fre r; pelo processo da experiência contínua. Mas, de tal modo nos abrigam os a trá s dos falsos valores, que deixam os com ple­ tam ente de pensar, e por isso começamos a p e rg u n ta r : “ Q ue devemos fazer? Como pode­ rem os d esp ertar o pensam ento?” T em os tem o­ res cultivados, glo rificad o s como v irtu d e s e 164 ideais, a trá s dos quais busca a m ente abrigo, procedendo dêsse abrigo, dêsse m olde, todas as nossas ações. E p o r isso não existe o p en ­ sar. T endes convenções, e o a ju sta r a essas con­ venções cham ais pensam ento e ação, m as tal nào é absoiutainente pensai nem a ^ íi, pu±4 uv. é resultado do tem or, e por isso esse a ju sta r d eb ilita a m ente. Como d esp ertar o pensam ento? A s circuns­ tâncias, ou a m orte de alguém que amais, ou um a catástrofe, um a crise econôm ica, vos lan­ çam no conflito. A s circunstâncias ex terio res forçam -vos a agir, m as nessa com pulsão não pode ocorrer o d e sp ertar do pensam ento, por­ que a vossa ação resu lta do tem or. M as, se co­ m eçardes a perceber que não deveis ag u ard ar que as circun stân cias vos forcem à ação, co­ m eçareis então a observar as p ró p rias circu n s­ tân cias; com eçareis a p e n e trar e a com preen­ d er as circunstâncias, o am biente. Não esperais que uma crise econôm ica vos tran sfo rm e num homem virtuoso, porém lib ertais a m ente do desejo de possuir, da compulsão. O sistem a aq uisitivo se baseia na idéia de que podeis te r posses e que é lícito possuir. A posse vos confere um a auréola de glória. Q uanto m ais tem o indivíduo, ta n to m elhor e ta n to m ais nobre é considerado. V ós criastes êste sistem a e a êle vos escravizastes. P odeis c riar o utra sociedade, não baseada no espírito 165 de aquisição, e ta l sociedade poderá obrigar-vos a vos conform ardes com as suas convenções, tal como a atu al vos obriga a vos conform ardes com a sua aquisitividade. Q ual a d iferen ça en­ tre as duas? N enhum a, absolutam ente. Como indivíduos estais m eram ente sendo forçados pelas circunstâncias ou pela lei a ag ir num de­ term inado sentido, não havendo por isso, em absoluto, pensar c ria d o r; mas, se começa a in­ telig ên cia a funcionar, nesse caso não sereis escravos nem de um a nem de o u tra sociedade, nem da aquisitiva nem da não aquisitiva. Mas para lib ertar-se a m ente, requer-se gran d e in­ te n sid a d e; requer-se v igilância e observação contínuas, que criam conflito. E ssa p ró p ria vi­ g ilância pro d u z um a perturbação, e quando ocorre essa crise, êsse conflito intenso, então a m ente, se não busca a fuga, começa a pen sar originalm ente, a pensar criativam ente, e é êsse pensam ento que é eternidade. 166 X II Parece-m e que a m aioria das pessoas p er­ deu a arte de ouvir. Vêm te r aqui com seus problem as, ju lg an d o que, com ouvirem as m i­ nhas palestras, êles se resolverão. A cho que tal não acontecerá; mas, se souberdes ouvir, co­ m eçareis a com preender o todo, e vossa m en­ te não m ais se d eix ará enlear pelas partes. A ssim sendo, se me p erm itis sugeri-lo, não busqueis n esta p a le stra uma solução p ara vos­ so problem a, nem alívio p ara vosso sofrim en­ to. Só poderei servir-vos, ou, antes, só podereis servir-vos a vós mesmos, se pensardes o rig in al­ m ente, criativam ente. E n carai a vida, não como um a m ultiplicidade de problem as isolados, po­ rém integralm ente, como um todo, com um a m ente que não este ja sufocada pela busca de soluções. Se- ouvirdes as m inhas palavras ali­ viados da carga dos problem as, tom ando um a perspectiva global, vereis então o vosso pro­ blem a assum ir significado d ife re n te ; e, con­ quanto possa não ser resolvido im ediatam ente, 167 com eçareis a perceber a causa dele. No pensar renovado, no reap ren d er a pensar, o co rrerá a dissolução dos problem as e conflitos que one­ ram a m ente e o coração e dos quais resultam tô d as as desarm onias, dores e sofrim entos. U ic t, odv.tc*. u ix j . u.c JUO£>, e m m a io i ou u ic n u i grau, está consum ido de desejos, cujos obje­ tos variam conform e o am biente, o tem p era­ m ento e a h ered itaried ad e. Conform e a vossa condição individual, vossa educação e criação, em m atéria religiosa, social e econôm ica, es­ tabelecestes certos objetivos que incessante­ m ente vos esforçais por alcançar, tendo-se to r­ nado êsse esforço a preocupação dom inante na vossa vida. E stabelecidos êsses objetivos, surgem na­ tu ralm en te especialistas, que se incum bem de vos g u iar p ara a realização de vossos desejos. D êsse modo, torna-se a perfeição técnica, a es­ pecialização, o m eio que vos asseg u rará o fim alm ejado; e, p ara que possais a tin g ir êsse fim, estabelecido pelo vosso condicionam ento re li­ gioso, econôm ico e social, tendes necessidade dos especialistas. P erd e, assim , a vossa ação to d o o significado, todo o valor, porque o que vos interessa é a consecução do objetivo, e não o p reenchim ento da in teligência, que é ação. Interessa-vos a chegada, e não o p reen ch i­ m ento. T orna-se o viver um meio, apenas, para se chegar a um fim , e a vida um a escola, na 168 qual se aprende a a tin g ir um fim . E , p o r con­ sequência, a ação se to rn a um sim ples (meio pelo qual podereis alcançar o objetivo estabe­ lecido pelos vossos diversos am bientes e con­ dições. T orna-se a vida um a escola de grande conflito e luta, e nunca uma coisa p ara preen ­ chim ento, enriquecim entç), aperfeiçoam ento. Começais, por isso, a ind ag ar qual a fin a ­ lidade, qual o alvo da vida. È o que p e rg u n ta a m aioria dos in d iv íd u o s; é o que ocupa os p en­ sam entos da m aioria das pessoas aqui presen ­ tes. P o r que viveis? Q ual a finalidade? Q ual o, objetivo? Q ual o alvo? P reocupados com o alvo, a finalidade, esquecei-vos de viver no p rese n te; ao passo que o hom em que busca o preenchim ento jam ais indaga dos fins, porque o preenchim ento é, em si, suficiente. M as, como não sabeis como se alcança o preenchim ento, como se vive com pletam ente, com riqueza in ­ terio r, com suficiência, começais a in q u irir a finalidade, o objetivo, o alvo, ju lg an d o que fi­ careis aptos para e n fre n ta r a vida, se conhe­ cerdes a sua fin alid ad e — pelo m enos, acred i­ tais possível conhecer essa fin alid ad e — e, de posse dêsse conhecim ento, esperais servir-vos da experiência como meio para cheg ar a um fim ; torna-se por isso a vida um meio, um a m e­ dida, um valor, de que vos u tilizais p ara alcan­ çar tal fim. 169 12 C onsciente ou inconscientem ente, ocu lta ou abertam ente, começa o indivíduo a in d ag ar a fin alid ad e da vida, recebendo as resp o stas dos cham ados especialistas. O artista, se lhe p er­ g u n tard es o objetivo da vida, vos d irá que é a auto-expressão pela pintura, pela escultura, p ela m úsica ou p o esia; o econom ista, se lhe p erg u n tard es, d irá que é trabalho, produção, cooperação, vida em conjunto, atuação em g ru ­ po, em sociedade; e se p e rg u n ta rd e s ao religionário, êste vos d irá que a fin alid ad e da vida é a pro cu ra e o sentim ento de D eus, é v i­ ver em conform idade com as leis estatu íd as pelos m estres, pro fetas, salvadores, e que, viven­ do em consonância com ta is leis e decretos, al­ cançareis a verdade que é D eus. Cada especia­ lista vos d ará a sua resp o sta sobre a fin alid ad e da vida, e de acordo com vosso tem peram ento, vossos caprichos, vossa im aginação, começais a considerar essas finalidades, esses objetivos, como vossos ideais. T a is ideais e fin alid ad es tornaram -se, m era­ m ente, um pô rto de salvação, porque vos se r­ vis deles p ara que vos guiem e p ro tejam no tu m u lto da vida. Começais, pois, a u tiliz a r es­ ses ideais p ara m edir as ocorrências de vossa vida, p ara in v estig ar as condições de vosso am biente. Começais, sem o desejo de com­ p reen d er ou de preencher, unicam ente a in­ v estig ar a finalidade do am biente; e, com a 170 descoberta dessa finalidade, de acordo com vosso condicionam ento, vossos preconceitos, ev itais som ente o conflito de v iv er sem com­ preensão. A ssim , pois, a m ente d ividiu a vida em 5------ U - j f ' OnseCUC^eS •fiw > 2É 3 j n alid ad es; agitação, conflito, p erturbação, tu ­ m u lto ; e vós próprios, vossa consciência in d i­ vidual. Isto é, a m ente d iv id iu a v id a nessas trê s seções. E sta is em agitação e, pois, através dessa agitação, dêsse conflito, dessa p e rtu rb a ­ ção que é tô d a sofrim ento, laborais p ara alcan­ çar uma finalidade, um alvo. T en tais, penosa­ m ente, atravessar essa agitação, esse conflito, p ara atin g ird es o alvo, a finalidade, o pôrto de salvação, o id ea l; e êsses ideais, finalidades, refú g io s foram delineados pelos especialistas econômicos, relig io so s e esp iritu ais. E stais, assim , de um lado, ab rin d o caminho, laboriosam ente, através de condições e am ­ bientes, e criando co n flito s nesse esforço para alcançardes o o u tro lado, onde estão os ideais, os objetivos, os alvos que se to rn aram vossos abrigos e refúgios. A p ró p ria indagação sobre a finalid ad e da vida é indício de fa lta de in ­ telig ên cia no p rese n te; e o hom em plenam en­ te ativo — não im erso em atividades, como a m aioria dos am ericanos, mas plenam ente a ti­ vo, com a in teligência, com os sentim entos, com plena v italid ad e — êsse hom em preencheu 171 a si mesmo. É por isso fú til a busca de fin a li­ dade, porquanto não existe fim nem p rin c íp io ; o que existe é o m ovim ento contínuo do p en ­ sar criador, e o que cham ais problem as são os resu ltad o s de vossos esforços para atravessar4 Cl U i U CUVU* 11 X ü C U C| 47 v r l oe A - ' r r ^ - ; v f preocupa-vos saber a m aneira de dom inar o t u ­ m ulto, de vos a ju stard es ao am biente, a fim de a tin g ird e s um fim . É isso, e não vós mesmos o vosso objetivo, o que preocupa tô d a a vossa vida. O que vos preocupa é som ente o tu m u l­ to, como atravessá-lo, como dom iná-lo, como superá-lo, e p o rtan to como fu g ir dêle. Q uereis a tin g ir aquela p e rfe ita esquiva que cham ais ideais, e aquele p e rfe ito refúgio, que cham ais a fin alid ad e da vida, o que rep resen ta apenas um a fu g a da presen te agitação. N aturalm ente, quando te n ta is superar, do­ m inar, esquivar-vos, e a tin g ir aquele objetivo final, sobrevém a p rocura de sistem as e dos respectivos corifeus, guias, m estres e especia­ lista s; todos êstes são, p ara mim, explorado­ res. Os sistem as, os m étodos, e os seus m es­ tres, com tôdas as suas com plicadas riv alid a­ des, incitam entos, prom essas e m entiras, criam divisões na vida, conhecidas por seitas e cultos. É isso o que acontece. Q uando pro cu rais alcançar algum a coisa, um resultado, uma m a­ n eira de su p erar o tum ulto, sem levardes em consideração a “ vossa psssoa”, a consciência 172 do “ eu”, nem o fim que, consciente ou incons­ cientem ente, buscais sem cessar, ten d e s n a tu ­ ralm ente de c riar exploradores, quer do pas­ sado quer do presente, e ficais colhidos nas suas fu tilid ad es, suas rivalidades, disciplinas, desarm onias e discórdias. Assim , pois, o sim ­ ples desejo de atrav essar esse tu m u lto cria sem pre novos problem as, porque não se leva em conta nem o ag ente nem a m aneira por que age, mas som ente a cena do tu m u lto é levada em consideração como meio de se chegar a um fim. Ora, p ara mim, o tum ulto, o fim , e “ vos­ sa pessoa” são um a só coisa; não existe se­ paração. E ssa divisão é a rtificia l, sendo cria­ da pelo desejo de ganhar, pela busca de aqui­ sição e acum ulação, nascida da insuficiência. Ao tornar-se consciente do vazio, da super­ ficialidade, com eça o indivíduo a reconhecer a insuficiência de seu p en sar e sen tir, surgindo então, no seu pensam ento, a idéia de acum ula­ ção, resultando daí a separação en tre a “ pes­ soa”, isto é,' a consciência individual, e o fim. P a ra mim, já o disse, tal separação não exis­ te, porquanto, alcançado o preenchim ento, já não pode haver ag en te e ação, m as som ente o m ovim ento criador do pensam ento, o qual não busca um resultado, havendo assim o viver con­ tínuo, isto é, a im ortalidade. 173 M as vós div id istes a vida. C onsiderem os o que é êsse “ eu”, esse agente, esse observador, êsse centro do conflito. Ê le é apenas um lon­ go e contínuo rôlo de m em órias. J á apreciei dem oradam ente a m em ória, em m inhas nalestra s anterio res, e não posso agora e n tra r em porm enores. Se eles vos interessam , p o deis ler o que eu disse. Ê sse “ eu” é um rôlo de lem ­ branças em que se apresentam recalcam entos. Ê sses recalcam entos ou depressões chamam-se com plexos, e são eles que determ inam os nos­ sos atos. Isto é, a m ente consciente de sua in ­ suficiência, busca um ganho, criando desse modo um a distinção, um a divisão. Não pode essa m ente com preender o am biente, e porque não o pode, é obrigada a confiar na acum ula­ ção da m em ória, para gu iá-la; pois a m em ória é apenas uma série de acum ulações que atuam como guia para um objetivo. T al é o fim da m em ória. A m em ória é fa lta de com preensão; essa fa lta de com preensão é o fundo de onde sacais, é dêle que procede a vossa ação. E ssa m em ória a tu a como guia p a ra um fim , e êsse fim , preestabelecido que foi, é sim ples­ m ente um refú g io au to p ro tetó rio , o qual cha­ m ais ideais, consecução, verdade, D eus ou p er­ feição. O comêço e o fim , a “ pessoa” e o obje­ tivo, são resu ltad o s dessa m ente au to p ro tetora. 174 J á expliquei a gênese da m ente au to p ro teto ra ; essa m ente se o rig in a da consciência ou percepção de vazio, de vácuo. P o r isso, começa a p ensar com in tu ito s de consecução, aqu isi­ ção, e dêsse ponto de p a rtid a e n tra a fu n cio ­ nar, dividindo a vida e restrin g in d o as p róprias ações. Assim, pois, o fim e a “ pessoa” são o resu ltad o dessa m ente a u to p ro te tó ria ; e a ag i­ tação, o conflito, a desarm onia, são apenas o processo da au toproteção e resu ltam dessa autoproteção e sp iritu a l e econômica. E sp iritu a l e econom icam ente p ro cu rais se­ gurança, porque confiais na acum ulação, para vos dar riqueza in te rio r, para vos dar com­ preensão, p len itu d e, preenchim ento. E , dêsse m odo, os astuciosos, ta n to do m undo e sp iritu a l como do econômico, vos exploram , porque uns e o utros querem alcançar poderio m ediante exaltação da autoproteção. A ssim , pois, cada m ente se vê em penhada num esforço trem endo p ara p ro teg er a si própria, e o fim , os m eios e a “ pessoa” nada m ais são que o processo de autoproteção. Q ue acontece quando existe êsse processo de au toproteção? A contece, in ev ita­ velm ente, co n flito com as circunstâncias, que chamamos a sociedade; vemos o “ eu ” buscan­ do proteger-se co n tra o coletivo, o grupo, a so­ ciedade. M as o inverso disso não é verdade. Isto é, não ju lg u e is que, se deixardes de pro teg er- 175 vos, estareis perdidos. P elo contrário, e stareis perdidos se vos p rotegerdes, por m otivo de in ­ suficiência, p o r m otivo de sup erficialid ad e de pensam ento e sentim ento. Mas, se deixardes de proteger-vos som ente por ju lg a rd es que, fa ­ zendo-o, en co n trareis a verdade, será tam bém isso, apenas, um a o u tra form a de proteção. A ssim , pois, como tem os construído, a tra ­ vés dos séculos, de geração em geração, essa roda da autoproteção, e sp iritu a l e econômica, vam os av erig u ar se é um a coisa real a a u to ­ proteção e sp iritu a l e econômica. T alvez, do ponto de vista econômico, seja possível sus­ ten ta r, tem poràriam ente, a autoproteção. O ho­ mem de dinheiro e m u itas posses, que se g aran ­ tiu co n fo rto s e prazeres corporais, é em geral, se o observardes, m uito in su ficien te e falto de inteligência, e está de ord in ário a ta te a r à pro­ cura da proteção d ita espiritual. Investiguem os, en tretan to , se realm ente existe autoproteção esp iritu al, porquanto, eco­ nom icam ente, sabem os que não existe seg u ran ­ ça. A ilusão da proteção econôm ica se dem ons­ tra , pelo m undo todo, p elas depressões, crises, guerras, calam idades e caos. R econhecendo isso, voltam o-nos p ara a segurança esp iritu al. M as, p ara mim, não ex iste segurança, não ex is­ te autoproteção e nunca as haverá. E u afirm o que só existe a razão, a qual é com preensão, e não proteção. Isto é, a segurança, a au to p ro te- 176 ção é p ro d u to da insuficiência, na qual não há inteligência, não h á pensam ento criador, na qual existe um a b atalh a co n stan te en tre a “ pes­ soa” e a sociedade, e na qual os astuciosos vos exploram im piedosam ente. E n q u an to houver o desejo de autoproteção, navera co n íiito , não podendo pois haver com preensão, nem razão. E enquanto p erd u ra r essa atitu d e, será vã a vossa busca de esp iritu alid ad è, da verdade, ou de Deus, porque ela rep resen ta apenas um a busca de m aior poder e m aior segurança. É só quando a m ente que se ab rig o u atrás das m uralhas da autoproteção se lib e rta de suas p róprias criações, que se pode chegar àquela delicada realidade. A fin al de contas, essas m uralhas da autoproteção são criações da m ente, que, consciente da p ró p ria in su fi­ ciência, levanta essas m uralhas de proteção abrigando-se a trá s delas. O indivíduo ergueu essas barreiras, consciente ou inconscientem en­ te, e por isso a sua m ente está tão debilitada, tolhida, presa, que a ação m otiva m aior con­ flito e novas perturbações. Nessas condições, a m era busca de solução p ara os vossos problem as não ise n ta rá vossa m ente de criar novos problem as. E n q u an to exis­ t ir êsse centro au to p ro tetó rio , resu lta n te da in ­ suficiência, haverá perturbações, dores e so fri­ m entos trem en d o s; e não podeis lib e rta r a m ente do sofrim ento disciplinando-a p ara não ser insu ficien te. Isto é, não podeis d iscip lin ar a vós mesmos, nem ser influenciados pelas con­ dições e pelo am biente, p ara o efeito de não serdes superficiais. D izeis para vós m esm os: “ Sou su p e rfic ial; reconheço esse fato, e como me liv rarei dêle?”. E u d ig o : Não p ro cu reis li­ vrar-vos dêle, pois isso é um m ero processo de substituição, m as tornai-vos conscientes, tom ai conhecim ento do que está causando a in su fi­ ciência. Não podeis co n stran g er nem fo rç a r o aparecim ento dessa causa; ela não pode ser in ­ fluenciada p o r ideais, nem por tem ores, nem pela busca de prazeres e poderio. Só se pode achar a causa da insu ficiên cia pela vigilância. Isto é, pela observação do am biente e a pene­ tração de seu significado, revelar-se-ão as ar­ dilosas sutilezas da autoproteção. E m últim a análise, a autoproteção é resu l­ tado da insuficiência, e porque a m ente foi educada na sua servidão, p o r séculos e séculos, não podeis d iscipliná-la nem superá-la. Se o fizerdes, deixareis de perceber o significado das bu rlas e sutilezas do pensam ento e do sen­ tim ento, atrás das quais a m ente se abrig o u ; e p ara descobrirdes essas sutilezas cum pre to r­ nar-vos cônscios, vigilantes. Ora, estar v ig ilan te não é alterar. E s tá a nossa m ente a fe ita à alteração, que é apenas m odificação, ajustam ento, disciplina im posta p o r um a condição; ao passo que, estando v ig i­ 178 lantes, descobrireis o pleno significado do am ­ biente. Não há, p o rtan to , m odificação, porém com pleta libertação daquele am biente. Só depois de se desfazerem tôdas essas m u­ ralh as p ro tetó rias, à cham a da vigilância, que não produz m odificação, nem alteração, nem ajustam ento, mas som ente a com preensão in te ­ g ral do am biente, com tôdas as suas nuanças e sutilezas — só então encontrareis, na com­ preensão, o ete rn o ; porque, em ta l estado, de­ saparece a “ vossa pessoa”, o foco au to p ro tetó rio. E nquanto, porém , e x istir êsse foco autop ro te tó rio que ôham ais o “ eu”, haverá confu­ são, haverá perturbação, desarm onia e co n fli­ to. Não podeis elim inar êsses obstáculos m e­ dian te autodisciplina, ou seguim ento de um sistem a, ou im itação de um m odêlo; só pode­ reis com preendê-los, em tôda a sua com plica­ da e stru tu ra , p o r m eio de vigilância in ten sa da m ente e do coração. H averá então enlevo, h a­ verá então o m ovim ento vivo da verdade, que não é um a finalidade, nem um a culm inância, m as um perene viver criador, um enlêvo in ­ descritível, porque qualquer descrição o des­ tru iria . E nquanto não fordes atin g id o s pela luz da verdade, não conhecereis a im o rtali­ dade. 179