II SIDIAL - Seminário Internacional Diálogos Interculturais na América Latina: saberes populares
IV Congresso Internacional Pluralismo Jurídico, Constitucionalismo, Buen Vivir, e Justiça Ambiental na América Latina
ISBN: 978-65-86218-01-5
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IV Congresso Internacional Pluralismo Jurídico, Constitucionalismo, Buen Vivir, e Justiça Ambiental na América Latina
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CAPA
COMISSÃO CIENTÍFICA
Adecir Pozzer (UFSC)
Adiles Savoldi (UFFS)
Aline Bertoncello (Unochapecó)
André Onghero (Unochapecó)
Circe Mara Marques (Unochapecó)
Claiton Marcio Da Silva (UFFS)
Claudemir Stanqueviski (FAMA)
Cristiane Tonezer (Unochapecó)
Débora Vogel Dutral (Unochapecó)
Edimar Antonio Fernandes (UFPA)
Elcio Cecchetti (Unochapecó)
Fernanda Arno (UFSC)
Fernando Vojniak (UFFS)
Francieli Fabris
(Escola 25 de Maio de Abelardo Luz)
Giseli Moura Schnorr
(Unespar/Nesef/UFPR)
Idir Canzi (Unochapecó)
Ivo Dickmann (Unochapecó)
Jagson Isandro Gross (Unisep)
Joana Maria Moraes (UDESC)
Maria de Lurdes Bernartt (UTFPR)
Maria de Souza (Unochapecó)
Marinilse Netto (Unochapecó)
Mario Mejia Huamán (URP – Peru)
Mauricio Berger (UNC - Argentina)
Murilo Cavagnoli (Unochapecó)
Myriam A. Vargas Santin (Unochapecó)
Odilon Poli (Unochapecó)
Patricia Graff (UFFS)
Samira Moretto (UFFS)
Sandra Bordignon (UFFS)
Tania Mara Z. Pieczkowski
(Unochapecó)
Tarcisio Alfonso Wickert (FURB)
Willian Simões (UFFS)
__________________________________________________________________________
S471 Seminário Internacional Diálogos Interculturais na América Latina
(2.: 2019 : Chapecó, SC)
[Anais do] II Seminário Internacional Diálogos Interculturais na América Latina:
saberes populares e IV Congresso Internacional Pluralismo Jurídico, Constitucionalismo,
Buen Vivir, e Justiça Ambiental na América Latina, realizado entre os dias 02 e 04 de
outubro de 2019 em Chapecó-SC. Organizado por Claudia Battestin, Elcio Cecchetti,
Willian Simões. – Chapecó: Livrologia, 2020.
ISBN: 9786586218015
1. Cultura popular – América Latina - Eventos. 2. Direito – Eventos.
I. Battestin, Claudia. II. Cecchetti, Elcio. III. Simões, Wilian. IV. Congresso Internacional
Pluralismo Jurídico, Constitucionalismo, Buen Vivir, e Justiça Ambiental na América
Latina. V. Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó.
CDD 306.4 (22. edição)
_____________________________________________________________________________
Ficha catalográfica Karina Ramos – CRB 14/1056
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Profª. Dra. Cláudia Battestin, Prof. Dr. Elcio Cecchetti, Profª. Dra.
Maria Aparecida Lucca Caovilla, Dr. William Simões .............. 27
Círculo de Diálogo 1 Gênero, diversidade sexual e feminismo na
América Latina .................................................................... 29
GÊNERO E SEXUALIDADE NO PLANO ESTADUAL DE
EDUCAÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL: DO PROJETO À LEI
APROVADA
Oscar de Souza Santos, Alexandra Ferronato Beatrici .............. 30
Círculo de Diálogo 2 Culturas e saberes dos povos afros, caboclos e
indígenas ............................................................................ 42
SABERES E FAZERES EM COMUNIDADES QUILOMBOLAS: A
EDUCAÇÃO DO CORPO,TRILHAS ENTRE O MARANHÃO E
O MATO GROSSO
Raimundo Nonato Assunção Viana .................................... 43
„JOÃO MARIA FOI UM SANTO MONGE‟:
ENTRELAÇAMENTOS DA IDENTIDADE CABOCLA DO
OESTE CATARINENSE
Maria de Souza, Jorge Alejandro Santos, Lucí Teresinha Marchiori
dos Santos Bernardi ....................................................... 52
A FAMÍLIA PATRIARCAL BRASILEIRA: SURGIMENTO E
COMPOSIÇÃO
Luciele Daiana Wilhelm, Janaína Reckziegel, Thaís Janaina
Wenczenovicz .............................................................. 64
ASPECTOS HISTÓRICOS, CULTURAIS E EDUCACIONAIS
DOS KAINGANG NA REGIÃO OESTE DE SANTA
CATARINA
Ana Karina Brocco, Elison Antonio Paim ............................. 74
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O TEMPO E A COSMOLOGIA KAINGANG
Rute Barbosa de Paula, Lucí T. M. dos Santos Bernardi, Maria de
Souza ........................................................................ 85
PENSAMENTO ANDINO/INDÍGENA PARA NEÓFITOS
COMO EU: (TESTEMUNHO DE VIDA)
Ireno Antônio Berticelli .................................................. 97
SABERES POPULARES NA EDUCAÇÃO INDÍGENA
Ana Lúcia Castro Brum, Danielle Brum Ginar Telles .............. 109
A CULTURA KAIGANG ENCONTRA A CULTURA
EUROCÊNTRICA NOS ESPAÇOS FORMATIVOS DE UMA
LICENCIATURA: LOCALIZANDO DIÁLOGOS,
ESTRANHAMENTOS, IMPOSIÇÕES E SUPERAÇÕES
Elisabete Cristina Hammes, Mairon Escorsi Valério ................ 118
Círculo de Diálogo 3 Saberes e cultura dos povos do campo e da
cidade ............................................................................... 130
A REPRODUÇÃO SOCIAL DA AGRICULTURA FAMILIAR:
ENFRENTAMENTO E ADAPTAÇÃO A MODERNIDADE E A
MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA
Daniela Celuppi, Angélica Servegnini de Wallau, Hieda Maria
Pagliosa Corona .......................................................... 131
Círculo de Diálogo 4 Refugiados e migrações forçadas, direitos e
dignidade humana ............................................................... 143
CONSIDERAÇÕES SOBRE A SIMULAÇÃO DE CASAMENTO
PARA A OBTENÇÃO DA AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA
NO BRASIL.
Antônio José Moreira da Silva ......................................... 144
EDUCAÇÃO, MOVIMENTOS SOCIAIS E DIREITOS
HUMANOS: APROXIMAÇÕES NECESSÁRIAS
Paulo Roberto Dalla Valle, Jacinta Lúcia Rizzi Marcom .......... 155
PAPEL DA PSICOLOGIA NO ACOLHIMENTO DOS
MIGRANTES EM SOFRIMENTO PSÍQUICO
Valdemir José Debastiani, Joana Silvia Mattia Debastiani, Sandro
Ronei Golçalves .......................................................... 166
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POLÍTICAS PÚBLICAS PARA GARANTIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR IMIGRANTE
Lupércia Daiane Colossi Dal Piaz, Márcia Luíza Pit Dal Magro,
Irme Salete Bonamigo ................................................... 175
RACIONALIDADE HEGEMÔNICA, RISCOS AMBIENTAIS E
IMIGRAÇÕES
Sandra Buaski, Hieda Maria Pagliosa Corona, Maria de Lourdes
Bernartt..................................................................... 187
REFUGIADOS VENEZUELANOS NO BRASIL: UM LUGAR
DE ABRIGO OU DE NOVAS AFLIÇÕES?
Thiago Augusto Lima Alves ............................................ 199
TRANSNACIONAIS SENEGALESES NO NORTE DO RIO
GRANDE DO SUL: TRÍADE E SINUOSIDADES DAS VIAS DE
“COMUNICAÇÃO”
Tamara Danielle Pereira Machado, Maira Angélica Dal Conte
Tonial ...................................................................... 209
O (DES)AMPARO AOS REFUGIADOS AMBIENTAIS NO
DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E SUA
REPERCUSSÃO NA LEI Nº 13.445/2017
Ana Claudia Kociszeski, Wellen Pereira Augusto .................. 221
Círculo de Diálogo 5 Patrimônio, sustentabilidade e justiça ambiental
....................................................................................... 229
A CRIAÇÃO DO ESTATUTO INTERNACIONAL DA
AMAZÔNIA: A RELATIVIZAÇÃO DA SOBERANIA EM FACE
DA IDEOLOGIA AMBIENTAL
Ailor Carlos Brandelli, Carlos Alberto Lunelli ....................... 230
A GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA E A SUSTENTABILIDADE
HUMANISTA: LIMITES PARA UM DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
Victória Faria Barbiero, Joline Picinin Cervi, Gabriel Dil ......... 240
COLONIALISMO, POVOS INDÍGENAS E JUSTIÇA
AMBIENTAL: PERSPECTIVAS TRANSDICIPLINARES
Marlei Angela Ribeiro dos Santos, Thais Janaina Wenczenovicz
.............................................................................. 250
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POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS: UMA
REVOLUÇÃO EM TERMOS DE DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL. SERÁ?
Edemar Ivo Dietrich, Cristiane Tonezer, Rosana Maria Badalotti
.............................................................................. 267
A PLAUSIBILIDADE DA NATUREZA COMO SUJEITOS DE
DIREITOS E A POSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO NOS
PROCESSOS AMBIENTAIS
Guilherme de Oliveira Matos, Ernani de Paula Contipelli ......... 279
A PROTEÇÃO DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS DOS
POVOS INDÍGENAS A PARTIR DA PROPOSTA DE BUEN
VIVIR
Viviane Dipp Altenhofen, Pamela de Almeida Araújo, Joana Silvia
Mattia Debastiani......................................................... 290
IGUALDADE DE GÊNERO E SUSTENTABILIDADE:
PARADIGMAS PARA NOVAS RELAÇÕES SOCIAIS
Joana Silvia Mattia Debastiani Josiane Petry Faria Valdemir José
Debastiani ................................................................. 302
O ACORDO DE ESCAZÚ E A JUSTIÇA AMBIENTAL
Janyara Inês de Gasperi, Silvana Terezinha Winckler ............. 313
Círculo de Diálogos 6 Saúde, segurança alimentar, agroecologia e
socioambientalismo ............................................................. 322
AGRAVOS À SAÚDE NA POPULAÇÃO DO MUNICÍPIO DE
IMPLANTAÇÃO DA USINA HIDRELÉTRICA FOZ DO
CHAPECÓ
Letícia Bez, Tainá Gabriela Bedin Slevinski, Simone Cristine dos
Santos Nothaft, Maria Assunta Busato ................................ 323
COZINHAR, PARTILHAR E RESISTIR: CAMPONESAS (ES)
DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM
TERRA E A CONSTRUÇÃO DA AGROECOLOGIA
Angélica Servegnini de Wallau, Brendo Henrique da Silva Costa,
Josiane Carine Wedig .................................................... 336
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O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA E A
LEI 16.751/10: UMA LEITURA GARANTISTA DA
REGULAMENTAÇÃO DA LEI ESTADUAL.
Karina Cofferri, Amanda Izabel dos Passos, Carlos Frederico
Branco, Márcio Kokoj, Miguel Âgelo Perondi ....................... 359
Círculo de Diálogos 7 Direitos da cidadania, Inclusão, Acessibilidade e
Diversidade ........................................................................ 370
CIDADANIA E POVOS INDÍGENAS NO BRASIL:
PONDERAÇÃO SOBRE O DISCURSO JURÍDICO NEUTRO
Wellen Pereira Augusto ................................................. 371
CIDADANIA NO CONTEXTO ATUAL: O PAPEL SOCIAL
DOS(AS) RECICLADORES(AS)
Karine Kostuczenko, Thiago. Ingrassia Pereira ..................... 381
ESCOLA INCLUSIVA: PROCEDIMENTOS PARA INCLUSÃO
DE ALUNA COM AUTISMO NA ESCOLA DE EDUCAÇÃO
BÁSICA LUÍZA SANTIN, DA REDE ESTADUAL DE ENSINO
DE CHAPECÓ – SC
Claudia Daniele Spier Hoffelder, Claudia Simone Fantin ......... 391
GESTÃO INTERCULTURAL ESCOLAR ......................... 403
Zenaide Borre Kunrath ................................................. 403
INCLUSÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA FORMAÇÃO
DE PROFESSORES
Luana Fussinger, Arnaldo Nogaro, Daiane Altenhofen ............ 415
O PROCESSO DE INCLUSÃO NO CONTEXTO
EDUCACIONAL E SOCIAL
Ana Luiza de Melo Sarturi, Catiane Patricia Aires de Oliveira ... 425
PERCEPÇÃO DE EDUCANDOS COM INDICADORES DE
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO SOBRE O
PROCESSO DE ACELERAÇÃO VIVENCIADO NA REDE
COMUM DE ENSINO
Claudia Daniele Spier Hoffelder, Alisson Junior Cozzer .......... 435
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SUBVENÇÕES AOS CULTOS RELIGIOSOS,
RECIPROCIDADE E REDISTRIBUIÇÃO
Fernanda Trindade, Hieda Maria Pagliosa Corona, Miguel Angelo
Perondi .................................................................................. 447
TORNANDO A ESCOLA INCLUSIVA PELAS PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS
Graciela Deise Metz, Silvia Regina Canan, Daiane Altenhofen ... 460
A IMPORTÂNCIA DA ESTIMULAÇÃO PRECOCE PARA
CRIANÇAS COM SÍNDROME DE DOWN
Marizete Lurdes Gavenda, Tania Mara Zancanaro Pieczkowski
.............................................................................................. 471
A PRESENÇA DE ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA
INTELECTUAL NO ENSINO SUPERIOR
Juliane Janaina Leite Brancher, Tania Mara Zancanaro Pieczkwoski
.............................................................................................. 482
MULHERES COM DEFICIÊNCIA VISUAL: HISTÓRIAS
RELATADAS
Tania Mara Zancanaro Pieczkowski, Marizete Lurdes Gavenda
.............................................................................................. 495
O ACESSO À JUSTIÇA E OS DIREITOS DA CIDADANIA NO
PROGRAMA CENTRO DE ATENDIMENTO À
COMUNIDADE – CAC – UNOCHAPECÓ: UMA PRÁTICA
INTERDISCIPLINAR E DEMOCRÁTICA
Franciely Valentin da Silva, Maria Aparecida Lucca Caovilla ..... 507
Círculo de Diálogo 8 Formação de professores, currículo e práticas
educativas em diferentes espaços ............................................ 516
A AUTONOMIA CURRICULAR DOS
PROFESSORES/ESCOLAS FRENTE AO IDEB
Edite Maria Sudbrack, Estéfani Barbosa de Oliveira Medeiros .... 517
A MOBILIDADE ACADÊMICA COMO
POTENCIALIZADORA DA EDUCAÇÃO EM DIFERENTES
ESPAÇOS
Charlene Bitencourt Soster Luz, Hildegard Susana Jung, José
Alberto Antunes de Miranda .................................................... 526
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CÍRCULOS DE CULTURA E REFERENCIAIS FREIREANOS
EM AÇÕES EDUCATIVAS: PRODUÇÃO DE
CONHECIMENTOS EM COMUNIDADES PEDAGÓGICAS E
POSSÍVEIS PRÁTICAS TRANSFORMADORAS
Almir Sandro Rodrigues, Giselle Moura Schnorr, Joana D‘Arc Vaz
.............................................................................................. 535
CONTRIBUIÇÕES DA INTERDISCIPLINARIDADE NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS: DIÁLOGOS ENTRE A
GEOGRAFIA E HISTÓRIA, COM ÊNFASE NA GEOGRAFIA
DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DO BRASIL.
Carina Inserra Bernini, Maria Helena Tomaz, Janine Soares da Rosa
de Moraes ............................................................................... 549
CURSOS SUPERIORES DE LICENCIATURA NO SUL DO
BRASIL: O QUE APONTAM OS DADOS DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DA FRONTEIRA SUL
Daniê Regina Mikolaiczik, Alexandra Ferronato Beatrici ........... 561
DIVERSIDADE CULTURAL NO CONTEXTO
EDUCACIONAL
Marcilei da Silva Bender, Ana Paula Dal Santo, Vania Salete Cassol
Daga ...................................................................................... 570
DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA E DESAFIOS PARA
UMA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS
Josiane Crusaro Simoni, Marcilei da Silva Bender, Vania Salete
Cassol Daga ............................................................................ 582
EDUCAÇÃO DO CAMPO: BASES PARA A CONSTRUÇÃO DE
CAMINHOS ALTERNATIVOS
FlorentinoCamargo, Francieli Fabris, Adriana Almeida Veiga .... 594
EDUCAÇÃO LIBERTADORA E O ENSINO RELIGIOSO NOS
TERRITÓRIOS ESCOLARES: POSSIBILIDADES PARA O
DIÁLOGO E A APRENDIZAGEM COM O(A) OUTRO(A)
Neuzair Cordeiro Peiter, Elcio Cecchetti, Josiane Crusaro Simoni
.............................................................................................. 607
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GESTÃO UNIVERSITARIA VERSUS PERFORMATIVIDADE:
ESTUDO COMPARATIVO ENTRE INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR PÚBLICAS, PARTICULARES E
COMUNITÁRIAS.
Alcione Ziliotto, Odilon Luiz Poli ............................................ 616
O ENSINO DO LUGAR E DA PAISAGEM NA FORMAÇÃO
CIDADÃ
Alexandra Carniel, Silvana Pires De Matos ............................... 628
UM OLHAR SOBRE A MONITORIA ACADÊMICA E A
AUTONOMIA NO APRENDIZADO
Alexandra Ferronato Beatrici, Vitória Muller ............................ 639
AS ENTRELINHAS DO CURRÍCULO NA INSTITUIÇÃO
ESCOLAR: UMA ANÁLISE DA DIVERSIDADE
Jacinta Lúcia Rizzi Marcom, Marcilei da Silva Bender, Evanete
Antunes Ferreira ..................................................................... 647
A FORMAÇÃO DO/A PROFESSOR/A DA EDUCAÇÃO
INFANTIL: UMA EXPERIÊNCIA PRÁTICA
Aline Fernandes dos Santos, Joce Daiane Borilli Possa .............. 657
Círculo de Diálogo 9 Educação popular, movimentos sociais,
pluralismo jurídico e constitucionalismo na América Latina .......... 666
FAMÍLIA NA ATUALIDADE: MUDANÇAS E EVOLUÇÃO
Sara Aline dos Santos Teixeira, Carolina Costa .......................... 667
EDUCAÇÃO POPULAR NA AMÉRICA LATINA: ORIGENS,
CONCEPÇÕES E REFLEXÕES SOBRE A UNIVERSIDADE
POPULAR
Carine Marcon, Allana Carla Cavanhi, Thiago Ingrassia ............ 689
DECISÃO JUDICIAL: SEUS REQUISITOS E SUA
RELEVÂNCIA JURÍDICA
Carolina Costa, Sara Aline dos Santos Teixeira ......................... 698
O CHARME DISCRETO DO DIREITO BURGUÊS: BREVES
APONTAMENTOS SOBRE A TEORIA GERAL DO DIREITO E
MARXISMO DE EVGENI PACHUKANIS
Luiz Henrique Debastiani ........................................................ 709
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OS MOVIMENTOS SOCIAIS GLOBAIS COMO ATORES
EMERGENTES DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: OS
DILEMAS DO COMÉRCIO JUSTO
Tuana Paula Lavall, Andréa de Almeida Leite Marocco, Cristiani
Fontanela ............................................................................... 719
O PLURALISMO JURÍDICO COMO INSTRUMENTO DE
PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE E DAS POPULAÇÕES
VULNERÁVEIS: COMUNIDADES INDÍGENAS
Liéges Schwendler Johann, Sadiomar Antonio Dezordi, Silvana
Terezinha Winckler ................................................................ 731
PRÁTICA EDUCATIVA NAS ESCOLAS DO CAMPO DE
ABELARDO LUZ: O BARRACO DE LONA COMO
INSTRUMENTO PEDAGÓGICO
Francieli Fabris, Florentino Camargo, Adriana Almeida Veiga
.............................................................................................. 745
Círculo de Diálogos 10 Democracia e Direitos na América Latina:
crises, consolidação e lutas sociais por direitos ........................... 756
O FORTALECIMENTO DAS COMPETÊNCIAS DA UNIÃO
POR MEIO DO CONTROLE CONCENTRADO DE
CONSTITUCIONALIDADE
Júlio Eduardo Damasceno Medina, Samuel Mânica Radaelli ..... 757
A DEMOCRACIA COLOCADA EM RISCO COM OS VETOS
DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE: REVIVENDO O
AUTORITARISMO DO AI5
Robson Fernando Santos, Douglas Braun Jauro Sabino Von Gehlen
.............................................................................................. 766
A INCIDÊNCIA DE EMPREENDIMENTOS
HIDROENERGÉTICOS NO OESTE DE SANTA CATARINA E
A PRODUÇÃO DA CATEGORIA “ATINGIDO”
Douglas Anderson Borges, Arlene Renk, Silvana Winckler .......... 779
A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO
BRASILEIRO E A LEI DA ANISTIA NA CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
Aléxia Flach Niehues .............................................................. 790
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DESENVOLVIMENTO REGIONAL NO BRASIL E A
PARTICIPAÇÃO SOCIAL NESSE PROCESSO
Sidiane dos Santos Alvaristo, Cristiane Tonezer, Rosana Maria
Badalotti ................................................................................ 802
DISCUSSÕES SOBRE O USO DA MACONHA MEDICINAL
RELACIONADO À DIGNIDADE HUMANA
Janaína Reckziegel, Simone Tatiana da Silva ............................. 815
ESTUDOS PRELIMINARES SOBRE NOVAS FORMAS DE
PENSAR A CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS EM
SOCIEDADES MULTICULTURAIS A PARTIR DO
RECONHECIMENTO
Laís Franciele de Assumpção Wagner, Gabriel Antinolfi Divan,
Victória Faria Barbiero ............................................................ 827
OS DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS E O DESENVOLVIMENTO
REGIONAL: O CASO DO ALTO URUGUAI, RIO GRANDE
DO SUL - 1988-2018
Anacleto Zanella .................................................................... 838
REGIONALIZAÇÃO NA POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE
MENTAL: UMA REVISÃO
Tiago Luiz Pereira .................................................................. 851
AS DEFICIÊNCIAS NORMATIVAS ACERCA DO TRABALHO
INFANTIL ARTÍSTICO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
Karina Cofferri, Lisandra Tais Amorim .................................... 864
Círculo de Diálogos 11 Manifestações e práticas culturais na América
Latina ............................................................................... 876
EXISTE UM LUGAR PARA INTERCULTURALIDADE NA
PÓS-MODERNIDADE?
Jaílson Bonatti, Gerson Junior Naibo ........................................ 877
NARRAR A SI: QUANDO O CINEMA EMERGE NA
DOCÊNCIA
Daniela da Silva ...................................................................... 889
OS REGIONALISMOS E A TRADUÇÃO: UMA ABORDAGEM
TRADUTÓRIA
Giovana Santos da Silva, Rosane N. Meneghetti Silveira ............ 898
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RESUMOS ........................................................................ 914
QUESTÕES DE GÊNERO E PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE
NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
Estéfani Barbosa de Oliveira Medeiros, Heloísa Derkoski Dalla
Nora, Eliane Cadoná ............................................................... 916
RESISTÊNCIA, MOBILIZAÇÃO E AÇÃO: AS MULHERES
DIZEM #ELENÃO
Diulia Luísa Hartmann Soares ................................................. 919
O KAMÉ E O KANHRU NA ORGANIZAÇÃO SOCIAL
KAINGANG (KANHGÁG AG JAMÃ KI KAMẼ MRÉ KANHRU
KRẼ AG)
Getulio Narsizo, Adroaldo Antonio Fidelis, Cláudia Battestin
.............................................................................................. 921
CONSAGRANDO NA OPY: UMA ETNOGRAFIA DA
CONSTRUÇÃO DO SAGRADO
Beatriz Fernanda das Chagas Regis, Adiles Savoldi .................... 923
“O SILÊNCIO DOS HOMENS”: REFLEXÕES SOBRE
MASCULINIDADE(S)
Fernanda Arno ........................................................................ 925
A PSICOLOGIA SOCIAL CRÍTICA COMO INSTRUMENTO
DE DESCONSTRUÇÃO DA IDEIA COLONIAL DE GÊNERO
Sandro Ronei Golçalves, Valdemir José Debastiani .................... 927
A INFORMALIDADE DAS MULHERES NEGRAS NAS
RELAÇÕES DE TRABALHO PELA PERSPECTIVA DA
INTERSECCIONALIDADE
Ana Claudia Rockemback ........................................................ 929
POTENCIALIDADES E DESAFIOS PARA EFETIVAÇÃO DOS
DIREITOS DAS MULHERES EM 5 CHAPECÓ
Vanusa Borsoi, Liége Santin, Irme Bonamigo ............................ 931
MULHERES E O CUIDADO COM A VIDA: AS
TERRITORIALIDADES FEMININAS COMO LEITURA DO
TERRITÓRIO DO ASSENTAMENTO DOM JOSÉ GOMES
(CHAPECÓ/SC).
Janaína Gaby Trevisan ............................................................ 934
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REPRESENTACIÓN HISTÓRICA Y CULTURAL DE LAS
MUJERES INDÍGENAS KAINGANGS EN MEDIOS IMPRESOS
Cláudia Battestin, Jaílson Bonatti ............................................. 936
UMA EXPERIENCIA INTERCULTURAL NA SEMANA
CULTURAL INDÍGENA NA TERRA INDÍGENA TOLDO
PINHAL-SC
Adroaldo Antonio Fidelis, Cláudia Battestin, Geziane dos S ....... 938
A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NA SUSTENTABILIDADE
DO ARTESANATO DA ALDEIA CONDÁ CHAPECÓ
Graciela Novakowski, Fabiane Schonell Roman, Silvia Baggio ... 940
EDUCAÇÃO TRADICIONAL E A PEDAGOGIA KAINGANG
Josias Loureiro de Mello .......................................................... 943
EDUCAÇÃO INDÍGENA: UM INSTRUMENTO DE LUTA POR
DIREITOS
Adiles Savoldi, Andreza Bazzi, Eloise Kist Hoss ........................ 945
INFÂNCIAS E CRIANÇAS: PROCESSO DE SOCIABILIDADE
DAS CRIANÇAS INDÍGENAS KAINGANG DA TERRA
INDÍGENA TOLDO PINHAL
Cristiane Noeli Pinheiro Lemes, Geziane dos Santos, Silvia Maria
Alves de Almeida ................................................................... 947
INCLUSÃO DA CULTURA AFRICANA E AFRO BRASILEIRA
NA ESCOLA E A ELABORAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO
Dyonathan de Morais, Marinilse Netto, Luiz Carlos Pires .......... 949
KIKI, RITUAL PARA OS MORTOS E PAICHINUCHIGA, A
DANÇA DO ESPÍRITO: INCLUSÃO DA CULTURA
INDÍGENA NA ESCOLA E A ELABORAÇÃO DE MATERIAL
DIDÁTICO
Lucas Oliveira Araujo, Marinilse Netto ..................................... 952
POVOAMENTO PRÉ-COLONIAL DE XAXIM (SC): A
TRADIÇÃO TAQUARA-ITARARÉ E A FASE XAXIM
Valdirene Chitolina ................................................................. 955
O CONCEITO DE BUEN-VIVIR COMO UM NOVO
PARADIGMA PARA A RELAÇÃO COM A NATUREZA
Claudemir Stanqueviski ........................................................... 956
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REARTICULAÇÃO DAS ESCOLAS PÚBLICAS DO CAMPO
NA REGIÃO SUDOESTE DO PARANÁ: CAMINHOS DE
FORTALECIMENTO E FORMAÇÃO
Cecília Maria Ghedini ............................................................. 958
EU QUERO UMA ESCOLA DO CAMPO QUE TENHA A VER
COM A VIDA DA GENTE: CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA
EXPERIÊNCIA EXTENSIONISTA DE EDUCAÇÃO DO
CAMPO EM NOVA ITABERABA-SC
Willian Simões, Locenir T. de Moura Selivan, Juliana Bianchi
Gilioli, Airton Kerbes .............................................................. 960
O PAPEL DA CASA FAMILIAR RURAL DO MUNICIPIO DE
SAUDADES-SC NO FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA
FAMILIAR E NA PERMANÊNCIA DOS JOVENS NO CAMPO
Renata Hübner, Willian Simões ............................................... 963
EDUCAÇÃO POPULAR E EDUCAÇÃO DO CAMPO: OS
SUJEITOS COMO ELO ENTRE OS SABERES.
Raquel Ferron Lassig ............................................................... 966
REFUGIADOS E MIGRAÇÕES FORÇADAS, DIREITOS E
DIGNIDADE HUMANA .............................................. 968
IMIGRAÇÃO, ENVELHECIMENTO E
INTERCULTURALIDADE NO BRASIL
Suelyn Maria Longhi de Oliveira, Maria de Lourdes Bernardt ..... 969
O ACESSO DE REFUGIADOS AO ENSINO SUPERIOR
BRASILEIRO NO ÂMBITO DA CÁTEDRA SÉRGIO VIEIRA
DE MELLO (ACNUR)
Caroline Vidal Cabezas, Irme Salete Bonamigo.......................... 970
SENTIDOS DA DISCURSIVIDADE: O QUE NOS
(RE)VELARAM AS CRIANÇAS HAITIANAS QUE
VIVENCIAM O PROCESSO IMIGRATÓRIO ATUAL.
Jucélia Borsati ........................................................................ 972
IMIGRAÇÃO PARA O BRASIL: DESAFIOS VIVENCIADOS
POR IMIGRANTES HAITIANOS
Sandra Buaski, Maria de Lourdes Bernartt ................................. 975
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A TUTELA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA:
AMPARO AO ESTRANGEIRO NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO
Ana Paula Bullé Nunes de Carvalho, Amanda Santa Rosa Dornelles,
Anna Letícia Maneli Dietrich ................................................... 977
REFUGIADOS E IMIGRANTES: A VIDA LONGE DE CASA
Paulo Roberto Dalla Valle, Sandra Pischeker, Décio Pandolfi ..... 980
EDUCAÇÃO SOCIAL E HISTÓRIA ORAL: CONTRIBUIÇÕES
PARA A DIGNIDADE HUMANA
Lidiane Tania Ronsoni Maier ......................................... 982
ATIVIDADES LÚDICAS NO ENSINO DO IDIOMA
PORTUGÊS PARA IMIGRANTES HAITIANOS
Hildegard Susana Jung, Charlene Bitencourt Soster Luz, José
Alberto Antunes de Miranda ................................................... 984
ESTUDO COMPARATIVO ENTRE CURRÍCULOS DO
ENSINO FUNDAMENTAL DO BRASIL E HAITI
Karin Aline Henzel ................................................................. 988
EXPOSIÇÃO ERA TUDO MATO: REFLEXÕES SOBRE O
PATRIMÔNIO CULTURAL E NATURAL A PARTIR DE
ATIVIDADE DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
André Luiz Onghero, Aline Bertoncello, Mirian Carbonera ........ 990
PATRIMÔNIO, LEGISLAÇÃO E LICENCIAMENTO
AMBIENTAL: ANÁLISE DAS AÇÕES DE EDUCAÇÃO
PATRIMONIAL EM PROJETO DE ARQUEOLOGIA
REALIZADOS NO OESTE CATARINENSE (2012-2018)
Aline Bertoncello, Mirian Carbonera, Arlene Anélia Renk .......... 992
O PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO CATARINENSE:
PROJETO: RECADASTRAMENTO DE SÍTIOS
ARQUEOLÓGICOS DAS MESORREGIÕES OESTE E
PLANALTO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Mirian Carbonera, Vanessa B. Quintana ................................... 994
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GEOENGENHARIA CLIMÁTICA, PRINCÍPIO DA
PRECAUÇÃO E PARIDADE DE PARTICIPAÇÃO: INTERRELAÇÕES NECESSÁRIAS PARA O FUTURO DO PLANETA
Janyara Inês de Gasperi, Tainá Rafaela Bigaton, Henrique Lucas
Rotava ................................................................................... 996
A PROPOSIÇÃO DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO
DIREITO DE PROPRIEDADE NA PÓS-MODERNIDADE
Mateus Andrade Gonzato, Thiago Luiz Rigon de Araujo ........... 999
LIBERALISMO ECONÔMICO A QUALQUER CUSTO? UMA
ANÁLISE DO DISCURSO LIBERAL DO MERCADO FRENTE
A SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL
Ana Paula Camargo, Francieli Boito, Maria Paula Zanchet de
Camargo............................................................................... 1001
A FRAGILIDADE DO PROJETO DE LEI N°5051/2019
FRENTE À PROTEÇÃO AMBIENTAL NA ERA DA
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Francieli Boito, Maria Paula Zanchet de Camargo, Ana Paula
Camargo............................................................................... 1003
EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA PARA
MINIMIZAR O IMPACTO DA OBSOLESCÊNCIA
TECNOLÓGICA PROGRAMADA NA SOCIEDADE
GLOBALIZADA: UM CASO NA CIDADE DE CHAPECÓ/SC
Maria Paula Zanchet de Camargo, Ana Paula Camargo, Francieli
Boito .................................................................................... 1005
RAIA, FRONTEIRA E CONSERVAÇÃO AMBIENTAL: UMA
ABORDAGEM GEOGRÁFICA SOBRE AS UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO NA REGIÃO FRONTEIRIÇA DO NORTE
GAÚCHO
Eliezer Bosa, Reginaldo José de Souza .................................... 1007
SAÚDE, SEGURANÇA ALIMENTAR, AGROECOLOGIA E
SOCIOAMBIENTALISMO .......................................... 1009
O PAPEL DO CHEF DE COZINHA E A IMPORTÂNCIA DA
GASTRONOMIA COMO INSTRUMENTO NA PROMOÇÃO
DO DIREITO À ALIMENTAÇÃO DE QUALIDADE
Erika Sales Rocha Marques .................................................... 1010
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AGRICULTURA FAMILIAR E GASTRONOMIA:
PRODUÇÃO, INGREDIENTES LOCAIS E A
RESSIGNIFICAÇÃO DA COZINHA
Erika Sales Rocha Marques .................................................... 1012
VEGETARIANOS À MESA: TRANSIÇÃO ALIMENTAR,
CONFLITOS E RESISTÊNCIAS
Gerson Junior Naibo, Tayane de Oliveira, Claiton Marcio da Silva
............................................................................................ 1015
O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA: UMA
NORMA JURÍDICA CONTRA O NEOLIBERALISMO
Ana Carolina Avelino, Josiane Aparecida Grossklaus, Thais
Aparecida Cordeiro ............................................................... 1017
GRAN PALADARE: ATIVIDADE LEITEIRA E
DESENVOLVIMENTO RURAL
Daiane Pavão ....................................................................... 1020
DIREITOS DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS
Débora Vogel da Silveira Dutra, Eduarda Roell ....................... 1022
MULHERES E GERAÇÃO DE RENDA COM
AGROECOLOGIA: ANÁLISE DA GERAÇÃO DE RENDA
ATRAVÉS DA COMERCIALIZAÇÃO DE CESTAS DO GRUPO
DE MULHERES DO ASSENTAMENTO ELI VIVE 2 –
LONDRINA PR
Paulo Daniel José, Vanderlei Franck Thies, Valtemir Santos
Nascimento .......................................................................... 1024
PRODUÇÃO DE ALIMENTOS E RENDA FAMILIAR:
ANÁLISE DAS FAMÍLIAS DO ASSENTAMENTO BOM JESUS
– BAHIA
Valtemir Santos Nascimento, Vanderlei Franck Thies, Paulo Daniel
José ..................................................................................... 1026
EDUCAÇÃO EM SAÚDE EM UMA ORGANIZAÇÃO NÃO
GOVERNAMENTAL, COM VISTAS À PREVENÇÃO DE
ACIDENTES NA INFÂNCIA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
Karen Cristina Kades Andrigue, Letícia Loureiro Nunes, Sara
Lindner ................................................................................ 1029
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DIREITOS DA CIDADANIA, INCLUSÃO, ACESSIBILIDADE
E DIVERSIDADE ..................................................... 1030
ANÁLISE PARA IMPLEMENTAÇÃO DE UM SELO DE
QUALIDADE EM UMA ASSOCIAÇÕES DE MATERIAIS
RECICLÁVEIS NO MUNICÍPIO DE CHAPECÓ/SC
Natieli Bauermann, Elisangela Pinheiro, Ana Maria Pereira Puton
............................................................................................ 1031
ESTATUTOS MILITARES E A (IN) CONSTITUCIONALIDADE
FEDERAL
Yasmim de Oliveira Luz ........................................................ 1033
PROJETO R.U.A: REVITALIZAÇÃO URBANA ARTÍSTICA
Sonia Monego, Eliana Teixeira dos Santos .............................. 1035
JUVENTUDE, ESPAÇO PÚBLICO E O DIREITO À CIDADE:
APONTAMENTOS PRELIMINARES SOBRE O LAZER
NOTURNO NA CIDADE DE CHAPECÓ/SC
Vitor Hugo Batista Santos, Cauã dos Santos Guido .................. 1037
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: UMA DIVERSIDADE
QUE NECESSITA SER RECONHECIDA
Daiane Altenhofen ................................................................ 1039
A CIDADANIA ATRAVÉS DA FOTOGRAFIA: UM PROJETO
DE PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DE PESSOAS
EM SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO NA CIDADE DE PONTA
DELGADA, AÇORES, PORTUGAL
Eduardo José da Silva Tomé Marques, Adriana Regina Vettorazzi
Schmitt ................................................................................. 1042
POLÍTICAS DE AMIZADE E O DIREITO AO
ENVELHECIMENTO ATIVO: O CASO DA CERTIFICAÇÃO
DE PATO BRANCO COMO CIDADE AMIGÁVEL À PESSOA
IDOSA
Maria de Lourdes Bernartt, Aruanã Antonio dos Passos, Carolina
Rodrigues da Silva ................................................................. 1044
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ATLETAS DE GOALBALL DE SANTA CATARINA:
CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR
Milene da Silva Oliveira, Deizi Domingues da Rocha, Juliane
Janaina Brancher................................................................... 1046
(IN)ACESSIBILIDADE AO AMBIENTE EDUCACIONAL:
DESAFIOS ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Anna Letícia Manelli Dietrich, Ana Paula Bullé Nunes de Carvalho,
Amanda Santa Rosa Dornelles ............................................... 1048
EDUCAÇÃO ESPECIAL: INCLUSÃO DO PÚBLICO DE
ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO-AH/SD
Roseli Ana Fabrin ................................................................. 1050
PROTAGONISMO DE UN SUJETO CON SÍNDROME DE
TALIDOMIDA EN LA ESCUELA Y PROCESO PROFESIONAL
Jesse Budin, Elcio Cecchetti ......................................... 1052
DIÁLOGOS ENTRE O TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE
PASSAGEIROS E A ACESSIBLIDADE ÀS CIDADES: DA
CIDADANIA AO DIREITO À MOBILIDADE
João Henrique Zöehler Lemos ............................................... 1054
IDENTIDADE E DIFERENÇA: OS ESTUDANTES DE
SUCESSO OU INSUCESSO, NAS NARRATIVAS DOCENTES
Ivanete Maria Weber, Profª. Dra. Tania Mara Zancanaro
Pieczkowski ......................................................................... 1056
LETRAMENTO E INCLUSÃO DIGITAL NAS
COMUNIDADES RURAIS DE BARRA BONITA – SC:
CENÁRIO ATUAL ENTRE JOVENS E ADULTOS
Júnior José Mix Gonçalves, Hieda Maria Pagliosa Corona, Rosana
Maria Badalotti .................................................................... 1058
O ENSINO DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS PARA
CRIANÇAS SURDAS NOS ANOS INICIAIS
Taise Dall‘Asen, Tania Mara Zancanaro Pieczkowski .............. 1059
FORMAÇÃO DE PROFESSORES, CURRÍCULO E PRÁTICAS
EDUCATIVAS EM DIFERENTES ESPAÇOS .................. 1061
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IMPLANTAÇÃO DO PROJETO ESCOLA COM‟ PAIS: A
EXPERIÊNCIA DE UMA ESCOLA PÚBLICA DE CAÇADOR-SC
Elisamara Gaspar da Silva, Circe Mara Marques...................... 1062
A EXPERIÊNCIA POÉTICA EM PINTURA NA FORMAÇÃO
DE PROFESSORES-ARTISTAS: DESDOBRAMENTOS DO
ATELIÊ
Bruna Nátali da Rosa, Ana Paula de Oliveira Cunico, Ricardo de
Pellegrin (Ricardo Garlet) ...................................................... 1065
A TEORIA DA COMUNICAÇÃO DE JURGEN HABERMAS
SOB O PANORAMA DA GESTÃO ESCOLAR.
Mayara Maria Ariotti, Joel Haroldo Baade .............................. 1068
POLÍTICAS EDUCACIONAIS: FORMAÇÃO DOCENTE
Manon Aparecida Pereira de Jesus, Solange Ciqueira Haetinger
............................................................................................ 1070
A FORMAÇÃO EM ARTES E O USO DE PIGMENTOS
NATURAIS COMO APORTE PARA A DESCONSTRUÇÃO DO
DESENHO NO ENSINO ESCOLAR
Márcia Moreno, Andressa Luiza DellaBetta Foralosso ............. 1073
DESCOLONIALISMO EM “THE WALKING DEAD”: A SÉRIE
TELEVISIVA COMO ALTERNATIVA NAS DISCUSSÕES EM
SALA DE AULA
João Pietro Bridi, Diulia Luísa H. Soares ................................ 1075
ACOLHIMENTO DE IMIGRANTES HAITIANOS NA
ESCOLA: RELATO DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
INTERCULTURAIS
Fabíola Cardoso Cecchetti ..................................................... 1078
ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA
ESTRANGEIROS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Jacinta Lúcia Rizzi Marcom, Paulo Roberto Dalla Valle .......... 1080
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DESIGUALDADES DE COR E GÊNERO NA EDUCAÇÃO
ESCOLAR DE SÃO JOSÉ NO FINAL DO SÉCULO XIX E
INÍCIO DO SÉCULO XX – DESVELANDO A
COLONIALIDADE E VISLUMBRANDO E
DECOLONIALIDADE
Janaína Amorim da Silva ....................................................... 1082
PRÁTICAS EDUCATIVAS E CURRÍCULO: SABERES
NECESSÁRIOS FRENTE AOS DESAFIOS DA DOCÊNCIA
Vanderlei Külkamp, Josiane Crusaro Simoni ........................... 1084
GARATUJANDO A INFÂNCIA AMERÍNDIA A PARTIR DE
GILBERTO FREYRE.
Silvana Teresinha Bernieri ..................................................... 1086
HABILIDADES SOCIOEMOCIONALES EN LA ESCUELA:
¿APRENDER A VIVIR? O APRENDER A MANEJAR LAS
EMOCIONES?
Patrícia Grando, Elcio Cecchetti............................................. 1088
CONCLUSIONES SOBRE EL CURRÍCULO BASE DE
EDUCACIÓN INFANTIL Y EDUCACIÓN FUNDAMENTAL
DEL TERRITORIO CATARINENSE: LA DIVERSIDAD COMO
PRINCIPIO FORMATIVO EN LA EDUCACIÓN BÁSICA
Andréia Stochero Binelo, Jorge Alejandro dos Santos............... 1090
O PAPEL DO PROFESSOR NO DESENVOLVIMENTO
VOCACIONAL DO ESTUDANTE: EDUCAÇÃO PARA A
CARREIRA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL
Sandy Carla Pilatti, Odilon Luiz Poli ...................................... 1092
DIVERSIDAD RELIGIOSA EN EL CONTEXTO ESCOLAR:
CONTRIBUCIONES DE LA EDUCACIÓN RELIGIOSA NO
CONFESIONAL
Neuzair Cordeiro Peiter, Elcio Cecchetti ................................. 1095
EDUCADORES DE CALLE: PERCURSOS METODOLÓGICOS
INTERCULTURAIS
Dyonathan de Morais, Micheli Cristina Marsango, Luiz Carlos Pires
............................................................................................ 1097
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ATENDIMENTO DE JOVENS E ADULTOS COM
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: AS PERSPECTIVAS DE
PRÁTICAS EDUCATIVAS INOVADORAS
Luciana Artuso, Dunia Cormelatto, ....................................... 1100
A CRISE DAS IDENTIDADES DOCENTE NA
MODERNIDADE TARDIA
Odilon Luiz Poli, Circe Mara Marques ................................... 1102
DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA DOS PROCESSOS DE
INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
Circe Mara Marques .............................................................. 1104
DECOLONIALIDADE DO SABER NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES: O ESPAÇO DA PERGUNTA E DA ATITUDE
INTERPRETATIVA DO MUNDO
Adecir Pozzer ....................................................................... 1105
EDUCAÇÃO POPULAR, MOVIMENTOS SOCIAIS,
PLURALISMO JURÍDICO E CONSTITUCIONALISMO NA
AMÉRICA LATINA .................................................. 1108
UMA EDUCAÇÃO BASEADA NA CULTURA DO BEM
VIVER: SERÁ POSSÍVEL?
Gabriel Borges dos Santos, Maria Aparecida Lucca Caovilla .... 1109
LA CULTURA SOLIDARIA DEL OESTE CATARINENSE
COMO ÁREA FECUNDA PARA EL MOVIMIENTO DE LA
ECONOMÍA SOLIDARIA
Ana Maria Pereira Puton, Jorge Alejandro Santos .................... 1112
DO ILÍCITO AO MENOS INJUSTO? TERMO DE
AJUSTAMENTO DE CONDUTA EM CONTRATOS DE
ARRENDAMENTO EM TERRAS INDÍGENAS, DA TEORIA
DO FATO JURÍDICO À OUTRA HERMENÊUTICA JURÍDICA
Ângela Irene Farias de Araújo Utzig, Carlos Alberto Lunelli .... 1114
LA PERSPECTIVA INTERCULTURAL DE LA FILOSOFÍA EN
AMÉRICA LATINA COMO PROPUESTA DE INTEGRACIÓN
Maria Luz Mejias Herrera ...................................................... 1117
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PEDAGOGIA DA TERRITORIALIZAÇÃO E A RESISTENCIA
NAS ESCOLAS DO MST
Yohana Marcela Sierra Casallas, Silvana Pires de Matos, Alexandra
Carniel ................................................................................. 1121
ÁLVARO VIERA PINTO E O PENSAMENTO DECOLONIAL:
PRINCÍPIOS PARA PENSAR A UNIVERSIDADE BRASILEIRA
Cristian Cipriani, Silvana Teresinha Bernieri .......................... 1123
PAULO FREIRE NA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO:
RELAÇÃO ORIENTADOR-ORIENTANDO
Marta Zanette, Ivo Dickmann ................................................ 1125
PEDAGOGÍAS DEL BUEN-VIVIR APORTES FREIRIANOS
Ivo Dickmann, Claudemir Stanqueviski .................................. 1127
DEMOCRACIA E DIREITOS NA AMÉRICA LATINA:
CRISES, CONSOLIDAÇÃO E LUTAS SOCIAIS POR
DIREITOS .............................................................. 1129
A OCUPAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA EM QUESTÃO:
CONTEXTO, REIVINDICAÇÕES, MOBILIZAÇÃO E
(AUTO)ORGANIZAÇÃO ESTUDANTIL
Gabriela Maria Pires, Gerson Junior Naibo, Larissa Ritter Pedroso,
Willian Simões ...................................................................... 1130
A ASCENSÃO DA EXTREMA DIREITA E OS DESAFIOS
PARA A CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA NA AMÉRICA
LATINA
João Vitor Bueno Corso ........................................................ 1134
DIREITO DAS FAMÍLIAS: PLURALIDADE DE TIPOLOGIAS?
Mylenna Roman, Silvia Ozelame Rigo Moschetta .................... 1136
TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA: CRISE NA
CONSOLIDAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Amanda Santa Rosa Dornelles, Ana Paula Bullé Nunes de Carvalho,
Anna Letícia Maneli Dietrich ................................................. 1139
O MITO DO DIREITO PENAL IGUALITÁRIO
Josiane Aparecida Grossklaus, Thais Aparecida Cordeiro, Ana
Carolina Avelino ................................................................... 1141
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A ORGANIZAÇÃO DA REDE DE SERVIÇOS DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS PARA A PROTEÇÃO DE FAMÍLIAS EM
SITUAÇÃO DE RISCO PARA AS VIOLÊNCIAS
Sara Ripplinger, Deborah Cristina Amorim, Murilo Cavagnoli . 1144
JUDICIÁRIO DE VITRINE
Flávia Candido da Silva, Jefferson Aparecido Dias, Wilson André
Neres ................................................................................... 1146
DISPOSITIVOS DEMOCRÁTICOS COMO RESISTÊNCIA À
BIOPOLÍTICA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS: A EXPERIÊNCIA
DA RAIA EM CHAPECÓ – SC
Murilo Cavagnoli, Gabriela Costacurta, Deborah Cristina Amorim
............................................................................................ 1148
DEBATE PARADIGMÁTICO: A QUESTÃO AGRÁRIA E AS
DISPUTAS NO CAMPO
Luiz Henrique Dalcanton ....................................................... 1151
MANIFESTAÇÕES E PRÁTICAS CULTURAIS NA AMÉRICA
LATINA (LITERATURA, CINEMA, MUSEU, ARTES,
MÚSICA). ............................................................... 1153
O TEMPO EM CRISE: O CONFLITO ENTRE O TEMPO QUE
CRIA O SUJEITO E O SUJEITO QUE CRIA O TEMPO
Ricardo Francisco dos Santos e Dias, Mario Mejia Huamán ..... 1154
IMPRESSÕES DE AMAR EM CANÇÕES SEM METRO:
MANIFESTAÇÕES E PRÁTICAS CULTURAIS NA AMÉRICA
LATINA (LITERATURA, CINEMA, MUSEU, ARTES,
MÚSICA...)
Angela Maria dos Santos Busatta, Priscyla Schultz .................. 1156
MU (SEU): ESPAÇO DE CONEXÃO COM O PÚBLICO
Aline Tavares da Silva, Matheus Eduardo Borsa ...................... 1157
EXPERIENCIAS INTERCULTURALES CON AMÉRICA
LATINA EN EL PROCESO DE INTERNACIONALIZACIÓN
DE UNOCHAPECÓ PARA LA MIRADA DE LOS
ESTUDIANTES
Liana Sonza dos Santos, Jorge Alejandro Santos, Odilon Luiz Poli
............................................................................................ 1159
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SOBRE CANTIGA DE FINDAR DE JULIÁN HERBERT
Fernando Azevedo Neckel Junior ........................................... 1161
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APRESENTAÇÃO
Buscando dar sequência ao diálogo que foi instaurado nas edições anteriores, almejamos através do II Seminário Internacional Diálogos
Interculturais na América Latina (SIDIAL) e do IV Congresso Internacional:
Pluralismo Jurídico, Constitucionalismo, Buen Vivir e Justiça ambiental na
América Latina ampliar os saberes e conhecimentos entre os povos e culturas que vivem e produzem conhecimento através da sabedoria popular
que é tão importante para manter os valores e crenças no cerne de cada
comunidade.
A América latina é espaço latente para esse diálogo por ser um
lugar de pluralidades e diversidades, o que nos move a pensar em nossas
fronteiras, culturas, histórias, memórias e saberes. Estamos localizados
em uma região propicia para esse tipo de diálogo, pois o oeste de Santa
Catarina se caracteriza por ser um território em que se constituíram os
movimentos de diferentes segmentos sociais. Neste anseio, tendo em
vista a possibilidade de poder estreitar esse diálogo com a comunidade,
com outras vozes, de outros lugares e espaços da América Latina, emergiu o desejo de aproximar, socializar e ampliar a interlocução com os
saberes populares.
Os Seminários, além de atender os princípios da visão e da missão da Unochapecó, também contemplou com o objetivo 10 dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS/ONU), que busca a redução das desigualdades socioeconômicas e o combate às discriminações
de todos os tipos, promovendo oportunidades, compreensão, apropriação
e construção de diferentes saberes que potencializaram o fortalecimento
das culturas e da formação de professores.
A Unochapecó e UFFS, organizadoras do Seminário, com apoio
da FAPESC, são instituições de ensino superior do município de Chapecó que buscam aproximar ações para o benefício da região. Neste anseio,
mobilizamos 23 universidades brasileiras e 10 internacionais, resultando
em 441 inscrições e o recebimento de 192 artigos e resumos.
Assim, nesta publicação, disponibilizamos os trabalhos apresentados por diferentes autores e autoras. Além do contribuir para salva-
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guardar a memória dos temas debatidos no evento, esperamos que estes
Anais possam inspirar novas pesquisas sobre os saberes populares
nos/em territórios latino-americanos.
Agradecemos as instituições promotoras e apoiadoras, os membros da Comissão Organizadora e da Comissão Científica, acadêmicos,
pesquisadores e docentes de Educação Básica e da Educação Superior e,
sobretudo, os líderes e representantes dos movimentos sociais, das populações indígenas, negras, caboclas e migrantes, bem como a todos os
participantes, os quais, em conjunto, contribuíram para o diálogo intercultural e o reconhecimento dos saberes populares.
Pensar a interculturalidade é pensar nas diferenças, nas similaridades, é reconhecer a alteridade e a diversidade multifacetada, é compreender o outro a partir do outro, e não a partir de si. É dialogar, aproximar
e protagonizar a história de cada unidade na totalidade da vasta diversidade que é, nossa América Latina!
Neste âmago, convidamos para a leitura...
Claudia Battestin, Elcio Cecchetti, Willian Simões e Maria Aparecida Lucca Caovilla (organizadores).
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Círculo de Diálogo 1
Gênero, diversidade sexual e
feminismo na América Latina
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GÊNERO E SEXUALIDADE NO
PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO
RIO GRANDE DO SUL:
DO PROJETO À LEI APROVADA
Oscar de Souza Santos 1
Alexandra Ferronato Beatrici 2
Introdução
Desde a década de 1990, questões referentes a gênero e sexualidade tornam-se uma preocupação pedagógica e passam a integrar importantes documentos da educação, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). O tema transversal proposto pelos PCNs, denominado
Orientação Sexual, à época, partiu da necessidade de se discutir sexualidade nas escolas, frente ao avanço da infecção por HIV e à gravidez na
adolescência como um problema pedagógico (CÉSAR, 2010).
Dos anos de 1990 para cá, talvez, a temática sobre educação sexual nos espaços escolares tenha crescido muito menos do que a ofensiva
contra ela por parte de setores conservadores, que têm voz tanto dentro
do campo da representação política, quanto dentro de algumas correntes
religiosas. E se fortalece, principalmente na última década, uma retórica
antigênero, que é definida por Junqueira (2018a, p. 181) como ―uma
tomada de posição contrária à adoção da perspectiva de gênero e à promoção do reconhecimento da diversidade sexual e de gênero nas políticas
sociais e na vida cotidiana‖.
O veto da presidência da república, em 2011, ao material elaborado pelo Ministério da Educação, denominado Kit Escola sem Homofobia;
1
2
Graduando em Licenciatura em Ciências Biológicas pelo IFRS – Campus Sertão.
Membro do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Gênero e Sexualidade (NEPGS).
Contato: oscarsantos2407@gmail.com
Doutora em Educação na linha de pesquisa Políticas Educacionais. Professora com
dedicação exclusiva no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio
Grande do Sul – Campus Sertão. Contato: alexandra.beatrici@sertao.ifrs.edu.br
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a supressão dos termos ―gênero‖ e ―sexualidade‖ no Plano Nacional de
Educação, bem como em muitos dos Planos Estaduais e Municipais,
entre os anos de 2014 e 2015 (LIONÇO et al., 2018); e a não menção aos
mesmos termos na nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
aprovada em 2017 (PARAÍSO, 2018), são exemplos da força política
conquistada pela ofensiva antigênero.
Diante de tais perspectivas e da urgência em avançar nas discussões acerca de gênero e sexualidade nas escolas, combatendo discriminações e educando para o respeito à diversidade, se mostra necessário o
envolvimento das mais diversas áreas do conhecimento na construção de
uma educação verdadeiramente acolhedora.
O presente artigo apresenta o recorte de uma pesquisa documental e bibliográfica em andamento, que visa investigar o respaldo legal para
a educação sexual no Brasil e as abordagens possíveis de gênero e sexualidade nos livros didáticos trabalhados em sala de aula com o componente curricular de Ciências, nos anos finais do Ensino Fundamental, e de
Biologia, no Ensino Médio. Aqui, apresentaremos e discutiremos os resultados da análise da elaboração do Plano Estadual de Educação do Rio
Grande do Sul, desde o Projeto de Lei até a Lei aprovada em 2015.
Os Planos de Educação
O Plano Nacional de Educação (PNE) foi aprovado pela Lei nº
13.005 de 25 de junho de 2014. O documento constitui um marco fundamental para as políticas públicas da educação brasileira, e traça vinte
metas, cada uma com suas devidas estratégias, a serem atingidas no prazo de dez anos (2014 – 2024) (BRASIL, 2015).
Coube ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), subsidiar o monitoramento e a avaliação do
PNE, publicando indicadores do rendimento escolar, da avaliação institucional e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)
(BRASIL, 2015); assim, a Lei nº 13.005 atribui a este, em seu artigo 5º, a
função de publicar estudos que verifiquem a evolução no cumprimento
das metas do PNE a cada dois anos (LEI nº 13.005/2014).
O PNE constitui-se como referência para a construção e acompanhamento dos Planos de Educação Estaduais e Municipais, se caracterizando como política orientadora para ações governamentais em todos
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os níveis federativos (BRASIL, 2015). O texto da Linha de Base do PNE
aponta que:
3
As questões públicas que motivam o PNE podem ser vislumbradas nas
desigualdades educacionais, na necessidade de ampliar o acesso à educação e a escolaridade média da população, na baixa qualidade do
aprendizado e nos desafios relacionados à valorização dos profissionais da educação, à gestão democrática e ao financiamento da educação (BRASIL, 2015. p. 11).
Dada a aprovação do PNE em 2014, inicia-se a elaboração dos
Planos Estaduais e Municipais. No Rio Grande do Sul, o Plano Estadual
de Educação (PEE/RS) foi aprovado em 25 de junho de 2015, pela Lei
Nº 14.705, com vigência de dez anos a contar da publicação desta.
Entre os anos de 2013 e 2015, Ministério da Educação, Secretarias estaduais e municipais de Educação e órgãos consultivos e deliberativos, além da sociedade civil organizada, estiveram envolvidos com os
debates que elaboraram o texto dos Planos. Grande parte destes debates
se deu em torno do slogan ―ideologia de gênero‖, que, conforme Lionço et
al. (2018), ―foi usado como instrumento estratégico para atacar diretamente práticas educativas sobre gênero e sexualidade nas escolas‖, o que
discutiremos nos próximos tópicos, a partir da perspectiva local do Estado do Rio Grande do Sul.
O Slogan “Ideologia De Gênero”
Apesar da recente repercussão midiática do termo ―ideologia de
gênero‖, como citado anteriormente, desde a elaboração do Plano Nacional de Educação, a ofensiva antigênero que cunhou tal termo se fortalece, pelo menos, desde a segunda metade dos anos de 1990 (JUNQUEIRA, 2018a).
A nível mundial, a origem do termo se deu pela convocação de
diversas organizações religiosas, por parte do Vaticano, para construção
de uma resposta contra as discussões ocorridas na Conferência Internacional de População, no Cairo, no ano de 1994, e na Conferência Mundial
sobre as Mulheres, em Pequim, no ano de 1995 (JUNQUEIRA, 2018a).
Na última década, fundamentalistas religiosos/as neopentecostais se apropriaram do termo ―ideologia de gênero‖ (LIONÇO et al.,
3
Os indicadores selecionados pelo Inep e pelo Ministério da Educação para
monitoramento do PNE são apresentados no documento denominado PNE 2014-2024
- Linha de Base, que pode ser recuperado em http://portal.inep.gov.br/informacao-dapublicacao/-/asset_publisher/6JYIsGMAMkW1/document/id/493812
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2018), por isso vemos frequentemente o discurso antigênero associado a
lideranças de algumas igrejas evangélicas.
O discurso difundido pelos opositores da ―ideologia de gênero‖
carece de legitimidade acadêmica, pois tenta reduzir um campo complexo de estudos a uma suposta intenção ideológica de conspiração global
contra a família e a natureza humana (JUNQUEIRA, 2018b). Por isso,
optamos por tratar o termo aqui como um slogan, como propõe Paraíso
(2018).
Para além do reducionismo do campo de estudos, o termo ―ideologia‖ é inapropriado na definição das ideias das/os estudiosas/os de
gênero e sexualidade, que são contra-hegemônicas tanto em uma perspectiva que avalie ―ideologia‖ como um conjunto de ideias, próprio de um
indivíduo ou grupo, sobre um determinado assunto; quanto em um sentido restrito, com o objetivo de homogeneizar a realidade e apagar as diferenças para ocultar as desigualdades sociais e normalizar (NASCIMENTO, 2015).
Pontuando resumidamente os tópicos norteadores do discurso difundido pelo slogan ―ideologia de gênero‖, Paraíso (2018) aponta que esta
retórica:
a) ataca fortemente os feminismos, os estudos de gênero e as teorias
queer; b) considera que gênero é uma ideologia; c) divulga que gênero
não é científico; d) dissemina que gênero é uma ideologia contrária aos
interesses da família; e) que gênero e sexualidade não podem ser ensinados na escola; f) que quem falar sobre gênero e sexualidade na escola
deve ser processado e punido. (PARAÍSO, 2018, p. 15)
O discurso que hoje correlaciona a diversidade sexual e de gênero com pedofilia, zoofilia, necrofilia e promiscuidade, em muito difundido por lideranças neopentecostais, se mostra semelhante ao que se dizia
no começo do projeto iniciado nos anos de 1990 por autoridades eclesiais
católicas (LIONÇO et al., 2018). Lionço (2014) resume estes discursos
iniciais da seguinte maneira:
―a ideologia de gênero é uma imposição totalitária, ditatorial, visando
uma sociedade marxista, revolucionária, atéia, nefasta, perversa e iníqua por meio de concepções falsas, artificiais, antinaturais e esdrúxulas, que tornam a vida doente, aberrante e imoral‖. (LIONÇO, 2014).
Mas a ofensiva antigênero por parte do Vaticano não foi transferida aos neopentecostais e abandonada pelo mesmo. É o que sinaliza um
documento formulado pela Santa Sé em julho deste ano, denunciando a
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―ideologia de gênero‖ e seus riscos para a educação, tratando o assunto
4
como uma ―emergência educacional‖ .
O slogan ―ideologia de gênero‖ vinha se fortalecendo no Brasil,
com olhar atento à educação, pelo menos desde o ano de 2011, quando
da elaboração do chamado Kit escola sem homofobia5. Tratava-se de um
material que nasceu do Projeto Escola sem Homofobia e foi articulado pelo
Programa Brasil sem Homofobia, sendo desenvolvido por importantes
ONGs, como a Pathfinder do Brasil; a Comunicação em Sexualidade
(ECOS); a Soluções Inovadoras em Saúde Sexual e Reprodutiva (Reprolatina); a Global Alliance for LGBT Education (Gale); e a Associação
Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), com a supervisão do Ministério da Educação (VIANNA, 2015).
No ano de 2012, ocorreu o IX Seminário LGBT da Câmara dos
Deputados, intitulado ―Respeito à diversidade se aprende na infância‖,
em Brasília. Tão logo o tema do Seminário foi percebido pelos setores
conservadores, deu-se início à associação esquemática entre pedofilia e as
militâncias feministas e LGBT (LIONÇO et al., 2018).
A partir do ano de 2014, as discussões acerca da elaboração do
Plano Nacional de Educação fizeram com que o slogan ―ideologia de
gênero‖ se tornasse uma das principais bandeiras do Projeto Escola Sem
Partido, fruto do Movimento Escola Sem Partido, que visava, por força de
Lei, barrar a inclusão de discussões de gênero e sexualidade nos currículos escolares (LIONÇO et al., 2018).
Ao falarmos em ―ideologia de gênero‖, utilizamos aspas e antecedemos a palavra slogan, como já discutido, na intenção de negar a cientificidade e a legitimidade de tal termo, sinalizando que o mesmo não
representa a produção científica acumulada a respeito de gênero e sexualidade. De forma semelhante, o Projeto Escola Sem Partido é alvo de questionamentos, como os de Manhas (2016) ao dizer que:
trata-se de uma falsa premissa, pois não diz respeito a não partidarização, mas sim à retirada do pensamento crítico, da problematização e
da possibilidade de se democratizar a escola, esse espaço de partilhas e
aprendizados ainda tão fechado, que precisa de abertura e diálogo.
(MANHAS, 2016, p. 16)
4
5
A reportagem denominada ―Vaticano condena ‗ideologia de gênero‘ na educação‖, é
do site EL PAÍS, e pode ser recuperada em: https://brasil.elpais.com/
brasil/2019/06/ 11/internacional/1560232651_176929.html
O material do kit está disponível online, no link https://novaescola.org.br/
conteudo/ 84/conheca-o-kit-gay-vetado-pelo-governo-federal-em-2011
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Ainda, Lionço et al (2018) coloca que o Movimento Escola Sem
Partido:
omite a reafirmação dos princípios constitucionais de liberdade de ensinar e de pluralidade de concepções pedagógicas, constituindo, portanto, um retrocesso na política educacional e na garantia do direito à
educação. (LIONÇO et al., 2018)
Apesar da inconstitucionalidade, o Projeto Escola Sem Partido foi
aprovado em algumas câmaras municipais, como é o caso da cidade de
São Lourenço do Sul - RS.6 No Rio Grande Sul, o Projeto de Lei nº
190/2015, conhecido como Escola sem Partido, de autoria do então deputado estadual Marcel Van Hattem, gerou forte resistência popular, sindical e de órgãos como o Conselho Estadual de Educação do Rio Grande
do Sul (CEEd/RS)7.
Diante da necessidade de promover o diálogo sobre respeito à
diversidade nos espaços escolares e avançar na promoção da educação
sexual, torna-se fundamental compreender a força política dos discursos
que impõem obstáculos a tais avanços. No tópico a seguir, analisaremos
o impacto da articulação da ofensiva antigênero no Estado, no texto final
do PEE/RS.
Gênero e Sexualidade no PEE/RS
Ao nos propormos a analisar a diferença entre o texto do Projeto
8
de Lei do PEE/RS e a Lei aprovada em 25 de junho de 2015, no que diz
respeito às temáticas relativas às questões de gênero e sexualidade, antes
da leitura completa e detalhada dos documentos, fizemos uma breve
busca, em cada um deles, pelos termos de interesse. Enquanto o texto do
Projeto faz um total de vinte e nove menções aos termos ―gênero‖, ―sexualidade‖ e ―diversidade/orientação sexual‖, o texto final aprovado traz
apenas seis.
Em um primeiro momento, nos deparamos com um processo de
silenciamento da diversidade e de grupos sociais historicamente invisibi-
6
7
8
A notícia sobre a aprovação do Projeto Escola Sem Partido na cidade de São Lourenço
do Sul pode ser recuperada em https://www.sul21.com.br/cidades/2018/07/saolourenco-do-sul-e-a-primeira-cidade-do-rs-a-aprovar-o-projeto-escola-sem-partido/
A notícia sobre o posicionamento do CEEd/RS pode ser recuperada em
http://www. feteesul.org.br/?pag=noticia¬i_id=474
O documento do Projeto de Lei do PEE/RS pode ser recuperado em http://www.
ufrgs.br/elaboracaopdi2016/links-e-arquivos/PEEPlanoEstadualdeEducaoRS.pdf
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lizados. O texto final do PEE/RS cita nove vezes a palavra ―diversidade‖, referindo-se a outros tipos que não a diversidade sexual e de gênero.
Por mais que se fale, tanto dentro dos artigos da Lei quanto no
corpo do texto das metas do documento, em respeito à diversidade e
combate ao preconceito e à discriminação, as desigualdades de gênero e
as violências homofóbicas e transfóbicas são negligenciadas. Sabendo-se
que houve contemplação de tais temas no texto inicial do Projeto de Lei,
fica evidente a exclusão intencional ao final do processo que aprovou o
documento.
As ações afirmativas em diferentes esferas, que dão nome às
identidades historicamente desfavorecidas e às violências por elas vivenciadas trouxeram ganhos políticos nas últimas décadas, como os resultantes da afirmação da identidade negra em oposição às tentativas de classificação da cor e de neutralização da identidade étnico-racial (FIGUEIREDO, 2015), e da afirmação da diversidade sexual e de gênero, evidenciados nos esforços do Poder Judiciário e nas ações isoladas do Poder
Executivo nos últimos dez anos (MELLO, 2018).
Fazendo uma análise, meta por meta, do texto do Projeto de Lei
do PEE/RS, proposto entre os anos de 2014 e 2015, encontramos a preocupação com a promoção da cidadania e o combate à discriminação no
âmbito das questões de gênero e sexualidade em sete das vinte metas.
A Meta 2, tanto no texto propositivo quanto no texto final, dispõe
sobre a universalização do Ensino Fundamental de nove anos e a garantia da conclusão na idade recomendada. Na estratégia de nº 2.16, propõe
o desenvolvimento de tecnologias pedagógicas junto à comunidade, e
inclui a preocupação com o respeito às especificidades relacionadas a
gênero e sexualidade. A estratégia de nº 2.43 propõe a implementação de
políticas de prevenção à evasão escolar motivada por preconceito e discriminação de identidade de gênero e orientação sexual.
A Meta 2 do texto final, apesar de dispor sobre o mesmo tema do
propositivo, não inclui as questões referentes a gênero e sexualidade
mencionadas no parágrafo anterior. Uma exclusão problemática diante
da necessidade de criar estratégias de combate à evasão, e aqui problematizamos esta a partir da reflexão de Brancaleoni & Amorin (2017), que
dizem que:
a homofobia e a transfobia já vivenciadas anteriormente no ambiente
familiar, se reproduzem também na escola e muitos estudantes vivenciam uma verdadeira expulsão desse espaço, muitas vezes camuflada
sob o termo ―evasão escolar‖.
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A Meta 3 do texto propositivo dispõe sobre a universalização do
atendimento escolar e aumento do número de matrículas para jovens
entre 15 e 17 anos de idade. Em quatro de suas estratégias, o texto inclui
a preocupação com as especificidades relativas a gênero e sexualidade,
com propostas de ampliação de acompanhamento individualizado, busca
da população fora da escola, desenvolvimento de programas de educação
e cultura e prevenção da evasão escolar motivada por preconceito e discriminação.
Na Meta 3 do texto final, apesar de tratar da mesma temática, só
é citado o termo ―orientação sexual‖ na estratégia de nº 3.1, que dispõe
sobre a ampliação de vagas no Ensino Médio em regiões e comunidades
onde a cobertura é insuficiente. As demais questões mencionadas no
parágrafo anterior foram excluídas.
A Meta 4 do texto propositivo, que dispõe sobre a universalização
do acesso à educação para a população de 4 a 17 anos de idade com necessidades educacionais específicas, menciona gênero e sexualidade ao
propor, na estratégia de nº 4.3, a ampliação de salas de recursos multifuncionais e a formação continuada de professores para atendimento
especializado na área da educação inclusiva. No texto final, a Meta 4 não
mais menciona gênero e sexualidade em suas estratégias.
A última meta na qual encontramos a permanência, ainda que
extremamente reduzida, da temática de gênero e sexualidade no texto
final do PEE/RS, é a Meta 8. No texto propositivo, a mesma meta, que
propõe a elevação da escolaridade média da população do campo, de
comunidades indígenas e quilombolas, entre os 18 e os 29 anos de idade,
menciona gênero e sexualidade em nove estratégias. Nestas, o texto inclui tais menções ao propor a promoção do monitoramento do acesso à
escola; a implementação de estratégias para permanência na Educação de
Jovens e Adultos; a garantia de formação permanente aos docentes, com
temas contemporâneos; o fomento à política de formação continuada
para toda a comunidade escolar; a elaboração de propostas curriculares
que incluam temas transversais com questões de inclusão; o aprimoramento do acervo das bibliotecas escolares; e a construção, em colaboração com as Universidades Públicas e privadas, da inclusão de temas referentes à diversidade nos conteúdos disciplinares e nas atividades curriculares dos cursos de licenciatura.
O texto final manteve, na Meta 8, os termos ―gênero‖ e ―sexualidade‖ apenas nas estratégias de nº 8.10 e 8.12, que dispõem, respectiva-
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mente, sobre a formação permanente em temas contemporâneos para
docentes, e sobre as propostas curriculares que incluam temas transversais.
As demais metas que contemplam a diversidade sexual e de gênero no texto propositivo, mas que tiveram a temática excluída no texto
final, são as de nº 10, 14 e 18, cada uma delas mencionando gênero e
sexualidade em uma de suas estratégias.
A Meta 10 dispõe sobre a oferta de matrículas no Ensino Fundamental e no Ensino Médio de forma integrada à educação profissional. A
estratégia de nº 10.23 propunha a garantia de políticas curriculares com
foco no direito à diversidade e afirmação dos direitos humanos.
A Meta 14, que propõe elevar gradualmente as matrículas em
pós-graduação scricto sensu, mencionava, em sua estratégia de nº 14.8, a
proposta de estimular a equidade de gênero no ingresso aos cursos de
pós-graduação.
Finalmente, a Meta 18, que dispõe sobre o plano de carreira de
profissionais da educação básica e superior, e piso salarial para professores da educação básica, propunha, em sua estratégia de nº 18.20, a realização de censo dos profissionais da educação básica, que contemplasse
dados relativos a orientação sexual e identidade de gênero.
Percebendo a educação como um espaço cujas diretrizes constroem um projeto de sociedade, embates como os que discutimos neste
trabalho fortalecem a ideia de educação como um campo de disputa política (BRAGAGNOLO & BARBOSA, 2015).
Na sequência da aprovação do texto final do PEE/RS, o Projeto
Escola Sem Partido é colocado em pauta na Assembleia Legislativa, mas é
9
finalmente retirado pelo autor no dia 04 de outubro de 2016 , após exaustivos debates. Esta retirada evidencia, talvez, que a retórica antigênero
não avançou, assim como não avançou a pauta de gênero e sexualidade
na educação.
Considerações Finais
A não menção da temática de gênero e sexualidade nos planos
de educação não representa uma proibição do avanço e aprimoramento
9
A situação do PL 190/2015 pode ser consultada através do link
http://www.al.rs.gov.
br/legislativo/ExibeProposicao.aspx?SiglaTipo=PL&NroProposicao=190&AnoProp
osicao=2015&Origem=Dx
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de tais discussões nos espaços escolares. Por outro lado, evidencia a força
política da retórica antigênero dentro do Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.
Apesar de a ofensiva antigênero ter conquistado grande espaço e
ter tido algumas vitórias pontuais, com base no amedrontamento da população para uma possível ditadura nefasta destruidora da família e da
moral, continuamos sem nenhuma restrição legal para as abordagens
relacionadas a gênero, sexualidade e respeito à diversidade na escola.
Evidentemente, como resultado da repercussão dos embates travados no campo da educação quanto à diversidade sexual e de gênero, o
discurso do slogan ―ideologia de gênero‖ ganhou vazão e grande alcance,
o que faz com que a resistência ao tema se fortaleça dentro das escolas.
Por isso é tão importante conhecer o discurso antigênero, sua articulação
e força política, construindo estratégias de diálogo com a comunidade
escolar.
É necessário desconstruir o tabu que se manifesta quando se discute o respeito à diversidade, construindo o entendimento de que este
tabu não tenta calar a violência sofrida diariamente na escola e na sociedade como um todo, mas apenas tenta calar os esforços para combate-la.
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Círculo de Diálogo 2
Culturas e saberes dos povos afros,
caboclos e indígenas
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SABERES E FAZERES EM
COMUNIDADES QUILOMBOLAS:
A EDUCAÇÃO DO CORPO,TRILHAS
ENTRE O MARANHÃO E O MATO GROSSO
Raimundo Nonato Assunção Viana 1
1.
Introdução
O presente texto decorre de pesquisa pós- doutoral em andamento, intitulada ―Saberes e Fazeres em Comunidades Quilombolas: A Educação do Corpo, Trilhas entre o Maranhão e o Mato Grosso, desenvolvida junto ao Programa de Pós- Graduação em Educação PPGE, da Universidade Federal do Mato Grosso. A referida pesquisa tem como objetivo, compreender as Práticas Corporais no âmbito dos Fazeres e Saberes
em comunidades quilombolas localizadas no litoral ocidental do Maranhão, especificamente no município de Guimarães e no Estado do Mato
Grosso com vistas a configurá-las como Fenômeno Educativo.
Compreender as práticas corporais manifestas nos fazeres e saberes construídos no contexto quilombola, significa conhecer suas peculiaridades na forma de educar e educar-se . uma Educação que se revela na
plasticidade do Corpo. Em tempo, ressaltamos o uso do termo‖ ponto de
partida‖ no sentido de referenciar ao ― trilhas‖ utilizado no titulo da investigação, assim nos colocamos, nesse caminho da pesquisa, nesses
passos a trilhar, na proposição de imersão no contexto quilombola no
Estado de Mato Grosso, não no sentido de comparação, mas, respeitando suas singularidades e similaridades no fazer e no pensar, no sentido de
buscar núcleos de significativos para pensarmos a Educação do Corpo.
O estudo tem sua centralidade nos Estudos do Corpo, se sustenta
em Bases Filosóficas, em especial nos na Fenomenologia de Merleau1
Doutor em Educação pela UFRN. Docente do Departamento de Educação Física
UFMA. GEPPEF/UFMA- Pós doutorando PNPD/CAPES-COEDUC/PPGE/
UFMT. viana.raimundo @ufma.br
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Ponty, realizando interlocuções com a Sociologia e Antropologi. É uma
forma de compreender o fenômeno dos Fazeres e Saberes nessas comunidades tal como diz Daniel Pansarelli ao Prefaciar a obra ― Filosofia e
Corporeidade‖(SOUZA, 2016) ―[...] Dá a pensar, assim, filosoficamente,
a educação a partir do corpo, e o corpo a partir da educação.
2.
2.1.
Desenvolvimento teórico
O Corpo à Luz da Fenomenologia
A experiência estética ocorre no corpo, na sua relação com os
objetos estéticos. Na perspectiva fenomenológica de Merleau-Ponty, o
corpo é um corpo vivo, que trabalha, sente prazer, sofre de amor e de
fome, molda, transforma, conforma, disciplina-se e disciplina. Um corpo,
que escreve sua história, tem sua técnica corporal ao dançar e festejar
seus rituais. Um corpo onde é possível ler informações geradas pelo universo da cultura no tempo e no espaço, portanto, na história; universo
esse, que mantém vivo esse corpo e ao mesmo tempo é sustentado por ele
através da transmissão social de informações.
Para Merleau-Ponty, o corpo quando se movimenta, se reorganiza, informa-se sobre o meio ambiente ao mesmo tempo em que informase sobre si mesmo, criando significações transcendentes ao dispositivo
anatômico:
O corpo é nosso meio geral de ter um mundo. Ora ele se limita aos gestos necessários à conservação da vida, e correlativamente, põe em torno de nós um mundo biológico, ora brincando com seus primeiros gestos e passando de seu sentido próprio a um sentido figurado, ele manifesta através de um novo núcleo de significação: é o caso dos hábitos
motores como a dança. Ora, enfim a significação visada não pode ser
alcançada pelos meio naturais; é preciso então que ele se construa um
instrumento, e ele projeta em torno de si um mundo cultural (MERLEAU-PONTY, 1999, p.203).
Dessa forma, esse corpo que no momento vive sua experiência
nos fazeres e saberes assim como em qualquer outra esfera do seu mundo-vida, não é algo só mecânico, nem por isso abstrato, mas ressoam
fatores de ordem biológica e cultural. Um corpo não subestimado a responder a estímulos após o acionamento desse ou daquele substrato, e sim
um corpo que deixa de ser massa inerte para dar lugar às ações originais,
que se expressa em sua diversidade, entrelaçando o mundo biológico,
físico e químico e que, pela sua capacidade de reconhecer numa mesma
coisa, diferentes perspectivas, transcende essa dimensão, cria um mundo
simbólico de significações. Cria cultura (NÓBREGA, 2000).
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Neste processo de criação da cultura, há toda uma organização
corporal, uma maneira própria de acolher a nova situação e de vivê-la, ou
seja, de aprender. Os estímulos do ambiente ganham um sentido que
caracteriza a presença do homem no mundo e o comportamento cria
uma significação que transcende o dispositivo anatômico (NÓBREGA,
2000, p. 59).
Merleau-Ponty (1999) afirma que, os comportamentos criam significações que são transcendentes em relação ao dispositivo anatômico.
Para ele:
É impossível sobrepor, no homem uma primeira camada de comportamento que chamaríamos naturais e um mundo cultural ou espiritual
fabricado. No homem, tudo é natural e fabricado, no sentido que não
há uma só palavra, ou conduta que não deva algo ao ser simplesmente
biológico e que ao mesmo tempo não se furte à simplicidade da vida
animal, não desvie as condutas vitais de sua direção, por uma espécie
de regulagem e por um gênio do equívoco que poderia servir para definir o homem (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 257).
Portanto, a simples presença do ser vivo transforma o mundo físico, dando ao estímulo um sentido que ele não tinha, surgindo assim,
várias formas do homem se encontrar no mundo; na forma de se alimentar, proteger-se, vestir-se, entre outras. Desse modo, padroniza a sua forma de agir, seja numa situação de sobrevivência, seja na dança ou como
se comportar em cerimônias de ritos e magia, o ser humano age de acordo com uma relação de recursividade entre esses fatores de apreensão do
mundo. A lógica recursiva a que nos referimos é no sentido de não considerar a relação entre esses fatores como processos seqüenciais lineares de
causa/efeito, produto/produtores, mas de um fenômeno circular, no qual
a possibilidade de distinguir algo do todo depende da integridade dos
processos que o tornam possível. Não há hierarquia nem separação entre
o ser humano e o mundo, e sim, cooperatividade na circularidade. Não
há separação entre produtor e produto, o ser e o fazer na unidade autopoiética são inseparáveis (MATURANA; VARELA, 2001).
As experiências vividas nos universos tradicionais, entre elas as
comunidades quilombolas sobre as quais nos debruçamos nesse estudo,
não ocorrem em um sistema de relações que determina cada acontecimento, mas de uma subjetividade aberta, cuja síntese não pode ser acabada. Acreditamos que através de gestos, olhares, posturas, distâncias de
outros corpos expressam sentimentos e um modo de leitura da realidade.
Pelo corpo, adquirem e produzem saberes que configuram a cultura e dão
sentidos à existência.
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Os corpos quilombolas, no seu viver e fazer ilustram as teses sobre o corpo, consideradas nesse texto. São corpos agem sobre outros
corpos, gesticulam, giram, saltam, cortejam seu objeto estético, colocam
em relevo sua sensibilidade, atuam sobre a sensibilidade do outro, buscam sensibilizá-lo, persuadi-lo. Pelos seus corpos compartilham emoções,
partilham idéias, transcendem essas ações em seus rituais e representações.
Dessa forma, sinalizam um corpo que não é resultado de acoplamento de estruturas compartimentalizadas, homem/cultura, vida/natureza, física/química, não comunicantes. Portanto, eles percebemse nesse mundo, os quais já estão imersos, recortam e o absorvem. Enfim,
lidamos com um corpo anatômico e também um corpo social, real e imaginário que se contrapõem ao discurso que o considera como partes distintas, órgãos justapostos por onde os canais sensoriais são apenas instrumentos de estímulos e respostas, apresentando-se no mundo como um
acontecimento através da causalidade linear.
Nesse sentido, ao organizar a sua forma de estar no mundo, aguçam os sentidos da experiência da vida, constroem, aprendem, ensinam,
cativam-se, tomam outros corpos que com eles interagem, capturam também aqueles que outrora produziram esses saberes e também destes, a sua
comunicação com o mundo. Cativar, tomar, capturar o outro pelo gesto,
enfim comunicar-se através do gesto, não ocorre linearmente somente a
partir do interlocutor, porque o sentido do gesto não é dado, é compreendido e retomado por um ato do espectador.
Dessa maneira, acredita-se que nas comunidades quilombolas,
seus partícipes inscrevem em seus corpos histórias, memórias e as comunicam; comunicam-se consigo, com o outro, interligando passado, presente e futuro. São corpos abertos à situações reais, bem como, para o
virtual e imaginário, criam cultura e por essa, se estabelecem no mundo e
refletem a incompatibilidade da existência de uma linha divisória, mesma
que seja, tênue entre natureza e cultura. Pela presença corporal produzem cultura e por esta se estabelecem no mundo. Merleau-Ponty (2002)
infere que é próprio do gesto cultural suscitar em cada outro gesto, se não
uma consonância, pelo menos um eco.
O conhecimento constituído e inaugurado no corpo nessas comunidades reflete em sua reorganização no espaço e no tempo. Todos os
conhecimentos construídos por esses corpos no micro- as construções
simbólicas constituem uma linguagem expressiva, quando imprimem
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intensidade, ritmo, tensão coerência formal, traçando formas, impregnando impulsos, intenções e desejos, enfim, convertem-se em linguagem
sensível, uma comunicação com o seu entorno, configurando uma estética, uma construção muito singular de idéias acerca da sua gestualidade e
de seu uso. Por essas construções singulares, o corpo quilombola aprende, acumula técnicas, funda um estilo, acrescenta novas significações.
Incrementam sua relação com o mundo.
Ação e experiência constituem a base desses conhecimentos e
ilustram a tese de Maturana e Varela (2001) de que não se pode tomar o
fenômeno de conhecer como se houvesse fatos ou objetos lá fora, que
alguém capta e introduz na cabeça, mas, que a experiência de qualquer
coisa é validada de uma maneira particular pela estrutura humana que
torna possível surgirem coisas que ora se apresentam. Os autores afirmam
que a circularidade entre ação e experiência implica em que todo ato de
conhecer faz surgir um mundo e todo fazer é um ato de conhecer e todo
conhecer é um fazer.
2.3.
ção
A compreensão de um corpo fenomenológico e a educa-
É a partir da Fenomenologia que nos identificamos para realizar
este estudo, compreendendo que esta educação está relacionada com o
domínio da apreensão sensível vinculada à relação de sentidos do homem
com o mundo, consigo próprio e com os outros.
A proposição, portanto, firma-se nos estudos de Merleau-Ponty
enquanto perspectiva ontológica e epistemológica do corpo.
A contribuição de Merleau-Ponty coloca-se no sentido do reconhecimento da complexidade do corpo e do movimento como elementos
existenciais. O corpo não é objeto nem idéia, é expressão singular da
existência do ser humano que se move. O corpo é linguagem, é movimento, é obra de arte (NÓBREGA, 2000, p. 26).
Pensar o corpo como centralidade da cultura, portanto como
produção do conhecimento é empreender a noção de corporeidade como
sendo a unidade que engloba uma pluralidade de formas ou de existências, portanto compreende-se que a reflexão epistemológica da corporeidade contribui não apenas para a compreensão do ser humano em sua
condição existencial básica, mas propicia a criação de novos modos de
organização do conhecimento e de convivência ética e social, particularmente na educação (NÓBREGA, 2010).
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Compreende se então que corporeidade, corpo e cultura são
campos férteis para aprofundamento de pesquisas e construções do conhecimento, portanto, como um campo epistemológico multirreferencial
como possibilidade de orientar a diversidade de saberes sobre o corpo,
também estes, produzidos pelo corpo.
Dessa forma partimos da premissa em que nos contextos a serem
investigados vive-se experiências que não ocorrem em um sistema de
relações que determina cada acontecimento, mas de uma subjetividade
aberta, cuja síntese não pode ser acabada. Assim, através de gestos, olhares, posturas, distâncias de outros corpos expressam sentimentos e um
modo de leitura da realidade. Pelo corpo, adquirem e produzem saberes
que configuram a cultura e dão sentidos à existência. Pela percepção, o
corpo em suas diversas experiências conhece. A experiência perceptiva se
encadeia, se motiva, implicando-se uma às outras. A percepção das coisas do mundo é a dilatação da presença corporal.
Concebemos, portanto, um conhecimento que emerge das capacidades de compreensão, que por sua vez estão enraizadas nas estruturas
de incorporação biológicas, mas são vividas e experienciadas em um
domínio de ação consensual e de história cultural (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2001), pensamento corroborado por Serres (2004), ao
afirmar que o conhecimento desencadeado opera por uma lógica onde
entrecruzam as esferas de sua existência: biológicas, culturais, simbólicas.
É por essa intersecção que este procura significar para além de sua simples existência, inaugurando sentidos:
O corpo em movimento federa os sentidos e os unifica nele. Essa visão
corporal global e esse toque, cujo maravilhoso poder de transubstanciação transforma o paredão rochoso em matéria mole e fibrosa, continuam sempre a produzir encantamento, mesmo na ausência tácita da
música (SERRES, 2004, p.15).
Os estudos de Nóbrega (2010) nos ajudam a compreender, o corpo, como sendo a unidade que engloba uma pluralidade de formas ou de
existências. Um corpo que não se divide em materialidade, sensações,
cognições, mas demonstra os atos de significações, ou seja a cultura produzida por esse corpo ao relacionar-se com o entorno inaugura uma racionalidade que emerge da sua condição corpórea e de seus sentidos biológicos, afetivos, sociais e históricos e que precisa ser levada em conta no
ato de educar.
Em especial à Educação, Nóbrega (2010) afirma:
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Sendo o Corpo condição existencial, afetiva, histórica, epistemológica
[...] precisamos admitir que o corpo já está presente na educação. O
desafio é superar as práticas disciplinares que o atravessam e reencontrar outras linhas de força. Desse modo, as aventuras pessoais, os acontecimentos banais ou históricos, a linguagem do corpo precisa ser considerada no ato de ensinar (NÓBREGA, 2010, p.114).
Nóbrega (2014, p.112) reafirma essa tese:
Nosso corpo traz marcas sociais e históricas e, portanto, questões culturais, questões de gênero e questões de pertencimentos sociais podem
ser lidas no corpo [...]Pensar o corpo na educação significa evidenciar
o desafio de nos perceber como seres corporais.
Para Nóbrega, (1999). É preciso reconhecer o corpo como corpo
vivo, lúdico, trágico, portador de múltiplos sentidos; um corpo associado
à motricidade, à percepção, à sexualidade, à linguagem, ao mito, à experiência vivida, à poesia, ao sensível e ao invisível
O corpo não pode ser concebido apenas como extensão ou volume,
contemplado do exterior, como objeto: nem do interior, sem segredo,
separado de si. O corpo do qual falamos não se resume a uma visão
tecnificada ou disciplinadora da condição humana. Mas de um corpo
vivo, cuja linguagem projeta o indivíduo para fora de si mesmo e o expõe ao elogio ou à sanção do grupo (NÓBREGA, 2003, p. 3).
Dessa forma a autora considera que a linguagem do corpo está
circunscrita ao privado, ao íntimo, ao secreto, mas também ao público, à
história social e coletiva. Um corpo marcado não apenas pela extensão,
volume ou capacidade de deslocamento no espaço, mas pela percepção,
pelo desejo, pelo afeto.
Portanto, os fazeres e saberes, os conhecimentos produzidos, o
corpo aprende. Educa e se educa ao criar e recriar estruturas, modo de
ser, fazer, relacionar-se com o outro, posicionar-se ante ao mundo; Educa
os sentidos para ampliar a sua capacidade de apreensão do mundo. Uma
Educação que se constrói na relação do corpo com a experiência vivida
com espaço, com o movimento, com o desejo, com a sexualidade, com a
expressão e a fala, como nos ajuda pensar Souza (2016).
3.
Considerações finais: Perspectivas sobre a educação do
corpo no contexto a ser investigado
Como mencionado no inicio desse texto para o momento importava-nos apresentar a base teórica epistemológica que sustentará a investigação pós-doutoral em andamento que consistirá em uma pesquisa qualitativa, caracterizada como exploratória quanto aos seus objetivos. Pelas
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fontes utilizadas na coleta de dados define-se como pesquisa de campo,
adotando-se como procedimentos de coleta, a combinação de pesquisa
bibliográfica, registros fotográficos, filmagens dos espaços de interações
sociais e entrevista com membros das comunidades investigadas.
O público alvo da investigação será constituído de pelo menos
uma comunidade quilombola situado do município de Guimarães– MA,
entre as investigadas em pesquisa anterior já mencionada, e uma comunidade quilombola do Estado de Mato Grosso, que será elencada após
estudo exploratório nesse Estado.
Dessa forma, na perspectiva metodológica de orientação fenomenológica, o material para a análise nessa pesquisa será constituído
estritamente das descrições das situações vividas nesse mundo-vida das
comunidades quilombolas. A descrição está relacionada aos relatos do
espaço e do tempo vividos. Relata o percebido, isto é, o visto, o sentido, a
experiência como vivida pelo sujeito (MERLEAU-PONTY, 1999).
Nesse sentido, a descrição assumirá a forma de um texto à espera
de interpretação; é ele que fornece indicadores do solo perceptual onde
ocorrerá a experiência da qual serão destacadas as unidades de significados, isto é, unidades da descrição ou do texto que farão sentido para o
pesquisador a partir das interrogações formuladas.
A investigação colocará a experiência perceptiva como campo de
possibilidades para o conhecimento, ou seja, no logos sensível estético.
Trata-se-á de ―uma nova possibilidade de leitura do real e da linguagem
sensível, procedendo pela reversibilidade dos sentidos‖ (NÓBREGA,
1999, p. 124). Buscaremos nos dados originários da experiência, as unidades de significados para chegarmos as experiências dos ―Fazeres e
Saberes‖ nas comunidades quilombolas enquanto fenômeno educativo.
Referências
MERLEAU-PONTY, Maurice Fenomenologia da percepção. Tradução
Carlos Alberto Ribeiro de Moura. 2ª edição. São Paulo: Martins Fonte,
1999.
NÓBREGA, T. PCorpo,estética e conhecimento In ALMEIDA, Maria
da Conceição de; Knobb Margarida; Almeida, Ângela Maria de. (orgs.)
Polifônicas Idéias. Porto Alegre: Sulina, 2003.
______ Dançar para não esquecer quem somos:por uma estética da
dança popular. In: II Congresso Latino - Americano/III Congresso
Brasileiro de Educação Motora, 31/out, 04/nov. 2.000, Natal. Anais.
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Educação Motora: Interseções com a corporeidade e as perspectivas para
o novo século. Universidade federal do Rio Grande do Norte, 2000. p.
54-59.
______Para uma teoria da corporeidade: um diálogo com MerleauPonty e o pensamento complexo.1999. 220f. Tese (Doutorado em
Educação), Universidade metodista de Piracicaba, Piracicaba,1999.
SOUZA, Santos Daniel. Filosofia e Corporeidade: ensaios críticos no
terreno da educação popular [ recursos eletrônico]Porto Alegre- RS:
Editora Fi, 2016
VARELA, Francisco; THOMPSON, Evan; ROSCH, Eleanor. A mente
corpórea: ciência cognitiva e experiência humana. Tradução Joaquim
Nogueira Gil e Jorge de Souza. Lis
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„JOÃO MARIA FOI UM SANTO MONGE‟:
ENTRELAÇAMENTOS DA IDENTIDADE
CABOCLA DO OESTE CATARINENSE
Maria de Souza
Jorge Alejandro Santos
Lucí Teresinha Marchiori dos Santos Bernardi
Introdução
Este artigo apresenta a ―voz‖ de caboclos do Oeste catarinense
sobre quem foi São João Maria1 e o que ele representa para essa etnia.
Emerge de uma pesquisa mais ampla que versa sobre a cultura cabocla e
a escola. Para a construção da mesma desenvolveu-se uma análise documental que oportunizou expandir o (re)conhecimento do ―ser caboclo‖
no Oeste catarinense e possibilita ampliar o debate sobre o monge, que
apresentamos neste texto.
No espaço da pesquisa qualitativa, construímos uma análise de
entrevistas desenvolvidas pelo Centro de Memória do Oeste de Santa
Catarina (CEOM), no ano de 2006, que estão disponíveis no banco de
dados online do museu. O trabalho desenvolvido pelo museu resultou em
um dos poucos materiais que especificam aspectos culturais dos caboclos
da região em estudo, como o livro Inventário da Cultura Imaterial Cabocla no Oeste de Santa Catarina (CEOM, 2008), que elenca aspectos que
retratam essa etnia. O acervo de falas dos caboclos soma quase 1000
páginas e pode oportunizar outras análises, outras histórias.
Utilizando-se da Análise Textual Discursiva de Moraes e Galiazzi (2006), que possibilita leituras emergentes do texto analisado, nos
1
Quando tratado das influências do monge ou de São João Maria na cultura cabocla
do Oeste catarinense, se faz referência à João Maria de Agostini que segundo
pesquisas como de Karsburg (2012), teria sido o primeiro monge a peregrinar pela
América com presença no Sul do Brasil. Considerando que José Maria de Jesus
(Miguel Lucena de Boaventura) não tem a mesma significância para os caboclos do
Oeste do que para aqueles da região em que ocorreu a Guerra Contestado, embora
José Maria muitas vezes seja confundido com o primeiro monge.
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propusemos a dizer outros aspectos da cultura cabocla e sua identidade,
dentre eles, a figura de São João Maria, que se revela com ênfase no contexto histórico desse grupo enquanto aspecto fundamental da identidade
cabocla, considerando que as identidades mudam (HALL, 2000) e que,
com os caboclos não é diferente.
Para auxiliar na compreensão desse fenômeno, amparamo-nos
em Renk (2004). Segundo a autora, os caboclos possuem uma ancestralidade comum, baseada nos troncos velhos, ditos como católicos antigos.
Nesse sentido, a figura de São João Maria faz parte da ambiência daquelas famílias que ainda seguem os preceitos dos católicos antigos, de forma
que os valores e práticas não lhes foram tirados. Com eles está presente
toda a memória popular que se refere aos milagres e às profecias do monge.
Por outro lado, Renk (2004) apresenta que, na atualidade, existe
uma população de católicos antigos, porém há também a introdução de
outras expressões religiosas como a igreja Assembléia de Deus. Segundo
a autora, isso se dá em um cenário em que, excluídos da igreja católica e
vendo suas manifestações culturais perderem espaços, aderem a uma
outra forma de religiosidade, sendo escolhidos pela agência e não o contrário.
A situação expressa uma dualidade entre os caboclos, pois aqueles convertidos compreendem que as crenças vivenciadas antigamente
não têm mais valor e aqueles que ainda são católicos antigos são vistos
como pessoas que não encontraram a verdadeira fé (RENK, 2004). Assim, é possível observar que existe uma parcela de caboclos que não
compreende mais a figura de São João Maria como alguém que os representa e sim, como um falso profeta em divergência com as crenças dos
católicos antigos. Renk (2004) explica que, além dessa divisão, existem
aqueles que ficam num ―limbo étnico‖, pois acabam não sendo nem católicos antigos, nem crentes, nem católicos italianos.
Consideramos que para a maioria dos caboclos entrevistados pelo CEOM, São João Maria se revela como alguém que os representa. Por
outro lado, mesmo que os caboclos crentes não o compreendam mais
como um marco identitário, a figura do monge se revela na história dos
caboclos da região em estudo, portanto, faz parte de um imaginário histórico e cultural, como apresentamos na sequência.
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„Não aquele João Maria de história que tem aí‟... São João Maria, o santo monge
São João Maria foi um santo monge, ele só falou a
verdade, ele contou pro povo o que nós tá vendo hoje
(Rita Fernandes da Silva, 78 anos - Chapecó).
João Maria de Agostini, segundo Karsburg (2012), foi um eremita vindo da Itália que desembarcou na cidade do Rio de Janeiro, no dia
19 de agosto de 1844, declarando-se como ―solitário eremita a serviço de
seu ministério‖, afirmando habitar nas ―matas‖. Foi registrado no cartório de Sorocaba/São Paulo no dia 24 de dezembro de 1844. Tinha, então,
43 anos de idade e, segundo os registros, aleijado de três dedos da mão
esquerda. A pesquisa Karsburg (2012) apresenta os trajetos percorridos
pelo monge, os quais perpassam quase toda a América e, segundo o autor, ele teria falecido no meio-Oeste dos Estados Unidos, na década de
1860.
Sendo assim, a figura de São João Maria, conhecida em meio
aos caboclos como um profeta de Deus e as crenças nele depositadas
fazem parte de um imaginário que não é só mitológico. É a construção de
uma história que foi passada de geração a geração e constitui a formação
social, cultural e identitária dos caboclos da região em estudo. Porém, as
versões foram mudando com o tempo e geraram dúvidas sobre a real
existência do monge.
É preciso considerar que os registros históricos afirmam a sua
existência e confirmam muitos relatos feitos pelos caboclos. Na história
popular, há algumas controvérsias sobre fatos como a verdadeira imagem
do monge e suas profecias. Alguns diziam que ele iria se retirar e muitos
seguiriam seu legado. Outros diziam-se enviados de São João Maria e,
inclusive, mudavam de nome para assemelhar-se com a figura do monge,
como é o caso de José Maria de Jesus, o qual ficou conhecido pela sua
atuação na Guerra do Contestado e muitas vezes é confundido com o
próprio São João Maria. Os relatos dos caboclos condizem com as constatações das pesquisas sobre o tema: ―João Maria foi um santo monge,
não aquele João Maria de história que tem aí, São João Maria ele caminhou a
muitos anos, minha avó falou com ele, ele era um santo monge que apa-
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recia e desaparecia2 [...]. (Rita Fernandes da Silva, 78 anos- Chapecó –
grifos nossos).
Segundo Welter (2007), uma fotografia amplamente divulgada
teria sido feita em 1898, por Herculano Fonseca, de Ponta Grossa (Paraná). A mesma teria sido copiada e reproduzida por outros fotógrafos da
região e vendida para caboclos e indígenas como sendo do Profeta João
Maria de Jesus, o qual é confundido com São João Maria. Isso se confirma a partir da pesquisa de Karsburg (2012). O autor faz um estudo
sobre os dados e características registradas no cartório de Sorocaba/São
Paulo e de arquivos do estado do Novo México, onde encontra uma
fotografia que considera ser do primeiro monge.
É possível verificar as diferenças entre as imagens apresentadas
nas fotografias 1 e 2, que circulam no contexto da região em estudo e a
terceira, originária do Arquivo da Universidade do Novo México que
retrata o primeiro monge.
Comparando as imagens, deduz-se não se tratar da mesma pessoa reproduzida na fotografia 3 e aquelas que circulam na região. Outro
indício a se considerar é a informação presente em Karsburg (2012) de
que no registro do cartório de Sorocaba constava que João Maria de
Agostini (São João Maria) era aleijado3 de três dedos da mão esquerda.
Fotografias 1 e 2 – Fotografias divulgadas como sendo de São João Maria.
Cópias encontradas em Campo Belo do Sul
Fonte: Autorias e datas incertas. Reprodução: Welter (2007).
2
3
As falas utilizadas neste estudo fazem parte do acervo de entrevistas e não foram
extraídas do livro. Portanto, preservamos a transcrição ao modo desenvolvido pelo
museu.
Como o referido autor explica, ser aleijado não significava a falta dos dedos, como se
pode pensar. Ao que se pode concluir, seria uma deficiência em três dedos da mão
esquerda.
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Fotografia 3 – Fotografia feita em
Las Vegas,no ano de 1867
Fonte: Arquivo da Universidade do Novo México, Coleções Especiais.
Foto sob o negativo n. 10777. Reprodução: Karsburg (2012).
As fotografias 1 e 2 nos ajudam a constatar que não se tratava do
primeiro eremita, e sim, de um de seus seguidores. É possível identificar4
nas fotografias reproduzida por Welter (2007), a presença da seguinte
inscrição: ―Prophéta João Maria de Jesúz, 180 anos‖. O modo como o nomeiam, bem como a idade que atribuem a pessoa da foto instigam a referência ao primeiro monge. Já a fotografia apresentada por Karsburg
(2012) condiz com o registro do cartório, bem como, com a temporalidade na qual o monge peregrinou.
Alguns caboclos fazem referência à possibilidade de terem percorrido a região pessoas diferentes, usando a denominação de São João
Maria, outros não. Isso pode acontecer pelo fato de que os mesmos fazem parte da geração que não conheceu São João Maria e, quando relatam que a mãe ou pai estiveram com o monge, provavelmente já era um
seguidor do mesmo, pois as datas não fecham.
Pois é, o tempo co meu pai era solteiro, você já ouviu falar no finado o
João Maria, que andava é, esse o meu pai carregou a mala dele e ele
disse vocês tem que rezare, vocês rezem e ensinem os fios de vocês rezarem, porque a coisa vai vim, não tem fio [filho] por pai e nenhum,
pai por fio, e tá nesse, o que ele disse tá tudo bem certinho... o pai matô o fio [filho], o fio[filho] matô o pai, num é? (Sinhorinha Pereira, 90
anos - Galvão).
4
Embora não muito visível na reprodução aqui feita.
56
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Por outro lado, alguns dão a impressão que se referem à São João Maria, sendo que os ensinamentos, as histórias que contam e a forma
como interpretam esse personagem, supõem estarem se referindo ao primeiro monge. A referência de José Maria não é a mesma para os caboclos do Oeste daquela atribuída na região do Contestado. Visto que, por
mais que exista uma dificuldade em elencar a imagem do monge em
virtude da ampla reprodução da fotografia de José Maria, em seus relatos
referenciam a figura de João Maria de Agostini, ou como é conhecido
entre eles, São João Maria.
É os velhos que contavam, que então a mãe contava que tinha, diz que
aí esse homem contava que a comida dele, nós não podia dá carne para ele, um pão diz que com uma folha de repolho ele fazia a refeição,
aquela cinza dele ali de fazer fogo era remédio para qualquer dor, para
qualquer coisa, aquela cinza dele ali com carvão, diz que era remédio
eu não conheci [...]. (Lourenço Leal, 56 anos - Linha Divino/Galvão).
De outra forma, mesmo fazendo referência a tempos diferentes,
ambas as falas aqui reproduzidas se utilizam dos ensinamentos do monge
para expressar suas compreensões de mundo. As violências da atualidade
são referidas por eles como as profecias de São João Maria que estariam
se cumprindo. Expressam, também, as características do monge, fato que
faz parte da história oral, de forma que os velhos é que contavam sobre
esse profeta e diziam da fé que tinham no mesmo.
A análise das entrevistas proporcionou o entendimento de que,
para muitos dos entrevistados, é difícil saber a época e se a fotografia
difundida era mesmo de São João Maria. Já outros, na sua crença e no
seu modo se expressar, dão a entender de que falam da figura do primeiro
monge. Nesse sentido, a análise, de forma articulada às pesquisas desenvolvidas sobre o assunto, ajuda na compreensão desse fator. Como registro, tem-se outros monges que seguiram São João Maria. Dentre eles,
segundo Marcon (2003), estavam, Anastás Marcaf, de origem francesa
que atuou na região por volta de 1905. E Miguel Lucena de Boaventura,
que ficou conhecido como José Maria, o qual participou na organização
do movimento do Contestado.
E ele dizia, olha minha filha, meu filho, daqui pra frente vai fica muito
ruim. [...]. Então ele falô, nos avião né, que não existia avião. [...]
Quando começá aparece esses burro sem cabeça que anda pelo ar ansim,
o que continuá vai fica muito ruim, vai fica muito ruim, mais a pessoa
que, tive fé em Deus, for devoto e, for uma pessoa humirde assim né,
[...]. (Alcindo Antunes Correia, Linha Almeida/Chapecó).
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Segundo Karsburg (2012), João Maria era nascido em Novara,
na Itália e, sendo filho de conde, pôde estudar nos melhores colégios,
mas ainda jovem fez votos de servir a Deus da melhor forma que pudesse. A figura desse monge acabou por influenciar diferentes aspectos da
cultura popular, neste caso, dos caboclos, que permitiram contar e recontar os ensinamentos transmitidos por gerações através da história oral. É
preciso considerar que as pessoas que habitavam o Oeste catarinense, no
início da colonização, nem sequer tinham documentos pessoais, ou seja,
eles ―nem existiam para o governo brasileiro‖. E tais ensinamentos permitiam-lhes construir a sua forma de se relacionar com o mundo.
Os ensinamentos do monge: reflexos no modo de vida caboclo
Além da religiosidade, esse personagem representa muitos outros
aspectos da formação social e cultural dos caboclos da região em estudo,
pois segundo a história oral, São João Maria ensinava coisas sobre o
mundo, o que resulta numa concepção de vida. O modo como viviam ou
se relacionavam, estava pautado nos ensinamentos desse monge e, por
isso, as histórias contadas contribuem na formação da identidade dessa
etnia. As particularidades étnicas caboclas se entrelaçam com o fazer
cultural de diferentes grupos, construindo a sua cultura a partir desse
processo que pode ser chamado de híbrido. A ideia de pureza ou hierarquização não se sustenta, mas sim, a perspectiva da construção de um
novo modo de ser, de forma que enuncia essa característica como sua,
desenvolvendo a diferença cultural (BHABHA, 1998).
No contexto das contribuições dos ensinamentos de São João
Maria na construção da identidade cabocla, elencamos três unidades: o
saber e a religiosidade, o ser e a natureza e os costumes e tradições. Estes
constituídos também a partir do entrecruzamento de culturas, mas com
influências significativas dos ensinamentos do monge.
Na voz de seu Lizário é possível elencar a relação de sua forma
de crer com os ensinamentos do monge: “mais tinha, ele fazia cura, ele
benzia terreno, ele batizava criança e fazia de tudo, esse santo aqui eu
adoro ele, vô botá... esse aqui não é morto é vivo é profeta de Deus vivo,
esse aqui não é morto‖ (Lizário Ferreira, 95 anos - Linha Nossa Senhora
de Lurdes/Chapecó).
A análise das entrevistas proporciona a compreensão de que
muitos dos saberes, fazeres e dizeres dos caboclos partem da sua religiosidade, e que esta, vem daquilo que foi transmitido aos mais antigos pela
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figura de João Maria. Além das crenças estarem relacionadas ao monge,
o modo como expressam seu saber sobre o mundo também se relaciona
com o que lhes foi transmitido por essa figura histórica.
Dentre as referências que os caboclos fazem ao monge está o fato
de que eles ―sabiam que o mundo ia ficar cativo e que as guerras e a fome
iriam vir‖, por isso deveriam ser humildes e rezar para que pudessem
estar a salvo das coisas que aconteceriam. Eles sabiam que remédios
tomar para as doenças da época. Entre as crenças transmitidas, estavam
que, no futuro veriam cavalos mortos andando pela terra e pássaros mortos voando pelo céu. Também que a terra iria tremer e que chegaria o dia
da escuridão. Foi sendo transmitido de geração em geração que chegaria
a época em que as pessoas ―pegariam as notícias pelo ar‖ e que ―os pobres iriam para cidade e os ricos para o interior‖. Entre os prenúncios
também estava que o modelo de família que eles conheciam iria se desestruturar.
[...] o São João Maria contava, naquele tempo não tinha rádio, não tinha televisão, chega uma época que o povo ia pegar as notícias de muito longe pelo telhado das casas, pra eles era uma novidade, como que
vai ser isso né, São João Maria disse que ia chegar um tempo que os
pobres vinham pra cidade e os ricos iam para o interior, mas o pessoal
ficou doido, como que pode isso né, não é verdade, os granjeiros não
tão, aonde está os donos dos sítios, das terras, estão sofridos na cidade
né, tem que dar no trabalho né, então tudo que ele falava eles guardaram por lembrança e era uma história deles, [...] ele contou tudo esse
negócio de família, que acontecia, de casal que iam casar só pra aparecer e não iam ter uma vivência bonita, ia chegar um tempo que os filhos mandavam nos pais e os pais não iam mandar nos filhos, as mulheres, bastava o marido olhar com os olhos torto ela abaixava, e não
ia ter mais uma família assim respeitada, as família ia chegar um tempo que cada um pra si e Deus por todos, ninguém mandava ninguém...
(Rita Fernandes da Silva, 78 anos - Chapecó).
Os caboclos guiavam-se pelas histórias contadas de geração a geração para definir os conceitos de ―pessoas boas‖, pois ―as pessoas más
são castigadas‖. O relato de vários entrevistados perpassa pela história de
uma família na casa da qual São João Maria pediu para pernoitar. Ali,
segundo a história, ele foi maltratado pela mulher, dona da casa, porque
se tratava de uma pessoa malvestida. Adiante, diz a história, essa mesma
mulher dependeu daquele maltrapilho para tirar-lhe um espinho de peixe
da garganta. O caso é usado cotidianamente para lembrar que não se
pode desfazer uma pessoa por causa de sua aparência. Muitas vezes,
dizem, esses indivíduos podem ser santos disfarçados para testar a bondade das pessoas.
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Nessa relação dos saberes com os ensinamentos do monge, além
da fala dos caboclos entrevistados, também constata-se isso nos versos
escritos por Florêncio Rodrigues França que se intitula ―Vida e ensinamentos de São João Maria‖ (FELIPPE, 1995:41ss apud WELTER,
2007).
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Nunca façam para os otros
Trago sempre na lembrança
Que não querem que vos faça:
O que ele ensinava,
É o maió dos Mandamento
Aprovava o bom serviço
Que Deus deu pra nossa raça.
Mau serviço, condenava.
A cultura cabocla se construiu, portanto, a partir dos preceitos da
religiosidade popular, sendo que a mesma não tinha espaço na sociedade
em que viviam, pois a religião tomada como legítima era a católica.
Mesmo que o monge pertencesse a essa mesma religião, o modo como se
relacionavam com seus ensinamentos fugia aos padrões estabelecidos
pela instituição e fazia com que a religiosidade popular não fosse considerada válida.
É possível contatar que os caboclos fizeram dos preceitos do
monge a sua compreensão sobre a natureza, que se caracteriza, na fala
dos entrevistados por uma vivência em harmonia. Como é possível observar na fala que segue: ―[...] nós se criemos dentro do mato, até hoje eu
gosto de entrar dentro do mato ficar olhando, tem um ar tão bão. Eu
gosto de morar onde tem árvore para eu ficar olhando, e eu não gosto de
morar onde é limpo assim, não tem nada de árvore [...]‖ (Norandi Diniz,
67 anos - Linha Aparecida/Itapiranga). Este é um aspecto que distingue
os caboclos dos colonos da região e oportunizou confrontos étnicos existente até hoje.
Tais aspectos desenvolveram o lugar dos caboclos, excluídos da
ideia de progresso entendida como necessária, mesmo que isso ocasionasse na expurgação de caboclos e também indígenas. A relação com a
natureza não está somente associada à herança indígena, visto que muitos ensinamentos de São João Maria também estavam ligados à preservação da mesma.
A forma como seus ensinamentos são rememorados pelos caboclos, permite a compreensão de que ele ensinava os mais pobres sem
submetê-los a uma cultura dominante, como já havia sido feito por outros
na ideia de ―civilizar‖. Até porque os imigrantes italianos que vieram
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mais tarde para a região foram instigados a fazer prevalecer a sua identidade transportada do continente europeu.
Em relação à forma como os caboclos se relacionavam com a natureza, é possível inferir, a partir dos escritos que expressam os mandamentos do monge, que ele não seguia os mesmos preceitos daqueles que
foram instigados a vir para colonizar, ou instituir o progresso, ou melhorar a ―raça‖. É possível visualizar essa relação diferenciada com a natureza nos escritos que são tidos como os mandamentos de São João Maria e
também são expressos em versos.
16
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Como
é
lindo
os passarinho
- .Pra caçá é só pro gasto- .
Têm
amor,
querem
vivê,
Nunca por divertimento;
Deus deu vida pros bichinho
Quem só mata por brinquedo
Eles sofrem pra morrê.!
Logo espero o sofrimento...
(FELIPPE, 1995:41ss apud WELTER, 2007).
Alguns entrevistados expressam essa relação na sua forma de ver
e compreender o mundo. Outros apresentam uma compreensão da diferença do seu universo cultural em relação aos sujeitos que não possuem a
mesma conce concepção que a sua.
[...] então mais ou menos era isso que a gente lembra pra contá e espera
que o estudo de vocês seja rigoroso e que vão bem nos estudos, que sejam o amanhã uma defensora da natureza, principalmente da natureza
que tá ficando, está sendo a vítima do Brasil, a natureza a água principalmente, por isso que eu digo que nós somos o alvo dos Estados Unidos, por causa da nossa água, então eu espero que vocês sejam defensores, ajudá no meio de tantos políticos, que tem que às vezes não tão
ajudando, que vocês vão bem que sejam pelo menos defensores da natureza, porque defendendo a natureza você... você defende a vida. (Severino Prestes, 63 anos - Linha Vista Alegre/Quilombo).
A preocupação de Severino suscita o entendimento de que ele
observa essa diferença em relação ao modo como o outro se relaciona
com esse mesmo espaço que ele vivencia, que associa-se maioritariamente à exploração. Os caboclos, na sua forma viver e, de certo modo, também explorar, deixam emergir uma relação de fé e respeito à natureza.
Os caboclos especificavam alguns costumes e tradições que revelam a sua identidade e também demonstram o quanto a figura do monge
se fazia presente em seus modos de vida. No entrecruzamento de culturas
que revela o caboclo da região é possível entender a existência de processos de hibridações culturais (CANCLINI, 2015). Pois, aspectos que se
referem ao monge João Maria são lembrados e praticados por caboclos
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até os dias de hoje. Por outro lado, esses mesmos costumes se mesclam
com práticas que remetem à outras culturas, como indígenas, negros e
açorianos. A relação dos costumes e tradições com a crença em São João
Maria se associa ao ato de batizar em casa, em que muitos dos batizados
eram feitos pelo próprio monge, dentre outros costumes.
Eu fui batizado, sim. Nas águas de São João Maria, até inclusive aqui
na nossa região aqui tem vindo os meus neto, mas vem de lá de... do
Rio Grande tem a água ali, aqui na Cachoeira tem a Água Santa, que
eles chamam a água santa né, água de São João Maria, nós vamo ali
leva um litrinho d‘água né. E lá eles vão repassando é feito, gastam um
pouco e pra não mexe né com aquela... com aquela fé né, que eles têm
no São João Maria né, eles usam pra batizar (Ademar Ribeiro, 58 anos
– Linha Almeida/Chapecó).
Os feitos de São João Maria são lembrados constantemente pelos
caboclos e relacionados com diversos fazeres que permeiam seus cotidianos. Ele se torna uma referência para aqueles que foram excluídos dessa
terra a que chamaram de sua, porque houve um tempo que disseram que
era sua, mas não hesitaram em expurgá-los assim que a possiblidade de
europeizar o país brilhou aos olhos de muitos e, na atualidade dá frutos
nos terrenos da desigualdade social e cultural do Brasil.
Considerações finais
Olhar para o contexto histórico da região Oeste catarinense e
constatar que a história idealiza uma visão hegemônica do processo colonizador que enaltece os descendentes de italianos, alemães e poloneses,
em sua maioria e, torna obsoleta a presença indígena e cabocla nesse
processo, permite refletir sobre a necessidade de dar mais visibilidade à
essas outras culturas que se fazem também de grande importância para a
formação cultural dessa região.
As pesquisas apontam que a imagem difundida na região acabou
sendo a de José Maria em virtude da Guerra do Contestado. Porém, os
dois monges não têm a mesma representatividade. O pouco
(re)conhecimento de São João Maria pode estar associado ao fato de que
os caboclos foram camuflados e quando eram citados nessa história dita
―oficial‖, era na maioria das vezes carregado de estereótipos e arraigado
de preconceito.
Como resultado tem-se a desvalorização de muitos aspectos dessa
cultura, dentre eles, a importância de São João Maria para muitas famílias
da região, visto que, os ensinamentos do monge são (re)conhecidos por
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poucos. No cenário dos caboclos está presente na memória das pessoas
mais velhas e está se perdendo com elas. Importante ressaltar que existem
movimentos na atualidade como aquele desenvolvido pelo CEOM nas
entrevistas de 2006 que buscam rememorar e valorizar essa cultura. É com
essa intensão que finalizamos este artigo, dar mais visibilidade à cultura
cabocla e o oportunizar o (re)conhecimento dessa etnia na região, neste
texto, em específico às contribuições de São João Maria e a importância
dele para esse grupo étnico.
Cabe ressaltar que, para rememorar o colonizador, tem-se vários
feitos: nomes de ruas, monumentos históricos, incansavelmente produzidos e reproduzidos e, dos caboclos, quase nada se tem dito. Por fim, que
possamos aprender mais com São João Maria e com os caboclos.
Referências
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: Estratégias para Entrar e
Sair da Modernidade. 4. ed. 6. reimp. São Paulo: EDUSP, 2015.
CEOM. CENTRO DE MEMÓRIA DO OESTE DE SANTA
CATARINA. Inventário da cultura imaterial cabocla no oeste de Santa
Catarina. Chapecó: Argos, 2008.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução
Tomaz Tadeu da Silva, Guracira Lopes Louro. 4. ed. Rio de Janeiro:
DP&A, 2000.
KARSBURG, Alexandre de Oliveira. O eremita do Novo Mundo: a
trajetória de um italiano pelos sertões brasileiros no século XIX. 2012.
480 f. Tese (Doutorado em História Social). Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Rio de Janeiro, 2012.
MARCON, Telmo. Memória, história e cultura. Chapecó: Argos, 2003.
MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria do Carmo. Análise textual
discursiva: processo reconstrutivo de múltiplas faces. Ciência &
Educação (Bauru), v. 12, n. 1, 2006.
RENK, Arlene. Narrativas da diferença. Chapecó: Argos, 2004.
WELTER, Tânia. " O Profeta São João Maria continua encantando no
meio do povo - Um estudo sobre os discursos contemporâneos a respeito
de João Maria em Santa Catarina". 2007 269 f. Tese (Doutorado em
Antropologia Social). Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
Florianópolis, 2007.
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A FAMÍLIA PATRIARCAL BRASILEIRA:
SURGIMENTO E COMPOSIÇÃO
Luciele Daiana Wilhelm
Janaína Reckziegel
Thaís Janaina Wenczenovicz
Introdução
As famílias possuem hoje diversos arranjos socialmente aceitos.
Ao longo dos anos a composição das famílias foi mudando conforme o
momento histórico, nos interessando o período logo após a colonização
brasileira pelos portugueses. A família brasileira que surgiu com a colonização portuguesa seguiu de certa forma o modelo de Portugal, no fato de
ter a figura do patriarca destacada como chefe de toda família em todos
os sentidos, como negócios, bens, decisões etc. Por outro lado, considerando seus componentes e as diferentes culturas envolvidas, o que se
verificou foi a formação de uma forma muito própria de família, a miscigenada, que deu origem ao povo brasileiro. Essa forma é o chamado
modelo patriarcal, surgido logo no primeiro século da colonização.
O modelo de família patriarcal possuía o pai ou ―pater‖ como
autoridade e era um verdadeiro clã, pois essa família era composta, além
do casal e filhos, por toda família extensa, agregados, parentes, criados e
escravos, para os quais o patriarca era a referência. Esses patriarcas exerciam forte influência na política, algo de que se pode perceber resquícios
até hoje no Brasil. Com o início da escravidão e as novas formas de poder
no âmbito da economia e capital, a família também sofreu grandes mudanças, influenciada, em alguns casos, pelas demais relações de poder,
inclusive pelas ideias racistas que se formaram naquela época.
Verificou-se já naquela época o uso do critério de raça para inferiorizar algumas pessoas, o que influenciou questões de gênero, pois a
formação das primeiras famílias tipicamente brasileiras contava com o
homem branco ibérico e a mulher indígena, a qual desde então ocupava
uma posição de inferioridade na família. Com as negras não foi diferente.
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Este trabalho tem a intenção de colaborar com as reflexões acerca da formação das primeiras famílias tipicamente brasileiras, como se
deu e o modelo que se consolidou, fazendo uma breve revisão de alguns
textos sobre o tema. A metodologia utilizada para este trabalho é pesquisa bibliográfica, em textos e artigos. A primeira parte do texto traz uma
brevíssima noção de família, para contextualizar, após serão mencionados os povos que compuseram a primeira forma de família brasileira após
o descobrimento, a patriarcal, e na última parte será estudado o funcionamento dessa família e o papel dos seus membros.
Noção do conceito de família
A família é entidade de grande importância na vida das pessoas.
No passado a família era considerada ainda mais importante porque não
servia apenas para unir as pessoas pelo afeto, mas tinha diversas outras
funções e sua importância ia muito além dessa visão afetiva e social.
Atualmente ao se falar em família, nos remetemos a questões relacionadas a afetos e sentimentos, o que é verdadeiro, já que as pessoas costumam se ligar a outras pessoas para formar suas famílias tendo como base
os sentimentos e afinidades. A seguir veremos a importância da família
no período imediatamente posterior à colonização portuguesa do Brasil.
A composição da família e a opção por determinado modelo de
arranjo familiar tem relação com todo contexto histórico, social e político
pelo qual passa determinada sociedade, incluindo questões de trabalho e
remuneração, gênero, sexualidade, entre outros. (BIROLI, 2014, p. 7). A
definição e organização das famílias tem forte e complexa relação com o
conjunto desses fatores. Pode-se dizer que o tipo de família e os papéis
desempenhados pelos seus membros precisam se adequar às necessidades
da sociedade em determinado contexto histórico e econômico. É um
movimento complexo e influenciado por diversos fatores que interagem e
se amoldam ao contexto para atender aos interesses dos indivíduos envolvidos e da sociedade como um todo.
O surgimento e consolidação da família patriarcal que se formou
no Brasil demonstra isso, pois foi o modelo tido como mais adequado à
época da colonização, mantendo o poder do povo dominante e fazendo
com que as pessoas trabalhassem nas propriedades rurais para produzir
riquezas sem questionar o poder de quem as dominava. Já hoje a situação
é diferente e se vê todo o tipo de arranjo familiar, não sendo mais importante para a maioria das pessoas que se tenha uma família que segue um
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padrão tradicional. Salvo exceções, que sempre existem, as pessoas hoje
podem ser consideradas livres para formarem o tipo de família que melhor lhes convier, sendo todas as formas de família reconhecidas pela
sociedade. Claro que o preconceito existe, mas é muito diferente do século XVI.
O início da formação das primeiras famílias brasileiras e suas
matrizes étnicas e culturais
Inicialmente devemos observar que antes da chegada dos portugueses ao Brasil, já havia grande número de etnias indígenas habitando o
território, com suas próprias formas de família. Não é esse o objeto de
nosso estudo especificamente, nos importando mencionar que a maioria
dessas comunidades possuía a sexualidade e afetividade relativamente
livre, aceitando também a homossexualidade. Algumas tribos tinham
casamentos monogâmicos, outras praticavam a poligamia e era algo simples e aceitável que casamentos tivessem fim.
Entre os chefes e os mais fortes das tribos a poligamia era mais
comum, pois esses poderiam sustentar muitas mulheres e famílias grandes, também eram comuns as relações incestuosas, pois mantinham o
parentesco. (VIANNA; BARROS, 2004, p. 2). Em geral, os índios que
habitavam o Brasil eram povos alegres, com a sexualidade mais livre,
especialmente as mulheres. Não havia forma rígida de família entre casais e filhos, já que a vida na aldeia era em comunidade. As pessoas costumavam viver juntas em grandes malocas. Assim, as famílias nos povos
nativos eram formadas pela comunidade, com papéis bem definidos pelo
gênero, no que diz respeito ao trabalho e organização social.
Sabe-se que existiam e ainda existem diversos povos indígenas
no Brasil e talvez diversas formas de formação familiar, nos cabendo aqui
apenas mencionar superficialmente e em linhas gerais para contextualizar
o que veio a seguir com a colonização do homem branco ibérico.
O colonizador português que veio ao Brasil tinha em sua ascendência e cultura influência árabe e israelita. No que se refere à família, o
colonizador vinha de uma sociedade onde o modelo era patriarcal, o que
se tornou também a base da família no Brasil. Não vamos nos deter no
estudo das demais categorias de pessoas que vieram a residir no Brasil
por outras razões, como degredados, aventureiros e outros, já que se trata
de pequeno número comparado ao colonizador típico. Sabe-se que existi-
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ram, mas aparentemente não tiveram grande repercussão na colonização
e nem na formação do modelo de família brasileiro.
A vinda dos portugueses ao Brasil não teve apenas a intenção de
exploração, mas sim efetivamente colonizar, muitos deles venderam o
que tinham em Portugal para se estabelecer definitivamente no Brasil.
(VIANNA; BARROS, 2004, p. 2). Em razão disso, o portugueses vieram
muito dispostos a formar famílias e permanecer no Brasil, sendo muito
abertos à miscigenação. Ao chegar ao Brasil, os portugueses recebiam dos
índios uma moça e eram incorporados à comunidade. Os portugueses se
tornaram chefes de grupos de índios, que faziam a extração do pau-brasil
para a comercialização. E, como a principal intenção, além da econômica, era povoar o Brasil, os portugueses tiveram muitos filhos com mulheres índias. O etnocídio da cultura indígena foi inevitável diante das
enormes diferenças culturais entre os povos que passaram a interagir no
Brasil, fazendo surgir uma raça (criollos) e cultura nova.
O número de colonizadores não era tão grande inicialmente, mas
os portugueses tinham grande disposição para gerar muitos filhos, o que,
segundo Gilberto Freyre, o que tinha de muito instintivo tinha também
de calculado por razões econômicas e políticas. O colonizador português
superou todos os demais povos colonizadores na miscibilidade, pois desde logo que chegou ao Brasil se relacionou sexual e culturalmente com as
índias e gerou muitos filhos mestiços, formando famílias numerosas.
Dessa forma, alguns poucos portugueses e seus filhos mestiços se apossaram e se tornaram senhores de vastas áreas de terras no Brasil, tornando
muito eficaz a colonização efetivada (FREYRE, 2003, p. 70).
Outra característica é de que em comparação com os demais europeus, os portugueses possuíam a religiosidade mais amena, não eram
tão fervorosos como seus vizinhos. Isso foi uma vantagem na sua disposição para colonizar, já que os tornava pessoas mais dispostas a interagir
sexualmente com as mulheres nativas. Isso também acabou tornando as
famílias patriarcais mais numerosas e com muitos bastardos. Mesmo
assim, quem quisesse viver no Brasil deveria ser cristão católico, requisito
para aqui casar e possuir terras. (FREYRE, 2003, p. 168).
Ainda no primeiro século da colonização, o Brasil passou a receber também escravos negros, com uma cultura própria muito forte. Embora a maioria dos escravos negros tenha sido homem, as mulheres negras escravas que foram trazidas, bem como as que foram nascendo aqui,
serviram sexualmente a seus senhores, colaborando com a miscigenação
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entre as raças. O povo negro, trazido para a escravidão vindo de diversas
regiões da África, era um povo diferente do índio nativo do Brasil. O
negro era um povo mais alegre, extrovertido, forte, disposto para o trabalho, que gostava de sol e se dava muito bem com o clima tropical que
encontrou no Brasil.
As mulheres negras, diferentemente das índias, sofreram grande
exploração sexual no período colonial, pois eram propriedade dos senhores e foram utilizadas para iniciação e manutenção sexual dos homens,
além de geradoras de filhos para aumentar a propriedade dos senhores.
As negras serviam aos senhores e sua família dentro da residência da
forma como lhes aprouvesse. Mesmo com essa situação, algumas negras
acabaram por se tornar esposas de homens brancos, especialmente algumas de pele mais clara, trazidas especialmente para serem donas de casa
de homens que não tinham esposas (VISCOME; PIMENTA; MARTINS, 2012, p. 10).
Dessa forma, vemos que as famílias brasileiras se formaram pela
mistura, inicialmente do europeu com as índias e, posteriormente, os
negros também passaram a compor as famílias. Haviam poucas mulheres
brancas, a grande maioria das mulheres era índia e mestiça de início e,
posteriormente também negra. Essa família mestiça tornou-se, desde
logo, a base da economia, sociedade e política do Brasil, pois havia grande liberdade e iniciativa dos senhores para administrarem suas propriedades e o faziam sempre por meio de sua grande família e seus trabalhadores. Freyre (2003, p. 163), diz que essa família se tornou a ―aristocracia
colonial mais poderosa da América‖.
Como era a família patriarcal
Os colonizadores portugueses que vieram ao Brasil, em regra,
não possuíam preconceitos de raça, sendo essa uma das principais razões
do seu sucesso, ao contrário dos demais colonizadores da época, que
possuíam desprezo pelas raças por eles consideradas inferiores e que apenas pretendiam conquistar e não interagir. Assim, formaram-se no Brasil,
desde logo, famílias que tinham a mulher índia como esposa e mãe, sendo que ela era batizada e passava a realizar o trabalho doméstico. Aliás,
os homens portugueses tinham verdadeiro gosto pelas mulheres índias e
caboclas, o que não se deveu apenas à escassez de mulheres brancas, pois
perdurou por muitas gerações. (FREYRE, 2003, p. 160).
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A efetiva formação da sociedade brasileira teve início a partir de
1532, tendo como base a família rural ou semi-rural, constituída por pessoas casadas vindas de Portugal, por portugueses que se casaram com
índias ou caboclas, além de moças órfãs ou ―à-toa‖ vindas de Portugal.
(FREYRE, 2003, p. 170).
Os colonizadores portugueses se relacionavam com as mulheres
índias por diversas razões, como a real intenção de povoar e também
atração física, já que a mulher índia era considerada muito sensual, além
de andarem nuas e serem muito dispostas. Já a disposição das mulheres
índias para se casarem com os portugueses, aparentemente, se deve ao
fato de que na tradição indígena o parentesco é apenas pelo lado paterno,
assim, casando-se com portugueses, essas mulheres teriam filhos brancos.
Além disso, segundo Freyre (2003, p. 160) havia também por parte da
mulher índia grande atração sexual pelo homem português.
No campo religioso, a Companhia de Jesus teve importância no
que se refere à garantia de casamentos cristãos entre os portugueses e as
índias que se uniam, organizando a sociedade. Os casamentos, bem como a educação dos índios couberam aos padres jesuítas da Companhia
de Jesus. Mas, por outro lado, a relação da família com a igreja no século
XVI sofreu um choque na medida em que os jesuítas, inicialmente, pretendiam domesticar os índios para servir a Jesus, assim como fizeram em
outras colônias, entretanto, na maior parte do Brasil a exploração agrícola foi mais forte e triunfou sobre o intento dos jesuítas. (FREYRE, 2003,
p. 170).
Ainda, relevante observar que a mulher índia teve grande importância na família do século XVI, do que se verifica forte herança cultural.
O seu principal papel foi procriar e criar os filhos do português, tornando
suas famílias muito numerosas. Mas a mulher e mãe índia deixou uma
herança cultural enorme, seus costumes, como o banho diário e higiene
geral do corpo, plantas medicinais, alimentos, utensílios de cozinha, rede,
domesticação de animais, óleo de côco etc, foram incorporados aos costumes das famílias brasileiras, persistindo até hoje. (FREYRE, 2003, p.
171).
Já o homem índio era bravo guerreiro e navegador, e serviu de
amigo e escravo dos portugueses, defendendo as suas propriedades contra
ataques inimigos. Já para a agricultura o homem índio pouco colaborou,
os conhecimentos que tinha sobre as culturas foram transmitidos mais
pelas mulheres. Os homens índios não se habituaram ao trabalho agrícola
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e seguiram nômades. Segundo Freyre, (2003, p. 173), embora restem
traços de herança dos índios, a sua base cultural se perdeu diante da cultura dominante do colonizador, o que era de se esperar do encontro de
uma cultura atrasada com uma cultura civilizada.
Nas classes mais abastadas da sociedade brasileira, a busca pelo
cônjuge ideal seguia critérios mais rígidos, levando-se em consideração
mais a posição social e econômica do que o afeto e atributos físicos. As
moças eram casadas muito cedo, logo na puberdade e os rapazes a partir
dos 25 anos de idade em média. Nas famílias tradicionais, o casamento
com pessoa mestiça, indígena ou negra era possível mas pouco tolerada,
acontecendo geralmente quando a pessoa não branca tivesse outros atributos que compensassem sua raça, geralmente questões financeiras. Essas
pessoas passavam a ser tidas como brancas, mesmo não sendo (VISCOME; PIMENTA; MARTINS, 2012, p. 5-6).
A família tornou-se a base da sociedade da época, e girava em
torno da agricultura, que somente teve tanto sucesso em razão do trabalho escravo. A família possuía diversas funções sociais, econômicas e até
políticas. Aliás, a numerosa família patriarcal e a forma como defendia
seus interesses fez surgir o nepotismo. O modelo patriarcal de família
surgiu com o primeiro modelo social tipicamente brasileiro, a civilização
do açúcar. A família era o espelho do Engenho, tendo o patriarca, senhor
do Engenho, como autoridade máxima e absoluta da família, a qual incluía esposa, filhos, parentes, agregados, criados e escravos. O patriarca
tinha poder total sobre a vida dos membros da família e também o dever
de protegê-los.
Essa família patriarcal que se formou e se tornou o modelo ideal
da época da colonização, era uma família nuclear, monogâmica, tendo o
patriarca o poder de vida e morte sobre seus tutelados, sendo eles os parentes, agregados ou escravos (VISCOME; PIMENTA; MARTINS,
2012, p. 17). Em seu núcleo viviam o patriarca, a esposa legítima, os
filhos legítimos, demais parentes consanguíneos, pessoas com relação de
amizade ou trabalho e agregados. O patriarca era responsável por todos
eles, assim como dos escravos e servos, zelando por sua segurança e honra. O modelo de família patriarcal era caraterístico da sociedade rural
brasileira mais abastada e era buscado por todas as pessoas.
O casamento era especialmente importante para as mulheres,
pois era a garantia de sua segurança e proteção em todos os sentidos, pois
o marido era responsável por seu sustento, seus bens e seus filhos. Assim,
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as mulheres eram preparadas desde muito jovens para serem o tipo de
mulher ideal para casar, sendo incentivado seu pudor, doçura, obediência, religiosidade, cuidados com a casa. A família se preocupava em preparar a mulher para o casamento, que deveria ser arranjado ou autorizado pelo patriarca. O que mais importava para um bom casamento, além
das questões materiais e de prestígio das famílias, eram dedicação, gratidão, aptidão para cuidar da casa e dos filhos, não tendo o amor propriamente como de muita importância para o casamento. A beleza física
também não era de grande relevância para o casamento, o sendo para as
relações extraconjugais que aconteciam e não para esposas.
O homem tinha o dever de proteger e zelar pela sua família, mas
isso não significa que a tratava com carinho. O homem passava a maior
parte do tempo fora de casa cuidando dos negócios e do que mais quisesse, o que era normal na época. As mulheres não podiam reclamar, pois
eram submissas e completamente dependentes dos maridos, tanto financeiramente quanto para tomar decisões.
Embora esse modelo patriarcal, que veio da origem portuguesa
com o colonizador, tenha se propagado no Brasil como ideal, não se
pode dizer que foi a forma adotada por todas as famílias, já que no Brasil
o que aconteceu foi uma variedade de arranjos familiares, especialmente
nas classes mais baixas. Entre os mais pobres, especialmente no meio
urbano, a despeito dos esforços da Igreja Católica para incentivar os casamentos, haviam muitas uniões consideradas ilegítimas e as famílias, em
regra, não eram muito numerosas. Mesmo entre estas, se tentava manter
a unicidade de raça para manter o prestígio social, o que nem sempre era
possível.
No período colonial também acontecia com frequência a formação de famílias de negros nas senzalas, especialmente em propriedades
maiores, onde haviam muitos escravos. Os negros eram muito zelosos
por suas esposas e filhos, sempre temendo que fossem separados. Geralmente a união era abençoada por tradições africanas, poucos o faziam
perante a religião católica (VIANNA; BARROS, 2004, p. 3).
Em suma, podemos dizer que a família patriarcal brasileira, organização que tem como base o patriarca, referência de poder para os
membros, tratou-se de uma família numerosa e que foi o modelo adotado
especialmente nas regiões de grandes propriedades rurais, como engenhos
de açúcar. Com sua ideia central baseada nas famílias portuguesas, man-
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teve seu formato mas teve como principal mudança a miscigenação racial.
A família patriarcal era considerada a forma normal, mas era
cercada por uma grande população anormal para a época, pois considerada sem família. A imposição do modelo familiar patriarcal trazido de
Portugal foi mais um instrumento de dominação da população brasileira
e que se manteve por muito tempo (CORRÊA, 1981, p. 7-8). Seu declínio
se deu com a industrialização, quando passou a predominar o modelo de
família conjugal moderna, monogâmica, com poucos membros e tendo
como traço principal das uniões não mais a economia e prestígio, mas
sim os laços de afeto, o que se encaixou melhor ao modelo econômico
adotado.
Considerações finais
A família patriarcal brasileira, portanto, formada pela miscigenação do colonizador português com índias e negras, em regra, é considerada a primeira forma de família brasileira, contando com o modelo trazido de Portugal mas com os traços inseridos pela cultura indígena e
negra. Seu estudo, além de agradável retomada histórica, nos leva a melhor compreensão das estruturas atuais de família. O modelo patriarcal
brasileiro perdurou por todo período colonial e parte do império, deixando resquícios até hoje, quando se percebe a dificuldade de aceitação de
novos modelos familiares por algumas pessoas, embora muito já tenha
mudado.
Confirma-se pelo estudo aqui realizado, a ideia de que a família
não serve apenas aos interesses afetivos e sexuais das pessoas, mas sim
aos interesses econômicos e políticos da sociedade e que os modelos de
família adotados ao longo da história serviram aos objetivos que o momento histórico exigiu. Verificou-se, por outro lado, que as mudanças são
complexas, lentas e graduais ao longo da história. Assim foi o modelo
patriarcal de família, que atendeu ao modelo de sociedade da época e
serviu à finalidade de colonização do século XVI e seguintes, dando início à formação de nosso povo, famílias e sociedade.
Referências
BIROLI, Flávia. Família: novos conceitos. Fundação Perseu Abramo.
São Paulo, 2014. Disponível em: http://redept.org/uploads/
biblioteca/colecaooquesaber-05-com-capa.pdf. Acesso em: 25 jun. 2019.
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CORRÊA, Mariza. Repensando a família patriarcal brasileira: notas
para o estudo das formas de organização familiar no Brasil. Caderno de
Pesquisa Fundação Carlos Chagas, n. 37, p. 5-16, mai. 1981. Disponível
em: http://publicacoes.fcc.org.br/ojs/index.php/cp/article/view/1590.
Acesso em 25 jun. 2019.
FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala. 48ª ed. São Paulo: Global,
2003.
Disponível
em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/
229314/mod_resource/content/1/Gilberto%20Freyre%20-%20CasaGrande%20e%20Senzala.pdf. Acesso em: 25 jun. 2019.
VIANNA, Paula Cambraia de Mendonça; BARROS, Sônia. A evolução
histórica da família brasileira. Revista mineira de enfermagem. V. 9.2.
2004. Disponível em: http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/456.
Acesso em 26 jun. 2019.
VISCOME, Heloísa; PIMENTA, Juliana; MARTINS, Rutinéia. As
origens das famílias brasileiras: o Brasil colonial e a miscigenação.
Serviço Social & Realidade, Franca, v. 21, n. 2, 2012. Disponível em:
https://ojs.franca.unesp.br/index.php/SSR/article/view/2447. Acesso
em: 24 jun. 2019.
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ASPECTOS HISTÓRICOS, CULTURAIS E
EDUCACIONAIS DOS KAINGANG NA
REGIÃO OESTE DE SANTA CATARINA
Ana Karina Brocco
Elison Antonio Paim
1.
Introdução
Segundo Piovezana (2010), os grupos indígenas da Mesorregião
Grande Fronteira do Mercosul1, após um longo e brutal processo de colonização, escravização, domesticação, expulsão e dizimação, resistiram
buscando redefinir seus territórios e construir suas territorialidades, como
ação afirmativa na reconquista de seus espaços de vida, sua identidade
étnica e na relação socioambiental e cultural, reivindicando políticas
públicas para a garantia de suas necessidades.
A escolarização se torna um processo de resistência, sobretudo, a
presença da juventude indígena nas universidades, assegurada a partir de
um contexto emergente de políticas afirmativas no ensino superior - como a lei 12.711/20122, programas de bolsas, licenciaturas interculturais
indígenas - que têm propiciado o ingresso de um conjunto expressivo de
indígenas na universidade, que passou de um número estimado pela Funai de 1.300 estudantes no ano de 2004, para em torno de 49 mil atualmente, de acordo com dados do último Censo da Educação Superior,
divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep).
Os dados da Região Oeste de Santa Catarina também demonstram um crescimento significativo, considerando que em 2003, segundo
1
2
Compreende as regiões do Oeste de Santa Catarina, Sudoeste do Paraná e Noroeste
do Rio Grande do Sul.
Conhecida como Lei de Cotas, estabelece a obrigatoriedade da reserva de 50% das
vagas nas universidades e institutos federais, combinando frequência à escola pública
com renda e cor (etnia), ou seja, vagas para estudantes oriundos de escolas públicas,
com subcotas para estudantes de baixa renda, pretos, pardos e indígenas.
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Piovezana (2007), eram 48 estudantes indígenas no ensino superior na
Região, e atualmente, são em torno de 500 estudantes indígenas3.
Com base na presença recente dos povos indígenas na universidade, estamos desenvolvendo uma tese no campo da Sociologia e História da Educação, provisoriamente intitulada "Memórias, experiências e
trajetórias de estudantes Kaingang no ensino superior na Universidade
Federal da Fronteira Sul", buscando, apoiados na perspectiva decolonial
e intercultural, compreender o que é ser indígena na universidade, os
sentidos e significados do ensino superior, as transformações e permanências, as negociações e adaptações, a duplicidade de pertencimentos, o
ingresso na universidade e o vínculo com sua comunidade de origem.
A pesquisa encontra-se em fase de aprofundamento teóricometodológico, bem como levantamento bibliográfico, para posterior produção de fontes orais com os estudantes da etnia Kaingang que cursam
graduação na UFFS4. Em um levantamento preliminar da produção,
embora tenhamos encontrado apenas uma pesquisa sobre a nossa temática5 - o que reforça a importância do desenvolvimento da tese - existem
vários estudos com os povos indígenas no oeste catarinense, especialmente Kaingang, que fornecem contribuições valiosas, e que nos auxiliam na
construção de dados históricos para a tese, como os de Guisso (2016),
Almeida (2015), Bringmann (2015), Brighenti (2012), Piovezana (2010),
Nacke (2007), Renk (2007), D'Angelis (2006) e Nötzold (2004).
Nessa direção, fizemos uma contextualização dos Kaingang na
Região Oeste de Santa Catarina, abordando aspectos históricos, culturais
e educacionais, com base em um diálogo com os estudos de Brighenti
(2012), Nacke (2007) e Piovezana (2007).
3
4
5
Conforme dados disponibilizados pelas duas maiores instituições de ensino superior
da Região: Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e Universidade
Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó).
A escolha da UFFS como campo de estudo é relevante, pois é uma instituição nova
(fundada em 2009), que nasce dos movimentos sociais - em uma Região
historicamente desassistida pelo poder público, especialmente no que se refere ao
ensino superior – e que apresenta uma proposta de universidade pública, popular e de
qualidade, destacando em sua política de ingresso a reserva de 90% das vagas para
estudantes de escola pública e o Programa de Acesso e Permanência dos Povos
Indígenas, de acordo com informações encontradas no site da instituição, disponível
em: <https://goo.gl/nSFQY1>.
Em um levantamento no Banco de Teses e Dissertações da Capes, bem como no
Google Scholar, encontramos apenas a dissertação intitulada "Política de acesso e
permanência à universidade para os indígenas a partir da lei de cotas", de Eliane
Gomes, do Mestrado Profissional em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais, da
Universidade Comunitária da Região de Chapecó, de 2015.
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2.
Aproximações com a história, a cultura e a escolarização
Kaingang na Região Oeste de Santa Catarina
Os Kaingang constituem um dos povos indígenas mais numerosos do Brasil. De acordo com dados do censo do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, realizado em 2010, sua população de aproximadamente 37 mil habitantes se concentra em sua maioria nas Terras Indígenas (TIs), localizadas em São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul.
No estado de Santa Catarina, o mesmo censo apontou que a população indígena totalizava 16.041 pessoas. Já na região oeste do estado,
dados da Funasa, indicavam que em 2003, o contingente indígena localizado nas TIs Xapecó, Toldo Chimbangue, Toldo Chimbangue II e Toldo
Pinhal, somado à população das áreas ainda em processo de constituição
Toldo Imbu, Aldeia Condá, e Toldo Pinhal II e Aldeia Kupri, era de
5.025 indivíduos6. Em relação ao povoamento do oeste catarinense pelos
indígenas, Schmitz e Beber (2011, p. 265) afirmam,
Fica claro que a ocupação do oeste catarinense faz parte do ciclo de
povoamento do planalto Meridional por populações do Grupo Jê Meridional, hoje representado pelos índios Kaingang e Xokleng, estes no
leste, aqueles no oeste. Segundo Urban (1992), eles se teriam deslocado
dos cerrados do Brasil Central, a partir de três mil anos atrás, infiltrando-se pelo Planalto Meridional, onde o pinheiro começava a se expandir sobre os campos de altura.
Conhecidos por diversos nomes, sendo os mais comuns Guayanás e Coroados, a denominação Kaingang surgiu em 1822, nos escritos
de Telêmaco Borba, diferenciando-os dos indígenas pertencentes à família linguística Tupi-Guarani.
A primeira tentativa de dominação dos Kaingang e ocupação de
seu território, conforme Brighenti (2012), aconteceu na segunda metade
do século XVIII, entre os anos de 1768 a 1774, momento em que o tenente-coronel Afonso Botelho organizou onze expedições aos campos de
Guarapuava na tentativa de conquistar o território Kaingang. Se até então as tentativas tinham fracassado, a fuga da Família Real portuguesa
para o Brasil, impulsionou a ocupação dos campos do sul. Dom João VI,
em novembro de 1808 publicou uma Carta Régia declarando guerra aos
6
Embora a população Kaingang represente a maioria absoluta, estão incluídos nesses
totais indivíduos das etnias Guarani e Xokleng-Laklãnõ.
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indígenas, conseguindo fixar fazendas e vilas no coração do território
Kaingang.
A partir de 1910 as frentes de ocupação invadem com intensidade e violência os Campos de Guarapuava7. Nos Campos de Palmas (que
compreendia o oeste catarinense), os Kaingang circulavam livremente,
porém os conflitos que ocorriam em Guarapuava interferiam em todo o
território, devido à mobilidade e espacialidade Kaingang, até que em
1939, as frentes penetram também nos Campos de Palmas, tendo em
vista que sua conquista era estratégia do ponto de vista militar e econômico, enfrentando a resistência Kaingang (BRIGHENTI, 2012).
Ainda de acordo com Brighenti (2012), após o domínio de diversos grupos Kaingang, foram criados aldeamentos com o intuito de "civilizá-los", transformá-los em não indígenas pela via do "branqueamento",
através da fé católica, do trabalho, de incentivos a casamentos mistos.
Entretanto, ao final do século XIX a política de aldeamento foi considerada um fracasso devido a resistência indígena em aceitar a proposta e
submeter-se. Com o advento da República e amparado pela Lei 601/1850
(Lei de Terras), o governo do Paraná criou algumas reservas no estado,
dentre elas a TI Xapecó8, em 1902. Outros grupos indígenas, devido a
disponibilidade de terras e matas, permaneciam "livres" em locais denominados toldos, porém nesses locais o Estado não criou áreas para os
Kaingang, e a terra foi considerada devoluta, vendidas para camponeses
que substituíram a mata por agricultura e pastagens. As matas existentes
na Terra Indígena Xapecó também foram devastadas, inicialmente pelo
Serviço de Proteção ao Índio (SPI), criado em 1941, e posteriormente
pela FUNAI, através de serrarias instaladas no interior da TI Xapecó e da
venda de madeira para empresários regionais, e do arrendamento das
terras para cerca de 300 famílias camponesas assentadas pelo SPI e mantidas pela FUNAI até o final dos anos de 1970, que trataram de destruir o
restante.
Segundo Brighenti (2012), a partir dos anos de 1970,
os Kaingang iniciam um intenso processo organizativo, por meio de
7
8
Os Campos de Guarapuava e de Palmas (oeste catarinense) pertenciam à Província
de São Paulo até 1843, quando passaram ao domínio do Paraná. Nessa época Santa
Catarina era composta apenas pelo litoral e parte dos campos da serra acima,
incluindo Lages.
A memória oral Kaingang refere que a Terra Xapecó foi conquistada pelo grupo
indígena, liderado pelo cacique Vanhkrê, em troca da execução dos trabalhos de
instalação da linha telegráfica da Colônia Militar de Chapecó.
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reuniões, encontros e estudos entre si e com outros povos. Esse processo
propiciou a expulsão dos intrusos existentes na Terra indígena Xapecó, a
recuperação de alguns Toldos9 e a conquista da Aldeia Kondá para o
grupo que vivia no espaço urbano de Chapecó. O processo de organização e conquista das terras e direitos impulsionaram debates sobre a identidade do grupo e fortaleceram o sistema cosmológico comum, depois de
um longo período em que rituais e crenças foram duramente reprimidos.
Se no passado, a existência de um extenso território com recursos naturais variados e abundantes garantia a subsistência do grupo, por
meio da caça, da coleta (pinhão, mel, palmito, frutas, ervas e matériaprima para utilitários), da pesca e do cultivo de diferentes espécies, depois
de um tempo da criação das reservas indígenas, o modelo de subsistência
tradicional Kaingang foi inviabilizado pela redução significativa das terras e recursos naturais a que tinham acesso, além disso, o desmatamento
e a poluição dos rios do entorno provocaram o desaparecimento da fauna
e da flora, permitindo apenas o cultivo do milho, feijão, morangas e
amendoim de forma tradicional (NACKE, 2007).
As atuais TIs encontram-se localizadas em territórios tradicionais
Kaingang, embora estas representem uma parcela ínfima dos espaços
ocupados antes do processo de colonização. Entretanto, conforme sinaliza Nacke (2007), para os Kaingang a concepção de território ultrapassa
as fronteiras dessas terras, e a circulação pelo território se estende a outras
TIs Kaingang - motivada por visitas a parentes, busca de cônjuges, de
trabalho, refúgio por motivos políticos ou econômicos - e também às
cidades, onde vão para vender artesanato, e permanecem por períodos
variados acampados em terrenos baldios ou precariamente alojados em
rodoviárias.
As matas desempenham um papel central na vida Kaingang, pois
além da oferta de alimentação, é um local onde habitam os espíritos dos
mortos. Compreendem que foi a partir da relação com a natureza que
apreenderam o modo de vida. A língua é um dos signos da identidade
Kaingang, falada em praticamente todas as TIs Kaingang, embora muitos
não a dominem. Os Kaingang, como outros grupos da família linguística
Macro-Jê, organizam sua sociedade em metades exogâmicas, Kamé e
Kairu, que mantém entre si relações assimétricas e complementares, e se
subdividem em secções (NACKE, 2007).
9
Foi somente a partir de 1984 que os Toldos começaram a ser regularizados, processo
que ainda não está concluído.
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A cada uma dessas metades corresponde uma marca, simbolizada pela pintura facial com riscos para os Kamé e pontos para os Kairu,
além disso, o nome indígena atribuído à criança quando nasce também
decorre da metade a qual pertence seu pai. O dualismo que classifica os
membros pertencentes a este povo em Kamé e Kairu perpassa enquanto
referencial classificador para a cosmologia Kaingang. Não apenas os
membros do grupo são classificados em metades, considerando-se a regra
de descendência patrilinear, mas a natureza também é percebida com
base nessa visão dualista. Uma mulher Kamé deve casar com um homem
Kairu; o sol é Kamé e a lua Kairu; o pinheiro é Kamé e o cedro Kairu; o
lagarto é Kamé e o macaco é Kairu; e assim distribuem todos os seres e
cosmos (NACKE, 2007).
Tradicionalmente, o casamento ocorria entre membros de metades opostas e o padrão de residência era uxorilocal, ou seja, o genro passava a integrar o grupo doméstico da esposa. O costume das filhas morarem nas proximidades da casa materna, quando possível, demonstra que
a relação entre as mulheres de uma mesma família, fundamental na tradição, continua sendo referencial para o grupo. A prática da poligamia
foi registrada por estudiosos, hoje o casamento entre os Kaingang é monogâmico, mas admitem-se novos casamentos após a separação. A família nuclear (pais e filhos), faz parte de unidades sociais maiores, que pode
ser chamada de grupos domésticos, que tem como chefe os caciques. Pela
descendência patrilinear, ser Kaingang significa ser filho de pai Kaingang
(NACKE, 2007).
O Kiki, também denominado Kikoia, tem sido considerado por
diferentes pesquisadores como o principal ritual da cultura Kaingang. O
sentido do ritual é promover a quebra de relações entre os mortos e os
vivos, possibilitando a incorporação destes ao mundo dos mortos. A
realização do ritual compreende diferentes etapas, que ocorrem de janeiro
a julho, mas depende de fatores como a existência de mortos nas duas
metades, e da solicitação por parte dos parentes dos indivíduos mortos
para que o ritual se efetive. Além disso, deixou de ser realizado por longos períodos, devido às dificuldades, que ainda persistem para sua efetivação, como empecilhos de ordem material para transporte dos rezadores
e apoio logístico (NACKE, 2007).
Quanto à organização política, conforme apontado por Nacke
(2007), tradicionalmente, os chefes Kaingang detêm pouca autoridade.
Esse papel se destaca apenas em ocasiões especiais, e sua autoridade está
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baseada na generosidade para com os membros de seu grupo. À chefia
cabia ainda liderar seus seguidores em empreendimentos coletivos e mediar conflitos intragrupais. Atualmente, o sistema político Kaingang está
centrado na figura do cacique. Idealmente, ele é escolhido pela comunidade e apoiado pelo Conselho Indígena e pela Polícia Indígena. Contudo, isso não significa que não haja manipulação do processo eleitoral,
especialmente nos casos de reeleição. O Conselho Indígena é composto
por sujeitos mais velhos e lideranças, principalmente ex-caciques. A Polícia, por sua vez, é nomeada pelo cacique eleito e pelas lideranças oficiais
da área. Ao Conselho Indígena, composto pelo cacique, vice-cacique, excaciques, polícia e outras lideranças, cabe discutir e resolver problemas
internos da comunidade.
Segundo Nacke (2007), os Kaingang possuem diferentes modos
de exercer o controle social, desde a fofoca até o uso de práticas violentas, como maus tratos físicos e a prisão para os transgressores, podendo
ocorrer também a transferência para outras TIs, vista como uma das mais
severas punições. A interferência de agentes governamentais na estrutura
e relações de poder vem ocorrendo desde meados do século XIX, sobretudo, por meio da cooptação de lideranças indígenas, inicialmente na
dominação de outras aldeias Kaingang, e posteriormente na implantação
das reservas indígenas, sendo coniventes com as práticas de exploração
dos recursos indígenas em troca de diversos privilégios. Decorrentes da
prática do processo de cooptação registram-se oposições intragrupos e
parentelas.
Ainda de acordo com a autora, apesar das discordâncias internas, unem-se para reivindicar direitos, inclusive com membros não indígenas. A articulação política externa com a política interna dos Kaingang, ao longo dos anos, trouxe transformações e consequências para a
sociedade indígena, permitiram suprir, em parte, as suas demandas relacionadas principalmente à saúde e educação, mas indiretamente tais alianças também são responsáveis pelo acirramento das desavenças internas.
Atualmente os Kaingang veem participando ativamente no processo de construção de políticas públicas, na defesa de seu território e na
construção de novos referenciais de diálogo com o não indígena a partir
da autonomia, para tanto, uma das formas utilizadas tem sido a aproximação com a educação escolar.
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A educação escolar indígena
Ao longo do tempo, é possível perceber uma dualidade no processo de construção da educação escolar indígena, permeada ora por
processos de dominação por meio de políticas de integração e homogeneização cultural, ora por processos que consideram a pluralidade cultural. Conforme menciona Luciano (2011, p. 75),
Até a década de 1960 imperava no Brasil o modelo de escola colonial
impositiva, autoritária, etnocêntrica, integracionista e assimilacionista.
Mas a partir de 1970 a proposta de educação escolar indígena intercultural, bilíngue e diferenciada surgiu como contraponto ao projeto colonizador da escola tradicional. Essas iniciativas foram desenvolvidas
como alternativas aos modelos colonialistas e integracionistas e como
estratégias de luta pela recuperação das autonomias internas parcialmente perdidas durante o processo de dominação colonial e conquista
de direitos coletivos.
O reconhecimento ao direito à educação dos povos indígenas no
Brasil, tem um marco divisor apenas em 1988, quando a Constituição
Federal rompe oficialmente com a política de tutela e integração, "assegurando" o direito originário sobre as terras ocupadas, às formas de organização social, línguas, usos e costumes tradicionais e o direito à educação bilíngue e diferenciada, conforme explícito no Capítulo VIII da Constituição, intitulado "Dos índios" e no Capítulo III, relacionado à educação escolar indígena.
A partir de então foram se consolidando importantes avanços na
legislação e nas políticas públicas, principalmente na área educacional.
Como exemplo, podemos citar a Portaria Interministerial n. 559 de 1991
que criou o Conselho Nacional de Educação Indígena, as especificações
sobre a educação escolar indígena nos âmbitos da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (1996), nos Planos Nacionais de Educação
(2001-2010; 2014-2024), o Decreto presidencial n. 6.861, de 2009, que
dispõe sobre os territórios etnoeducacionais, entre outros.
O intelectual indígena Luciano (2012), reconhece que a legislação educacional e as experiências inovadoras das escolas indígenas representam muitos avanços, resultados de muita luta, e que cabe aos indígenas se apropriarem dessas escolas, transformá-las e gerenciá-las segundo
suas demandas e interesses, como instrumento de empoderamento, protagonismo e autonomia.
Segundo Piovezana (2007) nas escolas indígenas Kaingang da
Região Oeste de Santa Catarina, a política educacional vem sendo con-
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duzida de modo a atender as concepções e princípios da comunidade
indígena, incluindo os interesses da comunidade e sua participação em
todos os momentos, desde a definição de propostas curriculares, do funcionamento escolar, da escolha de professores e do projeto pedagógico,
cabendo ao Estado e outras instituições de apoio o reconhecimento, incentivo e reforço para permitir e oferecer condições necessárias para que
a comunidade faça a gestão da escola (2007, p. 119).
Ainda de acordo com Piovezana (2007), as dificuldades estão relacionadas, principalmente, às imposições dos sistemas educacionais da
sociedade não-indígena e à falta de professores bilíngues falantes e comprometidos com a causa da educação diferenciada, específica e intercultural Kaingang.
De modo geral, a forma como se pretende organizar as escolas
indígenas tende a superar as fragmentações existentes no processo de
ensino-aprendizagem, possibilitando uma melhor convivência social e a
manutenção dos valores culturais, pois um dos princípios da Educação
Indígena é a formação de crianças e jovens em um processo integrado,
considerando-se que cada experiência cognitiva e afetiva carrega múltiplos significados econômicos, sociais, técnicos, rituais e cosmológicos.
Nas palavras de Piovezana (2010, p. 140),
Na atualidade, a educação diferenciada, bilíngue e intercultural é uma
reivindicação das lideranças indígenas do país. A Escola Indígena tem
como objetivo a conquista da autonomia sócio/econômica/cultural de
cada povo, contextualizada na recuperação de sua memória histórica,
no estudo e na valorização da própria língua e da própria ciência, sistematizados em seus etnoconhecimentos, e no acesso às informações
científicas da sociedade majoritária.
O que fica evidente é a decisão dos povos indígenas pela escolarização. O crescente processo de escolaridade sugeriu o acesso à universidade como um direito, fomentando a exigência de políticas públicas.
Conforme sinaliza Luciano (2012), a universidade se tornou um instrumento importante para o presente e para o futuro indígena, tanto no diálogo com mundo envolvente, como também no desejo de melhorar as
condições de vida nas aldeias, e no seu papel na formação da identidade
dos jovens indígenas.
Considerações Finais
Consideramos que os diversos programas, como as licenciaturas
indígenas, as cotas e as bolsas, representam uma grande conquista no
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campo das políticas públicas brasileiras - propiciando o acesso ao direito
à educação, sobretudo para grupos que ficaram historicamente à margem
do ensino superior, como os indígenas - entretanto, se pretendemos que a
política de cotas afirmativas no ensino superior seja uma ação que melhore as condições de vida dos grupos historicamente inferiorizados, e que
fortaleça processos de construção democrática em todas as relações sociais, precisamos ir além, legitimando e valorizando suas presenças, identidades, histórias, conhecimentos, saberes e culturas no meio acadêmico.
Nessa direção, acreditamos que a construção da tese com e a partir das experiências narradas por estudantes Kaingang, poderá contribuir
para a visibilidade e a valorização das histórias e memórias dos estudantes indígenas e para o debate sobre o acesso dos povos indígenas ao ensino superior, também para suscitar o reconhecimento e o respeito às referências culturais indígenas, valorizar a diversidade, visibilizar a presença
indígena nas universidades, modificar o cenário de desvalorização, preconceitos, estereótipos, violências físicas e simbólicas que os povos indígenas enfrentam na Região, sobretudo no momento histórico que estamos vivendo, de ataques à democracia, à educação, aos direitos sociais e
aos direitos dos povos indígenas.
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Santos Luciano - Gersem Baniwa. Revista História Hoje, v. 1, n. 2, p.
127-148, 2012. Entrevista concedida à Maria Aparecida Bergamaschi.
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O TEMPO E A COSMOLOGIA KAINGANG
Rute Barbosa de Paula
Lucí T. M. dos Santos Bernardi
Maria de Souza
Introdução
O presente trabalho coloca em tela os conhecimentos de Kofa ag,
indígenas velhos de nossa comunidade1. Relata uma pesquisa desenvolvida que teve o Tempo como tema de estudo, com o propósito de ouvir e
registrar as histórias dos Kofa ag da Terra Indígena Xapecó, que tratam
sobre o tema, buscando conhecer a concepção de tempo dos indígenas
Kaingang manifestada através de histórias, expressões fundamentais da
cultura imaterial do povo Kaingang.
Além de pensarmos a ideia de tempo concebida através das histórias, precisamos considerar que o tempo passa e as histórias de nossos
velhos vão ficando esquecidas, vão se perdendo a partir do contato com
outras culturas, outros povos. As pessoas com sabedoria e habilidade de
contar os fatos foram e estão sendo ―deixadas de lado‖ e, assim, abandonam a prática de contar histórias. Muitas crenças, idioma, culinária e
costumes (como casamento, curas e remédios naturais) são passados de
geração a geração através da oralidade.
Porém, nossos velhos estão morrendo e com eles, também as
narrativas. Precisamos valorizar cada vez mais nossos velhos e seus ensinamentos, pois o conhecimento que nossos Kofa ag trazem consigo contribuem para o fortalecimento do processo histórico do povo Kaingang.
Buscamos com esse trabalho de registro das histórias, que as mesmas
sejam rememoradas e que nossa comunidade compreenda a importância
de os ensinamentos serem passados de geração para geração.
1
A escrita é apresentada partir do lugar da primeira pesquisadora, Rute, que é
indígena Kaingang e vive da Terra Indígena Xapecó, em Ipuaçu SC Brasil.
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O Povo Kaingang e a sua Cosmologia
A singularidade do povo Kaingang está em pequenos gestos,
como a atenção e o respeito com os mais velhos, com as crianças e com a
natureza. Está nas histórias contadas por nossos Kofa ag, em nossos ritos,
em nosso jeito de estar no mundo. Olhar para a nossa cultura, seja ela
material ou imaterial, significa conhecer as singularidades daquilo que
compartilhamos uns com os outros, o que nos diferencia de outros povos
e da sociedade não indígena.
De acordo com Luciano (2006), toda organização social, cultural
e econômica de um povo indígena está relacionada a uma concepção de
mundo e de vida. Isto é, há uma determinada cosmologia organizada e
expressa por meio de nossas singularidades.
Para pensarmos o nosso povo e sua cosmologia, nos reportamos
a Veiga (2000) quando preconiza que a cosmologia Kaingang pode ser
construída em torno da ideia de um universo marcado por ciclos cósmicos de conflagração e regeneração. A autora organiza então a história do
povo Kaingang em três tempos:
O primeiro tempo do mundo: tempo primordial, no qual a terra foi criada, época em que a diferença entre sol e lua – e, consequentemente, dia e
noite – se estabeleceu.
O segundo tempo do mundo: tempo da primeira conflagração universal,
quando ocorreu a destruição do mundo habitado e sua posterior regeneração a partir da reconstrução da vida sobre a terra pelos heróis míticos
Kamé e Kaĩru, pais ancestrais que emprestam seus nomes às metades
exogâmicas Kaingang e que repartem entre si os seres que habitam o
cosmos: aves, peixes, mamíferos, vegetais. O segundo tempo do mundo
Kaingang como sociedade exemplar.
O terceiro tempo do mundo: tempo constituído pelo mundo Kaingang
atual. Este mundo está desestabilizado por vários eventos – centre eles, o
contato com os não-índios, que desafia as instituições Kaingang e ameaça
a própria sobrevivência física desse povo. As desestabilizações do mundo,
para muitos povos (inclusive cristãos) são considerados ―sinais de transformações cósmicas‖. Essas transformações indicam a eminência de
catástrofes, ou de um tempo nova conflagração universal, nos termos de
Sullivan (1988). (VEIGA, 2000, p.15).
É então no segundo tempo que se dá o surgimento do povo Kaingang, cuja sociedade foi organizada em metades que são homônimas de
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seus pais fundadores, Kamé e Kairu2. As metades são homônimas dos
heróis míticos, conforme relata Nimuendaju (1978) apud Veiga (1994): a
tradição dos Kaingang conta que os primeiros desta nação saíram do chão. Saíram em dois grupos, chefiados por dois irmãos por nome Kañerú e Kamé, sendo
que aquele saiu primeiro. Cada um já trouxe um número de gente de ambos os
sexos. Dizem que Kañerú e sua gente toda eram de corpo fino, peludo, pés pequenos e ligeiros tanto nos seus movimentos como nas suas resoluções, cheios de iniciativa, mas de pouca persistência. Kamé e os seus companheiros, ao contrário, eram
de corpo grosso, pés grandes e vagarosos nos seus movimentos e resoluções.
Foram eles ―que fizeram todas as plantas e animais e que povoaram a terra com os seus descendentes, não há nada neste mundo fora da
terra, dos céus, da água e do fogo, que não pertença ou ao clã de Kaneru
ou ao Kamé‖. (NIMUENDAJU, 1993, p. 59). Nesse tempo, a organização social dos Kaingang seguia os preceitos da tradição no decorrer de
todo o ciclo de vida: nascer, crescer, casar e morrer.
A contemporaneidade constitui o terceiro tempo do mundo. A
realidade que a sociedade envolvente traduz para as comunidades indígenas é diferente do que o indígena interpreta. A sociedade Kaingang dá
mais importância à terra, aos princípios básicos de nossos costumes, dos
valores culturais que regem a vida social de nossa etnia.
A tradição e a modernidade estão lado a lado no cotidiano de
nossa comunidade. Não é mais possível nós Kaingang vivermos sem ter
contato com os não indígenas, mas, ainda assim, mantemos traços culturais que nos diferenciam da sociedade não indígena, como por exemplo,
nossa relação com a natureza.
3.
Sobre o Tempo
O que é o tempo? Você pode sentir o tempo, mas certamente, terá dificuldades para compreendê-lo em toda sua complexidade. Compreender o tempo de fato é uma tarefa difícil, o que torna ainda mais relevante e desafiador tentar apreender as concepções que envolvem a noção
de tempo tanto na comunidade indígena quanto em outras sociedades e
culturas.
2
Nos escritos sobre os Kaingang, encontramos variações como: Kairu, Kanhuru, Kaĩru,
Kanieru, Kadnyerú, Kañerú. Utilizamos a nominação Kairu, seguindo a nomenclatura
corrente na comunidade da T. I. Xapecó.
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Nosso envelhecimento comprova o óbvio: que o tempo passa!
Ficam as lembranças de momentos vividos. Como descrevem Severino
Filho e Januário (2011):
É certo que o tempo passou, pois em nossas memórias há lembranças,
cenas, imagens – às vezes ordenadas, às vezes confundidas entre a realidade vivida e a idealizada pela percepção de criança – as quais sabemos ao menos localizá-las dentro de um tempo contínuo. Pertencem
ao passado distante, lento e extenso essas memórias que agora trazemos
para o presente instantâneo, fugaz e efêmero. Contudo, o presente não é
mais que o momento em que o futuro, não menos distante, extenso e
lento, transforma-se no passado. (p.48).
Pensar sobre o tempo nos leva a várias inquietações. Observar-se
que a vida dos Kaingang sempre foi marcada por ritos de iniciação e de
passagem demarcados pelo tempo: nascer, crescer, casar, envelhecer e
morrer. Dessa forma, é possível compreender que tal noção de tempo
pode ser entendida também como ―tempos cíclicos‖, assim como aborda
Ferreira e Arco-Verde (2001, p. 7) quando versam sobre a existência de
―tempos individuais e coletivos, como também os ‗tempos cíclicos‘, por
exemplo, da infância, do trabalho, da velhice, do lazer‖.
Assim, é possível associar o modo como os povos indígenas dividem o tempo a algo semelhante ao ‗tempo cíclico‘‖. Nas manifestações
Kaingang, esse tempo vem acompanhado de normas e restrições de hábitos cotidianos, como por exemplo a alimentação, uso das ervas medicinais e os rituais do povo, vivências de modos e costumes que se consolidam e/ou se transformam ao longo do tempo. O que define o tempo de
cada povo são seus costumes e formas de viver.
Cada comunidade possui costumes diversificados com relação ao
seu cotidiano. Nos dias atuais, na Terra Indígena Xapecó, seguimos o
tempo cronológico, ou seja, vivemos como os não indígenas. Toda a
nossa organização é exclusivamente baseada em relógios e em calendários, da agricultura aos compromissos comunitários.
Os tempos indígenas segundo Severino Filho e Januário (2011,
p. 53), ―são constituídos pelo próprio índio, não podendo haver tempo
sem que não seja um tempo histórico, um tempo vivido‖. Ou seja, o tempo anda lado a lado com os fatores históricos que propiciam mudanças
no modo que se vive. É esse tempo vivido que permite a nós indígenas,
perceber o quão o tempo mudou a nossa forma de viver em sociedade e o
quanto nossa cultura se modifica com isso.
De acordo com Severino Filho e Januário (2011, p. 53), o tempo,
apesar de descontínuo, não é fragmentado, pois a vida se torna contínua
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na individualidade de cada um de nós, nas etapas que vivenciamos ―desde o nascimento, os rituais de passagem, as aprendizagens, o amadurecimento, o envelhecimento e a morte‖. Por outro lado, para os autores,
esses processos não se concebem em uma perspectiva individual, mas
sim, na coletividade. E é no coletivo que assumimos um movimento
circular de evolução, pois o passado e o futuro se confundem, já que no
presente temos aqueles que vivenciaram o passado e exercem influências
em nossos cotidianos, principalmente no plano espiritual, com efetiva
influência no plano físico.
Entendemos então que, no cenário em que vive o povo Kaingang
de nossa região, inserido na sociedade de entorno e em diálogo constante
com a mesma, vivenciam um sentimento de dualidade em relação ao
tempo. Para compreendê-lo, destacamos o tempo Chronos e o tempo Kairós.
Na definição do tempo entende-se o Chronos a temporalidade cronológica construída pela sociedade, que limita, fragmenta e marca nos
tornando atrelados ao tempo do relógio, dos prazos e calendários, na
grande forma sistematizada que se relaciona com a frase clichê ―tempo
é dinheiro‖, nos tornando reféns da produção produzida por nós mesmos. Em contrapartida, o tempo Kairós estabelece a existência do
momento vivido, conhecido como oportuno, é o tempo que traz o sentimento e a sensibilidade da ação e das experiências constituindo-se na
maneira com as utilizam no ―aqui e agora‖. É o deixar fazer e levar-se
pelos sentidos e ação.
Enquanto o Chronos é objetivo o Kairós é subjetivo, enquanto um limita o outro liberta. O tempo é uma linha paralela que une esses dois
extremos. na busca do ser humano por um equilíbrio, ambos se movimentam nas diversidades da vida e procuram um equilíbrio entre homem e natureza, mas que muitas vezes não se encontra e que se perde
na fluidez cronológica. (CHASSOT; CAMARGO, 2015, p.64).
Não é fácil esses dois tempos caminharem juntos em nossas rotinas e se equilibrarem. O cronograma, o calendário, os nossos horários
determinados precisam ser cumpridos para termos a oportunidade de
vivenciarmos um tempo livre. Dessa forma, vivemos subordinados ao
tempo Chronos para de alguma forma, podermos desfrutar, como nossos
antepassados, um tempo Kairós.
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[...] tempo ou tempos são tanto chronos quanto Kairós. Chronos, além
da fragmentação e da mensuração, traz também a sequêncie a continuidade, por outro lado, Kairós é a intensidade. Se o primeiro é o fluir,
o segundo é o bordar, a mudança na triangulação entre trama e urdidura. Se alegoricamente chronos é o semear, o jogar a laço e as relações com a agricultura, Kairós é o laçar, caçar, o vigiar o momento
oportuno, o pastorear e as relações do cuidado com os animais. São os
laços, os elos, as amarras que dão intensidade e encadeiam os significados no fluir. (PAULA, 2010, apud CHASSOT; CAMARGO, 2015,
p. 64).
Precisamos nos questionar, por que vivemos o tempo de um e
não de outro? Ainda estamos sujeitados a uma cultura dominante? Mesmo estando cientes de que cada cultura estabelece seus modos de vida e
que não há aquele que seja mais ou menos correto as sociedades vivem
submetidas à uma cultura dominante que favorece uns e desfavorece
outros. Precisa-se não apenas aceitar que o outro vive de maneira diferente, mas compreendê-lo no mundo, que é apenas diferente e não inferior.
Do mesmo modo, se faz com a forma com que cada povo lida
com as noções de tempo, pois compreendê-las vai além de aceitá-las, já
que não basta dizer que se aceita e não permitir que esse tempo seja vivido, porque se faz necessário viver o tempo que rege o capital e a economia no mundo, o Chronos. Sobre meu povo posso dizer que ainda vivenciamos os dois tempos, mas vivemos muito mais o tempo Chronos.
Sobre os Caminhos Metodológicos e os Kofa ag
A Terra Indígena Xapecó – Aldeia sede, conta com um total de
90 Kofa ag, número estimado a partir de dados do posto de saúde. Desse
total escolhi dois Kofa ag, senhor Cesário Pacífico e senhor Pedro Kresó
Alves de Assis. A escolha se deu considerando que são anciões que tenho
mais proximidade e que estão sempre envolvidos em atividades que são
realizadas na escola, repassando seus conhecimentos às nossas crianças e
jovens.
Os dados foram coletados através de entrevistas nas casas dos
anciões. As entrevistas foram gravadas e transcritas, mantendo fidelidade
a forma de falar de cada um. Não foi feito registros com fotos, apenas
conversas gravadas.
Senhor Cesário Pacífico, marca kamé, nasceu no dia 29 de janeiro de 1953, na Terra Indígena Xapecó, filho de Bonifácio Pacífico e
Etervina Alípio. Em 1972 casou-se com Dona Maria Oralina Pinheiro,
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com a qual vive até hoje. É pai de oito filhos, tendo oito netos e oito bisnetos.
Pedro Kresó Alves de Assis, nome em Kaingang Kresó nasceu
no dia 29 de junho de 1965 na sede da Terra Indígena Xapecó, Ipuaçu,
filho de Seu José Genhmyre Alves de Assis e de Dona Deonilinda Ginso
de Assis, ambos da etnia Kaingang
As falas expressas pelos Kofa ag foram transcritas com especial
cuidado para manter a forma de expressão de cada um deles. Os principais elementos sobre o tempo expressos nas narrativas, bem como, significados atribuídos a eles, foram identificados e relacionados. Sabemos
que as histórias contadas pelos nossos velhos devem ser um sinal de respeito para com os mesmos. Ouvi-los é importante para conhecermos cada
vez mais os saberes de nosso povo.
Para analisar as materialidades coletadas nos baseamos na metodologia da Análise Textual Discursiva (MORAES, 2003), que permite
construir novas percepções para um texto já formado.
Um Olhar sobre o Tempo: o que nos dizem os Kofa Ag
A fala de nossos entrevistados é permeada pelos processos de
transformação da cultura. De forma geral os Kofa ag da T.I. Xapecó têm
dificuldades em falar sobre essas questões, porque ainda têm receio do
homem branco, ainda sofrem com os processos de exclusão que marcaram nosso povo. Isso mostra a influência da cultura branca nas tradições
indígenas.
O diálogo empreendido é marcado por um ir e vir das transformações da cultura ao longo tempo. O recorte aqui apresentado está organizado a partir de duas categorias principais: as relações entre o tempo e
a natureza e as relações entre o tempo, a religiosidade e o corpo.
As relações entre o tempo e a natureza emergiram com vigor visto que ao falar sobre o tempo, os entrevistados se reportaram várias vezes
à natureza. Concordamos com Severino Filho e Januário (2011) :
O ancião indígena é o elemento social mediador do seu povo
com o tempo e a natureza, na garantia do relacionamento recíproco e
harmonioso, em que nem o sujeito nem a natureza se desvinculam um do
outro. Em que, nos diversos momentos da vida e da morte, o tempo e a
comunidade se determinam e mutuamente influenciam seus ritmos, constituindo o tempo cultural. (p. 38).
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As fases da lua, por exemplo, foi um importante marcador de
tempo para o povo Kaingang, pois era o que os mais velhos tinham como
experiência para organização de seu tempo: para sair pescar tinha a fase
certa da lua, se fosse em uma lua que não era propícia para pesca não
dava peixe; também cada semente tinha seu tempo, a lua certa para plantar, para que a mesma viesse a nascer, como é possível visualizar na fala
de seu Kresó:
Por exemplo muitas coisas ele também era, digamos assim é a experiência que os velhos nossos tinham também vale muito pela lua neh,
como a lua desde a caça, dai eles sabiam tudo certinho qual a lua que
era bom pra pescas ou pra caça também porque se fosse num tempo errado digamos assim você vai te um tempo que, certa data do ano que
num da pra pesca digamos assim neh, [...] (Kresó, 53 anos).
Compreende-se, assim, que os Kaingang tinham muito respeito
pela natureza e pelo tempo de cada coisa e era através da lua que eles se
orientavam no dia a dia. A lua que indicava o tempo certo, por exemplo,
de pescar e caçar, que era respeitado:
A lua era muito importante também no, nos plantios a gente sabe que
cada semente tem um tempo certo pra fazer o plantio neh, o que da
dentro da terra por exemplo tem uma lua, pra não já digo assim pras
raízes não, é não sofrer umas crises umas quedas neh e os outros plantios também neh, milho, feijão, tem toda uma época certa pro plantio
baseado tudo em lua digamos assim, [...] (Kresó, 53 anos).
Outro fato que lhes ajudava marcar o tempo eram as trocas de
estações. Os marcadores naturais de tempo, como o sol e a lua, diferente
do tempo linear de calendários e relógios, mostram a indissociabilidade
entre o social e o biológico, entre o homem e a natureza, considerando as
necessidades coletivas que o povo Kaingang instituiu.
Quanto aos animais, tinha-se todo um cuidado para não os maltratar nem os matar, até os peixes eles cuidavam as luas boas para pesca,
também representava um sinal de respeito e amor pelos animais, de modo que era parte do seu sustento, como reafirma seu Kresó:
[...] tão vai vê que tem ali os animaizinhos pra nasce também, tão tinha todo esse respeito pra não... não mata tipo os peixinhos, então tinha todo tempo certo pra faze essa pescaria a caça‖.
É a gente sabe sobre o tempo, são muitas coisas eram feito pelos nossos, eram utilizados pelo nosso povo pela... pelo nossos antepassados,
que a gente sabe que todo tem um tempo certo, desde a pescaria neh,
desde aa... caça, a própria caça, então essas coisas [...] (Kresó, 2019).
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Evidencia-se, a partir das falas do Kofa ag, que deveríamos respeitar a natureza, considerando o tempo certo para realizar as atividades que
envolvem a fauna e a flora.
Observamos então que a relação do tempo com a natureza estabelecida pelos Kofa ag está ancorada em um tempo Kairós, são os laços
que dão significado. Porém, no atual cenário, os Kofa ag vivenciam uma
relação de dualidade com a natureza, marcada pelo tempo Chronos e experienciada em um tempo Kairós. Assim, nas rotinas atuais imbuídas pelo
tempo relógio, encontramos os traços evidentes do tempo Kairós, na leitura de mundo que cada um deles nos proporciona.
As relações do tempo e a religiosidade também se constituíram
em um importante elemento nas falas dos Kofa ag, emergem nas reflexões
dos mesmos sobre o tempo, pautadas no ciclo do nascer, crescer, envelhecer e morrer.
Para manter a saúde, fundamental para o ciclo, existia a figura
do remedieiro, de grande importância para nossa comunidade. Antigamente um cuidava do outro, vivia-se na coletividade. Nesse cuidado, um dos
ritos fundamentais era o uso de remédios naturais, na forma de chá, de
cataplasmas, de extrato ou de tintura.
Bamo dize que hoje os remédio algum vem busca neh, não tinha remédio na casa, não tinha enfermaria, não tinha nada no tempo dos antigo, era os remedieiro que faziam um pro outro, um fazia remédio pro
outro, foia do mato, por exemplo as vez chegava algum doente de manhã [...] (Cezário, 2019).
A coleta das ervas do mato era feita pelos Kofa ag, especialmente
os remedieiros. Algumas ervas só podiam ser coletadas nos dias Santos,
tudo tinha um tempo certo e sempre era respeitado esse tempo. Quando
alguém da comunidade ficava doente usavam os remédios naturais, sempre iam à procura dos mais velhos para que eles fizessem o chá e cuidassem da pessoa que estava doente.
Para retirar um remédio do mato se fazia uma oração para pedir
permissão. Respeito e cuidado com a natureza para não lhes faltar o que
precisavam para sobreviver. O povo Kaingang tem muitos saberes sobre
as ervas: tipos, tempo de retirada, formas de preparo, indicações e uso.
Todo o movimento dessa sabedoria se faz em um tempo Kairós, de vigília
do momento oportuno e de intensidade, de subjetividade e de energia.
Além dos remedieiros, existiam também os curandores ou Kujá,
também conhecidos por Pajés. Os Pajés faziam os trabalhos espirituais,
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acreditavam nos chamados guias, que era quem os orientava para fazer
os remédios, era uma crença espiritual que muito se respeitava.
Eu tava lembrando também da própria gestação essa questão veja bem
tem todo um acompanhamento também além do tempo pelo antigos
curandores ou até mesmo Kujá, essas pessoas tanto homem quanto
mulher são conhecidos como Pajés, é uma pessoas que faz trabalhos
digamos assim espirituais eles é quando eles explicam pra gente eles
dizem assim os guias então na verdade, na vida Kaingang haja parte
por uma crença que eles acreditavam muito neh e como era otros tempo de formação digamos assim existia esse Kujá, que tinha também as
mulheres parteiras pra acompanha essa mulher que tivesse na fase da
gestação.[...] (Kresó, 2019).
As mulheres gestantes tinham o acompanhamento do Kujá.
Quando uma mulher ganhava o bebê não se levava em hospitais, elas
ganhavam em suas casas, com ajuda das parteiras, essas faziam puxamentos e remédios para tomar que ajudavam o bebê nascer com mais
facilidade, era tomado todo cuidado tanto com a mãe, quanto o bebê.
Quando uma muié tava grávida com treis meis antes ela ta apurando
bamo dize neh, daí tem remédio do mato vai lá busca aquela foia, cozinha só não pode toma e ela perde a criança, daí cozinha o remédio e
puxava ela, duas veis no meis era puxado ela com o remédio, tem o
remédio na hora que ela ta ganhando. Tem o remédio que nóis ia busca no mato, pra ela toma daí dava um copinho de remédio com uns 15
ou 20 minuto dava ela já ganhava a criança agora tem que ir no hospital, cortam a muié pra ganha a criança, mas antigamente não tinha essas coisa de hoje, naquele tempo... a minha mãe me ganhou na casa.
(Cezário, 2019).
Podemos observar na fala do Kofá ag, que os tempos Chronos e
Kairós se misturam. Como nos coloca Ferreira e Arco Verde (2001):
A ideia de tempo guarda em si faces contraditórias, tanto de um ―tempo intemporal‖ – abstrato, heterogêneo e infinito – quanto de um
―tempo temporal‖ – concreto, homogêneo, contínuo e regular. o tempo pode ser definido também como único e singular ou múltiplo e plural. (p. 7)
É importante destacar que a noção de tempo também é expressa
nas falas quando dizem que quando uma pessoa ficava doente, tinha
alguém para ajudá-la, ou seja, se tinha tempo para fazer isso.
No ciclo de vida Kaingang, o casamento também tem um papel
fundamental. Eram feitos conforme os jovens se conheciam, apenas eram
levados até a liderança para receber conselhos de que um precisava cuidar o outro e, a partir de então, passavam a viver juntos. Também se
respeitava as marcas Kamé e Kanhru, já nos dias atuais, não se respeitam
as marcas em nossa comunidade.
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Os casamento não tinha hora certa, quando queriam casá, o rapais
proziava com a moça e de repente levava ela, daí levava lá na liderança, eles davam um conselho pra um cuida do outro, e que não podiam
se dexá, e daí ficavam morando junto um tinha que cuida do outro.
Era assim, agora não é mais como era, hoje fazem festa nas igreja, não
carecia corre compra ropa, carnia porco,era mais bão no tempo antigo
não gastava nada. (Cezário, 2019).
A noção de tempo expressa pelo nosso Kofa ag nos remete a pensar que para eles a concepção de tempo é também considerar o que se
perde e o que se ganha com o tempo. Para o povo indígena é com o passar do tempo que se ganha sabedoria e experiência, mas também se tem
muitas perdas, já que nossos costumes vão se desvalorizando com o tempo, nossa cultura se transformando e se afastando de nossa tradição.
É possível refletir que o modo como falam do tempo de antigamente é expresso na riqueza do Kairós e o modo como expressam o tempo de hoje é relacionada ao Chronos e suas interferências na sociedade em
que vivemos. Aos poucos vamos adentrando na cultura do colonizador
porque ela é que está associada ao capital que rege o mundo. Pode-se
dizer que o indígena vive essa dualidade. Como nos coloca Chassot e
Camargo (2015, p.73): ―Por conseguinte, em meio às urgências que nos
tornam muitas vezes ―reféns‖ do tempo Chronos, também encontramos
evidências do tempo Kairós”.
Considerações Finais
Compreender as diferenças entre o conceito de tempo Chronos e
Kairós, nos permitiu entender que nosso povo vivia muito mais o tempo
Kairós no passado, porém o tempo Chronos foi se inserindo em nosso meio
e o tempo que guiava nossa cultura foi deixado de lado.
Outra compreensão que fica acerca da noção de tempo, a partir
do contato com os Kofa ag, é de que a natureza era o ponto de partida para
as marcações de tempo, por outro lado, hoje isso não é mais possível.
A grande preocupação de nossos Kofa ag é que os costumes do
nosso povo se percam, por isso, gostam de participar de atividades feitas
na escola. E isso nos permite pensar que a escola não oferece um lugar e
um tempo adequado para que esses ensinamentos aconteçam de maneira
mais efetiva, pois a escola está regulamentada pelo tempo Chronos, o que
vai na contramão do tempo Kairós cultivado principalmente pelos mais
velhos. Precisamos pensar em novas formas.
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Acreditamos que o tempo Kairós, que significa o momento certo,
o momento oportuno, pode estar presente dentro de um tempo físico
determinado por Chronos. Essa é uma lição para pensarmos no tempo,
para pensarmos em nossas vidas, indígenas e não-indígenas. Se por um
lado estamos aprendendo a viver as necessidades de um tempo marcado
por Chronos, a sociedade não-indígena perceberá que, em determinado
momento, a realidade pode ser acalentada por um tempo Kairós.
Referências
CHASSOT, Ático I.; CAMARGO, Camila G. A interculturalidade e as
intempéries de chronos e kairós: sobre tempos indígenas e não indígenas
na universidade. Revista Pedagógica, Chapecó, v. 17, n. 34, p. 59-74,
jan/abr. 2015.
FERREIRA, Valéria M. R.; ARCO-VERDE, Yvelise F.S. Chrónos &
kairós: o tempo nos tempos da escola. Educar, Curitiba, n. 17, p. 63-78.
2001.
LUCIANO, Gersem dos Santos. O índio brasileiro: o que você precisa
saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006. (Coleção Educação para
Todos).
MORAES, Roque. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada
pela análise textual discursiva. Ciência & Educação, v. 9, n. 2, p. 191211, 2003.
NIMUENDAJU, C. Etnografia e indigenismo: sobre os Kaingang, os
Ofaié-Xavante e os índios do Pará. Marco Antonio Gonçalves (org.).
Campinas: UNICAMP, 1993.
SEVERINO FILHO, João; JANUÁRIO, Elias. Os marcadores de
tempos indígenas e a etnomatemática: a pluralidade epistemológica da
ciência. Zetetiké, Campinas, SP, v.19, n.1, 2011.
VEIGA, Juracilda. Organização social e cosmovisão kaingang: uma
introdução ao parentesco, casamento e nominação em uma sociedade Jê
Meridional. 1994. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) –
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, SP: 1994.
______. Cosmologia e práticas rituais kaingang. 2000. 367 f. Tese
(Doutorado em Antropologia Social) - Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP
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PENSAMENTO ANDINO/INDÍGENA
PARA NEÓFITOS COMO EU:
(TESTEMUNHO DE VIDA)
Ireno Antônio Berticelli
Introdução
De longa data, tenho-me movido no campo da filosofia, especialmente em epistemologia (sic!), quase sempre no singular. Pensar em
epistemologias, no plural, é coisa muito recente e um belo dia me dei
conta disto (―Antes tarde que nunca‖- segundo o velho provérbio popular). Não seria nem justo fazer um mea culpa, neste pequeno texto. É muito amplo o contexto histórico que obnubilou, por tantos séculos, uma
série de questões de grande magnitude e significação: a história dos ―vencedores‖/colonizadores ocidentais nos turvou o olhar, viciou nossos
ouvidos com suas discursividades, embotou nosso tato e até nos tem sido
imposto uma certa percepção olfativa. Não conseguimos nos furtar, nem
aos verso do grande poeta Luiz Vaz de Camões, quando, em seus Luzíadas decanta a cruz e a espada, ou seja, o poder espiritual (cruz), tanto
quanto o poder material (espada) do colonizador que em terras de Santa
Cruz chantou a cruz para determinar: ―Isto daqui é nosso!‖ Com isto,
deu-se uma inversão histórica poderosa: os habitantes milenares da terra
de Santa Cruz foram, de um golpe, transformados em párias em seu próprio chão. De um só golpe, tornaram-se, os habitantes de todas as Américas, ―plantas exóticas‖ de que se levavam amostra para a Europa para
satisfazer a curiosidade do novo ―dono‖ desta parte toda do mundo. Foi
necessário que o Papa Paulo III promulgasse a bula Sublimis Deus (29 de
maio de 1537) para definir que os indígenas também são gente ([...]os
índios são verdadeiramente homens [...], afirma a bula). Mas isto parece não
ter impressionado quase a ninguém. Aliás, o conteúdo da bula é muito
claro ao interditar a escravização e tantas outras perversidades aí interditadas.
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O Ocidente europeu perdeu uma bela oportunidade de diálogo e
partilha cultural
Os colonizadores, ao aportar nas Américas, não conseguiram
nem ver, nem ouvir, nem auscultar, salvo raríssimas exceções, a riqueza
do pensamento daqueles que aqui encontraram, em todas as Américas. E
isto precisa ser pensado sem idealizar os habitantes da Terra de Santa
Cruz, bem como de todas as Américas, sob pena de cair na armadilha e
os pensar como meros ―entes de razão‖ (ideias metafísicas – fora da história). Diz Mejía Huamán: ―Que a la Cultura Occidental le vendria bien
retomar a las relaciones míticas y no perder la magia y el calor humano, y
la Cultura Andina racionalizarse, sin ser hostil a la visión mítica del
mundo‖ (2018, p. 41, grifo meu). Sem dúvida, os caminhos teriam sido
outros se as questões culturais tivessem sido objeto de negociação, de
permuta, de diálogo, de compartilhamento de horizontes entre os colonizadores (que, então, não o seriam) e os colonizados (que, então, não o
seriam). E, referindo-se à não racionalização dos mitos andinos, acrescenta Mejía Huamán, reportando-se à questão da racionalidade: ―Lo que
sobra a los Andes le falta al Occidente‖ (2018, p. 47). Mais uma vez,
estão aqui muito claramente identificados os saldos positivos de duas
culturas.
Como afirma Manuel Tavares (2013), ―O pensamento ocidental
afirmou-se como hegemônico e invisibilizou as alteridades culturais e
epistemológicas‖ (p. 197), o que colocou as culturas situadas a 20 até 60
graus a norte do equador de nosso planeta Terra em posição de quem
manda/decide, até os nossos dias, segundo demonstração realizada pelo
Prof. Dr. Jaime Fernando Estenssoro Saavedra, em palestra sobre geopolítica proferida na Universidade Comunitária da Região de Chapecó
(Unochapecó), em 21 de agosto de 2019, com vasta e sólida argumentação e ilustração cartográfica. Ou, retomando, ainda, Manuel Tavares
(2013), o Norte, com sua visão dualista,
[...] organizou toda a nossa maneira de pensar, de conhecer, de relacionamento com o mundo, com os outros e com outras culturas e condicionou o diálogo intercultural entre o Norte e o Sul e, mais do que isso,
impediu a afirmação das culturas do Sul ao mesmo pé de igualdade em
relação às culturas ocidentais que se autodesignaram como superiores,
etnocêntricas, para al‘]em de outras questões mais profundas [...] (p.
198).
Ainda na esteira histórica do espírito e da práxis colonialista, há
que se ressaltar a vetustez da lógica da identidade, que remonta ao pensa-
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mento helênico. Nem Platão, nem Aristóteles, de tão elevada sapiência
não conseguiram transpor o muro opaco dessa lógica: princípio e fim de
toda forma de colonização. A lógica da identidade não abriu a guarda
nem mesmo para que os helenos se livrassem do espírito escravagista ou,
então, evitar que os belicosos espartanos lançassem seus truculentos exércitos sobre os metecos (métoicoi, em grego), tão somente para exercitarse na arte sinistra de matar. No âmago da lógica da identidade está o
princípio falso de que o diferente não é legítimo outro e que, bem por
isto, é mero objeto manipulável e até mesmo extinguível pelo assassinato
puro e simples. Aqui assomam lembranças de meus 10 anos de vida passados em Rondônia, na cidade de Ariquemes, nome advindo de uma
nação indígena que aí vivia. No decorrer de uma década, percorrendo
todos os quadrantes daquela região, não pude ver um só índio ariqueme,
pois todos haviam sido eliminados pelos garimpeiros, havia décadas,
apesar de ainda restarem por aí os rastros deixados pelo Marechal Mariano Cândido da Silva Rondon: os postes metálicos e restos dos cabos da
linha telegráfica que por aí estendeu, a partir da primeira década do século XX (de 1907 a 1915), interligando Cuiabá-Santo Antônio do Madeira,
até Guajará Mirim.
Penso mesmo que a lógica da diferença é filha tardia da ecologia, no
Ocidente ou, então, quiçá melhor: aquela, filha desta. E é muito recente.
O que, em geral, se sabe de filosofias indígenas: kaigang (vivo em terras
kaigang, em Chapecó, SC), nahua, maya, amazônica, bantú ... Muito
pouco ou nada. Confesso, que apesar dos meus tantos anos de caminhada pelas filosofias do mundo ocidental, sou um neófito, ―iniciante imberbe‖ em meio a essa gigantesca diversidade de pensamento. A presença do
filósofo índio Mario Mejía Huamán, de origem quéchua inka, no I SIDIAL, em Chapecó (SC), no ano de 2018 e, além de sua presença, o
presente com que me agraciou: sua obra intitulada Hacia una filosofia andina (2018) foi, para mim, um despertar do ―sono dogmático‖ (não o de
Immanuel Kant, mas o meu mesmo), face a décadas de ensino de Filosofia da Educação, sem sequer tangenciar em outras filosofias, muito mais
próximas a nós brasileiros, a nós latino-americanos. Em acréscimo a isto
(e que acréscimo!), a obra de Mejía Huamán, Teqse: la cosmovisión andina y
las categorias quéchuas como fundamentos para una filosofia peruana y de América Andina (2011) tem sido, para mim, uma motivação ímpar a me mover,
em meus já 76 anos de idade e 46 anos de docência superior, com poucos
interregnos, para outras paragens epistêmicas – as epistemologias silenci-
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adas/ocultadas/colonizadas. Nisto, também não poderia omitir o toque
profundo que foi, para mim, a leitura de Filosofía andina: sabiduria indígena
para un mundo nuevo, de José Estermann (2006). Em que pesem algumas
discordâncias entre estes dois insignes autores, Mejía Huamán, índio de
língua quechua inka, o outro, suiço, são, ambos, o mais vivo testemunho
da consciência do subido valor da alteridade de pensamento, quer se o
mantenha ou não, sob a rubrica de filosofia.
Os elos perdidos do pensamento do mundo
Não é tarefa a realizar, num breve artigo, o inventário dos elos
perdidos na cadeia do pensamento mundial, percorrendo as numerosas
culturas onde se pensou e se compreendeu a realidade de forma diferente
daquela dos europeus. Um neófito seria, inclusive, absolutamente incapaz de tão enciclopédica tarefa. Contentar-me-ei, neste pequeno ensaio, a
destacar alguns desses anéis perdidos, os que reputei se situarem dentre
os mais significativos, até onde posso avaliar a questão, dentro de minhas
limitações, sempre ancorado em autores que ratificam escolhas, neste
campo, para mim, novo.
Inicio acompanhando o pensamento de Esterman (2006, p. 126),
que afirma: ―Ya he destacado la relacionalidad del todo como el rasgo
fundamental (arjé) de la racionalidad andina. Esta característica se expresa en el ‗principio de relacionalidad‘ o el 'principio holístico‘. Este principio afirma que todo está de una u otra manera relacionado (vinculado,
conectado) con todo‖. Estermann busca explicar a relacionalidade com
conceitos ocidentais (arjé, holismo). Quanto mais as ciências ocidentais
avançaram no tempo, tanto mais dicotômica se tornou a realidade do
mundo, aos olhos dessas mesmas ciências. Ressalta Tavares: ―A filosofia
andina, contrariamente à filosofia ocidental, parte de uma concepção não
dualista da realidade. Os princípios da relacionalidade, da complementariedade, da correspondência e da reciprocidade estão na base de todo o
pensamento andino‖ (2013, p. 204), seguindo na esteira das análises feitas por Estermann (2008). Relacionalidade, complementariedade, correspondência, reciprocidade: eis cinco conceitos em diametral oposição à lógica da
identidade que coloca o outro como o outro não legítimo. São cinco conceitos que podem, claramente, manter o diálogo, a troca de experiências,
de valores, de compartilhamento de horizontes, em contínuo movimento
de troca e osmose entre culturas diferentes. Maturana (1997), sempre a
partir de sua especialidade, a biologia, insiste na legitimidade do diferente,
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do outro legitimamente outro. Este é um princípio fundante de toda ecologia, ou seja, no sentido etimológico do termo óikos, do grego, a casa, a
morada comum de todos os seres não só terráqueos, mas de todo o universo. Esta constatação - a da ecologia -, contudo, tem apenas a idade de
sua descoberta mais efetiva, no século XX (ao menos para alguns efeitos
práticos de convivência com o meio ambiente, lato sensu). É ainda em
Humberto Maturana (op. cit.), que podemos encontrar um princípio fundamental do modo de agir dos seres vivos, como diz ele, ―em colaboração. Para este insigne biólogo, criador da teoria de autopoiese é a colaboração e não a luta que caracteriza toda a vida biológica. Aí sim, abre-se a
possibilidade para a relacionalidade, a complementariedade, a correspondência
e a reciprocidade, em bases biológicas.
Mais de cinco séculos se passaram desde a vinda dos europeus
para as Américas e, ainda, nossa civilização ocidental engatinha, a passos
curtíssimos em direção ao objetivo de alcançar um mínimo desejável no
que tange a encontrar tão precioso elo do pensamento perdido: o senso
profundo da colaboração em com-vivência (conviver, el latim é cum vivere
– viver com; viver junto ao outro e ao mesmo tempo. Algo semelhante é
com-cordar – colocar o coração junto ao outro: com-sentir: sentir com o
outro...). Se ainda não aprendemos isto o suficiente (nem de longe), nunca é tarde demais para começar a aprender, colocando-nos, com enobrecedora humildade, na condição de neófitos no processo desta urgente
aprendizagem.
Um segundo elo perdido:
Num quadro elaborado por Mejía Huanán (2018, p. 50), em duas
colunas, em que à esquerda está a ―Concepción de los conquistadores‖ e
à direita ―Concepción de los andinos‖, o autor contrapõe a concepção
individualista do homem (ocidental) e a concepção coletivista do homem
(andino). Na coluna da esquerda (Concepção dos conquistadores), coloca
a concepção individualista do homem. E na coluna da direita (Concepção dos
andinos), destaca a concepção coletivista do homem.
Não bastasse o testemunho deste sábio índio de língua quechua
inka, Dr. Mario Mejía Huamán, invoco o caso do índio kaigang de nome
Getúlio Narsizo. Getúlio é le mestrando da turma que ingressou no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) em 2018. Foi convidado
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por mim e pelo Prof. Dr. Ricardo Rezer, ambos titulares da disciplina
Educação e Produção do Conhecimento, no segundo semestre de 2018, para
ocupar o tempo de um turno de aulas para fazer uma explanação sobre o
pensamento kaigang. Para minha surpresa, (pois havia estudado algumas
obras sobre o pensamento andino), vi coincidência neste ponto: o pronome possessivo ―meu‖, suas formas do plural e do feminino não faz
parte do pensamento corrente, entre o povo kaigang, tal como entre a
polulação de língua quechua andina. Ali também, tal como ocorre entre
índios dos Andes, o ―nós‖ e o ―nosso‖ são os conceitos correntes da vida
dos índios. (Ah, o capitalismo ocidental/oriental teria muito a compartilhar com os índios dos Andes e dos índios kaigang!)
Aí está mais um elo perdido do pensamento dos povos indígenas,
quiçá também de outros povos autóctones pelo mundo, com o qual a
fusão de horizontes poderia ter-se dado de forma riquíssima, entre a cultura dos europeus e as culturas autóctones. Que rico entrelaçamento e
conúbio amoroso poderia ter surgido disto. Se nem tanto, pelo menos os
recorrentes genocídios, escravidão e marginalização poderiam ter sido
evitados.
O mestre e doutor em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino, professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD), publicou um pequeno
texto intitulado A ideia de justiça da na filosofia andina. Escreveu aí:
A vida não é um privilégio humano, mas é uma dádiva abundante para
todos os seres que coexistem junto às pessoas. Por isso, toda expressão
comunitária, a qual estimula novas responsabilidades, modifica a relação de dominação entre os seres humanos e a Natureza, descoloniza
saberes e amplia variadas e diferentes cosmovisões a fim de tornar o
Desenvolvimento Sustentável um projeto em permanente inquietação
e metamorfose [...] (2015, p. 1).
Com certeza, é condição sine qua non para a preservação ambiental de modo sustentável a ―expressão comunitária‖ a que se refere Fernandes de Aquino. O espírito do colonizador estava/está impregnado de
egoísmo que se arvora em proprietário da vida do diferente, o colonizado
e, portanto, passível de ser escravizado, comprado, vendido, assassinado,
espoliado até a morte do corpo e, antes disto, da alma. Foi ou não foi o
que aconteceu nas Américas? E o Brasil, por 300 anos (sic!) exerceu a
escravidão não só de negros, mas também de índios, ―peças‖, como eram
denominadas essas pessoas no mercado escravagista.
Aquino (2014, p. 1) recorre à
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[...] proposta do Buen Vivir, segundo o pensamento de Huanacuni
(2010, p. 46-47), um Direito Natural Ancestral Comunitário o qual não
se limita a aplicar castigos, nem reconhece que o Direito se destina
somente àqueles que detêm bens patrimoniais capital (ilimitado), tampouco se revela pela sua autoridade coercitiva a fim de garantir o mínimo de organização entre as pessoas para se ter uma convivência
mais harmoniosa.
Esta passagem nos faz refletir sobre a história do direito ao voto,
no Brasil. Até 1821, só os homens livres podiam votar: as eleições eram
marcadas por intensas e contínuas fraudes. Na fase imperial o direito de
votar pertencia a quem dispusesse de certo capital. Na república, menores
de 21 anos, mulheres, analfabetos, mendigos, soldados rasos, indígenas e
integrantes do clero estavam impedidos de votar.
Além do aspecto excludente das práticas eleitorais dos períodos
citados, ressai a prática individualista e egoísta da posse da propriedade
privada que determinava (e ainda determina) ―quem manda aqui‖. O
senso comunitário está, inclusive, sob grave suspeita do capital. Até líderes de alto escalão governamental fácil e irresponsavelmente veem ―comunismo‖ em qualquer proposta mais coletiva de ação ou de produção.
Neste sentido, o espírito de comunidade, de coletividade entre os povos
andinos e entre os indígenas brasileiros é um patrimônio ancestral. Não
raro, movimentos populares mais que legítimos são postos na categoria
de bandidos, de facínoras etc. Não cabe, aqui também, nenhuma narrativa romântica que falseia a história real, onde também sempre houve disputa, entre os indígenas. Se a narrativa de Hans Staden, Viagem ao Brasil,
publicado, originariamente, em 1557, na cidade de Margur, Hessen, na
Alemanha e editado, no Brasil, em 1930, não pode, quiçá, ser tomada, no
todo, ao pé da letra, o autor testemunha guerras bastante frequentes travadas entre povos indígenas brasileiros. Apesar disto, é de notar que não
são poucos os autores abalizados que destacam esse ―elo perdido‖ pelo
pensamento ocidental, do espírito de coletividade, de comunidade e colaboração homens-animais-mundo em geral. Segundo testemunha, ainda,
Aquino (2015), a Constituição da Bolívia se reporta à preservação da
natureza não como objeto, mas como ―ser próprio‖, com ―vida própria‖,
não tendo como destinação a instrumentalização dos desejos dos humanos apenas. Este conceito de natureza está bem próximo ao de pacha
andina, que é espaço, tempo e natureza. Mejía Huamán (2018, p. 45), com
grande força de testemunho de indígena andino ilustrado que é, nos atesta que ―En lo social, la concepción del hombre es colectivista, esto es que
al interior de la sociedade sus membros se encontrarán bien en la medida
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em que todos lo estén‖. De fato, como pode a elite brasileira (e de alhures) estar bem em luxuosos apartamentos cercados da mais profunda
miséria das favelas? É mesmo difícil estar bem assim. Mas é o que nos
legou um capitalismo selvagem que nos induz a entoar, com Chico Buarque de Holanda, a seguinte estrofe de
Funeral de um lavrador:
É a parte que te cabe deste latifúndio
É a terra que querias ver dividida
Estarás mais ancho que estavas no mundo
Mas a terra dada, não se abre a boca.
O que nos sobra, então, a nós viventes deste conturbado início
do século XXI? O desespero? A esperança? E parece que para certos povos, a esperança permanece sempre viva levando a vida para diante. Senão, vejamos um trechinho do prólogo do livro de Fernando Huanacuni
Mamani, intitulado Buen vivir/vivir bien: filosofía, políticas, estrategias y xperiencias regionales andinas (2010, p. 7):
Nuestros sabios dicen que estamos en el décimo pachakuti y todo va a
cambiar. Ese es el tiempo que nos ha tocado vivir. Por eso los pueblos
indígenas somos actores de este proceso de cambio. Un proceso que no
se limita a la defensa de los derechos, de los recursos naturales, de
nuestras organizaciones: es todo eso y mucho más. Es la defensa de la
vida, porque es la vida la que está en peligro. Se podrá salvar el planeta
– y lo va a hacer -, pero se va a salvar sin nosotros… si es que no hacemos algo.
Se estou discorrendo sobre os elos perdidos do pensamento, com
certeza, não exclusivamente andino, isto não significa entreguismo, fatalismo, desânimo, desesperança... Não. Há, neste retorno ao pensamento
ancestral andino e indígena de muitas nações das Américas, o incitamento à busca de outros caminhos epistêmicos, de outras inspirações, de
outras formas de pensar que levem a outras e possíveis formas de agir.
São verdadeiras e possíveis linhas de fuga, para visões de mundo diferentes. O texto de Mamani adrede citado não é ingenuidade e muito menos
ignorância. Muito menos! É sabedoria ancestral e respeitável. Quando o
índio mestrando Getúlio Narsizo nos expunha o pensamento kaigang,
em grande destaque de sua fala, sempre esteve a sabedoria ancestral. Para
o povo andino, terra, tempo, natureza (pacha). Não podemos esquecer (e
quase sempre e quase todos esquecem) que nações indígenas sobreviveram por milênios e milênios sem nenhuma necessidade do aval nem da
bênção, para o que quer que fosse, por parte da cultura ocidental euro-
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peia. Foram milênios e milênios de autonomia com outro sentido, muito
diferente do que se entende por ―sujeito autônomo‖, no Ocidente. Pois a
nómos (a lei, a regra), neste caso, é o compartilhamento no ―nós‖ coletivo,
terra, tempo, natureza. A desgraça, a escravidão, o genocídio, muitas
epidemias se disseminaram quando uma cultura muito avançada decidiu
que ―Quem sabe, somos nós‖. ―Quem tem a religião verdadeira, somos
nós‖. Portanto, ―Quem manda aqui, somos nós‖: ―Isto daqui nós descobrimos e é nosso‖. E isto permanece, em larga escala, até nossos dias1.
Quão longe está o pensamento colonialista do pensamento coletivista encontrado entre o povo andino e também entre o povo kaigang. Em
sua narrativa, o mestrando indígena e líder kaigang destacou incisivamente o senso do coletivo entre seu povo, herança ancestral, ocasião em
que também ressaltou a importância que ocupam os ditos ―velhos‖, dos
quais os mais jovem haurem a sabedoria de vida, bem como as práticas
culturais que perpetuam o povo.
Desde a fundação da filosofia moderna, por Descartes, o cogito
(eu penso) é dito no singular e, por óbvia concordância gramatical mas,
principalmente, conceptual, o verbo também é pronunciado no singular:
sum (eu sou). Fica, assim, o sujeito moderno auto-instituído. Propriedade
privada, propriedade particular e coisas que tais, passam até a ser denominadas de ―sagradas‖, ou seja: transcendentais, portanto, ―realidades
em si‖, aistóricas, verdadeiros transcendentais metafísicos.
Outro importante anel perdido diz respeito ao sentido do trabalho
do homem e da maternidade da mulher.
Nisto, nós, os de cultura eurocêntrica não podemos esquecer
nossa carga histórica do semitismo. Esta cultura é profundamente judaico-cristã. Até o símbolo maior do cristianismo é a cruz (sofrimento, morte, castigo...). Pior: o próprio ―banquete eucarístico‖ é ―santo sacrifício da
missa‖. E do judaísmo, herdamos alguns castigos imensos: o pecado original, que nos mereceu a expulsão do paraíso: ―Com o suor do teu rosto
comerás o teu pão, até que voltes ao solo, pois da terra foste formado;
porque tu és pó e ao pó da terra retornarás‖ (Gênesis, 3:19).
1
Para não sermos injustos, há, sim, em nosso tempo, muitas pessoas da Europa muito
preocupadas com os rumos que o pensamento mundial eurocêntrico tomou. Não
caberia, evidentemente, neste trabalho exíguo, fazer o status quaestionis a respeito. O
nome, porém, de Boaventura de Souza Santos deve ser destacado, no concerto de
outros autores. Entre outras obras, podemos indicar: Epistemologias do Sul, obra
organizada por Boaventura de Sousa Santos e Maria Paula Meneses (2010).
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Mario Mejía Huanán escreve: ―El trabajo del varón y el alumbramento de la mujer son la expressión más alta de júbilo, y finalmente
que solamente existe el bien o lo bueno (allin) y no lo malo como ente
real‖ (2018, p. 45). Difere muito o conceito de trabalho nas duas culturas:
a ocidental e a andina: desde a etimologia da palavra trabalho, ou seja: do
latim tripalium; instrumento de tortura. O livro do Gênesis não deixa a menor margem de dúvida quanto ao sentido de castigo em consequência do
pecado de Adão, dando ouvidos a Eva, no paraíso. A consequência foi
imediata: expulsão do jardim de delícias, pra assumir o trabalho sofrido
de onde deveria resultar o alimento diário. Há que se notar também a
diferença de salário que ganha o trabalhador braçal, em relação aos profissionais ditos liberais. O trabalho braçal mantém o caráter de escravidão,
enquanto se opõe ao trabalho livre dos liberais, ou seja, dos homens livres.
O senso de coletividade e partilha do pensamento índio dos andinos torna o fardo do trabalho (que aí não é visto como ―fardo‖) menos
pesado: porquanto aí se trabalha ―en lo social‖, como mostra Mejía Huanján, no interior de um espírito coletivista, compartilhado. Este filósofo
também aponta de modo esperançoso, para mudanças profundas que se
vão construindo, quando diz: ―Efectivamente al concluir el Siglo XX la
ditadura de la Racionalidad Occidental llega a su fin, y con ella también
de la Modernidad‖ (2018, p. 44). Alhures ele ressalta que a assim denominada pós-modernidade abriu possibilidades novas de acolhimento das
diferenças e dos diferentes. De fato, entre os autores colocados no contexto da pós-modernidade/pós-estruturalismo como Jacques Derrida, Felix
Guattari, Jean-François Lyotard, Michel Foucault e tantos e tantos outros, incluídos muitos educadores e pensadores brasileiros, de há algumas
poucas décadas se movem num contexto claro da lógica da diferença e não
mais pela lógica da identidade que se prestou a exclusões genocidas descomunais e assombrosas e, mercê de sua absorção pelo capitalismo, prosseguem reproduzindo a exclusão de toda ordem, impondo sofrimentos
inauditos de minorias e dos diferentes, por muitas formas. Veja-se, por
exemplo, quão recente são as reais preocupações com os portadores de
necessidades especiais. E quanto ainda resta a aprender, neste campo do
conhecimento, ainda hoje. Contudo, merece, também, recordar o movimento dos assim denominados (costumeiramente com letra inicial maiúscula), Estudos Culturais. Derrubaram as barreiras entre a cultura de
elite/superior e a cultura popular. Nisto também, foram acolhidas muitos
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outros movimentos, dando-lhes suporte argumentativo, como o movimento feminista, de gênero, de raça, de etnia, de cor and so on.
Conclusão
Se torna até difícil, para mim, grafar a palavra ―conclusão‖ – um
neófito a despertar de um letargo provocado por um ―sono dogmático‖
acerca da Filosofia em geral e da Filosofia da Educação, em particular.
Se a Immanuel Kant, o toque de despertar foi a leitura de David
Hume, para mim, foi a leitura de Mario Mejía Huamán. Depois, na continuidade, também de Josef Estermann. Penso que foi um encontro feliz:
Ireno encontrou um índio de língua quechua inka, pessoalmente, e um
suíço, este, em uma de suas importantes obras. Era o primeiro passo de
um neófito, iniciante no pensamento andino em particular e indígena, em
geral, par não dizer, com mais exatidão, latino-americano, repertório de
tão numerosas culturas ameríndias. Neste encontro, dei-me conta de que
na história do pensamento, uma série de anéis que ligam o pensamento do
Ocidente, ao Oriente, se perderam. No que toca à minha parte, elos importantes que poderiam ter dado outro rumo à história de todas as Américas. Assim, sem a menor pretensão de fazer um estado da arte, decidi-me
por concentrar a atenção sobre uns poucos conceitos colhidos na literatura que trata do pensamento indígena, mormente o andino, fazendo uma
hermenêutica apenas quam satis, para que nos possamos dar conta da
importância que tais conceitos mantém inalterada e que, quiçá, em nossos conturbados e obnubilados tempos, os reencontremos, ainda que
muito, muito devagar, para que as conturbadas relações humanas possam
haurir deles novas posturas que possam gerar novas ações ecológicas lato
sensu: um compartilhar de horizontes culturais e filosóficos em outras
bases, sem cair nas armadilhas de romantizar as culturas autóctones, pois
é o que mais se têm feito, com resultados os mais indesejáveis. Basta
pensar em muitas e históricas comemorações do dia do índio: mais serviram para que desconheçamos do que compartilhamos com eles a sabedoria ancestral que os fez sobreviver por séculos e séculos, sem nós, os da
cultura eurocêntrica.
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SABERES POPULARES NA
EDUCAÇÃO INDÍGENA
Ana Lúcia Castro Brum
Danielle Brum Ginar Telles
Introdução
A América Latina, no século XX, foi palco de resistência, de
muitos movimentos estudantis e associação de magistério para a justiça
escolar. A escola como espaço de resistência para a recuperação da palavra e a busca de novas alternativas. A escola é um lugar permanente de
conflitos e negociação. A escola pode rechaçar e tornar ineficiente as
tendências educativas.
Segundo Méndez (apud Claudio Bogantes, 2009, p. 61), ―a labor
da escola contém em si um importante gérmen de libertação‖, Bogantes
enfatiza a importância de educadores do pensamento crítico da América
Latina como José Martí, Omar Dengo, Carmen Lira, Alberto Masferrer e
Mélida Anaya Montes como professores com autonomia para propor
novas alternativas. A educação escolar pode ser utilizada para o controle
social como também para a emancipação.
No século XIX, em 1846, um juiz em El Salvador, descreveu os
indígenas que se revoltaram contra o regime, como perversos, pois sabiam ler e escrever. A escrita, a linguagem, a memória coletiva, a experiência de encontro com ―outros‖, a arte, a religião, os novos idiomas podem
converter-se em ferramentas para a demanda da justiça cultural. Segundo
Sacristán e Pérez, quanto ao conhecimento:
[…] o conhecimento é cada vez mais público e cada vez menos monopólio da escola. A história, a memória coletiva, as evidências de diversidade cultural, étnica, religiosa, assim como a arte em todas as suas
expressões e com todas as suas mensagens e forças interpretadoras,
existem, mesmo que o próprio sistema educacional tente enfraquecêlos. E existem dentro da escola, vizibilizados por docentes e comunidades educativas mais conscientes da função social e política da educação. (MÉNDEZ, 2009, p. 65).
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Na interculturalidade se estabelece um diálogo com o outro. O
outro tem algo a me dizer, parte-se de histórias e memórias diferentes; o
pensamento passa a ser situado, partindo do tempo e espaço de quem
fala. A respeito disto, Fornet-Betancourt:
[...] Y me parece que no se trata de repetir ideas aprendidas porque lo
decisivo para el mundo intercultural que queremos, y debemos, construir, es precisamente superar lo aprendido el la educación de la cultura
hegemónica para aprender de nuevo em y con la gente, es decir, trabajando con la gente, compartiendo sus miedos y preocupaciones, asimismo sus esperanzas y sus muchas iniciativas en favor de una vida
digna, justa y, por tanto de convivencia. (FORNET-BETANCOURT,
2004, p. 85)
O diálogo intercultural exige de todas as culturas, a alteridade –
encontrar o outro – com base no respeito; opta pelo enriquecimento mútuo. Na educação indígena o diálogo intercultural, se dá na autonomia
dos povos indígenas, quando eles são os atores da educação, da práxis,
onde existe o respeito pela identidade do seu povo.
Segundo Menezes, (apud Costa e Machado, 2014, p. 287) é preciso outro para que possamos pensar comprometidos com a mudança, e
será no diálogo que o pensamento reaprende a pensar. Há, portanto, um
processo pedagógico, ético, revolucionário, político e amoroso em relação ao pensar e seu compromisso com as questões do nosso tempo, em
que o tempo é sempre outro como nos diz Levinas. E é nesse sentido que
queremos pensar a interculturalidade como uma práxis que é libertadora.
Para o desenvolvimento desta reflexão trago três princípios que são fundamentais: ética, amorosidade e esperança.
A ética assume características próprias do pensamento freireano,
sendo imprescindível para a educação escolar indígena, pois a educação
jamais pode prescindir da formação ética.
A educação escolar indígena deve ser orientada pela ética, e pelo
respeito humano, a convivência respeitosa com o outro. Educar, existir
na dimensão do humanismo, só é possível a partir da ética, da solidariedade e da justiça. Segundo Freire (1997, p. 37), [...] se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos, não pode dar-se alheio à
formação moral do educando. Educar é substantivamente formar.
Quando se defende a ética na educação, estamos defendendo
uma vida digna para todos e todas, com luta por mais justiça e igualdade
social.
A amorosidade freireana se manifesta no compromisso com o
outro, na solidariedade e na humildade, no respeito com as diferenças; a
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amorosidade anda de mãos dadas com a ética para a libertação dos homens e mulheres. A educação escolar indígena fundada na amorosidade,
no amor, na fé, no amor à natureza, na fé dos homens e mulheres em
busca da libertação destes sujeitos sociais.
A esperança se faz necessária para que a desesperança não vença
a luta pela dignidade humana. Segundo Freire (1992, p. 10), a esperança
é necessidade ontológica; a desesperança, esperança que, perdendo o
endereço se torna distorção da necessidade ontológica. A esperança freireana se faz necessária para a educação escolar indígena, onde junto com
a ética e com o amor, a partir do diálogo, os homens e mulheres lutem
por uma sociedade mais solidária.
Segundo Zitkoski, Schinelo e Chamorro (2010, p. 37), Freire explicita a necessária coerência entre teoria e prática e os fundamentos da
verdadeira dialogicidade que devem fundamentar todo e qualquer projeto
de Educação Popular que pretende afirmar-se de modo progressitaemancipatório. Podemos dizer que o pensamento pedagógico freireano é
provocativo e instigante, porque está sempre em movimento, aberto às
diferenças culturais e aos novos desafios diante das realidades sociais.
Torna-se, então, fundamental, a relação da Educação Popular com a
Educação Indígena, uma vez que, a Educação Popular tem revelado –
desde a origem – seu compromisso ético com os oprimidos ou com as
vítimas de todos os processos de opressão social.
A educação assim tornou-se um processo de humanização como
prática para a libertação de homens e mulheres que têm seus direitos
violados; a luta pela liberdade. O que é humanização para o povo indígena? Os povos indígenas partilhavam sua cultura, dança, música, cosmologia (o seu modo de viver), o respeito com a natureza, para assim espalhar o bem viver indígena para os outros povos. Esta relação profunda,
em que o indígena é a própria natureza, nos permite inclusive outra compreensão de humanidade.
Devemos nos aproximar da história dos povos indígenas, para
conhecermos a cultura e seu modo de viver/sentir, pensar a educação. A
educação indígena proporciona outra visão de educação, em que a educação se dá na natureza, na dança, na história, no mito.
O caminho do diálogo intercultural
Ernani Maria Fiori, filósofo gaúcho, escreveu o prefácio do livro
―Pedagogia do Oprimido‖ no qual inicia falando que Freire é um pesqui-
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sador que pensa a existência, a vida, pensa a educação como prática de
liberdade. A prática da liberdade só terá expressão na pedagogia em que
o oprimido se descubra e seja sujeito de sua própria história.
[...] é a própria dialética em que se existencia o homem. Mas para isto,
para assumir responsavelmente sua missão de homem, há de aprender
a dizer a sua palavra, pois, com ela, constitui a si mesmo e a comunhão humana em que se constitui, instaura o mundo em que se humaniza, humanizando-o. Com a palavra o homem se faz homem. Ao dizer a sua palavra, pois assume conscientemente sua essencial condição
humana. (FIORI in FREIRE, 1987, p. 13).
Aprender a escrever a sua vida, como autor, historicizar-se.
Aprender a ler e escrever são um ato de coragem, um ato libertador. A
palavra viva é diálogo, o diálogo autêntico é o reconhecimento do outro e
de si. Assim os homens humanizam-se para construir um mundo novo.
Dizer a sua palavra é assumir-se como sujeito da sua história em colaboração com os demais trabalhadores.
O princípio da escuta sensível foi fundamental na pesquisa. Para
Paulo Freire a prática pedagógica progressista, não se faz apenas com
ciência e técnica, mas também com virtudes, como aceitar a diferença é
uma dessas virtudes, para isto sem a escuta isso não acontecerá, não se
dará o diálogo. Segundo Freire (1996), a escuta é ―a disponibilidade permanente, por parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do outro,
ao gesto do outro às diferenças do outro.‖.
A escuta sensível se constituiu na metodologia participativa onde
possibilitou o entendimento da fala dos atores da educação indígena, dos
povos indígenas de etnias guarani e kaingang.
O povo indígena Guarani que vive no Rio Grande do Sul, na região sul do Brasil, é um povo que preserva a língua originária, os modos
de vida própria da cultura. Segundo a professora e historiadora Maria
Aparecida Bergamaschi o guarani vivem em harmonia com a espiritualidade:
[...] os Guarani são hoje reconhecidos pelos estudiosos e pelas pessoas
que com eles convivem mais profundamente como os ―Teólogos da
América do Sul‖, como detentores de uma espiritualidade que perdurou aos séculos de colonização e de um saber perpetuado nas Belas Palavras, cuja profundidade e riqueza resistiu a muitos assédios. Foi essa
religiosidade que conformou um modo de vida, o Nhande Reko, suporte necessário para os Guarani sobreviveram como tal. (MENEZES
e BERGAMASCHI, 2015, p. 70).
Outra característica marcante na educação guarani é a delicadeza
e afetividade com que as crianças são cuidadas pela comunidade. A ma-
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neira livre de criar as crianças; as levam a nunca fazer algo que desagrade
seus pais, a criança quando pequena, passa grande parte no colo, as crianças não choram e brincam sema intervenção dos adultos, pois têm que
aprender sozinhas. Para o filósofo cubano, Raul Fornet-Betancourt, a
oralidade é a expressão da cultura de um povo. A respeito disso, refere-se
o autor:
Las cosmovisiones se mueven en otro horizonte y contribuyen a fundar
una cierta singularidad en sus respectivas culturas, que en parte tiene
que ver con la dimensión de la oralidad, ya que es expresión de culturas que han conservado una cierta experiencia vital colectiva; sabiduría
originaria que se transmite como sapiencia integral, y el no es individual, que la aprende, sino que la colectividad es la que la sostiene como una memoria de todo lo común que es indispensable recordar para
organizar la vida material. (FORNET-BETANCOURT, 2004, p. 33).
A oralidade está presente em toda a cultura guarani, o respeito
aos mais velhos ―sábios‖ passam a cultura para as novas gerações, e o
respeito a cada pessoa na sua individualidade. A oralidade presente na
fala, mas também, na escuta respeitosa e atenta à palavra.
O povo kaingang foi um povo numeroso que viviam em um
grande pedaço de terra no território brasileiro, hoje, existem cerca de 30
terras indígenas demarcadas e diversos acampamentos nos estados do
Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Para o povo
kaingang a terra é muito importante, eles mantêm uma forte ligação com
ela, tendo sua forma de viver e sua cultura, relacionadas com a terra. A
tradição conta que o povo kaingang surgiu do solo, por isto a cor da pele
ser cor de terra.
A educação kaingang é entendida como um processo que vai
além da escola. A família ensina a cultura para os filhos aprender a língua, falar o kaingang, para falar com os anciãos, com a comunidade. O
povo kaingang vive do artesanato que faz com a matéria prima retirada
da natureza, sem danos, sem destruição do meio ambiente. Cleuza Lopes
(apud Schiwingel e Pilger, 2014, p.24) - kaingang – explica que a presença
das crianças junto com os pais durante a venda do artesanato é algo que
faz parte da cultura kaingang, pois a criança acompanha os pais e é desse
jeito que também aprende sobre o ser kaingang.
Os protagonistas da educação indígena são os sábios (mais velhos de cada comunidade), os professores (as) das escolas e os formadores
indígenas e não indígenas da Universidade. São eles que mostrarão o
horizonte que devemos seguir, o caminho da educação indígena que
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percorreremos. Os sábios (as) indígenas são os anciões do teritório indígena, são os mais velhos da comunidade.
Os velhos indígenas são considerados a biblioteca viva dos povos
indígenas, e passam a sabedoria ancestral do povo originário.
Com a palavra Dona Iracema (sábia kaingang). Trazemos a palavra de uma feminista indígena que luta por uma vida com mais humanização para os povos indígenas, que luta pelos direitos de todos e todas,
que luta pela voz dos indígenas, que tem esperança em uma terra em que
todos (as) vivem em harmonia.
A palavra da feminista indígena Iracema Gathe Nascimento, da
etnia Kaingang, do território indígena de Nonoai. Esta história foi construída a partir de uma entrevista na casa da Dona Iracema, em junho de
2018; do nascimento à adolescência Iracema nasceu em Nonoai, no dia
23 de Setembro de 1963, nas mãos de sua avó, que cortou o cordão umbilical e depois seu avô deu o banho no rio.
Aos 9 anos foi para a escola, a professora Inês (não-indígena) falou sobre o descobrimento do Brasil, disse que o país havia sido descoberto e Iracema falou: ―Não. Não foi descoberto, nós já tava aqui.‖ A
professora Inês disse que era mentira da Iracema e com uma régua de
madeira bateu nas suas mãos e depois a colocou de joelhos sob os milhos.
Iracema voltou para casa e contou para o avô o que havia ocorrido, e ele
nunca mais a deixou ir para a escola.
Os Kaingang, que já viram seu idioma em estágio de crise muito
preocupante, inclusive num passado não tão distante. (BERGAMASCHI
E VENZON, 2010, p. 74). Conheceu então, João Padilha, também Kaingang, que trabalhava como voluntário na Associação ANAÍ, que lutava
pela causa indígena; ajudava quem queria sair das comunidades indígenas que eram subordinadas e tinham conflitos com a FUNAI. Sr. João
conseguiu recursos para trazer mais parentes do Paraná, foi então que
conheceu a Iracema e seus filhos. Ele soube que ela estava sem marido e
pediu para o pai dela cuidar dela e de seus filhos. Iracema: ―A gente se
juntou e foi morar na Lomba do Pinheiro com os Guarani.‖.
Em 2000, a luta começou na universidade, pois era pra quem pagava. Então Sr. João iniciou o debate sobre a reserva de vagas para os
estudantes indígenas na universidade. Foi convidado pela João Maurício
para ir na Reitoria da UFRGS, para
lutar pelas vagas. Sr. João e mais parentes Kaingang e Guarani fizeram um movimento de luta, no pátio da reitoria, e então foi concretizada a reserva de vagas.
Sr. João: ―Abriu as porteiras para todo o pessoal… foi muito duro.‖.
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Hoje ainda se tem muito pelo que lutar, pois não tem um ambiente saudável, com segurança. Ainda não se tem uma casa de estudantes
indígena. Em 2013, começou a participar dos Saberes Indígenas nas escolas, uma formação continuada para professores Kaingang e Guarani.
Dona Iracema é uma pesquisadora indígena. Esse ano em abril,
Dona Iracema foi para o Movimento ―Terra Livre‖, ato em defesa dos
direitos indígenas de todo Brasil, em Brasília. Passeata pela Educação e
Saúde, pela Demarcação Já e pelo Marco Temporal. Iracema: ―É um
movimento para incentivar os jovens para lutar pela terra... foi muito
bom… todos os movimentos sociais juntos.‖ Iracema: ―Em Brasília, na
terra livre, falei: que tem que botar um indígena aqui, no Congresso, que
é a nossa casa também, que vai lutar pela Demarcação Já. Ocupar o
Congresso, nós no Sul pensamos nisso…‖.
Então saiu o nome da Sônia Guajajara para vice-presidência do
Brasil. Iracema: ―Tem que ter um partido dos indígenas, ser aprovado no
Congresso.‖ (Junho, 2018). Essa história é um pouco da palavra de uma
indígena feminista que nos mostra o seu caráter. E nos ensina o caráter
educativo dos Movimentos Sociais, o movimento indígena deve unir
todos os indígenas para lutar pela terra, porque a terra é que nos dá o
alimento, a natureza é o nosso bem maior. Tenho a honra de conviver
com a Dona Iracema e poder compartilhar da sua sabedoria e da sua luta.
Considerações Finais
A linguagem permite interpretar, nos torna sujeitos capazes de
entender e recriar a realidade possibilita o diálogo, é através da linguagem que podemos manter relações com nós mesmos e com os outros. A
história, a recordação, a memória, a celebração são possibilidades emancipadoras. A memória como fonte de identidade dos diferentes povos. A
consciência da diversidade, o encontro com o outro, desmascara a invisibilidade da diversidade cultural e étnica da América Latina.
A arte é um dos canais de transmissão das tradições dos diferentes povos, onde expressam suas esperanças e utopias. A música e a dança
expressam a resistência, os contos que são transmitidos oralmente, expressam a história de luta de cada povo. Sendo assim, a história, a consciência da diversidade cultural, a arte, a linguagem são ferramentas da
educação para a emancipação dos povos ou para a negação e exclusão
desses povos, mas precisamos de educadores que façam o seu papel político na educação.
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O diálogo intercultural propõe uma atitude ética, e comprometida com a libertação da humanidade. A educação indígena está baseada
nos princípios da interculturalidade e da solidariedade, assegurando manifestações culturais, relações mediadas pelo outro e pela cultura.
Ao ouvir os sábios indígenas percebemos que além de carregarem uma carga de importância nas suas comunidades em virtude de suas
idades, eles possuem muito conhecimento ancestral que é repassado de
geração em geração. Eles ensinam os jovens a respeitar a natureza, a
ouvi-la; ensinam que também fazemos parte da natureza e que dela conseguiremos retirar tudo que for necessário para nossa sobrevivência enquanto humanidade. A educação indígena está encharcada de sentimentos, de poesia com saberes diferentes, que tem para compartilhar, numa
relação dialógica, onde ninguém sabe tudo, ninguém ignora tudo, mas
existem saberes diferentes, uma sabedoria milenar que passa de geração
para geração.
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A CULTURA KAIGANG ENCONTRA A
CULTURA EUROCÊNTRICA NOS ESPAÇOS
FORMATIVOS DE UMA LICENCIATURA:
LOCALIZANDO DIÁLOGOS,
ESTRANHAMENTOS, IMPOSIÇÕES E
SUPERAÇÕES
Elisabete Cristina Hammes
Mairon Escorsi Valério
Introdução
Este estudo busca situar os povos indígenas frente ao conhecimento científico que opera nas instituições de ensino superior. Mais especificamente, sobre como o modelo científico dominante tem ajudado a
produzir colonialidades e epistemicídios1. Os epistemicídios, que ocorrem
pela negação dos conhecimentos e formas de ser e de viver dos povos que
antecederam a colonização do Brasil, pela proibição e desvalorização de
suas línguas, substituídas pela língua do colonizador, pelos processos
educativos específicos anulados, a partir de metodologias orientadas para
a supressão de suas tradições e progressiva substituição pelo modelo europeu colonizador.
Os primeiros moradores destas terras da América Latina não se
identificavam como indígenas. Passaram a sê-lo contra a sua vontade, em
um processo de mais de 500 anos de dominação, colonização e extermínio, seja de suas existências, seja de suas culturas. Para que estes fossem
fiéis súditos de reis e rainhas que os julgavam seus, reduziram a diversidade de povos e culturas à homogeneizante classificação de indígenas.
Passados quinhentos anos deste processo colonizador, que subalternizou
povos e territórios tornados colônias europeias, exploradas à exaustão, os
1
Silva e Pinho (2018) caracterizam epistemicídio como um mecanismo de apagamento
epistemológico de povos secularmente oprimidos que corrobora com o cenário de
marginalização social que se perpetua até a atualidade.
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processos educativos seguem sendo instrumentos deste projeto de subserviência.
Este estudo nasce de minha vivência junto aos colegas Kaingang
do curso Interdisciplinar em Educação do Campo: Ciências da Natureza,
do qual sou aluna, e da reflexão de como se relacionam com o conhecimento científico a partir de suas formas de compreender e conceber a
existência. Ao analisar os processos educativos vivenciados nesta graduação, é possível perceber o quão pouco sabemos de sua cultura, suas formas de compreender e estruturar o conhecimento, e as dificuldades que
vivenciam ao interagir com um curso em uma universidade que não considera suas especificidades e concepções de mundo e impõe como lógica
dominante a ciência ocidental.
Esta problemática surge a partir do ano de 2014, na Universidade
Federal da Fronteira Sul, Campus Erechim – RS, quando no segundo
processo seletivo realizado, um público totalmente inesperado surge. A
partir do ingresso de seis acadêmicos indígenas na segunda turma, no ano
de 2014, sua presença tem aumentado ano a ano, fazendo do campus
Erechim aquele com maior presença de acadêmicos indígenas.
Estes acadêmicos, por não serem inicialmente o público alvo desta licenciatura, trazem um desafio para a universidade como um todo:
suas culturas, suas línguas, suas visões de mundo não encaixam nas gavetas que a academia costuma organizar. Os desafios que encontram na
universidade são muitos: a dificuldade com a língua portuguesa, a distância da família, as exigências de dominar conhecimentos e conceitos de
outra cultura, com outras lógicas. Muitos ficam pelo caminho, outros
resistem e prosseguem. Como acadêmica da primeira turma do curso de
Educação do Campo, tenho acompanhado seus dilemas, dificuldades,
superações, e os processos adaptativos que este espaço de formação vem
sofrendo a partir da inserção destes acadêmicos, de suas formas de organização, de suas demandas específicas e diferenciadas. Buscando melhor
compreender como poderia se estruturar um curso de licenciatura voltado
às especificidades deste grupo, no segundo semestre de 2018, no mesmo
período onde ingressei no mestrado, desenvolvi o Trabalho Final de Graduação enfocando as Licenciaturas Interculturais. Através da análise dos
Projetos Pedagógicos dos Cursos de Licenciatura Intercultural com ênfase em Ciências da Natureza, busquei localizar de que forma estes cursos,
organizados especificamente para o público indígena, estabelecem relações entre cultura e ciência. Ou seja, de que forma organizam os conhe-
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cimentos das culturas originarias, na relação com o conhecimento acadêmico/científico na perspectiva da interculturalidade. A partir da análise dos Projetos Pedagógicos de cinco cursos, foi possível perceber que os
cursos de educação intercultural estão em processo de construção, mas já
apresentam algumas contribuições importantes na sua organização, permitindo que o conhecimento dos povos originários possam compor e
integrar os processos formativos destas licenciaturas. A possibilidade de
construção de interepistemologias, ou seja, a organização, no campo
científico, de relações entre duas epistemes2: aquela imposta pela racionalidade ocidental, e aquela produzida pelas culturas originárias, foi um
princípio que se destacou nesta análise. É deste caminho, proposto por
Mignolo (2005) e Walsh (2013), que se propõe, primeiramente, uma realocação dos papéis impostos pelo racismo epistêmico aos chamados indígenas, sob duas perspectivas: a primeira, de passarem de meros objetos de
estudo a produtores de conhecimento. E na esteira desta rebeldia à orientação eurocêntrica, os seus saberes serem considerados válidos, como
conhecimentos que, apesar de não serem resultado de pesquisas nos moldes científicos eurocêntricos, são conhecimentos produzidos e sistematizados a partir de suas formas próprias de organização. Disso resulta um
grande desafio: a apropriação destes saberes nas práticas formativas do
ensino superior. Ou seja, como poderemos colocar em diálogo um conhecimento que até hoje não tem sido autorizado a compor a formação
do e no ensino superior?
Para melhor compreendemos porquê e como os povos tradicionais tem
seu conhecimento desvalorizado, inferiorizado e invisibilizado, de forma
a passar despercebido nos processos educativos e científicos de nossa
sociedade, buscamos a lógica desenvolvida pelo pensamento decolonial,
por permitir o desvelamento da razão imperial e apontar para adoção da opção decolonial.
2.
Decolonialidade e epistemologias outras
Entendemos a colonização como um projeto de dominação imperialista, originado e encampado por alguns países da Europa, que se
dedicaram a tomar para si territórios e populações de sua periferia, enriquecendo-se a partir da expropriação de suas riquezas (minerais, vegetais,
humanas e culturais) e a partir delas promovendo o que se conceituou
2
Saberes, conhecimentos.
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como modernidade. Este processo ocorreu produzindo subjetividades,
visões de mundo a partir do modelo imposto pelos colonizadores, a partir
de suas formas de organização, educação, ética e ciência. Sua ação provocou alterações nas formas de organização dos seus domínios, e restrições nas formas originárias dos povos viverem e conviverem com a natureza. Produziu, assim, a razão imperial. Para Mignolo (2008, p.291),
―uma das realizações da razão imperial foi a de afirmar-se como uma
identidade superior ao construir constructos inferiores (raciais, nacionais,
religiosos, sexuais, de gênero), e de expelí-los para fora da esfera normativa do ‗real‘.‖ Permanecer na razão imperial é permanecer dentro da
política imperial de identidades, e recuperar identidades outras, significa
adentrar nos caminhos da decolonização. Para Ndluvu (2014, p. 136)
[...] decolonialidade é uma maneira crítica de pensar a partir de lugares
epistêmicos ex-colonizados que procuram dar sentido à situação da
população de ex-colonizados dentro do sistema mundial atual, que
Mignolo (2000) descreve como o moderno sistema-mundo cristão, centrado na experiência euro-americana, patriarcal, capitalista, heteronormativa, racialmente hierarquizada, que surgiu no século XV. É esta
maneira crítica de pensar do sujeito colonizado que deve desafiar o
atual sistema mundial e abrir espaço para o que é amplamente visto
como ―conhecimentos indígenas‖ do mundo não-ocidental para contribuir também à imaginação do futuro do mundo em que todos vivemos.
A colonialidade produziu formas de existir que condicionaram
nossas formas de ser, de viver e de compreender o mundo e a relação
entre seres humanos entre si e com a natureza. Compreender este processo, sob esta perspectiva, tem sido um desafio para a academia. Mas a
partir de sua compreensão, forja-se a opção decolonial. Permite-se, a
partir dela, considerar os povos indígenas como sujeitos de direitos, reconhecendo seus conhecimentos ancestrais e milenares, suas formas de
organização, de relação harmônica com a natureza. Busca-se que seus
processos educativos sejam assumidos por professores de suas aldeias,
quando forem aldeados, ou que sejam integrados nos sistemas de ensino
nas cidades onde residem, quando não aldeados.
Mas, seria possível a garantia dessa premissa se estes docentes
indígenas estão sendo formados em instituições orientadas pela ideologia
do colonizador? Com docentes, no ensino superior, também formados
neste viés, e, incutidos em seus processos compreensivos uma cosmologia
ocidental?
Encontramos aí um impasse. E, na sequência, a partir das próprias experiências destes discentes em formação nas instituições de ensino
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superior, outro questionamento tem emergido: seria possível que o modelo científico utilizado na academia, que tem orientado o processo formativo, e que tem suas bases no modelo científico ocidental, etnocêntrico,
reducionista e racista, pudesse dar conta das demandas destes povos, sem
entrar em contradição com suas especificidades? Não estaria esta formação superior marcadamente voltada à continuidade do processo colonizador, ainda que com algumas adaptações e concessões às demandas dos
grupos indígenas sujeitos deste processo?
Desvelar e buscar compreender estas distintas percepções e formas de entendimento de mundo nos exige algumas ferramentas. A lógica
decolonial nos permite iluminar um processo que está subjacente à tarefa
que muitos docentes se colocam na academia, que é de ensinar aquele
que não sabe a ―fazer certo‖. Parte-se do princípio que o conhecimento
acadêmico é o suprassumo da produção científica, e que aqueles que
chegam à universidade, principalmente os indígenas, não possuem conhecimento que possa ser apropriado pela academia, devendo apenas
aprender com aqueles que sabem. Esta lógica lembra Paulo Freire (1981),
que já denunciava tais compreensões, assim como Fanon (2008), Memmi
(1989), entre outros, locutores/intérpretes do colonizado, que, por sua
vez, antecederam os estudos mais recentes da perspectiva decolonial.
A partir dos estudos da decolonialidade compreendemos que a
formação superior, de forma geral, promove a continuidade do processo
de colonização destes povos, iniciado a cinco séculos pelos jesuítas. Simplesmente porque a lógica se manteve, pois continua se negando e desvalorizando suas culturas, conhecimentos e especificidades, pela imposição
de um ensino descontextualizado, dissociado das totalidades presentes
nas culturas indígenas, exigindo individualidades, quando estes se expressam e trabalham para coletividades, demandando textos escritos e na
língua portuguesa a povos onde a oralidade, o aprender fazendo, as relação de proximidade com a natureza ainda operam como marcadores de
significado e métodos de produção de conhecimento e vida.
Estes questionamentos possivelmente estarão presentes no cotidiano formativo de nossos estudantes e, por vezes, percebidos pelos docentes. Neste sentido, pergunta-se:
Como poderia ser estruturada esta(s) ciência(s) outra(s)? Retomando a história da ciência ocidental, que dá sustentação a esta racionalidade, percebe-se como este paradigma científico se moldou aos interesses de determinados povos (inicialmente localizados na Europa Central),
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a partir de seu ímpeto colonizador, e das políticas imperialistas e mercantilistas que se apresentavam.
Podemos localizar o processo de racialização e hierarquização
que surge com o profundo estranhamento resultante do contato com
outros povos que não os europeus, especialmente aqueles que viviam
mais próximos da natureza, que estavam mais distantes do estilo de vida
e das cosmovisões ocidentais, e por isso mesmo, mais sofreram preconceito e foram negativamente caracterizados. Mignolo entende que: ―A
matriz racial de poder é um mecanismo pelo qual não somente as pessoas, mas as línguas e as religiões, conhecimentos e regiões do planeta são
racializados.‖ (2008, p. 293). A lógica da diferenciação e hierarquização
através da raça foi uma metodologia empregada para distinguir e diferenciar este outro, caracterizado como selvagem e, aos olhos do colonizador,
pouco civilizado, contribuindo assim na produção do racismo científico
do século XX.
Ao se estruturar o modelo científico, a partir desta diferenciação
e estranhamento a estas diferentes formas de ser e de viver, as interpretações baseadas em mitos foram sendo desautorizadas, e substituídas pela
racionalidade científica. Desde então, as diversas culturas e povos do
mundo teriam a ciência universal (ocidental) para responder suas perguntas e resolver seus problemas. Assim como também deveriam adotar suas
tendências religiosas. Todos os elementos constitutivos destes povos que
pudessem oferecer resistência ao modelo imposto pelo colonizador e
fortalecer suas identidades originárias foram sendo sistematicamente
substituídos, sendo desacreditados e desvalorizados, e caracterizados
como conhecimentos ultrapassados.
A modernidade se organiza e se impõe, assim, a partir da projeção do futuro, do descrédito e desvalorização do passado, das tradições e
dos conhecimentos ancestrais. Sustentada pelo processo colonizador, esta
modernidade projeta a Europa como centro produtor de conhecimento, e
a ciência ocidental torna-se a forma de desvelar a verdade e estabelecer o
progresso. O conhecimento tradicional e suas tecnologias e conhecimentos são, a partir do advento da modernidade, instrumentos ultrapassados.
O mecanismo da modernidade/colonialidade é assim colocado em prática.
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A ciência ocidental e o processo de fragmentação dos mundos
Perceber o mundo de forma fragmentada e em pares opostos é
uma característica do pensamento ocidental. Desvelando o processo de
construção da ciência ocidental, torna-se claro como, a partir de suas
premissas básicas, essas dissociações e fragmentações vão se estruturando, de forma a não conseguirmos compreender, ou mesmo aceitar percepções diferentes das criadas por tal racionalidade. Panosso (2011) partindo das percepções do antropólogo Viveiros de Castro, e seus estudos
junto aos Javaé, povo que atualmente habita a Ilha do Bananal, aponta
que
[...] as cosmologias não ocidentais são formadas a partir de domínios
diferentes do pensamento em relação à natureza. O mesmo pensamento que opõe natureza e cultura, no ocidente, coloca de modo opositor
também sujeito e objeto, entre outras oposições. (PANOSSO, 2011, p.
44).
A partir destas considerações, podemos imaginar como se dá a
aproximação dos povos tradicionais com o pensamento ocidental, no que
se refere aos conflitos e contradições, e mesmo na dificuldade de compreender como se estrutura o conhecimento e lógicas de mundo. Não só as
relações entre sujeito e objeto não se encaixam, muitas vezes, como a
própria oposição natureza e cultura não é própria ou comum a percepção
de mundo que as populações tradicionais que vivem, aprendem e dependem da natureza tem de si e dos outros. Isto porque: ―Não há, nas sociedades indígenas, uma relação Sujeito – Objeto porque não há a ruptura
marcante do ocidente. A cosmologia ocidental objetiva a natureza porque
saiu dela.‖ (PANOSSO, 2011, p. 46).
Mas o que seria este sair da natureza, apontado por Panosso?
Muitas coisas. Desde nossa relação com o conhecimento, ao colocarmos
no espaço e na temporalidade da escola, e não na vida, as situações de
aprendizagem. O trabalho, deslocado muitas vezes da natureza, fechados
em espaços de cimento. A tecnologia, que cria mundos mas nos afasta
deles, porque os criados são virtuais, não reais, e nosso modelo científico,
que tudo fragmenta e dissocia. Para os povos tradicionais que não foram
ocidentalizados, ―[...] não há um pensamento sobre o mundo de modo
disruptivo ou por dicotomias, como nós ocidentais o fazemos.‖ (PANOSSO, 2011, p. 52).
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E quais seriam os fatos históricos que promoveram esta fragmentação nas formas de ver e de viver, nos povos ocidentalizados, que os
diferenciou dos povos originários?
Grosfoguel (2016) aponta a filosofia cartesiana, base do modelo
científico europeu, como a responsável pelo dualismo ontológico e pelo
dualismo epistêmico, que orienta as estruturas de conhecimento das universidades ocidentalizadas. O dualismo ontológico de Descartes desenha
uma mente separada de seu corpo, de forma que as ideias não estejam
condicionadas por este corpo e o ambiente que habita. Isto se deve à
tentativa de tornar o conhecimento, que é localmente situado, como universal, pois se ocorre em um corpo situado em uma determinada sociedade, com diferentes interesses de classe, econômicos e orientados por
uma determinada visão de mundo, não atingiria a pretensa neutralidade
almejada por Descartes, não poderia ser considerado um conhecimento
universal. Assim, a explicação ontológica cartesiana busca colocar uma
distinção entre o corpo e a mente, sendo esta habitada por um cogito
desterritorializado, buscando caracterizar um pensamento/conhecimento
universal. Descartes tenta, assim, desencarnar o pensamento. Este eu, ou
cogito, dialogaria consigo mesmo, superando uma a uma suas dúvidas
constituindo, assim, o dualismo epistêmico. Para Grosfoguel (2011),
Descartes usa tal estratégia porque se houvesse diálogo entre homens e
mulheres haveriam outras dúvidas, a partir de outras perspectivas e percepções. E estaria no mundo, não numa consciência desencarnada.
Este não lugar onde o conhecimento é produzido, é denominado
pelo filósofo colombiano Santiago Castro-Gomes (2003), de epistemologia do ponto zero, onde encontramos um ponto de vista que não se assume como ponto de vista, visto que se pretende universal. Para Ndlovu
(2014, p. 139).
Esta posição da visão-do-olho-de-deus assumida pela perspectiva
de mundo ocidental no campo da produção do conhecimento em geral
tem levado a uma situação na qual o modo provinciano ocidental de
conhecer, ver e imaginar o mundo privilegia a si próprio como o único
capaz de universalidade, cometendo, a partir daí, ―epistemicídios‖ contra
visões de mundo não-ocidentais.
Ou seja, se somente conhecimentos universais seriam aceitos, tudo o que é específico de culturas tradicionais não seriam levados em consideração. A ciência ocidental se ampara nesta condição de universalidade. E, como destaca Grosfoguel (2016, p. 30), qualquer conhecimento
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que se oponha ―[...] ao mito do conhecimento da geopolítica cartesiana é
visto como tendencioso, inválido, irrelevante, parcial, isto é, como conhecimento inferior.‖ O autor destaca ainda que toda a produção do
conhecimento reconhecida pela ciência ocidental deriva de apenas cinco
países da Europa, ou seja, está geograficamente situado, no entanto, esta
informação parece ter passado despercebida. Então,
A pretensão é que o conhecimento conhecido por homens desses cinco
países tenha o mágico efeito de apresentar uma capacidade universal:
suas teorias são supostamente suficientes para explicar as realidades
sócio-históricas do restante do mundo (GROSFOGUEL, 2016, p. 27).
A esta pretensão, denunciada por Grosfoguel, denomina-se de
eurocentrismo. Nas palavras de Mignolo (2008, p. 301): ―Eurocentrismo
não dá nome a um local geográfico, mas há hegemonia de uma forma de
pensar fundamentada no grego e no latim e nas seis línguas europeias e
imperiais da modernidade; ou seja, modernidade/colonialidade.‖
Assim, percebe-se que não existe um conhecimento universal,
mas, sim, um conhecimento localizado na cultura destes cinco países da
Europa. Ndlovu vai buscar em Grosfoguel o conceito de ―lugar de enunciação‖, para explicitar que tanto o conhecimento eurocentrado quanto o
conhecimento dos demais povos do mundo tem o mesmo grau de particularidade, ou seja, apenas partem de distintos lugares de enunciação.
Assim sendo,
A ideia do lugar da enunciação na definição do que constitui o conhecimento indígena é muito importante porque fala sobre revelar sua posição social e epistêmica ao articular o conhecimento dos fenômenos
sociais em geral. Isto é importante de articular, porque o que se tornou
problemático com o advento da modernidade ocidental é que a visão
de mundo ocidental dominante se constituiu como não situada.
(NDLOVU, 2014, p. 139).
Apesar de levar as ideias originadas na Europa, sua lógica é veiculada e propalada em todos os cantos do mundo. Ndoluvu (2014, p.
135) destaca que neste processo de dominação impetrado pelos povos
europeus, ―[...] o eurocentrismo na produção de conhecimento está, em
geral, ancorado na premissa do ceticismo sobre a humanidade do sujeito
não ocidental e sua capacidade de pensar.‖ Ou seja, se para os europeus,
o ―penso, logo existo‖, é a premissa para a produção do conhecimento,
para poderem dominar outros povos e territórios, essa capacidade é negada aos sujeitos não-ocidentais, que são impedidos de produzirem tanto
o conhecimento, quanto sua própria história.
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Através de uma pseudo-universalidade, a ciência ocidental consegue encobrir a política de identidades, através da promoção da neutralidade do fazer do conhecimento, como se não houvessem interesses
políticos, econômicos e de dominação orientados sob esta forma de produção de conhecimento.
Mas de onde sairia a força motriz que permitiu a este seleto grupo
de países e seus cientistas a constituírem a base de todo o conhecimento
mundialmente aceito e propagado nas instituições de ensino, principalmente nas universidades, como conhecimentos cientificamente válidos?
Podemos perceber que já são muitos séculos de dominação/colonização. O imperialismo europeu inicia em 1492, com a expansão colonial. ―Depois de conquistar o mundo, os homens europeus alcançaram qualidades divinas que lhes davam um privilégio epistemológico sobre os demais.‖ (GROSFOGUEL, 2016, p. 31). A partir do racismo/sexismo epistêmico, produzido pelo ―extermino, logo existo‖, promoveu-se o ―conquisto, logo existo‖, que garantiu a possibilidade do
―penso, logo existo‖, de Descartes. A esse processo de dominação, que
torna a Europa o centro do mundo, conhecemos por modernidade. A
partir da organização de uma única forma de cultura, expressa em uma
ideia de ciência, que promoveu uma forma de economia e de organização
social, estruturando um padrão global, se determina como todos os povos
dos demais continente e das mais diversas culturas deverão pensar e agir.
Considerações Finais
A modernidade produz novas identidades nas populações colonizadas. Este processo se utiliza da organização de hierarquias raciais
para produzir a dominação de uns sobre outros. Através da análise da
constituição do modelo científico ocidental, podemos perceber que as
identidades dos colonizados foi produzida numa lógica de submissão ao
colonizador, que se coloca como superior, como um modelo a ser seguido. Assim sendo, os espaços formativos são lugares de reprodução desta
lógica, de forma a garantir através da colonialidade as estruturas de dominação eurocêntricas e sua reprodução. A compreensão dos processos
de colonização e suas implicações para a construção de identidades submissas, se faz necessária para avançarmos na construção de propostas
possíveis para a construção de identidades emancipadas. Assim sendo, a
lógica decolonial nos permite refletir sobre estes outros, colocados à margem, na escuridão da história, que a partir de referenciais outros, são
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recentralizados. As teorias produzidas pelo racionalismo instrumental do
Norte Global necessitam ser colocadas a descoberto, suas artimanhas
visualizadas, debatidas e combatidas, seu narcisismo revelado e as formas
tradicionais de ensinar e pesquisar repensadas e superadas. E assim, desvelarmos os mecanismos de um sistema de poder-saber-ser que deslegitima estas culturas historicamente situadas à margem, resgatando, através
da diversidade cultural que foi subalternizada, formas de ser e de viver
que superem fragmentações, que reestruturem as relações desumanizadas
e permitam novas formas de produção e reprodução da vida.
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Círculo de Diálogo 3
Saberes e cultura dos povos do
campo e da cidade
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A REPRODUÇÃO SOCIAL DA
AGRICULTURA FAMILIAR:
ENFRENTAMENTO E ADAPTAÇÃO A
MODERNIDADE E A MODERNIZAÇÃO DA
AGRICULTURA BRASILEIRA
Daniela Celuppi
Angélica Servegnini de Wallau
Hieda Maria Pagliosa Corona
Introdução
O desenvolvimento do capitalismo e da revolução industrial
acarretou em um fortalecimento do progresso técnico científico, que segundo Callon (2004) são forças poderosas na moderna sociedade industrializada, que impactaram diretamente as relações sociais, as relações de
produção, com a família e com o mercado, na agricultura. Assim, salienta-se que o meio rural passou por inúmeras mudanças influenciadas pela
modernização e que essas transformações ocorreram em torno de uma
discussão acerca do grau de atraso do modelo de produção agrícola do
país, e levantou-se uma série de medidas que resultou na modernização
conservadora, seguindo os ditames da Revolução Verde, centrado na
tecnificação agrícola.
Com o processo de modernização da agricultura, o agricultor se
tornou profissional da produção agrícola, ou conforme uma expressão
utilizada por Schneider (1999) ―agricultor puro‖, o que fez revelar novas
fragilidades. Assim, o modelo de agricultura edificado sob a égide dos
mercados globais de commodities agrícolas demonstra-se cada vez mais
incapaz de constituir uma alternativa à crescente vulnerabilidade econômica, social e ambiental que atinge grande parte do meio rural, sobretudo
quando se trata do universo social correspondente à chamada agricultura
familiar.
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Em relação ao processo de modernização da agricultura no Brasil, analisa-se que ele surtiu significativos efeitos no progresso econômico
e na organização do setor produtivo primário, bem como, permitiu o
aumento da produtividade, o aumento da eficiência da produção, na
medida em que baixou consideravelmente o custo de produção. Entretanto, deve-se considerar às consequências que essa modernização acarretou,
quando analisa-se os efeitos que o padrão de produção tecnológico adotado provoca no meio ambiente, como a destruição das florestas e da
biodiversidade genética, a erosão dos solos e a contaminação dos recursos naturais e dos alimentos; e os efeitos socioeconômicos, como o aumento das desigualdades e da pobreza rural, o êxodo rural e diminuição
da autonomia dos produtores.
Além disso, segundo Graziano da Silva (1999), o agricultor precisou se adaptar e se apropriar das tecnológicas, para se manter integrado
ao mercado e inserido no contexto da modernização. Mas, segundo Corona (2003) para que esse agricultor familiar esteja inserido no contexto
da modernização e consiga se adaptar, ele acabou recorrendo à sua própria experiência (camponesa) e procurou adaptar-se, às novas ―provocações‖ e aos desafios do desenvolvimento rural.
É nesse ponto que a proposta teórica formulada por Lamarche
(1993) se insere, pois afirma que os agricultores familiares são portadores
de uma tradição (baseada na família, nas formas de produzir e nos modo
de vida), mas devem adaptar-se às condições modernas de produzir e de
viver em sociedade, uma vez que todos estão inseridos no mercado moderno e recebem a influência da chamada sociedade englobante. Isso
evidencia a importância do agricultor familiar como ator do desenvolvimento, sendo que as estratégias de reprodução dos mesmos, baseiam-se
na valorização dos recursos que dispõem internamente no estabelecimento familiar, é uma característica fortemente herdada pelo campesinato
tradicional que destina garantir a sobrevivência da família no presente e
no futuro.
Nessa perspectiva, entende-se a pertinência de desenvolver um
estudo que objetiva fazer uma breve analise da reprodução social da agricultura familiar como forma de enfrentamento e adaptação a modernidade e a modernização da agricultura brasileira. Para isso, foi realizada
uma pesquisa bibliográfica com abordagem qualitativa, em que segundo
Minayo (2004) a abordagem qualitativa nos permite que a realidade social vá se construindo, segundo os princípios da investigação; e a pesquisa
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bibliográfica, segundo Severino (2007) pode ser compreendida como
aquela que é realizada a partir do registro disponível em livros, teses,
artigos, entre outras.
A modernização da agricultura brasileira e seus impactos na
agricultura familiar
Conceitualmente a modernização da agricultura é derivada no
modelo de desenvolvimento técnico-cientifico pautado na razão e trata-se
das transformações ocorridas nas relações de produção e, consequentemente, nas relações sociais, principalmente as ligadas a condições de vida
dos agricultores. Como aponta Santos (2000, p. 88) ―[...] se instala uma
agricultura propriamente científica, responsável por mudanças profundas
quanto à produção agrícola e quanto à vida de relações‖.
Segundo Balsan (2006) emergem com o processo de modernização da agricultura, novos objetivos e formas de exploração agrícola originando transformações tanto na pecuária, quanto na agricultura.
―A expansão da agricultura ―moderna‖ ocorre concomitante a constituição do complexo agroindustrial, modernizando a base técnica dos
meios de produção, alterando as formas de produção agrícola e gerando efeitos sobre o meio ambiente. As transformações no campo ocorrem, porém, heterogeneamente, pois as políticas de desenvolvimento
rural, inspiradas na ―modernização da agricultura‖, são eivadas de desigualdades e privilégios (BALSAN, 2006. p. 125.)‖.
Essa difusão do chamado ―pacote tecnológico da revolução verde‖, representou uma profunda modificação na base técnica da agricultura praticada nos países de terceiro mundo e também alterou de forma
significativa a relação dos produtores com o mercado. Os defensores
desse novo modelo de desenvolvimento alegavam que a mecanização, o
uso intensivo de agroquímicos e a difusão de novas variedades genéticas
―mais produtivas‖ iriam solucionar o problema das desigualdades do
mundo.
Para isso, o foco das ações de políticas para a agricultura brasileira, a partir da década de 1960, passa a se concentrar no estímulo à empresa rural; na década de 1970, os subsídios e o acesso ao crédito facilitam a
compra de equipamentos e máquinas na agricultura brasileira; e na década de 1980, o convívio com a crise da dívida externa direciona ainda
mais os esforços das ações de políticas para intensificar a produção e
diversificar a pauta de exportações do setor agropecuário com o objetivo
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de gerar divisas para pagar os serviços da dívida (MIELITZ NETO,
MELLO E MAIA, 2010).
Frente a esse cenário político instaurado no Brasil, os episódios
acabaram por privilegiar um modelo de agricultura mecanizada e química, que sob ―as bênçãos‖ de um Estado financiador, o setor agrícola brasileiro pôde avançar tecnicamente em seus processos produtivos. Entretanto, essa não foi a realidade de todos na agricultura, pois, para alguns
segmentos menos ligados aos setores mais dinâmicos do sistema agroindustrial e para produtos fora da pauta de exportação, a modernização ou
não aconteceu ou aconteceu em condições desiguais.
Ao analisar a modernização da agricultura em termos sociais,
percebe-se que o processo de modernização ocorreu sem que houvesse
mudança na estrutura da propriedade rural, o que acarretou na maior
concentração da propriedade rural, maior disparidade na concentração de
renda, aumento do êxodo rural, maior exploração da força de trabalho
empregada na agricultura e a consequente piora das condições de vida
dos trabalhadores. Ou seja, o processo de modernização levou um grande
número de agricultores à decadência, forçou grande parte da força de
trabalho rural a se favelizar nas periferias urbanas e fez aumentar o número de pobres rurais, elevando a níveis insuportáveis a violência, a destruição ambiental e a criminalidade (VEIGA, 2000).
Corroborando com essas observações, Graziano Neto (1982) resume que a desigualdade da modernização se deu em três níveis distintos:
entre as regiões do país, entre as atividades agropecuárias e entre os produtores rurais e Graziano da Silva (1999) afirma que a modernização,
ocorreu de maneira parcial, no sentido de atingir alguns produtos, em
algumas regiões, beneficiando alguns produtores e algumas fases do ciclo
produtivo. Dessa forma, percebe-se que não só aumentou a dependência
da agricultura com relação a outros setores da economia, principalmente
o industrial e o financeiro, como o grau de desequilíbrio social e o impacto da atividade agrícola sobre condições ambientais. Santos (2000, p. 89)
ainda complementa: ―[...] a agricultura científica, moderna e globalizada
acaba por atribuir aos agricultores modernos a velha condição de servos
da gleba. É atender a tais imperativos ou sair‖.
Além das transformações socioeconômicas, houve impactos e
mudanças ambientais, pois exploração dos recursos naturais e de sua
transformação em produtos para geração de outras riquezas esteve muito
presente no processo de modernização da agricultura brasileira. Com a
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modernização, a biodiversidade foi comprometida e recursos genéticos
foram perdidos, pois os organismos geneticamente modificados e os agrotóxicos são usados quando os agricultores buscam alcançar escala e uniformidade em suas safras.
Frente a essa problemática, Delgado (1985) afirma que, no rural,
os agricultores familiares foram os mais afetados, citando que as próprias
relações sociais sofrem com as mudanças no meio rural, necessitando
adaptar-se à nova realidade que é apresentada pela modernização.
Com isso, Balsan (2006) assegura que precisamos esquecer da
―ideologia modernizadora‖, e construir uma realidade na qual a agricultura deve ser enfocada sob um olhar que não se volte apenas para a reprodução do capital mas para aspectos da reprodução social dos agricultores familiares, pois os mesmo possuem capacidade de adaptação aos
contextos históricos em termos econômicos, sociais, culturais e ambientais e ser protagonistas dos processos sociais que vivenciam, sobretudo
relativos às resistências e às inovações resultantes em transformações na
agricultura e no meio rural (WANDERLEY, 2009).
Estratégias contra hegemônicas da agricultura familiar frente a
modernização da agricultura
Pensar sobre as tendências do mundo rural requer que se volte o
olhar para esta realidade que, ao mesmo tempo em que tem colocado
uma classe da sociedade com o que há de mais moderno na agricultura e
pecuária, contraditoriamente, deixa outra classe cada vez mais distantes
de tais inovações. Assim, nas últimas décadas os estudos rurais tem se
dedicado em encontrar e definir novas abordagens de desenvolvimento
que possam superar os modelos ancorados em perspectivas produtivistas,
reguladas por noções de modernização, industrialização e crescimento
econômico. Todavia, são notórias as dificuldades para consolidar alternativas teóricas que possam efetivamente resultar em mudanças sociais de
forma a contornar e superar os impactos e efeitos causados pelos modelos
de modernização.
Dentre as diversas escolas do pensamento sociais e econômico
que tem se dedicado a esses esforços, as abordagens preocupadas em
estudar sujeitos (Touraine, 1994) e/ou agência humana (Giddens, 1991)
tem demostrado ser uma via importante de análise dos processos de mudanças sociais que tem nos agricultores familiares os sujeitos da ação do
desenvolvimento. Segundo Wanderley (2009), a agricultura familiar pode
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ser considerada uma categoria genérica com grande capacidade de adaptação aos contextos históricos em termos econômicos, sociais, culturais e
ambientais, sendo os agricultores familiares protagonistas dos processos
sociais que vivenciam, sobretudo relativos às resistências e às inovações
resultantes em transformações na agricultura e no meio rural (WANDERLEY, 2009).
Entretanto, é evidente que esta categoria não é homogênea e a
diversidade dos modos e meios de vida dos agricultores familiares demonstram as diferentes trajetórias e níveis de organização, pois segundo
Friedmann (1986), cada propriedade e atividade está de acordo com as
necessidades e características de cada família. Além disso, segundo a
mesma autora, a agricultura familiar tem viabilizado a sua reprodução
social e vem se fortalecendo, frente ao processo de modernização da agricultura, pelo aumento da sua mercantilização, ou seja, Friedmann (1986)
afirma que a agricultura familiar não se baseia em uma lógica puramente
capitalista e moderna, mas é um grupo especialmente funcional ao capitalismo que contém duas especificidades em termos de reprodução social: o
processo de trabalho e as relações de propriedade.
Para ter a concepção do processo de reprodução da agricultura
familiar é preciso observar, assim como Perondi e Ribeiro (2000), que os
processos produtivos e reprodutivos são simultâneos, e que a reprodução
não é somente material e produtiva, mas também social, cultural e ideológica. As sociedades reproduzem condições especificas de sua existência, como um camponês quando se mune de uma continua reconversão
de parte de seus produtos em meios de produção, criando no seu processo
e dos que se assemelham condições de reproduzir toda uma sociedade
camponesa.
Dentro da reprodução social da agricultura familiar, Chayanov
(1981) e Friedmann (1986) expõe que a relação de trabalho é organizada
através do parentesco, onde existe uma divisão por sexo e idade, e a propriedade e o trabalho são combinados. Nesse sentido, salienta-se que
existe na agricultura familiar uma preocupação com o tripé Renda – Penosidade – Risco (Abramovay, 1992), além da preocupação com a sucessão familiar. Isto fica evidente, quando Friedmann (1986) afirma que o
mesmo grupo investe e consome, sendo a propriedade pensada como um
sistema que possui necessidade de investimento, e que supre a necessidade de consumo da família.
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Com o tripé citado acima, Abramovay (1992) analisa a racionalidade camponesa, concluindo que estes trabalham pensando na maximização da renda, mas também, na redução dos riscos e com aversão à
penosidade do trabalho. O autor ainda afirma que todas as decisões e
ações do agricultor familiar refletem essa racionalidade original e explica
o comportamento da agricultura familiar.
Contudo, apesar desta explicação da racionalidade do agricultor
familiar ser pensada num trilema dedutivo, ela é incompleta. Abramoway
(1992) afirma que para se entender esta racionalidade, e seus limites, é
necessário um estudo profundo do conjunto do ambiente social, cultural,
político e ambiental em que vive o agricultor familiar, visto que vários
outros fatores das relações humanas, além dos econômicos, organizam a
sua vida. Para o autor, isso mostra que a agricultura familiar é muito
mais do que um ―grupo econômico‖, ela é um modo de vida.
Do ponto de vista de Ploeg (1994) há necessidade de perceber as
estratégias, práticas e razões que levam os agricultores a estabelecerem
trajetórias distintas frente a contextos estruturais similares, sendo que
essas respostas diferenciais que fazem a mercantilização um processo
heterogêneo e multifacetado. Dessa forma, ainda para os autores o conceito de estratégia torna-se central pois a partir de conflitos e negociações
entre os atores que tem interesses diferentes se interpreta a mudança social. Trata-se de compreender as interfaces entre as estratégias ou projetos
dos distintos atores, ou seja, os pontos de união ou confrontação entre
diferenças de interesse social, interpretação cultural, conhecimento e
poder; entender como a ação de um mercado global, que reflete o projeto
de atores agindo à distância, é transformada e re-significada no mundo da
vida dos atores locais, o que se torna um dos fatores determinantes da
diversidade produtiva e da heterogeneidade social (Long, 2001, p. 45).
De acordo com Marsden (1995), o meio rural contemporâneo é
caracterizado pela presença de dois modelos de desenvolvimento: um
voltado para a dinâmica ―produtivista‖ tradicional focado na produção
especializada de commodities para atender as demandas dos mercados
globais; e outro focado na emergência de uma lógica ―pós-produtivista‖
baseado numa ampla diversidade de atividades agrícolas e não-agrícolas,
com a agricultura e o meio rural assumindo novas e múltiplas funções.
Em muitas regiões do país, há presença da co-existência de ambos os
modelos, pois enquanto a produção de commodities agrícolas conectam
atores globais através da acoplagem de agricultores com empresas e coo-
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perativas agropecuárias, há também a relação entre agricultores e atores
locais, emergindo novas formas de produção e inserção mercantil, a partir da lógica da formação de cadeias curtas e redes alternativas.
Salienta-se que ao longo do tempo, algumas dessas características supracitadas vão sofrendo pequenas modificações, alterando assim,
os seus sistemas de produção, bem como as estratégias de reprodução das
famílias agricultoras. Ou seja, as atitudes tomadas pelas unidades de
exploração familiar, como variar intensidade do trabalho, o ciclo e a
divisão do trabalho, ampliando ou restringindo o consumo, são formas
que a família encontra para se proteger das forças externas e adaptar-se
ao mundo moderno mantendo sua essência camponesa.
Ao analisarmos mais a fundo as condições de reprodução socioeconômica dos agricultores familiares, percebe-se que desde a revolução
industrial os agricultores se tornaram exclusivamente agrícolas, retirando
grande parte das atividades artesanais do campo e se restringindo ao
espaço agrícola. Entretanto a busca por outros rendimentos não foi esquecida, e assim, os agricultores familiares utilizaram as atividades não
agrícolas como um mecanismo que viabilizou o equilíbrio econômico, ou
seja, as atividades não agrícolas passaram a fazer parte das estratégias de
reprodução social da agricultura familiar.
A agricultura familiar possui uma grande capacidade de combinar atividades agrícolas e não agrícolas, dentro e fora da unidade de produção. Essa capacidade é decorrente de características agropecuárias
onde o tempo necessário de trabalho é menor que o tempo efetivo de
produção, o que permite ter tempo de ―não trabalho‖ para que se possa
exercer outra função além da atividade agrícola, ou seja, exercer a pluriatividade (GRAZIANO DA SILVA, 1999; SCHNEIDER,1999).
No geral, é possível assegurar através dessas argumentações que
ao longo do tempo a agricultura sofreu um profundo processo de transformação e a produção familiar permaneceu como um setor importante
da agricultura. Com isso, Wanderley (2009) afirma que a produção familiar que se reproduz nas sociedades modernas, representa um novo agente
social. Do ponto de vista do agricultor, a mesma autora afirma parecer
evidente que suas estratégias de reprodução, nas condições modernas de
produção, em grande parte ainda se baseiam na valorização dos recursos
de que dispõem internamente, no estabelecimento familiar, e se destinam
a assegurar a sobrevivência da família no presente e no futuro.
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De certa forma, os agricultores familiares modernos ―enfrentam‖
os novos desafios com as ―armas‖ que possuem e aprenderam a usar ao
longo do tempo. Lamarche (1993) refere-se a isso como a conservação e
transmissão de um patrimônio sociocultural, exercendo um papel fundamental no modo de funcionamento da agricultura familiar frente a alguns
preceitos que a modernidade traz para o dia a dia desses agricultores.
Considerações Finais
A modernidade e modernização da agricultura brasileira evidenciam aspectos que tangenciam-se entre si, podendo citar como principais
pontos positivos o crescimento econômico e o aumento riqueza, e como
pontos negativos, a pobreza e as desigualdades.
Especificamente sobre a modernização das atividades no campo,
o desenvolvimento das forças produtivas e a integração socioeconômica
global que ocorreram com o processo da revolução verde, criou um novo
patamar para a agricultura e o meio rural. No entanto, a imposição deste
patamar não significou a implantação de uma forma social de produção
única e homogeneizada, representada pelo modelo empresarial e do tipo
industrial. Ou seja, se atualmente, discute-se o significado da agricultura
familiar neste novo contexto da integração da agricultura e do meio rural,
é porque essa forma social de produção e reprodução atua em um viés
contra hegemônico que ocupa um lugar importante no cenário atual da
economia e da sociedade brasileiras.
Assim, o agricultor familiar, como sujeito do seu próprio desenvolvimento, deve ser reconhecido como ator social que participe do
avanço da sua sociedade em geral e também das transformações da agricultura e do meio rural nos dias atuais. Conhecer a lógica das estratégias
que as famílias empregam para produzir e se reproduzir é o fundamental
a ser estudado, ou seja, para pensar sobre como se reproduzem as unidades de produção familiar, deve-se compreender a lógica da produção
camponesa, pois o ponto central de suas características fundamentais
repousa a natureza e a dinâmica do estabelecimento familiar, quanto
unidade básica de produção e meio de vida social.
Frente a isso, compreende-se que os agricultores familiares criam
as estratégias que reduzem o impacto que as incertezas do meio rural e
que essas estratégias se reflete em fatores que pressionam e também oportunizam famílias a se adaptar e a diversificar os seus meios de vida, o
meio rural, o local e a região. Essa diversidade reflete uma complexa
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articulação entre as distintas formas familiares com suas múltiplas estratégias de reprodução social, econômica e cultural.
Assim, entender as estratégias de reprodução dos agricultores
familiares, como estão sendo desenvolvidas e administradas é fundamental para do desenvolvimento rural, sendo incontestável que os agricultores possuem um papel ativo neste processo, demonstrando assim, as diferentes capacidades de respostas as pressões exercidas por atores externos
e aos diferentes fatores internos que cada família possui.
Por fim, salienta-se que inegavelmente a modernidade e a modernização da agricultura acarretaram no distanciamento entre o crescimento econômico e a pobreza às populações, sendo que dessa forma, as
ciências sociais assumem o desafio de compreender esse descompasso
existente, a partir do desenvolvimento de estudos empíricos, que venham
refletir sobre as possíveis contribuições de uma abordagem focada nos
atores e no desenvolvimento.
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Círculo de Diálogo 4
Refugiados e migrações forçadas,
direitos e dignidade humana
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CONSIDERAÇÕES SOBRE A SIMULAÇÃO
DE CASAMENTO PARA A OBTENÇÃO DA
AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA NO
BRASIL.
Antônio José Moreira da Silva
Introdução.
Este artigo tem por objetivo analisar a maneira como a legislação
migratória brasileira dispõe sobre a simulação de casamento para fins
migratórios, bem como descrever a prática administrativa adotada pela
Polícia Federal no processamento desses casos, além de cotejar essa prática com o ordenamento jurídico vigente.
O método utilizado para a estruturação do texto, no que se refere
às questões empíricas, tem um caráter etnobiográfico, uma vez que a
narrativa se calca em percepções advindas do exercício profissional do
autor. Desse local, pode-se inferir o modo pelo qual o órgão processa os
casos de suspeita de simulação de casamento para fins migratórios.
Por meio da pesquisa bibliográfica, foi examinada a legislação
nacional sobre o tema. Também buscou-se verificar como os casamentos
simulados com fins migratórios são tratados nos ordenamentos jurídicos
estadunidense e europeu.
Dada a escassez de referências na doutrinada nacional, buscou-se
em obras estrangeiras o suporte teórico para o enfrentamento do tema.
Pelo mesmo motivo, mediante uma abordagem interdisciplinar, foram
pesquisadas obras nacionais votadas ao Direito Civil, Previdenciário,
Administrativo e Constitucional.
Com o aumento do fluxo migratório internacional para o país, a
busca pelo casamento como meio de obter a autorização de residência
vem se tornando mais frequente, a ponto de ser objeto de recentes matérias jornalísticas veiculadas pela imprensa nacional (KLENK, 2019; G1
PR, 2019; RESENDE, 2019; DIÁRIO DO NORDESTE, 2019, BRASIL,
2019).
A relevância do objeto do presente estudo consiste no fato de que
o indeferimento da solicitação de autorização de residência por reunião
familiar produzirá relevantes consequências na vida civil do imigrante
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que, além de estar sujeito à instauração de um procedimento de deportação, poderá responder criminalmente pelo fato.
Aspectos empíricos do processamento do pedido de residência
por reunião familiar.
Com base no art. 10 da Portaria Interministerial nº 12, de 13 de
junho de 2018, a Polícia Federal realiza uma entrevista preliminar para a
verificação de informações que dão suporte às solicitações de residência
por reunião familiar, quando o pedido se embasa no casamento ou na
união estável. Caso surjam contradições nas respostas dadas pelo requente e seu cônjuge, são realizadas diligências com o objetivo de se verificar
se o casamento de fato existe. Se a diligência indicar que há não evidências de um casamento de fato, o pedido de residência é indeferido. O
argumento que fundamenta essa praxe é de que a legislação ampara o
indeferimento do pedido de autorização de residência formulado por
quem não preenche os requisitos para o reconhecimento desse direito.
Assim, de acordo com esse raciocínio, se a certidão de casamento não
retrata uma relação de fato existente - e sim mera simulação alicerçada
em documento ideologicamente falso - há fundamento suficiente para a
negativa da autorização de residência, com base na ausência dos requisitos.
O casamento simulado: elementos de Direito comparado.
O tema do casamento simulado ainda não é expressamente
abordado na legislação migratória brasileira e tampouco mereceu, até
agora, uma abordagem detida por parte de autores nacionais. No entanto, noutros países, a simulação de casamento para fins migratórios é tratada de maneira mais detida pela legislação, pela doutrina e pela jurisprudência.
No Brasil, a simulação de casamento é objeto de maior atenção,
pela doutrina e pela jurisprudência, quando praticado com o fim de obtenção de benefícios previdenciários. Leitão (2019) abordou a possibilidade jurídica de declaração de nulidade do casamento simulado com fins
exclusivamente previdenciários.
Por meio de pesquisa bibliográfica, o autor analisou as legislações civil e previdenciária, obras jurídicas de Direito Civil e Direito Previdenciário, notícias veiculadas na mídia, além da jurisprudência dos
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tribunais que já enfrentaram a questão objeto de seu estudo. Finalmente,
conclui sobre a possibilidade de anulação do casamento quando contraído para a obtenção de benefícios previdenciários (LEITÃO, 2019, p.4).
Guimarães (2013) analisou a doutrina estadunidense a respeito
do erro essencial como supedâneo para a anulação de casamentos naquele país. Em seu trabalho, a autora demonstra que nos Estados Unidos da
América há leis federais que estabelecem requisitos, que vão além da
comprovação formal do casamento, para a concessão de benefícios federais. Tais requisitos, lá chamados de marriage-plus tests, podem fundar-se
na duração mínima do casamento, na existência de filhos em comum
entre o casal, na idade do cônjuge vinculado ao sistema de seguridade
social ou na efetiva coabitação do casal (GUIMARÃES, 2013).
A autora demonstra que, em matéria migratória, além do marriage-plus tests, são aplicados os marriage funcional tests, ou seja, verificações
adicionais para a comprovação da real existência do casamento e boa-fé
entre os cônjuges (UNITED STATES OF AMERICA, 1952, apud
GUIMARÃES, 2013).
Cordeiro (2014), ao analisar as modalidades de simulação no Direito Civil português dedica seção de sua obra à simulação do casamento
com a finalidade de contornar limitações migratórias. O autor, citando a
Resolução do Conselho Europeu n.º 97/C 282/01, de 4 de dezembro,
traz a definição do "casamento em branco", que seria:
O casamento de um nacional de um Estado-membro ou de um nacional de um país terceiro, tendo por único objectivo contornar as regras
relativas à entrada e permanência de nacionais de países terceiros e obter, para o nacional do país terceiro, uma autorização de estadia o uma
autorização de residência num Estado-membro (CORDEIRO, 2017, p.
97).
Sokolova (2013) observa que, em Portugal, o casamento de conveniência foi tipificado como crime a partir da vigência da lei 23/2007
(PORTUGAL, 2007, apud SOKOLOVA, 2013, p. 24).
A Lei n.º 37/2006, de 9 de agosto, que regula o exercício do direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União Europeia e
dos membros das suas famílias no território nacional, define, em seu
artigo 2.º, e, I, o cônjuge como sendo um familiar de um cidadão da União Europeia. (UNIÃO EUROPEIA, 2006).
O número 3 do artigo 3.º da mesma lei estabelece que "a decisão
relativa à entrada e residência das pessoas abrangidas pelo número anterior só pode ser tomada após análise de todas as circunstâncias pessoais
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relevantes, devendo ser fundamentada qualquer recusa de entrada ou de
concessão de autorização de residência" (UNIÃO EUROPÉIA, 2006).
A lei em comento prevê expressamente, em seu artigo 31.º, número 1, que "em caso de abuso de direito, de fraude ou de casamento ou
união simulada ou de conveniência, são recusados e retirados os direitos
de residência e os apoios sociais conferidos ao abrigo da presente lei"
(UNIÃO EUROPÉIA, 2006).
Nota-se, portanto, que na União Europeia e nos Estados Unidos
as respectivas legislações preveem critérios para a caracterização do casamento simulado para fins migratórios e regulamentam detidamente os
procedimentos para a comprovação dos indícios da simulação.
O casamento simulado na legislação migratória brasileira.
Ao contrário das legislações anteriormente estudadas, a brasileira
não trata especificamente do casamento simulado para fins migratórios.
O artigo 34 da Lei 13.445/2017 trata dos casos em que poderá ser negada
a autorização de residência (BRASIL, 2017a). Por sua vez, o 132 do Decreto 9.199/2017, que regulamenta a Lei de Migração, prevê os casos de
não concessão da autorização de residência (BRASIL, 2017b). Ainda nesse
sentido, o art. 133 desse mesmo decreto estabelece os casos em que a
autorização de residência será negada. Desses dispositivos legais, percebe-se que a fraude ou simulação não são contempladas como fundamento
para a recusa da autorização de residência.
Em que pese a inexistência de lei, em sentido estrito, que preveja
o casamento simulado como fundamento para o indeferimento do pedido
de residência baseado em reunião familiar, a Portaria Interministerial nº
12, de 13 de junho de 2018, em seu artigo 10, estabelece que nos procedimentos de concessão de visto e de autorização de residência "poderão
ser realizadas atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar
os dados necessários à tomada de decisão, inclusive entrevistas pessoais,
sem prejuízo do direito dos interessados de propor outras formas de comprovação do vínculo familiar" (BRASIL, 2018). Dessa forma, parece
claro o interesse da Administração em que o agente público responsável
pelo deferimento dos pedidos de residência com base em reunião familiar
exerça efetivo controle sobre a veracidade das situações que lhe são apresentadas.
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Análise jurídica da prática dotada pela Polícia Federal.
A Lei 13.445/2017 não enumera requisitos para a concessão da
reunião familiar, apenas expressa que ela poderá ser concedida "ao cônjuge ou ao companheiro, sem discriminação alguma" (BRASIL, 2017a).
Dessa redação, pode-se extrair que o único requisito legalmente imposto
para a concessão da autorização de residência é o casamento. O Decreto
9.199/2017 tampouco estabelece os requisitos para a concessão da autorização de residência por reunião familiar, com base em casamento, o
que também ocorre em relação à Portaria Interministerial 12/2018, que
apenas relaciona os documentos que deverão instruir o requerimento.
Entende-se como requisito a condição existente para se alcançar determinado fim. Para a solicitação da residência com base no casamento com
brasileiro(a), a norma em análise exige, no que se refere à comprovação
do matrimônio, a apresentação da certidão de casamento e de declaração
conjunta de ambos os cônjuges ou companheiros, sob as penas da lei, a
respeito da continuidade de efetiva união e convivência (BRASIL, 2018).
Diante disto, percebe-se evidente lacuna na legislação migratória
brasileira, que não apresenta, em lei, os critérios para o indeferimento do
pedido de autorização de residência por reunião familiar, quando presentes indícios de fraude ou simulação do casamento que lhe dá suporte.
Reforçando o argumento a respeito da necessária previsão legal
para o estabelecimento de critérios para o não reconhecimento do casamento sobre o qual recaem suspeitas de fraude ou simulação, é feita aqui
uma breve menção aos mecanismos que tiveram que ser inseridos na
legislação brasileira para a coibição do casamento simulado para fins
previdenciários. Leitão (2019) pondera que, para combater a concessão
de pensão por morte em caso de casamentos simulados, foi necessária a
edição da Medida Provisória n.º 664/2014.
Com a conversão da MP 664/2014 na Lei nº 13.135/15, o art.
74, §2º, da Lei nº 8.213/1991 passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes
do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:
§ 2º Perde o direito à pensão por morte o cônjuge, o companheiro ou a
companheira se comprovada, a qualquer tempo, simulação ou fraude
no casamento ou na união estável, ou a formalização desses com o fim
exclusivo de constituir benefício previdenciário, apuradas em processo
judicial no qual será assegurado o direito ao contraditório e à ampla
defesa (BRASIL, 2014).
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Assim, respeitando o princípio da legalidade, a legislação previdenciária estabeleceu critérios para a perda da pensão por morte em caso
de simulação ou fraude no casamento ou na união estável, ou a formalização desses com o fim exclusivo de constituir benefício previdenciário.
É importante notar que o citado dispositivo legal estabelece que a apuração da fraude ou simulação ocorrerá em processo judicial, no qual será
assegurado o contraditório e a ampla defesa (BRASIL, 2014).
Diante dessas considerações, pode-se concluir que a prática adotada pela Polícia Federal viola o princípio da legalidade contido no artigos 5º, inciso II e 37, caput, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Com base no texto constitucional e nos entendimentos de Silva
(2009, p. 363, Mello (2014, p. 105-106), (2011. p. 130-131) afirma-se que
os requisitos para a concessão da autorização de residência devem estar
previstos em lei, em sentido estrito. Da mesma forma, as hipóteses previstas legalmente para o indeferimento do pedido de residência são aquelas
contidas no texto do art. 34, c/c o art. 45, I, II, III, IV e IX da Lei de Imigração. 45" (BRASIL, 2017a), pois a Portaria Interministerial 12/2018, sendo uma
norma jurídica hierarquicamente inferior à Lei 13.445/2017 e ao Decreto
9.199/2017, não poderia ampliar o rol de hipóteses para o indeferimento do pedido de residência, ainda que a entrevista ou outra diligência prevista naquela portaria leve a indícios de simulação do casamento que deu suporte ao pedido.
Alternativas para a integração da legislação migratória.
Embora a legislação migratória não preveja a suspeita de simulação do casamento como hipóteses para o indeferimento da solicitação de
residência por reunião familiar, não parece lógico que o Estado tolere a
malícia como causa geradora de direitos migratórios. Assim, a solução
juridicamente viável para o caso seria o deferimento e posterior cancelamento da autorização de residência, nos termos do art. 33 da Lei
13.445/2017 e do o art. 136 do Decreto 9.199/2017 (BRASIL, 2017a;
BRASIL, 2017b).
Percebe-se, pois, que o resultado da entrevista e a verificação in
loco constituem apenas uma "presunção fundamentada" de simulação,
uma vez que o "negócio jurídico" do casamento consumou-se com o
cumprimento de todas as formalidades exigidas em lei. Assim, para a
desconstituição do direito à autorização de residência, necessária seria a
instauração do processo administrativo de cancelamento de registro, com
o direito ao contraditório e à ampla defesa, para que, daí surjam elemen-
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tos que demonstrem que o casamento tem por fim único permitir ao respectivo beneficiário a residência legal no país.
Entretanto, é de se considerar que a maneira como a matéria foi
tratada pela legislação em vigor atenta contra o princípio da economicidade previsto no art. 70 da Constituição Federal que, em síntese, representa a promoção de resultados esperados com o menor custo possível na
prestação do serviço ou no trato com os bens públicos.
Considerações Finais.
Como demonstrado neste trabalho, o Brasil ainda não possui
uma legislação adequada ao tratamento de casos de simulação de casamento para fins migratórios. Nota-se que as soluções práticas atualmente
adotadas não condizem com o novo ordenamento jurídico migratório e
com o princípio da legalidade, previsto pela Constituição brasileira. Diante disto, é importante reconhecer a necessidade de alterações legislativas
que aprimorem o instituto da autorização de residência com base em
reunião familiar e estabeleçam critérios e procedimentos, tanto para a sua
concessão, quanto para a apuração de suspeitas de simulação de casamento, tal como ocorre nas legislações alienígenas. Dessa forma, poderá
o Estado brasileiro coibir a prática de simulação de casamentos para fins
migratórios, sem que isso represente afronta aos direitos e garantias individuais dos imigrantes.
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313.Susana.pdf?nocache=1212163624.8>. Acesso em 26 jun 2019.
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EDUCAÇÃO, MOVIMENTOS SOCIAIS E
DIREITOS HUMANOS:
APROXIMAÇÕES NECESSÁRIAS
Paulo Roberto Dalla Valle
Jacinta Lúcia Rizzi Marcom
Introdução
As constantes mudanças que caracterizam a evolução da sociedade interferem diretamente no contexto educacional, uma vez que, à
medida que a sociedade evolui, exige que a educação a acompanhe, pois
além de uma formação mais reflexiva, que atenda as necessidades do
mercado do trabalho, requer práticas cada vez mais dinâmicas e atrativas.
A educação enquanto direito de todos precisa transformar-se, abrir-se às
mudanças, tornar-se ―atraente‖ às crianças, adolescentes e jovens, fazendo com que estes se tornem sujeitos ativos na construção do conhecimento e percebam sua importância neste processo.
Falar em educação nestes tempos nos desafia a trazer presente às
discussões acerca dos direitos humanos e sua relação com as lutas dos
movimentos sociais. Assim, objetivamos analisar quais são as intersecções necessárias para que a educação seja um direito de todas as populações que compõem o colorido do nosso país.
Interlocuções entre sociedade, transformação e direitos articulados com educação.
Por ter como objeto de estudo, a formação do ser humano, através do conhecimento e das relações que são estabelecidas no contexto
escolar, é a escola uma das responsáveis por ações de valorização da vida
como patrimônio fundamental da humanidade. Situando-a como referencial dentro desse processo, não é possível esquecer que a mesma necessita de um olhar diferenciado para as relações estabelecidas entre o
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educador, educando e a escola como um todo, considerando a possibilidade de enfrentamento dos problemas encontrados na sociedade.
Nessa perspectiva vislumbramos que a escola comprometida
com a formação humana, tem um papel fundamental na vida de seu estudante uma vez que pode contribuir para transcender esta realidade. A
escola, enquanto instituição social apresenta a possibilidade de promover
ações que contribuam para resolver os problemas sociais, econômicos e
diminuir a violência, pobreza, desemprego, etc, bem como, desvelar os
meios para que estes problemas sejam amenizados, mostrando aos sujeitos que através da educação estes podem romper com paradigmas, e tornarem-se sujeitos da própria história.
Nesse contexto, a escola deve valorizar e desenvolver ações que
priorizem inicialmente o acolhimento as diferentes realidades e a partir
delas, delinear políticas de educação, prevenção e reflexão sobre seu papel frente aos desafios de superação de mazelas em uma sociedade que
carece de um olhar diferenciado para aqueles que por conta da própria
ação humana acabam sendo deixados de lado, assim como seus direitos.
É necessário compreender que a escola é um espaço de reflexão e
compartilhamento de saberes e experiências, contradições e antagonismo,
de articulação de interesses sociais mais justos, democráticos e solidários.
Está percepção de escola deve considerar as desigualdades, promover
uma formação mais humanizada, com vistas ao desenvolvimento da
sociedade e de caminhos para promoção da igualdade através do conhecimento.
Para entender esta premissa, consideramos as valiosas contribuições de OLIVEIRA; ARAÚJO, (2005) ao apontarem que até 1980, as
demandas da sociedade pelo acesso à escola e a todos os bens sociais e
econômicos que as oportunidades educacionais oferecem, bem como a
satisfação dessas demandas pelo poder público, caracterizavam a ampliação quantitativa da escolarização. Este processo de expansão de oferta
das possibilidades de ingresso e abertura de escola foi um marco importante para que a educação começasse a ser acessível a camadas sociais
menos favorecidas, contribuindo para possibilidade de mudar a realidade
até então vivenciada.
Se num passado não muito distante tivemos lutas para que a escola se constituísse como um bem de acesso a todos, hoje, percebemos
que a escola carece de um movimento de luta pela garantia de condições
para manter-se a serviço da sociedade, exigindo investimento, segurança,
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valorização e principalmente reflexões e políticas públicas que consigam
atender às demandas da sociedade que por muitos anos clamava por
condições de acesso e de igualdade.
A realidade exposta acima, ganha contornos importantes se considerarmos as contribuições e avanços da Constituição Federal (1988)
numa perspectiva a legitimar e a garantir a educação como um direito,
bem como diversos outros direitos e prerrogativas para melhor convívio
em sociedade de forma democrática.
Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar
será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos,
bem como a instrução superior, esta baseada no mérito; 2. A instrução
será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade
humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas
liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz; 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos. (DECLARAÇÃO
UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM, 2010).
Perceber os avanços e as conquistas da educação através do tempo, das contribuições de movimentos sociais, do acesso ao conhecimento
pelas minorias, bem como dos direitos humanos, é estreitar a intima relação entre estes diferentes contextos, possibilitando-nos compreender em
seu bojo como e porque a escola tem apresentado diversas lacunas a serem preenchidas através de reflexão e ação na tentativa de legitimar que o
acesso à educação como um direito constitui-se na prerrogativa inerente
que faz a sociedade evoluir.
[...] não existe atualmente nenhuma carta de direitos, [...] que não reconheça o direito à instrução – crescente, de resto, de sociedade para
sociedade –, primeiro elementar, depois secundária, e pouco a pouco
até mesmo universitária (BOBBIO, 1992, p. 75)
Esta concepção nos possibilita inferir que a educação não faz
parte de uma disputa de esquerda ou de direita, e sim é resultado de uma
construção com ideologias e concepções alicerçadas em bases que sustentam práticas e ações fundamentas a partir da visão de cada grupo que está
à frente da gestão educacional, estando suas práticas articuladas sempre
com as ideologias políticas e do contexto histórico.
Vislumbramos que as políticas educacionais e as diretrizes que
norteavam a educação buscam atender aos interesses das ideologias políticas, instituindo práticas que maximizavam a concepção ideológica atra-
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vés de ações que determinavam os rumos da educação.
Ações como
estas são comuns em todos os entes federativos, e reside nesta prática um
dos entraves para melhorar a educação: a utopia de conceber que a cada
quatro anos instituem-se novas práticas que se constroem como marcos
de governo e não como políticas públicas capaz de serem aperfeiçoadas,
enquanto direito das pessoas.
A partir do momento em que entendermos a educação como um
direito inerente ao ser humano, conquistado historicamente, constituído
enquanto desafio permanente, alicerçaremos a educação como propulsora do desenvolvimento social. Essa relação entre educação e direitos humanos é um fenômeno que se caracteriza e se manifesta por ações que se
articulam e que se desvelam num fim, que é a transformação social, resultante da ação humana coletiva. Acrescentamos à discussão as contribuições de Boto (2005) que afirma:
O ensino torna-se paulatinamente direito público quando todos adquirem a possibilidade de acesso à escola pública. A educação como direito dá um salto quando historicamente passa a contemplar, pouco a
pouco, o atendimento a padrões de exigências voltados a busca de
maior qualidade do ensino oferecido e para o reconhecimento de ideais
democráticos internos à vida escolar. O direito a educação será consagrado quando a escola adquirir padrões curriculares e orientações políticas que assegurem algum patamar de inversão de prioridades, mediante atendimento que contemple – à guisa de justiça distributiva – grupos sociais reconhecidamente com maior dificuldade para participar
desse direito subjetivo universal – que é a escola pública, gratuita, obrigatória e laica. Aqui entram as políticas que favorecem, por exemplo, a
reserva de vagas por cotas destinadas, nas universidades, a minorias
étnicas. (BOTO, 2005. p.779).
Tanto Boto (2005) quanto Bóbbio destacam a universalidade da
educação como um direito notório e indispensável para o desenvolvimento da sociedade. Entretanto, comparando-a com a realidade podemos
inferir que muitas são as dificuldades que se apresentam para serem superadas uma vez que de nada adianta o direito à educação se não lhe for
possibilitado o direito à permanência na escola e o êxito.
Percebemos que os resultados de avaliação em larga escala, bem
como os índices do desenvolvimento da educação básica são endeusados
em detrimento de uma educação que consiga dialogar com as diferentes e
diversas intencionalidades do fazer pedagógico e com as condições de
trabalho instituídas, assim como com uma formação que possibilite compreender o contexto social de onde vem o público da escola pública.
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Se concebemos que a educação/escola, ainda tem um caminho a
trilhar vislumbramos também no percurso histórico e pelas políticas públicas adotadas principalmente da última década, que já avançamos
quando percebemos que consideram as minorias como uma prioridade
no acesso à educação. Não que a educação deve se voltar exclusivamente
para estas, mas deve sim, diminuir as injustiças e as diferenças históricas,
contribuindo para que especialmente a educação pública em seus diferentes níveis realmente cumpra o papel para o qual foi criada.
Interseccionando, movimentos sociais, pobreza e educação:
uma perspectiva das redes emancipatórias.
Compreender as relações estabelecidas na sociedade que alicerçaram a sua constituição histórica, é um desafio a ser desvelado sob a
ótica das redes emancipatórias na busca de explicações que concebam
este processo articulado com as possibilidades de compreensão da realidade. É preciso pensar a sociedade e a humanidade a partir de manifestações permeadas pela historicidade, a fim de entender a realidade, pois
este processo converge no entendimento de um fenômeno continuo de
transformação.
Desta forma, a insatisfação com a realidade vivenciada, ou
mesmo, as reflexões advindas da necessidade de se romper com paradigmas, apontam para a necessidade de perceber a relação entre os movimentos sociais, pobreza e educação numa perspectiva de superação e
entendimento sobre a realidade pautadas na reflexão e apontamentos a
partir da análise das redes emancipatórias como interlocutores desta relação. Compreender os sujeitos e o processo como um todo, é o primeiro
passo para se conceber um entendimento com fundamentação histórica,
cultural, indispensáveis para clarificarmos a percepção do cenário vislumbrado hoje.
Percebe-se desta forma que nos últimos anos, em especial a partir
dos anos 2000, questões como a exclusão, inclusão social, diminuição da
pobreza e acesso aos bens comuns explicitados na Constituição Federal,
ganharam destaque nas discussões e propostas de ações que buscavam
diminuir as desigualdades e aumentar as possibilidades de uma vida mais
digna para população brasileira.
Este movimento em favor da população brasileira, em prol da
diminuição das diferentes condições em que o povo trabalhador estava
inserido tanto na garantia de seus direitos básicos como nas oportunida-
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des, nasceu da organização da sociedade afim de que as mazelas históricas e culturais fossem erradicas do contexto social, diminuindo também a
pobreza até então escancarada em nossa sociedade.
Percebemos desta forma, um aumento considerável nas políticas
emancipatórias e de abertura de programas que passaram a atingir boa
parcela daqueles excluídos pela própria sociedade que os distanciavam
dos direitos básicos e da garantia das condições mínimas de sobrevivência e por que não da própria dignidade humana. Essas iniciativas promoveram a diminuição das diferenças sociais, a segregação social e marginalização de inúmeros brasileiros e passaram a dar acesso aos bens comuns
do convívio em sociedade e romperam com um modelo de sociedade
excludente, discriminatória em que predominava a concentração de riqueza e poder nas mãos de poucos e passou a envolver o povo de forma
mais efetiva, buscando integrá-los em ações e políticas públicas que atendessem as necessidades destas classes esquecidas até então.
Neste cenário, a população brasileira começou a perceber significativa melhora a partir do momento que as políticas públicas passaram a
olhar para as classes menos favorecidas e esquecidas da sociedade, promovendo o empoderamento dos sujeitos, garantindo-lhes condições básicas, como acesso à educação, energia elétrica, casa própria, entre outras
ações que vieram a refutar a necessidade de se promover a inclusão das
possibilidades para aqueles que por muito tempo estiveram as margens da
marginalização e esquecimento em nossa sociedade. Ações estas, vislumbradas e percebidas em nosso país especialmente a partir de 2003, com
um governo popular, que contribuíram para que milhões de brasileiros
saíssem da linha de pobreza e passassem a ser considerados como sujeitos
capazes de com condições promover os próprios meios de subsistência.
O progresso se deu a partir do momento que a população passou
a ser o centro das discussões e interesse da classe política e também por
ações que passaram a ganhar voz através de movimentos sociais organizados com o objetivo marcado por lutas de reivindicação e garantia dos
direitos até então descumpridos ou até mesmo ignorados. A partir do
momento que a sociedade passou a ouvir as vozes silenciadas, passamos
a ter realidade, com novas perspectivas, onde o exercício da cidadania
participativa passou a ser uma prática mais comum.
Dessa forma, ouvir o povo é o primeiro caminho para se firmar
ações que contemplem suas necessidades. Ainda, a participação dos sujeitos na sociedade também começou a ganhar destaque com sua efetiva
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inserção e discernimento sobre as questões de decisões participativas,
democráticas, através de diversas formas organizacionais que passaram a
ser uma prática constante, a fim de tornar as decisões e ações voltadas
prioritariamente às classes menos favorecidas.
Também destaca-se que a união da sociedade através de movimentos sociais e sindicatos possibilitou mudanças na sociedade, vislumbrando mais organização e principalmente lutas por causas de interesse
daqueles buscavam seus direitos a partir da garantia desses, dando voz
àqueles que estavam silenciados e por vezes coagidos, mas que pelo poder de mobilização e sensibilização conseguiram romper com práticas
manipuladoras que instituíam-se em nossa sociedade.
As múltiplas possibilidades e programas passaram a olhar a sociedade brasileira, a partir de 2010 com o objetivo de compreender que as
mazelas sociais necessitavam ser diminuídas, e possibilitaram o incremento de ações até então não desenvolvidas, buscando promover maior
equidade e condições básicas em todas as áreas da sociedade, não negligenciando para tanto nenhum direito, tampouco desconsiderando qualquer que seja o cidadão, apenas passou-se a atender aqueles que no percurso histórico foram esquecidos.
Indiscutivelmente uma das contribuições mais importantes para
a conquista de novas e melhores possibilidades para a população foram
os movimentos realizados pelas diferentes classes menos favorecidas
denominadas como os movimentos sociais, que se constituíram historicamente pela necessidade de fazer-se reconhecer enquanto sujeito na
sociedade.
Convém, diante do exposto, conceber que as preocupações com
e pela luta de classes em busca de uma sociedade mais justa, igualitária,
com mais possibilidades e oportunidades é multicultural e transcende a
luta por causas próprias em favor da coletividade mesmo que de forma
representativa, apontando assim a legitimidade de suas ações a fim de
tornar a sociedade mais homogênea sob o ponto de vista da igualdade
social.
Neste sentido Gohn, (2013, p.90) afirma que os programas e projetos governamentais direcionados para ―grupos excluídos, em situação
de vulnerabilidade social, também tem procurado focalizar estes grupos‖.
Diminuem-se assim a distância entre os grupos identitários e aumentam
as possibilidades de superação de mazelas de uma sociedade que pouco
se importa com a equidade.
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Nesta mesma linha, os movimentos indenitários constituíram-se
em grupos que buscavam seus direitos e reconhecimento garantidos bem
como o respeito às diferenças. Centramo-nos, porém, em analisar as relações oriundas dos movimentos sociais na busca pela superação da pobreza, articuladas com as contribuições da educação para que estes movimentos avançassem na direção de conquistar garantias de suas lutas e
compreender a escola como um espaço de transformação social, comprometida em construir um mundo menos desigual, mais justo e democrático, e diverso.
Ainda, possibilitar que os sujeitos desenvolvam novas concepções de mundo, estabelecendo relações com seus espaços e tempos, promovendo a emancipação dos sujeitos conferindo-lhes centralidade, e, se
comprometendo com a transformação social. Estabelece-se assim, uma
das relações entre os movimentos sociais e a educação na sociedade, a de
torná-lo centro das dinâmicas estabelecidas, buscando, compreendê-lo e a
integrá-lo de várias formas.
Em que pese as relações e diálogos entre pobreza, movimentos
sociais e a educação, vislumbramos que a escola neste complexo contexto, pode ser compreendida como o centro das relações de mediação e
reflexão para o entendimento de como este processo se instituiu historicamente, uma vez que esta possibilita através do conhecimento transcender ao imaginário e ao senso comum.
Destacamos também que ao
longo da história brasileira, muitos foram os movimentos educacionais
que se comprometeram com o processo de transformação social, denunciando desigualdades, injustiças e opressões e propondo uma educação
libertadora, mais conectada com a luta dos coletivos oprimidos (FREIRE, 1987).
Tal entendimento possibilita inferir que a os movimentos sociais,
as lutas e manifestações que buscam garantir melhores condições de vida,
acabam impulsionando movimentos democráticos com vistas a políticas
públicas bem como a de uma educação mais próxima e comprometida
com a realidade e a transformação social.
A necessidade de se estabelecer esta discussão sobre as questões
emergentes em nossa sociedade interseccionando-se movimentos sociais,
pobreza e educação, são pertinentes quando refletimos sob a luz das contribuições de Scherer-Warren (2012), que ao abordar a temática afirma:
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A noção de exclusão social advém de uma trajetória de longa data, a
qual inclui estudos sobre pobreza, marginalidade, estigma, discriminação, desponderamento, nova pobreza, despossuídos, carência, vulnerabilidade social e outras varrições (2012, p. 81).
Assim compreender a exclusão e a inclusão social sob a perspectiva das redes emancipatórias enquanto processo social, enquanto condição humana e enquanto forma de sociabilidade, trazendo elementos empíricos relevantes para se pensar as formas e possibilidades organizativas
e articulatórias dos setores mais excluídos e discriminados com outras
forças sociais em movimentos na sociedade. (SCHERRER – WARREN,
2012), a inter-relação entre a pobreza, movimentos sociais e educação se
estabelece a medida que compreendemos os mesmos como fenômenos,
que se constituem historicamente e são constituídos em tempos e espações que se articulam ao longo da história.
Se a busca pela superação da exclusão social se dá através da inclusão social com a luta por direitos e garantias, a educação também se
constitui por movimentos organizados, como anteriormente visto, pelo
aumento de vagas, pelo acesso, pela qualidade, lutas que estabeleceram
de forma mais colaborativa e participativa na última década, com o Plano
Nacional da Educação, os programas e projetos de universalização do
saber, com a expansão das escolas técnicas e universidades federais, as
políticas públicas educacionais de cotas, financiamento estudantil, o que
ocorreu pela ideologia política que ouviu as necessidades manifestadas
pela sociedade que clamava por mais igualdade e possibilidade.
Nesse âmbito, percebemos que se estabelecem mais relações com
a reflexão proposta à medida que vislumbramos o entendimento que os
sujeitos se constituem e estabelecem relações com a sociedade, delineando perspectivas e condições a serem superadas, buscando emancipar-se
enquanto partícipes de um processo evolutivo.
Considerações finais
A partir dessa discussão e das contribuições das concepções das
redes emancipatórias para compreensão da realidade posta, observamos
que tal entendimento se faz necessário, principalmente para concebermos
a construção histórica dos sujeitos como responsáveis na mobilização
pela garantia de seus direitos, na busca da superação das desigualdades
socioeconômicas que permeiam a sociedade e a escola, bem como, na
percepção de que a escola deve ser um espaço democrático, inclusivo e
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com a função de além de ser responsável em construir o conhecimento,
possibilitar aos sujeitos a interação e o seu desenvolvimento, percebendoo e acolhendo-o independentemente de sua classe social, só assim teremos uma sociedade que possa ver e tratar a todos com mais equidade,
indispensável para o contexto social, cultural e econômico na atualidade.
Desta forma, compreende-se após as reflexões e relações teóricas
que referenciaram esta discussão, que educação e direitos humanos, podem convergir na possibilidade de constituir o homem e a sociedade de
forma singular, pois possibilita mudar, transformar, e estas ações, sustentam a construção de uma maneira de ser e de atuar na realidade humana,
ou seja, educação como uma prática compreendida como parte dos direitos humanos, pode contribuir para o aperfeiçoamento do conhecimento e
das relações cotidianas, visto que esta mútua colaboração pode a partir da
compreensão teórica e da reflexão romper com as injustiças institucionalizadas e possibilitar ao homem perceber-se e constituir-se sujeito da construção histórica na sociedade.
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PAPEL DA PSICOLOGIA NO
ACOLHIMENTO DOS MIGRANTES EM
SOFRIMENTO PSÍQUICO
Valdemir José Debastiani
Joana Silvia Mattia Debastiani
Sandro Ronei Golçalves
Introdução
As impressionantes imagens dos migrantes que se dirigem aos
países do norte, que são constantemente veiculadas pelos noticiários e
redes sociais, são uma demonstração de que o sistema jurídico e institucional de refúgio, erigido após a Segunda Guerra Mundial, não é suficiente para responder a situações de crise do século XXI.
As movimentações humanas contemporâneas se dão na sua
imensa maioria forçadamente, onde homens, mulheres e crianças são
obrigados a deixar seus lares em busca de sobrevivência, onde as dificuldades que encontrarão no caminho parecem não ser maiores daquelas
que pretendem deixar para trás: guerras, perseguições, ameaças, desastres
naturais entre outras. Para o migrante é a busca incessante da manutenção da vida com a chegada à terra prometida. Para os países ―acolhedores‖ é o surgimento desenfreado de ―inimigos‖, a personificação coletiva
do mal.
Assim, o artigo é separado em duas seções, sendo primeiramente
tratadas as migrações contemporâneas e por fim, os sofrimentos psíquicos
e o trabalho da psicologia no acolhimento dos migrantes. As seções buscam responder o problema da pesquisa que consiste em saber como: a
psicologia pode contribuir para o acolhimento dos migrantes em situação
de sofrimento psíquico?
Através do método de desenvolvimento dedutivo e da técnica de
pesquisa bibliográfica, tem-se como possível hipótese a necessidade de
um olhar diferenciado da psicologia, a fim de compreender holisticamen-
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te o sofrimento psíquico do migrante, diante de todas as condições extremas e das vulnerabilidades que o acompanham.
Processos migratório contemporâneos
O fenômeno migratório é evidente ao longo de toda a história da
humanidade, mas tem se acentuado com a influência da globalização, até
o ponto de alterar o crescimento das populações, gerando impactos tanto
no desenvolvimento como na configuração sociocultural dos países de
origem e de destino. Segundo Julios-Campuzano1 ―desde que el mundo es
mundo, el hombre ha deambulando por la superficie terrestre buscando mejor
fortuna, luhares menor inhóspitos y condicionaes más favorables de vida”.
Os fluxos de deslocamentos do século XXI podem ser pensados
como uma atualização das primeiras grandes migrações humanas que
povoaram os atuais continentes. Porém, não há mais terras a descobrir ou
colonizar. Esses movimentos migratórios operam a transferência de indivíduos da jurisdição de um Estado para outro. O que alicerça atualmente
a acolhida do imigrante pelo Estado é a ―fronteira‖ simbólica erguida
entre a inclusão e a exclusão, entre os desejáveis e os indesejáveis, a
exemplo do turista e do executivo2 e dos estrangeiros. É essa fronteira que
embasa aqueles que serão acolhidos pela ordem social, cultural, econômica e política estatal. É ela também que separa aqueles que terão direito
a ter direitos dos que não serão contemplados.
Contudo, não estamos falando de turistas ou de migrantes voluntários, mas de pessoas que encontram no refúgio a única alternativa para
continuarem vivas. Milhares de pessoas sem perspectivas de vida, devido
à pobreza, à falta de condições básicas de subsistência, às desigualdades e
ao desemprego, optam por tentar uma vida melhor em outro país. Assim,
o imigrante contemporâneo precisa mover-se para não sucumbir e para
manter-se vivo. ―É mais uma tentativa de preservação do que qualquer
outra coisa‖3. Segundo Bauman4 o desejo dos famintos de ir para onde a
1
2
3
JULIOS-CAMPUZANO, Alfonso de. Inmigración y multiculturalidad una
aproximación desde la universalidade de los derechos. In.: JULIOS-CAMPUZANO,
Alfonso de. Direitos humanos, imigração e diversidade: dilemas da vida em
movimentos na sociedade contemporânea. Ijuí: Ed. Unijuí, 2016, p. 155.
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Zahar, 1999.
LUCAS, Douglas Cesar. Direitos humanos, diversidade cultural e imigração: a
ambivalência das narrativas modernas e a necessidade de um paradigma de
responsabilidades comuns. In.: JULIOS-CAMPUZANO, Alfonso de. Direitos
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comida é abundante é o que naturalmente se esperaria de seres humanos
racionais; deixar que ajam de acordo com esse desejo é também o que
parece correto e moral à consciência.
Porém, esses imigrantes oriundos em grande escala de países periféricos, submetem-se a jornadas financeiramente dispendiosas e de alta
periculosidade, não basta isso, as rotas estão sujeitas as ações traiçoeiras e
redes de tráficos de pessoas. Contudo, o êxodo apresenta-se como última
esperança para um povo que ―move-se para não sucumbir e para manterse vivo‖.5
Assim, um dos pressupostos principais de caracterização do processo de migração é a mudança de residência, com essa mudança, a pessoa altera seus vínculos sociais, trabalhistas, econômicos e modifica a
organização de sua vida e das pessoas que com ele entra em contato.
Uma das dificuldades é que muitas das vezes os próprios migrantes não
querem ser identificados como tais, devido às inúmeras discriminações
sofridas, principalmente no que concerne à busca de melhores inserções
nos mercados de trabalho, uma vez que a população não migrante se
sente agredida, amedrontada à iminência de perda de postos de trabalhos
para o imigrante.
Em um mundo arbitrariamente dividido, o migrante, o refugiado, o estrangeiro, parecem ser indesejados por todos. Eles batem à porta
de outras pessoas, que os consideram desconhecidos, estranhos. Temores
construídos desumanizam-os. Estabelecem-se fronteira entre ―nós‖ e
―eles‖. Para muitos, sua existência não justifica os mesmos direitos que
possuem os nacionais. São discursos fundados em pseudos - nacionalismos que relegam ao imigrante a personificação coletiva do mal.
Galeano6 elenca nove formas de personificação coletiva do diabo, assim, o diabo é muçulmano, judeu, negro, mulher, pobre, estrangeiro, homossexual, cigano e índio, ou seja, nessa amostragem só figuram os
―demônios‖ que há séculos ou milênios continuam ―ativos‖ e ―perdu-
4
5
6
humanos, imigração e diversidade: dilemas da vida em movimentos na sociedade
contemporânea. Ijuí: Ed. Unijuí, 2016, p. 96.
BAUMAN, Zygmund. Globalização: as consequências humanas. 1999.
LUCAS, Douglas Cesar. Direitos humanos, diversidade cultural e imigração: a
ambivalência das narrativas modernas e a necessidade de um paradigma de
responsabilidades comuns. In.: JULIOS-CAMPUZANO, Alfonso de. Direitos
humanos, imigração e diversidade: dilemas da vida em movimentos na sociedade
contemporânea. 2016, p. 94.
GALEANO, Eduardo. Espelhos: Uma história quase universal. Porto Alegre:
L&PM, 2008.
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ram‖ ao longo do tempo como a personificação coletiva dos Diabos, ―os
Diabos que em suas mil facetas personificam a diferença, a diversidade, o
pluralismo.‖7 Nesse sentido, na obra literária é possível pensar no diabo
disfarçado de figura humana, ou seja, ele representa a personificação do
mal, com seu poder sobre-humano, imprevisível e não raramente pernicioso e ameaçador, que influencia e perturba a vida humana. Para Bauman
a esse ―outro‖ é lançado uma ―condição de forçada estranheza, guardada
e cultivada pelas fronteiras espaciais estritamente vigiadas, mantido a
distância e impedido de ter um acesso comunicativo regular ou esporádico‖.
Bauman8 sugere que a crise migratória é o resultado de nossa dificuldade de comunicação, de diálogo e de conversação, de nossa incapacidade de perceber o outro como legítimo detentor dos mesmos direitos
que nós, sendo, portanto, um sintoma do modo como construímos relações assimétricas, barreiras e muros em vez de relações simétricas, pontes
e caminhos.
A coexistência moral de todos os homens, independentemente
do pertencimento a determinada condição histórico-cultural, deve orientar de forma direta a compreensão também moral dos direitos humanos,
direitos que sob este viés teriam por finalidade levar o homem à reflexão
de sua condição última enquanto ser universal, fortalecendo o entendimento acerca de sua existência singular e elevando o tratamento jurídico
despedido nas relações a um mínimo ético. Urge, pois, alimentar uma
postura global, quer dizer, pensar globalmente e agir localmente, e de
pensar localmente e de agir globalmente, também quando o assunto são
as migrações.9
Enquanto um processo social, a migração é um complexo fenômeno que envolve a mudança permanente de endereço após cruzar a
fronteira de uma unidade administrativa10. O choque cultural, conceituado como o ―processo paralelo de aprendizagem de significados e habili-
7
SANTOS, André Leonardo Copetti. LUCAS, Doglas Cesar. A (In)diferença no
direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 24.
8
BAUMAN, Zigmund. Estranhos à nossa Porta. Rio de Janeiro: Zahar, 2017
9
BOFF, Leonardo. Ethos Mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Rio de
Janeiro: Record, 2009. p. 26.
10
HULL, D. Migration, adaptation, and ilness: A review. Social Science and Medicine,
13, 25-36, 1979.
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dades e o sentimento de ser aceito‖11, é vislumbrado tanto na migração
interna quanto na internacional. O migrante interno pode sentir-se um
estrangeiro, inclusive dentro do seu próprio país, ocorrendo sentimentos
de estranheza e insegurança que podem ser intensificados pelos valores e
hábitos do novo lugar.
Migrantes em sofrimento psíquico
Avanços teóricos e observacionais no estudo do processo migratório em relação aos fatores sociais e econômicos, têm mostrado que essa
experiência pode encerrar potencial patogênico. O estresse psicológico
inerente às mudanças de residência e ao processo de restabelecimento
torna o migrante particularmente vulnerável aos riscos de morbidade
diferencial em seu novo ambiente. Assim, a condição de migrante possibilita a vivência do novo - nem sempre carrega sentido positivo. Passa
viver a expectativa de um ―novo mundo‖, com uma nova cultura, novas
experiências, novas relações que por sua vez fazem emergir novos entendimentos, novos significados, novas representações. Estes fatores que se
apresentam, inevitavelmente mobilizam questões humanas, dentre elas as
questões psíquicas. Estas experiências poderão ser vivenciadas como uma
situação de desamparo e desencadear outras situações de crise.
A mudança para outra sociedade e cultura coloca em xeque o
modo de ser, o modo de ver o mundo, o modo de se ver e o modo de se
relacionar, trazendo à tona a questão de quem se é. Esse desconcerto está
relacionado ao fato de que as pessoas são socializadas em uma determinada cultura e isso significa uma incorporação marcante de formas de
sentir, de pensar e de agir que envolvem processos de identificação intensos12.
O indivíduo que migra entrará em contato com uma nova cultura e precisa abrir mão de tudo que lhe é conhecido e mergulhar em um
mundo que requer novas representações e novos significados. Isso significa vivenciar uma experiência de desamparo na qual a não compreensão
cultural afeta o bem estar psicológico e dificulta a sua adaptação.
11
12
MOTA, Eduardo Luiz Andrade; FRANCO, Anamélia Lins e Silva; MOTTA,
Mirella Cardoso. Migração, estresse e fatores psicossociais na determinação da saúde
da criança. Psicologia: Reflexão e Crítica, 12(1), 119-132. p. 126.
DANTAS, Sylvia. Sujeitividade e migração: Uma abordagem intercultural profunda
a partir das migrações brasileiras. In. GUANAES-LORENZI, Carla. et al. Psicologia
Social e Saúde: da dimensão cultural à político‐institucional. Florianópolis: Abrapso;
Edições do Bosque CFH/UFSC, 2015.
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Um migrante em estado de privação, com a perda prolongada de referenciais próprios, sofre e vivencia uma crise. Toda crise implica em
ruptura ou separação, mesmo que apenas como realidade psíquica.
São períodos de transição que representam para o indivíduo tanto uma
oportunidade de crescimento como um perigo de aumento da vulnerabilidade e enfermidade psíquicas13.
As relações sociais de um grupo social já estabelecido, a organização, a cultura, os costumes, a língua são alteradas com a chegada do
migrante e este, por sua vez, passa a ser a personificação do outro. Este
outro que ora se apresenta na figura do migrante, passa a viver uma sensação de estranhamento e incompreensão dos padrões estabelecidos podendo sofrer a rejeição e o isolamento do grupo pré-estabelecido e/ou
despertar no grupo sentimento de rejeição, exclusão, isolamento14.
Todas estas situações a que estão submetidas os migrantes, fazem com que este viva situações de desorganização interior. A estas situações de desorganização individual e social, cabe a psicologia um processo de acolhimento através da escuta ativa, respeitando a bagagem individual que cada um traz, bem como ser um meio de reorganização das
estruturas sociais de acolhimento e respeito ao diferente. Transformando
indivíduos que vivem em condições de ‗não ser‘, em sujeitos acolhidos e
aceitos em um novo ambiente.
Adoção de uma estratégia alternativa para adaptação a um novo ambiente é reconhecidamente dependente do grau de diferença cultural entre o grupo migrante e a população hospedeira e o grau de consciência
dos migrantes em relação a tais diferenças15.
A condição de migrante, facilmente pode ser sentido pelos que a
vivem como uma experiência do ―não ser‖. A marca divisória entre o ser
e o não ser é assim facilmente transpassada, uma vez que este ao migrar
não mais pertence ao grupo de onde saiu e ainda na condição de cidadão
estrangeiro não vive plenamente inserido ou não é plenamente acolhido
no contexto que está vivendo. Saudade, trabalho e solidão são fatores
psicossociais que acompanham o migrante na sua jornada. Por isso, é
13
14
15
SILVA, Mariana Bassoi Duarte da; CREMASCO, Maria Virginia Filomena.
Migração e Refúgio, contribuições da Psicologia.
Disponível em
http://www.dedihc.pr.gov.br/arquivos/File/2015/migracaorefugiopsicologia.pdf.
SILVA, Mariana Bassoi Duarte da; CREMASCO, Maria Virginia Filomena.
Migração e Refúgio, contribuições da Psicologia.
Disponível em
http://www.dedihc.pr.gov.br/arquivos/File/2015/migracaorefugiopsicologia.pdf.
MOTA, Eduardo Luiz Andrade; FRANCO, Anamélia Lins e Silva; MOTTA,
Mirella Cardoso. Migração, estresse e fatores psicossociais na determinação da saúde
da criança. Psicologia: Reflexão e Crítica, 12(1), 119-132. p. 126.
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comum que migrantes construam práticas e espaços coletivos para manter o laço afetivo com sua cultura de origem, protegendo, assim, o sentimento e a ficção construída sobre si.
A mudança forçada de país impõe ao migrante múltiplas perdas,
já que deixa para trás familiares, amigos, trabalho, ambiente físico, língua, normas sociais, locais conhecidos e a memória social. Somado a
isso, deve ajustar-se a um novo local, aprender novos códigos sociais, já
que a sua forma de agir não mais corresponde ao entorno. Mudanças
culturais também ocorrem na sociedade hospedeira. As concepções identitárias também mudam a partir do contato. Essas mudanças podem tomar uma ―direção positiva, de ampliação e enriquecimento cultural da
sociedade, ou negativa, de enrijecimento e acirramento de preconceitos,
de fronteiras nacionais e de políticas públicas que abarcam essa população‖16.
O contato entre culturas é naturalmente gerador de estresse17,
pois a saúde está atravessada pela cultura em todos os sentidos. Quando
as pessoas que migraram começam a mostrar claros sinais de estresse, em
níveis psicossomáticos ou interpessoais, essas manifestações tendem a ser
vistas fora de contexto, como reações idiossincráticas. Há pesquisas que
demonstram que, nos anos seguintes a uma mudança geográfica ocorre
maior abuso de álcool, violência familiar, ocorrem mais divórcios e tanto
as crianças como os adultos sofrem uma maior quantidade de acidentes e
doenças.
Assim, o papel da psicologia visa, portanto, contribuir para a
ampliação dos diversos olhares que permeiam os fenômenos migratórios
por descrever e compreender a influência dos fatores culturais no desenvolvimento, nos comportamentos e no sofrimento psíquico dos migrantes. Assim, o papel da psicologia é essencial no acolhimento dessas pes-
16
17
DANTAS, Sylvia. Sujeitividade e migração: Uma abordagem intercultural profunda
a partir das migrações brasileiras. In. GUANAES-LORENZI, Carla. et al. Psicologia
Social e Saúde: da dimensão cultural à político‐institucional. Florianópolis: Abrapso;
Edições do Bosque CFH/UFSC, 2015. p. 79.
O termo estresse de aculturação refere-se a um tipo de estresse desencadeado pelo
processo de aculturação, da realização de que há formas distintas de ver e estar no
mundo, que têm repercussões concretas em todas as dimensões da vida. O estresse de
aculturação reduz a saúde dos indivíduos em seus vários aspectos, físico, psicológico
e social. DANTAS, Sylvia.. Subjetividade e migração: Uma abordagem intercultural
profunda a partir das migrações brasileiras. In. GUANAES-LORENZI, Carla. et al.
Psicologia Social e Saúde: da dimensão cultural à político‐institucional.
Florianópolis: Abrapso; Edições do Bosque CFH/UFSC, 2015. p. 84.
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soas, promovendo o acesso à saúde mental e colaborando para sua integração, visando à garantia de direitos, à emancipação e à liberdade.
Considerações Finais
O acolhimento ao migrante precisa ser fortalecido, não sendo
apenas desenvolvido como atividades caritativas. O migrante, enquanto
‗outro‘, precisa ser acolhido em sua dignidade humana, por meio de políticas de inclusão e inserção em suas diversas faces, preservando a individualidade e a sujeitidade dos mesmos. A acolhida ao ‗outro‘, passa pelo
respeito ao diferente e as suas formas de manifestações de sujeitidade.
Observou-se que, cabe à psicologia, compreender holisticamente o sofrimento psíquico do migrante, diante de todas as condições extremas e das
vulnerabilidades que o acompanham.
Ainda, de modo geral, o enfrentamento para a chamada crise
imigratória não está na construção de muros, em deportações, criminalizações ou no reconhecimento da personificação coletiva do mal. O enfrentamento se dará através de diálogos multiculturais. Além disso, demonstra-se necessário o resgate de sentimentos de cuidado, com a necessária aceitação de que é possível ter igualdade preservando as diferenças.
Em vez de culpabilizar os estranhos que batem à nossa porta, cabe uma análise mais profunda do sistema econômico-político global vigente. Muito mais que culpados pelo caos migratório atual, os migrantes
são vítimas das mais diversas situações vividas em suas pátrias.
Referências
BAUMAN, Zygmund. Globalização: as consequências humanas. Rio
de Janeiro: Zahar, 1999.
BAUMAN, Zigmund. Estranhos à nossa Porta. Rio de Janeiro: Zahar,
2017
BOFF, Leonardo. Ethos Mundial: um consenso mínimo entre os
humanos. Rio de Janeiro: Record, 2009.
DANTAS, Sylvia. Sujeitividade e migração: Uma abordagem
intercultural profunda a partir das migrações brasileiras. In. GUANAESLORENZI, Carla. et al. Psicologia Social e Saúde: da dimensão cultural
à político‐institucional. Florianópolis: Abrapso; Edições do Bosque
CFH/UFSC, 2015.
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GALEANO, Eduardo. Espelhos: Uma história quase universal. Porto
Alegre: L&PM, 2008.
HULL, D. Migration, adaptation, and ilness: A review. Social Science
and Medicine, 13, 25-36, 1979.
JULIOS-CAMPUZANO, Alfonso de. Inmigración y multiculturalidad
una aproximación desde la universalidade de los derechos. In.: JULIOSCAMPUZANO, Alfonso de. Direitos humanos, imigração e
diversidade: dilemas da vida em movimentos na sociedade
contemporânea. Ijuí: Ed. Unijuí, 2016, p. 155.
LUCAS, Douglas Cesar. Direitos humanos, diversidade cultural e
imigração: a ambivalência das narrativas modernas e a necessidade de
um paradigma de responsabilidades comuns. In.: JULIOSCAMPUZANO, Alfonso de. Direitos humanos, imigração e
diversidade: dilemas da vida em movimentos na sociedade
contemporânea. Ijuí: Ed. Unijuí, 2016, p. 96.
MOTA, Eduardo Luiz Andrade; FRANCO, Anamélia Lins e Silva;
MOTTA, Mirella Cardoso. Migração, estresse e fatores psicossociais na
determinação da saúde da criança. Psicologia: Reflexão e Crítica, 12(1),
119-132. p. 126.
SANTOS, André Leonardo Copetti. LUCAS, Doglas Cesar. A
(In)diferença no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p.
24.
SILVA, Mariana Bassoi Duarte da; CREMASCO, Maria Virginia
Filomena. Migração e Refúgio, contribuições da Psicologia. Disponível
em http://www.dedihc.pr.gov.br/arquivos/File/2015/migracaorefugio
psicologia.pdf.
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POLÍTICAS PÚBLICAS PARA GARANTIA
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO
TRABALHADOR IMIGRANTE
Lupércia Daiane Colossi Dal Piaz
Márcia Luíza Pit Dal Magro
Irme Salete Bonamigo
Introdução
Grande parte dos movimentos migratórios internacionais está relacionada a fatores econômicos, tais como a busca pelo trabalho e a fuga
de situações de pobreza, os quais são importantes ―impulsionadores dos
fluxos migratórios globais‖ (COGO, 2013).
A consolidação da participação dos imigrantes no mercado de
trabalho coloca em pauta diversos questionamentos relativos às desigualdades vivenciadas por esse núcleo populacional em distintas esferas das
relações sociais, aparecendo de maneira expressiva na seara laboral. As
assimetrias sociais as quais são submetidos referem-se ―a diferenças no
acesso, permanência e ascensão profissional de trabalhadores imigrantes‖
(SILVA; MANDALOZZO; SILVA, 2018, p. 53).
O fluxo migratório é uma característica histórica no Brasil, contudo, a presença de imigrantes no mercado de trabalho formal brasileiro
tem crescido exponencialmente nos últimos anos, nas mais diversas atividades (CAVALCANTI; OLIVEIRA; TONHATI, 2015), potencializando, assim, o debate acerca do trabalho decente promovido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Segundo a OIT (2009), o conceito de trabalho decente está relacionado à observância de quatro pilares estratégicos: a aplicação dos
princípios e direitos fundamentais na atividade laboral, a promoção de
melhores condições de emprego, a extensão da proteção social e, principalmente, o fortalecimento do diálogo social como meio de inserção do
imigrante.
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Todavia, na maioria das vezes o acolhimento com dignidade
dessas pessoas não acontece, visto que ―a soberania do Estado, a reciprocidade diplomática e os interesses econômicos acima de quaisquer aspectos humanos impedem que sejam ofertados direitos à participação efetiva
dos imigrantes no espaço público‖ (SILVA; MANDALOZZO; SILVA,
2018, p. 54).
A Lei nº 13.445/2017 (BRASIL, 2017) representou um avanço
em relação à questão dos estrangeiros que vivem no Brasil, fundamentando a política migratória brasileira em princípios e diretrizes a serem
perseguidos na concretização dos direitos humanos e na busca da igualdade de tratamento ao imigrante.
Nesse sentido, para que os direitos fundamentais do trabalhador
imigrante sejam garantidos, deve-se pensar em políticas públicas que
promovam o desenvolvimento humano e gerem trabalho decente a esta
população. Assim, objetiva-se neste ensaio problematizar questões vivenciadas no recente processo migratório brasileiro, a fim de gerar reflexões
com vistas à promoção de políticas públicas destinadas à garantia dos
direitos fundamentais do trabalhador imigrante.
De abordagem qualitativa, o presente estudo utilizou como método a pesquisa bibliográfica e documental, sendo elaborado especialmente com o auxílio de informações obtidas nos relatórios do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) e na legislação relacionada
ao tema.
2.
Desenvolvimento teórico
Imigração, trabalho e direitos fundamentais
O fenômeno migratório existe há muito tempo como um fator
social e histórico da humanidade. Suas características se reproduzem
―principalmente em torno da seleção dos destinos, identidades de grupos
sociais, políticas públicas de controle e gerenciamento‖ (TEDESCO;
KLEIDERMACHER, 2017, p. 9). Inúmeros motivos levam um povo a
migrar, entre os quais sempre estiveram presentes as questões culturais,
econômicas, políticas e religiosas (TEDESCO; KLEIDERMACHER,
2017).
A mobilidade humana entre países em desenvolvimento, denominada Migração Sul-Sul, tem crescido de forma progressiva nas últimas
décadas, originando-se por uma pluralidade de motivos, entre eles a
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―existência de modelos econômicos que privilegiam minorias nacionais
em detrimento dos interesses coletivos‖ (VILLAMAR; ALMEIDA,
2017, p. 11), a presença ―de redes de migrantes, facilidades à circulação,
convênios multilaterais e acordos de integração regional entre países
vizinhos‖ (VILLAMAR; ALMEIDA, 2017 apud RATHA; SHAW, 2007;
RAMÍREZ, 2016, p. 11), e também, a busca pelo trabalho (CAVALCANTI; OLIVEIRA; TONHATI, 2017). A migração Sul-Sul inclui migrantes com perfis de trabalhadores, que buscam na mobilidade a inserção no mercado de trabalho (CAVALCANTI; OLIVEIRA; TONHATI,
2017).
Nesse contexto, o Brasil ganha cada vez mais destaque enquanto
polo de atração nesse processo de imigração (TEDESCO; KLEIDERMACHER, 2017). Ao contrário dos fluxos migratórios históricos,
[...] que apesar da diversidade de origens nacionais prevalecia o componente europeu, desde os anos 1980 o Brasil experimenta uma mudança de perfil, com uma presença cada vez maior de latinoamericanos e caribenhos, africanos e asiáticos, vinculados a todos os
setores da economia, em atividades que exigem alta ou escassa qualificação. A chegada destes novos contingentes de população vem modificando as percepções sociais e estatais em relação ao fenômeno migratório e supõe novos desafios, ao passo que exige modificações e novas
respostas tanto na legislação como nas políticas públicas geradas pelas
autoridades em prol de garantir o acesso aos direitos humanos, à cidadania, ao trabalho e à vida digna, assim como no combate ao aumento
da xenofobia e de crescentes formas de discriminação (VILLAMAR;
ALMEIDA, 2017 apud NEVES, 2017; CAVALCANTI; OLIVEIRA;
TONHATI, 2017; DANIEL, NEGROMONTE e CHARMITE, 2017,
p. 13).
Diante do crescimento significativo de imigrantes que chegaram
ao país entre 2005 e 2015 e como resultado da mobilização da sociedade
civil (ASSIS, 2018), foi sancionada a Lei nº 13.445/2017, denominada
Lei de Migração (BRASIL, 2017).
A nova legislação, que entrou em vigor no dia 22 de novembro
de 2017, revogou expressamente o Estatuto do Estrangeiro (BRASIL, Lei
nº 6.815/1980), que foi elaborado durante a ditadura militar e privilegiava a segurança nacional e a proteção do trabalhador nacional. O referido
Estatuto adotava claras restrições em relação aos imigrantes, os quais
eram vistos ―como potencial ameaça aos interesses do país‖ (CLARO,
2017), violando, assim, os tratados internacionais de direitos humanos
celebrados pelo Brasil (Como exemplo a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto de San José da Costa Rica), bem como os princí-
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pios e garantias fundamentais estabelecidos na Constituição Federal de
1988.
Atualmente, existe adequação pela legislação aos preceitos da
Constituição Federal, que têm como fundamento principal a igualdade de
todos perante a Lei, ―sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade‖
(CFRB/1988, art. 5º, caput); os fundamentos da dignidade da pessoa
humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa
(CFRB/1988, art. 1º, incisos III e IV); e o objetivo fundamental de ―promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação‖ (CFRB/1988, art. 3º, IV).
A recente Lei de Migração representa um avanço em relação à
questão dos estrangeiros, uma vez que fundamenta a política migratória
brasileira em princípios e diretrizes adequados à perspectiva dos direitos
humanos e à igualdade de tratamento ao imigrante, instituindo a acolhida humanitária, o repúdio à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas
de discriminação, sua inclusão social, laboral e produtiva por meio de
políticas públicas, bem como acesso igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência
jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade
social (BRASIL, Lei nº 13.445/2017, art. 3º).
Referidos direitos sociais são considerados direitos fundamentais
de segunda dimensão, que segundo Wolkmer (2012, p. 128) são ―fundados nos princípios da igualdade e com alcance positivo, pois não são
contra o Estado, mas ensejam sua garantia e concessão a todos os indivíduos por parte do poder público‖, tratando-se, assim, do direito ao trabalho, à saúde, à educação, os quais tem como sujeito passivo o Estado.
Muitos dos direitos sociais atribuídos aos brasileiros são extensíveis aos imigrantes. No tocante à inserção dos trabalhadores estrangeiros
no mercado de trabalho, estes passaram a ter tratamento equiparado ao
dos brasileiros, uma vez que a nova política migratória brasileira declara
expressamente o ―acesso igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica
integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social‖
(BRASIL, Lei nº 13.445/2017, art. 3º, XI), sendo assegurada a ―garantia
de cumprimento de obrigações legais e contratuais trabalhistas e de aplicação das normas de proteção ao trabalhador, sem discriminação em
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razão da nacionalidade e da condição migratória‖ (BRASIL, Lei nº
13.445/2017, art. 4º, XI).
A partir da década de 2010, o país passou a vivenciar um aumento de novos e diversificados fluxos migratórios, inclusive de caráter laboral (CAVALCANTI; OLIVEIRA; TONHATI, 2017, p. 105), sendo que a
presença de imigrantes no mercado de trabalho formal brasileiro está
―crescendo exponencialmente nos últimos anos‖ (CAVALCANTI; OLIVEIRA; TONHATI, 2015, p. 9).
Uma das características dos fluxos migratórios Sul-Sul é a ―necessidade imediata, extrema e ininterrupta de trabalhar‖, em razão da
―urgência no atendimento de necessidades materiais básicas (para si e,
muitas vezes, para familiares no país de origem)‖, em muitos casos, fator
determinante da própria sobrevivência (VILLEN, 2015, p. 253-254). Dessa forma, ao chegarem em solo brasileiro os imigrantes podem se tornar
vulneráveis à exploração laboral, uma vez que
[...] na atualidade do Brasil, com as taxas de desemprego que se anunciam, de novo, graves para os próximos anos, não serão poucos os desafios colocados pelo contexto de intensificação dos movimentos migratórios internacionais em escala global. Sem dúvida, a figura do imigrante será muito exposta tanto à exploração do seu trabalho, quanto à
discriminação, ou mesmo a manifestações de xenofobia. (VILLEN,
2015, p. 250).
Em vista da necessidade iminente, essa vulnerabilidade resulta
em uma maior exposição e disponibilidade à exploração laboral e em
todos os âmbitos da vida social em que a presença do imigrante possa se
tornar lucrativa, a exemplo do preço de aluguéis cobrados de cada imigrante dividindo metros quadrados em locais, muitas vezes, insalubres
(VILLEN, 2015, p. 255-256).
Considerados para muitos apenas uma força de trabalho, os imigrantes também são sujeitos de direitos, todavia, ―a realidade demonstra
que os mesmos precisam ser construídos e/ou conquistados na organização, na pressão social e com a mediação de instituições‖ (TEDESCO;
KLEIDERMACHER, 2017, p. 13).
No que diz respeito ao mercado de trabalho no Brasil, estudos relatam que muitos imigrantes sofrem restrições no processo de emprego
qualificado (CAVALCANTI; OLIVEIRA; MACEDO, 2018, p. 146),
demonstrando as adversidades vivenciadas para conseguirem uma inserção laboral
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[...] que permita uma mobilidade social ascendente em relação à posição ocupada na sociedade de origem, em termos econômicos e simbólicos. Em geral, as pesquisas demonstram que nos países de destino os
imigrantes partem de uma posição média na sociedade de origem, mas
perdem essa posição social no momento de chegada ao país de acolhida devido a uma série de fatores da condição migratória (domínio do
idioma, discriminação, revalidação de diplomas, etc.) (CAVALCANTI; OLIVEIRA; TONHATI, 2017, p. 106, apud PIORE, 1979; SASSEN, 1993; MILES, 1986; PARELLA, 2005).
Dessa forma, embora os direitos sociais atribuídos aos brasileiros
sejam extensíveis aos imigrantes, inclusive pelas disposições constitucionais de igualdade, são perceptíveis os desafios vivenciados no processo de
inserção destes trabalhadores, na maioria das vezes em razão da inexistência de políticas de acolhimento (ZAMBERLAM et al, 2013, p. 36-38).
A questão migratória exige o desenvolvimento de políticas públicas locais
que assegurem uma vida digna aos imigrantes (ZAMBERLAM et al.,
2016), sendo imperioso tratar a migração como um tema de direitos humanos, possibilitando que os imigrantes tenham a possibilidade de usufruir das garantias ofertadas pela Constituição Federal (ALMEIDA,
2014).
Crispim e Licandro (2014) consideram a complexidade da acolhida pela falta de uma política pública, no sentido de que
Não é possível jogar em cima dos particulares e das organizações humanitárias uma decisão que é dos governos. O governo federal decide,
mas quem carrega o peso dessas decisões são as pessoas, esquecendo
que o Brasil é formado por imigrantes. Por isso temos que amadurecer
essa ideia de como acolhe-los da melhor maneira com políticas públicas para acrescermos como verdadeira comunidade e não apenas como
potência econômica que busca mão de obra em face de demanda empresarial. O grande desafio da sociedade é mudar essa visão ultrapassada. É preciso aceitar que os haitianos e os novos imigrantes são seres
humanos que buscam sua dignidade de vida e não usurpadores de postos de trabalho ou apenas uma mão de obra barata. O desejo do migrante é ter uma vida digna para si e para os seus, dando coragem e
forças para partir em busca do novo. Novo que significa ser liberto da
miséria, encontrar segurança, trabalho, ter mais instrução, conhecer e
possuir mais, para ser mais pessoa (ZAMBERLAM et. al., 2014, p. 34,
apud CRISPIM; LICANDRO, 2014).
Assim, em que pese o princípio da igualdade estar formalmente
expresso em tratados internacionais e na legislação brasileira, ainda existe
um longo caminho a percorrer para que migrantes internacionais tenham
uma vida digna.
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Políticas públicas e imigração
As políticas públicas voltadas para a população imigrante devem
ser implementadas com diálogo permanente entre o Poder Público e a
sociedade civil, devendo ser formuladas para garantir, principalmente,
direitos fundamentais básicos para uma vida digna, tais como: assistência
social; acesso à saúde; acolhimento do imigrante em situação de vulnerabilidade social; inserção dos filhos na rede educacional de ensino público;
oferta de cursos de capacitação que possibilitem aprimorar o relacionamento com os empregadores, colegas e clientela; possibilidade de acesso
a programas habitacionais que promovam o direito à uma moradia digna;
inclusão aos programas culturais e esportivos locais; proteção ao trabalho
decente com igualdade de tratamento; oferta de trabalho condizente com
sua qualificação profissional de origem, a fim de que sejam enquadrados
em atividades correlatas às suas experiências profissional prévias e/ou
grau de instrução, entre outros.
Além de promover e assegurar estes direitos, é importante que este núcleo populacional seja orientado em relação aos direitos trabalhistas
previstos na legislação brasileira, bem como de que o Ministério Público
do Trabalho (MPT) é o órgão responsável por fiscalizar os contratos de
trabalho, a fim de coibir a exploração da mão de obra, o regime de subemprego e de escravidão, entre outros.
As questões migratórias de trabalho se destacam nos debates do
cenário mundial, estando inseridas na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), que se
traduz em 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), dentre
os quais estão: a proteção aos direitos humanos; a promoção do trabalho
decente para todos; a promoção de políticas orientadas para o desenvolvimento que apoiem a geração de emprego decente; proteção dos direitos
trabalhistas e promoção de ambientes de trabalho adequados para todos
os trabalhadores, incluindo os migrantes, em particular as mulheres migrantes, e pessoas em empregos precários (ONUBR, 2015).
Assim, a superação de todas as formas de discriminação e a elaboração de políticas que promovam o desenvolvimento humano e gerem
trabalho decente constituem requisitos determinantes para o atendimento
das metas previstas na Agenda 2030 da ONU, consequentemente, a redução da pobreza, o fortalecimento da democracia e a construção de uma
sociedade menos desigual (OIT, 2009, p. 72).
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Portanto, para possibilitar a análise da ―posição social que ocupam os imigrantes na atualidade e que ocuparão os seus descendentes no
futuro‖, é fundamental entender a relação entre imigração e o mercado
de trabalho, visto que essa análise é crucial para o direcionamento de
políticas públicas eficazes ―que possam acomodar os imigrantes no mercado de trabalho formal‖, eliminando barreiras sociais e facilitando os
caminhos para a mobilidade social ascendente dos imigrantes no Brasil
(CAVALCANTI; OLIVEIRA; TONHATI, 2015, p. 46-47).
No entanto, vincular as migrações apenas ao mercado de trabalho ―é incorrer em uma limitação teórica e política‖, tendo em vista que
os ―motivos da mobilidade humana são múltiplos e variados‖, marcados
―por dinâmicas que mudam constantemente‖ (CAVALCANTI; OLIVEIRA; TONHATI, 2015, p. 46).
Assim, é imprescindível que as políticas públicas incorporem a
dimensão dos direitos humanos, pois
[...] reduzir os imigrantes à força de trabalho disponível exclusivamente para reprodução do capital, sem uma aposta firme pelos direitos e
pelo pleno exercício da cidadania por parte dos imigrantes, acarretaria
graves consequências para a dignidade da pessoa e com incontáveis sequelas sociais para o futuro. Deste modo, é importante desmarcar-se de
visões que simplificam o multifacetado fenômeno migratório, tanto na
sua versão economicista que reduzem os imigrantes a uma mera força
de trabalho, quanto a vertente humanista que desconsidera a função
produtiva e o impacto na economia da população imigrante (CAVALCANTI; OLIVEIRA; TONHATI, 2015, p. 47).
Referidos autores corroboram que a combinação entre mercado
de trabalho formal e proteção dos direitos humanos, direciona para um
caminho mais realista e eficaz para a gestão das migrações, uma vez que
essa junção
[...] é um bom antídoto para não cair na ironia da famosa frase do romancista Max Frisch ao se referir aos imigrantes que chegavam à Suíça em 1965: ―queríamos mão de obra e chegaram pessoas‖. Continuará chegando mão de obra imigrante no Brasil, mas também pessoas
que adoram outros deuses, gostam de outras comidas e têm cosmovisões de mundo diferenciadas. As políticas de imigração deveriam ir na
via de tratar as migrações na sua complexidade, multidimensionalidade e incluí-la de forma transversal nas diversas políticas públicas (CAVALCANTI; OLIVEIRA; TONHATI, 2015, p. 47).
Conciliar políticas públicas que
grantes no mercado de trabalho formal,
humanos, contribuirá de forma decisiva
―como um ativo para o desenvolvimento
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auxiliem na inserção dos imicom a perspectiva dos direitos
na consolidação da imigração
do país, não somente do ponto
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de vista econômico, mas também cultural, social e político‖ (CAVALCANTI; OLIVEIRA; TONHATI, 2015, p. 47).
Em relação à formulação de políticas públicas para imigrantes,
considerando que o destino final deste núcleo populacional é o município, a atuação do poder público municipal nas questões migratórias é
primordial para ampliar as condições de efetivação dos direitos fundamentais, pois, se o ―município representa o nível institucional mais próximo do cidadão‖ (HERMANY; GIACOBBO, 2017, p. 45), é ele que
deve promover políticas de acolhimento e inserção no mercado de trabalho, a fim de favorecer o direito à igualdade, eliminar barreiras sociais e
promover a transformação da realidade social dos imigrantes, com o
apoio e cooperação da União e dos Estados (BRASIL, Lei nº
13.445/2017, art. 120).
Assim, embora seja de competência da União legislar sobre a
imigração, a obrigação de acolher, acompanhar e fiscalizar recai sobre o
poder público municipal, com o apoio dos demais entes públicos e participação de instituições da sociedade civil. Nesse sentido, o papel dos
municípios se mostra fundamental na questão migratória, pois é neste
ambiente territorial que serão concretizados os direitos dos imigrantes.
Considerações Finais
Atualmente, o Brasil conta com um expressivo número de imigrantes no mercado de trabalho formal. A partir disso, a Lei nº
13.445/2017 representa um importante avanço em relação à questão
migratória brasileira, estando pautada em princípios e diretrizes que buscam a concretização dos direitos humanos e a igualdade de tratamento ao
imigrante. O grande desafio é tornar realidade os direitos e garantias
fundamentais dos quais os imigrantes são titulares, devendo ser repensada de forma mais abrangente sua inserção nos sistemas de proteção social
e laboral.
Nesse sentido, deve-se pensar em políticas públicas que promovam o desenvolvimento humano e gerem trabalho decente a esta população. Políticas despidas de preconceito, que levem em consideração as
diferenças culturais e necessidades específicas de cada imigrante. Políticas
que possibilitem a adaptação do imigrante na sociedade, para que possam
usufruir das oportunidades em igualdade de condições com os brasileiros,
refletindo no avanço social de toda a comunidade local. Políticas públicas
que possibilitem a inclusão laboral de imigrantes em postos de trabalho
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condizentes com seu grau de instrução e qualificação profissional, a fim
de eliminar barreiras sociais e possibilitar sua mobilidade ascendente no
Brasil. Assistência social, ensino público, oferta de emprego decente,
saúde, inclusão em programas culturais e esportivos, programas habitacionais para uma moradia digna, cursos de capacitação e orientação em
relação aos seus direitos trabalhistas previstos na legislação brasileira, são
necessidades fundamentais que devem ser promovidas aos imigrantes
para a construção de uma sociedade mais justa e solidária.
Dessa forma, para que os direitos fundamentais dos imigrantes
sejam garantidos, o município tem vital importância no acolhimento com
dignidade e na adequada inserção laboral desse núcleo populacional,
tendo ônus de formular políticas públicas que atendam as necessidades
básicas elencadas acima, promovendo a transformação da realidade social desta população, por meio de uma cidadania inclusiva que os coloque
no mesmo patamar de igualdade dos cidadãos nacionais.
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RACIONALIDADE HEGEMÔNICA, RISCOS
AMBIENTAIS E IMIGRAÇÕES
Sandra Buaski
Hieda Maria Pagliosa Corona
Maria de Lourdes Bernartt
Introdução
A humanidade se desenvolveu de forma significativa a partir do
uso de sua racionalidade, por meio de técnicas passou a facilitar sua existência e realizar melhorias na produção e em seu crescimento econômico,
através do uso da ciência, muitos benefícios foram conquistados pelos
homens, mas também ocorreu a divisão de classes, sendo que os poderosos detêm o conhecimento e seus benefícios e os grupos considerados
inferiores, acabam sofrendo com a desigualdade social, evidenciada com
a colonização de povos e imposição de novas culturas. Santos (2000)
critica essa epistemologia dominante, estabelecida na crítica ao modelo
racional que se baseia na ciência e na técnica.
Mignolo (2017, p. 13) apresenta que a ―descolonialidade é a resposta necessária tanto às falácias e ficções das promessas de progresso e
desenvolvimento, que a modernidade contempla como à violência da
colonialidade‖. Foi através da colonização de povos, que muitas culturas
foram afetadas e muitas classes passaram a ser vistas como inferiores
pelas classes dominantes.
Usando da ciência, novas técnicas foram desenvolvidas, surgiram às indústrias e com elas os problemas de poluição, desmatamento,
agravando os danos causados ao meio ambiente, assim surgindo os riscos
apresentados por Beck (2010) na obra Sociedade de Risco, como sendo
causados pelo homem.
Na busca por um desenvolvimento acelerado, sem a preocupação
com a degradação dos recursos naturais, o homem provocou o aumento
das catástrofes naturais, e as pessoas mais afetadas vem sendo as classes
marginalizadas, das quais fazem parte os pobres e negros.
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Apresentamos o Haiti por ser um país que vivencia a pobreza e
sofre com as consequências dos desastres que assolam sua população.
Partindo das considerações acima, o objetivo desta pesquisa é analisar as consequências do pensamento hegemônico, e quem está sofrendo com os riscos socioambientais gerados na modernidade.
Para o desenvolvimento deste estudo utilizamos o método de
pesquisa do tipo exploratório, com aporte de pesquisa bibliográfica.
A pesquisa está organizada em quatro seções: a primeira parte
introdutória, a segunda apresenta uma crítica a racionalidade hegemônica, a terceira descreve os riscos ambientais e quem sofre com esses riscos,
direcionando um olhar para o Haiti e em seguida as considerações finais.
Desenvolvimento teórico
Fazer uma crítica à racionalidade hegemônica é falar sobre o
domínio que poucos têm sobre os demais, sendo que os possuidores do
poder determinam as condições que os favorecem e os demais acabam
sofrendo com as consequências, já que sua racionalidade não é considerada.
Sobre o desenvolvimento da epistemologia em tempos de crise,
de acordo com Santos (2000, p. 55-56 apud Piaget, 1967, p. 7) ―A forma
como a crise é identificada condiciona a direção de viragem epistemológica‖. Assim, o conhecimento cientifico ocorre de forma diferente, dependendo da época e dos acontecimentos que acabam influenciando o
surgimento de novas epistemologias.
Boaventura faz uma crítica à epistemologia dominante ―a colonização gradual das diferentes racionalidades da emancipação moderna
pela racionalidade cognitivo-instrumental da ciência levou a concentração das energias e das potencialidades emancipatórias na ciência e na
técnica‖. (SANTOS, 2000, p. 56).
Sobre a colonização da racionalidade, podemos citar Mignolo
(2017, p.13) a ―colonialidade equivale a uma matriz ou padrão colonial
do poder, o qual ou a qual é um complexo de razões que se esconde detrás da retorica da modernidade‖. Muitos povos foram colonizados assim
como sua forma de pensar, sua racionalidade, deixando seus costumes e
modos de vida, passando a adotar o que foi imposto pelo colonizador
como sendo o certo, o aceitável, assim, muitas culturas dos povos que
eram escravizados foram se extinguindo.
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Para Mignolo (2017, p.18), ―as línguas que não eram aptas para
o pensamento racional (seja teológico ou secular) foram consideradas as
línguas que revelavam a inferioridade dos seres humanos que as falavam‖. Assim, muitas línguas foram extintas, pois, os colonizados considerados como inferiores passaram a usar a língua imposta pelos colonizadores.
Neste processo de dominação, muitas culturas foram afetadas pela colonialidade. ―O reconhecimento da diversidade epistemológica do
mundo que a diversidade é também cultural e, em última instância ontológica, traduzindo-se em múltiplas concepções de ser e estar no mundo‖.
(SANTOS, 2000, p. 142). Cada povo possui suas crenças, seus conhecimentos e suas maneiras de se expressar, as quais precisam ser respeitadas.
Através da ciência que o homem conseguiu desenvolver novas
tecnologias, visando maior produtividade, de acordo com Santos (2000),
por meio do domínio da natureza para usá-la em benefício para os humanos. Nesse processo ocorreu a exploração demasiada dos recursos
naturais, a riqueza gerada através do convertimento da ciência em produtividade com o compromisso de ter uma sociedade igualitária levou a
aumentar a desigualdade entre o Norte e o Sul, levando ao aumento da
pobreza, desiquilibrando o desenvolvimento. A promessa de resolver os
problemas da sociedade a partir da ciência fez um efeito de gerar novos
problemas, um deles é o aumento da pobreza, desigualdade de cores,
preconceitos, fome.
Pode-se refletir quem são os indivíduos do Sul e do Norte? Norte
os dominantes a categoria hegemônica, detentora do saber e poder. Do
Sul, são as pessoas que vem sendo mais afetadas por essa falta de acesso
ao desenvolvimento, são as que pertencem às classes pobres e negras que
passam a pertencer a categoria do outro. De acordo com Mignolo (2017,
p. 18) ―hoje a categoria de anthropos (―o outro‖) vulnera a vida de homens e mulheres de cor, gays e lésbicas, gentes e línguas do mundo nãoeuropeu e não-estadunidense‖. Quem não faz parte do pensamento hegemônico se torna uma classe inferiorizada e descriminalizada.
Através do domínio das classes pobres surge a categoria de Terceiro Mundo. Para Mignolo (2017, p. 19) ―O Terceiro Mundo não foi
inventado pelas pessoas que habitam o Terceiro Mundo, mas por homens
e instituições, línguas e categorias de pensamento do Primeiro Mundo‖.
Segundo o autor, esses eram impedidos de se desenvolverem.
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De acordo com Santos (2000, p. 61) o paradigma dominante
acaba ―sendo um modelo global, a nova racionalidade científica é também um modelo totalitário‖. O paradigma dominante não está separado
do pensamento antecedente a ele, mas luta contra as formas que esse
pensamento foi e é imposto a sociedade, sendo baseado na totalidade do
método. Esse paradigma dominante tinha o objetivo de alcançar o conhecimento verdadeiro por meio do empirismo severo. Considerando
apenas uma forma de conhecimento como sendo verdadeiro, não aceitando o censo comum.
Com a crise do paradigma dominante que ocorreu de forma intensa e irreversível, devido às questões sociais e teóricas, surgiu o paradigma emergente, ―uma especulação fundada nos sinais que a crise do
paradigma atual emite, mas nunca por eles determinada‖ (SANTOS,
2000, p. 74).
Fala-se muito sobre a modernidade, mas ainda não chegamos a
modernidade, segundo Santos ―Só a partir da modernidade é possível
transcender a modernidade.‖ (SANTOS, 2000, p. 74), portanto, só após
passar pela modernidade, será possível relatar como ocorreu e as causas
do pensamento e do desenvolvimento da ciência ocorrido nessa época.
Buscamos melhorias na modernidade, mas ainda estamos estagnados na
forma de uma racionalidade hegemônica, voltada a quem tem o poder,
sem preocupar-se com as minorias que continuam resistindo a maneira
como as epistemologias lhes são impostas.
Segundo Santos (2000, p. 111), ―O novo senso comum deverá ser
construído a partir das representações mais inacabadas da modernidade
ocidental‖. Partindo desse modelo europeu de pensar a humanidade, que
exclui muitas classes, para formar esse senso comum, no qual seja possível oportunizar acesso aos que hoje não possuem, devido às posições em
que se encontram, sendo marginalizados e proibidos de se manifestar.
Santos (2006) apresenta que é possível assegurar que a diversidade epistêmica é potencialmente ilimitada, devido todos os conhecimentos
serem contextuais e parciais. Inexistem ciências puras, nem acabadas,
existem inúmeros tipos de conhecimentos, sendo assim, fica evidente que
a exigência do carácter universal do conhecimento moderno, é somente
uma maneira de particularismo, para ter poder para determinar como
privados, todos os tipos de conhecimentos que com ela competem. Assim
surge a sugestão de uma ecologia de saberes.
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A ecologia de saberes de acordo com Santos (2006) é uma coleção de epistemologias que surgem da probabilidade da desigualdade e da
globalização contra-hegemônicas, e almejam colaborar para oferecer
confiabilidade e fortalecer as possibilidades oferecidas pela sociedade.
Baseiam-se em duas suposições: a primeira é que não existem epistemologias neutras; a segunda é que a reflexão epistemológica precisa acontecer não em ciências em abstrato, mas sim, em métodos de conhecimento
e seus impulsos em outras práticas igualitárias.
Sobre a descolonialidade Mignolo afirma que:
A descolonialidade não consiste em um novo universal que se apresenta como o verdadeiro, superando todos os previamente existentes; trata-se antes de outra opção. Apresentando-se como uma opção, o decolonial abre um novo modo de pensar que se desvincula das cronologias
construídas pelas novas epistemes ou paradigmas (moderno, pósmoderno, altermoderno, ciência newtoniana, teoria quântica, teoria da
relatividade etc.). Não é que as epistemes e os paradigmas estejam
alheios ao pensamento descolonial. Não poderiam sê-lo; mas deixaram
de ser a referência da legitimidade epistêmica (MIGNOLO, 2017, p.
15).
Se torna necessário deixar as regras impostas, as imposições culturais, as submissões e o papel de submissão que nos foi imposto, e buscar através da descolonialidade uma nova epistemologia que proporcione
igualdade a todos sem ter privilegio a algumas classes dominantes. Buscando a igualdade e o respeito a quem sofre as consequências do colonialismo.
Para Mignolo (2017, p. 31) ―Os desafios do presente e do futuro
consistem em poder imaginar e construir uma vez que nos liberamos da
matriz colonial de poder e nos lançamos ao vazio criador da vida plena e
harmônica‖. Ocorreu o colonialismo e deixou suas marcas ao longo da
nossa história, cabe no futuro buscarmos por alternativas de construir o
pensamento não hegemônico, mas sim que se concretize de forma igualitária e justa.
Para Santos (2006, p. 137) ―O conhecimento cientifico é hoje a
forma oficialmente privilegiada de conhecimento e a sua importância
para a vida das sociedades contemporâneas não oferece contestação‖. É
através da ciência que muitos fatos são provados e solucionados, a ciência faz parte de muitas conquistas da humanidade No entanto, a ciência
não é a única forma de saber sobre o mundo, ela deve compor junto com
outros saberes.
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Por meio da ciência o ser humano conseguiu avançar em seu desenvolvimento, melhorando suas técnicas e capacidades de produção e
meios de sobrevivências no planeta terra, mas também passou a gerar
efeitos prejudiciais ao planeta em que vive. A seguir descreveremos sobre
alguns riscos provocados pela humanidade.
Quem está em risco, um olhar para o Haiti
Ao longo da humanidade, o homem vem buscando meios de facilitar sua existência na terra, procurando facilitar suas atividades, através
do uso da sua razão, passou a desenvolver técnicas para facilitar a produção de alimentos, utensílios, roupas entre outros, surgindo as indústrias e
com elas o aumento da ação humana na natureza, para usar matérias
primas passou a poluir, colocando em risco o meio ambiente e gerando
riscos para sua própria espécie.
Beck (2010) apresenta no texto Sociedade de Risco como sendo
uma maneira pela qual o ser humano se organiza sobre os riscos, na busca pelo desenvolvimento de suas capacidades produtivas, assim ―na modernidade tardia, a produção social de riquezas é acompanhada pela
produção social de riscos. (BECK, 2010, p. 23). Percebe-se, que na modernidade são os humanos os responsáveis por produzir esses riscos,
afetando tanto a sua existência, quanto da natureza.
Ocorrem os desastres naturais, causados devido ao desenvolvimento industrial. Beck considera que os riscos e ameaças na atualidade
―diferenciam-se, portanto, de seus equivalentes medievais, com frequência semelhantes por fora, fundamentalmente por conta da globalidade de
seu alcance (ser humano, fauna, flora) e de suas causas modernas
(BECK, 2010, p. 26)‖.
Em busca do desenvolvimento a humanidade passou a produzir
cada vez mais, e através das indústrias passou a poluir, fazendo uso de
matérias primas extraídas da natureza, levando a um desiquilíbrio ambiental, comprometendo os recursos naturais pensados como inesgotáveis,
mas que não o são, esses recursos estão sendo comprometidos devido ao
aumento do uso desordenado pelo homem.
Acselrad, et al. (2009) comenta que os noticiários avisam sobre o
efeito estufa e as mudanças climáticas, alertando que estamos expostos as
consequências de uma crise ambiental. Percebe-se que cada dia o planeta
terra está mais afetado pela presença dos homens e principalmente devido
ao uso de suas técnicas de produção.
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Sobre os problemas ambientais do Haiti, Zamberlam, et al.
(2014) apresenta que o terremoto no ano de 2010 causou a destruição da
capital causando a morte de 222 mil habitantes, 300 mil feridos e aproximadamente 1.600.000 foram desalojados, segundo dados da ONG
Human Rights Watch. O autor apresenta que após o terremoto um número aproximado de 8 mil morreram devido a cólera, e em 2012 o furacão Sandy afetou a agricultura desabrigando milhares de pessoas. O país
sofre com os impactos ambientais que levaram muitos haitianos a perder
suas vidas, suas moradias e suas terras, foram esses desastres que aumentaram a pobreza dessa população.
No ano de 2010, quando o Haiti sofreu um dos maiores terremotos já visto pelos habitantes da sua ilha, passou a necessitar de ajuda dos
demais países para a sua reconstrução. Alencar (2013) apresenta que do
valor entregue para reconstruir o Haiti, 1% do total foi para o governo
local, 34% para organizações de auxílio unidas aos governos das nações
doadoras e 25% para ONGs que possuem objetivos de ajudar a população haitiana. Mesmo com a ajuda de diversos países o Haiti continua
sofrendo as consequências do terremoto e não conseguiu se reestabelecer.
Abaixo o gráfico representa o número de imigrantes haitianos
vindos para o Brasil após o terremoto de 2012.
Gráfico 1 - Haitianos registrados na Policia Federal – Período de 2012 a 2016
Fonte: Dados fornecidos pela Polícia Federal ao CNIg - Citado por Milesi (2016)
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Observando o gráfico, percebe-se que no período de 2012 o número de haitianos era de 4.278, e passou para 42.026 no ano de 2016, um
número bem elevado de pessoas que procuram na imigração uma saída,
já que sofrem com a falta de oportunidade de emprego, falta de segurança
e condições de uma vida digna em seu país de origem.
Para Beck (2010) sempre existiram os riscos, mas em dimensões
e definições diferentes. O autor apresenta ainda sobre as florestas, que são
desmatadas há séculos, no início eram destruídas para converter o espaço
em pastos e plantações, na sequência para obtenção de madeira, recentemente o desmatamento passou a acontecer devido a industrialização,
gerando riscos a população.
No Haiti, uma forma de buscar renda é por meio do carvão, na
qual tem um impacto direto ao meio ambiente, aumentando progressivamente o desmatamento, e diminuição das florestas, conforme Prospere
e Martin (2011, p. 347), ―Temos a necessidade de fazer conhecer outros
problemas do Haiti que não são econômicos, sociais e políticos, e sim,
ambientais e, em especial, o desmatamento sem freio, que acompanha o
país durante várias décadas‖.
O desmatamento no Haiti é muito expressivo, agravando ainda
mais a condição de pobreza da população, pois a falta da mata aumenta
os problemas no solo haitiano, e a vida na ilha passa a ser mais afetada
devido à falta de produtividade das terras e os problemas ambientais oriundos das catástrofes.
Prospere e Martin (2011, p. 350) apresentam que ―a grande diferença entre a cobertura vegetal do Haiti com apenas 4 unidades de sua
conservação e praticamente todas as montanhas desmatadas, e a República Dominicana, com 74 unidades, cobrindo 32% do seu território‖. A
necessidade de realizar um reflorestamento no Haiti é extremamente
importante, pois sua área está ficando totalmente devastada e com ela se
extingue inúmeras espécies, afetando diretamente o ecossistema.
De acordo com Acselrad, et al. (2009, 12), identifica-se que é sobre os ―mais pobres e os grupos étnicos desprovidos de poder recai, desproporcionalmente, a maior parte dos riscos ambientais socialmente induzidos, seja no processo de extração dos recursos naturais, seja na disposição de resíduos no ambiente‖, os pobres acabam sendo os mais afetados com os riscos ambientais.
Apresentamos os haitianos como uma população que vivencia
esses riscos, devido as questões ambientais, no país é comum ocorrer
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catástrofes, por ser uma sociedade de classe pobre e negra leva esses haitianos a sofrer com a falta de condições para se recuperar dos prejuízos
gerados pelos riscos, aumentando a miséria desse país, levando esses
povos a buscar na imigração uma oportunidade de sobrevivência.
Os riscos citados por Beck. ―Muitos dos novos riscos (contaminações nucleares ou químicas, substâncias tóxicas nos alimentos, enfermidades civilizacionais) escapam inteiramente a capacidade perceptiva
humana imediata‖ (BECK, 2010, p. 32). Ao longo do tempo os humanos
vão apresentando doenças, que são resultantes das ações humanas em
prol do desenvolvimento.
Conforme apontado por Beck (2010, p. 37). ―Ameaças ao solo, a
flora, ao ar, a água e a fauna ocupam uma posição especial nessa luta de
todos contra todos em torno das definições de risco mais lucrativas, na
medida em que dão espaço ao bem comum e às vozes daqueles que não
tem voz própria‖. O autor apresenta que há muita passividade dos humanos em relação a resistência aos riscos e que ―ás gramíneas e minhocas serão capazes de trazer as pessoas a razão‖. Chega a ser inacreditável
a capacidade humana em não reagir a destruição que lhe é causada.
Acselrad, et al. (2009) afirmam que as leis ambientais são aplicadas de maneira desigual, desfavorecendo determinadas raças e classes.
Nos locais mais pobres as leis são menos rigorosas e empresas poluidoras
aproveitam as falhas da legislação para se instalarem, prejudicando ainda
mais a vida dessas pessoas que serão as mais atingidas.
Na proporção que o meio ambiente está sendo degradado, segundo Beck, todos estão expostos as consequências que esses riscos vão
causar no futuro, Eles contêm um efeito bumerangue, que implode o
esquema de classes. Tampouco os ricos e poderosos estão seguros diante
deles. (BECK, 2010, p. 27).
Segundo o autor, os efeitos são para todas as classes, ninguém está livre de pagar o preço da modernização e da industrialização que surgiu para beneficiar o ser humano, mas acaba custando um preço bem alto
para a humanidade.
De acordo com Acselrad, et al. (2009, p. 12) ―os riscos inerentes
as práticas poluidoras e destrutivas que as técnicas produzem, mas não
controlam, poderiam atingir qualquer ser humano, independente de origem, credo, cor ou classe‖. Todos os seres humanos estão sujeitos aos
riscos, mas, são as classes pobres as mais afetadas, por se encontrarem em
áreas mais propicias aos riscos.
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Quando o homem passa a destruir a natureza, algumas das consequências apontadas por Beck seria que, ―[...] cai a fertilidade das lavouras, desaparecem espécies indispensáveis de animais e plantas, aumenta o
perigo de erosão do solo‖, sendo assim o autor afirma, ―cedo ou tarde se
atinge a unidade entre culpado e vítima‖ ―são visíveis, nesse caso, efeitos
que repercutem não apenas no âmbito da natureza, mas também nos
cofres dos ricos e na saúde dos poderosos‖ (BECK, 2010, p. 45).
Todos estão propensos a sofrer as consequências desses riscos
causados por humanos que buscam na industrialização aumentar sua
lucratividade sem preocupar-se com o seu bem estar e do planeta, sendo
um processo que ambos são afetados. Beck (2010) cita que o efeito bumerangue do desmatamento não só estingue as espécies como desvaloriza
essas terras, também a construção de usinas desvaloriza a região que está
localizada, por apresentar riscos a população.
Na sociedade atual, quem está em risco são as ―minorias‖, dentre elas os imigrantes, que pertencem ao grupo de pobres e negros. Sendo
o caso dos haitianos que imigram para diversos países em busca de trabalho e melhores condições para sobreviver.
Considerações Finais
Essa pesquisa possibilitou realizar uma crítica ao pensamento
hegemônico, sendo que poucos decidem e quem decide e o que detêm o
poder, as minorias ficam prejudicadas, quem possui o conhecimento
passa a se utilizar da ciência e da tecnologia visando o desenvolvimento.
Sobre os riscos que a humanidade está sendo exposta, também a
distribuição não ocorre de maneira justa, pois, acaba beneficiando os
poderosos e sacrificando os pobres e subdesenvolvidos. Pois são os homens através de indústrias poluidoras, do uso excessivo das fontes naturais que acabam devastando a natureza, comprometendo a vida no planeta.
As pessoas de classes inferiores vivenciam inúmeros problemas
gerados pelos riscos causados a partir da modernidade, também devido as
catástrofes naturais passam a buscar meios de sobreviver e em muitos
casos deixar seu país, o que passa a ser a única saída para essa população
miserável.
O Haiti é um dos países em que sua população faz parte de um
grupo de pessoas negras, pobres, que lutam para sobreviver, os haitianos
sofrem com problemas ambientais, o terremoto de 2010 que gerou gran-
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des consequências, e agravou problemas que já existiam no país, como a
fome, a desigualdade, uma estratégia foi a imigração, sendo crescente o
número de haitianos vindos para o Brasil em busca de emprego para
conseguir se manter e auxiliar seus familiares que permaneceram em
meio as crises que o país se encontra.
Para pensar em promover a justiça ambiental, se faz necessário
considerar esses países que estão devastados e pedem socorro a muitos
anos, para proteger os mais necessitados se faz necessários leis ambientais
que regulamentem e abranjam todos os espaços sem privilegiar os locais
habitados por brancos e ricos.
Quando o pensamento for concentrado em pessoas que possuem poder, sempre haverá injustiças. Na busca desenfreada por crescimento econômico
acabam destruindo o planeta para extrair com suas técnicas tudo que for possível.
O homem precisa se preocupar com o que resta da natureza e
passar a usar técnicas para restaurar a vida no planeta terra e não vislumbrar gastando muito dinheiro em investimentos que trazem a possibilidade de encontrar outro planeta para explorar e usar dos recursos que possui, assim passara a colocar esse em risco como o fez com a terra.
Referências
ACSELRAD, Henri; Mello, Cecília Campello do A; Bezerra, Gustavo
das Neves. O que é justiça ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.
ALENCAR, Anne Paiva de. Análise da condição jurídica dos
caracterizados refugiados ambientais do Haiti no Brasil (2013)
disponível em https://jus.com.br/artigos/24288/analise-da-condicaojuridica-dos-caracterizados-refugiados-ambientais-do-haiti-no-brasil/3.
Acesso em 22 de julho de 2019.
BECK, U; GIDDENS, A; SCOTT, L.. Sociedade de risco: rumo a outra
modernidade. São Paulo: Editora 34 Ltda, 2010.
MIGNOLO, Walter D. Colonialidade: o lado mais escuro da
modernidade. RBCS. Revista Brasileira de ciências sociais. Vol. 32 nº 94
junho/2017.
MILESI, Rosita. Haitianos no Brasil: Dados estatísticos, informações e
uma Recomendação. Disponível em https://www.migrante.org.br/wpcontent/uploads/2016/12/Haitianos_dados-PF_CNIg-Recomendao-deRegistro-1.pdf. Acesso em 15 de julho de 2019.
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PROSPERE, Renel; MARTIN, Alfredo. A questão ambiental no/do
Haiti: um desafio na reconstrução do país. Revista Eletrônica em Gestão,
Educação e Tecnologia Ambiental, 2011.
SANTOS, Boaventura Sousa. Da ciência moderna ao novo senso
comum. In: A crítica da razão indolente: contra o desperdício da
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SANTOS, Boaventura Sousa. Ecologia de Saberes In: ____. A
Gramática do Tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez,
2006.
ZAMBERLAM, Jurandir, et al. Os Novos Rostos da imigração no
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REFUGIADOS VENEZUELANOS NO BRASIL:
UM LUGAR DE ABRIGO OU DE NOVAS
AFLIÇÕES?
Thiago Augusto Lima Alves1
1.
Introdução
O deslocamento humano sempre ocorreu na história da sociedade. O migrante pode ser definido como toda pessoa que se transfere de
seu lugar habitual para outro. Esse deslocamento acontece quando não é
mais possível viver em seu lugar de origem e existe a necessidade de procurar um espaço seguro para viver. Os motivos podem ser variados e,
quando a migração é forçada, causada por motivo de perseguição em
razão da nacionalidade ou ―raça‖2, por exemplo, temos a figura do refugiado, que será estudada no decorrer deste trabalho.
É notório o fato de pessoas no mundo inteiro deixarem seus países de origem para buscarem em outros uma forma de viver mais digna1
2
Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Integração
Latino Americana – UNILA. Grupo de Estudo: Núcleo de Pesquisa em Política
Externa Latino-Americana – NUPELA. Contato: thiagolimaalves.adv@gmail.com
O termo raça neste trabalho é utilizado com base na discussão histórica sobre o tema
referente à complexidade do conceito, o qual revela a contradição entre o senso
comum/cotidiano e a sua suposta base ―científica‖. Não é possível a divisão de seres
humanos em raças biologicamente distintas, o que constitui uma compreensão
simplista, orientada, por exemplo, por características fenotípicas. Quando, no final
do século XVII e no início do século XIX, surgiram as teorias científicas sobre raça,
estas foram usadas para justificar a nova ordem social, ao passo que a Inglaterra e
outras nações europeias, predominantemente compostas por pessoas brancas,
tornavam-se potências imperiais que conquistavam territórios e dominavam
populações. A suposta ―ciência racial‖ entra em descrédito após a Segunda Guerra
Mundial, mas o conceito de raça ainda permanece em uso acadêmico. Há quem
considere que o argumento da distinção de raça perpetue a visão comum
(equivocada) em meios acadêmicos. Outras perspectivas consideram que o conceito
ainda possui significado para muitas pessoas, portanto, revelando-se pertinente para
a análise em termos sociológicos. Sendo raça um conceito vital que fomenta o
debate, como tal deve ser tratado, utilizando-se as aspas para situar a abordagem da
discussão (GIDDENS, 2012). Assim, neste estudo, o termo raça será aspeado para
sinalizar ao leitor a perspectiva da análise.
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mente. Guerras, desastres naturais ou questões políticas são algumas
razões para os deslocamentos dessas pessoas que, ao chegarem ao país de
destino, são submetidas aos impactos de estarem sob o comando de governos diferentes dos seus. Os primeiros problemas relacionados ao tema
surgiram durante a Primeira Guerra Mundial; no entanto, foi no período
da Segunda Guerra Mundial que a questão ficou mais grave, quando os
emigrados se espalharam pelo mundo ao almejarem a oportunidade de
poder viver melhor.
No Brasil, atualmente, o tema dos refugiados3 reaparece, uma
vez que o país tem recebido muitos refugiados venezuelanos em decorrência da crise humanitária vivida nesse país. É assim que se evidencia a
importância do Direito Internacional e das Relações Internacionais4 para
entender como o cotidiano regula as relações interpessoais, as relações
dos Estados entre si e dos Estados com as Organizações Internacionais.
O amparo aos estrangeiros importunados foi se expandindo gradativamente, pois, durante anos, recusou-se a aceitar que o problema dos
refugiados era algo duradouro. Tal problema era visto como algo efêmero
e por vezes sem importância. Assim, observou-se a necessidade de positivar as regras inerentes aos refugiados, objetivando-se conseguir um instituto mais eficaz e satisfatório na proteção dessas pessoas em esfera global.
Dos migrantes que chegam ao Brasil, uma parte considerável pede ao país que a reconheça como refugiados. No País, de acordo com a 3ª
edição do relatório ―Refúgio em Números‖, publicado pelo CONARE
(2018), com dados da Polícia Federal, houve 33.866 solicitações para
reconhecimento da condição de refugiado em 2017. Entre as nacionalidades solicitantes, os venezuelanos representam mais da metade dos
pedidos realizados, com 17.865 solicitações.
O estado que apresenta mais pedidos de refúgio é Roraima, com
15.955 -solicitações, seguido por São Paulo, com 9.591 pedidos, e Amazonas, com 2.864. Atualmente, apenas 5.134 continuam com registro
ativo no país, dos quais 52% moram em São Paulo, 17% no Rio de Janeiro e 8% no Paraná.
3
4
Por uma questão de organização, cabe explicar que as pessoas que chegam ao Brasil
são imigrantes. Quando essas pessoas fazem a solicitação do status de refugiado junto
à Polícia Federal e obtém uma decisão positiva do CONARE é que são, de fato,
refugiadas.
Designa o campo acadêmico fundado em 1919, quando foi criada a sua primeira
cadeira acadêmica (SARFATI, 2005).
200
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Estando o Brasil comprometido internacionalmente com a tutela
dos refugiados e tendo ele adotado programas para ampliar a acolhida
daqueles, o presente estudo é relevante na medida em que buscará verificar se o Brasil tem, realmente, estrutura jurídica e social para garantir os
direitos dessas pessoas.
2.
Desenvolvimento teórico
Após a Segunda Guerra Mundial, diante de toda a atrocidade
que foi vista naquele período, a comunidade internacional entendeu que
seria importante criar meios que fossem capazes de garantir a segurança
humana, e assim surgiu o Direito Internacional da Pessoa Humana. Foi
criado com o objetivo de assegurar a sobrevivência dos seres humanos
utilizando ferramentas que protegessem direitos básicos ao homem e que
impedissem que ele próprio não exterminasse sua raça, pois ―Os direitos
humanos são, assim, garantias individuais que objetivam a proteção dos
direitos mais essenciais do ser humano em face ou de outros seres humanos, uma vez que por serem todos essencialmente iguais, um não pode
influenciar na esfera individual alheia, ou em face do Estado‖ (JUBILUT, 2007, p. 51-52).
Assim, iniciou-se um pensamento sobre o nascimento do Estado
e o seu dever para com os homens que o compõem. A existência dos
Direitos Humanos5 buscou a proteção do ser humano no que diz respeito
à violação de direitos por parte do Estado, pois é no Estado que os Direitos Humanos são exercidos, é nele que o indivíduo exerce sua personalidade jurídica, como preceitua o artigo 6º da Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948): ―[...] todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da sua personalidade jurídica‖. Somente no Estado podem ser realizadas essas garantias.
No universo das migrações, os refugiados têm sido uma categoria emblemática nas discussões geopolíticas e humanitárias mundiais,
pois, consoante Moreira (2012, p. 01), são ―[...] migrantes internacionais
forçados a abandonar seus lares em decorrência de cenários marcados
5
Existe uma diferença entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, sendo estes
os direitos principais do ser humano positivados pelas ordens jurídicas dos Estados,
internamente, e aqueles estão relacionados à liberdade e à igualdade que estão
protegidas no plano internacional, ainda que não tenham respaldo em documentos
internos. Utiliza-se para efeito deste estudo a expressão ―direitos humanos‖, pois o
assunto relacionado aos refugiados é, em essência, internacional.
201
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pela violência, transpondo fronteiras com o propósito essencial de resguardar suas vidas‖.
Existe uma necessidade de pensar como essas pessoas que estão
deslocadas no mundo serão protegidas e terão seus direitos básicos garantidos. Assim, é relevante salientar que os refugiados recebem proteção do
Direito Internacional dos Direitos Humanos e também do Direito Internacional dos Refugiados, trazendo este garantias mais específicas para os
refugiados, e aquele, proteção mais ampla. Como esclarece Jubilut (2007,
p. 61),
Tal fato é extremamente positivo, pois fortalece a proteção ao refugiado, uma vez que, ao mesmo tempo em que se assegura o refúgio, livrando-o de violações de direitos relativos ao seu status civil, ele traz em
si a necessidade de resguardar também os demais direitos humanos,
para, com isso, aumentar o nível de proteção dado à pessoa humana.
No âmbito nacional, a Lei nº 9.474/97 foi a primeira lei nacional
a tratar desse assunto, a implementar um tratado de Direitos Humanos e
a fazer referência à Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
A Lei nº 6.815/80 foi criada no Regime Militar e adotava uma postura,
em relação ao estrangeiro, ―[...] a partir do ideário securitivo, que tratava
o imigrante como perigo potencial à nação [...]‖, de acordo com Moreira
(2012, p. 99). Por outro lado, em 2017, foi sancionada a Lei nº 13.445, de
maio de 2017 (Lei de Migração), que revogou a Lei nº 6.815/80. A nova
Lei tem o propósito de humanizar o tratamento dado ao estrangeiro,
combatendo preconceitos e xenofobia. Nasce com grande responsabilidade de ser uma Lei que abre as portas do Brasil para acolher de forma justa
e digna os estrangeiros, o que vai na contramão do que acontece em diversos países.
A Lei nº 9.474/97 foi produzida a partir do Programa Nacional
de Direitos Humanos de 1996, tendo sido elaborada pelo governo brasileiro em conjunto com o ACNUR. A referida legislação é conhecida
como umas das mais avançadas do mundo e é pioneira na América Latina, ―[...] sendo usada como parâmetro para inúmeros outros países, pois
traz uma ampla abordagem de situações que caracterizam o status de
refugiado‖ (PEREIRA, 2004, p. 36). Apesar de ser considerada uma
legislação importante em âmbito internacional, ainda está aquém de legislações como a do México e a da Argentina, pois nesses países a legislação específica para os refugiados traz a questão de gênero como fundamento de perseguição e concessão do refúgio.
202
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Cabe salientar que a lei referente aos refugiados se preocupou em
trazer a questão da integração deles, de modo a facilitar, em virtude de
sua situação desfavorável, o acesso a instituições acadêmicas de todos os
níveis, a simplificar os requisitos para a obtenção da condição de residentes e a desimpedir o reconhecimento de diplomas e certificados acadêmicos dos refugiados. O governo brasileiro, para atingir esses objetivos,
pode fazer parcerias e/ou acordos com várias entidades, como SENAI,
SESI, SENAC, SESC, hospitais universitários e centros educacionais.
Apesar de avanços e boa vontade, as leis brasileiras possuem
uma capacidade limitada de resolver totalmente o assunto. A atividade
do CONARE é criticada por Moreira (2012, p. 210), ao argumentar que
―[...] o CONARE se voltou, desde o início de seu funcionamento, para a
função de elegibilidade, deixando em segundo plano a atribuição de prover medidas relativas à proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados [...]‖. Outro problema enfrentado pela Lei nº 9.474/97 é que não
houve uma delimitação das políticas públicas de integração local dos
refugiados, o que revela uma generalização do assunto, sem haver o desenvolvimento de estratégicas para a realização da integração.
Outra questão crítica, como cita Jubilut (2006, p. 40), é ―[...] o
fato de o CONARE estar ligado ao Executivo, o que pode levar a decisões políticas [...]‖ e, também, à ―[...] falta de políticas públicas para os
refugiados [...]‖,o que impacta a efetivação dos acordos internacionais
firmados, os quais garantem dignidade à pessoa do refugiado.
Essas lacunas da Lei nº 9.474/97 expõem a fragilidade com que
o país trata essa temática. Por sua vez, a Lei nº 13.445/17 reafirma o
compromisso do Brasil em fazer cumprir os direitos dos refugiados, porém, tal legislação apresenta o assunto de forma esparsa, sem a delimitação de como essas políticas podem ser aplicadas.
Historicamente, Brasil e Venezuela tiveram relações diplomáticas positivas, mas isso mudou e, de acordo com Souza e Silveira (2018, p.
120), ―desde 2014 a Venezuela enfrenta uma complexa crise política e
econômica, que tem incentivado os venezuelanos a migrarem para países
vizinhos, por diferentes motivos e origens: geográficas, sociais, culturais,
entre outras‖.
Com a morte de Hugo Chávez, ficaram mais evidentes os problemas econômicos, políticos e sociais enfrentados pelo país. A queda do
preço do petróleo e a perda de valor do bolívar venezuelano, moeda nacional, alavancaram o custo de vida no país. Com a vida mais difícil e
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sem perspectiva, a população venezuelana começou a procurar outros
lugares para viver. Ainda conforme Souza e Silveira (2018, p. 120):
O número de solicitantes de refúgio venezuelanos passou de 829, em 2015, para
3.368, em 2016, e 7.600 venezuelanos pediram refúgio no país até junho de 2017.
Conforme relatório recente elaborado pela ACNUR, em fevereiro de 2018 24.818
venezuelanos solicitaram refúgio e 10.963 venezuelanos solicitaram residência
temporária.
Muitos venezuelanos estão entrando no Brasil para fugir da situação difícil que vivem na Venezuela. A escolha pelo Brasil pode ser associada à sua posição geográfica no continente e, também, motivada pela
mudança de compreensão sobre o assunto dos refugiados pelo país, trazida pela Lei 13.445/17, que alterou a forma de tratar os estrangeiros, entendendo-os como sujeitos mais humanos e garantindo seus direitos.
Os refugiados chegam ao Brasil em situação precária. Neste sentido, Piovesan (2014, p. 253) destaca que ―para uma efetiva proteção aos
refugiados, é necessário alcançar tanto direitos civis e políticos, como
também direitos sociais, econômicos e culturais‖. Integrar essas pessoas à
sociedade, proporcionando-lhes condições dignas, tem sido problemático
e desafiador.
Existe uma política desenvolvida pelo governo federal para tirar
os refugiados venezuelanos das cidades fronteiriças, as que mais recebem
os venezuelanos. Isso desafoga essas cidades e contribui para que os refugiados venezuelanos possam ir a outros lugares do país e resolverem suas
vidas.
O governo do Brasil, em cooperação com o ACNUR e demais
atores que atuam para proteção dos refugiados, consegue alguma estrutura básica para receber os refugiados, como acesso à alimentação, à água
potável, ao atendimento psicossocial, à segurança, como também a postos de trabalho, a moradias e a medicamentos.
Simões et al. (2017, p. 21-48), no entanto, elaborou um relatório
sobre o perfil sócio-demográfico e laboral da imigração venezuelana no
Brasil e evidenciou que somente 38,9% dos venezuelanos tiveram acesso
aos serviços de saúde, 10,4% aos serviços educacionais e 2,2%, aos serviços de assistência social. Além disso, salienta-se que 7,1% se encontram
sem documentação no Brasil, 22,8% possuem carteira de trabalho e 29%,
Cadastro de Pessoa Física.
Assim, esse primeiro contato que os refugiados têm com o programa de acolhimento humanitário brasileiro é importante para garantir
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esses direitos, mas existe uma dificuldade de cumprir a legislação vigente
sobre o tema.
Para haver uma plenitude da dignidade humana e uma possível
integração desses refugiados no Brasil, é necessário mais do que oferecer
abrigos e alimentação. Os refugiados que chegam ao país querem recomeçar suas vidas e construir um futuro com perspectivas reais para seus
filhos e para isso é necessário que haja documentos de identificação para
todo(a)s, que seja permitida sua entrada formal no mercado de trabalho6,
que eles consigam estudar e dominar o idioma, pois só assim podem
alcançar a integração na sociedade brasileira.
3.
Considerações Finais
Os direitos humanos dos refugiados foram construídos durante o
século XX e a discursão sobre o assunto proporcionou grandes avanços
para estes. Apesar disso, a garantia desses direitos é vulnerável à vontade
política dos Estados, uma vez que é neles que se efetivam as proteções
internacionais, razão da importância desses Estados participarem da
ratificação de documentos internacionais relativos à matéria e, consequentemente, da elaboração das leis nacionais e de políticas públicas
mais eficazes.
Atualmente, a Organização Internacional tem acompanhado
atentamente todo esse movimento de pessoas refugiadas, pois constitui
uma crise humanitária, em que se necessita urgentemente de ações conjuntas entre todas as nações para proteger pessoas que estão tendo sua
dignidade ferida. Ainda que, em alguns países, a questão seja demasiadamente difícil de ser discutida, em outros, é tratada de forma séria e
preocupada.
Um dos grandes problemas observado ainda é a efetivação de direitos que já estão no ordenamento interno dos países. O cumprimento
dos tratados internacionais sobre o tema depende da boa vontade dos
Estados e de uma política externa delicada. Tal dependência tem dificultado a vida dos refugiados e atrapalhado a obtenção da garantia de seus
direitos básicos.
6
No caso das mulheres, é observado que os programas que inserem as mulheres ao
mercado de trabalho geralmente acabam por reforçar os estereótipos de feminilidade
e o lócus de atuação como restrito ao espaço da casa e da família. Dessa forma,
oferecer oficinas de costuras e gastronomia como reintegração dessas mulheres ao
mercado de trabalho deve ser analisado com cuidado e senso crítico.
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Nesse sentido, além das questões internas de cada nação, o Direito Internacional dos Refugiados, que depende de uma política externa
arrojada, vai se tornando enfraquecido. Países podem não mais aceitar
refugiados, dependendo do tipo de política externa que aderem. É uma
problemática que dificulta a vida de pessoas carentes de proteção.
Outro problema enfrentado é que, teoricamente, os refugiados
deveriam ser bem recebidos nos países que garantem sua segurança, mas
isso nem sempre acontece. Eles são vítimas de xenofobia e constantemente se percebe o aumento da violência contra eles no país. Os nacionais
enxergam os refugiados como migrantes, em que estes têm sua imagem
associada a uma pessoa que veio para roubar empregos e benefícios dos
nacionais.
É fundamental evidenciar que, no Brasil, é problemático a Polícia Federal ficar responsável pelo primeiro contato com os refugiados,
uma vez que é uma instituição atuante na segurança pública para preservação da ordem pública, exercendo atividades em diversos locais do país
e também nas fronteiras. A recepção dos refugiados poderia ser feita por
um órgão mais especializado ligado ao CONARE, para que essas pessoas
tenham seus anseios mais bem atendidos.
Percebe-se, ainda, que o CONARE é ligado ao poder executivo e
isso pode levar a decisões políticas, sem contar que suas competências
estão mais relacionadas a conceder ou não status de refugiados do que a
administrar as medidas de proteção, assistência e apoio jurídico.
A legislação brasileira sobre o tema é importante, contudo, apresenta falhas. A Lei nº 9.474/97 não se preocupou em delimitar políticas
públicas e a Lei nº 13.445/17 trouxe o assunto de forma dispersa. Poderia
ter havido um maior comprometimento com a questão.
No plano internacional o Brasil atuou timidamente para resolver
o problema venezuelano, que ainda se encontra grave e sem solução aparente. O Brasil, portanto, apesar dos avanços, ainda tem muito que fazer
para resguardar os direitos dos refugiados venezuelanos.
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TRANSNACIONAIS SENEGALESES NO
NORTE DO RIO GRANDE DO SUL: TRÍADE
E SINUOSIDADES DAS VIAS DE
“COMUNICAÇÃO”
Tamara Danielle Pereira Machado 1
Maira Angélica Dal Conte Tonial 2
1.
Introdução
Pessoas em trânsito pelo mundo não configura novidade, pois
historicamente a humanidade evoluiu em suas idas e vindas entre os
continentes. Contudo, a chegada dos transnacionais senegaleses no Norte
do Rio Grande do Sul e especificamente no município de Passo Fundo
carece de estudo. Sendo o lócus da pesquisa as ―vias de comunicação‖
estabelecidas entre os senegaleses chegados e seus enfrentamentos. O
objetivou-se enlaçar os elementos das ciências humanas (história, filosofia e sociologia) com as sociais aplicadas (política, economia e ciência
jurídica) imbricada à ―saga‖ para a obtenção dos dados iniciada pelo
Grupo de Pesquisa ―Transnacionalismo, Migração e Trabalho‖ da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo. O aporte teórico
diversificado consiste em uma fusão de elementos poéticos, tais como a
música, a escrita próxima à Marques (2008), fundamentadas em GAMBOA (2013), TEDESCO (2011, 2018), VICENTE (2017), dentre outros
autores, em bases de dados on-line, e legislação vigente. Subdividido em
dois eixos centrais ―Para Começar a tríade Transnacionalismo, migração
e trabalho‖ que firma termos e opções conceituais, e ―Senegaleses em
vias de comunicação‖ que provoca o pensamento a reflexões referentes
1
2
Mestranda em Educação pela UNOCHAPECÓ. Professora de Educação Básica do
Município de Passo Fundo, Estado do Rio Grande do Sul. Grupo de Pesquisa
Transnacionalismo Migração e Trabalho (UPF). Contato: tamaradpm@gmail.com
Mestrado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Professora no
Curso de Direito UPF. Atua como Coordenadora do Balcão do Trabalhador.
Coordenadora do Grupo de Pesquisa Transnacionalismo, migração e Trabalho.
mairatonial@upf.br
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ao ser migrante em ―Terras Brasilis‖ em pleno século XXI no norte do
RS.
2.
Para começar a tríade Transnacionalismo, migração e trabalho
A análise dos termos transnacionalismo, migração e trabalho.
Marques (2008, p.15) aproxima-se ao que se pretende ―escrever é isso aí:
iniciar uma conversa com interlocutores, invisíveis, imprevisíveis, virtuais
apenas, sequer imaginados de carne e osso...‖
Em sua marca linguística, em ótica superficial ao decompor a palavra Trans/ nacional/ismo os significados seriam simples: trans. ― (através de, para além de…).Prefixo muito usado pelos filósofos contemporâneos para criar termos novos opondo uma noção àquela que ultrapassa‖
(Lalande, 1999); nacional, de nacionalidade ―caráter jurídico que possuem indivíduos, enquanto cidadãos, ou súditos de um Estado‖ (idem,
1999); e por último o ―"ismo" em que é rica a linguagem política — (...) ,
"marxismo",(...) etc. —, indicam fenômenos históricos tão complexos e
elaborações doutrinais tão controvertidas que não deixam de ser suscetíveis das mais diferentes interpretações. (Bobbio, 1998. p.03). Assim,
transnacionalismo com a reunião silábica consta em: ciência, ou doutrina
de que, ou quem pertence a uma nação, que vai além, que passa de uma
nação a outra (s). Porém, como ―nem tudo que reflete é ouro‖, a profundidade do termo necessita de maior significado, diante de sua significância.
As raízes históricas remontam às passagens do homem de um
lugar a outro ―sua nomenclatura ou etimologia conexa com as próprias
migrações humanas e sua transferência de locais, (..) sendo o termo, posteriormente associado às questões econômicas e ao estadismo‖. (Viscente, 2017. p.04), cooptada à associação a empresas transnacionais em esfera global no sistema econômico neocapitalista de grandes empresas que
instalam suas filiais em outros países, deles buscando o mercado consumidor, energia, mão-de-obra preferencialmente de baixo custo, isenções
fiscais, e tantas outras benesses estatais. Àquilo que aparentemente era
simples, complexifica ao agir não apenas em esfera de trânsito de pessoas. Toma novo sentido, de trânsito de sonhos, de busca por melhores
condições de vida, em consonância com as expectativas de trabalho, em
migração.
Migração! ―Ato de deslocar-se de um país para outro, com o objetivo de transferir seu domicílio e trabalhar no local da nova residência‖.
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(Náufel, 1984). A migração é elementar de se saber, uma vez que, a humanidade formou-se por meio da comunicação entre povos em constante
evolução desde os hominídeos, trazidos nos diversos referenciais historiográficos. Elementar de se saber, mas será que de compreensão e empatia, ou daquilo que Deleuze menciona em afecto, afecção (Barreiro, 2018.
p.520)? Do que afeta os sentidos, passa pelo corpo e sente-se no ser? Representa algo interessante em referência à migração, porquanto quem
nunca viveu como imigrante, ou refugiado, sabe o que é, mas saberia
dizer o como sentir, pensar, viver e/ou trabalhar de imigrante?
Já o trabalho, ah o trabalho! Trabalho, labor, ou trabalho castigo,
em Foulcault? Trabalho em Max Webber modo de vida ética e espírito
do capitalismo, ou trabalho em Marx alienação-desalienação, ou ainda o
trabalho esperança do verbo esperançar em Paulo Freire? Trabalho ―é a
atividade humana voltada para a transformação da natureza, com o objetivo de satisfazer uma necessidade. (Sandroni, 2005. p.849). Para a antiguidade o trabalho é castigo, os egípcios, gregos e romanos que os digam,
bem como a escravatura brasileira. Para os religiosos a obra divina, ou a
obra terrena. Para fins de opção conceitual a Constituição Federal (Brasil,
1988) sob a égide de objetivo fundamental de paradigma fraternal o Art.
3º caput, inciso afirma, ―I- construir uma sociedade livre, justa e solidária‖; bem como os subsequentes empreendem a garantia dos direitos
individuais e coletivos a todos, incluindo os imigrantes, às garantias do
Art. 5º, e em especial no tocante a definição de trabalho como direito
social em seu ―Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho (..), na forma desta Constituição‖.(Brasil,1988). Sendo
que o Art. 7º caput e disseca a relação trabalhista envolvida inicialmente
em XXIV incisos, mas corroídos, emendados, subtraídos com o passar do
tempo. Destacam-se alguns dos incisos,
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem
justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização
compensatória, dentre outros direitos;
IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de
atender a suas necessidades vitais básicas (...)
V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou
acordo coletivo;
VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável. (Brasil, 1988)
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Se o brasileiro nato, ou naturalizado constante e especificado no
Art. 12 (BRASIL,1988) encontra dificuldades ao procurar trabalho legalizado, entenda-se legalizado o trabalhador registrado em carteira trabalhista por seu empregador, e as relações estabelecidas nos incisos supracitados, não é difícil de imaginar os diversos entraves dos imigrantes. Nesse
ínterim, as relações de trabalho estabelecidas mediante a transição de
uma nação a outra em busca de um vida com melhores condições econômicas, financeiras e sociais em um país continental como o Brasil, que
afirma na carta magna o princípio da fraternidade e justiça social parece
antagônico haver ―entraves‖ de conquista dos postos de trabalho, tanto
para brasileiros natos, naturalizados, ou imigrante em vias de comunicação.
Senegaleses em vias de comunicação
As vias podem derivar de mão única, ou dupla na acepção de
que quem vem e pode ficar, e da vontade de quem fica e queria partir, ou
vice-versa. Logo, em geografia dos movimentos sinuosos de idas e vindas, caminha um povo africano.
A constância dos movimentos transnacionais em períodos de crises econômicas, políticas, ou sociais merece olhar aguçado dos pesquisadores, por constituir modificações culturais e de aprimoramento dos conhecimentos científicos. A pergunta primeira de estranhamento de quem
recebe imigrantes é: que é essa gente? Esse povo? De onde vem? ―As
gentes‖ (povo) da República do Senegal, em sua designação oficial, provém do continente africano ( África Ocidental), banhado pelo Oceano
Atlântico, limitado ao norte pela Mauritânia, a leste pelo Mali, ao sul
pela Guiné e Guiné Bissau e a oeste pela Gâmbia, de língua oficial francesa, capital Dakar e de religião predominante islâmica3. Como chegam
no Brasil? A rota de travessia em entrevistas realizadas por Tedesco
(2018, p. 24) aponta que ―países como Equador, Peru e Bolívia foi expresso como lugar comum nas narrativas‖. Tomaram conta da cidade? O
quê fazem, e onde trabalharão? "Roubarão" as vagas de trabalho já escas3
Para maiores informações referentes ao país o site da Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa (CPLP) <https://www.cplp.org/id-4443.aspx>, do Governo do
Senegal
<
https://www.sec.gouv.sn/>,
e
<portalafrica.com.br/portalafrica/public_html/site/detalhepais.html?pais=41>.
Acesso em: 19 set. 2019.
Compõem base de dados de informações desde legislação, estrutura governamental,
políticas, projetos, programas e informações gerais.
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sas no município? Para melhor interpretação de roubar, os números e do
saber que cingem o pensamento, o extrato de algumas estrofes de música
auxilia,
Roubar
Subtrair uma parte qualquer
Da metade do que não é nada
A não ser um pedaço qualquer
De alguém (...)
Números, números, números
O que é, o que são
O que dizem sobre você
Esta não é a sua vida
Está não é a sua história (...)
Saber
Sabe-se que o total das pessoas
Que sabem o que é o amor
É igual a metade
Dos que já não sabem
O que é amar … (Da língua, 2005).
Primeiramente, as expressões do ―mundo dos saberes‖ do ―roubo de vagas de emprego‖ são tão tênues, e sem fundamento argumentativo que decaem a um questionamento básico ―quais são os postos de trabalho aos quais os grupos senegaleses estão ocupando visualmente nas
ruas da cidade?‖ Responder-se-ia rapidamente, vendendo vale-transporte,
de ambulantes com venda de objetos eletrônicos, roupas, ou em alguns
postos da construção civil. Seriam esses os ―postos‖ de trabalho almejados por ―cidadãos Passofundenses?‖. Ademais, a definição correta de
roubo está presente no caput do Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia,
para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou
depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência. (BRASIL, 1940). Então, os imigrantes senegaleses efetivamente
subtraem coisa móvel sob grave ameaça, ou violência aos brasileiros, sem
a possibilidade de resistência? Ou subtraem a metade do nada, a não ser
um pedaço qualquer de alguém?
Outros discursos advindos de lojistas de que os ambulantes estariam ―roubando‖ sua clientela com a venda de produtos, e sem o pagamento de impostos, ocupando espaços em suas tão belas calçadas, não
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esconderia por detrás de suas afirmações seus incômodos com a dita
―raça‖ inferior, ou melhor dizendo com seu racismo e xenofobia? Talvez,
não chegue à xenofobia, mas a marca brasileira de cordialidade evocada
e difundida internacionalmente de povo brasileiro entre a ―Casa Grande
e Senzala‖ (Freyre, 2006), esbarra na senzala, feitas as devidas observações histórico-temporais. Finda a abertura de parênteses sobre o dito
―roubo‖, passa-se os números, aos números, números da pesquisa. Fica a
questão de como analisar números fidedignos inexistentes?
A tríade transnacionalismo, migração e trabalho enlaçada às relações humanas de convivência traz consigo reflexões e para a pesquisa a
busca de dados que a princípio parecia de fácil manejo, pois a mídia noticiou em tempo real desde o desembarque de grupos Senegalês no município de Passo Fundo, tornou-se "saga" a ser vencida. Difícil o é manejar
números sem a existência dele, pois a dinâmica da invisibilidade do visível imigrante, diz nada, mas o nada significa muito.
Primeiramente, o delinear temporal vislumbrado da investigação
data entre os anos de dois mil e dezesseis à dois mil e dezoito, 2016-2018,
sem deixar de considerar pesquisas anteriores que remontam ao período
de dois mil e onze, 2011-2013-2015-20184. Destacam-se elementos que
permanecem em comum como os desafios de estabelecer o número de
imigrantes provindos do Senegal evidenciados, como consta em Tedesco
(2011, p.342) ‖não foi possível definir o número exato dos imigrantes.
Fomos informados pela liderança deles de que havia em torno de duzentos na região de Passo Fundo".
Inicialmente acreditou-se que o órgão público do Sistema Nacional de Emprego- SINE e Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação SocialFGTAS, que trabalha em conjunto para oferecer serviços de intermediação entre empregado e empregador, além de vários outros, desde a confecção da carteira de trabalho, até o encaminhamento de seguro desemprego, seria o local com base de dados que evidenciaria o número, e quais
seriam os ramos de trabalho alcançados, ou disponíveis para grupos imigrante, para a partir desse ponto realizar a análise de vinculação às áreas
de formação, ou não e outros núcleos fundantes que podem decorrer da
análise teórica.
4
Pesquisas realizadas por João Carlos Tedesco que é pesquisador. Possui graduação
em Filosofia pela Universidade de Passo Fundo (1988), seu segundo pósdoutoramento em (2011) na Universidade de Milão (Itália). Figura em referência
nacional e internacional de pesquisa no que tangencia ao processo de migração,
sejam eles italianos, alemães, haitianos, ou no caso senegaleses.
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No entanto, o que parecia simples demonstrou de prontidão o
caráter de incursão à pesquisa, porquanto da informação de que o SINEFGTAS, não contém uma base de dados por nacionalidade, e em suas
palavras o gerente geral fez o percurso do trabalhador estrangeiro: "o
estrangeiro faz sua regulamentação na Polícia Federal com seu passaporte e para empregabilidade sua carteira de trabalho está vinculada diretamente ao Ministério do Trabalho, chegando ao SINE-FGTAS como
trabalhador comum, contendo para nós apenas os dados básicos de qualquer cidadão, envolvendo o nome, idade e perspectiva de vaga de trabalho de acordo com o que está disponível em nosso sistema". Assim, há o
retorno ao ponto de partida, mas com outras possibilidades e o paralelo
com da pesquisa de Tedesco (2011) e (2018) demonstra a regularidade de
característica da ausência de dados fiéis,
dados mais recentes (..) informam um aumento desse contingente em
2016. Porém, não há dados fidedignos‖ nesse sentido. Em Passo Fundo e seu entorno, segundo informações da Polícia Federal com sede no
referido município, havia em 2016, em torno de 1.000 senegaleses. Porém, ressalva-se que não há uma agência que possua dados atualizados
os imigrantes migram muito em razão da busca de otimização laboral,1 inclusive entre estados no interior do Brasil e entre países, em particular, do Mercosul, com maior intensidade para a Argentina. (Tedesco, 2018, p.18)
Destarte, o ―problema‖ existe e pode ser ―falseado‖, em suas
fendas das perguntas principiantes de quantos, são e quais os postos de
trabalho pretendem ocupar; se ―roubam‖, ou não postos de trabalho. O
falso problema é identificado por Gamboa (2013, p. 103) ―com perguntas
simples e superficiais, que exigem como resposta, uma informação, um
dado, um protocolo, um ―saber‖ fazer‖. A evidência de que perguntas
simples não respondem problemas qualificados, mas se nem o simples
encontra explicação, simbolicamente sinaliza outras questões, mais profundas que necessitam da intercessão das ciências humanas e sociais
aplicadas. Assim, os dados não representam com fidedignidade a concretude dos fatos, e o debruçar em sua procura levaria no mínimo o tempo
de dissertação. Mas os números, números e o que dizem sobre eles…
Ao vislumbrar clarificação dos entraves para os imigrantes, os
debates referentes às dificuldades de vagas ao trabalho terão aporte teórico nesse instante em legislação tal como a Lei Nº 13.445, de 24 de maio
de 2017, sem adentrar-se às comparações com o Estatuto do Estrangeiro
Lei n. 6815 de 19 de agosto de 1980, mediante a delimitação de escrita
por hora; nos relatórios do primeiro de 2019 do Conselho Nacional de
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Imigração (CNI)5 vinculado ao recém criado Ministério da Economia,
em detrimento, ou melhor extinção do Ministério do Trabalho no ano de
2019, em conjunto com a análise da questão dos senegaleses.
A Lei da Imigração Nº 13.445/2017 em seu Art 3º, incisos I ao
X - XII, garantem desde: a universalidade dos direitos humanos; a não
criminalização da migração; acolhida humanitária, até inclusão social,
laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas; garantia
de reunião familiar; acesso igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica
integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social;
promoção e difusão de direitos, liberdades, garantias e obrigações do
migrante. Isso, para apenas citar algumas das garantias concedidas aos
imigrantes. Todavia, os relatos das experiências trazem a contraposição
entre teoria e prática,
Um amigo meu tinha um amigo em Passo Fundo e convenceu ele para
vir para cá e, eu vim junto, disse que aqui tinha trabalho. Já faz dois
anos e meio que estou aqui. [...]. Da saída do Senegal até entrar no
Brasil, acho que durou quase um mês. Foi muito difícil, muito difícil.
Agora não posso retornar ao meu país, porque não consigo mais visto
para voltar pra cá. Então, estou numa situação bem difícil, com trabalho, mas bem difícil; dois anos e meio sem encontrar a minha mulher e
minha filha (Tedesco, 2018, p. 28)
O extrato de entrevista indica apenas uma de muitas dificuldades
expostas, a da distância da família, em outros trechos são identificadas as
questões de dificuldade de linguagem para a expedição de documentos,
por exemplo o visto, a travessia, os gastos financeiros, e a solicitação de
caráter de refugiado. Já o CNI reúne relatórios de dados de autorizações
de residência no Brasil concedidas à imigrantes para atividade laboral, os
números são categorizados por imigrantes que podem ser refugiados, ou
não, mas que tenham adentrado às fronteiras preferencialmente por via
legais, e não clandestinas. Os números de concessão de autorização de
residência prévia em quadro comparativo de imigrantes entre o 1º semestre de 2018 e 2019 no Rio Grande do Sul, na tabela n. 3.6 (OBMIGRA,
2019, p.30) passa de 89 para 186 concessões, contudo o dado é irrisório se
observado a ―olhos nus‖, somente no município de Passo Fundo. Esse
dado revela a discrepância e a quase impossibilidade de imigrantes Sene5
Conselho Nacional de Imigração. As competências do CNIg estão dispostas no
Decreto nº 9.873, de 27 de junho de 2019 e no Decreto nº 9.199, de 20 de novembro
de 2017 . Disponível em:<https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/>. Acesso em: 20
set. 2019.
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galeses conseguirem visto prévio para trabalho no Brasil, porquanto o
próprio site e links6 para a solicitação demonstram-se complexos e de
direcionamentos a vários outros elementos que acabam por causar a desistência de imigração por vias legais. De pronto questiona-se que relação
é essa trabalhista para o imigrante que encontra os obstáculos, geográficos, climáticos, econômicos, jurídicos, de linguagem e culturais?
Somente sinalizar-se-à a dimensão religiosa em fragmento de entrevista,
―Eu trabalho no setor halal7 do frigorífico. Lá a gente trabalha uma hora e descansa outra. Daí aproveita para fazer as orações que deveriam
ser feitas durante o abate do frango‖; ―o patrão não permite que a gente reze durante o trabalho, ele disse que é ‗para fazer isso a noite e que
vale a mesma coisa‘. Eu discordo. (...) ―aqui se reza pouco; trabalha
mais do que reza, um pouco nós somos os culpados, um pouco também as pessoas daqui, os brasileiros, não valorizam esse nosso costume
de rezar várias vezes ao dia‖. (Tedesco, 2018, p.35).
As crenças e o trabalho para os muçulmanos senegaleses condicionam o modus operandi de vida, alocando em seus líderes espirituais, as
referências políticas, econômicas e sociais, o que inúmeras vezes limita,
até mesmo a aproximação de outros grupos as suas realidades, um dos
fatores que restringem a busca de dados para as pesquisas. Voltando aos
dados, será que as vias de comunicação estão comunicando? Quais as
formas de comunicação verdadeiramente inclusivas, ou exclusivas,
―marginais‖, entenda-se marginais nas margens sociais da Escola de
Frankfurt que resgata os renegados para a história social?
Avistado o saber e a modalidade de saber existente das migrações é vasta, muito se escreve, no plano da existência as inúmeras problematizações de pesquisadores, a legislação brasileira ―abraça‖ os imigrantes. Contudo, a comunicação física, linguística, tecnológica em determinados momentos anda na contramão e reafirma que ―Sabe-se que o
total das pessoas, que sabem o que é o amor, é igual a metade dos que já
não sabem o que é amar‖ (Da língua, 2005). Trocando em ―miúdos‖ os
conceitos são sabidos, os debates realizados, as problematizações problematizadas, mas ações como ficam as ações?
6
7
Para vivenciar a experiência do imigrante sugere-se a pesquisa no site. Portal de
Imigração
Laboral.
Ministério
da
Justiça
e
Segurança
Pública.
<https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/informacoes-gerais-2>. Acesso em: 20: set.
2019.
Técnica muçulmana de abate. Associação Brasileira de Proteína Animal. Disponível
em:
<http://abpa-br.com.br/setores/avicultura/mercado-externo/a-tecnica-deabate-halal>. Acesso em: 20 set. 2019.
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3.
Considerações Finais
Se no princípio era o verbo, ao findar, o recomeço. O que isso
quer dizer? Volta-se ao transnacionalismo, à migração e ao trabalho. O
transnacional que adquiriu nova roupagem com o neoliberalismo, passando pela ―mutação‖ econômica que adere à pele do ser o termo vinculado às empresas multinacionais, para a reinvenção do antigo emigrante,
que migra com a finalidade de trabalhar e o sonho de modificação do
status quo de vida, ou seja de melhorar as condições de sua vida e de sua
família, esbarra em situações próximas a todo imigrante pelo mundo. As
barreiras culturais, os conhecidos pré-conceitos estabelecidos, legislações
por hora ineficazes, por hora emaranhados burocráticos, a ausência de
visibilidade das políticas públicas que realmente garantam seus direitos
reconhecidos na legislação, e uma ausência crucial para os pesquisadores
que são as bases de dados confiáveis, transparentes.
A questão da transparência grita aos ouvidos, incomoda, e pode
e deve mobilizar um sem fim de pesquisas, pois as pontas de iceberg precisam ser vistas, também pela profundidade para largar à poeira os discursos vazios de ―roubo de trabalho‖, e da discriminação velada sob égide do discurso da informalidade, ou da tentativa de criminalização do
trabalho informal. Os impactos sociais da pesquisa e as sugestões de soluções rápidas e práticas para problemas reais dos imigrantes senegaleses
no município de Passo Fundo ainda são embrionárias, talvez quando se
encontre já não encontre os principais interessados, mas que sirvam para
todos os próximos.
4.
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O (DES)AMPARO AOS REFUGIADOS
AMBIENTAIS NO DIREITO
INTERNACIONAL PÚBLICO E SUA
REPERCUSSÃO NA LEI Nº 13.445/2017
Ana Claudia Kociszeski 1
Wellen Pereira Augusto 2
1.
Introdução
Há massivo deslocamento de pessoas no mundo hoje, internos
ou externos ao espaço territorial das nações, resultantes de supressão de
liberdades individuais, de forma que os atingidos são forçados a deslocarse, mesmo dentro do próprio país.
Os deslocamentos forçados por eventos ambientais, catástrofes,
desastres, são classificados como migrações. Isso se dá porque há lacuna
na proteção internacional àqueles que migram por tais motivos.
Este trabalho adota a perspectiva de deslocamento forçado para
trabalhar o refúgio ambiental, isto é, quando certo fenômeno ambiental,
seja de natureza antrópica, natural ou mista, desencadeia a procura por
abrigo em outros países, ou outras regiões dentro de um mesmo território.
Dessa forma, primeiramente debate o conceito de ―refugiados
ambientais‖ hoje, com críticas à omissão presente nos instrumentos internacionais de proteção ao refúgio, como a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951).
Após, analisar de forma crítica a mais recente Lei promulgada no
Brasil sobre migrações, a Lei Federal nº 13.445/2017, que visa disciplinar
o procedimento de migração no âmbito nacional. Desse modo, compreende que a máxima efetividade dos direitos humanos deve ser aplicada
1
2
Graduanda em Direito no Centro
anaclaudiakociszeski27@hotmail.com
Graduanda em Direito no Centro
wellen._@hotmail.com.
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Universitário
UNISEP.
Contato:
Universitário
UNISEP.
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no caso dos refugiados ambientais para garantia de direitos inerentes à
pessoa humana.
2. Refugiados e “refugiados ambientais”: por uma proteção
adequada
A questão dos refugiados ambientais é de longa data, contudo,
há poucos anos tornou-se um problema preocupante devido às graves
mudanças no meio ambiente, consubstanciadas por catástrofes cada vez
mais comuns. O impacto da exploração desen
freada do meio ambiente, sem manejo sustentável nas práticas
extrativistas, gerou maior incidência de eventos ambientais de causa antropogênica.
O Direito Internacional dos Refugiados (DIR) tem um amplo regime de proteção, todavia, em se tratando de refugiados ambientais, o
regime de leis é incompleto, vez que aqueles não se encaixam no perfil,
somente refugiados com as caraterísticas expressamente previstas na
Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 recebem a proteção adequada (RODRIGUES; JÚNIOR, 2017).
Os assim conhecidos como ―refugiados‖ ambientais são pessoas
deslocadas de um lugar para outro, de forma forçada, e que não recebem
tratamento jurídico internacional particular (MIALHE; OLIVEIRA,
2012). De mesmo modo, dever haver um nexo causal entre a migração e
o evento ambiental/ecológico relevante que a motivou.
São categorizados, pelo menos desde 1985 por El-Hinnawi
(1985) em três situações: a) aqueles deslocados de forma temporária em
vista de desastre ambiental espontâneos, de modo que provavelmente
retornem ao local de origem; b) aqueles deslocados de forma permanente
devido a impossibilidade física e biológica de permanecer no local de
origem, por ser irreversível; e, c) aqueles que realizam mudança temporária ou permanente, diante de insuficiência de recursos para prover subsistência no local de origem.
O principal fator para o aumento significativo de refugiados ambientais são as mudanças climáticas. Por sua vez, entende-se que os países e organizações internacionais devem analisar e alterar a definição de
refugiado elencada no art. 1º, A §2º da Convenção de 1951 (MIALHE;
OLIVEIRA, 2012).
Nenhuma organização internacional tem a autoridade necessária
para prestar assistência ou proteção àqueles considerados refugiados am-
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bientais. Suas necessidades não são ignoradas, por outro lado, não são
prestadas como deveriam, de modo que subsistem impasses diante da
ausência de previsão legal, em especial na Convenção de 1951.
A Convenção de 1951, ao definir quem são refugiados, impõe
uma restrição conceitual, o que causa desamparo aos refugiados ambientais, como verifica-se no art. 1º § 1, alínea c, da normativa internacional:
[…] qualquer pessoa que, temendo ser perseguida por motivos de raça,
religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontra-se
fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse
temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.
(ONU, 1951).
Ademais, a doutrina de direito internacional tem tomado duas
posições antagônicas sobre o assunto: a primeira, que exige a proteção de
refugiados ambientais na legislação, sob o argumento de que não há voluntariedade na migração por conta de desastres ambientais; e, a segunda, cuja não admite a alcunha de ―refugiados ambientais‖ a indivíduos
determinados – em contraposição a grupos – como espécie de refúgio,
mas, sobretudo, como migração.
Entretanto, impactos ambientais se exprimem de variadas formas, como degradação ambiental, acidentes químicos/tecnológicos,
desastres naturais, dano progressivo ao meio ambiente, casos em que
potencializam a migração forçada a outros locais na busca por sobrevivência.
A própria nomenclatura refugiados ambientais é objeto de críticas uma vez que, conforme já se expôs, esses migrantes por razões ambientais não se enquadram nas situações convencionais previstas na legislação internacional específica de refúgio. Em razão disso, encontram-se
denominações que evitam usar o termo refúgio, dentre as quais se pode
citar: migrantes induzidos pelo meio ambiente, migrantes ambientais de
emergência, migrantes ambientalmente forçados, migrantes ambientalmente motivados, ecomigrantes. (RODRIGUES; JUNIOR, 2017)
Por outro lado, algumas normativas buscam a integração do refugiado ambiental nas protetivas internacionais, como Convenção da
Organização da Unidade Africana 1969 (COUA), a qual teve inciativa
para ampliar o conceito de refugiado e otimizou a aplicação de direitos
humanos nos países da África:
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[...] o termo refugiado aplica-se também a qualquer pessoa que, devido
a uma agressão, ocupação externa, dominação estrangeira ou a acontecimentos que perturbem gravemente a ordem pública numa parte ou
na totalidade do seu país de origem ou do país de que tem nacionalidade, seja obrigada a deixar o lugar da residência habitual para procurar refúgio noutro lugar fora do seu país de origem ou de nacionalidade. (COUA, 1969)
Assim, pela ótica da Convenção da Organização de Unidade
Africana de 1969 (OUA), deve-se classificar como refugiado toda pessoa
ou todo indivíduo que precisa atravessar as fronteiras de seus países de
origem em busca de abrigo e proteção, não apenas por sofrer alguma
perseguição, mas também por razões ambientais ou ecológicas.
A tópica principal em relação aos refugiados está após seu acolhimento, a partir dos cuidados que recebem e dos meios disponibilizados
para estabilizar sua situação de refúgio, entretanto, posteriormente a isso,
são impossibilitados de realizar o procedimento de ―legalização‖ de forma regular. Dessa forma, garante-se aos refugiados somente direito a um
visto, o qual, geralmente, prescinde de limite temporal de um país para
outro.
A ausente garantia legal para os ―refugiados‖ ambientais não é o
único impasse que os países receptores irão enfrentar, uma vez que cada
refugiado ou grupo de refugiados traz consigo a bagagem de um país
completamente diferente, o que engloba crenças, tradições, leis e práticas
culturais totalmente diferentes (LIMA, 2010).
Neste aspecto, a Lei nº 13.445/2017 previu mecanismos de combate à discriminação e à xenofobia e consagrou o tratamento igualitário,
com fulcro de afastar violações aos direitos humanos referentes à origem
dos migrantes (GUERRA, 2017).
É evidente que outras questões serão envolvidas e que essas políticas devem possuir limites que assegurem a coesão dos valores e da ordem jurídica dos países receptores, mas o conceito de Estado-Nação deve
ser revisto, dando lugar a Estados multiétnicos em que possam coexistir
diferentes culturas e cosmovisões, sem que uma delas prevaleça aniquilando as outras. É necessário frisar, no entanto, que a proteção da identidade étnica não pode resultar em uma política segregacionista, que desconsidere o caráter dinâmico da etnia e cultura. O que se deve evitar é
uma assimilação forçada, permitindo ao refugiado o direito de escolha na
adoção de hábitos e costumes de outros povos com quem irá conviver.
(LIMA, 2010).
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Algumas alternativas são apresentadas como recomendação para
sanar o déficit de proteção aos refugiados ambientais, no âmbito do Direito Internacional Público, entre elas, por meio de políticas públicas,
como promoção de estudos de caso sobre desastres ambientais e sua influência na migração, desenvolvimento de relações de políticas de direitos
humanos com meio ambiente, reconhecimento do nexo causal entre desastres ambientais e o fluxo migratório etc. (MIALHE; OLIVEIRA,
2012).
Também é dito que, embora não haja norma jurídica protetiva
específica, o DIR tem compromisso com a proteção dos refugiados ambientais, desse modo, aplica-se uma proteção organizada por princípios
gerais de Direito Internacional e da Teoria de Direitos Humanos (RODRIGUES; JUNIOR, 2017).
Nesta senda, deve-se aplicar as características de universalidade e
transnacionalidade dos direitos humanos que, desde a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, adotam uma perspectiva abrangente
de proteção a dignidade humana sem necessário reconhecimento por
parte de um Estado (RAMOS, 2017, p. 93).
A comunidade internacional deve imediatamente tomar uma inciativa quanto a estes ―refugiados‖ ambientais, pois estes são atingidos
em todos os aspectos, seja físico ou emocional, o que compromete e viola
direitos fundamentais interdependentes e indisponíveis (RODRIGUES;
JUNIOR, 2017).
Os refugiados ambientais precisam de atenção e direitos assegurados nos países receptores, bem como necessitam respeito às suas culturas e tradições, mormente ainda existam questões de discriminação envolvendo raça, etnia, religião. A perpetuação de estereótipos somada à
frágil proteção de direitos coloca refugiados ambientais em situações de
vulnerabilidade, de modo que, ao não contar com a proteção pelas legislações vigentes nestes países, são expostos a diversos tipos de violência.
3.
O eco do desamparo na Lei nº 13.445/2017
A despeito da matéria de refugiados ser regulada pela Lei nº
9.474/1997, a qual teve influência da Convenção de 1951, percebe-se
que, nos moldes da Convenção, tal legislação não abrange os direitos de
refugiados ambientais. Desse modo, mantém o impasse quanto à proteção do refúgio ambiental no Brasil.
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Assim, a Lei Federal nº 13.445, de 25 de maio de 2017, a qual
tem como objetivo regulamentar a migração no país, terminou por solidificar a categoria de refugiados ambientais como migrantes. A lei tem o
mérito de trazer inovações no que tange à desburocratização do processo
migratório, à promoção de direitos igualitários aos imigrantes, à visão
humanitária na concessão de vistos de permanência e, como consequência, a não criminalização pelo fenômeno da migração (GUERRA, 2017).
A lei traz as hipóteses de concessão de visto humanitário (em situação de emergência), na modalidade temporária, àqueles que se encontrem ―em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de
conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental [...]‖, de acordo com o art. 14, §3º.
Como sua função é substituir o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº
6.815/80), a norma disciplina situação de migração, voluntária ou não.
Todavia, ao prever a possibilidade de visto temporário em caso de desastre ambiental, delimita, implicitamente, o alcance de proteção aos refugiados ambientais, uma vez que sua permanência é, ab initio, temporária.
Não obstante, cada Estado, como sujeito de direito internacional, pode estabelecer diretrizes próprias para receber refugiados, observando-se o caráter jus cogens da Convenção de 1951. Neste aspecto, o
Brasil escolheu por ignorar os refugiados ambientais, como se percebe
pela Lei de Migração e adoção restrita do conceito de refugiado na Lei de
Refúgio. Isto é, ―o tratamento jurídico dado pelo Brasil aos refugiados
encontra-se em consonância com que foi estabelecido na Convenção de
1951, no Protocolo de 1967 e na Convenção de Cartagena de 1984‖
(GUERRA, 2018).
Por isso, o amparo dado pelo Brasil é considerado frágil, e demanda o reforço à pauta de proteção aos refugiados ambientais em instrumentos próprios, nacionais e internacionais. A lei, conquanto trouxe
avanços e categorias novas de proteção, foi omissa sobre refugiados.
Uma maneira de otimizar os direitos humanos de refugiados
ambientais consiste em reconhecer sua fundamentalidade, a partir de
uma abertura para seu reconhecimento. Isso denota que, direitos relativos
a refugiados ambientais, por constituir fundamentalidade material, permitem a promoção extensiva e não exaustiva da dignidade humana (RAMOS, 2017, p. 96).
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4.
Considerações Finais
As diretrizes protetivas sobre refugiados não são suficientes para
amparar os refugiados ambientais, uma vez que, na lacuna da normativas
internacionais, há negligência dos Estados em adotar uma proteção interna a pessoas envolvidas em deslocamento forçado por conta de fenômenos ambientais.
Diante disso, apurou-se a necessidade de implementar proteção
integral aos refugiados ambientais, vez que estes têm seus direitos humanos violados – inclusive ao meio ambiente ecologicamente equilibrado –
quando são vítimas desses eventos.
Bem como, a despeito da discussão teórica sobre conceito de refugiados e migração ambiental, à vista dos direitos humanos e suas categorias de universalidade, interdependência e indisponibilidade, os países
devem adequar-se à realidade atual, em que há fluxo migratório expressivo decorrente de mudanças climáticas.
A legislação brasileira ainda é omissa quanto a esse grupo de refugiados, de modo que vigora, por enquanto, a Lei nº 9.474/97, editada
nos moldes da Convenção de 1951, a qual não alcança refugiados ambientais. Por isso, uma forma de consagrar direitos humanos e fundamentais aos refugiados ambientais é otimizar o alcance de direitos inerentes à
dignidade humana.
5.
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Círculo de Diálogo 5
Patrimônio, sustentabilidade
e justiça ambiental
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A CRIAÇÃO DO ESTATUTO
INTERNACIONAL DA AMAZÔNIA:
A RELATIVIZAÇÃO DA SOBERANIA EM
FACE DA IDEOLOGIA AMBIENTAL
Ailor Carlos Brandelli1
Carlos Alberto Lunelli2
Introdução
Na 25ª reunião de cúpula do G7, intitulada - Encontro do G7 de
Biarritz (FR) -, em que reuniram-se os líderes das sete maiores potências
ocidentais do mundo, restou evidente a afirmação do Presidente da França Emmanuel Macron acerca da atual situação da floresta amazônica e
da preocupação de tais países em auxiliar na sua preservação.
Nessa ótica, o presidente francês chegou a questionar a conveniência de conferir status internacional à floresta amazônica, caso os líderes
da região tomem decisões prejudiciais ao planeta.3 Ainda que afirmando
respeitar a soberania de cada país, o presidente francês trouxe ao debate,
de forma ostensiva, a ideia de construir uma proposta à Organização das
Nações Unidas com o objetivo de conferir um status internacional à
Amazônia, dada a sua importância para o clima mundial, comparando-a,
com as devidas proporções, aos países que têm em seus territórios espa-
1
2
3
Mestre em Direito Ambiental e Relações de Trabalho e Doutorando em Direito
Ambiental e Novos Direitos. Especialista em Direito Processual, todos pela
Universidade de Caxias do Sul – UCS (Caxias do Sul – RS). Advogado. Email:
ailorbrandelli@gmail.com.
Pós-doutor em Direito pela Universidade de Padova – Itália. Doutor em Direito pela
UNISINOS. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade
de Caxias do Sul (RS), nos cursos de Mestrado e Doutorado em Direito Ambiental.
Advogado. Email: calunelli@gmail.com.
Le président français s'est même interrogé sur l'opportunité de conférer un statut
international à la forêt amazonienne, au cas où les dirigeants de la région prennent
des
décisions
nuisibles
pour
la
planète.
Disponível
em
https://www.france24.com/fr/20190826-g7-amazonie-aide-urgence-millions-feuxincendies-bresil-france-macron-chili, acesso em 27.08.2019.
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ços glaciais, ciente de que a questão climática não pode ser vista como
um problema que esteja dissociado entre os países.4
A proteção ambiental dos recursos naturais, em especial, de toda
a biodiversidade alicerçada nos diplomas legislativos, mesmo que evoluindo-se para a compreensão da natureza como sujeito de direitos, a
exemplo de outra evolução sentida na metade do século passado: todo ser
humano é pessoa, e como tal, sujeito de direitos, compreensão trazida
pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, aparentemente, não foi suficiente e determinante para conter a degradação da maior
floresta do mundo, da qual, direta ou indiretamente, a humanidade sentese como parte integrante e dependente de sua existência.
Ao longo de séculos, a sociedade escravizou e exterminou legiões de humanos havidos especialmente do continente africano, ao passo
que, no decurso de séculos, reconhece-os como sujeito de direitos, fazendo cessar as atrocidades. A natureza segue os mesmos passos, escravizada em prol da economia e da satisfação das necessidades do homem,
restou exterminada em muitas regiões do planeta, ao passo que, outra
evolução resta sentida nesse momento: a natureza como sujeito de direitos.
Ao final, assinala a necessidade de realizar-se uma delimitação
necessária entre a ideologia ambiental e o grupo social, englobando ainda
a preocupação com as mudanças climáticas percebida pelos grandes países e a relativização da soberania em prol da preservação do ambiente.
A Influência da ideologia ambiental na relativização da soberania brasileira
Quando um país exerce a soberania estatal sobre os recursos naturais, declarando-a no texto constitucional, o faz visualizando o bem
ambiental como um provedor de recursos, espelhando a compreensão de
que os recursos, à época do texto, se demonstravam infinitos e cujos efeitos da exploração pouco importavam em relação aos demais países do
4
Mais un tel statut "est un chemin qui reste ouvert qui continuera de prospérer dans
les prochains mois et années, car l'enjeu est tel sur plan climatique qu'on ne peut pas
dire 'ce n'est que mon problème'. Et c'est la même chose pour ceux qui ont sur leur
territoire des espaces glaciaires ou qui ont un impact sur l'intégralité du monde". Le
président français a cependant assuré avoir bâti l'initiative qui sera proposée à l'ONU
"pour respecter la souveraineté de chaque pays".
Disponível em
https://www.france24.com/fr/20190826-g7-amazonie-aide-urgence-millions-feuxincendies-bresil-france-macron-chili, acesso em 27.08.2019.
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entorno. Mesmo que traduzam o ambiente como sujeito de direitos nas
Cartas Constitucionais, adotam condutas diversas na proteção, o que
atrai o olhar da comunidade internacional.
Curiosamente, como ensina Lunelli ―o próprio surgimento e a
evolução do Direito Ambiental, no mundo contemporâneo, ocorreram a
partir de impulsos pontuais, que foram produzindo e formando esse novo
ramo do Direito‖. 5
Exatamente essa dissociação entre a afirmação da proteção ambiental nos textos constitucionais e os graves incêndios que permearam a
floresta amazônica nas últimas semanas6, alinhados com a omissão do
governo brasileiro, tudo concomitantemente coma realização da 25ª reunião de cúpula do G7, intitulada - Encontro do G7 de Biarritz (FR), trouxeram à discussão uma nova variável: a proteção da floresta amazônica,
mediante a criação de um estatuto internacional.
Para esse romper de paradigmas, quer seja para um norte ecocêntrico ou mesmo, outra perspectiva constitucional em que o bem ambiental alcance a condição de sujeito/titular de direitos, depende, acima de
tudo, de uma nova compreensão ideológica da sociedade e do próprio
estado, a qual resta alicerçada por séculos na condição de que o exercício
dos direitos à posse, propriedade e da própria liberdade é exercido através
do bem ambiental e não em seu favor.
A realidade demonstra que os eventos ambientais não respeitam
as fronteiras políticas demarcadas pelos homens ao longo da evolução
das sociedades. E nesse aspecto, ―o movimento internacional, expresso
também pelos diversos tratados e várias conferências envolvendo a temática ambiental constitui, sem dúvida, um importante elemento à afirmação das normas de tutela ambiental nos ordenamentos‖. 7 Para Mario
Melo,
5
LUNELLI, Carlos Alberto. Jurisdição italiana, ideologia e tutela ambiental. 1. ed.
Caxias do Sul - RS: EDUCS, 2017. v. 01. P. 32. Disponível em
https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/ebook-jurisdicao-italiana_2.pdf, acesso em
27.08.2019.
6
A rede internacional BBC assim noticiou: ―Incêndios florestais ocorrem com
frequência na estação de seca no Brasil, mas dados de satélite divulgados pelo
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostraram um aumento de 84%
neste ano, na comparação com 2018. (...) Diversos países se manifestaram de
maneira contundente sobre os incêndios. Alguns chegaram a defender boicotes à
carne e produtos agrícolas brasileiros, além da derrubada do acordo comercial
firmado recentemente entre o Mercosul e a União Europeia. Disponível em
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-49455361, acesso em 27.08.2019.
7
LUNELLI, Op. cit. p. 32.
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La necesidad de superar el egoísmo de una visión antropocéntrica para
la cual el valor intrínseco de la naturaleza no va más allá del uso que
de ella y de sus elementos haga la especie humana es un imperativo categórico en esta época signada por la crisis ambiental ocasionada por el
cambio climático. 8
Não se pode esquecer, contudo, que ideologia é um conceito
amplo que transpassa os institutos, muitas vezes sem permitir-se o próprio reconhecimento, como afirma Zizek:
Ideologia pode designar qualquer coisa, desde uma atitude contemplativa que desconhece sua dependência em relação à realidade social, até
um conjunto de crenças voltado para a ação; desde o meio essencial
em que os indivíduos vivenciam suas relações com uma estrutura social até as idéias falsas que legitimam um poder político dominante.9
A subserviência às ideologias estabeleceu e consolidou conceitos
de que a natureza sempre foi a provedora dos recursos ao longo dos séculos, resistindo mais às mudanças sociais que são invocadas e pertinentes à
manutenção do bem ambiental.
Com isso, a edificação do novo paradigma de um Estado Socioambiental de Direito, consoante os últimos acontecimentos, demonstrouse utópica, tendo em vista o antagonismo existente entre sistema de produção de capital e de consumo hoje instalado, além da finitude dos recursos naturais e as desigualdades sociais constatadas. No entanto, Boaventura de Sousa Santos, a partir de um olhar realista sobre a utopia esclarece:
8
9
MELO, Mario. Op. Cit. P. 55. p. 55.
ZIZEK, Slajov (Org.). Um Mapa da Ideologia. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de
Janeiro: Contraponto. 1996. p. 9.
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a única utopia realista é a utopia ecológica e democrática. A utopia
ecológica é utópica porque a sua realização pressupõe a transformação
global, não só dos modos de produção, mas também do conhecimento
científico, dos quadros de vida, das formas de sociabilidade, e dos universos simbólicos e pressupõe, acima de tudo, uma nova relação paradigmática com a natureza, que substitua a relação paradigmática moderna. É uma utopia democrática porque a transformação a que aspira
pressupõe a repolitização da realidade e o exercício radical da cidadania individual e coletiva, incluindo nela a carta dos direitos humanos
da natureza. É uma utopia caótica porque não tem um sujeito histórico
privilegiado. Os seus protagonistas são todos os que, nas diferentes
constelações de poder que constituem as práticas sociais, tem consciência de que a sua vida é mais condicionada pelo poder que outros
exercem sobre eles do que pelo poder que exercem sobre outrem. Foi a
partir da consciência da opressão que nas últimas décadas se formaram
os novos movimentos sociais.10
Basta observar que, no mundo contemporâneo, a compreensão
acerca da proteção ambiental, em qualquer ordenamento jurídico, passa,
necessariamente, pela percepção dessa proteção em nível internacional. É
um movimento que nasceu na esfera internacional, atuando de fora para
dentro nos ordenamentos. Essa dimensão, que é própria da tutela ambiental, não permite desconsiderar o Direito Internacional Ambiental e a
trajetória que se percorreu até aqui para tornar efetiva a proteção mundial
do ambiente, sendo a União Europeia um dos propulsores da preocupação dos ordenamentos jurídicos com a temática ambiental.
Nesse atual momento, os olhos da Comunidade Europeia, capitaneados pela atenta percepção do governo francês, que há muito discute
outros embates, como utilização de organismos geneticamente modificados, o uso do glifosato e a morte das colmeias, dentre outros temas, depara-se com a fragilidade da floresta amazônica e a necessidade de sopesar
a soberania brasileira, quer seja por suas instituições ou ainda, pelas
ações (ou a falta delas) de seu governo, frente à proteção de tão importante floresta para a humanidade, por ele reconhecida como sua própria
casa.
Ainda que tenham os ordenamentos jurídicos dos países latinoamericanos aparelhando-se de forma contundente, espelhados nos diversos textos internacionais, tratados e experiências de outras nações, permanecem em uma seara utópica quando da efetividade de sua aplicação,
considerado o fato de que o governo adota uma ideologia diversa, que
fomenta o desmatamento, omite informações de cunho ambiental ou
10
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. 13.
ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 43-44.
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persegue quem as divulga e propaga o crescimento através da utilização
dos recursos ambientais existentes.
E nesse sentido, Lunelli ensina que ―a tutela do ambiente não se
dá unicamente no plano da tutela jurisdicional, mas também se utilizam
técnicas de controle social, a partir da sensibilização da opinião pública e
dos instrumentos de consulta pública, controle administrativo preventivo
e utilização de tributação‖. 11 Traz o autor a experiência da doutrina italiana sobre a matéria, percebendo que o ordenamento jurídico italiano
consagra um caráter unitário ao bem ambiental, bem da vida, material e
complexo, que tem garantia de proteção jurídica plena, ainda que não
afirmado expressamente na Constituição Italiana.
Dessa experiência denota-se outro aprendizado: a inclusão da
natureza como sujeito de direito no texto da constituição não é o sinônimo de sua proteção, já que, como ele afirma, aviva-se na experiência
italiana a proteção ambiental sem que a natureza tenha um artigo ou
capítulo a ela destinado. A proteção está na forma como a sociedade a
reconhece e não como ela se encontra nos textos legais, questão essa que
é assim, puramente ideológica, representativa do conjunto que expressa
valores sociais, culturais e históricos de uma comunidade.
O pensamento individual do atual governo brasileiro quanto a
questão ambiental não é imune ao pensamento da sociedade, à preocupação internacional da proteção da floresta amazônica e ao risco de que o
país experimente severas sanções econômicas e políticas. Não se espera
que a Comunidade Europeia ou a ONU batam às portas da sede do governo brasileiro e insiram um estatuto de proteção da floresta amazônica,
afrontando a sua soberania, mas sim, incorram em inviabilizar, pelos
bloqueios econômicos, a própria mantença da população brasileira.
Além da existência das normas, sejam constitucionais ou infraconstitucionais, a própria sociedade deverá estar ideologicamente preparada para promover a proteção ambiental, sob pena de que as normas
tornem-se inócuas. A ideologia é a própria realidade histórico-social,
porém no sentido que lhe é dado no pensamento e na racionalidade de
uma coletividade. É a leitura da realidade social presente na forma de
pensamento do grupo social, inserido em seu contexto histórico. Para
Giuseppe Ugo Rescigno:
11
LUNELLI, op. cit. p. 47.
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―L‘ideologia non corrisponde mai alla realtà storico-sociale che pure
organizza e cerca di interpretare. L‘ideologia, nel senso qui usato, non
è una pura apparenza, un pensiero falso senza rapporto con la realtà
storico-sociale. L‘ideologia è essa stessa realtà storico-sociale, sia nel
senso che esiste socialmente come pensiero e modo di ragionare
socialmente diffuso, sia nel senso più ricco e importante che ogni
ideologia, in quanto forma di pensiero di gruppi sociali attivi, plasma
la realtà, che diviene così e non altrimenti perche guidata da quella
specifica ideologia e non da altra. Nello stesso tempo il risultato
storico-sociale di questa pratica sociale guidata dalla ideologia è
diverso, e spesso rofondamente diverso, da quello che gli agenti si sono
immaginati‖. 12
Nesse paradoxo, conclui-se que a gestão de governo é eminentemente ideológica, e que tal ideologia pode, por vezes, remeter ao embate com os diplomas legislativos pátrios e conflitar com os interesses de
outros países, situação essa que resta evidenciada na ausência de ações de
proteção ambiental pelo atual governo e a preocupação das grandes potências mundiais com o decesso ambiental da floresta amazônica.
A ameaça trazida pelo discurso do governo, antes mesmo de
causar as esperadas sanções econômicas ou ainda, a relativização da
soberania pátria, deve servir como uma mola propulsora para a comunidade mundial e para a própria sociedade brasileira, no sentido de que
sejam adotadas ações de reconhecimento de que a natureza é indispensável ao homem e que tal premissa deve instalar-se acima de qualquer propósito de crescimento econômico ou de ideologia política, subordinandose o capital em prol da natureza e não o inverso.
Considerações finais
A riqueza da biodiversidade nos países latino-americanos e o
consumo desenfreado desses recursos acenam para a necessidade de preservação dos ecossistemas, que nas últimas décadas também experimenta
os efeitos das mudanças climáticas globais, dimensão essa até então desconhecida.
Os textos constitucionais ora apresentados demonstram uma
evolução no trato da proteção ambiental, dando voz e vez para a natureza, reconhecendo sua personalidade pela via constitucional, dada a sua
importância para a própria existência do ser humano. Todavia, os últimos acontecimentos na floresta amazônica, em especial o elevado índice
12
RESCIGNO, Giuseppe Ugo. Corso di Diritto Pubblico. 5ª. ed. Bologna: Zanichelli,
2014. p. 107.
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de desmatamentos e de queimadas trouxe preocupação às grandes potências econômicas mundiais, que acenam para sanções econômicas e até
mesmo, o reconhecimento de um estatuto internacional para a floresta
amazônica.
O embate economia/política x natureza parece encontrar um revés com a proteção constitucional declarada nos textos constitucionais,
os quais, ainda que eventualmente dependam de normas infraconstitucionais para a devida efetividade – leia-se instrumentalização do direito -,
consolidam na Lei Maior de seus ordenamentos a incontroversa necessidade de resguardo da natureza, de sua biodiversidade e da harmoniosa
evolução do crescimento econômico/uso dos recursos ambientais, premiando a sustentabilidade.
É preciso que o governo estabeleça mais do que um compromisso ambiental, adotando a ideologia mundial sobre a proteção ambiental,
já que não pode dispor da forma que melhor entender seus recursos ambientais, quer seja pela dimensão continental do Brasil, pelo reconhecimento da importância mundial da floresta amazônica ou ainda, pelo
risco de inviabilizar econômica e politicamente a nação frente aos demais
países.
Macular a proteção ambiental como faz o governo, por omissão
ou condutas dissociadas dos princípios que norteiam a humanidade nesse
aspecto, ou ainda, justificar as condutas apontando os equívocos ambientais praticados por outros países em distintos momentos da história, significa negar a evolução da própria sociedade nos saberes ambientais e relegar seu povo à uma democracia travestida de ditadura.
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A GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA E A
SUSTENTABILIDADE HUMANISTA:
LIMITES PARA UM DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
Victória Faria Barbiero 1
Joline Picinin Cervi 2
Gabriel Dil 3
1.
Introdução
Durante o desenvolvimento do presente artigo será asseverado
sobre os impactos da globalização, pois que este fenômeno modifica nossa percepção das distâncias e barreiras das fronteiras, bem como nossa
percepção de tempo, ocasionando na maioria das vezes efeitos radicalmente desiguais. Outrossim, este relacionamento social conflituoso destrói a reprodução da natureza em equilíbrio, desacreditando as possíveis
relações sustentáveis que poderiam/deveriam fazer parte da vida de todos
os grupos sociais que dela dependam.
A sustentabilidade humanista consiste em aproximar o desenvolvimento sustentável e a utilização consciente dos recursos naturais, a fim
de promover o crescimento econômico em conjunto da equidade social e
diminuição da pobreza. Nesse sentido, o presente trabalho visa abordar o
fenômeno da globalização sob um viés ecologicamente responsável a fim
de garantir a dignidade da pessoa humana a toda sociedade.
1
2
3
Mestranda em Jurisdição Constitucional e Democracia pelo Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Direito, da Universidade de Passo Fundo. Bolsista
CAPES/CNPq. E-mail: 142281@upf.br.
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito pela Universidade de Passo
Fundo. Mestranda em Território, Urbanismo e Sustentabilidade Ambiental no Marco
da Economia Circular pela Universidade de Alicante. Bolsista CAPES/FAPERGS.
E-mail: jolinepcervi@gmail.com.
Mestrando em Jurisdição Constitucional e Democracia pelo Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Direito, da Universidade de Passo Fundo. BOLSISTA
CAPES/CNPQ. E-mail: 134701@upf.br.
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O tema possui relevância social, uma vez que busca-se desenvolver um breve estudo em relação a globalização econômica e a sustentabilidade humanista, objetivando um desenvolvimento sustentável. Ainda,
refere-se à pesquisa básica, que tem como base lógica operacional o método dedutivo. Quanto ao método de procedimento, este será o monográfico. Como instrumento para a realização do processo investigatório,
utiliza-se a técnica documental e a bibliográfica.
2. Precariedades surgidas a partir da globalização em uma
perspectiva social e ambiental
A ideia de globalização traz consigo uma concepção de sistema
global baseado em práticas transnacionais. As forças da globalização
produzem uma livre mobilidade de serviços, produtos e capital através
das fronteiras estatais. Há países que se beneficiam substancialmente
desse processo, mas, por outro lado, existem os que não conseguem alcançar bons índices de desenvolvimento por estarem em estágios diferentes e possuírem distintos graus de empreendedorismo, reafirmando um
papel de fornecedor de matéria prima em um mercado extremamente
competitivo.
Apesar da perspectiva da integração de mercado ser um dos processos em pauta quando se analisa este fenômeno, o processo de globalização resultou em uma ressignificação dos conceitos político-culturais na
pós-modernidade, que atingem tanto sociedades orientais como ocidentais. Pode-se dizer que esse modelo ascendeu a grande maioria dos Estados modernos, e que é difícil vislumbrar um espaço fora dessa lógica
globalizante.
O corrente processo, segundo Jaguaribe (2008, p. 275) exerce
uma pressão diversificada, em que se combinam fatores econômicos,
culturais e pincipalmente informacionais. Há uma múltipla dominação
de subjetividades e da comunicação. Se na economia as corporações
multinacionais se tornaram predominantes nos mercados mundiais, nos
processos de comunicação e informações o controle é realizado por um
seletivo número de megacorporações norte-americanas, sob a influência
de sua cultura e da língua inglesa. Isso pode ser mais palpavelmente demonstrado, como por exemplo, na cultura cinematográfica e televisiva
americana, que perfaz todo o mundo.
O fenômeno da globalização modifica nossa percepção das distâncias e barreiras das fronteiras, bem como nossa percepção de tempo, já
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que conecta o nosso dia-a-dia a acontecimentos de outras partes do planeta. A forma de como vemos e entendemos nós mesmos e o mundo que
nos cerca também é alterada, nos tornando uma grande rede aberta de
contatos e comunicações (ALARCOS, 2005).
Sob a perspectiva de Zygmunt Bauman, em seu livro A Globalização: As consequências humanas, a sociedade globalizada não se configura tão-somente em uma perspectiva transnacional, mas precipuamente
na ideia do movimento. O movimento da globalização já nos tomou por
completo, mesmo que ainda não o percebamos. ―Todos nós estamos, a
contragosto, por desígnio ou à revelia, em movimento‖ (BAUMAN,
1999, 6-7). Esse movimento não necessariamente se traduz em movimentos físicos, mas em especial nos movimentos do espaço social. Assim, ―a
imobilidade não é uma opção realista num mundo em permanente mudança‖ (BAUMAN, 1999, 7).
Os efeitos dessa nova condição decorrente da globalização são
radicalmente desiguais, pois nos dividem em globais e locais. Os que
assumem as posições ―globais‖, estes que estão em constante movimento,
possuem maiores probabilidades de viver uma vida boa. Esse movimento
também se traduz no movimento do consumo. A estética do consumo se
potencializa e o objeto de adoração atual se torna a própria riqueza
(BAUMAN, 1999, p. 92). A liberdade de se movimentar seria nesse contexto ir para onde quiser e comprar o que quiser, sendo que existem aqueles que possuem a liberdade de movimento e consumo, e os que estão
adstritos a um potencial de consumo tão limitado quanto seus recursos,
mas são essencialmente consumidores – e a maior parte da população
(BAUMAN, 1999, p. 93).
Já, os que fixam em sua localidade, se colocam em uma situação
não suportável: viver uma vida que os globais fazem as regras do jogo.
Por isso:
Ser local num mundo globalizado é sinal de privação e degradação social. Os desconfortos da existência localizada compõem-se do fato de
que, com os espaços públicos removidos para além do alcance da vida
localizada, as localidades estão perdendo a capacidade de gerar e negociar sentidos e se tornam cada vez mais dependentes de ações que
dão e interpretam sentidos, ações que elas não controlam — chega dos
sonhos e consolos comunitaristas dos intelectuais globalizados. Uma
parte integrante dos processos de globalização é a progressiva segregação espacial, a progressiva separação e exclusão (BAUMAN, 1999, 67).
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Ou seja, o que Bauman procura explicar é que não é possível viver uma vida (suportável) fora da globalização, já que houve um múltiplo
aprisionamento de estruturas sociais e econômicas, mas também, isso
não significa dizer que dentro dos espaços globalizantes só existem vidas
boas. Pelo contrário, a globalização inserida em um mercado capitalista
trouxe consigo fenômenos de precariedade latente. Sob o viés do capital
vivem populações cada vez mais empobrecidas, e estruturas ambientais
cada vez mais degradadas, tudo isso para satisfazer a cultura do consumo. É a partir desses problemas, que o capítulo será desenvolvido.
3. O crescimento estrutural da pobreza e das desigualdades
sociais
A problemática do empobrecimento social crescente e da
profunda desigualdade econômica afeta toda a sociedade globalizada. O sistema capitalista globalizado e neoliberal desumanizado
produz misérias às classes menos favorecidas, e no âmago dessas
condições precárias o que se reproduz é a violência, a criminalidade, e a insegurança.
A miséria social e o aumento da violência e da criminalidade não são consequências exclusivas da globalização e da expansão capitalista. Entretanto, segundo Xavier et al (2019, p. 115120) ―na atual sociedade globalizada, globalizante e interconectada real e virtualmente, a disseminação e a produção da violência
criminal evoluíram numa escala crescente, em que tudo é válido
em nome do poder‖, ocorrendo uma banalização da vida e dos
valores humanos. Ainda, segundo Milton Santos:
A persistência da pobreza e de necessidades essenciais não satisfeitas; o
aumento das desigualdades e a permanência das práticas de violação
de liberdades políticas elementares e de liberdades formais básicas; a
precarização do trabalho e a crescente vulnerabilidade do trabalhador;
além das reconfigurações espaciais, com a tendência cada vez maior de
exclusividade de espaços residenciais e comerciais, privatização de espaços públicos e estigmatização de espaços populares, evidenciam a
importância de se revisitar os diversos enfoques que a questão da pobreza vem assumindo no debate acadêmico ocidental (SANTOS, 1978,
p. 1).
Dessa forma, a pobreza é visualizada como à carência e privações de estruturas materiais, sociais (e educacionais) e de inserção política. A noção de pobreza se amplia a partir dos anos de 1970, ao acrescentar outras exigências ao consumo básico de uma família, como os servi-
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ços de água potável, saneamento básico, saúde, educação e cultura.
Ademais, no final do século XX ainda se amplia a dar ao enfoque da
pobreza a privação da expansão das liberdades, como direitos políticos
(SOUZA, 2018, p. 17-19).
Um ponto interessante sobre a pobreza estruturada é que os pobres não habitam uma cultura separada dos ricos, mas tem que viver no
mesmo mundo construído a partir dos benefícios dos que têm dinheiro
(BAUMAN, 1999, p. 93). Sua pobreza é agravada tanto pelo crescimento
econômico, assim como é intensificada pela recessão e o não crescimento. Assim, ―recessão significa mais pobreza e menos recursos; mas o crescimento leva a uma exibição ainda mais frenética de maravilhas de consumo e assim prenuncia um abismo ainda maior entre o desejado e o
real‖ (BAUMAN, 1999, p. 93).
Mais de 2,2 bilhões de pessoas continuam a viver em situação de
pobreza multidimensional, segundo o Relatório de Desenvolvimento
Humano 2014, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP, 2014, p. 3), com carências na área de saúde,
educação e qualidade de vida. Cerca de 842 milhões de pessoas padecem
de fome crônica, e quase metade dos trabalhadores, trabalha em regime
de emprego precário ou informal (UNDP, 2014, p. 3). E ainda, mais de
80% da população global não dispõe de proteção social significativa. O
Relatório elaborado há dois anos informa que ―uma em cada nove pessoas no mundo está com fome e uma em cada três pessoas é desnutrida‖
(UNDP, 2016, p. 5).
Ademais, estudos afirmam que a condição urbana qualifica a
pobreza, e, mais do que isso, o conceito de pobreza se amplia de um
significado de carência ou déficit de renda, para atingir uma noção de
exclusão social (SOUZA, 2018, p. 17-19). Nesta fase, é implícito que a
pobreza também possui um aspecto político, como uma condição que
surge a partir do não pertencimento, somando às carências aspectos subjetivos, como, por exemplo, a perda de identidade, o sentimento de rejeição, quebra dos mecanismos de solidariedade e reciprocidade. (SOUZA,
2018, p. 17-19)
A partir daí, a globalização nas relações de trabalho produz um
grande impacto à estrutura social urbana, que torna a redução à pobreza
um processo muito mais acelerado, enquanto se nega paulatinamente os
direitos dos que estão nessa condição. Essa estrutura se fundamenta como uma categoria da vulnerabilidade social relacionada à marginaliza-
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ção, ocorrida principalmente por falta de interesse do governo em que
existam oportunidades no âmbito dos recursos pessoais, sociais e dos
direitos, bem como associa essa condição ao cerceamento do acesso aos
bens da cidadania, como a restrição ao direito de ter dignidade, de ter
saúde, de ter habitação, de ser respeitado, de ter participação política, de
ser representado (SOUZA, 2018, p. 17-19).
Portanto, a condição da pobreza vem ganhando diariamente
mais espaços, e o ritmo acelerado da globalização, bem como as negações aos direitos sociais, o escasso sentimento de solidariedade na sociedade capitalista, e a rejeição e exclusão do outro, torna essa estrutura
cada vez mais produtiva, no sentido de que a geração da pobreza produzse em um ritmo constante.
4.
Meio ambiente e a degradação da natureza
Diante das diversas opções que o ser humano possui para produzir mais gastando menos, este sempre opta pela degradação ambiental em
favor do bem imediato, sem ao menos se preocupar com a dificuldade
que a natureza possui em regenerar-se. Assim dizendo, no momento
atual utiliza-se mais recursos naturais do que a natureza consegue produzir, causando, desta forma um desiquilíbrio ambiental.
Levando em consideração que o ser humano necessita dos recursos naturais para a sua sobrevivência e que meio ambiente é a natureza
mais todas as modificações feitas pelos indivíduos, ―¿cómo ha sido posible que hayamos llegado a la situación actual de estado de guerra declarado entre el ser humano y la naturaleza?‖ (BOFF, 1996 p. 85) quando na
verdade todos deveriam caminhar juntos?
Pode-se afirmar que, reconhecidos os problemas devem ser tomadas medidas para soluciona-los, da mesma forma ―al igual que en caso
de enfermedad, hay que identificar las causas, ya que sólo atacando las
causas, y no los síntomas, es como se puede sanar al enfermo‖ (BOFF,
1996, p. 85).
Diante de tantos danos causados ao meio ambiente, na atualidade vive-se um dos piores momentos ambientais de todos, talvez por falta
de conhecimento, por mera irresponsabilidade ou pelo consumo desenfreado. Enquanto os danos ambientais seguem ocorrendo a largos passos,
precisa-se eleger maneiras de frear e é necessário e urgente que se promova rápidas mudanças e conscientização de todos.
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O que pode de certa forma conformar os preocupados com o
meio ambiente e com as degradações sofridas por este é que a cultura está
avançando em relação à conscientização, visto que jovens estão demonstrando mais interesse em relação as questões ambientais e visualizando
que os recursos naturais estão escassos e não são eternos. Buscando incentivar os demais em suas redes sociais e comprovando que existem
alternativas de preservação e proteção, para que não haja uma devastação
desmedida do meio ambiente.
Somente com mudanças eficazes que será possível a alteração do
que se vive hoje, visto que ―la producción de víctimas es inaudita: la clase
obrera mundialmente oprimida, naciones periféricas explotadas, la calidad de vida general deteriorada y la naturaleza explotada‖ (BOFF, 1996,
p. 88) restando sempre para o menos favorecido os efeitos da escassez dos
recursos naturais. Tendo em vista que as distribuições sempre são injustas, sempre há subordinação financeira. A globalização causa para os
menos favorecidos um descontrole em relação as tecnologias e ao comércio e, caminhando nesse viés, o relacionamento social conflituoso entre
quem possui mais ou menos, destrói a reprodução de natureza em equilíbrio e também os grupos sociais que dela dependem.
5.
A Sustentabilidade humanista: caminhos para um desenvolvimento sustentável
A ideia que se tem acerca de sustentabilidade/desenvolvimento
sustentável, bem como a preocupação global acerca da preservação dos
bens naturais finitos é bastante recente. Os períodos subsequentes às
grandes guerras mundiais foram momentos marcados pela produção,
consumo e degradação ambiental de forma exponencial. Posteriormente,
um considerável número de países começou a manifestar preocupação
com o aquecimento global e pela possível escassez dos recursos naturais,
promovendo uma discussão mais incisiva no que tange a esse problema.
Nesse sentido, afirma-se que, até o início dos anos 70, o mundo
acreditava que os recursos naturais eram infinitos e que poderiam ser
explorados sem limites em nome do desenvolvimento humano. No entanto, os fenômenos como secas, chuva ácida e mudanças bruscas nas
temperaturas, começaram a preocupar a comunidade internacional. Em
decorrência disso, foi convocada a Conferência das Nações Unidas para
o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, na Suécia, em
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1972, a fim de se discutir medidas preventivas e práticas industriais menos nocivas à natureza (BRASIL, 2012).
Ademais, a Conferência de Estocolmo inaugurou a agenda ambiental internacional, ―elevando a cultura política mundial de respeito à
ecologia, e como o primeiro convite para a elaboração de um novo paradigma econômico e civilizatório para os países‖ (BRASIL, 2012). Insta
salientar que, após o evento realizado na Suécia, foram promovidos outras Conferências, como a RIO-92, a RIO+10, e a RIO+20 (NAÇÕES
UNIDAS, 2017).
Entretanto, embora atualmente se tenha inúmeras políticas ambientais, o desenvolvimento sustentável ainda não se perfectibilizou e
vem promovendo uma série de desequilíbrios sociais, asseverando desigualdades, criminalização de minorias e cerceamento de acesso à direitos
fundamentais. Outrossim, insta salientar que ―o argumento central desenvolvido pelos economistas em favor da sustentabilidade gira em torno
da noção de eficiência no uso dos recursos do planeta‖ (RATTNER,
1999, p. 234).
Presume-se que a origem da devastação ambiental é responsável
também pela desigualdade social, razão pela qual se postula uma análise
conjunta entre ecologia e justiça. As políticas de crescimento econômico
geram diversos custos socioambientais, ocasionando ganhos e benefícios
unicamente às elites. Sendo assim, conclui-se que é extremamente importante um amadurecimento da democracia sustentável, a fim de promover
equidade social, reconhecimento e alteridade cultural.
6.
Considerações Finais
Por fim, conclui-se que a globalização eliminou as fronteiras
econômicas e ambientais, promovendo a livre circulação de bens e consumo. Nesse sentido, a degradação ambiental está fortemente ligada ao
empobrecimento social e a profunda desigualdade econômica. O sistema
econômico global prevalente incorre em desumanização e produz misérias de classes menos favorecidas em nome do lucro das elites dominantes.
Ainda, frisa-se que o desenvolvimento sustentável e humanista
visa utilizar os recursos ambientais de maneira eficiente, a fim de se tirar
o maior proveito desses bens finitos, produzindo poucos impactos negativos na natureza. A utilização responsável e equilibrada da biodiversidade
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pode garantir o progresso da civilização, aliada a uma justa distribuição
de renda, objetivando a erradicação das desigualdades sociais e a miséria.
O consumo desenfreado e a busca incessante pelo lucro, acaba
gerando muitos efeitos colaterais que afetam grande parcela da população
mundial, que ainda sofre muito com a fome e a miséria. Sendo assim, a
sustentabilidade humanista visa promover o progresso humano, com a
utilização consciente dos recursos naturais e a distribuição de renda proporcional às demandas da população, a fim de garantir que essas pessoas
tenham amplo acesso aos seus direitos fundamentais.
7.
Referências
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COLONIALISMO, POVOS INDÍGENAS E
JUSTIÇA AMBIENTAL: PERSPECTIVAS
TRANSDICIPLINARES
Marlei Angela Ribeiro dos Santos1
Thais Janaina Wenczenovicz2
Círculo de Diálogo: povos indígenas e justiça ambiental
INTRODUÇÃO
Desde o período colonial e com a introdução de ideologia capitalista eurocêntrica na América, o desenvolvimento nacional esteve sempre
marcado por interesses expansionistas e discriminatórios, ainda que a
legislação brasileira seja ampla em matéria ambiental oferecendo normatização e proteção, persiste o grau de burocratização e insegurança
acompanhado da devastação ambiental e extermínio de identidades nativas, enquanto o povo brasileiro se faz entretido com as facetas da globalização e a justificação de um sistema falho no que diz respeito às políticas
ambientais, redistributivas sociais e regionais.
O imperativo de produção de capital e crescimento econômico
continua colonizando os territórios e produzindo injustiças ambientais de
todos os tipos, fato que os povos nativos sofrem com os altos níveis de
desigualdade, marginalização, extinção da cultura, língua, saber, costume
1
2
Graduada em Direito-Faculdades de Ciências Sociais Aplicadas, CELER/FACISA.
Tecnóloga em Gestão Ambiental-Universidade Norte do Paraná, UNOPAR.
Especialista em Direito Público e Privado: Material e Processual-Universidade do Oeste
de Santa Catarina/UNOESC. Discente no Programa de Pós-graduação em
Direito/UNOESC. Membro da Linha de Pesquisa Cidadania e Direitos
Humanos/UNOESC.
Docente adjunta/pesquisador sênior da Universidade Estadual do Rio Grande do
Sul/UERGS. Professora Titular no Programa de Pós-Graduação em
Educação/UERGS e no Programa de Pós- Graduação Stricto Sensu em
Direito/UNOESC. Professora Colaboradora no Programa de Pós- graduação Stricto
Sensu em Educação da Universidade Estadual do Paraná- UNIOESTE. Avaliadora do
INEP - BNI ENADE/MEC. Membro do Comitê Internacional Global Alliance on Media
and Gender (GAMAG) - UNESCO. Líder do Grupo de Pesquisa CNPq/UERGS
Direitos Humanos e Justiça: perspectivas decoloniais.
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e crença quando o povo nativo é obrigado a absorver a aculturação imposta pelo padrão global eurocêntrico de poder e capital, e muito pior, quando são retirados de suas terras, fator de extrema preponderância para a
identidade nativa.
É emergencial frente a extinção de povos nativos, uma equalização de conceitos sobre a trajetória histórica de violência sofrida pelos
mesmos e uma noção de justiça ambiental. Imperiosa também é a necessidade do reconhecimento dos povos nativos como proprietários originários de suas terras, detentores de direitos universais relacionados a proteção de seu ethos cultural e biológico, ou seja, possuem o direito de reconhecimento de diversidade sócio cultural, e todos os demais direitos fundamentais inerentes ao ser humano dentro de um estado democrático, sabendo- se que o Brasil é um país rico por sua diversidade cultural, geográfica e natural.
Contudo, a importância de um entendimento sobre justiça ambiental decorre da constatação da crescente e escassez de recursos naturais,
desestabilização dos ecossistemas, múltiplas formas de degradação ambiental predominantes nas grandes cidades, pela produção industrial e os
grandes aglomerados de populações, entre outras situações envolvendo
assimetrias políticas, sociais e econômicas. A problemática é imprescindível pela sustentabilidade natural, proteção ecológica, continuidade da
atividade econômica, segurança genética, biológica e de toda a biodiversidade, impreterivelmente da espécie humana e o respeito pela identidade
dos povos nativos. O presente artigo divide-se em tres partes e utiliza-se do
procedimento metodológico bibliográfico-investigativo com ênfase nos
estudos sobre o efeito da colonialidade com base nos pensadores do Grupo Latino-americano de Estudos Subalternos e Epistemologias do Sul,
bem como em diversos estudos das Ciências Humanas e Sociais.
COLONIALIDADE E A CONCEPÇÃO DE POVO NATIVO
O Colonialismo tem relação direta com a América Latina e por
sequência também território brasileiro, constituindo-se em um histórico
de dominação a partir da colonização que impôs uma ideologia de evolução moderna que estabeleceu pela classificação social de toda a população existente uma codificação de diferenças entre conquistadores e conquistados na ideologia de uma raça suprema, fixada por distinta estrutura
biológica que situa os conquistados em situação de inferioridade, formando uma construção mental do poder mundial dentro da racionalida-
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de eurocêntrica. Pela colonialidade, e, consequentemente, o efeito eurocêntrico foi estabelecido o novo padrão de dominação provando ser
mais duradouro e estável método de poder global.
A globalização em curso é, em primeiro lugar, a culminação de um
processo que começou com a constituição da América e do capitalismo
colonial/moderno e eurocentrado como um novo padrão de poder
mundial. Um dos eixos fundamentais desse padrão de poder é a classificação social da população mundial de acordo com a ideia de raça,
uma construção mental que expressa a experiência básica da dominação colonial e que desde então permeia as dimensões mais importantes
do poder mundial, incluindo sua racionalidade específica, o eurocentrismo. Esse eixo tem, portanto, origem e caráter colonial, mas provou
ser mais duradouro e estável que o colonialismo em cuja matriz foi estabelecido. Implica, consequentemente, num elemento de colonialidade no padrão de poder hoje hegemônico (QUIJANO, 2005, p.117).
A partir do colonialismo, houve articulação de formas históricas
de controle do trabalho, circulação de recursos, bens e produtos em torno
do capital e do mercado mundial. A formação de relações sociais fundadas em novas identidades associadas às hierarquias dominantes, a divisão
do trabalho foi estabelecida, lugares e papeis sociais foram definidos para
as identidades raciais e pela classificação social da população codificada
em identidades e resignificada de outras, negros foram associados à mão
de obra e exploração para extração do capital, mulheres colocadas em
situação de serviência patriarcal e índios não faziam parte da sociedade
colonial, justamente por esta significação desde o período colonial até os
dias atuais os povos nativos sofrem com processos de genocídios e etnocídios indígenas.
Na medida em que aquela estrutura de controle do trabalho, de recursos
e de produtos consistia na articulação conjunta de todas as respectivas
formas historicamente conhecidas, estabelecia-se, pela primeira vez na
história conhecida, um padrão global de controle do trabalho, de seus
recursos e de seus produtos. E enquanto se constituía em torno de e em
função do capital, seu caráter de conjunto também se estabelecia com
característica capitalista. Desse modo, estabelecia-se uma nova, original e singular estrutura de relações de produção na experiência histórica do mundo: o capitalismo mundial (QUIJANO, 2005, p. 118).
A escravização de negros foi estabelecida e organizada como
mercadoria para atender o trabalho no mercado mundial do capitalismo,
do mesmo modo, aos índios foi imposta a servidão, além disso, a ocupação europeia do continente impregnou doenças como o sarampo, tifo,
febre amarela e a malária, fato que corroborou para dizimação de populações originárias. Outro fator que colaborou para a extinção de povos
nativos, sem dúvida nenhuma, foi a apropriação de terras pertencentes
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aos povos originários, causando a extinção da identidade nativa pala
devastação de culturas, costumes e saberes pertencentes aos ideários indígenas, fato que se repete desde o período colonial até os dias atuais e
acabam por colocar estes povos em condição de pobreza e miserabilidade.
La suma de estos elementos indica la llegada de la pobreza y llevó al deterioro de su condición de vida, colocándolos en una condición de exclusión y marginación social. En algunos países, como Brasil, el Estado
demarco las tierras indígenas en todo el territorio nacional, en un intento de garantizar la subsistencia. Sin embargo, en muchos casos, el
tamaño de la reserva (tierras indígenas) no es suficiente para albergar a
todas las comunidades nativas con dignidad. Además, hay Estados que
encontraron dificultades estructurales y financieras para llevar a cabo
las demandas con precisión (WENCZENOVICZ, 2017, p. 27).
Nas últimas décadas, o Brasil teve alguns avanços em diversos
segmentos econômicos-exploratórios, entretanto com baixa em indicadores sociais. Dentre esse segmentos afetados pelos altos níveis de desigualdade a vulnerabilidade estão crianças, indígenas, mulheres, negros e dentre outros. Os povos nativos integram um dos coletivos mais desfavorecidos, fator resultante do processo social e histórico iniciado há mais de
500 anos, e práticas discriminatórias de desapropriação sistemática de
territórios e sufocamento da cultura nativa.
Tal movimiento puede ser vista como elemento integrado al proceso de
revisión de identidad y conceptual en América Latina, momento en el
cual los pueblos originarios han readquirido el espacio que le fue privado desde los tiempos coloniales. Esta competencia por espacio y supervivencia obtiene dos imágenes impactantes: por un lado, la ardua
lucha contra el colonizador para proteger, preservar su cultura y su territorio y, por otro, un pueblo sumiso e indolente, a cambio de unos regalos aceptó la presencia de colonos en su territorio, entregando sus riquezas, abrazando la cultura y hábitos del colonizador( WENCZENOVICZ, 2017, p. 26).
Ribeiro (2014, p. 68), trata que ao ressaltar a face oculta da modernidade – a colonialidade – não se despreza a cosmologia moderna que
moldou valores tais quais liberdade, igualdade, democracia, ou os direitos
humanos, ou propõe um saber dos povos do sul contra os saberes produzidos no mundo do norte, mas exige, de um lado, a contextualização das
categorias explicativas (e normativas) até então naturalizadas como absolutas, exibindo a necessidade de sua tradução para os novos cenários
cujos agentes, portadores de outros repertórios, virão ressignificar seus
conteúdos; de outro lado, a crítica pós-colonial verifica, na cosmovisão
moderna hegemônica, suas contradições, camufladas e desastrosas. Per-
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cebe nesta, as operações de exclusão e desumanização mediante a produção da diferença colonial. Sabe que o discurso da emancipação colou-se a
práticas seculares de violenta dominação sobre os povos colonizados de
maneira que a colonialidade – algo mais que a colonização política – não
é ainda uma história passadista.
A classificação racial da população e a velha associação das novas
identidades raciais dos colonizados com as formas de controle não pago,
não assalariado, do trabalho, desenvolveu entre os europeus ou brancos a específica percepção de que o trabalho pago era privilégio dos
brancos. A inferioridade racial dos colonizados implicava que não
eram dignos do pagamento de salário. Estavam naturalmente obrigados a trabalhar em benefício de seus amos. Não é muito difícil encontrar, ainda hoje, essa mesma atitude entre os terratenentes brancos de
qualquer lugar do mundo. E o menor salário das raças inferiores pelo
mesmo trabalho dos brancos, nos atuais centros capitalistas, não poderia ser, tampouco, explicado sem recorrer-se à classificação social racista da população do mundo. Em outras palavras, separadamente da colonialidade do poder capitalista mundial (QUIJANO, 2005, p. 120).
Imprescindível é a busca pela igualdade e inclusão dos direitos
dos povos nativos como prioridade política, bem como o conhecimento
sobre a importância dos saberes ancestrais, práticas tradicionais, conservação da diversidade natural e inclusão das economias indígenas baseada
no alcance de direitos fundamentais à igualdade sustentabilidade de povos
originários. Segundo a os critérios adotados pela FUNAI – Fundação
Nacional do Índio sobre povo indígena, se baseia na Convenção169 da
OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, promulgada integralmente no Brasil pelo Decreto nº 5.051/2004, e no Estatuto do Índio (Lei 6.001/73), a
qual se trata de povos tribais em países independentes, cujas condições
sociais, culturais e econômicas os distinguem de outros setores da coletividade nacional, e que estejam regidos, por seus costumes ou tradições.
Populações que habitam o país ou uma região geográfica pertencente ao
país na época da conquista ou da colonização ou do estabelecimento das
atuais fronteiras estatais, protegidos legislação especial.
Para Quijano (2005, p. 124), a percepção da mudança leva à ideia
do futuro, já que é o único território do tempo no qual podem ocorrer as
mudanças. O futuro é um território temporal aberto. O tempo pode ser
novo, pois não é somente a extensão do passado. E, dessa maneira, a
história pode ser percebida já não só como algo que ocorre, seja como
algo natural ou produzido por decisões divinas ou misteriosas como o
destino, mas como algo que pode ser produzido pela ação das pessoas,
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por seus cálculos, suas intenções, suas decisões, portanto, como algo que
pode ser projetado e, consequentemente, ter sentido.
Sin embargo, el reconocimiento oficial de la contribución de la diversidad cultural de los pueblos indígenas para la formación de la nación
brasileña es reciente. Hasta la Constitución de 1988 el Estado atribuía
a estas personas la condición ―relativamente (in) capaces‖, estableciendo como meta la integración gradual y armónica de los indígenas a
la comunidad nacional. Para ello, el aparato colonial de la tutela se estableció con el fin de otorgar protección a los indígenas hasta que ellos
mismos adquiriesen la condición necesaria para ser emancipado, en la
medida en que se conviertan en trabajadores nacionales integrados a la
cultura del país. Así, el proyecto integracionista condiciono durante
mucho tiempo modos y vivencias de los pueblos indígenas con miras a
su asimilación cultural (WENCZENOVICZ, 2017, p. 30).
Ainda, segundo a FUNAI, a consciência da identidade indígena
ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam o Estatuto do Índio (Lei 6.001/73),
define, em seu artigo 3º, indígena como: ―[..] .todo indivíduo de origem e
ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da
sociedade nacional.‖ Dessa forma, os critérios utilizados consistem: na
declaração e consciência de sua identidade indígena no reconhecimento
dessa identidade por parte do grupo de origem.
A necessidade de uma concepção com base em novos paradigmas e o reconhecimento de uma trajetória histórica de extinção natural da fauna, flora e biodiversidade natural, incluindo os povos nativos como vítimas de processos violentos de segregação, requer a implantação de mudanças profundas e a aplicação de uma justiça ambiental
assentada em bases mais sólidas para a paz mundial.
1.1 Povos nativos: dados e olhares transdisciplinares
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
no ano de 2000, o censo indicou um aumento, acima da perspectiva, da
população indígena, superando de 294 mil para 734 mil pessoas, isso
somente em nove anos. Vale ressaltar que, o censo demográfico, desde
1991, coleta dados sobre a população indígena assentado na categoria
indígena da indagação de cor ou raça. Ocorre que, o aumento expressivo
não é mais um efeito demográfico que é em razão da migração, natalidade
e mortalidade, mas também de um progresso de indivíduos que se reconheceram como indígenas, inclusive nas áreas urbanizadas do Brasil.
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Em vista disso, a partir do censo demográfico de 2010, introduziram-se muitas perguntas específicas para as pessoas declaradas indígenas,
por exemplo, qual o povo ou etnia a que pertencem, quais línguas indígenas faladas, além de um novo recorte geográfico da localização do domicílio indígena, ou seja, dentro ou fora de Terras Indígenas.
De acordo com Delgado (2018), com uma nova demarcação detalhada possibilitou-se a verificação de uma diversidade indígena expressiva no Brasil, além de cor ou raça. Com isso, passou-se a utilizar a definição trazida no Convênio 169 da OIT sobre os povos indígenas e tribais,
na qual é identificado pelo menos quatro dimensões de reconhecimento
da identidade, a origem comum, a territorialidade e a dimensão linguística e cultural, as quais devem ser levadas em conta quando se estabelecem
critérios operacionais. As organizações indígenas, bem como o sistema
das Nações Unidas entendem que os povos e as pessoas que se consideram indígenas devem se definir como tais, como parte do direito à livre
determinação. Consequentemente, faz-se necessária a presença dos representantes dos povos indígenas nas decisões tomadas pelas fontes oficiais.
Pode-se afirmar em face à análise dos dados que houve uma melhoria associado com as mudanças sociopolíticas já que dentre 19 países
que realizaram o censo na década de 2000, 16 países identificaram a população indígena. Nos países que realizaram o censo, averiguou-se progresso no tocante a aplicação das recomendações regionais e internacionais existentes acerca dos povos nativos. Com exceção de Cuba, Haiti e
a República Dominicana, todos os países da América Latina incluíram a
autoidentificação dos censos.
Dentro desse contexto, Delgado (2018), diz que na América Latina, com suporte no censo de 2010, afere-se uma população indígena de
cerca de 45 milhões de pessoas. Desta totalidade, em um significativo
número estão o México e o Peru, com, respectivamente, quase 17 milhões
e 7 milhões de população indígena; já Costa Rica e Paraguai, com um
pouco mais de 100 mil indígenas, e o Uruguai com quase 80 mil pessoas
indígenas. Nos países da América Latina é possível enumerar 826 povos
indígenas, com um cenário altamente heterogêneo, conforme explanamos a seguir: Brasil com 305 povos indígenas; Colômbia (102); Peru (85)
e México (78); no outro extremo, estão Costa Rica e Panamá com 09
povos indígenas cada um; El Salvador (03) e Uruguai (02). Uma questão
primacial que é constatada com o censo é a fragilidade demográfica dos
povos indígenas, os quais estão em ameaça de desaparecimento físico ou
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cultural, isso é notório no Brasil, Estado Plurinacional da Bolívia, Colômbia e Peru.
No tocante ao direito de território, há o direito à propriedade
comunal, ou seja, o direito de titulação e demarcação; e outro de restituição, compensação e indenização. A posse das terras é uma das maiores
reivindicações dos indígenas na América Latina. Conforme Wenczenovicz (2017, p. 100):
Tal reconocimiento es resultado del proceso de reconocimiento de esas
tierras indígenas, iniciadas por la Funai, principalmente durante la década de 1980, en el ámbito de la política de integración nacional y consolidación de frontera económica del Norte y Noroeste del país. También se añade que aproximadamente el 8% de los 426 tierras indígenas
tradicionalmente ocupadas ya regularizada, incluyendo algunos con la
presencia de indígenas aislados y en contacto reciente, no están en plena posesión de las comunidades indígenas, que también plantea desafíos a los diversos organismos del Gobierno Federal para garantizar los
derechos territoriales indígenas, de manera que se proteja adecuadamente este patrimonio único de Brasil y la humanidad.
Vale lembrar que o direito dos povos indígenas às suas terras representa um direito originário, o que, consequentemente, possui o procedimento administrativo de demarcação das terras de natureza meramente
declaratória. Desse modo, a terra indígena é reconhecida a partir dos
requisitos técnicos e legais, na redação da Constituição Federal de 1988.
Conforme os dados da FUNAI, há 462 terras indígenas regularizadas que
constituem cerca de 12,2% do território nacional, apesar de presentes em
todos os biomas, possui uma concentração elevada na Amazônia Legal.
Vale reavivar que, por se tratar de um bem da União, a terra indígena é
indisponível e inalienável, sendo os direitos sobre ela imprescritíveis. A
propriedade indígena é o suporte do modo de vida insubstituível par
acerca de 300 povos que habitam o país, o que também garante a justiça
ambiental.
A maioria dos indígenas, ou seja, cerca de 55%, vivem na chamada Amazônia Legal, a qual abrange os Estados do Amazonas, Acre,
Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Mato Grosso e a parte
oeste do Maranhão. Nestas regiões, as terras indígenas são maiores do
que aquelas existentes em outros locais do Brasil.
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As Terras Indígenas localizadas nessa região são maiores do que aquelas existentes em outras regiões do país. A ocupação do território brasileiro pelos não índios, desde 1500, começou com a expulsão dos índios
que viviam em áreas mais ou menos próximas ao litoral. Assim, as
áreas mais afastadas, no interior do país, como a Amazônia Legal, foram as últimas a serem ocupadas, e é por isso que hoje em dia as Terras Indígenas lá são maiores. Para os povos que habitam a região isso
significa uma melhor qualidade de vida, pois eles dependem diretamente do tamanho da área que ocupam para manter sua vida e sua cultura. Quanto maior é a Terra Indígena, mais plantas e animais existem
e, assim, mais alimentos, mais remédios, mais matéria-prima para a
fabricação de objetos e casas, etc. (BICALHO, 2010, p. 133).
Associado ao contexto de desagregação sociais as comunidades
indígenas sofrem constantemente com as invasões das terras por garimpeiros, posseiros, fazendeiros, empresas madeireiras e demais. Soma-se
ao contexto, a construção de grandes obras como: estradas de alta rodagem, ferrovias, linhas de transmissão de energia ou até mesmo partes
inundadas em virtude das usinas hidrelétricas. Os povos nativos também
convivem com os efeitos externos a suas cotidianidades como por exemplo, com a poluição dos rios, desmatamentos e queimadas. Diante de
tudo isso, os nativos reconhecem que precisam da demarcação de suas
terras para assim viver de forma harmoniosa e sem a entrada de invasores.
Conforme o estudo do Instituto Socioambiental (ISA) os Kaxinawá, também conhecidos como Huni Kuin, que habitam a fronteira
brasileira-peruana na Amazônia Ocidental, somam mais de 7 mil pessoas
no país e vivem no Acre e sul do Amazonas, possuindo aldeias em Alto
Juruá, Purus e no Vale do Javari. No Acre, as terras indígenas Kaxinawá
Ashaninka do Rio Breu, com 31.277 hectares, está entre os municípios
de Marechal Thamaturgo e Jordão, na fronteira com o Peru. A família
Huni Kuin, que foi atingida pelo incêndio na Amazônia, deixou o
território tradicional em virtude da escassez do acesso à educação para
os filhos, o que gerou até mesmo perseguição da família em Plácido
de Castro em 2016.
O Conselho de Direitos Humanos de Nações Unidas destacou
que a mudança climática possui consequências nos direitos humanos,
no que se refere à vida, à moradia, alimentação adequada, saúde, principalmente moradia adequada, ou seja, meios de subsistências. Os povos indígenas estão ligados diretamente com os saberes de sustentabilidade e as mudanças climáticas, o que reputamos ser o paradigma de
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conservação e a necessidade de uma justiça ambiental em face dos povos nativos originários.
DISCUTINDO JUSTIÇA AMBIENTAL
Ainda nos dias atuais, as comunidades indígenas são vistas com
obstáculo para o ‗progresso‘ econômico, em face do ideário de invisibilidade e vulnerabilização consolidados pelo colonialismo.
Debido a la explotación colonial, los indios perdieron sus referencias
materiales/estructurales-tierras, fuente de su supervivencia material e
inmaterial - aspectos artísticos, lingüísticos y religiosos. La suma de estos elementos indica la llegada de la pobreza y llevó al deterioro de su
condición de vida, colocándolos en una condición de exclusión y marginación social. En algunos países, como Brasil, el Estado demarcado
tierras indígenas en todo el territorio nacional, en una tentativa de garantizar medios de vida. Sin embargo, en muchos casos, el tamaño de
la reserva (tierras indígenas) no es suficiente para albergar a todas las
comunidades nativas con dignidad. Además, hay Estados que encuentran dificultades estructurales y financieras para ejecutar las demandas
con precisión (WENCZENOVICZ, 2017, p. 14- 15).
A governança ambiental, entendida como consenso e gestão dos
recursos e dos sujeitos, elide as considerações sobre os conflitos que permeiam os processos sociais. É imperativo reconhecer que projetos industriais homogeneizadores do espaço, tais como hidrelétricas, mineração,
monoculturas de soja, eucalipto, cana-de- açúcar, entre outros, bem como
políticas globais a partir de formulações abstratas e distantes, são geradores de injustiças ambientais, na medida em que, ao serem implementados,
imputam riscos e danos às camadas mais vulneráveis da sociedade.
A realidade contemporânea e as demandas vitais próprias dos povos
originários são muito complexas e dinâmicas. Um sistema jurídico
normativo não dá conta de incorporar as demandas das diversas formas
de organização social. Porém os povos indígenas e sua singularidade
estão sob as determinações dessa dimensão da vida: o fenômeno jurídico da sociabilidade burguesa e suas formas de controle e regulação da
vida social. Tratar do ―direito à terra‖ e da necessidade da demarcação
das terras indígenas frente às ameaças da apropriação capitalista do
campo é tratar do desenvolvimento concreto da singularidade indígena
e sua interlocução com o complexo social total: como um ser social
(SILVA, 2018, p. 494).
Para Zhouri (2008, p. 100), os problemas sobre governança ambiental retratam uma visão desenvolvimentista, contudo, a adequação é a
contramão dos percursos que visam à construção de um paradigma transformador para a sustentabilidade com relação aos potenciais ecológicos e
as condições sociais e culturais das populações envolvidas. Ademais,
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pensar a sustentabilidade se tratar de uma questão emergencial, é delicada a tratativa em uma sociedade desigual, fato requer uma conscientização sobre diversidade cultural e a democratização dos recursos naturais
para o alcance de justiça ambiental.
Dessa forma, assegura-se a dominação do espaço de tomada de decisões por uma visão hegemônica do que sejam as possibilidades de
―uso‖ dos recursos naturais a partir da lógica de mercado. O poder
simbólico exercido pela juridificação do Estado não se restringe apenas
à imposição da visão hegemônica de mundo por meio de leis e normas
deliberativas, mas, sobretudo, se revela como poder de efetiva intervenção no mundo. Neste processo, as diversidades socioculturais são
anuladas em função de uma visão parcelar legitimada pela cientificação e juridificação das políticas e imposta com o propósito de representação do bem comum (ZHOURI, 2008, p. 100).
Segundo Carvalho (2013, p. 987), a injustiça ambiental revela-se
de diversas formas, decorrendo da crescente escassez de recursos naturais. Além disso, a deterioração dos ecossistemas afeta, de modo desigual, diferentes grupos sociais ou áreas geográficas, na medida em que as
múltiplas formas de degradação ambiental incidem, especialmente, onde
vivem as populações de menor renda. Entretanto, a injustiça social afeta,
mais intensamente, os cidadãos mais desfavorecidos economicamente, os
quais possuem um acesso mais restrito aos serviços públicos essenciais.
A violência explícita e/ou a violência simbólica manifestas nas centenas e milhares de casos de injustiça ambiental de que tomamos conhecimento, no Brasil, na América latina e no mundo já indicam uma cisão na humanidade. Além da exploração de classe e da escravidão,
acrescentam novas formas de dominação e de opressão e surgem novos
qualificativos que tentam nomear o indizível: fala-se dos invisíveis, dos
descartáveis, do ―refugo humano‖. A expressão usada por Zygmunt
Bauman é totalmente adequada, pois mostra como parte da humanidade vai para o ―lixo‖ junto com as sobras, o refugo produzido por
nossa produção e nosso consumo e pela dominação territorial, urbana
e rural, do capital. Em nosso continente, o desaparecimento dos nossos
ecossistemas se acompanha ainda de genocídio e etnocídio (LEROY,
2001, p. 04).
A Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 225, assegura juridicamente que todas as pessoas têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações,
evidentemente trata de uma atuação estatal de interesses difusos, quando
o padrão de sustentabilidade requer que recursos ambientais seja utiliza-
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dos de forma renovável mantendo a biodiversidade de forma socialmente
justa também para povos originários.
Não se trata de uma simples demanda, de subalternos por mais justiça,
mas, antes de tudo, de uma afirmação que coloca os setores dominantes no seu verdadeiro lugar de predadores e de opressores. Além do
mais, esse grito evidencia ―a existência de uma relação entre a degradação ambiental e a racionalidade instrumental do capital‖. O clamor
por equidade e igualdade frente ao trabalho, ao território, às políticas
de ―desenvolvimento‖ confunde- se aqui com o grito por um meio ambiente preservado para o futuro. E esse grito se confunde, por sua vez,
com o grito contra o mercado que pretende cuidar desse meio ambiente (LEROY, 2001, p. 06).
A Convenção sobre Povos Indígenas e Tribais de 1989, da OIT,
reconheceu direitos coletivos de povos nativos e em 2007, a Declaração
das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas assegurou com
base na grande jornada de luta dos povos indígenas a defesa e reconhecimento de seus direitos: à livre determinação, a não discriminação; o
direito ao desenvolvimento social; o direito à integridade cultural o direito
de propriedade, territórios e recursos naturais; ao meio ambiente e a Fauna.
Es sabido que el derecho de los pueblos nativos se desarrollan en el
sentido para asegurar que el reconocimiento de estos pueblos en bases
conceptuales y legales más amplias, principalmente a partir del momento en que las relaciones entre Estados y esos pueblos encuadran en
el referencial de los Derechos Humanos. En el caso de Brasil, la proyección internacional de las demandas indígenas es un paso fundamental para la ampliación de la base jurídica y políticas públicas hacia los
pueblos indígenas. En este aspecto, es válido pensar que el carácter de
los movimientos indígenas y de sus propias identidades indígenas se reformulan en primer lugar antes de categorías y de un discurso global de
valorización de diversidad cultural. Proteger a las comunidades nativas
está directamente ligado a la génesis del país, puesto que éstos eran los
primeros en el proceso de ocupación y poblamiento del territorio
(WENCZENOVICZ, 2017, p. 19).
A Política Nacional do Meio Ambiente Lei nº 6.938/81, destaca
que a integridade do ser humano é o objetivo das normas ambientais,
afirmando que tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da
qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no país, condições ao desenvolvimento sócio econômico, aos interesses da segurança
nacional e à proteção da dignidade da vida humana, motivo que o destinatário da justiça ambiental é o ser humano, para garantir a perpetuidade
e a qualidade da vida é necessário que os recursos ambientais sejam também adequadamente manejados e protegidos, preponderantemente a proteção de povos nativos e suas culturas.
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Ao falar de injustiça ambiental, fala-se de conflitos. Os empreendimentos, privados e públicos, não estão chegando num território que seria
ao mesmo tempo vazio de gente e ―vazio‖ de natureza, como se fosse
uma terra arrasada, um imenso terreno baldio disponível para qualquer
coisa. Falamos de conflito porque eles batem de frente com populações
– povos indígenas, agroextrativistas, pequenos produtores, organizações populares e sindicais e ONGs, setores do poder público e da academia, etc. - que já estão lá, que têm uma história de vida, de sobrevivência e de reprodução humana e econômica e que têm propostas e
projetos para elas e para a região. Não aceitam mais que lhes sejam
impostos a força projetos destruidores do seu futuro. (LEROY, 2011 p.
4).
Ainda, o artigo 216 da Constituição Federal Brasileira de 1988,
trata que patrimônio cultural brasileiro pela classificação do devido valor
atinente as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticoculturais. Assim o meio ambiente cultural é o patrimônio histórico, artístico, paisagístico, ecológico, científico e turístico. Ele é constituído tanto
por lugares, objetos e documentos de importância para a cultura, quanto
idiomas, danças, cultos religiosos e costumes de uma maneira geral.
As leis contemporâneas voltadas à proteção das demandas e necessidades próprias dos povos indígenas são resultado de muita luta, organização dos próprios indígenas e articulação com os órgãos que atuam
em sua defesa. Também estão constantemente ameaçados porque entram em confronto com os processos materiais, com a realidade econômica dos empreendimentos capitalistas de exploração dos recursos
naturais que ainda estão nas mãos dos povos originários. Essa tensão
atinge toda a classe trabalhadora porque ela se volta contra os trabalhadores do campo, contra as próprias formas de vida marcadas pela
produção e reprodução da vida em conexões diretas com a natureza
(SILVA, 2018, p. 496).
Almeida (2012, p. 23) escreve que dentre as principais proposições teóricas e conceituais propiciadas pela aproximação da História com
a Antropologia que tem contribuído para dar aos povos indígenas um
novo lugar em nossa história, destaco a historicização de alguns conceitos
básicos para se pensar sobre relações de contato. Entender cultura e etnicidade como produtos históricos, dinâmicos e flexíveis, que continuamente se constroem através das complexas relações sociais entre grupos e
indivíduos em contextos históricos definidos, permite repensar a trajetória
de inúmeros povos que por muito tempo foram considerados misturados
e extintos.
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Humanizar o território significa reconectar esse território, a produção,
a vida, a população com a sua base material e natural na sua imensa
diversidade socioambiental. É assim que a praxis da justiça ambiental,
enquanto luta de populações para que sejam respeitados e/ou restabelecidos o seu laço e a sua integração com o seu meio ambiente, contribui para que sejam construídos outros projetos de futuro, numa outra relação do ser humano com a natureza (LEROY, 2011, p. 6).
Sem dúvida, todo ordenamento jurídico tem fundamental importância para reconhecer e aprofundar os processos de autonomia indígena
que está intimamente ligada com a terra, os territórios e recursos naturais,
constituindo-se em elemento essencial do direito de identidade cultural,
espiritualidade e sobrevivência. A autonomia traduz-se em atos regulamentares, fiscalizadores e executivos, pelos órgãos do governo propiciando uma busca por nova ideologia e reponsabilidade ambiental e uma
busca de justiça ambiental quando territórios ambientais e indígenas recebem a proteção inerente a importância que verdadeiramente possuem e
que infelizmente que foi sonegada até os dias atuais com base em um
meticuloso desenvolvimento global.
CONCLUSÃO
À guisa de conclusão destaca-se a relação histórica das comunidades indígenas com a terra e o ambiente. Num contexto histórico de
extinção ambiental e violências constantes contra os povos indígenas
cumpre a todos o cuidado e reconhecimento aos princípios do ambiente e
da natureza, bem como a preservação ambiental ligada a manutenção da
vida e o respeito pelas comunidades originárias, considerando que as
terras indígenas é um direito originário, ou seja, antecedem a criação do
próprio Estado brasileiro. O processo de conscientização sobre a demarcação das terras indígenas possibilita a manutenção de culturas e povos
nativos assegurando um espaço fundiário que assegure meios dignos de
subsistência econômica, e condições de continuidade da vida reconhecimento dos direitos fundamentais e igualdade formal aos povos indígenas.
Em se tratando de justiça ambiental, é importante relacionar os
direitos fundamentais a trajetória sócio-histórica dos povos indígenas em
face da consolidação dos processos de colonialidade e, por consequência,
do processo de globalização e evolução capitalista eurocêntrica implantado na América. Sabe-se que a denúncia dos efeitos da degradação e apropriação ambiental tem sido uma constância por parte das lideranças indígenas de todo Brasil.
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As alterações no ambiente em resposta a busca incessante de lucro provocam graves impactos sociais e ambientais e demonstraram um
padrão de violação de direitos humanos. Nesse contexto, considerações
de justiça ambiental devem motivar um repensar desta estratégia de desenvolvimento, deslocando o foco do desenvolvimento para alternativas
energéticas, tais como a redução da utilização de eletricidade, a cessação
da exportação de energia na forma de alumínio e outras commodities
eletro-intensivos, eliminação de desperdício e ineficiência e geração a
partir de recursos solares eólicos. Todo e qualquer movimento contrário
afetam os meios de subsistência e qualidade de vida das populações indígenas.
A legislação brasileira é bastante ampla, porém apta a salvaguardar o ambiente, mesmo que imensamente assentada nos procedimentos
burocráticos e interesses políticos, tornando-se em alguns momentos
preocupante a dinâmica de observância dos princípios de precaução e
desenvolvimento sustentável. Neste sentido, as comunidades indígenas
recebem proteção no âmbito nacional e internacional, porém, essa proteção não tem sido efetiva, pois as reservas indígenas são cada vez menores e
os constantes processos de aculturação acabam por culminar com as
poucas identidades nativas existentes.
Sendo assim, a noção de justiça ambiental tem intima relação
com a proteção do meio ambiente o e a manutenção e sobrevivência das
populações indígenas considerando que meio ambiente se deriva o seu
sustento da vida, cultivando a terra e, suas tradições, a fim de manter seus
costumes, legados para as gerações futuras.
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POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS
SÓLIDOS: UMA REVOLUÇÃO EM TERMOS
DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.
SERÁ?
Edemar Ivo Dietrich1
Cristiane Tonezer2
Rosana Maria Badalotti3
Círculo de Diálogo: Patrimônio, sustentabilidade e justiça social
Introdução
A partir de 1930 o Brasil iniciou um processo de desenvolvimento industrial, este ocorreu devido a fatores como o êxodo rural, a redução
das importações e o aumento das exportações. Aliado a estes fatores uma
política de desenvolvimento a qualquer custo, onde o país deixa de ser
uma sociedade agrária para se tornar uma sociedade urbano-industrial,
do pensamento das riquezas naturais inesgotáveis. Sem levar em consideração as consequências ambientais futuras e na capacidade de suporte dos
ecossistemas, estes, causados pela transformação industrial voltada a
economia e sem controle dos poluentes. Este período de expansão econômica a qualquer custo é chamado por Mantovaneli Jr. et al, de Ecodesenvolvimento, ―com pretensão de chamar atenção de que estilos de desenvolvimento até então sugeridos a serem seguidos mais pareceriam
com mau desenvolvimento, considerando a má distribuição de renda e
descaso ambiental‖ (MANTOVANELI JR. et al, 2015, p. 125).
1
2
3
Mestrando em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais pela UNOCHAPECÓ. Bacharel
em Biologia. Servidor Público Municipal de Cunha Porã/SC. Contato:
edemarivo@gmail.com
Doutorado em Desenvolvimento Rural pela UFRGS. Professor Titular da
UNOCHAPECÓ. Dinâmicas Regionais e Desenvolvimento Regional. Contato:
tonezer@unochapeco.edu.br
Doutorado em Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas pela UFSC. Professor
Titular da UNOCHAPECÓ. Dinâmicas Regionais e Desenvolvimento Regional
Contato: rosana@unochapeco.edu.br
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Para Grisa e Schneider (2015), essa transformação industrial focada no capital a partir dos anos 1960, inicia com fortes sintomas de crises, pela dificuldade de abastecimento interno, do aumento da inflação e
a queda da capacidade de importações, desta forma foi necessário ações
de ajustes entre a agricultura, que perdia forças, e a forte e crescente industrialização, para poder novamente fomentar a economia do país.
Essa implantação do desenvolvimento industrial do país coincide
com a formulação das políticas públicas brasileiras, que a partir de 1964
amenizava o controle da poluição industrial, onde o interesse eram as
políticas desenvolvimentista dos militares e às indústrias poluidoras, com
o intuito de atrair investimentos do capital internacional (SALHEB et al.,
2009), ainda segundo os autores, o Estado não dá nenhuma importância
ao bem-estar da população, ficando desassistidas as pessoas bem como o
meio ambiente.
Sobre os impactos causados pelo homem na natureza Scantimburgo (2011), escreve o seguinte:
Em 1972 o Relatório Limites do Crescimento apontava que com o
aumento intensivo da população mundial, a crescente utilização de recursos naturais juntamente com os danos substanciais causados pela
indústria ao meio ambiente, num prazo de aproximadamente 100 anos
o mundo chegaria aos seus limites de esgotamento de recursos naturais
e níveis alarmantes e praticamente irreversíveis de poluição (SCANTIMBURGO, 2011, p. 63).
Este contexto também é caracterizado pelo descuido com o meio
ambiente, causados principalmente pelas mudanças nas estruturas produtivas, o que tem motivado uma grande produção de resíduos. Segundo a
associação O Eco (2014), a população brasileira cresceu 9,65%, entre os
anos de 2004 e 2010, enquanto a produção de lixo, mais que dobrou,
aumentou 21%.
O surgimento da problemática ambiental, não visto como um fenômeno politicamente significativo em relação ao desenvolvimento sustentável até pouco tempo. Apenas em 2010 surge a Política Nacional de
Resíduos Sólidos (PNRS), Lei nº 12.305 (BRASIL, 2010), onde o país
viveu um marco histórico para a gestão de resíduos. Esta política fez com
que os resíduos sólidos finalmente entrassem na agenda da sociedade,
com esperança de um desenvolvimento mais equilibrado e que contribuiu
na manutenção de uma inter-relação entre o rural e o urbano, com políticas para o desafio da sustentabilidade socioambiental.
O objetivo deste artigo é analisar a concepção de desenvolvimento
presente na política, e quais alternativas propõe para a consolidação de
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uma agenda para o desenvolvimento ambiental sustentável. Através de
uma análise dos seus princípios e de seus objetivos, na abordagem de sua
eficácia na solução do problema.
Para a realização do presente trabalho, utilizou-se de pesquisa bibliográfica por meio de levantamento de acervo referente a temática,
sendo a Política Nacional de Resíduos Sólidos o alvo da análise deste
estudo, onde foram consultados sites de busca, acerca do assunto, principalmente em artigos acadêmicos e em sites governamentais, com propósito de construir um aparato descritivo para auxiliar nos conceitos referente
ao tema.
1. Política Nacional de Resíduos Sólidos para um desenvolvimento sustentável
Toda e qualquer política pública proposta pela administração
pública, tem por objetivo o desenvolvimento, através de instrumentos
governamentais, norteados por um conjunto de objetivos, princípios e
diretrizes, para fins de regular, efetivar ou a resolutividade de uma fragilidade presente em uma sociedade. Estabelecida pelo governo para que
uma ação seja ou não permitida, necessita de muito planejamento, conhecimento técnico e recursos para sua implementação, bem como colocado por Nahmias (2014), ela precisa poder gerenciar os meios públicos
disponíveis de maneira estratégica, para a efetiva necessidade da coletividade, na abrangência dapolítica proposta e sua excelência na gestão dos
recursos nos processos de responsabilidade.
As ações e leis desenvolvidas para a garantia de um desenvolvimento sustentável, ao longo das gerações, foi e é primordial para a
manutenção de um planeta com boas condições de vida, recuperação dos
ecossistemas e a possibilidade dos diversos recursos naturais necessários
para a sobrevivência de muitas gerações. O termo desenvolvimento surgiu
no período do pós-guerra juntamente com os estudos regionais e ações de
planejamento (MACEDO; PORTO, 2018), com intuito de buscar a reconstrução econômica e social dos países europeus, fortemente prejudicados durante o conflito, expandindo-se para todo o mundo (ALVES;
CUNHA; SOUSA, 2018). Também amplamente utilizado nas abordagens de território, para as explicações das evoluções territoriais como
forma de organização locais e regionais
na viabilização do desenvolvimento.
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Para Feil e Schreiber (2017), a expressão sustentabilidade não
tem um momento certo na origem da história, porem foi popularizado e
usado com maior frequência nas décadas de 1980 e 1990, sendo sua definição mundialmente conhecida em 1987, quando a Comissão Mundial
Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento apresenta o Relatório da Comissão de Brundtland, documento intitulado Nosso Futuro Comum,
conceituando o desenvolvimento sustentável como: ―aquele que atende
às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades‖ (NOSSO FUTURO
COMUM, 1991, p. 46).
O programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), considera que apenas fatores como o crescimento econômico,
não são o suficiente para determinar o desenvolvimento de uma nação, é
necessário um olhar para as pessoas com foco nas suas oportunidades e
capacidades. A influência da qualidade de vida dos seres humanos é considerada além do foco econômico e sim suas características sociais, culturais e políticas para o desenvolvimento (PNUD, 2019).
Dallabrida (2010), ao descrever sobre o enfoque teórico do Desenvolvimento Local Integrado Sustentável, faz referência a um dos Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, resultante de amplo
debate entre organizações não governamentais, governo e sociedade local. Este programa, como promotor de desenvolvimento de comunidades
sustentáveis, capazes de explorar suas prioridades e especificidades e capazes de estimular regiões externas com suas individualidades.
Em termos gerais, pode-se dizer que sustentável ou sustentabilidade expressa a qualidade de um sistema em viver em integração, homem e natureza, ou seja, um equilíbrio mútuo, uma atividade que garanta a sua funcionalidade, uma relação harmoniosa propiciando uma
vida equilibrada. Termo que deve ser visto na interrelação com as políticas públicas e sua aplicabilidade (FEIL; SCHREIBER, 2017). Através da
Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 225, todos temos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, este é um bem
de uso comum, essencial à qualidade de vida. É necessário impor ao
poder público e a sociedade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988). Nessa necessidade preocupante em preservar o meio ambiente e manter a continuidade de políticas públicas para a sua preservação, é aprovada a Lei Federal nº 12.305,
de 02 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos
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Sólidos. Esta busca estabelecer a gestão integrada de resíduos sólidos,
bem como o gerenciamento de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU), aos seus
geradores e ao poder público nos recursos econômicos para o desenvolvimento desta política
(BRASIL, 2010).
Para Silva, Paraíso e Macário Jr. (2017), a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, criada a partir da necessidade do uso
consciente dos recursos naturais e da preocupação com o meio ambiente,
estão diretamente relacionados aos benefícios sociais da população, uma
vez que a preservação do meio ambiente e os padrões de desenvolvimento adotados são primordiais para a promoção e da qualidade de vida de
uma sociedade.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, reconhece a coleta seletiva do lixo como principal ferramenta para separação dos materiais recicláveis a partir da fonte, e responsabiliza os municípios para o serviço de
coleta e sua disponibilização final adequada. Conforme a Associação
Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais
(ABRELPE), na apresentação do Panorama dos Resíduos Sólidos do ano
de 2017, a coleta seletiva não tem evoluído, ainda é inexistente em muitas regiões e muitos municípios não aderem aos planos para seu gerenciamento (ABRELPE, 2017). Maiello, Britto e Valle (2018), em levantamento quantitativo realizado na região metropolitana do Rio de Janeiro,
na análise de 15 municípios investigados pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), constataram que dos 15 apenas 7
municípios adotam programas de coleta seletiva, o que evidencia a falta
de adesão e o grau de desinteresse dos municípios com a questão ambiental e consequentemente com a saúde pública de sua população.
Ainda segundo a ABRELPE (2019), a geração de resíduos sólidos
só aumenta, mantem-se o envio destes resíduos aos lixões. Ainda segundo a associação a coleta seletiva não avança, observa-se também a falta
de recurso dos municípios para o serviço, assim como não há incentivo a
separação de recicláveis. Ainda temos cidades com depósitos de resíduos
sem qualquer tratamento adequado, sendo que deveríamos ter substituído
os lixões por aterros sanitários até agosto de 2014, porém ainda existem
mais de 2 mil lixões irregulares pelo país.
A gestão dos Resíduos Sólidos Urbanos tornou-se uma inversão
para o desenvolvimento dos municípios, tendo em vista a rara existência
de políticas municipais específicas para tal. Segundo Silva, Fuggi e San-
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toyo (2017), existem vários modelos sobre planejamento, gestão e tecnologias aplicadas aos Resíduos Sólidos Urbanos, porém, não há nenhum
modelo que possibilite o desenvolvimento das políticas municipais brasileiras.
Conforme os autores acima citados não basta somente a promulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, é necessária uma ação
integrada entre os diversos atores de acordo com as especificidades de
cada região e sua população, desta forma deve haver planejamento pelos
municípios, na formulação de seus planos de gestão de Resíduos Sólidos
Urbanos, com vista ao respeito ás diversidades locais e regionais, a proteção da saúde pública, o desenvolvimento sustentável, a educação ambiental e ao consumo consciente.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos possui uma gama de
princípios e objetivos para sua execução, com proposito a resolução de
problemas sociais e econômicos vinculados ao manejo e disposição incorreta de resíduos sólidos(SILVA; PARAÍSO; MACÁRIO JR., 2017).
Tendo por princípios:
I - a prevenção e a precaução; II - o poluidor-pagador e o protetorrecebedor; III - a visão sistêmica, na gestão dos resíduos sólidos, que
considere as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública; IV - o desenvolvimento sustentável; V - a ecoeficiência, mediante a compatibilização entre o fornecimento, a preços
competitivos, de bens e serviços qualificados que satisfaçam as necessidades humanas e tragam qualidade de vida e a redução do impacto
ambiental e do consumo de recursos naturais a um nível, no mínimo,
equivalente à capacidade desustentação estimada do planeta; VI - a
cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor empresarial e demais segmentos da sociedade; VII - a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; VIII - o reconhecimento do
resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de
valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania; IX o respeito às diversidades locais e regionais; X - o direito da sociedade
à informação e ao controle social; XI - a razoabilidade e a proporcionalidade (BRASIL, 2010).
E determina os seguintes objetivos para seu funcionamento:
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I - proteção da saúde pública e da qualidade ambiental; II - não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos,
bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos; III estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de
bens e serviços; IV - adoção, desenvolvimento e aprimoramento de
tecnologias limpas como forma de minimizar impactos ambientais; V redução do volume e da periculosidade dos resíduos perigosos; VI - incentivo à indústria da reciclagem, tendo em vista fomentar o uso de
matérias-primas e insumos derivados de materiais recicláveis e reciclados; VII - gestão integrada de resíduos sólidos; VIII - articulação entre
as diferentes esferas do poder público, e destas com o setor empresarial, com vistas à cooperação técnica e financeira para a gestão integrada
de resíduos sólidos; IX - capacitação técnica continuada na área de resíduos sólidos; X - regularidade, continuidade, funcionalidade e universalização da prestação dos serviços públicos de limpeza urbana e de
manejo de resíduos sólidos, com adoção de mecanismos gerenciais e
econômicos que assegurem a recuperação dos custos dos serviços prestados, como forma de garantir sua sustentabilidade operacional e financeira, observada a Lei nº 11.445, de 2007; XI - prioridade, nas aquisições e contratações governamentais; XII - integração dos catadores
de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; XIII - estímulo à implementação da avaliação do ciclo de vida do produto; XIV
- incentivo ao desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos processos produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos sólidos, incluídos a recuperação e o aproveitamento energético; XV - estímulo à rotulagem ambiental e ao consumo sustentável (BRASIL, 2010).
Após 21 anos de tramitação no Congresso até sua instituição, esta
política visa enfrentar os problemas sociais, econômicas e ambientais do
manejo inadequado de resíduos sólidos. Propõe a prática de hábitos de
consumo sustentável, incentivo a reciclagem, reutilização dos materiais e
a destinação ambientalmente adequada dos resíduos produzidos. A lei
impõe desafios ao poder público, ao setor empresarial e aos consumidores, impondo-lhes responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do
produto. Também traz uma inovação que é a logística reversa, com um
conjunto de ações para favorecer o retorno dos Resíduos Sólidos Urbanos
aos seus geradores com intuito que sejam tratados ou reaproveitados em
produtos inovadores. (BRASIL, 2010).
Além dos princípios e objetivos apresentados acima, a lei dispõe
de instrumentos que são os planos municipais de gerenciamento de resíduos sólidos; a coleta seletiva; o incentivo a criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou outras formas de associações; pesquisa científica e
tecnológica; a educação ambiental, entre outros não menos importantes
(BRASIL, 2010). A Política Nacional de Resíduos Sólidos, define a gestão integrada de resíduos sólidos como: ―conjunto de ações voltadas para
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a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as
dimensões políticas, econômicas, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável‖ (BRASIL,
2010).
A Política Nacional de Resíduos Sólidos é uma ―excepcional política pública‖ (SILVA; BIERNASKI, 2017, p. 40), ao se referirem que
ela disponibiliza instrumentos necessários no controle dos problemas
ambientais, sociais e econômicos, causados pela sociedade na geração e
manejo inadequado dos Resíduos Sólidos Urbanos.
Considerações Finais
A Política Nacional de Resíduos Sólidos foi um marco nas políticas públicas de meio ambiente e um dos instrumentos para o desenvolvimento sustentável, na possibilidade de um cenário inovador ao descuido
com os resíduos sólidos e seu depósito final. Constitui-se como provedora
de um cenário que possibilita a proteção da saúde pública e da qualidade
ambiental, mediante o fechamento dos lixões, destino correto dos resíduos
a partir da reciclagem e da coleta seletiva, logística reversa e a disposição
final correta dos rejeitos, com responsabilidades para os diversos atores: o
poder público (Municipal, Estadual e União), o cidadão e o setor produtivo.
Nesta análise é possível afirmar que houve avanços na construção da Política Nacional de Resíduos Sólidos e que sua intenção para
atingir o desenvolvimento sustentável é válida. Porém, apesar dos avanços a política mostra-se insuficiente frente a grande problemática ambiental que ainda se vive com a atual situação de Resíduos Sólidos Urbanos,
que ele necessita se tornar uma prioridade do Estado, uma responsabilidade do setor privado e necessita da participação da sociedade. A gestão
dos Resíduos Sólidos Urbanos tornou-se uma inversão para o desenvolvimento dos municípios, tendo em vista a rara existência de políticas públicas municipais específicas para tal, bem como a falta dos planos municipais de gerenciamento dos resíduos.
Não há participação da população na separação de materiais recicláveis, a coleta seletiva não tem avançado, sendo ainda inexistente em
determinadas regiões do país, e a substituição dos lixões por aterros sanitários também não aconteceu, tendo em vista a não adesão dos municípios
no recolhimento e destino final. Em contra partida a produção dos Resíduos Sólidos Urbanos só tem aumentado, como descrito anteriormente, o
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que evidencia a falta de interesse dos municípios com a questão ambiental e com a saúde pública de sua população.
É preciso trazer à tona possibilidades para a cooperação desta política pública sobre a questão de resíduos sólidos, tão presente em nossos
dias. Talvez seria a hora de repensar os Resíduos Sólidos Urbanos não
mais como resíduos, mas sim como recurso, pois esta Lei reconhece os
resíduos sólidos como um bem econômico e de valor social, na geração
de trabalho e renda, para oportunizar uma forma de cidadania e dignidade. Pensar no modelo da logística reversa, como uma moeda de
troca, prevenir assim a degradação ambiental e o excesso de resíduos
disponibilizados na natureza. Na possibilidade que após o consumo, o
material volte ao ciclo produtivo, através de pontos de coleta onde os
consumidores depositam seus resíduos gerados. É uma lei de muitos
desafios e dimensões, e esta estabelece princípios e objetivos, que só
se tornam instituição se encontram uma legitimação entre os diversos
atores que tem que aplicá-la, dessa maneira, o papel de cada um
neste sistema é desempenhar a sua função no que é proposto, para assim
ter uma lei que rege e sujeita cada um na responsabilidade, pela geração e descarte legal de seu material.
A garantia constitucional a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado, somada a proposta de uma política de resíduos sólidos, pode
significar uma revolução em termos ambientais, cuja importância consiste
em compreender a relevância do tema no cenário atual do país, espera
evidenciar a contribuição desta para um desenvolvimento sustentável.
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A PLAUSIBILIDADE DA NATUREZA COMO
SUJEITOS DE DIREITOS E A POSSIBILIDADE
DE PARTICIPAÇÃO NOS PROCESSOS
AMBIENTAIS
Guilherme de Oliveira Matos1
Ernani de Paula Contipelli2
1.
Introdução
A personalidade no direito processual civil surge como elemento
ensejador para a propositura de demandas, reconhecendo assim, o que
denominamos de legitimidade ativa e, obviamente, a possibilidade de
processamento da demanda e ainda, da participação destes entes legitimados a sua oitiva processual.
A este contexto, urge o que reconhecemos por uma ficção jurídica denominada de personalidade, hoje, por exemplo, reconhecida quando tratamos de empresas e associações.
Por outro vértice, ao Estado atualmente recai a obrigação de proteção ambiental, porém, ainda de certa forma antropocêntrica, ou seja,
visualizando a natureza com um objeto a disposição do homem e não
como um sujeito de direitos. Referendada insurgência perpassa de um
normativo Constitucional que não vislumbra os direitos da natureza e
sim, do homem em ter o meio ambiente
equilibrado.3
1
2
Mestrando em Direito pela Unochapecó. Especialista em direito tributário pelo IBET.
Especialista em direito Civil e direito Processual Civil pela Unochapecó. Professor Titular
de Processo Civil no Curso de Graduação em Direito da Unochapecó.Contato:
guilhermematos@unochapeco.edu.br Pós-Doutor em Direito Político Comparado –
Universidad Pompeu Fabra. Pós-Doutor em Direito
Constitucional Comparado – Universidad Complutense de Madrid. Doutor em Direito do
Estado – PUC/SP. Mestre em Filosofia do Direito e do Estado – PUC/SP. Especialista em
Direito Tributário – PUC/SP. Bacharel em Direito – Mackenzie/SP. Pesquisador no
Instituto de Estudos Ambientais - VU Amsterdam (Holanda). Professor do Programa de
Mestrado em Direito da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Brasil).
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Visando uma nova ótica dos conceitos processuais de legitimidade e reconhecimento das instituições da natureza, as Constituições da
República do Equador e da Bolívia são inovadoras quando partimos da
premissa do pluralismo jurídico e do reconhecimento de um ecocentrismo, o que demonstra uma substituição às constituições de fundamentação européia, que tinham o ser humano como fundamento e a razão de
sua existência.
Essas Constituições demonstram um reconhecimento da natureza não como um mero objeto à disposição do homem, ou até mesmo
como um dever estatal a mantença da natureza preservada – como ocorre
com a Constituição Brasileira – mas sim, a modificação da realidade para
perceber que os elementos de conservação da natureza são essenciais e
indispensáveis a sustentabilidade do homem como ser integrante de um
ecossistema e visando a preservação do planeta para as gerações futuras.
Tal movimento insurge da cosmovisão destas Constituições com
a análise de proteção e pertencimento dado à natureza, como elemento
social e não somente alvo de proteção, em razão da existência do homem, como se a natureza estivesse a sua disposição.
Outrossim, destaca-se que assim como Equador44 e Bolívia, o Estado Colombiano em seu aspecto processual vem reconhecendo entes da
natureza como sujeito de direitos. Como se extrai:
3
4
Art. 226 da CRFB/88: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras
gerações com a exigência de um desenvolvimento econômico sustentável, inclusivo e
equitativo, que proporcione a todos um núcleo básico de direitos como liberdade e
igualdade em harmonia com o meio ambiente, conforme a própria redação do
dispositivo em questão: ―El régimen de desarrollo es el conjunto organizado, sostenible y
dinámico de los sistemas económicos, políticos, socio-culturales y ambientales, que garantizan la
realización del buen vivir, del sumak kawasay. El Estado planificará el desarrollo del país para
garantizar el ejercicio de los derechos, la consecución de los objetivos del régimen de desarrollo y los
principios consagrados en la Constitución. La planificación propiciará la equidad social y
territorial, promoverá la concertación, y será participativa, descentralizada, desconcentrada y
transparente. El buen vivir requerirá que las personas, comunidades, pueblos y nacionalidades
gocen efectivamente de sus derechos, y ejerzan responsabilidades en el marco de la
interculturalidad, del respeto a sus diversidades y de la convivencia armónica con la naturaleza‖.
É possível constatar claramente as diretrizes dessa nova concepção ecocêntrica no
âmbito constitucional no artigo 275 da Constituição Equatoriana, que consagra o
sumak kawasay, ou, em outras palavras, o ideal de ―viver bem‖, situando-o entre os
objetivos das politicas publicas estatais
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La decisión, aprobada el 5 de abril de 2018, dice que la Amazonia es
un ―ecosistema vital para el devenir global‖, y que en aras de protegerla, se la reconoce ―como entidad „sujeto de derechos‟, titular de la protección, de la conservación, mantenimiento y restauración a cargo del
Estado y la entidades regionales que la integran‖. A partir de ello, la
decisión mandata al gobierno, incluyendo ministerios, agencias y municipios, a iniciar distintas acciones con un objetivo muy ambicioso:
cero deforestación.
Colombia ya había dado un paso en el mismo sentido, cuando reconoció en 2016 que el Río Atrato era un sujeto de derechos. El caso actual
es un poco distinto, ya que responde a una impugnación elevada por
25 jóvenes y niños de siete a 26 años que consideraban que como la deforestación amazónica contribuía al cambio climático ponía en riesgo
sus derechos en el futuro. Esta fue una acción que emuló a la demanda
que niños y jóvenes de Estados Unidos presentaron contra el gobierno
federal por sus inacciones ante el cambio climático.5
Os avanços dos Estados latino americanos faz com que possamos crer que a possiblidade da personificação jurídica possa ser reconhecida pelo Estado Brasileiro, permitiria, em tese, que entidades devidamente reconhecidas e com a personalidade jurídica exclusiva e distinta
para tanto, fossem admitida em todos os processos judiciais e administrativos, tendo assim, efetiva voz e vez.
Consequentemente estaria possibilitando que a natureza efetivamente fosse preservada por si, e não como ocorre atualmente, através de
um órgão que hoje regula múltiplo interesse, voltado especialmente ao
interesse do homem, aglutinando os atos contrários ao meio ambiente e
também que admitem alguma poluição nas licenças.
2. Premissas Iniciais: A Evolução Histórico do Novo (ou Real)
Constitucionalismo Latino-Americano.
Dentro de uma perspectiva histórica, podemos verificar a evolução do denominado Novo Constitucionalismo Latino-americano (ou,
preferimos, o Real Constitucionalismo Latino-americano), que, em um
primeiro momento, se origina no processo de redemocratização de determinados países, como Brasil (1988) e Colômbia (1991), os quais sofrem grande influencia da tradição antropocêntrica europeia.
De todas formas, essas Constituições podem ser consideradas
como embrionárias do Constitucionalismo Latino-americano, na medida
em que consagram importantes direitos que buscam transformar a ordem
social e implementar um sistema de composição intercultural, com o
5
Disponível em https://www.alainet.org/es/articulo/192087 na data de 19/09/2019.
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reconhecimento de uma ampla serie de direito protetivos vinculados ao
meio ambiente e setores hipossuficientes da sociedade (Brasil) e de um
modelo de pluralismo legal, que prevê a existência de uma jurisdição
indígena autônoma, embora submetida a revisão da justiça ordinária
(Colômbia).
No segundo momento, em que podemos efetivamente constatar
a experiência do Novo (ou Real) Constitucionalismo Latino-americano,
encontramos modelos constitucionais originados na reorganização de
movimentos sociais contra politicas neoliberais, consideradas como
―Constitución sin Padre‖, é dizer, que rompem com a tradição europeia,
priorizando o ecocêntrismo, a valorização de direitos orientados a proteção e integração de minorias marginalizadas e uma intensa intervenção
estatal na economia.
A Constituição Venezuelana de 1999 pode ser categorizada dentro desse contexto, haja vista que fortalece o papel do Poder Executivo
nas relações de poderes institucionais, assim como as formas de participação democrática próprias de um Estado Social, com a criação de conselhos populares para atuar no planejamento de politicas publicas.
Contudo, duas Constituições são emblemáticas nesse momento,
a Equatoriana (2008) e a Boliviana (2009), que, fundadas no pluralismo
legal e nos ditames de Sumak Kawasay e Pachamama, pretendem repensar
as estruturas fundantes de suas respectivas sociedades a partir de modelos
de participação popular que valorizam, especialmente, as tradições indígenas.
A Constituição Equatoriana consagra uma sistema de solidariedade econômica, com o Conselho de Participação Cidadã e Controle
Social, caracterizado como a entidade central do quinto poder. A Constituição Boliviana incrementa os poderes dos grupos indígenas, com um
sistema de representação na Assembleia Legislativa e a Corte Constitucional Plurinacional, ademais da limitação dos direitos de propriedade e a
institucionalização do secularismo.
3. O reconhecimento ambiental e a necessidade de uma nova
lógica de pensamento com parcialidade
A justiça ambiental, em seu multifacetário mundial, vem ganhando cada vez mais situações expostas à possibilidade/necessidade de
proposições de demanda com cunho ambiental.
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Destaca-se que no Brasil, além de dispositivos de proteção do Estado contra pessoas físicas ou jurídicas que estejam em desalinho com a
proteção ambiental, a Constituição da República Federativa do Brasil,
permite, à cada cidadão, a propositura de ações populares6 que visem
justamente o controle do meio ambiente.
Neste sentido, Édis Milaré explicita:
A dicção ampliada do dispositivo constitucional permite entrever que a
ação popular tutela tantos bens e valores de natureza pública (patrimônio público stricto sensu e patrimônio particular de qualquer entidade
onde se verifique a participação estatal), quanto a natureza difusa (o
meio ambiente, no caso). Assim positivou-se na Constituição Federal
posicionamento já assente na doutrina e jurisprudência, segundo o
qual a ação popular também se preordenava a oferecer proteção contra
a danosidade ambiental (MILARÉ, 2013).
Evidente que a possibilidade de proposição, por qualquer cidadão, de ações que constituam em efetiva oportunidade de proteção ambiental e litigância ambiental é totalmente louvável, haja vista que multiplica o nível de controle, onde eventualmente o Estado esteja sendo omisso ou falho na efetiva proteção ambiental.
Entretanto, não se pode deixar de reconhecer que o direito então
perpassa por uma necessidade/vontade de que alguém, sem remuneração, estímulo ou interesse, busque a jurisdição – inclusive, contratando
eventualmente advogados – para conseguir realizar tão importante missão
social.
Ademais, merece destaque, ainda que nos termos do Supremo
Tribunal Federal, o qual se pronunciara: ―Tem-se como imprescindível a
comprovação do binômio ilegalidade-lesividade, como pressuposto elementar para a procedência da ação popular e consequente condenação
dos requeridos no ressarcimento ao erário em face dos prejuízos comprovadamente atestados ou nas perdas e danos correspondentes.‖7
Fato idêntico ocorre com a ação civil pública8 que permite associações constituídas há pelo menos 1 (um) ano, nos termos da lei civil e
6
7
8
Artigo 5º da CRFB/88, inciso LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor
ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o
Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio
histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais
e do ônus da sucumbência;
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.447.237/SP. Min.
Napoleão Nunes Maia Filho, j. 13/05/2015. Acesso em 18/09/2019.
Art. 1ºRegem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de
responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: l - ao meio-ambiente;
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com a finalidade específica possam propor ações que visem a responsabilização por dano ambiental.
Ao mesmo tempo, o Estado posiciona-se como o protetor ambiental, fundamentado na Constituição da República Federativa do Brasil,
com o dever de proteção ambiental em prol de todos.
Ocorre que este mesmo Estado que atua de forma a proteger o
meio ambiente, como grande organizador social, deve também atuar
como elemento autorizador de medidas, as quais, a princípio, impactarão
o meio ambiente, levando invariavelmente à degradação ambiental.
A tal teor, recai, a este mesmo Estado, o dever de implementação
das licenças, como dispõe o artigo 225 da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o
manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade
de vida e o meio ambiente.
Como fica evidente o próprio Estado tem o dever de proteção
ambiental e o Estado, que em razão de uma série de outros interesses,
regulará a degradação legalizada ambiental.
Não se está aqui sendo contrário, ou até mesmo leviano, em não
se reconhecer a enorme importância que tem o Estado, em proteger o
meio ambiente. Todavia, impossível não se constatar que o Estado também pode autorizar degradações, através de licenciamentos ambientais, o
que gera, de certa forma, uma dupla visão sobre pontos controversos de
uma política de efetiva proteção ambiental.
Outrossim, estes licenciamentos nem sempre garantem a plenitude de recuperação da degradação, tampouco asseguram que determinados valores e atitudes sejam realizadas em prol daquela entidade da
natureza, fazendo com que sofra o ônus da degradação, sem ter garantido
o bônus financeiro da atitude do princípio do poluidor pagador.
Neste ínterim, o que vemos é que o Estado acaba gerando o dever de controle sobre o meio ambiente, mas dentro da demonstração dos
princípios administrativos da legalidade, recai, a este próprio Estado,
conceder licenças, que acarretam em atos de poluição.
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Isso sem debater na falibilidade do Estado Brasileiro enquanto
sujeito ao Poder Econômico e interesses difusos que impõe ainda, a este
pensar em saúde, educação e desenvolvimento regional, muitas vezes
tendo o meio ambiente como entrave na sua política local.
Neste sentido, urge destacar o posicionamento da Autora Portuguesa Maria Garcia:
A regulação estadual continua, por isso, a concitar a atenção dos grupos econômicos e sociais. Não se trata só de obter informação e jogar
em antecipação com base nessa informação. Trata-se de pressionar as
escolhas públicas e obter textos normativos, material ou procedimentalmente adequados aos respectivos interesses privados, textos logo
volvidos em mais valias ou benefícios de transações sociais. Escolhidas
sob pressão, as decisões normativas pouco poderão ter que ver com o
que socialmente são as escolhas eficientes, equilibradas. E seguramente
estarão longe dos procedimentos conducentes às escolhas justas. Não
surpreende, por isso, que, no âmbito da reflexão política e jurídica, se
estudem mecanismos que obviem os comportamentos que se descrevem, sendo que alguns possam por encontrar formas distintas de financiamento de partidos políticos e outros por meio de uma regulação
adequada da ação de grupos de pressão (lobbying) (GARCIA, 2007).
Logo, evidente que o Estado que atua como regulador do meio
ambiente e suas necessidades estão sujeitas a toda e qualquer forma de
ação e nem sempre é possível acreditar que o procedimento de análise
submetido tem a preservação do meio ambiente assegurada.
Repensar tais medidas é passar a visualizar interesses de uma natureza como sujeito de direitos, voltada a si e a sua própria defesa de
meio ambiente, como se extrai:
Los derechos de la naturaliza e el buen vivir priorizam uma nova ética ambiental, que busca superar o paradigma eurocêntrico e norte-americano
do ―viver melhor‖, ―ter mais bens materiais‖, ―ganhar mais dinheiro‖,
transmudando-se para um ethos em que viver bem significa respeitar
todos os seres e entidades, bióticos ou não, em harmonia com a natureza, seja Pacha Mama (Pachamama) para os andinos, seja Gaia para
os europeus (MOREIRA, 2017).
Assim, por esta visão de análise da necessidade de uma conduta
parcial por parte destes novos sujeitos, a serem reconhecidos e, obviamente, com parcialidade debaterem o futuro de elementos da natureza.
A personalidade como legitimação
Parece que quando traçamos o paradoxo para reconhecer algo
além do ser humano como sujeito de direitos, estamos reconhecendo algo
totalmente adverso aquilo que acreditamos, porém, pouco percebemos
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que fizemos isso diariamente com as pessoas jurídicas de direito público e
de direito privado, verdadeiras ficções jurídicas, criadas pelo ser humano
para justificar as suas atitudes.
Destarte, o que a primeiros olhos parece impossível, por outro,
visualizamos todo o dia quando relembramos os conceitos de personalidade jurídica, aqui lembrados por Gonçalves:
A pessoa jurídica, concebida desta forma, não passa de um simples
conceito, destinado a justificar a atribuição de certos direitos a um grupo de pessoas físicas. Constrói-se, desse modo, uma ficção jurídica,
uma abstração que, diversa da realidade, assim é considerada pelo ordenamento jurídico.
Logo, como o próprio Estado, se fez necessária a realidade de
criação de uma personalidade jurídica própria, a fim de que este assim se
representasse e pudesse exercer as funções naturais representativas.
Continuamente, é desta forma que podemos pensar na proposta
aqui apresentada, mister que através de um reconhecimento de personalidade jurídica, a elementos da natureza específicos, teríamos de toda
sorte a personificação destes elementos, como assim reconhecendo, ao
Rio Uruguai, a possibilidade de oitiva e litigio em processos administrativos e judiciais, dos quais tivesse interesse de agir.
O interesse de agir, condição essencial para a proposição de demandas, sustenta-se a quem recairia tal situação, ao passo que aqui cabe
relembrar que estes elementos da natureza poderiam buscar, em razão de
sua própria exploração, formas de sustentabilidade financeira.
Outrossim, com a personalidade própria, por mais que se reconheça eventual viés do Estado como mantenedor financeiro, a administração seria exclusiva e independente, além de possuir visão jurídica própria.
Ainda, poderiam elementos deste porte serem entregues a parcerias com universidades comunitárias que usassem corpo técnico para a
efetiva proteção ambiental.
Imaginamos que se o Rio Uruguai tivesse tal situação e fosse representado pela Unochapecó, todos os processos de usinas hidroelétricas
teriam um lado imparcial, pensando-se justamente nos impactos do Rio,
além de um corpo técnico pronto para demandar à proteção ambiental.
Agora vejamos o que ocorre atualmente, tem que o Estado licenciar os empreendimentos e pensar ainda na natureza, e como já dito,
muitas vezes com interesses que vão muito além da mantença do meio
ambiente.
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Reconhecer a personificação seria, basicamente, dar a oportunidade para que a organização social pudesse, ao menos, interferir, em
nome destes elementos e em prol da natureza e dos entes que dela são
esquecidos.
As opções processuais e administrativas que passam a ser reconhecidas
Antes de concluirmos, vale ressaltar o exercício de propostas que
o reconhecimento jurídico poderia acarretar como elemento de debate e
ainda de possibilidade de intervenções.
Destacam-se, primeiramente, todos os processos de licenciamento ambiental que necessitam, muitas vezes, serem apreciados e protegidos
pelo Estado. Entretanto, o ente protetor (Estado) é também aquele que
condiciona a liberação de licenças.
Em segundo momento, a possibilidade de cada ato de poluição
voltar efetivamente ao próprio fundo de preservação deste elemento da
natureza, ou seja, com a aplicação de sanções financeiras, aos poluidores,
os valores não mais ficariam em um fundo distante da degradação, mas
sim vinculados ao instituto recém criado, com autonomia financeira própria.
Em terceiro momento, a possibilidade do próprio elemento da
natureza opor- se a atos de degradação ambiental e buscar o justo ressarcimento indenizatório.
Em quarto momento e talvez o mais interessante, o da independência de soluções, por parte do próprio instituto criado, já que não dependerá de atitudes do Estado para buscar a sua solidez, mas sim, atos
por si e vontade própria para solucionar as suas inquietações.
Assim, tem-se apenas de alguns rápidos benefícios, evidenciando, em que pese, em primeiro momento, aumentar o custo estatal em
proteção ambiental, muitos destes entes atingiriam rapidamente solidez
financeira para a sua mantença.
Referenda medida, que ora pareça utópica, serviria de extremo
avanço para a proteção ambiental e para a regulação justa de atitudes
ambientais.
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Considerações Finais
Através do presente artigo entende-se que a proteção ambiental
poderia ganhar uma nova postura ainda mais relevante e presente para a
proposição de atitudes ambientais.
Trata-se na efetivação de direitos de personificação de elementos
da natureza, para que sirvam de instrumento de proteção ambiental, de
forma parcial, visando a sua efetivação, posicionada perante o Estado.
Com tal personificação, um novo elemento jurídico se posta como possível, a oitiva parcial do elemento da natureza em processos administrativos e ambientais, servindo, desta forma, como fundamentação
plena de proteção ambiental.
O avanço desta medida permitiria que os elementos da natureza
não ficassem reféns de uma eventual atitude estatal, fazendo com que o
instituto, com personalidade jurídica própria, pudesse buscar a sua manutenção e também, através de parcerias com universidades, apoio técnico e
representativo.
Ademais, através da presente personificação, conseguira gerir
melhor os recursos que, infelizmente, provém de sanções ambientais, mas
que seriam empregados em imediata recuperação ambiental.
Por fim, repensar em elementos da natureza como sujeitos de direito é desfazer a visão antropocêntrica da Constituição Brasileira, na
qual o meio ambiente parece estar em prol do ser humano e não o ser
humano como parte de um meio ambiente.
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7.347/1985 e legislação complementar– 12 ed. rev., atual. e ampl. – São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais.Ano 2011.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz;
MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos
mediante procedimento comum, volume 2 – São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2015.
MILARÉ. Édis. Direito do Ambiente. São Paulo. Editora RT, 2013.
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A PROTEÇÃO DOS CONHECIMENTOS
TRADICIONAIS DOS POVOS INDÍGENAS A
PARTIR DA PROPOSTA DE BUEN VIVIR
Viviane Dipp Altenhofen1
Pamela de Almeida Araújo 2
Joana Silvia Mattia Debastiani3
1.
Introdução
O Supremo Tribunal Federal4 entendeu que o significado do
termo índios utilizado na Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 – CF é realizado ―por um modo invariavelmente plural‖, de
modo que possa ficar claro a diferenciação dos aborígenes por numerosas
etnias, bem como, é propósito constitucional o de retratar uma ―diversidade indígena tanto interétnica quanto intra-étnica‖.
Os povos indígenas, no entanto, são caracterizados pelo profundo relacionamento de respeito e harmonia para com a natureza e os conhecimentos desses povos tradicionais são como fontes para o bem viver,
são as suas essências eeles conceituam essa ideia de bem viver e o que isto
engloba.
1
2
3
4
Mestranda do Programa de Pós-Graduação Direito da Universidade de Passo FundoRS. Advogada. Contato: vivianedipp@gmail.com
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade de Passo
Fundo-RS. Integrante do Projeto de Pesquisa Direitos Humanos e Democracia na
América Latina. Bolsista Capes. Contato: pam.ufg@gmail.com
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Passo
Fundo-RSem dupla titulação com o programa de Tecnologías y políticas públicas sobre
lagestión ambiental na Universidade de Alicante, Espanha. Bolsista Capes. Bolsista
voluntária do Programa de Extensão universitária PROJUR Mulher e Diversidade da
UPF. Integrante do grupo de pesquisas Dimensões do Poder, Gênero e Diversidade.
Advogada. Contato: joanamattia@gmail.com
STF.
Petição
3.388,
Rel.
Min.
Ayres
Britto.Disponível
em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/pet3388ma.pdf. Acesso
em 10 de jul. 2019
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A sustentabilidade aparece como uma consequência da prática
do bem viver, pois, se posto em prática as suas ideias, um mundo sustentável será o resultado natural alcançado.
Ademais, a circunstância de um grupo ser minoritário, como é o
caso dos indígenas, não enfraquece, mas antes ―reforça a pretensão de
fundamentalidade dos seus direitos‖ 5.
Por isso, já no segundo capítulo se traz à baila os aspectos mais
importantes de proteção jurídica dessa minoria, sobretudo no que tange a
proteção dos seus conhecimentos tradicionais e como fonte para o bem
viver.
Não obstante isso, além dos povos tradicionais, tais como os indígenas, existem diversos outros grupos que levantam suas vozes para
serem ouvidos quanto a ideia de bem viver, são estes: ecologistas, feministas, cooperativistas, marxistas e humanistas, dentre outros. Isso enuncia que o bem viver não diz respeito unicamente aquilo que envolve a
natureza, mas também compreende uma vida social, um bem viver sobretudo, sobre o que se pensa e sobre o que se faz.
Por fim, a presente pesquisa não se olvidou abordar a construção
acerca do buen vivir ou bem viver, o que se denota no terceiro capítulo.
2.
Dos conhecimentos tradicionais como fonte para o Bem
Viver e a sua proteção
Os conhecimentos tradicionais, mais especificamente os indígenas, traçaram há muito tempo uma ideia que começou a pouco se disseminar no mundo, uma ideia de Bem Viver, não baseada em recursos
financeiros, posses ou coisas afins, mas no equilíbrio, na harmonia e na
convivência dos seres humanos com a natureza.6
Para falar de conhecimento tradicional, resta inicialmente saber
o que é um conhecimento tradicional. Um conhecimento tradicional está
incurso na tradição de um povo, na sua forma própria de organização
social, como ocupam e fazem uso de seus territórios ou recursos naturais,
5
6
STF. Informativo do STF N.º 721. 2013 Disponível em: www.stf.jus.br/arquivo/
informativo/documento/informativo721.htm#transcricao1 . Acesso em 10 de jul.
2019
ACOSTA, Alberto. O Bem Viver- uma oportunidade para imaginar outros mundos.
Equador: Editora Elefante, 2011, p. 15
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utilização e conhecimentos, entre outros. O Decreto nº 6040/20077, em
seu artigo 3º, inciso I apresenta a definição legal para o termo.8 Segundo
Rabbani9 o ―conhecimento tradicional se opõe ao conhecimento ocidental, também denominado de conhecimento moderno‖. Para Macedo10
Por tradicional, refere-se aos regimes de propriedade vigentes em sociedades que não estão inseridas ao sistema de produção capitalista. As
sociedades tradicionais tendem a utilizarem mecanismos de definição
de direitos que englobam normas religiosas e regras de conduta individual e coletiva que são resultado de lenta maturação e, mais importante, que demonstraram a sua adequação à realidade destas sociedades,
ao longo de centenas ou milhares de anos.
Alei brasileira da Biodiversidade, n.º 13.123/1511, em seu artigo
2º, inciso II, utiliza a nomenclatura ―associado‖, logo após o termo ―conhecimento tradicional‖, desse modo conceituando o conhecimento tradicional associado a uma ―informação ou prática de população indígena,
comunidade tradicional ou agricultor tradicional sobre as propriedades
ou usos diretos ou indiretos associada ao patrimônio genético‖.
Segundo Mota12 a expressão legal ―prática de população indígena, comunidade tradicional ou agricultor tradicional‖ não é tão precisa
quanto a definição da Organização Mundial da Propriedade Intelectual –
7
BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 6040/07. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm.
Acesso em: 07. Jun. 2019.
8
Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem
formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos
naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e
econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos
pela tradição.
9
RABBANI, Roberto MuhájirRahnemay. O conhecimento tradicional no
ordenamento jurídico brasileiro: o ser humano como parte do meio ambiente.
Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 6, n. 1. 2016, Disponível em:
http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/direitoambiental/article/view/4166
Acesso em: 10 de jul. 2019.p.157.
10
MACEDO,Luís Otávio Bau. Direitos de propriedade e o desenvolvimento econômico
das etnias indígenas brasileiras: instituições e a emergência da ordem territorial.
Economic Analysis of Law Review, v. 3, n. 1,jan./jun. 2012, p.62. Disponível em:
https://portalrevistas.ucb.br/index.php/EALR/article/view/3%20EALR%2057/3%
20EALR%2057%20-%20EN . Acesso em 10 de jul. 2019
11
BRASIL.
Lei
da
Biodiversidade
nº
13.123/15.
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13123.htm. Acesso
em: 31 de Mai. 2019.
12
MOTA, Mauricio. Os conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade e
sua proteção pelas convenções internacionais. 2018. Disponível em:
https://emporiododireito.com.br/leitura/os-conhecimentos-tradicionais-associadosa-biodiversidade-e-sua-protecao-pelas-convencoes-internacionais . Acesso em 10 de
jul. 2019
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WIPO, mesmo assim esse trecho pode ser interpretado como ―a que tenha sido criada e preservada em um contexto tradicional e que seja parte
integrante da identidade cultural de um povo indígena ou comunidade
local com estilo de vida tradicional.‖
Ainda segundo o autor, no âmbito da Organização Mundial do
Comércio, os conhecimentos tradicionais foram tratados indiretamente
pelo Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual
(Trade-RelatedIntellectualPropertyRights - TRIPS). Embora isso, alegase conflito entre normas da Convenção sobre Diversidade Biológica e o
Acordo TRIPS13.
O artigo 231 da Constituição da República Federativa do Brasil 14
prevê o direito de reconhecimento aos índios da sua ―organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as
terras que tradicionalmente ocupam‖. Importa destacar que segundo o
STF os artigos 231 e 232 da Constituição Federal são de ―finalidade nitidamente fraternal ou solidária‖15. Isso mostra que a atual Constituição,
segundo o STF, traz um momento de ―Era constitucional compensatória
de desvantagens historicamente acumuladas, a se viabilizar por mecanismos oficiais de ações afirmativas‖16.
Nesse sentido são também as diversas declarações internacionais.
De acordo com a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos
Povos Indígenas17, aprovada pela Assembleia Geral da Organização das
Nações Unidas, no dia 13 de setembro de 2007 em Nova York, prevê no
seu artigo 31.2.uma atuação conjunta entre povos indígenas e os Estados
na adoção de medidas eficazes para reconhecer e proteger o exercício dos
direitos indígenas, sobretudo o que está disposto no Artigo 31.1 que prevê
13
MOTA, 2018.
Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de
1988/ obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio
Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 44
ed. atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 168
15
STF.
Petição
3388/RR.
Disponível
em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/pet3388ma.pdf. Acesso
em 10 de jul. 2019
16
STF.
Petição
3388/RR.
Disponível
em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/pet3388ma.pdf. Acesso
em 10 de jul. 2019
17
ONU. Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. 2008.
Disponível
em:
https://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/portugues/BDL/Declaracao_das_
Nacoes_Unidas_sobre_os_Direitos_dos_Povos_Indigenas.pdf Acesso em 10 de jul.
2019
14
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claramente o direito de manter, controlar, proteger e desenvolver seus
conhecimentos tradicionais. Nesse sentido:
Os povos indígenas têm direito de manter, controlar, proteger e desenvolver seu patrimônio cultural, seus conhecimentos tradicionais, suas
expressões culturais tradicionais e as manifestações de suas ciências,
tecnologias e culturas, compreendidos os recursos humanos e genéticos, as sementes, os medicamentos, o conhecimento das propriedades
da fauna e flora, as tradições orais, as literaturas, os desenhos, os esportes e jogos tradicionais, e as artes visuais e interpretativas. Também
têm direito a manter, controlar, proteger e desenvolver sua propriedade
intelectual de referido patrimônio cultural, seus conhecimentos tradicionais e suas expressões culturais tradicionais. (Artigo 31.1 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas)
Não obstante isso, outro importante marco é a Convenção 107
da Organização Internacional do Trabalho - OIT de 1957 que tratou
especificamente de populações indígenas e tribais. Essa convenção foi
considerada um marco histórico no processo de emancipação dos povos
indígenas, no entanto tornou-se obsoleta e inconveniente no mundo moderno, conforme admitido pelo próprio Comitê de Peritos em 198618.
Assim na 76ª Conferência Internacional do Trabalho em l989 se revê a
Convenção n° 107 e se adota a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais.
A Convenção 169 da OIT prevê em seu artigo 4º que ―Medidas
especiais necessárias deverão ser adotadas para salvaguardar as pessoas,
instituições, bens, trabalho, culturas e meio ambiente desses povos‖ 19.
Não há, portanto, como falar em conhecimentos tradicionais e não observar o seu aspecto social, tendo em vista que as injustiças afetam a sociedade, principalmente as indígenas, através das mais diversas ―privações
de liberdade‖ no sentido usado por Sen20.
A circunstância de um grupo ser minoritário não enfraquece,
mas antes reforça a pretensão de fundamentalidade do reconhecimento e
garantia do exercício de seus direitos.21 Logo, é premente a necessidade
de remover outras privações de liberdade que dificultam inclusive a manutenção, preservação e desenvolvimento desses conhecimentos, que são
18
OIT. Convenção n° 169 sobre povos indígenas e tribais e Resolução referente à
ação da OIT. Brasilia: OIT, 2011, p.6-7
19
OIT, 2011, p. 17
20
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Editora Companhia das Letras,
2018.
21
STF. Informativo do STF N.º 721. 2013 Disponível em: www.stf.jus.br/
arquivo/informativo/documento/informativo721.htm#transcricao1 . Acesso em 10
de jul. 2019
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inclusive praticados em algum local ou território. A necessidade de preservar os conhecimentos é medida de urgência, pois, estes podem se perder no tempo por medo de seu uso indiscriminado.
Nesse sentido, cabe mencionar que o STF22 já se manifestou no
sentido de que ao Poder Público não cabe, em nenhuma hipótese, hostilizar comunidades indígenas brasileiras, mas ao contrário, estimula-se ao
proveito delas. Isto é, o desenvolvimento deve incluir os índios e a sua
não inclusão viola, portanto, objetivo fundamental do inciso II do art. 3º
da Constituição Federal que é a garantia ao ―‗desenvolvimento nacional‘
tão ecologicamente equilibrado quanto humanizado e culturalmente
diversificado, de modo a incorporar a realidade indígena‖23.
A visão de conhecimento tradicional necessita ser observada sob
um novo paradigma, um olhar social de preocupação real, não somente
com a natureza, mas com aqueles que dependem dela diariamente, necessitando um agir rápido sobre a causa.
2.
O bem viver, uma ideia em evolução
O início da constitucionalização do bem viver e da pequena fagulha de pensar sobre os direitos da natureza se deu em 2008 com a nova
Constituição do Equador e após em 2009 com a Constituição da Bolívia.
Um passo inicial fora dado, contudo, ainda persistem muitas resistências
por meio dos constitucionalistas conservadores que se deixam influenciar
pelas exigências do poder.24Algumas expressões são destinadas para se
representar o bem viver, como, BuenVivirouSumakKawsayno Equador, ou
ainda, VivirBien ou Suma Qamaña, na Bolívia.25
Le Quang e TamiaVercoutère26 se referem à Constituição Equatoriana como uma constituição com visão de desenvolvimento27 e ainda,
identificam que o bem viver possui três correntes: a culturalista, a ecolo22
STF.
Petição
3388/RR.
Disponível
em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/pet3388ma.pdf. Acesso
em 10 de jul. 2019
23
STF.
Petição
3388/RR.
p.7.
Disponível
em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/pet3388ma.pdf.
Acessoem 10 de jul. 2019
24
ACOSTA, 2011, p. 28-29
25
ACOSTA, 2011, p. 75
2626
QUANG. Mathieu Le. VERCOUTÈRE, Tamia. Ecosocialismo y Buen Vivir.
Diálogo entre dos alternativas al capitalismo. Quito: Editorial IAEN, 2013, p. 19
27
No original:LaConstituición ecuatoriana de 2008, al reconocer un conjunto de
conceptos innovadores como el sumakkawsay o Buen Vivir, marcó um giro en la
historia política del país así como en la visión del desarollo.
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gista e a ecomarxista.28A corrente culturalista29 se dedica a defender a
ancestralidade dos conhecimentos dos povos indígenas como fonte inspiradora do Bem viver.30 A corrente ecologista31, critica o modo de agir do
capitalismo, o qual explora sem medida a natureza.32 E ainda, a corrente
ecomarxista33, faz uma crítica às estruturas socioeconômicas do capitalismo, além de acreditar no ser humano com um ser social, cre na superação da dominação da natureza pelos seres humanos e assim repensar nas
estruturas de Estado.34
Bem viver, para Le Quang e TamiaVercoutère35 ainda é um conceito ainda em construção, onde não participam somenteos povos indígenas.36 Para muito além dos povos tradicionais, existem diversos grupos
que levantam suas vozes para serem ouvidos quanto a ideia de bem viver,
a exemplo ecologistas, feministas, cooperativistas, marxistas e humanistas, ou seja, o bem viver não diz respeito unicamente aquilo que envolve
a natureza, mas uma vida social, um bem viver sobre tudo, sobre o que se
pensa e sobre o que se faz.37
Para se falar em bem viver, necessário se faz observar para os
povos que, viveram e ainda vivem em completa sintonia com a natureza38, onde, o bem viver se destina a refletir sobre a vida em pequena escala, em uma vida mais sustentável e equilibrada. Para Acosta39 isso significa almejar uma vida mais digna a todas as pessoas.
28
No original: [...] discursos acerca del Buen Vivir, hemos identificado al menos tres
corrientes principales dentro de las cuales se inscriben estos discursos: la culturalista,
la ecologista y la ecomarxista.
29
QUANG. 2013, p. 21
30
No original: Con frecuencia, la exaltación de las raíces ancestrales del Buen Vivir se
acompaña de la afirmación de los pueblos indígenas como detentores legítimos de
saberes y conocimientos ancestrales.
31
QUANG. 2013, p. 30
32
No original:[...] los ecologistas enfatizan sobre el carácter predador del sistema que se
manifestaría en la explotación desmedida de la naturaleza.
33
QUANG. 2013, p. 38-39
34
No original: [...] la corriente ecomarxista se diferencia de estas por su marcada crítica a
las estructuras socioeconómicas del capitalismo. Los ecomarxistas toman en cuenta e
incorporan en su definición del Buen Vivir algunas especificidades presentes en los
culturalistas, particularmente la dimensión comunitaria de la vida, el ser humano
como ser social, la superación de la dominación de la naturaleza por los seres
humanos, la necesidad de repensar las estructuras del Estado.
35
QUANG. 2013, p. 11
36
No original: [...] creemos que el Buen Vivir es um concepto en construcción en el que
participan no solo los pueblos insígenas.
37
ACOSTA, 2011, p. 34
38
ACOSTA, 2011, p. 20
39
ACOSTA, 2011, p. 15
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Segundo Acosta pensar em uma oportunidade de se ter um novo
mundo, um mundo pensado e democrático, um mundo onde os pilares
sejam os Direitos Humanos e os Direitos da natureza. Para isso, a visão
de mundo daqueles que historicamente foram marginalizados pode ser
útil, podem ser a inspiração para esse novo mundo, um lugar onde todos
possam conviver em comunidade e em harmonia com a natureza.40
Nessa mesma ideia de um novo mundo41 ―que somente poderá
ser possível este vislumbre se este mundo existente se abrir para um novo
mundo, para uma nova vida e para outros conhecimentos‖.42 Para Acosta43, a democracia necessita ser repensada e aprofundada e o Estado é
indispensável para a construção do bem viver. As pessoas precisam se
organizar e ter o controle sobre suas vidas e o centro de tudo, não deve
ser apenas o humano, mas humano convivendo em harmonia com a
natureza.
Alguns dos pilares para a proposta de um bem viver são calcados
na harmonia com a natureza, na reciprocidade, na relacionalidade, na
complementariedade e na solidariedade entre as pessoas. O bem viver
aplicado pode trazer muitas respostas que ainda pairam sobre dúvidas até
mesmo para os efeitos das mudanças climáticas e violências sociais.44
Portanto, o bem viver não estabelece conceitos sobre riqueza e
pobreza, subdesenvolvido e desenvolvido, este não se opõe ao processo
moderno de capitalismo, mas sim promove críticas a este, críticas estas
que são vistas conforme Acosta45, como uma resistência, mas o foco real
se dá na recuperação de alguns ensinamentos desse povo marginalizado e
muitas vezes taxado como antiquados. Segundo Vandana Shiva46
Así que toda actividad económica que se desarrolle en la sociedad debe
aspirar a la generación del bienestar de todos y todas, incluidas tú y yo.
La actividad económica que no tenga esta finalidad y que se realice siguiendo unas actitudes estrechas y egoístas está condenada a resultar
desastrosa para la sociedad.
40
ACOSTA, 2011, p. 25
QUANG. 2013.
42
No original: [...] otro mundo es posible solo si este mundo se abre a nuevos mundos; al
encuentro com otros mundos da vida y otros saberes.
43
ACOSTA, 2011, p. 26-27
44
ACOSTA, 2011, p. 33
45
ACOSTA, 2011, p. 70-71
46
SHIVA, Vandana. Manifiesto para una democracia de la tierra. Justicia,
sostenibilidad y paz.Barcelona: Paidós, 2006, p.89
41
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O bem viver não pensa nos seres humanos como seres a serem
vencidos, nem tão pouco entende que a natureza deva ser tratada como
uma massa de recursos a ser explorada ao último por uma sociedade que
valoriza apenas a acumulação permanente de bens materiais destruindo
assim a natureza.47
Este deseja ver o que há de melhor em cada prática, em cada sabedoria, em cada conhecimento dos povos48, pois este não é um mero
conceito e sim uma vivência.49 Contudo, essa ideia é corrompida pelo
mercado capitalista e, com isso, percebe-se a necessidade de uma nova
economia, uma economia que se preocupe em atender as necessidades da
sociedade e não os interesses do capital.
Una economía sustentada en aquellos principios fundacionales de esta
propuesta pos desarrollista, entre los que destacamos la solidaridad y
sustentabilidad, a más de la reciprocidad, la complementariedad, la
responsabilidad, la integralidad (todos los seres vivos somos necesarios
en el planeta), la suficiencia (y de alguna manera también la eficiencia), la diversidad cultural y la identidad, las equidades, y por cierto la
democracia. 50
Cada vez mais, a real mudança do antropocentrismo para biocentrismo se faz imperiosa. Adotar a natureza como sujeito de direitos é
preciso para a construção de um mundo novo e para romper-se com o
paradigma que afastou natureza e o ser humano. Essa migração do antropocentrismo para uma visão biocêntrica, é defendida por Le Quang e
TamiaVercoutère51, como uma ameaça para a sobrevivência da vida humana bem como de toda a forma de vida no planeta, assim sendo, evoluir
é o caminho.52
Essa visão de natureza, não significa dizer que ela deva permanecer intocada, que pare de se cultivar a terra, de pescar, mas trata-se de
defender a continuação desses sistemas de vida, seu propósito é os ecossistemas, as coletividades, não somente os indivíduos.53
47
ACOSTA, 2011, p. 76
ACOSTA, 2011, p. 76
ACOSTA, 2011, p. 82
50
ACOSTA, 2011, p. 130.
51
QUANG. 2013, p. 32
52
No original: De acuerdo con estos principios, parecería necesario evolucionar de una
concepción antropocéntrica de la organización económica y social que amenaza la
supervivencia de la especie humana y de toda forma de vida en el planeta, a una
concepción biocéntrica.
53
ACOSTA, 2011, p. 131
48
49
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O bem viver segundo Acosta54, aceita diversas formas de se viver,
contudo, sua figura vai além unicamente da valorização da natureza, ele
engloba os pensamentos e os comportamentos humanos, por essa razão,
ele não tolera a exploração dos seres humanos, nem grupos privilegiados
em detrimento do trabalho e do sacrifício alheio. Isso porque, segundo
Boff ―O futuro do planeta e da espécie homo sapiens depende do nível de
cuidado que a cultura e todas as pessoas tiverem desenvolvido‖55.
O grande desafio conforme Le Quang e TamiaVercoutère,56 está
na tentativa de conciliar o desenvolvimento econômico com as exigências
da natureza, fazendo com que os serviços públicos básicos sejam garantidos e que ainda se possam realizar transformações no país.57
Assim sendo, poder-se-ia tratar a ideia de sustentabilidade como
consequência de se praticar o bem viver porque esta faz parte de um dos
princípios fundacionais do bem viver segundo Acosta58, além da solidariedade, da reciprocidade, da complementariedade, da responsabilidade,
da integralidade, da suficiência, da diversidade cultural, da equidade e
também da democracia. Assim, a ideia de bem viver poderia seguir o
lema de ―melhor com menos‖.
3.
Considerações Finais
O texto abordou acerca da temática envolvendo a ideia ainda em
construção sobre bem viver, mas um bem viver pautado na proteção de
sua base, ou seja, dos conhecimentos tradicionais indígenas, que são sua
fonte de inspiração.
Percebeu-se a importância desses conhecimentos que basearam
as propostas das Constituições do Equador e da Bolívia, que sem dúvida
são as promissoras em defender a natureza como centro, deixando para
trás o arcaico conceito de antropocentrismo.
A ideia logo ganhou aliados na luta pela vida no planeta, mais
que conceitos e regras, defender o bem viver e suas origens é defender a
54
ACOSTA, 2011, p. 240
BOFF, Leonardo. Ethos Mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Rio de
Janeiro: Record, 2009. P. 88.
56
QUANG. 2013, p. 40
57
No original: Entonces la cuestión fundamental no es saber si se debe seguir o no
explotando estos recursos naturales, sino intentar conciliar las exigencias ambientales
con el crecimiento económico necesario para garantizar la cobertura de los servicios
públicos básicos en el territorio y para transformar el país.
58
ACOSTA, 2011, p. 163-164
55
299
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sua própria existência, assim, apoiadores como os movimentos feministas, humanistas, etc...se integram para dar maior vazão à temática.
A preservação e proteção dos conhecimentos tradicionais não
dependem de uma resposta puramente técnica, requer mais, exige uma
mudança na forma de viver, de bem viver. Assim sendo, um bem viver é
possível, contudo demanda mais que meras linhas.
Referências
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outros mundos. Equador: Editora Elefante, 2011.
BRASIL. Lei da Biodiversidade nº 13.123/15. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20152018/2015/lei/l13123.htm. Acesso em: 31 de Mai. 2019.
BRASIL. Decreto 5051/2004. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.htm . Acesso em
10 de jul. 2019
Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de
outubro de 1988/ obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 44 ed. atualizada e ampliada. São Paulo:
Saraiva, 2010.
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MACEDO, L. O. B. Direitos de propriedade e o desenvolvimento econômico das etnias indígenas brasileiras: instituições e a emergência da
ordem territorial. Economic Analysis of Law Review, v. 3, n. 1, p. 5771, jan./jun. 2012. Disponível em: https://portalrevistas.ucb
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MOTA, Mauricio. Os conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade e sua proteção pelas convenções internacionais. 2018. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/os-conhecimentostradicionais-associados-a-biodiversidade-e-sua-protecao-pelasconvencoes-internacionais . Acesso em 10 de jul. 2019
OIT. Convenção n° 169 sobre povos indígenas e tribais e Resolução
referente à ação da OIT. Brasilia: OIT, 2011. Disponível em:
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das Letras, 2018.
SHIVA, Vandana. Manifiesto para una democracia de la tierra. Justicia, sostenibilidad y paz.Barcelona: Paidós, 2006.
STF. Informativo do STF N.º 721. 2013 Disponível em:
www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo721.htm#tr
anscricao1 . Acesso em 10 de jul. 2019
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IGUALDADE DE GÊNERO E
SUSTENTABILIDADE:
PARADIGMAS PARA NOVAS
RELAÇÕES SOCIAIS
Joana Silvia Mattia Debastiani 1
Josiane Petry Faria 2
Valdemir José Debastiani 3
1.
Introdução
A temática central do trabalho parte da ideia de que sustentabilidade e igualdade de gênero estão lado a lado na ressignificação urgente
pela qual a sociedade moderna-patriarcalista deve passar. A proposta é
estudar a relação existente entre gênero, sustentabilidade, poder, sob a
égide do modelo de desenvolvimento atual e o poder do mercado.
Diante do abismo existente e a desigualdade que permeia a sociedade contemporânea, através do método dedutivo de abordagem e da
pesquisa bibliográfica, tem-se como problema de pesquisa: a sustentabili-
1
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Passo
Fundo – UPF em dupla titulação com o programa de Tecnologías y políticas públicas
sobre la gestión ambiental na Universidade de Alicante, Espanha. Bolsista Capes.
Bolsista voluntária do Programa de Extensão universitária PROJUR Mulher e
Diversidade da UPF. Integrante do grupo de pesquisas Dimensões do Poder, Gênero
e Diversidade. Advogada. Contato: 172029@upf.br
2
. Possui pós-doutoramento no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de
Rio Grande. Professora do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Direito da
Universidade de Passo Fundo PPGDireito UPF. Professora Adjunta da Faculdade de
Direito UPF. Coordenadora do Programa de Extensão universitária PROJUR
Mulher e Diversidade. Coordenadora do grupo de pesquisa Dimensões do Poder,
Gênero e Diversidade do PPGDireito. Pesquisadora do GTJUS Grupo
Transdisciplinar em Pesquisa Jurídica para a Sustentabilidade. Advogada. Contato:
jpfaria2@hotmail.com
3
Mestre em Educação pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões - URI Campus de Frederico Westphalen Professor na Universidade do
Contestado - UnC, Campus de Concórdia – SC, Integrante do grupo de pesquisas
Dimensões do Poder, Gênero e Diversidade do PPGDireito da Universidade de
Passo Fundo – UPF. Contato: vdebastiani@hotmail.com
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dade e a igualdade de gênero podem ser considerados paradigmas para a
construção de novas relações sociais?
Para responder a investigação proposta, em um primeiro momento, aborda-se a temática do poder do mercado no desenvolvimento;
na segunda parte, questiona-se a (des)igualdade de gênero; e, por fim, na
última parte, explora-se a sustentabilidade e a igualdade de gênero como
paradigmas de cuidado como impulsionadores da mudança do desenvolvimento. Entende-se que este estudo pode potencializar resistências para
a proteção ambiental na sociedade patriarcalista4, marcada pelo poder do
mercado.
2.
Onipresente, onisciente e onipotente: o poder do mercado
Com o advento da modernidade, grandes transformações operaram na sociedade, algumas positivas e outras negativas ao contexto social. Surgiram relativos avanços em determinados campos da ciência e da
tecnologia que, no entanto, não conseguiram cumprir as promessas de
trazer alentos a todas as condições sociais do homem. Em um mundo
repleto de desigualdades, falar em desenvolvimento é imprescindível. No
embalo do desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico, o
homem altera radicalmente seu padrão de convívio com os outros homens, potencializando relações de dominação e deixa de usufruir dos
bens naturais para sua sobrevivência, para explorá-la a níveis nunca vistos: antes uma relação de respeito e conciliação, agora de elemento a ser
utilizado para a satisfação humana, orientada pelo patriarcalismo.
O desenvolvimento, nessa nova postura social, assume valor e a
partir daí a iniciativa humana passou a ser recompensada com poder5. A
modernidade, caracterizada então, pela expansão da produção a qualquer
custo e pela busca pelo consumo ostensivo, trouxe devastadoras consequências ao meio ambiente, sendo que a desigualdade social, pobreza, a
4
5
Importa esclarecer, neste momento, a utilização predominante do termo
patriarcalismo em detrimento de patriarcado, se deu motivada pela percepção de que
o mesmo se forma no alicerce da desigualdade de gênero, se desenvolve e se mantém
pelas mãos da supremacia do poder econômico, onde o capital comanda e domina a
política e a cultura.
FARIA, Josiane Petry; DIAS, Renato Duro. Ecocidadania e ecofeminismo: da
necessidade de repensar as relações entre gênero, poder e sustentabilidade. In
Diversidades Étnicas e Culturais e Gênero [Recurso eletrônico on-line] organização
CONPEDI/ UASB Coordenadores: Claudia Storini; Janaína Rigo Santin. –
Florianópolis: CONPEDI, 2018.
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precariedade dos corpos, acabam sinalizando uma crise ética e política
em face de promessas não cumpridas.
Cresce dia a dia a consciência de que há uma lógica perversa e inimiga
da vida em funcionamento irrefreável: a vontade de acumular bens materiais de forma ilimitada à base de uma sistemática exploração de tudo o que é possível neste planeta6.
A dinâmica da questão social tem sua gênese voltada à dinâmica
do capital, essa desigualdade se autorreproduz e se torna necessária para
a manutenção do sistema capitalista. Essa necessidade da questão social
acompanha o desenvolvimento da sociedade capitalista. Jamais será inoportuno lembrar que na sociedade capitalista e fonte geradora e propulsora de exclusão e de inclusão, esses processos criados através do mercado
de consumo, de localização ou de globalização, do movimento e circulação de produtos não são feitos em prol da coletividade, mas sim, para
indivíduos reconhecidamente privilegiados. Nesse contexto, segundo
Martins7 ―a lógica capitalista é o mercado, é o movimento, é a circulação:
tudo tem de ser sinônimo ou equivalente de riqueza que circula, de mercadoria.‖ Essa lógica explora pessoas, classes e submete povos inteiros
aos interesses de países ricos, superexplora a Terra, produzindo escassez
de recursos naturais, sem solidariedade para o restante da humanidade e
com as gerações futuras.
A cultura ocidental está voltada ao capitalismo, ao mecanicismo
e à busca de consumismo exagerado, onde sonhar é preciso, mas o mais
importante é realizar, concretizar. Por conta disso, na sociedade moderna, o indivíduo entende que a prática da sua liberdade passa, necessariamente, pela realização dos seus desejos, assim, a fabricação do desejo se
transformou num espaço estratégico de poder. Quanto mais desejos o
indivíduo realizar, mais amplamente estará alcançando a sua liberdade.
Em geral, o modelo societário atual, enfatiza mercados competitivos
capitalistas, deixando de lado, marginalizando ou ocultando outros mercados igualmente importantes na América Latina. ―Esse é o caso dos
mercados que se baseiam na economia social e solidária, como aqueles
BOFF, Ecologia: Grito da terra, Grito dos pobres – Dignidade e direitos da Mãe Terra.
Petrópolis: Editora Vozes, 2015. p. 9.
7
MARTINS, José de Souza. Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo: Paulus,
1997. p. 30.
6
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que existem nas comunidades camponesas ou indígenas, incluindo, por
exemplo, componentes de reciprocidade e permuta‖8.
Os processos da globalização neoliberal em curso têm levado à
crescente difusão de uma lógica de mercado, para a qual a dignidade, a
segurança e mesmo a sobrevivência do ser humano deixaram de ser o
valor central. Por trás da legitimação do mercado como entidade transcendental – ―onipotente, onisciente e onipresente‖9 e com racionalidade
própria, ocultam-se interesses pessoais, de classes, de corporações, de
sociedades anônimas, de governos, que controlam a trama do mercado e
falam em seu nome. Assim, estabelece-se o padrão das relações de consumo regidas pelo mercado, baseadas na produção, consumo e descarte.
―Os sujeitos/consumidores vivem pelo que não têm, e o afeto se constrói
entre consumidores e objetos de consumo‖10.
En la base des ciclo de consumo y producción de objetos superfluos y
efímeros que está provocado la destrucción medioambiental y la alienación de los individuos que cada vez invierten más tiempo en trabajar
y comprar, impulsados por la maquinaria de la publicidad11.
Esse modelo embasado no mercado e pelo consumo, não se dá
qualquer importância aos métodos utilizados na produção, sendo apenas
importante a produção em massa, para o consumo em massa e, em nome
da racionalidade do mercado, aceitam-se como naturais as desigualdades
estruturais e inevitáveis modelos de dependência e exclusão. Toda a proteção da natureza e dos direitos das pessoas acabam sendo classificadas
como protecionismo ou ainda, como barreiras ao comércio e ao desenvolvimento. Las normas del comercio y la reforma neoliberal instauran leyes que
ilegalizan la compasión propiamente dicha12.
8
GUDYNAS, Eduardo Transições ao pós-extrativismo: Sentidos, opções e âmbitos. In:
DILGER, Gerhard; LANG, Miriam; PEREIRA FILHO, Jorge. Descolonizar o
imaginário: Debates sobre pós-extrativismo e alternativas ao desenvolvimento.
Editora Elefante: São Paulo, 2016. p. 201.
9
RUIZ, Castor. Os labirintos do poder: o poder (do) simbólico e os modos de
subjetivação. Porto Alegre: Escritos Editora, 2004. p. 192.
10
FARIA, Josiane Petry; DIVAN, Gabriel Antinolfi. Desenvolvimento e ecocidadania.
In: SOBRINHO, Liton Lanes Pilau Sobrinho; ZIBETTI, Fabíola Wüst; SILVA,
Rogerio da. Balcão do Consumidor: coletânea cidadania, mediação e conciliação.
Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2018. p. 86.
11
PULEO, Alicia H. Ecofemisnimo para otro mundo posible. Madrid: Ediciones
Cátedra Universitat de València, 2017. p. 36.
12
SHIVA, Vandana. Manifiesto para una democracia de la tierra. Justicia,
sostenibilidad y paz. Barcelona: Paidós, 2006, p. 46.
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A crise ambiental verte então da irracionalidade ecológica dos
padrões humanos de consumo: poder, produção e capital, além de um
forte ensejo desordenado por crescimento tecnológico, científico e econômico, sem qualquer previsibilidade de seus efeitos futuros. Estas inovações tecnológicas se introduzem no contexto das relações sociais entre
mulheres e homens que estão baseadas, mundialmente, na exploração e
subordinação, e, nesse marco, não atenuam mas aumentam e intensificam desigualdades13.
Isso porque, estas tecnologias não estão se desenvolvendo com o
objetivo de promover a felicidade humana, mas com o fim de superar as
dificuldades que encontram o sistema mundial atual para manter seu
modelo de crescimento continuado, de um estilo de vida baseado nos
bens materiais e na acumulação de capital. À luz de tal perspectiva, o uso
das tecnologias, por vezes, expõe a existência humana a tal ponto que o
ser humano é colocado como meio ou objeto para a consecução de determinadas práticas14. A interrupção da expansão dos mercados de bens
de consumo obriga a criar novas necessidades, que geram novas demandas e consumo.
La solución a la crisis ecológica no se puede limitarse a agregar parches
tecnológicos. Éstos no son capaces de transformar los estilos de vida
dominantes. No se trata de saber más o de desarrollar más tecnología,
sino de alcanzar una cultura medioambiental con una apreciación de
lo no humano diferente.15
Os estilos de desenvolvimento adotados na América Latina são
insustentáveis. Persiste a dependência da exportação de matérias-primas,
repetem-se sérias dificuldades para reverter a pobreza, e a deterioração
ambiental continua avançando16. Em termos geopolíticos, a opção extrativista que se busca implementar nos países andinos, responde a uma
nova divisão territorial e global do trabalho, baseada na ―apropriação
irresponsável dos recursos naturais não renováveis, o que deu lugar a
13
14
15
16
MIES, María. Liberación de las consumidoras y consumidores. In: MIES, María;
SHIVA, Vandana. La práxis del ecofeminismo: biotecnología, consumo y
reproducción. Quito: Coletivo Desde el Margen, 2018.
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional
Ambiental: Constituição, direitos fundamentais e proteção do ambiente. 4ª ed, São
Paulo: RT, 2014.
PULEO, Alicia H. Ecofemisnimo para otro mundo posible. p. 78.
GUDYNAS, Eduardo Transições ao pós-extrativismo: Sentidos, opções e âmbitos.
In: DILGER, Gerhard; LANG, Miriam; PEREIRA FILHO, Jorge. Descolonizar o
imaginário: Debates sobre pós-extrativismo e alternativas ao desenvolvimento. 2016.
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novas assimetrias econômicas, políticas e ambientais entre o Norte e o
Sul geopolíticos‖17.
Segundo Sen18 o desenvolvimento é um processo de ampliação
das liberdades humanas, ou seja, de expansão das escolhas que as pessoas
têm para terem vidas plenas e criativas. O crescimento econômico é um
simples meio nesse processo. Os benefícios do crescimento devem servir a
ampliação de no mínimo quatro capacidades humanas: ter vida longa e
saudável, ser instruído, ter acesso aos recursos necessários a um nível de
vida digno e ser capaz de participar da vida da comunidade.
O desenvolvimento, entretanto, não pode ser visto apenas pela ótica da
economia. [...]. Trata-se de um processo em que os homens interagem
com o meio ambiente no empenho de efetivarem suas potencialidades:
satisfazendo suas necessidades e renovando suas aspirações19.
Ainda há quem acredite e discurse não haver nenhuma incompatibilidade entre crescimento econômico e a conservação dos recursos e
serviços da natureza. A manutenção do modelo de crescimento industrial
leva a destruição ecológica e ao aumento da desigualdades. As novas
tecnologias devem ser exploradas por políticas públicas que visem o interesse social e, não apenas, ao interesse do mercado. A elaboração das
políticas públicas em prol da sustentabilidade20 deve ter como ambição
não só a melhor preservação dos recursos naturais, ou o aumento da
eficiência no seu uso, mas, sobretudo, tratar das questões que mantém e
perpetuam as desigualdades sociais, econômicas e de oportunidades.
3.
Outro mundo é possível através do ecofeminismo?
O mundo patriarcalista considera o homem como medida de valor e não admite a diversidade, somente a hierarquia. Não considera
intrinsecamente a diversidade da natureza, quer apenas sua exploração
comercial em busca de benefícios econômicos. O mundo atual é uma
17
18
19
20
SVAMPA, Maristella. Extrativismo neodesenvolvimentista e movimentos sociais: Um
giro ecoterritorial rumo a novas alternativas? In: Descolonizar o imaginário:
Debates sobre pós-extrativismo e alternativas ao desenvolvimento. Editora Elefante:
São Paulo, 2016. P. 142.
SEN, Amartya K.. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 1999.
CECHIN, Andrei. A natureza como limite da economia: a contribuição de Nicholas
Georgescu-Roegen. São Paulo: Editora Senac São Paulo/Edusp, 2010. p. 175
Segundo Boff o conceito se propagou de tal maneira que atualmente é tão usado,
abusado e romantizado que transformou-se em modismo, sem que o seu conteúdo
seja esclarecido ou criticamente definido. BOFF, Leonardo Ecologia: Grito da terra,
Grito dos pobres – Dignidade e direitos da Mãe Terra.
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realidade marcada pelo culto ao consumo, onde as relações de afeto deram espaço para as relações de consumo regidas pelo mercado, que mantém mecanismos conservadores, os quais legitimam a dominação/submissão, bem como a inevitável exclusão.
Nesse contexto, pesquisar sustentabilidade com uma visão sensível ao gênero vai além de analisar as relações comuns entre natureza e
sociedade ou as possibilidades de uma transformação para o desenvolvimento sustentável. Sua contribuição consiste em oferecer descrições do
problema e suas prováveis soluções de uma maneira muito mais complexa21.
É importante observar a relação estrutural entre a posição subordinada das mulheres e a exclusão da economia reprodutiva dentro dos
conceitos de valor econômico; as soluções oferecidas em relação à sustentabilidade (que de acordo com as definições sociais são baseadas em diferenças sexuais) e as opções de ação e problemas sócio-ecológicos que
explicam que os conceitos conservadores sobre sustentabilidade seguem
apenas a lógica do mercado e é por isso que eles são limitados.
Para Shiva22 “La marginación de las mujeres y la destrucción de la biodiversidad son procesos que an unidos, La pérdida de la diversidad es le precio del
modelo patriarcal de progresso”. Isso porque a visão patriarcalista não alça
olhares além da dominação-exploração, mulheres dominadas por homens e exploradas pelo capitalismo. As/os ecofeministas veem a dominação patriarcal de mulheres por homens como o protótipo de todas as
formas de dominação e exploração: hierárquica, militarista, capitalista e
industrialista. Mostram que a exploração da natureza, em particular, tem
marchado de mãos dadas com a das mulheres, que tem sido identificadas
com a natureza através dos séculos, ―ecofeminismo sugere una unión o,
al menos, una serie de puntos de contacto entre la temátia y los intereses
del feminismo y los de la ecología23.
21
GONZÁLEZ, Estela Casados. Sustentabilidad sensible al género: acciones y
reflexiones campesinas en torno al medio ambiente de la cuenta del río Paxquiac. In:
REHAAG, Irmgard. Sustentabilidad sensible al género: una herramienta analítica
para el trabajo empírico. Quito: Abya-Yala, 2015.
22
SHIVA, Vandana. El saber propio de las mujeres y la conservación de la biodiversidad.
In: MIES, María; SHIVA, Vandana. La práxis del ecofeminismo: biotecnología,
consumo y reproducción. Quito: Coletivo Desde el Margen, 2018. p. 13.
23
PULEO, Alicia H. Ecofemisnimo para otro mundo posible. p. 32.
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Las mujeres [...] trabajan junto con los hombres en cuestiones como la ecología y
el desarme. Pero debemos también imponer el problema de la opresión de las
mujeres por os hombres como asunto fundamental, pues nuestra experiencia no
dice que los hombres no toman la opresión de la mujer tan en serio como otras
causas. Hay una relación clara y profunda entre militarismo, degradación ambiental y sexismo. Cualquier compromiso con la justicia social y la no violencia
que no señale las estructuras de dominación masculina sobre la mujer será in24
completo .
As estruturas patriarcalistas de poder das sociedades ocidentais
não permitem uma participação equitativa entre os gêneros nas estratégias para um mundo sustentável. A maior influência que o ecofeminismo
pode exercer sobre as lutas sociais é o desestruturação do poder fundado
no inconsciente que possui bases ―machistas‖ de dominação.
A mudança social deve ir ao encontro de um processo de transformação quantitativa e qualitativa nas relações entre gerações, que fomenta o desenvolvimento humano graças ao estabelecimento de relações
iguais que visam uma melhor qualidade de vida25. Isso implica mudanças
profundas nos conteúdos de gênero, que são inerentemente complexos
porque se refere a conteúdos culturais construídos através da história da
humanidade que são recriados no tempo, permanecendo no imaginário
coletivo26. Isso porque, o patriarcado não surgiu ou não é um fator das
sociedades modernas, ele está presente, segundo Gallardo desde que existen
organizaciones sociales humanas con principios de dominación27.
As intersecções entre sustentabilidade e gênero se dão com a desconstrução das relações de gênero tradicionais – binárias e heteropatriarcalistas – com a finalidade de abandonar as práticas fomentadas pelo
sistema sexo/gênero que inferioriza pessoas a partir de seu gênero e suas
preferências sexuais.
A busca por relações de poder horizontais, “no um poder sobre los
otros, sino un poder con los otros, um poder compartido”28, que se condensam
em relações sociais de fomento à igualdade e ao respeito, com a finalida24
PETRA, Kelly. Por un futuro alternativo. Tradução Agustín López Maria Tabuyo.
Barcelona: Paidós, 1997. p. 29.
25
GONZÁLEZ, Estela Casados. Sustentabilidad sensible al género: acciones y
reflexiones campesinas en torno al medio ambiente de la cuenta del río Paxquiac.
26
REHAAG, Irmgard. Sustentabilidad sensible al género aplicada a la nocíon del trabajo.
In: REHAAG, Irmgard. Sustentabilidad sensible al género: una herramienta
analítica para el trabajo empírico. Quito: Abya-Yala, 2015.
27
GALLARDO, Helio. El feminismo de la diferencia. 2010. Disponível em
https://heliogallardoamericalatina.info/index.php?option=com_content&view=article&id=173&catid=11
&Itemid=106. Acesso em 18 set 2019.
28
PETRA, Kelly. Por un futuro alternativo. p.29.
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de de incrementar a qualidade de vida das pessoas, através da explicação
de discriminações e inequidades, esforçando-se para encontrar mecanismos que permitam a existência de relações respeitosas, equitativas e democráticas entre os diferentes tipos de pessoas.
Para isso, os princípios que regem o desenvolvimento ambiental
e socialmente sustentável devem pautar e vincular as políticas públicas e
privadas no seu trânsito pela órbita econômica, objetivando um modelo
de desenvolvimento econômico e humano de resgate do ser (qualitativo)
em detrimento de um modelo predatório do ter (quantitativo). Isso porque, os modelos de desenvolvimento ainda são medidos por critérios
econômicos e os discursos são fortemente favoráveis as monoculturas, a
uniformidade e da homogeneidade, sob a falsa ideia de que os sistemas
de produção baseados na diversidade, são pouco produtivos. Assim, não
se trata de impor limites ao desenvolvimento, mas de mudar o tipo de
desenvolvimento. Na prática, a sociedade deve se mostrar capaz de assumir novos hábitos e de projetar um tipo de desenvolvimento que cultive
o cuidado com o equilíbrio ecológico, possibilitando a inserção da sociedade civil em uma nova posição estratégica de poder.
É necessário converter desenvolvimento econômico num meio
para servir ao desenvolvimento humano, para que este se torne possível e
sustentável, a distinção de desenvolvimento de crescimento e a tomada
de poder sobre a definição das nossas próprias necessidades e desejos,
possibilitará o retorno de uma relação harmônica entre as pessoas e entre
elas e a natureza29.
Com a construção de novas relações sociais, com o restabelecimento da harmonia com a Natureza, reciprocidade, relacionalidade,
complementariedade e solidariedade entre indivíduos e comunidades,
com sua oposição ao conceito de acumulação perpétua e com seu regresso a valores de uso, o Bem Viver, ideia em construção livre de preconceitos, abre as portas para a formulação de visões alternativas de vida, onde
a sustentabilidade e a igualdade de gênero caminham juntos, pela natureza, pela vida.
29
ARRUDA, Marcos; BOFF, Leonardo. Globalização: desafios socioeconômicos, éticos
e educativos – Uma visão a partir do Sul. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.
310
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3.
Considerações Finais
A pesquisa partiu do questionamento se diante da supremacia do
poder do mercado, a ressignificação da relação entre igualdade de gênero
e sustentabilidade sob o fundamento do cuidado, podem servir de base
para construção de um novo mundo baseado no reequilíbrio das relações
de poder, para superar a crise socioambiental e construir políticas públicas para a sustentabilidade.
Discutiu-se modelo de desenvolvimento preponderante, alicerçado em êxito econômico e lucratividade em desprestígio da dimensão
humana. Observou-se que a sociedade de cultura patriarcal, não coloca a
igualdade de gênero e o ambiente como pressupostos de existência e validade de políticas para o desenvolvimento. Aliás, pode-se concluir que as
demandas ambientais e das minorias políticas, incluindo as de gênero são
entendidas como entraves ou obstáculos ao poder dominante.
A sustentabilidade e a igualdade de gênero são propulsores de
mudança radical no paradigma do desenvolvimento, alicerçado na primazia do poder econômico de dominação patriarcal, capazes de inserir a
sociedade civil em posição estratégica, deslocando o centro de poder do
mercado para espaço público democrático.
Referências
ARRUDA, Marcos; BOFF, Leonardo. Globalização: desafios
socioeconômicos, éticos e educativos – Uma visão a partir do Sul.
Petrópolis: Editora Vozes, 2000.
BOFF, Leonardo. Ecologia: Grito da terra, Grito dos pobres – Dignidade
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O ACORDO DE ESCAZÚ E
A JUSTIÇA AMBIENTAL
Janyara Inês de Gasperi 1
Silvana Terezinha Winckler 2
1.
Introdução
O objetivo do movimento de Justiça Ambiental é erradicar as
iniquidades de acesso aos bens ambientais e de distribuição da qualidade
do meio ambiente.
Um dos desafios para proteção e efetivação dos direitos ambientais, sobretudo na esfera internacional, reside na escassez de instrumentos
de concretização. Há três instrumentos aos quais se atribui natureza de
Direito Ambiental: os direitos de informação, participação e acesso à
justiça em questões ambientais.
Os direitos de informação, participação e acesso à Justiça em
questões ambientais são objeto de um pacto internacional regional entre
os países da América Latina e do Caribe (CEPAL), o Acordo de Escazú,
o qual foi aberto a ratificações em 27 de setembro de 2018.
Nessa linha, o presente estudo visa analisar o Acordo de Escazú
e sua contribuição para o fortalecimento da Justiça Ambiental. Para tanto, no primeiro momento, faremos uma breve exposição sobre a Justiça
Ambiental. Na sequência, abordaremos a importância da paridade de
participação, sob a perspectiva de Nancy Fraser, para realização da Justiça Ambiental. Por fim, analisaremos os principais traços do Acordo de
Escazú e sua contribuição para a Justiça Ambiental.
1
2
Especialista em Direito Processual Civil. UNIDAVI. Mestranda em Direito pela
UNOCHAPECÓ. Bolsista CAPES. Grupo de pesquisa Direito, Democracia e
Participação Cidadã. Contato: janyara@unochapeco.edu.br
Doutora em Direito pela Universidade de Barcelona (ES), 1999. Professora da
Universidade Comunitária da Região de Chapecó-Unochapecó. Professora nos
Programas de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (Mestrado Acadêmico) da
Unochapecó e Direito (Mestrado Acadêmico). Grupo de Pesquisa Grupo de pesquisa
Direito, Democracia e Participação Cidadã. Contato: silvanaw@unochapeco.edu.br
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2.
A Justiça Ambiental
O berço do movimento de Justiça Ambiental é os Estados Unidos, onde despontou sob o discurso de combate ao racismo étnico, bandeira levantada por movimentos de luta por direitos civis, não direitos
ambientais. O que desencadeou o movimento de Justiça Ambiental foi a
percepção de que regiões habitadas por afro-americanos, latinos e indígenas eram utilizadas para depósito de resíduos tóxicos industriais (ALIER,
2012).
Não foi preciso muito esforço para se constatar também a desigualdade existente entre as localidades onde viviam ricos e pobres, o que
desencadeou a luta pelo ambiente limpo e saudável a todos, inclusive de
trabalho e moradia, e pela proteção ambiental justa e equânime (DAMASCENO; SANTANA JÚNIOR, 2011).
A noção de justiça ambiental baseia-se em dois fatores complementares, aparentemente excludentes: reconhecimento e redistribuição
(FRASER, 2001). O reconhecimento se refere à afirmação dos direitos
ambientais das classes marginalizadas (que corresponde a chamar atenção ao grupo), como medida de compensação das injustiças culturais.
A redistribuição, por seu turno, objetiva abolir os privilégios
econômicos que embasam a especialização de um grupo vítima de injustiça econômica.
Diz-se aparentemente excludentes porque o reconhecimento tem
por objetivo o tratamento diferenciado, ao passo que a redistribuição visa
neutralizar
esse
tratamento
especial
(dilema
redistribuiçãoreconhecimento). E há só uma aparência de contradição porque uma
coletividade bivalente (marcada por injustiças culturais e econômicas)
necessita tanto do reconhecimento da sua especialidade quanto da redistribuição dos fatores econômicos tendentes a neutralizar as iniquidades
(FRASER, 2001).
A neutralização das iniquidades sofridas pelas coletividades bivalentes, as quais necessitam de reconhecimento e redistribuição, é alcançada através da adoção de remédios econômico-políticos que dissolvam a
diferenciação racial, enquanto buscam também remédios culturais que
valorizem a especialidade de coletividades desprezadas, que podem ser
afirmativos e transformativos (FRASER, 2001).
Nessa perspectiva bivalente, a justiça social é encarada como
uma questão de distribuição justa e de reconhecimento recíproco, realizada a partir do princípio de paridade de participação.
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3. A importância da paridade de participação na realização da
Justiça Ambiental
O princípio de paridade de participação pressupõe a garantia de
voz efetiva às comunidades bivalentes, que necessitam de reconhecimento e redistribuição:
[...] uma distribuição de recursos materiais que garanta a independência e 'voz' dos participantes‖ e que ―os padrões institucionalizados de
valor cultural exprimam igual respeito por todos os participantes e garantam iguais oportunidades para alcançar a consideração social
(FRASER, 2001).
O direito à participação efetiva das decisões em questões ambientais é o que viabiliza a realização da justiça ambiental, cujo foco é erradicar as iniquidades de acesso e distribuição da qualidade do meio ambiente, que deve ser igual a todos.
É através da paridade de participação que se pretende promover
a inclusão das comunidades que são vítimas de injustiça ambiental na
vida social e, portanto, nas decisões sobre questões que envolvam o ambiente, desconstituindo três formas de obstáculos: os econômicos, os de
hierarquia institucionalizada de valor cultural e os decorrentes de regras
estabelecidas (FRASER, 2008).
Obstáculos econômicos correspondem à injustiça distributiva ou
a má distribuição de renda. Obstáculos de hierarquia institucionalizada
de valor cultural são as desigualdades de posição social e, portanto, desigualdades de status ou mal reconhecimento. Por fim, obstáculos decorrentes de regras estabelecidas dizem respeito à desigualdade em deliberações
públicas e na tomada de decisões democráticas, que causam injustiça
política ou má representação (FRASER, 2008).
Todas essas formas de injustiça – má distribuição, mal reconhecimento e má representação – trazem um resultado comum: ―[...] em
cada caso, alguns atores sociais são impedidos de participar de forma
igual com outros em interações sociais, em violação a um princípio único: o princípio de paridade participativa‖ (FRASER, 2008).
As comunidades bivalentes, que resultam da sonegação do direito à paridade de participação, são as vítimas do desenvolvimento
(RENCK; WINCKLER, 2019).
Portanto, a realização da justiça ambiental impõe o fortalecimento da paridade participativa, que é considerada internacionalmente como
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um instrumento de direito humano ambiental (BOYLE, 2006; SHELTON, 2005).
3.
O Acordo de Escazú
O movimento de Justiça Ambiental pressupõe o direito à paridade de participação, sem o que não é possível alcançar a igualdade material de acesso aos bens ambientais e de qualidade do meio ambiente.
No direito internacional, a paridade de participação, que resulta
do exercício dos direitos de informação, participação e acesso à justiça
em questões ambientais, continua em evidência.
Os países que integram a Comissão Econômica para América
Latina e Caribe (CEPAL) adotaram, no âmbito regional, em Escazú,
Costa Rica, em 4 de março de 2018, o Acordo Regional sobre Acesso à
Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais.
O acordo foi firmado por 17 países da América Latina,3 mas ratificado até o momento apenas pela Guiana. O Brasil subscreveu o Acordo
de Escazú, mas ainda não o internalizou. Para entrar em vigor no plano
internacional, o Acordo necessita de mais dez ratificações (a abertura a
ratificações ocorreu em 27 de setembro de 2018, na sede das Nações
Unidas, em Nova York).4
Conforme prefácio do Acordo de Escazú, ele é o primeiro pacto
realizado no âmbito da América Latina e do Caribe e o único a trazer
―[...] disposição vinculante no mundo sobre os defensores dos direitos
humanos em assuntos ambientais, numa região em que, lamentavelmente, eles enfrentam com demasiada frequência agressões e intimidações‖
(CEPAL, 2018). E é nesse ponto que ele vai além da Convenção de
Aarhus (Dinamarca, de 25 de junho de 1998), vigente entre os países da
Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa (UNECE), que
3
4
Até o momento, os 17 países signatários do Acordo de Escazú são Antígua e
Barbuda, Argentina, Bolívia Brasil, Costa Rica, Equador, Guatemala, Guiana, Haiti,
México, Panamá, Paraguai, Perú, República Dominicana, São Vicente e Granadinas,
Santa Lúcia e Uruguai.
O início da vigência está condicionado, no plano internacional, a 11 ratificações. A
consulta às ratificações do Acordo de Escazú estão disponíveis para consulta pública
no seguinte endereço: <https://observatoriop10.cepal.org/es/tratados/acuerdoregional-acceso-la-informacion-la-participacion-publica-acceso-la-justicia-asuntos>.
Acesso em 29/08/2019.
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também aborda o direito humano à informação, participação e acesso à
justiça em questões ambientais.
Segundo Shelton (2005), a Convenção de Aarhus é o primeiro
tratado ambiental a incorporar e fortalecer a linguagem do princípio 1 da
Declaração de Estocolmo de 1972, fruto da Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada na Suécia, no qual
reconheceu-se formalmente o direito fundamental a um meio ambiente
de qualidade (ONU, 1972).
Desde Estocolmo, as maiores conquistas na construção de um
direito fundamental ao meio ambiente de qualidade, ocorreram no âmbito regional (BOYLE, 2006; SHELTON, 2005).
O Acordo de Escazú confirma essa tendência de que as conquistas do direito fundamental ao meio ambiente ocorrem no âmbito regional.
Além de prever o acesso às informações ambientais (art. 5.º), o
Acordo de Escazú reconhece o direito de participação pública nos processos de tomada de decisões ambientais (art. 7.º) e acesso à justiça em
questões ambientais (art. 8.º), importantes medidas à realização da igualdade material, que depende da paridade de participação das comunidades
envolvidas para assegurar o reconhecimento e a redistribuição de direitos.
A participação engloba a faculdade de impugnação, em processos administrativos ou judiciais, de qualquer decisão, ação ou omissão
relacionada à participação pública em processos de tomada de decisões
ambientais5.
A iniciativa dos países da América Latina e do Caribe, no âmbito
da CEPAL, demonstra a intenção de ampliação das vias judiciais para
questões ambientais, reforçando a possibilidade de adoção de remédios
afirmativos para redistribuição dos fatores econômicos tendentes a neu-
5
Artigo 7. Participação pública nos processos de tomada de decisões ambientais. 1.
Cada Parte garantirá o direito de acesso à justiça em questões ambientais de acordo
com as garantias do devido processo. 2. Cada Parte assegurará, no âmbito de sua
legislação nacional, o acesso a instâncias judiciais e administrativas para impugnar e
recorrer, quanto ao mérito e procedimento: a) qualquer decisão, ação ou omissão
relacionada com o acesso à informação ambiental; b) qualquer decisão, ação ou
omissão relacionada com a participação pública em processos de tomada de decisões
ambientais; e c) qualquer outra decisão, ação ou omissão que afete ou possa afetar de
maneira adversa o meio ambiente ou infringir normas jurídicas relacionadas ao meio
ambiente.
(https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/43611/S1800493_pt.pdf)
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tralizar as iniquidades suportadas pelas vítimas do desenvolvimento, em
prol da realização da Justiça Ambiental.
Na Europa, o direito à informação, participação pública e acesso
à justiça em assuntos ambientais é objeto da Convenção de Aarhus de
1998. Mas as informações ambientais, na comunidade Europeia, não são
acessíveis a qualquer pessoa, senão àquelas que possam ser afetadas por
determinadas atividades ou riscos ambientais (SHELTON, 2005).
Embora o Brasil ainda não tenha ratificado o Acordo de Escazú,
que traz disposições semelhantes às da Convenção de Aarhus, este acordo representa um avanço regional na ampliação da participação pública
em questões ambientais, permitindo o reconhecimento e a participação
das comunidades afetadas por empreendimentos que causem riscos ambientais.
O Acordo prevê expressamente que os direitos de ser informado,
participar dos processos decisórios e acessar a justiça em questões ambientais são direitos humanos ambientais, estabelecendo o compromisso
dos Estados signatários em prevenir, investigar e punir ataques, ameaças
ou intimidações a defensores dos direitos humanos em questões ambientais (art. 9º).
Em conformidade com o art. 5º, item 2, do Acordo de Escazú, o
direito à informação inclui: i) a solicitação e o recebimento da informação pretendida, sem necessidade de interesse ou motivo especial; ii) ser
informado sobre a autoridade detentora da informação; iii) ser informado
do direito de impugnar ou recorrer se a informação não for fornecida e
dos requisitos ao exercício desses direitos (CEPAL, 2018).
O direito à participação pública nos processos de tomada de decisões ambientais, por seu turno, está previsto no art. 7º, item 7, do Acordo, e corresponde à ―[...] oportunidade de apresentar observações por
meios apropriados e disponíveis, conforme as circunstâncias do processo‖
e de ter o resultado da participação considerado pelas autoridades públicas na tomada de decisões (CEPAL, 2018).
O direito de acesso à justiça em questões ambientais, previsto no
art. 8º do Acordo de Escazú, inclui instâncias judiciais e administrativas
para impugnação e recurso, órgãos e procedimentos adequados à pretensão e mecanismos de execução das decisões e de reparação.
O Acordo de Escazú também destaca o objetivo de facilitar o
acesso de pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade à informação
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ambiental, alinhando-se aos ideais da Justiça Ambiental e de concretização de direitos fundamentais (art. 5º, 3).
4.
Considerações Finais
No anseio de ampliar a efetividade dos direitos ambientais como
bem autônomo, os países integrantes da Comissão Econômica para o
Desenvolvimento dos Países da América Latina e do Caribe (CEPAL),
firmaram, em 4 de março de 2018, em Escazú, Costa Rica, um acordo
internacional regional sobre acesso à informação, participação pública e
acesso à justiça em assuntos ambientais, que ainda não está vigente, mas
do qual o Brasil foi subscritor.
Embora esteja aberto a confirmações desde 27 de setembro de
2018, a Organização das Nações Unidas designou uma cerimônia de
ratificação do Acordo de Escazú, a ser realizada em 26 de setembro de
2019, durante a 74ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque.
As garantias previstas no Acordo de Escazú, que permitem o fortalecimento dos direitos de informação, participação e acesso à justiça em
questões ambientais, anunciam a evolução do direito internacional ambiental rumo à concretização dos ditames de justiça ambiental.
Espera-se que o Acordo de Escazú obtenha as ratificações necessárias para iniciar sua vigência na ordem interna e que o Brasil embarque
na tendência internacional de fortalecimento das garantias de direito
internacional ambiental, ratificando o pacto e propiciando a paridade de
participação das comunidades afetadas por decisões em matéria ambiental, sem o que não é possível materializar o ideal de um ambiente equilibrado e nem a realização da justiça ambiental.
O cenário nacional, no entanto, não sinaliza que tal acordo possa
interessar ao atual governo brasileiro, notadamente ao poder executivo,
que vem manifestando opiniões contrárias às políticas protecionistas ao
meio ambiente e às populações vulneráveis. Observa-se uma crescente
deslegitimação (para não dizer criminalização) dos movimentos sociais
nas falas do presidente da república e de seus ministros, dentre os quais o
ministro do meio ambiente (NEXO, 2019; FORUM, 2019).
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5.
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Círculo de Diálogos 6
Saúde, segurança alimentar,
agroecologia e socioambientalismo
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AGRAVOS À SAÚDE NA POPULAÇÃO DO
MUNICÍPIO DE IMPLANTAÇÃO DA USINA
HIDRELÉTRICA FOZ DO CHAPECÓ
Letícia Bez 1
Tainá Gabriela Bedin Slevinski2
Simone Cristine dos Santos Nothaft3
Maria Assunta Busato4
1.
Introdução
Projetos de desenvolvimento de grande escala como usinas hidrelétricas são exemplos de empreendimentos que trazem influxo repentino
de pessoas e capital. Representam um fato de grande magnitude que afeta
a longo e curto prazo os caminhos de uma região, cujas profundidade e
especificidade ainda não são muito bem entendidas (GRISOTTI, 2016).
De acordo com Magalhães (2007), a construção de Usinas Hidrelétricas (UHE), implica em grandes transformações socioambientais.
Áreas são atingidas pela formação de reservatórios, instalação dos canteiros de obras e construção de estradas. Os moradores de regiões ocupadas
por esses empreendimentos enfrentam o ―deslocamento compulsório‖
que priva as populações do acesso aos recursos naturais e afeta o seu
modo de vida.
A partir do projeto, até a fase de implantação, ocorrem muitos
ajustes que são influenciados por pressões políticas e interesses locais e
nacionais - e pode levar muitos anos. Pode haver também, impactos durante os vários anos de duração da construção, bem como contínuas con1
Estudante de Medicina. Universidade Comunitária da Região de Chapecó Unochapecó. leticiabez@unochapeco.edu.br.
2
Estudante de Medicina. Universidade Comunitária da Região de Chapecó Unochapecó. taina.gbs@unochapeco.edu.br
3
Aluna do Doutorado pelo Programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde da
Universidade Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ),
nothaft@unochapeco.edu.br.
4
Docente do curso de Medicina. Universidade Comunitária da Região de Chapecó Unochapecó. assunta@unochapeco.edu.br.
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sequências ao meio ambiente, às condições de vida da população no
sentido geral e na sua saúde em particular, por décadas, após o término
da construção (GRISOTTI, 2016). Nessa mesma direção, Queiroz e Motta-Veiga (2012) reiteram que, associado aos impactos ambientais, estão
também as alterações sociais que implicam na saúde individual e coletiva, os quais podem ser agravos à saúde ou mesmo os gastos econômicos
decorrentes dos custos das doenças geradas pelos efeitos negativos dos
impactos.
Além dos fatores ambientais, há também a migração, cujo processo tem uma função importante na estruturação das sociedades e nas
mudanças demográficas, no qual há mobilidade de um lugar para outro,
por um período de tempo pequeno, longo ou permanente com implicações na saúde pública por aumentar o risco de disseminação de doenças
infecciosas. A probabilidade de disseminação de doenças infecciosas
pelos migrantes às comunidades receptoras (e vice-versa), é desconhecida
pela falta de um protocolo, que possa estabelecer parâmetros comparativos entre o antes, durante e depois ao identificar as características epidemiológicas e clínicas dessa população (WHO, 2000).
Aliados à negligência quanto aos impactos à saúde nos projetos
de desenvolvimento, a falta de avaliação e monitoramento posterior da
implantação de grandes projetos hidrelétricos e a falta de estudos preliminares consistentes estão na base das dificuldades da realização de relações de causalidade em saúde e epidemiologia da população (GRISOTTI, 2016).
Com isso, entende-se que a interface entre o desenvolvimento
econômico, a saúde e o meio ambiente é um tema de destaque permanente no debate contemporâneo que permeia a questão das hidrelétricas e seu
impacto nas mudanças impostas pelas construções, perpassando os modos de trabalho e de vida das populações que vivem no território que será
atingido (GIONGO; MENDES; SANTOS, 2015). A partir desse cenário
este tem como objetivo analisar os agravos à saúde no município da implantação da Usina Hidrelétrica Foz do Chapecó.
2 Desenvolvimento teórico
O estudo é do tipo quantitativo com desenho ecológico. A investigação quantitativa atua em categorias de realidade e tem como meta
trazer à luz dados, tendências e indicadores observáveis (MINAYO,
2013). Estudos ecológicos são assim designados pois têm a base de análi-
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se representada por grupos e não pelo indivíduo. (ROUQUAYROL,
2009).
A área de abrangência é o município sede onde está localizada a
UHE Foz do Chapecó, Águas de Chapecó/SC, localizado no oeste de
Santa Catarina (27° 4' 23'' Sul; 52° 59' 25'' Oeste) com população de 6.110
habitantes (IBGE, 2019).
A coleta de dados teve como base a Matriz de Saúde Ambiental
que ―é composta pelas dimensões de Política de Saúde, Política Ambiental, Política Socioeconômica e Doenças Ambientais‖ (CUNHA, 2014, p.
58), com adaptações elaboradas para este estudo.
A Matriz de Saúde Ambiental engloba perguntas-chave, e essas
por sua vez têm em sua composição os indicadores. Cada indicador é
composto dos descritores, e são esses descritores que são valorados para
gerar a classificação do impacto à saúde (Quadro 1). Nesse sentido, Cunha (2014) atribui à cada dimensão uma valoração que corresponde a
percentagens distintas, sendo que a soma de cada uma delas gera 100%
da matriz.
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Quadro 1 – Valoração dos indicadores socioambientais e de saúde do município
sede da hidrelétrica Foz do Chapecó com base na matriz de saúde ambiental
Dimensão
Perguntas
Chaves
Participação
no SUS
Política de
Saúde: 14,3%
Serviço de
informações
de saúde
Indicadores
Descritor
Vigilância Sanitária (nota 1;10)
Vigilância Epidemiológica (nota 1;10)
Intersetorialidade
Vigilância Ambiental (nota 1;10)
Saúde do Trabalhador (nota 1;10)
Laboratório de Referência (nota 1;10)
Cobertura da Vigilância Sanitária
Cobertura dos serviços de
Vigilância em Saúde de acordo Cobertura da Vigilância Epidemiológica
Cobertura da Vigilância Ambiental
com os procedimentos do SUS
(ou da % de cobertura de
Cobertura de Saúde do Trabalhador
atendimento da demanda)
Cobertura do Laboratório de Referência
não informatizado: nota 10
informatizado: nota 5
Informatizado
informatizado por bairros/distritos: nota
1
não possui órgão ambiental (nota 10)
possui órgão ambiental (nota 5)
Intersetorialidade
Integrante da
possui órgão ambiental e conselho do
Política
Política Ambienmeio ambiente (nota 1)
Nacional do
tal:
Em
≤
50%
dos empreendimentos (nota
Meio
2,6%
10)
ambiente Licenciamento e outros serviços
51% e ≤ 0,76 (nota 5)
de controle ambiental
De 76 e até 100% dos empreendimentos
(nota 1)
IDH ≤ 0,50 (nota 10)
Índice de Desenvolvimento
IDH de 0,51 e ≤ 0,75 (nota 5)
Humano
Qualidade de
IDH ≥ 0,76 (nota 1)
Política Socioevida da
conômica: 2,6%
CMI < 10 (nota 1)
população
Coeficiente de Mortalidade
CMI entre 10 e 20 (nota 5)
Infantil
CMI > 20 (nota 10)
- Doenças Infecto Parasitárias /
Doença existente
DIP (nota 1,5 ou 10)
Doença não existente mas com poten- Cardiorrespiratórias (nota 1,5
cial de ocorrência
ou 10)
- Doenças Infectocontagiosas
(nota 1,5 ou 10)
- Câncer (nota 1,5 ou 10)
- Acidentes de Trabalho (nota 1,5
As doenças ou 10)
As doenças
relacionadas - Infecções Sexualmente Transambientais:
com o
missíveis (nota 1,5 ou 10)
80,50%
ambiente - Doenças Psicossociais e
Doença não existente
Neuropsiquiátricas (nota 1,5 ou
10)
- Violência (nota 1,5 ou 10)
- Doenças Associadas ao Stress
(nota 1,5 ou 10)
- Acidentes de Trânsito (nota 1,5
ou 10)
Fonte: Elaborado pelas autoras, adaptado de Cunha (2014)
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A valoração da pontuação correspondente à classificação do impacto à saúde é dada de acordo com os indicadores que irão situar as
condições de saúde ambiental do município sede da UHE, e com a utilização de uma escala variando entre os pesos numéricos de 1, 5 e 10.
A atribuição do peso 10 considera a condição mais desfavorável
à saúde humana, ou seja, deficiências nos indicadores de cada dimensão
que compões a Matriz de Saúde Ambiental. Na dimensão de política de
saúde, a valoração máxima corresponde a fatores como a ausência e falta
de cobertura de serviços de vigilância em saúde, bem como serviços de
informações em saúde precários. Na política socioeconômica a condição
desfavorável está no baixo nível socioeconômico como a TMI e o IDH
que são fatores que favorecem a ocorrência de doenças. Já na política
ambiental, a ausência e falta de cobertura de órgãos ou serviços ambientais é considerado outro fator causal para o surgimento e manutenção de
doenças. Com relação à dimensão das doenças ambientais, a pontuação
maior indica um maior impacto à saúde humana, sempre relacionando os
demais fatores. Por outro lado, o peso 1 é considerada a condição mais
favorável para a saúde humana, e o peso 5 é a condição intermediária de
acordo com os fatores multicausais descritos anteriormente relacionados
à condição mais desfavorável (CUNHA, 2014).
Os dados coletados corresponderam ao período de cinco anos
anteriores à instalação do canteiro de obras da UHE – 2001 a 2005, o
intervalo de tempo em anos correspondente ao período de construção do
empreendimento – 2006 a 2010, e cinco anos posteriores ao início de
geração de energia – 2011 a 2015.
Os dados foram coletados nas fontes relacionadas no Quadro 2,
de acordo com as dimensões que compõem a Matriz de Saúde Ambiental
(CUNHA, 2014) e as doenças ambientais elencadas para este estudo.
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Quadro 2 – Fonte de busca e dados relacionados às dimensões
da Matriz de Saúde Ambiental
Dimensões
Política de Saúde
- Vigilâncias, saúde do trabalhador
e laboratório de referência.
Política Ambiental
- Órgãos Ambientais.
Política socioeconômica
- Índice e coeficiente de mortalidade infantil.
As doenças ambientais
Infecto parasitárias
Cardiorrespiratórias
Infectocontagiosas
Câncer
Psicossociais e neuropsiquiátricas
Violência
Doenças associadas ao stress
Acidentes de trânsito
Fontes de pesquisa
Plano Municipal de Saúde (PMS) de
Águas de Chapecó, por meio de pesquisa
online.
Política Nacional do Meio Ambiente
(PNM), por meio de pesquisa online.
Site do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
Tabnet/Datasus
Fonte: Elaborado pelas autoras, adaptado de Cunha (2014)
A análise e interpretação dos dados correspondentes aos serviços
de vigilância em saúde e indicadores socioeconômicos foi feita de acordo
com a Matriz de Saúde Ambiental (CUNHA, 2014). na qual os componentes recebem uma gradação (avaliação) que é multiplicada pelo peso
em valor relativo, atribuído ao item. Para o autor, de acordo com a pontuação total obtida na matriz, a magnitude do impacto de um empreendimento é classificada em:
Sem impacto à saúde: < até 129 pontos
Com reduzido impacto à saúde: entre 129 e 206,50 pontos
Com médio impacto à saúde: ≥ entre 206,50 e 310 pontos
Com grave impacto à saúde: ≥ entre 310 e 425 pontos
Com severo impacto à saúde: ≥ 425 pontos ou mais
Por ser um estudo que utilizou dados secundários de fontes de
domínio público, não houve necessidade da aprovação do Comitê de
Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos.
Durante o período de estudo foram realizados 152.599 atendimentos clínicos ambulatoriais, sendo 28.678 no período anterior à cons-
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trução, 64.356 durante a obra e 59.565 após o término da implantação da
Usina. O registro dos atendimentos da população do município de Águas
de Chapecó, estão representados na Tabela 1.
Tabela 1: atendimentos clínicos ambulatoriais da população registrados no
período de 2001 a 2015 em Águas de Chapecó/SC (N=152.599).
Atendimentos clínicoambulatoriais
Consultas fora da área
de abrangência/idade
<1
1-4
5-9
10-14
15-19
20-39
40-49
50-59
60 e mais
Atendimento especializado específico acidente
de trabalho
Visita domiciliar de
médico
TOTAL
2001- 2005
2006-2010
2011-2015
n
%
n
%
n
%
389
671
1.085
1.238
1.710
2.534
5.486
5.243
4.700
4.395
1,35
2,33
3,78
4,31
5,96
8,83
19,12
18,28
16,38
15,32
1.082
2.529
3.568
3.112
3.756
5.641
12.519
10.389
10.931
9.109
1,68
3,92
5,54
4,83
5,38
8,76
19,45
16,14
16,98
14,15
460
1721
3045
2508
2390
4269
11471
8616
11063
12649
0,77
2,88
5,11
4,21
4,01
7,16
19,25
14,46
18,57
21,23
238
0,82
696
1,08
6
0,01
989
28.678
3,44
1024
64.356
1,59
1367
59.565
2,29
Fonte: Elaborado pelas autoras com dados do Tabnet/Datasus (2019).
Em relação às internações hospitalares devido a doenças que têm
como causa fatores ambientais e/ou comportamentais na população
estudada, houve o registro de 4.241 internações, sendo que o período
anterior à construção foi o que registrou maior número. Contudo, houve
um aumento de 15,7% no terceiro período, em relação ao segundo. O
registro dessas internações da população do município de Águas de Chapecó, está representado na Tabela 2.
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Tabela 2: internações hospitalares de doenças causadas por fatores ambientais
e/ou comportamentais na população no período de 2001-2015 em Águas de
Chapecó/SC (N=4.241).
Causa da internação
2001-2005
2006-2010
2011-2015
Doenças infecto parasitárias
Doenças cardiorrespiratórias
Câncer
Doenças psicossociais e
neuropsiquiátricas
Violência
Doenças associadas ao stress
Acidentes de trânsito
TOTAL
n
200
1.084
73
%
9,74
52,8
3,55
n
154
849
79
%
5,69
31,37
2,91
n
179
790
206
%
10,85
47,9
12,49
78
3,8
33
1,21
45
2,72
4
0,19
4
0,14
9
0,54
144
55
1.428
8,73
3,33
115
5,6
73
2,7
25
1,21
42
1,55
1.579
1.234
Fonte: Tabnet/Datasus (2019).
Quanto a relacionar os serviços de vigilância em saúde e indicadores socioeconômicos do município sede da UHE Foz do Chapecó,
com base na Matriz de Saúde Ambiental de Cunha (2014), a classificação
do impacto do empreendimento sobre a saúde foi considerada severa em
todas as fases correspondentes ao estudo, de acordo com o exposto na
Tabela 3. A matriz apresenta pontuações máximas e mínimas de acordo
com critérios para os indicadores de cada dimensão.
Tabela 3: classificação do impacto na saúde no município de implantação da UHE Foz
do Chapecó no período correspondente a cinco anos anteriores (2001-2005), cinco anos
do período de construção (2006-2010) e cinco anos após a construção (2011-2015).
Dimensão – período 2001-2005
Pontuação
Política de Saúde
88,4
Política Ambiental
26
Política Socioeconômica
7,8
As doenças ambientais
370,3
Total
492,50
Dimensão – período 2006-2010
Política de Saúde
76,7
Política Ambiental
26
Política Socioeconômica
7,8
As doenças ambientais
400,89
Total
511,39
Dimensão – período 2011-2015
Política de Saúde
40,3
Política Ambiental
26
Política Socioeconômica
13
As doenças ambientais
428,26
Total
507,56
Fonte: Elaborado pelas autoras com dados do Tabnet/Datasus (2019).
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Este estudo identificou impactos relacionados à saúde da população de Águas de Chapecó, município sede da UHE Foz do Chapecó,
fazendo uma análise das consultas ambulatoriais, das internações hospitalares, dos serviços de vigilância em saúde e indicadores socioeconômicos, no período de 2001 a 2015, que correspondem aos períodos de antes,
durante e após a construção do empreendimento.
A avaliação do impacto à saúde do grupo social em questão é
importante para identificar o surgimento de possíveis novos agravos ocasionados por essa transformação no ambiente, pois a implantação de uma
hidrelétrica em determinada região provoca uma reconfiguração da realidade local, afetando a população residente (ROCHA; PASE, 2015).
Foi possível observar que o maior número de atendimentos ambulatoriais, durante a implantação da UHE Foz do Chapecó, foi da população com idade entre 20 e 39 anos, representando um aumento de
128,2% (7.033 consultas), quando comparado ao período anterior à construção da usina. Esse aumento, pode estar associado à migração de trabalhadores para a obra, pois essa faixa etária representa grande parte da
força de trabalho no Brasil. Com a migração e aumento da população
flutuante do município, o sistema de saúde tende a sentir as consequências do aumento no número de atendimentos dessa faixa etária.
O mais considerável foi das consultas de menores de um ano,
com 276,9%, seguido pelos atendimentos clínicos de pacientes entre um e
quatro anos, que apresentou aumento (228,8%) e atendimentos relacionados a acidentes de trabalho (192,4%). No terceiro período, correspondente
a cinco anos após a construção, a maior porcentagem de atendimentos
clínicos ambulatoriais correspondeu a pacientes com 60 anos ou mais.
A partir deste cenário pode-se inferir que empreendimentos de
grande porte, em especial a construção de hidrelétricas, têm ocupado
local de destaque, tanto nas transformações da natureza quanto nos efeitos gerados à saúde das populações atingidas indireta ou diretamente
pelas obras (BERMANN, 2008), pois tais empreendimentos mudam não
só o cenário das populações atingidas, mas também sua organização
política e social, suas histórias, além de suas condições de trabalho, vida e
saúde (GIONGO et al., 2015).
Quanto às internações analisadas nesse estudo, todas tiveram redução do primeiro período para o segundo, com exceção dos acidentes de
trânsito, das internações por câncer que apresentaram aumento e as causadas por violência que permaneceram em mesmo número. Do período
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da construção para a pós-construção, com exceção das doenças cardiorrespiratórias, todas as causas de internação apresentaram aumento. Destacam-se as doenças associadas ao stress que tiveram um acréscimo de
97,2% do segundo para o terceiro período, o câncer com aumento de
60,7% no número de casos, e a violência, que apesar de apresentar um
número pouco significativo quando analisado na totalidade das internações, apresentou crescimento de 125% em relação ao período anterior.
Em todos os períodos analisados, a causa de internação que representava
maior porcentagem em relação ao total de internações foram as doenças
cardiorrespiratórias.
Em vista disso, destaca-se o que referem Queiroz e Motta-Veiga
(2012), que os agravos à saúde relacionados aos impactos socioambientais,
muitas vezes são determinados por mudanças bruscas no estilo de vida já
que com isso, o indivíduo se depara com momentos de frustração, medo,
podendo se ver incapaz de lidar com o problema, reduzindo a sua resiliência. Os autores consideram que, em decorrência desses agravos a frequência na procura pelos serviços de saúde aumenta e, consequentemente o
número de demanda por atendimentos e consultas médicas também, podendo ocasionar um colapso no sistema de saúde, seja pela fragilidade das
políticas públicas de saúde adotadas pelos municípios ou pela falta de resolutividade na atenção básica, bem como a carência de recursos.
No Brasil, a geração de energia elétrica é essencial para a promoção do desenvolvimento econômico. Em relação a isso não há desacordo,
entretanto, o que se discute são estratégias para conseguir reduzir o risco
à saúde da população que é afetada pelos projetos de desenvolvimento.
Entre elas destacam-se a necessidade da detalhada produção de dados
assim como estudos socioambientais antes da região ser atingida e a
promoção de uma inter-relação entre os setores definindo assim as responsabilidades de cada um, e formando estratégias para reforçar os serviços, infraestruturas e programas na área afetada pelo projeto (GRISOTTI, 2016).
As UHE em todo o mundo são responsáveis por impactos muitas
vezes permanentes às populações, sendo frequente a desestabilização de
relações sociais e culturais e também desrespeito aos direitos humanos,
que dificultam e até mesmo inviabilizam a reprodução socioeconômica
no espaço dos atingidos (GEGENSTRÖMUNG, 2011). Sob essa ótica,
destaca-se que a pontuação total obtida na matriz vem ao encontro da
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ideia do autor, pois a magnitude do impacto da UHE Foz do Chapecó é
classificada como severa.
O maior impacto ocorreu durante os anos de construção da usina, sendo que nesse período houve a migração de um grande número de
trabalhadores para o canteiro de obras situado no município sede do
empreendimento, tendo os indicadores de política de saúde, política ambiental e doenças ambientais obtido a maior pontuação.
Os impactos sociais causados por projetos de Usinas Hidrelétricas ocorrem antes, durante e após o período de construção das obras
(ROCHA; PASE, 2012) e apesar de esses empreendimentos, em geral,
desconsiderarem os danos que provocam às comunidades atingidas, há
forte evidência de que, frente às transformações da terra, todas as dimensões da saúde humana também sejam afetadas (GIONGO et al., 2015).
Por outro lado, de acordo com o empreendimento o que se têm
de positivo à população do município do estudo, são as ações mitigadoras promovidas pela empresa, como recuperação de áreas, repovoamento
de peixes do rio Uruguai, entre outros programas socioambientais (FOZ
DO CHAPECÓ ENERGIA SA, 2019).
Poucos estudos hoje conseguem definir causas concretas, sejam
elas probabilísticas ou exatas, em relação ao impacto à saúde. Essa dificuldade em encontrar uma causa específica provavelmente se deve ao
fato de não existirem muitos projetos de pesquisa e avaliação que fazem
acompanhamento longitudinal de uma região, ou seja, antes do impacto,
durante e também após a instalação da usina hidrelétrica. Especificamente em relação aos impactos à saúde, se percebe a falta de estudos que
avaliam as condições de saúde da população, parâmetros que vão além
de aspectos exclusivamente médicos, as falhas em registros de dados
oficiais da população que é atingida, a precariedade de pesquisas que
analisam condições da saúde humana e também animal antes do estudo
dos impactos (GRISOTTI, 2016).
3.
Considerações Finais
Os impactos na saúde no município da implantação da Usina
Hidrelétrica Foz do Chapecó, puderam ser identificados por meio da
quantificação dos atendimentos clínicos ambulatoriais da população do
município, identificando as internações hospitalares de doenças causadas
por fatores ambientais e/ou comportamentais na população em períodos
e relacionando-se os serviços de vigilância em saúde e indicadores socio-
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econômicos do município. A análise desses indicadores apontou uma
classificação de severo impacto à saúde da população atingida.
Essa classificação pode estar relacionada com a deficiência do
planejamento, gestão, informatização e infraestrutura dos serviços de
saúde do município. Sendo assim, essa fragilidade ocasionou a dificuldade
em identificar, investigar e tratar a ocorrência de casos de doenças e agravos à saúde neste território, o que é corroborado pelo aumento de atendimentos clínico ambulatoriais com caráter curativo e não preventivo.
Além disso, mostrou-se latente a necessidade de impulsionar a
inclusão de profissionais da saúde, em equipes de planejamento que discutam impactos à saúde de futuros empreendimentos desta natureza.
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COZINHAR, PARTILHAR E RESISTIR:
CAMPONESAS (ES) DO MOVIMENTO DOS
TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA E A
CONSTRUÇÃO DA AGROECOLOGIA
Angélica Servegnini de Wallau1
Brendo Henrique da Silva Costa2
Josiane Carine Wedig3
1
Introdução
Feijão, arroz, frango em molho, batata-doce, repolho, polenta,
almeirão, alface, mandioca, carne de panela, macarronada e galinhada.
Tudo temperado com muito alho e banha de porco, tudo produzido ‗logo
ali no terreno‘ – próprio, comunitário ou do vizinho. Tudo sem veneno,
sem química industrial, do ―jeito que o pai fazia‖. Tudo fruto de luta
regada pelo sonho de ter um ―pedaço de chão‖. Para plantar, para produzir, para existir!
Dos diferentes olhares sobre a produção, o preparo e o consumo
de alimentos, alguns valores éticos nos permitiriam indagar: quem de nós
sabe a origem dos alimentos que estão em nossas mesas? Existe o questionamento sobre quem são as pessoas que produzem esses alimentos?
Sobre quais condições, ambientais, culturais e sociais estes alimentos são
cultivados?
No Brasil, o modelo agrícola hegemônico, introduzido na década de 1960/1970 - fundado em práticas de produção em larga escala e
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2
3
Advogada. Graduanda do Curso de Agronomia da Universidade Tecnológica
Federal do Paraná – UTFPR, pós-graduanda em Direitos Humanos pela
Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS. Contato: angelicawallau@gmail.com
Graduando do Curso de Agronomia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná
– UTFPR. Contato: brendohenrique08@gmail.com
Socióloga. Doutora de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade (CPDA/UFRRJ), docente permanente do Departamento de Ciências
Humanas e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional PPGDR, Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR. Contato:
josiwedig@gmail.com
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uso indiscriminado de agroquímicos - é mediado por uma cadeia de escoamento da produção que solapa as relações de sustentabilidade e o
vínculo afetivo e responsável entre produtoras/es e consumidoras/es. O
panorama que se configura nesse contexto é o da alienação alimentar, no
qual grandes indústrias alimentícias – chamado por Van der Ploeg (2008)
de impérios alimentares – controlam a produção, o processamento e a
distribuição de alimentos, pautando a alimentação como mera mercadoria.
O processo de afastamento dos alimentos de sua origem e a
transformação destes em meros produtos industriais acarretam prejuízos
às consumidoras/ consumidores, pois estes recebem algo com reduzido
valor nutricional e repleto de agrotóxicos. Esse processo também produz
a marginalização das famílias agricultoras que não conseguem competir
com os alimentos industrializados, de forma que o mesmo sistema que
fortalece o poder corporativo é o que debilita a capacidade das/os camponesas/es de produzirem alimentos para suas próprias comunidades
(GUAZZELLI; RIBEIRO, 2016).
No contexto de reconfiguração dos hábitos alimentares locais e
como alternativa aos regimes alimentares globalizados da indústria alimentar oligopolista, encontra-se a retomada do consumo de alimentos e
comidas tradicionais e a reconexão com o ato de cozinhar. Assim, o resgate de práticas alimentares, a memória afetiva do modo de preparo, das
cores, dos sabores, são lembranças de uma forma de viver comunitária.
Essa análise sobre as práticas de produção, preparação e consumo de alimentos nos estimula a realizar uma análise sobre a Jornada de
Agroecologia, que ocorre no estado do Paraná desde o ano de 2002, e
que reúne movimentos sociais na luta contra os impérios alimentares e o
controle das sementes por multinacionais.
2.
A Jornada de Agroecologia
“A Jornada de Agroecologia é o anúncio da luta pela liberdade,
por alimento saudável, por paz, por justiça e por direitos.”
(Carta da 18º Jornada de Agroecologia)
Ocupar os espaços públicos são formas de produzir resistências
frente a processos cada ver mais mercantilizados e privatizados. No estado do Paraná, um dos exemplos de ocupação dos espaços públicos pelos
movimentos sociais é a Jornada de Agroecologia. Evento anual e itinerante com o objetivo de criar diálogos e promover ações conjuntas – entre
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camponesas e camponeses, estudantes, profissionais técnicos e comunidades rurais e urbanas– a partir da programação de inúmeras atividades
de formação, mobilização e partilha, reafirmando a luta camponesa na
defesa da produção de alimentos seguros e saudáveis.
Com a primeira edição realizada no ano de 2002, na cidade de
Ponta Grossa, a Jornada de Agroecologia buscou difundir a proposta de
produção de base ecológica para a agricultura familiar e camponesa,
comprometendo-se com o desenvolvimento rural sustentável. Para isso,
se pauta no reconhecimento e valorização de saberes e viveres locais e
regionais. Também fazem parte do debate proposto pela Jornada a reforma agrária, a implantação ou estímulo ao fortalecimento das políticas
públicas de incentivo à produção e consumo de produtos agroecológicos,
a denúncia dos malefícios da utilização de produtos transgênicos e do uso
de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos; o fortalecimento dos vínculos de
confiança e solidariedade entre produtoras/es e consumidoras/es em
sistemas socialmente justos de abastecimento alimentar (CARTILHA
DA JORNADA DE AGROECOLOGIA DO PARANÁ, 2019).
Por ser sede da União Democrática Ruralista (UDR), um dos
principais braços institucionais dos latifundiários no país, e entender que
só se alcança o desenvolvimento rural sustentável por meio da reforma
agrária e da produção ecológica enquanto forma de enfrentamento ao
agronegócio, a cidade de Ponta Grossa sediou, nos anos de 2002, 2003 e
2004, as três primeiras Jornadas de Agroecologia (CARTILHA DA
JORNADA DE AGROECOLOGIA DO PARANÁ, 2019).
A cidade de Cascavel, berço do Movimento dos Trabalhadores
Rurais sem Terra, recebeu, entre os anos de 2005 e 2008, 4 edições da
Jornada de Agroecologia. Tratando-se de um território fortemente marcado pela presença do agronegócio, com produção de soja e milho, o
principal debate manteve-se relacionado à contraposição da utilização
das terras da região para produção de transgênicos ainda proibidos no
estado naquele período (CARTILHA DA JORNADA DE AGROECOLOGIA DO PARANÁ, 2019).
Francisco Beltrão, região marcada pela forte presença de empresas integradoras e de fomento ao agronegócio - em contradição com a
formação histórica da luta pela terra protagonizada pelo campesinato na
Revolta dos Posseiros, ocorrida no ano de 1957 - acolheu a 8º e 9º edição
da Jornada de Agroecologia.
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Nos anos de 2011 e 2012, as Jornadas de Agroecologia aconteceram na cidade de Londrina. Devido a ampla participação de estudantes
universitários e secundaristas, os debates sobre o protagonismo da juventude tiveram destaque na 10º e 11º Jornada de Agroecologia, objetivando
fortalecer a agricultura camponesa no Norte Central Paranaense. E também realizar o Encontro Anual da Jornada de Agroecologia num espaço
camponês agroecológico: a Escola Milton Santos. Maringá sediou a 12º e
13º Jornada de Agroecologia (CARTILHA DA JORNADA DE
AGROECOLOGIA DO PARANÁ, 2019).
A 14º Jornada de Agroecologia, que aconteceu no ano de 2015
na cidade de Irati, questionou o sistema de justiça que criminaliza lideranças de organizações e movimentos sociais e, citando o caso emblemático dos agricultores presos injustamente no município, denunciou a desestabilização de programas sociais como o Programa de Aquisição de
Alimentos – PAA (CARTILHA DA JORNADA DE AGROECOLOGIA DO PARANÁ, 2019).
A edição 15º e 16º da Jornada de Agroecologia foram realizadas
na cidade de da Lapa, região de presença de comunidades tradicionais
faxinalenses e onde se encontra o Assentamento Contestado e a Escola
Latino-Americana de Agroecologia da Via Campesina - fundada em 2005
como a primeira escola de graduação em agroecologia no Brasil (CARTILHA DA JORNADA DE AGROECOLOGIA DO PARANÁ, 2019).
A capital do estado do Paraná recebeu, com o objetivo principal
de unificar as reinvindicações das trabalhadoras e trabalhadores urbanos
e rurais na luta por comida de verdade, a 17º e 18º edição da Jornada de
Agroecologia. Espaços públicos de praças e da Universidade Federal do
Paraná - UTPR foram lugares de realização da jornada, somando saber
popular e tradicional a conhecimento acadêmico científico na construção
da agroecologia.
A Jornada de Agroecologia, que emerge em oposição ao agronegócio, defende que a construção de ‗um outro mundo é possível‘ e isso se
dá através do debate teórico-político da agroecologia. Agroecologia entendida como ciência, como prática social e como movimento de resistência que produz alimentos saudáveis, comercio justo e consumo consciente amparado por bases sólidas de enfrentamento a violência, de respeito a diversidade e a diferença, de reconhecimento, valorização, preservação e resgate de conhecimentos tradicionais, de acesso à educação e a
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saúde (CARTILHA DA JORNADA DE AGROECOLOGIA DO PARANÁ, 2019).
A cada edição da Jornada de Agroecologia uma Carta é elaborada e entregue às autoridades do executivo e legislativo estadual, nesta
estão presentes a análise estrutural e conjuntural da sociedade e as reivindicações por políticas públicas sistemáticas, permanentes e estruturantes à
agroecologia.
3.
O MST e a agroecologia
Conforme relata Morissawa (2001), o nascimento do MST se
deu em 7 de setembro de 1979, ainda durante o regime ditatorial, quando
acontece a ocupação da Fazenda Macali, no município de Ronda Alta,
Rio Grande do Sul. Esse processo só ocorreu devido o apoio da Comissão Pastoral da Terra 4, pois sem ela o movimento não conseguiria nascer.
A origem dos ―sem-terra‖ como grupo dotado de uma identidade política sedimentada por uma complexa organização liga-se não só à trajetória de expropriação dos pequenos produtores em especial do Sul do
país, como resultado do processo de modernização da agricultura, mas
também, entre outros elementos, ao molecular trabalho da Igreja e à
crítica formulada por esta instituição e pelas ―oposições sindicais‖ à
forma como a luta por terra e a demanda por reforma agrária estavam
sendo conduzidas pelo sindicalismo rural […] (MEDEIROS, 2002, p
49).
Os principais motivos para a gênese do MST foram: o aspecto
socioeconômico, ocorridos das transformações na agricultura nacional na
década de 1970; e a introdução da soja que agilizou a mecanização da
agricultura e culminou no impulso de um sistema de agricultura com
características mais capitalistas, o que acarretou na expulsão do meio
rural de um grande número de camponesas e camponeses (STEDILE;
FERNANDES, 2012).
O movimento se utiliza de ocupações para conseguir atenção do
Estado, porém, como acontece com a grande maioria dos movimentos
sociais, ocorreu a sua marginalização e estigmatização midiática, governamental e societária. Uma das características desse fato referente ao
MST se dá pela falta de diferenciação tanto popular quanto midiática das
4
A Comissão Pastoral da Terra - CPT é um órgão da Conferência Nacional dos bispos
do Brasil (CNBB) criada em 1975 com o intuito de apoiar às lutas dos camponesas,
principalmente nas demandas de acesso às terras.
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palavras invadir e ocupar. Invadir é um ato que tem como objetivo tomar
alguma coisa de alguém impulsionado pelo proveito individual, porém
ocupar é preencher um espaço vazio, no qual não acontece a função social da terra (SILVA, 1987 apud MORISSAWA, 2001).
Atualmente, o movimento percebeu que a reforma agrária não é
apenas um problema de quem não tem terra é um problema da sociedade
brasileira com um todo. O MST está presente em 24 estados, nas cinco
regiões do Brasil e possui cerca de 350 mil famílias assentadas (MST,
2018).
De acordo com Altieri; Nicholls (2009), a forma de se conseguir
uma agricultura sustentável passa, indispensavelmente, pela mão dos
movimentos sociais. Há a necessidade da participação de pessoas com
vontades políticas, para enfrentar pessoas com poder que impedem o
desenvolvimento da agricultura sustentável.
A construção da agroecologia pelos movimentos sociais se dá
por vários meios. No MST, o discurso da agroecologia se deu com mais
ênfase nas últimas décadas. No início, o MST seguia o princípio da análise da agricultura com base marxista na qual se priorizava a alta produção, a especialidade, a produção integrada verticalmente e coletivamente.
Porém, a partir da década de 1990, o sistema de coletivização criou no
movimento uma série de questionamentos, o que os levou a repensar o
seu sistema e a priorizar a agroecologia como um sistema dentro do movimento (BORSATTO; CARMO, 2013).
Picolotto e Piccin (2008), indicam que essa mudança possui relação com três fatores: a) a reforma neoliberal do Estado brasileiro, a extinção das políticas setoriais de preços mínimos e abertura de mercados e
expansão da fronteira agrícola para a região Centro-Oeste; b) fim do Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária (PROCERA) em
1999; e c) a criação da Via Campesina. Ainda no conceito explícito pelos
autores, a reforma neoliberal e o fim do PROCERA dificultaram a sequência do sistema agrícola usado até então, e a criação da Via Campesina colocou as lideranças do movimento em contato com movimentos
sociais internacionais que já tinham em suas pautas de lutas a agroecologia.
Nos últimos anos, o MST vem mudando radicalmente o seu discurso de sistema agrário, direcionando-se para uma análise da agricultura
com base chayanoviana. Para Chayanov, o sistema de campesinato não
era tido como um processo social fadado ao desaparecimento, mas era o
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embrião vivo de uma agricultura em desenvolvimento. O sistema agroecológico se tornou mais que uma forma de se fazer agricultura para o
MST, ela dá o alicerce para um questionamento sobre políticas agrícolas
já que o Brasil, desde o começo, sempre se preocupou com a agricultura
patronal (BORSATTO; CARMO, 2013).
A ampla maioria dos alimentos são produzidos em economias
locais e representam a base do sistema mundial alimentar (GUAZZELLI;
RIBEIRO, 2016). Nesse sentido, a adoção da agroecologia, - enquanto
conjunto de conhecimentos orientados a estruturação de uma agricultura
sustentável e que atenda, concomitantemente, a critérios sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais – é fundamental. Esse campo do
conhecimento constitui-se por um conjunto de disciplinas segundo as
quais é possível investigar e operar sobre os agroecossistemas, de maneira
que seja possível conciliar a atividade agrícola com a manutenção das
características ecológicas do ambiente e propiciar uma vida digna às pessoas envolvidas (SILIPRANDI, 2015).
4.
A cozinha da 18º Jornada de Agroecologia
Somos a rocha porosa no metate de pedra agachadas no chão.
Somos o rolo compressor, el maíz y agua, la masa harina.
Somos el amasijo.
Somos lo molido en el metate.
Somos o comal fervente, a tortilla quente, a boca faminta.
Somos a rocha bruta.
Somos o movimento de moer, a poção misturada, somos el molcajete.
Somos o pilão, o comino, ajo, pimienta.
Somos o chile colorado, o broto verde que rompe a rocha.
Nós persistiremos.
(Gloria Anzaldúa)
Sendo o ato de comer essencial à manutenção da vida, torna-se
importante avaliar os diferentes campos de análise do alimento e de seu
consumo. Por isso, o aporte multidisciplinar da alimentação leva em
conta aspectos culturais, biológicos e econômicos, com influência na
saúde, nos impactos ao meio ambiente, nas relações mercantis e nos padrões de consumo, expressando valores culturais e comportamentais.
Para Ellen Fensterseifer Woortmann (1985), os alimentos além
de comidos são pensados, possuindo a comida um valor nutricional e,
principalmente, uma concepção simbólica. Desta forma, o espaço da
cozinha mais do que lugar de preparo dos alimentos é um local de parti-
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lha e reencontro: de saberes, de temperos, de resistências e de sonhos. É
ambiente de construção de afetos e de resiliência.
Na jornada de agroecologia a cozinha é seu verdadeiro coração.
Acompanhamos a 18ª edição da Jornada e pudemos observar
que a estrutura da cozinha comunitária foi responsável pela preparação
dos alimentos consumidos por aqueles que vieram à capital do Estado
mostrar e comercializar seu trabalho e sua produção. Nela foram servidos
café-da-manhã, almoço e janta, durante os quatro dias da jornada. Em
um espaço montado na quadra esportiva, ao fundo da Casa do Estudante
Universitário - CEU, foram distribuídas sete estruturas de cozinhas itinerantes. Panelas, fogões, e preparação coletiva de comida foram responsáveis pela alimentação de cerca de 500 pessoas que trabalharam na jornada, além das demais que decidiram trazer seus pratos e partilhar do alimento e da acolhida do lugar.
Destas cozinhas, seis foram comandadas por camponesas e camponeses acampados ou assentados, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, uma foi partilhada por sujeitos vinculados a
UTFPR - Pato Branco, IFPR - Capanema, Assesoar, CAPA e Rede Ecovida Sudoeste do Paraná.
Cada cozinha ficou responsável pelo preparo dos alimentos dos
integrantes de suas comitivas. A maioria delas tinha uma equipe fixa
responsável pela preparação de todas as refeições. Apenas uma delas - a
única que não era do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra dividiu a atividade de preparo das refeições entre todos os integrantes da
caravana.
Dos grupos que possuíam equipe responsável pela tarefa de cozinhar, algumas vieram com formações pré-definidas, como é o caso da
cozinha da região norte do estado do Paraná, na qual as senhoras Marli,
Salete e Luiza, todas da mesma localidade, participam juntas e dividem
suas panelas e temperos pela quarta vez consecutiva, por ocasião da participação de jornadas de agroecologia anteriores. As demais são pessoas
que se encontraram e se conheceram no local, reunindo vivências e experiências, como é o caso de Ana e Sebastião, da região Oeste do estado,
mas separados por cerca de 200Km entre um acampamento e outro, e
que nunca tinham se visto ou trabalhado juntos. Ao serem questionados
sobre as dificuldades em trabalhar com alguém a princípio ―desconhecido‖ a resposta é simples: ―já vivemos assim, sempre partilhamos‖.
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O ambiente da cozinha coletiva é local estratégico e essencial ao
funcionamento da jornada, sem ela não são possíveis as demais atividades. Ali, em pé ou sentadas ao chão, as pessoas participantes se conhecem, se reencontram, se organizam, trocam experiências, temperos, sementes e endereços.
Sobre os alimentos preparados na cozinha comunitária da 18º
edição da Jornada de Agroecologia a maioria é de produção de base ecológica, recebidos in natura ou minimamente processados, arrecadados
entre os participantes do MST e oriundos da produção para autoconsumo. Grãos, tubérculos, legumes, hortaliças e frutas produzidas em terrenos próprios e comunitários, trocados entre vizinhas/os ou simplesmente
colhidos do excedente da produção da casa ao lado, pois como afirmam:
―Se eu produzi bem um alimento no meu pedaço, por que não dividir
com a/o companheira/o que não plantou? Aqui um ajuda o outro, ninguém passa fome no acampamento‖
O ato de produzir e preparar o alimento possui uma relação direta com afeto e partilha, é ciclo que inter-relaciona quem plantou, quem
colheu, quem preparou e quem comeu, que deve levar em conta em que
condições e como estes alimentos chegaram onde estão. É uma verdadeira conexão com a memória, um modo de preparo, um aroma, uma cor,
que trazem lembranças e fazem do comer um ato de felicidade. Uma
forma de viver em comunidade que comunga com a natureza e expressa
uma cultura e suas identidades.
No decorrer do processo de pesquisa, a cozinha foi se desenhando como um espaço de produção de sociabilidade coletiva. Reunidos
próximos ao fogo e a várias panelas; Anas, Solanges, Sebastiões, Lidias,
Sandras, Regianes e Josés transformaram a cozinha improvisada em um
local de encontro e memórias, em uma ação de resgate da produção de
alimentos saudáveis e preparo de comida de verdade, comida com afeto e
com responsabilidade, temperado com luta e esperança.
5.
Considerações finais
A reflexão sobre a produção e consumo de alimentos engloba
muitos aspectos, visto que na dinâmica do poder se desdobram muitas
relações, o que torna importante que seja considerado tanto o alimento
em sua fase de produção como a última etapa do processo alimentar, já
embutido por valores simbólicos que determinam as escolhas de consumo.
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A alimentação deve ser compreendida dentro de um panorama
amplo, no qual sejam consideradas também a dimensão simbólica e cultural e o modo como elas impactam nossa subjetivação, orientam nossos
hábitos e o modo que nos relacionarmos com a alteridade, o outro (relações intersubjetivas) e o meio ambiente. Sendo assim, a questão é também de ordem simbólica, pois envolve o que acreditamos, o posicionamento que reforçamos e o modo como isso tudo vem a romper ou fortalecer os valores dominantes de uma determinada sociedade.
Por isso, para discutir os modelos simbólicos que orientam nossos hábitos de alimentação, torna-se necessário a autocrítica a partir da
suspensão dos valores legitimados por uma cultura baseada nos valores
do agronegócio, que por sua vez mantém-se atrelados a ideias etnocêntricas e hegemônicas que se reproduzem nos impérios alimentares.
Nesta conjuntura, tem-se que a luta por direitos à terra e à água,
ao livre intercâmbio de sementes, à produção e à comercialização local
de uma alimentação e nutrição adequadas e dignas perpassa pelas opções
alimentares que fazemos. Entender que o consumo gera efeitos à saúde,
ao meio ambiente e à distribuição do capital é essencial para compreender que nossas pequenas escolhas diárias podem contribuir com o desenvolvimento da agricultura familiar e ao fornecimento de alimento seguro,
produzido de forma harmônica com os ecossistemas.
Assim, diante desse emaranhado de relações, a alimentação, para além de um simples modo de sobrevivência, está intimamente relacionada a construção de identidades individuais e coletivas, constituindo-se,
por isso, também num ato político de luta pela terra e pela soberania
alimentar.
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BORSATTO, Ricardo Serra; CARMO, Maristela Simões do. A
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O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO
ADEQUADA E A LEI 16.751/10: UMA
LEITURA GARANTISTA DA
REGULAMENTAÇÃO DA LEI ESTADUAL.
Karina Cofferri1
Amanda Izabel dos Passos2
“Qualquer estadista que não entenda
dos assuntos de alimentos não é
competente para o cargo.” (Sócrates).
1.
Introdução
Desde a II Guerra Mundial, principalmente após o estabelecimento da Organização das Nações Unidas – ONU como instituição de
preservação e proteção dos direitos fundamentais do homem, da dignidade e do valor do ser humano e da igualdade de direitos, a fim de ―promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla‖, tem-se observado um movimento mundial em prol de
promover políticas públicas que garantam e efetivem o gozo da Dignidade da Pessoa Humana em seus múltiplos sentidos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que é
considerada uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e
nações, prevê, em seu artigo 25, que ―todo ser humano tem direito a um
padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar,
inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis [...]. ‖ Nesse sentido, a Constituição de 88,
1
2
Graduanda do curso de Direito do Instituto Federal do Paraná (IFPR). Contato:
karinacofferri@hotmail.com
Engenheira Agrônoma pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR),
Mestre em Agronomia pela UTFPR. Professora do curso de Agronomia no IFPR
Campus
Palmas.
Graduanda
do
curso
de
Direito
do
IFPR
.
Contato:amandaizabelp@gmail.com
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através da Emenda Constitucional nº 64, incluiu também a alimentação
como um direito social do cidadão. Como direito social, a alimentação se
torna uma garantia estatal e uma ―necessidade para o estabelecimento de
uma sociedade capaz de perpetuar-se ao longo do tempo de maneira
harmônica‖3. No entanto, como diz o Conselho Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (CNSAN, 2014), ―isso não necessariamente
significa a garantia da realização desse direito na prática, o que permanece como um desafio a ser enfrentado‖.
Para o Conselho (2014),
o direito humano à alimentação, seja ele no sentido de estar livre de
fome4, seja no direito à alimentação adequada em si, adequada consiste no acesso físico e econômico de todas as pessoas aos alimentos e aos
recursos, como emprego ou terra, para garantir esse acesso de modo
contínuo. Esse direito inclui a água e as diversas formas de acesso à
água na sua compreensão e realização. Ao afirmar que a alimentação
deve ser adequada entende-se que ela seja adequada ao contexto e às
condições culturais, sociais, econômicas, climáticas e ecológicas de cada pessoa, etnia, cultura ou grupo social.
Silvana Maria dos Santos (2018) define o direito à alimentação
adequada, que é um elemento condicionante e determinante da saúde5,
como ―uma garantia de condições de acesso aos alimentos seguros e de
qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais.‖. Para a autora, deve
se levar em conta também a noção de Soberania Alimentar, que é o ―direito, que cada país tem, de definir suas próprias políticas e estratégias
sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam o direito à alimentação para toda população, respeitando as múltiplas características culturais dos povos. ‖
Para garantir a realização deste direito, o Estado deve ―respeitar,
proteger, promover e prover a alimentação da população‖, que, por sua
3
4
5
IGNACIO, Julia. O que são direitos sociais?. 2017. Disponível em <
https://www.politize.com.br/direitos-sociais-o-que-sao/>. Acesso em setembro de
2019.
―Em 1976, praticamente todos os países representados na ONU firmaram o Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais reconhecendo o ‗direito
fundamental de toda pessoa estar protegida contra a fome‘. ‖ (JESUS; OMMATI, p.
201, 2017)
Conforme o artigo 3º da Lei Orgânica da Saúde (Lei 8080/90) - Os níveis de saúde
expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como
determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o
saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade
física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais.
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vez, pode exigir o cumprimento e a efetividade do direito humano à alimentação adequada.
Os governos brasileiros, ao longo da história e das lutas políticas
do país, no geral, vêm buscando efetivar esse direito através de políticas
públicas e incentivos estatais em prol do aumento da produtividade agrícola, por exemplo. No estado do Paraná, especificamente, no começo de
setembro do corrente ano, o governador regulamentou uma lei que instituiu a merenda orgânica nas escolas fundamentais e de nível médio no
Estado no mesmo evento que criou um programa de incentivo ao fortalecimento das cooperativas da agricultura familiar no estado.
2.
Desenvolvimento teórico
O Brasil e outros países – aqui a discussão não objetiva analisar o
viés capitalista que intensificou e financiou, dado o interesse e a relevância econômica6, dessas pesquisas –, já vem buscando aumentar os níveis
de produtividade agrícola há muito tempo. Na década de 70, esse fenômeno, denominado ―Revolução Verde‖, de incentivo do uso de maquinários, além de fertilizantes químicos e agrotóxicos, marcou um aumento
na produção brasileira bastante significativo.
Marcada pela inserção de tecnologia na área agrícola, o processo produtivo apregoado pela revolução verde incentivou a utilização de fertilizantes químicos e agrotóxicos, incorporação da biotecnologia, irrigação e máquinas. Os seus benefícios poderiam ser apontados, na medida em que possibilitou um aumento de produtividade agrícola, sem a
necessidade de uma significativa ampliação de áreas cultivadas (VIEIRA; D´ORNELLAS, 2002, p. 185).
Apesar do aumento de produção que se deu nas áreas em que a
mecanização e outras tecnologias anteriormente citadas foram incluídas,
observou-se um grande êxodo rural nesse período e o aumento populacional nas grandes cidades, isso se deu devido ao fato de que para sustentar
o novo sistema produtivo imposto pela Revolução Verde, era necessário
um maior aporte financeiro, o qual, produtores que possuíam pequenas
áreas não detinham. Dessa forma, surgiu o primeiro grande impacto
social negativo do novo sistema de produção (LAZZARI; SOUZA,
2017).
Além disso, o Brasil desenvolveu e introduziu ainda um sistema
de agroexportação, preferindo pelo cultivo de monoculturas – soja, mi6
Sobre o tema: DE ANDRADES, Thiago Oliveira; GANIMI, Rosângela Nasser.
Revolução verde e a apropriação capitalista, p. 43-56. Juiz de Fora. 2007.
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lho, arroz – que favoreceu a concentração da produção, industrialização e
comércio agroalimentar, violando a Soberania Alimentar. (CNSAN apud
CONTI, 2014)
Nesse viés, denota-se que essas medidas, apesar do aumento da
produtividade, possuem vários efeitos colaterais, tanto social quanto
ambientalmente, que fundamentam muitas críticas a este modelo de produção. Para SERRA; MENDES; SOARES e MONTEIRO (2016, p. 14),
a Revolução Verde não foi suficiente, e seria preciso uma segunda revolução que aumentasse a produtividade agrícola, ―sem botar em risco a
capacidade de carga do planeta‖, adotando novas tecnologias que, respeitando as exigências do mercado e as mudanças legislativas, sejam sustentáveis, prezando pela ―diversidade cultural e de formas de organização e
produção, de modo que as comunidades tenham sua autonomia para
produzir e consumir seus alimentos. ‖ (CNSAN apud CONTI, 2014)
As autoras defendem que a desigualdade distributiva e quantitativa de alimentos que assola o país é um paradoxo, já que a agricultura é
uma das principais molas econômicas nacionais, mas que se destina à
exportação. Para JESUS e OMMATI (2017, p. 201-202), ―a política dos
alimentos supõe toda uma discussão sobre a injustiça social‖, de modo
que a integração dessas políticas se torna a ―condição central para a efetividade de seus impactos sobre a qualidade de vida e a redução das desigualdades‖
De acordo como o entendimento da Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e a Agricultura (FAO7), leis específicas podem: determinar de forma clara o âmbito e conteúdo do direito à alimentação;
definir as obrigações do Estado relativamente a este direito; criar os
mecanismos institucionais necessários; fornecer as bases jurídicas para
orientar e implementar as políticas e qualquer regulamentação ou medidas que devam ser adotadas pelas autoridades competentes; reforçar
o papel a ser desempenhado pelo poder judiciário na aplicação do direito à alimentação; capacitar os titulares do direito para exigir que o
governo cumpra as suas obrigações; fornecer as bases jurídicas para a
adoção de medidas com vista a corrigir as desigualdades sociais existentes no acesso à alimentação; criar os mecanismos financeiros para a
implementação da lei. (DOS SANTOS, 2018).
Dessa forma, buscando a redução das desigualdades e um meio
de produção que gerasse um impacto ambiental reduzido, a agricultura
orgânica foi ganhando espaço no meio agrícola brasileiro, sendo que
passou a ser conhecida na década de 70, quando se apresentava como
7
Food and Agriculture Organization of the United Nations. É o ramo da ONU focado
na erradicação da fome e no combate à pobreza.
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uma forma de resistência aos pacotes tecnológicos empregados pela revolução verde e a comercialização dos produtos era feita diretamente entre
os produtores e os consumidores, passando a receber um pouco mais de
destaque na década de 80, tendo a difusão de seus produtos no mercado e
na década de 90, após a ECO-92 no Rio de Janeiro passou a receber um
maior apoio e reconhecimento do Estado, o que fortaleceu muitos produtores familiares e cooperativas desse ramo (ORMOND et. al 2002).
Conforme dados do MAPA (2015), foram movimentados R$ 2
bilhões pela agricultura em 2014, no ano de 2015 foram constatados
950.000 hectares sob cultivo orgânico no país (desconsiderando as áreas
que seguem com esse método de produção, porém não tem certificação),
e 4% dos produtos orgânicos cultivados no mundo são de origem brasileira, tendo como principais produtos hortaliças, cana-de-açúcar, café, cacau, guaraná, açaí, palmito, mel, castanha do Brasil, ovos, sucos e laticínios.
Além das movimentações econômicas positivas da agricultura
orgânica no Brasil, esse método produtivo também trouxe benefícios
sociais para o país, pois tornou a produção familiar viável, mantendo as
pessoas no campo e gradativamente vem aumentando as opções e diversidade de alimentos de qualidade nas prateleiras dos pontos comerciais, o
grande obstáculo tem sido uma distribuição adequada desses produtos e
torna-los acessíveis para toda a população (MORAES; OLIVEIRA
2017), considerando essa necessidade, o Estado tem exercido determinadas ações para esse fim.
Em vários momentos da história brasileira, o país teve governos
que tenderam à criação e ao fomento tanto de leis quanto de outras políticas públicas para segurança alimentar brasileira.
Em 1995, com a implantação do PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar se buscava estimular a
produção de alimentos para o consumo interno e fortalecer as atividades
desenvolvidas pelo agricultor. Em 2003, foi instituído o Programa Fome
Zero, que, em linhas gerais, estabelecia uma legislação-base para a política nacional de segurança alimentar e nutricional, a fim de garantir o direito humano à alimentação por meio da promoção da Segurança Alimentar, atacando as causas estruturais da fome, e melhorando a qualidade das merendas escolares. Sob a bandeira do Fome Zero funcionavam
mais de 30 subprogramas, mas que, com a burocracia e as críticas inter-
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nacionais ao Programa, acabou sendo substituído por outras medidas.
(OLIVEIRA, 2016)
Em 2006, a Lei nº 11.346 criou o Sistema Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional – SISAN com o objetivo de assegurar o direito
humano à alimentação adequada, que, conforme disposto na lei, é o
direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal. O mesmo dispositivo impõe também uma série de deveres
ao poder público a fim de promover e garantir a segurança alimentar e
nutricional da população. Em 2010, esta Lei foi regulamentada pelo Decreto 7.272, que criou a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – PNSAN.
Esse conjunto de políticas públicas resultou, entre outras conquistas, na saída do Brasil do Mapa da Fome em 2014. O Mapa da Fome, conforme explicado pelo economista Francisco Menezes em entrevista para o Jornal Nexo, é organizado pela FAO para dimensionar e acompanhar a fome em nível internacional, combinando dados sobre a oferta
de alimentos e outros, através de um indicador chamado ―prevalência de
subalimentação‖.
Para a FAO,
entre as ações que contribuíram para o alcance desse objetivo estão:
políticas de segurança alimentar e nutricional como a transferência
condicional de renda tendo como exemplos o programa Bolsa Família
e o benefício da prestação continuada. Também é importante destacar
o apoio à agricultura familiar com ações que visam facilitar o acesso ao
crédito, prestar assistência técnica e proporcionar maior segurança aos
agricultores familiares.(FAO, 2019)
Nesse sentido, e buscando efetivar o direito humano à alimentação adequada, em 2010, o Estado do Paraná, pela Lei nº 16.751, instituiu, no âmbito do sistema estadual de ensino fundamental e médio, a
merenda escolar orgânica, prevendo que os alimentos fornecidos na merenda escolar não poderão conter agrotóxicos em toda a cadeia produtiva
e que, além dos alimentos orgânicos, a merenda escolar deve conter alimentos funcionais.
Para a Associação de Consumidores de Produtos Orgânicos do
Brasil - ACOPA, a lei proporciona dois grandes benefícios diretos:
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a proteção da saúde das crianças, que por estarem em fase de desenvolvimento são ainda mais vulneráveis aos efeitos da intoxicação crônica provocada pelos resíduos de agrotóxicos presentes nos alimentos,
e o incentivo à produção agroecológica, ao ampliar este importante
mercado institucional para os produtores de alimentos orgânicos.
(ACOPA, 2011)
A lei previa ainda um prazo de 180 (cento e oitenta) dias para a
sua regulamentação, porém, esta só se deu em 03 de setembro de 2019,
quando o governador Carlos Massa Ratinho Junior decretou a regulamentação da Lei 16.751/10. Segundo a Agência Estadual de Notícias do
Paraná – AEN, ―o objetivo é incluir alimentos orgânicos gradualmente
na alimentação dos alunos das mais de 2 mil escolas estaduais, até chegar
a 100% da merenda em 2030. ‖ Para isso, o governador afirmou que o
Estado vai apoiar os pequenos agricultores que trabalham com produção
agroecológica e orgânica, e aumentar a compra de alimentos sem agrotóxicos, principalmente da agricultura familiar, fomentando o seu crescimento. (AEN, 2019)
O Ministério Público do Paraná, que desde 2018 vem buscando
efetivar o cumprimento da Lei 16.751/10 por meio do Núcleo do Direito
Humano à Alimentação Adequada, do Centro de Apoio Operacional das
Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos, comprometeu-se em acompanhar e fiscalizar as metas propostas. Olympio de Sá
Sotto Maior Neto, coordenador do Centro de Apoio Operacional das
Promotorias e procurador de Justiça, afirma que se trata de uma previsão
positiva, ―tanto para os alunos, que terão a garantia de alimentação de
qualidade [...], quanto para os agricultores, especialmente os que atuam
na agricultura familiar, com a produção de orgânicos. ‖
No mesmo evento, o governador do Paraná lançou ainda o Programa de Apoio ao Cooperativismo da Agricultura Familiar no Paraná –
Coopera Paraná, que, aliando a iniciativa pública e privada e coordenado
pela Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento, tem por
objetivo o fortalecimento das organizações cooperativas no estado, assessorando e acompanhando as cooperativas administrativa, financeira e
tecnicamente. Para o presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais
Agricultores Familiares do Estado do Paraná – FETAEP, Marcos Brambilla,
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o programa é um grande passo para alavancar o setor cooperativista,
que conta atualmente com 180 cooperativas em todo o estado. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
84% das propriedades rurais do Paraná pertencem à agricultura familiar, e são responsáveis por mais de 50% dos alimentos produzidos pelo
estado.
A regulamentação da Lei 16.751/10 e as manifestações governamentais acerca da sua executividade acompanham as afirmações de
JESUS e OMMATI (2017, p. 203), quando dizem que
no campo específico da alimentação, deve-se fazer um esforço no sentido de intensificar a gestão de programas de alimentação escolar (até o
ensino médio), [...] combate à desnutrição infantil e outros programas
voltados para públicos específicos. [...]. Enfim, trata-se de estruturar
uma rede mais ampla de programas que possa dar sustentação às políticas sociais.
De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Paraná é o estado brasileiro com o maior número de propriedades rurais certificadas em agricultura orgânica, e conta com diversos
programas e entidades que apoiam os pequenos produtores, como o Paraná Mais Orgânico, o Fomento Paraná, o Instituto de Tecnologia do
Paraná – que, em parceria com o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Educacional, é responsável por analisar a merenda escolar –, o
Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional e o Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, por
exemplo (AEN, 2019).
Essas medidas representam um grande avanço nas políticas públicas em prol da garantia dos direitos humanos à alimentação adequada,
uma vez que envolvem uma gama de entidades que se comprometem
com a execução dos objetivos da lei e dos programas criados pelo governo. Ainda mais porque, segundo SOUZA (2019), ―a atual crise política e
econômica do país não tem contribuído para a redução das desigualdades, como resultado, a pobreza e a fome voltaram a crescer no país –de
4,9 milhões de brasileiros famintos em 2010 para 5,2 milhões em 2017,
segundo a FAO‖.
Assim, estabelecer metas eficazes e progressivas para o combate
à fome e a garantia do direito à alimentação adequada são fundamentais
são necessárias e devem ser fiscalizadas pelo Ministério Público, dado o
fortalecimento do interesse público em efetivar medidas que garantam o
acesso popular a uma alimentação adequada, e pela sociedade como um
todo, ainda mais porque este direito reflete diretamente em outros, como
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o acesso à educação, que, como afirma o governador Ratinho Junior,
existem ―alunos que vão para a escola com fome, e jovem com fome não
aprende direito‖ e a própria manutenção da dignidade da pessoa humana
(AEN, 2019).
3.
Considerações Finais
É notável a crescente preocupação global em garantir o acesso
continuo e eficaz da população à alimentação adequada, principalmente,
porque, ela é elementar à manutenção da saúde, e à garantia mínima de
qualidade de vida e de dignidade humana. Mas a efetivação do Direito
Humano à Alimentação Adequada e da Segurança Alimentar e Nutricional, precisa passar por uma construção interdisciplinar a fim de assegurar
sua completude em todos os setores sociais, seja para combater a fome,
seja para garantir o acesso à alimentação, ou ainda, para manter esse
direito perene.
O Brasil adimpliu com metas importantes a fim de reduzir a insegurança alimentar e nutricional, em decorrência da adoção de um conjunto de políticas públicas que incentivam a alimentação adequada e
saudável. Contudo, é preciso manter o debate de estratégias de atuação
para manter os avanços conquistados, envolvendo tanto a sociedade civil,
quanto a sociedade acadêmica, as entidades governamentais e o Poder
Público.
A ação de regulamentação da Lei no Paraná deve ser levada como modelo para os outros estados da federação, ressalvando, contudo,
que a medida estatal precisa atentar-se a responder às características sociais, econômicas e culturais de seu povo. Neste quesito, o fomento às
cooperativas encontrou receptividade no estado, vez que corresponde às
aptidões e às particularidades das terras paranaenses. Contudo, esta medida não deve ater-se a um mero caráter simbólico de atuação estatal em
prol da efetivação das garantias, mas, de fato, criar possibilidades de
garantir o direito humano à alimentação adequada de maneira constante
e, gradualmente, autônoma. Para isso é fundamental a fiscalização do
Ministério Público e da população em geral.
É necessário ressaltar, que para o sucesso dos programas criados
pelo governo e cumprimento da lei recentemente implementada, é preciso que haja maiores incentivos, tanto financeiros quanto de assistência
técnica para a produção orgânica, pois como mencionado anteriormente,
a maioria da produção do país é concentrada nas monoculturas extensi-
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vas para exportação, sendo que os responsáveis pela alimentação interna,
em grande parte, são os agricultores familiares, que muitas vezes carecem, principalmente de assistência técnica de qualidade e constantemente
presente para manterem suas atividades e obterem produtos de elevado
padrão comercial.
4.
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POR QUE DANÇAM OS KAINGÁNG?
DESENVOLVIMENTO E CONTRA DESENVOLVIMENTO KAINGÁNG NA TERRA INDÍGENA DE MANGUEIRINHA
Carlos Frederico Branco1
Márcio Kokoj2
Miguel Âgelo Perondi3
Círculo de Diálogo: Saúde, segurança alimentar, agroecologia e
socioambientalismo
1. Introdução
O presente texto pretende tensionar o conceito e as práticas do
Desenvolvimento em contextos ameríndios a partir da etnologia de Pierre
Clastres (2014) e Eduardo Viveiro de Castro (2011), da narrativa mítica
Kaingáng sobre o surgimento do canto e da dança e o assassinato do
Cacique Ângelo Kretã na década de 80, dentro da Terra Indígena de
Mangueirinha. Nosso texto é um ensaio crítico ao Desenvolvimento,
principalmente quando ele é operacionado pelo Estado e pelo Capitalismo entre os coletivos não modernos (LATUOR, 1994) que vivem em
mundos onde a distinção entre Natureza e Cultura (VIVEIROS DE
CASTRO, 2015) não é experimentada, causando transformações cosmoontológicas a partir da violência do Estado e do Capitalismo.
O mundo Ocidental – Moderno – Capitalista ao fazer a distinção
clara entre Natureza e Cultura e hierarquizando essa relação, com a Natureza servindo a humanidade, ela, transforma o Meio Ambiente em
mercadorias e produtos, passiveis a serem trocadas por dinheiro, alienando os entes extra-humanos (plantas, animais, fungos, rios, rochas, espíritos, mortos, floresta, campos, etc) do meio comum a humanidade. Essa
forma de viver dos Ocidentais – Modernos - Capitalistas já causaram
transformações ambientais e cosmológicas violentas entre os Kaingáng,
1
2
3
Mestrando em Desenvolvimento Regional pela UTFPR – Pato Branco. Bolsista
CAPES. Contato: branco02@gmail.com
Informar última titulação. Vínculo Institucional. Graduando em Licenciatura
Interdisciplinar em Educação do Campo: Ciências Sociais e Humanas pela UFFSLaranjeiras do Sul. Contato: marciokokoj@gmail.com
Doutor em Sociologia Rural, Professor do Curso de Graduação em Agronomia e do
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional- UTFPR- Pato Branco.
Contato: miguelangeloperondi@gmail.com
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alterando seus ambientes e suas relações, na medida em que os projetos
econômicos e civilizatórios portugueses e brasileiros passaram a desejar e
a invadir os territórios e os meios ambientes Kaingáng a partir do século
18. A morte do Cacique Kretã é mais do que as consequências dessas
relações impostas pelos brancos aos Kaingáng, ela é o desejo Ocidental –
Moderno - Capitalista em transformar a qualquer custo o Meio Ambiente
e as Pessoas em mercadorias a serem trocadas para que o Desenvolvimento possa continuar a existir, trazendo com ele a promessa do progresso e da civilização para os coletivos indígenas.
2. Desenvolvimento teórico
2.1 29 de Janeiro de 1980
No dia 22 de Janeiro, o Cacique guiava um fusca vermelho, onde iam
também três soldados em seu trajeto costumeiro dentro da Reserva.
Quando transpunha uma curva foi colhido por uma jamanta, cujo motorista tentou desviar de um fusca azul, estacionado quase no meio da
estrada. Kretã ficou gravemente ferido (GLOBO REPÓRTER, 1980).
O relato acima é um trecho do Globo Repórter de 1980 sobre a
morte do Cacique Kaingáng Angelo Kretã de Mangueirinha, atualmente
sudoeste do Paraná. 7 dias depois do acidente, Kretã não resiste e morre
no dia 29 de Janeiro de 1980. Sua morte é lembrada como um dia de
Luta e Resistência dos povos Indígenas do Sul do Brasil.4 A cobertura
dada pela Rede Globo na época, demonstra a importância de Kretã para
a política indígena no Brasil e principalmente para os Kaingáng e Guarani de Mangueirinha. Em 1976 Angelo Kretã é eleito vereador no Município de Mangueirinha, sendo o primeiro vereador indígena eleito pelo
MDB (Movimento Democrático Brasileiro) em plena Ditadura Militar. O
Estado brasileiro reconheceu através do Relatório da Comissão da Verdade de 2014 que a morte de Kretã foi assassinato, em decorrência da sua
luta e resistência como líder indígena em reconquistar o território indígena na região de Mangueirinha. Passados 39 anos da sua morte, Kretã é
um símbolo de Luta e de Resistência contra o Estado e contra a exploração do Capital. Esse artigo é uma homenagem ao líder Angelo Kretã.
4
Fonte:
kreta/
http://www.indio-eh-nos.eco.br/2018/01/31/38-anos-da-morte-de-angelo-
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2.2 Sociedades contra o Desenvolvimento
Ao buscarmos discutir o conceito de Desenvolvimento entre os
indígenas, entendemos que este está relacionado historicamente ao Ocidente e por esse motivo, o Desenvolvimento é compreendido por nós
como sendo um caso particular do mundo Ocidental – Moderno - Capitalista e não um categórico universal da humanidade. Na contemporaneidade essas relações desenvolvimentistas estão inseridas em um contexto
de globalidade e de livre circulação de mercadorias entre os Estados Nações, tornando quase indistinguível a separação dos países com os grandes conglomerados empresariais. A ideologia por trás do Capitalismo é a
necessidade de um crescimento econômico perpétuo atrelado a totalidade
da sociedade como uma mercadoria, podendo ser sintetizada através do
Desenvolvimento, como um conceito e uma prática norteada pela Ciência e pelos ideias burgueses, onde se emaranham promovendo discursos e
ações contra as as tradições e as permanências que não se encaixavam
nos projetos ocidentais – modernos - capitalistas. As coletividades não
ocidentais – modernas – capitalistas passaram a serem combatidas desde
de então, pois são a resistência contra a lógica hegemônica capitalista de
Estado, que procura sempre englobá-las em seus territórios, divididos em
países. Nos últimos 200, a partir da Revolução Industrial na Inglaterra,
no século 18, o Meio Ambiente vem passando por transformações tão
radicais contra a vida, que o Capitalismo está transformando o Planeta
Terra em um lugar inabitável, esse processo na história contemporânea
da humanidade e do Meio Ambiente terrano está ficando conhecido
como Antropoceno, o período da história tanto da Terra como da humanidade, onde é impossível distinguir uma da outra, devido a intensidade
das transformações humanos sobre o sistema planetário (TSING, 2019).
A transformação do Meio Ambiente em mercadoria é um imperativo para o Ocidente Capitalista, pois não pode existir nenhuma entidade que não seja passível de ser convertida em mercadoria e trocada no
livre comércio global. Esse determinismo econômico só consegue existir
através de muita violência a partir da negação de existências cosmo ontológicas não Ocidentais – Modernas – Capitalistas, promovidas pelo Estado (CLASTRES, 2014). Até o século 19 (POLANY, 1978) a maioria das
populações humanas viviam suas vidas marcadas pela tradição, sendo
que a dubla separação da Sociedade x Natureza e Trabalho x Terra, era
estranho mesmo na Europa do século 19, onde as relações feudais ainda
eram fortes em quase todo o continente. A Independência dos Estados
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Unidos e a Revolução Francesa marcam uma era de transformações econômicas e políticas, lideradas pelo humanismo universal civilizatório,
traduzidos em liberdades individuais de relações mercadológicas, construídas a partir do direito à propriedade privada e a liberdade individual
da troca de mercadorias entre pessoas, estados e empresas; a economia
nos estados nacionais modernos é reduzida entre trocas de mercadorias
em um mercado global autoregulado; lideradas pela Ciência e pela Técnica, a redução do Meio Ambiente em mercadoria e em crescimento
econômico passa a ser percebida como Desenvolvimento, tornando-o
hegemônico a partir das colonizações europeias, englobando inclusive a
história geológica da Terra, no que os cientistas naturais chamam de
Antropoceno (TSING, 2019).
O Estado e o Capitalismo só existem através da violência com o
objetivo de alienar os humanos e o Meio Ambiente em mercadorias, pois
o Estado detém o ―monopólio da violência física e legítima‖ (CLASTRES, p.197, 2014)‖. O desejo em transformar os ameríndios em ocidentais explorados é no mínimo eurocêntrico e imposto aos indígenas por
meio de muita violência. As consequências para os coletivos indígenas
são as piores possíveis, pois o Estado está sempre aliado ao Capitalismo e
promovendo tensões cosmopolíticas, procurando impor a lógica Ocidental- Moderna- Capitalista sobre os ameríndios. O assassinato do Cacique
Angelo Kretã na década de 80 na Terra Indígena de Mangueirinha, no
sudoeste do Paraná e a impunidade promovida pelo Estado brasileiro em
relação a de Kretã, é a prova que o Estado não está preocupado com os
desejos dos coletivos indígenas, pois, é ele o responsável em incentivar e
patrocinar a invasão sobre os territórios indígenas e assassinar os ameríndios e seus líderes com o intuito de explorar os meios ambientes indígenas, como acontece com os Kaingáng e Guarani de Mangueirinha
(HELM, 2018).
Para colocar o Desenvolvimento em seu devido lugar, precisamos entendê-lo como uma lógica particular e não como universal. É
preciso deixar a ―velha convicção ocidental, de facto muitas vezes partilhada pela etnologia, ou pelo menos por numerosos dos seus praticantes,
de que a história possui um sentido único, que as sociedades sem poder
são a imagem do que já não somos e que a nossa cultura é para elas a
imagem do que é necessário ser (CLASTRES, p. 16, 2014)‖. Não pode-se
acreditar que a economia e a transformação do meio ambiente em mercadoria seja um desejo universal. Não existe um único sentido para todos
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os entes possíveis. Se as ―sociedades indígenas‖ para Clastres (2014) são
sociedades contra o Estado, elas são também contra o Desenvolvimento.
A Ciência é um conhecimento e uma instituição Ocidental importante para a prática e o discurso do Desenvolvimento. É através dela
que o Capitalismo é legitimado como um categórico para a existência
humana. Os Ocidentais- Modernos- Capitalistas reduzem seus desejos no
Lucro, tornando-o sinônimo de Desenvolvimento. As relações humanas
se tornaram trocas de mercadorias visando o Lucro, que é o acúmulo
econômico, e que é o próprio Capital. Essa relação pode ser sintetizada
na transformação do Meio Ambiente é Mercadoria e/ou Capital. Esta
perspectiva Ocidental encobre e procura eliminar todas as outras relações
que não visão o acúmulo de Capital e Poder, pois elas se recusam a existir para essa finalidade. A lógica Ocidental reduzida a Economia de trocas de mercadorias é também o resultado do conhecimento científico que
está voltado unicamente para o Desenvolvimento, em produzir mercadorias e trocas desejando somente o lucro.
É a partir do século 18 com a Revolução Industrial na Inglaterra,
que a Economia de Mercado irá se tornar hegemônica no Mundo Ocidental- Moderno, tornando ele Capitalista também. Para Polanyi (1978) a
Economia de Mercado precisou alienar (separar) tanto o trabalho como a
terra, para forçar os camponeses em operários (trabalhadores). A estratégia criada pelo Estado e pelas forças produtivas no século 19 foi criar o
medo da fome nos camponeses. Com a expulsão dos camponeses (trabalhadores) das florestas e dos campos de cultivo e de pasto, a autonomia
das pessoas em obter alimento e de viver em um território que não fosse
passível de ser desapropriado pelo Estado, obrigou os camponeses a migrarem e trabalharem nas fábricas em troca de dinheiro, que seria trocado
por alimento, moradia e outras relações que anteriormente não era intermediadas pelo dinheiro,forçando elas a entrarem no Capitalismo. Porém como ressalta o próprio filósofo, os humanos e os povos possuem
outros desejos e às vezes, desejos completamente opostos àqueles do
Ocidente- Moderno- Capitalista. O medo da fome para a produção da
existência não é Universal como desejam os Capitalistas. Os ameríndios
(CLASTRES, 2014) são coletivos de abundância e não de carência ou
miséria como acreditam os Capitalistas, eles enfrentam a ameaça da fome
combatendo o poder da violência, não deixando que seus líderes se convertam em déspotas e detentores do poder único, que é o Estado, garantidor também do Capitalsimo.
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Segundo Clastres (2014), o que seria o poder político para os ocidentais, marcado pela coerção e singularizado no chefe de Estado ou no
próprio Estado, é nas sociedades arcaicas relações sem a violência da
coerção. As relações capitalistas usam o poder central do Estado para
transformar as territorialidades e os ambientes indígenas em mercadorias.
A necessidade da transformação é uma relação das sociedades históricas,
com o poder político centrado no Estado passa existir a inovação
(CLASTRES, 2014). O poder político ausente nas chefias ameríndias, faz
com que a coerção não seja uma relação legitima. Não há a necessidade
de nenhuma pessoa obedecer o chefe indígena, pois ele não é nenhum
comandante, ele não detém o poder e nem a legitimidade da violência,
como existe no Estado. ―O espaço da chefia não é o lugar do poder
(CLASTRES, 199, 2014)‖, cabe ao chefe ameríndio ―resolver os conflitos
que podem surgir entre os indivíduos, famílias, linhagens, etc. (CLASTRES, p.199, 2014)‖ e não coagir as pessoas, pois o que pode ser a tornar
um poder centralizado em uma pessoa, é rapidamente esvaziado pelas
outras pessoas, tornando o poder do chefe ameríndio praticamente inexistente. Diferentemente dos Capitalistas que procuram acumular justamente esse poder através da coerção pela fome, os ameríndios são ―Primeiras
sociedades do lazer, primeiras sociedades da abundância, segundo a justa
e feliz expressão de M. Sahlins (CLASTRES, p.190, 2014)‖. Sem uma
força de coerção, os indígenas não se veem obrigados a trabalharem além
de suas necessidades.
Os coletivos indígenas produzem sentidos próprios de existências, produzindo conhecimentos próprios, preocupados em refletir e resolver os problemas a partir de suas próprias cosmovisões. Coletivos
ameríndios produzem meios ambientes de abundância de alimentos em
situações bem diversas. Os Kaingáng, indígenas dos planaltos e campos
de pinhas, também são Kaingáng do milho, da abóbora e mais recentemente da mandioca. Compartilhando florestas e outras entidades com os
Kaingáng, os Xetás e os Xogleng não são o que pode ser compreendido
pelos Ocidentais como agricultores, como os Kaingáng são.
O que todos esses coletivos tem em comum? ―São sociedades
sem economia por recusa da economia. (CLASTRES, p.193, 2014)‖.
―Tudo isso se traduz, no plano da vida ecnómica, pela recusa das sociedades primitivas em deixar que o trabalho e a produção as absorvam,
pela decisão de limitar os stocks às necessidades sócio-políticas (CLASTRES, p.193, 2014)‖. Em outras palavras, nos coletivos indígenas, o
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Meio Ambiente e o trabalho são alienáveis. Os indígenas morrem lutando pelo direito de existir nas florestas sem que dela não tirem lucro nenhum, se for possível. Ao retirarem das trocas comerciais o meio ambiente e o trabalho, os ameríndios produzem outras relações ambientais, permitindo a coexistência de coletivos agrícolas e não agrícolas a viverem
com abundância e prazer em espaços compartilhados.
A sociedade brasileira não tem o direito de impor nenhuma relação aos indígenas. O desejo do Estado brasileiro e do Capital em integrar
os indígenas na sociedade brasileira é o Desenvolvimento operacionalizando a perspectiva Ocidente- Moderno- Capitalista, estruturado pelo
mesmo evolucionismo dos séculos 19 e20, que inclusive possibilitou a
Segunda Guerra Mundial. Não há um único sentido para a história. Passados mais de 500 anos desde os primeiros contatos entre ameríndios e
europeus onde atualmente conhecemos por Brasil, não há registro da
formação de um Estado indígena. Os indígenas não desejam o Estado,
mas o Estado deseja os indígenas, enxergando apenas mercadoria, lucro
ou o Desenvolvimento. Coletividades contra o Estado, os indígenas se
organizam de maneira autônoma e provocam desconfortos tanto para a
burocracia estatal brasileira como para o mercado, que tanto desejam os
ambientes indígenas.
2.3 Por que dançam e cantam os Kaingáng?
CANTO E DANÇA5
Não sabiam cantar e nem dançar. Em suas reuniões bebiam o quiquy, sentados junto ao
fogo; sia bocca, porem, estava fechada; por esse motivo suas festas eram monotonas, e ,
salvo a alegria produzida pela embriaguez, tristes. Dezejavam aprender a cantar e dançar,
mas não havia quemos ensinasse; as outras gentes ainda não existiam. Um dia em que
homens de Cayurucré andavam caçando, encontravam em uma clareira do matto um
grande tronco de arvore cahido; sobre elle estavam encostadas umas pequenas varas com
folhas; a terra junto ao tronco muito limpa; examinando-a pareceo-lhes ver umas como
pequenas pégadas de creanças, admiraram-se disso; á noite, em seos ranchos, contaram o
que tinham visto e convidaram os outros a irem examinar o que seria. Ao outro dia foram
todos, approximaram-se cautelosamente do tronco e escutaram; dahi a pouco viram um
pequeno purungo, na ponta de uma varinha, que se movia produzindo um som assim: xi,
5
O mito Canto e Dança foi registrado por Telemaco Borba no final do século 19 na
região do Rio Tibagi, atualmente Estado do Paraná. Borba publicou o mito em 1908
em Curitiba no livro Actualidade indígena. Entre alguns mitos coletados por ele
estão: O surgimento do mundo Kaigáng, da agricultura e do fogo. Além de coletar os
mitos, Borba também relatou o modo de vida Kaingáng após os primeiros contatos
intenso entre os indígenas e os portugueses e posteriormente com os brasileiros no
século 19. Nesse período, final do século 19, os indígenas Kaingáng estavam sendo
aldeados nas regiões dos rios Tibagi, Iguaçu, Chapecó e Uruguai e Paranapanema.
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xi, xi; as varas que estavam encostadas ao tronco, começaram a mover-se compassadamente, ao mesmo tempo que uma voz debil, porem clara, cantava assim: emi, no tin vê...ê, ê, ê.
Andô chô caê voá á. Ha, ha, ha. Emi no tin vê e. E, ê, ê. Emi no tin vê…
Comprenderam que aquillo era canto e dança, decoraram as palavras, sem com
tudo as entender; approximaram-se do tronco e só viram as varas e os pequenos purungos.
Examinaram o chão e não encontraram nenhum esconderijo; ficaram sem saber quem
seriam os dançadores. Passados dias voltaram á clareira uzando das precauções anteriores;
viram o pequeno purungo e as varam mover-se e a voz cantar: - dou camá corô ê, quê agan
kananban. Côyogda emi nô ting. É qui matin...É que matin. - Decoraram o canto, approximaram-se do tronco e só viram o pequeno purungo, as varas e pégadas pequenas no chão.
Examinando o purungo, encontraram dentro delle pequenas sementes duras, de côr preta.
Preparam outros eguaes; fizeram uma festa, dançaram, e, abriram a bocca, cantaram os
cantos que tinham ouvido, fazendo com as varas nas mãos os movimentos que tinham
visto.
Com o tempo foram compondo outros cantos e inventando outas danças; mas,
em suas festas principiam sempre por estes. Passadas algumas luas destes factos, Cayurucré
que sempre procurava descobrir quem seriam seos mestres de canto e dança, andando
caçando, deparou com um Tamandoá-mirim (Cacrekin). Levantando o seo cacete para
matal-o, o Tamandoá ficou de pé e principiou a cantar e dançar as modas que elles tinham
aprendido. Então conheceo Cayurucré que este tinha sido o seu mestre de canto e dança.
Depois de dançar, o Tamandoá disse a Cayurucré: Dá-me teo cacete que eu quero examinal-o para te dizer a que sexo pertencerá o filho que tua mulher logo te dará. Deo-lh‘o
Cayrurucré, e elle depois de dançar disse: - Eu fico com o cacete, teo filho é homem.
Isto ha de servir de signal a tua gente: quando encontrarem commigo e me derem
seos cacetes, se eu ficar com elles seos filhos serão homens, mas se os deitar fora, depois de
ter, com elle na mão, dançando, serão mulheres.
Os Tamandoás sabem muitas outras cousas mais; pensamos que elles são as
primeiras gentes que aqui existiam antes de nós, e que por velhos não sabem mais falar.
Não os matamos. Quando os encontramos, sempre lhes damos nossos cacetes; se elles os
seguram, ficamos alegres, porque nossas mulheres nos darão filhos homens.
O mito acima foi narrado para Borba por um Kofá (ancião) Kaingáng no final do século 19 na região do Rio Tibagi. O Kofá nos mostra
que a felicidade Kaingáng não estava relacionada na produção de mercadorias. Mesmo na abundância de alimentos e bebidas, viviam tristes pois
não sabiam dançar e cantar. Borba permite percebermos que além da
subsistência alimentar, os Kaingáng procuravam também a felicidade. A
resposta da pergunta, por que dançam e cantam os Kaingáng? É que para
a vida ter sentido, ela não pode ser reduzida na procura de alimentos para
que as pessoas permaneçam vivas, reduzindo a existência indígena num
determinismo biológico. Toda teoria da abundância que foi apresentada
até aqui através da crítica da fome de Karl Polanyi (1978) e da teoria
política, econômica e tecnológica de Pierre Clastres (2014), quer nos
mostrar que existe vida além da produção de mercadorias. O modo de
viver indígena não pode ser compreendida como uma busca incansável
para permanecer vivo (biologicamente), sempre caracterizado pela carência e miséria. Por que dançam e cantam os Kaingáng? Para serem felizes.
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O estranhamento causado pelos coletivos indígenas nas sociedades modernas se deve justamente pela diferença de existências entre elas.
―Enquanto estas (modernas) se apoiam na implicação mútua entre a
unicidade da natureza e multiplicidade das culturas [...] a concepção
ameríndia suporia, ao contrário, uma unidade do espírito e uma diversidade dos corpos (VIVEIROS DE CASTRO, p. 349, 2015)‖. A unicidade
da natureza foi demonstrado por Clastres (2014) ao associar o Um ao
Estado. A diferenciação entre indígenas e ocidentais subvertem tanto o
conteúdo como os estatutos ocidentais: ―elas não assinalam regiões do
ser, mas antes configurações relacionais, perspectivas móveis, em sumapontos de vistas (VIVEIROS DE CASTRO, p. 349, 2015)‖, esses pontos
de vistas móveis que a todo tempo escapam da artificialização do meio
criado pela economia da máquina, para usarmos o conceito de Polanyi
(1978). Por isso talvez seja estranho para um Ocidental que vive sob uma
lógica da fome, olhar e perceber que no mundo indígena essa lógica não é
operada, sendo coletivos de abundancia, os indígenas podem preocuparse em serem felizes.
Os coletivos indígenas, incluindo os Kaingáng, não são produtores de mercadorias pois tem como devir a sua própria humanidade. ―Em
suma, os animais são gente, ou se veem como pessoas (VIVEIROS DE
CASTRO, 2015)‖, essa ideia está associada ao fundo humano ou devir,
que estão sujeitos todos os seres nas cosmovisão ameríndias e só podem
ser acessadas em momentos específicos ou por pessoas específicas, como
o xamã. Os Kaingáng só dançam e cantam porque podem comunicar-se e
mover-se entre as perspectivas humanos-animais, só dançam e cantam
porque o Tamanduá-mirim pode ensiná-los a cantar e dançar. ―Os Tamandoás sabem muitas outras cousas mais; pensamos que elles são as
primeiras gentes que aqui existiam antes de nós, e que por velhos não
sabem mais falar. Não os matamos.‖ Sendo os Tamanduás pessoas mais
velhas, os Kaingáng os reconhecem como pessoas, mesmo eles não estando mais em um corpo humano atual, um dia os Tamanduás também
sabiam falar e por serem velhos acabaram esqueceram de como falar.
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3.
Considerações Finais
Não levar as sério as relações cosmo-ontológicas indígenas com
todos os seres e entidades é desconsiderar toda a multiplicidade de sujeitos e seres que habitam nossos mundos e todas as diferenças que marcam
corpos e pessoas e as multiplicidades históricas. Não problematizar o
conceito de desenvolvimento para os povos indígenas é cometer um erro
teórico e metodológico, pois é impossível compreendermos os desejos
indígenas sem o devido cuidado etnológico. Os indígenas são eles mesmos seus próprios especialistas, produzindo suas próprias reflexões, fazendo com que os cientistas se tornem aliados e não os indígenas e seus
mundos objetos científicos. Como vimos o desenvolvimento é uma prática Ocidental-Moderna-Capitalista que não tem em seus objetivos fazer
existir as cosmo-ontologias ameríndias e sim transformar seus entes em
mercadorias. Antes de tudo é preciso procurar compreender e sentir as
relações e os significados indígenas, para que novos processos e novas
políticas públicas e científicas não violentas possam existir em um mundo
comum entre tantos coletivos de humanos e não humanos.
Angelo Kretã em entrevista em 1979, publicada no Globo Repórter 1980, disse que ser indígena é estar aqui antes da descoberta do Brasil.
Essa resposta além de subverter as lógicas ocidentais de território, ele
chama todos a resistir ao capital, suas palavras criam potências possibilitando aos indígenas de Mangueirinha a certeza que seus territórios não
pertencem aos Fóg.
Referências
BORBA, Telemaco. Actualidade indigena: Paraná--Brazil. Typ.
Impressora Paranaense, 1908.
CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Editora Cosac Naify,
2014.
HELM, Cecília Maria Vieira. A contribuição dos laudos periciais
antropológicos para a investigação da antiguidade da ocupação de
terras indígenas no Paraná. Curitiba: 2018.
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Editora 34, 1994.
POLANYI, Karl. A nossa obsoleta mentalidade mercantil. Revista
Trimestral de Histórias e Idéias, [s. l.], n. 1, p. 7–20, 1978.
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TSING, Anna. Viver nas Ruínas - paisagens multiespécies no
Antropoceno. Brasília: Mil Folhas, 2019.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem.
Editora Cosac Naify, 2014.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Metafísicas canibais. São Paulo:
Cosac Naify, 2015.
369
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Círculo de Diálogos 7
Direitos da cidadania, Inclusão,
Acessibilidade e Diversidade
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CIDADANIA E POVOS INDÍGENAS NO
BRASIL: PONDERAÇÃO SOBRE O
DISCURSO JURÍDICO NEUTRO
Wellen Pereira Augusto1
1
Introdução
A cidadania deve ser pensada para além do pertencimento a uma
sociedade nacional ou do exercício de direitos civis e políticos, como
aponta a noção clássica de cidadania.
Por isso este trabalho tem como objetivo geral investigar o discurso jurídico brasileiro sobre os direitos coletivos dos povos indígenas
que, a despeito da previsão de mecanismos legais de diversidade na Constituição Federal, mantém uma posição colonial que obsta o exercício da
cidadania intercultural.
Por isso, será abordado o conceito de cidadania assim determinada pela doutrina moderna e seu contraste com a cidadania intercultural
que absorve a diversidade e dialoga com os povos originários.
Ao final, será examinado o discurso jurídico brasileiro sobre cidadania frente aos direitos coletivos dos povos indígenas e suas consequências materiais para a convivência interétnica.
2.
A cidadania em debate: o indivíduo moderno
A cidadania é vista como um legado da tradição ocidental, desde
Grécia Antiga e Roma, até o advento da Modernidade e suas formas
interdependentes de exercício da cidadania como direito humano.
Por um lado, tal legado da cidadania é também uma rotulagem
civilizacional, de modo que o ideal clássico é reivindicado a partir de
uma concepção hegemônica do que é ser cidadão. A concepção clássica
de cidadania está relacionada à participação e integração política na co-
1
Graduanda em Direito
wellen._@hotmail.com
pelo
Centro
371
Universitário
UNISEP.
Contato:
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munidade. Esta concepção teve modificações com o advento da Modernidade e de ―novos direitos‖ a diferentes ―cidadãos‖ (BELLO, 2015).
Por outro lado, a cidadania moderna, seja pela concepção liberal
ou pela democrática, restou atrelada ao Estado Moderno, de forma interdependente. As características principais que definem a cidadania moderna grifam sua limitação: ―passividade, formalidade, institucionalidade, caráter restritivo, igualdade normativa, nacionalidade e territorialidade‖. Estas últimas tratam de pertencimento a um determinado território,
o que fez com que a inclusão da burguesia nas cidades na era industrial a
colocasse no centro do campo político e social (BELLO, 2009).
Contudo, esta visão de cidadania é limitadora e não atende às
pessoas de forma equânime no plano material, uma vez que o gozo de
têm déficit quando ponderados por minorias raciais e sexuais.
Em sociedades multiculturais, o Estado monocultural representou imposição cultural, dominação e exclusão. De mesmo modo, a nação
política é vista como fator etnocêntrico, dotada de valores universais que
desprezam a comunidade política e inviabilizam a democracia multicultural. Assim, o universalismo etnocêntrico não busca alternativas de superação democrática, em especial de direitos, por ser um produto do
colonialismo mental. Nesse sentido, a multinacionalidade retira o monopólio da etnicidade do Estado, permitindo a liberalização de outras etnicidades no campo social e político (LINERA, 2009, p. 318-319).
A teoria política da cidadania liberal sofreu críticas, principalmente após os anos 80, tendo em vista a concepção democrática-liberal
que visualizava o sujeito individual em relação ao Estado capitalista
(BELLO, 2015).
Em especial pelos processos de redemocratização protagonizados
na América Latina, movimentos sociais, grupos vulneráveis e subalternizados passaram a exigir novas formas de exercício da ―cidadania‖, não
somente como status social. Assim, é um campo fértil para a abertura de
resistência aos conceitos modernos restritivos.
3. A visão intercultural de cidadania: emergência de novos
sujeitos
A tomada de consciência por parte dos sujeitos coletivizados é o
motor de transformação que ascende da ―negação de necessidades‖, é
dizer, negação de direitos básicos que são conferidos a outros segmentos
sociais. A negação e a insatisfação de carências permitem à consciência
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coletiva dos movimentos sociais perceber sua realidade marginal e, com
isso, constituir uma ―identidade autônoma‖ dirigida por uma decisão
emancipada de mobilização e organização (WOLKMER, 1994, p. 276).
A nova cidadania é, portanto, fruto de tensões entre a nova fase
do capitalismo e os sujeitos excluídos, em especial pelas demandas de
―reconhecimento-pertencimento‖ de caráter étnico. Isso é demonstrado
pela criação de novos instituições, ampliação de espaços institucionais,
novo marco epistemológico e ontológico biocêntrico etc. (BELLO, 2015).
Em relação aos povos indígenas, a partir dos anos 70, com a reivindicação por necessidades básicas em defesa do território e da gestão
comunitária, bem como de suas estruturas organizacionais, a cidadania
intercultural tem importância histórica ante a capacidade de reconstruir o
tecido social e criar uma autonomia frente ao Estado, e definindo drasticamente novos rumos para a ação política e para a democracia (LINERA, 2009, p. 459-460).
Y es por eso mismo que la interculturalidad debe ser entendida como
designio y propuesta de sociedad, como proyecto político, social, epistémico y ético dirigido a la transformación estructural y socio-histórica,
asentado en la construcción entre todos de una sociedad radicalmente
distinta. Una transformación y construcción que no quedan en el
enunciado, el discurso o la pura imaginación; por el contrario, requieren de un accionar en cada instancia social, política, educativa y humana. (WALSH, 2010).
Com a luta política dos movimentos indígenas e campesinos,
surge grande influência sobre as Constituições dos países latinoamericanos, as quais passam a prever direitos antes sonegados, próprios
de grupos coletivos, como os povos indígenas. A teoria constitucional
passa a ser influenciada pela teoria descolonial nas, como exemplo, na
Bolívia (2009) e no Equador (2008), sobretudo por questionar o aspecto
individual e eurocêntrico das instituições políticas, proporcionar mecanismos de participação direta e de exercício concreto de direitos coletivos.
Estas Constituições pertencem ao terceiro ciclo constitucional na
América Latina, denominado de constitucionalismo plurinacional (20062009), está conjecturado à aprovação da normativa internacional de
2007, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Notadamente mais avançado que os anteriores, o terceiro circuito
constitucionalista tem diversos objetivos, dentre eles o processo de descolonização do Estado e da estrutura política. A autodeterminação dos
povos é presente neste contexto, uma vez que aos indígenas são reconhe-
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cidas suas nações originárias/nacionalidades, encerrando o mito da união nacional (YRIGOYEN FAJARDO, 2011, p. 149).
Como salienta Catherine Walsh (2010), a interculturalidade é
examinada em três perspectivas: a) relacional, que toma por interculturalidade o diálogo entre culturas, que sempre existiu na América Latina; b)
a funcional, que estabelece a interculturalidade como reconhecimento da
diversidade e diferenças culturais, com inclusão intercultural nas estruturas sociais; c) a crítica, posição adotada pela autora, em que a interculturalidade não é o problema em si, mas sim a estrutura colonial-racial.
Assim, a interculturalidade crítica é vista como uma ferramenta de promoção e transformação de estruturas sociais, não somente reconhecimento de diversidade cultural, mas sobretudo uma construção para dar lugar
a condições de ser e estar distintas daquela hegemônica.
Dessa forma, nova cidadania é formulada por movimentos sociais, inspirada em lutas por direitos humanos e como parte da resistência à
ditadura, reconhecendo-se subjetividades, abrangência do espaço político
e transformação cultural. Propõe ―construções culturais‖ em resistência a
um ―autoritarismo social‖, isto é, raiz cultural que fomenta a organização
desigual e hierárquica das relações sociais, seja na seara pública ou privada (DAGNINO, 2004, p. 103).
A cidadania intercultural compromete-se, primeiramente, com
direitos frutos de aprimoramento de direitos de liberdade e solidariedade
(autonomia étnica e diversidade cultural) e com direitos culturais, assim
vistos como expressão das cosmovisões e tradição étnicas (direitos de
buen vivir e da natureza). Não somente neste aspecto, também no da participação democrática como ferramenta de concretização de direitos,
como participação direta, conselhos cidadãos, tribunais de justiça indígena, além de submeter o projeto político-constitucional à população pelo
instituto do referendo, o que demonstra maior preocupação com a democracia direta e autogestionada (BELLO, 2012).
Assim, a cidadania intercultural, com marco teórico na teoria crítica, tem respaldo no contexto latino-americano pela diversidade e abrangência de modos de vida que operam nesta região do Cone Sul. Ela demonstra a efetivação de direitos culturais e solidários na perspectiva de
subalternos, excluídos e sonegados. Isso porque pensa a relação com o
Outro em forma de diálogo, não de integração, buscando a transformação do projeto político. Portanto, a realização da cidadania intercultural é
possível a partir da descolonialidade.
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4. Cidadania e direitos coletivos dos povos indígenas no Brasil: reflexões sobre o discurso jurídico atual
A despeito de avanços conquistados com a Constituição de 1988,
o Brasil ainda impacta negativamente o exercício da cidadania intercultural pelos povos indígenas, resultado de anos de colonização e discurso de
colonialidade do poder que afetam o imaginário dos juristas.
Essa relação com o Outro tem como consequência a categorização de raças, que faz surgir o ―negro‖, o ―índio‖ e o ―branco‖. É um
efeito da modernidade e passa a existir na América como formadora das
relações sociais, produzindo-se identidades novas: o negro, o índio e o
mestiço. Outrossim, o português e o espanhol se tornaram ―europeus‖. A
política colonial, portanto, criou hierarquias sociais com base em tais
identidades, de modo que ―raça‖ e ―identidade racial‖ estabelecem-se
como formas de classificação social da população (QUIJANO, 2000, p.
202).
Por muito tempo vigorou o discurso de integração/assimilação,
cerne das estruturas jurídicas no processo de adequação jurídica dos povos indígenas à lei oficial, como mecanismo civilizatório. A assimilação
buscou, em primeiro momento, a alienação do ethos de origem. Já a integração permitia a preservação da cultura de origem, com substituição
gradual para padrões dominantes.
A racionalidade jurídico-judicial, sustentada em estudos superficiais no
campo constitucional, forjou a moldura da incapacidade civil, justificando os modelos de tutela alienativa, e da sua ―incivilidade‖ para justificar sua alienação aos meios de tomada de decisão sobre suas vidas.
Esta situação constitui a subjetividade colonialista que ainda domina o
imaginário de juristas e juízes sobre os indígenas. (NASCIMENTO,
2018, p. 297).
Assim, com um traço extremamente colonizador, o Brasil não se
desfez do imaginário colonial na esfera jurídica que considera indígenas
como incapazes, tutelados ou dependentes. Isto é, não adotou a perspectiva da descolonialidade para enfrentar problemas seculares de etnocídio
e epistemocídio.
Diante disso, institucionalizar formas de participação política e
direitos coletivos, como direito à terra, não é suficiente. O vício consiste
em tornar conquistas ―de baixo para cima‖ em normas jurídicas simbólicas (BELLO, 2009).
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Por outro lado, com a retomada formal da democracia, buscou-se ampliar seu viés material, reconhecendo-se as demandas de grupos sociais
minoritários, de caráter político, social, étnico, etc. Para tanto, na reorganização institucional foi fundamental a participação ativa e direta
de amplos e novos setores da sociedade civil, antes situados à margem
do processo político, que se mobilizaram em torno da bandeira da cidadania. Esta, então, passava a ser concebida como estratégia para o
reconhecimento das necessidades dos excluídos e para a implementação de políticas públicas destinadas à construção de uma cidadania ―de
baixo para cima‖. (BELLO, 2009)
Como bem apontou Evelina Dagnino (2004, p. 105), a superação
de uma cidadania liberal que conectava a cidadania às relações com o
Estado deu lugar à um processo de construção de cidadania de transformação, longe de solidificar-se com a aquisição formal de direitos ou ao
sistema político-judicial. Aí porque necessária a constituição de cidadãos
como ―sujeitos sociais ativos‖ e, também, a convivência com sujeitos
emergentes.
Por seu turno, as abordagens sociológicas e filosóficas sobre cidadania são desconsideradas na análise jurídica, como vontade de uma
teoria pura, objetiva e neutra que, ao ignorar tais ciências no exercício da
cidadania, reproduz os defeitos da concepção liberal de cidadania:
Na seara do direito, a cidadania é compreendida por meio de uma visão mitigada da idéia de status, que corresponde à titularidade, por
parte dos indivíduos, de direitos e obrigações formalmente instituídos
por declarações de direitos e/ou textos constitucionais/legais. Conforme preconizado pela dogmática jurídica, influenciada pelo pensamento kantiano, reconhece-se como cidadão todo indivíduo apto ao
exercício de direitos políticos – ao menos o de votar –, promove-se a
igualdade de todos perante a lei (isonomia formal) e garante-se uma
pretensa universalidade do alcance dos direitos em regimes de sufrágio
universal. (BELLO, 2009)
Essa abordagem unifocal da cidadania prejudica o reconhecimento de direitos coletivos de grupos sociais distintos, especialmente de
povos originários, cuja expressão social se dá em comunidade, em compartilhamento do território, em rodas, e outras atividades compreendidas
tipicamente por cada etnia.
Isso porque reconhecer o direito à diversidade, de modo que sejam asseguradas condições das novas expressões sociais e políticas, não
garante aos povos indígenas a cidadania plena sem abdicação de sua
cidadania indígena, em especial nas regiões fronteiriças em que há confusão da cidadania estatal (BELTRÃO; OLIVEIRA, 2010).
Mormente, é característica do Brasil uma história política e um
discurso de neutralidade de raça, o qual permite que grupos privilegiados
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promovam a igualdade formal como forma de assimilação. Dessa forma,
a ideologia de raça foi desenvolvida no Brasil como forma de prevenção a
qualquer mobilização política sobre questões de raça, assim vincula-se a
ideia de cidadania ao liberalismo e à hegemonia cultural. O discurso, ora
institucionalizado, é de que há uma ―transcendência racial‖, isto é, o
fator raça é irrelevante para o contexto social, tendo em vista a miscelânea de grupos racializados presentes no país (MOREIRA, 2016).
Consoante esse discurso, o país tem orgulho de uma sociedade
racializada, cujo reconhecimento de sua herança genética e miscigenação
são fatores positivos, de modo que consolidam uma ―identidade nacional‖. A hibridez, como definiu Moreira (2016), criou uma cultura unificada que apenas se compromete com a igualdade de tratamento, isto é,
igualdade formal.
Reside um desafio em avaliar o campo discursivo e disciplinar
das questões jurídicas, cuja imagem é estratégica e institucionalmente de
alteridade e, sob outra perspectiva, cria embates de contradições e confrontações frente às práticas emancipatórias retratadas pelos marcadores
sociais da diferença. Contradições que restringem o reconhecimento integral de direitos da cidadania intercultural por meio de condicionamentos
ou hierarquias que esvaziam a diversidade como conceito social, em prol
da hegemonia nacional-colonial. E, como disputa no campo políticojurídico, as confrontações representam a tensão ideológica que a presença
de povos indígenas causa no seio civilizatório, onde a diversidade é vista
como desigualdade (BELTRÃO; OLIVEIRA, 2010).2
Sem embargo, a luta dos povos indígenas ainda reside em direitos básicos e políticas públicas eficazes, somados a outras demandas como um novo marco legal e a recuperação da autonomia, em especial
territorial (BANIWA, 2012, p. 215)
Contudo, aspectos políticos do Estado brasileiro fortalecem as
contradições e impedem o pleno gozo de direitos coletivos aos povos
indígenas. Isso ocorre com a universalidade em detrimento da particula-
2
São exemplos de contradições na Constituição Federal de 1988: língua portuguesa
como idioma oficial (art. 13); competência privativa da União para legislar sobre
populações indígenas (art. 22, XIV); competência do Congresso Nacional para
autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos
e a pesquisa e lavra de riquezas minerais (art. 49, XVI); função institucional do
Ministério Público de defender judicialmente os direitos e interesses das populações
indígenas (art. 129, V), não obstante a previsão de legitimidade processual da
comunidade indígena, no art. 232 (BELTRÃO; OLIVEIRA, 2010).
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ridade sociocultural. Por isso, as bases do Estado moderno deveriam ser
repensadas para dar lugar à diversidade, institucionalmente (BANIWA,
2012, p. 217).
Dessa forma, o Estado brasileiro tem falhado com o compromisso constitucional e internacional ao não permitir a expressão da diversidade no discurso jurídico, cujo engloba não somente a legislação, mas as
decisões judiciais e a pesquisa jurídica.
O aspecto monocultural da administração pública atende à uma
cultura homogênea, pensada de brancos para brancos, bem como o das
estruturas políticas burocráticas que impedem o contato das representações indígenas com outros segmentos do Estado por exigir uma organização classista ou corporativista, desprezando os projetos societários de
cada etnia (BANIWA, 2012, p. 219).
Promover a cidadania para sujeitos subalternizados é uma questão de justiça histórica, a qual ocupa um papel importante na compreensão da cidadania racial. A cidadania racial, desta forma, é vista como
uma ―força anti-hegemônica‖, pois dá margem para questionar a narrativa que legitima o processo de discriminação étnico-racial e, além disso,
enseja uma dimensão ética de solidariedade social, com eliminação de
estigmas sociais, bem como é colocada no patamar de crítica cultural ao
liberalismo tradicional brasileiro (MOREIRA, 2017).
À vista disso, é necessário repensar o modelo do Estado brasileiro e como este se relaciona com os povos originários, através de um viés
intercultural, de diálogo. De mesmo modo, é necessário modificar a atuação em políticas públicas, sob pena de tornar os institutos do indigenato
previstos na legislação e utilizados como garantia da diferença, letra morta.
5.
Considerações finais
A cidadania liberal clássica não tem condão de promover a
igualdade material, bem como a participação política de todos, vez que
dotada de neutralidade e objetividade que suplantam a diversidade.
Por outro lado, a cidadania intercultural concedeu grandes avanços na perspectiva de povos marginalizados e marcados pela diversidade
cultural. De modo que, nos países guiados pela descolonialidade, atingiu
estruturas coloniais calcadas nos valores universais, assim, abriu espaço
para a expressão da diferença no seio cultural de cada comunidade. Este
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fenômeno ocorreu em especial na Bolívia e no Equador, a partir das novas Cartas Constitucionais.
No Brasil, entrementes, o diálogo entre culturas tem sido mitigado, posto de lado, por uma neutralidade liberal de que não reconhece as
diferenças como marco de participação social, isto é, a cidadania racial.
Por vezes, o Estado brasileiro dificulta o acesso dos povos originários à
cidadania.
Isto posto, propõe-se uma ética intercultural com fulcro de refundar o Estado colonial, de acordo com a política de reconhecimento e
de promoção de outras formas de exercer a cidadania, com marco legal
na diversidade cultural, o que prescinde de respeito às organizações, tradições e cosmovisões de todas as etnias originárias.
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CIDADANIA NO CONTEXTO ATUAL:
O PAPEL SOCIAL DOS(AS)
RECICLADORES(AS)
Karine Kostuczenko 1
Thiago. Ingrassia Pereira 2
Círculo de Diálogo: Direitos da Cidadania, Inclusão, Acessibilidade e Diversidade
1. Introdução
As questões acerca da promoção da inclusão social, tem sido motivo de discussões, muito tem-se ouvido muito falar acerca da não discriminação das pessoas por razões econômicas, sociais e/ou culturais, e
neste caso, por razões profissionais. Muitos são os discursos, que permeiam nossos ouvidos, tanto em não exclusão, quanto em inclusão, porém o
que se vê são os que ainda vivem à margem da sociedade, trabalhando
para sobreviver, embora excluídos. Um breve resgate sobre o contexto do
trabalho, e a importância do reciclador(a), no contexto atual, bem como a
opção pela educação não-formal. A busca por melhores condições e por
igualdade tanto no contexto atual de contemporaneidade, quanto num
contexto de direitos e não exclusão. No entanto, tais pregações ficam
apenas na teoria, não sendo visualizadas na prática diária dos seres humanos. Neste sentido, o presente trabalho tem por objetivo mostrar as
implicações e consequências da escolha do trabalho de reciclagem, bem
como a opção por uma educação não formal de jovens e adultos, recicla1
Mestranda pelo PPGICH da Universidade Federal da Fronteira Sul - Linha de Pesquisa
- Educação, Culturas e Cidadanias Contemporâneas e Acadêmica do Curso de
Direito, da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões –
Campus Erechim.. E-mail.karinekostuczenko@hotmail.com
2
Doutor e Pós Doutor em Educação, Sociólogo, Professor da Linha de Pesquisa Educação, Culturas e Cidadanias Contemporâneas do PPGICH da Universidade
Federal da Fronteira Sul E-mail: thiago.ingrassia@uffs.edu.br.
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dores(as), o que pressupõe uma alienação aos bens culturais, e intelectuais, bem como, sua importância dentro de uma sociedade dividida de
acordo com bens econômicos, numa relação e, portanto, também numa
distinção, que se estabelece entre a educação formal e não-formal. Assim,
sendo, esta consiste em uma revisão bibliográfica, através do fichamento
das obras selecionadas, onde serão apontados os aspectos inerentes ao
ensino não-formal no contexto da educação de jovens e adultos. O método de pesquisa utilizado foi o analítico descritivo, através da técnica de
pesquisa bibliográfica. A pesquisa buscou mostrar a importância, por
vezes esquecida destes recicladores(as), que tem um papel importante na
sociedade atual, a reciclagem como propulsora do desenvolvimento econômico, pois a mesma é necessária tanto para pobres quanto para ricos,
não somente na questão de preservação do meio ambiente, mas também
na preservação do ser humano como tal, porque o respeito pela diversidade perpassa, por todos os meios, inclusive, pelas profissões.
A metodologia utilizada na presente pesquisa foi bibliográfica, através de
uma análise descritiva para melhor compreensão do assunto. Utilizamos
o método dialético, que implica sempre em uma revisão e em uma reflexão crítica e totalizante porque submete à análise toda interpretação préexistente sobre o objeto de estudo.
2.
Desenvolvimento teórico
Vive-se em uma sociedade, onde cada vez mais o mercado de
trabalho exige criatividade, proatividade, estudo, um indivíduo, capaz de
ser muitos em um só. O trabalho é uma forma de realização pessoal e
social do indivíduo, uma forma de satisfação humana. No entanto, há
outra face do trabalho ou do desemprego, onde as pessoas são obrigadas
a se submeter a qualquer tipo de trabalho, mesmo que de formas desumanas, para manter sua subsistência e da família. Este trabalho realizado
na sociedade, dada sua importância, ainda hoje reflete todas as outras
formas de organização social, a começar pelo processo educativo.
Em uma definição rápida de sociedade, esta então, se faz capitalista, onde os meios de produção, os padrões de consumo e os estilos de
vida da sociedade atual são tão fortes a ponto de não enxergarmos que
existem serviços de grande importância que passam despercebidos, mas
que estão sempre em ação.
Basta uma breve observação dos serviços considerados essenciais
como a água, a comida, a moradia, que nos deparamos com questões
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ambientais e de produção de lixo. Para que se possa comer, coexiste uma
produção acelerada de lixo, mas a sociedade não vê ou não quer ver tal
situação, e consequentemente, nem os recicladores(as) desse lixo, produzido em massa não possuem um valor social, uma visibilidade perante a
sociedade, não apenas por não serem vistos, mas porque a sociedade se
define como melhor, divida em classes de pobres e ricos, os que limpam o
lixo não chegam ao nível hierárquico de intelectual, diante de uma sociedade que considera dignos de respeito àqueles que possuem maior escolarização e, maior poder aquisitivo.
Para que tal situação fosse possível teríamos que modificar a
forma de pensar não apenas em ver os recicladores(as) e os considerar
parte da sociedade, mas em perceber que o lixo produzido por cada um é
o trabalho destes recicladores(as), não como um favor, como muitos
pensam que ao jogar lixo na rua, terá trabalho para os que limpam, mas
no sentido de valorização, pois caso estes recicladores(as) não existissem,
teríamos boa parte do nosso planeta aterrado por toneladas e toneladas
de lixo, diariamente produzido por aqueles que se consideram os intelectuais de uma sociedade injusta e desigual.
O caráter socializante e humanizante do trabalho, onde o indivíduo se constrói na relação com os demais indivíduos, desfaz-se sob a
divisão da economia capitalista, pois o ser humano passa a representar
uma força de trabalho que é vendida aos proprietários dos meios de produção como uma garantia de sua sobrevivência.
A sociedade no geral precisa destes trabalhadores, pois diariamente produz lixo reciclável e que não pode permanecer na natureza,
gerando o desgaste ambiental de nosso planeta, porém esses trabalhadores não são vistos pela sociedade como aqueles que em prol ajudam a
todos e sim como ―mal cheiros e sujos‖, escondidos no dia-a-dia no ambiente de reciclagem, nisso entende-se que muitos destes resignam-se de
seus direitos pois sentem-se humilhados a tal modo que preferem fecharse em seus mundos e sobreviver na conformação, a partir disso Delors e
Eufrázio (2008, p.03) nos coloca a seguinte reflexão:
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Solicitado por uma modernidade global, na qual, muitas vezes, não
tem meios de realmente participar e que pode contrariar em parte, seu
engajamento pessoal em diversas comunidades de base a que pertence,
o indivíduo sente- se confuso perante a complexidade do mundo moderno, que altera suas referências habituais. Muitos fatores reforçam
esta sensação de vertigem: o medo das catástrofes e conflitos que podem atingir a sua integridade; um sentimento de vulnerabilidade perante fenômenos como o desemprego, devido à alteração das estruturas
laborais; ou a impotência generalizada, perante uma mundialização
em que podem participar, apenas, alguns privilegiados. Abalado por
ver, assim, postas em causa as bases da sua existência, o homem contemporâneo corre o risco de encarar como ameaças as evoluções que
se operam além das fronteiras do seu grupo imediato e de, paradoxalmente, ser tentado, por um sentimento ilusório de segurança, a fecharse sobre si mesmo, com a eventual consequência de rejeição do outro.
A partir de então, se entende um pouco da estagnação destes trabalhadores ao não buscarem melhores condições de vida, o novo sempre
assusta, desacomoda, a falta de apoio, de uma base que faça com que tal
trabalhador consiga sair do seu mundinho e buscar algo melhor , está em
falta, não há quem os apoie, não há uma política pública voltada para
melhor a qualidade de vida dos marginalizados e excluídos da sociedade,
coexiste junto com interesses, apenas o assistencialismo que gera a acomodação e tudo permanece como esta. Em concordância isto Freire
(1983), dizia que o oprimido, se instigado a lutar pelo opressor, vê-se
liberto e por tal deseja parecer-se ao opressor, oprimindo-se ainda mais.
Não há como provar que os que vivem oprimidos se sintam bem
assim, pois o não se saber oprimido é um ato de conformação que não
permite libertação. A conformação não permite nem a menor tentativa
em busca de um novo emprego, sabendo-se excluídos, não enxergam o
quanto são importantes em suas funções de reciclagem.O papel social dos
recicladores(as)é fundamental como dizia Stroh e Santos (2007, p.145),
―[...] a existência social do catador(a) pode ser indesejável, porem o trabalho é economicamente indispensável‖. Nesta abordagem vê-se de forma
muito explicita o fato de que para muitos a presença social do reciclador,
ou catador como muitos o definem, é indesejável, porem indispensável e
se indispensável, deve-se a valorização.
Valorização esta que muitas vezes não é vista, pois a sociedade
não aceita, os não possuidores de bens materiais, isso inclusive por causa
de políticas públicas ineficazes e de baixa alcançabilidade, em concordância com tal. Lousada (2011, p.173) dizia que:
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A desigual distribuição de bens sociais e econômicos, culturais e políticos, exclui uma extensa legião de pessoas dos processos de participação e provoca a inclusão ou integração em formas desumana se sobrevivência e protagonismo social como modos privilegiados deste e não
como a concretização de direitos.
A pobreza em nosso país é vista como dispensável, tanto que as
políticas públicas na área social, estão tão relacionadas a questões econômicas do Brasil, que não se concretizam, acarretando cada vez mais
pobres e excluídos na sociedade. Os recicladores(as) encontram-se nesta
maioria excluída, sem acesso a bens sociais e públicos, sem apoio, sem
esperança. Desfrutam da experiência de um viver coletivo e desigual,
excluídos, onde sobre maneira se generaliza a pobreza,
[...] não existem medidas por onde necessidades possam ser formuladas como direitos. Sem essa medida caem nessa vala comum que
transforma todos em pobres. Talvez se tenha aí uma chave para definir
o próprio sentido da exclusão, para além do que os indicadores sociais
são capazes de medir. (TELLES, 1992, p.09).
Dado que, muitos ao necessitarem da utilização de seus próprios
direitos se veem colocados em um mesmo nível na sociedade e sem chances de se sobreporem a isso, acrescentam indicadores de exclusão e de
necessitados em nosso país. Seres humanos que sobrevivem a partir de
sua própria vontade de não desistirem, pois a profissão que exercem,
mesmo que com muita dignidade, os diminui perante uma sociedade que
não caracteriza como dignificante a profissão de reciclador(a) de lixo.
Ainda ao falarmos de exclusão Martins (2002, p.45) nos coloca
que exclusão não é:
Basicamente, a exclusão é uma concepção que nega a história, que nega a práxis e que nega a vítima a possibilidade de construir historicamente seu próprio destino, a partir de sua própria vivencia e não a partir da vivencia privilegiada de outrem [...]. A categoria ―exclusão‖, expressa a mesmo tempo uma verdade e um equívoco. Revela o supérfluo e oculta o essencial [...]. O que procuro mostrar, no fundo, é que
exclusão não diz respeito aos excluídos. É, antes, uma impressão superficial sobre o outro por parte daqueles que se consideram ‗incluídos‘
(humanizados) e não o são de fato.
Não está escrito em lugar algum que os recicladores(as) devem
viver a margem da sociedade, eles assim o vivem, são apenas efeitos de
um sistema que privilegia os que possuem maior quantidade de bens
materiais, girando sempre em sistema capitalista, que age sem ser visto e
destrói muito mais do que aparentemente podemos notar. Sem estudos
suficientes para a busca de outra profissão, tendem a permanecer nesse
contexto, muitas vezes conformados com a própria condição de não sa-
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berem-se excluídos, pois entendem-se como amigos da natureza, e assim
nesse trabalho de reciclagem sustentam suas famílias dia após sai, de
forma digna, sem precisar corromper seu caráter.
Sobrevivem em uma sociedade capitalista que assim os tratam,
como se tivessem uma marca, como se o preconceito fosse normal, enquanto na verdade merecem a devida importância, Cesconetto (2005,
p.03) traduz um pouco do que vemos atualmente, quando dizia,
Os catadores trazem consigo uma marca atribuída socialmente – a exclusão, buscam através do seu trabalho de coleta do ―lixo‖ continuar
inseridos na sociedade de produção e consumo capitalista, e também a
possibilidade de continuar ―digno e honesto‖, não se deixando contaminar pelo universo do roubo ou da esmola.
Os recicladores(as), ou catadores(as), como o autor coloca, são
cidadãos, como todos, que sobrevivem de seu trabalho e isso os tornam
tão cidadãos quanto qualquer outro, o trabalho que os mantêm dignos,
mas com uma enorme perda de identidade, por parte dos recicladores(as)
que não tem nome, nem rosto, são somente recicladores(as). Uma busca
por cidadania, que não se vislumbra a curto prazo, um trabalho digno
como qualquer outro, que gera um determinado preconceito, sem uma
razão específica ou determinada, mas por muitas razões indeterminadas,
o lixo, que é o objeto de trabalho, vira o objeto propulsor do preconceito,
sem um entendimento ambiental, e mesmo social desta reciclagem, apenas o entendimento, de que o lixo é lixo.
A conservação e a limpeza do meio ambiente são necessárias
tanto para pobres, quanto para ricos. Por muitas vezes estes se desdobram
em silêncio ao se depararem com algo a ser mudado, e a pobreza é repetitiva neste sentido, pois tanto para os pobres que é o caso quanto para os
ricos a reciclagem se faz necessária, é uma via de mão dupla que um
precisa do outro.
3.
Considerações Finais
A discussão se estende ao patamar do quanto estes estão sendo
abandonados em nossa sociedade, o quanto os recicladores refletem a
sociedade de consumo, que gasta e descarta e desvaloriza. Neste sentido
a educação social tem papel fundamental na interação, entre os recicladores(as) e a sociedade no geral, nas palavras de Baptista (2008, p.23), que
dizia:
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Situada no interior da chamada ―ação social‖, a intervenção pedagógica assume exigências de especialização muito próprias, em conformidade com a singularidade dos problemas e situações, mas funcionando
sempre mais do que ―uma pedagogia de urgência‖ de acordo com um
sentido integrado e integrador do processo de desenvolvimento humano.
A educação social traduz a educação não formal, aquela que se
aprende no dia a dia, por experiência, nestas os recicladores(as) são formados, experiência os mesmos tem, de vida, de convívio de força, de
suportar. Embora ainda estejam à margem da sociedade, sem esperança,
não desistem, de todo dia voltarem os seus postos dentro da cooperativa e
continuarem com o trabalho de reciclagem, porque mesmo sem a devida
valorização dependem deste para sobreviverem. O papel cidadão de cada
reciclador(a) , indispensável dentro do contexto de sociedade, que não
para de produzir lixo todos os dias e de forma exorbitante, mas o que se
quis aqui é a indagação quanto a reconhecimento do papel social do reciclador(a), porque o mesmo existe, é indispensável, dentro da sociedade
de consumo, porém inexplicavelmente não é reconhecido.
A realidade e o contexto dos recicladores(as) é que os mesmos,
se apegam ao fato de cuidarem da natureza, quase que de maneira utópica, como única maneira de se fazerem ver na sociedade, fez com que ali
encontrassem um caminho, muitos não conhecem os recicladores, muitos
não reconhecem que os mesmos existam, muitos não querem ver que
estes existem, então fazer-se ver é não ser excluído, fazer-se cumprir seus
direitos como cidadãos iguais a todos os outros é não fazer parte da porção excluída. Em um trabalho engrandecedor de reciclagem, e de sustento da família.
Por muitas vezes estes se desdobram em silêncio ao se depararem
com algo a ser mudado, e a pobreza é repetitiva neste sentido, pois tanto
para os pobres, quanto para os ricos a reciclagem se faz necessária, é uma
via de mão dupla, que um precisa do outro, a fim de conservação e limpeza do meio ambiente, onde todos precisam viver, pobres e ricos.
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ESCOLA INCLUSIVA:
PROCEDIMENTOS PARA INCLUSÃO DE
ALUNA COM AUTISMO NA ESCOLA DE
EDUCAÇÃO BÁSICA LUÍZA SANTIN, DA REDE
ESTADUAL DE ENSINO DE CHAPECÓ - SC
Claudia Daniele Spier Hoffelder1
Claudia Simone Fantin2
1.
Introdução
Com o passar dos anos, as escolas aos poucos foram se adaptando para tentar proporcionar acessibilidade a todas as crianças, isso em
virtude da busca social pela garantia dos direitos humanos e da legalização do acesso das pessoas com deficiência na escola comum.
Neste sentido o tema desta pesquisa foi: Escola Inclusiva: Procedimentos para a inclusão de aluna com autismo na Escola de Educação
Básica Luíza Santin, da Rede Estadual de Ensino de Chapecó – SC.
A escolha do tema justificou-se pela nossa inquietude em saber
sobre os procedimentos de inclusão de pessoas com autismo no ensino
regular, uma vez que a rede estadual de ensino tem incluído vários alunos
com este transtorno.
O foco desta pesquisa foram os procedimentos utilizados pela
equipe de profissionais da escola, para que a aluna com autismo conseguisse lidar melhor com as informações sensoriais, com o convívio social,
com as mudanças de rotinas, amenizando as estereotipias e estabelecendo
comunicação; culminando com a permanência da aluna no ensino regular com aprendizagem significativa.
1
2
Especialista em Altas Habilidades/Superdotação pela CENSUPEG. Professora da
Educação Básica Técnica e Tecnológica do Instituto Federal de Santa Catarina. email: claudia.daniele@ifsc.edu.br
Mestre em Educação pela UNOCHAPECÓ. Consultora Educacional da CRE de
Chapecó. Grupo de Pesquisa do PARFOR - UNOCHAPECÓ. E-mail:
claudiafantin@unochapeco.edu.br
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A pesquisa em relação ao tema apresentado teve como objetivo,
analisar os procedimentos utilizados pela escola regular na organização
da aluna com autismo no espaço escolar, atendendo suas peculiaridades e
seu processo de aprendizagem.
A fundamentação teórica através da qual pôde ser feita a análise
e reflexão sobre o tema baseou-se em estudiosos do Transtorno do Espectro Autista como Orrú (2011; 2012), Cunha (2011), Leboyer (1995), Mello (2007), Suplino (2007), Santa Catarina (2009), Silva, Gaiato e Reveles
(2012) entre outros.
A pesquisa teve abordagem de cunho qualitativo com dimensão
de estudo de caso, assumindo uma postura analítica-descritiva. O projeto
se desenvolveu em dois momentos, a pesquisa bibliográfica e a pesquisa
de campo.
A busca de informações sobre as teorias atuais a respeito do autismo, suas manifestações e formas mais usuais de intervenção foram
feita em materiais publicados, o que caracteriza uma pesquisa bibliográfica. Segundo Gil (2008, p. 50) ―A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a
partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e
artigos científicos.‖
Já a pesquisa de campo pode ser caracterizada como o que Fonseca (2002) descreve a seguir:
A pesquisa de campo caracteriza-se pelas investigações em que, além
da pesquisa bibliográfica e/ou documental, se realiza coleta de dados
junto a pessoas, com o recurso de diferentes tipos de pesquisa (pesquisa
ex-post-facto, pesquisa-ação, pesquisa participante, etc.) (FONSECA,
2002 apud GERHARDT e SILVEIRA, 2009, p. 37).
Para a coleta de dados foram utilizados os instrumentos de observação com utilização de um diário de campo e entrevista com questões
semi-estruturadas. A aluna foi também observada no ambiente escolar,
nas suas interações com os colegas e professores e seu relacionamento
com a aprendizagem. A observação da aluna foi realizada em quatro
horas pontuais, porém a pesquisa teve duração de aproximadamente 10
meses.
A amostra dos profissionais entrevistados foi composta pelos
profissionais que tem ligação direta ou indireta com a aluna, a segunda
professora e a orientadora pedagógica. A professora da turma não foi
entrevistada porque havia começado a pouco tempo na turma. Os dados
coletados foram analisados utilizando-se da Análise de Conteúdo (MI-
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NAYO, 2010). Dentre as várias modalidades de Análise de Conteúdo, foi
utilizada a Análise Temática.
Nesse sentido, este artigo está estruturado em três grandes temas:
A contextualização do autismo ao longo da história; O espaço escolar e o
processo de inclusão e por último; O fazer pedagógico na mediação com
alunos autistas. As considerações finais trazem os apontamentos do estudo realizado.
2. Desenvolvimento teórico
2.1 Contextualizando o Autismo
O autismo tem sido alvo de pesquisas desde o início do século
XX, mas as primeiras pesquisas foram publicadas apenas em 1943. Segundo Mello (2007, p. 15) ―O autismo foi descrito pela primeira vez em
1943 pelo Dr. Leo Kanner, em seu histórico artigo escrito em inglês:
Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo.‖ Orru (2011) argumenta que as
pesquisas de Kanner iniciaram já no início dos anos 40, com crianças que
tinham comportamentos estranhos, imensa dificuldade em estabelecer
relações com outras crianças, atrasos na aquisição e no uso da linguagem,
obsessão pela manutenção da rotina, realização de atividades ritualizadas
e parecia que viviam alheias ao mundo, sem responder a estímulos externos, mantendo-se isoladas do mundo.
Tentar descobrir a etiologia do autismo foi o objetivo dos pesquisadores deste transtorno, várias hipóteses foram levantadas, porém sem
grandes resultados. Atualmente já se tem uma definição mais clara do
que é o autismo, e de que não há uma etiologia específica que seja a causa para este transtorno:
Hoje, sabe-se que o autismo não é uma doença única, mas sim um distúrbio de desenvolvimento complexo, que é definido de um ponto de
vista comportamental que apresenta etiologias múltiplas e que se caracteriza por graus variados de gravidade. Na manifestação clínica dos diferentes quadros observa-se a influência de fatores associados que não
necessariamente fazem parte das características principais do autismo.
Entre eles cita-se como de grande importância a habilidade cognitiva.
(ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2006, p. 423).
As crianças com autismo podem ter um desenvolvimento normal
nos primeiros meses e até anos, mas o transtorno se manifesta geralmente
antes dos três anos de idade.
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Autismo é uma síndrome definida por alterações presentes desde idades muito precoces, tipicamente antes dos três anos de idade, e que se
caracteriza sempre por desvios qualitativos na comunicação, na interação social e no uso da imaginação. (MELLO, 2007, p. 16).
Estes desvios citados por Mello (2007) são chamados de tríade,
responsável por padrões de comportamentos repetitivos e restritos. Ao
que se refere as condições de inteligência, os graus variam muito, desde a
deficiência mental grave ate a níveis de inteligência acima da média.
A aluna que foi o sujeito deste estudo tem diagnóstico de Transtorno Global do Desenvolvimento (CID F 84), com manifestações de
Autismo Atípico, Comportamento Hiperativo, Desatento, ObsessivoCompulsivo, Agitação Psicomotora e Estereotipias. Iniciou sua escolarização na pré escola em uma escola particular. Na EBB Luíza Santin
ingressou no ano de 2011, no momento da realização da pesquisa (2015)
estava no 5º ano e demonstrava grandes avanços no seu processo de desenvolvimento tanto biopsicossocial quanto pedagógico. Nessa sala de
aula, há para a regência da turma dois professores, um deles oriundo da
modalidade da educação especial e denominada de segunda professora.
A escola tem conseguido manter a mesma segunda professora para esta
aluna desde o 1º ano. No contraturno freqüenta o Atendimento Educacional Especializado em uma instituição especializada.
2.2 O espaço escolar e o processo de inclusão
Tendo em vista as características do Transtorno do Espectro Autista - TEA e o desafio da inclusão de uma aluna com este diagnóstico, a
comunidade escolar se organizou para a inclusão desta aluna. Através
das entrevistas e da observação, pôde-se perceber que a escola organiza
ações para a inclusão de todos no espaço escolar, pois para a inclusão
desta aluna, mesmo antes de seu ingresso, já estavam preocupados em
preparar a turma e orientar toda comunidade escolar. Buscaram compreender melhor o transtorno e suas manifestações; investiram também na
parceria com a família e com a instituição especializada que a aluna freqüentava para atendimentos clínicos e pedagógicos.
Com um trabalho em conjunto e ações planejadas, o processo de
inclusão começou a acontecer de fato;, os erros e acertos foram analisados para reorganizar a ação pedagógica. Conforme Cunha (2011, p. 93)
―[...] é necessário que os pais e os profissionais da escola trabalhem da
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mesma forma, estabelecendo os mesmos princípios que permitirão uma
articulação harmoniosa na educação.‖.
Como a criança com autismo tem dificuldades na comunicação e
na socialização, sua imaginação também fica comprometida, podendo
acarretar uma série de manifestações e comportamentos que devem ser
conhecidos pelos pais e todos os profissionais que atuam com a criança.
Neste sentido a pesquisa realizada demonstrou que houve uma
grande interação entre família e escola, ambas estavam por vezes inseguras, mas trabalhando juntas com muito empenho e dedicação para que o
processo de inclusão fosse positivo.
Quanto às dificuldades de socialização, há entre os autistas os
mais variados níveis de gravidade, desde os mais severos até dificuldades
muito sutis.
Existem crianças com problemas mais severos, que praticamente se
isolam em um mundo impenetrável; outras que não conseguem se socializar com ninguém; e aquelas que apresentam dificuldades muito sutis, quase imperceptíveis para a maioria das pessoas [...]. (SILVA;
GAIATO; REVELES, 2012, p. 22).
Em relação a socialização, a orientadora pedagógica da escola
relata que ―a escola sempre incentivou a participação da aluna em todas
as atividades propostas, sempre respeitando os seus limites e instigando
sua participação e superação de suas dificuldades.‖ Percebeu-se também
que a turma compreende e respeita as diferenças e colabora para a inclusão da aluna. Segundo as entrevistadas, ―hoje a aluna abraça, beija, anda
de mãos dadas, deita-se no ombro dos professores, colegas, funcionários,
tendo o lado afetivo melhor organizado. Inicialmente passava pelas pessoas e mesmo chamada pelo nome, não aparentava dar atenção.‖
É possível perceber que as características da aluna, bem como
suas manifestações no decorrer do seu processo de inclusão, fez com que
a escola planejasse suas ações direcionadas a todos os alunos, mas com
objetivos específicos para a aluna com autismo.
Os padrões de comportamentos apresentados pelas pessoas com
autismo independem de raça, cultura ou meio social em que vivem, estão
relacionados ao modo singular como esta síndrome se desenvolve. Segundo Silva, Gaiato e Reveles (2012), a manifestação do comportamento
das pessoas com autismo podem ser divididos em duas categorias: os
comportamentos motores estereotipados e repetitivos e os comportamentos disruptivos cognitivos.
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Em relação às estereotipias, na entrevista as educadoras relataram que no início da escolarização a aluna teve vários surtos na escola.
Segundo a professora “ela surtava de uma hora para outra, geralmente acontecia quando ela era contrariada ou quando havia barulho excessivo. Ela jogava-se
no chão, se batia nas paredes, chutava as portas. [...] Os surtos geralmente aconteciam após o intervalo, pois queria continuar passeando.”
Segundo a orientadora ―No início foi adaptado o horário, ela entrava depois de todos os alunos, depois do sinal, para evitar o barulho que
ela não suportava.‖ Gradativamente a escola foi ajustando o horário para
que conseguisse cumprir a carga horária como as demais crianças. Ainda
segundo a orientadora: ―Nós aprendemos no dia a dia acalmar os surtos,
não tem nada que esclareça como lidar, foi no dia a dia que fomos descobrindo como lidar.‖
As entrevistadas relatam que sempre fizeram muita orientação
com a turma inteira, os colegas também aprenderam a lidar com a aluna
e não dar importância aos seus movimentos estereotipados. Ambas consideram a compreensão e auxílio da turma fundamental para a aluna
autista em sala de aula. As educadoras percebem que a aluna esta reagindo de forma mais madura quando contrariada, ―não se atira e não grita
mais,” também comentaram que diminuíram os movimentos repetitivos,
sendo quase inexistentes, pois age e imita muito seus colegas.
Com muita conversa e orientação, a escola percebe que ela esta
mais concentrada, tranquila, aceita mais facilmente os combinados, conseguem desviar o foco de interesse e direcioná-la para a atividade que esta
sendo trabalhada. Por vezes a aluna inicia uma fixação por um objeto ou
por alguma tarefa, mas a professora está sempre atenta para auxiliar em
sua autorregulação.
Na observação realizada em sala de aula, a aluna não apresentou
em nenhum momento movimentos estereotipados ou disruptivos. A professora conversava com a aluna sobre o que deveria ser feito, mesmo as
vezes contrariada, aceitava as regras como as demais crianças. Hoje a
segunda professora é uma referência para a aluna, segundo Cunha (2011,
p. 53) ―A relação afetiva do aluno autista com o professor é o início do
processo de construção de sua autonomia na escola.‖
A constante busca de informações de como lidar com pessoas
com autismo, fez com que as educadoras organizassem formas para lidar
com relação aos comportamentos apresentados e encontrassem alternativas para a comunicação e organização da aluna na escola.
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2.3
O fazer pedagógico na medicação com alunos autistas
Para que o educador consiga mediar com um aluno, ele precisa
primeiramente encontrar formas para se comunicar com o mesmo. Segundo Cunha (2011, p. 41), ―A linguagem para a comunicação social
demanda, em sua essência, a abstração e a codificação e, por isso, ela se
torna extremamente literal e desprovida de símbolo no universo autístico.‖ As informações dadas às pessoas com autismo devem ser simples,
claras e diretas, pois tendem a interpretar tudo de forma literal.
Atualmente existem várias estratégias de intervenção com a pessoa com Transtorno do Espectro Autista, porém não há consenso entre
os pesquisadores; algumas tem caráter comportamental outras tem intervenções na perspectiva sócio histórica. Os tipos mais usuais de intervenções utilizadas para comunicação e ensino são o método TEACCH Tratamento e educação para crianças com autismo e com distúrbios correlatos da comunicação, a comunicação suplementar ou alternativa, a
Análise Aplicada ao Comportamento (ABA) e o Currículo Funcional
Natural.
Na Política de Educação Especial de Santa Catarina (2009), que
tem seu fundamento teórico na Proposta Curricular de Santa Catarina
amparada na teoria sócio histórica e nos fundamentos de Vygostki, não
encontramos orientação sobre a utilização de métodos específicos de
trabalho a serem empregados no processo ensino-aprendizagem de alunos com autismo, fala sim, em estratégias de trabalho, como a comunicação alternativa e aumentativa para o autismo.
Em relação ao caso pesquisado, a professora relata que no início
da escolarização, tentaram a utilização de uma adaptação do método
TEACCH. Fizeram um quadro de rotinas com figuras conforme seriam
feitas as atividades do dia. Pelos relatos pode se observar que também
utilizaram de Comunicação Alternativa, utilizando figuras significativas
para a aluna, para a organização das atividades. Com o passar do tempo,
as educadoras perceberam que aquela forma de organização e comunicação não chamava mais a atenção da aluna, ela já havia superado esta
fase.
A professora relata que “por um período, tentamos sua organização
através de uma agenda, mas não é mais necessário; as informações são repassadas
verbalmente, e a aluna consegue compreender.” Nem sempre ela sinaliza no
momento, mas depois as professoras percebem que as informações foram
assimiladas. Segundo a orientadora, hoje elas utilizam outra estratégia
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quando querem que a aluna compreenda o que é esperado dela; a organização é realizada com a turma toda, explicando que comportamentos
seriam esperados dos alunos.
Em relação a aluna autista falou: “ela esta ligada, parece não estar,
mas depois ela demonstra o que gente quis passar pra ela, dias ou semanas depois
ela demonstra, ela te dá o retorno, ou até no momento, depende de como ela está
naquele dia também.”
Na observação feita em sala de aula, todas as orientações que a
professora realizou foram diretamente para a aluna, por vezes precisava
repetir, mas em nenhum momento se fez necessário outra forma de comunicação. Percebeu-se que a aluna tem confiança na segunda professora, e mesmo com a turma agitada, ficava atenta ao que lhe era orientado.
Dificilmente respondia, às vezes demonstrava ecolalia, mas em suas
ações demonstrava compreender as informações.
Em relação as adaptações curriculares, a segunda professora relata “que geralmente adapta as atividades que a turma está realizando, dentro do
mesmo conteúdo. A maioria das atividades requer mediação, mas em algumas
como jogos no computador e quebra-cabeças, consegue realizar sem auxílio constante.”
No momento da observação, a turma estava trabalhando uma
atividade sobre a Páscoa. A aluna com autismo não realizou esta atividade, ela realizava uma atividade com figuras e letras do alfabeto, mediado
pela segunda professora.
Segundo relato da segunda professora: “Tem dias que você não consegue fazer todo este trabalho, que não consegue fazer este trabalho diferente porque
ela não está legal ou não quer aquele dia, [...] Porque as vezes dentro do que a
professora está trabalhando nem sempre você consegue porque ela não aceita, não
chama atenção.[...] As vezes você não consegue saber o que realmente ela quer
porque ela demonstra de um jeito que nós nem sempre sabemos interpretar.”
O relato acima enquanto estratégia de trabalho, remete ao que o
Currículo Funcional Natural preconiza, que é somente o necessário e útil
para a vida do aluno.
A palavra funcional se refere à maneira como os objetivos educacionais são escolhidos para o aluno enfatizando que aquilo que ele vai
aprender tenha utilidade para sua vida a curto ou a médio prazo. A palavra natural diz respeito aos procedimentos de ensino, ambiente e materiais os quais deverão ser o mais semelhantes possível aos que encontramos no mundo real. (LeBLANC, 1992. apud SUPLINO, 2007, p.
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Com base no exposto, se a professora não conseguir atribuir funcionalidade e importância ao conteúdo trabalhado, a aluna com autismo
não demonstrará o interesse pela atividade proposta, necessitando outras
alternativas de intervenção.
Uma grande dúvida das educadoras é em relação ao seu processo
de alfabetização, pois a aluna reconhece todas as letras do alfabeto;
quando solicitada escreve as letras, mas quando realiza uma atividade
sem mediação, as escreve aleatoriamente, principalmente as que fazem
parte de seu nome. A mãe relatou para a escola, que em uma das atividades que sua filha fez em casa, escreveu várias letras aleatórias, mas no
meio da página escreveu duas palavras que haviam sido trabalhadas na
escola dias antes. Este fato analisado pelas educadoras, fez com que percebessem que a mediação realizada anteriormente culminou em aprendizagem, pois a aluna nem sempre demonstra de forma que a professora
compreenda, o que aprendeu no momento da mediação.
As entrevistadas ponderam: “A nossa dúvida ainda hoje é: ela lê ou
ela não lê? Sendo que ela faz tantas coisas que dá indícios de que ela está lendo,
mas a gente ainda não conseguiu ainda confirmar isso.” A aluna pode estar
alfabetizada, mas as educadoras ainda não conseguiram compreender a
totalidade de manifestações da aluna e suas múltiplas linguagens, para
compreender melhor seu nível de aprendizado e compreensão.
Através da entrevista, percebeu-se que a maior dificuldade em relação ao que a aluna consegue aprender, é o fato da dificuldade na comunicação verbal. As educadoras relatam que a aluna demonstra aprendizagem, mas não é de imediato, geralmente em dias ou momentos após
as intervenções.
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3
Considerações finais
Com o término da pesquisa, pode-se concluir que a escola não
utilizou-se de estratégias específicas e nem seguiu métodos fechados para
a inclusão da aluna autista. Em alguns momentos tentaram utilizar-se de
estratégias fundamentadas por alguns métodos, como a comunicação
alternativa, organização de agenda e o trabalho de atividades direcionadas ao interesse do aluno como sugere o currículo funcional natural.
Percebe-se que os profissionais envolvidos demonstraram interesse, estudaram muito e tiveram acertos e erros nas tentativas de inclusão da aluna com autismo. A permanência da mesma segunda professora
na turma em todos os anos escolares, da orientadora educacional dar o
suporte pedagógico necessário e da escola ter um olhar inclusivo, vem
contribuindo para o êxito nesse processo de inclusão. Houve também
grande parceria entre escola, família e equipe da instituição especializada
que a aluna autista freqüenta, sempre com o mesmo foco e objetivo, a
inclusão da aluna no ensino regular.
Foi possível perceber que em todas as ações realizadas pelos
educadores, houve mediação intencional, assim como preconiza a abordagem histórico cultural, onde leva-se muito em consideração o ambiente
em que a criança está inserida e a relação com seus pares, ocorrendo
aprendizagem nessas relações mediadoras.
A mediação no contexto escolar aconteceu em todos os momentos, nas experiências com seus colegas, com os professores, e principalmente na igualdade de oportunidades que lhe foram oferecidas, respeitadas as suas limitações mas acreditando na sua potencialidade.
Orru (2012) descreve a respeito de que a linguagem, embora seja
comunicativa e auxilia na construção do pensamento também organiza e
planeja a ação e regula o comportamento. Este fato torna significativa a
ação das educadoras, que tentaram diversas formas de comunicação,
eliminando as que não surtiam os efeitos desejados e que não chamavam
a atenção da aluna.
A escola precisa estar atenta ao aluno como um todo, e essa
atenção ficou muito presente nos dados coletados e nas observações realizadas, as educadoras estavam atentas não apenas nas limitações, mas
nas possibilidades da aluna, realizando mediações intencionais e significativas. Desta forma a escola está obtendo resultados positivos no desenvolvimento desta aluna, quando proporciona a ela a participação nas
mais diversas atividades em que toda a turma está envolvida. São respei-
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tadas suas limitações, mas possibilitado seu envolvimento. A aluna
aprendeu a se autorregular, a se socializar, a conviver com seus pares, e a
melhor forma de se fazer isso é tendo a oportunidade de conviver e experimentar. Só se aprende a conviver convivendo, só se aprende a ser um
ser social, vivendo em sociedade.
Acreditar que é possível vencer as dificuldades e fazer com que
uma criança com autismo participe ativamente da vida social é o maior
desafio para os educadores, mas além de vencer as dificuldades, é preciso
que o educador supere seus próprios preconceitos e invista em uma inclusão verdadeira, que atenda a todos os alunos em suas diferenças, respeitando sua individualidade.
Com o término da pesquisa, reafirmamos nossas percepções enquanto pesquisadoras/educadoras, passamos a considerar cada vez mais
a possibilidade da inclusão de todos no espaço da escola, desde que a
inclusão seja responsabilidade de toda a comunidade escolar. A inclusão
implica no direito de todos a educação com qualidade e no respeito às
diferenças.
Também se torna necessário este olhar inclusivo em um âmbito
maior, de gestão e efetivação de políticas públicas que assegurem a acessibilidade ao espaço físico, ao currículo e a contratação de profissionais
habilitados que consigam atender a demanda de pessoas com deficiência
com qualidade.
Quando se refere aos profissionais que atuam com crianças com
deficiência ou transtornos, a forma de contratação também deveria ser
revista, sendo permitido manter o vínculo entre professor e aluno, dando
continuidade ao trabalho desenvolvido. Por fim, a inclusão é possível,
desde que todos os envolvidos neste processo assumam seu papel, colaborando efetivamente para uma escola inclusiva com ensino de qualidade.
Referências
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educativas na escola e na família. 3. ed. Rio de Janeiro: Wak, 2011.
GERHARDT, Tatiana E.; SILVEIRA, Denise T. (organizadoras).
Métodos de Pesquisa. Coordenado por UAB/UFRGS. Porto Alegre: Ed
da
UFRGS,
2009.
http://www.ufrgs.br/cursopgdr/
downloadsSerie/derad005.pdf Acesso em 20/11/2013.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2008.
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AMA; Brasília: CORDE, 2007.
MINAYO, Maria Cecília de S. O Desafio do Conhecimento: pesquisa
qualitativa em saúde. 12. ed. – São Paulo: Hucitec, 2010.
ORRU, Sílvia E. Autismo, linguagem e educação: interação social no
cotidiano escolar. 3. ed. Rio de Janeiro: Wak Ed., 2012.
ORRU, Sílvia E. Autismo: O que os pais devem saber? 2. ed. Rio de
Janeiro: Wak, 2011.
ROTTA, Newra T; OHLWEILER, Lygia; RIESGO, Rudimar S.
Transtornos da Aprendizagem – Abordagem neurobiológica e
multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006.
SANTA CATARINA. Proposta Curricular de Santa Catarina:
Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio: Disciplinas
Curriculares. Secretaria de Estado da Educação e Desporto.
Florianópolis: COGEN, 1998.
SANTA CATARINA. Política de Educação Especial do Estado de
Santa Catarina. Coordenador Sérgio Otávio Bassetti – São José: FCEE,
2009.
SILVA, Ana Beatriz B.; GAIATO, Mayra Bonifácio; REVELES,
Leandro Tadeu. Mundo Singular: entenda o autismo. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2012.
SUPLINO, Maryse. Currículo Funcional Natural: guia prático para a
educação na área do autismo e deficiência mental. São Paulo: AMA,
2007.
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GESTÃO INTERCULTURAL ESCOLAR
Zenaide Borre Kunrath 1
1.
Introdução
Esta pesquisa tem como tema a gestão intercultural escolar, com
foco na análise das contribuições dessa abordagem na educação básica
brasileira. A relevância dessa pesquisa se caracteriza pela atualidade e
importância do tema, afinal, se discute muito no âmbito educacional
como a escola pode e deve ser um ambiente de respeito a diversidade e
como o professor pode abordar conteúdos mais relevantes na vida dos
alunos.
Nesse sentido, a teoria intercultural se apresenta como uma das
soluções para ser abordada em sala de aula com alunos de todas as idades. Contudo, a sua eficácia depende, entre outros elementos, da qualificação dos docentes. Essa qualificação se inicia no período em que estão
em processo de formação na universidade, ou seja, nos cursos de licenciatura. Logo, conhecer e discutir sobre os principais conceitos e contribuições da interculturalidade na gestão escolar e no ensino aprendizagem é
de suma importância para a sua eficácia em sala de aula, além de analisar
como os princípios da interculturalidade se materializam nos planos de
gestão nas escolas estaduais com mais de quinhentos alunos, localizada
na região urbana de Chapecó. A pesquisa objetiva:
a) Conceituar educação Intercultural destacando suas potencialidades para outra gestão escolar;
b) Analisar como os princípios da educação intercultural se
materializam nos planos de gestão das escolas da rede estadual do
município de Chapecó;
c) Sistematizar e propor princípios para uma gestão intercultural da escola;
1
Mestranda em Educação. Unochapecó. Professora Colaboradora na Graduação e
Pós Graduação. Uniasselvi. Grupo de pesquisa. Desigualdades sociais, diversidades
socioculturais e práticas educativas.pzenaideborre@hotmail.com
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Metodologicamente embasada em pesquisa do tipo documental,
que vai analisar documentos oficiais atuais e tem como fonte dados primários.
No que concerne a análise dos dados coletados, esta acontecerá a
partir do diálogo com autores e documentos selecionados de modo a
atender os objetivos estabelecidos para essa pesquisa. Autores e obras que
dialogam com o tema da pesquisa, considerados suportes teóricos e científicos deste trabalho, como fio condutor da pesquisa, está a teoria intercultural crítica, através das obras de Vera Maria Candau, Reinaldo Matias Fleuri, Fornet-Betancourt, contudo no decorrer das análises outros
autores, obras e pesquisas foram levadas em consideração.
Nesse sentido, a construção da pesquisa e analises serão feitas a
partir da leitura de livros, textos, e análise de documentos, relacionando
com a prática gestora. A partir dos objetivos, será possível identificar o
que se propõe a educação intercultural e como ela se materializa nos
planos de gestão escolar. Após estudos e análise, vamos sistematizar e
propor princípios para uma gestão intercultural da escola;
2.
Educação Intercultural
Para iniciar esse debate, é necessário primeiro partir de um pressuposto simples, mas ainda muito negado por grupos que acreditam na
superioridade racial: somos resultado de diferentes mestiçagens ocorridas
durante a história, no processo de construção das civilizações. Além disso, só existe uma espécie biológica do homem, diferente das hierarquias
desenvolvidas pelo processo de racismo, logo qualquer defesa de pureza
biológica é absurda, afinal todos pertencem a mesma espécie.
Esse movimento de pensar os seres humanos como todos igualmente dignos de respeito e direitos, emerge com os estudos pós-coloniais,
que buscam reforçar a semelhança dos indivíduos. Contudo, ainda prevalece a soberania de certos povos e culturas sob outros, atribuindo a estes,
categorias de segunda classe (COPPETE; FLEURI; STOLTZ, 2012 a).
Colocado isso, é necessário pensar que a diversidade cultural
existe, portanto, a principal questão posta é: como a espécie humana
pode viver junta? Segundo Marin (2010) esse é o desafio proposto pela
interculturalidade. Contudo, se pode ver pela condução da história que
houveram (e ainda ocorrem) guerras, genocídios, crises, que constroem as
sociedades contemporâneas.
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De acordo com Marin (2010, p. 5), a consequência principal da
reflexão intercultural ―é a de criar uma pedagogia apropriada às sociedades multiculturais‖. Logo, a proposta da teoria intercultural se refere ao
respeito para com a diversidade cultural, para que se desenvolva uma
perspectiva de mundo como um espaço a ser compartilhado entre todos
os seres.
Fleuri (2001, p. 53) entende interculturalidade como interação com
culturas diferentes, pois ―contribui para que uma pessoa ou um grupo
modifique o seu horizonte de compreensão da realidade na medida em
que lhe possibilita compreender pontos de vista ou lógicas diferentes de
interpretação da realidade ou de relação social.‖
Nessa perspectiva, a interculturalidade também contribui para
que ocorra valorização aos sujeitos, pois compreendendo o outro, também se o respeita.
Neste ambiente que surge o termo interculturalidade, empregado
para mostrar uma união de sugestões para uma convivência democrática
entre diferentes culturas, procurando a agregação entre elas sem anular
sua diversidade, ao oposto, fomentar a capacidade criativa e vital decorrente das relações entre distintas culturas e seus contextos.
O termo interculturalidade tem origem e vem sendo utilizado
com regularidade nas teorias e ações pedagógicas, mas saiu do contexto
educacional e ganhou maior abrangência passando a referir-se também à
praticas culturais e políticas públicas.
Este termo diferencia-se de outro bastante usado no estudo da
diversidade cultural que é o da multiculturalidade que indica apenas a
coexistência de diversos grupos culturais na mesma sociedade sem apontar para uma política de convivência. (Fleuri, 2005).
Apesar da interculturalidade ser um conceito recémdesenvolvido, não foram poucos os estudiosos da comunicação, da antropologia, da sociologia e do marketing que já se debruçaram no mesmo.
A noção distingue-se do multiculturalismo e do pluralismo pela sua intenção direta de fomentar o diálogo e a relação entre culturas.
A interculturalidade depende de diversos fatores, como é o caso
das várias concepções de cultura, dos obstáculos comunicativos, da falta/
debilidade de políticas governamentais, das hierarquias sociais e das diferenças econômicas.
Este tipo de relações interculturais implica ter respeito pela diversidade; embora, por razões óbvias, o aparecimento de conflitos seja inevi-
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tável e imprevisível, podem ser resolvidos através do respeito, do diálogo
e da concertação/assertividade.
Nesse sentido, a escola funciona como instituição que deve mediar o diálogo entre estado e sociedade, discutindo sobre diversidade
cultural e linguística. Nesse ponto de vista, ―o enfoque interdisciplinar
utilizado pela reflexão intercultural nos permite o reencontro com as
múltiplas faces da sociedade e de sua complementaridade, tendo em vista
a integração democrática e participativa que buscamos‖ (MARIN, 2010,
p. 07).
Portanto, os docentes são a principal solução ou obstáculo para
transformar a escola e o processo de ensino e aprendizagem como espaço
intercultural. Ambas as questões (solução e obstáculo) perpassam a formação do docente. Logo, a escola ―processa tanto a produção quanto a
reprodução da cultura, podendo ocorrer tanto a desconstrução de práticas
discriminatórias em relação aos diferentes quanto a naturalização das
desigualdades‖ (MUNSBERG; FERREIRA DA SILVA, 2018, p. 149),
evidenciando ainda mais a importância da educação e do professor nessa
busca por mudança.
3.
Escolas Interculturais
As escolas interculturais existem nas regiões de fronteira, é desenvolvido no âmbito do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), em
cidades brasileiras da faixa de fronteira de um lado e em suas respectivas
cidades gêmeas de países que fazem fronteira com o Brasil. Até o ano de
2013, os países envolvidos são: Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela.
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Mapa dos países com escolas interculturais
Venezuela
Brasil
Bolívia
Paraguai
Argentina
Uruguai
Fonte: Elaborado pelo autor com base no banco de dados do Portal da Educação Integral (BRASIL, 2013)
Mapa dos municípios com escolas interculturais no Brasil
Paca-
Ponta
Foz do
Dionísio Cerqueira
São Borja
ItaUruguaiana
Jaguarão
Ch
Santa Vitória do
Fonte: Elaborado pelo autor com base no banco de dados do Portal da Educação Integral (BRASIL, 2013)
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Conforme o portal da educação integral (BRASIL, 2013):
O principal objetivo das escolas é o de promover a integração regional,
por meio da educação intercultural que garanta formação integral às
crianças e aos jovens nas regiões de fronteira do Brasil com outros países.
Estas escolas usam a segunda língua de maneira que esta passe a estar
cada vez mais presente no cotidiano da escola, de forma oral e escrita,
por meio de uma relação com o falante nativo da língua objeto de ensino-aprendizagem;
Nesta escola a relação pessoal/profissional com falantes nativos cujo
contato permite conhecer e vivenciar o sistema escolar do país vizinho.
E tem como objetivo ainda a ampliação da base informacional dos
conteúdos escolares, deixando de focar unicamente o nível nacional e
ocupando-se também com a região como unidade de trabalho.
A base legal do programa no Brasil compõe-se de dois documentos:
1.―Documento Marco Referencial de Desenvolvimento Curricular‖,
criado e aprovado no âmbito do MERCOSUL.
2. ―Portaria MEC n° 798, de 19 de junho de 2012‖, que institui o Programa em nosso País.
4.
Gestão Intercultural Escolar
A gestão intercultural escolar se baseia na importância das habilidades sociais e interculturais no contato entre profissionais, alunos e
familiares com diferentes realidades, vindos de diversas regiões do país e
do mundo. Essa diversidade de padrões culturais expõem uma gama de
interpretações sobre pessoas, ações, situações, formas distintas de organização do trabalho e de interação com realidades diversas. Porém, nem
sempre essa dinâmica se dá de forma harmônica, uma vez que tais diferenças neste mundo globalizado podem gerar conflitos, ou seja, o diálogo
ideal é, por vezes, limitado justamente pelo despreparo de gestores com
relação a questões sensíveis do relacionamento intercultural, algo que
transcende os saberes típicos como conhecimento da geografia e costumes mais difundidos em determinadas localidades. Trata-se aqui de levar
em consideração características especiais das aprendizagens que levam a
interação cultural, do entendimento de peculiaridades, que, embora implícitas nos relacionamentos, podem se revelar decisivas para uma adaptação de sucesso. É nesse sentido que a presente pesquisa busca discutir a
competência intercultural dos gestores de gerir as diferenças culturais,
habilidades sociais, a partir de uma pesquisa realizada nas escolas urba-
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nas no município de Chapecó que fazem parte da rede estadual de ensino
de Santa Catarina.
É fato que o fenômeno da globalização tem maximizado a aproximação de pessoas, territórios e propiciado infinitas possibilidades de
interação entre culturas distintas, revelando símbolos, impressões culturais, formação de opiniões e estereótipos em relação a essas culturas. Um
dos possíveis efeitos dessa aproximação cultural é a necessidade de aprofundar a questão da interculturalidade na gestão escolar.
Tais práticas se refletem no compromisso do gestor com os objetivos do projeto educacional da escola e, consequentemente no que se
refere ao respeito e reconhecimento do outro, considerando que se convive com práticas, ações e atos que afetam as relações interpessoais entre os
membros da comunidade escolar.
Ainda que as escolas procurem debater e realizar projetos que incentivem questões de inclusão e diversidade, existe uma deficiência no
entendimento de necessidades reais que envolvem estas pessoas, o que
pode atrapalhar esta forma de gestão escolar. Estas necessidades que
envolvem estas pessoas nem sempre são reconhecidas pela gestão e pelos
professores. A diversidade cultural está relacionada a desigualdade social.
Quanto maior a diversidade cultural maior a desigualdade social.
Sobre a participação da comunidade, que é uma das partes essenciais da gestão intercultural da escola, observa Castiglioni (2011)
―uma realidade oposta – essa participação não é integral e/ou completa
em todos os segmentos escolares disponibilizados para essa ação‖. Muitos indivíduos da comunidade alegam que a participação nos Conselhos é
desnecessária, que tomam tempo ou que, até mesmo querendo participar,
a decisão final sempre é do diretor. Assim, a participação da comunidade
pode não se efetivar e fica longe dos ideais da gestão intercultural.
O gestor escolar exerce um papel fundamental neste processo de
valorização das diferenças, é preciso valorizar todos os segmentos presentes na escola, superando práticas carregadas de preconceitos que geram
discriminação.
Para a gestão escolar intercultural possa ser de fato implantada
nas escolas públicas brasileiras, muitos desafios precisam ser superados,
pois ainda se presencia, práticas monoculturais. Tais práticas se refletem
no compromisso do gestor com os objetivos do projeto educacional da
escola e, consequentemente no que se refere ao respeito às diversidades,
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considerando que se convive com práticas, ações e atos que afetam as
relações interpessoais entre os membros da comunidade escolar.
Na gestão intercultural, as minorias devem ser reconhecidas, assegurando que a igualdade se explicite nas diferenças que são assumidas
como comum referência, rompendo assim com o caráter monocultural da
cultura escolar. Os negros, os indígenas, mulheres, deficientes e os pobres, todos devem ter o direito de ser diferente. Atitudes de exclusão e
discriminação não podem ser aceitas. Fleuri, (2003) ―O amadurecimento
da sensibilidade para com o tema das diferenças culturais é uma conquista recente¹. Mas o problema do encontro e do conflito entre culturas é
antigo‖.
A gestão intercultural não acredita somente no princípio da maioria, mas também nos princípios de justiça social, concedendo espaço de
fala para as minorias, e realizando leis e políticas públicas que atendam
aos seus interesses e necessidades, mesmo que estes não correspondam
aos desejos da maior parte da população. É preciso agir assim para diminuir a discriminação com estes grupos minoritários e garantir que toda a
comunidade escolar seja contemplada.
Cito alguns instrumentos da Organização das Nações Unidas
(ONU) para ilustrar instrumentos internacionais existentes sobre o assunto.
A Convenção da Unesco para eliminação da discriminação na
educação, de 1960: ―Dispõe que os membros das minorias nacionais
devem ter o direito de exercer as atividades educativas que lhe sejam
próprias, inclusive o uso ou ensino de sua própria língua, garantindo a
preservação de sua cultura‖.
A Declaração dos Direitos das Pessoas pertencentes a Minorias
Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas, aprovada pela Resolução
47/135 da Assembleia Geral da ONU de 18 de dezembro de 1992, dispõe
que:
Artigo 2°
1. As pessoas pertencentes a minorias nacionais ou étnicas, religiosas e
linguísticas (doravante denominadas ―pessoas pertencentes a minorias‖) terão direito a desfrutar de sua própria cultura, a professar e praticar sua própria religião, e a utilizar seu próprio idioma, em privado e
em público, sem ingerência nem discriminação alguma. (COMISSÃO
DE DIREITOS HUMANOS DA USP, [200-], online).
Portanto, para que a gestão escolar construa práticas educativas
orientadas por uma perspectiva intercultural esta deve ofertar aos alunos
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e alunas múltiplas ocasiões que lhes permita entender o mundo a partir
de variadas formas, é importante que estes conheçam os contextos em
que esses conhecimentos foram construídos, evitando-se assim a apresentação e reprodução de saberes descontextualizados que tradicionalmente
circulam na escola como dados universais.
Agir sobre o conjunto de hábitos escolares supõe coerência com
as culturas de referência daqueles membros que aceitam a comunidade,
com seus valores, suas necessidades, suas formas particulares de ver e de
fazer.
Nesse sentido, e reconhecendo as dificuldades de promover práticas nos espaços educativos, esse enfoque propõe; os pilares básicos da
gestão intercultural, evidenciando que devem ser focados na prática social da educação, sempre na perspectiva de posturas e culturas efetivamente
interculturais.
a) participação - é quando os projetos são construídos pela mediação da coletividade, oferecendo a todos os participantes a
oportunidade de desenvolver de forma conjunta ações que visam à melhoria da educação;
b) pluralismo - quando há o reconhecimento da presença das diversidades e dos diferentes interesses daqueles que fazem parte da escola;
c) autonomia - é a descentralização do poder, onde a escola pode se adequar às reais necessidades da comunidade na qual se
encontra inserida, onde o seu Projeto Político Pedagógico –
PPP - é construído de forma coletiva, visando à emancipação
e à transformação social;
d) transparência - é o retrato da dimensão política da escola,
mostrando que esta é um espaço público que se encontra
aberto à diversidade e às opiniões daqueles que participam da
estrutura da escola.
A Constituição Federal de 88 apregoa que a educação deverá incentivar e promover a participação da sociedade como forma de colaboração para a construção da educação (BRASIL, 1988). Já a LDB aponta
que a educação, enquanto meio de propagação e formação dentro e fora
dos sistemas de ensino, deve reafirmar a essencialidade democrática da
gestão escolar (BRASIL, 2006).
Estes princípios legais estão focados na necessidade de ofertar
uma educação que se volta para o desenvolvimento do indivíduo enquan-
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to cidadão crítico e reflexivo sobre o seu meio, a partir de um ambiente
escolar intercultural e adaptado a sua realidade.
A educação intercultural deve desenvolver práticas educativas que lhes
permitem compreender o mundo a partir de diferentes formas sóciohistóricas que possibilitem a reflexão sobre seu próprio contexto e sobre outras realidades, as que podem estar ou não próximas deles, em
termos tanto materiais quanto simbólicos. Isto é, aquilo que se persegue é também penetrar no desconhecido. (CANDAU, 2009, p. 52).
Este estudo é uma discussão importante no momento em que vivemos. Momento este onde se fala muito em direitos iguais. Contudo,
será que é isso que precisamos? Será que os planos de gestão escolar estão
embasados nos princípios da gestão intercultural? Os planos de gestão
escolar têm contribuído para a garantia do respeito a diferença, da ética,
dos direitos
3.
Considerações Finais
Na atualidade persiste a herança deixada pelo processo colonizador, por meio de ações restritivas e desiguais que discriminam e inferiorizam muitas culturas e identidades - todas aquelas que não se encaixam
na cultura padrão.
A gestão escolar, não pode continuar reproduzido relações de
poder que excluem, normalizam e deslegitimam outros modos de ser,
saber e viver. Através de uma hierarquia de saberes que inculca nos grupos subalternizados a ideia de que estes naturalmente são inferiores, incultos e incivilizados. Currículos padronizados e práticas normalizadoras
do outro(a) desarticulam a consciência identitária e impulsiona os sujeitos a criarem auto representações negativas de si mesmos, negando suas
próprias raízes culturais.
O resultado deste processo se manifesta no sistema escolar, através de uma hierarquia de saberes que inculca nos grupos subalternizados
a ideia de que estes naturalmente são inferiores, incultos e incivilizados.
Currículos padronizados e práticas normalizadoras do Outro(a) desarticulam a consciência identitária e impulsiona os sujeitos a criarem auto
representações negativas de si mesmos, negando suas próprias raízes
culturais.
Por conta disso buscamos estudar sobre a gestão intercultural que
é um conjunto de propostas de convivência democrática entre diferentes
culturas, buscando a integração entre elas sem anular sua diversidade, ao
contrário, transformar estas diferenças em vantagens pedagógicas. Por
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conta disso, é imprescindível a ressignificação das práticas de gestão escolar, para dar lugar a outras que reconheçam as identidades dos sujeitos e
suas experiências de vida, assim como, acolham a diversidade de concepções, saberes e fazeres.
As diferenças no espaço escolar devem ser vistas como positivas,
o mundo seria muito pobre se não tivéssemos tantas diferenças culturais.
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INCLUSÃO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Luana Fussinger1
Arnaldo Nogaro2
Daiane Altenhofen3
1.
Introdução
A inclusão escolar é definida como um projeto transformador e
necessário. Incluir as pessoas compreende muito mais do que trazê-las
para locais públicos, e envolve, sobretudo, a gestação de uma mentalidade inclusiva. A perspectiva inclusiva apoiada pela legislação, gradativamente, vem impulsionando o desenvolvimento de teorias, pesquisas,
seminários e congressos e outros, com vistas a propiciar a discussão, análise e problematização dessa questão recorrente e tão necessária.
Em descompasso com esses pressupostos, nas organizações escolares, os modelos enraizados levam a homogeneização, a busca por condições previsíveis e, por conseguinte, a exclusão daquilo que foge dos
modelos idealizados. A questão da diferença é amplamente debatida,
pois desacomoda o profissional. Constitui assim, em uma oportunidade
para ultrapassar fronteiras, exercer outros olhares, experimentar novas
experiências, ou seja, permite com que o indivíduo cresça de modo global
e acima de tudo pessoal.
Os desdobramentos inclusão rementem a necessidade de se pensar na formação de professores, visto que, a maneira como se dá a consti1
2
3
Graduada em Pedagogia. Mestranda em Educação pela URI. Professora da
Educação Básica dos municípios de Palmitinho/RS e Seberi/RS. Contato:
luana_fussinger@hotmail.com
Doutor em Educação. Docente e Pesquisador da Universidade Regional Integrada do
Alto Uruguai e das Missões – URI. E-mail: narnaldo@uricer.edu.br
Pós-Graduada em Educação Física e Psicomotricidade Funcional. Mestranda em
Educação pela UNOCHAPECÓ. Professora da Educação Básica do Município de
Maravilha. Grupo de pesquisa Ensino e formação de professores, da Universidade
Comunitária da Região de Chapecó. Contato: daya_tita@hotmail.com
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tuição do professor e as racionalidades subjacentes a esse processo, implicam diretamente na disposição do profissional para atuar com vistas a
oportunizar essa perspectiva. Nesse sentido, no presente artigo, o caminho metodológico, de caráter qualitativo, contempla a realização estudo
bibliográfico que, de maneira geral, objetiva compreender a perspectiva
inclusiva e seus desdobramentos no processo de formação de professores.
Considera-se a pertinência de se problematizar essa questão, haja
vista que esse processo foge das situações previsíveis que a escola está
acostumada a enfrentar. Em decorrência disso, direciona-se contra a
sociedade excludente e o enfraquecimento das relações interpessoais,
buscando resgatar, sobretudo, a humanização e a valorização do sujeito
que é tão emergente nos dias atuais.
2 Perspectiva Inclusiva e sua relação com a Formação de Professores
A criação de novos paradigmas em relação ao conhecimento e,
principalmente, à complexidade das relações advindas da velocidade das
comunicações e informações, quando direcionadas para a educação escolar, incitou o movimento de rompimento das fronteiras entre disciplinas e
trouxe novas maneiras para compreensão da subjetividade humana e do
cotidiano social e cultural. O aprender passou a ter outras significações,
entre elas a possibilidade de o sujeito expressar-se das mais variadas maneiras segundo sua individualidade. Mas, ao contrário disso, conforme
elucida Mantoan (2003), a comunidade acadêmica, baseada em antigos
paradigmas, continua estabelecendo que há um único modelo de cientificidade e o restante é saber do senso comum. Assim, a exclusão escolar
acaba manifestando-se diante do não atendimento dos padrões de cientificidade do saber escolar.
Neste sentido, conforme a referida autora (2003) ressalta-se que,
mesmo abrindo espaço para atender novos grupos sociais, a democratização proposta pela escola não foi capaz de contemplar os novos conhecimentos. A escola acaba excluindo aqueles que ignoram o conhecimento
que ela valoriza e não dá espaço para o diálogo e para os novos conhecimentos, já que esses vão contra o pensamento subdividido em suas áreas
específicas. Em acréscimo à visão reducionista que marca os sistemas
escolares, esses ainda acabam categorizando e criando oposições excludentes que dividem os alunos em iguais ou diferentes, em normais ou
deficientes, assim como em modalidades de ensino regulares e especiais.
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Faz-se necessária uma escola inclusiva. Mas, do modo como
vem ocorrendo esse processo fica evidente a presença de uma integração
reforçada, marcada pela vigência das antigas tendências e paradigmas
tradicionais da educação. Aparentemente semelhantes, os vocábulos
integração e inclusão diferem-se fortemente segundo a perspectiva de
Mantoan (2003). O processo de integração ocorre quando é dada ao aluno a oportunidade de transitar no sistema escolar. Mas se resume em
apenas possibilitar o acesso, pois são os próprios alunos que precisam
mudar e se adaptarem às exigências escolares. Diferentemente dessa concepção, na perspectiva inclusiva, as escolas acolhem indistintamente
todos os alunos, fazendo com que muitos paradigmas sejam analisados,
comparados, revisados e até mesmo ampliados. Mantoan (2003, p.16)
define a inclusão como um momento oportuno para transformações ao
assegurar que: ―As diferenças culturais, sociais, étnicas, religiosas, de
gênero, enfim, a diversidade humana está sendo cada vez mais desvelada
e destacada e é condição imprescindível para se entender como aprendemos e como compreendemos o mundo e a nós mesmos.‖
Aliado a isso, acaba sendo predominante a dimensão conservadora que se volta para a homogeneidade, fragmentação do ensino em
disciplinas, classificações, hierarquias de conhecimentos. Todavia, a necessidade de novos saberes, novos alunos, outras maneiras de resolver
problemas e avaliar a aprendizagem fazem a escola sair da passividade,
da rotina e da fragmentação.
Constituindo-se em uma educação plural e democrática, a inclusão, faz com que sejam reconhecidas as diferentes culturas, a pluralidade
das manifestações intelectuais, sociais e afetivas. Nesse viés, as diferenças
precisam ser compreendidas, pois envolvem nossas ações educativas que
―[...] têm como eixos o convívio com as diferenças e a aprendizagem
como experiência relacional, participativa, que produz sentido para o
aluno, pois contempla sua subjetividade, embora construída no coletivo
das salas de aula.‖ (MANTOAN, 2003, p. 31).
Surge a necessidade de legitimar a inclusão na escola como salienta Mantoan (2003), pois para muitos alunos, é o único espaço para o
acesso ao conhecimento, bem como o lugar que proporciona condições
para se desenvolverem e tornarem-se cidadãos dignos. A inclusão é uma
provocação que põe à tona todos os paradigmas tradicionais que a escola
ainda sustenta, ou seja, impõe-se romper o velho modelo escolar. Nessa
perspectiva, entende-se que é a escola que, urgentemente, precisa mudar
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não só para melhorar a qualidade do ensino, bem como para que de fato
todos os seus alunos tenham direito a ela.
2.1. Por mais pessoalidade na formação docente
Permeada pelos princípios da objetividade e instrumentalidade
pós-cartesiana, a formação de professores vem sendo desvirtuada de seu
sentido originário, aproximando-se da objetificação e autoinstrumentalização do ser humano. Inserida no contexto da razão instrumental, com
sua essência objetificadora e cientificadora, é induzida a ver os seres humanos que educa como produtos e segundo as expectativas do mercado
de trabalho. Ao mesmo passo, o currículo, a partir dessa racionalidade,
privilegia a ideia de que todos os alunos devem submeter-se à performance profissional e à uniformidade, priorizando a formação em quantidade
e número, assim como, conceitos de mercado, adaptação e produto.
(FLICKINGER, 2010).
Diferentemente disso, o referido autor (2010) busca ressaltar a
importância de garantir a existência de um espaço aberto à experiência
social e a autorreflexão, bem como a multiplicidade cultural de concepções e ideias. Reconhece assim, a necessidade de evitar o mero adestramento e propiciar a formação humana voltada para a autonomia do sujeito, pois
[...] o saber dissociado gera a dissociação do saber e dissociabilidade
do saber e dissocia o próprio ser. O problema não é a dissociabilidade
ou a fragmentação do saber, mas, nele, a fragmentação do SER. Fragmentar o ser humano em nome de um saber fragmentado e incapaz de
conjugar-se novamente na totalidade é o mesmo que mutilar a humanidade; ou seja, ao mutilar o conhecimento em seu processo, mutila-se
o humano, a humanidade e o mundo. (GHEDIN; FRANCO, 2011, p.
150).
Em conformidade com essa questão, Contreras (2002) discorre
acerca da proletarização dos professores, na qual, mediante a lógica dominante, o trabalho docente sofreu uma subtração progressiva de qualidades. Isso tudo, conduziu os professores a perda de controle e sentido
sobre o próprio trabalho, ou seja, a perda da autonomia. As condições de
trabalho dos professores, segundo o autor, vêm se aproximando cada vez
mais das condições e interesses da classe operária. Esse contínuo processo de desqualificação é produto da crescente regulação, tecnicidade e
controle, a qual os professores estão submetidos. Reduzem-se, assim, os
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professores a meros executores de decisões externas e, por conseguinte, a
finalidade educativa pauta-se no adestramento dos sujeitos.
Ao mesmo passo, as escolas e as universidades permanecem, por
vezes, em dois mundos separados e, até mesmo, contraditórios. ―O processo de tornar-se professor fica assim marcado, em muitos casos, por
descontinuidades e fragmentação (em vez de integração e continuidade).‖
(FLORES, 2010, p. 185). A autora remete a ideia de que na formação de
professores há uma prática que forma, informa e transforma o sujeito e
suas circunstâncias, e há uma prática que oprime, distorce e congela o
sujeito. Os sentidos que as concepções tecnicistas foram atribuindo à
prática, foram sempre bem recepcionados em meio a uma sociedade
capitalista e pragmatista. No entanto, a prática de formação passou a
estruturar-se de forma tecnicista, na qual os sujeitos, independentemente
do que pensam ou sintam, precisam realizar certas tarefas atendendo os
modelos pré-estabelecidos.
No que tange aos pressupostos mencionados, Holly (1995, p. 87)
discorre que: ―Embora haja muitos aspectos da perspectiva tecnicista que
são úteis ao desenvolvimento profissional [...], o predomínio dos materiais e procedimentos estandardizados pode contribuir para o enfraquecimento do desenvolvimento profissional dos professores.‖ Nesse âmbito, a
autora entende que o reducionismo da função docente as questões instrumentais, faz com que o professor esteja menos predisposto a perceber
se desenvolve sua capacidade profissional e propicia a construção da
aprendizagem, bem como, faz com que esteja menos aberto a métodos e
materiais alternativos e mais dependente do que é imposto pelo outro.
Observa-se assim, que a formação de professores não é neutra,
sendo um campo concebido por lutas e interesses, no qual se estabelecem
relações de forças e poder e, em decorrência disso, é dinâmico e inconstante (DINIZ-PEREIRA, 2013). Percebe-se assim, a necessidade de analisá-la a partir de uma perspectiva que se distancie da compreensão meramente técnica, afastando qualquer possibilidade de negação da subjetividade. Isto posto, observa-se que a formação se apresenta enquanto um
fenômeno complexo e diverso, compreendido por múltiplas dimensões e
teorias. No que tange a essa questão, em suas pesquisas, Vaillant (2012,
p. 29) reconhece que:
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A formação, como realidade conceitual, não se identifica nem se dilui
dentro de outras noções como educação, ensino e treinamento. O conceito ―formação‖ incorpora uma dimensão pessoal de desenvolvimento humano global, que é preciso atender frente a outras concepções
eminentemente técnicas.
A partir dessa definição, o autor busca reforçar o pressuposto de
que: ―[...] as ações de formação são pensadas e implementadas por pessoas. Pessoas que possuem a sua formação, seu conhecimento prático,
sua biografia, seu estilo de aprendizagem.‖ (VAILLANT, 2012, p. 29).
Nesse âmbito, entende que o sentido da prática formativa não se restringe
à dimensão técnica, sendo também proveniente do conhecimento teórico,
pessoal, da experiência, entre outras concepções, saberes e disposições
docentes.
Ao reconhecer a dimensão pessoal da docência, Marcelo (2009),
também evidencia a importância de ressignificar a identidade do professor. Isso se torna importante, pois o ensino é permeado por uma prática
social carregada de conflitos e exige uma postura ética e política, assim
como, saberes e conhecimentos científicos, pedagógicos, educacionais,
sensibilidade, indagação teórica e criatividade para encarar situações
ambíguas, incertas e conflituosas. Nesse sentido, ―É da natureza da atividade docente proceder à mediação reflexiva e crítica entre as transformações sociais concretas e a formação humana dos alunos, questionando os
modos de pensar, sentir, agir e de produzir e distribuir conhecimentos.‖
(GHEDIN; FRANCO, 2011, p. 15).
Ao discorrer sobre essa concepção, Flores (2010) traz a ideia de
que o aspecto pessoal na aprendizagem e a dimensão humana no ensino,
apesar de necessários, são desconsiderados há muito tempo. Todavia,
reconhece a necessidade de uma visão mais holística sobre os professores
e sobre o ensino, de modo com que sejam integrados aspectos profissionais e pessoais, através do reconhecimento da missão pessoal do professor e do estabelecimento da relação com o comportamento profissional.
Além da perspectiva anterior, ao trazer a teoria da pessoalidade
no interior de uma teoria da profissionalidade, Nóvoa (2009) entende que
é importante estimular, junto aos futuros professores e nos primeiros anos
de exercício profissional, práticas de autoformação e momentos que permitam refletir sobre as próprias histórias de vida pessoal e profissional.
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Refiro-me à necessidade de elaborar um conhecimento pessoal (um auto-conhecimento) no interior do conhecimento profissional e de captar
(de capturar) o sentido de uma profissão que não cabe apenas numa
matriz técnica ou científica. Toca-se aqui em qualquer coisa de indefinível, mas que está no cerne da identidade profissional docente.
(NÓVOA, 2009, p. 39).
Na perspectiva de Nóvoa (2009, p. 38) é importante destacar que
a ―[...] formação de professores deve dedicar uma atenção especial às
dimensões pessoais da profissão docente, trabalhando essa capacidade de
relação e de comunicação que define o tacto pedagógico.‖ O autor (2009)
traz essa ideia, pois entende que é impossível separar as dimensões pessoais e profissionais. Ao mesmo passo, corrobora frisando que o professor é
a pessoa, e que a pessoa é o professor, por isso, ―[...] ensinamos aquilo
que somos e que, naquilo que somos, se encontra muito daquilo que
ensinamos. Que importa, por isso, que os professores se preparem para
um trabalho sobre si próprios, para um trabalho de auto-reflexão e de
auto-análise.‖ (NÓVOA, 2009, p. 38). No que tange a essa questão, o
pensador (2009) citado externa que se tem caminhado no sentido de uma
melhor compreensão do ensino como profissão do humano e do relacional. Isso é decorrente, visto que, as dificuldades sentidas pelos alunos
chamam a atenção para a dimensão humana e relacional do ensino. Pondera também que:
Não se trata de regressar a uma visão romântica do professorado (a
conceitos vocacionais ou missionários). Trata-se, sim, de reconhecer
que a necessária tecnicidade e cientificidade do trabalho docente não
esgotam todo o ser professor. E que é fundamental reforçar a pessoaprofessor e o professor-pessoa. (NÓVOA, 2009, p. 39).
Ao direcionar o olhar para essas questões, o teórico (2009) compreende a importância de se considerar outras dimensões que constituem
a docência. Ao tempo que reconhece a importância de se considerar todo
o desenvolvimento profissional docente, sob a perspectiva não só das
dimensões profissionais, mas também, das dimensões pessoais que são
indissociáveis a esse processo. Nesse viés, ser professor envolve, entre
tantos aspectos, aquilo que o sujeito é e a maneira como ensina.
Por isso, além de indiciar caminhos para se pensar na formação
de professores, a perspectiva inclusiva traz o entendimento de que é preciso repensar a escola. Diante disso, segundo Mantoan (2003), é preciso:
• Recriar o modelo educativo escolar, tendo como eixo o ensino
para todos: não se pode encaixar um projeto novo, como é o caso da
inclusão, em uma velha matriz de concepção escolar. É preciso que nes-
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ses ambientes educativos eduque-se os alunos para valorizar as diferenças
pela convivência e que por intermédios das práticas pedagógicas e desenvolvam em um ambiente rico e estimulador de suas potencialidades através da experimentação, a criação e a descoberta.
• Reorganizar pedagogicamente as escolas, abrindo espaços para
que a cooperação, o diálogo, a solidariedade, a criatividade e o espírito
crítico sejam exercitados habilidades mínimas para o exercício da cidadania, por professores, administradores, funcionários e alunos.
• Garantir aos alunos tempo e liberdade para aprender, bem como
um ensino que não segrega: as dificuldades e limitações são reconhecidas,
mas não conduzem nem restringem o processo de ensino. O sucesso da
aprendizagem está em explorar talentos, atualizar possibilidades e desenvolver predisposições naturais de cada aluno, através de uma pedagogia
ativa, dialógica, interativa, integradora e emancipadora.
• Formar, aprimorar continuamente e valorizar o professor, para
que tenha condições e estímulo para ensinar a turma toda, sem exclusões
e exceções: inovações educacionais como a inclusão abalam a identidade
profissional e o lugar conquistado pelos professores em uma dada estrutura ou sistema de ensino, atentando contra a experiência, os conhecimentos e o esforço que fizeram adquiri-los. Da mesma forma, o professor não
deve eliminar as diferenças a favor da homogeneidade dos alunos, mas
precisa estar atento a singularidade das vozes que compõe a turma, promovendo o diálogo entre elas e a diversidade das opiniões dos alunos.
Mediante as questões apontadas, entende-se que, segundo a concepção de Flickinger (2010), há a premência de se libertar das amarras
instrumentais e construir uma educação aberta aos espaços da linguagem.
Isso se torna necessário, haja vista que ao contrário da formação integral,
espiritual, ética e estética da pessoa, a formação meramente técnica tira
os alunos da condição de sujeitos do processo educacional, introduzindoos e adaptando-os às estruturas dominantes da sociedade e a realidade de
um modo geral. É preciso compreender a condição constitutiva do ser
humano, como um ser histórico e relacional.
3.
Considerações Finais
A inclusão implica num esforço de reestruturação das condições
atuais da maioria das escolas. Ensinar na perspectiva inclusiva significa
ressignificar o papel do professor, da escola, da educação e das práticas
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pedagógicas. Significa atender necessidades dos alunos, tornando a escola o ambiente mais adequado para garantir o relacionamento interpessoal
e todo o tipo de interação que possa beneficiar o desenvolvimento cognitivo, social, motor, afetivo de todos os alunos indistintamente.
Ao direcionar essa ideia para a formação docente, entende-se que
no lugar dos conhecimentos objetivos e das habilidades meramente instrumentais, torna-se necessária uma competência reflexiva. Urge que o
professor questione suas certezas, esteja disposto a aprender e construir
conhecimentos continuamente com vistas ao reconhecimento do sujeito.
Entende-se assim, a necessidade de se reconhecer o professor na sua pessoalidade e em contraposição à instrumentalidade, pois só ao ser compreendido, a partir dessa perspectiva, empreenderá na direção de gestar uma
mentalidade inclusiva.
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VAILLANT, Denise. Ensinando a ensinar: as quatro etapas de uma
aprendizagem. 1 ed. Curitiba: Ed. UTFPR, 2012.
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O PROCESSO DE INCLUSÃO NO CONTEXTO
EDUCACIONAL E SOCIAL
Ana Luiza de Melo Sarturi 1
Catiane Patricia Aires de Oliveira2
1.
Introdução
Atualmente as discussões sobre inclusão estão cada vez mais fortes na sociedade, visando contribuir com o direito e acesso ao envolvimento de indivíduos que acabam sendo excluídos da sociedade, simplesmente por sua condição física ou mental, no contexto educacional e
social.
O presente estudo objetiva discorrer sobre o tema da inclusão social de pessoas com deficiências no âmbito social e escolar, seguindo as
normas presentes na legislação, aborda brevemente o contexto histórico
do processo de inclusão, bem como destaca o direito fundamental à escolarização e aprendizagem, e também o direito destes indivíduos no contexto escolar e no mercado de trabalho.
O processo de inclusão visa garantir os direitos dos Portadores de
Necessidades Especiais em toda a sociedade, desde a aprendizagem até a
sua inserção no mercado de trabalho.
Diante do cenário atual, a inclusão visa concretizar a construção
de uma sociedade comprometida com as minorias, onde seja possível
valorizar a diversidade humana com o devido respeito à dignidade de
cada indivíduo, a igualdade de direitos, a oportunidades e o exercício
efetivo da cidadania.
O estudo utiliza de buscas bibliográficas, focadas sobre a eficácia
legislativa quanto à inclusão social e escolar dos deficientes na escola e
no mercado de trabalho.
1
2
Graduanda do Curso de Direito do Instituto Federal do Paraná. Contato:
analuizasarturi@hotmail.com
Graduanda do Curso de Direito do Instituto Federal do Paraná. Contato:
katty.aires@live.com
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1.
PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR NO BRASIL
Inclusão pode ser definida como o ato de incluir e acrescentar
pessoas ou coisas a determinados grupos, pode-se dizer que a inclusão é
socialmente vista como uma forma de igualdade entre diferentes indivíduos.
Para tanto, segundo Mazzotta e D‘Antino (2011, p. 02):
A inclusão social é entendida como a participação ativa nos vários
grupos de convivência social, e a deficiência, como qualquer perda ou
anormalidade de uma estrutura ou função corporal, incluindo a função
psicológica.
No Brasil o processo de inclusão caminha gradativamente para
assegurar a todos o acesso a seus direitos, principalmente com relação às
pessoas portadoras de deficiencias físicas ou mentais.
Durante muitos anos, a educação das pessoas com necessidades
especiais desenvolveu-se de forma preconceituosa. Não havia espaço para
estes alunos no ambito escolar comum e na grande maioria das vezes
eram encaminhados para escolas especiais, mesmo que a deficiência não
atrapalhasse consideravelmente o desenvolvimento do aluno. Por outro
lado, quando o aluno permanecia matriculado na escola comum era excluído pelos colegas e não conseguia acompanhar as aulas e desenvolverse com qualidade.
Segundo Goldfeld (1997, p. 45):
Na Antiguidade, por possuírem características divergentes daquelas
instituídas pela sociedade dita normal, eram vistos com piedade e
compaixão, como pessoas castigadas pelos deuses ou como pessoas enfeitiçadas, e por isso eram abandonados ou sacrificados.
No fim da Idade Média e início da Idade Moderna, predominavam as filosofias humanísticas, com isso, houve uma valorização do ser
humano e, consequentemente, as pessoas com necessidades especiais
passaram a ser alvos de organizações religiosas e filantrópicas, a deficiência, antes vista como algo sobrenatural, passou a ser tratada como doença
(MAZOTTA, 1996).
Para Mazotta (1996, p. 56):
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No Brasil esse processo se iniciou efetivamente na segunda metade do
século XIX, foi inspirado em experiências norte-americanas e européias. Esse histórico pode ser dividido em quatro períodos: Até 1854,
os portadores de deficiência de qualquer natureza eram excluídos do
convívio familiar e da sociedade, eram acolhidos por instituições filantrópicas ou religiosas, permanecendo ali por toda a vida, sem receber
nenhum tipo de tratamento e/ou estímulo que os tornassem produtivos.
Foi no século XIX que surgiram as primeiras buscas pelos direitos sociais, a partir de ações governamentais que visavam garantir, de
forma coletiva, os direitos a saúde, a educação, a moradia, o trabalho, o
lazer e a cultura para todos. Na década de 30, se iniciou efetivamente a
educação escolar das pessoas com necessidades especiais (MAZOTTA,
1996).
Ao final dos anos 80 e início dos anos 90, nos países mais desenvolvidos, surgiram movimentos de inclusão social que reivindicavam a
construção de uma sociedade para todos, foi nesse período, que surgiu a
educação especial para crianças com deficiência.
Conforme Sassaki (2003, p. 37):
Na década de 80, a Organização das Nações Unidas (ONU), decretou
o ano de 1981 como sendo o Ano Internacional das Pessoas Portadoras de Deficiência, este fato representou o marco inicial de novas ações
na luta pelos direitos das pessoas portadoras de deficiência em todo o
mundo. Ele veio motivar uma sociedade que clamava por transformações significativas, a fim de debater, organizar-se e estabelecer metas e
objetivos que resultaram em importantes avanços científicos e tecnológicos, bem como outros desdobramentos nesta área.
Já na década de 90, com a Declaração Mundial de Educação a
sociedade começou a perceber que as pessoas com deficiência, quando
tinham acesso a escolarização e treinamento, tornavam-se produtivas e
colaboradoras e foi a partir disso que surgiram as primeiras de classes
especiais dentro de escolas comuns (MANTOAN, 2003).
Para Sassaki (1999, p. 89):
A diretriz atual é a da plena integração das pessoas com necessidades
especiais em todas as áreas da sociedade. Trata-se, portanto, de duas
questões: o direito à educação comum a todas as pessoas e o direito de
receber essa educação sempre que possível junto com as demais pessoas nas escolas regulares.
A inclusão é uma forma de garantir às pessoas com necessidades
especiais viver de forma digna e igualitária, dentro de suas necessidades,
sem nenhuma forma de distinção.
Para Maria Teresa Églér Mantoan:
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A inclusão, portanto, implica mudança desse atual paradigma educacional, para que se encaixe no mapa da educação escolar que estamos
retraçando.
E inegável que os velhos paradigmas da modernidade estão sendo contestados e que o conhecimento, matéria-prima da educação escolar, está passando por uma reinterpretação.
As diferenças culturais, sociais, étnicas, religiosas, de gênero, enfim, a
diversidade humana está sendo cada vez mais desvelada e destacada e
é condição imprescindível para se entender como aprendemos e como
compreendemos o mundo e a nós mesmos.
E por mais que muitas mudanças tenham vindo a partir de tratados e do próprio desenvolvimento da sociedade, o o modelo educacional
brasileiro precisa transformar-se, visto que mostra há algum tempo sinais
de esgotamento (MANTOAN, 2003)
Neste sentido explica a autora Maria Mantoan:
Um novo paradigma do conhecimento está surgindo das interfaces e
das novas conexões que se formam entre saberes outrora isolados e
partidos e dos encontros da subjetividade humana com o cotidiano, o
social, o cultural. Redes cada vez mais complexas de relações, geradas
pela velocidade das comunicações e informações, estão rompendo as
fronteiras das disciplinas e estabelecendo novos marcos de compreensão entre as pessoas e do mundo em que vivemos.
Diante dessas novidades, a escola não pode continuar ignorando o que
acontece ao seu redor nem anulando e marginalizando as diferenças
nos processos pelos quais forma e instrui os alunos. E muito menos
desconhecer que aprender implica ser capaz de expressar, dos mais variados modos, o que sabemos, implica representar o mundo a partir de
nossas origens, de nossos valores e sentimentos.
A partir dos avanços tecnológicos, as escolas brasileiras precisam
estar cada vez mais equipadas e aptas para receberem seus alunos, mas
nem todas possuem as condições necessárias. As tecnologias, além de
facilitar o acesso a educação, potencializam o conhecimento dos alunos,
permitindo que tenham acesso a informação, fundamental no seu desenvolvimento cognitivo.
2. DIREITO FUNDAMENTAL À ESCOLARIZAÇÃO E
APRENDIZAGEM
O acesso à educação de qualidade é direito de todos, nos termos
da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, independentemente de sua condição física ou necessidades especiais.
No ano de 1999, criou-se o Decreto 3.298/99, o qual dispõe que
a Política Nacional que visa integrar o indivíduo portador de deficiência,
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segundo Batista (2004) apud Vasconcellos (2009), a partir disso, obteve-se
um avanço no que se refere à interpretação inclusiva diante do segmento
social nas políticas sociais.
Segundo Raimundo (2017, p. 05):
A Resolução nº 02/2001, que implementou as Diretrizes Nacionais
para a Educação Especial na Instrução Básica verificou-se uma evolução na perspectiva da generalização e atenção à diversidade, na educação brasileira.
Nos termos do artigo 58 da Lei nº 9.394/96, a educação especial
deve ser oferecida preferencialamente pela rede regular de ensino:
Art. 58: Entende-se por educação especial, para efeitos desta Lei, a
modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede
regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.
§1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação
especial.
§2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas
dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular (BRASIL, 1996).
Para Sassaki (1997, p. 26):
A inclusão social é o processo pelo qual a sociedade e a pessoa com deficiência procuram adaptar-se mutuamente tendo em vista a equiparação de oportunidades e, consequentemente, uma sociedade para todos.
O meio escolar é o local onde a criança começa a se desenvolver
desde os primeiros anos de vida e, portanto, deve oportunizar um qualificado processo de aprendizagem que está em permanente construção.
Para que todos possuam esta oportunidade é necessário incluir os alunos
portadores de necessidades especiais, afinal, as dificuldades que estes
devem encontrar não pode ser muito diferente das que seus colegas encontram, devendo-se encará-las como uma fonte de conhecimento e de
aperfeiçoamento das práticas.
Conforme Raimundo (2017, p. 11):
Em 24 de outubro de 1989, foi implementada a Lei nº 7.853 que dispõe
sobre as pessoas portadoras de deficiência, assegurando em seu artigo
1º o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiências e a efetiva integração social. Já no artigo 2º da
mesma Lei, prevê que o Poder Público e seus órgãos concernem assegurar às pessoas portadoras de necessidades especiais os direitos básicos, inclusive a educação de qualidade e especial.
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Para que o processo de inclusão gere resultados faz-se necessária
a formação, o envolvimento e o compromisso de todos os envolvidos no
processo educacional (professores, diretores, supervisores), no sentido de
repensar o processo de ensino e aprendizagem e até mesmo o tratamento
e a relação com os colegas dentro da sala de aula.
Conforme destaca Raimundo (2017, p. 10):
A fim de suceder a inclusão social de qualidade, necessita de o Estado
investir em profissionais, pois a educação inclusiva é um processo gradativo que permite aos sistemas de ensino a se adaptarem à nova realidade educacional, buscando por práticas institucionais e pedagógicas
que garantam qualidade de ensino a todos os alunos.
A Constituição Federal, nos termos do art. 3º, inciso IV, seguindo os princípios da Declaração dos Direitos Humanos, institui como um
dos objetivos fundamentais ―Promover o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação‖ (BRASIL, 1988), estimulando a inclusão social em todos os seus
termos, independente da raça, cor ou cultura de cada pessoa.
Além disso, a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96 nos termos do artigo 59, preconiza que os sistemas
de ensino devem assegurar aos alunos, currículos, métodos, recursos e
organização específicos para atender às suas necessidades. Além disso,
assegura a terminalidade específica àqueles que não atingiram o nível
exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas
deficiências e assegura a aceleração de estudo aos superdotados para
conclusão do programa escolar (BRASIL, 1996).
A inclusão dos alunos portadores de necessidades especiais está
sendo construída de forma gradativa, porém ainda faltam recursos para
que o processo de inclusão escolar se dê pontualmente, atingindo todos
os portadores de necessidades especiais (MONTOAN, 2003).
Isso vai desde o acesso destes alunos às salas de aula, pois muitas
escolas não possuem rampas de acesso e elevadores, como é o caso do
Instituto Federal do Paraná - Campus Palmas, onde alguns alunos defientes físicos não possuem acesso da forma que deveriam, não podendo
assistir palestras no mini-auditório do campus, por exemplo.
Além disso, para os alunos com dificuldades intelectuais todas as
escolas deveriam possuir pelo menos um professor capacitado e especializado para auxiliar estes alunos, porém poucas escolas possuem este amparo, o que torna o aprendizado mais penoso para o aluno, pois com o
auxilio específico se tornaria mais fácil para os alunos acompanharem a
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turma, potencializando a sua inserção na sociedade e provando que apesar das limitações o aprendizado e o desenvolvimento individual são
palpáveis para eles.
FORMAS DE INCLUSÃO DOS ALUNOS PORTADORES DE
NECESSIDADES ESPECIAIS NO AMBIENTE ESCOLAR
Nos termos da Constituição Federal, a educação de qualidade e
igualitária é um direito de todos, sendo que aos profissionais da educação
cabe o dever de buscar atingir essa realidade e ao Estado incumbe o dever
de proporcionar meios para que os profissionais possam atingir este objetivo. Para tanto, os profissionais devem estar sempre se especializando,
visando aprimoramento e garantindo o acesso e a permanência dos alunos no ambiente escolar e o Estado deve estar sempre promovendo capacitações e especializações aos professores.
A inclusão escolar exige certa transformação em meio à sociedade, visto deve influenciar a inserção de alunos com qualquer tipo de necessidade especial. Portanto, cabe às escolas se adaptarem às características dos alunos, promovendo, assim, a garantia de seus direitos (MONTOAN, 2003).
A inclusão social é a palavra-chave que norteia de forma geral
todo o processo de proteção institucional dos indivíduos com deficiência
no Brasil. Sendo assim, cabe ao Estado e também aos cidadãos auxiliar e
agir de forma a propiciar uma sociedade igualitária para todos, sem qualquer distinção.
De certa forma, é a partir do ambiente escolar que os alunos começam a ter acesso ao mundo e a novas pessoas, fora do âmbito familiar.
Diante disso, deve-se garantir que eles tenham uma boa experiência nesta
fase tão importante do desenvolvimento humano, principalmente alunos
com necessidades especiais, os quais devem ter as mesmas oportunidades
que os demais alunos.
Para isso, o Estado, garantidor da ordem pública e do acesso aos
direitos fundamentais, deve promover ações que enfatizem a importancia
da inclusão desses alunos, não só dos professores, mas de toda comunidade escolar. Pois por mais que os professores promovam a inclusão e
facilitem o acesso aos estudos, os demais alunos deve se conscientizar
que os alunos com necessidades especiais têm os mesmos direitos e devem ser respeitados.
Para Montoan:
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A escola real, ou seja, aquela que não queremos encarar, colocanos, entre muitas outras, estas questões de base, que insisto em apontar:
muda a escola ou mudam os alunos, para se ajustarem às suas velhas
exigências? Ensino especializado para todas as crianças ou ensino especial para algumas? Professores que se aperfeiçoam para exercer suas funções, atendendo às peculiaridades de todos os alunos, ou professores
especializados para ensinar aos que não aprendem e aos que não sabem
ensinar?
Do meu ponto de vista, é preciso mudar a escola e, mais precisamente, o ensino nela ministrado. A escola aberta a todos é o grande
alvo e, ao mesmo tempo, o grande problema da educação nestes novos
tempos (MONTOAN, 2003).
Muitos alunos não entendem a importância de incluir os colegas
com alguma deficiência, se fazendo necessário que as escolas encontrem
meios de consciêntiza-los da importância de respeitar e incluir os alunos,
seja por meio de palestras, de atividades educacionais, dentre outras formas, para evitar o bullying entre eles.
Todas as medidas educacionais de inclusão necessitam do amparo estatal, visto que é o Estado que deve garantir que seus jurisdicionados
tenham acesso aos seus direitos. No que tange a inclusão, o Estado brasileiro já possui um grande avanço por meio de legislação específica para
as pessoas com deficiência, resta agora investir na educação básica para
garantir que os alunos com necessidades especiais tenham um ensino de
qualidade, da mesma forma que seus colegas.
Considerações Finais
Com o processo de inclusão reconhece-se a diversidade, promovendo a igualdade de chances para que todos possam desenvolver seus
potenciais. No caso dos alunos com necessidades especiais, deve-se começar garantindo-lhes o direito de acesso aos estudos com a mesma qualidade dos outros alunos, promovendo formas de inclusão.
Diante disso, pode-se perceber que o processo de inclusão possui
um papel importante no tocante à construção de uma sociedade compromissada com as minorias, valorizando a diversidade humana, respeitando as particularidades de cada indivíduo, buscando uma igualdade de
direitos e oportunidades à sociedade em geral.
Para tanto, criou-se políticas e leis que asseguram e norteiam à
inclusão nas escolas, as quais devem levar em conta a ampla diversidade
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das características e necessidades dos alunos especiais, adotar um modelo
centrado no desenvolvimento destes e não apenas em conteúdos programáticos, dar ênfase à aprendizagem e prepará-los para o convívio social e
profissional.
Dessa forma, para que o processo de inclusão se concretize, é
preciso que haja comprometimento nas mudanças por conta do Estado e
pela comunidade escolar, não só no tocante à inclusão, mas também
tornando possível o acesso a educação de qualidade.
A partir disso, deve-se promover formas de consciêntização e inclusão, envolvendo todos os alunos e explicando a importância de cada
um para a sociedade, pois todos possuem o direito de desenvolver-se com
qualidade e bem estar.
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. Decreto nº 5296 de 2/12/2004. Regulamenta as Leis nos
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PERCEPÇÃO DE EDUCANDOS COM
INDICADORES DE ALTAS
HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO SOBRE O
PROCESSO DE ACELERAÇÃO VIVENCIADO
NA REDE COMUM DE ENSINO
Claudia Daniele Spier Hoffelder 1
Alisson Junior Cozzer 2
1.
INTRODUÇÃO
A escola comum deve ser espaço de convivência e aprendizagem
para todos os estudantes, independente de suas características físicas,
intelectuais ou sensoriais. Não se pode mais admitir em meio educacional
a segregação ou apenas a inserção, mas sim discutir a inclusão e o direito
à educação para todos, garantida desde 1988, com a publicação da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Após a publicação deste importante
documento, outros foram também publicados na intenção da definição
sobre o público da educação especial, resultando que são: as pessoas com
deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação (BRASIL, 2008).
Todos os estudantes possuem maneiras diferentes de aprender,
sobretudo àqueles que não pertencem ao padrão de normalidade estabelecido pela sociedade, os alunos público alvo da educação especial são
um grande desafio para a escola, pois obrigam os professores a reverem
sua própria formação e suas concepções de ensino e aprendizagem. Educandos com altas habilidades/superdotação – AH/SD, focos deste estudo, podem necessitar de outras formas de intervenção, diferentes das
convencionais.
1
2
Especialista em Altas Habilidades/Superdotação pela CENSUPEG. Professora do
Ensino Básico, Técnico e Tecnológico no Instituto Federal de Santa Catarina. Email: claudia.daniele@ifsc.edu.br
Mestrando em Psicologia pela IMED – Passo Fundo. Professor ACT pela Fundação
Catarinense de Educação Especial. Email: alisson.cozzer@hotmail.com
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Para estes alunos, deve ser ofertado o Atendimento educacional
especializado no contra turno para desenvolver suas potencialidades e
áreas de interesse, enriquecimentos diversos ou também pode ser proposto a aceleração escolar, para concluir em menor tempo a escolarização
formal. Neste sentido, o tema de pesquisa aqui relatada foi a aceleração
em educandos com indicadores de AH/SD.
A escolha do tema justificou-se pela inquietude em saber como a
aceleração escolar tem acontecido e de que forma os principais envolvidos, que são os educandos, percebem este processo. A pesquisa em relação ao tema apresentado teve como objetivo geral investigar como os
educandos com indicadores de AH/SD perceberam o processo de aceleração na escola. A seguir, será feita uma breve abordagem do conceito de
pessoa com AH/SD e das teorias que o fundamentam, da aceleração
escolar e das legislações que amparam o atendimento educacional a essas
pessoas.
2. INTELIGÊNCIAS, ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO E ACELERAÇÃO ESCOLAR
Conforme a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), as pessoas com AH/SD
geralmente são reconhecidas por demonstrar elevado potencial em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Também apresentam criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em
áreas de seu interesse. Todavia, Fleith e Alencar (2007) destacam que o
sistema educacional formal, em sua objetividade, não apresenta subsídios
eficazes para identificar, dar suporte eficaz e consequentemente potencializar o sujeito a partir de suas reais necessidades dentro de suas áreas de
interesse.
Para que os alunos com AH/SD sejam identificados, Freitas e
Pérez (2012) afirmam que há necessidade de opção teórica e consenso
entre o conceito de AH/SD e ao conceito de inteligência, e ambas as
teorias necessitam estar em sincronia. Neste artigo, as teorias que apresentam estes critérios e serão destacadas são: a Teoria dos Três Anéis de
Renzulli (1978, 1986) e a Teoria das Inteligências Múltiplas de Gardner
(1993; 1999).
Segundo Renzulli (2014, p. 233), as pessoas com AH/SD são
aquelas que possuem basicamente um conjunto de traços que interagem,
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que são: habilidade acima da média comparada aos seus pares, comprometimento com a tarefa e criatividade. Essas características se entrelaçam
e precisa haver uma interseção destes anéis para que se possa afirmar que
alguém possui comportamento de AH/SD (NICOLOSO; FREITAS,
2002 apud PANCHINIAK et al 2016).
Gardner (1993; 1999), após mais de 20 anos de pesquisas, considerou a existência de múltiplas inteligências; inicialmente descreveu a
existência de sete inteligências e incluiu a oitava, algum tempo depois. A
Teoria das Inteligências Múltiplas propostas por Gardner (1993; 1999),
considera que a inteligência humana deve ser analisada em todas as áreas
e não apenas naquelas em que a sociedade considera importante ou que
pontuam nos testes psicométricos. Nesta teoria são propostas as seguintes
inteligências: corporal-cinestésica, musical, lógico-matemática, linguística, espacial, interpessoal, intrapessoal e naturalista.
Desta forma, utilizando as teorias mencionadas, podemos conceber a existência de AH/SD em qualquer área do conhecimento humano. Para Gardner, (1995, p. 21), ―[...] uma inteligência implica na capacidade de resolver problemas ou elaborar produtos que são importantes
num determinado ambiente ou comunidade cultural‖. Se pensarmos
nesta definição de inteligência, é importante sempre observar e levar em
consideração o contexto em que a pessoa vive e o que é considerado importante naquele meio social e cultural.
Em relação aos alunos com indicadores de AH/SD, Freitas e Pérez (2012, p. 7) pontuam que o professor não pode ser mero executor de
currículos, deve ser responsável pelas atividades mais adequadas a serem
desenvolvidas pelos alunos, levando em conta suas capacidades e necessidades. O professor precisa conhecer as características e mitos que cercam os estudantes com AH/SD, para que consigam planejar atividades
levando em conta suas potencialidades e possíveis fragilidades.
Virgolim (2007, p. 25) nos trás a reflexão de que não raro os alunos sentem-se desestimulados nas escolas, pois não é um ambiente desafiador para crianças com diferentes estilos de aprendizagem. Também
afirma que os alunos com AH/SD são os ―maiores recursos de uma nação‖ e que este potencial somente será desenvolvido e não desperdiçado,
se obtiverem serviços educacionais adequados, desafiadores e de alto
nível.
Para os alunos com excelente desempenho escolar, onde encontra-se este público da Educação Especial, os alunos com AH/SD do tipo
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acadêmico, a Legislação Brasileira prevê a aceleração ou avanço escolar.
Assim, tem a oportunidade de terminar em menos tempo os anos escolares. Todavia, Pérez (2014) sugere outras estratégias para que o aluno
esteja estimulado na escola, sem necessariamente ser avançado de turma;
ela salienta compactação curricular com aprofundamento dos conteúdos,
enriquecimentos extracurriculares e extracurriculares e até mesmo as
mentorias.
2.1 ACELERAÇÃO ESCOLAR E LEGISLAÇÕES
A Lei de Diretrizes e Bases 9394/96 é frequentemente alterada, e
no final do ano de 2015 foi publicada uma alteração com a Lei
13.234/15, que dispões sobre a identificação, cadastramento e atendimento, na educação básica e na educação superior, de ―alunos com Altas
Habilidades ou Superdotação. ‖ Esta lei estabelece que estes alunos deverão ser identificados, cadastrados e atendidos, com vistas ao desenvolvimento pleno de suas potencialidades.
No Estado de Santa Catarina, o atendimento pedagógico para
alunos com indicadores de AH/SD é prestado pela Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE) no Núcleo de Atividades em Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S), bem como são realizadas orientações às famílias e professores, em relação a AH/SD. Em Chapecó, em
Instituição congênere, à FCEE tem um Serviço para AH/SD que também realiza este atendimento.
Em virtude da demanda de educandos e da necessidade de atendimento, em 2015, foi autorizada pelo Estado de Santa Catarina a abertura de salas para AH/SD, culminando com a publicação de Diretrizes
para Implantação de Serviço Educacional Especializado para alunos com
Altas Habilidades/Superdotação, SAEDE – AH/SD na Rede Pública
Estadual de Ensino. O atendimento tem como objetivo geral ―promover a
identificação e o atendimento aos alunos com altas Habilidades/Superdotação que frequentam o ensino fundamental ou médio da
educação básica nas escolas, prioritariamente da rede pública estadual‖
(SANTA CATARINA, 2015, p.4).
Dentre os objetivos específicos do SAEDE AH/SD estão a identificação dos alunos, o atendimento as suas necessidades educacionais
mediante suplementação e enriquecimento escolar, grupos de enriquecimento, avaliação processual dos alunos e promoção de grupos de estudo,
parcerias e cooperação técnica com instituições parceiras. Atualmente
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estas salas anteriormente denominadas SAEDE, são denominadas salas
de AEE – Atendimento Educacional Especializado para AH/SD.
Em relação aos objetivos do AEE para alunos com AH/SD,
Freitas e Pérez (2012, p. 11,12), trazem as seguintes reflexões: ―objetiva
identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade
que eliminem barreiras para a plena participação destes alunos [...]‖. As
autoras sugerem atividades de enriquecimentos que podem ser realizados
de diferentes formas: ―no contexto curricular, com flexibilização dos
conteúdos curriculares, adaptações, alterações nos objetivos e metodologia, como também extracurriculares, disponibilizando programas de desenvolvimento pessoal do sujeito‖. As atividades que podem ser realizadas no contraturno devem ser desafiadoras, podendo ser desenvolvidos
em pequenos grupos com interesses afins ou de forma individual, sempre
buscando desenvolver a potencialidade desta criança.
Como já mencionado anteriormente, para os alunos com
AH/SD, além de estar previsto nas legislações a identificação, cadastro e
atendimento especializado, também é previsto a aceleração ou avanço
escolar. No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB 9394/96), em seu art. 24 prevê: ―classificação em qualquer série ou
etapa, exceto a primeira do ensino fundamental [...]‖ e no art. 59 ―II [...]
aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os
superdotados‖.
A Resolução estadual 183/2013, que estabelece diretrizes operacionais para a avaliação do processo ensino-aprendizagem nos estabelecimentos de ensino integrantes do Sistema Estadual de Educação de Santa Catarina, prevê em seus artigos o avanço escolar:
Art. 12 O avanço nos cursos ou séries/anos, por classificação, poderá
ocorrer sempre que se constatarem altas habilidades [...]. Art. 13 A
proposição do avanço nos cursos ou séries/anos caberá ao estabelecimento de ensino, devendo ser ouvidos o aluno, os pais ou responsáveis. Art. 14 A avaliação do aluno de que trata o art. 12 deverá ser planejada, elaborada e operacionalizada por banca constituída por membros do corpo docente [..]. (SANTA CATARINA, 2013, p. 4).
As legislações apresentadas e vigentes são norteadoras para os
processos de aceleração realizados na educação pública de Santa Catarina, desta forma é realizada a classificação, os alunos realizam uma prova
para avaliação do conhecimento, que é corrigida por uma banca de profissionais da educação que decide se o aluno tem condições de avançar
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ou deve permanecer na turma atual, também devem conversar com os
responsáveis e ouvir os desejos da criança.
3.
MÉTODO
A pesquisa teve abordagem de cunho qualitativo, sendo do tipo
estudo de caso. Para a coleta de dados foi utilizado um roteiro de entrevista com 11 questões semiestruturadas que tiveram como objetivo investigar a percepção dos educandos sobre o processo de aceleração vivenciado na rede comum de ensino. A entrevista foi escolhida como mais adequada, por ser uma técnica que permite maior interação entre o pesquisador e o sujeito pesquisado e ―o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada‖
(MINAYO, 2013, p. 64).
As questões do roteiro de entrevista investigaram como os alunos
percebiam a aceleração desde o surgimento da ideia de acelerar, se tinham sido ouvidos e respeitados em relação a suas opiniões, se tinham
realizado provas para avaliar seus conhecimentos, suas expectativas e
sentimentos em relação à aceleração, se tiveram dificuldades/facilidades
na nova turma, se houve diferenciação curricular, se gostariam de ser
acelerados novamente e como avaliavam todo o processo vivenciado.
A coleta de dados foi realizada com dois educandos de 14 anos
de idade que frequentam o ensino regular em escolas públicas e que possuem indicadores de AH/SD. Para fins de preservação da identidade dos
sujeitos, nesta pesquisa serão referidos como: Educando A, que possui
indicadores de AH/SD na inteligência lógico-matemática, e educando B,
com indicadores de AH/SD na inteligência linguística. Os educandos
foram entrevistados em junho/2016, separadamente, no local onde realizam Atendimento Educacional Especializado, onde tem oportunidades
de desenvolver projetos e potencializar suas áreas de interesse.
Os dados coletados foram analisados utilizando a Análise de
Conteúdo, definida por Minayo (2010), como técnica de tratamento de
dados que busca a interpretação cifrada do material de caráter qualitativo, visando a ultrapassar o nível do senso comum e do subjetivismo e a
alcançar uma vigilância crítica ante as entrevistas. Nesta pesquisa, entende-se por percepção ―o conjunto de processos pelos quais reconhecemos,
organizamos e entendemos as sensações que recebemos dos estímulos
ambientais (STERNBERG, 2008, p. 115).
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As respostas dos participantes nas entrevistas foram analisadas
observando as temáticas que se sobressaíam. A partir da análise, elencouse três grandes categorias que merecem reflexão: A contextualização da
aceleração no meio escolar; os ―desafios‖ da aceleração escolar; e acelerar para quê?
3.1 A CONTEXTUALIZAÇÃO DA ACELERAÇÃO NO
MEIO ESCOLAR
Na legislação brasileira, Pérez (2014, p. 461) pontua que apenas
é previsto o avanço na escolarização, mas nada que explique ou oriente
os sistemas de ensino a como realizar este processo e até mesmo em relação a avaliação da maturidade socioemocional.
Em relação à forma como aconteceu a aceleração, ambos entrevistados relataram que sabiam o que era aceleração e porque tinham sido
acelerados, comentaram que realizaram avaliações de todo o conteúdo de
todas as disciplinas do ano que cursavam e obtiveram bom desempenho.
Desta forma, segundo os participantes, a ideia de realizar a aceleração
surgiu das escolas em virtude do bom desempenho apresentado. Ambos
também relataram que foram consultados em relação ao processo de
aceleração e que tiveram suas opiniões respeitadas, no que se refere à
vontade de avançar para o ano seguinte, após avaliação acadêmica.
O Educando B argumentou, quando foi questionado em relação
ao respeito de sua opinião: ―Com certeza, acredito que a opinião que mais deve
ser respeitada é a minha; afinal, quem vai ser acelerado sou eu‖. Em relação ao
respeito à vontade dos educandos, Pereira e Guimarães (2007, p. 165)
observam o desejo do aluno deve ser considerado e também deve manifestar condições para lidar com os desafios e exigências que poderão surgir ao longo de sua vida acadêmica.
Sobre o processo de aceleração, embora os entrevistados relataram que sabiam por que estavam sendo acelerados e que haviam concordado, ficou evidente que não tinham noção exata do que aconteceria.
Pensavam que seria algo bom, afinal tinham condições de frequentar o
ano seguinte. Em relação a forma como ocorreu a aceleração, as escolas
tiveram a preocupação de realizá-lo da forma que consideraram melhor,
conversando com os envolvidos e realizando a avaliação para verificar as
habilidades acadêmicas dos estudantes; porém, não tiveram a preocupação de preparar os educandos para os possíveis desafios sociais, emocionais e pedagógicos decorrentes do processo.
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3.2
OS “DESAFIOS” DA ACELERAÇÃO ESCOLAR
A pesquisa realizada traz alguns apontamentos em relação a
questões sociais, de aceitação, de dificuldades de adaptação na nova turma e até de alguns conteúdos que ―deixaram de ser vistos‖ no ano para o
qual foram acelerados. Ambos educandos relatam que tinham expectativas positivas em relação à aceleração, pensavam que seriam de certa
forma beneficiados por poderem cursar um ano mais adiantado.
O Educando B relata: “Se você foi ou vai ser acelerado, isso significa
que você tem algo de bom para mostrar e que pode dar conta”, já o Educando A
disse: “Tinha expectativas que fosse beneficiado ganhando um ano, mas depois
acho que perdi um ano porque deixei de ver conteúdos”. Este educando não
teve dificuldades curriculares, apenas teve de recuperar por si só os conteúdos que não tinha estudado no ano do qual foi acelerado, e não considerava isso como positivo.
Para este educando, a aceleração parece não ter sido a forma
mais adequada de suprir suas necessidades, uma vez que sua área de
potencialidade é a lógico-matemática. Ele possui habilidades de raciocínio lógico e matemático para resolver as questões e desafios escolares
geralmente antes do que seus colegas, porém, na linguagem escrita, não
gosta de escrever e de realizar leituras mais complexas.
O Educando A ainda relata que não teve dificuldade alguma de
adaptação na nova turma, pois já se relacionava com estes colegas antes
de ser acelerado; em relação aos conteúdos, diz que não teve nada de
difícil, pois a turma ―não era muito rápida‖. Quando questionado se gostaria de ser acelerado novamente, esse educando disse que não, pois quer
aproveitar cada ano escolar, e demonstrou não ter gostado de estudar
sozinho os conteúdos aos quais não teve acesso em virtude da aceleração.
Já o Educando B relata que não teve dificuldade nos conteúdos
curriculares e atenta para o fato de que, no primeiro bimestre na nova
turma, já foi aluno destaque. Comentou que não gosta de falar sobre a
aceleração escolar, pois não quer promoção pessoal, visto que nenhum
colega já passou por este processo. Segundo o aluno, as dificuldades que
teve foram na socialização, pois se considera tímido e como era mais
novo e introvertido, não conseguiu boa relação com os colegas da nova
turma e até hoje tem poucas amizades.
Quando questionado se gostaria de ser acelerado novamente, foi
muito enfático ao dizer que não. “Para minha vida acadêmica três acelerações
seriam ótimas, mas pessoalmente não gostaria de passar por mais uma readapta-
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ção. Querendo ou não, é algo muito complicado” (Educando B). A preocupação de aceitação social que não está tão evidente no Educando A, fica
muito clara no Educando B. Fleith (2007, p. 41) nos trás uma reflexão
muito pertinente em relação a esta temática, pois segundo a autora, ainda
impera na sociedade o mito de que uma criança com AH/SD pode se
desenvolver sozinha, que nada precisa ser feito para ajudá-la. Que ela tem
condições suficientes de desenvolvimento intelectual, social e emocional.
Assim é comum se sentirem solitários e até mesmo sofrerem rejeição pelo
grupo. Não são compreendidas e nem reconhecidas como crianças com
necessidades diferenciadas de aprendizagem.
3.3 ACELERAR PARA QUÊ?
A aceleração escolar tem de ser positiva para o aluno, não apenas ser encaminhado para outra turma. Uma criança com AH/SD com
comportamentos de superdotação tem necessidades de aprendizagem
diferenciadas, que não podem ser esquecidas no espaço escolar. Desta
forma, os professores precisam ser orientados para o acolhimento deste
aluno e também na realização de adequações no currículo escolar. Pelo
relato dos estudantes, não foi bem o que aconteceu. Ambos passaram
para o ano seguinte e realizaram sempre as mesmas atividades que a
turma toda, sem ter acompanhamento especializado, suplementação
curricular e nem enriquecimentos intracurriculares ou extracurriculares.
Quando terminavam as atividades antes do que seus colegas, deviam
apenas ficar aguardando.
Os entrevistados também não quiseram deixar sugestões para
tornar este processo melhor. Pode-se perceber que a aceleração teve impacto diferente para cada educando e que eles possuem a compreensão de
que cada um que for acelerado vai assimilar o processo à sua maneira e,
por isso, não quiseram deixar sugestões. O Educando B afirma “Acredito
que cada um encara isso de maneira diferente [...] é algo muito pessoal”.
Pérez (2014, p. 464) questiona: Para que e por que acelerar? Pois
na educação brasileira entende-se que todos devem aprender a mesma
coisa. Quando um aluno é avançado apenas muda de turma, não há flexibilização curricular e nem existe acompanhamento especializado. Então, quais as contribuições da aceleração para o desenvolvimento deste
sujeito?
―Acelerar para quê? ‖ se torna pertinente nesta pesquisa, já que
ambos os educandos tinham expectativas positivas em relação ao proces-
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so de aceleração e ainda o avaliam como sendo positivo; porém, não
querem passar novamente pelo mesmo. Pensamos que talvez o benefício
que tenham é terminarem o ensino formal de forma mais rápida e terem
oportunidades de buscarem antecipadamente o aprofundamento em suas
áreas de interesse. Porém, se levarmos em consideração que a função da
escola teria de ser educação de qualidade, atentando para as necessidades
de todos os que ali se encontram, acelerar pode ser visto apenas como
uma forma de transferir responsabilidades para a esfera seguinte, e isso de
longe não pode ser considerada como a melhor solução.
4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa realizada em relação à percepção dos educandos com
AH/SD sobre o processo de aceleração vivenciado na rede comum de
ensino teve seu objetivo cumprido, pois os dados obtidos nos deram uma
visão clara de como ela ocorreu nas escolas, das expectativas dos educandos, das facilidades que eles encontraram, bem como das fragilidades
do processo.
Segundo a análise dos dados, percebe-se que a escola realizou
uma banca avaliativa, ouviu os pais, professores e alunos e realizou os
procedimentos conforme o que prevê a legislação; porém, falhou na organização desta transição. A nova turma não foi preparada para receber o
novo colega e os professores não estavam orientados para atender educandos com indicadores de AH/SD; desta forma, não realizaram adequações curriculares e nem enriquecimentos, os alunos já adolescentes
apenas passaram para o ano seguinte.
Acreditamos que a aceleração escolar não é indicada para todos
os educandos com AH/SD e para nenhum educando da forma como tem
sido feita. Propomos que o AEE para AH/SD seria a melhor alternativa,
com professores conhecedores de seus educandos, proporcionando atividades de enriquecimento intracurriculares e extracurriculares, engajados
em buscar parcerias na comunidade, proporcionando contato dos estudantes com os recursos que a cidade oferece, desenvolvendo projetos e
permitindo que os educandos sejam sujeitos ativos, pesquisadores e autores de sua própria história.
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SUBVENÇÕES AOS CULTOS RELIGIOSOS,
RECIPROCIDADE E REDISTRIBUIÇÃO
Fernanda Trindade1
Hieda Maria Pagliosa Corona2
Miguel Angelo Perondi3
1.
Introdução
A liberdade religiosa tem sido objeto de conflitos e de luta na
conquista de direitos no mundo contemporâneo, sendo considerado um
direito fundamental em quase todas as legislações do mundo ocidental. É
um direito que pode ser decomposto e é classificado pela doutrina jurídica em três ou quatro vertentes ou formas de expressão.
Na classificação em quatro vertentes, a liberdade de consciência
é de foro individual e protege tanto o crente como o ateu, assegurando a
liberdade de crer ou não crer. Já a liberdade de crença refere-se à liberdade de escolha e mudança de religião. A liberdade de culto refere-se à
liberdade de exteriorização da crença através de ritos e cerimônias próprias de cada religião (SABAINI, 2010, p. 57-73). Por fim, a liberdade de
organização religiosa garante que os grupos religiosos possam estabelecer
―seu modo de constituição e de funcionamento autonomamente‖,
(SANTOS JUNIOR, 2007, p. 77).
A Constituição Federal – CF assegura expressamente a liberdade
religiosa integrando-a ao rol dos direitos fundamentais no caput do art. 5º,
especialmente no inciso VI, que assim dispõe: ―é inviolável a liberdade de
1
2
3
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR)
da
UTFPR.
Advogada
e
Procuradora
Municipal.
Contato:
fer_trindade@yahoo.com.br.
Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR. Professora Permanente
e Bolsista-sênior (Fundação Araucária/SETI/PR e Capes) do Programa de Pósgraduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR) da UTFPR. Professora
permanente do Programa de Pós-graduação em Políticas Sociais e Dinâmicas
Regionais da Unochapecó. Contato: hiedacorona@hotmail.com.
Doutor em Desenvolvimento Rural pela UFRGS. Professor do Programa de PósGraduação em Desenvolvimento Regional - PPGDR da UTFPR. Contato:
perondi@utfpr.edu.br.
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consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a
suas liturgias‖.
O art. 19, I, assegura o caráter laicista do Estado estabelecendo
aos entes federativos a vedação para ―estabelecer cultos religiosos ou
igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com
eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança‖, permitindo, tão somente, ―a colaboração de interesse público‖. As subvenções
aos cultos religiosos, a seguir conceituadas, violam não só a laicidade do
Estado, mas principalmente a liberdade de culto e de organização religiosa pelo favorecimento de um grupo religioso em detrimento dos outros.
Neste contexto normativo-constitucional e considerando que em
estudos relacionados à temática realizados pela autora desde o ano de
2007 observou-se que a prática das subvenções aos cultos religiosos persiste na atualidade (TRINDADE, 2018, p. 28-34), no presente artigo
busca-se analisar a relação dos agentes públicos com as organizações
religiosas com enfoque nos dois princípios de comportamento não associados à economia: reciprocidade e redistribuição.
E com a finalidade de atender à proposta, primeiramente são
apresentados os aspectos históricos e jurídicos pertinentes às subvenções
aos cultos religiosos. Em seguida são abordados os padrões de troca apresentados por Karl Polanyi já em debate com a temática e considerações
de outros autores.
2.
Desenvolvimento teórico
Historicamente, o Estado brasileiro foi marcado pela união com
a Igreja Católica Apostólica Romana no período colonial. Com a Proclamação da República em 1889, antes mesmo da promulgação da nova
constituição, o Decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890, instituiu a
laicidade e transformou a relação entre religião e Estado (SABAINI,
2010, p. 80-90).
A primeira Constituição de 1891 confirmou a opção pela laicidade do Estado e liberdade de religião e nos anos posteriores os textos
constitucionais que sucederam mantiveram o Estado laico e a vedação de
estabelecer ou subvencionar os cultos religiosos, trazendo ao primeiro
texto poucas variações. A ―tradição de aconfessionalidade estatal‖
(SANTOS JUNIOR, 2007, p. 70) foi mantida até a Constituição Federal
atual, promulgada em 5 de outubro de 1988.
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Nesta, pelo disposto no art. 19, I, o Estado brasileiro não pode
possuir religião oficial, estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencionar, apoiar financeiramente ou patrocinar qualquer religião, embaraçar o
funcionamento das organizações religiosas, manter com elas ou com seus
representantes relações de dependência, pronunciar-se sobre questões
religiosas e deve manter o princípio da não confessionalidade em seus
atos oficiais. Não pode, ainda, pelo disposto no caput do art. 5º, tratar as
religiões de forma desigual.
O Estado deve limitar-se a proporcionar uma convivência harmoniosa entre as religiões, bem como equilibrar as práticas religiosas de
um determinado grupo e demais indivíduos da sociedade, sem ultrapassar os limites das restrições deste direito. Contudo, apesar das disposições
constitucionais republicanas que historicamente delimitam a relação
entre Estado e religião, algumas práticas sociais que persistem na atualidade denotam que não se verifica o alcance real da norma sobre o grau de
laicismo estabelecido.
A influência social, política e moral da religião predominante na
sociedade estabelece ―zonas simbióticas nessa relação contrária ao Estado laico adotado pela nossa Constituição‖ (SABAINI, 2010, p. 112).
Uma das principais violações do direito à liberdade religiosa é a aproximação entre determinada religião e o Estado, que passa a servir de instrumento para a consecução dos objetivos da organização religiosa, tornando vulneráveis as demais confissões, especialmente as minoritárias
(SORIANO, 2006, p. 35).
Esta aproximação é ainda mais grave quando envolve o repasse
de bens e recursos públicos, denominado pela Constituição Federal como
o ato de ―subvencionar‖. As subvenções são conceituadas pelo §3º, do
art. 12, da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, como ―as transferências
destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas‖, distinguindo-se em econômicas e sociais, estas quando se destinam a ―a
instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem
finalidade lucrativa‖.
Assim, observa-se que as subvenções podem ser destinadas às organizações religiosas, desde que para a colaboração de interesse público,
na forma da lei (art. 19, I, da CF). A colaboração de interesse público
refere-se às atividades que, embora realizadas pela organização religiosa,
possuem interesse geral e não são direcionadas a um público específico,
tais como as ações sociais realizadas com idosos, crianças, dependentes
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químicos, dentre outras que enquadram a organização religiosa na categoria de instituição de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade
lucrativa.
O que é vedada é a subvenção destinada ao financiamento do
culto religioso, ou seja, às atividades religiosas em sentido estrito. Seguidamente são noticiados pela mídia patrocínios a festas religiosas com
recursos públicos, normalmente oriundos do município ou estado, contrariando as disposições constitucionais acerca da laicidade estatal.
Em estudos anteriores observamos que a maioria das violações à
liberdade religiosa ocorre no âmbito local, comunitário e, no contexto
municipal, as subvenções aos cultos comumente são realizadas através do
patrocínio às festas e eventos religiosos – não só através do repasse de
recursos públicos, mas também através do auxílio de servidores nas atividades, doação e uso privativo de bens públicos, edificação de templos e
ocupação de imóveis públicos (terrenos e edifícios), além do repasse de
recursos a determinados grupos religiosos (TRINDADE, 2018, p. 28-34).
As subvenções aos cultos religiosos violam não só a laicidade do
Estado, mas principalmente a liberdade de culto e de organização religiosa pelo favorecimento de um grupo religioso em detrimento dos outros.
Neste diapasão, válido investigar o que ampara esta prática ilícita por
parte dos agentes públicos em relação às organizações religiosas no âmbito social.
Polanyi (2000, p. 47) afirma que ―todos os tipos de sociedades
são limitados por fatores econômicos‖, pois ―nenhuma sociedade poderia
sobreviver durante qualquer período de tempo, naturalmente, a menos
que possuísse uma economia de alguma espécie‖ (POLANYI, 2000, p.
62).
O autor considera que uma das mais importantes descobertas das
pesquisas históricas e antropológicas é que ―a economia do homem, como regra, está submersa em suas relações sociais‖, que o homem age não
por interesses individuais, mas para ―salvaguardar sua situação social‖.
Os bens materiais são valorizados ―na medida em que eles servem a seus
propósitos‖ (POLANYI, 2000, p. 65).
Silva (2005, p. 20) considera que ―a questão social envolve temas
relativos à interação dos indivíduos e à situação da sociedade em termos
da sua condição de vida‖, sendo que ―as dimensões culturais e econômicas estão intimamente relacionadas com a formação da base social‖
(SILVA, 2005, p. 21).
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Assim, ―a manutenção dos laços sociais é crucial‖, pois em regra
as ―obrigações sociais são recíprocas‖ e seu cumprimento atende aos
interesses individuais pelo ―dar-e-receber‖. Trata-se de um código social,
de honra e generosidade, cuja recompensa por segui-lo é medido em
―termos de prestígio social‖ (POLANYI, 2000, p. 66).
Desta forma, a estabilidade da ordem na produção e distribuição
se dá através de ―dois princípios de comportamento não associados à
economia: reciprocidade e redistribuição‖. O primeiro está presente principalmente na organização sexual da sociedade, nos aspectos de família e
parentesco, pois o sustentar ou não a família implica em créditos por bom
comportamento ou prejuízos à reputação. O segundo tem um caráter
territorial, político e religioso, e envolve o compartilhamento da produção uns com os outros, a troca de presentes e outros elementos da atividade comunal (POLANYI, 2000, p. 66).
Estes princípios comportamentais são efetivos em razão da existência de ―padrões institucionais‖ que levam à sua aplicação e garantem
o funcionamento do sistema sem nada formal ou escrito, ―apenas porque
a organização das sociedades em questão cumpre as exigências de uma
tal solução com a ajuda de padrões tais como a simetria e a centralidade‖
(POLANYI, 2000, p. 67).
A simetria é um padrão institucional ―frequente da organização
social entre os povos iletrados‖ e refere-se ao ―tomar-e-dar de bens e serviços na ausência de registros permanentes‖ que resultam na execução de
―atos de reciprocidade sobre os quais o sistema repousa‖. Já a centralidade ―está presente, de alguma forma, em todos os grupos humanos‖ e
facilita a redistribuição de bens e serviços em um determinado território
através da atuação do chefe ou líder (POLANYI, 2000, p. 67).
Assim, ―os padrões institucionais e os princípios de comportamento se ajustam mutuamente‖, pois ―o dar graciosamente é considerado
como virtude‖ e o sistema econômico se torna uma ―mera função da
organização social‖, sendo todo o processo de reciprocidade ―regulado
inteiramente pela etiqueta e magia‖ (POLANYI, 2000, p. 69).
O padrão da reciprocidade no comportamento social liga pessoas
e espaços através dos tempos e funciona ―sem que existam registros ou
administração, e também sem qualquer motivação de lucro ou permuta‖,
é uma troca de natureza social (POLANYI, 2000, p. 70). Radomsky
(2007, p. 255-256) pontua que ―a reciprocidade pode sedimentar as relações sociais, pois vincula os sujeitos por meio de suas condutas (isto é,
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das obrigações morais e da liberdade do agir recíproco)‖, em razão da
―carga simbólica que contém o dar e o retribuir‖.
Igualmente o padrão da redistribuição, que na prática ―significa
que o produto da sua atividade é partilhado com as outras pessoas‖ que
convivem no mesmo grupo social, e ―o que se dá hoje é recompensado
pelo que se toma amanhã‖, logo, é uma troca de natureza política (POLANYI, 2000, p. 70).
E mesmo em sociedades diferentes, com motivações e traços culturais distintos, ―a organização do sistema econômico ainda pode se
basear nos mesmos princípios‖ (POLANYI, 2000, p. 73), institucionalizados pela organização social, cuja estrutura é assegurada não pelo lucro,
mas pela ―grande variedade de motivações individuais‖, além dos ―costumes e a lei, a magia e a religião‖, que induzem ―o indivíduo a cumprir
as regras de comportamento‖ (POLANYI, 2000, p. 75).
Neste mesmo prisma, Putnam (1996, p. 182) considera que ―a
regra da reciprocidade generalizada é um componente altamente produtivo do capital social‖, que tem por característica específica a ―confiança,
normas e cadeias de relações sociais‖ que aumentam a eficiência da sociedade (PUTNAM, 1996, p. 180). Abramovay (2000, p. 4) explica que ―a
noção de capital social permite ver que os indivíduos não agem independentemente‖ e que ―as estruturas sociais devem ser vistas como recursos,
como um ativo de capital de que os indivíduos podem dispor‖ e utilizar
para estabelecer novas relações sociais em uma determinada região.
Neste diapasão, considerando que a reciprocidade e a redistribuição são regras de comportamento social generalizadas, princípios de
comportamento econômico presentes desde as sociedades primitivas, não
só em pequenas comunidades, mas também em grandes impérios, como
se inserem as subvenções aos cultos religiosos neste contexto?
No Estado brasileiro o rompimento formal da relação com a religião ocorreu em 1890 e já na primeira constituição republicana foi estabelecida a vedação de subvencionar os cultos religiosos, mas decorrido mais
de um século ainda se observa esta prática entre os entes públicos e as
organizações religiosas, especialmente com aquelas que representam a
crença da maioria da população.
Em estudos anteriores, observamos que inicialmente, logo após o
estabelecimento do Estado laico, a Igreja Católica Apostólica Romana
buscou manter seus privilégios através da subvenção de suas atividades
com os recursos do Estado, incorporando os bens públicos ao seu próprio
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patrimônio. Posteriormente, com o surgimento e crescimento de outras
confissões e organizações religiosas, as subvenções aos cultos passaram a
atender também estas, ainda que de forma bem menos expressiva, mas
sempre envolvendo organizações que possuem um número de adeptos
significativo.
Logo após a separação entre a Igreja e o Estado, conforme os entes federativos foram se constituindo, especialmente os municípios, constata-se a ocorrência significativa de subvenções aos cultos religiosos em
razão de estar sendo constituída a comunidade religiosa no local, sendo a
mais comum a doação de bem imóvel público para fins de edificação do
templo religioso.
Assim, observa-se nos atos que envolvem as subvenções aos cultos religiosos a presença da redistribuição, que tem natureza política e
religiosa, e através da qual o agente público concede bens e serviços esperando ser recompensado pelo que tomará no amanhã, especialmente
porque as subvenções comumente são direcionadas às organizações religiosas que representam parcela considerável da população.
O agente público envolvido na prática das subvenções aos cultos
religiosos age para salvaguardar sua situação social e, assim, manter-se
ativo na vida política, uma vez que as obrigações sociais são recíprocas e
envolvem o cumprimento do ―código social de honra e generosidade‖
(POLANYI, 2000, p. 65). Como já mencionado, mesmo nos atos aparentemente gratuitos, a reciprocidade é aguardada e os padrões institucionais
que levam à sua aplicação garantem o funcionamento do sistema sem
nada formal ou escrito, pois ajustam-se mutuamente (POLANYI, 2000,
p. 66-67).
Não obstante, considerando que os atos de troca na reciprocidade e redistribuição têm como recompensa o prestígio social, ao agente
político ―o dar graciosamente é considerado como virtude‖ (POLANYI,
2000, p. 69) que trará recompensas para si oportunamente, especialmente
dado o caráter territorial da redistribuição.
Ao tratar das consequências sociais da redistribuição, Polanyi
(2000, p. 71) considera que seja ela ―feita por uma família influente ou
por um indivíduo importante, [...] o fato é que eles muitas vezes tentarão
aumentar seu poder político através da maneira pela qual redistribuem os
bens‖, no caso, os bens públicos. E ―é ponto de honra para o chefe‖ exibir sua riqueza e distribuí-la e, assim procedendo, coloca ―os recebedores
sob obrigação, para fazê-los seus devedores‖.
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E sendo que a maioria das violações à liberdade religiosa ocorrem no âmbito local, comunitário, especialmente quando envolvem subvenções aos cultos religiosos. Neste ambiente o capital social, a cooperação voluntária e a participação cívica são elementos importantes no desenvolvimento da sociedade.
Putnam (1996, p. 177) considera que ―a cooperação voluntária é
mais fácil numa comunidade que tenha herdado um bom estoque de
capital social sob a forma de regras de reciprocidade e sistemas de participação cívica‖, pois ―capital social diz respeito às características da organização social, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a
eficiência da sociedade‖. O autor considera que os cidadãos destas comunidades desejam um bom governo, serviços públicos mais eficazes e
agem coletivamente para alcançar seus objetivos comuns (PUTNAM,
1996, p 191).
Neste contexto, há um ambiente propício para a redistribuição
através das subvenções aos cultos. Além disso, nestas comunidades normalmente se observa uma hegemonia na crença religiosa que torna pouco
provável o questionamento do ato ilícito, já que quase todos os membros
são beneficiados com a concessão do bem ou serviço.
E como a participação está presente em quase todas as esferas da
vida comunitária, ―o contrato social que sustenta essa colaboração na
comunidade cívica não é de cunho legal, mas moral. A sanção para quem
transgride não é penal, mas a exclusão da rede de solidariedade e cooperação‖ (PUTNAM, 1996, p. 192).
Neste caso específico, a transgressão é a insurgência contra a troca simbólica, pois a tradição religiosa da sociedade não se coaduna com a
tradição de aconfessionalidade da República. Os interesses religiosos e
políticos dificultam a oposição à tradição pelos agentes públicos, que
mesmo tendo ciência ou consciência de que sob a ótica do Estado laicista
o ato não deveria ser praticado, adotam ações omissivas ou comissivas a
fim de manter o apoio social, especialmente quando este envolve a crença
religiosa da maioria da população.
Neste ponto podemos considerar que na relação Estado laico e
organizações religiosas estão presentes as instituições formais (regras
escritas em leis e regulamentos) e as informais (usos e costumes) conectando o passado com o presente. Ambas ―se complementam na consolidação das regras do jogo e no estabelecimento de elementos para condu-
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ção das relações e interações sociais no decorrer do tempo‖ (SILVA,
2005, p. 25).
O problema é que enquanto as instituições formais se constituem
como ―forças exógenas com poder coercitivo‖ para o cumprimento das
regras, dependendo da adoção de ações e medidas específicas, as informais ―se cumprem automaticamente porque se referem ao código de
conduta e sua evolução (padrão moral da sociedade)‖ (SILVA, 2005, p.
25-26), daí a dificuldade em superar esta prática, especialmente no âmbito municipal.
Ocorre que quando estas organizações são religiosas, o prevalecimento dos interesses privados – ainda que comunitários – implica em
violações ao direito da liberdade dos demais. Neste sentido, Polanyi
(2000, p. 294) considera que ―o problema da liberdade surge em dois
níveis diferentes: o institucional e o moral ou religioso‖, mas no nível
institucional não se apresentam questões radicalmente novas e é apenas
―o caso de equilibrar o aumento e a diminuição das liberdades‖. Entretanto, no nível mais fundamental – moral ou religioso – ―parece que os
próprios meios de manter a liberdade adulteram-na e a destroem‖.
Daí porque o Estado deve limitar-se a proporcionar uma convivência harmoniosa entre as religiões, bem como equilibrar as práticas
religiosas de um determinado grupo e demais indivíduos da sociedade,
sem ultrapassar os limites das restrições deste direito, exatamente como
prescrito no art. 19, I, da Constituição Federal. O uso das subvenções aos
cultos religiosos como redistribuição e troca é uma das mais graves violações à liberdade religiosa.
Polanyi (2000, p. 295) esclarece que as classes mais abastadas
―estão naturalmente propensas a ampliar a liberdade na sociedade do que
aquelas que, por falta de rendas, têm que se contentar com um mínimo
de liberdade‖. É neste contexto que permanece a hegemonia de determinada religião, pois ao obter parte de seu patrimônio dos recursos públicos
– especialmente os bens imóveis destinados à edificação dos templos,
casas pastorais ou paroquiais ou espaços de confraternização social – os
membros daquele grupo religioso gozam de maior liberdade de culto e
organização religiosa que os demais.
O autor aponta ainda que quando são realizadas ações de regulação ―no sentido de uma distribuição mais justa da renda‖ – que no caso
das organizações religiosas é não distribuir renda alguma – ―embora as
restrições se apliquem a todos, os privilegiados tendem a ressentir-se,
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como se elas fossem dirigidas apenas contra eles‖ (POLANYI, 2000, p.
295).
Este ressentimento coletivo causado pela religiosidade tradicional impede, inclusive, a regulação em nível institucional, seja para coibir
a prática das subvenções, seja para reaver o patrimônio ilicitamente destinado, pois apesar de ser significativo o número de bens públicos transferido às organizações religiosas após a decretação da laicidade do Estado,
inclusive na vigência da Constituição atual, raramente ouve-se falar em
anulação das doações de imóveis ou ações civis públicas para responsabilização do agente público que se utiliza do princípio da redistribuição
para obter favores dos indivíduos vinculados à organização religiosa.
E considerando que ―em nível institucional, a regulação tanto
amplia como restringe a liberdade‖, no caso da liberdade religiosa, embora inicialmente ocorra uma diminuição da liberdade do grupo dominante
pela adoção de medidas restritivas, estas são necessárias ―para que seja
elevado o nível de liberdade para todos‖ e para ―distribuir entre outros a
liberdade de que eles mesmos gozam‖ (POLANYI, 2000, p. 295).
Polanyi (2000, p. 296) ainda pondera que a liberdade pessoal –
aqui incluída a liberdade religiosa em suas quatro formas de expressão –
―existirá na medida em que criarmos deliberadamente salvaguardas para
a sua manutenção, e até para a sua ampliação‖, pois ―nenhuma simples
declaração de direitos é suficiente: as instituições são necessárias para
efetivar esses direitos‖.
Por fim, que a regulação e o controle podem tornar a liberdade
mais ampla e geral para todos, ―não como complemento do privilégio,
contaminada em sua fonte, mas como um direito consagrado, que se
estende muito além dos estreitos limites da esfera política e atinge a organização íntima da própria sociedade‖ (POLANYI, 2000, p. 297). Este
deve ser o alvo escolhido.
3
Considerações Finais
A religião tem sido historicamente uma das grandes expressões
culturais humanas, sendo o anseio pela liberdade religiosa objeto de luta
na conquista de direitos no mundo contemporâneo. E tratando-se de
esfera tão importante da vida humana, os valores religiosos estão incluídos entre os bens simbólicos que podem ser utilizados na relação de troca
presente nos padrões de reciprocidade e redistribuição.
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Neste contexto, os agentes públicos utilizam-se destes padrões
históricos de comportamento para aumentar o prestígio político e social
redistribuindo os bens públicos às organizações religiosas. A tradição
religiosa da sociedade brasileira impõe normas de conduta moral difíceis
de superar, independentemente do que está disposto na Constituição e
nas leis.
E sendo que as subvenções aos cultos religiosos constituem uma
das mais graves violações à liberdade religiosa, faz-se necessária a adoção
de mecanismos de controle e regulação eficazes para coibir esta prática
que se sustenta na atualidade, décadas após a decretação da laicidade do
Estado, a fim de proteger a liberdade religiosa.
Estes mecanismos envolvem a responsabilização dos agentes públicos envolvidos, anulação dos atos administrativos relacionados e a
adoção de medidas que visem a indenização pelos bens e serviços recebidos, a fim de romper o padrão de troca que viola valores tão caros à sociedade.
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TORNANDO A ESCOLA INCLUSIVA PELAS
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Graciela Deise Metz1
Silvia Regina Canan2
Daiane Altenhofen3
1.
Introdução
Ao nos reportarmos a história da educação brasileira nos
deparamos com marcas excludentes no processo educacional. A
ideia de uma escola para todos se propagou a partir da Conferência
Mundial de Educação para Todos ocorrida na cidade Jomtien, Tailândia,
em de março de 1990. Desde então, o tema educação inclusiva passou a
pautar estudos, debates e discussões a nível de mundo. No Brasil, marcas
mais significativas nessa modalidade de ensino passaram a ser asseguradas com a promulgação da Constituição Federal (BRASIL,1988), que em
seu artigo 208 inciso III traz elencado como garantia a oferta do: ―atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.‖
Ao longo dos anos a educação inclusiva vem demonstrando
constantes evoluções. Cada vez mais se discute a inclusão escolar e busca- se meios para a sua concretização. Pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) a
proposta é de que sejam implementados nas escolas práticas e princípios
inclusivos, de modo que os educandos sejam atendidos dentro de suas
particularidades. Assim, adotar um enfoque inclusivo significa pro-
mover estratégias de ensino que possibilitem a aprendizagem de
1
2
3
Mestranda em Educação pela URI/FW. Membro do Grupo de pesquisa NEPPES.
Psicopedagoga clínica e institucional, pedagoga e educadora especial. Contato:
gracimetz100@hotmail.com.
Doutora em Educação. Docente do PPGEDU - URI - Campus Frederico Westphalen
Líder do Grupo de Pesquisa NEPPES. Contato: silvia@uri.edu.br
Mestranda em Educação pela UNOCHAPECÓ. Professora da Educação Básica do
Município de Maravilha. Grupo de pesquisa Ensino e formação de professores, do(a)
Universidade Comunitária da Região de Chapecó. Contato: daya_tita@hotmail.com
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todos os educandos, com ou sem deficiências, inseridos no ensino
regular. O direito ao acesso a novos saberes deve ser promovido
por parte dos educadores que trabalham com alunos da Educação
Especial. Dessa forma reflexões sobre educação inclusiva, entender e
repensar o papel que a prática pedagógica assume na inserção de todos os
educandos pode contribuir para melhorar a qualidade do ensino.
As implicações das políticas e práticas de adaptações curriculares
no ensino regular que contempla o alunos da Educação Especial é um
tema de estudo que requer a apreciação densa sobre diversos aspectos que
compõem o processo educativo, mas principalmente exige reconhecer a
importância do fazer pedagógico adaptado para esses educandos enquanto fator preponderante da sua formação escolar.
E assim, nasce o principal questionamento desse artigo: As ações
e estratégias de adaptações curriculares definidas pelas políticas públicas
de educação inclusiva são implementadas pela escola? Acreditamos tratar-se de uma abordagem com dois pontos indissociáveis: políticas públicas de educação inclusiva e práticas pedagógicas.
Devido à importância da reflexão sobre as implicações da prática
pedagógica na promoção da inclusão escolar, pretendemos promover
uma conversa sobre a temática, tendo como objetivo principal refletir
sobre as adaptações curriculares para a educação inclusiva. Nossa hipótese é de que promover estratégias de adaptação possa contribuir para o
processo de aprendizagem dos alunos. Sendo assim, nos embasamos em
estudo bibliográfico em que abordaremos a educação inclusiva no viés da
práxis pedagógica.
2.
Educação inclusiva: a importância da práxis
Se à educação escolar cabe o papel de atingir todos os sujeitos
que frequentam os espaços formais educativos, temos, então, na Educação Especial uma modalidade de ensino diferenciada, que visa garantir os
direitos de aprendizagem, citados nas políticas públicas, aos educandos
com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e com altas
habilidades/superdotação, sendo que o atendimento a esse público, deveria ser de acordo com as necessidades específicas de cada um. Assim
sendo, podemos considerar que a Educação Especial é entendida como
um conjunto de recursos e serviços que vem a somar para o melhor atendimento do seu público alvo.
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Mazzotta (2005, p.11) descreve a Educação Especial como:
[...] uma modalidade de ensino que se caracteriza por um conjunto de
recursos e serviços educacionais especiais, organizados para apoiar,
suplementar e, em alguns casos substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação formal dos educandos que apresentem necessidades educacionais muito diferentes das da maioria das
crianças e jovens. Tais educandos, também denominada de "excepcionais" são justamente aqueles que hoje tem sido chamados de "alunos
com necessidades educacionais especiais". Entende-se que tais necessidades educacionais especiais decorrem da defrontação das condições
individuais do aluno com as condições gerais da educação formal que
lhe é oferecida (MAZZOTTA, 2005, p.11).
É através dos atendimentos diferenciados, preferencialmente realizados por professores com formação em Educação Especial, que o objetivo de prover educação de qualidade e equidade de oportunidades a
todos é garantido. É importante frisar que nem todo educando acometido
de uma deficiência requer serviços especializados de educação especial,
alguns demandam apenas mais atenção pelos educadores das classes
regulares.
Cabe destacar que o Brasil ainda encontra-se em caráter transitivo entre inclusão e integração4, o que faz com que alguns profissionais ainda não tenham clareza das ações corretas que devem adotar para prover
uma educação inclusiva. Dentro de um ambiente escolar inclusivo, cabe
à escola adaptar-se às necessidades dos educandos e não esses ao contexto escolar.
Para Sassaki inclusão escolar é entendida:
[...] como o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades educativas especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus
papéis na sociedade. A inclusão social constitui, então, um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam, em
parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a
equiparação de oportunidades para todos (SASSAKI, 1997, p.03)
No contexto atual da educação, a transformação das escolas em
espaços inclusivos, que valorizam as diferenças e promovam ações que
atentam as necessidades educacionais de cada aluno em especifico é,
cada vez mais, assegurado através de diretrizes que implementam as
políticas públicas de inclusão escolar. Entender que a educação escolar
4
Ao nos reportarmos ao termo inclusão estamos nos referindo a inserção total e
incondicional dos sujeitos em todos os espaços e segmentos da sociedade, ora que ao
usarmos o termo integração, a admissão é parcial e dependente da capacidade de
cada pessoa
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vai muito além do que a mera garantia da matrícula remete a reflexões de
como ocorrem e ou devem ocorrer os processos inclusivos.
Promover uma educação inclusiva é trazer para o espaço da escola regular muitas atribuições que se acreditou por muito tempo serem
específicas da escola especial.
Mantoan corrobora com nossa ideia quando destaca que:
Os sistemas escolares relutam muito em mudar de direção porque também estão organizados em um pensamento que recorta
a realidade, que permite dividir os alunos em normais e com
deficiência, as modalidades de ensino em regular e especial, os
professores em especialistas nesse e naquele assunto [...] é difícil romper com o velho modelo escolar e produzir a reviravolta
que a inclusão impõe (MANTOAN, 2015, p. 24-25).
O desafio é grande e significativo, pois para promover intervenções pedagógicas inclusivas é imprescindível estratégias de
ensino diversificadas e que atendam as especificidades de cada
educando através de um planejamento pedagógico com adaptações e flexibilizações curriculares pertinentes.
No contexto escolar diversificado, pensar um planejamento pedagógico com adaptações do currículo é necessário para que se possa
efetivar ações que de fato incluam. Para tanto, é imprescindível que os
professores tenham a compreensão de que o currículo não é estanque,
acabado, mas que pode ser modificado sempre que se fizer necessário.
Flexibilizar a prática pedagógica é necessário quando se intui atender a
todos os alunos, considerando suas diferenças e possibilidades.
Oliveira e Machado contribuem com nossos estudos quando trazem que:
Adaptações curriculares são ―ajustes‖ realizados no currículo, para que
ele se torne apropriado ao acolhimento das diversidades do alunado;
ou seja, para que seja um currículo verdadeiramente inclusivo. Adaptações curriculares, de modo geral, envolvem modificações organizativas, nos objetivos e conteúdos, nas metodologias e na organização didática, na organização do tempo e na filosofia e estratégias de avaliação, permitindo o atendimento às necessidades educativas de todos os
alunos, em relação à construção do conhecimento (OLIVEIRA; MACHADO in GLAT, 2013, p.36).
Entendemos que ao adaptar o seu fazer pedagógico, os professores estão proporcionam estratégias facilitadoras da aprendizagem.
O trabalho inclusivo, requer esforço e colaboração de toda
a equipe escolar para fomentar a equidade em relação aos resulta-
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dos de todos os educandos. Na educação o entendimento de equidade
deve prevalecer, mesmo que por muitos momentos seja associado ao de
igualdade, que é quando todos tem direito a educação que proporcione o
acesso a novos conhecimentos.
Gazzola parafraseando Aristóteles (1999) esclarece que:
Percorrendo o conceito de equidade, nos deparamos com o de igualdade; tais concepções devem ser analiticamente examinadas, do ponto
de vista de uma pretensa distinção entre os termos. Para além dos debates sobre a necessidade de igualdade, a equidade pode ser vista como
uma forma de tratar as diferenças de forma diferente para então possibilitar uma determinada igualdade. Equidade conduz ao exercício de
certas desigualdades para o bem comum (GAZZOLA, 2017, p.45).
No que concerne o ato de inclusão, acreditamos que as ações pedagógicas desencadeadas no espaço escolar devam ser equiparadas, respeitando as particularidades de cada educando, com o fim maior de prover a garantia do direito à aprendizagem, contribuindo num processo de
justiça social. Discorrer sobre políticas públicas de educação inclusiva
requer dispensar atenção a um público que por muitos anos ficou à margem da sociedade, excluído de seus processos.
Como lembra, Mantoan (2015, p.10): ―a partir da Política de
Educação Especial da Educação Inclusiva, verifica-se a quebra de hegemonia do modelo de segregação absoluto nas normas educacionais‖.
Nessa perspectiva, inclusão supõe mudança, transformação; não se refere
exclusivamente à troca de sistema de ensino, onde os educandos saem do
espaço das Escolas de Educação Especial e adentram as Escolas de Ensino Regular, mas a movimentos mais profundos, que repercutam as questões subjetivas dos professores, suas crenças, ideais e concepções sobre
como e para quem ensinar. Não é apenas um fato, algo separado; é um
processo que tem suas etapas, que requer responsabilidade e olhos críticos, para que atenda o objetivo da qualificação educacional de todos os
partícipes do meio.
Todos os educandos, acometidos ou não de uma deficiência ou
transtorno, tem por direito legal educação de qualidade. Partindo deste
preceito há dúvidas de como estabelecer uma escola inclusiva, com educação de qualidade sem que os professores façam de conta que ensinam,
enquanto os alunos fazem de conta que aprendem. Para que a aprendizagem seja construída pelos educandos com dificuldades de aprendizagem5
5
Embora, legalmente os alunos com dificuldades de aprendizagem não sejam
amparados e considerados alunos da Educação Especial, consideramos importante
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ou deficiência no processo de inclusão no ensino regular, a reestruturação
da escola enquanto instituição é imprescindível e assume caráter de urgência.
Corrobora Fonseca quando nos diz que:
[...] A escola assume-se como uma instituição social antidiscriminatória, na qual todos os estudantes com ou sem problemas,
integrados ou marginalizados são acolhidos na qual a exclusão é igual
à zero, na qual todos podem se considerar proprietários dum bem social e dum sentimento comunitário profundo que é a inclusão de todas
as crianças independente de sua diversidade biossocial. (FONSECA in
STOBÁUS e MOSQUERA, 2004, p. 45).
Considerando o que Stobäus (2004) pontua para que a inclusão
se concretize é necessária uma outra escola, com concepções que vão além
da mera reprodução de competências escolares6. A escola, deve ser um
dos principais segmentos da comunidade a valorar as diferenças; entendendo que todo ser é único e pleno de possibilidades a serem desenvolvidas e melhoradas no convívio e na interação com o outro. Deve haver
uma postura consciente, crítica e significativa. Em uma escola inclusiva
não há lugar para o fracasso, para o simples repasse de conhecimento,
para a exclusão, desistência e evasão.
A educação para ser inclusiva precisa considerar o desejo de
aprender e interagir dos educandos e não o rótulo sobre eles; suas potencialidades e capacidades e não somente as dificuldades. Não é um processo de negar a deficiência, mas, sim que há um ser humano para além
da deficiência; prever que diferenças exigem intervenções pedagógicas
diferenciadas, sem menosprezar sua capacidade de aprendizagem.
Salientamos que o princípio para uma prática inclusiva em sala
de aula, que atenda essas particularidades, perpassa pelo fazer pedagógico.
Como Beyer pontua:
6
traze-los para o debate, visto que são alunos que requerem atenção especial para que
tenham sua aprendizagem otimizada.
Na BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos
e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e
valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da
cidadania e do mundo do trabalho (MEC, 2018, p.6).
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O desafio é construir e por em prática no ambiente escolar uma
pedagogia que consiga ser comum ou válida para todos os alunos da classe escolar, porém capaz de atender os alunos cujas
situações pessoais e características de aprendizagem requeiram
uma pedagogia diferenciada. Tudo isto sem demarcações, preconceitos ou atitudes nutridoras dos indesejados estigmas. Ao
contrário pondo em andamento na comunidade escolar, uma
conscientização crescente dos direitos de cada um (BEYER,
2006, p. 76).
Contudo, entendemos que a ideia de tornar a educação inclusiva
implica em um movimento que transcorre pelas políticas públicas de
inclusão e adentra os espaços escolares com adaptações que possibilite
que a aprendizagem aconteça e contribua na melhora da qualidade de
vida de todos os educandos.
Acreditamos que adequar as práticas pedagógicas, acima de
tudo, exige entendimento de que além de ser direito constitucional,
cada aluno dentro de sua deficiência tem uma especificidade particular na sua aprendizagem, o que denota num trabalho pedagógico com adaptações curriculares conforme as individualidades de
cada um. Cada dificuldade ou deficiência causa algum comprometimento específico, e é essa compreensão que contribui para que a
inclusão de fato ocorra. Para que não aconteça meramente a reprodução de habilidades determinadas pelo sistema, o fazer pedagógico deve
ser inovador, provocador de indagações entre todos os envolvidos, para
que a apropriação dos conhecimentos incida via problematização e não
simplesmente pela transmissão de conteúdos, geralmente pouco significativos.
Para Caramori e Dall‘Acqua:
O emprego de estratégias pedagógicas se dá diariamente na prática do
professor, pois esse é um conhecimento que se adquire fazendo, vivenciando dificuldades e tentando transpô-las, buscando saídas par ajudar
os alunos com maiores dificuldades. Todas as ações executas pelos
professores - que funcionam como suportes, auxiliando a prática docente, desempenhando o papel de facilitar a aprendizagem do aluno –
podem ser caracterizadas como estratégia pedagógica (CARAMORI;
DALL‘ACQUA, 2012, p.115).
Pontuamos aqui, que as ações adotadas pelos profissionais da
educação serão o diferencial para que a inclusão de concretize. Mesmo
sob garantia legal, se o fazer pedagógico não for reformulado a fim de
atender a demanda as diferenças dos alunos, os preceitos excludentes
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estarão mantidos. É pelo participar ativo e constante do aluno que o empoderamento de novos conhecimentos ocorrerá.
Glat e Blanco colaboram como nosso trabalho quando pontuam:
Mais do que uma nova proposta educacional, a Educação Inclusiva
pode ser considerada uma nova cultura escolar: uma concepção de escola que visa ao desenvolvimento de respostas educativas 7que atinjam a
todos os alunos. Diferencia-se, assim, da escola tradicional, que exige
adaptação do aluno às regras disciplinares e às suas formas de ensino,
sob pena de punição/ ou reprovação. (GLAT; BLANCO, 2013, p. 1617).
É essencial reorganizar as escolas, com mudanças centradas num
propósito inclusivo, para que tenhamos uma escola que valorize a diversidade das aprendizagens e dos saberes, proporcionando um maior desenvolvimento dos seus educandos. Incluir é uma tarefa difícil, exige
muito preparo e capacitação, bem como sensibilização para não negar ao
outro o direito de aprender.
Se cada educando é único, com ritmo próprio de aprendizagem,
nada mais coerente que aconteça a diferenciação de atividades para o
provento da concretização da aprendizagem. A prática da equidade deverá ser uma constante se o objetivo da escola for o de que todos os alunos
sejam de fato incluídos no seu processo.
Glat e Blanco argumenta que:
Para que uma escola se torne inclusiva, deverá haver o reconhecimento
de que alguns alunos necessitarão mais que outros de ajudas e apoios
diversos para alcançar o sucesso de sua escolarização. Essa postura representa uma mudança na cultura escolar. Pois, sem a organização de
um ambiente mais favorável ao atendimento das necessidades dos alunos que precisam de estratégias e técnicas diferenciadas para aprender,
qualquer proposta de Educação Inclusiva não passa de retórica ou discurso político (GLAT; BLANCO, 2013, p.28).
Os educandos com deficiência clamam por uma escola que os
acolha e os contemple com aprendizagens significativas para suas vidas.
Às vezes, uma simples demanda de tempo aumentando será o diferencial
na vida escolar desse aluno. Nem sempre as atitudes adotadas pelos educadores requerem grandes adaptações, podem advir de um tempo maior,
menos atividades escritas, mais exploração das exposições orais, mais
atividades práticas. O imprescindível é que se promova estratégias diferenciadas que façam com que todos sintam-se partícipes ativos do processo de ensino e aprendizagem.
7
Grifo das autoras.
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3.
Considerações Finais
A educação inclusiva pressupõe uma reflexão acerca do contexto
que envolve nossas escolas. É perceptível e inegável a diversidade de
necessidades educacionais que encontramos em nossos alunos, o que
denota em uma organização diferenciada de estratégias metodológicas
para que se atenda as especificidades de cada um, como garantia de inclusão.
No contexto atual, um dos grandes desafios da educação, é proporcionar educação de qualidade para todos, sobretudo aos alunos com
deficiências incluídos na rede regular de ensino e isso somente ocorre
com ações pedagógicas adequadas às necessidades desses educandos.
Entendemos que o professor de Educação Especial é o agente que deve
dispor de conhecimentos específicos sobre as deficiências contribuindo
então, para o desenvolvimento de um planejamento escolar que contemple a todos por meio de condições facilitadoras de aprendizagem dentro
do espaço da sala de aula.
Acreditamos que para que o processo inclusivo seja dotado de
eficácia devam ocorrer adaptações curriculares e isso perpassa pela excelência na formação, tanto inicial quanto continuada, desses educadores.
Consideramos pertinente elencar discussões em relação as políticas de educação inclusiva com o fim de encontrar meios de atingir-se o
objetivo da escola que é o de promoção de aprendizagens para todos os
seus educandos. Muito se avançou em termos de legislação, mas na
prática, falta a conscientização e sensibilização de toda a estrutura
social para que a Educação com caráter inclusivo sai do papel e se
efetive em ações.
Referências
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pedagógicas. In: BAPTISTA, C. R. (Org.) Inclusão e Escolarização:
múltiplas perspectivas. Porto Alegre: Mediação, 2006. p. 73 -81.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:
Imprensa Oficial, 1988.
BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva. Ministério da Educação. Secretaria de Educação
Especial,
2008.
Disponível
em:<
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http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf>.
Acesso em: 03 de setembro de 2019.
GAZZOLA, Janaine Souza. Interferências do ideb na formulação de
políticas públicas educacionais para o ensino fundamental: uma análise
da construção da equidade e redução das desigualdades educacionais
enquanto princípios de justiça social' 01/08/2017 130 f. Mestrado em
Educação Instituição de Ensino: UNIVERSIDADE REGIONAL
INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES, Frederico
Westphalen Biblioteca Depositária: Biblioteca Central DR. José Mariano
da Rocha Filho.
GLAT, Rosana. (Org.) Educação inclusiva: cultura e cotidiano escolar.
2. ed. Rio de Janeiro: 7 Letras,2013.
MANTOAM, Maria Teresa Eglér. Inclusão Escolar - O que é? Por quê?
Como Fazer? São Paulo: Summus, 2015.
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STOBÄUS, C. D; MOSQUERA, J. J. M. (org.) Educação especial: em
direção à educação Inclusiva. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
ZANIOLO, Leandro Osni. DALL‘ACQUA, Maria Júlia C. Inclusão
escolar: Pesquisando políticas públicas, formação de professores e
práticas pedagógicas. Jundiaí: Paco Editorial, 2012.
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A IMPORTÂNCIA DA ESTIMULAÇÃO
PRECOCE PARA CRIANÇAS COM
SÍNDROME DE DOWN
Marizete Lurdes Gavenda 1
Tania Mara Zancanaro Pieczkowski 2
1.
Introdução
A inclusão, a educação, a estimulação e a sociabilidade de pessoas com deficiência têm se tornado foco de estudos a partir do avanço
dos direitos humanos, em que a diferença passa a ser reconhecida. Quais
as mudanças que ocorrem após o nascimento do filho com Síndrome de
Down? Como a sociedade se manifesta? Que expectativas, segundo as
mães, a família apresenta em relação aos Programas de Estimulação
Precoce para a vida da criança?
O processo histórico do tratamento e educação de pessoas com
deficiência nos mostra que por muito tempo elas foram tratadas de forma
desumana, percebidas como loucas, doentes, sendo eliminadas ou escondidas. Pesquisar acerca da estimulação é emergir em campos que estão
imbrincados - contexto familiar e instituição, visto que a Estimulação
Precoce é um programa não apenas direcionado à criança com deficiência, como também visa uma maior aproximação de laços afetivos.
1
2
Marizete Lurdes Gavenda - Estudante do oitavo período de Pedagogia na
Universidade Comunitária da Região de Chapecó - UNOCHAPECÓ. Bolsista de
Iniciação Científica - Pesquisa do Programa PIBIC/FAPE, custeada pelo Fundo de
Apoio à Pesquisa da Unochapecó. Integrante do Grupo de Pesquisa Desigualdades
Sociais, Diversidades Socioculturais e Práticas Educativas. Bolsista de Estágio não
obrigatório
no
Colégio
Exponencial.
Contato:
marizete.gavenda@unochapeco.edu.br.
Tania Mara Zancanaro Pieczkowski - Pedagoga, Especialista em Educação Especial
e em Docência na Educação Superior (Unochapecó). Mestre em Educação (UPF) e
doutora em Educação (UFSM). Professora titular C, pesquisadora e, atualmente
coordenadora do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação na
Universidade Comunitária da Região de Chapecó - UNOCHAPECÓ. Líder do
Grupo de Pesquisa Desigualdades Sociais, Diversidades Socioculturais e Práticas
Educativas. Contato: taniazp@unochapeco.edu.br.
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Embora a temática venha sofrendo inúmeras transformações ao
longo da história da humanidade, a sociedade ainda percebe a diferença
com estranhamento. Pieczkowski; Lima e Ruhoft (2005, p. 1), afirmam
que:
A sociedade existente cria e recria conceitos que definem o sujeito ideal tanto no que se refere ao seu aspecto físico como ao seu comportamento, de acordo com padrões de cada época. Mesmo na atualidade,
sendo comum afirmar que as diferenças são valorizadas, percebe-se
que, embora disfarçado, ocorrem ainda pré-conceitos quando se fala de
crianças com necessidades especiais. É pouco difundido o conhecimento de que interações educacionais adequadas, desde os primeiros meses
de vida favorecem o desenvolvimento da criança, apresente ela alguma
deficiência, alto risco ou tenha um desenvolvimento considerado normal.
Bernardi e Caron (2015, p. 65 - 66) conceituam a Síndrome de
Down como sendo ―[...] uma ocorrência genética sem distinção de classe
social, raça ou cor. As crianças com esta síndrome são diferentes entre si,
em seu comportamento, desenvolvimento motor, socialização e habilidades‖. Entretanto, se estimuladas, são passíveis de aprendizagem e desenvolvimento.
O referido estudo surgiu da inquietação diante da possibilidade
ou não de estimular as crianças de zero a seis anos com deficiência ou
atraso no desenvolvimento neuropsicomotor visando compreender as
questões referentes à Estimulação Precoce/Essencial, em um contexto
em que diversos elementos se tornam influenciadores do processo. Assim, lançou-se o problema de pesquisa: “Como as mães de crianças com
Síndrome de Down narram essa experiência e quais suas expectativas
em relação ao Programas de Estimulação Precoce?”
2.
Desenvolvimento teórico
A metodologia está relacionada aos caminhos, aos sujeitos e às
ferramentas que serão utilizadas e analisadas numa determinada pesquisa. Concordamos com Bujes, quando ela escreve que:
[...] a pesquisa nasce sempre de uma preocupação com alguma questão, ela provém, quase sempre, de uma insatisfação com respostas que
já temos, com explicações das quais passamos a duvidar, com desconfortos mais ou menos profundos em relação a crenças que em algum
momento, julgamos inabaláveis. Ela se constitui na inquietação (BUJES, 2007, p. 15-16).
O estudo proposto caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa.
De acordo com Sampieri, Collado e Lucio (2013) o pesquisador elabora o
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problema, não precisa seguir o processo claramente definido uma vez
que, as perguntas de pesquisa não são definidas por completo.
Assim, [...] o pesquisador começa examinando o mundo social e nesse
processo desenvolve uma teoria coerente com os dados, de acordo com
aquilo que observa, geralmente denominada por teoria fundamentada
[...] com a qual observa o que acontece. Em outras palavras, as pesquisas qualitativas se baseiam mais em uma lógica e em um processo indutivo (explorar e descrever, e depois gerar perspectivas teórica). Vão
do particular para o geral. (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013, p.
33).
A pesquisa teve como locus a Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais (Apae), localizada no município de Chapecó (SC). A Apae
se caracteriza como um Centro de Atendimento Educacional Especializado para pessoas com deficiência intelectual e múltipla. Dispõe de atividades diversificadas, na área da educação, saúde e assistência social e
também de sala de Estimulação Precoce contemplando em média 70
(setenta) crianças na faixa etária de zero a seis anos, com diferentes níveis
de desenvolvimento, número este apresentado no período inicial da pesquisa, em dezembro de 2018. O público da pesquisa foram as mães de
crianças com Síndrome de Down, apresentando ou não outra deficiência
associada. Realizamos uma aproximação na instituição a fim de contatar
as possíveis pesquisadas, e em seguida, realizou-se entrevistas com as
mães das crianças que frequentam a referida instituição.
As entrevistas aconteceram após aprovação do projeto no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). A geração das materialidades empíricas
aconteceu por meio de entrevistas semiestruturadas, orientadas por um
roteiro, gravadas, transcritas na íntegra e agrupadas em categorias de
análise, considerando a recorrência e relevância das ideias, sendo categorizadas e teorizadas com base na Análise de conteúdo, amparada em
Bardin (2009). A Análise de Conteúdo refere-se a um conjunto de instrumentos metodológicos que se aplica a fontes diversificadas.
Referindo-se ao termo ―Análise de Conteúdo‖, Minayo (2015)
afirma que esta sofreu várias transformações ao longo dos anos. Contudo, por meio dessa técnica é possível descobrir o que está para além dos
conteúdos manifestados, possibilitando entender as entrelinhas durante o
processo de entrevista, ou seja, tentar compreender os significados das
falas, das atitudes, dos comportamentos, para assim atingir uma interpretação talvez mais profunda.
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Fizeram parte do estudo sete mães de crianças com Síndrome de
Down. O quadro a seguir evidencia ao leitor os sujeitos da pesquisa e
alguns aspectos contextuais.
Quadro 1: Relação e caracterização dos sujeitos da pesquisa
Idade em que
Grau de
Faixa etária
passou a
Faixa
escolaridade
da criança
frequentar o
Entrevistadas
Irmãos
etária
da entrevisna data da
Programa de
das mães
tada
entrevista
Estimulação
Precoce
Ensino médio
Entre 45
Entre 3 e 6
Entre 4 e 6
E1
1
completo
e 50 anos
anos
meses
E2
E3
E4
E5
E6
E7
Superior
completo
Entre 35
e 40 anos
Menos de
um ano
Superior
completo
Ensino
fundamental
incompleto
Ensino médio
completo
Ensino fundamental
incompleto
Superior
completo
Entre 45
e 50 anos
Entre 1 e 3
anos
1
Entre 40
e 45 anos
Entre 3 e 6
anos
1
Entre 2 e 4
meses
Entre 40
e 45 anos
Entre 3 e 6
anos
1
Entre 6 e 8
meses
Entre 35
e 40 anos
Entre 3 e 6
anos
1
Entre 40
e 45 anos
Entre 1 e 3
anos
1
1
Entre 6 e 8
meses
Até 2 meses
Até 2 meses
Até 2 meses
Para a efetivação do estudo, ao dialogarmos com as sete mães,
provocamos para que narrassem quatro aspectos: impactos da notícia,
mudanças na vida familiar após o nascimento do bebê com Síndrome de
Down, reação do grupo social (família, amigos, colegas de trabalho) e
expectativa familiar em relação ao trabalho desenvolvido no Programa de
Estimulação Precoce.
O filho indiferente de ter sido planejado ou não é quase sempre
esperado no contexto familiar com sonhos, projetos de vida, e mais ainda, que este seja ―perfeito‖. Mas o que quer dizer tal termo?
De acordo com o Minidicionário Aurélio "perfeito" quer dizer:
[...] que reúne todas as qualidades positivas concebíveis, ou atingiu o
mais alto grau numa escala de valores. Ótimo, excelente. Executado,
fabricado com perfeição. Completo, total; rematado, acabado. Tempo
verbal que exprime coisa já passada em relação a certa época (FERREIRA, 2010, p. 578-579).
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Contudo, apresentar uma deficiência significa não reunir todas
as qualidades positivas concebíveis? Por quê? É preciso abrir nosso olhar
visando desmistificar tais conceitos arraigados culturalmente para que
possamos estar abertos para o novo, para vermos a criança enquanto um
ser social e não apenas direcionarmos o olhar para a deficiência.
Inicialmente, as mães foram instigadas a falar sobre os impactos
da notícia. A Entrevistada 4, relata que não soube que seu filho apresentava Síndrome de Down durante o pré-natal e nem mesmo no dia do
nascimento. Descreve ter recebido a notícia mais tarde, na primeira consulta de rotina, no posto de saúde. Frente a notícia não ter sido dada pelo
médico no hospital, logo após ao nascimento, diz:
No hospital eles me falaram que ele não tinha nada. Aí ele teve consulta com a médica no posto de saúde, foi ali que ela falou que ele era
Down. Eu acho que ele não quis falar a verdade (referindo-se ao médico que a atendeu no hospital durante o parto). Eu fiquei quatro dias internada [...]. E eu descobri depois. Para nós foi um choque. No posto
de saúde, só eu e o bebê. Meu marido estava trabalhando. Consulta de
rotina. Para ele foi um choque, ele chorou muito. Eu entrei e ela já falou para mim. Eu tomei um choque, também. Eu não percebi nada [...]
(E 4).
A Entrevistada 5 descreve um pouco do momento do nascimento, ao dizer que:
Eu não fiquei sabendo durante a gravidez. Eu fiquei sabendo quando
nasceu. Veio de surpresa, no caso. Fiz todos os exames, ultrassonografia, o que poderia ter feito, eu fiz e não apareceu. Mas assim, veio!
Deus mandou um presente para mim, e eu aceitei. Meu ex-marido já,
não aceitou. Não quis saber que eu levasse na Apae, queria que eu ficasse em casa, escondida. Com a criança em casa, mas, eu disse que
não. (E 5).
Tunes e Piantino (2006, p. 4) afirmam que:
O nascimento de uma criança com síndrome de Down não pode ser
visto como uma tragédia. Ao contrário, deve ser sentido com amor e
agradecimento. Pessoas especiais são dadas apenas para pessoas especialmente capazes. Cabe-nos descobrir em nós mesmos essa capacidade e empregá-la para demonstrar que dela somos merecedores.
Os depoimentos demonstram que o impacto da notícia pode ser
menos intensificado negativamente se o profissional conduz de maneira
coerente, uma vez que tal impacto leva a frustrações e períodos de reabilitação muitas vezes longos e/ou até a busca por profissionais para que
esta aceitação aconteça, como também esta aceitação pode não acontecer. Ainda, a notícia pode gerar sentimento de culpa, sonhos findados a
partir da notícia do filho ―não idealizado‖. Sob essa óptica, Pieczkowski,
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Lima e Ruhoft (2005, p. 3) explicam que: ―Muitos profissionais encontram dificuldades em informar aos pais o diagnóstico, conscientes que
esse é um momento marcante e doloroso. A maneira como a notícia é
dada aos pais irá influenciar sua reação‖.
Nesse sentido, é preciso que estes profissionais busquem para
além de uma formação técnica. Bem como que tenham empatia, visando
tornar esse momento o menos impactante possível, pois o modo como a
família recebe a notícia influencia no processo de forma integral. Visto
que
O nascimento de uma criança, para pais que planejaram a vinda do
bebê e mesmo para aqueles que não fizeram esse planejamento, normalmente é motivo de alegria e de comemoração. O filho pode representar a expectativa de continuidade dos projetos dos seus pais. Porém,
no caso de crianças com necessidades especiais perceptíveis, a exemplo
de algumas síndromes ou alterações físicas, pode significar a quebra
desses projetos, uma vez que a diferença é identificada nos primeiros
momentos de vida. (PIECZKOWSKI; LIMA; RUHOFT, 2005, p. 1).
Frente às mudanças na vida familiar a Entrevistada 6 conta que a
gravidez foi muito esperada. "Quando eu soube que estava grávida, já
parei. Saí da empresa e fiquei em casa. Porque eu queria ter essa gravidez
[...]. Preparar, descansar, para esperar ela. Aí, já saí do trabalho e fiquei
em casa" (E 6).
Nessa direção, Tunes e Piagentino (2006, p. 71) afirmam que:
O momento de receber um filho é muito especial. Por isso dedicamos
um bom tempo preparando essa recepção. Arrumamos o seu enxoval,
escolhemos as primeiras roupas que irá vestir e costumamos até mesmo decorar o seu quarto, com muito esmero, arranjando-o de modo
que grande parte das atividades dele, ou a ele dirigidas, sejam ali mesmo realizadas [...].
Ao questionar acerca das mudanças na vida familiar, percebemos
que as entrevistadas assumem que cabe a mãe/mulher ajustar à sua rotina às necessidades das crianças. O pai se faz presente no contexto familiar da maioria das entrevistadas, no entanto, este torna-se o principal responsável pelo sustento da família.
A Entrevistada 1 ao relatar sobre as reações do grupo social, conta que "no começo, a gente se cuidava para quem a gente falava e para
quem não. Tinha uns que a gente foi, aos poucos preparando para contar.
Tinha uns que faziam um olhar diferente, outros aceitavam numa boa.
Mas, é bem complicado" (E 1).
A Entrevistada 6 conta que "as vizinhas vinham visitar, e eu não
queria mostrar. Eu queria ficar fechada dentro de casa. Elas vinham, mas
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não pediam o que é que tinha. Ninguém sabia que ela era Down [...]" (E
6).
Já a Entrevistada 2, em relação a amigos, colegas de trabalho e
até mesmo a maioria da família, relata que
Na nossa frente, a princípio, quando a gente ia contando, todo mundo
aceitou bem e disse que era normal, digamos assim. Que não era para
se preocupar que as coisas iriam fluir naturalmente e que ela ia se desenvolver bem. Que ela vai se desenvolver bem. Na nossa frente, todo
mundo apoio nós, muito bem. Das pessoas que a gente contou, que
convivem conosco. E não vejo que estão fazendo nenhuma discriminação também, até agora. (E 2).
Menciona apenas que
Teve um comentário de uma tia. Que comentou assim, você não merecia isso. Mas como assim, sabe? Aquele sentimento de dó, de piedade. Eu acho assim, que não é por aí. A X não merecia isso. Mas por
quê? Será que eu fiz alguma coisa para merecer ou não merecer? São
pessoas mais velhas, que não entendem, que têm essas crenças limitantes [...]. Que às vezes falam da boca para fora, não querem magoar,
mas acabam magoando. (E 2).
E complementa ao relatar que
Hoje, eu já vejo todo mundo igual. Para mim, já não têm diferença nenhuma. Só que precisei, às vezes, ter alguém na família para... E eu vejo que na própria família acontece isso. Às vezes, às pessoas não querem nem se aproximar porque tem uma pessoa com deficiência na família, isso é triste. (E 2).
Diante dos excertos acima, como também da maioria das entrevistadas, é visível que o estranho nos assusta. Nessa perspectiva Bernardi
e Caron (2015, p. 63) mencionam que:
Alguns estigmas, mesmo inconscientes estão presentes, em relação à
Síndrome de Down. Costumamos aceitar o que conhecemos o que
vemos diante de nossos olhos, o desconhecido nos assusta. Somos diferentes em nosso modo de agir e pensar, mas todo ser humano é único
possuidor de talentos e habilidades.
As falas das entrevistadas apontam que, o modo como a família
recebe a notícia influencia também no modo e tempo para que a notícia
seja dada ao grupo social, visto que as famílias precisam assimilar a notícia para então dividir. Nesse sentido, torna-se fundamental que para além
da notícia, os profissionais realizam os encaminhamentos necessários
para que a família tenha acesso a informações e acompanhamento visando reduzir o tempo de luto e a inserção imediata do bebê nos programas
de estimulação. Ou, nas palavras de Fonseca (1995, p. 213) que a família
transforme a culpa, o choque, a revolta em ―[...] atitudes positivas e aber-
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tas, proporcionando à criança um envolvimento afetivo e emocional
ajustado.‖
Ao relatar as expectativas em relação aos programas de estimulação, a Entrevistada 3 que iniciou a frequentar estimulação com o filho
no ano de 2017, descreve que
A Estimulação Precoce na APAE para o meu filho é duas vezes por
semana, meia hora cada sessão, ou seja, dessa meia hora, cinco minutos de conversa no início, cinco minutos de conversa no final, passa a
ser vinte minutos. Vinte minutos que eu não acompanho, que eu não
sei o que a professora fez [...]. Algo que eu aproveito bastante na
APAE é a piscina térmica, que tem também o horário de meia hora. (E
3).
A Entrevistada 7 afirma esperar que
[...] ela caminhe, que eu tenho certeza que ela vai caminhar. Ela vai falar. Ela vai para a escola. É isso que a gente quer. [...]. Que ela seja
aceita. Porque sinceramente, na verdade, abriu um mundo diferente
para nós. Porque nós não conhecíamos esse mundo [...]. Vamos apoiála. (E 7).
O desejo de todas as mães e famílias é que os filhos cresçam,
aprendem, se desenvolvam. E das entrevistadas não foi/seria diferente.
Além dos relatos, demonstração de carinho, afeto, compreensão, amor,
respeito, dedicação, dentre tantos outros, pairam os olhares de cada uma.
Como no decorrer dos diálogos explicitam, "é um mundo que apenas
estamos aprendendo". Entretanto, buscam, estudam para compreender
melhor o contexto e assim contribuir para o desenvolvimento integral de
seus filhos. Nesse sentido, a maioria delas, seja as que estão a três, quatro, um ano ou até meses, frequentando programas de estimulaçãona
instituição em estudo, apontam o tempo seja de estimulação ou demais
programas que contemplam o processo, como aspecto negativo, ou seja,
meia hora de estimulação.
Ao referirmos ao desenvolvimento, buscamos aporte teórico em
Pieczkowski (2014, p. 194), que contribui ao afirmar que "[...] Muitas
dessas crianças surpreendem pelas mudanças apresentadas quando lhes
são propiciados ambientes desafiadores, mas que respeitam as diferentes
expressões de pensamento [...]". Com base em Vigostkii (2010) em que a
aprendizagem precede o desenvolvimento, estimular nos primeiros meses
e anos de vida, torna-se de extrema importância. Nessa direção, Fonseca
(1995, 116) aponta a importância da implementação de programas de
estimulação e afirma que ―[...] envolve uma ciência e uma arte ao mesmo
tempo [...]". Assim, entendendo que os Programas de Estimulação Pre-
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coce visam reduzir os impactos, transformando assim as pessoas com
deficiência ―[...] num ser autônomo, independente e capaz de aprendizagem e elaboração ideacional.‖ (FONSECA, 1995, p. 73) torna-se de suma importância que tais programas contemplem tempo e participação do
grupo familiar, visto que o tempo é essencial para o processo e que a
família é um forte aliado, desde que receba informações de quando e
como fazer, considerando que é um mundo ainda estranho para a maioria e que cabe aos programas e instituições informar o processo.
Compreendendo que o processo de estimulação acontece na faixa etária de zero a cinco anos e onze meses e que nesta fase a atividade
principal é o brincar, as contribuições de Pieczkowski e Lima (2017), com
base em Vigostki (1984) nos ajudam a concluir que as brincadeiras, o
brincar e o brinquedo são elementos fundamentais para promover o desenvolvimento de crianças nos primeiros anos de vida. Para tanto é preciso um trabalho sistematizado, oferecido pelos Programas de Estimulação
Precoce em consonância com a família para que isto ocorra da melhor
maneira possível, propiciando à família a continuidade dessa estimulação
de forma que se sintam agentes ativos na aprendizagem e desenvolvimento de seus filhos com Síndrome de Down.
3.
Considerações Finais
Este estudo propiciou ouvir vozes muitas vezes não consideradas, seja por naturalizarmos diversos aspectos e vivências ou negarmos o
estranho, o diferente. A aproximação com as mães nos trouxe a convicção de que, mesmo que provisoriamente, estaríamos contribuindo para
que suas vozes fossem ouvidas.
O modo como fomos recebidas e os depoimentos possibilitaram
abrir novos questionamentos acerca da criança com deficiência, mas
principalmente, do quanto as famílias transformam-se para que o desenvolvimento de seus filhos aconteça de forma integral.
Os referenciais nos quais nos amparamos nos ajudam a entender
que para além do nascimento do filho "não idealizado", de projetos findados, as famílias, principalmente no papel de mãe e mulher, mudam
rotinas, modos de vida particular, social, profissional a fim de adequar as
necessidades familiares com as da criança. Que, o fazer escolhas se faz
presente cotidianamente, no entanto, visando a qualidade de vida da
criança, as escolhas, normalmente, são direcionadas a ela.
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Este estudo abre caminhos para que novas vozes sejam ouvidas,
para que, ao invés do pré-julgamento e pré-conceito mães e famílias sintam-se acolhidas no meio social em que vivem, que possam falar sobre
suas inseguranças, incertezas, desejos e possam também reconstruir novos sonhos tendo como ator principal o filho real.
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A PRESENÇA DE ESTUDANTES COM
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NO ENSINO
SUPERIOR
Juliane Janaina Leite Brancher1
Tania Mara Zancanaro Pieczkwoski2
1.
Introdução
Com a democratização do ensino no Brasil, os avanços das políticas de inclusão foram ganhando força na educação em todos os níveis e
modalidades de ensino. Este artigo tem foco nos discursos de inclusão no
ensino superior de estudantes com deficiência intelectual e as políticas
educacionais utilizadas atualmente com o objetivo de incluir a todos.
Amparamo-nos nos estudos de Michel Foucault e seus estudiosos, como
Maura Corsini Lopes e Alfredo Veiga-Neto para pensar conceitos de
governamento, verdade e discurso, os quais têm subjetivado e silenciando
os tensionamentos, frente à lógica irredutível do discurso atual da inclusão educacional.
A inclusão de estudantes com deficiência tem aumentado na escola básica, e esta ampliação de acesso repercutiu também nos demais
níveis de ensino. A inclusão no ensino superior integra um conjunto de
políticas educacionais que tem como objetivo democratizar o acesso.
Segundo a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC):
1
2
Mestranda no PPGE Educação. Articuladora Pedagógica na Secretaria Municipal de
Educação. Grupo de pesquisa Diversidade e práticas educacionais inclusivas.
Contato: julianebrancher@unochapeco.edu.br
Doutora em Educação. Coordenadora do PPGE em Educação. Contato:
taniazp@unochapeco.edu.br
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[...] a elaboração de politicas públicas criadas a partir do reconhecimento da diversidade, tem o objetivo de possibilitar a inclusão de segmentos da população que precisam de atendimento a suas especificidades educacionais, mostra-se como avanço democrático que possibilita alcançar mais justiça social ao promover a equidade. Educação de
qualidade se traduz por meio de três eixos fundamentais: o reconhecimento da diversidade, a promoção da equidade e o fortalecimento da
inclusão de todos nos processos educativos.
Vale salientar que a Secadi foi extinta em Janeiro de 2019, pelo
Decreto no 9.465 e, em seu lugar, surgirá a subpasta Modalidades Especializadas. A Secadi foi criada em 2004 com o objetivo de fortalecer a atenção especial a grupos que historicamente são excluídos da escolarização.3O enfoque da inclusão no contexto da escolar regular implica em
uma escola aberta à diversidade, levando em conta as singularidades de
cada individuo. Envolve não só a garantia de acesso, mas também o desenvolvimento social e escolar do estudante.
Segundo a Lei Brasileira de Inclusão, no.13.146/2015, o direito
ao acesso a todos os níveis de ensino, o que subentende também à universidade, é garantido uma vez que o estudante tenha avançado nos processos de seleção. Nos contextos de educação inclusiva as discussões fortalecidas pelas normas legais, apontam a necessidade de que o ensino seja
para todos e atenda às especificidades dos alunos com deficiência.
A exclusão de alguns e a inclusão de outros, historicamente, é
uma marca das instituições escolares, mas somente há alguns anos isto
deixa de ser naturalizado, passando a ser problematizado. O avanço das
políticas de inclusão no Brasil tem tensionado a função social das universidades, espaço fundamental de produção do conhecimento. Estar incluído, nesta perspectiva, significa sofrer os efeitos de normatização construídos historicamente, entendendo as pessoas com deficiência como minorias, pois fogem à regra e ao padrão de normalidade.
Pieczkowski (2014, p. 182) menciona a ambivalência da inclusão, que se manifesta no fato da escola inclusiva sinalizar para princípios
como temporalidade distinta, solidariedade, respeito à diferença, porém
organizar-se, predominantemente, com base em princípios da Modernidade sólida, com tempos e espaços fixos para todos.
3
Em seu discurso de campanha eleitoral, o atual governo federal manifestou ser
contrário a políticas específicas, voltadas a alguns grupos vulneráveis. A iniciativa foi
uma manobra para eliminar as temáticas de direitos humanos, educação étnicoraciais e direcionar a palavra diversidade apenas para alguns grupos. A nova pasta
deve continuar a articular as ações de educação especial, de jovens e adultos,
educação no campo, indígena e quilombola.
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Em algumas vivências no ensino superior, a inclusão de estudantes com deficiência intelectual, por exemplo, desafia ou até impossibilita
a universidade no seu objetivo tradicional de garantir a profissionalização. Não responder ao que é esperado pela universidade, expõe as fragilidades do processo de inclusão.
2.
Discursos da Inclusão
Incluir é uma condição necessária, auxilia na diminuição das desigualdades e contribui para uma sociedade mais democrática. Pensar as
possibilidades de inclusão para Lopes e Frohlich (2018), ―[...] além da
garantia de direitos sociais ou do reconhecimento de lutas históricas de
participação social de grupos considerados minoritários, esse movimento
produz efeitos e constitui formas de se viver na atualidade‖. As autoras
destacam que a ideia de inclusão configura como ―[...] uma das estratégias contemporâneas mais potentes para que o ideal da universalização
dos direitos individuais seja visto como uma possibilidade‖ (LOPES;
FABRIS, 2013, p. 07).
Embora atualmente haja grande número de normativas orientando a inclusão de estudantes com deficiência na educação superior
apontando a necessidade de que o ensino seja para todos e atenda às
especificidades dos alunos com deficiência, esse movimento é recente.
Um dos primeiros movimentos nesse sentido aconteceu com o Aviso
circular n. 277/MEC/GM de maio de 1996, (BRASIL, 1996), quando o
Ministério da Educação sugeriu às reitorias de Instituições de Educação
Superior, esforço para facilitar o acesso às pessoas com deficiência. O
documento apresenta sugestões voltadas para o processo seletivo para
ingresso, recomendando que a instituição possibilite a flexibilização dos
serviços educacionais e da infraestrutura, bem como a capacitação de
recursos humanos, de modo a permitir a permanência, com sucesso, de
estudantes com deficiência nos cursos. Segundo a Lei Brasileira de Inclusão, no. 13.146/2015 (BRASIL, 2015), o direito ao acesso a todos os
níveis de ensino, o que subentende também à universidade, é garantido
uma vez que o estudante tenha avançado nos processos de seleção.
Diante das possibilidades de inclusão impostas pela sociedade,
circulam diferentes discursos de valorização da diferença que reafirmam
práticas inclusivas. Na perspectiva de análise foucaultiana, os discursos
de valorização da diferença por meio da inclusão estabelecem relações de
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poder, efeitos de verdade e compõem um conceito de verdade muitas
vezes questionável.
Este tema tem gerado demandas nas instituições de educação superior, a exemplo da criação de Núcleos de Acessibilidade disponibilizados a partir da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva (2008), e tem tomado crescente espaço nas discussões
educacionais. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2018), relativos a 2015, verificase um total de 38.837 matrículas no ensino superior declaradas como de
estudantes com deficiência. Um dos aspectos que influenciaram o aumento do público com deficiência no ensino superior, é a aprovação da Lei de
Cotas Lei 13.409/2016 nas universidades federais. A inclusão de estudantes com deficiência no ensino superior passa a ser vista a partir do entendimento de inclusão como imperativo, e ser problematizada epistemologicamente. Se antes existia a possibilidade da pessoa com deficiência ser
incluída, os documentos legais atuais abordam a obrigatoriedade a todas
as instituições de ensino o acesso à matrícula de estudantes com deficiência.
Para Veiga-Neto (2008, p. 21), ―[...] tomar a inclusão como um
imperativo deriva do entendimento de que ela é algo natural, algo que
sempre esteve aí e que uma vez perdida – por obra de certos arranjos
sociais e principalmente econômicos – deve ser agora resgatada‖. É possível perceber esse movimento nas mídias (jornais, revistas, redes sociais...), pois são frequentes as narrativas sobre os processos inclusivos de
sucesso de estudantes com deficiência no ensino superior, e os constantes
casos de judicialização, requerido pelas pessoas com deficiência e suas
famílias em busca dos direitos de acesso, permanência, adaptações curriculares e metodológicas. Algo mais recente é a figura do profissional de
apoio, nos cursos de educação superior. A Lei Brasileira de Inclusão no
seu artigo 3o, inciso XIII, ao mencionar o profissional de apoio define:
XIII - profissional de apoio escolar: pessoa que exerce atividades de
alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua
em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos
os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas,
excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões
legalmente estabelecidas. (BRASIL, 2015).
Tensionar a inclusão em nosso tempo não significa ser contra
ela, mas problematizar os discursos de inclusão e suas intencionalidades.
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Lopes e Veiga- Neto destacam que é preciso se aproximar do que ainda
não conseguimos enxergar:
[...] visando olhar outras coisas que ainda não olhamos e pensar coisas
que ainda não pensamos sobre as práticas que a determinam e as políticas que a promovem — implica, entre outras coisas, ir contra a corrente dominante. Isso nada tem a ver com ser ―contra a inclusão‖; tem
a ver, sim, com a prática da suspeita radical frente às verdades estabelecidas e tidas tranquilamente como ―verdades verdadeiras‖ (VEIGANETO; LOPES, 2008, p. 122).
Isso significa talvez inverter aquilo que foi construído na perspectiva da escola regular como norma e como regime de verdade, compreendendo os discursos e as representações sobre os outros a serem incluídos e normalizados como sendo constituídos pelos processos sociais,
históricos, econômicos e culturais que regulam e controlam a forma como são pensados e inventados os corpos e as mentes. Lopes (2009) destaca que algumas normas são instituídas com o objetivo de designar ações
de poder, controlando os indivíduos, para que esses permaneçam no
―jogo, onde ninguém fique de fora, e todos sejam incluídos. Para a autora, ―[...] não se trata de preocupação, de qualificação e de cuidado com
o outro; trata-se, sim da necessidade da permanência do outro.‖ Esse
movimento conduz à lógica neoliberal que produz discursos a fim de
assumir determinadas posturas para cumprir a ordem da inclusão.
Diferentes campos discursivos articulados à educação tem se
ocupado a descrever, narrar e conceituar a inclusão de estudantes com
deficiência, impulsionando e justificando as políticas de inclusão para
escolarização de todos.
A Convenção da Guatemala, internalizada à Constituição Brasileira pelo Decreto no 3.956/2001, no seu artigo 1o define deficiência
como uma restrição ―[...] física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais
atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente
econômico e social‖. Essa definição limita a capacidade/incapacidade
como uma situação, depositada, na pessoa com deficiência. Na Lei Brasileira de Inclusão, no. 13.146/2015 (BRASIL, 2015), em seu Art. 2o, o
conceito de deficiência é mais dinâmico, assim apresentado:
Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual,
em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas. (BRASIL, 2015).
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Neste conceito as limitações funcionais, são contextuais, ou seja,
não estão unicamente localizadas no sujeito, mas também nas limitações
sociais. Quer dizer, a deficiência, tem caráter relacional, na interação
com barreiras existentes no meio social, cujo resultado é a dificuldade ou
o impedimento para o acesso e exercício de direitos em igualdade de
condições com as demais pessoas.
Apontada como uma questão de direitos humanos pela Unesco,
o movimento pela inclusão vem tomando força no cenário mundial, a
exemplo do que destaca a Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, em Salamanca, na Espanha, no ano de 1994. O documento elaborado na conferência salienta o direito a educação e o compromisso para com a ―Educação para Todos, reconhecendo a necessidade e urgência do providenciamento de educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema
regular de ensino‖ (UNESCO, 1994).
Ainda, outras normatizações foram oficializadas no âmbito nacional, norteando os rumos da educação inclusiva no Brasil. Entre elas
vale destacar a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva - PNEEPEI (BRASIL, 2008) como um dos documentos mais significativos no movimento de integração/inclusão de estudantes com deficiência no ensino regular.
Diante de alguns marcos legais é possível fazer uma leitura
das políticas e práticas produzidas pelos discursos de inclusão e
como tornou-se um imperativo que considera estar incluído como
alvo principal à garantia de uma vida econômica, política e economicamente saudáveis.
Ao analisar as políticas de educação inclusiva/educação especial
ao longo dos anos percebe-se um deslocamento de entendimento sobre a
educação especial bem como o espaço dos sujeitos com deficiência. Os
processos de inclusão consistiam de uma estratégia de normalização, ou
seja, norma, conceito dinâmico, derivado da palavra latina esquadro.
Norma seria então, um conceito dinâmico e polêmico, derivado da palavra latina que significa esquadro ―[...] aquilo que não se inclina nem
para a esquerda nem para a direita, portanto o que se conserva num justo
meio termo‖. (CANGUILHEM, 1994, p. 95). Assim, a norma serviria,
para endireitar. Normalizar seria o mesmo que impor uma exigência a
uma existência cuja variedade e disparidade se apresentariam com estranheza.
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Baseado nos estudos de Foucault, escola e universidade são entendidos como instituição disciplinar marcada pelo pensamento moderno. É possível afirmar que seus pressupostos baseiam-se num desejo de
ordenação e organização, aproximando daquilo que Foucault chama de
normalização disciplinar.
A normalização disciplinar consiste em primeiro colocar um modelo,
um modelo ótimo que é constituído em função de certo resultado, e a
operação de normalização disciplinar consiste em procurar tornar as
pessoas, os gestos, os atos, conformes a esse modelo, sendo normal
precisamente quem é capaz de se conformar a essa norma e o anormal
quem não é capaz. Em outros termos o que é fundamental e primeiro
na normalização disciplinar não é o normal e o anormal, é a norma.
(FOUCAULT, 2008, p. 75).
Atualmente a lógica da educação está pautada no pensamento
moderno de capturar todos os diferentes corpos tornando-os dóceis, disciplinados e produtivos. Para tanto, ela lança mão de estratégias de normalização, constituídas a partir de um conjunto de saberes que se articulam na intenção de descrever, classificar e categorizar estes indivíduos e,
assim, conduzir suas condutas no sentido, da ordem e da produtividade.
Ao se referir aos conceitos de norma Lopes (2009, p. 159) argumenta que
―[...] toda e qualquer norma traz consigo a necessidade de classificação,
de ordenamento e hierarquização‖. A norma tem uma estreita relação
com o controle, pretende incluir todos, baseando-se em critérios construídos nos grupos sociais, hegemonizando as pessoas ou escancarando a
diferença a partir de referenciais comunitários.
Assim, em uma sociedade disciplinar, o alvo do poder recai sobre o indivíduo, que conseguindo se incluir, responde aos anseios de uma
sociedade que precisa de sujeitos ―dóceis‖ que se enquadrem nos objetivos capitalistas. As estratégias disciplinares usadas para controlar e normalizar são responsáveis pela institucionalização da vida, pela homogeneidade que se procura criar na sociedade, através da política de inclusão.
Nesta perspectiva as pessoas com deficiência e suas famílias
constroem uma narrativa na qual se veem como parte do mercado, competindo por espaços de trabalho, nessa lógica neoliberal de liberdade,
sucesso e superação que dependeria dele mesmo. Para Freitas (2018):
O neoliberalismo olha para a educação a partir de sua concepção de
sociedade baseada em um livre mercado cuja própria logica produz o
avanço social com qualidade, depurando a ineficiência através da concorrência. [...] Os cidadãos estão igualmente inseridos nesta lógica e
seu esforço (mérito) define sua posição social. (FREITAS, 2018, p. 31).
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Na sociedade neoliberal, o ensino superior também passa a ser
uma oportunidade de competição, instigando o desejo de estar incluído.
Segundo Freitas (2018, p. 114) o problema da competição ―[...] é que ela
gera ganhadores e perdedores – um paradigma inadequado para a educação.‖ A padronização dos sujeitos e seus discursos de inclusão pela sociedade capitalista criam efeitos de verdades, e fornecem base para julgamento moral do que é adequado (imperativo) e o que é inadequado.
Quando não se ganha, neste jogo econômico, ou seja, quando por condições de vida ou da deficiência o indivíduo não tem condições de acessar
ou permanecer no ensino superior, este pode ser visto como caso de fracasso/incompetência.
Inclusão como estratégia de gestão do risco
Com o movimento de deslocamento nos discursos sobre inclusão, as pessoas com deficiência passam a ser alvo do estado neoliberal,
desejando estar incluídos e ser produtivos socialmente. Em um cenário
onde o Estado passou a estar preocupado com a produtividade e o desenvolvimento econômico, a população com deficiência passa a ser percebida também como objeto econômico.
A necessidade de gerenciar e de organizar a população de acordo
com certas regularidades e normas emerge na Modernidade. A possibilidade de condicionar condutas, de gerenciar riscos, de gerenciar um Estado organizado e previsível só é possível quando a noção de população
passa a ser considerada para dar conta da dimensão coletiva que se propõe ao controle e manutenção de todos nas redes de mercado.
Foucault (2008) nos mostra que a partir do século XVIII, a preocupação do Estado emerge para o conhecimento da população. A população torna-se o eixo central para a efetivação do governo. Dessa maneira, novas formas e técnicas de governos surgem para a possibilidade da
condução de condutas, ou seja, a governamentalidade. Segundo o autor,
por governamentalidade entende-se:
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1. O conjunto constituído pelas instituições, os procedimentos, análises
e reflexões, os cálculos e as táticas que permite exercer esta forma bem
específica, embora muito complexa, de poder que tem por alvo principal a população, por principal forma de saber a economia política e por
instrumento técnico essencial os dispositivos de segurança. 2. A tendência, a linha de força que, em todo o Ocidente, não parou de conduzir, e desde há muito tempo, para a preeminência deste tipo de poder
que podemos chamar de ―governo‖, sobre todos os outros – soberania,
disciplina – e que trouxe, por um lado, o desenvolvimento de toda uma
série de aparelhos específicos de governo [e, por outro lado], o desenvolvimento de uma série de saberes. 3. O resultado do processo pelo
qual o Estado de justiça da Idade Média, que nos séculos XV e XVI se
tornou o Estado administrativo, viu‐se pouco a pouco
―governamentalizado‖ (FOUCAULT, 2008, p. 143).
A governamentalidade pode ser entendida como uma prática política, onde estar incluído e atuando economicamente é participar do jogo
econômico de um Estado neoliberal. A compreensão dessa forma de
governamentalidade organiza condutas e controla estratégias para a gestão de risco através dos discursos de inclusão.
Veiga-Neto e Lopes (2007, p. 947) argumentam que ―[...] as políticas de inclusão especialmente as políticas de inclusão escolar são dispositivos biopolíticos para o governamento e o controle das populações‖.
Controlando a população, ou seja, identificando os indivíduos, conhecendo suas vulnerabilidades, torna-se possível calcular riscos e garantir
seguridade a população.
Assim, todos devem entrar e permanecer nas tramas neoliberais,
nos jogos de mercado. Existe politicamente uma preocupação de assegurar o desenvolvimento e investir nos indivíduos com deficiência, na sua
produtividade e permanência, o que contribuiria para a sociedade. Assim,
não basta manter-se incluído nos diferentes espaços, é preciso adaptar-se
à lógica do mercado a partir da inclusão produtiva, gerenciando o risco
através do desenvolvimento da sociedade. Neste contexto o ensino superior passa então a ser mais um produto, uma estratégia de gerenciamento
do risco e desenvolvimento social.
Dessa forma, para algumas famílias, acessar esse nível de escolarização pode significar a ―cura‖ do que socialmente se entende por
anormal/incompetência, superação, continuidade de ocupação e objetivo
para a vida, mesmo que o estudante não apresente critérios básicos para
acessar à educação superior, a exemplo de estudantes com acentuada
deficiência intelectual, que tem cursado a educação básica com registro
de notas ou conceitos mínimos necessários para avançar os estudos. Contudo, alguns desses estudantes, não apresentam domínio de habilidades
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básicas como leitura, interpretação, pensamento lógico-matemático adequado para o ensino universitário.
Quando os discursos de inclusão baseados nas políticas de inclusão possibilitam-nos entender que todos precisam estar incluídos, produzindo noções de liberdade e autonomia, proporciona o desejo de poder
em todos os indivíduos.
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3.
Considerações Possíveis
O Brasil vem consolidando uma trajetória consistente no tocante
à elaboração de leis e políticas voltadas à inclusão das pessoas com deficiência e isso tem refletido no aumento de matrículas de estudantes com
deficiência intelectual no ensino superior.
Ao tensionar a inclusão como dispositivo de controle que perpassa todos os níveis de ensino, percebe-se um Estado que tem como regra a
não exclusão como ponto articulador entre o econômico e o social. O
neoliberalismo atual opera essa regra e, por isso, para sua manutenção
tem como estratégia a inclusão de todos os indivíduos nos modos produtivos para que sejam úteis ao mercado e, além disso, para o controle dos
riscos que possam comprometer o seu funcionamento e segurança.
Historicamente, a universidade foi uma instituição seletiva, que
organizou-se no sentido de atribuir ao sujeito o papel de adequar-se à sua
estrutura. Nesses tempos de ingresso de estudantes com deficiência, destacamos o acesso de estudantes com deficiência intelectual acentuadas, e
a reação institucional de surpresa e imobilismo. Como a universidade
poderá criar espaços para todos, sem desconsiderar o seu papel de profissionalização? Será, como sinaliza Pieczkowski (2014) a extensão universitária a possibilidade de inclusão desse público?
Para complementar este tema é necessário mais estudos, análises,
discussões, e pesquisa, não negando a importância que a educação superior tem e pode fazer na vida das pessoas com deficiência, mas também
como isso pode ser realizado de maneira que a inclusão não se torne
excludente em sua prática.
Referências
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8 de maio de 1996. Dirigido aos Reitores das IES, solicitando a execução
adequada de uma política educacional dirigida aos portadores de
necessidades especiais. Brasília, DF, 1996.
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da Guatemala). Promulga a Convenção Interamericana para a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas
Portadoras de Deficiência. Diário Oficial [da República Federativa do
Brasil], Brasília, [s.p.] de 09.10.2001. Mimeo.
BRASIL. Lei no 13.409, de 28 de dezembro de 2016. Altera a Lei no
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492
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Disponível
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MULHERES COM DEFICIÊNCIA VISUAL:
HISTÓRIAS RELATADAS1
Tania Mara Zancanaro Pieczkowski 2
Marizete Lurdes Gavenda 3
Introdução
O processo histórico brasileiro, entre o período de 1500 a 1822,
foi demarcado pelo isolamento das pessoas com deficiência. Posteriormente houve o surgimento de instituições para receber essas pessoas que,
de forma excludente, receberam inicialmente ―pessoas com deficiência do
sexo masculino‖, ou seja, as mulheres foram excluídas duplamente, pela
deficiência e por serem mulheres. (THOMA; KRAMER, 2017).
No Brasil, de acordo com Thoma e Kramer, (2017) o atendimento aos sujeitos com deficiência inicia com as pessoas com deficiência
visual, por meio do Imperial Instituto de Meninos Cegos, na cidade do
Rio de Janeiro, em 1854. Até 1926 apenas esta instituição atendia as
pessoas com deficiência visual. Hoje, a instituição é denominada Instituto Benjamin Constant (IBC). A partir de 1926, novos institutos foram
sendo criados.
1
Pesquisa do Programa PIBIC/FAPE, custeada pelo Fundo de Apoio à Pesquisa da
Unochapecó.
Tania Mara Zancanaro Pieczkowski - Pedagoga, Especialista em Educação Especial e
em Docência na Educação Superior (Unochapecó). Mestre em Educação (UPF) e
doutora em Educação (UFSM). Professora titular C, pesquisadora e, atualmente
coordenadora do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação na
Universidade Comunitária da Região de Chapecó - UNOCHAPECÓ. Líder do
Grupo de Pesquisa Desigualdades Sociais, Diversidades Socioculturais e Práticas
Educativas. Contato: taniazp@unochapeco.edu.br.
3
Marizete Lurdes Gavenda - Estudante do oitavo período de Pedagogia na Universidade
Comunitária da Região de Chapecó - UNOCHAPECÓ. Bolsista de Iniciação
Científica - Pesquisa do Programa PIBIC/FAPE, custeada pelo Fundo de Apoio à
Pesquisa da Unochapecó. Integrante do Grupo de Pesquisa Desigualdades Sociais,
Diversidades Socioculturais e Práticas Educativas. Bolsista de Estágio não
obrigatório
no
Colégio
Exponencial.
Contato:
marizete.gavenda@unochapeco.edu.br.
2
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Em Chapecó, oeste de Santa Catarina, em 1993 foi criada a Associação de Deficientes Visuais do Oeste de Santa Catarina – Adevosc,
uma entidade filantrópica, sem fins lucrativos, para atender pessoas com
deficiência visual. A Adevosc se constitui no locus do estudo apresentado
neste texto, inspirado em uma pesquisa que aborda narrativas de mulheres com deficiência visual (cegas ou com baixa visão). O objetivo desta
pesquisa foi conhecer a história de vida de adultas com deficiência visual
e analisar as suas condições de acessibilidade e inclusão em diferentes
espaços sociais. A estudo orientou para responder ao seguinte problema
de pesquisa: Como mulheres com deficiência visual narram suas trajetórias de vida em relação aos processos de acessibilidade e inclusão social?
De acordo com Pieczkowski e Pieczkowski (2018, p. 375) "Inclusão e acessibilidade são conceitos que recebem destaque na contemporaneidade." Nesse sentido, a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, considerando que a deficiência é uma condição intensificada pelas barreiras, em
seu artigo 3o, inciso I, descreve acessibilidade, como:
[...] possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança
e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e
tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana
como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida. (BRASIL, 2015).
A associação de estudos teóricos a inserções nos cenários da prática, no curso de Pedagogia, instigou-nos ao estudo, visto que tivemos a
oportunidade de dialogar com mulheres com deficiência visual de distintas faixas etárias, que instigaram a conhecer suas trajetórias escolares,
profissionais e pessoais. Optamos por direcionar nossos estudos visando
conhecer as histórias de mulheres considerando o percurso histórico de
discriminação, preconceito, lutas por direitos e fuga do estereótipo de
feminilidade culturalmente estabelecido. Assim, inquietas diante do contexto social e cultural lançamos o desafio de buscar entender como é ser
uma mulher cega ou com baixa visão. Como as supostas ―verdades‖
acerca do que é ser mulher com deficiência visual determinam o que é
permitido ou negado e demarcam relações de gênero?
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2. DESENVOLVIMENTO TEÓRICO: Narrativas de vida de
mulheres com deficiência visual
Pesquisar a temática ser mulher com deficiência, ou seja, abordar
para além da deficiência, gênero, é compreender que "[...] gênero funciona como um organizador do social e da cultura [...] e, assim, engloba
todos os processos pelos quais a cultura constrói e distingue corpos e
sujeitos femininos e masculinos [...]." (MEYER, 2014, p. 53). Este tópico
visa abordar a metodologia para a efetivação do estudo e as narrativas
das entrevistadas, realizando uma triangulação entre alguns excertos,
base teórica de autores e a percepção das pesquisadas.
A pesquisa envolveu a aplicação de entrevistas narrativas gravadas e transcritas na íntegra, com mulheres adultas com deficiência visual,
frequentadoras da Adevosc. Para a definição dos sujeitos da pesquisa,
houve uma aproximação inicial com mulheres que frequentam a Adevosc, um Centro de Atendimento Especializado a pessoas com deficiência visual, desde bebês até adultos. A Adevosc dispõe do ensino do Sistema Braille4, uso do Soroban5, Orientação emobilidade, Atividades da
Vida Autônoma (AVAs), Informática, Preparação para o trabalho, Estimulação multissensorial, Artes manuais, Música, Educação física, Oficinas de culinária, Artesanatos, Programa de orientação familiar, Núcleo
de Apoio Pedagógico e Produção Braille, entre outras ações.
As entrevistas aconteceram após a aprovação do projeto no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) envolvendo seres humanos e com o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelas participantes, sendo que a maioria utiliza o guia de assinaturas para o registro do
nome. Os termos foram adaptados de acordo com a necessidade de cada
entrevistada, buscando assim que todas as especificidades fossem atendidas.
4
5
O Sistema Braille é um código universal de leitura tátil e de escrita, usado por pessoas
cegas, inventado na França por Louis Braille, um jovem cego. O ano de 1825 é
reconhecido como o marco dessa importante conquista para a educação e a
integração das pessoas com deficiência visual na sociedade. (BRASIL, 2006, p.
62).[...]O Sistema Braille, utilizando seis pontos em relevo, dispostos em duas
colunas, possibilita a formação de 63 símbolos diferentes que são empregados em
textos literários nos diversos idiomas, como também nas simbologias matemática e
científica, em geral, na música e, recentemente, na Informática. (BRASIL, 2006, p.
63).
O soroban ou ábaco é um instrumento de origem oriental, utilizado para realizar
diversas operações matemáticas (REILY, 2011).
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Os diálogos foram organizados em agrupamentos temáticos e
analisados com base na análise de discurso, amparada em referenciais
Foucaultianos. Os agrupamentos temáticos resultaram da recorrência e
da relevância das narrativas. Amparamo-nos nos estudos foucaultianos,
pois seus escritos ensinam a tensionar, a desnaturalizar o que está posto,
o que pensamos e fazemos, e criar novas alternativas para a ação. Projetar uma pesquisa requer, habilidades de escolhas, de aproximações, de
envolvimentos.
Após a aprovação do projeto no CEP, foram agendadas as entrevistas com oito (8) mulheres frequentadoras da Adevosc, sendo elas funcionárias ou usuárias oito (8) mulheres frequentadoras da Adevosc, sendo
elas funcionárias ou usuárias dos serviços da instituição. O quadro a seguir evidencia algumas características das dos serviços da instituição. O
quadro a seguir evidencia algumas características das entrevisentrevistadas e é apresentado com o intuito de facilitar a compreensão do leitor.
E5
Quadro 1: Informações sobre as entrevistadas
Caracterização da
Grau de escolaridade
deficiência visual
Ensino fundamental
Entre 50 e 60 anos
Cega
incompleto
Entre 50 e 60 anos
Não alfabetizada
Baixa visão
Ensino Fundamental
Entre 40 e 50 anos
Baixa visão
completo
Pós-graduação lato
Entre 30 e 40 anos
Cega
sensu
Entre 50 e 60 anos
Não alfabetizada
Cega
E6
Acima de 60 anos
E7
Entre 20 e 30 anos
E8
Entre 50 e 60 anos
Entrevistadas
E1
E2
E3
E4
Faixa etária
Não alfabetizada
Cursando ensino
superior
Ensino fundamental
incompleto
Baixa visão
Cega
Cega
Dentre as entrevistadas, duas são casadas, uma é viúva, duas são
solteiras, duas vivem em união estável e uma é separada. Cinco delas têm
filhos. Algumas entrevistas aconteceram na Adevosc e outras, por sugestão das participantes, nas suas residências. As entrevistadas foram muito
receptivas e manifestaram satisfação em socializar suas histórias.
Ao longo do processo histórico, as pessoas com deficiência, sofreram e ainda sofrem preconceito e exclusão. Lidar com o desconhecido,
nos assusta. A fim de refletir acerca da possibilidade de acessibilidade e
inclusão, bem como a subjetivação dessas mulheres, apresentamos excertos de algumas mulheres com deficiência visual (cegas e/ou baixa visão)
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frequentadoras da Adevosc, pois nos interessa os vazios em torno do que
é ser mulher com deficiência, assim como nos interessa
[...] todos os detalhes de um conjunto significativo de programas e situações [...], na medida em que, estudando-os nas minúcias das práticas ali envolvidas, pudermos dar conta de tudo o que não é tão prontamente sabido sobre modos de subjetivação das camadas populares
[...]. (FISCHER, 2003, p. 375).
Para tanto, visando direcionar o estudo, instigamos as entrevistadas a falar sobre: organização familiar; expectativas/projetos de vida;
adoção de tecnologias assistivas e suas contribuições no processo de autonomia pessoal; barreiras à acessibilidade encontradas no cotidiano e
formas de superação.
Inicialmente, as entrevistadas foram desafiadas a falar sobre sua
organização familiar, rotina e como se deslocam até a instituição, locus
deste estudo. A Entrevistada 1, que mora somente com o marido, afirma
que a distribuição dos objetos de utilização diária, não é tranquila, visto
que não é a única a utilizar, as vezes, não encontra no lugar que tem
como referência, precisando procurar e considera esse tempo de busca
como perdido.
Ao indagarmos sobre o deslocamento até a Adevosc, a Entrevistada 3 conta que não é uma
[...] pessoa de esperar em casa, me buscar, me trazer, me levar...Eu tenho o cartão de passe livre, que é um benefício que a gente tem… Lotação, qualquer coisa que eu tenho para ir, vou para a lotação, e estou
indo, e fazendo. Venho para a instituição (Adevosc), vou para o Pilates, a caminhada não, porque eu faço na rua, ao ar livre. Mas eu dependo deles em últimos casos.
Os relatos acima demonstram que há dificuldades em ajustar a
organização diária com pessoas videntes, visto que o toque é a principal
forma de reconhecimento. No entanto, o de ir e vir, fazer atividades que
propiciam satisfação é elemento buscado por elas diariamente, visto que
nos contam sobre o quanto a família se dispõe em deixá-las no espaço/instituição que desejam ir.
Dantas; Silva e Carvalho (2013) apontam a cultura que cerca as
pessoas com deficiência, na crença infundada de que elas são frágeis e
incapazes de enfrentar os desafios da vida. Mencionam que é ―imprescindível combater a cultura de incapacitação da pessoa com deficiência e
de desvalorização (não reconhecimento) de seu potencial humanointegral de aprendizagem e capacidades para fazer escolhas‖ (p. 13).
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Os depoimentos demonstram que a maioria das entrevistadas são
responsáveis pelos afazeres domésticos. São dona de casa, mulher, mãe,
que cuida e é cuidada, desmistificando a "[...] crença de que mulheres
com deficiências motoras, sensoriais ou intelectuais sejam incapazes de
cuidar do lar e da família [...]." (FRANÇA, 2013, p. 588). Para além
disso, a entrevista evidenciou mulheres que se destacam na profissão, no
esporte, que viajam sem acompanhamento familiar, que se desafiam no
uso de tecnologias, que são independentes, dentre outros desafios contemporâneos.
Ao abordar as expectativas/projetos de vida, as entrevistadas
elencam elementos, objetivos, sonhos, desejos, sejam eles no âmbito profissional, afetivo, pessoal, educacional, que, muitas vezes torna-se distante, interrompido devido aos contextos sociais que ainda segregam, rotulam sem conhecer e, assim, não oportunizam a essas mulheres vivenciar
tais sonhos e, a partir da vivência tirar suas próprias conclusões. A exemplo da Entrevistada 8 que sonha trabalhar e ser independente financeiramente. Relata que já fez a carteira de trabalho e deseja atuar como auxiliar de cozinha. Descreve fatos em que as empresas, para atender às leis de
cotas, contratam pessoas com deficiência e as deixam atuando nas instituições. Esse é seu desejo, a exemplo de outros casos que tem conhecimento.
Narra que nas tentativas de trabalhos ouve que pelo fato dela ser
cega, há receio, por parte dos empregadores, de que ela se machuque.
Explica:
Aí, você só recebe não. Ou mesmo, os baixa visão, que são jovens, e já
foram para o mercado de trabalho. Vão lá, fazem a entrevista, e escutam, a gente vai… Isso que, diz vagas para pessoas com deficiência.
Você vai lá, eles vão retornar à ligação, mas a ligação nunca vem. E eu
disse, o meu sonho ainda é, mesmo que eu não passe a experiência,
para eu poder chegar e dizer, ao menos, eu tentei. Não passei a experiência, mas tentei trabalhar fora [...]. (E 8).
A Entrevistada 4, que é licenciada em Pedagogia e pós-graduada
em Educação Especial, atua profissionalmente como revisora de braile,
ao abordar sobre relacionamento, afirma que se sente
[...] um pouco desiludida com a questão de relacionamento, porque eu
vejo que hoje as pessoas não se respeitam mais, elas não se veem respeitando uma outra pessoa, a opinião da outra pessoa. Elas não se desafiam, né [...]. Não sei se eu vejo minha vida…. Eu com alguém, hoje.
Não porque não é possível, é possível sim. Mas primeiro porque aqui
no nosso estado, vejo que, a maioria das pessoas, tem deficiência secundária. [Risos] (E 4).
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Relata ainda que sonha em ser mãe, mas percebe diversos obstáculos, dentre eles, o construído culturalmente. Declara:
Tinha um desejo muito grande de ser mãe, de poder gerar um filho, de
poder criar um filho, mas, eu acredito muito na instituição família, ou
seja, criar um filho com pai e mãe, juntos. Mas hoje, eu vejo que, não
se isso cabe em mim, enquanto pessoa, por isso eu… mas eu sei que isso geraria comentários de fora [...]. Então, eu não sei se estou preparada para enfrentar isso [...] (E 4).
Os depoimentos nos mostram que, há sonhos, projetos de vida,
entretanto, estes já, de certo modo "interrompidos", por não depender
somente dos atores, mas também da sociedade. Ao falar de desejo profissional, percebe-se que mesmo havendo a lei de cotas, as empresas buscam
justificativas para a não inclusão. E ao abordar afetividade, sexualidade,
ser mãe, torna-se ainda maior o desafio. As entrevistadas casadas, todas
têm filhos e foram elas que os cuidaram. Já as demais entrevistadas, veem
o relacionamento, o casamento e a maternidade como elementos dificultados por deficiências secundárias. Nessa direção, percebe-se que
A pessoa com deficiência, por causa de uma história de marginalização, experimenta situações frequentes e variadas de desvantagens pessoais,grupais e sociais, tais como baixa auto-estima, rejeição familiar e
grupal, baixa escolaridade, desinformação em geral, desemprego ou
subemprego, falta de acesso e acessibilidade, consolidando um ciclo de
exclusão social. (BRASIL, 2009, p. 48).
Os diferentes relatos explicitam que o ser mulher com deficiência
não as impede da realização de atividades cotidianas, de ir e vir, de sonhar, de amar e sentirem-se amadas. Assim, é preciso
[...] reconhecer a identidade de gênero e a capacidade de desenvolvimento integral da pessoa com deficiência significa abrir espaços para o
protagonismo e empoderamento nas suas escolhas de vida, na sexualidade e na busca por oportunidades educacionais e ocupacionais.
(DANTAS; SILVA; CARVALHO, 2013, p. 1).
Ao direcionarmos nosso questionamento sobre tecnologias assistivas, se as entrevistadas fazem uso e como fazem e se se beneficiam dessas tecnologias. A Entrevistada 5 descreve que fora do espaço da instituição, apresenta dificuldades para a utilização das tecnologias. Quanto ao
celular afirma ter, porém "não é adaptado. Quando eu preciso ligar para
falar com alguém, eu preciso pedir para alguém fazer a ligação." (E 5).
Na instituição faz uso de outras tecnologias desde que sejam adaptadas.
"Para eu fazer um desenho, elas fazem adaptação. Não é igual como se
eu pudesse enxergar para fazer." (E 5).
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A Entrevistada 3 relata a autonomia possibilitada pelo uso do celular. Salienta que seus dois filhos trabalham na área de informática e que
a apoiam em tudo que necessitar.
Como eu viajo bastante, vou para jogos Parajasc, viagem da Associação... eu até viajei de avião sozinha [...]. Aí falei para ele [referindo-se
ao marido]: como é que eu vou viajar? Você precisa entrar no mundo
da tecnologia também. (E 3).
A Entrevistada 6 nos conta que sonha aprender a ler, entretanto,
encontra dificuldade em utilizar as tecnologias. Requer tecnologias a
comando de voz, visto que não é alfabetizada à escrita a tinta e quanto ao
braile, relata: "O braille…. Profe, eu acho difícil aprender a ler" (E 6).
Assim, a entrevistada que é baixa visão e não é alfabetizada afirma que
além de usar o comando de voz, ainda se utiliza de imagens adaptadas à
ela, entretanto, para fazer uso de qualquer outro meio de tecnologia não
consegue obter sucesso.
Cabe destacar que tecnologias assistivas são possibilidades de
promover a autonomia, de maneira que o sujeito consiga realizar as tarefas com a independência possível, contribuindo para a construção da
autoimagem positiva. Trata-se de
[...] uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que
engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade
e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de
vida e inclusão social (BRASIL, 2009, p. 9).
Sendo assim, compreende-se que o acesso as tecnologias ainda
são limitados para algumas das entrevistadas, considerando diversos
elementos como influenciadores, como o grau de deficiência, o acesso ou
não à escola (alfabetização), a classe social, entre outros. Ou seja, os
aparelhos eletrônicos conduzidos à voz são de alto custo, sendo assim, as
mulheres entrevistadas não conseguem sanar as suas dificuldades pela
sua classe socioeconômica.
As entrevistadas foram convidadas a falar sobre as barreiras de
acessibilidade encontradas no cotidiano e como buscam superar. A Entrevistada 3 que possui baixa visão, conta que ao ter acesso as informações, tornou-se uma usuária do sistema social, cultural e econômico um
pouco mais exigente e que tais obstáculos é preciso ser visto por setores
responsáveis. Menciona que:
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O piso podo tátil, tem muitos postes no meio. Depois que eu entrei
aqui na Associação, que eu comecei conhecer, comecei a perceber os
erros que tem no ir e vir. Os obstáculos que têm para as pessoas [...].
Eu vejo muitos lugares que tem o poste e tem o piso podo tátil. Mas o
piso dá justamente no meio do poste. Degraus nas calçadas, em vários
lugares. Eu não cheguei a cair porque, na hora percebi que tinha um
degrau, mas uma pessoa que enxerga menos que eu. (E 3).
A Entrevistada 7, cega total, estudante universitária, percebe
dentre as barreiras que, as que estão mais presentes no cotidiano, são as
arquitetônicas e as atitudinais.
Então. Acho que mais mesmo é arquitetônica. Mas às vezes, como nas
tecnologias, né, tem programas que não é acessível, aí acaba que a gente precisa pedir ajuda para quem enxerga. Tem preconceito também.
Às vezes combinam de ir para um lugar, não te convidam ou te convidam e você fala que vai, mas saem e não levam. É ruim, né. (E 7).
A inclusão e acessibilidade tornaram-se temas abordados diariamente, porém, ainda há um longo caminho a ser percorrido, no que tange
a conscientização das pessoas típicas dessa compreensão, considerando
os relatos das entrevistadas. É necessário promover acessibilidade, inclusão, igualdade de acessos na prática. Uma das possibilidades de inclusão
é promover a valorização e autonomia das pessoas com deficiência, disponibilizando recursos para facilitar as tarefas, ou seja, tecnologias assistivas, sem, contudo, negar a diferença, a singularidade das pessoas; sem o
intuito de ―normalizá-las‖, classificá-las, categorizá-las. Também, a inclusão precisa avançar os modelos culturais arraigados, para que, a desmistificação de incapacidade, superproteção e tratamento infantilizado
não sejam alimentados e reconstruídos.
Para Pieczkowski e Lima, a educação especial é caracterizada
pela lógica da benevolência e filantropia, ―consequência de concepções
históricas acerca do que hoje denominamos diferença. A diferença como
inferioridade cada vez mais é tensionada, dando espaço à concepção da
diferença como direito de ser singular‖. (2017, p. 16).
É fundamental nos permitir conviver com a diferença, com a singularidade, com pessoas com deficiência para abrirmos para o novo, para
perceber o potencial ao invés de ver a incapacidade, de desafiá-los para a
superação de expectativas ao invés de superproteger, é preciso aceitar que
todos somos singulares, assim, temos limitações, ao invés de resistirmos
em reconstruir culturalmente graus de superioridade frente as pessoas
com deficiência.
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3
Considerações finais
A história de vida de oito mulheres cegas ou com baixa visão
oportunizou vivências únicas, pois propiciou trocas que, para além de
construção de conhecimento, tocam-nos e adentram como lições de vida.
Seja, por perceber que, é necessário construir uma aproximação de afeto,
segurança para que se sintam dispostas em dividir suas histórias. Escutar
tais relatos contribuem para uma análise acerca do que ainda precisamos
avançar enquanto seres humanos, possuidores e produtores de cultura,
como também, perceberem que são ouvidas, que não precisam manter
silenciados sentimentos, pensamentos, vivências, algumas vezes, inclusive de violência física e simbólica, pelo descrédito; pela invisibilidade;
pelam discriminação e preconceito; pela falta de ética de quem se considera ―normal‖ no tratamento com pessoas com deficiência.
É preciso desconstruir e/ou desmistificar os tabus existentes
acerca do ser mulher com deficiência. Se enquanto mulheres precisamos
provar nossas capacidades, ser mulher com deficiência torna-se ainda
mais desafiador, visto que precisam comprovar suas habilidades de forma
mais explicita. Ou seja, a deficiência secundária (agravada pela privação
social) torna-se maior que a deficiência primária (a deficiência em si,
biológica). (BEYER, 2005).
Os referenciais foucaultianos ajudam a perceber os discursos
normativos e midiáticos na produção de sujeitos subjetivados para o modo de vida contemporâneo. A ―categoria‖ pessoas com deficiência vai
ganhando subdivisões: pessoas com deficiência visual: pessoa com baixa
visão; pessoas cega; pessoa com baixa visão ou pessoa cega protagonista,
autônoma, empreendedora de si; ou, pessoa com baixa visão ou cega
dependente, analfabeta, usuária ou não das tecnologias. É preciso sensibilidade e resistência para não cair nas armadilhas dessa categorização,
mesmo num campo teórico em que ela é tensionada, desnaturalizada e
problematizada.
Referências
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inclusiva? Revista Educação Especial, Santa Maria, n. 26, p. 75-81, 2005.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial.
Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para o
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alunos com baixa visão. Brasília, 2006.
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Brasília: CORDE, 2009.
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O ACESSO À JUSTIÇA E OS DIREITOS DA
CIDADANIA NO PROGRAMA
CENTRO DE ATENDIMENTO À
COMUNIDADE – CAC – UNOCHAPECÓ:
UMA PRÁTICA INTERDISCIPLINAR E
DEMOCRÁTICA
Franciely Valentin da Silva
Maria Aparecida Lucca Caovilla
INTRODUÇÃO
O presente artigo abordará, os conceitos fundamentais sobre o
acesso à justiça assegurado na Constituição Federal e na legislação,
além disso produzirá uma análise em relação ao papel desempenhado
pelas universidades na garantia dos direitos edeveres das pessoas hipossuficientes.
Muito se tem falado em acesso à justiça, que é um direito fundamental previstona Constituição Federal, e é notória a preocupação de
parte da sociedade em fazer valeresse direito. Destaca-se que, na busca
pela resolução de seus conflitos, as pessoasacabam procurando a tutela
jurisdicional do Estado, porém é sabido das dificuldades de garantir o
efetivo acesso à justiça. Desta forma, verifica-se que, apesar de ser umagarantia constitucional, o Estado não está apto a oferecer a efetivação
deste direito em virtude de vários fatores.
Deste modo, este artigo busca verificar qual o papel das universidades por meio dos Programas de Extensão, como instrumentos de acesso à justiça, na implementação da cidadania e transformação social,
unindo a teoria e a práxis.
Tendo em vista a amplitude do acesso à justiça, foram abordados
os princípios fundamentais para seu entendimento e também suas garantias previstas na Constituição Federal e na legislação. Ainda, foram reali-
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zada uma abordagem sobre a evolução no tempo do instituto do acesso à
justiça.
Além disso, realizou-se um apanhado histórico sobre o surgimento do acesso à justiça e uma análise da Lei da Assistência Judiciária,
n° 1.060/50 e sua aplicabilidade. Ainda, discorreu-se sobre o programa
de extensão Centro de Atendimento à Comunidade - CAC - UNOCHAPECÓ buscando analisar qual o papel ali desempenhado para a comunidade chapecoense.
1.
Acesso à Justiça e sua evolução histórica
Para falar de acesso à Justiça primeiro precisa-se entender o significado do termo justiça: ―Em geral, [é entendido como] a ordem das
relações humanas ou a conduta de quem se ajusta a essa ordem.‖
(ABBAGNANO, 2007, p. 593). Houve a divisão em duas linhas de raciocínio quanto ao entendimento de o que é a justiça. A primeira delas
trata a justiça como conformidade da conduta humana a uma norma.
Assim, o que está em julgamento é o comportamento humano perante
certo ordenamento. (ABBAGNANO,2007).
Uma vez que o transgressor da lei é injusto, enquanto é justo
quem se conforma à lei, é evidente que tudo aquilo que se conforma a lei
é de alguma forma justo: de fato, as coisas estabelecidas pelo poder legislativo conformam-se à lei e dizemos que cada uma delas é justa. (ARISTÓTELES apud ABBAGNANO, 2007, p.594). Hobbes defende esta
noção de justiça, afirmando que ―[...] a Justiça. Consiste simplesmente na
manutenção dos pactos, e que, portanto, onde não há Estado como poder
coercitivo que assegure a manutenção dos pactos, não existe Justiça nem
injustiça. (HOBBES apud ABBAGNANO, 2007, p.594). Ao abordar o
―justo‖, Hobbes acaba por inferir que as origens das justiças e injustiças
se verificam na ignorância das multidões, as quais são persuadidas.
Com isso o acesso à justiça vem para proporcionar um equilíbrio
social, a todos os indivíduos. Sendo assim o acesso à justiça e um direito
fundamental que vem sendo discutido e aprimorado há anos. Para CAPPELLETTI: […] ―O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o
requisito fundamental - o mais básico dos direitos humanos […] que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos‖. (CAPPELLETTI E GARTH, 1988, p. 12).
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Nesta linha de pensamento, em 1965 os movimentos em busca
do acesso à justiça, começaram a se consolidar, na concepção de Mauro
CAPPELLETTI, em ―três pilares básicos‖:
Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso – a primeira
―onda‖ desse movimento novo – foi a assistência judiciária ; a segunda
dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica
para os interesses “difusos”, especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro – e mais recente – é o que nos propomos a chamar simplesmente ― enfoque de acesso à justiça ‖ porque inclui
os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo (CAPPELLETTI E GARTH,
1988, p. 31).
Ainda na década de 60 a consciência social foi despertada e com
isso houve a reforma da assistência judiciária, conforme entendimento de
CAPPELLETTI E GARTH, 1988, p. 33. ―A consciência social que redespertou, especialmente no curso da década de 60, colocou a assistência
judiciária no topo da reforma judiciária‖.
Já em 1988 com a promulgação da carta magna, em seu preâmbulo, encontram-se os valores supremos para a organização de uma sociedade igualitária e justa.
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL/ 1988.
Dessa forma, outro marco da evolução do acesso à justiça, ainda
pode ser encontrado na Constituição Federal de 1988, em que nela somos
contemplados com os direitos individuais, coletivos e difusos, que por
meio do princípio do direito de ação garante ao indivíduo a tutela jurisdicional prestada pelo Estado. O princípio, ainda decorre da atribuição do
Estado em prestar assistência jurídica gratuita e integral aos necessitados
conforme preconiza o artigo 5°, inciso LXXIV, da CF/88. ―O Estado
prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos‖.
O estado é quem tem o dever de garantir que todo cidadão tenha
o direito ao acesso à justiça e a informação, no entanto há uma dificulda-
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de evidente do cidadão para um efetivo acesso à justiça. Quanto a isso,
Caovilla (2006, p.32) explica que:
O Estado é responsável pelo cumprimento do direito de acesso à justiça; no entanto, não garante, efetivamente, uma existência digna e humana para a população. O homem, chamado de cidadão, está preso
nas mãos do Estado, sem condição de exercer a cidadania plenamente.
A Lei número 1.060 de 05 de fevereiro de 1950, conhecida como
Lei de Assistência Judiciária, tem como finalidade garantir o acesso à
justiça das pessoas que não tem condições financeiras para arcar com os
custos de um processo.
Art. 1º. Os poderes públicos federal e estadual, independente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil, - OAB, concederão assistência judiciária aos necessitados nos termos da presente Lei.
Destarte, esta lei foi um marco importante na busca da efetivação
do acesso à justiça, ela visa estabelecer normas e diretrizes para a concessão de assistência judiciária aos necessitados.
2. O Acesso à Justiça por meio do programas de extensão nas
universidades
Com a Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, evidencia a extensão universitária como uma finalidade da educação, passa a ser um espaço de desenvolvimento de pesquisa e práxis extensionistas, proporcionando assim um contato não só com a teoria, mas também com a prática.
As Universidades através de seus projetos comunitários de extensão, desenvolve papel fundamental em introduzir esses alunos à prática
profissional, e além disso promover o acesso à justiça e informação às
pessoas hipossuficientes. Caovilla explica que:
As universidades ocupam espaço importante no cenário nacional e são
os principais agentes responsáveis pela transformação da sociedade,
através da participação efetiva dos estudantes em projetos comunitários com a finalidade de promover a cidadania. (Caovilla (2006, p.141)
A Educação sofreu ao longo dos anos um processo de fragmentação disciplinar como um fim em si mesmo, trazendo como grande desafio para as universidades transpor o referencial linear cartesiano que simplificou, individualizou e racionalizou as coisas.
A disciplina segundo Morin:
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É uma categoria organizada dentro do conhecimento científico; ela
institui a divisão e a especialização do trabalho e responde á diversidade das áreas que as ciências abrangem.‖...‖tende naturalmente à autonomia pela delimitação das fronteiras, da linguagem em que ela se
constitui, das técnicas que é levada a elaborar e utilizar e, eventualmente, pelas teorias que lhe são próprias. (2000,p.105).
A universidade deve assegurar um espaço para o pensar, e não
apenas um espaço de transmissão de conhecimento, haja vista a diferença
entre conhecimento e pensamento:
Conhecimento é apropriar-se intelectualmente de um campo dado de
fatos ou de ideias que constituem o saber estabelecido. Pensar é enfrentar pela reflexão a opacidade de uma experiência nova cujo sentido
ainda precisa ser formulado e que não está dado em parte alguma, mas
precisa ser produzido pelo trabalho reflexivo, sem outra garantia senão
o contato com a própria experiência. O conhecimento se move na região do instituído; o pensamento, na região do instituinte. (CHAUÍ,
2001b, p. 59).
É de fundamental importância inserir na organização das práticas de formaçãoacadêmica, realizadas através dos projetos de extensão, a
relação com a multidimensionalidade da realidade como elemento fundamental para construção do conhecimento.
Neste processo é importante o estudo de casos e problemas, reais, os quais permitem uma melhor percepção e desenvolvimento de habilidades e competências necessários para a concretização do conceito de
Justiça.
A experiência da extensão tem significado imensurável, pois
permite uma construção coletiva do conceito de Justiça, e, portanto, diferente de um ensino ou de uma prática de estágio convencional, que isola
tal conceituação no universo do curso, diante de preconceitos definidos
por uma norma positivada fria e distante.
Havendo estreita ligação com a natureza humana, o entendimento do significado de justiça possui influência e interferências em todos os
setores da sociedade, sejam eles políticos, econômicos e sociais, e por esta
razão, ante a necessária multidisciplinaridade, tais conhecimentos e ensinamentos aplicam-se e influenciam nas áreas de formação do Estado e da
sociedade, e, portanto, desenvolveram um conceito, se não padrão, mas
de fácil percepção e compreensão a todos os setores de Justiça, pois dessa
forma, acredita-se que a vida em sociedade, torna-se mais equilibrada.
Além de prestar atendimentos à comunidade, somente se encontrar novas formas de construir o conhecimento e a práxis, a universidade
poderá cumprir sua grande função social.
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O enfrentamento da vulnerabilidade social encontra-se, obrigatoriamente, na transição das carências sociais para o campo dos direitos
sociais, do acesso aos direitos sociais. Afirma OLIVEIRA que:
No Brasil, as melhores experiências e aquisições de cidadania, vale dizer, de direitos, localizam-se ali onde os grupos sociais mais explorados, mais discriminados, mais vulneráveis, logram auto identificar-se,
organizar-se, e participar ativamente da construção de uma nova sociedade civil, sem a hegemonia burguesa. [...] sem [...] uma redefinição
das relações da sociedade civil com o Estado, capazes de assegurar a
passagem de suas próprias vulnerabilidades do estatuto de carências
para o estatuto dos direitos mais amplos, a vulnerabilidade permanecerá vulnerável às relações de poder nesta sociedade tão desigual. (OLIVEIRA, 1995, 18-19).
O Programa de Extensão Centro de Atendimento à Comunidade
- CAC -Unochapecó, e o instrumento que auxilia na transição da cidadania de grande parte da população Chapecoense pois, visa dotar os sujeitos
sociais de recursos, notadamente de informações, minimizando a exposição a riscos, à vulnerabilidade social e contribuindo no acesso aos direitos sociais.
Deste ponto de vista, a experiência formativa se localiza, por assim dizer, na passagem do instituído ao instituinte. De outra parte, a
defesa de uma formação cidadã antecipa uma noção de cidadania e, necessariamente de democracia.
Segundo Coutinho (2005), a noção de cidadania encontra uma
profunda articulação com a noção de democracia. Em seu entendimento,
a definição sumária de democracia está na construção coletiva do espaço
público, com plena participação consciente dos cidadãos. A cidadania,
por sua vez, define-se pela capacidade conquistada por alguns sujeitos - e
na democracia efetiva por todos os sujeitos - de se apropriarem dos bens
socialmente criados com plena realização humana em determinado contexto social.
Cabe destacar que democracia e cidadania são conquistas e esta
última se constitui, particularmente, pela criação de espaços sociais que
explicitam e atribuem visibilidades às lutas da sociedade. Neste sentido, a
extensão universitária comprometida com a formação cidadã, tem como
horizonte práticas sociais que priorizem o fortalecimento destes espaços
de reflexão ação. Caovilla presa do seguinte entendimento:
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O estágio oferece ao estudante a oportunidade de pensar o direito de
forma crítica e reflexiva [...]As atividades realizadas dessa forma auxiliam na formação de profissionais com responsabilidade social, comprometidos e determinados a lutar por uma ordem jurídica mais justa.[...] A sociedade brasileira clama por profissionais humanistas, que
promovem a transformação social, protagonizando mudanças especialmente, na conscientização da população sobre seus direitos e deveres. (Caovilla, 2006, p.155)
Compreende-se que a formação, em seu sentido amplo e pleno,
requer o compromisso dos atores envolvidos no processo educacional,
voltados para o exercício da cidadania e conduta ética.
Nesse sentido, Dallari (2004, p. 19) ao abordar sobre o papel dos
professores no fomento de uma sociabilidade que respeite os direitos
humanos, afirma que ―os professores têm uma possibilidade muito grande de influenciar a vida social, principalmente no que tange à fixação de
valores e padrões de convivência, tarefa essencial para a construção de
uma sociedade justa em que a dignidade da pessoa humana seja efetivamente promovida enquanto valor e realidade. ‖
Constata o autor que se trata do papel político do professor como
ser da polis, isto é, destinado à integração e à convivência da sociedade.
Acrescenta-se que este papel político também é atribuição das Instituições
de Ensino Superior, uma vez que estas devem estar fortemente sintonizadas com as necessidades históricas das comunidades de sua inserção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base no que foi apresentado neste artigo em relação ao
acesso à justiça que é assegurado pela Constituição Federal em seu art.
5ºLXXIV, enquanto direito fundamental do ser humano, é sabido que é
dever do Estado prestar assistência judiciária e a informação às pessoas
hipossuficientes, todavia este abstém -se na maioria das vezes em desenvolver esse papel.
Com isso, as universidades que vem desenvolvendo um ensino
multidisciplinar, promovem por meio de seus programas de extensão
universitária, o acesso à justiça e a informação, para as pessoas hipossuficiente. Possibilitando, assim analisar suas dificuldades e necessidades no
âmbito dos direitos e dos deveres, bem como no acesso à Justiça.
Além disso, os programas de extensão possibilitam aos acadêmicos terem contato com conflitos reais, possibilitando, assim, realizar estudos de casos para uma melhor percepção e desenvolvimento, de habilidades e competências, necessárias para o entendimento e a concretização
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do conceito de justiça, em conflitos que eles se depararão em suas vidas
profissionais.
Sendo assim, é de fundamental importância o papel desempenhado pelas universidades, que buscam preparar seus acadêmicos para
pesquisa e a extensão aliando uma teoria e prática cidadã.
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Círculo de Diálogo 8
Formação de professores,
currículo e práticas educativas
em diferentes espaços
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A AUTONOMIA CURRICULAR DOS
PROFESSORES/ESCOLAS FRENTE AO IDEB
Edite Maria Sudbrack1
Estéfani Barbosa de Oliveira Medeiros2
1.
Introdução
Este trabalho derivou de uma Bolsa de Pesquisa de Iniciação Científica do Grupo de Pesquisa em Educação de um Programa de PósGraduação em Educação, de uma universidade localizada no interior do
RS. A pesquisa in loco foi realizada em uma escola que participa do
PNME, sendo este, o critério de inclusão. Assim sendo, um dos objetivos
era compreender as possibilidades de autonomia dos professores-escolas
face ao IDEB. Será realizado um breve aparato sobre o IDEB, PNME,
Avaliação em Larga Escala e Currículo, que contemplam o arcabouço
teórico do estudo.
A avaliação em larga escala é uma política pública, emergida no
Brasil em meados de 1980, através da iniciativa do Ministério da Educação e Cultura (MEC), como uma proposta que objetivava desenvolver
estudos que acompanhassem a avaliação educacional. Diante dos resultados da avaliação, o MEC construía percepções sobre a realidade educacional, contribuindo, ainda, para a realização de uma espécie de diagnóstico que aferisse o desempenho da educação brasileira. (WERLE, 2011).
O objetivo principal da avaliação em larga escala é melhorar a
qualidade da educação e isso se dá por intermédio de ferramentas construídas para verificar a qualidade da aprendizagem de alunos que estão
em níveis específicos de escolarização. A avaliação é vista como importante, em função de que obtém indicadores que aferem desempenho, em
que a partir deste, novas políticas públicas educacionais podem ser for1
2
Doutora em Educação. URI-Câmpus de Frederico Westphalen e Erechim. Contato:
sudbrack@uri.edu.br.
Graduanda do curso de Psicologia. Bolsista Voluntária. URI/FW. Contato: estefanitefi@outlook.com
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muladas e reformuladas dentro dos diversos contextos da educação, seja
na gestão, nos currículos, financiamentos, assistência técnica e, inclusive,
nos programas que desencadeiam reflexões sobre a qualidade da educação na esfera pública e privada. (GAZZOLLA; SUDBRACK, 2016).
As características da avaliação em larga escala estão baseadas em
planos de longo prazo, em que as avaliações são aplicadas em períodos
delimitados, sobre a ideia da análise temporal, permitindo a investigação
da qualidade ou não qualidade da educação. Nesta acepção, a avaliação
em larga escala presta contas à sociedade no que tange a aplicação do
dinheiro público, para que todos possam ter conhecimento sobre os trabalhos desenvolvidos nas escolas e sobre o desempenho da mesma. (ID,
IB).
Nesta linha de pensamento, o IDEB é uma das políticas públicas
construídas para averiguar a qualidade da educação na esfera da educação básica. Criado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Anísio
Teixeira (INEP) em 2007, atua como uma ferramenta que contribui na
criação de políticas públicas na educação básica, balizando em apenas
um instrumento o monitoramento do fluxo e do desempenho escolar,
atendendo a um padrão de qualidade, já estabelecido em nível nacional.
Com efeito, o índice é compreendido como sinônimo de qualidade, já
que afere a qualidade da educação. (SCHENEIDER; SARTOREL,
2016).
O Índice, é realizado de maneira bianual e é calculado através da
aprovação escolar, obtido pelo Censo Escolar, e também, das médias de
desempenho dos estudantes. Este instrumento constrói o conceito de
qualidade, na medida em que taxas de aprovação pressupõem alavancar
na qualidade educacional. Quando os resultados do IDEB são divulgados, as escolas precisam prestar contas e construir alternativas que revertam os resultados indesejáveis da avaliação. (ID, IB).
As avaliações são aplicadas a cada dois anos, quando os alunos
estão no quinto e nono ano do ensino fundamental, e na terceira série do
ensino médio, em que os estudantes respondem questões de Língua Portuguesa, com ênfase na leitura e de Matemática, com foco na resolução
de problemas. No questionário socioeconômico, os estudantes fornecem
informações sobre fatores que podem estar associados ao desempenho
escolar. Os professores e diretores também participam da avaliação, pois
respondem questionários que abordam sobre dados demográficos, perfis
profissionais e condições de trabalho. (BRASIL, 2016).
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Já, o PNME, é apresentado como uma estratégia do governo federal com o intuito de melhorar a aprendizagem dos alunos do ensino
fundamental nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. Desse
modo, a proposta se dá através da ampliação da jornada escolar das crianças e dos adolescentes, sobre uma carga horária de cinco ou quinze
horas semanais, em período noturno ou contraturno. O Programa prevê
também, a possibilidade de os estudantes participarem de oficinas de
esporte, cultura e lazer, para expandir o desenvolvimento de suas habilidades. (BRASIL, 2016).
2. A autonomia curricular dos professores/escolas face ao
IDEB
Antes de adentrarmos na categoria selecionada para este artigo,
salienta-se que, em todo o processo da pesquisa, as pesquisadoras atentaram-se para os procedimentos éticos de pesquisa com seres humanos,
respeitando o sigilo e confidencialidade dos seus dados, divulgando os
resultados em meios acadêmicos, para a construção do saber. Portanto,
cada etapa da pesquisa foi consentida e autorizada pelos sujeitos através
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), lido e explicado aos pesquisados, sobre orientação de que ao se sentirem desconfortáveis poderiam romper, em qualquer momento da pesquisa, a sua participação. Foi aplicado um questionário semiestruturado e embasado na
Análise de Conteúdo de Bardin (2004).
Nesta categoria, será apresentado conceitos de autonomia e heteronomia, bem como, o entendimento de alguns autores sobre Currículo e,
por fim, a compreensão dos pesquisados sobre a autonomia curricular
frente ao IDEB.
Kant (1964), compreende que a autonomia é o princípio da dignidade humana, o que exige do ser humano uma racionalidade e consciência, para que assim, através de sua liberdade, possa exercer sua autonomia. Para o autor (ID, 1964), o indivíduo autônomo é aquele que age
com consciência sobre a sua autonomia e liberdade, atuando como cidadão. Para tanto, o indivíduo precisa deixar de lado a sua individualidade
para assim, atuar como cidadão, entendendo que a cidadania é uma ação
social. Kant (ID, IB), nesse sentido, propõe que o sujeito estabeleça a sua
própria lei e tenha a obrigação de obedecê-la.
No decorrer do processo histórico e de suas respectivas mudanças, a compreensão de autonomia vai se ampliando e adquirindo novos
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significados, em função da evolução do contexto social e histórico. Diante disso, a autonomia em sua concepção etimológica significa de acordo
com Zatti (2007, p. 12) ―o poder de dar a si a própria lei‖, pois para o
autor, a autonomia representa uma esfera individual e particular do sujeito, em que sua existência é garantida sobre os limites que diferenciam o
poder individual do poder coletivo.
Corroborando com a compreensão de Kant (1964), a autonomia
é um atributo essencial do ser humano, na medida em que se vincula com
o que chamamos de dignidade. Portanto, deve ser compreendida enquanto uma conquista a ser adquirida através de práticas e ações, em que o
indivíduo segue e obedece a sua própria lei. Nesse viés, a autonomia,
além da liberdade de pensar por si e guiar-se sobre seus próprios princípios, envolve também, a capacidade do indivíduo em realizar suas ações,
o que requer que o ser humano seja ativo e consciente de suas práticas,
conforme menciona Zatti (2007).
Harmonizando com essa ideia, Freire (1996), em sua obra ―Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa‖, é possível compreender por intermédio de seu pensamento sócio-políticopedagógico, que a autonomia é o que o autor chama de ―ser para si‖ (p.
67), essa ideia está vinculada com a libertação de um povo, ou pessoa,
que se desprendeu das opressões que excluíam a sua liberdade de determinação. Nesse sentido, compreende que a autonomia é um processo
construído pelo sujeito, frente as diversas experiências vivenciadas no dia
a dia, portanto, elucida que ―[...] ninguém é autônomo primeiro para
depois decidir‖ (p. 67). Nesta acepção, é por intermédio de suas ações
que o sujeito exercita a sua autonomia e se constitui enquanto sujeito
autônomo.
A heteronomia, por outro lado, é um conceito contrário ao de
autonomia, pois remete a compreensão de que o sujeito heteronômico é
aquele submisso, obediente e passivo às imposições. Sendo assim, não
exerce a sua liberdade e não participa da construção de leis, ou seja, é um
sujeito que não tem autonomia para agir de acordo com as suas próprias
ideologias. A heteronomia é então, a condição de um sujeito ou grupo
social, que se encontra em situação de opressão e/ou alienação. (ZATTI,
2007).
Dessa forma, a heteronomia, está vinculada com o ―ser para o
outro‖, em que os indivíduos são coagidos e não agem com liberdade de
escolha/decisão, mas influenciados por forças externas (ZATTI, 2007). A
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partir dessa compreensão, percebe-se que a educação e seus atores (professores, alunos e comunidade escolar), se encontram num processo heteronômico, em que a autonomia é por vezes, ou, cotidianamente, excluída
da sua atuação, em função das demandas exacerbadas pelos resultados
estatísticos e pela qualidade da educação baseada em dados mensuráveis.
Tecemos a compreensão de que, apesar dos indicadores atuarem
como uma ferramenta para impulsionar políticas públicas em distintas
esferas da sociedade, compreende-se que na área da educação há uma
ênfase exacerbada que exclui outras possibilidades de avaliar a qualidade
da educação, promovendo em demasia os dados quantitativos, que desconsideram esforços despendidos para atingir o que parece ser inalcançável. Conforme afirma Soligo (2015, p. 56): ―[...] os indicadores são uma
descrição, mas não a realidade‖, nessa perspectiva, não é suficiente para
representar as distintas realidades presentes nas diferentes regiões e cidades brasileiras. Em suma, desconsidera-se, questões internas de cada ator
envolvido no processo, além das questões sociais, culturais e econômicas
que estão entrelaçadas.
Lopes e Macedo (2011), são autores que entendem que o currículo é a grade curricular, ou seja, são as disciplinas, atividades, cargas horárias, conjunto de ementas, programa das disciplinas, atividades, plano de
ensino dos professores e experiências propostas e vividas pelos alunos.
Portanto, ao discutirmos sobre currículo, lançamos a ideia de uma organização de maneira prévia ou não, de experiências e situações de aprendizagens que são construídas pelos docentes e redes de ensino. Essa ideia
está vinculada ao procedimento de construção de um processo educativo
que atenda às necessidades daqueles que aprendem, sujeitos estes, que
possuem singularidades na absorção do conhecimento, nesse sentido, as
propostas educativas devem contemplar às diversidades, inclusive, as de
ensino.
Deste modo, lançam a ideia de que o planejamento curricular,
nada mais é do que a construção, aplicação de métodos e/ou critérios
para a formulação de um plano eficaz de ensino, portanto, é composto
por objetivos e conteúdos, orientação didáticas e critérios de avaliação.
Contudo, é possível considerar que o currículo, bem como, o planejamento curricular, deve acompanhar avanços tecnológicos e das mídias sociais, de maneira a comtemplar a realidade social, cultural e econômica
daqueles que aprendem e inclusive, daqueles que ensinam. Nessa perspectiva, através dos novos delineamentos nas políticas de currículo se tem
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a oportunidade de construir reflexões sobre as novas temáticas presentes
na atualidade, como diversidade cultural, gênero, sexualidade, ética,
cidadania, entre outros. (SANTOS; SUDBRACK, 2018).
A escola enquanto lócus da ação educativa formal, tem como alicerce de sua ação educativa promover aos alunos o desenvolvimento de
competências, através de determinadas concepções de pessoa, mundo,
sociedade e educação. Portanto, o currículo escolar coloca em evidência
um conjunto de competências essenciais para a formação humana. E é
por isso que ao nos referirmos ao currículo precisamos entender que ele
não pode ser reduzido a uma mera listagem de conteúdo a serem trabalhados e, inclusive não deve se limitar ao ensino de português e matemática, mas formar sujeito consciente, autônomo e capaz de desenvolver
autonomia. (SARMENTO; SENIW, LINDEMANN, 2018).
Em contrapartida, frente à Avaliação em Larga Escala, a escola
precisa construir resultados que sejam positivos, que alcancem o padrão
de qualidade já estabelecido em esfera nacional ou internacional. Desse
modo, não há espaço temporal suficiente para promover ensino sobre as
temáticas abordadas no parágrafo anterior e atender uma demanda estabelecida pelos resultados mensuráveis que aferem a qualidade da educação. Em consonância com esse discurso, abordamos Afonso (2009), que
compreende que a avaliação, a prestação de contas e a responsabilização,
raramente servem como elementos que potencializam as orientações, a
democracia e o empowerment dos cidadãos.
Os participantes, ao serem questionados sobre a autonomia no
planejamento curricular, responderam que é muito limitada. Portanto,
compreendemos que o IDEB atua de maneira a aferir a qualidade da
educação, e, por outro lado, não corrobora para diversificar o ensino aos
alunos que demonstram singularidades no ato de aprender, na medida
em que estabelecem padrões de qualidade homogêneos, além de responsabilizar professores e alunos sobre o mau desempenho.
O discurso das participantes, corroboram com a ideia de que o
programa deveria sanar as dificuldades de todos os alunos, principalmente aqueles que encontram obstáculos para a aprendizagem. Diante disso,
a educação que segundo Ferreira (et al., 2013), tem a possibilidade de
formar seres humanos cidadãos e reflexivos, em decorrência dos mecanismos de exclusão, perde a autonomia de afirmar a igualdade de oportunidades, de talentos e de potencialidades daqueles que aprendem. Isso
se deve a inúmeros fatores e inclusive à Avalição Externa, construída e
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pensada de maneira distante daqueles que estão vivenciando cotidianamente a prática educativa.
Para concluir esta categoria, explanamos que a autonomia, bem
como o seu processo de construção, deve se fazer presente de maneira
cotidiana nas práticas e ações desenvolvidas pelo indivíduo, partindo da
perspectiva de que o sujeito autônomo é aquele que, diante de sua liberdade de escolha, reflete e age. Portanto, no processo educativo, é de extrema importância que tanto a autonomia discente como docente se façam presentes, através de experiências que sejam estimuladoras para
ambos.
3.
Considerações Finais
Diante do presente trabalho pode-se compreender que a autonomia curricular dos professores e escolas é extremamente limitada na medida em que não abrange outros aspectos pertinentes de estudo. A escola
que tem o dever de formar seres humanos reflexivos e pensantes, acaba
reproduzindo o caráter neoliberal, que adere a ideia de produzir indivíduos para o mercado de trabalho, fortalecendo a dominação das classes,
ou seja, da elite sobre a classe trabalhadora.
A partir do estudo, lançamos a compreensão de que o PNME
deveria dar ênfase a outras áreas de ensino e não só em Língua Portuguesa e Matemática, mas também pensar conteúdos que reflitam sobre as
diversidades, raça, gênero, sexo, sexualidade, família, entre outros assuntos. Pensando nesta perspectiva, estaríamos construindo indivíduos pensantes e, inclusive, tolerantes diante das diversidades e pluralidades.
A pesquisa permitiu que os professores pudessem ser atores de
uma construção científica diante de suas subjetividades, acerca de um
programa construído para erradicar ou minimizar a desigualdade socioeducacional, muito presente na realidade brasileira. Diante disso, estratégias e reflexões podem ser pensadas no sentido de construir ações para
que a escola seja um espaço que empodere os indivíduos e fortaleça as
suas potencialidades.
O currículo ao ser limitado, conforme as participantes apontaram, restringe às práticas educativas ao ortodoxo, sem fornecer outros
instrumentos que auxiliam a aprendizagem. Os professores/comunidade
escolar, diante dos resultados aferidos no IDEB dispendem o ensino com
o intuito de aumentar os resultados e não de melhorar a qualidade de
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ensino, por este motivo lançamos a compreensão: Índices representam
qualidade?
4.
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mensurável ou comparável. Crítica à accountability baseada em testes
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A MOBILIDADE ACADÊMICA COMO
POTENCIALIZADORA DA EDUCAÇÃO EM
DIFERENTES ESPAÇOS
Charlene Bitencourt Soster Luz1
Hildegard Susana Jung2
José Alberto Antunes de Miranda3
1.
Introdução
Diante de um cenário globalizado, as instituições de ensino superior estão formando profissionais e cidadãos para atuar em qualquer parte
do mundo. Nessa realidade, a mobilidade acadêmica internacional revela-se, paulatinamente, como um dispositivo de aproximação de saberes e
promotor de experiências transformadoras para estudantes e futuros profissionais. Chamada no senso comum por intercâmbio, a mobilidade
acadêmica internacional proporciona que estudantes de diferentes nações
estudem e vivam a realidade de um outro país por um espaço de tempo
determinado. Nessa experiência internacional, os estudantes desenvolvem competências que podem contribuir para a sua atuação no mercado
de trabalho globalizado e na convivência com diferentes culturas.
O estudante em mobilidade acadêmica internacional tem a oportunidade de experimentar situações pontuais como, por exemplo, o despertar da independência, o desenvolvimento de competências linguísti1
2
3
Mestranda em Educação pela Universidade La Salle. Bolsista Capes - Prosuc.
Professora de Logística, Administração e Recursos Humanos. Integrante do Grupo
de pesquisa Gestão Educacional nos diferentes contextos. Contato:
charlenebs@gmail.com
Doutora em Educação pela Universidade La Salle. Docente e coordenadora do
Curso de Pedagogia da Unilasalle, pesquisadora e docente permanente do PPGE.
Integrante do Grupo de pesquisa Gestão Educacional nos diferentes contextos.
Contato: hildegard.jung@unilasalle.edu.br
Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS. Assessor de Assuntos
Interinstitucionais e Internacionais e professor permanente do Programa de Pósgraduação em Direito e Sociedade além de integrar o corpo docente do Curso de
Relações
Internacionais
da
Universidade
La
Salle.
Contato:
jose.miranda@unilasalle.edu.br
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cas, o estabelecimento de laços interpessoais, a adaptação com diferentes
aspectos transculturais, etc. Além disso, viver com objetivo aparente de
estudar em um país estrangeiro, constitui-se como uma experiência sensível, que ultrapassa os limites da técnica e implica reflexões éticas que
acabam contribuindo no desenvolvimento de saberes subjetivos e enriquecedores, para uma vida pessoal comprometida com valores globais.
Compreende-se essa experiência de atravessamentos subjetivos, culturais,
territoriais e interpessoais como uma oportunidade de perceber não somente diferentes espaços educativos fora da sala de aula, como também
distintas formas de aprender (FERREIRA, TEIXEIRA, 2010).
Nesse sentido, Butler (2018, p. 125) a reflete, a partir de uma
ideia tomada de Heidegger, que ―não apenas vivemos com aqueles que
não escolhemos e em relação aos quais podemos não sentir uma sensação
imediata de pertencimento social, mas também somos obrigados a preservar essas vidas e a pluralidade ilimitada que constitui a população
global‖. Se o ―lar‖ é essa instância que se deixa para trás, para onde se
vai, o que se atravessa ou ainda o que se pode carregar em si mesmo?
Essa questão, levantada por Murphy-Lejeune (2000) situa a mobilidade
acadêmica em um lugar de importância formativa capaz de transformar
toda uma trajetória de vida. Dessa forma, assim como explica Gadotti
(2006, p. 134), toda cidade educa, pois ―[...] a vivência na cidade se constitui num espaço cultural de aprendizagem permanente por si só‖. Por
outro lado, a riqueza profissional e pessoal que as experiências de estudos
no exterior podem exercer nas trajetórias de vidas de estudantes acabam
influenciando as próprias universidades, em um movimento transcultural
que afeta, inclusive, os currículos.
Nesse cenário, essa pesquisa, de abordagem qualitativa, objetiva
analisar um programa de fomento à mobilidade acadêmica internacional
de uma universidade comunitária da região metropolitana de Porto Alegre e seu potencial enquanto estratégia de educação em diferentes espaços. Trata-se de um estudo de caso baseado na observação, com coleta de
dados em documentos institucionais e literatura pertinente à temática.
Para a composição da pesquisa, os pesquisadores seguiram as orientações
de Gil (2008, p. 133), o qual recomenda que a pesquisa qualitativa siga
―uma sequência de atividades, que envolve a redução dos dados, a categorização desses dados, sua interpretação e a redação do relatório‖. Assim, na primeira etapa reunimos todo o material de pesquisa coletado em
livros e artigos científicos, documentos legais e institucionais. Num se-
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gundo momento, esse material foi categorizado, quando partimos para a
sua interpretação. Assim, analisando-o à luz da teoria, foram surgindo as
inferências que originaram à última fase, que foi a redação do artigo,
trabalho que ocorreu de forma coletiva, uma vez que utilizamos o recurso
Google Documentos, compartilhado entre todos.
2. A mobilidade acadêmica, o espaço educativo, a transculturalidade e a internacionalização do currículo
A análise do edital do programa de incentivo à mobilidade acadêmica internacional da universidade em estudo demonstrou que a instituição apoia os estudantes na realização de intercâmbio por seis meses,
com a isenção do pagamento de mensalidades por esse período. A universidade possui convênio com outras Instituições de Ensino Superior
(IES) em 49 países, o que facilita aos acadêmicos escolherem o local de
destino para a mobilidade. Até o início do mês de setembro de 2019, mais
de 150 estudantes da IES em estudo já haviam participado do programa
de mobilidade acadêmica. É possível perceber que as experiências transculturais se tornam significativas para os estudantes e inclusive para a
Instituição, pois esta promove rodas de conversa com os estudantes que
estiveram no exterior. Outro fator percebido é que a maioria dos acadêmicos que tiveram uma experiência internacional acabam trazendo um
dos aspectos dessa vivência ao seu Trabalho de Conclusão de Curso.
O Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da universidade em estudo traz uma política internacionalização que se consolida em
três eixos, sendo eles: 1) formação acadêmica, programas de intercâmbio
e mobilidade docente e discente; 2) acordos e convênios de cooperação
internacional; 3) gestão e cultura da internacionalização. Com relação ao
primeiro eixo, a IES assume o compromisso de estimular o intercâmbio
nacional e internacional, promovendo a troca de experiências e a vivência de outras realidades. Neste eixo também existe alusão à internacionalização do currículo, à captação de recursos de agências de fomento internas e externas, bem como o acolhimento aos visitantes de outros países
e/ou outras instituições. O segundo eixo traz uma preocupação com o
trabalho em rede junto a outras instituições nacionais e estrangeiras, bem
como o incentivo às pesquisas conjuntas. O terceiro eixo, por sua vez,
está voltado ao planejamento, execução, acompanhamento e avaliação
das ações de internacionalização, de forma a monitorar e acompanhar
tanto os estudantes visitantes, como também os acadêmicos em mobili-
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dade. Mais que isso, percebe-se que a IES busca o estabelecimento de
uma cultura de internacionalização, a qual engloba o conhecimento e
acolhimento de diferentes culturas, bem como distintas formas de educar
para uma compreensão global.
A referida política flexibiliza a internacionalização do currículo,
bem como a busca de práticas didático-pedagógicas que incentivem a
transculturalidade, a aceitação do diferente e a ampliação da visão de
mundo dos acadêmicos (STALLIVIERI, 2018; STALLIVIERI, 2017).
Como explica Miranda (2014, p. 2), quando o incentivo parte da própria
universidade, o acadêmico tende a sentir-se mais encorajado às experiências internacionais, o que também ―contribui para a qualidade e relevância para a educação superior em um mundo mais interconectado e interdependente‖.
Por outro lado, nem sempre a internacionalização precisa ocorrer com a presença física em outro país. Como pondera Knight (1993, p.
117), ―[...] a internacionalização da educação superior é um processo que
integra a dimensão internacional e intercultural no ensino na pesquisa e
na extensão‖4. Isso significa que, mais do que enviar acadêmicos ao exterior, trata-se de buscar a compreensão de que aprendemos com as diferentes culturas, com diferentes espaços e com diferentes pessoas. De acordo
com Stallivieri (2018, p. 178), o maior desafio ―ainda está no espaço da
sala de aula: compreender que somos eternos aprendizes, que os estudantes, trazendo suas infinitas bagagens culturais nos ensinam os verdadeiros
valores da cidadania global, da inclusão e da equidade social‖.
Assim, apesar de a internacionalização ocorrer além-fronteiras, é
possível usar recursos como a tecnologia para que essas fronteiras sejam
transpostas e dessa forma se consiga oferecer experiências internacionais
também àqueles que não possuem recursos econômicos para o deslocamento. É o que autores como Miranda e Fossatti (2018) denominam de
internacionaliation at home. Ou seja, recursos digitais são utilizados para
que os estudantes tenham experiências internacionais, como aulas compartilhadas com grupos e/ou professores de outros países, viagens virtuais a museus, lugares históricos, etc.
De acordo com Miranda (2014), o processo de internacionalização precisa ser contínuo, adotando um ciclo que o autor define por meio
dos seguintes passos: conscientização, compromisso institucional, opera-
4
Tradução livre dos autores.
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cionalização, planificação, revisão das ações e reforço dos incentivos,
como apresenta a figura 1, que segue.
Figura 01: Ciclo da internacionalização
Necessidade de
repetir
constantemente.
Para que a
internacionaliza
cão seja eficaz
as acões não
podem parar.
Adota modelo de
ciclo da
Internacionalizacã
o.
Fonte: Os autores, a partir de Miranda (2014).
Entretanto, de acordo com Miranda e Stallivieri (2017), nem todas as universidades se encontram em pleno processo de internacionalização. Neste sentido, os autores desenvolveram estágios do processo de
internacionalização, como apresenta o quadro 01, na sequência.
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Quadro 01: Estágios do Processo de Internacionalização
- Existem alguns movimentos esporádicos;
Estágio 0 – Interna- Internacionalização tem uma conotação exótica;
cionalização é uma
- Alguns atores da instituição viajam para participar de conferências;atividade isolada
Existe ensino de idioma estrangeiro
- Consentimento das necessidades da internacionalização;
Estágio 1 – Mobili- - Compromissos de planejamento e implementação de programas
diferenciais para reforçar a mobilidade dos estudantes;
dade estudantil
- Internacionalização é tida como um fim em si mesma.
- Internacionalização ganha estrutura e estratégia;
Estágio 2 – Institu- - Parcerias e alianças estratégicas;
cionalização
da - A qualidade da internacionalização ganha mais atenção;
internacionalização - Perfil multicultural;
- Nomeação de um gestor de relações internacionais.
- Consentimento dos professores e gestores para internacionalizar a
Estágio 3 – interna- matriz curricular e as pesquisas;
cionalização
da - Organização da mobilidade dos professores;
matriz curricular e - Internacionalização significa aperfeiçoar a qualidade do ensino;
- Diferentes maneiras de internacionalizar a matriz curricular;
das pesquisas
- Coordenadores de pesquisas internacionais.
- Exportação de serviços educacionais;
Estágio 4 – comerci- - Franquias de serviços educacionais;
alização da interna- - Empreendimentos conjuntos;
- Aliança estratégicas;
cionalização
- Criação de um órgão paa promover a internacionalização (comercial);
Fonte: os autores, baseados em Miranda e Stallivieri (217)
Reconhecendo a importância da cooperação internacional no
contexto educacional, econômico, social e político do século XXI, a universidade objeto deste estudo elege a internacionalização como uma das
áreas de enfoque de seu planejamento estratégico. Dessa forma, percebemos que, neste momento, encontra-se entre os estágios 2 e 3 em seu
processo de internacionalização. Pois esta é vista como forma de desenvolvimento de novas competências, habilidades, atitudes e conhecimento
para estudantes, docentes e discentes. O foco dessas ações é a dimensão
humana e profissional, condizente com a missão dessa IES.
Neste cenário, Miranda e Fossatti (2018) compreendem a cooperação internacional, fundamentada na solidariedade e na igualdade, como um instrumento de superação de assimetrias entre povos, sistemas e
instituições, bem como de construção de uma sociedade melhor e mais
justa, sendo fundamental para a consolidação e a expansão da universidade e para o desenvolvimento sustentável do país no cenário global.
Segundo os autores, o objetivo do encaminhamento desse processo na
instituição é propiciar atividades inovadoras, tanto acadêmicas quanto
extracurriculares, a pesquisa, a formação de mestres e doutores com experiências internacionais, a mobilidade de acadêmicos, docentes e cola-
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boradores, os estudos de área, a assistência técnica, o treinamento intercultural e a pesquisa internacional conjunta.
Diante deste contexto, muitos desafios são esperados na universidade em estudo, principalmente ante a importância da gestão estratégica da internacionalização na educação no Brasil, que se tornou um foco
importante de atenção internacional, nacional e institucional. Ela exige
também a capacitação de gestores aptos a conduzir o processo de internacionalização diante na necessidade de se pensarmos interesses do Brasil nesse processo. A internacionalização visa melhorar os processos e
atividades acadêmicas e extracurriculares resultando em inovação, mobilidade acadêmica de estudantes, de professores e colaboradores, estudos
de área, assistência técnica, treinamento intercultural e pesquisa internacional conjunta. Para tanto, Stallivieri (2018, p. 167) compreende que o
professor é uma peça chave enquanto ―[...] facilitador do processo de
internacionalização curricular e promotor de atividades que podem auxiliar o desenvolvimento de competências interculturais nos estudantes‖. A
autora explica ainda que, como competência intercultural compreende-se
―[...] um conjunto de aspectos cognitivos, afetivos, comportamentais e
habilidades e características que suportam a interação eficaz e adequada
em uma variedade de contextos culturais‖ (STALLIVIERI, 2018, p. 167).
Desse modo, trata-se, antes de mais nada, de aceitar a diversidade que se
apresenta na aldeia global.
A partir da perspectiva descrita, pode-se pensar em cidades educadoras, países que educam e culturas que educam. Como explicam Gadotti, Padilha e Cabezudo (2004, p. 86): ―aprendemos a olhar, a ver desde outro lugar, de outra maneira; dizemos também que temos que aprender a ouvir, a escutar com o coração para saber quem somos e para onde
vamos‖. A partir dessa perspectiva, podemos perceber a mobilidade acadêmica enquanto uma oportunidade preciosa de aprendizagem e de
compreensão das distintas culturas.
3.
Considerações finais
A mobilidade acadêmica na educação superior tem por objetivo
auxiliar no desenvolvimento do estudante global. Os educadores necessitam estimular os estudantes a terem experiências multiculturais. O aluno
global precisa ser habilitado a ver-se a si a partir do outro. Entretanto,
nem todas as IES brasileiras oferecem programas de mobilidade acadêmica internacional. Nesse sentido, é importante que sejam desenvolvidos
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programas de gestão pedagógica para a internacionalização da educação
superior de forma a permitir que os estudantes tenham uma formação
abrangente sobre o mundo e sejam preparados para essas novas experiências.
A dificuldade da consolidação dos programas de mobilidade
acadêmica no país se deve em grande parte a não haver uma política
pública para a internacionalização da educação superior que defina, de
forma equânime, parâmetros para todas as IES brasileiras, sejam públicas, comunitárias ou privadas, com relação ao que se quer para a formação do estudante brasileiro para o mundo globalizado. Esta determinação
precisa levar em conta que grande parte dos estudantes brasileiros que se
encontra na educação superior dificilmente terá condições de ter uma
experiência internacional fora do país. É ainda uma elite que tem acesso
a este tipo de experiência. Neste sentido, mais do que nunca, o Brasil
precisa incentivar a gestão pedagógica para o desenvolvimento do estudante global por meio da aplicação das técnicas correspondentes à Internacionalização em Casa.
Por meio do presente estudo, foi possível perceber que a universidade em estudo tem se estruturado fortemente em torno de um programa
de fomento à mobilidade acadêmica internacional, o qual está disposto
nos documentos institucionais, inclusive o seu PDI, em forma de política
de internacionalização. Dessa forma, observamos seu potencial enquanto
estratégia de educação em diferentes espaços. Além disso, a mobilidade
acadêmica oportuniza experiências transculturais aos estudantes e à instituição, colaborando para a flexibilização e internacionalização do currículo. Como continuação da pesquisa, pretendemos buscar mais dados empíricos que possam levar a boas práticas relacionadas à educação em diferentes espaços, numa perspectiva de inovação das práticas educativas.
4.
Referências
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teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Editora Civilização
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internacionalização para o ensino superior no Brasil. Avaliação: Revista
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Educação Superior: desafios para o desenvolvimento do estudante
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Editora Apriss, 2017.
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LA
SALLE
INTRANET - REGIMENTO UNILASALLE - 27 DE AGOSTO DE
2018.pdf>. Acesso em: 2 jan. 2019c.
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CÍRCULOS DE CULTURA E REFERENCIAIS
FREIREANOS EM AÇÕES EDUCATIVAS:
PRODUÇÃO DE CONHECIMENTOS EM
COMUNIDADES PEDAGÓGICAS E
POSSÍVEIS PRÁTICAS TRANSFORMADORAS
Almir Sandro Rodrigues1
Giselle Moura Schnorr2
Joana D‟Arc Vaz3
1.
Introdução
A permanente busca de compreensão e releitura dos caminhos
por onde perpassam os projetos de mundo e as propostas de educação no
Brasil e na América Latina ainda são manifestos por intermédio do grande educador brasileiro Paulo Freire, que nos impeliu na construção de
grupos e ciclos de estudos entre educadores/as, acadêmicas/os dentre
outros sujeitos. Os problemas educacionais de nosso tempo, nas diversas
dimensões de politicidade e educabilidade nos processos histórico, político, econômico, cultural e social, nos âmbitos dos territórios locais e globais, definem os interesses no debate do pensamento de Freire.
Muitos aspectos corroboram nesses trabalhos de pesquisa, no entanto, definimos nesse momento como problema de pesquisa e reflexão:
de que forma os pensamentos de Paulo Freire podem definir e redefinir
1
2
3
Doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Docente da
UNESPAR, campus de União da Vitória/PR, colegiado de Pedagogia. Grupo de
Pesquisa:
NEFEM-UNESPAR
e
NESEF-UFPR.
Contato:
filorodrigues@yahoo.com.br
Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Docente da
UNESPAR, campus de União da Vitória/PR, colegiado de Filosofia; Programa de
Mestrado Profissional em Filosofia (PROF-FILO). Grupo de Pesquisa: NESEFUFPR. Contato: giselleschnorr@gmail.com
Doutorado em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Docente da UNESPAR, campus de União da Vitória/PR, colegiado de Pedagogia.
Grupo
de
Pesquisa:
NEFEM-UNESPAR e
NESEF-UFPR.
Contato:
darcvaz.13@gmail.com
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uma proposta de educação libertadora na atual conjuntura e territorialidade brasileiras? E, como as perspectivas de interculturalidade e descolonialidade representam potenciais ―tessituras‖ com o pensamento freireano na complexa e dinâmica realidade da educação na região do Contestado no Vale do Iguaçu – Paraná? Outras perguntas podem ser elaboradas, porém os objetivos e metodologia dessa pesquisa devem propiciar o
refinamento e construção da problemática em outras questões.
O objetivo geral desse trabalho é analisar os referenciais freireanos das ações da produção do conhecimento e das experiências em comunidades pedagógicas envolvidas na incorporação dos princípios de
educação libertadora e emancipadora na região do Contestado. Para tal,
temos como objetivos específicos: compreender a construção teórica e
histórica do pensamento freireano; discutir a atualidade do pensamento
freireano e suas contribuições junto aos agentes envolvidos nas comunidades pedagógicas; desenvolver dinâmicas de aprendizagens colaborativas na forma de Círculos de Cultura, propiciando aos grupos de estudos
que reelaborem os objetivos iniciais propostos.
A metodologia de pesquisa é de caráter qualitativo, participativo
e dialógico, fundamentada na relação teórico-prática na perspectiva da
práxis, organizada em procedimentos concomitantes e/ou sequenciais
enquanto estratégias de ação, sendo aqui já um processo de reflexão metodológica das bases dos Círculos de Cultura enquanto Círculos Epistemológicos compreendendo:
- Estudo bibliográfico das principais obras de Paulo Freire, traçando seu percurso teórico-prático, influências, conceitos e pressupostos
teóricos; e, estudo analítico e sistematizado acerca políticas educacionais,
a partir da revisão bibliográfica e análise documental, buscando a compreensão de sua historicidade e seus referenciais teóricos;
- Levantamento e mapeamento, na região do Contestado, de experiências pedagógicas, memórias coletivas no sentido de reconhecimento de saberes silenciados, análise de políticas de desenvolvimento regional, com destaque nas comunidades pedagógicas e grupos vinculados às
ações de instituições governamentais e não-governamentais no Vale do
Iguaçu Paranaense. Para tal, o uso de instrumentos da observação participante, escuta dialógica de experiências, estão sendo empreendidos para
conhecer como os sujeitos da comunidade educacional estão participando nos diversos espaços de organização da educação na região, assim
como, identificar os processos de troca de saberes em suas comunidades
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com os atores envolvidos nas ações de educação de caráter emancipador
– espaços estratégicos de vivência ao longo da pesquisa para a reflexão da
interculturalidade (FORNET-BETANCOURT, 2001); descolonialidade
(FANON, 2005); e, das possibilidades de Pedagogias Insubmissas
(MELGAREJO, 2015).
- Organização de Círculos de Cultura, seminários e/ou grupos de
estudos junto as instituições de Ensino Superior: na UNESPAR – campus
de União da Vitória, com destaque no Núcleo de Estudos de Fundamentos da Educação e Métodos (NEFEM) e no Programa de Mestrado Profissional em Filosofia (PROF-FILO); na UFPR, com destaque no Programa de Pós-Graduação em Educação/UFPR, no Núcleo de Estudos e
Pesquisas Sobre o Ensino de Filosofia (NESEF/UFPR). A etapa anterior
começa a não somente proporcionar a aproximação aos coletivos educacionais e representantes das instituições governamentais e nãogovernamentais envolvidos nas ações da educação, mas potencializar a
participação desses sujeitos nos Círculos de Cultura e/ou seminários,
entre outros espaços, exercitando processos formativos e teórico-práticos.
No desenvolvimento do artigo buscaremos explicitar os aspectos
teóricos e práticos em andamento nas pesquisas em questão, indicando as
interfaces entre as categorias analíticas e os aspectos de vivência e observação participante que já permitem movimentos reflexivos e problematizadores no campo da educação.
2.
Desenvolvimento teórico
Consideramos Paulo Freire um clássico porque o seu trabalho
não perdeu vitalidade e atualidade ainda que não devidamente reconhecido. A atualidade do pensamento de Paulo Freire vem sendo demonstrada, também, pela multiplicidade de trabalhos teórico-práticos que se
desenvolvem em diferentes áreas do conhecimento, ao redor do mundo.
Conforme análise de Ana Maria Saul e Antônio Gouvêa da Silva (2014):
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[...] a obra de Paulo Freire, incluindo mais de vinte livros dos quais ele
é o único autor, vem sendo reeditada em vários países do mundo. A
Pedagogia da Autonomia, seu último livro publicado enquanto vivia,
já ultrapassou a marca de um milhão de exemplares. Tal projeção confere ao conjunto de suas produções o caráter de uma obra universal
que se destaca na literatura educacional, nos depoimentos de importantes autores, em diferentes países, no reconhecimento de seu trabalho por importantes Universidades do mundo. [...] O levantamento realizado por integrantes da Cátedra Paulo Freire da PUC/SP, no Banco
de Teses da CAPES com o descritor Paulo Freire, no período 1987 a
2010, registrou um total de 1441 trabalhos (1153 Dissertações e 288
Teses) que fazem referência ao pensamento de Paulo Freire.
No contexto em que vivemos, de ameaça real ao processo de redemocratização da sociedade brasileira iniciado na década de oitenta,
reler, revisar criticamente e vivenciar práticas educativas inspiradas em
Freire torna-se urgente representando reafirmar a defesa da educação
como prática de liberdade. Neste sentido, ao longo dessas pesquisas visamos revisitar obras de Freire tendo como fio condutor realizar uma
história de suas ideias investigando seus percurso teórico-prático, influências, leituras e aprendizagens. Somamos, ainda, ao estudo deste autor um
diálogo com a proposta de Filosofia Intercultural de Raúl FornetBetancourt no sentido de desenvolvermos uma análise teórico-prática das
contribuições de ambos na educação.
O diálogo entre a pedagogia libertadora de Freire e a proposta de
transformação intercultural da filosofia de Fornet-Betancourt visa não só
um estudo comparativo, mas fundamentalmente estabelecer convergências que possam contribuir para reinventar Freire na construção de ―inéditos viáveis‖ e contribuir para o vigor educativo da filosofia intercultural. Este exercício teórico, também, dialoga indiretamente com autores e
autoras que vem produzindo estudos acerca da colonialidade/modernidade no campo da educação e outros setores da sociedade.
Em se tratando do Brasil, os projetos e políticas implementadas e
em expansão não derivam somente de imposições unilaterais, mas resultam também de um pacto entre estados e frações do capital, nacional e
internacional. Roberto Leher (2010) aponta que as políticas dos governos
possuem identidade própria. Os organismos multilaterais ou as relações
intergovernamentais não tomam medidas impositivas aos governos. As
agendas dos organismos, intelectuais coletivos do capital, são disseminadas massivamente pela própria burguesia local, nesse caso, recontextualizadas de acordo com as dimensões históricas, políticas, econômicas e
culturais locais.
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Nessas perspectivas buscamos compreender o processo das políticas educacionais, em especial a formação de professores, o qual está
presente um campo de disputas, uma vez que as políticas educacionais
são pensadas e impostas às Instituições formadoras, considerando as
demandas e projetos das organizações e organismos internacionais.
Dourado (2015, p. 304) ressalta que ―[...] a formação de profissionais do magistério da educação básica tem se constituído em campo de
disputas de concepções, dinâmicas, políticas, currículos‖. Tal premissa é
latente em um momento em que a conjuntura social passa por rupturas,
em especial, ao que se refere a políticas educacionais e de formação de
professores.
Cabe a reflexão de Freire quando destaca que o modelo em que
as escolas trabalham com o currículo centrado em disciplinas acadêmicas
pressupondo a separação dos sujeitos de seus objetos de estudo, gerando
uma prática na qual os conteúdos trabalhados se apresentam descontextualizados e, por vezes, alienantes, dissociando o processo de construção
do conhecimento da aprendizagem e dos contextos em que são produzidos:
Conhecer, na dimensão humana, [...] não é o ato através do qual um
sujeito, transformado em objeto, recebe, dócil e passivamente, os conteúdos que outro lhe dá ou impõe. [...] O conhecimento, pelo contrário, exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer
sua ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante. Implica em invenção e em reinvenção. Reclama a reflexão crítica de cada um sobre o ato mesmo de conhecer, pelo qual se reconhece
conhecendo e, ao reconhecer-se assim, percebe o ‗como‘ de seu conhecer e os condicionamentos a que está submetido seu ato. [...] Conhecer
é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito, e somente enquanto sujeito, que o homem pode realmente conhecer (FREIRE,
1992, p. 27).
Essa prática se funda na ética educacional da modernidadeeurocêntrica, balizadora da pedagogia que concebe o ―não-europeu‖
como o ―não-ser‖, ou, em outras palavras, um ―não eu‖ que necessita de
―adestramento‖ pedagógico, visando à formação de um adulto adaptado
à sociedade.
O passado colonial da América Latina gesta uma conformação
peculiar às experiências de pensamento e isso ainda tem sido timidamente estudado. Em nosso continente a atividade intelectual ocorre fundamentalmente nas instituições universitárias, com raízes no modelo institucional europeu, ou seja, sob as bases do colonialismo europeu. Colonialismo com marcas econômicas, políticas e culturais, que por sua vez,
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marca nossa tradição intelectual. Portanto, o que é ensinado em nossas
universidades está ancorado, quase sempre, em pressupostos epistemológicos, éticos e políticos europeus e mais recentemente estadunidense
(QUIJANO, 2000).
Há uma institucionalidade acerca do modo como se concebe e se
produz conhecimento no Brasil e demais países de nosso continente, qual
seja, a condição de colonizados marcada pela dominação/opressão colonial perpetuando a geopolítica do saber, aliada a geopolítica do poder.
Estas considerações são pertinentes no contexto de desenvolvimento de
nossas pesquisas, visto que suas temáticas tratam de autores e autoras
ainda pouco estudados academicamente no Brasil.
Na busca de contribuirmos para o estudo crítico e na reinvenção
de seu legado estas pesquisas propõem revisitar obras de Freire realizando uma história crítica de suas ideias, traçando convergências entre a
Filosofia Intercultural (Fornet-Betancourt, 2001) e pedagogias descoloniais (Walsch), no sentido de trazer para o trabalho referências do autor
que fazem a crítica a concepções e práticas educativas desumanizadoras,
bem como argumentos éticos e epistemológicos que anunciem princípios
para decisões e práticas que se situam no quadro da educação crítica.
A educação crítica também pode ser explicada pelas chamadas
―pedagogias insubmissas‖, enquanto se colocam como outras possíveis
pedagogias. Na obra ―Pedagogías insumisas: movimientos políticopedagógicos y memorias colectivas de educaciones otras en América
Latina‖, Marcela Gómez Sollano (in: (MELGAREJO, 2015, p. 15) explica no Prólogo que:
[...] las pedagogías insumisas que nutren las páginas de este texto,
constituyen referentes obligados en la reconstrucción genealógica del
presente al mostrar no sólo lo que sus participantes – migrantes, mujeres, docentes, indígenas, trabajadores del campo, afrodescendientes,
comunidades y movimientos sociales – han desplegado para atender
necesidades específicas y crear las condiciones para que esa otra educación sea posible, sino además porque son productoras de sujetos y
propuestas que colocan en la agenda pública cuestiones que, a pesar de
ser parte de la vida de los pueblos, fueron olvidadas, soterradas o negadas en nombre de la regulación hegemónica del Estado, la sociedad
y las instituciones. Son, asimismo apuestas político-pedagógicas que
muestran el potencial heurístico e histórico que todo proceso de formación implica cuando dota de sentido y significación a la experiencia y
abre la posibilidad para generar saberes que pueden ser la base para la
construcción de otras miradas, otros lenguajes, otras lógicas de pensamiento, otras escrituras, en síntesis, otras formas de construir nuestro
lazo con la vida, con la sociedad y con la naturaliza.
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Outras leituras, outras linguagens e/ou possibilidades de pedagogias que objetivam transformadoras, dentre essas Freire nos desafia a
reflexão e práticas político-pedagógicas que se contrapõem às práticas
educativas colocadas como hegemônicas.
Um dos principais objetos de estudo nesse trabalho é justamente
compreender os Círculos de Cultura, enquanto uma proposta elaborada por
Paulo Freire, que visa a promoção de práticas formativas que tem como
princípios pedagógicos: dialogicidade, construção coletiva e participativa.
Exercitando essa proposta já foram organizados alguns grupos, nos quais
são realizados encontros mensais com os participantes, com a leitura
prévia de um texto ou de uma obra; exercícios de investigação e compartilhamentos acerca de práticas em que estão inseridos/as, de forma que
seus integrantes participam como sujeitos da construção de reflexões e
proposições possíveis para reinvenção das práticas educativas.
No sentido de enriquecer a construção proposta consideramos relevante primeiramente a realização do que estamos denominando história
das ideias de Paulo Freire buscando elucidar alguns de seus interlocutores, influências e revisões críticas. Considerando a profundidade do pensamento deste autor destacamos que sabemos que este não se esgota nos
diálogos com os autores, por isso pretendemos destacar em seus escritos
suas autocríticas e revisões.
Esta observação faz-se importante porque uma fonte importante
de seu pensamento sempre foi a prática, neste sentido propomos partir de
Freire para ler Freire, ou seja, considerar a historicidade de seu pensamento. Este aspecto pode ser ilustrado a partir da leitura do texto ―A
importância do ato de ler‖ (FREIRE, 1982), onde coloca alguns parâmetros que podem ser uteis para lermos sua obra, questões sobre linguagem,
decodificação e contexto. Tal como já enfatizava em outros escritos sua
luta é contra uma leitura mecânica, que não permita construir a transitividade entre a consciência e o mundo, entre a palavra e o contexto.
Assim, seus escritos também deveriam ser vistos como expressões de sua história e jamais como dogmas que precisariam ser aplicados.
Essas perspectivas se tornam um paradigma similar nos projetos de pesquisa dos autores desse trabalho, conforme pode-se perceber nos elementos centrais explícitos no quadro 1, organizado a seguir; contudo, importante ressaltar as interfaces das ações de ensino-pesquisa-extensão que
devem se manifestar na formação dos profissionais da educação e nos
projetos de pesquisa:
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Quadro 1: Resumo dos Projetos de Pesquisa dos autores do trabalho.
Autoria do
Projeto
Título
Projeto
do
Objetivos
(destaque de
alguns objetivos de cada
projeto)
Almir Sandro Rodrigues
A troca de saberes e
produção de conhecimentos com agricultores
ecológicos: comunidades
de agricultores familiares
e os referenciais freireanos das ações de educação do campo na região
do Contestado.
- Analisar os referenciais
freireanos das ações
sociopedagógicas
nas
trocas de saberes e
produção de conhecimentos em comunidades
tradicionais e de agricultores familiares envolvidas na incorporação dos
princípios agroecológicos na região do Contestado;
- Elaborar um levantamento e mapeamento
dos programas e projetos
de educação do campo,
tanto
institucionais
quanto das organizações
e movimentos sociais na
região, no âmbito da
agroecologia;
- Discutir a atualidade
do pensamento freireano
e suas contribuições
junto aos agentes envolvidos nas comunidades
de agricultura familiar e
nos espaços de educação
do campo.
Joana D‘Arc Vaz
Giselle Moura Schnorr
Revisitando conceitos e
concepções de políticas
educacionais e as dimensões
da Pobreza no Brasil:
diálogos formativos com
professores
de
escolas
públicas do município de
União da Vitória e região.
Tecendo Convergências
na Construção de Inéditos Viáveis: Paulo Freire,
Interculturalidade
e
Descolonização.
- Analisar a função da
Educação no contexto de
aprofundamento das tensões
entre as classes sociais no
Brasil entre 2016-2020;
- Entender o papel dos
Organismos Internacionais,
dos setores empresariais e
dos aparelhos privados de
hegemonia na constituição e
formulação das políticas
educacionais;
- Aprofundar os conceitos
de capital-imperialismo, de
sociedade civil, estabelecendo relações com o contexto
mundial;
- Compreender o lugar e a
função do Estado brasileiro
na difusão e implementação
das políticas públicas em
questão e na hegemonia
capitalista no Brasil.
- Discutir com professores e
comunidades escolares nos
círculos de estudos as
temáticas acerca da precarização da formação docente.
- Realizar uma história
das ideias de Paulo
Freire,
estabelecer
convergências entre seu
pensamento e a proposta
de transformação intercultural da filosofia de
Raúl Fornet-Betancourt
num diálogo com a
proposta de pedagogia
descoloniais de Catherine Walsh;
- Situar na trajetória
intelectual de Paulo
Freire influências teórico-práticas pouco exploradas e concepções que
permeiam sua proposta
educativa;
- Estabelecer relações
entre a pedagogia liberadora de Paulo Freire e a
proposta de interculturalidade de Raúl FornetBetancourt;
- Analisar as contribuições desses autores para
a proposta de pedagogias
descoloniais.
Fonte: Elaborado pelo autor e pelas autoras
Em nossas pesquisas definimos o território do Contestado enquanto campo prioritário de análise no Estado do Paraná, pois se apresenta nessa região uma grande diversidade de experiências pedagógicas
desde as escolas na rede pública nos centros urbanos até as vivências de
práticas educacionais em comunidades tradicionais no e do campo, nas
quais são necessários procedimentos de mapeamento e caracterização das
experiências pedagógicas e de gestão das políticas educacionais, no entanto, sem restringir essa região para o reconhecimento e trocas de experiências.
A análise de políticas de desenvolvimento regional, com destaque nas comunidades pedagógicas nos municípios da região, em conjunto com as ações de instituições governamentais e não-governamentais no
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Vale do Iguaçu Paranaense, dentre experiências em outras regiões que
explicitem alternatividades e ―inéditos viáveis‖ de pedagogias ―insubmissas‖ – outras perspectivas de educação de resistência e luta pela hegemonia no campo da educação e na sociedade como um todo.
Dessa forma, algumas experiências de organização e estudos estão em andamento, as quais explicitamos algumas no quadro 2, exposto a
seguir:
Quadro 2: Indicação de ações em andamento a partir das
práticas dos Círculos de Cultura
Ações em
andamento
Ciclo de Estudos
―Paulo
Freire:
interculturalidade
e
pedagogias
descoloniais‖
Círculo de Cultura
no município de
General Carneiro/PR
Grupo de Estudos: ―Pedagogias
Insubmissas:
interculturalidade,
gênero, raça e
pobreza‖
Círculos
de
Cultura:
―Leia
Mulheres‖
União da Vitória/PR
e Curitiba/PR
Ciclo de Estudos:
Escola Municipal
Dário Bordin –
em União da
Vitória/PR
Caracterização – territórios, temáticas e composição
Local de reunião no campus do Setor de Educação da UFPR, em Curitiba/PR, com
destaque nas temáticas no pensamento freireano e as interfaces com a interculturalidade e pedagogias descoloniais. Organiza-se nos espaços do NESEF-UFPR e do Grupo
de Pesquisa de Filosofias Outras (G-Filo) – vinculado ao NESEF.
Grupo composto por educadores da UFPR e outras instituições de Ensino Superior e
da Educação Básica; acadêmicos dos diversos níveis – doutorado, mestrado, graduações e ensino médio; profissionais de outras áreas afins a educação. Esta ação está
vinculada ao estágio de pós-doutorado em educação de uma das autoras deste trabalho.
Local de reunião na Escola Estadual Izelina Daldin Gaiovicz, em General Carneiro/PR, com destaque nas temáticas de educação, raça e pobreza; e, no momento
reconstruindo as identidades territoriais e étnico-raciais, para a definição e desdobramento dos temas geradores de estudo e ações do grupo.
Grupo composto por professores da rede estadual e municipal em General Carneiro,
equipe pedagógica, acadêmicas e acadêmicos de licenciaturas de Pedagogia e Filosofia
da Unespar, dentre outros membros da comunidade educacional.
Local de reunião na UNESPAR – campus de União da Vitória/PR, com destaque nas
temáticas de Pedagogias Insubmissas: interculturalidade, gênero, raça e pobreza.
Grupo organizado a partir dos Projetos de Pesquisa das Profas. Giselle Moura Schnorr
e Joana D‘Arc Vaz e do Prof. Almir Sandro Rodrigues. Organiza-se através do
NERA/CEDH, Núcleo de Educação e Relações Etnico-raciais do Centro de Educação e Direitos Humanos sob coordenação do Prof. Caio Ricardo Bona Moreira. Apoio
dos Colegiados de Filosofia, Pedagogia e do Programa de Mestrado Profissional em
Filosofia - PROF-FILO, Núcleo UNESPAR.
Grupo composto por professores da UNESPAR do campus de União da Vitória
(diversos colegiados); acadêmicos das licenciaturas e do programa de Mestrado
PROF-FILO.
Local da reunião na UNESPAR – campus de União da Vitória/PR. Objetivo de dar
visibilidade aos escritos de mulheres de distintos períodos históricos, de diferentes
culturas e de distintas áreas de conhecimento. O Círculo é uma das ações coordenadas
pelo projeto de extensão ―TEAR: Tecendo Estudos e Ações em Rede pela Vida das
Mulheres‖, 2017-2018. O grupo na UNESPAR continua suas reuniões em 2019, mas
agora vinculado ao NESEF-UFPR.
E, Círculo de Cultura ―Leia Mulheres‖ que se reúne na UFPR (Curitiba/PR), em
2019. Organiza-se nos espaços do NESEF-UFPR. Esta ação está vinculada ao estágio
de pós-doutorado em educação de uma das autoras deste trabalho.
Local da reunião na Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental I
Dario Bordin, da rede municipal de União da Vitória/PR, no bairro São Cristóvão.
Grupo Composto pelos proponentes desse artigo e os profissionais da Escola Dario
Bordin – educadoras e educadores, coordenação pedagógica e direção.
Fonte: Elaborado pelo autor e pelas autoras
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As experiências que estão sendo vivenciadas nesses grupos descritos no quadro 2, além de outros espaços de vivência de cada integrante
dos grupos, possibilitaram e possibilitam verificar e rever as próprias práticas no campo educacional em suas diversas dimensões. Para tal, importante destacar que não existem receitas e nem protocolos pré-definidos, e
sim que essas vivências devem permitir seu poder de dinamicidade e
dialogicidade com os diversos sujeitos envolvidos nos espaços e tempos
da comunidade educacional.
A partir do vivenciado, de forma breve, explicitamos algumas atividades
construídas em alguns desses grupos de estudos, expostos no quadro 3 (com imagens e textos). Focamos nesse quadro as duas escolas da rede pública (municipal
e estadual) aonde estamos desenvolvendo os círculos de cultura.
Quadro 3: Círculos de Cultura e reflexão das práticas pedagógicas
Escola Municipal Dario Bordin
Escola Estadual Izelina Daldin Gaiovicz
União da Vitória/PR
General Carneiro/PR
A equipe da escola destacou o trabalho com projetos, o que começou a permitir um maior diálogo
entre as crianças, educadores e comunidade –
interfaces entre currículo e os projetos; e surgiu
temas geradores como território e meio ambiente
(dimensão socioambiental), trabalho e os movimentos em rede – interações com a escola, família,
educadores, estudantes, nas dimensões econômicas,
políticas, culturais, da saúde, entre outras.
Mandala e Cartazes elaborados pelo grupo:
545
Destaque nas temáticas de educação, raça e
pobreza; e, no momento reconstruindo as identidades territoriais e étnico-raciais, para a definição
e desdobramento dos temas geradores de estudo e
ações do grupo.
No grupo a presença da equipe multidisciplinar da
Escola Izelina, a qual já organiza junto à comunidade educacional práticas de debate sobre a
inclusão, principalmente em torno das identidades
territoriais.
Mandala elaborada pelo grupo:
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Alguns participantes do grupo. Nessa reunião foi
realizada a reflexão sobre os temas geradores e os
desfios para o trabalho educacional (políticopedagógico) em um bairro não central: seus aspectos
da pobreza se refletem no território.
Alguns participantes do grupo, com a presença
nessa reunião do Seu Domingos – morador
nascido na região e que relata as caminhadas e
experiências em relação ao racismo. Nesse dia
mostrou sua arte com a música
Fonte: Elaborado pelo autor e pelas autoras (textos e fotos)
Algumas considerações são pertinentes no contexto destes projetos de pesquisa visto que suas temáticas tratam de autores e autoras ainda
pouco estudados academicamente no Brasil. A pedagogia libertadora
proposta por Freire denuncia saberes e práticas educativas que emanam
da tradição eurocêntrica e anuncia uma proposta contra hegemônica, na
perspectiva de construção de currículos críticos emancipatórios (SAUL;
SILVA, 2014). No que concerne à educação como processo libertador,
leia-se:
A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar
com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai
ele dinamizando o seu mundo. Vai dominando a realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o fazedor.
Vai temporalizando os espaços geográficos. Faz cultura. E é ainda o
jogo destas relações do homem com o mundo e do homem com os
homens, desafiado e respondendo ao desafio, alterando, criando, que
não permite a imobilidade, a não ser em ternos de relativa preponderância, nem das sociedades nem das culturas. E, na medida em que
cria, recria e decide, vão se conformando as épocas históricas. É também criando, recriando e decidindo que o homem deve participar destas épocas. (FREIRE, 1967, p. 43)
No desenvolvimento da sua teoria da educação, Paulo Freire
conseguiu, de um lado, desmistificar os sonhos do pedagogismo dos anos
60, que, pelo menos na América Latina, sustentava a tese de que a escola
tudo podia, e, de outro lado, conseguiu superar o pessimismo dos anos
70, para o qual a escola era meramente reprodutora do status quo. Fazendo isso - superando o pedagogismo ingênuo e o pessimismo negativista –
conseguiu manter-se fiel à utopia, sonhando sonhos possíveis. Fazer hoje
o possível de hoje para amanhã fazer o impossível de hoje (GADOTTI,
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1997). A ampla obra de Freire precisa não apenas ser lida dentro do contexto no qual ele a escreveu, mas no contexto mais amplo de toda a sua
obra considerando seus interlocutores, influências, críticas e autocríticas.
Apropriar-se acrítica e sectariamente de qualquer parte de sua obra é
desfigurar Freire. Apesar da grandeza do seu legado, não devemos mitificá-lo ou a sua obra, mas seguir o seu exemplo, reinventá-lo como ele
sugeria.
3.
Considerações Finais
Para atualizar o pensamento de Paulo Freire, faz-se necessário
despir de preconceitos e equívocos construídos ao longo da história, sobretudo o reducionismo de sua teoria a um simples método de ensino.
Para tal, importante ressaltar que a organização e desenvolvimento de
Círculos de Cultura está relacionado a proposta de Paulo Freire e visa a
promoção de práticas formativas situadas que vivenciem seus princípios
de construção coletiva, dialógica e participativa; práticas aonde seu maior
objetivo foi e é munir os trabalhadores e oprimidos de conhecimentos que
proporcione a libertação das classes trabalhadoras de seus opressores.
A cada encontro dos Grupos de Estudos / Círculos de Cultura é
proposta uma avaliação dialógica entre todos os envolvidos com a pesquisa, sempre na busca de construir os parâmetros de autoanálise das
nossas práticas. Essas ações de autorreflexão proporcionam criar e recriar
não somente as leituras sobre o pensamento freireano, mas sobretudo,
permitem as novas ―tessituras‖ sobre alternatividades de educação, ou
seja, produção de conhecimentos em comunidades pedagógicas e possíveis práticas transformadoras – pedagogias insubmissas dialética e dialogicamente embebidas da interculturalidade e descolonialidade.
4.
Referências
DOURADO, Luiz Fernandes. Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação
inicial e continuada dos profissionais do magistério da educação básica:
concepções e desafios. In: Educação & Sociedade, Campinas, v. 36, nº. 131, p.
299-324, abr.-jun., 2015.
FANON, Frantz. Os condenados da terra. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2005.
FORNET-BETANCOURT, Raúl. Transformación intercultural de la filosofia
latino-americana: ejercicios teóricos y práticos de la filosofía intercultural en el
contexto de la globalización. Desclée de Brouwer, 2001.
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FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e Terra,
1967.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.
São Paulo: Autores Associados, 1982.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 10ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1992.
GADOTTI, Moacir. Lições de Freire. Rev. Fac. Educ. vol. 23 n. 1-2 São Paulo
Jan./Dec. 1997.
LEHER, Roberto. Os anos Lula: contribuições para um balanço crítico 20032010. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.
MELGAREJO, Patrícia Medina (coord.). Pedagogías insumisas: movimentos
político-pedagógicos y memorias colectivas de educaciones otras en América
Latina. México: Universidad de Ciencias y Artes de Chiapas-Centro de Estudios
Superiores de México y Centroamérica: Educación para las Ciencias en Chiapas:
Juan Pablos Editor, 2015.
QUIJANO, A. Colonialidad del poder, eurocentrismo y America Latina. In:
LANDER, E. (Coord.). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias
sociales. Buenos Aires: CLACSO, 2000, p. 201-246.
SAUL, Ana Maria; SILVA, Antonio G. da. A Matriz de Pensamento de Paulo Freire:
Um Crivo de Denúncia-Anúncio de Concepções e Práticas Curriculares. Revista
e-Curriculum, São Paulo, v. 12, n. 03 p. 2064 - 2080 out./dez. 2014.
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CONTRIBUIÇÕES DA
INTERDISCIPLINARIDADE NA FORMAÇÃO
DE PROFESSORES/AS:
DIÁLOGOS ENTRE A GEOGRAFIA E
HISTÓRIA, COM ÊNFASE NA GEOGRAFIA
DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DO BRASIL.
Carina Inserra Bernini1
Maria Helena Tomaz2
Janine Soares da Rosa de Moraes3
1
Introdução
A partir dos estudos desenvolvidos na disciplina de Geografia
dos Movimentos Sociais em 2018.2, na qual participaram alunos/as das
graduações em geografia e história, do Centro de Ciências da Educação –
FAED, da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, na qual
realizou-se a pesquisa de campo nas comunidades tradicionais da Terra
Indígena Morro dos Cavalos em Palhoça/SC, na Tekoá Yakã Porã, e no
Quilombo Morro do Fortunato em Garopaba/SC, nos perguntamos
quais as contribuições da interdisciplinaridade entre as duas graduações
citadas acima, para a formação de professores/as?
Entendemos ser importante para o/a professor/a compreender a
história desta população, analisando os relatos orais, fontes, autores,
conquistas e dificuldades vividas em sua luta por permanência em seus
1
2
3
Doutora em Geografia Humana. Professora Colaboradora do Departamento de
Geografia FAED/UDESC. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros
NEAB/UDESC. Contato: cibernini@gmail.com
Mestre em Educação FAED/UDESC, Doutoranda na Universidade do Minho
UMinho/Portugal. Técnica em Educação no Centro de Educação a
Distância/CEAD/UDESC e pesquisadora associada do Núcleo de Estudos AfroBrasileiros NEAB/UDESC. helenadpad@gmail.com
Graduada. Graduanda em Licenciatura em História FAED/UDESC. Bolsista de
Extensão do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros NEAB/UDESC. Pesquisa
Educação
e
Relações
Étnico-Raciais
e
Ações
Afirmativas.
neabjaninesoares@gmail.com
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territórios. Ações como estas se somam a luta antirracista e incitam possibilidades de diálogo entre docentes e discentes, com vistas a uma sociedade mais democrática e igualitária, apontando para a ruptura da reprodução da invisibilidade imposta aos grupos historicamente subalternizados, como os indígenas da TI Morro dos Cavalos e do Quilombo Morro
do Fortunato.
Este trabalho insere-se no campo de pesquisa mais amplo do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros – NEAB da UDESC, desenvolvidos pela
equipe de bolsistas e professores do Projeto Observatório de Educação e
Relações
Étnico-Raciais
em
Santa
Catarina
–
OBERER/NEAB/UDESC, que tem por objetivo prestar assessoria aos gestores/as e professores/as de instituições públicas e privadas da área de educação, para o cumprimento das Leis Federais Nº 10.639/03 e Nº
11.645/08 e valorização da cultura Africana, Afro-brasileira e Indígena.
O objetivo geral do artigo é apresentar as contribuições de ações
curriculares interdisciplinares para a formação do/a professor/a. Os objetivos específicos são as contribuições em si: conhecer a história e a realidade das comunidades visitadas; compreender a diversidade geográfica
destas localidades, e sua interação entre processos em diferentes escalas;
desenvolver um olhar sensível e habilidades de observação, identificar e
problematizar o preconceito e racismo.
Na conclusão deste trabalho descrevemos as contribuições desta
experiência, que poderá ser pensada como um recurso em sala de aula ou
formação dos/as professores/as. Dessa forma, contribuindo para o combate ao preconceito, racismo e criminalização dos movimentos sociais,
bem como ao cumprimento das leis supracitadas.
2.
Desenvolvimento teórico
Compreender as desigualdades que vivemos na América Latina e
como estas desigualdades nos atravessam de diferentes formas é fundamental para a constituição da práxis do/a professor/a. Na realidade brasileira temos muitos desafios a enfrentar no cotidiano da escola e os/as
profissionais da educação têm um papel fundamental nesse enfrentamento. É pensando nas limitações e potencialidades desta experiência educativa para docentes e discentes que a formação de professores torna-se um
momento importante para ampliar nossa ação cidadã e possibilitar alterações nesta realidade. Nesse processo de formação é imprescindível realizar reflexões acerca do currículo que é engendrado nas regulações exis-
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tentes do conhecimento acadêmico e escolar, porém com possibilidades
de promover mudanças nos territórios e narrativas curriculares nas tensas
e ricas disputas estabelecidas no campo das reconfigurações da cultura e
das identidades dos sujeitos envolvidos, produzidas pela diversidade de
movimentos e ações coletivas.
Por esse viés, a formação de professores não pode estar direcionada para privilegiar a homogeneização por meio da uniformidade dos
currículos, conteúdos e conceitos científicos. Essas questões implicam em
desvelar o conservadorismo existente em relação à democratização do
conhecimento, nos materiais didáticos com abordagens hegemônicas, na
racionalidade técnica que impõe uma abordagem única de conteúdos
sequenciados e que compõem a rigidez do ordenamento curricular. Para
uma mudança, várias são as estratégias de trabalho e de formação, que
subsidiadas por uma visão de currículo como projeto em movimento,
considera as singularidades dos sujeitos e dos diferentes grupos que compõem o tecido social e retoma a discussão referente à abordagem de conceitos, organização de conhecimentos, ressignificação de disciplinas,
tempos, espaços, ações e procedimentos pedagógicos. Em meio essas
ações, a interdisciplinaridade surge como uma das alternativas concebida
como um elo entre as abordagens das disciplinas nas suas mais variadas
áreas, o diálogo e a interpenetração de outras formas de conhecimento.
Dentro desse contexto, Fazenda (2007, p.33), ao conceituar o termo interdisciplinaridade explicita que:
(...) o ensino interdisciplinar nasce da proposição de novos objetivos,
de novos métodos, de uma nova pedagogia, cuja tônica primeira é a
supressão do monólogo e a instauração de uma prática dialógica. Para
tanto, faz-se necessário a eliminação das barreiras entre as disciplinas e
entre as pessoas que pretendem desenvolvê-las.
Com essa abordagem, o trabalho interdisciplinar contribui para a
apropriação de conhecimentos e produção de saberes (inter)relacionados
que viabilizam outras formas de leitura de contexto da realidade, conforme afirma Fourez (2002, p. 52):
O paradigma da interdisciplinaridade baseia-se no pressuposto de que
certas situações não podem ser dominadas no quadro de um paradigma disciplinar particular e exigem a articulação de diferentes contribuições disciplinares. Este olhar integrador, que liga as disciplinas,
constitui verdadeiramente uma grelha de leitura específica, determinando uma forma de investigar o real e de construir saberes.
É importante pensar as especificidades das disciplinas apresentadas neste trabalho, neste sentido optamos por utilizar a BNCC, para pen-
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sar as orientações curriculares atuais, pois compreendemos a importância, como educadoras, de nos apropriarmos da discussão deste importante e recente documento. Os PCNs não serão utilizados aqui, entretanto
entendemos sua importância para a educação brasileira e como documento histórico. As disciplinas podem ser entendidas como um conjunto
de conhecimentos identificados por um título, com uma organização
própria para o estudo escolar, com finalidades específicas ao conteúdo de
que trata e a formas próprias para sua apresentação(FONSECA, 2006). A
História assim como a Geografia tem uma função social e política, a
primeira disciplina nos dá a possibilidade de olhando para o presente e
buscar as possíveis causas no passado, entendendo as continuidades e
rupturas. A segunda disciplina nos coloca em contato com o espaço de
forma crítica e reflexiva. Na BNCC na etapa do ensino fundamental temos:
Embora o tempo, o espaço e o movimento sejam categorias básicas na
área de Ciências Humanas, não se pode deixar de valorizar também a
crítica sistemática à ação humana, às relações sociais e de poder e, especialmente, à produção de conhecimentos e saberes, frutos de diferentes circunstâncias históricas e espaços geográficos. O ensino de Geografia e História, ao estimular os alunos a desenvolver uma melhor
compreensão do mundo, não só favorece o desenvolvimento autônomo de cada indivíduo, como também os torna aptos a uma intervenção
mais responsável no mundo em que vivem.(BNCC, 2017, p.353)
E na etapa do ensino médio, na área de ciência humanas e sociais aplicadas, o mesmo documento traz as ideias de justiça, solidariedade
e autonomia. Com a compreensão e o reconhecimento das diferenças,
respeito aos direitos humanos, interculturalidade e o combate aos preconceitos de qualquer natureza.(BNCC, 2018)
A partir dessas considerações, dois desafios se colocam: redimensionar o currículo a nível conhecimento teórico e construí-lo no fazer
prático. Nesse sentido, a proposta da atividade em questão, procurou
articular a discussão teórica sobre interdisciplinaridade e ações interdisciplinares com a prática docente e acadêmica dos diversos saberes que
compõem a área de Humanas. Mais especificamente no desenvolvimento
de uma atividade de campo que relaciona de forma interdisciplinar a
Geografia e a História, podemos direcionar olhares sensíveis que contribuem para o exposto acima, vejamos: a) observações sobre a paisagem e
a diversidade de usos da terra no trajeto da viagem (relevo, vegetação e
usos rurais e urbanos); b) condições de acesso aos recursos nos territórios
visitados, tais como: tipo de relevo e de solo, disponibilidade de água; c)
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origens das comunidades visitadas: história da chegada e ocupação do
território; d) formas de uso da terra e da natureza: relações de trabalho,
processo produtivo e destino da produção; e) formas de organização comunitária: associativismo e cooperativismo; f) reprodução da comunidade: ritos, festas, escola, saúde; e) situação legal dos territórios e relação
com outras escalas da sociedade; f) relação com o entorno e conflitos.
O levantamento desses dados em campo poderá ser analisado à
luz das questões que estudamos em sala de aula. Primeiramente, devemos considerar que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 231,
garante o direito imprescritível às terras tradicionalmente ocupadas por
povos originários. O Decreto Nº 4.887/2003 regulamenta a ―identificação, reconhecimento, demarcação e titulação das terras ocupadas por
remanescentes de quilombos‖ e Nº 6.040/2007, ―Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais‖. Uma vez que a existência e permanência das comunidades
apresentadas neste território é garantida por lei, deve ser empenho de
toda a sociedade civil, especialmente no âmbito da educação, a responsabilidade cidadã com esta causa, como reparação ao genocídio, processo
de escravização e desrespeito com os povos originários e quilombolas.
Outro aspecto importante para potencializar a formação de professores/as é conhecer a história destas comunidades, seus movimentos
de luta por terra e pela realização da reforma agrária. Desde o final da
década de 1850 a terra passa a ter uma importância estratégica e monetária muito forte. Neste momento, quando a terra se torna mercadoria - o
que impede o acesso a ela pelos camponeses posseiros - _ surge a necessidade dos camponeses organizarem-se. Entretanto, a luta inicia muito
antes, com a ideia do colonialismo no Brasil, ou seja, desde sempre os
trabalhadores rurais que vivem do que produzem ou que necessitam da
terra para sobreviver, não tem direito a ela, não eram enquadrados juridicamente, não havendo uma identidade camponesa. Durante o período da
colônia, aqueles que não eram escravizados, reproduziam suas famílias a
partir da posse, a margem do sistema oficial de concessão de sesmarias.
Com a abolição e a lei de terras, esses camponeses e os ex-escravos passam a acessar a terra a partir da parceria (trabalho da família na terra de
fazendeiros), ou pagando altos preços pelo arrendamento. Eram vistos
como caboclos e agregados, mas não como trabalhadores e a estratégia
para permanecer na terra passa a ser a migração ou a resistência à expropriação por meio da luta. Os movimentos sociais por reforma agrária
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espalham-se por todo o país, como por exemplo as revoltas de Canudos e
Contestado, ainda no começo da República, e posteriormente, entre os
anos 1940 e 1960, com as Ligas Camponesas. É a disputa pela terra que
estabelece o confronto entre camponeses e grandes fazendeiros. Esta
história será marcada por lutas e conquistas, mas também por muita
opressão (MARTINS, 1983).
Na história do Brasil existe uma tendência de criminalização dos
movimentos sociais, neste sentido é importante compreender que estes se
relacionam com a geografia a partir do território o qual apresenta a relação dos seres humanos com o espaço geográfico. A partir das leituras em
sala e no campo conseguimos perceber que os movimentos sociais com
sua organização e especificidades, organizam novas formas de apropriação e identificação dos espaços. Neste contexto conseguimos fazer uma
aproximação com os movimentos indígenas, de luta e resistência por seus
territórios tradicionais. Entender os movimentos sociais, suas implicações
na educação e na relação com os espaços geográficos, nos proporciona
uma visão ampliada de nossa sociedade. A importância das lutas por
direitos está em como elas dinamizam e contribuem para a democracia,
no sentido que expõem as formas de injustiça, denunciando os abusos do
Estado e da sociedade (PODON, 2013).
Outra questão delicada percebida também no campo são as Unidade de Conservação, essas que possui regulamento próprio e que, muitas vezes, não se compatibiliza com os modos de vida, ou ainda quando
tiram o direito da comunidade a participar dos conselhos deliberativos da
Unidade de Conservação. Desta forma não podem decidir como farão o
manejo da terra, e seus processos produtivos, impedindo sua subsistência
e permanência neste território.
Para os povos originários não é diferente, conforme aponta Sônia
Guajajara, em sua fala sobre ―Política, questão indígena e luta pelo território ancestral‖ em 2018. Os ataques aos indígenas não se restringem
somente a suas terras e integridade física, mas também as instituições que
deveriam apoiar e contribuir para a concretização de seus direitos, a FUNAI é um destes exemplos. Por todo o país são mais de 305 povos e,
diferente do que propaga a opinião pública, os povos originários não
estão concentrados somente no norte do país. Além disso, há o registro
de pelo menos 26 povos autônomos que estão sem contato com o mundo
do não indígena. Sonia descreve a violência e o desrespeito aos povos
indígenas e aos direitos humanos no período de ditadura militar, e, em
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seguida, apresenta o processo de fortalecimento com a abertura democrática do país a partir da criação de associações regionais e nacionais de
organização e apoio aos indígenas. Entretanto, aponta que o momento
atual é de luta para manter os direitos já conquistados, para não perder o
que a morte de muitos indígenas conquistou.
O Brasil com sua postura oligárquica, não deixa brechas para a
instalação de uma forma social que possa diminuir os privilégios da elite.
Este posicionamento, muito alinhado com os interesses de nações que
defendiam o capital como os Estados Unidos da América, geraram o
golpe de 1964 e as drásticas repressões ao povo brasileiro até os dias de
hoje. Mesmo com a aprovação do Estatuto da Terra (Lei Nº 4.504, de
30/11/64), ou com a Constituição de 1988 as mudanças não são efetivas.
Deste fato ocorre uma afirmação da propriedade privada, do domínio da
terra pela elite latifundiária. Estes grandes latifundiários mantêm seus
domínios pela terra expulsando os nativos indígenas, expulsando, explorando ou matando os camponeses. Sua forma de operar com a terra geralmente ocorre com a grilagem e o desmatamento. Como não há uma
divisão justa de terras, e há uma invisibilidade do posseiro na utilização
da mesma, temos vários conflitos no país por conta de terras, ao longo da
história. Ou seja, povos originários no Brasil reivindicam seu espaço de
direito, comunidades quilombolas e famílias que vivem do trabalho no
campo reivindicam seu direito, mas quem sai ganhando são os grandes
latifundiários em um sistema que visa unicamente a reprodução do capital. Uns exigindo direitos e outro defendendo privilégios.
Com base nas experiências em sala de aula com a disciplina e no
campo, percebemos ao longo deste trabalho, a importância de articulações interdisciplinares entre a Geografia e a História. Conforme afirma
Balduino Andreola (2010, p. 229), em seu verbete sobre interdisciplinaridade no ―Dicionário Paulo Freire‖, ―A interdisciplinaridade é estabelecida por Freire como requisito para uma visão da realidade nas perspectivas da unidade e da totalidade do real‖. Também o Fórum de PróReitores de Extensão das Instituições de Educação Superior Públicas
Brasileiras - FORPROEX, em 2012, apresenta em sua concepção de extensão a diretriz: ―a interdisciplinaridade e interprofissionalidade, a indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão‖(GADOTTI, 2017), para a
formação e graduação, não só dos profissionais da educação.
O trabalho na disciplina de Geografia dos Movimentos Sociais é
fundamental para ampliar a visão a respeito da realidade dos movimentos
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sociais no Brasil, de como estes se relacionam com os espaços geográficos
que ocupam. Esta perspectiva da unidade e da totalidade do real é fundamental para atuação em sala de aula, visto que ao tratar dos povos
tradicionais, devemos levar em conta suas histórias e também sua geografia, compreendendo de forma mais abrangente a história local, as permanências, continuidades e mudanças nos modos de vida e resistência. O
campo proporcionou a possibilidade de ouvir suas próprias narrativas,
fundamentais para que possamos entender sua verdadeira história, a
partir delas construímos uma visão que valoriza e respeita a diversidade.
Conforme o Instituto Socioambiental, em dados detalhados pelo
IBGE, de acordo com o Censo 2010, no Brasil existem 305 etnias, que
falam 274 línguas. Entender estes dados é importantíssimo, para que
professores/as e a sociedade civil, compreender por exemplo, que o termo índio é uma redução e generalização, que não representa a diversidade dos povos originários. A riqueza étnica e cultural do Brasil deve ser
levada em consideração, especialmente quando falamos de valorização e
direito ao território.
Por este motivo entendo a educação das relações étnico-raciais
fundamental para a formação de uma sociedade que consiga conviver
com o direito dos povos indígenas e quilombolas. Kerexu, Cacica da
Tekoa Itaty destaca em seu discurso, no primeiro dia de palestras na 13º
Semana Cultural/Abril de 2018 que:
O Guarani é um povo muito espiritual, e entende toda a natureza como espíritos vivos, assim todo guarani sabe que a terra não lhe pertence, pois a terra é um ser vivo, e não podemos demarcar e nos apropriar
de um ser vivo, mas todo Guarani também sabe que pertence a sua terra pois não pode viver sem a terra, o rio, o mar, o sol, as plantas e os
animais. O que nós, povo originários queremos é o direito de viver na
terra de nossos ancestrais. (KEREXU, 2018, 13º Semana Cultural)
Em resumo estas são algumas das contribuições das ações interdisciplinares entre a Geografia e a História, especialmente no que se refere aos conhecimentos e experiências adquiridas no estudo da disciplina
de Geografia dos Movimentos Sociais. O/a professor/a que passa por
esta vivência, tem elementos e possibilidades de atuar na luta antirracista,
entendendo a importância da educação como um processo de ensinoaprendizagem, que contribua para formação da população brasileira com
vistas ao estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. E dando
visibilidade a todos os sujeitos que participaram da história deste país.
Neste sentido gostaria de encerrar esta parte com um trecho do livro ―A
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Queda do Céu‖ de Davi Kopenawa, que conclui com sabedoria ancestral, muito do que temos a aprender com os povos originários e quilombolas, estamos todos interligados:
―A floresta está viva. Só vai morrer se os brancos insistirem em destruíla. Se conseguirem os rios vão desaparecer debaixo da terra, o chão vai
se desfazer, as árvores vão murchar e as pedras vão rachar no calor. A
terra ressecada ficará vazia e silenciosa os espíritos Xapiri, que descem
das montanhas para brincar na floresta em seus espelhos, fugirão para
muito longe. Seus pais, os Xamãs, não poderão mais chamá-los e fazêlos dançar para nos proteger. Não serão capazes de espantar as fumaças de epidemia que nos devoram. Então morreremos, um atrás do outro, tanto os brancos quanto nós. Todos os xamãs vão acabar morrendo. Quando não houver mais nenhum deles vivo para sustentar o céu,
ele vai desabar.‖ (KOPENAWA, 2015, p. 06)
O estudo apresentado neste artigo gerou um material didático,
que contribuirá para uma educação das relações étnico-raciais, conforme
preconiza a Lei Nº 11.645/2008, questão fundamental para ser estudada
e aplicada na educação básica.
3.
Considerações Finais
Após as leituras e experiência de campo, percebemos muitas contribuições referentes às ações interdisciplinares entre a Geografia e a História para formação de professores/as. A construção de sentido do conceito de interdisciplinaridade na articulação do campo teórico com o
contexto da prática subsidiou articulações, construções e proposição de
atividades entre diferentes disciplinas e campos de abordagem. Dessa
forma, conseguimos ampliar nossa visão e conhecer a geografia dos territórios das comunidades visitadas. A interação com os sujeitos nos proporcionou uma visão abrangente e real de suas histórias, necessidades e
conquistas. A prática desse olhar sensível que observa vários aspectos,
fazendo conexões entre o tempo histórico destas comunidades com seus
espaços geográficos, a partir da sistematização dos dados observados,
anotados e pesquisados, proporciona um exercício de reflexão é fundamental para subsidiar a prática docente que valoriza a diversidade e a
educação das relações étnico-raciais.
Para finalizar, almejamos que este estudo seja uma contribuição
consistente para o percurso formativo de professoras e professores da rede
básica. Com esta intencionalidade, disponibilizo um link:
goo.gl/eWKPL3, no qual a/o docente poderá ter acesso a informações
pontuais e fotos dos locais, para em sala, problematizar as relações entre
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Geografia, História, Movimentos Sociais e Direitos Humanos. Este trabalho é fruto de um recorte teórico metodológico, e assim como toda
pesquisa, pode e deve ser questionado e ampliado.
4.
Referências
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Danilo (org.) Dicionário Paulo Freire. 2ª ed. rev. amp. Belo Horizonte:
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de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de
janeiro
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2003.
Disponível
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http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2008/lei-11645-10-marco2008-572787-publicacaooriginal-96087-pl.html Acesso em: 10 de agost de
2019.
BRASIL. Decreto Nº 4.887, de 20 de novembro de 2003. Regulamenta o
procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação,
demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das
comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das
Disposições
Constitucionais
Transitórias.
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Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais.
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2007/Decreto/D6040.htm Acesso em: 10 de set de 2019.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: Educação Infantil e Ensino
Fundamental. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Básica, 2017. Base
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CURSOS SUPERIORES DE LICENCIATURA
NO SUL DO BRASIL: O QUE APONTAM OS
DADOS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA
FRONTEIRA SUL
Daniê Regina Mikolaiczik1
Alexandra Ferronato Beatrici2
1.
Introdução
A formação de professores(as) em Cursos Superiores de Licenciatura é uma das metas do Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005 de
2014). Os dados do Censo Nacional da Educação Básica (CARVALHO,
2018) apontaram que 78,4% dos professores(as) da Educação Básica ainda não possuem formação em nível superior. Este dado revela a importância das instituições que oferecem esta formação, com destaque para a
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) que será abordada neste
artigo.
Inserida na Mesorregião do Grande Fronteira do Mercosul, a
UFFS está presente nos três estados da Região Sul do Brasil e surge sob a
prerrogativa de ser pública e popular, além disso, apresenta como um de
seus princípios o compromisso com a formação de professores. Diante
disso, surge o problema desta pesquisa: Quais são os números da Universidade Federal da Fronteira Sul na formação de licenciados(as)?
Baseado neste problema de pesquisa, define-se o tema deste artigo: ―Cursos Superiores de Licenciatura no Sul do Brasil: o que apontam
os dados da Universidade Federal da Fronteira Sul‖, tendo como objetivo
geral investigar dados quantitativos sobre a formação de professores(as)
1
2
Licenciada em Pedagogia. Acadêmica do Curso de Especialização do Instituto
Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Campus Sertão.
Professora da Educação Básica da Rede Municipal de Getúlio Vargas/RS. Contato:
danie.regina@yahoo.com.br.
Doutora em Educação. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio Grande do Sul – Campus Sertão. Contato:
alexandra.beatrici@sertao.ifrs.edu.br.
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nos 5 campi da Universidade Federal da Fronteira Sul que oferecem cursos de licenciatura, além disso, a pesquisa contemplou a análise dos Projetos Pedagógicos dos Cursos Superiores de Licenciatura da UFFS e da
legislação educacional no Brasil.
Vale destacar que nos últimos cinco anos intensificaram-se os
cortes orçamentários às verbas destinadas às Universidades Públicas3, por
isso, a definição deste tema justifica-se pela necessidade de defesa da
Educação Superior Pública e dos Cursos Superiores de Licenciatura.
A pesquisa apresentada neste artigo é de abordagem quantitativa
e qualitativa, tendo como instrumentos de análise referenciais bibliográficos e documentais (Lista de Estudantes e Ingressantes na Graduação, e os
Projetos Pedagógicos dos Cursos Superiores de Licenciatura). Estas análises são precedidas pelo estudo da legislação da educação nacional, com
destaque para as três leis de Diretrizes e Bases e para o Plano Nacional de
Educação (BRASIL, 2014).
2.
Desenvolvimento teórico
A compreensão do cenário no qual foi realizada esta pesquisa é
fundamental para que sejam apresentados os dados quantitativos dos
Cursos Superiores de Licenciatura da UFFS.
A Mesorregião da Grande Fronteira do Mercosul, área de abrangência da UFFS, abrange o Norte do Rio Grande do Sul, o Oeste de
Santa Catarina e o Sudoeste do Paraná, são 396 municípios e população
de 3,9 milhões de habitantes4. A análise dos documentos institucionais
que justificam a criação da universidade aqui analisada, mostram que
nestas regiões predominavam as Universidades Comunitárias, nas quais a
cobrança de mensalidades tornava mais difícil o acesso da população de
baixa-renda:
3
4
Dados
obtidos
no
site
de
notícias
G1,
Disponível
em:
<https://g1.globo.com/educacao/noticia/90-das-universidades-federais-tiveramperda-real-no-orcamento-em-cinco-anos-verba-nacional-encolheu-28.ghtml>, Acesso
em: 02 set de 2019.
Dados
obtidos
no
site
da
UFFS.
Disponível
em:
<https://www.uffs.edu.br/institucional/a_uffs/a_instituicao/apresentacao>. Acesso
em: 02 de set de 2019.
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Assim, até a criação da UFFS, em decorrência da falta de ação do Estado na área, foram criadas as chamadas Universidade Comunitárias e,
mais recentemente, inúmeras instituições privadas. Esse modelo apresenta limites ao atendimento generalizado à população, justamente por
estar condicionado à cobrança de mensalidades para sobreviver, o que
exclui a população mais carente. Assim, a exclusão tem um claro recorte socioeconômico, visto que impede justamente o acesso ao ensino
superior da população com menor poder aquisitivo. (PPI, UFFS, p.
2012)
Em 2009, fruto do Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI5 e da luta dos Movimentos Sociais Populares (MSP) do Sul do Brasil, é criada a UFFS, por meio da Lei nº. 12.029
de 15 de setembro de 2009. A instituição começou suas atividades no ano
de 2010 e atualmente está distribuída nos três estados da Região Sul do
país, organizada em seis campi, nas seguintes cidades: Chapecó (SC),
Realeza (PR), Laranjeiras do Sul (PR), Cerro Largo (RS), Erechim (RS) e
Passo Fundo (RS). O campus de Passo Fundo (RS) não será analisado
neste estudo, pois não possui curso de licenciatura.
Baseando-se no Decreto nº. 6.755 de 29 de janeiro de 2009, a recém-criada Universidade assume o compromisso de formar professores(as) em nível superior, por isso, é possível evidenciar a oferta de Cursos Superiores de Licenciatura em cinco (5) de seus seis (6) campi.
Os dados referentes aos números de licenciados foram obtidos
por meio da análise da Planilha Estudantes Ingressantes da Graduação,
também foram analisados os Projetos Pedagógicos dos Cursos Superiores
de Licenciatura para a compreensão das especificidades de cada curso.
Os dados foram organizados por campus e apresentam as seguintes informações:.
O Campus da UFFS situado em Chapecó/SC iniciou suas atividades no ano de 2010, desde então teve 9.108 (nove mil cento e oito)
estudantes, sendo que destes, 4.901 (quatro mil novecentos e um) ingressaram nos Cursos de Licenciatura, os Cursos de Licenciatura são: Ciências Sociais, Filosofia, Geografia, História, Letras (Português e Espanhol), Matemática e Pedagogia.
O percentual de graduados(as) nos Cursos Superiores de Licenciatura deste Campus é de 11,81% - 579 graduados(as). Cabe ressaltar a
importância e necessidade de implantação de alguns cursos na região. O
5
Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, Decreto n. 6.096 de
24 de abril de 2007.
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Projeto Pedagógico do Curso de Ciências Sociais de Chapecó/SC e Erechim/RS (PPC de Ciências Sociais, UFFS, 2010, p.21) destaca que:
A Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal da Fronteira Sul será a primeira em toda a sua região de abrangência. A Mesorregião da Grande Fronteira do MERCOSUL é composta por 381
municípios e população de 3,7 milhões de pessoas e, segundo dados do
IBGE relativos ao ano de 2008, os municípios-sede do curso de Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal da Fronteira Sul –
Chapecó/SC e Erechim/RS – possuem população de 46.013 jovens na
faixa etária entre 15 e 24 anos de idade. Para o mesmo ano, dados do
IBGE indicam que os municípios de Chapecó/SC e Erechim/RS somam 10.759 alunos matrículas de ensino médio. Neste sentido, o Curso de Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal da
Fronteira Sul poderá contribuir para a inclusão dos jovens oriundos da
região no ensino superior público.
O Campus da UFFS situado em Erechim/RS iniciou suas atividades no ano de 2010, desde então teve 4.872 (quatro mil, oitocentos e
setenta e dois) estudantes, sendo que destes 2.746 (dois mil, setecentos e
quarenta e seis) ingressaram nos Cursos Superiores de Licenciatura, os
Cursos de Licenciatura são: Ciências Sociais, Filosofia, Geografia, História e Pedagogia
O percentual de graduados(as) nos Cursos Superiores de Licenciatura deste Campus é de 13,36% - 367 graduados(as).
Erechim/RS assim como Chapecó/SC apresenta um maior número de graduados(as) no Curso de Pedagogia, fenômeno que se repete o
cenário nacional. Segundo o Censo da Educação Superior de 2016 realizado pelo INEP6, o Curso de Pedagogia possuía 679.286 (seiscentos e
setenta e nove mil duzentos e oitenta e seis) estudantes matriculados(as)
em 2016.
O Campus da UFFS situado em Cerro Largo/RS iniciou suas atividades no ano de 2010, desde então teve 3.419 (três mil quatrocentos e
dezenove), sendo que destes, 1.473 (mil quatrocentos e setenta e três)
alunos ingressaram nos Cursos Superiores de Licenciatura, os Cursos de
Licenciatura são: Ciências Biológicas, Física, Letras (Português e Espanhol) e Química.
O percentual de graduados(as) nos Cursos Superiores de Licenciatura deste Campus é de 16,29% - 240 graduados(as).
6
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
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Na análise dos números deste Campus merece destaque a oferta
de Física, visto que o Censo Escolar do MEC7 mostrou que apenas 27%
dos(as) professores(as) que lecionam Física na Educação Básica brasileira
possuem o curso específico, dado que reafirma a necessidade da oferta
deste curso na instituição.
O Campus da UFFS situado em Laranjeiras do Sul/PR iniciou
suas atividades no ano de 2010, desde então teve 3192 (três mil cento e
noventa e dois) matrículas, sendo que destas, 1060 (mil e sessenta) foram
em Cursos Superiores de Licenciatura, os Cursos de Licenciatura são:
Ciências Biológicas, Interdisciplinar em Educação do Campo (Ciências
Sociais e Humanas - Licenciatura), Interdisciplinar em Educação do
Campo: Ciências Naturais, Matemática e Ciências Agrárias – Licenciatura, Pedagogia e Interdisciplinar em Educação do Campo: Ciências da
Natureza – Licenciatura.
O percentual de graduados(as) nos Cursos Superiores de Licenciatura deste Campus é de 6,69% - 71 graduados(as).
Na UFFS situada em Laranjeiras do Sul/PR é possível perceber
a predominância dos cursos voltados para a educação da população rural.
Segundo Molina (2014, p.14):
O movimento da Educação do Campo compreende que a Escola do
Campo deva ser uma aliada dos sujeitos sociais em luta para poderem
continuar existindo enquanto camponeses e para continuar garantindo
a reprodução material de suas vidas a partir do trabalho na terra. Para
tanto, é imprescindível que a formação dos educadores que estão sendo preparados para atuar nestas escolas considere, antes de tudo, que a
existência e a permanência (tanto destas escolas, quanto destes sujeitos) passam, necessariamente, pelos caminhos que se trilharão a partir
dos desdobramentos da luta de classes, do resultado das forças em disputa na construção dos distintos projetos de campo na sociedade brasileira.
O Campus da UFFS situado em Realeza/PR iniciou suas atividades no ano de 2010, desde então teve 2.684 (dois mil seiscentos e oitenta e quatro) ingressantes em seus cursos, sendo que destes, 1.402 (mil
quatrocentos e dois) ingressaram em cursos superiores de licenciatura, os
cursos de Licenciatura são: Ciências Biológicas, Física, Letras (Português
e Espanhol) e Química.
7
Dados obtidos no Jornal Folha de São Paulo. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2017/01/1852259-quase-50-dosprofessores-nao-tem-formacao-na-materia-que-ensinam.shtml>. Acesso em: 03 set de
2019.
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O percentual de graduados(as) nos Cursos Superiores de Licenciatura deste Campus é de 16,04% - 225 graduados(as).
Os números dos Cursos Superiores de Licenciatura da UFFS
mostram que entre 2010 e 2018(2º semestre) a instituição já graduou
1.482 (um mil quatrocentos e oitenta e dois) licenciados(as), um percentual de 12,79% do total de ingressantes, um número que marca a história
desta jovem Universidade Pública em contexto de interiorização.
Os dados númericos obtidos nesta pesquisa levantam questionamentos, entre estes, o que sinaliza uma crise nos cursos de Licenciatura,
já que o número de ingressantes difere consideralvelmente em relação ao
número de graduados (as). Esta possível crise já foi sinalizada por alguns(as) autores(as).
Freitas (2018) levanta que a crise nas licenciaturas atinge tanto o
setor público como o privado. A autora, baseando-se no Censo da Educação Superior de 2015, ressaltou que tanto em instituições públicas como particulares de Educação Superior os Cursos de Bacharelado já somam o dobro das matrículas em relação aos Cursos de Licenciatura, ela
ainda acredita que um dos fatores para tal fenômeno é o desprestígio que
as licenciaturas sofrem dentro da própria academia.
Gatti (2010, p. 1.359) aponta possíveis fatores para o enfraquecimento das licenciaturas:
Hoje, em função dos graves problemas que enfrentamos no que respeita às aprendizagens escolares em nossa sociedade, a qual se complexifica a cada dia, avoluma-se a preocupação com as licenciaturas, seja
quanto às estruturas institucionais que as abrigam, seja quanto aos seus
currículos e conteúdos formativos. Deve ser claro para todos que essa
preocupação não quer dizer reputar apenas ao professor e à sua formação a responsabilidade sobre o desempenho atual das redes de ensino.
Múltiplos fatores convergem para isso: as políticas educacionais postas
em ação, o financiamento da educação básica, aspectos das culturas
nacional, regionais e locais, hábitos estruturados, a naturalização em
nossa sociedade da situação crítica das aprendizagens efetivas de amplas camadas populares, as formas de estrutura e gestão das escolas,
formação dos gestores, as condições sociais e de escolarização de pais e
mães de alunos das camadas populacionais menos favorecidas (os
―sem voz‖) e, também, a condição do professorado: sua formação inicial e continuada, os planos de carreira e salário dos docentes da educação básica, as condições de trabalho nas escolas.
São múltiplos os fatores que desencadeiam a crise nas licenciaturas, com destaque para a precarização da profissão docente, que acaba
desestimulando os jovens na escolha da profissão.
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Carvalho (2018) apresenta considerações importantes sobre
o―Perfil do Professor da Educação Básica‖. Baseado no Censo Escolar de
2017 (INEP, 2018) a autora afirma que os(as) professores(as) estão envelhecendo e a média de idade dos(as) que atuam na Educação Básica já é
de 41,04 anos. Este dado nos deixa questionamentos: Quem irá substituílos(as) após a aposentadoria? Os Cursos de Licenciatura estão dando
conta de suprir a demanda necessária na Educação Básica? Será que
os(as) recém-licenciados(as) seguirão a carreira docente?
Todos estes questionamentos deixam possibilidades para estudos
futuros e mais aprofundados sobre a situação que atravessam os Cursos
de Licenciatura no Brasil.
3.
Considerações Finais
A Universidade Federal da Fronteira Sul, assumiu, desde a sua
criação em 2009, o compromisso com a formação de qualidade de professores(as). A instituição, pública e com a proposta de ser popular, marcou
e marca a transformação da oferta de Cursos Superiores na Mesorregião
da Grande Fronteira do Mercosul. A instituição, em dez anos de história,
completados em setembro de 2019, já teve 23.644 (vinte e três mil seiscentos e quarenta e quatro) matrículas em Cursos de Graduação.
A formação de professores(as) é garantida pela Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394 de 1996) e pelo Plano Nacional de Educação (PNE - Lei nº 13.005 de 2014). O PNE apresenta como
meta n. 15 a de formar, em nível superior e até 2015, todos(as) os(as)
professores(as) da Educação Básica. Porém, a LDB continua permitindo
que professores(as) atuem na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental apenas com formação de nível médio. A legislação
educacional brasileira ainda constrói brechas para que o próprio PNE
não seja cumprido.
Formar educadores(as) vai além da obtenção do diploma, a atuação em sala de aula está diretamente ligada à qualidade da formação
recebida, por isso, a luta por uma formação pautada no ensino, na pesquisa e na extensão deve ser um compromisso das políticas públicas educacionais. A pesquisa surgiu com o objetivo de investigar os números dos
Cursos Superiores de Licenciatura na UFFS, relacionando dois temas,
formação de professores(as) e Universidade, assim, este estudo respondeu
ao seu objetivo e levantou outros questionamentos para futuros estudos,
entre eles, o da evasão e da preocupante crise das licenciaturas.
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Os números da UFFS mostram entre 2010 e 2018(2º semestre)
que a instituição já graduou 1.482 (um mil quatrocentos e oitenta e dois)
licenciados(as), um percentual de 12,79% do total de ingressantes. Mesmo com índices de evasão preocupantes, os números da UFFS são carregados de significados, especialmente se analisarmos o contexto em que a
instituição está inserida, no qual era muito difícil jovens das classes populares ingressarem em Universidades Públicas, visto que isso demandava
grandes deslocamentos e até mesmo mudança de cidade.
Cabe ressaltar que comparar um Campus com outro nunca foi um
objetivo da pesquisa, pois cada cidade possui suas próprias características. Ao olharmos a UFFS como um todo, percebemos o quão urgente
torna-se a denúncia sobre os números de formação de professores(as). As
ações para deter a crise que se anuncia nos Cursos Superiores de Licenciatura passam diretamente pela defesa da Universidade Pública.
4.
Referências
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP). Censo da Educação Superior 2016. Brasília, 2016.
Disponível
em:
<http://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/resu
mo_tecnico/resumo_tecnico_censo_da_educacao_superior_2016.pdf>.
Acesso em: 03 set de 2019.
CARVALHO, M. R. V. de. Perfil do professor da Educação Básica.
Brasília, DF: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira, 2018.
FREITAS, S. P. de. L. Proposições para o enfrentamento das crises dos
cursos de formação docente: o programa institucional das licenciaturas
da UMESP. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de PósGraduação em Educação. São Bernardo do Campo: Universidade
Metodista de São Paulo, p. 346, 2018.
GATTI, Bernardete A. Formação de professores no Brasil: características
e problemas. Educação & Sociedade, v. 31, n. 113, p. 1355 - 1379, 2010.
UFFS. Projeto Pedagógico Institucional da Universidade Federal da
Fronteira Sul. Chapecó: UFFS, 2012.
_____. Projeto Pedagógico do Curso de Ciências Sociais. Chapecó - SC:
UFFS, 2010.
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MOLINA, M. C. Licenciaturas em Educação do Campo e o ensino de
Ciências Naturais: desafios à promoção do trabalho docente
interdisciplinar. Brasília: MDA, 2014.
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DIVERSIDADE CULTURAL NO CONTEXTO
EDUCACIONAL
Marcilei da Silva Bender1
Ana Paula Dal Santo2
Vania Salete Cassol Daga3
1
PALAVRAS INICIAIS
Atualmente a sociedade brasileira perpassa por dificuldades em
relação ao baixo nível de desempenho dos estudantes da educação básica,
que advém de vários fatores, como a precária formação docente, a relação social, econômica e política em que o país se encontra. Inúmeras
propostas educacionais têm sido elaboradas e implantadas, porém nos
moldes estrangeiros, na tentativa de melhorar a qualidade de ensino pautada em práticas internacionais. Mas o que se observa diante deste cenário, é que os resultados estão sendo insatisfatórios. Acredita-se que se as
propostas fossem embasadas na história e na realidade da cultura brasileira, poderíamos ter numa educação resultados melhores.
A realidade escolar está diferente, hoje as escolas estão recebendo muito mais crianças, quando comparado à alguns anos atrás, e este
aumento se deve a conquista do direito à educação gratuita à todas as
crianças. Dessa forma, diversas culturas passaram a habitar os espaços
escolares e não escolares conforme lembra Bordignon (2015),
1
2
3
Mestranda em Educação pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó UNOCHAPECÓ. Bolsista Institucional UNOCHAPECO. Professora da Educação
Básica do Município de Chapecó/SC. Contato: marcisilva@unochapeco.edu.br
Mestranda em Educação pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó
UNOCHAPECÓ. Bolsista Institucional UNOCHAPECO. Atua na Secretaria de
Educação de Cordilheira Alta/SC. Contato: anadalsanto@gmail.com
Mestranda em Educação pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó UNOCHAPECÓ. Bolsista da CAPES. Professora da Educação Básica do Município
de Aguas Frias/SC. Contato: vaniasale@yahoo.com.br
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[...] devemos lembrar que a escola pode ser encarada como um espaço
privilegiado da apropriação do conhecimento, porém ela não é o único
na sociedade, existem outros de acesso a conhecimento tais como: internet e de todas as tecnologias hoje disponíveis; assim como de equipamentos e programas culturais orientados nas instituições governamentais ou não. (BORDIGNON, 2015, p.3).
Neste sentido, e a partir das reflexões que problematizam sobre
os direitos humanos e diversidade cultural, tanto no plano global quanto
local, com objetivos de explorar e debater sobre conceitos de cultura,
identidade e diferença, e a importância da intervenção do(a) professor(a)
no processo educativo e na compreensão da diversidade cultural, o Brasil
ainda encontra-se em processo de implantação dessas políticas.
Diante destes aspectos, foi tomada como parâmetro a diversidade cultural, os quais demonstram que apesar da existência de legislações e
preceitos universais, a garantia de direitos igualitários ainda é rompida,
sobretudo se considerada a perpetuação de padrões conservadores e estigmatizados na relação entre as pessoas.
Tratamos no decorrer do estudo, da necessidade de se repensar
as práticas pedagógicas atuais, bem como a reforma das políticas educacionais contemporâneas, para que possam atender realmente a riqueza
das diversidades culturais, sociais e étnicas presentes no espaço educacional brasileiro. Além de ofertar uma educação igualitária as múltiplas
possibilidades de constituição de comunidades culturais, para que tenham o direito de expressão cultural, formas de ser e viver, que são características dos seres humanos.
Enfatizamos também, de forma objetiva e sintetizada a valorização da diversidade e a construção de uma educação acolhedora, levando
em consideração a importância da diversidade cultural na formação do
cidadão e como deve ser sua presença em sala de aula, libertando os estudantes de uma visão preconceituosa do que é diferente.
2. DIVERSIDADE CULTURAL: UMA BREVE ABORDAGEM
Vivemos hoje em uma época de globalização, tanto da economia
quanto das tecnologias e informações que vêm sendo modificadas constantemente e refletem diretamente nas culturas da sociedade. Estas reflexões na educação devem progredir acompanhando os progressos e trabalhando em vistas para diminuir as desigualdades que se originam.
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Entretanto, um olhar mais apurado nos permite perceber que os direitos humanos quanto à (grifo nosso) ética possui sua historicidade, seu
lugar no tempo e seu espaço onde seus sentidos e significados foram e
são construídos e reconstruídos pela ação e relação humana (AHLERT, 2007, p. s/n).
Dialogar sobre direitos humanos na sociedade atual fica impossível sem correlacionar ao conceito de ética, pois esses dois termos são
imprescindíveis quando se trata de diversidade cultural. Pode-se considerar a ética como uma postura que se refere a um modo de ser, à natureza
da ação humana. Trata-se de uma maneira de lidar com as situações da
vida e do modo como estabelecemos relações com nossos impares.
A sociedade contemporânea é marcada pela diversidade, expressada através de diferentes etnias, línguas, culturas, modos de vida, valores, organizações, crenças, representações, enfim, de necessidades humanas historicamente constituídas e que muitas vezes ficam invisíveis na
sociedade. Assim, torna-se possível demarcar a diversidade como um
fenômeno concreto, objetivado e subjetivado no cotidiano das relações e
da vida social, cuja (re)produção aponta para o processo de interação
entre os indivíduos.
Desse modo a questão da identidade e da diferença surge e se
torna visível, sendo possível entendê-la como o conjunto de peculiaridades e diferenças entre os indivíduos, impossíveis de serem padronizadas
devido às características singulares de cada ser. Silva nos propõe uma
reflexão sobre a identidade do ser, que:
Em uma primeira aproximação, parece ser fácil definir ―identidade‖. É
simplesmente aquilo que se é: ―sou brasileiro‖, ―sou negro‖, ―sou heterossexual‖, ―sou jovem‖, ―sou homem‖. A identidade assim concebida
parece ser uma positividade (―aquilo que sou‖), uma característica independente, um ―fato‖ autônomo. Nessa perspectiva, a identidade só
tem como referência a si própria: ela é autocontida e autossuficiente.
(SILVA 2000, p.74).
Nessa mesma linha de raciocínio, também a diferença é concebida como uma entidade independente. Apenas, neste caso, em oposição à
identidade, a diferença é aquilo que o outro é conforme afirma Silva: ―ela
é italiana‖, ―ela é branca‖, ―ela é homossexual‖, ―ela é velha‖, ―ela é
mulher‖. (p. 74)
Sendo assim, o autor afirma que identidade e diferença estão em
uma relação de estreita dependência, ao afirmar o que sou, percebe melhor à questão das identidades como estando relacionadas com a realidade social dos sujeitos. A identidade é um processo pelo qual o indivíduo
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passa. Há relação entre a identidade do sujeito com os objetos que ele
usa. Ela se define a partir de sua inserção no mundo e ao mesmo tempo a
partir dos marcadores de diferença em relação aos outros. (SILVA, 2000,
p. 74).
De acordo com Tomaz Tadeu da Silva, pode-se dizer que a identidade é relacional, que adquire ―sentido por meio da linguagem e dos
sistemas simbólicos pelos quais elas são representadas‖. (SILVA, 2000, p.
8). São esses sistemas simbólicos e a linguagem que vão construindo o
indivíduo e sua identidade, a partir de suas relações sociais.
Relações sociais estas, que historicamente, e principalmente no
contexto escolar, são marcadas por práticas excludentes que reafirmam a
necessidade e legitimidade do debate sobre os direitos humanos e de cidadania, de modo a delimitar as características culturais de cada sujeito, e
o entendimento acerca de suas finalidades e potencialidades de intervenção.
Para Treichler e Grossberg:
A cultura é entendida tanto como uma forma de vida - compreendendo
ideias, atitudes, linguagens, práticas, instituições e estruturas de poder quanto toda uma gama de práticas culturais: formas, textos, cânones,
arquitetura, mercadorias produzidas em massa, e assim por diante
(TREICHLER; GROSSBERG, 1995, p. 14).
A ideia de cultura nem sempre foi interpretada da mesma maneira, e atualmente se fundamenta a partir do entendimento sobre os conceitos de valores, poder, crenças, linguagens desenvolvidas por um determinado grupo. Deste modo, ao pensar na cultura, possibilitamos uma margem de uma série de interpretações, que vão desde produções artísticas,
até linguagens mais primitivas, como as passadas de geração para geração desde a antiguidade.
As culturas podem ser entendidas como dinâmicas, flexíveis e
históricas. Na perspectiva de Morin (2002),
Uma cultura é um conjunto de saberes, de savoir-faire, regras, estratégias, hábitos, costumes, normas, interdições, crenças, ritos, valores, mitos, ideias, aquisições, que se perpetua de geração em geração, reproduz-se em cada indivíduo e alimenta por geração e regeneração a complexidade individual e a complexidade social. A cultura constitui, assim, um capital cognitivo, técnico e mitológico não inato. (MORIN,
2002, p. 300).
A diversidade cultural envolve e significa diferença e semelhança, estando relacionada com a forma de estabelecer uma conexão com o
outro e que para compreendê-la, é necessário um diálogo com outros
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tempos e com os múltiplos espaços existentes na sociedade, visto que as
diversidades e desigualdades são históricas.
Portanto, apesar de constituídos os direitos humanos e de cidadania, ainda existem muitos obstáculos para sua efetivação e concretização, pois o que se percebe é que esses direitos são violados. A esfera pública, não garante sua consolidação, demarcação da disputa frente à ideologia conservadora, autoritária, segmentada, pautada na defesa da manutenção de uma ordem social perversa, composta por valores considerados
únicos, pré-determinados e imutáveis. São muitos os movimentos polêmicos à cerca do tema e muitas deles envolvem atos violentos, justificados pela concepção de práticas culturais.
A sociedade contemporânea ainda conforma uma série de violações aos direitos fundamentais do ser humano (guerra, trabalho escravo,
prostituição infantil, entre outras), dentre as quais se situam aquelas relacionadas à discriminação e violência, decorrentes da orientação sexual e
de identidade de gênero dos indivíduos sociais.
Os fatos constatados emergem para a importância de se pensar
uma organização curricular que trate da diversidade cultural, não como
práticas educativas pontuais, mas sim, como um processo de construção
de conhecimento. Assim descreve Samtomé (1995), que explica:
[...] os conteúdos que são desenvolvidos de forma explicita na maioria
das instituições escolares e aquilo que é enfatizado nas propostas curriculares, chama fortemente a atenção a arrasadora presença das culturas que podemos chamar de hegemônicas. As culturas ou vozes dos
grupos sociais minoritários e/ou marginalizados que não dispõe de estruturas importantes de poder costumam ser silenciadas, quando não
estereotipadas, para anular suas possibilidades de reação. (SAMTOMÉ, 1995, p. 162).
Ao observar os documentos que orientam as práticas docentes, e
os currículos escolares, na maioria das instituições públicas o que se encontram são escritas que não valorizam a diversidade no cotidiano escolar. E nestes mesmos espaços escolares, encontramos diferentes relações
de etnias e classes sociais, porém identifica-se que a escola valoriza e se
constitui de um espaço que ainda não superou a ―escola de brancos‖, e
por consequência cria um movimento de exclusão das diferenças.
Para a educação ter como princípios a inclusão é necessário
romper com os paradigmas que sustentam o conservadorismo das escolas, contestando os sistemas educacionais bem como os conceitos que os
fundamentam. As instituições educacionais precisam questionar a fixação
dos modelos curriculares atuais, que mais excluem do que incluem, e
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possibilitar uma educação igualitária, possibilitando assim maior interação entre os sujeitos, e desta forma, constituindo respeito às identidades e
diferenças.
Um dos fatores que observamos, e que pode interferir no currículo escolar, é o modo como o capitalismo favorece as práticas de exclusão
e competitividade, fortalecendo assim no espaço escolar as desigualdades
sociais. Outro fator observado foi o atraso em relação ao cuidado e zelo
com a educação dos brasileiros, principalmente daqueles historicamente
marginalizados, contribui para o avanço das desigualdades sociais no
país e para a manutenção da pobreza daqueles que têm sido mantidos à
margem dos direitos sociais, principalmente do direito à educação de
qualidade.
Por fim, a invenção de novas táticas e dispositivos por parte do
Estado, coloca o ensino no viés da educação mercadológica e do trabalho. Desvenda há necessidade de um espaço na agenda políticapedagógica, pois a docência não tem dado conta da formação ética dos
sujeitos. E em tempos de inovação, tecnologia, ainda não se superou a
ideia de poder, de dominação e de classes.
3. A DIVERSIDADE CULTURAL PARA ALÉM DO CURRÍCULO
Nas escolas brasileiras, o tema diversidade cultural até então,
ainda, não é tratado como plano de conhecimento, e sim como um conteúdo a ser ensinado. Nos últimos anos, a região Oeste do Estado de
Santa Catarina tem sido destino de inúmeros caribenhos. Vale destacar
que a vinda destas pessoas, para esta região, não estava planejada políticas públicas de assistência e acolhimento. Estes povos que aqui chegam,
quando inseridos nas instituições escolares encontram diversas barreiras,
pois não temos até então uma proposta curricular consistente. Sabe-se
que a pouco tempo foi formulada uma Base Curricular do Território
Catarinense, que está em processo de implantação e que trata da diversidade como princípio formativo, perpassando por todas as áreas do conhecimento, e que esta proposta deverá sem implanta nas escolas públicas catarinenses nos próximos anos.
Portanto, estes povos imigrantes chegam ao Brasil na esperança
de encontrarem aqui um lugar que oportunize recomeçar a sua história,
objetivando uma condição social e econômica mais digna. Geralmente
são encaminhadas as agroindústrias da região, onde a mão de obra é
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escassa. E o que se sabe, é que, a busca desta oportunidade, muitos
abrem mão da sua estrutura familiar e até mesmo da sua identidade, em
busca dessa melhoria de condição de vida.
Em relação à faixa etária destes imigrantes na sua maioria, são
jovens com família já constituídas por filhos. E quando estes passam a
trazer seus filhos ou mesmo os que já são nascidos no país, e se estabilizam na região, buscam as escolas públicas com o objetivo de possibilitar
uma garantia de estar em um espaço educacional, e que este acolha estes
sujeitos nas suas diferenças.
Dessa forma, a condição humana está intrinsicamente ligada as
condições de vida impostas ao homem por ele mesmo, na busca pela
sobrevivência e a necessidade de discutir as questões relacionadas às diferenças visando à resolução de alguns conflitos vivenciados em sala de
aula, e que precisa ser compreendida, principalmente quando se refere à
cultura e história de vida destes povos:
Todos os povos possuem uma cultura, com características próprias,
peculiares, construídas durante a sua história, determinada pelo ambiente geográfico e por eventos históricos enfrentados no tempo e no espaço, e, portanto, nenhuma cultura é melhor ou pior, inferior ou superior, mas, diferente. (KADLUBITSKI ; JUNQUEIRA p. 317 e 318).
Desta forma, a diversidade sempre esteve presente na constituição da identidade de cada comunidade social, que, ao longo do tempo,
apresentam rupturas e, consequentemente, dão ênfase às diferenças não
aceitas pelo coletivo, as quais acabam por resultar em relações de preconceito, discriminação, desigualdade, dentre tantas outras.
Segundo Silva (2014, o mesmo saliente que:
À identidade e a diferença têm que ser ativamente produzidas. Elas
não são criaturas do mundo natural ou de um mundo transcendental,
mas do mundo cultural e social. Somos nós que as fabricamos, no contexto de relações culturais e sociais. A identidade e a diferença são criações sociais e culturais. (SILVA, 2014, p. 76).
Estes sujeitos possuem diferenças culturais, como de cunho religioso, gênero, etnia, características físicas, habilidades e de conhecimentos, dessa maneira, a escola tem que ser o lugar onde estas diferenças se
encontram e assim possam vivenciar possibilidades de aprendizagem
auxiliando na formação da identidade cultural deste futuro adulto, através, das situações de aprendizagem.
Neste sentido, as crianças que estão chegando às instituições
educacionais, e se expressando através de diferentes etnias, línguas, cultu-
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ras, modos de vida, valores, organizações, crenças, representações, enfim,
de sua cultura, ficam invisíveis na sociedade e assim estão perdendo sua
identidade.
Para Lopes a exclusão está associada à expurgação:
Trata-se de um tipo de exclusão que decorre dos despejos humanos de
território habitados e não-autorizados. Despejos humanos feitos por
prefeituras que, para limparem suas cidades do que é desejado, expurgam as pessoas sem que elas tenham para onde ir e nem mesmo condições mínimas de sobrevivência. (LOPES, 2009 p. 159).
Desta forma, as ações de exclusão no campo educacional acontecem devido às políticas educacionais que nas suas formulações carregam um modelo de sociedade que desvaloriza os sujeitos que não se ―encaixam‖ nos moldes desejados, e obscuramente passam a tratá-los como
objetos, sem vida, sem alma, sem piedade.
Na educação formal, a educação infantil como primeira etapa da
educação básica, é um espaço fundamental, pois se torna o primeiro contato escolar da criança com as diferentes culturas, se torna o ponto fundamental na constituição da sua identidade. É neste espaço que inicia o
desenvolvimento de novas subjetividades, levando em consideração o
discurso pedagógico que emerge e justifica a existência política de subsistência institucional.
Portanto, é na fase da infância que se constroem traços de personalidade, dessa forma, o ambiente educacional tem que desempenhar um
papel socializador em que a criança começa a ampliar sua rede de relações. Nesta etapa o professor é o principal medidor destas relações, sendo
o responsável direto e possibilitando a construção de conhecimentos
expressivos.
Nesta fase da infância é importante observar a imagem que passamos através da telinha, pois para Silva (2000)
[...] na teoria do cinema, para explicar a forte ativação de desejos inconscientes relativamente a pessoas ou imagens, fazendo com que seja
possível nos vermos na imagem ou na personagem apresentada na tela.
Diferentes significados são produzidos por diferentes sistemas simbólicos, mas esses significados são contestados e cambiantes. (SILVA,
2000, p. 18).
Nesta perspectiva, os meios de comunicação não são necessariamente nocivos para a infância, pois influenciam na formação educacional, cultural e social. Para tanto é preciso que o educador propicie vivencias significativas que atendam às necessidades da criança e não do adul-
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to, ou seja, o papel da escola deve estar voltado para as necessidades dos
sujeitos.
As ações educativas devem possibilitar vivencias concretas no
contexto em que se inserem aos sujeitos, e assim, ampliando estes conhecimentos. Para que estas ações se consolidem, se faz necessário, professores que tenham suas ações pautadas na aprendizagem através da interação entre pares e impares que possibilitem espaços de aprendizagem garantindo condições educativas.
Em relação ao trabalho docente, mesmo com a criação de leis e
diretrizes, observamos que muitos educadores não se sentem ―seguros‖
para trabalhar temáticas relacionadas as diversidades culturais e sobre a
valorização da cultura popular brasileira, pois em diálogo com os mesmos, constatamos que para a maioria dos educadores, estas temáticas não
fizeram parte efetivamente de sua formação acadêmica ou formação
continuada no espaço educacional.
Para Silva (2000), nos chama a fazer uma reflexão sobre as abordagens pedagógica afirmando que:
Finalmente, gostaria de argumentar em favor de uma estratégia pedagógica e cultural de abordagem da identidade e da diferença que levasse em conta precisamente as contribuições da teoria cultural recente,
sobretudo aquela de inspiração pós-estruturalista. Nesta abordagem, a
pedagogia e o currículo tratariam a identidade e a diferença como
questões de política. Em seu centro, estaria uma discussão da identidade e da diferença como produção. A pergunta crucial a guiar o planejamento de um currículo e de uma pedagogia da diferença seria: como
a identidade e a diferença são produzidas? Quais são os mecanismos e
as instituições que estão ativamente envolvidas na criação da identidade e de sua fixação? (SILVA, 2000, p. 99).
Nesse viés, a discussão aqui apresentada, sintetiza que os povos
são constituídos culturalmente, com características próprias, com sentidos e necessidades. E, as escolas, através de seus profissionais que atuam
diretamente com estes sujeitos, devem estar capacitados para atuarem no
coletivo, e serem conhecedores dos saberes culturais que cada organização cultural se apropria.
De acordo com Santomé (1995) ―os saberes e conhecimentos que
circulam pelas salas de aula constituem uma forma de construir significados, reforçar e confrontar interesses sociais, formas de poder, de experiências, que tem sempre um significado cultural e político‖. Deste modo,
percebemos que o papel do professor é fundamental no andamento das
atividades escolares, pois ele é o mediador entre a criança e o conhecimento.
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Assim sendo, é necessário que esse profissional esteja em uma
constante busca por aprender sobre o desenvolvimento de crianças e a
forma como elas se sentem no mundo, criando oportunidades para elas
manifestarem seus pensamentos, linguagens, criatividade, reações, imaginação, ideias e relações sociais.
Compreendemos que o professor precisa avivar em si mesmo o
compromisso de uma constante busca do conhecimento como alimento
para seu crescimento pessoal e profissional. Isto poderá gerar segurança e
confiabilidade na realização do seu trabalho docente. Essa busca poderá
instrumentalizá-lo para assumir seus créditos, seus ideais, suas verdades,
contribuindo para defender um corpo teórico que dê sustentação para a
realização do seu fazer.
Diante disso, para que este processo se solidifique se faz urgente
uma formação docente qualificada e eficiente que vise todas as necessidades e volte suas metodologias para a construção de um saber que respeite as diferenças e se adeque a toda diversidade cultural existente.
Portanto o educador se vê diante de um grande dilema: se por
um lado ele encontra nas leis e diretrizes, a importância que tais questões
têm na formação de seus alunos, por outro lado ele se encontra sozinho,
muitas vezes sem referência para desenvolver um bom trabalho e é por
isso que muitos desses temas acabam se restringindo a eventos de datas
comemorativas, sem a mínima contextualização.
A diversidade cultural é um fator muito importante de ser analisado no sistema de ensino, pois é a forma de mostrar as crianças que
existem diversas formas de cultura para além da que eles estão acostumados a ver. Também de provocar o desafio de proporcionar uma formação
mais ampla para as crianças, no sentido de fazer com que eles interajam
com a realidade se redescobrindo e descobrindo coisas novas, pois muitas
vezes as crianças desconhecem a sua própria cultura.
Nesse sentido, o grande desafio da educação é estabelecer um
processo de aprendizagem baseado na comunicação e na troca, visando
minimizar práticas de discriminação e de exclusões presentes no contexto
social, compreender a pluralidade que os cercam, as crianças tendem a se
sentirem responsáveis pela transformação do seu ambiente e de sua história.
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4.
PALAVRAS FINAIS
A partir das discussões propostas no texto, as diversidades culturais e direitos humanos ainda se colocam como um objeto com diversos
elementos a desvendar. Se permitir participar do debate sobre os elementos que interagem é permitir se colocar atento às mudanças significativas
e necessárias as relações sociais, na busca imperativa pela igualdade e
condições de acesso e efetivação da garantia de direitos.
Em contextos multiculturais, o papel da escola é, sem dúvida,
poder contribuir para a formação de cidadãos conscientes dessa realidade
e que se compreendam em sua identidade própria. Trata-se de uma tarefa
complexa que exige da escola um currículo que supere programas, conteúdos e métodos monolíticos e fixistas em contraponto com formas mais
flexíveis e dialogantes com as culturas. É necessário, para tanto, que a
escola elabore e desenvolva um currículo que leve em conta e contemple
as diferentes identidades e a diversidade cultural dos alunos. O respeito às
diversas culturas existentes é, sem dúvida, um pressuposto e um possível
caminho para garantir a inclusão escolar.
Na proposta deste estudo manifestamos a importância de conhecer outras culturas, buscando compreendê-las na totalidade de suas visões
de mundo, trazendo elementos para pensarmos como estão sendo trabalhadas as diferentes culturas existentes em nossa sociedade.
O desafio foi lançado, é preciso repensar nossas práticas educativas e pedagógicas para que possamos propor a multiculturalidade e as
diversas experiências ocultas nos espaços educacionais. As propostas já
estão elaboradas, mas a escola precisa ser pensada como espaço que prioriza o acesso à cultura, possibilitando a formação de cidadãos plenos,
construindo uma abrangente bagagem de ideias, conceitos, cores, formas
e sons, com os quais vão processando os seus saberes em práticas mais
conscientes.
REFERÊNCIAS
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sociedade democrática. Nómadas. Revista Crítica de Ciências Sociales y
Jurídicas,
|16
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multicultural. In: XV Congresso Internacional De Educação Popular,
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2015, Santa Maria - RS. Construindo Caminhos Possíveis Para Uma
Educação De Qualidade?, 2015.
MORIN, Edgar. O método 5. A humanidade da humanidade. Porto
Alegre: Sulina, 2002.
SANTOMÉ; Jurjo Torres. As culturas negadas e silenciadas no
Currículo. In SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Alienígenas na sala de aula.
Uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1995.
SILVA. Tomaz Tadeu da. Identidades terminais: as transformações na
política da pedagogia e na pedagogia da política. Petrópolis: Vozes, 1996.
TREICHLER, Cary Nelson Paula; GROSSBERG, Lawrence. Estudos
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Alienígenas na sala de aula. Uma introdução aos estudos culturais em
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VEIGA-NETO, Alfredo; LOPES, Maura Corcini. Inclusão e
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100-Especial,
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947-963,
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Disponível
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jan. 2013.
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DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA E
DESAFIOS PARA UMA EDUCAÇÃO EM
DIREITOS HUMANOS
Josiane Crusaro Simoni1
Marcilei da Silva Bender2
Vania Salete Cassol Daga3
1.
Palavras iniciais
A diversidade cultural constitui-se em aspecto marcante das sociedades que compõe e são parte do universo. A beleza das etnias, das línguas, das crenças, das ideologias, dos modos de pensar e das relações de
convivência dos múltiplos sujeitos, nos faz perceber a riqueza pluricultural que se apresenta desde as pessoas aos territórios habitados. Porém, a
singularidade do ser humano nem sempre tem sido visualizada sob a
ótica do reconhecimento, do diálogo e da convivência, mas através de
relações de dominação, exploração, intolerância, discriminação e de
violação dos direitos fundamentais e essenciais.
Cogitar uma educação pautada em direitos humanos se apresenta como um dos percursos favoráveis e essenciais para o entendimento, à
valorização e o bem viver na diversidade. Tais ações não significam a
diminuição ou afronta das nossas crenças e concepções, mas tendem a
permitir a reflexão, a análise e a compreensão constante de que não há
uma única verdade, mas sim inúmeros pontos de ótica, de observação e
de vislumbramento do universo em seu todo, os quais merecem respeito.
1
2
3
Mestra em Educação pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó Unochapecó. Presidente da Associação dos Professores de Ensino Religioso do
Estado de Santa Catarina (Aspersc). Professora de Ensino Religioso na Secretaria
Estadual de Educação (SED/SC). Contato: josicrusaro@unochapeco.edu.br
Mestranda em Educação pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó Unochapecó. Contato: marcisilva@unochapeco.edu.br
Mestranda em Educação pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó Unochapecó. Professora da Rede Pública de Educação do Estado de Santa Catarina.
Contato: vaniasale@yahoo.com.br
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Isto posto, nesta produção inicialmente apresentamos breves noções sobre a diversidade cultural religiosa e os possíveis impactos do processo de colonização em terras brasileiras, da chegada e povoamento dos
grupos étnicos, da ausência do diálogo e das atitudes discriminatórias que
ainda se perpetuam através da proliferação de práticas fundamentalistas,
xenofóbicas e intolerantes em relação ao diferente. Na sequência, dialogamos sobre a incumbência dos territórios escolares como lócus essenciais para a aproximação e efetivação de diálogos na diversidade, conjuntamente com o desenvolvimento do componente Ensino Religioso sob o
aspecto não confessional, primando por uma educação em direitos humanos.
2. (In)diferença: resistência e estranhamento na ausência do
diálogo
Somos milhares de sujeitos que buscamos nos desenvolver, nos
relacionar e conviver no planeta Terra. Embora muitas ações despertem
para a convivência pacífica, se reconhece que são inúmeras as dificuldades quanto à compreensão e o respeito frente às singularidades que compõe cada sujeito e cultura. E, se julgamos que a ausência das boas relações se deve ao fato de sermos mais de sete bilhões4 de pessoas, nos equivocamos, pois as dificuldades quanto à coexistência integram a história
da humanidade.
Dos processos de colonização na América, na África e na Ásia,
onde ―a trajetória da cultura ocidental hegemônica é marcada por uma
espécie de autocontemplação da sua própria ―superioridade‖ ética, política, econômica e cultural‖ (POZZER, et al., 2009, p. 271), o não reconhecimento das diferenças que integram o(a) Outro(a)5, fez com que as relações de superioridade e inferioridade viessem a negar a pluralidade cultural.
Tendo como pano de fundo a América Latina e considerando os
processos de exploração, cristianização, submissão e subalternização para com os povos originários -, ainda estão vivas as feridas provocadas
pela invasão e aculturação nos modos de vida e desenvolvimento das
4
5
Conforme estatísticas da Organização das Nações Unidas (2017, online) a população
mundial está em 7, 6 bilhões de pessoas, sendo o maior número de nascimentos
registrado nos países mais pobres.
Nesta produção, assim como noutras, utilizamo-nos do termo Outro(a), em
maiúsculo, expressando aquele que não pode ser reduzido ou contido, pois é
presença viva, integrante da nossa existência (LEVINAS, 2005).
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comunidades que nela se encontravam. Os choques culturais vinculados
às ações de estranhamento, discriminação, intolerância e aversão ao diferente não romperam em pleno século e, embora algumas políticas públicas visem possibilitar direitos outrora negados, não conseguimos combater a violência étnico-racial, religiosa, cultural e social.
Rememorando acontecimentos da história brasileira, como
exemplo o século XVI do processo de invasão e opressão, pode-se refletir
que nem mesmo a riqueza cultural dos povos indígenas - através da culinária, das artes, das danças, da religiosidade, das práticas ritualísticas,
como outros aspectos - foi suficiente para uma boa convivência em relação às singularidades deste grupo. Se para Cecchetti e Oliveira (2015, p.
229) ―[...] a diversidade cultural é uma das fontes do desenvolvimento
humano, pois amplia os horizontes e sentidos‖, essa perspectiva esvaiu-se
dando lugar a supremacia branca, europeia e colonizadora.
O europeu, estando em terras brasileiras, impôs os aspectos culturais oriundos do continente ao qual era descendente. Exemplo disso
está expresso no processo de catequização e evangelização infligido ao
indígena, através da Companhia de Jesus, a qual perdurou por mais de
dois séculos. Para Pozzer, et al. (2009, p. 277), ―a catequese e a educação
mediaram o transplante dos bens simbólicos e culturais europeus, cujo
controle, domínio e manipulação garantiam a dependência da Colônia‖.
Com a vinda dos negros para o Brasil, através do tráfico negreiro, houve a uma maior representatividade e intensificação das diversidades culturais (CECCHETTI e OLIVEIRA, 2015), pois seus costumes e
tradições, embora negados, mantiveram-se nas senzalas e nos quilombos,
dos quais muitos sobreviveram e fazem parte da cultura atual. Se reconhece que os direitos, como a liberdade de pensamento, de ir e vir, de
opinar, foi negado, e naquele contexto histórico, tão pouco a liberdade
religiosa foi discutida e reconhecida.
Conforme os educadores Cecchetti, et al. (2013, p. 205) ―a condição efetiva para viver uma cultura de paz em justiça e liberdade implica
estabelecer relações para a vida, considerando a diversidade cultural
[...]‖. Por vez, não pretendendo fazer julgamentos das relações às quais
os negros e indígenas foram expostos, sabemos que estes foram os que
mais tiveram suas culturas e direitos denegados no território brasileiro.
Com o advento da República, o Brasil tendo assumido o princípio da laicidade, isto é de não seguir ou ter uma determinada religião,
objetivou primar pela garantia da liberdade de crença, mas os esforços
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não foram suficientes para combater o preconceito em relação às distintas
crenças, pois:
O religioso, assim como a linguagem, pode endossar, subverter os sentidos e alienar os sujeitos. Aspectos do mundo religioso, ao serem
submetidos aos interesses de grupos particulares, podem produzir sentidos e significados que legitimam preconceitos, discriminações e violências de alguns sobre Outros. (CECCHETTI e OLIVEIRA, 2015, p.
231).
Nos fins do século XIX e durante as primeiras décadas do século
XX, o Brasil recebeu os italianos que se fixaram nas regiões Sul e Sudeste. Oriundos da Europa tinham como religião o Cristianismo Católico.
Ritos e práticas religiosas desta tradição continuaram a ser realizados nas
terras povoadas, tornando-se elemento integrante da cultura brasileira.
Em estudos recentes, o historiador Basquera revela que, especialmente no
estado de Santa Catarina, ―[...] a religião ditava o ritmo de vida de muitas
famílias e até de comunidades inteiras‖ (2007, p. 52).
O fluxo de espanhóis, alemães e sírio-libaneses também ocorreu
neste período. Quanto aos espanhóis sabe-se que a religião predominante
era o Cristianismo Católico. Os alemães, em grande maioria, eram Cristãos Protestantes. Embora cristãos, os católicos e protestantes possuem
diferentes interpretações do texto sagrado e rituais. Estas expressões foram integrando o contexto cultural brasileiro e ―[...] constituindo-se em
fontes de conhecimentos a instigar, desafiar e subsidiar a vida cotidiana‖
(CECCHETTI e OLIVEIRA, 2015, p. 230).
Os sírio-libaneses viveram o processo de imigração no início do
século XIX, buscando em terras brasileiras refúgio diante dos problemas
econômicos, políticos e religiosos que os assolavam6. Com grande facilidade para dialogar foram assumindo funções comerciais. No aspecto
religioso, de acordo com o historiador Pereira (2000, p. 21) a maioria
―[...] declarou-se filiada às igrejas greco-ortodoxa e maronita‖.
No século XX, ocorreu à imigração de muitas famílias japonesas
que vieram em busca de condições melhores e passaram a ocupar funções
nas fazendas cafeeiras. Juntos trouxeram as crenças orientais, que embora se difundiram, ainda são pouco conhecidas e, inclusive, nem sempre
respeitadas pela maioria da população brasileira. Confirmando da inter6
No artigo utilizado, Pereira (2000) pretende dialogar sobre a pluralidade étnica
brasileira trazendo aspectos históricos do processo de imigração no país. Interligado
a esse estudo, apresenta traços da religião, da cultura e outros elementos que foram
compondo o rosto pluriétnico brasileiro.
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pretação de Cecchetti e Oliveira (2015, p. 231) reconhecemos que ―especialmente no campo religioso, a variedade de identidades, tradições e
religiosidades nem sempre foram/são compreendidas como aspectos
positivos‖.
Com relação aos judeus, estudos apontam que a chegada destes
teria ocorrido ainda nos séculos XI e XII, porém ―[...] os estudiosos da
imigração estrangeira colocam o início do século XX como o marco inicial da imigração judaica7 [...]‖ (PEREIRA, 2000, p. 21). Consigo trouxeram aspectos e práticas ritualísticas oriundos do Judaísmo, uma das religiões abraâmicas e monoteísta com origens mais antiga.
No século XXI, os intensos processos de imigração haitiana
marcam um novo cenário, ao que muitas pessoas veem na fuga de seu
país de origem, a saída para a prevalência da própria vida humana e social. Seus costumes e práticas culturais, bem como a religiosidade (de predominância católica, com rituais do Vodu) fazem parte do contexto simbólico cultural e existencial. Junto aos haitianos, se somam os venezuelanos e demais comunidades dos distintos continentes.
Ao reconhecermos a pluralidade étnico-racial e religiosa que
compõe nosso país, necessitamos que os territórios escolares proporcionem a edificação de saberes que permitam o reconhecimento e respeito
frente à diversidade religiosa e não religiosa.
Pesquisas do último censo (2010) realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, apontam que o Cristianismo é a religião
que atualmente possui o maior número de adeptos. Mas, desta vez identificou-se que a proporção de católicos reduziu-se e ocorreu um crescimento dos evangélicos, dos espíritas e das pessoas sem religião8. Porém, é
perceptível que:
Por repetidas vezes, desde o passado colonial explorador até a atualidade, a diversidade religiosa foi utilizada como elemento de diferenciação e subalternização de sujeitos e sociedades. Este é um problema
extremamente complexo porque tal fato costumeiramente não carrega
motivações exclusivamente religiosas, mas se aglutinam razões de ordem econômica, social e política. (CECCHETTI e OLIVEIRA, 2015,
p. 231).
7
8
Para maiores informações, pode ser consultado o artigo de Pereira (2000) intitulado Os
imigrantes na construção histórica da pluralidade étnica brasileira.
Para maiores detalhes e informações sobre os dados, pode ser consultado o endereço
eletrônico:
<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/94/cd_2010_religiao_defici
encia.pdf> Disponível em: 04 de ago. 2018.
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Ainda pairam muitos ranços os quais se manifestam nas atitudes
e ações preconceituosas e discriminatórias para com os diferentes grupos
quando determinadas pessoas, em seus discursos, fazem julgamentos das
demais crenças. Compreendo que o Brasil foi/é palco de inúmeras etnias
e de culturas diversas, composto por sujeitos singulares, não restam dúvidas de que ―o diálogo entre as religiões, em vez de monólogos marcados
por competições acirradas, provocações e acusações infundadas, violências e discriminações‖ se apresenta como percurso favorável para o bem
viver na diversidade (CECCHETTI, et al., 2013, p. 221).
Caso não tenhamos uma educação permeada por interações, inclusões, estudos e compreensões, corremos o risco de permanecer inferiorizando e recusando as diferentes concepções (religiosas e não religiosas).
A (in)diferença9 em relação ao Outro(a), tende a despertar para o fechamento, a resistência e o estranhamento por não haverem diálogos e aproximações respeitosas. Destarte, a sensibilidade para novos olhares na
diversidade religiosa se apresenta como caminho favorável e esse processo exige de cada um(a) de nós reflexões e releituras dos conhecimentos já
produzidos pela humanidade.
Noutras palavras, Cecchetti e Oliveira (2015, p. 241) corroboram
que se faz urgente ―ouvir, acolher, valorizar, respeitar e conviver percebendo as características, conhecimentos e construções culturais dos diferentes sujeitos‖. Por intermédio dessas ações poderemos romper com
atitudes que tendem a proliferar a inferiorização do(a) Outro(a), como
exemplo, as religiões nativas, africanas, afro-brasileiras, orientais, dentre
filosofias de vida e demais movimentos religiosos e não religiosos.
Em âmbito nacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos primou pelo direito à liberdade religiosa ao mencionar que todas
as pessoas:
[...] tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este
direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade
de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo
culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em
particular. (ONU, 1948, art. 18, online).
Este direito se caracteriza como indispensável, avaliando que em
nosso processo de desenvolvimento, somos cercados por diferentes teorias e concepções, religiosas e não religiosas. Por vez, o desejo de impor
9
Utilizamo-nos do termo indiferença, que corresponde a frieza, a apatia ou desinteresse
para com o(a) Outro(a). Não raras às vezes, o diferente é visualizado sob essa
relação, provocando-nos o estranhamento e fechamento em nossas cosmovisões.
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uma crença como verdadeira, bem como de converter uma ou mais pessoas, se faz tão presente e visível, seja nas relações cotidianas estabelecidas nos diferentes territórios até a escola, onde práticas pedagógicas priorizam determinada crença em detrimento as demais.
O diálogo e o conhecimento tendem a contribuir com o reconhecimento das pluralidades culturais religiosas. Para tanto, ao requerermos
o acolhimento e respeito do(a) Outro(a) nos territórios escolares, um dos
desafios é o rompimento de ―[...] processos educativos pautados no monoculturalismo universalizante [...]‖ (CECCHETTI e OLIVEIRA, 2015,
p. 240), considerando que o ensino da tradição cristã católica se difundiu
- e ainda se perpetua - em muitas aulas e momentos cívicos escolares.
Em 1981, a Assembleia Geral das Nações Unidas anunciou a Declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação
fundadas na religião ou nas convicções no intuito de assegurar, em seus oito
artigos, a liberdade de crença. Em destaque, o artigo III, afirmou que: ―a
discriminação entre os seres humanos por motivos de religião ou de convicções constitui uma ofensa à dignidade humana [...]‖ (ONU, 1981, online).
Em 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil,
prescreveu em seu artigo 5º, inciso VI, que ―é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a
suas liturgias‖ (BRASIL, 1988, p. 2). Autenticamos a vitalidade desse
direito em qualquer território, em destaque nos territórios escolares que
agregam a diversidade de crenças.
No mesmo século, em 1991, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) mencionou os direitos à liberdade e a assistência religiosa,
exposto nos artigos 16, 94 e 124. Considerando a garantia deste direito,
diante das distintas concepções, reafirmamos o exposto no documento:
―O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: [...] II - opinião
e expressão; III - crença e culto religioso; [...]‖ (BRASIL, 1990, Art. 16,
on-line).
A necessidade de extirpar a intolerância religiosa vem sendo pensada no limiar das sociedades, em especial no decorrer do século XX.
Declarações, pactos, planos e demais legislações propõe a efetivação dos
direitos humanos. Porém, sabemos que os presentes documentos não tem
conseguido combater o ódio religioso que se expande. Por isso, acredita-
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mos que uma educação intercultural10 pautada em direitos humanos poderá promover a convivência pacífica entre as diferentes culturas, religiosas e não religiosas.
O face a face com o(a) Outro(a), que antes poderia ser vislumbrado como ―mais um‖, ou ―um estranho‖, é plausível a partir do momento em que nos colocamos no lugar deste Outro(a). Essa perspectiva
se efetiva quando nos despimos de práticas que tendem a inferiorizar ou
subestimar os seres humanos, bem como, a partir de estudos que reconheçam as diferentes culturas.
Conhecimentos interculturais poderão romper com o preconceito, a discriminação, a xenofobia, a intolerância e demais costumes que
tendem a reprimir, recusar ou excluir o diferente. Em seus registros, Leonardo Boff descreve em especial sobre a ascensão do fundamentalismo11 e
destaca que tendemos a acreditar que: ―fundamentalista é sempre o outro. Para si mesmo prefere-se o termo ―radicalismo‖, seja religioso, seja
político, seja econômico‖ (2002, p. 10).
Os fechamentos e enclausuramentos silenciam a diversidade cultural e corroboram para a proliferação de atitudes desrespeitosas, pois:
[...] quem se sente portador de uma verdade absoluta não pode tolerar
outra verdade e, seu destino é a intolerância. E a intolerância gera o
desprezo do outro, e o desprezo, a agressividade, e a agressividade, a
guerra contra o erro a ser combatido e exterminado. Irrompem conflitos religiosos com incompatíveis vítimas. (BOFF, 2002, p. 25).
Diante da acentuada problemática, reafirmando o direito à liberdade religiosa e concebendo a educação como elemento de possibilidades
e transformações, confiamos que a produção de conhecimentos, que
valorizam as diversidades culturais, contribuem na efetivação de convivências melhores. Nessa perspectiva, os ambientes escolares podem/devem primar por ações que despertem e provoquem para a coexistência na diversidade.
Nessa trama, mencionamos a incumbência do Ensino Religioso,
de aspecto não confessional, nos territórios escolares, que visa o estudo
dos conhecimentos religiosos (BRASIL, 2017), bem como a adoção de
atitudes que favorecem o reconhecimento e respeito frente à diversidade
10
11
Partimos da concepção de Fleuri (2001) onde a interculturalidade quer representar a
relação, o diálogo e a convivência entre as diferentes sociedades e culturas.
Pode ser verificada, com maior concisão, a obra Fundamentalismo A globalização e o
futuro da humanidade, na qual Boff (2002) descreve o que é, como surgiu e como
conviver com o fundamentalismo.
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religiosa e não religiosa, corroborando para a efetivação dos direitos humanos.
O Ensino Religioso, já assegurado em distintos documentos brasileiros, enquanto componente de oferta obrigatória às escolas públicas e
de matrícula facultativa aos estudantes, aponta para o reconhecimento da
diversidade cultural religiosa, sem a utilização de práticas proselitistas
(BRASIL, 1997). Esse marco histórico representa um dos progressos
significativos, o qual vem reafirmar o direito à liberdade de crença.
Recentemente, na Base Nacional Comum Curricular, foram asseguradas as competências específicas do Ensino Religioso no Ensino Fundamental, que consistem em:
1. Conhecer os aspectos estruturantes das diferentes tradições/movimentos religiosos e filosofias de vida, a partir de pressupostos científicos, filosóficos, estéticos e éticos.
2. Compreender, valorizar e respeitar as manifestações religiosas e filosofias de vida, suas experiências e saberes, em diferentes tempos, espaços e territórios.
3. Reconhecer e cuidar de si, do outro, da coletividade e da natureza,
enquanto expressão de valor da vida.
4. Conviver com a diversidade de crenças, pensamentos, convicções,
modos de ser e viver.
5. Analisar as relações entre as tradições religiosas e os campos da cultura, da política, da economia, da saúde, da ciência, da tecnologia e do
meio ambiente.
6. Debater, problematizar e posicionar-se frente aos discursos e práticas
de intolerância, discriminação e violência de cunho religioso, de modo
a assegurar os direitos humanos no constante exercício da cidadania e
da cultura de paz. (BRASIL, 2017, p. 435).
O Ensino Religioso, sem a utilização de práticas proselitistas e
monoculturais, com pressupostos teóricos e metodológicos, corrobora na
formação humana e cidadã, através de ações pedagógicas que visam o
reconhecimento e respeito diante das múltiplas crenças religiosas e não
religiosas, além da efetivação dos direitos fundamentais e essenciais.
3.
Considerações Finais
A diversidade cultural é marca presente na humanidade, desde as
pessoas aos demais seres vivos que constituem o planeta Terra. Porém,
ao mesmo tempo em que representa beleza é sinônimo de ameaça devido
às relações permeadas pela imposição, negação e discriminação em relação ao diferente. Coexistir pacificamente têm se apresentado como um
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dos desafios de todas as sociedades, em distintos tempos, espaços e lugares. Por outro lado, muitas iniciativas têm despertado para interações
positivas, de diálogos, de escutas e de convivências solidárias, permeadas
pela ética, alteridade e reconhecimento da pluralidade.
Considerando que nos territórios escolares se edificam/tecem saberes que irão contribuir no desenvolvimento humano e social, registramos sobre a importância destes em promover a sensibilidade e a abertura
para a compreensão, o entendimento, a responsabilidade e o respeito contínuo nas diferenças culturais, contribuindo assim para a efetivação dos
direitos humanos. Do mesmo modo, reiteramos a importância do Ensino
Religioso, o qual possui por finalidade, além dos conhecimentos religiosos, fissuras para socializações e coexistências na e entre a diversidade.
As provocações para a efetivação de convivências pacíficas são
amplas e complexas, porém não impossíveis. Assim, nos territórios escolares estão as possibilidades para inúmeras metamorfoses, visto que neles
ocorrerão intercâmbios e aproximações entre as pessoas, bem como a
produção de saberes essenciais para a existência na diversidade cultural.
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EDUCAÇÃO DO CAMPO:
BASES PARA A CONSTRUÇÃO DE
CAMINHOS ALTERNATIVOS
FlorentinoCamargo 1
Francieli Fabris 2
Adriana Almeida Veiga 3
1.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho abordamos sobre a Educação do Campo, no intuito de conhecê-la melhor nas suas bases epistemológicas. Embasando-se
em autores que estudam o tema, faz-se um paralelo entre esta relação
com a prática pedagógica desenvolvida a anos pelos movimentos sociais
camponeses que são os protagonistas desse processo. Portanto, esta relação das bases teóricas, com as práticas vividas serão feitas por meio de
análises sobre as práticas de campo.
Busca-se em autores que escrevem sobre, na perspectiva de entender essa temática teoricamente, pensando que a teoria sustenta a prática, ao mesmo tempo em que a prática tem a sua contribuição na sustentação teórica. Portanto, teoria e prática não podem acontecer isoladas
uma da outra.
No decorrer do texto, essa relação teoria e prática ficam evidentes por meio dos autores que abordam a temática e da inserção da prática
pedagógica dxs autorxs do texto. Por esta razão, a Educação do Campo
pode ser pensada com suas bases no conceito da dialética marxista.
1
2
3
Mestrando em Educação na Universidade Federal do paraná. Linha de Pesquisa:
Diversidade,
Diferença
e
Desigualdade
em
educação.
E-mail:
camargofl2000@yahoo.com.br
Doutoranda em Educação na Universidade Federal do Paraná. Linha de pesquisa:
Diversidade,
Diferença
e
Desigualdade
em
educação.
E-mail:
francielifabris01@gmail.com
Doutoranda em Educação pela UFPR. Mestre em Educação pela Universidade TuitíUTP. E-mail:adrianaalmeidaveiga@gmail.com.
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O objetivo principal do texto é conhecer a Educação do Campo
nas suas bases teóricas, relacionando-as com a prática, visando preparar,
preparar-se e contribuir fundamentalmente para que o enfrentamento ao
momento atual de desconstrução da política pública voltada para a Educação do Campo. Para tal propósito, buscou-se na metodologia da pesquisa qualitativa, a bibliografia especializada, juntamente com a análise
das ideias e vivências práticas neste campo de formação. Assim, metodologicamente, é um trabalho de pesquisa bibliográfica e análise das situações vivenciadas na prática da construção da Educação do Campo.
Em síntese, sistematizou-se no texto algumas ideias e conhecimentos que embasam a Educação do Campo em seus pressupostos teóricos e práticos apontando-se para a possibilidade de enfrentamento ao que
historicamente foi a ideia dominante da sociedade, ou sem a luta, uma
grande possibilidade da servidão moderna se acirrar para bases fascistas.
2. EDUCAÇÃO E LUTA: OS SUJEITOS EM CONSTRUÇÃO
A Educação e a Escola tornaram-se uma necessidade dos trabalhadores que retomam a luta pela terra pós-ditadura. Acampar nas beiras
de estradas ou em fazendas improdutivas era uma necessidade primária e
a concretização disso, dependia do protagonismo dos acampados.
Quando busca-se a reflexão neste campo, remete-se à década de
1980, quando as crianças nos acampamentos mal tinham o que vestir,
mal tinham o que comer, tamanha crueldade imposta pelo sistema capitalista aos oprimidos.
Ninguém naquela época se submetia a um acampamento de beira de asfalto ou enfrentava a ocupação de uma fazenda, por graça, por
brincadeira. Era a fome, era a miséria, era a última alternativa para pessoas que haviam sido colocadas à margem do sistema. Não serviam mais,
não tinham espaço, não tinham as mínimas condições de vida. Viam a
possibilidade de organização coletiva para não sucumbirem um a um de
seus lugares onde antes habitavam.
Como já mencionado, nos acampamentos do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST), a Escola e a Educação, em geral, tornaram-se algo entendido como necessidade, assim como tantas outras descobertas no bojo da luta.
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O MST, movido pelas circunstancias históricas que o produziram, foi
tomando decisões políticas que, aos poucos, compuseram sua forma de
luta e de organização coletiva. Uma dessas decisões foi a de organizar
e articular o trabalho de educação das novas gerações no interior de
sua organicidade e, com base nessa intencionalidade, elaborar uma
proposta pedagógica específica para as escolas dos assentamentos e
acampamentos, bem como formar seus educadores. (KOLLING;
VARGAS; CALDART, 2012, p. 501)
Quando Caldart faz referência a uma proposta pedagógica específica para as escolas dos assentamentos e acampamentos, está enfatizando que nesta proposta precisa estar a vida dos envolvidos, o espaço social, o território, a construção coletiva. É nesta perspectiva que se constrói
a Educação do Campo. DO Campo, que significa ser pensada pelos sujeitos do campo e NO Campo, estar no espaço da luta, onde estão os trabalhadores.
Nesta discussão da Educação do Campo, necessariamente estuda-se e compreende-se porque essas pessoas vivem à este lugar, por que
acampam? Porque moram em barracos de lona? Por que ocupam a terra?
Porque existem milhões de pessoas sem a terra e poucas que se dizem
donas de imensidão de terras?
São questões intrigantes para quem não compactua com este tipo
de pensamento. Para a elite, este tipo de pensar e organizar atrapalha
seus interesses.
Com a intencionalidade de construir uma educação que atendesse os reais interesses daqueles que lutam e sacodem a estrutura social
vigente, a escola para as crianças iniciou sua caminhada com a luta do
acampamento. Uma armação rústica, coberta com lona preta tornou-se a
escola do povo, sinal de resistência ao modelo vigente que não permitia
aos trabalhadores acesso à educação e à Escola.
Outras questões dentro da escola passaram a ser preocupações,
tais como abordam Kolling, Vargas e Caldart (2012) que é de pensar a
proposta pedagógica e para isso vários questionamentos surgem, como: O
que estudar? Para que estudar? Como fazer a escola que se quer? E qual
escola se quer construir? Entre tantos outros questionamentos, como uma
publicação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, de 1991,
que intitula ―O que queremos com as Escolas dos Assentamentos?‖
Percebe-se que esses sujeitos organizados, saem de uma condição
de subalternos para uma condição de protagonistas.
Seguindo a análise, onde os sujeitos vão se constituindo nessa
condição, na luta organizada nos acampamentos, vão também sendo
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atacados e denegridos por forças antagônicas. Nesse embate os camponeses vão aprimorando seus pensamentos e formas de lutas, onde vão se
firmando ainda mais como sujeitos reivindicativos e propositivos.
Construída uma vasta caminhada, os trabalhadores camponeses
se concretizam como lutadores de direitos e construtores de caminhos.
Frigotto (2009) escreve que ―[...] a construção de caminhos alternativos
na sociedade brasileira e nas concepções, nas políticas e na gestão da
educação pública‖. Dessa forma, é a partir do movimento social que há
uma efervescência coletiva de um grupo organizado.
3. DA EXPERIÊNCIA EDUCATIVA DO MST À EDUCAÇÃO DO CAMPO
Quando se trata da educação do Campo, é necessário considerar
a trajetória de construção dessa caminhada com as lutas dos movimentos
sociais, especificamente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra.
A luta pela terra e pela educação nos acampamentos são práticas
nascidas praticamente juntas. Uma vez organizados, esses trabalhadores
vão se redescobrindo enquanto sujeitos de direitos e percebendo que para
conquistá-los, somente com luta. De acordo com Caldart (2003), “quase
ao mesmo tempo em que começaram a lutar pela terra, os sem-terra do
MST também começaram a lutar por escolas e, sobretudo, para cultivar
em si mesmos o valor do estudo e do próprio direito de lutar pelo seu
acesso a ele‖ (CALDART, 2003, p. 62).
Após as pessoas se organizarem e começarem a se reconhecer
como sujeitos, muitas situações de negação dos seus direitos que eram
corriqueiros, passam por mudanças. Organizados estes, os explorados e
alienados a um sistema perverso, o capitalista, os sujeitos foram se reconhecendo como quem também teriam que usufruir do que antes lhes era
negado.
Essa perspectiva foi tomando caminho inverso do que era hegemônico socialmente, porque antes eram subalternos, agora, passam a
pensar diferente. Começam a se contrapor aos donos do poder, a aqueles
que sempre fizeram prevalecer o que entendiam como correto. Estes,
(elite) bem como nos esclarecem Jesus e Bezerra (2003).
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Os poucos donos das terras, que sempre receberam privilégios e exerceram influência sobre as instâncias do estado brasileiro, além de se
sentirem donos da natureza e com isso explorá-la até a exaustão, se
comportam como se fossem donos das pessoas, especialmente as mais
pobres. Em nome de seus interesses pessoais, financeiros e políticos, os
latifundiários exploram, escravizam, ameaçam, torturam e matam
aqueles e aquelas que ousam lutar contra seus privilégios. (JESUS,
BEZERRA, 2003, p. 242)
As autoras acima citadas trazem a tona quem realmente são os
que se consideravam donos das pessoas, complementando uma cultura
do tempo da escravidão no Brasil. Os senhores donos de grandes áreas
territoriais iam até os portos comprar os negros considerados ‗sem donos‘, portanto, uma mercadoria a venda. Essa cultura permaneceu e ainda hoje existe, basta imaginar que os trabalhadores estão sob os mandos
de alguém que lhes paga o seu salário.
Acontece que nem tudo pode ser para sempre, nessa perspectiva,
principalmente no campo, que é o foco desse estudo/trabalho, os trabalhadores organizados começam a protagonizar sua própria história. Lutar
pela terra, por Educação e por Escola passa a ser uma necessidade básica
da população camponesa organizada. E a partir daí, passa-se a pensar
que tipo de educação e que tipo de escola seria necessária para dar conta
de atender as demandas desse público que agora toma para si a responsabilidade de pensar suas vidas.
Cardart (2003) analisa este momento histórico dizendo que: ―O
campo no Brasil está em movimento. Há tensões, lutas sociais, organizações e movimentos de trabalhadores e trabalhadoras da terra que estão
mudando o jeito da sociedade olhar para o campo e seus sujeitos‖.
(CALDART, p. 61)
No Movimento Sem Terra é assim que as pessoas passam de alguém que era visto como um peão que só tinha a força de trabalho a ser
explorada, à um sujeito de pensamento e de prática. Para Caldart (2003)
―Logo foram percebendo que se tratava de algo mais complexo‖, assim
passam a entender a realidade agrária do seu entorno, as injustiças na
distribuição da renda, das riquezas, dos direitos sociais como, saúde,
moradia, educação, trabalho, entre tantos outros.
Um processo educativo que visa compreender a complexidade da
luta dos trabalhadores é um processo revolucionário, e mais quando se
trata da educação do campo. Desde a sua gênese, esse jeito de pensar e de
fazer educação nasce do movimento histórico dessas pessoas, portanto é
um pensamento que nasce no bojo da luta de classes, com todas as con-
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tradições que o sistema capitalista provoca socialmente. Portanto, a escola surge carregada de conteúdo social, político e econômico.
Emancipar o ser humano é um propósito que todo o processo de
ensino deveria fazer, é o inverso de este ser humano ser preparado para
ser mão de obra do capital.
A organização social hegemônica, precisa ser questionada, compreendida, para que assim se crie possibilidades de repensar o sistema
social. Ser um sujeito crítico e transformador da realidade capitalista,
requer um processo educativo que prepare as pessoas para tal.
Quando se trata dos sujeitos da educação do campo, como se é
de supor, são do campo, e para além da educação no seu território, precisa ser do seu território. Molina (2010) mostra esses sujeitos educativos.
―Os sujeitos da Educação do Campo são os trabalhadores subsumidos
pela lógica do capital (ribeirinhos, quilombolas, sem-terra, indígenas...).
Sujeitos políticos coletivos, sujeitos históricos, organizados na perspectiva
da luta de classes‖. (MOLINA, 2010. p. 40).
Maria Antônia de Souza (2009), compreende a Educação do
Campo como àquela vinculada a um movimento da sociedade civil organizada que objetiva a construção de políticas públicas educacionais advindas dos interesses dos povos do campo‖. (SOUZA, 2009, p. 292-293).
É possível pensar que por ser uma construção coletiva dos povos
do campo, seja algo que causa desconforto aos que se imaginam os pensadores da sociedade vigente, onde os demais deveriam estar na condição
de ‗pensados‘.
A Educação do Campo, vinculada a um movimento de luta social, pela terra, pela reforma agrária e com o entendimento ainda maior de
que é necessário lutar por uma nova sociedade, negando esta hegemonia,
é uma construção que se consolida em uma nova perspectiva, contrária a
visão elitista de sociedade.
Parafraseando Schwendler (2010) o campo em luta, em movimento é uma grande escola para os trabalhadores envolvidos, pois esse
processo vai formando os sujeitos, vai humanizando-os para um processo
de luta social maior no campo político, econômico, educacional e cultural, entre outras dimensões sociais.
É neste sentido que discorrer sobre Educação do Campo é trazer
para este terreno de diálogo esses sujeitos que em movimento de luta,
passam a compreender melhor a sociedade e tudo aquilo que se passa na
realidade desses sujeitos. Até mesmo a compreensão de realidade se alar-
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ga, não sendo entendida no seu espaço micro, mas a partir deste, num
movimento de análise dialético de ‗partir deste‘, e retornar a este sempre,
abrindo possibilidades de ações de transformação constante.
Ainda tomando Schwendler (2010) como referência, esta autora
traz a seguinte reflexão sobre este processo de superação do pensamento,
que pode-se chamar de primário, ou seja, desencadeia em um movimento
mais amplo de lutas sociais.
Lutar para mudar o mundo é um aprendizado que carrega a força da
história, os sinais dos tempos e mostra que o mundo sempre vai poder
ser modificado. Depende dos sujeitos em cada momento histórico, da
sua coragem, da sua organização, da sua capacidade de perceber o novo, a conjuntura política, bem como dos instrumentos disponíveis.
Mas, acima de tudo, depende da ousadia, da esperança, da crença na
história como sendo feita pelos sujeitos que a vivem a partir da história
já vivida e da que ainda será. (SCHWENDLER, 2010, p. 273)
Nessa caminhada de entender a Educação do Campo como uma
ferramenta de luta dos trabalhadores para construir sua identidade também como camponeses numa lógica, não mais de subalternidade, valores
como esperança e ousadia fazem parte cotidianamente destes que lutam
bravamente por outro mundo possível.
A imaginar que estas pessoas que fazem parte desta realidade
camponesa, das ocupações de terras, dos ribeirinhos, indígenas, quilombolas, que sempre foram marginalizados e massacrados pelo pensamento
social hegemônico, se refazerem enquanto seres humanos e passarem a
pensar por si coletivamente, é uma revolução no pensamento e na prática
destes que outrora somente serviam de mão de obra, praticamente escrava, e oxalá se serviam, pois estavam a margem e estar a margem, sugere
não ser necessário para o que está no centro.
Comungo do pensamento que este projeto social e educacional é
uma construção coletiva de pessoas envolvidas nos diversos movimentos
sociais camponeses. ―O projeto de campo e de Educação do Campo traz
a marca histórica da participação da diversidade de coletivos e de movimentos, diversidade que o enriquece e lhe confere maior radicalidade
político-pedagógica‖. (KOLLING, VARGAS, CALDART, 2002, p.
234). A Educação do Campo é um recorte no cenário global de lutas
desenvolvidas por camponeses, como uma ação de resistência, frente às
diversas situações provocadas pelo sistema capitalista à sociedade em
geral.
Para além de uma vertente ruralista, a Educação do Campo é um
projeto de vida dos camponeses, onde se relacionam educação, produção
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de alimentos saudáveis, a moradia, o planejamento do espaço e para
além destes, as relações e valores humanos como solidariedade, o compromisso, a compreensão das diferenças, as relações de gênero, a coletividade, entre tantos outros que fazem a vida acontecer com dignidade.
O Campo, espaço territorial fundamental dessa prática pedagógica camponesa, se refere ao Campo da agricultura familiar, dos assentamentos conquistados na luta pela terra, onde estão seres que oprimidos,
resistem, pensam, lutam e constroem sua história e dialeticamente se
constroem como sujeitos.
4.
A PRÁTICA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO
Falar de Educação do Campo requer, para além da busca do
conceito em autores que muitas pesquisas já realizaram sobre o assunto,
necessita também que o sujeito enquanto pesquisador busque in loco conhecer esta teoria e prática.
É sabido que esta é uma prática construída coletivamente pelos
trabalhadores, estudada, teorizada e ao mesmo tempo está engajada no
campo da prática.
Buscou-se na prática docente algumas iniciativas para teorizar a
Educação do Campo que vem de uma prática, com momentos mais,
outros menos enfáticos, mas é assim que se constrói, é um processo qualitativo, que como já mencionado, não é simples, ao contrário, é complexo, exige trabalho, portanto, gerador de muitos conhecimentos.
A Educação do Campo é uma política pública que não soa bem
aos ouvidos e olhos de quem converge com o sistema de pensamento
hegemônico, por esse motivo, construir na perspectiva da Educação
Emancipadora, é lutar ferozmente para construir um novo paradigma no
campo da educação.
Poder-se-ia buscar em outras experiências, para mostrar como o
pensamento educacional dos trabalhadores do campo se efetiva na prática, mas buscou-se da fonte onde constrói-se em um coletivo de estudantes, que perpassam essa caminhada.
4.1 Visita às famílias
Um dos traços da Educação do Campo é a relação da Escola
com a comunidade. Esta não pode acontecer somente no discurso, ou
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como um conto irreal. Este conceito, da relação, deve ser verdadeiro para
ser sólida.
Neste sentido, uma prática realizada, principalmente durante as
férias, é as visitas às famílias dos estudantes, onde busca-se conhecer o
conjunto da família que ainda não se conhece, dialogar com as mesmas,
no sentido de também falar dos avanços dos seus filhos na Escola. Essa é
uma tarefa fundamental para um educador.
Analisando atitudes de gestores que persistem chamando os pais
na Escola, perplexos por muitos pais não virem, esses gestores tendem a
não saber o que fazer pois não têm a participação dos pais na escola.
Os pais deveriam vir para a Escola sem serem chamados, mas
tudo isso depende da gestão, de como ela conduz todo o processo educativo da Escola. E trato aqui da gestão, não somente como aquele pequeno
grupo que tem funções específicas, mas trato do conjunto dos trabalhadores na Instituição, quando se pensa a gestão como democrática.
Para exemplificar, uma iniciativa que pode deixar os pais compromissados com a Escola e com o acompanhamento da Educação Escolar dos seus filhos são as visitas do professor em cada casa de aluno.
A atividade docente não se faz sem compromisso, é sabido, mas
não se faz também sem conhecer as famílias dos seus estudantes, sem
conhecer o trajeto que essas crianças fazem, que horas da manhã, muitas
vezes escuro, saem de casa para estar na Escola na hora estabelecida
institucionalmente. Professor que tem a Educação do Campo como prática, sabe onde seus alunos moram, o que fazem, além da Escola, como
são as condições das estradas que essas crianças percorrem, como são
suas moradias, o que e como produzem.
Com estes pontos acima citados, é possível iniciar uma compreensão do que é a Educação do Campo.
4.2 A vida dos estudantes e de suas famílias permeiam o conteúdo escolar
Estudar consiste em socializar os conhecimentos historicamente
construídos pela humanidade, sistematizados metodologicamente, que
chega até a instituição escolar.
Legalmente há uma construção de tudo aquilo que deve ser colocado no currículo escolar. E o que é muito visível, é que a ideia hegemônica socialmente está nos materiais didáticos produzidos por instituições
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superiores e mandados para as escolas, onde muitos professores simplesmente repassam o pensamento dominante.
Para quem preza pela Educação do Campo, jamais nega os conhecimentos (erudito) historicamente acumulados e sistematizados.
Acontece que para além destes, por vezes, partindo destes, se busca contextualizar cada temática, buscando exemplos mais explicativos possíveis
na realidade. Mas se fosse só isso, ainda seria pouco.
O que acontece é que os trabalhadores organizados nesse movimento de busca por transformação daquilo que outrora não lhes servia,
porque foram ignorados pela sociedade, a própria que os produziu, buscam agora, repensar suas vidas, reconstruírem, e isso diz respeito a educação.
Quando se trata de leituras, de escritas, de produções das crianças na Escola do Campo, enfatizo que sem negar a cultura sistematizada,
busca-se, a partir dela, elementos da realidade dos estudantes para fundamentar seus conhecimentos. Por exemplo, quando nos anos iniciais o
conteúdo é o sistema monetário, jamais será negado à criança todo o
estudo já feito, sistematizado em relação a esse tema. O que se faz é discutir criticamente o que é isso, quem usufrui, quem manda no sistema
monetário, desde quando a humanidade trabalha com isso. Posteriormente se trabalha com a questão da produção feita pelas famílias e como
está nestas atividades o sistema monetário, também calculando alguns
processos de produção, percebendo a desvalorização do trabalho do
camponês, percebendo também que, por exemplo, quem não produz, fica
com grande parte do dinheiro que poderia ser do trabalhador da roça com
a produção leiteira.
E todo o conhecimento não pode ser separado nas tais disciplinas escolares, como o sistema educativo tradicional o faz. Mas para além
dessa separação, há uma série de situações desastrosas na educação por
conta de um pensamento unilateral, típico da sociedade re-produtivista.
Paro (2014), diz que essa situação é dramática porquê. ―De uma forma
ou de outra, o mais dramático para o desenvolvimento da educação é
que, de modo geral, é esta concepção tradicional que prevalece e orienta
a prática escolar no Brasil‖ (PARO, 2014, p. 23)
Essas práticas exemplificam o que constitui a Educação do
Campo. Essas questões não acontecem isoladamente, é um conjunto, é a
comunidade sendo protagonista na construção. Contraditório à ordem
vigente, não cabe no pensamento burguês atual, que insiste em formar
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jovens empreendedores nos moldes do mercado que explora as pessoas
ao seu grau máximo.
Outras iniciativas de Educação do Campo são realizadas em
muitos espaços onde o território foi conquistado com luta dos trabalhadores. Onde os educadores respeitam a história da Escola, respeitam a
sua própria história de trabalhadores, que também é a história da comunidade. É neste espaço que a Educação do Campo tem fecundidade.
A educação libertadora implica crença no oprimido como sujeito da
história, bem como a busca do diálogo com o povo sobre a situação, as
causas da opressão em que se encontra e a construção estratégica de
uma proposta coletiva que permita ao mesmo tempo a transformação
das condições que geram a opressão e a humanização dos sujeitos no
processo. (SCHWENDLER, 2010, p. 275/276)
A Educação do Campo é a base para a construção de caminhos
alternativos para a vida dos que vivem em um território que foi conquistado, e que, resistem diariamente para a permanência neste espaço.
Como já mencionado por vários autores, esse processo é uma
construção coletiva onde cada sujeito contribui com aquilo que pensa,
com ideias que tem sobre a realidade em que vive e para além do espaço
local. Cada contribuição faz com que a Educação camponesa todos os
dias esteja presente fortemente na prática docente e na vida das comunidades de resistência.
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Educação do Campo é uma conquista da classe trabalhadora
do campo, que organizada buscou e resistir em uma sociedade que já não
mais lhes acolhia enquanto seres humanos.
Compreender este movimento histórico dos camponeses em busca do seu reconhecimento é entender que somente com luta é que se garante a vida dos oprimidos, que incansavelmente buscam sua libertação
das amarras a que foram condicionados.
Pensar e concretizar a Educação do Campo, pressupõe um pensamento crítico e propositivo para a superação de um sistema reprodutivista de educação, que não permite a mudança de concepções de
mundo.
Este jeito de fazer a educação, com um olhar e pensamento dos
trabalhadores, para si, modifica a perspectiva até então tida como única.
Agora as pessoas tomam para si o direito e o dever de pensar, propor e
concretizar.
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É neste sentido que se pode dizer que há sim condições materiais
e pedagógicas sendo efetivadas para não submissão dos camponeses a um
processo de retrocessos na Educação. A Educação do Campo é a construção de um caminho para a resistência ao que é hegemônico.
As escolas conquistadas em espaços de resistência dos camponeses precisam colocar suas experiências para além dos espaços locais, devem sistematizar, socializar e construir com mais setores da sociedade.
O que fica neste momento é que demanda de muita resistência
camponesa e de toda a classe trabalhadora, porque não é só a Educação
do Campo que está sob ameaça, é todo o conjunto de ações da classe
trabalhadora.
Conclamando para o conhecimento e resistência, percebemos a
necessidade dos trabalhadores assegurarem suas conquistas históricas,
como foram defendidas em toda a história brasileira, mas mais ainda a
partir da década de 1980, quando houve enfrentamentos com as ocupações de terras que outrora foram griladas dos trabalhadores. Houveram
resistências mesmo sendo açoitados (a mando dos governantes daquela
época). Porém, mesmo ‗apanhando‘, continuávamos na luta. É assim,
que devemos dar continuidade para garantir nossos direitos expressos na
Constituição Federal do Brasil de 1988.
REFERÊNCIAS.
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MOVIMENTO. Currículo sem Fronteiras, v.3, n.1, pp.60-81, Jan/Jun,
2003.
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Rio de Janeiro, São Paulo. Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio. Expressão Popular, 2012.
COSTA, Eduardo Alves da. Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do
Século, organizado por José Nêumanne Pinto, pag. 218. Disponível em:
https://www.pensador.com/frase/NjI0MTE/. Acesso em 04/08/2019
DE SOUZA, Maria Antônia. Educação do campo: a produção do
conhecimento na prática coletiva, 2009.
FRIGOTTO, Gaudêncio. Política e gestão educacional na
contemporaneidade. In: FERREIRA, Eliza Bartolozzi; OLIVEIRA,
Dalila Andrade. Crise da escola e políticas educativas. Belo Horizonte:
Autêntica, 2009. p. 65-80.
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GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao
avesso/trad. Sergio Faraco. 8º ed. Porto Alegre: L&PM, 1999.
JESUS, Adriana do Carmo de. BEZERRA,Maria Cristina dos Santos. A
herança colonial e as implicações na Educação do Campo no Brasil.
UFSCar. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 50 (especial), p.
238-250, mai2013 - ISSN: 1676-258.
MOLINA, Mônica Castagna (org). Educação do Campo e Pesquisa II:
questões para reflexão – Brasília: MDA/MEC, 2010.
PARO, Vitor Henrique. Educação como exercício do poder: Crítica ao
senso comum em educação. 3º ed. São Paulo: Cortez, 2014.
SCHWENDLER, Sônia Fátima. Educação e movimentos sociais: uma
reflexão a partir da pedagogia do oprimido. In: MIRANDA, Sônia
Guariza; SCHWENDLER, Sônia Fátima. Educação do campo em
movimento: teoria e prática, volume 1. Curitiba: Ed. UFPR, 2010, pp.
267-288
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EDUCAÇÃO LIBERTADORA E O ENSINO
RELIGIOSO NOS TERRITÓRIOS
ESCOLARES: POSSIBILIDADES PARA O
DIÁLOGO E A APRENDIZAGEM COM O(A)
OUTRO(A)
Neuzair Cordeiro Peiter1
Elcio Cecchetti2
Josiane Crusaro Simoni3
1.
Introdução
A educação libertadora, aliada ao Ensino Religioso (ER) não
confessional, aponta para processos de ensino e aprendizagem dialógicos,
respeitosos e interculturais, reconhecendo a diversidade religiosa como
um dos bens simbólicos produzidos historicamente pela humanidade.
O docente, na perspectiva da educação libertadora, não é um detentor e transmissor de conteúdos, mas sim um mediador de interações e
provocador de aprendizagens, visando à construção de conhecimentos
que favoreçam o entendimento e respeito às diferentes culturas e saberes.
Para que o ER seja assegurado como área e componente curricular, que visa o diálogo e a aprendizagem dos conhecimentos religiosos é
primordial a formação de territorialidades docentes em perspectivas interculturais, abertas e pré-dispostas ao reconhecimento das distintas religiosidades e crenças.
1
Acadêmica do Curso de Pós-graduação stricto sensu em Educação da Unochapecó.
Professora efetiva na Secretaria Municipal de Educação de Chapecó. Contato:
neuzair@unochapeco.edu.br
2
Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro
titular do Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa (CNRDR/Ministério
dos Direitos Humanos). Professor do Programa de Pós-graduação stricto sensu em
Educação da Unochapecó. Contato: elcio.educ@hotmail.com
3
Mestra em Educação pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó Unochapecó. Presidente da Associação dos Professores de Ensino Religioso do
Estado de Santa Catarina (Aspersc). Professora de Ensino Religioso na Secretaria
Estadual de Educação (SED/SC). Contato: josicrusaro@unochapeco.edu.br
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Isto posto, refletimos sobre a relevância da educação libertadora
e do ER nos territórios escolares, no intento de contribuir com o encontro, a acolhida, a interação e a aprendizagem, eliminando atitudes que
venham a negar e inferiorizar o(a) Outro(a).
2.
Educação libertadora e o ER
Nos contextos escolares, a educação é compreendida sob diferentes lentes, enfoques e tendências, em vieses tradicionais e progressistas,
com currículos que podem priorizar ou negar a diversidade cultural.
Elemento fundamental na constituição da subjetividade do ser humano, a
educação é efetivada em meio a relações de poder, sendo, por isso, ferramenta tanto de dominação ou empoderamento dos sujeitos e grupos
sociais.
Concebemos que a educação é imprescindível para aprendizagens necessárias a coexistências acolhedoras das diferentes culturas e seus
saberes. Por isso, necessita ser libertadora e não bancária.
O educador Paulo Freire (1921-1997) ao dialogar sobre os dois
modelos de educação, define que na educação libertadora necessariamente são superadas as hierarquias entre educador e educando para que, a
partir do diálogo como fonte de escutas e interações, ocorra o conhecimento, ou seja, ―[...] não mais educador do educando, não mais educando do educador, mas educador-educando com educando-educador‖
(FREIRE, 2017, p. 95).
A educação bancária concebe o educador como o detentor de saberes, o qual estará transmitindo aos educandos as ciências da humanidade. As ações de memorização por parte do educando, tendem a não
lhe permitir a autonomia, a criticidade, a interpretação e a construção
conjunta dos saberes. Assim, ―[...] a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador, o depositante‖ (FREIRE, 2017, p. 80).
A educação bancária tende a (re)produzir processos de enclausuramento e fechamento por parte dos educadores e dos educandos, através
de práticas homogeneizadoras que não permitem fissuras para o diálogo,
para a aprendizagem conjunta e para o reconhecimento das diferentes
bagagens educacionais que compõe cada sujeito. As relações de poder
(educador) são enaltecidas e dificultam a troca de saberes com o(a) Outro(a) (educando).
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Relações de poder, dominação, intolerância e discriminação são
latentes na história da humanidade, especialmente nos territórios escolares quando se enaltece o educador como detentor de saberes. Portanto,
dentre os desafios escolas, aponta-se para a revisão das práticas pedagógicas utilizadas, as quais despertem para conhecimentos interculturais e
permitam a acolhida, o diálogo e a tessitura dos saberes na coletividade.
A educação libertadora é o alicerce fundamental para a produção
de saberes conjuntos (entre educandos e educadores), sem relações de
preponderância ou intimidação, mas de interações, reflexões e aprendizagens. Portanto,
[...] enquanto a prática bancária [...] implica uma espécie de anestesia,
inibindo o poder criador dos educandos, a educação problematizadora,
de caráter autenticamente reflexivo, implica um constante ato de desvelamento da realidade. A primeira pretende manter a imersão; a segunda, pelo contrário, busca a emersão das consciências, de que resulte
sua inserção crítica na realidade (FREIRE, 2017, p. 97 - 98).
A atuação crítica nos territórios escolares será possível se comungarmos de uma educação libertadora, onde as relações entre grupos
sejam representadas pelas socializações constantes, com escutas, análises
e reconhecimento das ideologias, percepções e crenças de cada sujeito,
visto que nas relações de opressão e fechamento, não há possibilidade de
expressão, comunicação ou visibilidade das pessoas.
Pozzer (2007, p. 246) reflete que ―o educador, quando não tem
profunda consciência do seu papel [...], geralmente tende a ―colonizar‖ o
outro [...]‖, partindo da concepção de que ele é o sujeito do processo, que
possui domínio os conhecimentos e irá fazer transferências ou ―despejamentos‖ nos educandos.
É por considerar que as pessoas se constroem como educadores(as), ou seja, não nascem prontas ou conclusas, e nem assim será em
sua existência, que consideramos a docência como profissão que requer
constantemente o refletir, o repensar, o reavaliar e o reaprender nas práticas pedagógicas e educacionais.
A educação é transformação, para tanto requer mudanças do
educador, sejam das atitudes, das metodologias, dos processos avaliativos
e, inclusive, do reconhecimento do mundo pluricultural que se apresenta.
Aponta-se que:
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A cosmovisão (ethos) produzida e compartilhada por determinado
grupo social, tornou-se, ao longo do tempo, a toca segura, a caixa4 simbólica balizadora das identidades e referência para estabelecimento das
fronteiras culturais. Compartilhar certa visão de mundo, e vivenciar
um modo específico de ser, além de atribuir certa segurança e previsibilidade aos sujeitos, possibilita a criação de marcadores da diferença,
limites, linhas e traços de distinção entre nós e os outros (CECCHETTI e POZZER, 2017, p. 337).
Romper com ideologias que foram impostas, como exemplo as
concepções do branco/europeu enquanto desbravador, do cristianismo
como religião oficial, do patriarcalismo como autoridade, de um único
modelo familiar, do professor como o detentor de saberes, dentre outros
conceitos difundidos oralmente e bibliograficamente, exigem o despir-se
das (pré)noções e (pré)conceitos concebidos durante muito tempo como
verdadeiras(os) (grifo dos autores).
A educação libertadora demanda dos educadores a compreensão
para o entendimento do(a) Outro(a) como sujeito de saberes, pois:
Se, na experiência de minha formação, que deve ser permanente, começo por aceitar que o formador é o sujeito em relação a quem me considero o objeto, que ele é o sujeito que me forma e eu, o objeto por ele formado, me considero como um paciente que recebe os conhecimentos
conteúdos- acumulados pelo sujeito que sabe e que são a mim transferidos. Nesta forma de compreender e de viver o processo formador, eu,
objeto agora, terei a possibilidade, amanhã, de me tornar o falso sujeito
da ―formação‖ do futuro objeto de meu ato formador. É preciso que,
pelo contrário, desde os começos do processo, vá ficando cada vez
mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e reforma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado.
É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos,
nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os
conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. (FREIRE, 2002, p. 12).
Todos(as) somos pessoas em construção, evolução e aprendizado. Mas, se o educador se considerar dono da verdade, impondo suas
cosmovisões e ideias, sem reconhecer a singularidade e a diversidade de
cada sujeito, dificilmente permitirá da edificação conjunta dos saberes,
deixando de cumprir com sua função, tornando a educação ação incongruente.
4
Cecchetti e Pozzer (2015) utilizam o termo caixa como uma metáfora, expressando a
nossa subjetividade que vai se constituindo no contato com as diversas culturas, os
quais tendem a permitir aberturas ou fechamentos para as relações e convivências na
diversidade cultural.
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Perante os princípios de uma educação libertadora, vislumbra-se
que existem muitos desafios para que ocorram vivências e aprendizagens
permeadas pelo diálogo e produção coletiva do conhecimento nos territórios escolares. Esse modelo, que nos concebe educador-educando, é uma
das possibilidades para que os múltiplos saberes sejam (des)
(re)construídos, analisados e refletidos cotidianamente, pois não há uma
única verdade, bem como, não há um único jeito de aprender e de ensinar.
Freire (2017, p. 109) anuncia que ―[...] ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais‖. Diante destas palavras,
avaliamos que se constituir educador(a) é um processo constante, inacabado e incompleto; é reconhecer-se aprendiz e ensinante, predisposto ao
diálogo e a produção dos conhecimentos conjuntamente com o(a) Outro(a).
Na obra Pedagogia da Autonomia Saberes necessários à prática
educativa, Paulo Freire entrelaça os aspectos primordiais para o ensinar.
Organizada em três capítulos, o documento menciona que: 1) Não há
docência sem discência; 2) Ensinar não é transferir conhecimento; 3)
Ensinar é uma especificidade humana (FREIRE, 2002).
No capítulo inicial da obra Pedagogia da Autonomia, Freire (2002)
afirma que ensinar, numa perspectiva libertadora, exige: rigorosidade
metódica, pesquisa, respeito aos saberes dos educandos, criticidade, estética e ética, corporeificação das palavras pelo exemplo, risco, aceitação
do novo, rejeição a qualquer forma de discriminação, reflexão crítica
sobre a prática, além do reconhecimento e a assunção da identidade cultural.
No capítulo seguinte, ao registrar que ensinar não é transferir conhecimentos, Freire (2002) destaca que ensinar exige: consciência do
inacabamento, reconhecimento de ser condicionado, respeito à autonomia do ser do educando, bom senso, humildade, tolerância e luta em
defesa dos direitos dos educadores, apreensão da realidade, alegria e
esperança, convicção de que a mudança é possível e curiosidade.
No capítulo final, descrevendo sobre o ensinar enquanto especificidade humana, Freire (2002) expõe que ensinar requer: segurança,
competência profissional, generosidade, comprometimento, compreender
que a educação é uma forma de intervenção no mundo, liberdade e autoridade, tomada consciente das decisões, saber escutar, reconhecer que a
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educação é ideológica, disponibilidade para o diálogo e querer bem aos
educandos.
Reiterando os pressupostos essenciais apresentados por Freire
(2002), identifica-se quanto preciosa e digna é a tarefa do(a) educador(a)
que, além de atuar como ensinante e aprendiz, contribuirá na formação
de cidadãos críticos, atuantes e responsáveis nas relações e vivências com
o universo em seu todo. Portanto, edificar e vivenciar práticas pedagógicas nos territórios escolares, através dos princípios de uma educação
libertadora, é tarefa que nos desafia diariamente enquanto pessoas e profissionais.
Para Freire (2002, p. 9) ―[...] formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas [...]‖. Educar e
formar, além de serem expressões de amor, envolvem a socialização entre
educador e educandos. Para tanto, ―o diálogo é o método provocador dessas
aberturas, uma vez que exige o reconhecimento do Outro como legítimo
interlocutor‖ (CECCHETTI e POZZER, 2015, p. 345, grifo dos autores).
Contrariando a educação bancária, Freire (2017, p. 112) questiona: ―como posso dialogar, se me fecho à contribuição dos outros, que
jamais reconheço, e até me sinto ofendido com ela‖?. É por isso que ensinar exige - além do despir-se de percepções e práticas homogeneizadoras - o refazer-se cotidianamente no encontro e contato com o(a) Outro(a), na escuta, no posicionamento e no respeito às concepções divergentes.
Inúmeras atitudes devem instituir o ser educador, dentre as quais
se destacam:
Formação científica, correção ética, respeito aos outros, coerência, capacidade de viver e de aprender com o diferente, não permitir que o
nosso mal-estar pessoal ou a nossa antipatia com relação ao outro nos
façam acusá-lo do que não fez são obrigações a cujo cumprimento devemos humilde, mas perseverantemente nos dedicar (FREIRE, 2002,
p. 10).
Simultaneamente, atuar com o ER nos exige posturas éticas, alteritárias e respeitosas entre as diferentes tradições religiosas e não religiosas que se apresentam através dos educandos. Cada um(a), deve ter a
oportunidade de expor as informações e saberes que trazem consigo para
que, no diálogo e na produção científica, rompam-se com preconceitos e
percepções pejorativas dando visibilidade e respeito à diversidade de
crenças.
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O ER, em seus aspectos legais e pedagógicos, inicialmente foi
ministrado como o ensino da religião cristã. Conforme Cecchetti e Thomé (2007, p. 143) ―até o final da década de 1960, o aspecto da confessionalidade esteve presente no percurso histórico do Ensino Religioso na
educação brasileira em Santa Catarina‖.
A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDBEN de nº 9394/96, por intermédio da alteração do artigo 33 (Lei nº
9475/97) trouxe avanços significativos ao componente que passou a vigorar com uma nova versão, tendo por objeto de estudo os fenômenos
religiosos e suas manifestações, sem adoção de práticas proselitistas, valorizando a diversidade cultural brasileira (BRASIL, 1997, grifo dos autores).
Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) o ER está assegurado como uma das áreas do conhecimento no Ensino Fundamental, o
qual deve ―[...] tratar os conhecimentos religiosos a partir de pressupostos
éticos e científicos, sem privilégio de nenhuma crença ou convicção‖
(BRASIL, 2017, p. 434).
Ao se contemplar um novo rosto pedagógico ao ER, não mais
confessional, requer-se a formação de profissionais na área, no intento de
que o docente, além de edificar conhecimentos científicos com os educandos, favoreça o contato e o convívio pacífico entre os diferentes, reconhecendo a diversidade como patrimônio da humanidade e não ameaça.
Destaca-se que, em conquista histórica, a Resolução n. 5 de dezembro de 2018 instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
curso de licenciatura em Ciências da Religião (BRASIL, 2018) embora,
anterior às diretrizes, houve a implantação de cursos de graduação em
ER nos diferentes estados do Brasil.
A formação docente em ER aponta como possibilidade para o
reconhecimento das inúmeras crenças religiosas e não religiosas nos territórios escolares, pois os docentes, ao se apropriarem dos conteúdos específicos desta área, construirão com seus educandos saberes em enfoques
interculturais, sem impor ou privilegiar determinada concepção.
Cecchetti e Pozzer (2015, p. 337) lembram que ―a tendência do
fechamento em nossa caixa ancora-se na compreensão equivocada de que a
nossa caixa é melhor que a caixa do outro [...]‖, ou seja, nossa família, nossos amigos, especialmente nossa crença (religiosa ou não religiosa), sempre são assentados no topo da pirâmide, em desconsideração aos demais
modelos.
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O ER permite que nos diálogos e estudos ocorra a desconstrução
de saberes monoculturais, dando visibilidade à diversidade. Portanto, ―[...]
torna-se um abridor de caixas, um componente curricular de fundamental
importância para o exercício do diálogo respeitoso, investigativo e intercultural, sem proselitismos‖ (CECCHETTI e POZZER; 2015, p. 346).
Concebemos que a construção de conhecimentos nunca ocorre
isoladamente; são os encontros entre docentes e educandos que se apresentam como possibilidades para o fascínio, a descoberta e aprendizagem
com o(a) Outro(a). Concomitante, ―de nada adiantará conhecer novos
termos, alarmar horizontes, ter novas ideias, se não ocorrer à transformação [...]‖ (POZZER; 2007, p. 247) alteritária e permanente em cada
um(a) de nós.
3.
Considerações Finais
A educação libertadora, em tendências interculturais, se apresenta como uma das possibilidades para aprendizagens significativas, as
quais se desenvolvem através da escuta, do diálogo, da indagação e da
reflexão, proporcionando conhecimentos e convivências na diversidade.
Ao analisarmos a importância da educação libertadora, proposta
por Paulo Freire, - em que educadores e educandos são protagonistas nos
processos ensino e aprendizagem - consideramos a importância de currículos flexíveis, dialógicos e interculturais, os quais tendem a reconhecer a
diversidade cultural como aspecto positivo.
O ER, contemplado na Basse Nacional Comum Curricular
(BNCC) e demais documentos educacionais, a partir da Lei nº 9475/97
teve uma nova configuração, tendo por objeto de estudo os conhecimentos
religiosos, sem práticas confessionais, evangelizadoras e monoculturais.
Ao ser conferido o ER enquanto integrante da educação básica, a
formação docente em ER se apresenta como um dos desafios permanentes para que, na inter-relação entre a educação libertadora e o ER não
confessional, possam ser edificados saberes interculturais, desconstruindo
percepções pejorativas e discriminatórias frente ao Outro(a), proporcionando relações e convivências pacíficas e solidárias.
4.
Referências
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular – BNCC 3ª versão. Brasília,
DF, 2017.
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BRASIL. Lei n. 9475/97, de 22 de julho de 1997. Dá nova redação ao
art. 33 da Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União.
Brasília, 23 jul. 1997.
BRASIL. Resolução n. 5 de 28 de dezembro de 2018. Institui as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de licenciatura em
Ciências da Religião e dá outras providências. Diário Oficial da União.
Brasília, 2018.
CECCHETTI, Elcio; THOMÉ, Ione Fiorini. Ensino Religioso em Santa
Catarina: memórias e desafios de um percurso em constante construção.
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Ensino Religioso. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2007, Cap. 11, p. 141
- 157.
CECCHETTI, Elcio; POZZER, Adecir. Entre fechamentos e abertura: o
Ensino Religioso no currículo escolar. In: POZZER, Adecir et al (Org.)
Ensino Religioso na Educação Básica Fundamentos epistemológicos e
curriculares. Florianópolis: Saberes em Diálogo, 2015.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia Saberes necessários à prática
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FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 64 ed. Rio de Janeiro/São
Paulo: Paz e Terra, 2017.
POZZER, Adecir. A alteridade e a religiosidade do aluno na aula de
Ensino Religioso. In: CAMARGO, César da Silva; CECCHETTI, Élcio;
OLIVEIRA, Lilian Blanck de (Orgs.). Terra e Alteridade Pesquisas e
práticas pedagógicas em Ensino Religioso. São Leopoldo: Nova
Harmonia, 2007, Cap. 13, p. 241 - 248.
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GESTÃO UNIVERSITARIA VERSUS
PERFORMATIVIDADE: ESTUDO
COMPARATIVO ENTRE INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR PÚBLICAS,
PARTICULARES E COMUNITÁRIAS.
Alcione Ziliotto1
Odilon Luiz Poli2
1.
Introdução
A primeira avaliação sistemática de instituições de ensino superior no Brasil ocorreu em 1976, com a implantação do Programa de Avaliação dos cursos de pós-graduação pela Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES). A partir de 1983, implantou-se
o Programa de Avaliação Reforma Universitária (PARU). No ano de
1986, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) estabeleceu o Grupo
Executivo da Reforma Universitária (GERES).
Em 1993, foi criado o Programa de Avaliação Institucional das
Universidades Brasileiras (PAIUB) que, no documento final, trata a avaliação como um processo contínuo de aperfeiçoamento acadêmico; uma
ferramenta para o planejamento da gestão universitária; um processo
sistemático de prestação de contas à sociedade; um processo de atribuição de valor, a partir de parâmetros derivados dos objetivos; um processo
criativo de autocrítica (BRASIL, 1993).
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira
(INEP), com base nos resultados do Exame Nacional de Cursos, elaborava um conceito referente à qualidade do curso. Era uma medida objetiva
da qualidade média dos alunos egressos desses cursos que objetivamente
pretendia auxiliar empregadores e potenciais estudantes em suas esco1
2
Mestrando em Educação pela UNOCHAPECÓ. Contato: alcionez@unochapeco.edu.br
Doutor
em
Educação.
Professor
da
UNOCHAPECÓ.
Contato:
odilon@unochapeco.edu.br
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lhas. Esses resultados deram origem aos amplos questionamentos por
parte dos sujeitos envolvidos no processo educativo, em face da complexidade que envolve a avaliação qualitativa e democrática.
O SINAES tem como eixo estruturante a articulação entre avaliação e regulação. Os instrumentos de avaliação interna e externa, as condições de oferta de ensino de graduação das IES, os dados cadastrais do
Censo e os indicadores de desempenho dos estudantes por meio do
ENADE produzem as informações necessárias para os atos regulatórios
do Ministério da Educação e demais instâncias. É importante destacar
que a Lei n.º 10.861/04, em seu artigo 1.º, instituí três pilares do novo
sistema: 1) a avaliação das Instituições de Educação Superior; 2) a avaliação dos cursos superiores de graduação e 3) a avaliação do desempenho
dos estudantes (BRASIL, 2004).
A Lei do SINAES, como política de Estado, coloca a avaliação
institucional, interna e externa, como o principal eixo do processo avaliativo, integrando e articulando todos os envolvidos, numa perspectiva de
participação coletiva, sendo instituído como um sistema. Esse Sistema
deveria ser um processo onde estudantes, professores, funcionários e
dirigentes fossem considerados, também, como sujeitos da avaliação. De
acordo com Dias Sobrinho (2010, p. 198), ―[...] a todos os atores, guardadas as respectivas especificidades, seriam dadas oportunidades de participação ativa no processo, o que os tornaria corresponsáveis pela construção da qualidade da educação superior‖.
2.
Desenvolvimento teórico
Os instrumentos de avaliação interna e externa, as condições de
oferta de ensino de graduação das IES, os dados cadastrais do Censo e os
indicadores de desempenho dos estudantes por meio do ENADE produzem as informações necessárias para os atos regulatórios do Ministério da
Educação e demais instâncias. Desta forma, o SINAES, passaria a ser
desenvolvido em sua totalidade e, assim, de acordo com Dias Sobrinho
(2010), a avaliação propiciaria a recuperação da finalidade maior da educação superior: a formação integral do cidadão, do profissional, por meio
de uma educação emancipatória e de qualidade que, independentemente
de ser oferecida pelo Estado ou pela iniciativa privada, como bem público, servisse à sociedade.
Como nos alerta Freitas (2018) a educação está sendo sequestrada pelo empresariado para atender a seus objetivos de disputa ideológica.
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A educação, vista como um ―serviço‖ que se adquire, e não mais como
um direito, deve ser afastada do Estado, o que justifica a sua privatização.
Com relação a esse movimento, Dias Sobrinho (2010, p. 202),
analisando o atual modelo de avaliação como instrumento para atender
às demandas do mercado, destaca que, dessa forma, a ―[...] avaliação se
tornou um instrumento importante para informar o mercado de trabalho
a respeito da qualidade e do tipo de capacitação profissional que os cursos estavam oferecendo, bem como para indicar as IES que estariam mais
ajustadas às exigências da economia‖.
Gomes (2002, p. 292), quando se refere ao papel do estadoavaliador, enfatiza que:
O governo busca estabelecer determinadas condições para mudar, por
um lado, o comportamento dos estudantes-clientes em relação às IES,
mediante a provisão de informações ‗apropriadas‘ nas quais devem
confiar para escolher cursos/instituições, e, por outro lado, procura
mudar o comportamento das IES no sentido de fazê-las mais sensíveis
e prontas a responder às demandas dos clientes.
Esse novo contexto é sentido cotidianamente no desenvolvimento das atividades dos gestores das IES. Pois quando questionados sobre
os parâmetros definidos pelo SINAES para a avaliação das instituições, a
caracterização do novo contexto global do setor da educação superior
fica muito evidente. Considerando toda essa nova exigência de parâmetros regulatórios, saber analisar os resultados das avaliações externas para
refletir sobre as práticas pedagógicas da universidade e aprimorar o ensino e a aprendizagem é um desafio para todos os gestores.
Enfrentar esse novo cenário exige que os diretores, coordenadores e técnicos adotem uma série de ações, dentre elas: realizar a leitura de
todas as bases normativas das avaliações, organizar os materiais, analisar
detalhadamente os boletins de resultados, reunir a equipe para debater as
informações obtidas e, com base no diagnóstico e nas reflexões realizadas, preparar um plano para transformar tudo isso em trabalho efetivo
junto a instituição de ensino.
A fim de compreender melhor como os gestores sentem este novo cenário da educação superior, como veem a questão dos parâmetros
exigidos pelos diversos órgãos regulatórios, percebemos que, no âmbito
da graduação, os gestores entrevistados têm uma visão positiva dos pro-
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cessos. Isso fica bem visível, indiferente da sua categoria, pública, privada
ou comunitária. Vejamos, posicionamento das IES3:
PR2: os parâmetros atuais eles não qualificam 100% uma instituição
de ensino, mas eles estão mais próximos, estão muito melhores do que
os parâmetros anteriores4.
P1: eu vejo que isso acabou trazendo alguns parâmetros mínimos para
que as instituições possam se organizar e atender, tenho percepções
que são muito particulares sobre isso mas que fazem algum sentido,
mas num foco estratégico que o SINAES acabou trazendo para dentro
das instituições de educação superior, como existem configurações distintas, sejam elas vinculadas diretamente ao INEP ou outros sistemas
estaduais e por questões de financiamento de outros programas acabou
se estabelecendo critérios gerais que deu uma linguagem comum nas
universidade, centros universitários e faculdades.
C2: O SINAES, me parece que eles trazem, no seu conjunto, uma boa
oportunidade de melhoria para as instituições, principalmente no momento que fazem as inserções da ideia do processo de auto avaliação
das avaliações. Isso contribui para que possamos parar olhar para o
que se faz, identificar, então, como oportunidades de aperfeiçoamento.
De outro lado, nas suas diferentes dimensões, também no aspecto de
gestão da própria instituição, trouxe aí alguns subsídios para que pudéssemos parar e pensar como estruturar também essa dimensão administrativa, já pensando a figura não institucional, mas pensando na
figura dos cursos dentro da dinâmica toda, do sistema, a oportunidade
se tem de uma avaliação externa daquilo que se vem fazendo enquanto
processo de formação. Muito embora existam críticas principalmente a
construção do conceito de curso, quando colocam um peso significativo na manifestação dos alunos, em relação a alguns aspectos e, também, na própria prova, onde você deixa, de certa maneira, o aluno desobrigado, a medida que ele não terá o seu conceito posto no seu diploma. Isso sempre acaba trazendo uma aflição na medida em que você não tem como ingerir na hora em que o aluno faz o preenchimento
do questionário socioeconômico da avaliação, nem mesmo a atenção
que ele coloca sobre a prova naquele dia que lá está. Mas de modo geral, me parece que o SINAES foi bem pensado, pois ele traz oportunidades, realmente, para que as instituições olhem para si, se fazem uso
da autoavaliação como oportunidade de melhoria.
A partir destas falas dos gestores, a existência de um parâmetro
claro, ajuda dar segurança no rumo a ser dado às ações da IES. Essa
percepção, pelos gestores, das virtudes do SINAES enquanto sistema de
avaliação, que prioriza os aspectos formativos, ou, ao contrário disso, a
3
4
Para a identificação das entrevistas utilizaremos as seguintes terminologias: Pública
(P), Privada (PR) e Comunitária (C).
Neste caso foi citado como exemplo de avaliações anteriores o Provão e o antigo
instrumento de avaliação de cursos, utilizado nos processos de reconhecimento de
cursos,
o
qual
passou
por
atualizações
em
2017.
Disponívelem:http://download.inep.gov.br/educacao_superior/avaliacao_cursos_gr
aduacao/instrumentos/2017/curso_reconhecimento.pdf.
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possibilidade de que os gestores tenham aderido ao ideário neoliberal que
vem sendo difundido desde os anos 80 do século XX.
Notemos, que de forma geral os gestores têm uma percepção positiva desses parâmetros, o que indica a incorporação dessa cultura (ou
seja, a performatividade já se inseriu na cultura dos gestores). Pois, cabe a
eles garantir a sustentabilidade das IES, para isso, não podem negligenciar os indicadores. O fator performatividade, de certa forma, faz parte do
cotidiano dos gestores, seja no momento das contratações docentes, nas
indicações de carga horária, nas definições dos investimentos, dentre
outros.
Esta cultura da performatividade (BALL, 2005), entendida como
um modo de regulação que emprega julgamentos, apresenta-se como
sendo a filosofia de algumas políticas e práticas, inclusive nos programas
de pós-graduação, reservando à docência um caráter formativo que considera o atendimento de demandas mercadológicas. Assim, a cultura da
performatividade apresenta-se como projeto de regulação da educação,
por meio do fomento da competição entre os programas e docentes, pois
o cumprimento de metas é central na existência dessa cultura.
O gestor da IES Comunitária C2, deixa bem nítido o seu posicionamento no mesmo caminho do Ball, acima referenciado, uma vez que,
mesmo que o gestor ―negue‖ metas explícitas, a sua fala indica que há
movimentos no sentido de buscar atingir a melhor nota possível, ou seja,
isso é uma meta.
C2: nós não chegamos a colocar assim, explicitamente, as metas. O
que se tem feito é trabalhar, sempre, a ideia de mobilizar os recursos
necessários para o melhor conceito. Então nós fomos aprendendo, de
certa forma, a jogar o jogo, no que diz respeito, principalmente, a alocação de professores com maior titulação naquele determinado curso,
que vai passar por um processo de avaliação, ao mesmo tempo de fazer
uma alocação de maior número de professores em tempo integral, naquele curso que vai passar pela avaliação. Não se estabelece ―nós queremos 5 ou 4‖, se trabalha para o melhor, mas não é estabelecida uma
meta específica.
Como observado na fala do gestor, podemos inferir que a questão da performatividade está intrinsicamente ligada às suas atividades
cotidianas. Este ressalta que ―aprendemos a jogar o jogo‖, ou seja, o foco
de suas ações enquanto gestor, acaba se direcionando para o que atende
aos indicadores do melhor conceito, ao invés de direcionar-se aos aspectos formativos.
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Neste mesmo viés, entendemos que a lógica do SINAES, sistema
criado numa perspectiva formativa, atualmente, também se tornou meio
de ranqueamento e é isso que se sobressai na divulgação pública dos resultados.
O desempenho funciona como medida de produtividade, resultado ou exposição de qualidade, significando, resumindo ou representando a qualidade e o valor de um indivíduo ou organização, num campo de
avaliação. Ball (2005) afirma que, no trabalho do novo gerente, está
compreendido incutir uma atitude e uma cultura, nas quais os docentes
se sintam responsáveis e, ao mesmo tempo, investidos da responsabilidade pelo bem-estar da instituição (accountability). Essas novas pedagogias
invisíveis de gerencialismo, realizadas por meio de avaliações, análises e
formas de pagamento relacionadas ao desempenho, ampliam o que pode
ser controlado na esfera administrativa. A prática do ensino é reelaborada
e reduzida a seguir regras geradas de modo exógeno e a atingir metas.
O que se vê, é uma legitimação geral do ranqueamento, da performatividade, e que induz a comemorar os resultados obtidos, mesmo
que certos resultados tenham sido obtidos com o arranjo dos ―insumos‖.
Parece favorecer a adesão dos gestores a esse ideário, até porque, estão à
frente das instituições bem sucedidas, e neste caso, tem o que comemorar.
Sendo assim, não tem como as IES ficarem fora do processo avaliativo neste novo contexto de sociedade, pois, demonstrar qualidade por
meio de indicadores, em muitos casos é sinal de prosperidade. Os indicadores de qualidade desenvolvem diferentes trajetórias, podendo exercer
um papel de limitar certas ações, bem como, reelaborar a governança e
organização da universidade.
Nas palavras de Silveira e Bianchetti (2016), diante do fato de ter
como encargos históricos transmitir o conhecimento socialmente produzido, pesquisar, produzir conhecimento novo e, mais recentemente, inovador, e, ainda que não seja de interesse da classe dominante, gerar pensamento crítico, a universidade veio sendo chamada, permanentemente,
a modernizar-se e amoldar-se aos interesses do capital, formando novos
quadros, profissionais e de pesquisadores, com diferentes níveis de formação em trabalho interdisciplinar, particularmente na área científica e
tecnológica, incluída a transferência de conhecimento e de tecnologia ao
setor empresarial.
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Daí decorre a importância e a necessidade de discutir um sistema
avaliativo que realmente incentive e contribua para a relevância do papel
social da universidade na formação humana, cidadã, ética, política, técnica, que proporcione equidade social e desenvolvimento sustentável,
numa sociedade voltada para o desenvolvimento econômico, competitivo
e cada vez mais excludente.
Pode-se constatar que as vivências dos gestores em relação ao
SINAES, demonstraram a participação direta dos entrevistados nos processos avaliativos, o que lhes permitiu analisar e identificar, juntamente
com os atores envolvidos, os problemas acadêmicos e administrativos do
curso e, posteriormente, planejar e realizar mudanças.
As três IES pesquisadas, tem ações de fomento e analisam seus
resultados e buscam maneiras de melhorar o desempenho de seus estudantes, desde o início da implantação da Lei do SINAES, porque compreendem que essa ação é importante para garantir bons resultados e
consequentemente, propagar uma boa imagem da instituição.
Um conceito muito utilizado pelas IES, um dos maiores sinônimos de qualidade, são conceitos do IGC5, algo muito aguardado pelos
gestores todos os anos, pois este indicador, considerando os preceitos
avaliativos contemporâneos, definirá se a instituição oferta ensino de
qualidade ou não. As instituições se valem deste conceito e geram um
ranqueamento desenfreado, na corrida por estudantes. O quadro abaixo
descreve o cenário nacional em relação ao ICG.
5
O Índice Geral de Cursos Avaliados da Instituição (IGC) é um indicador de qualidade
que avalia as Instituições de Educação Superior. Seu cálculo é realizado anualmente
e leva em conta os seguintes aspectos: média dos CPC‘s do último triênio, relativos
aos cursos avaliados da instituição, ponderada pelo número de matrículas em cada
um dos cursos computados; média dos conceitos de avaliação dos programas de pósgraduação stricto sensu atribuídos pela CAPES na última avaliação trienal
disponível, convertida para escala compatível e ponderada pelo número de
matrículas em cada um dos programas de pós-graduação correspondentes;
distribuição dos estudantes entre os diferentes níveis de ensino, graduação ou pósgraduação stricto sensu, excluindo as informações do item II para as instituições que
não oferecerem pós-graduação stricto sensu. Como o IGC considera o CPC dos
cursos avaliados no ano do cálculo e nos dois anos anteriores, sua divulgação referese sempre a um triênio, compreendendo todas as áreas avaliadas previstas no Ciclo
Avaliativo do Enade. Fonte: http://portal.inep.gov.br/indice-geral-de-cursos-igc-\
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Quadro 2 - IGC
Universidades
Privada
IGC
1
2
3
4
5
13
293
1265
320
18
Pública
0
10
135
80
16
Total
13
303
1400
400
34
Fonte: Portal do MEC (2019).
Verifica-se que são poucas as instituições com o conceito IGC 5,
já com o conceito 3 é o maior número, o que demonstra uma qualidade
do ensino e infraestrutura disponibilizado aos estudantes que cursam
ensino superior mediana.
É bem importante salientar que aliados ao ENADE, o CPC e o
IGC passaram a ter protagonismo na regulação e na orientação de um
conjunto de políticas (GRIBOSKI, 2015, p. 169), expressando a alteração
na interpretação das bases epistemológicas dessa política pública de avaliação pelos reguladores. A mídia de modo geral tem divulgado o conceito Enade como prioritário, entretanto, os conceitos do CPC e IGC são
bem mais complexos, e vem ganhando maior visibilidade nos últimos
anos.
Levando em consideração todas essas ações/estratégias desenvolvidas pelas gestões universitárias, fica bem evidenciado a fala de Silveira e Bianchetti (2016) onde identifica que a educação, em geral, e a
educação superior, em particular, são vistas como elementos-chave da
nova estratégia desenvolvimentista, e tornam-se fator determinante para
o potencial de soberania, inovação e competitividade de cada país e do
bloco regional ao qual ele pertence, ao mesmo tempo em que se tornam
elemento de coesão social, tendo em vista seu papel disciplinador,
(con)formador na transmissão de valores e da ideologia dominante.
Ao realizar a etapa das entrevistas, na visita às IES, identificamos três modelos bem distintos, que levam em consideração o seu contato regional. As instituições não são iguais, têm objetivos, missões e capacidades operacionais diferentes. Aliás, elas não têm porque serem iguais,
uma vez que sua responsabilidade social radica no atendimento das demandas do entorno no qual estão inseridas. Exemplo disso é a afirmação
feita pelo gestor P2.
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Eu não tenho dúvida nenhuma de que dos níveis todos formativos no
Brasil, a pós-graduação é o que há de melhor. Não é o ensino médio e
já temos problemas enormes com os cursos de graduação, mas definitivamente a pós-graduação é o nível de formação que nós temos um
orgulho imenso.
De forma geral, analisando todas as entrevistas, reforçamos nosso entendimento de que os processos de avaliação foram criados para
serem ferramentas eficientes para orientar as políticas estatais, ajudando a
―separar o trigo do joio‖, revelando a diversidade e heterogeneidade do
ensino e da pesquisa realizada no país. Para assim, o Estado poder fazer
uso mais racional e eficiente dos recursos públicos, dando condições para
que aqueles que oferecem ensino de qualidade e pesquisa competitiva
possam avançar.
É amplamente conhecido que a cultura da performatividade é
uma característica inerente a nossa sociedade. O prestígio que confere a
boa performance institucional tornou-se um fetiche. O importante é estar
entre os primeiros ou em boa posição no ranking. Nas entrelinhas do
jornal, dos relatórios, das propagandas, aparecerá o que mede o ranking,
seus indicadores e pesos.
Talvez a grande maioria dos leitores (consumidores) os ignore,
mas, com certeza, ninguém esquece a manchete. As imagens produzidas
e transmitidas por meio dos resultados das avaliações (ENADE, CPC,
IGC, etc.) ganharam autonomia, vida própria, um processo difícil de se
frear.
Essa dinâmica, articulada ao projeto de universidade, de acordo
com Sguissardi (2006, 2008), implica passar de um modelo de universidade independente da direção do Estado - ainda que custeada por este - e
do mercado, para o de uma universidade heterônoma, dependente dos
recursos e do controle tanto do Estado, como do mercado. E, em decorrência da competitividade, impactos mais marcantes seriam aqueles ligados à avaliação produtivista, à flexibilização universitária e à configuração da docência universitária da pós-graduação baseada em produtos,
decorrentes de uma universidade que se apresenta como organização
social neoprofissional, heterônoma, empresarial e competitiva.
3.
Considerações Finais
Em relação às evidências colhidas, elas são as mais diversas. Na
instituição pública, encontramos um quadro docente muito bem organi-
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zado, no que tange a titulação e carga horária de trabalho, pois 99% dos
docentes são doutores com contrato de trabalho em tempo integral.
Na instituição privada, existe todo um trabalho de organização
dos insumos, seja para as avaliações dos cursos in loco ou nas provas
avaliativas. Foi constituído um setor específico para trabalhar os indicadores. Partem da premissa de contratar docentes com no mínimo título
de mestre, com preferência para doutores. Quanto ao vínculo do contrato
em integral e parcial, os processos seletivos são organizados de forma que
o docente contratado possa se inserir em vários cursos, a fim de otimizar
sua carga horária.
Já na instituição comunitária, é bem recente este trabalho de cuidado com a contratação de docentes e definição de carga horária. Em
decorrência da finalidade das ações da instituição comunitária, que tem
toda a questão da inserção junto à comunidade, em vários momentos,
trouxe para dentro da instituição pessoas da comunidade para trabalhar
nos cursos. Entretanto, vários deles são especialistas, o que não favorece
o desempenho nos processos avaliativos. Essa ação prejudica o indicador
do quadro docente nos processos avaliativos, sendo assim, estão engajando ações para regular este processo.
De fato, a utilização dos indicadores estatísticos no campo educacional brasileiro ocupa, a partir das últimas décadas, lugar de destaque
na proposição, implantação, discussão, acompanhamento e análise das
políticas educacionais, mais especificadamente com as políticas voltadas
à qualidade educacional, onde o papel desenvolvido pelos gestores é muito relevante.
Por mais que o cenário seja de competitividade, por meio das
conversas realizadas com os gestores, destacamos uma positividade percebida no processo de avaliação e seus parâmetros atuais. Compreendemos que estes de certa forma incorporaram, de forma subjetiva, a lógica
da performatividade e da adequação ao mercado. Pois, ao menos aos
gestores das IES Comunitária e Privada, as quais não recebem incremento financeiro do Estado, se adaptar ao mercado é uma das premissas para
manter a instituição ativa e sustentável.
A gestão educacional é uma tarefa desafiadora, principalmente
neste contexto de expansão e ranqueamento, pois cabe ao gestor conduzir, adequadamente, a instituição de forma a alcançar metas e cumprir
planos estratégicos. Também é necessário, ainda que indiretamente,
acompanhar seus diretores e coordenadores, os quais conduzem e resol-
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vem questões relacionadas às dificuldades dos estudantes, além de gerenciar equipes técnicas de trabalho e estar atento ao conhecimento sobre as
novas tecnologias educacionais.
Para isso, uma questão que vale ressaltar é o trabalho do gestor
para conseguir envolver os professores a fim de sensibilizá-los para aderir
e implantar as ações que tem como propósito o alcance das metas e objetivos traçados. Na instituição pública essa sensibilização é mais difícil,
especialmente junto aos docentes que realizam atividades apenas nos
cursos de graduação. Esse engajamento fica restrito ao âmbito da gestão,
possivelmente, porque não existem mecanismos para cobrar do professor
um maior envolvimento e comprometimento com esse processo. Nas
instituições Comunitária e Privada, essa resistência não aparece, os docentes de modo geral são bem receptivos e dispostos a colaborar com as
ações da gestão, até porque o insucesso da instituição no mercado, pode
significar a perda do seu espaço de trabalho.
Conforme já havíamos indicado anteriormente, cada instituição,
pela sua natureza administrativa, acaba tendo um enfoque prioritário na
definição das suas estratégias e, consequentemente, na sua tomada de
decisões, no que tange aos processos de avaliação e regulação. Desta
forma, diante das pressões do mercado e das expectativas da sociedade,
cada instituição tende a reagir de um modo próprio, de acordo com o
centro de decisão estratégica em última instância, levando em consideração o disposto no PDI. Evidenciou-se, por exemplo, que a instituição de
natureza privada, responde necessariamente, aos objetivos e preocupações dos acionistas, num cenário marcado por uma acirrada concorrência. Já na instituição pública o foco é ao cumprimento de sua função
social, não existindo, ainda, uma preocupação com as disputas mercadológicas que envolvem a educação superior. Por fim, a instituição comunitária, sem ter fins de lucro, foca-se no atendimento das expectativas da
comunidade que a instituiu, sem perder de vista a necessidade de auto
sustentar, ficando num meio termo entre garantir a qualidade de ensino e
atender às pressões do mercado educacional. Sendo assim, compreendemos que o modo como cada uma das instituições pesquisadas age e reage
ao contexto do ensino superior do país seja bastante diferente. E isso se
dá, principalmente, pela sua missão e foco central de preocupações em
relação ao seu desenvolvimento.
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4.
Referências
BALL, S. J. Profissionalismo, gerencialismo e performatividade.
Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 126, p. 539-564, set./dez. 2005.
BERNHEIM, C. T.; CHAUÍ, M. S. Desafios da universidade na
sociedade do conhecimento: cinco anos depois da conferência mundial
sobre educação superior. Brasília: UNESCO, 2008.
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O ENSINO DO LUGAR E DA PAISAGEM NA
FORMAÇÃO CIDADÃ
Alexandra Carniel1
Silvana Pires De Matos2
1.
Introdução
O município de Itá que está localizado na região sul do Brasil no
estado de SC (ver figura 1) passou por uma grande transformação e ressignificação em seus lugares e paisagens após a construção de um empreendimento hidrelétrico que provocou toda a relocação do sítio urbano da
cidade. Sendo assim a área de realização do presente estudo sofreu intensas modificações na sua configuração atual, bem como grandes mudanças em sua base produtiva, econômica e turística. Em que a questão energética através da implantação de hidrelétricas é um tema que pode ser
melhor abordado nas aulas de geografia vinculando-a com os conceitos
geográficos de lugar e paisagem na educação geográfica.
1
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia, na linha de pesquisa
Educação e Ensino de Geografia pela Universidade Estadual do Oeste do ParanáUNIOESTE, Campus-Francisco Beltrão-PR. Professora da Educação Básica do
Município de Chapecó-SC. Contato: carnielalexandra@gmail.com
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia, na linha de pesquisa
Dinâmicas Territoriais e Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual
do Oeste do Paraná- UNIOESTE, campus- Francisco Beltrão. Professora da
Educação Básica do Estado de Santa Catarina. E-mail: sil26pires@gmail.com
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Figura 1: Localização do Município de Itá-SC
A presente pesquisa visa compreender como os conceitos de
Lugar e Paisagem podem contribuir com o ensino de Geografia e com a
formação da cidadania dos alunos dos anos finais do ensino fundamental
de uma Escola Municipal do Município de Itá-SC.
O estudo se justifica em virtude da necessidade de ressignificar e
valorizar as aulas de Geografia. Em que os conceitos geográficos
(paisagem, lugar, território, região e redes) permeiam grandes debates
relacionados a sociedade e a organização do espaço mundial. Permitindo
a realização principalmente, a partir dos conceitos de lugar e paisagem de
análises espaciais, que tornem as aulas de Geografia mais atrativas e
interpretativas da realidade vivida pelos estudantes.
A pesquisa foi realizada em uma Escola Municipal localizada no
município de Itá-SC. Foi escolhido este recorte espacial justamente por
ser uma área de estudo em que a compreensão dos conceitos geográficos
de paisagem e lugar pode contribuir para a compreensão e para a
intervenção e transformação da realidade vivida. Sendo que o município
de Itá passou por grandes transformações em seus lugares e paisagens,
após a construção de uma usina hidrelétrica, em que surgiram novas
paisagens, e os lugares passaram a ter novas funções, deixando de ser
uma cidade de base econômica essencilamente agrícola, para se tornar
uma cidade turística e cultural.
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Realizou-se uma experiência pedagógica com os estudantes do
sétimo ano do ensino fundamental, pois esta é uma faixa etária adequada
para a compreensão dos conceitos geográficos, para a realização de
debates, questionamentos e alternativas de pensar no futuro do lugar e da
paisagem. Buscou-se desta maneira uma forma de redirecionar os olhares
dos estudantes para com a sua realidade, mostrar novas interpretações de
paisagens e lugares já conhecidos, percebendo quais os pontos positivos e
os pontos a serem melhorados, o quê fazer para melhorar? Quais são os
lugares de pertencimento e quais são os lugares de repulsão? Quais são as
possibilidades e as limitações que a paisagem oferece? Que lugares
queremos para o futuro? Qual a paisagem que queremos visualizar no
futuro?
O trabalho realizado caracteriza-se como um estudo de caso, por
analisar a realidade de estudantes do sétimo ano do ensino funamental e
suas concepções sobre lugar, paisagem e geografia. Foram utilizados
instrumentos para a coleta de dados como aplicação de questionários,
intervenções pedagógicas e observações in loco. Carcteriza-se como uma
pesquisa de base qualitativa através da análise de documentos e
referenciais teóricos e bibliográficos, com ênfase na perspectiva dos
estudantes em relação aos conceitos geográficos de lugar e paisagem.
2. Desenvolvimento teórico
2.1 O lugar e a formação para a cidadania
O lugar é uma categoria de análise espacial geográfica essencial
para compreender as relações, processos e fenômenos que se passam no
espaço geográfico e se materializam na paisagem. A categoria lugar refere-se a esfera da vida, aos diferentes espaços vividos por um indivíduo ou
população e suas relações com este espaço.
Lugar é assim uma parte do espaço geográfico com o qual temos vínculos afetivos onde vivemos e interagimos criando uma paisagem. Temos um lugar no âmbito local, regional e global, uma vez que ele é
parte do espaço que acaba por ter significado em função das contextualizações de cada pessoa em particular, mas que permite conectar com
os lugares das outras pessoas ou seja o geral e abstrato (ANDREIS,
2012, p. 78).
O lugar é o espaço vivido em que se passam as múltiplas dimensões, o trabalho, o lazer, a cultura. Cada lugar é dotado de particularidades e potencialidades, exercendo determinadas funções e significados
para o indivíduo ou para a sociedade. O conceito de lugar pode ser com-
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preendido na escala local, na vida cotidiana, no dia-a-dia do cidadão,
porém este lugar (local) exerce uma conexão com a escala global, numa
relação de dependência e interdependência com os demais lugares do
globo.
É a partir do lugar que se inicia a construção da identidade, sentir-se pertencente a um lugar, identificar-se com suas características, ou
então o lugar que traz sentimento de repulsão, estranhamento em que as
características parecem não ser compatíveis com as vivências e personalidades do sujeito que o presencia, observa e vive. Cada lugar exerce uma
função um significado para o indivíduo que dele vive e participa.
O lugar é a base da reprodução da vida e pode ser analisado pela tríade
habitante - identidade - lugar. A cidade, por exemplo, produz-se e revela-se no plano da vida e do indivíduo. Este plano é aquele do local. As
relações que os indivíduos mantêm com os espaços habitados se exprimem todos os dias nos modos de uso, nas condições mais banais, no
secundário, no acidental. É o espaço passível de ser sentido, pensado,
apropriado e vivido através do corpo. (CARLOS, 2007, p.17).
O lugar é o espaço em que se vive, sente, interage, o lugar como
centro de interação e repulsão, de alegrias e angústias de desesperos e
prazeres. O Lugar que pode ser modificado, manipulado pelas relações
de poder que lhe conferem novas aparências, estruturas, demandas e
novas interpretações por quem dele usufrui.
É o corpo, o meio usado para o descobrimento do espaço, a
apropriação dos lugares, em que apreendemos a vida, os sentidos, a percepção e a vivência dos espaços percorridos. Frequentamos diferentes
espaços que se conectam e estabelecem relações, desde o lugar de domicílio ao lugar de lazer, de comunicação. Lugares públicos ou privados, de
livre ou restrito acesso que colaboram para a construção de nossa história.
Existem os lugares simbólicos que marcaram a história da humanidade, através de disputas por poder, lutas de classes, resistências e
conflitos. A produção espacial dos lugares acontece no cotidiano, por
meio das forças produtivas, da hierarquização dos espaços, nas diferentes
formas de ocupação e apropriação. A era das redes, com o grande avanço
técnico e tecnológico possibilitou a aproximação dos lugares, provocando
o encurtamento do espaço-tempo, e a intensa disseminação de fluxos de
mercadorias, pessoas e informações. Passa-se a viver o lugar em que a
esfera local se conecta com a global, através das intensas trocas de relações econômicas, comerciais, produtivas que regem o sistema capitalista.
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Em que o lugar na esfera individual faz parte de um conjunto de lugares,
de um coletivo que possui sua função na organização do espaço mundial.
Compreender o lugar em que se vive encaminha-nos a conhecer a história do lugar e, assim, a procurar entender o que ali acontece. Nenhum lugar é neutro, pelo contrário, os lugares são repletos de história
e situam-se concretamente em um tempo e em um espaço fisicamente
delimitado. As pessoas que vivem em um lugar estão historicamente situadas e contextualizadas no mundo. Assim, o lugar não pode ser considerado/entendido isoladamente. O espaço em que vivemos é o resultado da história de nossas vidas. Ao mesmo tempo em que ele é o palco onde se sucedem os fenômenos, ele é também ator/autor, uma vez
que oferece condições, põe limites, cria possibilidades (CALLAI, 2005,
p. 236).
O conceito de lugar é essencial na Geografia na compreensão do
papel social do próprio aluno no mundo, na sociedade que lhe confere
direitos e deveres, no exercício da cidadania e na construção de sua própria autonomia. Trabalhar o conceito de lugar a partir das vivências do
aluno possibilita problematizar questões de seu próprio cotidiano que
interferem no seu modo de vida.
O lugar é o espaço vivenciado, é o centro de múltiplas relações,
em que ocorrem as interações e atividades humanas, a reprodução da
vida e a produção do espaço. O lugar passível de ser interpretado através
das marcas, dos acúmulos de tempos presentes em seus espaços, passando por constantes adequações, transformações, atendendo as demandas
das sociedades e do espaço-tempo presente.
Para a ciência geográfica o conceito de lugar é fundamental na
compreensão das relações, processos, dinâmicas que se passam no espaço
geográfico e interferem na construção de identidades, nos grupos culturais e no convívio em sociedade. Trabalhar o conceito de lugar a partir
das vivências do aluno e de sua realidade local permite a exploração para
as dimensões políticas, sociais, econômicas, culturais e ambientais presentes no seu cotidiano, e que regem a forma como o ser humano dinamiza o espaço e lhe atribui novas configurações.
2.2 A paisagem e a formação para a cidadania
Assim como o lugar, a paisagem também é uma categoria de
análise espacial geográfica muito importante, pois permite visualizar as
relações, processos e fenômenos produzidos no espaço, é uma forma de
compreender o espaço através do visível. A paisagem é a composição
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visual formada por elementos naturais ou culturais em uma relação dinâmica.
A paisagem é o resultado dinâmico e concreto dos processos, fenômenos, relações de ordem natural, cultural e histórica, que se materializam em determinada porção do território. A partir de uma perspectiva
mais voltada para as pessoas e suas subjetividades, também pode-se pensar que as paisagens, carregam sonhos, sentimentos que contam histórias
das cidades, da sua construção, seus problemas e contextos.
Suertegaray (2001, p.5) afirma ―a paisagem como a expressão
materializada das relações do homem com a natureza num espaço circunscrito‖ (SUERTEGARAY, 2001, p.5). A paisagem pode ser apreendida e interpretada para além de seus limites visuais, pois é carregada de
sentido e significados, de individualidades que a tornam perceptível através de aromas, sabores sentidos, e percepções, ligada a particularidade de
cada indivíduo. Trabalhar as transformações da paisagem a partir da
vivência dos estudantes, permite desenvolver análises e habilidades cognitivas sobre o contexto em que a sua realidade está inserida, detectando as
possibilidades, as limitações e os desafios sociais, ambientais e econômicos presentes, realizando um estudo detalhado a partir da composição
visual dos lugares.
Para o geógrafo Milton Santos a paisagem é a dimensão da percepção e dos sentidos, sendo diferenciada em paisagem artificial e paisagem natural. ―Tudo aquilo que nós vemos, o que a nossa visão alcança, é
a paisagem. Esta pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que
a vista abarca. Não é formada apenas de volumes, mas também de cores,
movimentos, odores, sons etc.‖ (SANTOS,1998, p.21). O ser humano se
apropria da natureza, de suas formas, frações e cores, interage sobre o
espaço geográfico e através do trabalho e da cultura molda as paisagens
conforme seus interesses, ocasionando grandes mutações e transformações que a fazem dinâmica e única em sua essencialidade e totalidade
global.
2.3 Experiência pedagógica com os estudantes
A experiência pedagógica foi organizada da seguinte maneira:
Primeiramente foi realizada a observação in loco de uma turma de 7º ano
do ensino fundamental da Escola Estadual de Educação Básica Valentin
Bernardi, localizada no município de Itá-SC. Em seguida foram realizadas intervenções pedagógicas com o intuito de conceituar o lugar e a
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paisagem e sua importância no ensino de geografia e no entendimento da
sociedade. Por último foram aplicados questionários sobre as perspectivas
dos estudantes em relação aos lugares, paisagens e a construção da cidadania.
A turma em que foi realizada a oficina era composta por 21 alunos, todos residentes na cidade de Itá, caracterizam-se por serem alunos
muito participativos, questionadores e até mesmo críticos sobre sua própria realidade.
2.4 A paisagem e o lugar na perspectiva dos estudantes
Inicialmente a perspectiva dos alunos sobre a paisagem referia-se
a beleza e a estética. No primeiro momento de aproximação com as temáticas paisagísticas, foi solicitado que uma aluna desenhasse no quadro,
uma paisagem, como esperado ela desenhou as belezas da natureza, com
um majestoso sol, com árvores, um riacho e até peixinhos. A partir deste
desenho, desta representação da paisagem, questionou-se aos alunos se a
paisagem se referia apenas ao que é belo, ao que é contemplado. A maioria dos alunos, no primeiro momento, afirmou que sim, então está ideia
começou a ser desconstruída, por meio da abordagem da paisagem como
o domínio do visível, o que a vista alcança, a composição de elementos
naturais, artificiais e culturais que a formam. Então lhes foi questionado
se a sala de aula também era paisagem. A maioria respondeu que sim,
pois era possível de ser vista. Então lhes foi explicado que a paisagem é o
que a vista alcança, mas nem tudo que vemos é paisagem, pois ela se
refere a espaços externos e não a ambientes internos.
Alguns alunos também confundiam natureza com paisagem, em
que lhes foram abordadas as diferentes paisagens e seus contextos, e proposto o seguinte questionamento sobre a verdadeira existência de uma
paisagem totalmente natural, sendo que mesmo não havendo uma intervenção humana concreta sobre determinada paisagem, o fato de o ser
humano ter conhecimento sobre ela, sobre suas dinâmicas e até mesmo
realizar pesquisas e investigações sobre ela, não faz com que ela deixe de
ser totalmente natural?
Com o intuito de compreender a percepção de cada aluno sobre
a paisagem aplicou-se o questionário abaixo em que depois as respostas
foram socializadas em aula.
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Quadro 1: Questionário Paisagens da janela
Todas as respostas referiam-se a paisagens belas, como: ―um
1-Qual paisagem você jardim‖ ―uma praia‖, ―o mar‖, ―um campo de flores‖, e ―um
gostaria de ver da estádio de futebol lotado com o grêmio X inter‖. Respostas
janela do seu quarto?
estas que retratam as paisagens e o que os alunos gostam de
olhar, sentir e viver.
Todas as respostas retratam aspectos negativos, como: ―lixão‖,
2- Para quais paisagens ―rio poluído‖, ―fábricas com fumaça‖, ―uma briga‖, ―um lugar
você fecharia a janela?
com carros buzinando e pessoas gritando‖. Foram relatadas
paisagens que trariam algum incômodo ou então desconforto.
―Eu abriria para o companheirismo e fecharia para os proble3-Se você pudesse mas‖, ―Eu abriria nas torres e fecharia o que mostra a poluição
mudar a realidade do de rios e floresta, mas mesmo assim tentaria ajudar‖, ―Abriria a
lugar em que vive, qual janela para a usina hidrelétrica e fecharia para as brigas do
janela você abriria, o bairro São João‖, ―Eu abriria a janela para os projetos de
que mostraria, e em renovação da natureza, a natureza recuperada. Fecharia para
qual ponto você fecha- as calçadas mal feitas e o lixo no lago‖. As respostas revelam os
problemas sociais, ambientais e a preocupação em relação ao
ria a janela?
futuro do lugar em que vivem.
Fonte: Experiência Pedagógica realizada com alunos do 7º ano da
E. M. Valentin Bernardi, 2018.
Em relação ao lugar os estudantes destacaram vários locais que
fazem parte de sua vivência, como a escola marcada pelo convívio escolar, a praça onde encontram os amigos, o lar como o encontro da família,
a igreja como um lugar de fé e oração.
Com a finalidade de compreender as perspectivas dos estudantes
em relação aos lugares e paisagens do futuro do município de Itá-SC, foi
aplicou-se o questionário abaixo:
Quadro 2: Questionário Paisagens e Lugares do futuro.
Apenas uma aluna relatou não gostar de viver na cidade de Itá,
1- Você gosta de viver neste por estar distante de familiares queridos. Percebe-se que a maioria
dos alunos apresenta uma relação de pertencimento e identidade
lugar? Por quê?
com o lugar.
2- Quando você pensa neste A maioria das respostas seguiram este sentido ―o pôr do sol‖,‖as
lugar em que vive, qual é a torres‖ ―as termas‖, ―o lago‖, ―a pedra símbolo da cidade‖. A
primeira imagem que lhe maioria dos alunos pensa em elementos marcantes da paisagem e
vem à cabeça?
da dinâmica da cidade de Itá.
A maioria dos alunos pensa que a cidade estará bonita, com
novos pontos turísticos e comerciais. Apenas três alunos citaram
possíveis problemas de acordo com suas percepções: ―Um monte
de idosos de muleta‖. O que retrata o envelhecimento da população e também a saída dos jovens para trabalhar em outras cidades
3- De que forma você pensa com mais oferta de emprego. Outro aluno relata: ―Com menos
poluição e malandragens, e é claro eu acredito que ela vai mudar
no futuro deste lugar?
porque muitos avanços estão por vir‖. Frase esta que relata uma
esperança de melhoria e mudanças em relação ao futuro. E outro
aluno descreve ―Uma educação aprimorada e muito boa‖.
Percebe-se a esperança de um jovem de mudança através da
educação.
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As principais respostas foram: ―o lago‖, ―as torres‖, ‖a rua dos
ipês por representar a beleza presente no centro da cidade‖. As
4-Qual imagem (s) você
respostas de três alunos demonstram o apego e a afetividade ao
levaria deste lugar em caso
lugar em que vivem. ―Do alto do moro onde morro porque tem
de mudança amanhã? Por
uma vista muito bela‖. ―Do sítio meu, porque tenho uma vista
que esta imagem?
privilegiada do rio Uvá‖(sic) e ―A imagem da minha casa porque
me lembraria de como eu era feliz lá‖
5-Quais fotografias você A maioria dos alunos respondeu uma fotografia das torres da
enviaria a um parente que antiga igreja, isto retrata o grande sentimento de apego, afetividaestá distante para que ele de com este símbolo e marco turístico da cidade de Itá. Como o
conheça o lugar em que único elemento da paisagem da velha cidade que sobreviveu e
permanece firme e forte.
vive?
As respostas foram variadas como: ―As pichações e o vandalis6- Quais paisagens ou quais mo‖, ―o lixo‖, ―os buracos nas calçadas‖, ―o esgoto a céu aberto‖,
elementos da paisagem ―a poluição e o desmatamento‖. Apenas um aluno apresentou um
você considera negativo e ponto mais direto à sua realidade: ―As casas abandonadas no
gostaria que desaparecesse bairro Floresta porque são foco de doenças e poluição‖. Demonsdeste lugar?
trando a preocupação com um problema social e também ambiental
7- Quais paisagens você As respostas foram diversificadas: ―as matas de araucária‖, ―os
pensa que deveriam ser ipês da cidade‖, ―a prainha, pois está secando‖. Apenas um aluno
fotografadas porque daqui a demonstra maior preocupação com o lugar em que vive: ―A
algum tempo elas não floresta perto da minha casa por que ela corre risco de ser desmaexistirão mais? Por quais tada para servir de lugar para a pecuária e agricultura‖
motivos esta paisagem
deixará de existir?
8- Converse com seus Os alunos citaram pontos positivos e negativos tanto do passado
familiares ou vizinhos sobre como do presente. ―Era melhor no passado por que não tinha
a vida no passado neste tanta poluição nem desmatamento‖ ―Agora, pois tá moderna e
lugar, se a vida está melhor criativa‖ (sic), ― É melhor agora tem mais tecnologia‖. ―Não, pois
agora ou era melhor no no passado tinham convivência com os mais próximos‖, ―Hoje
passado? Por quê?
pois se tem mais recursos‖.
9- Em sua opinião qual a As principais respostas foram: ―desmatamento da mata nativa‖,
maior transformação da ―o lago‖, ―a usina‖ ―a cidade ficou maior e mais planejada‖.
paisagem com a construção
do reservatório da hidrelétrica?
―A cidade antiga, porque foi alagada‖, ―a igreja da antiga cida10-Qual a antiga paisagem
de‖, ― eu acho que o cinema por que quando acabava a missa eles
que a população da cidade
iam ao cinema‖, ‖ minha mãe me diz que sente saudades da
mais sente saudades? Por
igreja e do cine (cinema da velha cidade). ‖ Frases que revelam
quê?
paisagens que ainda marcam a memória dos moradores.
“As torres, pois, foi um símbolo que sobrou da cidade‖, ―o lago
11- Qual a paisagem que por que mudou a cidade‖, ―A pedra da cidade de Itá pois é um
representa atualmente a dos pontos turísticos mais populares‖. Percebe-se estes elementos
cidade? Por quê?
paisagísticos citados, como símbolos da cidade de Itá e exercem
uma relação de afetividade para os itaenses.
Fonte: Experiência Pedagógica realizada com alunos do 7º ano da E. M. Valentin Bernardi.
*As questões do questionário acima foram baseadas e adaptadas do seguinte trabalho:
SOUZA, Reginaldo José de. O sistema GTP (Geossistema-Território-Paisagem) aplicado
ao estudo sobre as dinâmicas socioambientais em Mirante do Paranapanema-SP, Presidente Prudente, 2010.
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3.
Considerações Finais
O lugar e a paisagem são categorias de análises espaciais, essenciais ao entendimento do funcionamento do mundo, através da observação da relação homem-sociedade e natureza, na interpretação do cenário
dos fluxos, dos movimentos, ritmos e funcionalidades do meio urbano ou
rural.
Procurou-se através da experiência pedagógica, construir em
conjunto com os estudantes os conceitos de lugar e paisagem, a partir da
realidade vivenciada e das transformações com a construção da hidrelétrica, com reflexões sobre os impactos positivos e negativos, com a formação de posicionamentos críticos a partir de sua própria realidade, e a
forma como este processo interfere nas dinâmicas territoriais e sociais.
A temática dos empreendimentos hidrelétricos se fez fundamental para compreender as transformações dos lugares e paisagens e suas
implicações de ordem ambiental, econômica, política, territorial e social.
E também na compreensão sobre as potencialidades, os usos, os direitos
sobre a paisagem, e suas implicações para a vida. Através da análise dos
questionários, percebe-se a preocupação dos estudantes em relação ao
futuro da paisagem, sobre as questões ambientais e sociais, o apego, a
afetividade e a relação de pertencimento com alguns lugares da cidade.
Portanto, através da realização da experiência pedagógica com
os estudantes e posteriormente a análise dos questionários foi possível
refletir sobre a importância dos conceitos geográficos lugar e paisagem na
educação geográfica, na formação para a cidadania, através da formação
de posicionamentos críticos-reflexivos em relação a realidade vivida, que
busquem a melhoria na qualidade de vida no cenário econômico, político, social, ambiental visando minimizar desigualdades e promover melhores condições de trabalho, lazer, saúde e educação.
4.
Referências
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Alegre: Compasso Lugar-Cultura: Imprensa Livre, 2012.
CALLAI, H. C. Aprendendo a ler o mundo: A geografia nos anos
iniciais do ensino fundamental. Cad. Cedes,Campinas, vol.25, n.66,
p.227-247, maio/ago.2005. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/
ccedes/v25n66/a06v2566.pdf>. Acesso em 28 abr. 2019.
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CALLAI, H. C; MORAES, M. M. Educação Geográfica, Cidadania e
Cidade. In: ACTA Geográfica, Boa Vista, 2017. Disponível em:<
file:///C:/Users/ACER/Downloads/4771-18404-1-PB.pdf.> Acesso em
10 jul. 2018.
CARLOS, A. F. A. O lugar no/do mundo. São Paulo: FFLCH, 2007, 85
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SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e
emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.
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teórico e metodológico da geografia. Hucitec, São Paulo, 1998.
Disponível em: http://www.fisica.uniud.it/URDF/masterDidSciUD/
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SOUZA, Reginaldo José de. O sistema GTP (Geossistema-TerritórioPaisagem) aplicado ao estudo sobre as dinâmicas socioambientais em
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múltiplo. In: Revista Electrônica de geografia y ciências sociales.
Universidade de Barcelona, n.93, 15 jul. 2001.
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UM OLHAR SOBRE A MONITORIA
ACADÊMICA E A AUTONOMIA NO
APRENDIZADO
Alexandra Ferronato Beatrici 1
Vitória Muller 2
1. A Monitoria Acadêmica e sua relação com o Ensino e a
Aprendizagem
Os programas e projetos de monitoria acadêmica estão ocupando
cada vez mais espaço nas instituições de ensino superior pelo Brasil e no
mundo, não tendo somente o foco em componentes curriculares conhecidos como: química, física, biologia e matemática, mas também na didática, componente curricular presente especialmente nos cursos de licenciatura. Com o aumento no número de matrículas nos cursos superiores
nos últimos anos, a necessidade de propostas de ensino que visam um
procedimento diferenciado na aprendizagem faz-se necessário. Bem como, a quantidade de estudantes que iniciam a vida acadêmica e no decorrer desta necessitam de auxilio e/ou suporte para atingir seus objetivos
não perdendo o foco nos estudos aumentaram gradativamente.
Entendendo a necessidade acima colocada e a educação como
um processo complexo e dialético, como uma prática contra-hegemônica
que envolve a transformação humana na direção do seu desenvolvimento
pleno e que deve ter um caráter não dogmático, de modo a que os sujeitos se auto-identifiquem do ponto de vista histórico, ações como a monitoria acadêmica buscam fortalecer as políticas de ações afirmativas decorrentes dessa concepção de educação, bem como problematizar questões
1
2
Doutora em Educação na linha de Políticas Educacionais. Professora com dedicação
exclusiva no IFRS/Campus Sertão. Coordenadora do Projeto de Ensino de
Monitoria em Didática. Contato: Alexandra.beatrici@sertao.ifrs.edu.br
Acadêmica do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas no IFRS/Campus
Sertão. Monitora Bolsista PIBEN/IFRS do Projeto de Ensino relatado.Contato:
vitoriamullerrv@gmail.com
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do trabalho pedagógico que exponham e permitam problematizar essas
contradições.
Assim entendido o processo educativo e a importância de novos
procedimentos de aprendizagens, no ano de 2018, surgiu o projeto de
Ensino ―Fortalecendo Aprendizagens através da Monitoria Acadêmica
em Didática‖, a partir da necessidade que os acadêmicos matriculados
nos três cursos de Licenciatura do IFRS - Campus Sertão apresentavam,
especialmente no momento dos estágios de docência. O projeto tem como objetivos: auxiliar os acadêmicos nas dificuldades com a atividade de
elaboração dos planos de aula; sugerir técnicas, procedimentos e práticas
de compreensão e fixação de conteúdos para que sejam realizadas em
sala de aula durante o período de estágio; atender os acadêmicos que
necessitam do Plano Educacional Individualizado (PEI) e que estão matriculados no componente curricular de Didática.
O projeto é uma ação extraclasse que busca auxiliar os estudantes propondo procedimentos de ensino capazes de amenizar as dificuldades de aprendizagem e de compreensão. O trabalho sob esse enfoque
pode ser compreendido como uma atividade de apoio discente ao processo de ensino e aprendizagem e cumpre duas funções: iniciar o estudante
na docência de nível superior e contribuir com a melhoria do ensino de
graduação, tendo uma grande responsabilidade no processo de socialização na docência universitária, assim como na qualidade da formação
profissional oferecida, o que reverterá a favor da formação do futuro
docente.
Os encontros dos estudantes que procuram a monitoria acontecem no Laboratório de Ensino da instituição, divididos em quatro dias da
semana, no turno vespertino. Desde o primeiro semestre deste ano foram
atendidos estudantes que buscavam sugestões de atividades metodológicas para complementar o plano de aula do estágio, como também, estudantes regulares, que possuem dificuldade de compreensão, organização
e planejamento dos procedimentos necessários para o estágio da docência. Estes últimos são atendidos regularmente durante o semestre. Abaixo
apresentamos três casos de estudantes regulares atendidos no projeto.
Primeira estudante: Frequenta os encontros de monitoria acadêmica desde o ano de 2018, possui Plano Educacional Individualizado,
pois apresenta diagnóstico de deficiência intelectual e transtorno de ansiedade. Possui dificuldade em atividades como: memória recente, não
consegue memorizar conteúdos em longo prazo, entendimento dos con-
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teúdos propostos pelos professores em aula, elaborar questionamentos e
na organização de seus estudos. É uma estudante esforçada e assídua.
Apresenta bons resultados com a utilização de técnicas visuais com uma
linguagem direta e objetiva. Para alcançar os objetivos de aprendizagem,
foram utilizados diferentes procedimentos metodológicos de ensino, tais
como: resumos, palavras geradoras, mural com as ideias principais do
texto, repetição de leituras curtas referente ao conteúdo estudado, leitura
oral, conversação, filmes/documentários (curta metragens) com resumos
e recorte/colagem e jogos pedagógicos. A estudante está confeccionando,
com o auxilio da acadêmica monitora, um jogo da memória sobre o conteúdo de leis versus conceitos, para posteriormente jogarem em diferentes
dias da semana, afim de fixar o conteúdo.
Segunda Estudante: apresenta dificuldade na elaboração dos planos de aula para o Estágio de Docência. O procedimento adotado nos
encontros vai desde a conversação, para entender como esta imagina a
aula acontecendo, até a orientação da organização da gestão do tempo de
aula com as atividades propostas a serem desenvolvidas. Com o auxílio
do projeto de monitoria acadêmica, a estudante vem demonstrando entendimento de maneira gradual, conseguindo melhorar o planejamento
de seus planos de aula.
Terceira estudante: tem um quadro de aprendizagem semelhante
ao da primeira estudante, mas, não possui diagnóstico comprovado e
nem solicitação de PEI. Reside em comunidade Quilombola próxima a
cidade de Sertão. Demonstra interesse em querer finalizar o estágio de
docência, mas está insegura quanto a este, pois necessita de aprofundamento de conteúdo, melhoria na escrita e oralidade/expressão. O procedimento de ensino utilizado consiste em: leituras, conversação, explanação por parte da discente do planejamento das aulas, elaboração dos
planos, dos slides e de material de apoio. A estudante vem demonstrando
entendimento e envolvimento.
2.
O monitor e o princípio da autonomia
A atividade de monitoria teve sua origem na idade média, onde
os presentes ouviam atentos ao debate para depois questionarem. Na
metade do século XIV, os mestres tinham quase sempre um ―monitor‖,
―repetidor‖ ou um proscholus, antigo nome latino atribuído às pessoas que
os auxiliavam na escolarização. No século XVI, os jesuítas definiram
uma didática bastante exigente e, para isso, passaram a receber auxílio
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dos melhores alunos, chamados ―decuriões‖, responsáveis por outros
colegas, de quem tomavam as lições de cor, recolhiam os exercícios e
marcavam erros e faltas diversas. Já no século XVIII, há indícios do Método Monitorial de Lancaster na Inglaterra, promovido por leigos, denominado ―ensino mútuo ou monitorial‖, o qual funcionava tendo o estudante mais capacitado ensinando o menos capacitado.
Assim, a atividade de monitoria foi considerada uma das mais
úteis invenções pedagógicas modernas, por reduzir o tempo gasto
para a aquisição dosconhecimentos elementares, pois o professor
supervisionava toda a escola e, especialmente, os monitores.
No Ensino Superior, somente na década de 1960, com a Lei de
Reformulação do Ensino Superior (Lei nº 5540/68), se instituiu oficialmente a figura do monitor. O art.41 determinava que as universidades
criassem as funções de monitor para alunos do curso de graduação.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação- 9394/96 legitima a importância da atividade de monitoria, quando em seu art. 84 prevê que os
discentes da educação superior poderão ser aproveitados em tarefas de
ensino e pesquisa pelas respectivas instituições, exercendo funções de
monitoria, de acordo com seu rendimento e seu plano de estudos.
Frison (2016) compreende a monitoria como uma modalidade de
ensino que potencializa a aprendizagem colaborativa e autorregulada,
entendendo-a como uma ação dinâmica, temporal, intencional, planejada, complexa, mas que também depende das aspirações, das intenções,
das competências, das estratégias, dos valores de cada estudante, de contextos e pressões sociais, cujos efeitos são resultado da interação de diferentes variáveis.
Entendendo a necessidade e importância da monitoria, o acadêmico monitor deve estar em constante movimento de aprendizagem, e
quando necessitar de auxilio deve procurar o professor para que este oriente com dicas e ideias de como trabalhar, visto que, cada estudante
atendido tem seu ritmo de aprendizado e necessidades frente as propostas
planejadas.
Então, a possibilidade de trabalhar como monitor auxilia o acadêmico, a entender e exercitar, mesmo que de forma secundária, mas,
não menos importante o protagonismo e a autonomia necessários para
com os procedimentos de ensino da docência. Essa ação contribui na
permanência do acadêmico no curso que escolheu, pois a ligação e comprometimento entre o monitor e o professor orientador, precisa ser de
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confiança, pois é uma via dupla de saber onde ambos aprendem trocando
conhecimento, sendo necessário o que NUNES, 2007, p.49 destaca:
É necessário estabelecer um diálogo aberto com o monitor, ouvindo
suas opiniões desde a perspectiva de aluno e como elo que é entre o
professor e os alunos. Isso tende a enriquecer o trabalho de preparação
da disciplina.
O acadêmico monitor inserido na atividade de monitoria nos
cursos de Licenciatura sente na práxis como será atuar na docência, as
alegrias, desafios e diferentes situações de aprendizagem, reforçando
aquilo que LINS, 2009 p.2 destaca,
O aluno monitor experimenta em seu trabalho docente, de forma amadora, as primeiras alegrias e dissabores da profissão de professor universitário durante o programa de monitoria. O fato de estar em contato
direto com alunos na condição, também de acadêmico, propicia situações inusitadas, que vão desde a alegria de contribuir pedagogicamente
com o aprendizado de alguns até a momentânea desilusão, em situações em que a conduta de alguns alunos mostra-se inconveniente e desestimuladora.
Quando assume a responsabilidade em meio à orientação da atividade de monitoria acadêmica, o docente precisa compreender a importância da função deste procedimento de ensino, pois engloba diversas
situações e propostas que poderá contribuir na formação de um sujeito
crítico e ativo. O professor orientador traz consigo a variedade de experiências e metodologias que podem ser utilizadas na aprendizagem discente, abrindo um amplo leque de estratégias que Frison, 2010, p.147, ressalta
Quando o professor opta por trabalhar com monitores, ele assume o
papel de líder, de forma a orientar, mediar e coordenar efetivamente as
aprendizagens, utilizando-a como estratégia para possibilitar experiências profissionais aos alunos e futuros educadores.
Na estratégia pedagógica da monitoria acadêmica, há pelo menos outros três elementos: a) corporificação da palavra pelo exemplo
(FREIRE, 2011). Isso quer dizer que, para além do discurso sobre a reflexão crítica da prática são necessárias ações sistemáticas e organizadas
que oportunizem tal finalidade; b) o diálogo compreendido como fenômeno humano e que por isso é constituído de ação e reflexão, portanto
não está reduzido a simples conversação (FREIRE, 2005); c) convicção
de que a mudança é possível, ou seja, o ―mundo não é ele está sendo‖
(FREIRE, 2011).
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Através dos elementos citados, podemos dizer que o (s) acadêmico(s) monitor (res) deve(m) acreditar e demonstrar uma visão diferente
sobre a aprendizagem acadêmica deve (m) acreditar que aprender é uma
atividade proativa. Investem na promoção da escolha de estratégias que
incrementem a qualidade de suas aprendizagens, na organização de um
plano que possibilite cumprir as demandas que surgem em relação aos
conteúdos estudados e assim conseguem auxiliar outros estudantes.
Considerando o processo de formação dos estudantes dos cursos
de licenciaturas do IFRS/Campus Sertão, onde a capacitação destes, em
geral, é de atuar em sala de aula, acreditamos que as vivências nas atividades de monitoria sejam ainda mais significativas por possibilitarem a
estes uma análise da articulação entre a teoria e a prática. Visto que, além
de estarem em contato com estudos teóricos os mesmos podem exercitar
um olhar diferenciado para a prática docente através das experiências
adquiridas, especialmente quando se deparam com os planos de aula para
o estágio da prática docente.
Com isso, a monitoria se configura num espaço em que as perspectivas teóricas estudadas durante o curso podem ser confrontadas com
as situações vividas no cotidiano da sala de aula de forma que o monitor
torne-se construtor do conhecimento acerca do exercício docente.
3.
Considerações finais
A Monitoria Acadêmica em Didática vem potencializando a
aprendizagem do acadêmico monitor, através dos acompanhamentos nos
planos de aula, nas intervenções quanto a atividades metodológicas realizadas em sala de aula, possibilitando a este colocar em prática o que foi
aprendido durante do curso de Licenciatura.
Destaca-se como uma atividade que solicita competências do
monitor para atuar como mediador da aprendizagem dos colegas, contando com a dedicação, o interesse e a disponibilidade dos envolvidos,
pois ao serem colocados como protagonistas de seu estudo, o acadêmico
monitor e os estudantes viabilizam uma situação de aprendizagem em
que ambos aprendem.
Os estudantes que frequentam o projeto demonstram melhora na
compreensão e envolvimento posterior, em sala de aula, demonstrando
entendimento, organização e realização das atividades propostas pelos
docentes com menos dúvidas.
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A monitoria é uma prática que auxilia o ensino, um instrumento
pedagógico que produz novas formas de aprendizagens, práticas e experiências. O projeto apresentado neste artigo, desde seu início demonstra
isso, através do envolvimento dos estudantes regulares e as contribuições
para com a permanência e êxito destes na instituição de ensino.
Poderíamos ter uma valorização desta modalidade de ensino e
aprendizagem, com maior apoio em bolsas, pois muitos tem a ideia de
que é uma função fácil de ser realizada, o que é equivocado, pois requer
cuidado com outro, diálogo, pesquisa, estudo, planejamento e muita
orientação.
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Referências
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prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
___. Pedagogia do Oprimido. 47 ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2005.
FRISON, Lourdes Maria Bragagnolo; DE MORAES, Márcia Amaral
Corrêa. As práticas de monitoria como possibilitadoras dos processos
de autorregulação das aprendizagens discentes. Poíesis Pedagógica, v. 8,
n. 2, p. 144-158, 2010.
FRISON, Lourdes Maria Bragagnolo. Monitoria: uma modalidade de
ensino que potencializa a aprendizagem colaborativa e autorregulada.
Pro-Posições, v. 27, n. 1, p. 133-153, 2016.
LINS, Leandro Fragoso et al. A importância da monitoria na formação
acadêmica do monitor. Jornada de ensino, pesquisa e extensão, IX,
2009.
NUNES, João Batista Carvalho. Monitoria acadêmica: espaço de
formação. A monitoria como espaço de iniciação à docência:
possibilidades e trajetórias. Natal: EDUFRN, p. 45-58, 2007.
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AS ENTRELINHAS DO CURRÍCULO NA
INSTITUIÇÃO ESCOLAR:
UMA ANÁLISE DA DIVERSIDADE
Jacinta Lúcia Rizzi Marcom1
Marcilei da Silva Bender2
Evanete Antunes Ferreira3
1.
Introdução
Este artigo visa analisar as entrelinhas ocultas da diversidade na
construção do currículo escolar. Nessa empreitada, iniciamos a discussão
tentando compreender o conceito de currículo que perpassa as práticas
pedagógicas das instituições escolares. Num primeiro olhar, entender o
currículo permeia saber que qual é a concepção adotada, e ter clareza de
que todas são temperadas pelas transformações que desejamos efetuar
nos estudantes, valores que desejamos inculcar e identidades que desejamos produzir. Dito em outras palavras, currículo associa-se a ―distintas
concepções, que derivam dos diversos modos de como a educação é concebida historicamente, bem como das influências teóricas que afetam e se
fazem hegemônicas em um dado momento‖ (CANDAU; MOREIRA,
2007, p. 17).
Antes de caminharmos para outros conceitos é fundamental destacar que diferentes fatores socioeconômicos, políticos e culturais contribuem para delinear e alargar a noção de currículo que despido de préconceitos instaura sentido quando entendido como ―prática social‖
(VEIGA, 2002, p. 07). De acordo com Candau e Moreira, há a necessidade de olhar aguçado para as considerações de que um currículo dentro
da instituição escolar deva agregar:
1
2
3
Discente do programa do Mestrado em Educação da UNOCHAPECÓ. Contato:
jacinta.marcom@ifsc.edu.br
Discente do programa do Mestrado em Educação da UNOCHAPECÓ. Contato:
marcisilva@unochapeco.edu.br
Discente do programa de Mestrado em Educação da UNOCHAPECÓ. Contato:
evanete_homail.com@unochapeco.edu.br
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[...] os conteúdos a serem ensinados e aprendidos; as experiências de
aprendizagem escolares a serem vividas pelos alunos; os planos pedagógicos elaborados pelos professores, escolas e sistemas educacionais;
os objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino; e os
processos de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos
procedimentos selecionados nos diferentes graus de escolarização
(CANDAU; MORREIRA, 2007, p. 18).
Para dar densidade teórica ao conceito de currículo resgatamos o
entendimento de Berticelli quando o explicita como meio de ―produção
de subjetividades e de produção social‖ (2005, p. 24), que no nosso entender, vai tomar corpo dependo da relação de poder exercida entre os
sujeitos envolvidos no processo. Currículo refere-se, portanto, a criação,
recriação, contestação e transgressão (MORREIRA; SILVA, 1994), numa sociedade que nem sempre é dito com todas as letras, as verdadeiras
intenções pensadas, manipuladas, ocultadas, veiculadas, implícitas e
subjetivadas naquilo que é proposto.
Esta configuração do conceito de currículo e suas relações nos
remetem a pensar, em uma sociedade democrática, em que somos sujeitos ativos da construção do currículo que queremos, entretanto, se partirmos da construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), essa
ideia é falsa, pois as sugestões que estão pra além daquilo que determinados grupos dominantes querem e pensam, não são aceitas. O documento
já está pronto, subjetivando o professor e a comunidade escolar a meros
executores de propostas, que no fundo se revestem de uma roupagem de
despolitização, envolvendo os profissionais de uma forma tão bem construída de domínio que se não formos sujeitos críticos, capazes de entender todas estas amarras que de forma velada são impostas, ainda contribuímos para passar adiante a falsa ideia de participação na construção do
sujeito, do mundo e da sociedade que queremos, dando à BNCC um ar
de ―salvadora da pátria‖.
Será que é desta forma que profissionais da educação pensam e
constroem este importante documento? Quais são os elementos que embasam o currículo? Como é trabalhada a diversidade no âmago daquilo
que ele sustenta? Quais são suas bases de sustentação? Existe um currículo oculto na ação pedagógica? Conforme Saviani (2000, p. 89) ―a escola
tem o papel de possibilitar o acesso das novas gerações ao mundo do
saber sistematizado, do saber metódico, científico. Ela necessita organizar processos, descobrir formas adequadas a essa finalidade‖. Assim,
―um currículo é, pois, uma escola funcionando, quer dizer, uma escola
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desempenhando a função que lhe é própria‖. (SAVIANI, 2000, p. 23).
Nessa mesma linha, Grundy traz a lume que,
O currículo não é um conceito, mas uma construção cultural. Isto é,
não se trata de um conceito abstrato que tenha algum tipo de existência fora e previamente à experiência humana. É, antes, um modo de
organizar uma série de práticas educativas (1987, p. 05).
Neste viés, dentro de uma instituição escolar as diretrizes que
materializam as concepções norteadoras daquilo que acreditam as pessoas que a compõe, devem ser discutidas, pensadas, elaboradas e reelaboradas, entretanto, não é o que acontece dentro dos muros escolares. Quando o assunto é a diversidade esta discussão silencia ainda mais. São vozes
e atores que não tem rosto, não tem identidade, não tem importância,
que são invisíveis, que fazem parte do lado obscuro da sociedade, que
não são lembrados quando se constrói o referido documento, ou seja,
homogeneíza-se a educação não valorizando o colorido das diversas
culturas que compõem o país.
Se pensarmos um pouco e olharmos ao nosso redor, se faz redundante falar, mas não é possível deixar de resinificar que um bom currículo é aquele feito para a diversidade. Lima (2006) acrescenta que um
currículo para a formação humana é aquele orientado para a inclusão de
todos no acesso aos bens culturais e ao conhecimento. Atualmente o
currículo é feito para branco, europeu e rico. Mas porque a diversidade
não consegue ser abarcada nos conteúdos e vieses do currículo?
Subjacente a estas contradições salienta-se que dentro do currículo há a existência de disputas de poder, o que também é percebido, conforme já mencionamos acima, nas concepções que dão corpo as legislações construídas para serem aplicadas à educação brasileira. É notória a
importância da reflexão de que:
[...] no Brasil, o currículo tornou-se palco de lutas, de opções, de escolhas (ainda que limitadas), muitas vezes apressadas, outras vezes extremamente criteriosas, muitas vezes democráticas, outras autocráticas
e impositivas – tudo porque as escolas, em todos os níveis do ensino
público e privado, se vêem diante do imperativo legal de produzir seus
projetos político-pedagógicos. (BERTICELLI, 2005, p. 25).
Pois bem, se a escola precisa produzir seus projetos pedagógicos
com a certeza de ter elaborado um documento que serve de base para sua
ação, por que, na maioria das vezes construímos apenas um documento
de gaveta? Por que é tão difícil dar ao currículo a cara dos desfavorecidos
pela luta de poder? O sistema de ensino passa por constantes mudanças,
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mas é nestas mudanças que entendemos como se dá as disputas e de
quem é o maior espaço neste palco.
Não podemos esquecer a existência do currículo oculto na ação
pedagógica. Para Silva (2010, p. 78) ―O currículo oculto é constituído por
todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes‖. Na mesma linha Giroux (1986, p. 71) ao tratar
do conceito de currículo oculto afirma que ―as normas, valores e crenças
imbricadas e transmitidas aos alunos através de regras subjacentes estruturam as rotinas e relações sociais na escola e na vida da sala de aula‖.
O currículo também indica efeitos alcançados na escola, que não
estão explicitados nos planos e nas propostas, não sendo sempre, por
isso, claramente percebidos pela comunidade escolar. Trata-se do chamado currículo oculto, que envolve, dominantemente, atitudes e valores
transmitidos, subliminarmente, pelas relações sociais e pelas rotinas do
cotidiano escolar. Fazem parte do currículo oculto, assim, rituais e práticas, relações hierárquicas, regras e procedimentos, modos de organizar o
espaço e o tempo na escola, modos de distribuir os alunos por grupamentos e turmas, mensagens implícitas nas falas dos professores e nos livros
didáticos (MOREIRA E CANDAU, 2007).
Nesse sentido, que os profissionais devem estar abertos para o
diálogo, na busca constante de conhecimento em relação ao currículo,
para que, nas suas ações, atitudes não incentive ou oprima os educandos
por razões ligadas a classe social, gênero, sexualidade. Mas que a sua
função seja realmente de instiga-los a pensar, questionar, compreender e
respeitar as diversidades e abertura de horizontes para o conhecimento.
Faz-se importante que o currículo, para que tenha a representatividade cultural da diversidade de forma qualificada, professores, pais,
educandos, serventes, merendeiras, monitores, administradores e agentes
que confeccionam os materiais pedagógicos, comunidade em geral se
façam sujeitos ativos de discussão e contraponto na elaboração das propostas curriculares da instituição escolar. Endossando o que dissemos
acima, destacamos as palavras de Sàcristan referindo-se a possibilidade
de tornar um currículo intercultural,
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É necessária uma estrutura curricular diferente da dominante e uma
mentalidade diferente por parte de professores, pais, alunos, administradores e agentes que confeccionam os materiais escolares. Essa mentalidade, essa estrutura e esse currículo têm que ser elaborados e desenvolvidos não apenas para ciganos, mas para fazer da escola um projeto aberto, no qual caiba uma cultura que seja um espaço de diálogo e
de comunicação entre grupos sociais diversos. (1995, p. 83)
No mundo em que vivemos normalmente o silêncio tem imperado no dia a dia de todos os personagens que entram em cena quando se
fala de planejar as ações que instituem o complexo ato de educar. Por que
falamos em silêncio? Porque na maioria das vezes, quando consideramos
o tempo destinado ao ócio do estudo, percebemos e acompanhamos que
os atores envolvidos delegam a segundo plano, tal fazer, mas por quê?
Moreira e Candau respondem,
[...] a escola sempre teve dificuldade em lidar com a pluralidade e a diferença. Tende a silenciá-las e neutralizá-las. Sente-se mais confortável
com a homogeneização e a padronização. No entanto, abrir espaços
para a diversidade, a diferença e para o cruzamento de culturas constitui o grande desafio que está chamada a enfrentar (2003, p.161).
Para construir um currículo o diálogo entre os pares é fundamental. Em que consiste dialogar? Para Gadamer ―Um diálogo é, para nós,
aquilo que deixou uma marca. O que perfaz um verdadeiro diálogo não é
termos experimentado algo novo, mas termos encontrado no outro algo
que ainda não havíamos encontrado em nossa própria existência de
mundo‖. (2002, p. 247), em outras palavras, buscar o que é comum a
todos, não significa que tenhamos que pensar da mesma forma, mas sim,
priorizar o que é comum. Etimologicamente a palavra ―comum‖ deriva
do latim communis, que significa ―pertence a todos‖, compondo a importância de refletir também sobre aquilo que não é dito.
Quando se trata de inventariar o currículo outro fato importante
que todos estes documentos necessitam para se construírem efetivos, é a
superação da fragmentação que nos induz a percepção de que as diretrizes conversam entre si, de que as modalidades de ensino apresentam uma
sequência conceitual lógica, no entanto, é clara a intenção implementada
pela própria Base Nacional Comum curricular (BNCC), de uniformizar
os sabres, pois quando se fala em base comum, num país diverso, não se
está considerando as características de cada povo que compõe a realidade
brasileira. Com a pulga atrás da orelha e com os olhos bem abertos, ousamos questionar: não será este um caminho sem volta rumo a privatização? Quem estará por trás das privatizações? A quem interessa privatizar
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o que é público? Por que tanto ataque a educação pública? Nas belas
palavras de Freitas encontramos:
A questão é que não existe ―meia privatização‖. Não existe ―quase
mercado‖. Uma vez iniciado o processo a escola a caminho da privatização plena da educação, ou seja, sua inserção no livre mercado, como
uma organização empresarial, sem contar que a transferência para as
organizações sociais (ONGs) insere no imediato as escolas em formas
de controle político e ideológico ditadas pelas mantenedoras privadas
(ou confessionais) dessas cadeias, retirando as escolas do âmbito do
controle público (2018, p. 50-51).
Atualmente, acompanhamos a cobrança quase que diária no que
se refere aos números da educação das instituições escolares, contudo,
não podemos deixar de mencionar que para os profissionais comprometidos com a educação, esta não é apenas um produto, mas sim, um investimento, que se sobrepõe a lógica do capital: ―toma lá dá cá‖. Entender as
tramas desse complexo processo que nos engole sem escrúpulos poderá
ser feito apenas pelo viés do conhecimento, pois só podemos transformar
as ideias que acreditamos.
Não podemos nos omitir e permitir que estes arranjos políticos
abocanhem currículos escolares e continue deixando de fora quem sempre esteve a margem da sociedade. Enquanto intelectuais temos a responsabilidade de defender políticas públicas que tratem de uma educação
pública de qualidade para além dos interesses políticos. Berticelli, de
forma crítica nos auxilia a pensar sobre o assunto ao relatar:
[...] os sistemas educacionais se subordinam aos poderes públicos. Neste caso, os interesses políticos conduzem os sistemas de conformidade
com as conveniências políticas. As conveniências políticas mudam de
acordo com os interesses e princípios políticos dos governantes que estão momentaneamente no poder. Os sistemas educacionais públicos
nem sempre têm, pois, a continuidade desejável. Tão pouco são os sistemas pensados por si mesmo, mas são em função do pensamento político reinante, de acordo com os que governam, que nem sempre são
detentores de ideias úteis e eficientes ou significativas para a educação,
nem para os interesses coletivos. (2006, p. 77-78).
Transitando por caminhos curriculares, cabe ainda a reflexão sobre o que Stoer e Cortesão (1999) chamam de ―daltonismo cultural‖,
referindo-se a não valorização do ―arco-íris de culturas‖ que existem
Brasil a fora. Nesta mesma linha, ainda tendo como pano de fundo a
BNCC, salientamos que ela exclui a questão de gênero, as escolas rurais,
bilíngues, quilombolas, dentre outros. Se falamos tanto em respeitar a
diversidade, entende-se que não começamos bem, quando um documento base da educação insiste na mera reprodução de conteúdo, ao invés de
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dar visibilidade à construção do conhecimento coletivo em sua diversidade.
Com a oportuna contribuição de Sacristán concluímos que não
existem currículos neutros. Não existem currículos estáticos. Não existem
currículos lineares. O currículo é mais do que a soma das diferentes disciplinas existentes. Conforme o autor,
[...] ao aceitar o status quo dos conhecimentos e saberes dominantes, o
currículo cientificista/academicista enfraquece a possibilidade de constituir uma perspectiva crítica de educação, uma vez que passa a considerar os conteúdos escolares tão somente como ―resumo do saber culto
e elaborado sob a formalização das diferentes disciplinas‖ (2000, p.
39).
Esta é com certeza uma das grandes críticas instituídas contra os
currículos, em nosso tempo. Entre tantas mudanças, muitas continuidades. Acrescenta-se ainda que neste cenário há fatores diversos que precisam fazer parte do olhar da instituição escolar quando define a linha
norteadora de seu fazer pedagógico. Se ninguém foge a captura do sistema, é importante que se tencione a maneira pela qual construímos estas
bases teóricas sobre as quais nos movemos e com as quais operamos nas
relações construídas dentro das escolas, no mundo que ora se impõe.
Indubitavelmente a educação é algo intencional, e é por intermédio do currículo que as ―coisas‖ acontecem na escola. Se o papel fundamental da instituição escolar é conferir às pessoas conhecimento, saberes
elaborados, enquanto direito de todos os estudantes, logicamente devemos ter em mente que nem tudo cabe no currículo e diante disso precisamos fazer escolhas. Por trás destas escolhas existem muitos interesses
envolvidos que normalmente só são conquistados com muitas lutas objetivando garantir este acesso.
Neste viés, enquanto profissionais da educação embora façamos
estas escolhas acrescenta-se a necessidade de dar elementos aos estudantes para aguçar o ―estranhamento‖ do mundo. Portanto, o conhecimento
escolar precisa contemplar a inclusão de saberes relevantes e significativos para a composição curricular. Assim, um bom currículo deve reconhecer os saberes trazidos pelos atores envolvidos (pais, professores e
estudantes), deve potencializar uma educação para a resistência e para
emancipação, deve representar de verdade quem de fato nós somos, deve
refletir acerca de suas práticas pedagógicas desenvolvidas no cotidiano
escolar, a partir do movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer, deve respeitar nossa subjetividade e o seu arco-íris cul-
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tural da população que compõe a comunidade acadêmica, deve ter presente sua história, suas concepções, suas experiências.
Mas para que isso aconteça, a escola precisa sair daquilo que
Forquim chama de ―sono dogmático‖ (1996, p. 190). Precisamos pensar
nisso. Precisamos urgentemente pensar, estudar nossas propostas curriculares, bem como as teorias do currículo e tendências pedagógicas para
que possamos entender nossa prática e suas consequências aos alunos e
docentes, mais que isso, construir um currículo que seja a real identidade
da instituição escolar.
Em suma, pensar um currículo que produza significados e dispor
de um currículo integrado mediante a inclusão de elementos das diferentes culturas, socializar o conhecimento historicamente produzido pela
humanidade, possibilitar a participação de todos e juntos no esforço de
tornar a escola mais democrática.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao finalizar este estudo temos a certeza de que um currículo deve ser um processo constituído por um encontro cultural, saberes, conhecimentos escolares na prática da sala de aula, locais de interação professor e aluno. O currículo é um artefato social e cultural. Mais que isso,
percebemos a importância da presença das diferenças étnicas, raciais,
culturais, sociais, religiosas, físicas e mentais, dentre outras, no enriquecimento do currículo escolar.
Tem-se claro que com o advento da pós-modernidade acompanha-se mudanças nas relações sociais, econômicas e culturais em todo o
mundo. Neste panorama, faz-se necessário ainda, de forma constante
vencer as contradições do currículo e assumir o papel de protagonistas na
sua construção definindo-o enquanto espaço de diversidade, de educação
integral e politécnica do estudante. O currículo escolar tem como propósito gerar possibilidades de emancipação, fornecer perspectivas para o
desenvolvimento de formas flexíveis e humanas de aprendizado, valorizando saberes e culturas, agregando diferentes conhecimentos aos educandos.
Não podemos esquecer ainda de que nossas decisões dentro da
construção do currículo dá voz e vez a um campo repleto de ideologia,
cultura e relações de poder. Entretanto, atualmente o currículo necessita
de uma releitura que atenda as necessidades sociais, culturais e econômi-
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cas de educandos e educadores que vivem em espaços sociais diversificados e possuem necessidades diferentes umas das outras.
Para finalizar a discussão apresentada percebemos ser urgente
que ao pensar o currículo se tenha em mente a necessidade de respeitar a
existência da multiplicidade como primeiro passo para atender a todos os
alunos de forma individual e não homogeneizada. Outro fator é ouvir as
necessidades dos alunos e entendê-los como atuantes no processo de
desenvolvimento social é extremamente importante para que consigamos
atender as necessidades da geração que vive intensamente a pósmodernidade.
REFERÊNCIAS
BERTICELLI, Ireno Antônio. Epistemologia e educação:
complexidade, auto-organização e caus. Chapecó: Argus, 2006.
da
FORQUIN, Jean Claude. As abordagens sociológicas do currículo:
orientações teóricas e perspectivas de pesquisa. In: Educação e
Realidade, vol. 21, n. 1, p. 187-198, jan.-jun./ 1996.
FREITAS, Luiz Carlos de. A reforma empresarial da educação: nova
direita, velhas ideias. São Paulo: Expressão popular, 2000.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método II: complementos e
índice. 2. ed. São Paulo: Vozes, 2002.
GIROUX, H. Teoria crítica e resistência em Educação. Petrópolis:
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LIMA, Elvira Souza. Currículo e desenvolvimento humano. In:
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MOREIRA, A. F. B. e CANDAU, V. M. Educação escolar e cultura(s):
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MEC/SEB, 2007.
SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Trad.
Ernani F. da F. Rosa, Potro Alegre: ArtMed, 2000.
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A FORMAÇÃO DO/A PROFESSOR/A DA
EDUCAÇÃO INFANTIL:
UMA EXPERIÊNCIA PRÁTICA
Aline Fernandes dos Santos 1
Joce Daiane Borilli Possa 2
Círculo de Diálogo8: Formação de professores, Currículo e práticas educativas em diferentes espaços
1. Introdução
A educação tem sido nos últimos anos alvo de diferentes programas e estudos, que buscam aprofundar e melhorar o sistema educacional no Brasil. Essa busca tem sido no sentido de que a educação possa
garantir o cumprimento de sua função social de construir e elaborar conhecimentos.
Quando se pensa na educação das crianças pequenas, a Educação Infantil aparece como elemento responsável pelo suporte e manutenção da função social da escola; capaz de promover à criança o conhecimento global de sua realidade, sua inserção no mundo dos conhecimentos historicamente construídos dando-lhes a oportunidade de elaborar
novos conceitos e conhecimentos a partir da sua vivencia diária.
A Educação Infantil tem ainda, o papel de - apoiada nos pressupostos de autonomia e identidade - auxiliar a criança a explorar os potenciais que possui, ampliando-os e instrumentalizando-os nas diferentes
áreas do conhecimento.
A educação dispensada à criança pequena tem hoje um papel
substancial na formação de sua personalidade; mas nem sempre ela foi
pensada nessa perspectiva. Durante muito tempo o atendimento à criança
1
2
Pedagoga, da Rede Municipal de Ensino, Unochapecó. Especialista em
Psicopedagogia, Unochapecó. Mestre em Educação, Unochapecó. Doutoranda em
Educação –UFPR. Contato: alineef@unochapeco.edu.br
Pedagoga, da Rede Municipal de Ensino, Unochapecó. Especialista em Práticas
Pedagógicas Interdisciplinares, Facvest. Especialista em Psicopedagogia, Facvest.
Mestre em Educação, Unochapecó. Contato: joce.possa@unochapeco.edu.br
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pequena era basicamente suprir suas necessidades de alimento, higiene e
saúde, desconsiderando os aspectos pedagógicos e educativos. É por essa
razão que ainda hoje, existem diversas visões (confusas) acerca da Educação Infantil e sua função na educação das crianças de 0 a 5 anos de
idade.
Essa confusão com relação ao processo de cuidado e educação
na infância, leva consigo outro elemento fundamental no processo educativo: o/a professor/a. Embora muitas pesquisas estejam centradas nos
processos de ensinar e aprender existe hoje um movimento que passou a
olhar para o/a professor/a como agente dos processos educativos, como
um profissional que possui pensamentos e crenças que produzem efeitos
sobre os estudantes, que precisa partilhar o protagonismo da educação e
que precisa considerar as mudanças diárias no campo educacional.
As reflexões aqui trazidas estão organizadas em duas sessões: na
primeira as contribuições teóricas sobre a formação docente na Educação
Infantil e a formação de professores a partir da Abordagem Reggio Emilia, na segunda apresentamos os elementos estruturantes sobre os diálogos estabelecidos nos grupos de formação docente de uma instituição de
Educação Infantil da rede pública de Chapecó.
A formação docente na Educação Infantil.
A busca por novos parâmetros para a educação e consequentemente para a infância resultou em normativas legais que garantiram
grandes avanços na história educacional brasileira. Já que está esteve
ligada durante décadas ao assistencialismo, voluntariado e às políticas de
caridade, bem como secretarias de assistência social; sendo posteriormente pensada como preparação para o ingresso no Ensino Fundamental.
Essas ideias a respeito da Educação Infantil contribuíram para a desvalorização do magistério e uma mentalidade equivocada sobre o profissional
que atua na área.
Esse quadro e esses conceitos acerca da Educação Infantil vêm
mudando graças à elaboração de projetos que buscam uma nova visão
em relação ao significado da infância e principalmente sobre a formação
do profissional da Educação infantil. ―O objetivo atual do currículo da
Educação Infantil, segundo o MEC, é possibilitar que as instituições
deixem de prestar apenas assistência às crianças, desenvolvendo propostas verdadeiramente educativas‖ (Kramer, 1999, p. 141).
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Nesse contexto, o caráter pedagógico da Educação Infantil ganha destaque, o/a professor/a e sua formação passam a ser evidenciados
como elementos fundamentais no processo educativo, sendo necessária
uma formação específica que considere as peculiaridades da infância.
No que se refere à formação do/a professor/a de Educação Infantil a LDB 9394/96 sugere em seu artigo 62 que:
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação
mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos 5
(cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível
médio na modalidade normal. (Brasil, 1996).
Ainda segundo a LDB 9394/96, a formação do/a profissional
docente precisa considerar os seguintes aspectos:
A formação dos profissionais da educação, de modo a atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das
diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como fundamentos; a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências de
trabalho; a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço; o aproveitamento da formação e
experiências anteriores, em instituições de ensino e em outras atividades. (BRASIL, 1996)
Além dos preceitos que se referem à formação dos/as professores/as no Brasil expostas pela LDB, outras diretrizes aparecem em documentos como o Plano Nacional de Educação, o Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), entre outras, e se constituem em um conjunto de orientações acerca da construção de projetos
pedagógicos a serem elaborados e debatidos com os educadores, e que
servem para balizar as ações educativas nas instituições.
Para Perrenoud (2001) a formação docente da educação tem hoje
um caráter muito mais profissional, onde se assumem estratégias, apoiados em conhecimentos racionais e científicos. Para ele, a ação do profissional está definida sobre as bases de autonomia e competências específicas, sendo que essas competências e conhecimentos devem estar amparados na ciência, na universidade e na própria prática docente. Portanto,
como sugere Lanter (apud Kramer, 1999, p. 136):
A formação do professor é reconhecidamente um dos fatores mais importantes para a formação de padrões de qualidade adequados na educação (...). No caso da educação da criança menor, a capacitação específica do profissional é uma das variáveis que maior impacto causa sobre a qualidade do atendimento.
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É, portanto, com base nessas competências, habilidades e estratégias que o/a professor/a vai organizar e reorganizar a construção do
conhecimento junto aos seus alunos. Que vai construir ao longo de sua
prática, o que Libâneo (1999) chama de atividade reflexiva. Para ele o/a
professor/a precisa pensar sua práxis e desenvolver uma atividade reflexiva sobre ela, isso implicaria numa intencionalidade e numa reflexão
sobre o trabalho pedagógico. Essa reflexão deve se estender também ao
currículo, ao ensino e as metodologias de docência. Para Zeichner (1993,
p. 10 e 11): ―Os professores que são práticos e reflexivos desempenham
importantes papéis na definição das orientações das reformas educativas
e na produção do conhecimento sobre o ensino, graças a um trabalho de
reflexão na e sobre a sua própria experiência‖.
Isso significa dizer, que o movimento de reflexão atribui ao/a
professor/a um papel ativo na elaboração de objetivos e meios do trabalho docente, formulando teorias e contribuindo para a construção de
conhecimento sobre o ensino. E mais, para Giroux (1997, p. 162) ―[...]
encarando os professores como intelectuais, nós poderemos começar a
repensar e reformar as tradições que têm impedido que os professores
assumam todo o seu potencial como estudiosos e profissionais ativos e
reflexivos‖.
Formação de professores para educação da infância em Reggio
Emilia
A abordagem hoje conhecida como Reggio Emilia3, surgiu através de um movimento comunitário, incluindo pais e educadores. Nas
escolas de Reggio Emilia os professores são chamados de pedagogistas, a
formação destes profissionais é permeada pelo diálogo, escuta e pesquisa.
O pedagogista age como mediador do processo de aprendizagem, auxiliando as crianças na organização de seus pensamentos e linguagens, para
que isso aconteça o professor precisa estar preparado.
Segundo Gandini (2002), este treinamento não era adequado, então para que não houvesse decadência na educação de crianças pequenas,
3
Reggio Emilia é um método que nasceu das ideias do pedagogo Loris Malaguzzi que
inspirado pelas teorias psicopedagógicas de Piaget, Vygotsky e outros estudiosos com
essa mesma bagagem teórica estava convencido de que os processos educacionais
deveriam levar em conta o desenvolvimento intelectual, emocional, social e moral
das crianças, seu método considera que todas as crianças são protagonistas, que todas
tem potencial de aprender e ensinar. É uma escola pública, situada na cidade de
Reggio Emilia no norte da Itália.
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fez-se necessário o treinamento em horário de trabalho dos profissionais
que já atuavam na área. Hoje o profissional precisa ter três anos de educação universitária antes de começar a trabalhar. A formação de professores para escolas de Educação Infantil em Reggio Emilia inicia na universidade com a formação inicial, em seguida, continua com a formação
continuada na escola na qual freqüenta, dessa maneira segundo Rinaldi
(2014) é um processo de aprender a aprender com as trocas e relações
estabelecidas pelo grupo. Essa formação é pensada como se o educador
fosse parte da cultura contemporânea, capaz de investigar, questionar
com um olhar crítico.
Os professores são orientados a deixar de lado os sistemas curriculares e organização estabelecidos em sua formação inicial e pensar no
contexto social, cultural e simbólico em que vivem para organizar o currículo de trabalho. A educação Reggiana tem uma formação própria,
oferece a seus educadores cursos e trocas inerentes de toda a proposta
desenvolvida nas escolas, o professor é um pesquisador, aprende nas
trocas que estabelece com o grupo de professores e crianças. O sistema
Reggiano auxilia os professores a melhorar suas habilidades de observar e
ouvir as crianças de documentar projetos e conduzir suas próprias pesquisas. A abordagem investe na formação continuada de seus profissionais
com uma intensa troca entre professores, alunos e comunidades. As trocas de experiências fortalecem a formação profissional, considerando,
segundo Gandini, (2002), que o treinamento de profissionais é essencial.
Reggio Emilia e o trabalho com projetos
Reggio Emilia no trabalho com projetos visa ajudar as crianças
pequenas a extrair temas voltados as suas experiências e interesses. Os
projetos oferecem a parte do currículo na qual as crianças são encorajadas
a tomarem suas próprias decisões e fazerem suas próprias escolhas, geralmente em cooperação com seus colegas, sobre o trabalho a ser realizado. Presumimos que este tipo de trabalho aumenta a confiança das crianças em seus próprios poderes intelectuais e reforça sua disposição de continuar aprendendo (EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 1999, p. 38).
Nessa perspectiva, a criança participa ativamente na construção
de projetos de aprendizagem, tem autonomia para construir os caminhos
de sua aprendizagem, tem curiosidade e desejo de explorar, tem desde
muito cedo a prática de vivenciar em seu currículo a pesquisa. Para
Edwards, Gandini e Forman (1999, p. 160), ―as crianças são protagonis-
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tas ativas e competentes que buscam a realização por meio do diálogo e
da interação com os outros‖. Para abordagem Reggio Emilia, o projeto
não deve ser entendido como um tema de estudo construído em torno de
um determinado tópico, mas ser entendido e construído a partir do interesse do grupo de crianças. A escolha do tema parte dos diálogos e da
observação feita pelo professor, juntos discutem o tema, os problemas e
os caminhos que o projeto deve seguir, este não envolve apenas as crianças e o professor, mas toda a comunidade escolar. O projeto pode surgir a
partir de uma necessidade da sala de aula, seja ela constatada por meio de
observação, de escuta atenta aos alunos ou tema percebido como importante para o desenvolvimento e a aprendizagem para esse determinado
grupo. Segundo Hernández e Ventura (1998, p. 50), é necessário levar em
conta os diferentes contextos e concepções dentro da escola, é importante
o tema do projeto surgir de uma situação-problema, ―deve se ter a preocupação com o interesse do aluno pelo tema, deve se abordar questões
significativas dentro e fora da instituição para que se torne significativo
para a criança‖. É importante que o professor crie situações para transformar o projeto em algo que motive o aluno a desenvolvê-lo e participar
de todas as etapas de sua construção, já que na maioria das vezes o tema
surge dentro da sala de aula (ou deveria) de uma necessidade de um aluno específico ou da turma.
Constituição de um grupo de diálogos: café com prosa
A formação de professores se constitui como importante elemento para o desenvolvimento e organização do trabalho pedagógico e para
reinventar sua prática diária no trabalho da Educação Infantil.
A proposta de estudo com o grupo, surge das inspirações na
Abordagem Reggio Emilia, ela pensa no professor como alguém potente
que tem papel fundamental na formação das crianças, pensar em sua
formação é essencial para que desenvolvam um trabalho que vise a criança protagonista de sua aprendizagem.
A rede municipal de ensino de Chapecó trabalha como elemento
pedagógico ―projeto‖, este organizado ainda de maneira tradicional que
não contempla a participação da criança e os interesses demonstrados por
elas em sala de aula. A partir dos elementos apresentados em Reggio
Emilia sobre projetos o estudo realizado no grupo, parte de um novo
olhar para organização desse elemento na prática diária com as crianças,
pensando nela como participante das ações pedagógicas.
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O estudo no grupo inicia pela concepção de projetos de aprendizagem e sua evolução ao longo dos anos. A formação com os professores
foi justamente porá que pudessem pensar no trabalho com projetos como
uma proposta que leva em conta o conhecimento das crianças. Ao desenvolver um projeto a criança deve participar ativamente na organização
das etapas, trazendo suas inquietações e realizando descobertas.
O desenvolvimento de projetos possibilita um cenário de investigação. Ao trabalhar determinado tema, as crianças investigam diferentes
possibilidades para encontrar soluções e ampliar os olhares sobre a temática que está sendo estudada, ou seja, ela investiga.
Para Skovsmose (2010) e Biotto (2008), o projeto é um convite à
investigação, aquele que convida os alunos a formularem questões e procurarem explicações sobre suas dúvidas e inquietações. Ao desenvolver
um projeto estamos convidando a criança a questionar, analisar, criticar e
participar de todo o processo de aprendizagem.
Nesse sentido que a formação dos docentes para o trabalho
com projetos possibilitou revisitar suas práticas, analisar a organização do projeto e perceber as necessidades da turma, assim como,
das crianças. Os professores começaram a repensar o projeto como
um elemento vivo que trazia para a prática vivências e experiências significativas, dessa maneira, perceberam que a forma que ele
era organizado não levava em conta a participação da criança.
Pensar a nova organização começou a fazer parte da prática diária
dos docentes, possibilitando um protagonismo compartilhado e
uma ação conjunta entre professor-criança.
3.
Considerações Finais
A realizar o grupo de estudos, percebemos o quanto importante
foi as discussões. Percebíamos nos docentes uma insegurança e pouco
conhecimento ao organizar um projeto em uma perspectiva de investigação. Aos poucos eram evidentes o novo olhar e os novos desafios propostos por eles nos projetos organizados. O projeto começou a ter a participação ativa das crianças e suas aprendizagens foram sendo construídas de
maneira significativa.
O trabalho com projetos possibilita perceber o quanto as experiências práticas são importantes, tanto para crianças quanto para os docentes. Ao se desafiarem em novos projetos de aprendizagem, desafia-
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ram-se também a viver novas posturas pedagógicas construindo assim,
novas experiências profissionais e pessoais.
A proposta de projetos de aprendizagem na abordagem Reggio
Emilia, inspiram um fazer pedagógico inovador, pesquisador e desafiador
tanto para professores quanto para crianças. Pensar propostas de projetos
com olhar reggiano resulta na busca, na pesquisa e na formação constante.
4.
Referências
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Jurídicos. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 248, 23 dez. 1996. Disponível em
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Círculo de Diálogo 9
Educação popular, movimentos
sociais, pluralismo jurídico e
constitucionalismo na América Latina
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FAMÍLIA NA ATUALIDADE:
MUDANÇAS E EVOLUÇÃO
Sara Aline dos Santos Teixeira
Carolina Costa
Círculo de Diálogo: Educação Popular, Pluralismo Jurídico e
Direitos Humanos.
INTRODUÇÃO
A sociedade se encontra em constante evolução, em especial no
âmbito familiar, nisso, o Direito de Família necessita acompanhar essas
transformações diárias vivenciadas pela sociedade, tendo em vista o fato
que a cada momento surgem novos núcleos familiares, como também
novas situações jurídicas que carecem de uma normativa.
Ao longo dos anos, a estrutura familiar passou por inúmeras
modificações, evoluindo do modelo patriarcal de família, para o modelo
de cogestão familiar, no entanto, para chegar a esse novo modelo familiar
atual, foi necessário que a própria legislação se transformasse juntamente
com a sociedade, possibilitando e contemplando todos os modelos de
família atualmente existentes.
Diante dessa transição vivenciada por toda a coletividade, houve
o surgimento de novas modalidades de família, ademais, elevou-se o afeto
como um valor jurídico, tendo em vista o fato que é através dos laços de
afetividade que se constituem as famílias, e é através da sua manutenção
que as mesmas continuam sua formação.
O marco principal no Direito de Família se deu com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que trouxe novas proporções ao
âmbito familiar, trazendo, também, novos princípios e novos direitos
conquistados pela sociedade.
1.
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
É de suma importância destacar o que vem a ser o Direito de
Família, bem como a sua evolução histórica e como o mesmo se apresenta
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nos dias de hoje. Pois bem, Direito de Família é o ramo do Direito Civil
que regula a relação entre as pessoas dentro de seu núcleo familiar, constitui, então, um complexo de normas que tem como conteúdo o estudo de
alguns institutos jurídicos, como o casamento, filiação, relações de parentesco, união estável, entre outros (DINIZ, 2008, p. 9).
Nas palavras de Maria Helena Diniz:
[...] constitui o Direito de Família o complexo de normas que regulam
a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele resultam,
as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução
desta, a união estável, as relações entre pais e filhos, o vínculo do parentesco e os institutos complementares da tutela e curatela (2008, p.
9).
Portanto, será através do Direito de Família que as relações familiares existentes em toda a sociedade serão estabelecidas, é o ramo do
Direito que vai regulamentar situações que envolvem as diversas modalidades de família na atualidade, buscando ampará-las e protegê-las.
1.1 Breve histórico da família
A família é a instituição mais antiga de toda a sociedade, existindo desde os primórdios da criação do mundo. Segundo o dicionário, a
palavra família tem vários significados, em especial, significa pessoas do
mesmo sangue ou não, ligadas entre si por casamento, filiação, ou mesmo
adoção; parentes, parentela. Ademais, Caio Mario da Silva Pereira (2007,
p. 9), ao conceituar a palavra família, dispõem que ―[...] em sentido genérico e biológico, considera-se família o conjunto de pessoas que descendem
de tronco ancestral comum‖.
Maria Leticia Pizzi (2012, p. 1-9), relata que o termo família originou-se em Roma, onde no Direito Romano, a família era uma entidade
que se organizava em torno da figura masculina, denominado ―pater familias‖, no qual imperava o autoritarismo e a falta de direitos aos demais
componentes da família, principalmente no que diz respeito aos filhos e à
mulher, pois havia uma concentração de poder nas mãos do chefe da família.
Os membros restantes dessa composição familiar não possuíam
vantagens e nem liberdade, ficando a mercê do chefe do clã, portanto,
todos eram sujeitos ao poder do ―pater famílias‖. Nessa época, a mulher
não possuía capacidade jurídica, não tinha direito a possuir bens e sua
função era apenas realizar os afazeres domésticos, dependendo inteiramen-
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te do marido, ficando submetida ao seu poder, o mesmo acontecia com
os filhos, que eram tratados como propriedade do pai (PIZZI, 2012, p. 5).
Como se percebe, o Direto Romano marcou profundamente o
Direto de Família, no qual os conceitos de família e filiação eram alicerçados no casamento e no autoritarismo, imposto pela figura do ―pater
família‖, dando origem ao termo Pátrio Poder, o qual hoje é denominado
poder familiar.
No entanto, com a entrada em vigor da Constituição Federal de
1988, a família recebeu novas proporções, adotando novos princípios e
direitos conquistados pela sociedade. Diante da nova perspectiva no âmbito familiar, o modelo de família tradicional passou a ser mais uma forma
de constituir um núcleo familiar, no qual outros modelos familiares podem compor uma família, e serem tratados como tal. O art. 266 da Constituição Federal passou a recepcionar os novos arranjos familiares, calcados na igualdade e no afeto, como pode-se observar a seguir:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável
entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais
e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou
comprovada separação de fato por mais de dois anos.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte
de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um
dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no
âmbito de suas relações (BRASIL, 1988).
Conforme se vislumbra no mencionado artigo, toda e qualquer
forma de composição familiar deve ser respeitada e protegida pelo Estado, independentemente de sua formação. Diante de toda essa evolução,
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nos dias atuais, o conceito de família tem se ampliado diariamente, hoje,
não temos mais um conceito fechado do que vem a ser família, ou seja, a
família é plural, pois atualmente as formas de composição familiar são as
mais variadas possíveis, não podendo, então, se estabelecer um conceito
único e limitado.
De acordo com Caio Mário da Silva Pereira:
[...] numa definição sociológica, pode-se dizer com Zannoni que a família compreende uma determinada categoria de ‗relações sociais reconhecidas e, portanto, institucionais‘. Dentro deste conceito, a família
‗não deve necessariamente coincidir com uma definição estritamente
jurídica‘. Quem pretende focalizar os aspectos ético-sociais da família,
não pode perder de vista que a multiplicidade e variedade de fatores
não consentem fixar um modelo social uniforme (2001, p. 170).
Desse modo, diante de toda a diversidade de modelos familiares
existentes na atualidade, torna-se improvável contemplar um conceito
único do que vem a ser família, ao passo que a sociedade em que vivemos
evolui a cada dia, trazendo, junto com essa evolução, novos modelos de
família.
1.2 Evolução da família na sociedade brasileira
Toda a amplitude do conceito de família que vemos hoje, decorreu
de uma enorme transformação vivenciada tanto pela sociedade quanto
pela legislação. O direito de família sofreu diversas alterações ao longo da
história, evoluindo de um modelo até então patriarcal, para um modelo
mais amplo e diversificado, se tornando mais plural e com base no afeto.
Nos dias atuais, família já não é mais aquela formada apenas por pessoas
de sexos distintos, hoje, ela possui uma amplitude muito maior, calcada no
amor e carinho existente entre seus membros.
Atualmente, nos deparamos com uma grande variedade de novos modelos familiares, que a cada dia vem ocupando espaço dentro da
nossa sociedade. Aos poucos, a família deixou de ser aquela formada
unicamente por um homem e uma mulher, se tornando um conceito mais
aberto e plural, abrindo espaço para as diversidades existentes dentro da
nossa sociedade e deixando de lado o modelo conservador que até então
era dominante.
Como diz Pablo Stolze Gagliano (2015, p. 8), ―[...] o Direito de
Família, entre todos os ramos do Direito Civil, é aquele que mais de perto toca os nossos corações e a nossa vida‖. Ou seja, o homem não é um
ser isolado, mas sim um ser que necessita viver conjuntamente dentro de
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um corpo social, no qual será através desse convívio que ele criará laços
afetivos, aprendendo costumes, opiniões, crenças e sabedoria. Portanto, é
dentro dessa coletividade que se formam as primeiras demonstrações de
afeto, amor e carinho. É através da família que o homem tem o seu primeiro contato com o mundo, concebendo valores, adquirindo e transmitindo conhecimento.
Nisso, percebe-se que a família é a base de toda a sociedade, pois
é através dela que se origina toda a organização social. Diante de tal
situação, o Direito de Família se vê na necessidade de acompanhar as
transformações diárias que ocorrem na sociedade, se adequando aos
novos arranjos familiares que vem surgindo, para que então se possa
tutelar os novos bens jurídicos existentes e amparar os novos arranjos
familiares.
Desse modo, percebe-se que o Direito como um todo vem sofrendo diversas transformações em decorrência das alterações vivenciadas
pela sociedade diariamente, em especial no âmbito do Direito de Família.
O processo de evolução do Direito de Família decorreu de um longo
desenvolvimento social e legislativo.
Segundo Daniela Braga Paiano:
[...] foram diversas leis que aos poucos alteraram temas principais concernentes ao tema, de modo que toda essa mudança infraconstitucional
foi recepcionada pela Constituição vigente. A revolucionária mudança
constitucional alargou o conceito de família e passou a proteger, de
forma igualitária, todos os seus membros, tanto os que participam da união – cônjuges e companheiros, quanto seus descendentes, de modo
que o conceito adotado pela Constituição, de forma mais ampla, trata
a família como ‗entidade familiar‘ independentemente de sua forma de
constituição, garantindo-se, a essas pessoas, proteção jurídica (2017, p.
3).
Em consequência de toda essa evolução, até mesmo o conceito
de família foi modificado. Até então, o Código Civil e a própria Constituição pronunciavam que para constituir matrimônio, havia a necessidade de tal ato ser realizado por um homem e uma mulher, no entanto,
atualmente, em decorrência de toda essa transformação ocorrida no âmbito do Direito de Família, permite-se a realização do casamento de pessoas do mesmo sexo.
Ademais, como já mencionado anteriormente, o Direito de Família brasileiro teve uma grande influência do Direito Romano, adquirindo,
então, algumas características da família romana. Pois bem, Washington
de Barros Monteiro (2001, p. 287) dispõe que o denominado termo Pá-
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trio Poder foi criado e estruturado em Roma, no qual a referida estrutura familiar visava somente e exclusivamente os interesses do chefe de
família. Ou seja, todos os poderes emanavam diretamente do pai, tanto os
de cunho pessoal, como os de cunho patrimonial.
No que diz respeito ao âmbito pessoal, o pai detinha o direito de
expor e matar o filho, como também o direito de transferi-lo a outra pessoa e o de entregá-lo como indenização. Já no âmbito patrimonial, o
filho, visto como escravo do pai, nada possuía de próprio, tudo que viesse
a adquirir ou que já possuía, era tão somente do pai, o que não se aplicava
em relação às dividas do filho, pois com isso o filho deveria arcar
(MONTEIRO, 2001, p. 287).
Percebe-se, desse modo, como o modelo familiar dessa época
possuía um aspecto totalmente opressivo, onde tanto a mulher como os
filhos eram vistos apenas como propriedade do chefe da família. No entanto, com o passar do tempo, e com as mudanças constantes que a sociedade e a família vivenciavam, esse modelo familiar foi aos poucos perdendo espaço e, em alguns anos, deixou de existir.
Em uma rápida análise histórica, no que diz respeito especialmente à evolução da família, Noé de Medeiros diz:
[...] basicamente a família segundo Homero, firmou sua organização
no patriarcado, originado no sistema de mulheres, filhos e servos sujeitos ao poder limitador do pai. Após surgiu a teoria de que os primeiros
homens teriam vivido em hordas promíscuas, unindo-se ao outro sexo
sem vínculos civis ou sociais. Posteriormente, organizou-se a sociedade em tribos, evidenciando a base da família em torno da mulher, dando origem ao matriarcado. O pai poderia até ser desconhecido. Os filhos e parentes tomavam as normas e nome da mãe (1997. p. 24).
Diante disso, todas as pessoas que faziam parte dessa estrutura
familiar, eram subordinadas ao chefe, até sua morte. Além do mais, o art.
233 do Código Civil de 1916 designava o marido como único chefe da
sociedade conjugal, e a mulher tinha apenas a função de colaboradora
dos encargos familiares, pois era o marido que representava a família
como um todo, além de também ser o responsável pela administração
dos bens comuns e dos particulares da mulher. Portanto, de acordo com
o art. 233 do Código Civil de 1916:
Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce
com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos (arts. 240, 247 e 251). Compete-lhe:
I - a representação legal da família
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II - a administração dos bens comuns e dos particulares da mulher que
ao marido incumbir administrar, em virtude do regime matrimonial
adotado, ou de pacto antenupcial (BRASIL, 1916).
Destarte, nessa época, o casamento era a única forma de se constituir uma família legítima, sendo, portanto, ilegítimas as famílias formadas sem a constância do matrimônio. Consequentemente, as demais uniões consideradas ilegítimas e imorais não detinham proteção jurídica,
ficando desamparadas e sem o reconhecimento social. Ou seja, excluíamse da tutela jurisdicional os demais tipos de família.
Sobre a ruína do sistema patriarcal, Daniela Braga Paiano também dispõe que:
[...] começou a perder espaço e a ruir com o Imperador Constantino que
trouxe uma nova concepção de família, a cristã, restringindo o número
de seus membros para o que hoje se denomina família nuclear, formada por pais e filhos, de modo que o Cristianismo passa a dar mais moralidade à sociedade (2017, p. 6).
Portanto, várias foram às causas do declínio do Pátrio Poder,
como por exemplo, o desaparecimento dos cultos religiosos e das crenças
existentes naquela época, a deterioração da importância religiosa e, acima de tudo, a disseminação do sentimento de afeto e de amor em favor
dos filhos, deixando de lado a opressão realizada aos filhos (MONTEIRO, 2001, p. 287).
Atualmente, a figura do Pátrio Poder cessou o caráter egoísta e
autoritário que abrangia, hoje, em virtude da influência do cristianismo,
seu conceito mudou profundamente, no qual, modernamente, ele apresenta um conjunto de deveres que os pais devem ter com os seus filhos,
tendo por base o afeto na relação familiar (MONTEIRO, 2001, p. 287).
Nisso, nos dias atuais, se pode verificar que a realidade familiar
mudou, e hoje comporta diversos arranjos familiares distintos, abarcando
cada vez mais novas modalidades de família.
Sobre os modelos de família, Francisco Amaral relata que:
[...] vivemos numa sociedade complexa, pluralista e fragmentada, para
a qual os tradicionais modelos jurídicos já se mostraram insuficientes,
impondo-se a ciência do direito a construção de novas e adequadas ‗estruturas jurídicas de resposta‘, capazes de assegurar a realização da justiça e da segurança, em uma sociedade em rápido processo de mudança (2003, p. 63 – 64).
Como exposto anteriormente, nesta evolução dos modelos familiares, evoluiu-se do modelo familiar até então patriarcal, para o modelo
de cogestação familiar, no qual todas as responsabilidades são comparti-
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lhadas e exercidas de forma igual entre marido e mulher. Portanto, o
atual Código Civil dispõem sobre a igualdade entre marido e mulher,
onde ambos assumem as responsabilidades da família (PAIANO, 2017,
p. 8).
Diante do caráter plural que o Direito de Família possui atualmente, observa-se que hoje, a família busca a realização pessoal de seus
membros, onde o afeto se tornou um elemento de extrema importância e
relevância dentro dos núcleos familiares. Sobre o mencionado, Rolf Madaleno aponta que:
[...] a família contemporânea encontra sua realização no seu grupo e,
dentro deste núcleo familiar, cada um de seus integrantes encontra na
convencia solidaria e no afeto o valor social e jurídico que a família
exerce no desenvolvimento da sociedade e do Estado (2011, p. 5).
Nisso, a Constituição Federal atual abarca as diversas modalidades de família que permeiam a sociedade contemporânea, do qual os
vínculos decorrem do afeto e, por tal motivo, o rol constitucional de modelos familiares é exemplificativo e não taxativo, onde se pode incluir um
novo modelo familiar a qualquer momento.
Feita essa breve analise contextual e voltando às mudanças sofridas no Direito de Família, José Sebastião de Oliveira afirma:
[...] é no Direito de Família que se sentem mais facilmente as mudanças
sociais e a dificuldade do ordenamento jurídico, através de seu subsistema normativo, em acompanhá-las, integrando-se e adaptando-se a
realidade social (2002, p. 77).
Logo, o Direito de Família precisa de um cuidado especial, tendo em vista que as pessoas mudam sua forma estrutural diariamente,
fazendo com que o Direito tenha de acompanhar essas modificações e se
adequar a essas mudanças.
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2015, p. 30) afirma
que ―[...] a família nessa perspectiva histórica tem relação simbiótica com a
sociedade, pois ao mesmo tempo em que a forma, também parte dela para
se reformular‖. Ou seja, a família vai se transformando de acordo com o
avanço social, a partir do momento que a sociedade se desenvolve, ela
também cria novas formas de vivencia, novas formas de constituir famílias que surgem em decorrência dessa transformação.
Percebe-se, desse modo, como a relação estrutural familiar se
transformou durante o passar do tempo, no qual, antigamente, a constituição da família tinha sua origem apenas diante do casamento, sendo
composta por pessoas de sexos opostos e organizada por um chefe de
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família, que detinha para si todos os direitos concernentes a essa estruturação familiar. Já na modernidade, modificou-se essa então chamada
família patriarcal1, passando de um modelo patriarca, para um modelo
mais aberto e com base no afeto.
Como bem leciona Daniela Braga Paiano:
[...] percebe-se a evolução partindo de uma família linear, hierarquizada, patriarcal, calcada em bases patrimoniais para a família que busca
a evolução de seus próprios membros, seu pleno desenvolvimento. Afasta-se do modelo de família embasado apenas no casamento, em que
se faziam as vontades do pater famílias e busca-se a individualidade
como um primado do princípio da dignidade da pessoa humana (2017,
p. 8).
Outrossim, com todas essas transformações vivenciadas pelo Direito de Família, destaca-se o fato de que a família ainda continua em
mutação e adaptando-se as novas realidades, ao passo que hoje a sociedade também reconhece e admite os mais variados arranjos familiares,
seja a formada através do casamento, seja a formada através da união
estável e até as formadas por pessoas do mesmo sexo. Essa evolução ocorrida na estrutura familiar gerou, em contra partida, uma alteração no
conceito do que vem a ser família, além de ter modificado também a sua
essência como um todo (PAIANO, 2017, p. 14).
Importante salientar a relevância do afeto como valor principal
pelo qual devemos pautar a análise do instituto familiar. São os laços de
amor e afeto que unem as pessoas em um núcleo familiar, independentemente da sua formação. Na contemporaneidade, a família não é mais
identificada apenas pelo casamento, o elemento que caracteriza a família
é a presença do vínculo afetivo entre seus membros, e é justamente nesse
1
Na definição da família patriarcal, temos uma família numerosa, composta não só do
núcleo conjugal e de seus filhos, mas incluindo um grande número de criados, parentes,
aderentes, agregados e escravos, submetidos todos ao poder absoluto do chefe de clã,
que era, ao mesmo tempo, marido, pai, patriarca. O termo patriarcalismo, designa a
prática desse modelo como forma de vida própria ao patriarca, seus familiares e seus
agregados. Nele, o pater seria o chefe (ou, autoridade maior) do grupo familiar. Logo, não
se restringe apenas ao núcleo familiar pai, mãe e filhos, mas faz referência a todos os
que giram em torno do núcleo centralizador dos vários tipos de relação: o patriarca.
Dessa forma, o patriarca constitui-se em um núcleo econômico e um núcleo de poder.
Portanto, o modelo patriarcal, como o próprio nome indica, caracteriza-se por ter como
figura central o patriarca, ou seja, o ―pai‖, que é simultaneamente chefe do clã (dos
parentes com laços de sangue) e administrador de toda a extensão econômica e de toda
influência
social
que
a
família
exerce.
Disponível
em:
http://acertodecontas.blog.br/artigos/explicando-o-modelo-defamilia-patriarcal.
Acesso em 27 de agosto de 2019.
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alicerce de afetividade da família, que o Estado deve garantir a sua proteção e o seu desenvolvimento na sociedade.
Em suma, para Maria Berenice Dias:
[...] a família contemporânea e seus múltiplos e plurais arranjos ganha,
cada vez mais, visibilidade, projeção e reconhecimento, quer do ponto
de vista social, quer do ponto de vista judicial e jurídico, sempre à busca do reconhecimento legal. E não há juízo de valores a ser feito, porque estes modelos sempre existiram, mas não estiveram à mostra, por
razões de hipocrisia social e moral, no mais das vezes. Nos dias de hoje,
outra é a família, outros são os valores, outra é a finalidade de se estar
junto, num mesmo núcleo familiar. ―Não é mais o indivíduo que existe
para a família e para o casamento, mas a família e o casamento existem
para o seu desenvolvimento pessoal, em busca de sua aspiração à felicidade‖, diz Luiz Edson Fachin. Sua célebre frase mostra exatamente o
caráter eudemonista das famílias da contemporaneidade. Quer dizer,
não se inventou agora a ideia de que cada pessoa persegue, por toda a
vida, o seu projeto pessoal de felicidade. E essa busca se dá, na rigorosa
maioria das vezes, durante os períodos de convivência familiar, quer
pertencendo à sua família original, quer pertencendo à família constituída pelos relacionamentos afetivos mais adultos. Vale dizer, a busca pelo eudemonismo decorre daquela convivência interpessoal marcada pela afetividade e pela solidariedade mútua, e que se estabelece, normalmente, dentro de ambientes considerados familiares, pelas novas visões
do que sejam entidades familiares (2010, p. 42).
E, diante dessa vasta diversidade de modelos familiares atualmente existentes, resta quase impossível à legislação elaborar um rol
taxativo de regras que enquadrem todas essas possibilidades, tendo em
vista que diariamente novas formas de família vão surgindo. Nesse viés,
os princípios ganham importância fundamental para a compreensão do
Direito de Família e da multiparentalidade.
1.3 Princípios Constitucionais norteadores do Direito de Família
Os princípios regem o Direito como um todo, são eles que vão
limitar o poder do Estado, protegendo os direitos e garantias individuais
da sociedade. Celso Antônio Bandeira Mello define princípio como:
[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e sentido servido de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade
do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido
harmônico (2009, p. 882).
No âmbito do Direito de Família, podem ser observados diversos
princípios, os quais possibilitam aplicar o direito de forma mais justa e
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igualitária, amparando e reconhecendo as mais variadas configurações
familiares existentes e as que vierem a surgir futuramente, aplicando a lei
de forma que não prejudique nenhuma modalidade de família, conferindo-lhes direitos e proteção, de acordo com os valores da sociedade. O
Direito de Família, então, busca harmonizar a igualdade plena entre os
indivíduos, sem distinções ou discriminações entre os seus membros,
buscando a igualdade entre todos.
1.31 Dignidade da Pessoa Humana
O princípio da Dignidade da Pessoa Humana encontra-se disposto
no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, o qual dispõe que:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988).
Portanto, tal princípio serve de base para toda e qualquer aplicação do Direito, devendo sempre ser respeitado. Ingo Wolfgang Sarlet
define a dignidade da pessoa humana como:
[...] a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do
Estado e da comunidade, implicando neste sentido, um complexo de
direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra
todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a
lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,
além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável
nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos mediante o devido respeito aos demais seres que
integram a rede da vida (2011, p. 73).
Nisso, o referido princípio visa à proteção da pessoa humana,
buscando a garantia dos direitos fundamentais. Portanto, ao instituir esse
princípio no âmbito familiar, o Estado teve como objetivo assegurar a
efetiva proteção da família, independentemente de sua formação, tendo
em vista que o que se busca aqui é o desenvolvimento do afeto, amor, respeito e união entre todos os seus integrantes.
Em síntese, ressalta Rodrigo da Cunha Pereira (2006, p. 94) que
―[...] o princípio da dignidade da pessoa humana significa para o Direito
de Família a consideração e o respeito à autonomia dos sujeitos e à sua
liberdade‖. Logo, significa que deve ser fornecido igual dignidade para
todos os arranjos familiares existentes, sem discriminação pelo modo
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como esses arranjos são constituídos, tendo em vista que as pessoas tem
liberdade de escolha e autonomia para constituir a família que desejarem.
Deste modo, a Constituição Federal veda tratamento desigual a
qualquer modalidade de família, onde todas devem ser tratadas de
forma igual, sem nenhuma discriminação, possuindo os mesmos
direitos e proteção jurídica.
1.3.2 Igualdade entre as filiações
O princípio da isonomia entre os filhos está previsto no art. 227,
§ 6º, da Constituição Federal, o referido artigo relata que:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá- los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (BRASIL, 1988).
O mencionado princípio iguala a condição dos filhos, proibindo
expressamente qualquer tipo de discriminação relativa à filiação, seja ela
biológica ou jurídica. Diante do acima exposto, a Constituição Federal
veda o tratamento desigual entre os filhos, no qual todos devem ser tratados da mesma forma.
Nas palavras de Maria Berenice Dias:
[...] a partir do momento em que o Estado, em sede constitucional, garante direitos sociais, a realização desses direitos não se constitui somente em uma obrigação positiva para a sua satisfação – passa a haver
também uma obrigação negativa de não se abster de atuar de modo a
assegurar a sua realização. O legislador precisa ser fiel ao tratamento
isonômico assegurado pela Constituição, não podendo estabelecer diferenciações ou revelar preferências. Do mesmo modo, todo e qualquer
tratamento discriminatório levado a efeito pelo Judiciário mostra-se
flagrantemente inconstitucional (2010, p. 70).
Desse modo, não há o que se falar em distinção entre os filhos,
seja eles havidos na constância do casamento ou fora dele, todos, independentemente de sua origem, devem ser tratados de forma igualitária, sendolhes assegurados de forma igual todos os direitos previsto em nossa legislação, como nome, sucessão, poder familiar, alimentos, entre outros.
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1.3.3 Convivência Familiar
O princípio da convivência familiar encontra-se disposto no art.
227 da Constituição Federal, onde relata que:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá- los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão
(BRASIL, 1988).
Segundo o mencionado princípio, a lei deve garantir o direito da
criança à convivência familiar e comunitária. A nossa constituição, em
seu art. 226, descreve que a família é a base da sociedade, tendo ela especial proteção do Estado. Ademais, compete à família, ao Estado, e à sociedade em geral, assegurar à criança e ao adolescente o exercício de seus
direitos fundamentais, e proporcioná-los um ambiente seguro para o seu
crescimento e desenvolvimento.
Além do mais, o §8º do art. 226 da Constituição Federal estabelece que o Estado possui o dever de dar assistência aos membros da família e impedir que ocorra a violência dentro dela, fornecendo os mecanismos necessários para que acriança e o adolescente possa crescer e conviver junto aos seus familiares de forma segura.
Portanto, esse princípio visa que a criança/adolescente tenha o
máximo possível de convivência familiar, onde possam estar amparados
por seus familiares, sendo cuidados e educados junto aos demais membros de sua família.
Nisso, a criança/adolescente tem o total direito de ter essa convivência, pois será nesse convívio que se criará laços afetivos, e será a
partir daí que suas primeiras convicções e opiniões sobre o mundo serão
formadas.
1.3.4 Proteção Integral e Melhor Interesse da Criança e do Adolescente
O princípio do melhor interesse da criança se encontra positivado no art. 227 da Constituição Federal, bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente, ambos priorizando os interesses das crianças e adolescentes como sujeitos de direitos.
Tal princípio visa à primazia dos interesses das crianças e adolescentes, no qual o Estado, a sociedade, a escola, e a família têm o dever de
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dar todo o amparo necessário que elas necessitam. Nisso, percebe-se que
as crianças e adolescentes possuem prioridade em todos os sentidos, pois
as mesmas estão em pleno desenvolvimento. Sobre o mencionado, o
Estatuto da Criança e do Adolescente menciona a prevalência da proteção
integral da criança e do adolescente nos artigos que seguem:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente; Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros
meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições
de liberdade e de dignidade;
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária;
Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento
dos vínculos familiares e comunitários;
Parágrafo único. São também princípios que regem a aplicação das
medidas: II - proteção integral e prioritária: a interpretação e aplicação
de toda e qualquer norma contida nesta Lei deve ser voltada à proteção
integral e prioritária dos direitos de que crianças e adolescentes são titulares (BRASIL, 1990).
Além do mais, seguindo o mesmo pensamento, Rolf Madaleno
leciona que:
[...] o legislador constituinte conferiu prioridade aos direitos da criança
e do adolescente, ressaltando os seus direitos em primeira linha de interesse, por se tratar de pessoas indefesas e em importante fase de crescimento e de desenvolvimento de sua personalidade (2011, p. 97).
Nesta feita, tanto o Estado como a sociedade deve garantir a segurança, educação e desenvolvimento das crianças e dos adolescentes,
lhes fornecendo e garantindo todos os recursos para seu pleno desenvolvimento. Nisso, tanto o referido artigo como também o princípio do melhor interesse da criança tem como objetivo colocar as crianças em primeiro lugar nos planos e preocupações da nação.
1.3.5 Princípio do Pluralismo Familiar
Com a Constituição Federal de 1988 e as mudanças ocorridas dentro da sociedade, houve uma ampliação dos modelos de família, trazendo
para dentro do atual corpo constitucional outros arranjos familiares. Até
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então, a família legítima só era possível através do casamento, sendo
necessário, também, sexos opostos para sua composição, ou seja, o casamento só poderia ser realizado por um homem e uma mulher.
No entanto, com a promulgação da nova Constituição, houve a
expansão significativa do que viria a ser considerado família. Nos dias de
hoje, nos deparamos com uma enorme variedade de modelos familiares,
onde todos são reconhecidos pelo Estado, e detém proteção jurídica.
Atualmente, em decorrência do princípio do pluralismo familiar,
é reconhecida pelo Estado como família legítima qualquer união que
tenha por base o afeto e o carinho entre seus membros, com comprometimento, obrigações e deveres recíprocos entre todos os seus integrantes.
Desta forma, a Constituição Federal, ao enumerar as entidades
familiares, não as tornou um rol taxativo, mas sim, meramente exemplificativo, no qual, a qualquer momento, um novo modelo familiar poderá
ser elencando em seu dispositivo, merecendo igual proteção das demais
formas de família.
Diante do exposto, tal posicionamento visa o respeito à pluralidade dos arranjos familiares em prol dos melhores interesses das pessoas
que integram esse núcleo familiar.
1.1.6 Princípio da paternidade responsável e planejamento familiar
A paternidade responsável e o planejamento familiar encontramse no art. 226, § 7°, o qual dispõe:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte
de instituições oficiais ou privadas (BRASIL, 1988).
No que diz respeito à paternidade responsável, fica claro que o
indivíduo possui a liberdade de escolha sobre a decisão em ter ou não
filhos, pois todos detêm autonomia e o livre exercício do planejamento
familiar, sendo vedado qualquer tipo de coerção alheia, pois é um direito
do indivíduo poder realizar a escolha em constituir e formar uma família.
Ademais, dispõe o § 2º do art. 1.565 do Código Civil:
Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a
condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da
família.
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§ 2o O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao
Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício
desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições
privadas ou públicas (BRASIL, 2002).
Caso o indivíduo opte por ter filhos, sejam eles planejados ou
não, origina-se o dever da paternidade responsável, que exige a provisão
de todas as necessidades do filho, garantido o suporte necessário para seu
desenvolvimento e crescimento. Ou seja, do mesmo jeito que o indivíduo
possui o direito em ter filhos e planejar uma família, há também o dever
de tal decisão ser exercida de forma responsável, de modo que a criança
não venha a sofrer consequências com as decisões errôneas de seus pais,
cabendo a eles dar todo o amparo e carinho necessário para o desenvolvimento dessa criança.
Ademais, ambos os pais tem a responsabilidade afetiva sobre seus
filhos, desde o seu nascimento até o decorrer de toda a sua vida. Portanto, a paternidade responsável é a responsabilidade que os pais devem ter
sobre seus filhos, fornecendo-lhes todos os meios possíveis para que cresçam de forma digna e segura.
1.3.6 Solidariedade Familiar
O princípio da solidariedade familiar encontra-se disposta no art.
3º, inciso I da Constituição Federal, tendo como um dos seus objetivos
fundamentais a busca de uma sociedade livre, justa e solidária:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária (BRASIL,
1988).
Tal princípio diz respeito à solidariedade no âmbito familiar, no
qual cada membro que compõem um determinado grupo familiar possui
o dever de colaborar, apoiar e auxiliar os demais membros daquela família. Além do mais, esse princípio abarca a obrigação de cooperação das
relações familiares com a comunidade e as demais pessoas ao seu redor.
Paulo Lôbo, assim, sintetiza a solidariedade familiar:
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[...] a família brasileira, na atualidade, está funcionalizada como espaço de realização existencial das pessoas, em suas dignidades, e como
locus por excelência de afetividade, cujo fundamento jurídico axial é o
princípio da solidariedade. Quando o comando constitucional refere a
―sociedade solidária‖ inclui, evidentemente, a ―base da sociedade‖
(art. 226), que é a família. Viver significa comportar-se em cooperação,
pois cada pessoa é una e múltipla. Em um mundo cada vez mais pessimista, sem utopias e ainda marcado pelo individualismo que dissolve
as pessoas no mercado e que engendra a ilusão da autonomia e da liberdade, a solidariedade e o humanismo são janelas iluminadas de esperança de um mundo melhor (2015).
Rolf Madaleno (2011, p. 97) também descreve o princípio da solidariedade familiar, no qual, para ele, a solidariedade é o princípio que
sustenta todas as relações familiares, tendo em vista que esses vínculos só
podem se firmar e se desenvolver através de um ambiente solidário, em
que haja mutuamente uma troca recíproca de cooperação e compreensão.
1.3.7Principio da Afetividade
Trata-se de um princípio que se encontra presente em toda e
qualquer relação familiar, passando a ter valor jurídico que deve ser tutelado e respeitado pelo Direito de Família. Tal princípio é o que da base e
sustenta as relações familiares, pois é o afeto que estrutura e mantém uma
família, portanto, o afeto aqui é compreendido como a relação de amor
no convívio das entidades familiares.
O referido princípio, apesar de não se encontrar de forma expressa na legislação, pode ser observado na Constituição Federal, como também no Estatuto da Criança e do Adolescente, ganhando grande relevância no âmbito jurídico. Dentro do corpo constitucional, em seu art. 227,
podemos analisar a existência do afeto em sua normativa, os quais dão
base ao princípio da afetividade:
Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissiona-
lização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá- los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (BRASIL, 1988).
Pois bem, o §6, do art. 227, da Constituição Federal, relata sobre
os direitos entre os filhos, onde os coloca em mesmo grau afetivo, não
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podendo haver distinções entre eles, ou seja, deve haver o mesmo patamar de afeto entre todos os filhos. Outrossim, notamos que a legislação
estabelece a igualdade entre o filho adotado com o biológico, de modo
que não haja discriminações referentes a essa situação. Ademais, há também a previsão legal do direito de convivência dos filhos com seus pais,
priorizando, desse modo, a criação e a manutenção do afeto entre os
membros dessa família.
Fica claro que o princípio da afetividade se encontra muito presente no corpo constitucional, mesmo que de forma implícita, haja vista
que não há referência explicita desse princípio na legislação. No entanto,
nota-se a importância que o referido princípio tem em nosso ordenamento jurídico, onde o mesmo serve de base para toda e qualquer forma de
família, pois é o afeto que mantém e estrutura todos os arranjos familiares.
Rodrigo da Cunha Pereira descreve que:
[...] o afeto ganhou status de valor jurídico e, consequentemente, logo
foi elevado à categoria de princípio como resultado de uma construção
histórica em que o discurso psicanalítico é um dos principais responsáveis, vez que o desejo e amor começam a ser vistos e considerados como
o verdadeiro sustento do laço conjugal e da família (2011, p. 194).
Logo, o objetivo deste princípio, que deriva da convivência familiar, é a garantia da felicidade como um direito a ser alcançado na família. Deste modo, o legislador estabeleceu o princípio do afeto como norteador das famílias, no qual o afeto serve como instrumento de manutenção
da união familiar, ancoradas no respeito consideração, amor e, principalmente, na afetividade.
Maria Berenice Dias, a respeito do referido princípio, também
dispõe o seguinte:
[...] o elemento distintivo da família é a identificação de um vínculo afetivo a unir pessoas, gerando comprometimento mútuo, solidariedade, identidade de projetos de vida e propósitos comuns. Enfim, a busca
da felicidade, a supremacia do amor, a vitória da solidariedade ensejaram o reconhecimento do afeto como único modo eficaz de defini-
ção da família e da preservação da vida (2004, p. 5).
Tal princípio fundamenta a igualdade de filiação biológica e não
biológica, o respeito a seus direitos fundamentais e a solidariedade recíproca, além de ser o caracterizador da união familiar, pois é através do
afeto que as famílias surgem, e é por seu intermédio que as mesmas continuam sua formação. Outrossim, o princípio da afetividade é essencial
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para a compreensão da multiparentalidade, tendo as cortes Superiores
aceitado expressamente o seu reconhecimento jurídico.
CONCLUSÃO
O presente estudo teve como objetivo analisar a evolução sofrida
no âmbito familiar, observando quais foram às mudanças ocorridas no
que diz respeito à estrutura da família, seu conceito, e quais as consequências advindas de sua evolução. Além do mais, foi realizada, também, uma comparação de como a família era anteriormente a Constituição Federal de 1988 e como passou a ser depois da promulgação do referido diploma legal. Foi possível perceber, desta maneira, como a legislação avançou de forma significativa no que diz respeito à família, no qual
o Direito buscou acompanhar e tutelar os novos arranjos familiares que
surgiram com o tempo.
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EDUCAÇÃO POPULAR NA AMÉRICA
LATINA: ORIGENS, CONCEPÇÕES E
REFLEXÕES SOBRE A UNIVERSIDADE
POPULAR
Carine Marcon 1
Allana Carla Cavanhi 2
Thiago Ingrassia
1.
Introdução
As universidades populares configuram um movimento de superação dos modelos de corporativismo e mercantilismo impostos as universidades brasileiras (ROMÃO; LOSS, 2013, p.91). Dialogar acerca dos
limites e possibilidades da universidade pública popular, configura um
cenário que apresenta as contradições que cerceiam o contexto da universidade do Brasil, afinal, para uns a ―[...] universidade é construída historicamente para a elite [...]. Para outros a universidade popular é uma
bandeira de luta e disputa desse espaço social sendo utopia a ser perseguida‖ (PEREIRA, 2015, p. 84). Com relação a universidade popular,
sabe-se da existência de muitas questões históricas que contribuem para o
entendimento desse fenômeno. Portanto, é necessário compreender as
questões ligadas ao movimento da educação popular partindo de uma
contextualização histórica, adentrando à discussão referente a universidade popular.
Deste modo, o presente trabalho desenvolve reflexões acerca da
educação popular, a partir do protagonismo das lutas dos movimentos
sociais e populares em busca pela democracia e equidade social. No pri1
2
Graduada em Ciências Sociais – Licenciatura. Mestranda pelo Programa de PósGraduação profissional em Educação (PPGPE) – UFFS Campus Erechim/RS.
Pesquisadora vinculada ao Grupo de Pesquisas e Intervenções Sociedade, Educação
e Desigualdades (SOCIEDUDES/UFFS/CNPq). carii.marcon@gmail.com
Graduada em Educação Física – Licenciatura. Mestranda Programa de PósGraduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH) - UFFS Campus
Erechim/RS. Bolsista Capes. allanacavanhi@hotmail.com
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meiro momento, são apresentadas as lutas enquanto categoria histórica e
social, tendo a educação popular como fruto dessas. Além disso, também
são apresentadas reflexões sobre a prática da conscientização, democracia e igualdade. Em um segundo momento, situa-se a universidade popular com um olhar atento as suas origens e suas lutas, uma vez que, configuram um projeto político-pedagógico de cidadãos comprometidos com
elementos de multilateralidade e democracia.
2. Desenvolvimento teórico
2.1 Educação popular: breve resgate teórico
Refletir a educação popular dentro de uma perspectiva dialética3
de interpretação do mundo é compreender as contradições e o protagonismo das lutas de movimentos sociais populares, do campo e da cidade,
na América Latina do século XX (PEREIRA, 2018, p. 103). As lutas
configuram ―[...] uma categoria histórica e social. Tem, portanto, historicidade. Muda de tempo-espaço a tempo-espaço. A luta não nega a possibilidade de acordos, de acerto entre as partes antagônicas. [...] os acordos
fazem parte da luta, como categoria histórica [...]‖ (FREIRE, 2015, p.
59).
A educação popular emerge de um contexto de lutas por condições dignas de vida das classes populares nos movimentos sociais da
modernidade, a Revolução Francesa é um exemplo no que diz respeito
ao engajamento das classes populares na luta por liberdade, fraternidade
e igualdade (PALUDO, 2017, p. 139). Na América Latina, marcada pela
exclusão social e falta de acesso à educação, saúde, cultura e segurança
social, as classes populares protagonizam a luta por esses direitos ―[...]
em defesa de uma sociedade justa, democrática e solidária onde não existissem mais opressores, nem oprimidos‖ (ZITKOSKI, 2013, p. 14). Nesse
sentido, o conceito de educação popular está intimamente ligado a educação das classes populares (BRANDÃO, 2002; PALUDO, 2017), em
3
As conexões íntimas que existem entre realidades diferentes criam unidades
contraditórias. Em tais unidades a contradição é essencial [...], é reconhecida pela
dialética como princípio básico do movimento pela qual os seres existem (KONDER,
2000, p. 49). Em Freire, uma ―[...] concepção dialética é a compreensão de história e
do papel/importância da subjetividade humana na construção do mundo
socioculturalmente estruturado‖ (ZITKOSKI, 2017, p. 116). Isso significa conceber
os sujeitos como inconclusos, em permanente formação de seu ―ser‖, em
contradições, lutas e conflitos, ver a ―[...] realidade social como efetivo espaço de
luta de classes, no interior da qual se efetua a educação, rejeitando a impositividade
da dominação [...]‖ (CURY, 1985, p. 13).
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seus movimentos de luta, dos quais a história é compreendida como possibilidade.
Ao recusar a História como jogo de destinos certos, como dado dado,
ao opor-se ao futuro como algo inexorável, a História como possibilidade reconhece a importância da decisão como ato que implica ruptura, a importância da consciência e da subjetividade, da intervenção crítica dos seres humanos na reconstrução do mundo. Reconhece o papel
da consciência construindo-se na práxis; da inteligência sendo inventada e reinventada no processo e não como algo imóvel em mim, separado quase, de meu corpo. Reconhece o meu corpo como corpo consciente que pode mover-se criticamente no mundo como pode ―perder‖
o endereço histórico. Reconhece minha individualidade que nem se dilui, amorfa, no social nem tampouco cresce e vinga fora dele. Reconhece, finalmente, o papel da educação e de seus limites (FREIRE,
2001, p. 47).
Nessa perspectiva, a educação popular é fruto de uma luta coletiva na qual ―[...] os sujeitos sociais criam suas pedagogias e afirmam
uma forma de ser e estar no e com o mundo‖ (PEREIRA, 2018, p. 103,
grifo do autor). No Brasil, Paulo Freire, anuncia a realidade brasileira e
latino-americana, construindo uma pedagogia que se construiu a partir de
diferentes abordagens filosóficas e de práticas educativas populares
(TORRES, 1981; PALUDO, 2017). Enquanto prática educativa, é uma
busca democrática por um saber mais crítico, do qual todos e todas têm
por direito, logo que, ―este é um direito das classes populares que progressistas coerentes têm que reconhecer e por ele se bater – o direito de
saber melhor o que já sabem, ao lado de outro direito, o de participar, de
algum modo, da produção do saber ainda não existente‖ (FREIRE, 2015,
p. 153-154).
A educação popular não é uma educação que nasce nas escolas
ou universidades, mas sim, uma educação feita com o povo, com as classes populares, sob um viés crítico, libertador, democrático, e de engajamento político. Uma educação ―nascida no seio das lutas populares, dos
movimentos sindicais, campesinos e das marchas dos Sem (terra, teto,
comida, amor, dos/as reprovados/as), o movimento de educação popular se associa à construção de outro mundo possível‖ (PEREIRA, 2018,
p. 105). Ainda que, não tenha sua origem ligada aos processos de educação formal, sua presença nesses espaços se torna uma possibilidade de
resistência, afinal
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Esta educação, orientada para a transformação da sociedade, exige que
se parta do contexto concreto/vivido para se chegar ao contexto teórico, o que requer curiosidade epistemológica, a problematização, a rigorosidade, a criatividade, o diálogo, a vivência da práxis e o protagonismo dos sujeitos (PALUDO, 2017, p. 141).
Neste sentindo cabe refletir que, se a educação popular não nasce
nas intuições de educação formal, mas parte da premissa que ―[...] educar
é conscientizar e essa perspectiva assume como ponto de partida a leitura
de mundo dos sujeitos sociais, logo a educação é uma ferramenta essencial no processo de emancipação cultural e material das classes populares‖ (PEREIRA, 2018, p. 105). Ela pode estar presente às novas alternativas de desenvolvimento educacional no país, como as universidades de
caráter popular, centradas na educação crítica, libertária de humanização
(ONÇAY et al., 2014, p. 33).
Sob esse ângulo, valemo-nos de que, a educação popular é ―[...]
uma concepção pedagógica, com estratégias coerentes com a intencionalidade política e educativa, sustentada por uma filosofia da práxis‖ (ONÇAY et al., 2014, p. 33). E mesmo que, adentrando ao espaço de educação formal, sua origem continua sendo os espaços de luta e resistência
dos sujeitos na América Latina, desse modo, ―uma chave de leitura que
permite a compreensão da sinergia entre o debate sobre educação não
formal e educação popular é a conscientização‖ (PEREIRA, 2018, p.
108).
2.2 Educação popular e a universidade popular
A ideia de libertação está intimamente ligada ao conceito de
educação popular, uma relação atrelada ao sistema colonial que deixou
marcas profundas de exploração, ―não é por acaso que a ideia de ―libertação‖ vai adjetivar a filosofia, a teologia e a pedagogia que marcaram o
pensamento crítico latino-americano na segunda metade do século XX‖
(PEREIRA, 2015, p. 85). Sendo imprescindível realizar uma leitura crítica frente aos traços deixados pelo eurocentrismo na América Latina, e no
que diz respeito a essa pesquisa, frente a universidade e seu papel social
(ZITKOSKI, 2013, p. 14-15). ―Na América Latina, a filosofia tem como
vocação [...] o pensar a palavra do povo oprimido. Desde seu nascimento, a América Latina [...] vem clamando por justiça, mas sua voz nunca
foi ouvida‖ (DUSSEL, 1977, p. 239-240).
Por via de regra, de acordo com Zitkoski (2013:15), as lutas populares pela libertação na América Latina, marcam uma história de
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aproximadamente cinco séculos de existência, vindo desde a conquista
do continente pelos europeus. As lutas populares, construíram-se em prol
da preservação de seus valores culturais, justiça, liberdade e em defesa de
suas terras. Em relação a educação, as lutas que dão origem a educação
popular buscam uma transformação democrática da sociedade, na superação das injustiças sociais e se configura por respeitar os educandos,
pois, ―[...] não importa qual seja sua posição de classe e, por isso mesmo,
leva em consideração, seriamente, o seu saber de experiência feito, a
partir do qual trabalha o conhecimento com rigor de aproximação aos
objetos‖ (FREIRE, 2001, p. 49).
A teoria pedagógica e prática educacional da educação popular,
de acordo com Gadotti; Stangherlim (2013, p. 20) ―pode ser encontrada
em todos os continentes, manifestada em concepções e práticas muito
diferentes e até antagônicas‖. No que tange a universidade e sua relação
com a educação popular, a luta das classes populares está intimamente
ligada ao modelo elitista da universidade, ―[...] embasado em critérios
meritocráticos e individualistas que desconsideram a estratificação social
e as antagônicas condições econômicas, culturais e políticas‖ (PEREIRA,
2015, p. 85).
Freire (2004, p. 159) aponta que, ―o problema da universidade
brasileira é que ela tem sido, em todos estes anos, elitista, autoritária e
distanciada da realidade‖. Nesse sentido, repensar e construir uma universidade popular, requer uma educação superior que tenha um projeto
político-pedagógico comprometido com compromisso social, democracia, responsabilidade social para e com as classes populares, historicamente excluída dos espaços de educação superior (ALBUQUERQUE;
PAULO, 2013, p. 61). Afinal,
[...] a atual instituição universitária está em decomposição histórica, seja porque se mantém medieval, sobretudo se mantém medieval, sobretudo em termos de impunidade social, distanciamento elitista e atraso
didático, seja porque perdeu a noção essencial de mérito acadêmico
em troca da burocratização funcional, seja porque é muito pouco produtiva e criativa, custando muito além do que vale para a sociedade
que a sustenta (DEMO, 2011, p. 47).
Deste modo, de acordo com Pereira (2015, p. 86), pensar as universidades populares requer ter em vista que o popular se constrói em
oposição à elite e que ―[...] a concepção popular de universidade é próxima tanto na prática como na teoria, da Educação Popular‖. Além disso, são instituições sempre em movimento, em disputa, ou seja, a univer-
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sidade popular é um processo de reinvenção, de estar sendo no processo
de construção de práticas político sociais (BENINCÁ; SANTOS, 2013, p.
76).
A universidade popular, precisa construir suas práticas de ensino,
pesquisa e extensão mediadas por uma concepção que busca diminuir a
distância entre a universidade e as classes populares, a partir de projetos
na e para a democracia e participação (LOSS et al., 2014, p. 62-63). É um
desafio que implica ―[...] popularizar e democratizar a universidade pública sem abrir mão de sua qualidade [...]. Contudo, qualidade não é
entendida aqui como parte da ―neolíngua‖ do capitalismo neoliberal do
final do século XX‖ (PEREIRA, 2015, p. 87). Considerando que, uma
universidade popular precisa estar comprometida com projeto políticopedagógico cidadão, comprometido com elementos de multilateralidade
e democracia.
De acordo com Albuquerque; Paulo (2013, p. 65-66), a multilateralidade busca ―[...]potencializar a autonomia do indivíduo dentro dos
parâmetros de responsabilidade social pela articulação de pressupostos
humanizantes com questões tecnológicas‖. Já, no que tange a democracia, ―a proposta educativa necessita ser construída dentro de pressupostos
democráticos que rompam com o autoritarismo docente e o autoritarismo burocrático da organização escolar, recuperando [...] a prática solidária que favoreça uma análise centrada na realidade vivencial‖. (2013: 6566). Deste modo, a universidade popular, garante o espaço de diversidade
as vozes e saberes populares, por meio de uma ação na qual ―[...] é possível ir ampliando os espaços para os pactos entre as classes e ir consolidando o diálogo entre os diferentes. Vale dizer, ir aprofundando-se as
posições radicais e superando-se as sectárias‖ (FREIRE, 2015, p. 269).
Portanto, a educação popular ―[...] não é tanto uma teoria ou um
método restrito de trabalho pedagógico atrelado a uma tendência ideológica única a respeito da pessoa humana, da sociedade e da educação‖
(BRANDÃO, 2002, p. 41). Para Loss et al., (2014, p. 62-63), a educação
popular educa na e para a democracia e participação, em oposição a fragmentação do saber, e a universidade popular segue esses preceitos, construindo-se a partir de decisões democráticas de participação, com mecanismos que permitam o acesso e permanência de todos os cidadãos. Assim, podemos afirmar que ―a universidade popular faz ensino, pesquisa e
extensão a partir de uma estrutura de inclusão que seja capaz de diminuir
a distância entre a universidade e as classes populares‖ (2014: 63).
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3.
Considerações Finais
A partir do estudo realizado, foi possível concluir que a educação
popular não nasce nas instituições de educação formais, mas surge na
luta e nas projeções da forma de ser e estar no mundo dos movimentos
sociais populares. Portanto, como um fruto de lutas coletivas, ela busca
democratizar o conhecimento através da conscientização e humanização.
Tendo em vista que, é sustentada pela práxis, estando sua construção
consolidada em intencionalidades política e educativa em prol das classes
populares, historicamente excluídas dos processos de educação formal.
Configurando assim, uma alternativa de resistência e empoderamento
das classes sociais.
Ainda, com relação a universidade popular, este estudo nos possibilitou compreender que, sua essência se dá através das lutas construídas pela educação popular por busca de condições dignas de vida. Nas
quais, a educação (re)surge como um processo democrático, crítico, libertador e participativo em oposição a fragmentação do saber. Para que
desta maneira, a universidade popular seja uma ponte que permita diminuir as distâncias, socialmente construídas, entre a universidade e as
classes populares.
4.
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DECISÃO JUDICIAL:
SEUS REQUISITOS E SUA
RELEVÂNCIA JURÍDICA
Carolina Costa 1
Sara Aline dos Santos Teixeira 2
1.
INTRODUÇÃO
A argumentação jurídica possui um papel importante no direito
que (norteado por relações de conflito) viabiliza a solução de conflitos.
Desse modo faz se necessário que o jurista se utilize dos métodos de interpretação existentes para se chegar a um resultado de forma efetiva.
Objetiva-se com este trabalho transpor a ideia una que a Decisão
Judicial aparentemente possui, ou seja, evidenciar as funções atípicas
dela, como a atuação estatal de prestação jurisdicional, a criação de novas interpretações legais, solução de litígios, e salvaguarda de direitos.
A citação dos princípios para que seja observado como o legislador se preocupou em solidificar este ato processual para que então possa
ter força jurídica necessária. Também demonstra que a ação do magistrado de decidir deve ser justificada, e feita com clareza, visando a facilitação do entendimento, pelas partes.
Todas as informações foram inseridas baseadas em referenciais
teóricos e bibliográficos, chegando se a conclusão de que, as decisões
judiciais, criar entendimentos e qualificam a norma abstrata construída
pelo legislador e passa a dar vida ao que anteriormente poderia ser chamado de ―letra fria‖ da lei.
Este escrito fará o leitor compreender algumas funções do Poder
Judiciário, atrelando-as a função Estatal.
1
2
Carolina Costa. Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Palmas. Graduanda em
Direito. Contato: karolcostabj@gmail.com
Sara Aline dos Santos Teixeira. Instituto Federal do Paraná (IFPR) Campus Palmas.
Graduanda em Direito. Contato: sara.aline.dt@gmail.com
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Por fim demonstrará todos os conteúdos que uma decisão precisa
ter para ser perfeita dentro dos padrões legais atribuídos pela Constituição
Federal, Novo Código de Processo Civil, e a Doutrina Majoritária.
2.
A DECISÃO JUDICIAL
A prima facie incumbe registrar a legalidade atribuída ao ato jurisdicional conhecido como Decisão Judicial. Ela é a sentença final proferida pelo juízo que dá cabo ao processo, na instância a quo, possuindo
força jurídica de coisa julgada.
Essa decisão informa o mundo jurídico, que aquele caso especificamente, já possui uma decisão e que as partes já foram amparadas pelo
Estado por meio da atuação jurisdicional.
Nesse diapasão, a atuação dos juízes é realizada por meio da jurisdição conferida a cada magistrado conforme sua competência ou ainda
por força de lei ou pela Carta Magna. (MARTINS,2004, p. 131)
Junto com a jurisdição, a função de tutelador de direitos também
é atribuída, visando a defesa, o amparo e a vigilância, concomitante ao
dever de refrear lesões e ameaças a estes direitos. (MARTINS, 2004, p.
131)
Todos as atribuições dadas ao juiz estão norteadas por princípios
Constitucionais, reguladores da atuação jurisdicional. É necessário, portanto em todos os casos a observância destes, e Nelson Juliano afirma:
No exercício de seus poderes jurisdicionais o juiz concretiza o
princípio da indeclinabilidade da jurisdição através da integração, da
interpretação e da aplicação da lei e se utiliza do princípio da razoabilidade e da equidade para a produção de decisão justa, sem negligenciar do
critério da discricionariedade para a descoberta do Direito no caso concreto. (MARTINS, 2004, p. 131)
Nesse sentido ―A decisão jurídica é aquela capaz de lhes por fim,
não no sentido de que os elimina, mas que impede sua continuação‖
(FERRAZ JR., 2003, p. 314) quer dizer que a decisão refere-se ao ato
final praticado pelo juiz, ela porá fim ao rito que foi iniciado na primeira
instância que via de regra não tramitará mais nesta.
Também, cumpre ao juiz, ao interpretar a norma do direito material, dar a ela a resolução mais justa, cumprindo a proposta trazida pelo
legislador no corpo legal. (MARTINS, 2004, p. 138)
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2.1 Os Princípios da Decisão Judicial
O Estado exerce tutela jurisdicional a qual refere-se a assistência,
amparo, defesa e vigilância, assim a sociedade é protegida de lesões e
ameaças aos direitos a ela inerentes, essa função cabe aos órgãos jurisdicionais.
O acesso à justiça pressupõe uma ordem ―jurídica justa‖ como
trata Nelson Juliano Schaefer Martins, afirmando que é preciso ter uma
boa organização judiciária, juízes que se aperfeiçoam constantemente,
juízes que saibam quais são os valores sociais, que conhecem os problemas sociais e por fim que acompanham as mutações sociais do mundo
contemporâneo.
O Estado confere ao juiz grande poder, porque lhe é atribuído
grandes responsabilidades. Cabe a ele assistir toda a sociedade, com suas
diferenças, desigualdades e contradições. Possui encargo de ser razoável
naquilo que faz buscando o equilíbrio. Mas precisa estar assistido das
bases do direito, partindo dessa acepção faz jus:
Os princípios gerais do Direito correspondem aos princípios universais de Direito, ao espírito geral das leis, às normas gerais de universal
e constante aplicação ―em correspondência com as condições dos fatos
constantes e universais. (MARTINS, 2004, p. 135)
O processo visa a construção de normas jurídicas ou o
complexo dessas para a incorporação e a implementação a norma
positivada.
Para se ter uma compreensão adequada do processo é necessário,
em primazia, ter conhecimento das normas fundamentais que o regem.
Aqui o advento do princípio da legalidade, princípio este que atribui ao
juiz a obrigação de reconhecer a norma escrita, ou seja, a Constituição, as
leis complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas, as convenções,
os tratados internacionais e as medidas provisórias.
Como preleciona Fredie Didier Jr. uma parte dessas normas fundamentais, decorre diretamente da Carta Magna, e outra parcela advém
das normas infraconstitucionais como as do Código de Processo Civil e
este por sua vez reafirma em seu corpo inúmeros princípios constitucionais para a segurança jurídica.
Outro princípio norteador trata-se da indeclinabilidade da jurisdição, Nelson Juliano Schaefer Martins afirma:
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O princípio da indeclinabilidade da jurisdição preconizado pelo dispositivo processual é a emanação de dispositivo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e refere-se o ônus-poder que o juiz
detém de sentenciar, decidir, e despachar, não se podendo eximir destas tarefas sob a alegação de lacuna ou obscuridade da lei. (MARTINS, 2004, p. 133).
O Estado tem o dever de prestar a jurisdição a sociedade não podendo se eximir de decidir. Qualquer um que vier a acionar o órgão jurisdicional precisa de uma solução para a sua pretensão.
Conforme Código de Processo Civil em seu artigo 140
(Braisl,2015) o juiz não se eximirá de decidir, alegando lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico. Para isso ele deverá aplicar a analogia
ou os costumes. A analogia é aplicação de normas jurídicas aplicadas a
casos semelhantes, ou seja, não possui norma jurídica específica para o
caso, mas o magistrado deve aplicar algo naquele caso por isso, aplica-se
norma semelhante para que as partes tenham uma solução legal para o
caso concreto. Sobre os costumes aduz Nelson Juliano Schaefer Martins:
o costume foi considerado fonte do Direito em todas as fases da história de Roma e possuía as seguintes características: i) correspondia à repetição de atos ante a crença de sua necessidade jurídica; ii) possuía
eficácia semelhante a de lei eis que tanto quanto as leis produzidas pelo
povo o costume era a revelação da vontade popular pela sua prática
reiterada. (MARTINS, 2004, pg. 134).
Os costumes também possuem grande valor para o ordenamento
normativo brasileiro, pois constitui fonte capaz de colmatar as lacunas
nele existente.
Ainda temos os princípios do devido processo legal, a vedação a
prova ilícita, são norteadores do processo e serão analisados posteriormente.
A Decisão Judicial é consequência, o produto do processo de
maneira formal ela é o título do resultado esperado pelas partes, nela
estarão contidos a resolução do litígio, como forma de resposta para os
litigantes, seja em primeira, segunda ou terceira instância.
Como dito anteriormente a Decisão Judicial é resposta dada pelo
juiz às partes. Ela é a resposta institucional que ocorre por meio da ação
do magistrado. Nesse sentido afirma Nelson Juliano Schaefer Martins:
Os poderes jurisdicionais (poderes-fim) correspondem a constituição,
modificação ou extinção das relações jurídicas entre as partes e seus
herdeiros e também à condenação, à declaração de relações jurídicas e
à execução dos direitos enfim, à declaração ou realização coativa do
direito do caso concreto.‖ (MARTINS, 2004, p. 134)
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O juiz possui liberdade para atuar desde que sejam observados os
princípios. Não é permitida atuação do juiz sem provocação, salvo os
casos previstos em lei. O fato de ter que ser chamado ao processo, atende
a observância da vedação legal que impede o magistrado de agir de officio trata-se da isonomia conforme art. 139, inc. I, NCPC, que faz alusão
ao princípio da igualdade emanado no caput do art. 5º da Constituição
Federal. Além do que, terá o órgão julgador que ser provocado no processo para então praticar atos a ele concernentes, atos esses necessários à
tramitação do feito.
Outrossim a imparcialidade do magistrado deve estar sempre
presente. O Novo Código de Processo Civil veda a atuação em processos
que tenha ascendentes ou descendentes ou que sejam amigos íntimos, são
os casos de impedimento e suspeição, nestas hipóteses ficará o magistrado defeso.
Por fim as decisões dos juízes devem se pautar ainda na razoabilidade, para que a produção das decisões se dê de forma justa. O juiz
deve aplicar as normas de forma razoável ao processo, sabendo qual
norma corresponde ao caso, qual precedente normativo pode ser aplicado
para resolução do litígio. Os princípios devem ser sempre vislumbrados,
sejam eles, constitucionais ou emanados de leis ordinárias.
2.2 Argumentação e Interpretação na Decisão Judicial
Cabe de antemão, vislumbrar algumas nuances quanto a atuação
do juiz no processo, qual sua função, bem como os princípios a serem
seguidos pelo magistrado a fim de encontrar uma solução jurídica adequada para o processo, de modo que seja esta justa e equânime.
Dessa forma pode-se estruturar um meio de argumentação mais
seguro, capaz de transpor uma real ideia do que seja a melhor forma de
atuação jurisdicional:
Cabe ao juiz proporcionar aos litigantes um processo justo, mediante a
adequada aplicação das regras de Direito material. No exercício dos
seus poderes jurisdicionais, de direção e de desenvolvimento do processo, incumbe ao juiz exercer poder coercitivo para a prevenção e repressão dos atos contrários à dignidade da justiça. (MARTINS, 2004,
p. 169)
O juiz precisa encontrar a melhor solução ao conflito, com base
naquilo que as partes lhe apresentaram: ―Eis que nem o poder do juiz
está subordinado à vontade dos interessados, e nem o processo civil se
limita a regular os conflitos privados, mas se expande para a solução dos
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litígios que envolvam interesses públicos e coletivos.‖ (MARTINS, 2004,
pg. 175). É importante destacar que o Estado, por meio do órgão jurisdicional não pode ser utilizado como meio de vingança, como bem pontua
o autor ao dizer ―regular conflitos‖, mas solucionar os litígios de acordo
com a lei, de maneira a assegurar direitos.
A vontade do juiz está adstrita às normas que o regem, a Constituição que lhe assiste. Mas também possui certa discricionariedade para
atuar:
Lacerda enaltece o papel criador do juiz ao proferir sentenças com julgamento de mérito, pois dispõe de liberdade de pronunciar o Direito
segundo as circunstâncias do caso não no sentido de produzir decisões
contra legem, mas de empregar métodos nobres e inteligentes de hermenêutica como o teleológico e o sistemático. (MARTINS, 2004, p. 176)
Contempla-se neste ponto, importância de uma boa intepretação
e o combate de decisões que se prestem a atender meras reproduções
normativas. Observa-se que ao agir dessa forma a decisão desrespeita o
sujeito a que ela está sendo destinada. As normas são abstratas, porém
aplicadas no mundo real, a casos concretos de grande relevância, nesse
sentido cabe a citação:
O processo não está vinculado a valores abstratos e nem autoriza a prática de injustiças por conta dos formalismos. O processo é instrumento
a serviço da justiça humana e concreta e não simplesmente meio de
preservação dos ritos e das formas.‖ (MARTINS, 2004, p. 177).
Aplicação pura da lei não leva a uma construção adequada de
uma decisão justa à demanda. Por isso o processo hermenêutico do magistrado, extrai da abstração normativa a essência necessária ao embasamento legítimo às suas fundamentações.
Nessa toada afirma Miguel Reale ―Nada mais errôneo do que, tão logo
promulgada uma lei, pinçarmos um de seus artigos para aplicá-lo isoladamente, sem nos darmos conta de seu papel ou função no contexto do
diploma legislativo.” (REALE, 2002, p.290-291)
Uma lei aplicada sozinha é insuficiente para atender as nuances
existentes nos muitos processos que adentram o judiciário cotidianamente. A respeito disso pontua Miguel Reale (REALE, 2002):
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O ato de julgar não obedece a meras exigências lógico-formais, implicando sempre aplicações valorativas (axiológicas) dos fatos, e, não raro, um processo de interpretação da lei, aplicável ao caso, graças a um
trabalho que é antes de ―dedução amplificadora‖. Muitas para julgar a
ação o juiz é levado, pela força geral e unitária do ordenamento jurídico, a combinar preceitos legais distintos, chegando a consequências
normativas que não se continham à primeira vista, nas proporções criadoramente aproximadas. (REALE, 2002, p.85)
Similarmente, é sabido que a exigência de interpretação faria
com que magistrados dedicassem mais tempo a cada um de seus processos para então proferir suas decisões finais, pois a exigência interpretativa, se realmente levada ao pé da letra, resultaria em excelentes teses, por
consequência se faz necessário constar o que diz Miguel Reale sobre a
argumentação:
Se há bem poucos anos alguém se referisse à arte ou técnica de argumentação, como um dos requisitos essenciais à formação do jurista,
suscitaria sorrisos irônicos e até mordazes, tão forte e generalizado se
tornara o propósito positivista de uma Ciência do Direito isenta de riqueza verbal, apenas adstrita a fria lógica das formas ou fórmulas jurídicas. Perdera-se em suma o valor da retórica, confundida errônea e
impiedosamente com o verbalismo dos discursos vazios. (REALE,
2002, p.88-89)
A forma adequada de se argumentar racionalmente, vista por
dois aspectos elencados por José Rodrigo:
[...] Qualquer argumentação judicial racional terá sempre um aspecto
instrumental – deve ser bem-sucedida em convencer seu interlocutor –
e um aspecto não instrumental – qual seja, a pretensão de demonstrar
que ela é a melhor solução para o caso à luz do direito posto. (RODRIGUES, 2017, p. 72)
No mesmo sentido do que fora dito por José Rodrigo também a
citação de Miguel Reale (Reale, 2002):
O certo é que se vai enriquecendo mais a bibliografia sobre a técnica de
usar da palavra e do discurso, não apenas para transmitir ou comunicar algo, mas também para convencer o interlocutor, conquistando-lhe
a adesão. (REALE, 200, p.89)
A função do juiz não está adstrita a do legislador em apenas elaborar enunciados e trabalhar para que estes sejam cumpridos, ele é um
intérprete, sua missão deve estar calcada em aplicar os enunciados abstratos ao caso concreto. Não é algo tão simples, porque cada quadro possui
suas peculiaridades, não é certo apenas dizer o que a lei diz.
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2.3 Fundamentação na Decisão Judicial
Além disso é dever do Estado Democrático de Direito atender as
demandas que a sociedade apresenta e a Constituição Federal é a porta
voz, estipulando de forma adequada o que precisa ser observado para se
chegar ao melhor resultado.
A Constituição federal (Brasil, 1988) dispõe em seu artigo 93,
inc. IX, sobre a Decisão Judicial e trata que esta deverá ser sempre fundamentada, podendo ser considerada nula.
A obrigatoriedade da fundamentação da decisão, leva o processo
para um resultado mais justo, onde o magistrado deve decidir demonstrando os elementos de sua convicção. O texto constitucional coloca essa
exigência vedando despotismos, dessa maneira o juiz fica sempre adstrito
ao seu cumprimento sob pena de nulidade, além da omissão ser considerada um vício grave à decisão.
Por omissão entende-se lacuna:
O conceito de lacuna entrelaça-se com o conceito de Direito legislado e
positivo, de maneira que a referência a ―lacuna da lei‖ conduz a ideia
de situação da qual não se consegue retirar, através da interpretação,
qualquer resposta para uma questão jurídica determinada. (MARTINS, 2004, p.136)
Como forma de orientação aos magistrados as decisões precisar
conter além do que está exposto na norma constitucional a exigência
contida no Novo Código de Processo Civil (NCPC) disciplina in verbis:
489, § 1º: Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial,
seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes
de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob
julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. (Lei 13.105,16 de
março de 2015)
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Observa-se que a Constituição estabeleceu o requisito de fundamentação, no entanto não continha detalhes expressos do que precisaria
conter uma decisão para que pudesse ser considerada fundamentada. Por
isso o NCPC contém a reafirmação do requisito, e traz em seu bojo os
incisos que expressam o rol necessário.
Assim a mera citação do corpo legal não é considerada suficiente, ela é rasa e a letra de lei pura não atende por excelência os casos concretos ela precisa ser interpretada e quando o magistrado faz uso desta,
deve expor o motivo que levou a citar a norma, e como ela se encaixa no
caso em que está decidindo. Hart neste enredo coloca:
Parte-se do princípio de que a regra pretende determinar completamente o resultado jurídico em casos concretos, de forma que qualquer
questão jurídica, suscitada em qualquer caso pudesse, simplesmente ser
resolvida através do mero apelo aos critérios ou testes fornecidos pela
regra. Mas isto constitui um equívoco: a função da regra é determinar
apenas as questões gerais que as decisões jurídicas correctas devem satisfazer nos modernos sistemas de direito. (HART,2001, p. 320)
Outra razão pela qual a constituinte menciona a fundamentação
é a segurança jurídica, que quer dizer a previsibilidade, certeza, ou a ideia
de que nada num processo será feito em desconformidade com que existe
de princípios, regras, normas, leis e costumes.
Doravante os instrumentos de defesa em face de uma decisão
que não atende aos requisitos legais – ou ainda uma decisão em que uma
ou ambas as partes do processo não estejam satisfeitas - são os recursos,
Fred Didier traz a definição de recurso:
Numa acepção mais técnica e restrita, recurso é o meio ou instrumento
destinado a provocar o reexame da decisão judicial, no mesmo processo em que proferida, com a finalidade de obter-lhe a invalidação, a reforma, o esclarecimento ou a integração. (DIDIER,2016, p. 88).
Ou seja, é o mecanismo processual legítimo para modificar a decisão proferida pelo juízo a quo - ou se for o caso de acordão proferido por
instância superior que é considerado, um tipo de Decisão Judicial.
Os recursos que disponíveis no NCPC (Brasil, 2015) no artigo
994, são, apelação, agravo de instrumento, agravo interno, embargos de
declaração, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário,
agravo em recurso especial ou extraordinário. Existem muitos outros nas
outras esferas do direito, mas somente estes serão usados neste exemplo.
Os recursos além de impugnar as decisões possui a função de efetivar o princípio dsuperior para que estas então atendam a sua demanda,
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e tenham a possibilidade de ter a decisão do juiz de primeira instância,
ser alterada.
As instâncias superiores por sua vez, ao julgar tais recursos irá
extrair, Súmulas, Jurisprudências e outros entendimentos jurídicos dos
tribunais. Esses entendimentos são norteadores de casos subsequentes.
Contudo nem sempre a decisão será transformada por um recurso, nessas hipóteses, cabe a colocação de Mauro capelletti:
Mas, uma vez que a decisão do juiz, não mais sujeita recurso, torna-se
definitiva, adquire autoridade da coisa julgada; e, como diziam pitorescamente os doutores medievais, ―res judicata facit de albo nigrum et
de quadrato rotundum.‖ Ainda que, por hipótese, errônea de fato ou
de direito, a decisão passada em julgado cria a sua própria verdade‖ e
o seu próprio direito; ela facit jus.‖ (CAPELLETTI, 1989, p.27)
Esta posição de Capelletti mostra que em diversos casos as tentativas recursais restaram infrutíferas, e nada mais poderá ser feito, encontrando-se um limite, onde a Decisão Judicial se solidifica e assim permanece.
Todas os aspectos encontrados em uma Decisão Judicial refletem a o duplo grau de jurisdição, em que a parte passa a ter acesso a instância importância e a relevância de sua estrutura precisar sem tão rígida
e tão bem alinhada. Ela demonstra que as partes tiveram oportunidade de
serem assistidas pelo Estado pelo exercício do Poder Judiciário, demonstra o parecer do magistrado a respeito dos fatos trazidos, evidencia que a
atuação do Judiciário se efetiva ao findar cada processo.
O Estado ora glorificado ora fragilizado, não pode se eximir de
amparar aqueles que o demandam, e através da célebre Decisão Judicial
o faz celebremente.
3.
CONCLUSÃO
Após todos os apontamentos, nota-se que a dita Decisão Judicial
detém grande mérito no mundo jurídico. Pode se notar que, por meio da
discricionariedade do juiz novos entendimentos têm se firmado norteando os direitos que se insurgem.
A interpretação leva a tese jurídica a um grau mais elevado, evidenciando a técnica necessária de um jurista que atua com afinco em sua
jurisdição, comunicando a norma abstrata aos casos que passam pelo
crivo do Judiciário.
A argumentação combinada a fundamentação permite que o juiz
seja claro naquilo que pretende, afirmando os elementos de sua convicção, solidificando a tese jurídica essencial à resolução do caso.
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_______. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.
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2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20152018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 03. Jul. 2019.
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REALE, Miguel. “Lições Preliminares de Direito”. 24. ed. São Paulo:
Saraiva, 1998.
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O CHARME DISCRETO DO DIREITO
BURGUÊS: BREVES APONTAMENTOS
SOBRE A TEORIA GERAL DO DIREITO E
MARXISMO DE EVGENI PACHUKANIS
Luiz Henrique Debastiani 1
1 Introdução
Evgeni Bronislavovitch Pachukanis (1891-1937), proeminente jurista soviético e membro do Partido Bolchevique, publicou sua obra de
maior relevância em 1924, denominada Teoria Geral do Direito e Marxismo
, na qual ele desenvolve o que posteriormente foi chamada de ―Teoria
Jurídica da Trocas de Mercadorias‖, construída sobre dois pilares do
pensamento marxista: 1 - na organização da sociedade, o fator econômico é primordial; os princípios e instituições legais e morais, portanto,
constituem um tipo de superestrutura que reflete a organização econômica da sociedade; e 2 - no estado finalmente alcançado do comunismo, a
lei e o Estado desaparecerão. Se o comunismo foralcançado, a moralidade como é tipicamente entendida deixará de desempenhar qualquer função.
A partir de 1930, com a ascensão de Stálin, o pensamento de Pachukanis passa aser altamente conflitante com a linha política seguida
pelo governo soviético. Pachukanis é então forçado a iniciar um longo
processo de negação e de ―autocrítica‖ de sua teoria. Não sendo o suficiente, Pachukanis é preso em 20 de janeiro e condenado em 4 de setembro
de 1937. Declarado "inimigo do povo", acaba ―desaparecendo‖ no mesmo ano. A teoria jurídica soviética passa a ser dominada por Andrei Vichinsky, reprodutor da linha de Stalin de reforço do Estado no campo do
direito. A obra de Pachukanis é então renegada e ―proibida‖ até 1956,
com a morte de Stalin, é, então, ―reabilitada‖ e volta ser objeto de estudo
1
Estudante do curso de Bacharelado em Direito da Universidade Comunitária da
Região de Chapecó Unochapecó. Membro discente do Grupo de Pesquisa de
Direitos Humanos e Cidadania. Contato: luizdebas@gmail.com
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entre os juristas soviéticos, mesmo que não fosse seguida pela linha majoritária de teóricos. A motivação de sua perseguição se dá uma vez que o
problema da relação entre o direito e o socialismo é o cerne da teoria
pachukaniana, em um período que Naves (2008) descreve como:
(...) marcado pelo esforço de reorganização legislativa e judiciária, visando banir a legislação burguesa hostil ao poder proletário, e destruir
o aparelho judiciário do antigo regime. E no qual, na ausência de uma
"teoria marxista do direito", toda a atividade no campo jurídico era
orientada pela "consciência jurídica revolucionária‖. (p. 15)
Poderia-se dizer mesmo que é a partir disto, isto é, do modo como Pachukanisaborda esta questão e a resolve, que a sua análise da relação entre a forma jurídica e a forma mercantil se ilumina e ganha pleno
significado teórico e político. De fato, se Pachukanis admitisse a possibilidade de um direito "socialista", toda a sua construção teórica estaria
comprometida. Se o socialismo implica a gradativa superação das formas
mercantis, então um direito que se quisesse "operário", seria tanto uma
impossibilidade teórica como um objeto a ser combatido politicamente.
Se o socialismo implica a gradativa reapropriação pelas massas das condições materiais da produção com a superação da separação entre os
meios de produção e a classe operária, então, isso significa que o fundamento último da existência do direito é negado na fase de transição, e a
persistênciado direito só pode aparecer como um obstáculo ao socialismo, mesmo que o direito possa, durante certo tempo, cumprir um determinado papel "revolucionário‖.
Estabelecer essa impossibilidade teórica e política, sustentar a
existência desse antagonismo, exige pensá-lo como irremediavelmente
preso às determinações do capital. E exige também pensar as consequências políticas que tal concepção acarreta: se é impossível sustentar um
"programa" para o estabelecimento de um "direito socialista", então, a
tarefa passa a ser a de destruição das formas e dos aparelhos do direito. A
posição de Pachukanis permite recolocar a questão de extinção do direito
e do Estado, questão que ocupa um lugar central na concepção de Marx e
no marxismo não-revisionista.
Para Naves (2008), são principalmente duas razões que exigem
uma retomada reflexiva das teses de Pachukanis na atualidade: primeiro
porque a concepção pachukaniana de direito se fundamenta no método
desenvolvido por Marx em "O Capital", o que torna possível a ela ultrapassar, recorrendo a bases metodológicas rigorosamente marxianas, as
teorias vulgares que permanecem numa apreensão instrumental do direi-
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to, privilegiando seu conteúdo normativo, em detrimento da exigência
metodológica de Marx, consistente em indicar razões pelas quais uma
relação determinada se configura, em determinadas condições, na forma
específica do direito.
Segundo, é sobretudo de ordem crítica: um retorno a Pachukanis
contribui imensamente para a tarefa de refletir acerca das possibilidades
de resistência às formas de dominação de classe levadas a efeito por meio
de instituições jurídicas, em especial por intermédio de uma representação jurisdicista do Estado.
Desta forma, é importante reviver o debate bolchevique sobre direito e Estado, particularmente para a análise de formações sociais transitórias, tão importante para os estudos soviéticos tanto agora quanto na
década de 1920. Também é necessário desenvolver uma teoria materialista histórica do direito nas sociedades capitalistas. No entanto, essa tarefa
deve ser firmemente fundamentada na teoria marxista do Estado, um
projeto iniciado por Marx, mas não desenvolvido de forma coerente desde sua morte. Ao elogiar uma contribuição para o desenvolvimento da
compreensão marxista das formas legais e estatais das relações sociais
capitalistas, existe o perigo de que os elementos essenciais da crítica de
Marx à filosofia política e jurídica burguesa sejam perdidos. Não se deve
esquecer que o próprio Marx fez uma contribuição muito real para uma
filosofia materialista do direito e que a principal contribuição de Pachukanis, embora importante, foi expandir a noção de "fetichismo" de Marx
para uma teoria do direito. Destaca-se, neste artigo, duas áreas importantes da discussão sobre a leitura de Pachukanis. Em primeiro lugar, há a
questão do seu debate com os contemporâneos daURSS, que aponta para
problemas com a "teoria jurídica da troca de mercadorias" (como o trabalho de Pachukanis e P. I. Stutchka ficou conhecido). Em segundo lugar, a
natureza precisa da extensão e os limites da sua Teoria do Estado precisam ser reconhecidos.
2.
O debate Bolchevique sobre o direito
Para entender corretamente a contribuição de Pachukanis ao trabalho marxista do direito, é necessário explorar o contexto de sua polêmica contra os contemporâneos bolcheviques e os teóricos do direito
burguês. Uma exploração completa não é possível aqui, mas o mais importante desses debates pode ser considerado: o de Stutchka, que era visto
como o "principal representante da ala moderada da escola da troca de
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mercadorias", de cujo aspecto mais "radical" foi o trabalho de Pachukanis. Stutchka, nomeado Comissário da Justiça em 1918 e, por muitos
anos depois, uma figura de destaque nos debates do direito, produziu seu
principal texto teórico, "A Função Revolucionária do Direito do Estado Uma Doutrina Geral do Direito", em 1921. O debate entre Pachukanis e
Stutchka é enfatizado aqui em detrimento de outros contemporâneos, por
exemplo, Dozenko e Krylenko, devido ao importante elo entre eles, que é
a teorização explícita do direito como relações sociais.
Pachukanis (1988) especificamente parabenizou Stutchka em " A
Teoria Geral do Direito e Marxismo " por essa conceituação: "Do nosso ponto de vista, Stutchka estava perfeitamente correto ao colocar o problema
do direito como um problema de relacionamento social" (p.39). Mas ele
também percebeu uma dificuldade fundamental: como o Direito regula as
relações sociais? Pachukanis (1988) disse ainda que a resposta se tornou,
no trabalho de Stutchka, tautológica, isto é, as relações sociais se regulariam. A chave para esse problema seria perceber o Direito como "um
relacionamento específico envolto em mistério".
Ao analisar o Direito como uma forma de relação social especial,
o problema foi resolvido para satisfação de Pachukanis. A questão do
Direito que regula as relações sociais tornou-se, em vez disso, a questão
da regulamentação das relações sociais em certas circunstâncias, assumindo um caráter jurídico. Para Stutchka, as relações jurídicas eram
indistinguíveis das relações sociais em geral. Pachukanis contrapôs a
ideia de direito como uma forma de relação social específica. Para determinar essa relação social específica, ele postulou um vínculo entre a forma jurídica e a forma da mercadoria.
A resposta para a pergunta "quais relações sociais são relações
jurídicas? " Pachukanis deu como o ―a relação de proprietários privados
de mercadorias, as relações de troca da produção de mercadorias‖. Ele
havia afirmado que "a teoria marxista deveindubitavelmente não apenas
investigar o conteúdo material da regulamentação legal durante épocas
históricas definidas, mas fornecer à própria regulamentação legal – como
uma forma histórica definida - uma interpretação materialista" (PACHUKANIS, 1999, p. 116), claramente se afastando de Stutchka e sua
formulação problemática em sua subsequente teorização, mas sim, Pachukanis produziu uma teoria do direito nas sociedades produtoras de
mercadorias, não especificamente nas burguesas, onde há produção generalizada de mercadorias.
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Não foi apenas uma acomodação à pressão stalinista que de fato
levou Pachukanis a negar o trotskismo com sua ―negação‖ de que é possível construir o socialismo em um país, mas a genuína consciência dos
problemas teóricos que o levaram, em uma autocrítica inicial a reconhecer que:
O defeito básico do meu primeiro trabalho foi que o problema da transição de uma concepção socioeconômica para outra - e particularmente a transição do feudalismo para o capitalismo (com o qual a transição
de um sistema jurídico para outro também está associado) não estava
resolvido de forma historicamente correcta [...] meu trabalho precisa
de uma correção importante, que deve consistir no reconhecimento de
que outros sistemas existiam lado a lado com o sistema jurídico burguês (o mais desenvolvido)(PACHUKANIS, 1988, p. 259-260).
Desta forma, Pachukanis considerou que seu erro básico foi confundir os indícios específicos da forma jurídica burguesa com a lei em sua
totalidade, um erro contra o qual Stutchka havia alertado. Da mesma
forma, ele reproduziu o equívoco ao analisar as formas de Estado. Em
1930, Pachukanis (1988) teve que confessar que: "O Estado burguês, com
sua forma especial de dominação política, é apenas uma das formas de
Estado e, lado a lado com ele, outras formas existiram‖ (p. 265).
Seu trabalho anterior chegou por vezes perigosamente próximo à
noção antropológica burguesa de que o direito primitivo, antigo e feudal
eram realmente apenas o direito burguês em uma forma menos desenvolvida, com, é claro, no caso de Pachukanis a importante condição distintiva de que este se desvaneceria no comunismo.
Também foi levantada no debate Pachukanis-Stutchka a questão
do Direito em sua relação com o domínio de classe. Em outra autocrítica,
Pachukanis (1988) admitiu uma "superestimação das relações de mercado" em sua teoria do direito e suas importantes consequências:
Foi um erro teórico grosseiro identificar a lei, que é um fenômeno histórico que atravessa diversos sistemas de classes, com o agregado dos
aspectos da lei burguesa que fluem da troca de mercadorias igualmente
valorizadas[...] tal entendimento do direito remove a coerção de classe
do primeiro plano dos eventos (p. 235).
Aqui, claramente, a pressão stalinista teve um impacto mais direto, pois a identificação anterior de Pachukanis do direito com as relações
de troca de mercadorias o levou a negar a possibilidade de um ―direito
proletário‖. A possibilidade dessa existência foi negada continuamente
em seu trabalho. A autocrítica permaneceu insatisfatória; o que explica o
seu ―desaparecimento‖ em 1937.
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No entanto, tudo isso pode obscurecer a genuína percepção de
Pachukanis de que Stutchka tinha razão. Nos anos 1930 e 1932, Pachukanis admitiu que sua conceitualização particular das relações de troca e
da forma jurídica fracassou em reconhecer o conteúdo de classe do direito. Em 1924, ele havia advertido contra a mera introdução de noções de
luta de classes na discussão jurídica para uma teoria marxista do direito,
enquanto ele mesmo negligenciava o problema da dominação de classe
através do Direito. Mais tarde, ele escreveria que:
O direito na sociedade burguesa serve não apenas para manter ointercâmbio; simultaneamente e (de fato) predominantemente, apoia e consolida a distribuição desigual da propriedade, não se restringe à relação
entre os proprietários de mercadorias que estão ligadas entre si pela
troca e pelas relações contratuais como forma de troca. A propriedade
burguesa também inclui, de forma disfarçada, as mesmas relações de
dominação e subordinação que estavam no primeiro plano da lei feudal que a subordinação pessoal (PACHUKANIS, 1988, p. 235).
Seu fracasso anterior em se aperceber disso, levou, na opinião de
Pachukanis, à separação de "conteúdo" de "forma" ou "forma‖ de ―substância", cujo exemplo mais claro ele considerou sua teorização do direito
penal como sendo baseada em troca de equivalentes.
O conteúdo do núcleo básico de cada sistema histórico de leis
era, em 1932, tanto para Pachukanis quanto para Stutchka ―a relação
entre os proprietários da produção e os produtores imediatos‖ (1988, p.
267).
Apesar disso, esta interpretação representa um problema sério,
qual seja a identificação das relações jurídicas com as relações de produção, que deriva de uma leitura ultra-literal do Prefácio da edição de 1859
da ― Contribuição à Crítica da Economia Política ‖, no qual Marx (2008)
escreveu:
Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as
relações de propriedade no seio das quais elas se haviam desenvolvido
até então. (p. 47).
Simplesmente aceitar que as relações jurídicas sempre se igualam
ou refletem as relações de produção levanta a questão crucial, para o
marxismo, da complexa relação entre, digamos, relações burguesas de
produção e o direito burguês. Essa foi precisamente a pergunta a que
Pachukanis, em seus primeiros escritos, se dirigiu.
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Tomar as relações de propriedade capitalistas como as relações
fundamentais de produção na sociedade burguesa é interpretar mal Marx
e entender mal o método de análise no Capital. Em 1932, Pachukanis e
Stutchka compartilhavam essa visão confusa do "conteúdo" da forma
jurídica burguesa, com Pachukanis defendendo uma "síntese" de seus
respectivos pontos de vista.
Portanto, infere-se que uma análise do debate bolchevique sobre
direito, revela a natureza suspeita de algumas das formulações nos primeiros trabalhos de Pachukanis. Argumentou-se que as questões teóricas
levantadas em sua autocrítica precisam ser levadas a sério, não obstante,
os escritos posteriores exibirem, em geral, uma capitulação para uma
posição mais conservadora do que a de Stutchka, cuja autocrítica não
precisava ser algo tão abrangente, justamente por este não ter partido de
um pressuposto tão revolucionário, conforme exposto.
Contudo, resta claro que este debate gerado entre Pachukanis e
Stutchka foi essencial para o desenvolvimento de uma ―teoria marxista
do direito‖, sendo de grande contribuição para as discussões posteriores
na construção de uma oposição ao direito burguês.
3.
Direito, repressão e Estado
Os escritos de Pachukanis sobre direito, apesar da retórica sobre
a necessidade de ver o Estado como a forma organizada de domínio de
classe, acabaram por não operar dentro de uma teoria materialistahistórica coerente do Estado. Sua autocrítica de 1930 admitiu que, antes,
ele havia colocado a análise do estado em segundo plano com uma abordagem "estreita" do direito.
No entanto, o texto de 1924 levantou a questão da relação e distinção entre domínio de classe e domínio de Estado: ―por que o domínio
de uma classe assume a forma de dominação oficial do Estado?‖. Embora isso tenha sido confundido pela identificação de diversas formas possíveis de autoridade do Estado com o Estado burguês. Em 1930, ele havia
reconhecido o erro em seu argumento anterior de que a necessidade de
um Estado "desaparece no caso de uma classe ser vitoriosa". Pachukanis
(1988) reconheceu que:
A vitória dos exploradores significou aumentar o domínio e a pressão e é precisamente para isso que um Estado é necessário. Somente a tomada do poder do Estado pelo proletariado revela a perspectiva de
abolir as classese o Estado (p. 264).
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O aspecto "repressivo" das formas jurídicas e estatais foi enfatizado nessa autocrítica específica, mas geralmente representava um balanço da versão bruta do direito de Stutchka e do Estado como "ferramentas
de repressão", oposição construtiva à qual foi o ímpeto para os trabalhos
de 1924. Assim, a autocrítica revelou uma noção do estado como simplesmente "uma força especial para esmagar e oprimir a classe explorada"
em qualquer modo de produção.
A promessa, então, de usar as categorias de Marx descritas no
Capital para desenvolver uma crítica da filosofia jurídica burguesa e,
portanto, das formas jurídicas burguesas, um projeto sugerido pela Teoria
do Direito e do Marxismo , nunca foi plenamente realizada na obra de Pachukanis. O fracasso em teorizar a natureza repressiva do direito burguês
e do estado burguês foi um erro importante e mais claramente demonstrado pelo que mais tarde ele chamou de "formulação mecanicista" do
problema do direito penal:
No capítulo do meu livro dedicado ao direito penal, talvez houvesse a
expressão mais clara do divórcio entre forma e conteúdo, pelo motivo
de que aqui há a forte antítese entre a repressão, por um lado, como
forma de salvaguardar a classe e o direito penal, por outro, como forma de relação entre sujeitos economicamente isolados (subordinação
ao princípio da equivalência) (PACHUKANIS, 1988, p.267).
Sua teorização inicial do direito penal era certamente bizarra,
tendo mais relação com a filosofia jurídica antiga do que com o marxismo - mas mais uma vez, a autocrítica não resolveu os problemas. Pachukanis (1988) finalmente argumentou que o direito penal na sociedade
burguesa é "repressivo", na medida em que preserva as relações de propriedade burguesa:
O direito penal é um ramo auxiliar do direito. Sua função é manter, reforçar e salvaguardar as relações fundamentais que consistem nas relações entre as pessoas que possuem os meios de produção e os produtores imediatos (p.267).
Aqui, novamente, o erro foi ver as relações de propriedade como
as relações fundamentais da produção. O caráter repressivo do direito
penal burguês se mostrou particularmente elusivo para a teoria marxista e
sua prática política. A questão é mais complexa do que o Direito simplesmente garantir relações de propriedade privada.
A natureza "repressiva" do direito penal burguês deve, em vez
disso, ser buscada no processo de produção social, na produção e reprodução de relações sociais capitalistas pelas quais essas relações (legais) de
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propriedade são estabelecidas. A questão crucial é como o direito preserva, historicamente, um processo pelo qual capitalistas e trabalhadores se
encontram na troca como proprietários, do capital, por um lado, e da
força de trabalho, por outro.
No entanto, o trabalho de Pachukanis, que não explorou tais
problemas, e que foi submetido aqui a uma crítica, permanece valioso
para a teoria materialista histórica do direito. Ele ergueu sinais para futuras análises marxistas das relações jurídicas sem se submeter ao estrangulamento da metáfora da base/superestrutura e, apesar da imensa pressão,
resistiu até o fim à posição reacionária de argumentar por um "direito
proletário".
Assim, como na destruição do aparato estatal burguês, Pachukanis (1988) viu que o "desvanecimento" do direito burguês envolve seu
desaparecimento como "um poder separado e contraposto às massas".
4.
Considerações Finais
Diante do exposto, pudemos inferir que que a genialidade de Pachukanis consiste na complexidade de sua leitura de Marx para fundar a
crítica do direito sobre a base do materialismo, principalmente por sua
retomada de um texto marxiano chave deveras esquecido em seu teu
tempo: a Contribuição à Crítica da Economia Política , de 1859.
Partindo desta base fundamental, foi possível estabelecer um
comentário consistente sobre a crítica pachukaniana da democracia burguesa, sua abrangência e limites, percebendo a sua atualidade no desenvolvimento de suas teses no interior do marxismo.
Procurou-se demonstrar a relação que Pachukanis estabelece entre o direito e o socialismo, com toda a sua complexidade, contudo, conservando o princípio teórico de Marx e Engels na defesa da extinção do
direito.
Ao fim e ao cabo, abordou-se momentos cruciais da autocrítica
pachukaniana, ressaltando a sua resistência em abandonar suas teses originais, em detrimento da pressão dos postulados teóricos do stalinismo,
constatando que as vacilações teóricas de Pachukanis não invalidam o seu
esforço de pensar a questão do direito a partir das categorias fundadas por
Marx, sendo aí que reside a relevância de sua contribuição teórica.
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Pachukanis. São Paulo: Boitempo, 2008.
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Paulo: Editora Acadêmica, 1988
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OS MOVIMENTOS SOCIAIS GLOBAIS COMO
ATORES EMERGENTES DAS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS:
OS DILEMAS DO COMÉRCIO JUSTO
Tuana Paula Lavall 1
Andréa de Almeida Leite Marocco 2
Cristiani Fontanela 3
1.
Introdução
O protagonismo exercido por certos movimentos sociais que,
atuando por meio de redes, alcançam a dimensão global, confere a esses
agentes a qualidade de atores emergentes das relações internacionais
contemporâneas. Isso significa que, ao desempenharem suas funções,
perseguirem seus ideais de mudança social, ou resistirem a padrões que
consideram arbitrários, os movimentos sociais globais impactam significativamente a sociedade internacional, influenciando a atuação de outros
atores, como os Estados e as corporações transnacionais, embora também
sejam por eles influenciados.
Na gama dos ―novos movimentos sociais‖ surgidos a partir da
segunda metade do século XX, destaca-se o Comércio Justo, que, pela
sua extensão através do globo e destacada agenda, ostenta a qualidade de
ator emergente. Com forte atuação na América Latina, onde beneficia
muitas comunidades de pequenos agricultores, campesinos e artesãos,
esse movimento tem experimentado expressivas cisões nas últimas duas
1
2
3
Graduada em Direito pela Unochapecó. Mestranda em Direito na Unochapecó, com
bolsa CAPES, na modalidade integral. Pesquisadora no grupo de pesquisa relações
internacionais, direito e poder. Contato: tuanalavall@unochapeco.edu.br
Doutora em Direito pela UFSC. Professora do Programa de Pós-Graduação stricto
sensu em Direito da UNOCHAPECÓ. Contato: andream@unochapeco.edu.br.
Doutora em Direito pela UFSC. Professora do Programa de Pós-Graduação stricto
sensu
em
Direito
da
UNOCHAPECÓ.
Contato:
cristianifontanela@unochapeco.edu.br.
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décadas, as quais são inerentes ao próprio processo de expansão que
atravessa.
Partindo desse panorama, o objetivo geral do presente trabalho é
apresentar os dilemas que o Comércio Justo enfrenta, enquanto movimento social global, diante da penetração, em sua cadeia de valor, de
forças transnacionais ligadas ao comércio internacional convencional. De
forma específica, almeja conceituar os movimentos sociais globais e estudar a sua classificação enquanto atores emergentes das relações internacionais - o que se procede na primeira parte do trabalho -, para, na sequência, historicizar e caracterizar o Comércio Justo.
No que pertine aos aspectos metodológicos, a pesquisa, que é de
caráter teórico, classifica-se, quanto aos seus fins, como descritiva, e
quanto à abordagem do problema, como qualitativa. Adota-se o método
de procedimento dedutivo, e as técnicas de pesquisa documental e bibliográfica, com consulta, no último caso, às literaturas brasileira e estrangeira. As traduções, quando necessárias, são de inteira responsabilidade das
autoras.
2. Movimentos sociais globais como atores emergentes das
relações internacionais
Até a metade do século XX, a sociedade internacional era concebida a partir de uma ótica estatocêntrica. A denominada sociedade
internacional moderna, inaugurada com os tratados de Paz de Westfália,
no século XVII, mostrou ser, pelo menos inicialmente, um conjunto de
Estados que, figurando na arena internacional, estabelecia entre si relações de distintos conteúdos.
Contemporaneamente, no entanto, a sociedade internacional assume a feição de ―[...] um complexo relacional constituído de diversos
tipos de relações cujos interesses ultrapassam vocações de limites nacionais, atuando em nível internacional‖ (OLIVEIRA, 2004, p. 67). Essas
relações, complexificadas por conta do fenômeno da globalização, já não
são travadas exclusivamente entre os Estados, envolvendo outros agentes, motivo porque o estudo dos atores internacionais merece atenção.
Na conceituação de Oliveira (2004, p. 183-184), ator internacional é o agente que participa das relações internacionais e da dimensão
dinâmica da sociedade internacional, seja interagindo para a cooperação
ou para o conflito, seja exercendo influências no trato com os demais
atores pertencentes a essa mesma ordem. No mesmo sentido é o conceito
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de Barbé (1995, p. 117), para quem ator internacional é a ―[...] unidade
do sistema internacional (entidade, grupo, indivíduo) que goza de habilidade para mobilizar recursos que lhe permitam alcançar seus objetivos,
que têm capacidade para exercer influência sobre os outros atores e que
goza de certa autonomia‖.
Não basta, portanto, a mera internacionalidade da sua existência
para que determinado grupo seja caracterizado como ator internacional.
A condição de ser ou não assim considerado depende da competência do
agente para o cumprimento de funções e objetivos propostos pelo sistema
internacional, sejam eles financeiros, econômicos, comerciais, militares,
políticos, sociais, culturais, religiosos, ecológicos, entre outros (OLIVEIRA, 2014, p. 97). Em outros termos, da aptidão do ator para acompanhar
determinada agenda internacional de forma ativa.
No que concerne à tipologia dos atores internacionais, Barbé
(1995, p. 119-120) menciona a existência de duas abordagens: a clássica,
desenvolvida originalmente por Marcel Merle, e a transnacional, vertente
dos estudos sobre o sistema global, iniciados na década de 1970, nos
Estados Unidos.
Partindo-se da premissa de que o reconhecimento do Estado como ator internacional não anula a existência de outros atores nãoestatais, a corrente clássica enuncia três tipos de atores internacionais: a)
o Estado; b) as organizações intergovernamentais; e c) as forças transnacionais. As forças transnacionais, entendidas como grupos subjacentes à
iniciativa privada, comportam subdivisão, confinando os fenômenos das
organizações não-governamentais, das empresas multinacionais e da
opinião pública internacional (BARBÉ, 1995, p. 119).
Pela corrente transnacional, aportada na obra de R.W Mansbach, o Estado e a territorialidade perdem importância. Apresentam-se,
então, seis tipos de atores: a) as organizações intergovernamentais; b) os
atores não-governamentais interestatais, grupo no qual se incluem as
organizações não-governamentais e as empresas transnacionais; c) os
Estados; d) os atores governamentais não-centrais, em referência à atuação de governo locais; e) os atores intraestatais não-governamentais, na
condição de grupos privados de âmbito nacional; e f) os indivíduos, como
os artistas e cientistas afamados (BARBÉ, 1995, p. 120).
Entre nós, merece destaque a classificação operada por Oliveira
(2014, p. 100-102), denominada eclética. Essa leva em consideração três
grupos de agentes: a) os atores tradicionais, abrangendo os Estados e seus
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―desdobramentos estatocêntricos‖; b) os novos atores, incluídas aí as
organizações internacionais, as organizações não-governamentais e as
empresas transnacionais; e c) os atores emergentes, figuras tipicamente
contemporâneas, como os movimentos sociais, os partidos políticos, a
mídia e o terrorismo.
Merle (1981, p. 277) faz referência às forças transnacionais como
atores de destacada importância no cenário contemporâneo. Para o autor
essas formações são ―[...] movimentos e correntes de solidariedade de
origem privada que tentam estabelecer-se através das fronteiras e fazer
valer ou prevalecer seu ponto de vista no sistema internacional‖. Com
base nesse conceito, os movimentos sociais organizados em nível global
podem ser interpretados como forças transnacionais, e, por isso, considerados atores das relações internacionais (LAZARETTI, 2017, p. 37).
Os movimentos sociais podem ser definidos como tipos de ações
coletivas engendrados em reação às conjunturas histórico-sociais nas
quais estão inseridos. O caráter reativo dos movimentos sociais manifesta-se de três formas, integradas ou separadamente: a) a contestadora, que
pressupõe denúncias, protestos, oposições organizadas, etc.; b) a solidarística, pautada na cooperação e parceria em prol da solução de algum
problema específico ou nas ações de solidariedade; e c) a propositiva,
arquitetada sobre determinada ―utopia de transformação‖, com a formulação de projetos de mudança (SCHERER-WARREN, 1999, p. 14-15).
Para Mattar (2013, p. 118-119), os movimentos sociais reúnem
quatro características básicas. Primeiro, são atores coletivos - e, por isso,
agentes da ação coletiva, não da individual - e organizados, razão pela
qual as manias e os pânicos, esporádicos, não devem ser assim considerados. Segundo, tem em sua natureza a aspiração pela mudança. Terceiro, exprimem e alcançam a mudança por meio do ativismo. E, por último, identificam um ―inimigo‖, a exemplo do desemprego e das desigualdades sociais, que, por despertar sentimentos de indignação, frustração,
raiva, etc., motiva a mobilização. Aqui, vale lembrar a lição de Castells
(2013, p. 23), para quem os movimentos sociais são emocionais, de modo
que a sua ―insurgência não começa com um programa ou estratégia política, [...] mas quando a emoção se transforma em ação‖.
Não obstante a emoção seguir desempenhando o invariável papel de gatilho para a constituição dos movimentos sociais, a forma de
organização e atuação desses atores sofreu transformações significativas
com o advento das tecnologias informacionais e comunicacionais, nas
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últimas décadas do século XX. Na ―era da informação‖, os movimentos
sociais passaram a organizar-se em rede e de forma transnacionalizada,
―[...] espalharam-se por contágio num mundo ligado pela internet sem fio
e caracterizado pela difusão rápida e viral de imagens e ideias‖ (CASTELLS, 2013, p. 10). Esses elementos permitiram a emergência de movimentos sociais de dimensão global, que, além de articularem-se em
redes, utilizam-se da rede tecnológica para sua atuação.
De acordo com Gohn (2008, p. 440), na primeira década do século XXI ampliaram-se o movimentos sociais com vocação para atuar
além das fronteiras do Estado-nação, em pautas que refletem os problemas sociais da contemporaneidade, como a biodiversidade, as demandas
étnicas e religiosas, a soberania alimentar, o não-armamentismo, a defesa
da paz, entre outras. A autora denomina movimentos sociais globais ―[...]
as lutas que atuam em redes sociopolíticas e culturais‖, ou ―[...] são responsáveis pela articulação e globalização de movimentos sociais locais,
regionais ou nacionais‖ (GOHN, 2008, p. 440). Valendo-se de plataformas de comunicação intramembros bem estruturadas, os ―novíssimos
atores‖ como são qualificados por Gohn (2011, p. 338), interagem, também, entre si, em plenárias, colegiados e fóruns, como o Fórum Social
Mundial.
Entre os expoentes dos movimentos sociais globais, destaca-se o
movimento anti ou alterglobalização. Altamente fragmentado e estruturado a partir de uma rede de movimentos, o movimento alterglobalização
é composto por simpatizantes de diversas correntes ideológicas: compreende desde ativistas identificados com o anarquismo e a desobediência
civil até entidades de cunha assistencial e organizações nãogovernamentais. Em comum, esses personagens têm a visão crítica sobre
a globalização econômica, problematizando questões como a miséria e a
exclusão social e trabalhando para a construção de uma rede de globalização alternativa, alicerçada na solidariedade e no respeito às culturas
locais (GOHN, 2011, p. 338-339).
Na esteira dos movimentos contra-hegemônicos, situa-se o Comércio Justo, que, em seu sentido originário, propõe uma matriz de produção e comercialização distinta da operada pelo comércio internacional
convencional, com a recuperação do valor da justiça social e da sustentabilidade. Nessa perspectiva, o próximo tópico trata da caracterização
desse movimento, da sua atuação e, principalmente, dos dilemas que ele
enfrenta, na sociedade internacional contemporânea.
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2. Os dilemas do Comércio Justo como movimento social global
As origens do Comércio Justo remontam à década de 1940,
quando organizações dos Estados Unidos e de países da Europa viram no
comércio um mecanismo de inclusão social de comunidades carentes dos
países em desenvolvimento (STELZER, 2018, p. 128). Em termos práticos, instituições de solidariedade, muitas das quais ligadas à igreja, sediadas nos países do Norte importavam e vendiam artesanato produzido nos
países em desvantagem econômica, situados nas Américas do Sul e Central, na África e na Ásia. Essas iniciativas encontravam-se, no entanto,
desarticuladas, dada a inexistência de uma frente organizadora, bem
como de uma agenda de objetivos e de uma identidade coletiva sólida
(MASCARENHAS, 2007, p. 45).
No final dos anos 1960, com o aparecimento de organizações específicas de comércio alternativo, na Europa, o cenário de fragmentação
deu lugar aos primeiros esboços do Comércio Justo como um movimento
social (MASCARENHAS, 2007, p. 45). Mais do que comerciar com os
países do Sul, aparecia, também, e pela primeira vez, a preocupação com
a remuneração justa ao produtor, entendida como aquela capaz de cobrir
―[...] os custos de um rendimento digno, ambientalmente responsável e
socialmente inclusor‖ (STELZER, 2018, p. 126).
Na condição de movimento social, o Comércio Justo elege como
―adversário‖ o comércio internacional na sua versão convencional, enquanto a meta societal do movimento é a ―[...] promoção do desenvolvimento sustentável de produtores e trabalhadores do Sul, resguardando e
promovendo os direitos das minorias étnicas, promovendo relações mais
eqüitativas em termos de gênero e eliminando o trabalho infantil‖
(MASCARENHAS, 2007, p. 51).
Conforme assinalam Gendron, Bisaillon e Rance (2009, p. 73), o
uso de mecanismos econômicos para atender a demandas sociais em
nada desvirtua a caracterização do Comércio Justo como um movimento
social. Para as autoras, a escola dos novos movimentos sociais é a mais
adequada à compreensão do Comércio Justo, uma vez que categoriza
movimento social como ―[...] o controle coletivo de um projeto social
alternativo‖ (GENDRON; BISAILLON; RANCE, 2009, p. 73). No caso
do Comércio Justo, e considerando o seu sentido originário, procura-se
fornecer uma alternativa para a globalização econômica e as relações
comerciais desiguais em nível global. Por conta dessa vocação, seria pos-
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sível enquadrá-lo, inclusive, como um movimento altermundialista
(MOREIRA, 2017, p. 61).
De acordo com Lisboa (2016, p. 336), a diversificação dos produtos, a estruturação das primeiras organizações e, especialmente, o surgimento da primeira marca registrada, a Max Havelaar, em 1988, inauguraram uma nova fase no movimento do Comércio Justo. Nela, multiplicou-se o número de importadores e de certificadoras, que foram reunidos,
em 1989, em torno da Associação Internacional do Comércio Justo,
transformada, em 2009, na Organização Mundial do Comércio Justo (em
inglês, World Fair Trade Organization - WFTO). Remonta, também, ao
período, a criação da Fairtrade International (FI), organização detentora
da certificação de Comércio Justo mais conhecida no mercado, e que
articula redes de produtores de três continentes - entre as quais, a Coordenadora Latino-Americana e do Caribe de Pequenos Produtores e Trabalhadores de Comércio Justo (CLAC).
Esses acontecimentos operaram importantes transformações na
morfologia do movimento. Na asserção de Tallontire (2000, n.p), o Comércio Justo deixou de enfatizar unicamente o produtor, passando a
voltar seus esforços para os consumidores, o que redundou em campanhas sobre o consumo consciente. A chamada ―bi-direcionalidade dos
benefícios‖ - isto é, a melhoria das condições de vida dos produtores e os
benefícios do consumidor com produtos de boa qualidade e a consciência
de um consumo responsável - fez aumentar a demanda por artigos de
Comércio Justo, e foi nesse cenário que se firmaram as primeiras parcerias entre o movimento e corporações transnacionais.
Gigantes do varejo, como a Walmart, empresas do ramo da alimentação, como a McDonald's, e redes de supermercados, como a europeia Tesco, iniciaram a venda de produtos de Comércio Justo. Por outro
lado, a Nestlé e outras corporações tiveram suas plantações certificadas
pela Fairtrade (ASTI, 2016, p. 313). A abertura para o mercado corporativo culminou em tensões no interior do movimento, evidenciando as
divisões ideológicas existentes entre a Fairtrade International e sua representante na América Latina e no Caribe, a CLAC, bem como pequenos
produtores organizados e estudiosos latino-americanos, que passaram a
dirigir pesadas críticas à transformação do Comércio Justo em um nicho
de mercado.
Na ponderação de Coscione (2015, p. 20), por exemplo, ―[...] as
empresas trabalham respondendo a um interesse privado, e seu compro-
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misso com o empoderamento e o desenvolvimento da comunidade é
questionável‖. Para Cotera (2007, p. 107), a certificação de grandes plantações e corporações transnacionais ―[...] desvirtua a origem do movimento, já que ele surgiu para favorecer os pequenos produtores marginalizados do sistema de comércio internacional convencional‖. Van der
Hoff, precursor do Comércio Justo na América Latina, é implacável ao
questionar: ―como é possível que uma multinacional como a Nestlé,
causadora de tanta exploração e miséria no campo dos cafeicultores, seja
parte, de repente, da meta de ‗alívio da pobreza‘, presente no Comércio
Justo?‖ (VAN DER HOFF, 2016, p. 187).
Tamanha a clivagem faz com que o próprio conceito de Comércio Justo, a depender do ator que o formula, enfoque, atualmente, interesses distintos. No conceito da WFTO e da FI, o Comércio Justo ―é
uma relação de intercâmbio comercial, baseada no diálogo, na transparência
e no respeito, que busca igualdade no comércio internacional‖ (WFTO;
FLO, 2009, p. 6, grifos nossos). A CLAC, por seu lado, conceitua-o como ―[...] um movimento social global que busca promover padrões produtivos e comerciais responsáveis e sustentáveis, assim como oportunidades
de desenvolvimento para pequenos agricultores(as), campesinos(as), e
artesãos(ãs)‖ (CLAC, 2019, n.p, grifos nossos). A ênfase na ideia de movimento social e modelo de desenvolvimento garantidor de sustentabilidade social, ambiental e econômica prepondera, também, entre autores
como Coscione (2015, p. 15) e Cotera (2007, p. 107).
Ao que parece, o dilema que se estabelece, no âmbito do Comércio Justo, situa-se, então, entre uma orientação social, que preza pelo
―movimento‖ enquanto via transformadora dos valores e instituições
convencionais do mercado, alicerçando-se na ideia de justiça social; e
uma orientação comercial, que, embora considere o Comércio Justo como um meio de melhorar padrões sociais e ambientais, sustenta os valores e instituições do mercado (RAYNOLDS; MURRAY, 2007, p. 224).
Dentro de uma conjuntura na qual as forças do mercado colonizam, com relativa facilidade, as demais esferas do mundo da vida, são,
portanto, muitos os desafios enfrentados pelo Comércio Justo. O desejo
pela expansão, embora represente o aumento da demanda por produtos
dessa natureza e, de forma imediata, o número de produtores beneficiados, coloca em risco os valores originários do movimento e o aproxima,
paradoxalmente, de ideais por ele inicialmente repelidos.
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3.
Considerações Finais
O presente trabalho versou sobre os dilemas enfrentados pelo
Comércio Justo, enquanto movimento social global, diante do ingresso,
em sua cadeia de valor, de forças transnacionais ligadas ao comércio
internacional convencional. Na exposição empreendida, alguns aspectos
ficaram bastante evidentes.
No diálogo com a disciplina das Relações Internacionais, destacou-se a transição da sociedade internacional moderna para a sociedade
internacional contemporânea, a partir da multiplicação de novos e emergentes atores, na segunda metade do século XX. Com a constituição e
atuação favorecidas pelo fenômeno globalizante, esses agentes perseguem
agendas próprias, com autonomia e poder de influência sobre as decisões
tomadas na órbita internacional, motivo porque determinados movimentos sociais podem ser assim qualificados.
Os movimentos sociais, conforme exposto no estudo, caracterizam-se como ações coletivas reativas ao contexto - político, social, cultural, etc. - no qual estão inseridas. O advento das novas tecnologias informacionais e comunicacionais, e a possibilidade de articulação em redes e
na rede, viabilizou a figura dos movimentos sociais globais, atores emergentes das relações internacionais, que atuam em pautas hodiernas e de
relevância transnacional. Entre os movimentos sociais globais existentes,
este estudo dedicou especial atenção ao movimento do Comércio Justo.
Em sentido originário, o Comércio Justo almeja beneficiar e empoderar pequenos produtores de países do hemisfério Sul, alijados do
comércio internacional convencional, por meio da justa remuneração de
seus produtos, comercializados em países do hemisfério Norte. O movimento propõe um novo modelo de desenvolvimento para as comunidades locais, de natureza sustentável, centrado no bem-estar das pessoas e
preocupado com a manutenção de valores éticos e culturais. A crescente
demanda por produtos certificados do Comércio Justo, desencadeada por
tendências contemporâneas de consumo consciente, fez nascer, no entanto, parcerias entre o movimento e corporações transnacionais.
Essa abertura para grupos corporativos, refletida na certificação
conquistada por algumas corporações, provocou significativas rupturas
no interior do Comércio Justo, que, cada vez mais exposto à racionalidade liberal de mercado, corre o risco de ter diluídos os seus valores. Nesse
quadrante, enquanto setores mais institucionalizados, como a Fairtrade
Internacional, passaram a adotar uma orientação mais simpáticas aos
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interesses do mercado, organizações de produtores, com destaque para as
da América Latina, sob a liderança da CLAC, lutam pela manutenção do
sentido originário do Comércio Justo como movimento social.
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O PLURALISMO JURÍDICO COMO
INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO DO MEIO
AMBIENTE E DAS POPULAÇÕES
VULNERÁVEIS: COMUNIDADES
INDÍGENAS
Liéges Schwendler Johann 1
Sadiomar Antonio Dezordi 2
Silvana Terezinha Winckler 3
1.
Introdução
Ao longo dos anos, o contínuo e irresponsável agir humano sobre a natureza gerou severos impactos e escassez de recursos naturais e,
diretamente ou indiretamente, afetou as condições de vida, especialmente, das populações consideradas vulneráveis.
A deterioração ambiental, nos níveis atuais verificados, não pauta
noutra razão senão a ganância, ao modelo eurocêntrico. Muitas
ações político-normativas são repetidas em defesa do meio ambiente, mas pouco ou nenhuma eficácia plena se materializa, mais
retórica.
O conjunto normativo, de ordem interna e internacional, para a
proteção ambiental padece da insuficiência de eficácia social e da distân1
2
3
Mestranda em Direito pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó
(UNOCHAPECÓ). Bolsista pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Direito, Democracia e Participação Cidadã
certificado pela Unochapecó. E-mail: lieges@unochapeco.edu.br.
Mestrando em Direito pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó
(UNOCHAPECÓ). Bolsista do Programa de Bolsas da Unochapecó. Pesquisador do
Grupo de Pesquisa Direito, Democracia e Participação Cidadã certificado pela
Unochapecó. E-mail: sadiomar.dezordi@unochapeco.edu.br.
Doutora em Direito pela Universidade de Barcelona (ESPAÑA). Professora e
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Comunitária
da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ). Líder/pesquisadora dos Grupos de Pesquisa
do CNPq Direito, Democracia e Participação Cidadã, Estudos Históricos do Mundo
Rural
e
Estudos
e
Pesquisas
de
Gênero
Fogueira.
E-mail:
silvanaw@unochapeco.edu.br.
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cia da pluralidade cultural. Ou seja, existe um distanciamento entre o
direito formal vigente e o direito socialmente eficaz.
Essa situação indica a necessidade de novos modelos protetivos
relacionados às questões ambientais. E parece ainda mais contundente ao
se tratar das populações vulneráveis, a exemplo das indígenas, que embora
tenham cultura, valores e costumes diversos, submetem-se à normatividade monista imposta pelo Estado para a superação de seus conflitos,
litígios, etc.
Para Guimarães (2014, p. 157), ―a construção de modelos de desenvolvimento para povos indígenas requer o reconhecimento da sua
autonomia e autodeterminação‖, e não a imposição de um conjugado de
normas, valores e projetos com ideais, em tese, modernizantes de desenvolvimento sustentável e social, geradores de múltiplos impactos ao seu
meio socioambiental, que impõe mais prejuízos do que efetivas resoluções e benefícios.
Decidiu-se enfrentar a problemática do presente trabalho: será
que adoção de um pluralismo jurídico, nos moldes defendidos por Antônio Carlos Wolkmer, pode contribuir para a proteção do meio ambiente e
das populações vulneráveis, mais especificamente aos indígenas?
Atuais desafios de proteção do meio ambiente, focando populações vulneráveis (indígenas) fragilizadas pela exclusão socioambiental,
econômica e política, devem ser contrapostos pelas medidas indicadas
pelo pluralismo jurídico, como instrumento hábil a estabelecer uma realidade mais favorável à proteção ambiental de tais populações.
A metodologia empregada é o método dedutivo, com base em
pesquisa bibliográfica e documental.
2. O pluralismo jurídico e sua capacidade de proteção do meio
ambiente e das populações vulneráveis, mais precisamente das
populações indígenas
Para a compreensão de um pluralismo jurídico, nos padrões estudados por Antônio Carlos Wolkmer, antes importa observar os atuais
desafios à proteção ambiental.
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2.1 OS ATUAIS DESAFIOS PARA A PROTEÇÃO DO MEIO
AMBIENTE
Segundo estabelece o artigo 3°, I, da Lei 6.938/81, o meio ambiente deve ser entendido como ―conjunto de condições, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a
vida em todas as suas formas‖ (BRASIL, 1981).
Para Rodrigues (2016, p. 70) meio ambiente ―corresponde a uma
interação de tudo que, situado nesse espaço, é essencial para a vida com
qualidade em todas as suas formas‖. Logo, tudo que abriga e dá condições a todas as formas de vida.
O meio ambiente é reconhecido como um bem fundamental de
uso comum e essencial à sadia qualidade de vida de todos, e deve ser protegido pelo Poder Público e pela coletividade, com vistas a sua preservação às presentes e futuras gerações, assim determina a Constituição Federal de 1988 (SILVA, 2014, p. 862).
Bem vital para todas as formas de vida na terra, a proteção e defesa do meio ambiente é algo mais que necessário, urgente e exigível da
sociedade e do Estado, este dirigente e fiador do bem estar social. (FIORILLO, 2013, p. 50).
E o cenário a atuar é de que as atividades humanas impactantes
colocaram em risco a função ecológica na biosfera e afetaram a oferta dos
serviços ambientais aos seres vivos, especialmente os que vivem direta e
exclusivamente deste, como os indígenas (FIORILLO, 2013, p. 852).
Dos diversos danos, destacam-se o desmatamento, que aumenta
os efeitos de desastres naturais extremos; a perda da biodiversidade; as
mudanças climáticas, que afetam o estado de saúde de milhões de pessoas, em especial daquelas vulneráveis, pelo aumento da subnutrição, da
frequência de doenças, sopesada alteração da distribuição espacial de
vetores de doenças infecciosas (MACHADO; JURAS, 2015, p. 179).
Dos múltiplos danos do dito desenvolvimento na sociedade industrial (BECK, 2011), subjaz diversas consequências, impactos negativos e
incertezas, enquanto fenômeno socialmente construído de múltiplas vulnerabilidades e riscos na modernização reflexiva (BECK, 2011; GIDDENS,
1991). E o pior, que as adversidades desse processo (socioeconômicas e
ambientais), atingem sobremaneira as populações mais vulneráveis
(CESCO et al, 2017).
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Perda de biodiversidade e habitats, mudança climática e aquecimento global, tornam mais frequentes, intensos e adversos os eventos climáticos extremos sobre as populações mundiais (BECK, 2011; GIDDENS, 1991). Tal indica a Convenção do Clima (UNFCCC), seu corpo
científico de suporte (Painel Intergovernamental de Mudança do ClimaIPCC), as Conferências das Partes (COP) e, temáticas incorporadas na
Política Nacional sobre Mudança do Clima (lei fed. n. 12.187/2009).
(OBERMAIER et al, 2013).
Assim, a proteção ambiental envolve ―a tutela de um meio biótico (todos os seres vivos) e outro abiótico (não vivo), porque é dessa interação, entre as diversas formas de cada meio, que resultam a proteção, o
abrigo e a regência de todas as formas de vida‖ (RODRIGUES, 2016, p.
70).
Ribeiro (2012, p. 1) destaca que as conferências internacionais
demonstram que, via de regra, as múltiplas políticas ambientais têm obtido pífia magnitude prática, ampliando-se em descumprimentos.
Desta situação emerge outro problema, a falta da eficácia social
das normas que formam o direito ambiental, local ou internacional, pois
observado o monismo jurídico, tais regras legais possuem a capacidade
de gerar efeitos, contudo, não atendem as múltiplas e interculturais realidades (AGUILA; LAYDNER; 2016).
Canotilho (1998, p. 35) adverte que o direito ambiental deve antever e materializar ―ações concretas que visam minimizar os impactos
atuais ao meio ambiente, bem como, os atos futuros lesivos a este‖.
Assim, o Estado dirigente deve ―ampliar o disciplinamento legal
sobre a proteção ambiental, bem como seu papel institucional, criando
mecanismos para avaliação dos riscos, visando subsidiar os processos
decisórios, a fim de evitar a ocorrência de danos ambientais‖ (BARROS
et al, 2012, p. 161), além de observar as interculturalidades e o pluralismo
jurídico.
Muitas normas estão distantes da realidade que procuram orientar e normalmente indicam medidas, ações e restrições que não compatibilizam-se com as exigências, necessidades e expectativas ambientais e
sociais. Isso ganha maior relevância quando se fala em ―uma sociedade
composta por comunidades e culturas diversas‖, conforme adverte
Wolkmer (2006, p. 118).
Invariavelmente as soluções para as problemáticas ambientais e
sociais locais poderiam advir dos próprios sujeitos que vivem e convi-
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vem no ambiente, sem que haja essa ingerência externa estatal (normas
legais, ações e programas) que normalmente pouco ou nenhum resultado
efetivo consegue alcançar (AMADO, 2014). Anota-se que os atuais desafios para a proteção do meio ambiente são diversos. Para serem superados necessitam da implementação de medidas diversas das utilizadas.
Neste ponto, insere-se o pluralismo jurídico adiante abordado.
2.2 O CONCEITO E ABRANGÊNCIA EFETIVA DO PLURALISMO JURÍDICO
Segundo Antonio Carlos Wolkmer (2001, p. 46), ―ao se conceber o
Direito como produto da vida humana organizada e como expressão
das relações sociais provenientes de necessidades‖, o que se verifica, em
decorrência do período histórico, é que na modernidade, prevalece o
ordenamento jurídico baseado em princípios monistas. O monismo
jurídico atribui ao Estado Moderno o monopólio exclusivo da produção
das normas jurídicas. Para esta teoria, O Estado é o único agente legitimado
a produzir regras ―para enquadrar as formas de relações sociais que se vão
impondo‖. Porém, o autor menciona que desde o final do século XX este
sistema não comporta as transformações econômicas, políticas e sociais
concebidas a partir da globalização (WOLKMER, 2001, p.37). Neste
pensar exsurge o contexto da realidade das comunidades indígenas, que
originária e culturalmente guardam relação até espiritual com o meio
ambiente, usos tradicionais, muito mais preservacionistas que o exploratório das sociedades não indígenas.
Atualmente, muitas críticas têm sido dirigidas aos instrumentos
usuais de solução dos conflitos que surgem na vida comunitária. Devido
a essa realidade, de acordo com Catusso (2007, p. 121), é preciso ―[...]
repensar sociologicamente novas normas de referência e legitimação para
o jurídico, que ofereçam prioridade às necessidades mais imediatas da
sociedade civil e envolvem um projeto cultural emancipador‖.
Isso conduz ao pluralismo jurídico, que para Wolkmer (2006, p.
119) expressa:
[...] a coexistência de normatividades diferenciadas que define ou não
relações entre si. O pluralismo pode ter como intento, práticas normativas autônomas e autênticas, geradas por diferentes forças sociais ou
manifestações legais plurais e complementares, podendo ou não ser reconhecidas, incorporadas ou controladas pelo Estado.
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Assim, ―as propostas de pluralismo jurídico aparecem nesse contexto, como horizontes de uma nova legalidade, capaz de captar as práticas reais da população, aproximando a produção do direito da sociedade
civil‖ (CATUSSO, 2007, p. 121).
E tanto isso é verdade que o pluralismo jurídico pode ser visto,
segundo Ferrazzo e Lixa (2017, p. 2640), como ―um sistema de direitos
fundado nos sujeitos coletivos e nas suas necessidades humanas fundamentais‖, aliado a ―[...] democratização radical do poder político, ética
concreta da alteridade e construção de processos que permitam o desenvolvimento de uma racionalidade emancipatória‖.
Percebe-se que o sistema plural decorre de uma participação ativa da comunidade no processo de instauração da nova ordem legal. O
que é significativo, porquanto são os próprios atores sociais que participam do desenvolvimento dos instrumentos de solução de seus conflitos e
desordens.
Importante destacar que o pluralismo jurídico defendido por
Wolkmer (2001, p.222) não afasta a existência das manifestações legais
estatais existentes. Caracteriza-se pela coexistência de diversos ordenamentos jurídicos no mesmo espaço geográfico, originárias de agentes
diversos, não necessariamente dos órgãos estatais. Destaca-se que o propósito do pluralismo jurídico não é negar as normas estatais, mas devido
à ―globalidade do direito numa dada sociedade‖, reconhecer que existe
uma pluralidade de instrumentos.
Em resumo, então, o pluralismo jurídico seria ―um fenômeno relacionado à coexistência de práticas jurídicas distintas em um mesmo
espaço, ou seja, à coexistência de manifestações jurídicas estatais ou não,
de ―direito oficial‖ e ―direito não-oficial‖ (CATUSSO, 126).
O que se verifica do pluralismo jurídico defendido por Wolkmer
(2006) é que ele não emerge da costumeira imposição do Estado. Ao contrário, resulta da efetiva participação da comunidade, a qual por conhecer
a sua realidade, os seus valores e as suas premissas, pode melhor indicar
formas e instrumentos de solução de seus conflitos, litígios e demais desarranjos que possam afetar seu cotidiano.
O pluralismo jurídico proposto seria uma ferramenta de origem
democrática. Sendo essa qualidade uma virtude capaz de conduzir esse
conjugado de regras e valores a uma realidade de maior eficácia social,
quando se fala da solução dos conflitos existentes junto aos que participaram efetivamente de sua construção (CATUSSO, 2017).
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Ainda, não se poderia deixar de expor que a aceitação do pluralismo jurídico encontra resistências. Empecilhos relacionados à
justificativa do prejuízo à segurança jurídica e alcançam a ideia de
que valores culturais não podem submeter a legislação ordinária
que emana da autoridade do Estado.
Contudo, não se pode esquecer, como bem observam Percio,
Caovilla e Moschetta (2018, p. 35), que ―o Direito Positivo enfrenta atualmente uma crise em sua capacidade de resposta efetiva às novas e complexas demandas, especialmente pelo fato de que cada sociedade apresenta forma própria de organização e de expressar sua realidade‖. É justamente essa ―forma própria de organização e de expressar sua realidade‖
que revela, em tese, pelo menos, que os sujeitos que se inserem em determinada comunidade têm melhores condições de identificar e reger as
soluções para seus conflitos.
Outrossim, a não aceitação do pluralismo jurídico, significa, de
acordo com Ferrazzo e Lixa (2017, p. 2641), a submissão à ―lógica jurista
monista colonizadora‖. Ao exemplificar essa realidade as autoras fazem
menção à realidade do pluralismo jurídico na Bolívia onde, segundo elas:
[...] o sistema monista de direitos, atendia muito bem às necessidades
do indivíduo liberal, burguês-capitalista do centro, e, em certa medida,
às elites locais, mas afrontava desde a essência a visão de mundo e as
aspirações das comunidades latino-americanas, as quais mantiveram
sua perspectiva coletivista/comunitarista, sua visão própria de liberdade e suas formas próprias de produção e reprodução da vida, em nada
contempladas pela lógica capitalista de produção (FERRAZZO; LIXA, 2017, p. 2641).
Em sendo isso uma realidade, o pluralismo jurídico seria um instrumento de libertação do homem, e ao mesmo tempo de democratização
real das decisões políticas e jurídicas junto às comunidades (WOLKMER, 2006). Resta agora verificar as peculiaridades afetas às populações
indígenas que se inserem em tal contexto de vulnerabilidade e proteção.
POPULAÇÕES INDÍGENAS: VULNERABILIDADE FACE
AOS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAL, POLÍTICO E ECONÔMICO NO BRASIL
Sobre o atual estado brasileiro viviam, à época da chegada dos
europeus à América, milhões de indivíduos indígenas, divididos em milhares de grupos étnicos. A maioria foi dizimada por doenças relacionadas ao contato com o europeu, pela escravização, genocídios por disputas
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territoriais e resistências diante do avanço do colonizador em seus territórios tradicionais. (MACHADO et al, 2018, p. 26).
Conforme o Censo de 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), a população indígena brasileira conta
com cerca de 817.963 pessoas, sendo que 502.783 (61,4%) reside nas
zonas rurais e 315.180 (39,6%) nas zonas urbanas. São 305 etnias, falam
274 línguas indígenas. Além de alguns grupos isolados (sem contato com
―brancos‖) na Amazônia, cerca de (45%) da população indígena está
distribuída pelo restante do território brasileiro (MACHADO et al, 2018,
p. 26).
A realidade social brasileira apresenta populações vulneráveis
excluídas socioambiental, econômica e politicamente. O Estado, que
deveria ser Democrático de Direito, aos princípios basilares da cidadania e
soberania popular, do pluralismo de expressão e organização política, não
se faz participativo, pluralista de ideias, culturas e etnias, submete os vulneráveis (como os indígenas) aos interesses dominantes. (SILVA, 2014, p.
121).
A diversidade sociocultural indígena não é plenamente considerada na legislação pátria. Possui perspectiva patrimonial, oligárquica
agrária e industrial capitalista, ou seja, eurocentrista de proteção à propriedade. O próprio direito advindo da Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948, possui aplicação controversa, originando incongruências e incompreensões, fortemente baseado no antropocentrismo (FURTADO; COSTA, 2013, p. 663, 670-671).
No sul do Brasil ainda vivem dois grandes grupos, os ―Guarani,
do tronco Tupi e os Kaingang, do tronco Jê‖. O norte do Rio Grande do
Sul e oeste Santa Catarina reúne mais de 30 mil indígenas, que vivem
aldeados em áreas restritasà sua cultura, costume, tradições e origem. Seu
trabalho, que era dividido em tarefas de caça e coleta de alimentos, foi
obrigado a migrar à agricultura, pela perda de área, inserindo- se nos
índios o conceito do lucro pela venda de erva-mate, e aquisição de
roupas, utensílios e ferramentas, bem como para garantir sua sobrevivência (MACHADO et al, 2018, p. 27-34).
Especificamente no oeste de Santa Catarina, resgate historiográfico e antropológico indicou 19 (dezenove) aldeias, com aproximadamente 7000 (sete mil) indivíduos das etnias Guarani, kaingang, Xocleng, em
cinco municípios (Chapecó, Abelardo Luz, Seara, Ipuaçú e Entre Rios).
(FURTADO; COSTA, 2013, p. 680).
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Relativo à instituição e, também, à aplicação do Direito Ambiental
pela estrutura jurídica monista, esta desconsidera as peculiaridades culturais do povo indígena, igualmente em relação à ―interdependência‖ e
―simbiose‖ mantida com a natureza, muito diferente da relação econômica das comunidades não indígenas. (FURTADO; COSTA, 2013, p.
675).
Logo, o arcabouço jurídico brasileiro de orientação positivista
eurocêntrica, deve ir além na ―sua aplicabilidade aos povos indígenas,
visto seus direitos difusos e coletivos diferentes entre si e em relação aos
direitos difusos e coletivos da sociedade dita ―branca‖‖, observando-se a
diversidade societária brasileira (FURTADO; COSTA, 2013, pp. 677678).
Toda essa realidade revela que as populações vulneráveis, como as
indígenas, sofrem com a exclusão social e política, a qual ganha maior
força ainda quando as ações estatais, sejam elas jurídicas, sociais ou outras, não levam em consideração os valores, costumes e premissas que
sustentam o cotidiano dessas pessoas, que no fundo nada mais precisam
que se libertar da ordem colonizadora que ainda impera quando se trata
das ações, em tese, dirigidas ao seu bem estar e desenvolvimento.
O PLURALISMO JURÍDICO COMO INSTRUMENTO EM
PROL DA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE E DE POPULAÇÕES VULNERÁVEIS - ÊNFASE ÀS COMUNIDADES
INDÍGENAS
Conforme anteriormente verificado, o pluralismo jurídico abrange uma realidade onde há coexistência de práticas jurídicas distintas em
um mesmo espaço. Ou seja, existem manifestações jurídicas estatais ou
não, de ―direito oficial‖ e ―direito não-oficial‖ (CATUSSO, 126). Embora pareça contraditória essa realidade, existem países que já revelam um
avanço desse contexto, caso da Bolívia, onde a jurisdição indígena já
ocupa espaço.
Ferrazzo e Lixa (2017, 2630) ao falar sobre o assunto lembram
que a ―[...] constitucionalização da jurisdição indígena originário campesina‖, vem exigindo e impondo ―práticas inovadoras no exercício da
jurisdição constitucional. Isto pode ser observado na adoção de novos
métodos hermenêuticos, como a ―interpretação plural‖, que busca efetivar o pluralismo jurídico no país‖.
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Contudo, para que o pluralismo jurídico ganhe efetividade é imprescindível que os ―atores que integram os serviços e espaços institucionais assumam convicções descoloniais, reconheçam a originalidade, valor e contribuições que a sabedoria pré- colonial pode dar à construção de
uma sociedade democrática, justa e plural‖ (FERRAZZO; LIXA, 2017,
p. 2652).
Levada essa realidade para o campo ambiental e de existência
dos povos indígenas do Brasil, o pluralismo jurídico pode, a princípio,
contribuir para maior eficácia da ideia de preservação do meio ambiente.
Consequentemente pode ocorrer melhora dos níveis sociais dessa população vulnerável que sofre com as ingerências colonizadoras.
Segundo Guimarães (2014, p. 158) a ―concretização de um constitucionalismo multicultural, na questão indígena no Brasil, implica a revisão das relações atuais entre Estado e povos indígenas, no sentido de que
esses sejam dotados de melhores condições para desenvolverem suas
próprias versões de conservação ambiental nos seus territórios‖.
Porém, o que se observa é que:
[...] a invisibilidade à qual, historicamente, as populações indígenas
vêm sendo submetidas pelo Estado brasileiro, tem resultado em processos de exclusão, de violência e de discriminação que são verificados,
dentre outros, em tomadas de decisão sobre a formulação, a liberação e
o financiamento de projetos, obras, atividades e empreendimentos causadores de profundos impactos sociais e ambientais que não incluem,
efetivamente, o viés étnico. Isso ocorre, em grande medida, sem a participação que as comunidades indígenas poderiam ter como protagonistas de erros e acertos, se os mecanismos de consulta e de audiências
públicas atendessem aos direitos reconhecidos pela Constituição Federal de 1988 e por normas internacionais ratificadas pelo Brasil (GUIMARÃES, 2014, p. 158).
Assim, percebe-se que ―diante da complexidade dos interesses
sociais, a resolução dos conflitos ambientais requer uma condução compartilhada no processo de gestão‖ (BARROS et al, 2012, p. 160), sendo
que essa realidade pode ganhar espaço com a criação e aceitação de que
os atores sociais mais próximos das celeumas ambientais podem melhor
indicar propostas e caminhos a serem seguidos para que a preservação do
meio ambiente seja mais eficaz.
Inclusive, poderá ocorrer conflito em fato vedado por lei e permitido na cultura indígena (que pode compor ritual, costume etc.). Exemplos são a coleta, pesca ou caça de produto ou subproduto limitado pelo
patrimônio genético, conforme lei do bioma mata atlântica (lei fed. n.
11.428/2006), que por óbvio não chegou a tal status por hábitos e costu-
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mes indígenas, mas decorrente da exploração predatória de populações
não indígenas. (BRASIL, 2006).
Assim, pode-se afirmar que o pluralismo jurídico pode tornar-se
instrumento hábil a estabelecer uma realidade mais favorável à proteção
do meio ambiente e consequentemente das populações vulneráveis, caso
das indígenas que historicamente são ignoradas no processo de construção de sua realidade social.
Percebe-se das ações a interação e o objetivo de permitir a compreensão individual e coletiva no processo de reconhecimento, da individualidade e universalidade do ser humano, como cidadão crítico dentro
do processo social, histórico, cultural, igualmente da proteção ambiental.
A educação ambiental se apresenta também como ferramenta que permite ―o senso de identidade e pertencimento a uma espécie‖. A conscientização, ocorre entre o ―eu‖ e o ―outro‖ pela prática social reflexiva e, ―A
ação conscientizadora é mútua, envolve capacidade crítica diálogo, assimilação de diferentes saberes, e a transformação ativa da realidade e das
condições de vida‖ (LOUREIRO, 2009 p. 29).
Considerações Finais
Ponderado sobre os principais problemas ambientais da atualidade, frutos da sociedade industrial, ofertando-se seus danos, riscos e incertezas na modernização reflexiva (BECK, 2011), a todos, em especial e sobretudo impactantes às populações mais vulneráveis, compreende-se que são
imensos e complexos os desafios à efetividade da proteção do meio ambiente.
Igualmente, a coletividade e o Estado, este em especial enquanto
dirigente do munus público, deve efetivar além do monopólio e monismo
jurídico, a possibilidade de atuação e alcance do pluralismo jurídico protetivo ambiental, compreendendo aí a multi e interculturalidade acolhedora das populações vulneráveis (especial aos povos indígenas).
Tal é necessário e efetivo, visto que a aplicação do pluralismo jurídico, referenciado por Antônio Carlos Wolkmer, facilita a proteção do
meio ambiente, com consequências sociais benéficas às populações vulneráveis, aceitando e difundindo o uso de seus costumes, valores e técnicas protetivas ao ambiente e os povos indígenas.
A segurança desta conclusão decorre ainda do fato do pluralismo
jurídico, além de abrir espaço para a proteção da cultura e dos povos
indígenas ao contrário da teoria monista jurídica, tende a ser mais eficaz
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justamente pelo compromisso que desde longa data existe desses povos
em prol da manutenção, preservação e defesa de seus recursos naturais,
que também os detém como direito fundamental de vida, dignidade,
cidadania, tão enaltecidos na instituição de um Estado Democrático de
Direito, sem preconceitos, pluralista, fraterno e harmônico social.
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PRÁTICA EDUCATIVA NAS ESCOLAS DO
CAMPO DE ABELARDO LUZ :
O BARRACO DE LONA COMO
INSTRUMENTO PEDAGÓGICO
Francieli Fabris1
Florentino Camargo2
Adriana Almeida Veiga3
1.
Introdução
O presente trabalho visa abordar as questões relacionadas as prática pedagógicas do campo, visto que tal experiência refere-se às escolas
do campo do município de Abelardo Luz, esses espaços educativos são
oriundos da luta de um movimento social, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Movimento esse que tem nos seus princípios o
respeito aos saberes diversos, a coletividade a valorização do camponês.
Nesse sentido, as escolas 25 de Maio, José Maria, Paulo Freire e Semente
da Conquista, fazendo parte de um planejamento maior, que compõem a
Brigada 25 de Maio4. Tal atividade vem sendo desenvolvida nas escolas
desde 2012 com o objetivo de trazer para a escola a memória da luta e
constituição daquele espaço. Existe um esforço nas escolas para que tal
atividade articule toda a escola, organizando as tarefas por dia e áreas
temáticas, tal organização se explicita nas escolas estaduais. Nas escolas
1
2
3
4
Doutoranda em Educação na UFPR.Linha de pesquisa Diversidade, Diferença,
Desigualdade na Educação. Mestre em Educação- Unochapecó. Docente na rede
municipal de Abelardo Luz na Escola do Campo 25 de Maio. Contato:
francielifabris01@gmail.com
Mestrando em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Linha de pesquisa:
Diversidade, Diferença e Desigualdade na Educação. Educador na escola do campo
José Maria. E-mail: camargofl2000@yahoo.com.br.
Doutoranda em Educação pela UFPR. Mestre em Educação pela Universidade TuitíUTP. E-mail:adrianaalmeidaveiga@gmail.com.
Coletivo de militantes que fazem parte do MST, e pensam coletivamente ações a
serem desenvolvidas. A Brigada 25 de Maio leva nomenclatura, por estar localizada
nas regiões de assentamentos da comunidade 25 de Maio.
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municipais as atividades ficam mais sob a responsabilidade dos professores, geralmente os que se identificam com a luta e tem identidade com a
história. Buscamos organizar o trabalho em: a) Uma Breve da luta pela
terra, é fundamental no currículo das escolas do campo. Para além contextualização dos assentamentos de Abelardo Luz. b) O currículo a as
práticas pedagógicas no processo de formação dos sujeitos. d) O barraco
de lona como ferramenta pedagógica.
Em síntese, podemos dizer que o desenvolvimento prático que
vivenciam a história precisa estar articulado com os conteúdos a serem
estudados no decorrer do ano, pois a educação popular, tem na essência a
valorização dos saberes dos povos, e a construção coletiva dos processos
educativos.
1. Uma Breve contextualização dos assentamentos de Abelardo Luz
O município de Abelardo Luz, localizado no oeste de Santa Catarina, é considerado de acordo com FABRIS (2017) um dos municípios
do Brasil com maior números de famílias assentadas, e o maior do estado, com aproximadamente 1.500 famílias, distribuídas em 23 assentamentos.
A luta pela terra no município aconteceu no dia 25 de Maio de
1985, onde aproximadamente 2000 famílias, chegaram para ocupar o
latifúndio improdutivo, fazenda Papuã e Sandra, e alimentar o sonho de
muitos trabalhadores em possuir um espaço de terra, para poder tirar sua
alimentação e fonte de renda. Ao tentar entrar no território da fazenda,
os capatazes colocaram fogo na ponte de madeira, que dava acesso às
terras, na tentativa de impedir a entrada das famílias. Naquele momento,
bravas mulheres tomaram a frente e controlando o fogo, possibilitaram a
travessia do povo. Sendo que logo em seguida os barracos de lona começam a ser construídos. Junto com a luta pela terra, a necessidade das
crianças estudarem, faz com que se construam as escolas itinerantes no
acampamento. Com o passar do tempo os novos assentamentos vão surgindo e a demanda por escolas nos espaços dos assentamentos vão aumentando. Muitas lutas se deram até chegar a constituição das quatros
escolas que mencionamos neste trabalho, e por esse motivo, consideramos esses espaços como de resistência, do qual tem em sua criação, a
essência da luta e da força do camponês.
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2. O currículo a as práticas pedagógicas no processo de formação dos sujeitos
Diante de todo o já sistematizado neste trabalho, passamos a partir de agora a tratar especificamente desta atividade que consideramos de
suma importância para as escolas e a educação nos assentamentos de
Abelardo Luz.
Barracos são uma marca do movimento camponês, MST, mais
que uma marca é o seu espaço de moradia nos tempos de acampamentos.
Imagina só, uma armação de madeiras, com requintes de arte e poesia
das mãos calejadas de trabalhadores rurais. A arte e a poesia se fazem
materialidades diante das obras construídas.
Nesta luta dos camponeses Sem Terra se pensa a educação escolar, e não só escolar, como algo que caminha na contramão do pensamento hegemônico da sociedade, como bem ressalta Mészáros (2005) no
capitalismo,
A educação...tornou-se um instrumento daqueles estigmas da sociedade capitalista: fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à maquinaria produtiva em expansão do sistema capitalista, mas também
gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes. (MÉSZÁROS, 2005, p. 15).
Enfatizamos que os camponeses organizados fazem sua história
não por meio do que é o pensamento hegemônico da sociedade, mas
recriam o pensamento a partir da sua realidade, do seu meio de vida, por
meio das lutas de resistência que fazem no dia a dia.
Os barracos, são uma síntese de muitas das suas ações organizadas. Imagina o leitor, como ser admissível viver em uma sociedade que se
diz democrática, onde o estado tem a responsabilidade de assegurar a
dignidade aos cidadãos e a omissão desse estado, obrigar as pessoas a ter
que armar um plástico sob uma armação de madeiras ou taquaras e ali
passar a ser os lares dessas pessoas, que deveriam ser asseguradas na sua
dignidade. Pois é destes trabalhadores e de suas ações que estamos falando.
Se o Estado não fosse burguês e não estivesse sob os interesses do
mercado capitalista, possivelmente os desgarrados da terra não necessitariam passar por condições sub-humanas.
Esta luta desencadeada pelos trabalhadores é considerada subversão pelo estado. Os trabalhadores passam a ser vistos como quem não
contribuem para os avanços na sociedade, uma vez que ocupam a terra e
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ali produzem seus alimentos, sua vida, sua escola. Mas como ajudar de
outra forma se não lhes são assegurados seus direitos? o estado por sua
concepção burguesa afastou os pobres da vida em sociedade, lhes negou
um direito fundamental que é o trabalho, que por consequência lhes garante a vida. Assim, os trabalhadores se unem para conseguir sobreviver,
e aquele que teria que lhe assegurar as políticas públicas mínimas, ataca
as pessoas que se organizam. Muito contraditório. Por conta disso e outras relevantes questões, é que elencamos o barraco de lona preta como
uma ferramenta pedagógica na vida do povo camponês e das crianças da
escolas dos Assentamentos de Abelardo Luz.
A prática da construção do barraco acontece há muitos anos, no
período do mês de maio, sempre na semana que antecede o aniversário
de chegada dos Sem Terra na terra prometida. Como já mencionamos no
texto, a data de 25 de maio de 1985. Esta data é quando comemoramos a
chegada das famílias na ocupação, por isso, neste período com muita
evidência, o barraco expressa parte da cultura dos assentamentos e das
escolas.
2.1 O planejamento das atividades
Ao aproximar esta data que é marcante para as famílias assentadas, acontece todo um movimento de reorganização nos assentamentos e
de expectativa do que vai acontecer para relembrar os tempos que se
edificaram por meio da luta nos acampamentos.
É praxe das famílias organizarem diversas atividades nos Assentamentos e na sede do município, como feiras de agroecologia, com produtos produzidos nos assentamentos, jantar com produtos coloniais aberto para a comunidade, momentos culturais, rodas de conversa. Em alguns momentos já foi organizado feira de alimentação na praça da cidade, o dia todo com diversas atividades de estudos, de diálogos, de cantorias, de distribuição de alimentos gratuitos aos visitantes, partilha da
culinária preparada durante o dia de atividades.
Outra atividade que é cultural das famílias é sempre na data de
25 de Maio a realização de uma grande festa comemorativa aberta a toda
comunidade. Essa recebe sempre pessoas de todo o munícipio e do estado de Estado de Santa Catarina, por ser um marco histórico na luta da
reforma agrária no sul do Brasil.
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2.2 O Planejamento das atividades nas Escolas
Ao se aproximar o grande acontecimento, as escolas dos assentamentos iniciam seu processo de organização e planejamento que respeita um planejamento maior onde contempla o pensado pelas famílias.
Para o bem da verdade, este planejamento das Escolas acontece em conjunto com o coletivo da brigada.
Há momentos em que nem todas as Escolas se envolvem com
afinco, uma vez que também depende do pensamento da gestão em cada
período. Consideramos uma situação adversa que aconteça essas questões em um espaço de conquista da terra e de tudo que já se construiu
neste território. Por outro lado, compreendemos os menores esforços
empregados no desenvolvimento do planejamento e das práticas, afinal,
vivemos em uma sociedade que a livre manifestação do pensamento
existe, e que bom que existe, aí é possível o debate de ideias e de conceitos.
As escolas de Ensino Médio (Paulo Freire e Semente da Conquista) dos Assentamentos, sempre participaram com muito comprometimento das atividades como muito esmero. Assim como em vários momentos, a depender da conjuntura política que se vive no Município, as
Escolas municipais também empregaram muito esforço para a realização
das diversas atividades, desde o seu planejamento, até execução e encerramento.
As escolas municipais têm um agravante que é a questão política
partidária local. É uma disputa que não constrói no campo do conhecimento científico escolar e da comunidade, porque é de defesa de interesses muito particulares no campo do poder político de algumas figuras, no
campo econômico particular, enfim, acaba que não contribui para o cultivo da identidade dos munícipes, menos ainda daqueles que lutaram
para obter as conquistas, em prol das quais se cultiva a memória e a capacidade de luta dos trabalhadores. Nessa linha de pensamento, destacamos que a limitação do desenvolvimento de tais atividades, priva um
processo de educação, que consideramos popular, pois está pautada na
participação dos sujeitos da comunidade, na valorização do povo como
diante da sua organicidade e de suas experiências de vida, saberes e vivências. Nesse sentido, Paludo apresenta elementos para o debate.
A educação popular, em sua origem, indica a necessidade de reconhecer o movimento do povo em busca de direitos como formador, e
também voltar a reconhecer que a vivencia organizativa e de luta é for-
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madora. Para a educação popular, o trabalho educativo, tanto nas escolas
quanto nos espaços não formais, visa formar sujeitos que interfiram para
transformar a realidade. Ela se constitui ao mesmo tempo, como uma
ação cultural, um movimento de educação popular e uma teoria de educação. (PALUDO, 2012, p.284)
A construção do barraco é uma atividade coletiva que envolve os
professores, os estudantes das escolas e pessoas das comunidades. De
acordo com as autoras:
A Educação Popular, na compreensão dos movimentos sociais, reconhece que todos os espaços são educativos, as atividades diárias tornam-se ferramentas pedagógicas que podem contribuir na formação
dos sujeitos e na compreensão que os mesmos têm sobre as questões
do trabalho e da educação numa perspectiva libertadora, mas não só.
(VIEIRA; FABRIS, 2018, p. 185)
Partindo e concordando da afirmação das autoras acima citadas
reforçamos a relevância das atividades desenvolvida nas escolas do campo, pois compreendemos que educação se fazem em todos os espaços,
bem como as atividades desenvolvidas são instrumentos pedagógicos
para a formação do sujeito na sua integralidade.
3.
O barraco de lona como instrumento pedagógico
Passado todo o processo de planejamento e execução de diversas
atividades pedagógicas nas escolas, estudos, discussões, seminários, debates, é chegado o grande momento de reviver no barraco tudo o que se
viveu nos tempos de acampamentos. Isso acontece durante uma ou mais
semanas, conforme a organização das turmas nas escolas e seus períodos
de visitas no barraco.
Mészáros (2005) em Educação para Além do Capital diz que iniciativas como estas que acontecem para além da sala de aula são de
grande importância.
Transformar essas ideias e princípios em práticas concretas é uma tarefa a exigir ações que vão muito além dos espaços das salas de aula, dos
gabinetes e dos fóruns acadêmicos. Que a educação não pode ser encerrada no terreno estrito da pedagogia, mas tem de sair às ruas, para
os espaços públicos, e se abrir para o mundo. (MÉSZÁROS, 2005, p.
09/10)
É concordando com o autor, que pensamos estar fazendo aquilo
que rompe com os dogmas de um pensamento educacional restrito a sala
de aula. Reconhecemos este espaço (sala de aula) como mais um dos
muitos a serem ocupados, mas não o único, e para além da ocupação do
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espaço, o que de fato se faz neste espaço. Por estas e outras questões da
nossa prática docente é que temos certeza de estarmos no caminho correto na perspectiva da formação para a emancipação humana.
O dia no ‗acampamento‘ ou no barraco é recheado de atividades
pedagógicas que reavivam a luta das famílias desde a chegada nos acampamentos, até o momento presente. As recordações da história acontecem por momentos de contação de causos pelas pessoas que viveram a
história desde o início. As crianças ficam deslumbradas. Imaginamos as
imagens que criam durante a contação. Esses historiadores passam os
dias realizando essas atividades, com rodízio de pessoas para tal. A tarefa
desses contadores é solidificar com a experiência prática, aquilo que já se
estudou na sala de aula e acrescentar muito do que escapou daquele momento mais formal. Todos esses processos são educativos, de cultivo e
firmeza da identidade.
A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às
questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e
saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país. (Resolução CNE/CEB n° 1, de 3 de abril de 2002).
Muita música toma conta do espaço, a alegria de comemorar as
vitórias. Nesse ano de 2019 uma manhã cultural no barraco foi regada de
muita música, poesia, contação de causos e transmitido ao vivo para a
Rádio da Comunidade, Terra Livre, por meio da qual, as pessoas que não
conseguiram estar in loco, tinham a condição de acompanhar por meio
do rádio o que estava sendo desenvolvido naquele dia de atividades.
Em outros momentos, os estudantes, trazem de casa as histórias
contadas por seus familiares e amigos sobre os tempos de acampamentos,
de sofrimento, de enfrentamentos para as conquistas. Esse momento de
reconstrução da história pelos estudantes é muito rico. Eles reconstroem
a história com base em elementos da realidade vivenciados pelos mais
antigos da luta. As crianças constroem narrativas que lhes proporcionam
dar continuidade a história de luta dos trabalhadores desses territórios e
cultivar a identidade. De acordo com Moreira e Candau (2008) currículo
é um conjunto de esforços pedagógicos desenvolvidos com intenções
educativas. E nesse sentido, diríamos que as atividades desenvolvidas no
barraco, são exemplos de um currículo, articulado com a realidade da
comunidade e da história da escola. A intencionalidade educativa dessa
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atividade cumpre seu objetivo, pelas expressões dos estudantes e da comunidade envolvida que se envolve no processo.
A culinária dos tempos de pobreza extrema não podem faltar. A
ênfase na pobreza é para demarcar um tempo, um espaço e uma condição realmente vivida, mas que as famílias buscavam de todas as formas
ter o básico na mesa. Mesas que eram também obras de arte. A culinária
reunia e reúne nas comemorações o pinhão, batata-doce, revirado de
feijão com farinha (naquela época de acampamentos era raridade um
tempero para tal), muito wefler, bolinho frito, pão de broa colocado em
uma panela e assado na brasa, café, torresmo, bolo doce, salame, chás,
entre muitas guloseimas que são frutos das conquistas. Vale muito registrar que nos tempos de acampamentos dificilmente havia a variedade de
alimentos aqui descritos, o caso é que foram sendo construídas as condições para atualmente fazer a partilha de uma grande quantidade de alimentos.
Nos acampamentos uma atividade muito realizada pelas crianças
são as brincadeiras que elas herdaram ou construíram nessa coletividade,
então, nesse momento de religião, que do grego significa re-ligar a história, caímos nas mais diversas brincadeiras com a criançada, fugindo mais
uma vez de um padrão estático de brinquedos e brincadeiras condicionadas por um pensamento que tem no mercado e no lucro as suas sugestões.
A escola pode desenvolver atividades especificas que permitam estabelecer a relação entre a memória e história, que ajudem a compreender
a nossa vida própria como parte da história e a ver cada ação ou situação numa perspectiva histórica, quer dizer em um movimento entre
passado, presente e futuro, em suas relações com outras ações, situações, totalidade. (CALDART et al, 2015, p.130)
A práticas realizada nas escolas, como resgate de um processo
que foi fundamental para a existência dos assentamentos e das escolas, é
trazida nesse trabalho para fundamentar nossa discussão sobre as práticas
pedagógicas e o currículo. Uma vez que, os mesmos são um instrumento
importante para a realização de práticas que comtemplem os princípios
da educação do campo. Nesse sentido, Caldart et al (2012, p. 258) afirma
que:
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Mas quando se discutir a Educação do Campo, se estará tratando da
educação que se volta ao conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras
do campo, camponeses, quilombolas, indígenas, assalariados vinculados ao meio rural. Com essa preocupação, há também uma preocupação especial com o resgate do conceito camponês. Um conceito histórico e político [...].
Corroboramos com a autora, e enfatizamos que essas práticas revivem um processo que foi construído por trabalhadores e trabalhadoras
camponesas, que almejavam um pedaço de terra para produção de alimentos e fonte de renda. Essa luta e resistência que está presente na vida
dos povos do campo, precisa estar também no cotiano das escolas, explicitadas nos currículos, de maneira que não sejam atividades esporádicas
em comemoração a uma data, mas que seja eixo gerador de um currículo, que evidencie e considere as questões camponesas, de respeito a vida,
alimentação saudável, que considere os saberes e valores camponeses.
É a partir dessa materialidade que podemos compreender a origem e a
trajetória da Educação do Campo. A resistência dos camponeses (as),
principalmente através de ocupações de terras, que é um desdobramento desta conflitualidade, tem promovido não só a transformação de
frações do território do latifúndio em território camponês, mas também
trouxe a demanda por e o sentido da educação dos sujeitos do campo.
Sendo historicamente excluídos não só do acesso à escolarização, mas,
acima de tudo, como produtores de conhecimento legítimos a serem
aprendidos e ensinados nos currículos escolares, os camponeses(as) entram em cena para afirmar a necessidade de políticas públicas que garantam o direito à educação, e o reconhecimento de um saber social,
de uma pedagogia produzida na materialidade de seu trabalho e de suas lutas sociais. É nesse protagonismo dos movimentos sociais, notadamente os de luta pela Reforma agrária e, em específico o Movimento
dos trabalhadores Rurais sem Terra, que caracteriza a trajetória da
construção da Educação do Campo. (SCHWENDLER, 2015, p. 1516)
A educação do campo nasce na materialidade das famílias
acampadas em ter escolas para as crianças do acampamento. Anterior a
isso, nas comunidades camponesas já existia práticas educativas baseadas
em uma concepção rural de educação, pautada na necessidade de formação de mão de obra para o mercado de trabalho. O protagonismo dos
sujeitos camponeses na construção das políticas de educação do campo,
legítima a necessidades de tais saberes populares estarem presentes nos
currículos escolares das escolas do campo.
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Algumas considerações
A guisa das considerações finais, apontamos nesse artigo que
apresentava como finalidade de dialogar sobre a experiência pedagógica
desenvolvida nas Escolas do Campo de Abelardo Luz, denominada:
práticas educativas nas escolas do campo de Abelardo Luz: o barraco de
lona como ferramenta pedagógica, apontamos elementos que nos colocam a pensar sobre as práticas realizadas nas escolas. Destacamos a importância de realizar atividades que mantenham a memória da história da
luta pela terra, e que posterior se deu também pela educação.
O fato das escolas municipais estar mais próximas de questões
políticas partidárias, faz com que tenhamos limites no desenvolvimento
dessas atividades, que geralmente são aderidas pelos educadores que
possuem maior pertença pela luta e comprometimento com a identidade
campesina, bem como maior compreensão sobre os princípios de educação do campo. Também a falta de um planejamento coletivo, dificulta a
articulação das escolas municipais para a realização dessas e outras atividades.
A organicidade das escolas estaduais, facilita o desenvolvimento
de uma proposta de atividade, que articule todos a áreas temáticas, pois o
planejamento coletivo é fundamental nesse processo da educação do
campo.
Consideramos que, nas escolas do campo, o planejamento deve
ser articulado a partir de temáticas voltadas as questões do campo, e essas
precisam estar legalmente garantidas nas propostas curriculares e nos
projetos políticos pedagógicos, para que não torne-se simplesmente atividades pontuais.
Não temos condições e nem a pretensão de esgotar aqui a temática, da qual nos desafiamos a escrever, mas acreditamos ser importante
tal registro, para socializar com os leitores nossa experiência de educadores do campo e militante de um movimento social.
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Círculo de Diálogos 10
Democracia e Direitos na América
Latina: crises, consolidação e
lutas sociais por direitos
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O FORTALECIMENTO DAS COMPETÊNCIAS
DA UNIÃO POR MEIO DO CONTROLE
CONCENTRADO DE
CONSTITUCIONALIDADE
Júlio Eduardo Damasceno Medina 1
Samuel Mânica Radaelli 2
Círculo de Diálogo 10: “Democracia e Direitos na América
Latina: crises, consolidação e lutas sociais por direitos”.
1. Introdução
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem um espaço cativo e é
protagonista na pauta política contemporânea, cada um de seus julgados
sobre controvérsias constitucionais causa, diariamente, histeria nos noticiários de maior circulação nacional. Do ponto de vista jurídicoconstitucional não poderia ser diferente, tendo em vista que esta Corte foi
uma aposta da Carta de 1988.
O protagonismo do STF muito se deve ao déficit de representatividade e sentimento de isolamento do povo3, porém não é somente isso.
O próprio arranjo institucional brasileiro formou uma espécie de ―supremocracia‖, uma vez que o STF não exerce somente a função de Tribunal
Constitucional Brasileiro, ele é também o órgão de cúpula do Poder Judi1
2
3
Graduado em Direito pelo Instituto Federal do Paraná (IFPR), Campus Palmas/PR.
Membro e fundador do Grupo de Pesquisas ―Hermenêutica e Jurisdição
Constitucional‖.
Advogado
inscrito
na
OAB/SC.
Contato:
damascenomedina@gmail.com.
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Mestre em
Direito Público pela Universidade do Val do Rio dos Sinos (UNISINOS). Professor
Titular de Ciência Política, Filosofia e Sociologia do Direito do Instituto Federal do
Paraná (IFPR), Campus Palmas/PR. Contato: samuel.radaelli@ifpr.edu.br.
Luís Roberto Barroso chama esse fenômeno de caráter representativo do Poder
Judiciário, que acontece quando a Corte concretiza compromissos da Lei
Fundamental e satisfazer as necessidades populares ora não satisfeitas pelas
instituições diretamente eleitas. Vide: BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito
constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo
modelo. 4ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013. p. 446.
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ciário e atua como foro especializado, não obstante teve suas competências amplamente alargadas pelas Emendas à Constituição n. 3/93 e n.
45/05 e pelas leis n. 9.868/99 e n. 9.882/99 (VIEIRA, 2008, p. 444).
Conforme acima explanado, o STF exerce a primordial função
de órgão de cúpula do Poder Judiciário, a qual, dentro de uma federação,
é confiada ao órgão responsável por julgar o conflito dos estados federados.
Investiga-se, na presente obra, se na empreitada de julgar a constitucionalidade de leis e ―guardar‖ a Constituição, o Supremo ou o próprio instituto de revisão judicial da legislação fazem com que se instaure
um processo de centralização federativa, isto é, de fortalecimento das
competências da união em detrimento das competências dos estados.
2
A Federação e a Repartição de Competências
Conforme bem observado por Paulo G. G. Branco, a origem do
federalismo remete aos Estados Unidos da América, após a revolução
americana de 1776, com objetivo de ter um governo eficiente em uma
vasta extensão territorial (MENDES; BRANCO, 2018, p. 879).
Desde os ideais iniciais do federalismo, até nas noções e práticas
contemporâneas, são naturais os conceitos de soberania e autonomia. A
soberania é compreendida ―como poder de autodeterminação plena, não
condicionado a nenhum outro poder, externo ou interno‖ (MENDES;
BRANCO, 2018, p. 880), enquanto a autonomia é ―a capacidade de desenvolver atividades dentro dos limites previamente circunscritos pelo
ente soberano‖ (FERNANDES, 2018, p. 934).
Nesse sentido, os juristas, em esmagadora maioria4, entendem
que no federalismo brasileiro, por força da norma prevista no caput do
art. 18 da CF/88, o único ente soberano é a República Federativa do
Brasil. Nada obstante, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são entes que ostentam somente de autonomia.
Consigne-se que a maioria citada não representa unanimidade,
eis que o constitucionalista Pinto Ferreira, assevera que a União é soberana e não autônoma, posicionando os Estados em situação de autonomia, porém com dependência ao poder soberano (FERREIRA, 1989, p.
4
A autora Fernanda Dias Menezes de Almeida lembra que alguns desses nomes são:
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet
Branco, André Ramos Tavares, Celso Ribeiro Bastos (ALMEIDA, 2018, p. 767 in
CANOTILHO;MENDES;SARLET;STRECK, 2018).
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374). De toda sorte, não cabe nesse momento delongas acerca dessa discussão, a qual merece outro momento oportuno.
Ao menos outras 5 características são consideradas como básicas
para um Estado Federal, quais sejam:
a) A existência de uma Constituição Federal;
b) Repartição de competências prevista constitucionalmente;
c) Participação dos Estados-membros na vontade federal;
d) Inexistência de direito de secessão;
e) Existência de uma Suprema Corte para dirimir conflitos;
f) A previsão de mecanismos para Intervenção Federal.
Basicamente, o Estado Federal é uma forma de organização do
Estado com uma distribuição geográfica do poder político (FERNANDES, 2018, p. 926). Essa fragmentação das competências constitucionais
representa uma das finalidades do federalismo, eis que a forma federal
surge com o objetivo de oferecer ―uma resposta à necessidade de se ouvirem as bases de um território diferenciado quando da tomada de decisão
que afetam o país como um todo‖ (MENDES; BRANCO, 2018, p. 884).
Nesse sentido, percebe-se que há uma intima relação entre os
princípios do federalismo e da separação dos poderes com o princípio
democrático, uma vez que ambos objetivam uma organização constitucional da distribuição do poder, no primeiro caso, em razão do território, e
no segundo, em razão das funções.
Portanto, refletir questões relacionadas à federação é claramente
adentrar em um debate sobre a organização de nossa democracia constitucional. Diante disso, passa-se a investigação acerca da possibilidade de
que o instituto do controle concentrado de constitucionalidade da legislação cause uma ―centralização federativa‖.
3. A Jurisdição Constitucional e o Fortalecimento das Competências da União
Será que, na prática, o Supremo Tribunal Federal tem se utilizado do controle de constitucionalidade para promover ou proteger a democracia constitucional e os direitos fundamentais?
Em uma pesquisa empírica, os pesquisadores da faculdade de
Ciência Política da Universidade de Brasília (Unb), coordenados pelos
professores Juliano Zaiden Benvindo e Alexandre Araújo Costa, realizaram um estudo que consistiu na análise de aproximadamente 4.900
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Ações Diretas de Inconstitucionalidade ajuizadas no STF de 1988 até
2012, ano em que iniciou a pesquisa (BENVINDO; COSTA, 2014).Tal
pesquisa nos levará a compreender que há, de fato, uma grande incompatibilidade entre a teoria que afirma a legitimidade do controle judicial de
constitucionalidade em razão da proteção dos direitos fundamentais e a
prática de tal instituto em relação à referida finalidade5.
Como o estudo em análise limitou-se à averiguação de ADI‘s –
estudo do controle concentrado de constitucionalidade –, as conclusões
podem ser feitas a partir da contribuição de cada um dos legitimados para
propor Ação Direita de Inconstitucionalidade, aliás, perguntar ―a quem
interessa o controle concentrado de constitucionalidade‖ consequentemente não desemboca nos legitimados6?
Inicialmente os pesquisadores da UnB advertem que o instituto
não necessariamente interessa primordialmente aos legitimados. Isso
porque quatro dos nove agrupamentos de legitimados pouco usou o controle concentrado de constitucionalidade sequer para questionar alguma
lei ou ato normativo, quem dirá, para propor questionamentos visando a
proteção dos direitos fundamentais.
No período abrangido pelo estudo a Mesa da Câmara dos Deputados não propôs nenhuma ADI e a Mesa do Senado propôs somente
uma. Os outros dois grupos que pouco utilizaram do instituto foi o Presidente da República e as Assembleias Legislativas dos estados. Conforme
a constatação empírica, esses quatro grupos ajuizaram somente 2% das
ADI‘s estudadas (BENVINDO; COSTA, 2014, p.74).
As Assembleias Legislativas Estaduais, propuseram 50 ADI‘s, no
período de 1988 e 2012. Em sentido contrário as Legislações Estaduais
foram os atos normativos mais impugnados por ADI, representando 2676
(dois mil, seiscentos e setenta e seis) dos casos.
5
6
Os
gráficos
podem
ser
encontrados
em:
https://public.tableau.com/profile/alexandre5110#!/vizhome/ControledeConstituc
ionalidadeviaADIDivulgao/4_1RequerentesporanodisginguindoFE. Acesso em: 06
set. 2019, às 16h46min.
A saber, pelo teor do artigo 103, da CF: ―Art. 103. Podem propor a ação direta de
inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I - o Presidente da
República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV
a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V o
Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político
com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de
classe de âmbito nacional.‖
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Por sua vez, os Governadores podem ser classificados como os
maiores ―beneficiados‖ pelo controle concentrado, uma vez que praticamente a metade das Ações que ajuizaram foram exitosas. Na esteira do já
citado empasse político entre os Governadores e as Assembleias Legislativas, é necessário apontar que tais Assembleias são as maiores ―perdedoras‖, nas demandas do controle concentrado de constitucionalidade
(BENVINDO; COSTA, 2014, p.74-75).
Tal fenômeno se deve ao fato de que o STF demonstrou uma
postura indicando a manutenção e o fortalecimento das competências da
União. No mesmo sentido, muitas dessas impugnações foram resultantes
de empasses políticos entre o Governador do Estado e a Assembleia Legislativa, onde aquele se fez vale do argumento de ―invasão na competência da União‖ para questionar a legislação estadual (BENVINDO;
COSTA, 2014, p.75).
Por outro lado, a maioria das decisões procedentes foram fundamentadas em questões nomoestáticas, sendo 33,79% referentes a inconstitucionalidades decorrentes do desrespeito ao devido processo legislativo e 19,58% referentes à inconstitucionalidade por carência de competência. Ainda 38,95% das procedências cuidaram de questões referentes à
Organização do Estado. Somente 7,58% tratavam da questão dos direitos
fundamentais.
A propósito, anote-se:
Essas constatações conduzem a corroborar a hipótese de que, na atuação concentrada, o STF realiza basicamente um controle da própria estrutura do Estado, voltada à preservação da competência da União e à
limitação da autonomia dos estados de buscarem desenhos institucionais diversos daqueles que a Constituição da República atribui à esfera
federal. Além disso, nas poucas decisões em que o STF anula normas
com base na aplicação dos direitos fundamentais, existe uma preponderância de interesses corporativos.
(...)
Essas constatações conduzem a corroborar a hipótese de que, na atuação concentrada, o STF realiza basicamente um controle da própria estrutura do Estado, voltada à preservação da competência da União e à
limitação da autonomia dos estados de buscarem desenhos institucionais diversos daqueles que a Constituição da República atribui à esfera
federal. Além disso, nas poucas decisões em que o STF anula normas
com base na aplicação dos direitos fundamentais, existe uma preponderância de interesses corporativos (BENVINDO; COSTA, 2014, p.
78-79).
Em comentário extremamente feliz sobre as conclusões desse estudo, Miguel Gualano de Godoy nos esclarece que:
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No Brasil, o controle judicial abstrato de constitucionalidade das leis
exercido pelo Supremo Tribunal Federal também não tem sido primordialmente utilizado como mecanismo de proteção dos direitos
fundamentais ou então das minorias. Ao contrário, tem servido precipuamente, ao menos entre 1988 e 2012, para a preservação das competências da União, limitação da autonomia dos Estados para adotar desenhos institucionais diversos dos estabelecidos para a esfera federal e
nos poucos casos diretamente relacionados à proteção dos direitos
fundamentais, há uma atuação eminentemente corportativa para a proteção de direitos de certos grupos, em geral daqueles ligados ao próprio
sistema de justiça (GODOY, 2017, p. 91).
Os próprios pesquisadores deduziram considerações nesse sentido, haja visto que seu estudo escancara ao leitor uma evidencia triste para
a república: o argumento de justificação do controle concentrado de constitucionalidade baseado na proteção dos direitos fundamentais está em
descompasso com a prática do STF que tende a proteger interesses alheios do interesse público, isto é, institucionais ou corporativos.
Conclui-se, provisoriamente, que a jurisprudência do STF no
controle concentrado de constitucionalidade tem afastado esse órgão – e
também esse instituto – da caraterística de protetor ou promotor dos direitos fundamentais, considerando dois problemas basilares, quais sejam:
(i) a tendência de que o interesse dos legitimados a propor Ação Direta de
Inconstitucionalidade consista na manutenção ou angariação de benefícios ou interesses corporativos e/ou institucionais e (ii) a pré-ocupação
do próprio Supremo em posicionar questões de arranjo institucional como assuntos de primordial atenção, em prejuízo de decisões que concentrem-se nos direitos fundamentais.
No que é pertinente ao presente estudo, a pesquisa empírica demonstrou que as Assembleias Legislativas figuram como uma das partes
que menos ajuízam demandas no controle concretado; em contrapartida,
a legislação estadual é mais anulada do que as demais; não obstante, o
governador é uma das partes ―mais vencedoras‖ nos confrontos analisados.
Ora, tal quadro não gera um fortalecimento das competências da
união, em prejuízo de uma atrofia das competências dos estadosmembros?
Em outro estudo, os professores da UFPR, Fabricio R. L. Tomio
e Ilton N. Robl Filho, também analisando as Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas entre 1988 e 2012, chegaram à semelhante conclusão de que as leis estaduais são mais sujeitas à impugnação do que as
federais, eis que correspondem a 63% de todas as demandas. Nesse mes-
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mo sentido, percebeu-se que as disputas internas no Estado são nitidamente influentes para esses números, eis que os governadores são os que
mais impugnam as leis estaduais, pois ajuizaram 664 ADI‘s, com o objetivo de revogar a legislação estadual que, obviamente, está em descompasso com sua proposta de governo. Registre-se que o percentual de julgamentos totalmente procedentes é maior quando às leis impugnadas são
estaduais (23%) do que quando são federais (11%) (TOMIO; ROBL FILHO; 2013, p. 109).
Com vistas aos estudos citados, o constitucionalista Marco Marrafon afirmou que o julgamento das ADI‘s pelo STF é responsável pela
centralização de poderes da União, conforme o seguinte trecho:
Certamente essa situação acaba contribuindo para reforçar a interrelação de dependência jurídica, política e econômica dos EstadosMembros. Esse problema é, ao mesmo tempo, uma das grandes consequências centralizadoras e uma causa centralizadora: distribuição desigual das competências administrativas/legislativas, além do caráter exclusivo/privativo da União na maioria delas.
Nesse contexto, as pesquisas deixam claro que a ADI foi largamente
usada para fins de reafirmar a centralização causada pela distribuição
das competências. Ao intervir como ator de veto nos processos legislativos com grande participação diretamente no âmbito estadual, o Supremo Tribunal se torna fiador da concentração dos poderes nas mãos
do Governo Central (MARRAFON, 2015, p. 1).
Nesse ponto, pode ser afirmado que o Supremo agiu como agente em prol de uma centralização federativa, ou melhor, conforme anota o
constitucionalista paranaense José Arthur C. de Macedo, os estudos supracitados reforçam o diagnóstico de que o STF é o guardião da União,
não da federação e que ―todos os caminhos levam à Brasília‖ (MACEDO, 2018, p. 124).
4.
Conclusões
Diante da flagrante impugnação seletiva da legislação estadual,
do protagonismo dos governadores na atuação do controle concentrado
de constitucionalidade e também do percentual de julgamento do STF
desfavoráveis à normas estaduais, conclui-se que o controle concentrado
de constitucionalidade propulsiona sim uma centralização federativa em
prol das competências legislativas da União.
Em título conclusivo, afirma-se que a democracia constitucional
brasileira necessita de uma postura política e institucional radicalmente
democrática, contrária à atual prática de centralização federativa promo-
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vida pelo julgado de ADI‘s, as quais demonstram uma engenharia institucional protetora da União, bem como uma jurisprudência da Suprema
Corte estacionada em ideias antigos e centralizadores em relação ao arranjo federativo.
A par dos ensinamentos de Dworkin, impõe-se ao Estado que
considere a igual dignidade moral ou uma concepção de igual consideração e respeito a tantos quantos afirme sua soberania, isto é, a igualdade é
um pré-requisito para o governo legítimo (DWORKIN, 2011, p. IX).
Nesse sentido, o distanciamento e a alienação do povo das decisões,
promovido pela centralização dos poderes nas mãos da União, representam uma sútil e perigosa ameaça à já tão mutilada jovem democracia
constitucional brasileira.
4.
Referências
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Interessa o Controle Concentrado de Constitucionalidade? O
Descompasso entre Teoria e Prática na Defesa dos Direitos
Fundamentais. Disponível em: http://www.ufjf.br/siddharta_legale/
files/2014/07/Alexandra-Costa-e.-Juliano-Zaiden-a-quem-interessa-ocontrole.pdf. Acesso em: 13 jun. 2018, às 17h53min.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da
constituição. 7ª ed. Lisboa: Almedina, 2003.
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Constituição do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da
igualdade. Trad. Jussara Simões. 2ª ed. São Paulo: Editora Martins
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FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional.
10ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2018.
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Fórum, 2017.
HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O
Federalista. Tradução: Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte:
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MACEDO, José Arthur Castillo de. Encruzilhadas do Federalismo:
Transfederalismo, cooperação, constitucionalismo e democracia. 30 de
agosto de 2018. Tese de Doutorado - Faculdade de Direito da
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MARRAFON, Marco Aurélio. Julgamento de ADIs pelo Supremo
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VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista Direito FGV. v. 04, N.
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A DEMOCRACIA COLOCADA EM RISCO
COM OS VETOS DA LEI DE ABUSO DE
AUTORIDADE: REVIVENDO O
AUTORITARISMO DO AI5
Robson Fernando Santos1
Douglas Braun2
Jauro Sabino Von Gehlen3
1.
Introdução
Recentemente o Congresso Nacional aprovou um novo texto reformulando a Lei de Abuso de Autoridades, tipificando condutas que
tem o escopo de garantir a ordem constitucional, especialmente aos preceitos do Estado Democrático de Direito.
Acontece que ao ser enviado o texto legislativo para sancionamento do Presidente de República, os vetos e as justificativas foram preocupantes, especialmente porque não são apenas vetos decorrentes das
prerrogativas do Chefe do Poder Executivo, legitimados pelo processo
legislativo. Na verdade, a preocupação surge justamente porque tais vetos
chancelam algumas condutas abusivas praticadas pelas autoridades públicas.
Aceitar que o agente público não atenda aos limites legais, permitindo prisões e/ou busca e apreensão deliberadas. Aceitar que a autoridade pública não se identifique ao preso. Aceitar que o preso não seja
assistido por um advogado, ou que o preso seja forçado a prestar as informações ou ainda do Estado reprima a reunião, associação ou agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo, é reviver os atos autoritários
1
2
3
Pós Doutorando pela Universidade de Brasília/Flacso (EAE) e professor do Curso de
Direito da Uceff. Contato: santosrobsonfernando@gmail.com;
Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e professor do Curso de
Direito da Unochapecó. Contato: douglas_braun@hotmail.com;
Mestre em Direito pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó e professor
do Curso de Direito da Unochapecó. Contato: jauro@unochapeco.edu.br.
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do Ato Institucional nº 5, de 1968, que rechaçou os princípios democráticos implantando um Estado de Exceção por meio de uma ditadura militar.
Este trabalho, portanto, traz essa reflexão, destacando a relevância da democracia, mas principalmente aos direitos garantidos à todos,
sobretudo para coibir qualquer risco ao Estado Democrático de Direito.
2. O anseio nacional por mudança, que resulta no Ato Institucional nº 5
Um olhar voltado à história se faz essencial para a percepção do
momento atual. Uma fatia histórica muito importante acontece em 1961,
com a inesperada renúncia do Presidente Jânio Quadros.
Assume a Presidência da República João Goulart, que busca encontrar uma saída para o caos de pressão e contra-pressão política, num
programa chamado de Reformas de Base4.
Tratava-se de um programa de reformas institucionais a ser submetido ao Congresso Nacional. O programa abrangia: reforma agrária
(democratização do acesso à terra), reforma tributária (menor desigualdade na divisão social dos encargos fiscais); reforma administrativa (desburocratização dos serviços públicos e combate ao empreguismo); reforma urbana (combate à pobreza nas cidades, especialmente em relação à
moradia); reforma bancária (acesso mais amplo ao crédito para todos os
produtores, especialmente os pequenos) e reforma educacional (valorização do ensino público em todos os níveis).
Esse foi o caminho escolhido por João Goulart, o apoio popular.
Era claramente pressionado tanto pelos partidos de direita quanto pelos
partidos de esquerda (lembrando que à época não havia essa pluralidade
de partidos políticos que se tem hoje – havia direita e esquerda).
Nessa busca de apoio, Jango, como era conhecido promove um
dos comícios mais célebres e lendários da história do Brasil. O comício
na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, numa sexta-feira, 13 de março de
1964, reunindo mais de 300 mil ferroviários e anunciando a nacionalização das últimas refinarias privadas de petróleo para consolidar o monopólio estatal e a ―aceleração do processo de reforma agrária‖5 .
5
4
5
Teixeira, Francisco M. P. História do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Ed. Ática.
2003, p. 112.
Teixeira, Francisco M. P. História do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Ed. Ática.
2003, p. 114.
767
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Jango buscou, nesse comício recompor os compromissos entre
um Estado populista e as massas. Evidente que o controle sobre elas (as
massas) já era absolutamente precário. Evidente também que o Estado já
não tinha condições de suprir as necessidades e aspirações mais imediatas
da população.
O comício em comento foi um marco e a partir dele, uma sequência de fatores históricos culminaram no Golpe Militar de 1964, em
menos de três semanas. Para relembrar:
1964, 13 de março – comício na Central do Brasil, a favor das reformas
de base;
1964, 17 de março – manifesto do empresariado (indústrias, bancos e
comércio) contra a ―agitação‖ política;
1964, 19 de março – realiza-se em São Paulo a Marcha da Família com
Deus pela Liberdade, reunindo 500.000 pessoas;
1964, 25 de março – centenas de marinheiros e fuzileiros navais realizam no Sindicato dos Metalúrgicos, no Rio de Janeiro, uma manifestação não autorizada contra o Almirantado, em razão da prisão de líderes de sua associação;
1964, 31 de março – começa em Minas Gerais a mobilização militar
que derruba o governo Goulart;
1964, 6 de abril – o General Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do
Exército, aceita sua ―indicação‖ pelo Congresso Nacional para a Presidência da República6.
O chamado movimento revolucionário ou simplesmente Revolução de 64, apoiando-se diretamente nos comandos militares, não apenas
levou um General ao governo, como começou a organizar rapidamente
uma série de Leis e decretos autoritários, reforma eleitoral, nova Constituição Federal, repressão política e sindical, todos os indícios de que o
Regime Militar não seria provisório, mas viera para ficar.
No primeiro governo militar, do General Castelo Branco (19641967), são lançadas as bases político-administrativas e ideológicas do
regime: maior centralismo, fortalecimento do poder executivo, extinção
dos partidos existentes e criação do bipartidarismo, cessação dos inúmeros mandatos parlamentares, intervenção em sindicatos e universidades,
suspensão dos direitos políticos de grande parte dos cidadãos e o rompimento das relações com Cuba.
6
Teixeira, Francisco M. P. História do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Ed. Ática. 2003,
p. 115.
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As funções de vigilância político-ideológicas são centralizados no
recém criado Serviço Nacional de Informações.
Fato é que passados mais de quatro anos do golpe militar, o regime militar não dava nenhum sinal de breve retorno da ordem democrática. Ao contrário, tinha adquirido mais força e reagia com dureza às
pressões sociais e políticas, mesmo em relação a antigos aliados.
Por sua vez, políticos exilados como João Goulart, e políticos do
cenário nacional, buscavam uma frente de resistência liberal-democrática,
chamada por eles de Frente Ampla. Porém, a fiscalização e punição militar era quase implacável.
Foi então que grande mobilização operária e estudantil surge
num movimento de resistência popular e democrática em 1968 (conhecido pelos historiadores como ―o ano que não acabou‖).
Concentrações e passeatas se espalhavam pelo país, como a
―Passeata dos Cem Mil‖, na Guanabara, liderada pela UNE (União Nacional dos Estudantes). Os comícios de 1° de maio daquele ano e a greve
dos metalúrgicos de Osasco (SP) na metade do ano, marcaram a revitalização do movimento sindical.
No Congresso Nacional, parlamentares de oposição faziam eco à
resistência operária e estudantil, apesar da ameaça constante de cassação
de seus mandatos e dos atentados da direita radical e violenta, como o
CCC (Comando de Caça aos Comunistas), que invadia escolas, universidades, teatros lotados, etc.
Setores da esquerda mais radical, porém, começam igualmente a
praticar atentados políticos contra autoridades do governo, instalações
militares e organismos ligados aos Estados Unidos.
O então governo de Costa e Silva resolve reagir ao que chamou
de ―agitação social‖ e tentativa de ―terrorismo‖. Na noite de 13 de dezembro de 1968, é anunciado o Ato Institucional n° 5.
O AI 5 fechou o Congresso Nacional e endureceu dramaticamente o regime. Ele inaugurou a fase mais dura, os chamados ―anos de
chumbo‖ do regime militar, com radicalização extrema da pressão política e policial a todas as forças democráticas.
Com o fechamento do Congresso, a cassação dos direitos políticos de centenas de deputados federais, estaduais, vereadores, prefeitos e
juízes. Milhares de pessoas são presas em todo país sem qualquer tipo de
processo legal, bastando a alegação de que representava algum perigo ao
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regime. O poder Executivo passou a dispor de poderes totais para intervir
em todos os setores da vida nacional.
O AI 5 consumou o golpe de 64, completando a militarização da
vida política brasileira e a total submissão da sociedade civil ao Estado
Militar.
3.
Em busca da democracia perdida
O Golpe Militar instaura, especialmente, a partir do AI5, uma
ditadura que impõe um Regime de Exceção, ferindo de morte a democracia e tornando o Estado Autoritário, porém, novamente, por meio de
um movimento popular, na década de 80, o Brasil resgata os princípios
democráticos e se enaltece toda sua relevância.
Em uma primeira análise, pode parecer que se encontra esgotado
externalizar a importância da Democracia como regime político vigente
no Brasil, há de ressaltar a importância da conquista e manutenção do
Estado Democrático de Direitos no Brasil. No entanto, o problema motivador reside na possibilidade de se fragilizar as conquistas históricas dos
Direitos existentes, bem como nos constantes atos políticos atentando em
face dos pilares estruturantes da democracia brasileira vigente e suas instituições governamentais.
Segundo a sua terminologia, a expressão democracia vem do grego: “demos” que significa ―povo‖, mais “kratos” que corresponde a ―poder, governo‖. Assim, etimologicamente, a expressão corresponde a ―governo do povo‖7. Essa mesma definição é apresentada no vocabulário
jurídico por De Plácido e Silva8, quando da apreciação do termo ―Democracia‖ conceitua a referida espécie como sendo ―o governo do povo,
pelo povo e para o povo‖.
A referida definição ficou marcada historicamente, reproduzida
por Abraham Lincoln, em seu famoso discurso proferido em Gettysburg,
em meados de 1863, quando menciona a ―democracia é o governo do
povo, pelo povo, para o povo‖, fazendo referência ao governo com a
participação da sociedade, possibilitando a eleição dos representantes de
7
8
BRUM, Argemiro Jacob. Democracia e partidos políticos no Brasil. Ijuí: UNIJUÍ Ed.,
1981, p.12.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 249.
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forma livre pelos membros da sociedade, que têm o compromisso com a
realização dos anseios de toda a sociedade9.
No entanto, a amplitude e complexidade conceitual deste instituto dificulta a formulação exata de uma definição. Nesse sentido, vale
citar, para exemplificar, o posicionamento defendido por Alain Touraine10, que busca definir o instituto da democracia com base em três princípios institucionais, sustentando a necessidade de primeiramente existir
um conjunto de regras (primárias e fundamentais) definindo quem está
autorizado e que detenha a competência para tomar as decisões coletivas,
bem como os procedimentos que deverão ser seguidos e adotados por
este.
Por fim, discorre o autor, que para a existência da democracia é
necessário que as decisões emanadas pelos participantes do grupo sejam
escolhas que observem e levem em consideração a realidade, ou seja,
tomadas de decisões que sejam sustentadas com base na realidade vivenciada por esta sociedade11.
Ao mesmo tempo, reduzir o instituto da democracia ao número
de pessoas que participam do processo político de tomadas das decisões,
sem considerar as oportunidades sociais de formação ideológica desses
indivíduos, é um pouco precipitado, posto que tal entendimento considera tão somente o aspecto formal- quantitativo, deixando de lado outras
questões importantes que formam o aspecto cognitivo das deliberações
proferidas.
Como bem discorre Argemiro Brum12, não se pode afirmar que a
democracia é algo pronto, terminado, pois ela encontra-se em constante
construção, uma vez que possibilita a recuperação de direitos perdidos e a
criação de novos direitos, sempre visualizando um ideal de sociedade
com o menor grau possível de imperfeições.
9
10
11
12
BRUM, Argemiro Jacob. Democracia e partidos políticos no Brasil. Ijuí: UNIJUÍ Ed.,
1981, p.12.
TOURAINE, Alain. O que é democracia? Trad.: Guilherme João de Freit Teixeira.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1996, p. 19.
TOURAINE, Alain. O que é democracia? Trad.: Guilherme João de Freit Teixeira.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1996, p. 20.
BRUM, Argemiro Jacob. Democracia e partidos políticos no Brasil. Ijuí: UNIJUÍ Ed.,
1981, p. 13.
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Norberto Bobbio13, por exemplo, em sua obra acerca das origens
da Democracia italiana, faz crítica ferrenha à minimização ou à distorção
da Democracia, afirmando que:
[...] há quem reduza a democracia a uma mera formalidade, definindo
como regime democrático aquele em que a classe política é eleita pelos
cidadãos, ao contrário do que ocorre nos regimes totalitários, nos quais
a própria classe política se impõe com a força [...] há, por outro lado,
quem considere a democracia unicamente como um instrumento de
governo, pois a quantidade de votos, dos quais só um regime democrático pode exprimir e garantir o peso político, permite a mais segura e
rápida conquista do poder [...] Um e outro entendimento demonstraram-se, no terreno histórico, estreitamente ligados; e hoje, portanto, é
preciso fazer oposição a ambos. Hoje a democracia não pode mais ser
uma formalidade: deve ser uma realidade; não pode mais ser um simples instrumento de governo: deve ser a finalidade da luta política.
Portanto, a democracia não pode ser vista como um instituto
imobilizado, fechado, petrificado em um dogma eterno, assim como não
pode ser encarado como uma forma histórica imutável. Contudo, deve
ser analisado e visto como um sistema de ideias e uma instituição que se
retificam constantemente com o desenvolvimento e evolução do progresso ético e científico da humanidade.
No mesmo sentido, tem-se as considerações realizadas por Michelangelo Bovero14, ao discorrer que em uma análise ainda que de maneira um tanto abreviada e um tanto simplificada, pode-se entender pela
democracia ao ―pé da letra‖, como o poder de se tomar decisões coletivas, ou seja, o poder de tomar decisões que vinculam toda uma coletividade, exercido pelo povo através de assembleia de todos os cidadãos
como membros desta população, que tomam decisões com base no somatório de opiniões livres e de escolhas individuais.
Assim, surge de forma importante para a conceituação da expressão mais dois elementos basilares decorrentes da vontade e participação de todos os cidadãos e da possibilidade da tomada de decisões de
forma livre pelos indivíduos: a igualdade e a liberdade. Expressões que
são referenciadas com grande importância e relevância nos discursos e
interlocuções sobre a efetiva existência da democracia.
Cumpre salientar, no entanto, que a igualdade em tela não se resume a uma mera potencialidade participativa. Não basta que se dê a
13
14
BOBBIO, Norberto. Entre duas repúblicas: às origens da democracia italiana. Trad.:
Mabel Malheiros Bellati. Brasília: Universidade de Brasília, 2001, p. 35-36.
BOVERO, Michelangelo. Contra o governo dos piores: uma gramática da democracia.
Trad.: Daniella Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2002, p. 17.
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todos a oportunidade de participar das decisões políticas, direta ou indiretamente, atribuindo-se a cada cabeça um voto. Urge proceder, para que
bem se desenvolva o cânone democrático, uma igualdade material de
condições, ou seja, faz-se necessário que os indivíduos desenvolvam suas
concepções de acordo com caracteres ideológicos não manipulados pelo
despreparo, de tal sorte que se reconheça que as decisões, interlocuções e
orientações ideológicas políticas de todos os indivíduos tem igual respeitabilidade, dignidade e legitimidade, posto que decorrem da construção
intelectual individual15.
Ao mesmo tempo, inegável a importância da temática referente à
liberdade para a construção do processo de democracia, o qual sempre
esteve presente desde o início de suas discussões. A Filosofia Política
Clássica costuma restringir a liberdade ao cunho meramente individual,
como forma de proteção do indivíduo em relação aos arbítrios e aos desmandos dos ocupantes do poder. Naquilo que se costuma denominar
Estado de Direito, todavia, não mais pode prosperar como pressuposto
do sistema democrático essa liberdade meramente individual.
Hodiernamente, a Democracia não se resume mais às instituições políticas representativas tradicionais, já que o instituto vem evoluindo e se aperfeiçoando por meio de variados sistemas de mecanismos de
participação popular na gestão da coisa pública, aproximando e permitindo a participação coletiva da população na tomada de decisões que
dizem respeito à vida dos indivíduos integrantes dessa sociedade.
A Democracia mais do que uma forma determinada de organização política do Estado, representa uma reivindicação social e política
de participação do povo no processo de decisões que dizem respeito às
vidas e aos anseios de toda a sociedade, impedindo que tais decisões
sejam apenas emanadas e concentradas nas mãos de autoritários ou governos autocráticos. Assim, a democracia passa a revelar-se também
como um sentimento pertencente e vivenciado por uma população, que
possui em sua concepção, um forte apelo de justiça, daí advindo toda a
sua força e aceitação social.
15
BOVERO, Michelangelo. Contra o governo dos piores: uma gramática da democracia.
Trad.: Daniella Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2002, p. 25.
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4. O risco da democracia com os vetos da Lei de Abuso de
Autoridade e o reviver das disposições do AI5
Sendo um regime de poder do povo, a democracia também acastela os princípios republicanos, sobretudo para manter o Estado Democrático de Direito, e para sua garantia, alguns direitos são previstos e
devem ser respeitados, como por exemplo, o respeito ao devido processo
legal, a garantia do contraditório e da ampla defesa, o direito de não fazer
prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere) e a presunção de inocência.
Nesse sentido, também para fins de se evitar danos à Democracia, também se regula o papel dos agentes públicos, para que respeitem
esses preceitos fundamentais, mormente, para não permitir que o Estado
seja dominado por um novo regime ditatorial, reprimindo, portanto, os
abusos das autoridades, especialmente na persecução penal.
Recentemente, com o fito de atualizar a Lei de Abuso de Autoridades, datada da década de 60, o Congresso Nacional reformula o dispositivo legal, mas que resultou em muitos vetos por parte do Presidente da
República. Há de ressaltar que muitas das medidas vetadas com o escopo
de não permitir o abuso de autoridades, remontam às barbáries implantadas e regulamentadas pelo Ato institucional nº 5, especialmente pelas
ações que atacaram as liberdades democráticas, ruíram o respeito aos
direitos fundamentais, acabaram com os poderes institucionalizados, e,
que implantou uma ditadura sanguinária num período que o Estado protagonizou uma das maiores barbáries da história.
Mutatis mutandis, vetar as disposições sobre o argumento de serem tipos vagos não é só proibir que ações de abuso de autoridade sejam
apuradas e responsabilizadas, é, principalmente, chancelar uma postura
autoritária, por parte dos agentes públicos.
Não se pode admitir uma lei que admita a captura, prisão e/ou
busca e apreensão deliberadas sem os respeitos aos requisitos legais. Não
se pode aceitar que a autoridade pública não se identifique ao preso, que
o mesmo não tenha direito de ser assistido por um advogado, que se exija
ao preso produzir prova contra si, sobretudo, mediante violência ou grave
ameaça. Da mesma forma que não se pode permitir que o Estado aja,
sem justa causa, para impedir a reunião, associação ou agrupamento
pacífico de pessoas para fim legítimo.
Essas chancelas ao abuso de autoridade revivem dispositivos nefastos do Ato Institucional nº 5, lembrando que como supra mencionado,
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sua aplicabilidade instaurou um Estado de Exceção por meio de uma
ditadura militar implantada no país sustentados por grupos políticos de
extrema direita.
O texto do AI5, composto por parcos 12 artigos, impôs uma intervenção plena no Estado, destituindo os poderes da nação e impondo
um regime ditatorial sob os auspícios do Presidente da República assistido por militares. A imposição do poder ocorreu de forma autoritária,
violenta e sórdida.
As prisões ocorriam sem respeito a nada, eram realizadas pelas
autoridades sob argumentos meramente ideológicos, e, perseguiam os
pensamentos contrários. As pessoas eram restringidas pelo autoritarismo
do Estado, eram perseguidas, torturadas e até mortas, justamente porque
se permitiu legalmente, que as autoridades cometessem tais abusos.
Portanto, não é admissível atualmente ataques de qualquer ordem aos pilares de sustentação das formas de organização do Estado,
assim como aceitar qualquer retrocesso social em seu regime democrático, pois a nossa Carta Constitucional de 1988, conforme narrativa de
Paulo Bonavides16 é a ―melhor das Constituições brasileiras de todas as
nossas épocas constitucionais‖, já que provida de uma série de direitos
fundamentais, aliados a mecanismos garantidores de seu exercício, bem
como de formas eminentemente democráticas de organização política,
em um sistema jurídico estável de freios e contrapesos da vontade governamental.
Assim, a Constituição de 1988 representou a solidificação da
transição entre o antigo regime e a ―Nova República‖, estabelecendo
como princípio fundamental a existência de um Estado Democrático de
Direito, com mecanismos que possibilitam e garantem a participação
efetiva da vontade popular nas decisões do Estado, e ao mesmo tempo,
limita e impede a tirania de governos autoritaristas que necessitam ceifar
direitos e procedimentos, para impor a sua vontade no exercício do poder.
16
BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa: por um
direito constitucional de luta e resistência por uma nova hermenêutica por uma
repolitização da legitimidade. 2a Edição. São Paul: Malheiros, 2003, p. 204.
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5.
Considerações Finais
O presente trabalho chama atenção aos movimentos vivenciados
no país, sob os argumentos de que se deve combater a ―velha política‖ e
que o Liberalismo deve permitir que os cidadãos tenham mais autonomia
em suas práticas, com pouca interferência do Estado.
Dentre isso, até mesmo quanto ao combate da criminalidade, o
agente público precisa agir autoritariamente, não permitindo impunidades. Tudo, inclusive, sustentado por ideologias que estão promovendo
algumas mudanças legislativas, que chancelam ações do Estado em promover agendas já superadas, como do protagonismo militar na gestão
estatal, por exemplo.
A redemocratização do Estado, concretizada pela Constituição
de 1988, criou alicerces para permitir a liberdade, para garantir a ordem
pública, mas tudo dentro de limites estabelecidos pelas leis, principalmente para coibir abusos e autoritarismos por parte do Estado.
A persecução penal tem supedâneo no limite punitivo do Estado,
no respeito ao devido processo legal, a garantia do contraditório e da
ampla defesa e a presunção de inocência, sob pena de comprometer o
Poder Democrático, garantido pelas lutas contra os abusos cometidos
pelo autoritarismo da ditadura militar implantada na década de 60.
Derradeiramente, a reflexão sobre o atual cenário político nacional, os extremismos e a intolerância social alimentada pelas ideologias de
ódio são temas preocupantes, que devem deixar toda sociedade em alerta, sob pena, de reviver a implantação de um novo Estado de Exceção
que ira comprometer todos os preceitos democráticos conquistados.
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Beccaria Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
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nova hermenêutica por uma repolitização da legitimidade. 2a Edição. São
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constitucionais da atualidade, com ênfase no federalismo de regiões. 2a
Edição. São Paulo: Malheiros, 1996.
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Campus, 2002.
BRASIL. Ato Institucional n. 5, de 13 de dez. de 1968. São mantidas a
Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições Estaduais; O
Presidente da República poderá decretar a intervenção nos estados e
municípios, sem as limitações previstas na Constituição, suspender os
direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar
mandatos eletivos federais, estaduais e municipais, e dá outras
providências, Brasília,DF, dez 1968.
BRUM, Argemiro Jacob. Democracia e partidos políticos no Brasil.
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para ampliar o cânone democrático. In: SANTOS, Boaventura de Sousa
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Freit Teixeira. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.
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A INCIDÊNCIA DE EMPREENDIMENTOS
HIDROENERGÉTICOS NO OESTE DE SANTA
CATARINA E A PRODUÇÃO DA
CATEGORIA “ATINGIDO”
Douglas Anderson Borges1
Arlene Renk2
Silvana Winckler3
1.
INTRODUÇÃO
A produção energética está classificada como uma das principais
demandas necessárias ao fortalecimento econômico de países emergentes,
como é o caso do Brasil. Diversas áreas necessitam imprescindivelmente
de energia elétrica para se desenvolverem. Exemplos disso são as diversificações industriais, o comércio e os serviços. Além do mais, dificilmente
será possível alguma espécie de produção que não necessite de energia
para manter-se, movimentar-se ou atingir a finalidade em alguma parte
de seu processo de desenvolvimento.
Considerando os avanços tecnológicos apresentados cotidianamente no cenário mundial, é notável a necessidade de se criar métodos
alternativos de produção energética no intuito de atender as demandas
necessárias ao crescimento produtivo, como é o caso da energia térmica,
obtida por placas solares, energia eólica, produzida pelo vento, e energia
hidráulica, produzida principalmente por usinas hidrelétricas, sendo essa
última, considerada uma das alternativas mais ―limpas‖ da cadeia da
produção de energia.
A eletricidade gerada pela força hidráulica destaca-se entre as
principais fontes energéticas mais utilizadas em nosso país. De acordo
com os dados apresentados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE),
1
2
3
Mestrando em Direito pela Unochapecó.
Doutora em Antropologia Social pela UFRJ. Docente dos programas de pós-graduação
em Ciências Ambientais e Direito da Unochapecó.
Doutora em Direito pela Universidade de Barcelona. Docente dos programas de pósgraduação em Ciências Ambientais e Direito da Unochapecó.
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no ano base de 2017 a energia produzida por usinas hidrelétricas correspondia a 65,2 % da potência total de energia elétrica gerada em território
nacional (EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA/EPE, 2018).
O crescimento produtivo industrial é um dos principais fatores
responsáveis pelo consumo da grande produção energética nacional advinda das Usinas Hidrelétricas. Desta forma, a cada nova instalação de
alguma indústria ou outro empreendimento, se faz necessária a potencialização do fornecimento de energia. De acordo com os planejamentos
governamentais, é preciso maior investimento e a construção de mais
usinas hidrelétricas e PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas), que ajudam na resposta a pequenas demandas de energia.
Neste trabalho serão apresentados efeitos ocasionados pelo empreendimento denominado Usina Hidrelétrica (UHE) sobre as populações afetadas, tomando como lócus da pesquisa a região oeste de Santa
Catarina, mais precisamente a bacia do rio Uruguai. Serão abordados
conceitos atribuídos à categoria ―atingido‖ a partir da literatura e de fontes
documentais. Esta pesquisa tem abordagem bibliográfica e documental,
adotando o método dialético.
Produção hidroenergética na bacia do rio Uruguai
Com a perspectiva e a efetivação de planos de desenvolvimento
econômico a curto e médio prazo, a produção hidroelétrica ganhou grande destaque no cenário nacional nos últimos anos. Sendo considerada
uma fonte ―limpa‖ de produção energética e com capacidade de produção em grande escala, as hidrelétricas estão mudando a paisagem em diversas regiões do Brasil, sobretudo na região sul, em especial no oeste catarinense, onde as águas superficiais são encontradas em abundância e em
um relevo propício a este tipo de empreendimento.
Conforme destaca a página do Movimento dos Atingidos por
Barragens:
Atualmente existem 7 grandes barragens em operação na Bacia do Rio
Uruguai, Ita, Machadinho, Barra Grande, Campos Novos, Foz do
Chapecó, Passo Fundo e Monjolinho, todas na mão de grandes multinacionais que dominam geopoliticamente a região. Juntas estas usinas
têm um faturamento entre a geração e a distribuição de R$
5.789.877.566,00 (MAB, 2018).
Formada pelo Rio Uruguai e afluentes, essa bacia hidrográfica
está localizada na região sul do país, dividindo-se na porcentagem de
27% ao estado de Santa Catarina e 73% ao Rio Grade do Sul, o qual é
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quase que totalmente ocupado pela Bacia do Rio Uruguai. A área total
correspondente à bacia chega a um montante de 385 mil quilômetros quadrados, porém corresponde a apenas 2% do território nacional, sendo a
menor bacia brasileira (TSUKADA, s.d).
Em relação ao rio Uruguai, este se forma pela junção do rio Pelotas com o rio Canoas, na divisa entre os estados de Santa Catarina e
Rio Grande do Sul, mais especificamente na localidade da Serra Geral,
no Estado de Santa Catarina, vindo a desembocar em seu trajeto final,
após percorrer cerca de 1.770 quilômetros, no delta do Rio da Prata, já na
divisa com o Uruguai. Os principais afluentes do rio Uruguai são os rios
Negro, Chapecó, Passo Fundo, Peixe, Várzea, Peperi-Guaçu, Ijuí, Ibicuí
e Quaraí (FRANCISCO, s.d).
A construção de uma usina hidrelétrica, que geralmente é de
médio ou de grande porte, inevitavelmente é um empreendimento que,
muito embora possa ocorrer de diversas formas, possui um mesmo resultado, qual seja o impacto gerado nos campos social e ambiental das redondezas de sua instalação e do alcance de seu lago.
Em um apanhado histórico sobre grandes empreendimentos,
quando o assunto é a geração de royalties, renda e lucro para uma determinada região ou entidade governamental, na maioria esmagadora dos
casos, sabe-se que um dos campos que mais sofrerá influências é o meio
ambiente.
Projetos de grande escala (RIBEIRO, 2008) interferem diretamente no ambiente natural e construído, desencadeando uma série de
impactos complexos.
São as alterações artificiais provocadas pelo homem que fazem
com que sobrepese na balança da existência como é que terminaremos os
nossos dias, isso enquanto seres humanos, uma vez que não se consegue
estimar com exatidão por quanto tempo nosso planeta suportará tamanho desafio de manter as condições de vida humana.
Conforme mencionado por Espíndola (2009), na prática, o que
ocorreu até o momento no processo de alagamento sistemático de territórios, é que as estratégias de gestão até agora postas em prática têm sido
desastrosas para as comunidades e para o meio ambiente, já que pautadas
no desenvolvimentismo, sob a lógica do desenvolvimento a qualquer preço, mesmo que o preço a ser pago seja a própria continuidade da existência humana.
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Nessa premissa apresentada, deixa-se de lado o princípio de direito ambiental da solidariedade intergeracional, que é o direito das próximas gerações usufruírem das mesmas condições ambientais da atual
geração, senão melhores do que as apresentadas até então.
Com a construção de grandes empreendimentos, que visam
proporcionar um pouco mais de facilidade cotidiana e uma suposta
―qualidade de vida‖, melhor é que se estabeleçam alguns questionamentos no que tange à necessidade da busca incessante pelo desenvolvimento e
pelas riquezas que a natureza pode proporcionar a seus exploradores.
No caso das Usinas Hidrelétricas, consideradas uma forma de
produzir energia limpa, renovável e barata (ROVERE, 1990; SEVÁ,
2002, apud REIS, 2012), todas as alterações causadas ao meio ambiente
natural estão sendo postas à prova com duras críticas por especialistas em
diversas áreas, isso em virtude da degradação progressiva dos rios barrados, das alterações climáticas e das graves ameaças de desastres ambientais nas regiões afetadas pelos empreendimentos, que são pouco divulgadas, salvo quando atingem grandes proporções.
De acordo com Bermann (2007, p. 141), dentre os principais
problemas ambientais, podemos destacar:
•
•
•
•
•
•
•
alteração do regime hidrológico, comprometendo as atividades a jusante do reservatório;
comprometimento da qualidade das águas, em razão do caráter lêntico
do reservatório, dificultando a decomposição dos rejeitos e efluentes;
assoreamento dos reservatórios, em virtude do descontrole no padrão
de ocupação territorial nas cabeceiras dos reservatórios, submetidos a
processos de desmatamento e retirada da mata ciliar;
emissão de gases de efeito estufa, particularmente o metano, decorrente da decomposição da cobertura vegetal submersa definitivamente nos
reservatórios;
aumento do volume de água no reservatório formado, com consequente sobrepressão sobre o solo e subsolo pelo peso da massa de água represada, em áreas com condições geológicas desfavoráveis (por exemplo, terrenos cársticos), provocando sismos induzidos;
problemas de saúde pública, pela formação dos remansos nos reservatórios e a decorrente proliferação de vetores transmissores de doenças
endêmicas;
dificuldades para assegurar o uso múltiplo das águas, em razão do caráter histórico de priorização da geração elétrica em detrimento dos outros possíveis usos como irrigação, lazer, piscicultura, entre outros.
Diante de todas as consequências ambientais supramencionadas,
nota-se que a energia produzida não é tão limpa quanto se menciona, e
que a construção de diversos empreendimentos hidrelétricos em um curto
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espaço, como é o que está acontecendo no leito do Rio Uruguai, ambientalmente falando, pode trazer efeitos irreversíveis.
No entanto, o impacto que nos interessa estudar, nesta pesquisa,
é aquele ocasionado às comunidades atingidas direta a indiretamente
pelo empreendimento. De modo especial, pretendemos analisar a construção do conceito de atingido, tomando como escopo o contexto de instalação de usinas hidrelétricas na bacia do rio Uruguai.
O conceito de atingido será abordado com a finalidade de entender a importância dos movimentos sociais presentes, e cada vez mais
fortes em nossa sociedade, seja na questão da busca da igualdade social,
na luta contra todos os tipos de discriminação, ou na garantia de um
direito que lhe foi garantido pela Constituição, o da propriedade.
Destaca-se que a identidade das categorias atingidas vai se moldando com o passar do tempo e conforme cada localidade onde se estabelece o empreendimento. Nota-se que cada família camponesa, os pescadores ou mesmo o possuidor de terra, buscam garantir o mantenimento
de sua ocupação, seja para subsistência ou como forma de manter viva a
memória de seus antepassados, que lutaram bravamente para colonizar
aquela região.
O conceito de “atingido” por barragens
Quando o assunto ―atingido‖ é evidenciado dentro de pesquisas
ou trabalhos acadêmicos, nota-se que ainda existem muitos conflitos por
serem superados em relação ao presente tema. A definição deste termo,
para o empreendedor do setor de geração de energia, é diferente daquela
que a sociedade conhece, ou tem sido testemunhada pelas pessoas que
participam destes empreendimentos na posição de atingidos.
Conforme relata Vainer (2012), o conceito de atingido deve ser
relacionado com a legitimação de direitos de seus detentores, ou seja,
estabelecer que um determinado grupo social, família ou indivíduo é ou
foi atingido por determinado empreendimento, reconhecendo-o como
legítimo detentor daquela área. Assim, merece este o reconhecimento de
legitimidade de sua posse/direito, devendo ser ressarcido/indenizado, ou
então reabitado, quando não reparado pecuniariamente pela sua retirada
deste local. O autor salienta ainda que este termo se refere a um conceito
que está em disputa, sendo que a sua definição vai muito além de dados
meramente técnicos ou associados com a situação econômico-financeira
dos impactos socioambientais.
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Contudo, em alguns empreendimentos, esses levantamentos de
indenizações deixaram de lado aqueles que não possuíam o título que
evidenciasse sua legítima propriedade em relação ao bem imóvel de que
faziam uso, restando a estas famílias ser apenas mais um número na estatística de desamparados.
Há de se ressaltar que os empreendimentos geradores de energia,
via de regra, consideram como atingido apenas aquele grupo que a água
irá alcançar, ou os que estiverem nas demarcações da construção do canteiro da Usina Hidrelétrica, deixando de lado os demais membros da
comunidade que possuem ligação indireta com a localidade, exemplificativamente os pescadores.
Em relação aos atingidos, algumas empresas, inclusive públicas,
como era o caso da Eletrosul antes da privatização, durante a construção
da UHE de Itá, adotaram o seguinte posicionamento:
Para a Eletrosul atingido era uma noção que designava atingido
pela água e cujos sujeitos eram água e população, esta por sua vez percebida como composta por proprietários. A partir desse entendimento a
empresa reduzia seu problema à indenização de proprietários atingidos
pela água e se propunha negociar com indivíduos proprietários... Pressionada pela CRAB, a Eletrosul assimila as famílias mas associando-as
ainda às propriedades. Com a intensificação das lutas, os apoios da sociedade regional e as pressões internacionais via Banco Mundial, cria-se um
impasse. Em 1987, a Eletrosul finalmente reconhece a CRAB4 como
representante dos camponeses e com ela firma um acordo, fixando as
condições para dar início às obras. Os atingidos nesse acordo compreendem não apenas os proprietários, mas os sem-terra e os filhos dos agricultores, classificados como jovens definidos como sem-terra pertencentes as
famílias dos atingidos (SIGAUD, 1989, apud VAINER, 2012).
Compulsando a literatura e as diretrizes normativas nacionais,
podemos perceber o tamanho da afronta dos empreendimentos hidrelétricos ao princípio da dignidade na medida que se fez necessária a implementação de uma Comissão Especial do Conselho de Direitos da Pessoa
Humana voltada aos Atingido por Barragens5, responsável por documen4
5
A CRAB (Comissão Regional de Atingidos por Barragens) foi constituída em 1979 e
deu origem ao surgimento do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens).
O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) tomou
conhecimento de denúncia de violações de direitos humanos feita pelo Movimento de
Atingidos por Barragens (MAB), que milhares de pessoas estavam sendo injustamente
expulsas de suas terras, bem como estaria acontecendo a usurpação dos direitos
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to que traz em seu corpo diversas questões de relevante interesse social e
dos atingidos, dentre as quais destacam-se que diante do conflito, ao
invés de resolver os problemas gerados, ou seja, garantir os direitos das
famílias atingidas, o Estado passa a reprimir as famílias e os defensores
de direitos humanos (CDDPH, 2010).
Quanto à desconsideração social dos atingidos, admite-se apenas
o direito dos empreendedores na desapropriação por interesse público e,
consequentemente, a população passa a ser considerada um obstáculo ao
avanço do empreendimento hidrelétrico (BENINCÁ, 2011, apud SANTOS, 2014).
Conforme o tempo vai passando e os empreendimentos se estabelecendo, as definições para ―atingidos‖ também vão se modificando, e
o hidronegócio precisa adaptar-se às necessidades da população atingida,
sendo que todos os atingidos devem ter amparo legal e ser acompanhados
até sua efetiva estabilização.
No entanto, a dura realidade vivida pelos atingidos é retratada
apenas por expectativas ou decepções quanto à cobertura do valor referente às suas terras e benfeitorias, geralmente com preços muito abaixo
do praticado antes da obra e sem receber a indenização que faça jus às
raízes deixadas naquele lugar, aos laços históricos e ao orgulho de saber
que foram seus ancestrais que colonizaram aquelas terras, agora submersas pelo empreendimento energético.
Nesse mesmo sentido, assim explana Vainer (2012):
Há grupos sociais, famílias ou indivíduos que sofrem os efeitos do empreendimento desde o anúncio da obra, há outros que os sofrem sobretudo durante as obras e outros, enfim, que serão afetados com o enchimento e operação do reservatório. Análises cuidadosas indicariam
que, ao longo do ciclo do projeto, diferentes grupos e indivíduos são
afetados, de diferentes maneiras.
Mesmo diante do aparato legislativo traçado em favor da proteção aos atingidos, não houve grandes mudanças por parte dos empreendimentos ou nas atitudes dos governos nas instalações de novas barragens
no país. Ainda impera com grande força o desenvolvimentismo, mesmo
com um preço alto a se pagar, tanto na esfera social quanto ambiental.
É sabido que o que se destaca nas audiências públicas são os ideais e posicionamentos do empreendedor, como em um contrato de adesão, com cláusulas imutáveis: ou o atingido aceita, ou trava uma disputa
econômicos, sociais e culturais e ambientais de centenas de famílias pelas construtoras
de barragens (CDPH, 2010).
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jurídica em que o lado mais forte (economicamente falando), dificilmente
perde.
Todavia, não é uma utopia a conquista do marco legal para a representação e garantia dos direitos dos atingidos, tanto que a proliferação
dos envolvidos e a ação do Movimentos do Atingidos por Barragens
fizeram brilhar uma luz no fim do túnel: a formação Comissão Especial
―Atingidos por Barragens‖, estabelecida pelo Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana, prezando pela proteção da parte mais frágil
envolvida.
De acordo com o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa
Humana supramencionado, na barragem Foz do Chapecó, houve uma
denúncia de violações de direitos humanos que foi apresentada pelo
MAB, levantando pontualmente três questões gerais, sendo a primeira
referente à deficiência nos estudos prévios de impacto ambiental e deficiências do Estado na exigência do referido estudo; a segunda atinente aos
problemas sociais decorrentes da implantação do empreendimento; e a
terceira em relação à violência policial contra pessoas e criminalização de
movimento social (CDDPH, 2010).
O que se percebe é a violação de diversas premissas que garantem o bom andamento do empreendimento, tanto no aspecto social quanto ambiental, assim, considerando que as etapas não são superadas da
maneira correta, ou seja, sem medir os impactos ambientais, sem importar-se com a relocação da população em terras de qualidade semelhante à
anterior e a boa relação político/social, é evidente que o choque entre os
envolvidos irá acontecer, apresentando-se, mais uma vez, a imposição
violenta de poder contra os atingidos.
De acordo com o posicionamento de Ribeiro e Morais (2019):
Esta identidade de atingido é forjada a partir de um inimigo ou conjunto
de inimigos em comum (a obra, o empreendimento, a hidrelétrica), e
portanto é inicialmente constituída ―de fora para dentro‖, atravessada
pelos interesses classistas do Estado e das empresas.
Nota-se que em todos os empreendimentos realizados até então,
há o conflito entre os grupos geradores de energia e os atingidos, não por
mero oportunismo dos envolvidos, que segundo os consórcios querem
receber a todo custo alguma ―indenização‖, mas sim por absurdas e inescrupulosas violações dos direitos humanos daqueles que estão direta ou
indiretamente sendo atingidos pelo empreendimento.
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Ainda, nesse mesmo norte, com a ajuda do MAB, formulam-se
propostas de reconhecimento e garantias para as populações atingidas,
preceitos fundamentais que acompanham toda a trajetória dos movimentos sociais, seja através das negociações para a permanência de sua agenda e direitos perante o poder público estatal ou com a resistência perante
a construção destes empreendimentos, os quais representam uma leva
considerável de violação de direitos, tal qual a capacidade de rompimento
dos laços de identidade até então construídos (RIBEIRO; MORAIS,
2019).
O conceito de atingido, segundo Vainer (2008, p. 40), é um conceito em disputa:
Conceito em disputa, a noção de atingido diz respeito, de fato, ao reconhecimento, leia-se legitimação, de direitos e deveres de seus detentores. Em outras palavras, estabelecer que determinado grupo social,
família ou indivíduo é, ou foi, atingido por certo empreendimento significa reconhecer como legítimo – e, em alguns casos, como legal – seu
direito a algum tipo de ressarcimento ou indenização, reabilitação ou
reparação não pecuniária. Isto explica que a abrangência do conceito
seja, ela mesma, um objeto de disputa.
Consoante o autor, a categoria atingida forma-se a partir do
momento em que direitos são violados. No caso das Usinas Hidrelétricas,
pode acontecer quando da desapropriação compulsória das terras, na
restrição de acesso ao rio, nas delimitações geográficas restritas ao uso
exclusivo do empreendimento ou por mudanças que afetam diretamente
aquela região em disputa, como é o caso dos pescadores e demais grupos
que mantém contato com determinada área atingida.
Nesse momento, os detentores dos direitos da propriedade, acesso
ou uso das áreas (in)diretamente atingidas, ou no entorno do empreendimento, precisam travar uma enorme batalha em todos os aspectos, social
e judicial, para assegurar garantias que sempre estiveram a seu favor, mas
que de acordo com o plano de indenização das Usinas Hidrelétricas, não
se enquadram na categoria ―atingido‖.
Inobstante as classificações de ―atingidos‖ realizadas pelos empreendimentos conflitantes, é pacífico o entendimento de que atingidos
não são somente os diretamente desapropriados que tiveram que ceder
suas terras para que o campo de obras se estabelecesse. Nesse sentido,
têm-se como atingida toda uma sociedade que de alguma forma teve as
relações interrompidas com a construção do empreendimento, sejam os
pescadores, que não podem mais usufruir do alimento que o rio proporcionava, os meeiros ou posseiros que detinham apenas a posse da terra sem o
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devido registro, os trabalhadores agregados e até mesmo os filhos dos
agricultores que iriam usufruir daquelas terras, hoje, de propriedade dos
empreendimentos.
Destaca-se que não apenas bens materiais são ceifados dos originários detentores das terras, mas também toda uma história de vida ali
construída, memória do trabalho realizado por seus antepassados, laços
familiares construídos tendo por base aquele chão, agora alagado.
Benincá (2011) explana que:
A identidade de uma organização social perpassa necessariamente as
pessoas que a integram, os objetivos que busca, as ideias que defende,
as estratégias que utiliza, os símbolos que adota, a linguagem que emprega, etc. Entre os segmentos sociais que o Movimento dos Atingidos
por Barragens reúne estão: camponeses, trabalhadores rurais, ribeirinhos, quilombolas, indígenas, populações urbanas e outros que pertencem a grupos sociais inferiorizados e inviabilizados. Participam jovens,
adultos, crianças e idosos, homens e mulheres, pessoas de diferentes
etnias subjugadas, marginalizadas e excluídas (BENINCÁ, 2011, apud
SANTOS, 2014).
Percebe-se que as características mais marcantes destas organizações sociais são a persistência, a união e a coragem na busca incansável
de seus direitos, principalmente quando esta parte mais frágil, os atingidos, são forçados a aceitar as mudanças sociais imposta pelos empreendimentos.
Considerações finais
Assim, podemos concluir que o conceito de ―atingido‖ deve ser
visto com uma abrangência muito maior do que o estabelecido nas pautas
de construção de Usinas Hidrelétricas ou nas positivações superficiais
legislativas. Não são apenas os diretamente afetados que merecem amparo
legal proporcionado pelo aparato jurídico estatal, mas sim, todos aqueles
que sofrerem qualquer tipo de violação de seus direitos, ou cerceados de
suas garantias quanto as áreas atingidas.
REFERÊNCIAS
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avançados. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007.
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31/06, 01/07, 02/07, 05/07 - Relatório da Violação dos Direitos
Humanos na construção de barragens. Conselho de Defesa dos Direitos
da Pessoa Humana (CDDPH), Brasília/DF, 2011.
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A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL
DO ESTADO BRASILEIRO E A LEI DA
ANISTIA NA CORTE INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS
Aléxia Flach Niehues 1
Círculo de Diálogo: Democracia e Direitos na América Latina:
crises, consolidação e lutas sociais por direitos.
1. Introdução
Não há surpresa ao se afirmar: o direito internacional difere-se
muito do direito doméstico. Não apenas na maneira em que ele é criado
– uma vez que o direito internacional não é criado por uma instituição
superior àqueles que irão se submeter as normas -, mas também nos mecanismos que ele possui para a regulação da sociedade internacional.
Diferentemente dos mecanismos domésticos, quando uma instituição detém o poder da força para fazer valer de suas regras, tal coisa
não existe quando falamos sobre Estados soberanos. Há, de fato, tratados
e instituições que, tecnicamente, regulam e tem o poder de condenar os
Estados por certos atos. No entanto, são os próprios Estados que decidem
se irão se submeter a esses tratados e instituições – que podem ser Organizações Internacionais, Tribunais Internacionais, etc. A regulamentação
dos espaços internacionais parte inteiramente da boa vontade e da boa-fé
dos Estados.
Um princípio do qual se vale o direito internacional para a regulamentação do direito internacional é o da responsabilidade internacional
dos Estados. Este princípio foi introduzido pela primeira vez pela Corte
Permanente de Justiça Internacional, no caso da Fábrica de Chorzów em
1927. A Corte entendeu que uma ação ou omissão que leve a violação de
1
Mestranda em Direito pela Unochapecó. Bacharela em Relações Internacionais pela
UFSC. Membro do grupo de pesquisa Relações Internacionais, Direito e Poder.
Bolsista pela Unochapecó. Contato: niehues.alexia@gmail.com.
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um compromisso acarreta na obrigação do Estado em reparar o dano de
forma adequada e que esta é indispensável, ainda que a reparação não
esteja descrita no tratado ou convenção que foi violado.
Durante este caso, é claro, ainda não havia uma tradição internacional sobre direitos humanos, desse modo, a responsabilidade dos
Estados ainda não era aplicada quando a violação que o Estado cometia
era desta natureza. Foi apenas com o acontecimento da Segunda Guerra
Mundial que se instaurou um novo olhar para a questão dos direitos
humanos e a responsabilidade estatal sobre os mesmos.
Após a Segunda Guerra Mundial e as suas inúmeras atrocidades
e crimes contra os direitos humanos, o direito internacional não se tratava mais apenas da guerra e de acordos internacionais. Com o acontecimento de tantas tragédias, os Estados viram a necessidade de tornar os
direitos humanos parte da agenda internacional. Para isto, foram criados
outros mecanismos de proteção – os chamados sistemas de proteção dos
direitos humanos. Há dois deles que o Brasil faz parte: o Sistema Universal de Proteção aos Direitos Humanos e o Sistema Interamericano de
Proteção aos Direitos Humanos, respectivamente, no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) e no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA).
O Brasil assinou a Declaração Universal dos Direitos Humanos
– que o inseria no Sistema Universal de Direitos Humanos - em 1948,
durante o governo de Eurico Gaspar Dutra. Já o Pacto de San José da
Costa Rica, que insere o Brasil no Sistema Interamericano, foi elaborado
e colocado para assinatura e ratificação dos membros da OEA em 1969,
cinco anos adentro do regime ditatorial militar brasileiro. Obviamente, a
ratificação deste demorou a acontecer: o Brasil só ratificou o Pacto de
San José em setembro de 1992, aceitando a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em outubro de 1998. Deste modo, ainda que parte do Sistema Universal, o Brasil não fazia parte do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos durante o período ditatorial e o
período de transição para a democracia.
No entanto, casos importantes que concernem às violações de direitos humanos pela ditadura militar foram submetidos à Corte – como o
caso da Guerrilha do Araguaia e do jornalista Vladmir Herzog -. Em
ambos os casos, a Corte Interamericana declarou a Lei da Anistia – que
garante segurança àqueles que cometeram crimes durante a ditadura e
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que foi exigida para uma ―transição pacífica‖ à democracia – viola artigos do Pacto de San José.
Apesar do Supremo Tribunal Federal ter previamente reconhecido a inconstitucionalidade de uma lei – a prisão do depositário infiel –
por conta de uma decisão da CIDH, ao tratar-se da Lei da Anistia, negou-se a fazer o mesmo reconhecimento.
Este artigo tem como objetivo estudar a Lei da Anistia e a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos de condená-la, de
modo a argumentar por que o Brasil deveria adotar a decisão da CIDH e
declarar a Lei da Anistia como inconstitucional, assumindo a responsabilidade de reparar e indenizar os crimes cometidos durante o regime ditatorial militar brasileiro.
A pesquisa aqui realizada utiliza-se de metodologia qualitativa,
do método dedutivo, com a exploração de bibliografia, artigos, documentos e notícias.
2.
O Período de Transição e a Lei da Anistia
O regime ditatorial-militar brasileiro se instaurou com um golpe
de Estado em 1964 e foi capaz de se manter no poder por vinte e um
anos, até o início do período democratização – ou, também chamado, o
período de transição.
Segundo Santos (2009), no Brasil, durante a ditadura, estabeleceu-se uma política de ―Defesa Nacional‖, a qual definia a luta contra um
―inimigo interno‖ que trabalhava contra a vontade e o bem-estar geral, as
quais estavam, naturalmente, alinhadas com as vontades do poderio militar.
O relaxamento do regime ditatorial, ou seja, do controle político
e social imposto pelo governo militar, iniciou em 1974 no governo de
Geisel e continuou no governo Figueiredo. Ao invés de o Brasil ter um
governo ditatorial derrubado de fato, houve uma transferência de poderes
para aliados políticos, bem como uma transferência negociada de poder à
uma oposição moderada ao regime. (CODATO, 2005) O grande slogan
do governo Geisel refletiu essa política de abertura temperada do regime
militar: ―lenta, gradual e segura‖.
Esta transição ocorreu devido ao fortalecimento de grupos da sociedade civil que iniciaram um movimento de contestação e de pressão
que deslegitimava o governo ditatorial. Buscou-se, nesse período, aplicar
uma justiça de transição, que nada mais é do que um esforço para recon-
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ciliar as forças antagônicas de um regime autoritário, para que se trilhe o
caminho para a democracia, ou ainda, para um caminho de mais paz.
Nesse sentido, argumenta-se que ao optar-se pela investigação e punição
dos perpetradores, opta-se por uma transição mais violenta, tornando o
―perdão‖ aos crimes uma opção mais conveniente e fácil.
Santos (2009, p. 5) argumenta que ―(...) na América Latina,
muitas vezes, o termo reconciliação foi mal empregado, visando justificar
a ausência de medidas de justiça, verdade, reparação das vítimas ou punição dos responsáveis.‖
Ainda sobre a mesma temática, Mezarroba (2006 apud KOERNER e ASSUMPÇÃO) ensina que houve uma grande participação social
na discussão sobre os direitos de anistia, no entanto, considera que a (...)
―lei foi estabelecida basicamente nos termos almejados pelo governo, que
pretendia estabelecer a pacificação e o esquecimento favorável aos integrantes do aparato repressivo, mais do que promover justiça e esclarecimento da verdade a suas vítimas‖.
A Lei da Anistia, portanto, não apenas isentou de julgamento
torturadores e agentes do governo militar durante o regime, mas também
os inocentou do próprio golpe de Estado que levou ao regime ditatorial.
Isso geralmente leva a um dilema que vários outros países que instauraram suas próprias lei de anistia enfrentaram: justiça ou verdade?
Sikkink e Walling (2007), em sua pesquisa empírica, demonstram que os países da América Latina de fato não estavam prontos para
os julgamentos durante o período de transição, mas que estes julgamentos
seriam benéficos no longo prazo e, que em sua maioria, os países adotaram não apenas a verdade e não apenas a justiça: mas ambos. Ao invés
de escolher entre Comissões da Verdade e Tribunais, as autoras argumentam que os Estados acabam por realizar ambos.
O caso do Brasil distancia-se dos demais da América Latina por
ser um dos únicos países que não procurou ativamente investigar e punir
os perpetradores, como aconteceu, por exemplo, na Argentina e no Chile.
Ainda que admitam que julgamentos de direitos humanos não garantam
a construção do Estado de Direito, na América Latina, por conta do
Estado de Direito surgir em conjunto com o fortalecimento dos direitos
humanos, é irracional que se coloque esses dois processos como antagônicos. Ou seja, o argumento de que tribunais seriam mais maléficos que
benéficos não se prova válido.
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2.2 Direitos Humanos e a Lei da Anistia
A discussão acerca dos direitos humanos não é muito antiga. Antes da Segunda Guerra Mundial, não havia uma preocupação internacional sobre a garantia dos direitos dos homens. Os Estados, no seu exercício da soberania, eram os únicos responsáveis pela proteção dos direitos e
da dignidade de seus cidadãos. Assim sendo, os direitos agora considerados fundamentais dependiam de uma cidadania. Aqueles declarados
apátridas, não gozariam de direitos em qualquer lugar do planeta.
Foi esse condicionamento à cidadania para a existência dos direitos e a soberania dos Estados para agir com autonomia domesticamente
que foi usada como justificativa para as atrocidades cometidas durante a
Segunda Guerra Mundial.
Após testemunhar tamanhos horrores, a comunidade internacional, após o término da Segunda Guerra Mundial, alterou a tutela dos
direitos humanos. O sujeito – a pessoa humana – passou a ser tratado
como sujeito de direito internacional, em que pese que a garantia dos
seus direitos fundamentais é de interesse de todos. Desta maneira, os
países visavam impedir que acontecimentos como o holocausto voltassem a ocorrer.
De tal modo, é possível afirmar que garantir os direitos humanos
e não os violar passou a fazer parte da responsabilidade de cada país.
Relembrando o entendimento da Corte Internacional de Justiça sobre
responsabilidade internacional, aqueles países que violam direitos humanos ou se omitissem em sua garantia, criaram a obrigação de reparar o
dano causado.
Além disso, faz-se necessário citar o primeiro e o segundo princípio do Tribunal de Nuremberg – criado para julgar os crimes cometidos
pelos nazistas durante o holocausto – e que foram ratificados pela Assembleia Geral das Nações Unidas pela resolução nº 95 de 11 de dezembro de 1946. São eles:
―crimes contra o direito internacional são cometidos por homens, não
por entidades abstratas, e é só punindo os indivíduos que cometem estes crimes que as normas do direito internacional podem ser aplicadas‖
II. ―a responsabilidade criminal existe sob o direito internacional mesmo
que o direito doméstico não puna um ato que é crime internacional‖
(ONU, 1946, tradução nossa)
I.
Diante de tais fatos, é possível comprovar que o Brasil não poderia se escusar de julgar os crimes cometidos durante a ditadura militar
com o argumento da existência de uma norma interna que não pune tais
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fatos. Sendo um crime de direito internacional, segundo o princípio acima descrito, a Lei da Anistia não isenta os perpetradores da responsabilidade de seu crime, nem o Brasil de fazer reparações.
O Estado também não tem a possibilidade de alegar a prescrição
dos crimes cometidos durante a ditadura. Isto porque os crimes cometidos então são considerados crimes de lesa-humanidade e, portanto, imprescritíveis. Chega-se a esta observação com a avaliação da definição de
crimes contra a humanidade e a Convenção sobre a Imprescritibilidade
dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade.
O Tribunal de Nuremberg, no documento de sua constituição,
apresenta trinta artigos. O artigo sexto, no qual há a delimitação da jurisdição do tribunal, apresenta três definições importantes: a de crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade (ou lesahumanidade). A definição, no entanto, se expandiu. Nomeadamente, nos
dias atuais usa-se a definição de crimes lesa-humanidade que podem ser
cometidos em tempos de guerra ou não, além de haver um aumento no
rol de crimes citados. Estes crimes se encontram no artigo sétimo do
Estatuto de Roma, documento do Tribunal Penal Internacional. Nele se
lê:
Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a
humanidade", qualquer um dos atos seguintes (...)
a) Homicídio;
b) Extermínio; (...)
e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave (...)
f) Tortura;
g) Agressão sexual (...)
h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, (...)
i) Desaparecimento forçado de pessoas; (...) (BRASIL, 2002)
Atestando que os crimes cometidos pelo governo ditatorialmilitar são crimes que atualmente são considerados crimes contra a humanidade, volta-se para a imprescritibilidade de tais crimes. Esta imprescritibilidade é sedimentada pela Convenção sobre a Imprescritibilidade
dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade de 1968, como previamente citado. Em seu artigo primeiro, a Convenção declara
que nenhum limite jurídico deverá ser aplicado a crimes de guerra e crimes contra a humanidade, independentemente de quando cometidos.
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De tal forma, confirma-se que os crimes da ditadura não somente
são crimes contra a humanidade, como também não prescreveram e nunca irão prescrever. Ou seja, a própria responsabilidade internacional do
Estado brasileiro para com esses crimes não é passível de prescrição.
2.3 A Corte Interamericana de Direitos Humanos
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos são instrumentos para a
promoção e a aplicação dos direitos humanos na América Latina. São
órgãos internos à Organização dos Estados Americanos (OEA) e foram
instituídos pelo Pacto de San José da Costa Rica de 1969.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem competência consultiva, assim como tem como sua função promover o cumprimento dos direitos humanos na América Latina. É de responsabilidade
da Comissão produzir relatórios sobre a situação dos direitos humanos
nas américas e também é de sua responsabilidade acolher – ou não –
petições sobre casos de violação de direitos humanos, que podem ser
submetidas por indivíduos, grupos de pessoas, instituições ou outros Estados. Como sua competência é não-contenciosa, a Comissão busca um
acordo entre a parte lesada e o Estado acusado. Caso um acordo não seja
possível, cabe a Comissão submeter o caso para a apreciação da Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
A competência da Corte, por sua vez, é também contenciosa. Ou
seja, a Corte funciona como um tribunal, julgando os casos de violação
contra os direitos humanos. Além dessa, que é sua principal função, a
Corte pode emitir julgamentos sobre a compatibilidade de normas domésticas com Tratados, Convenções e outros instrumentos de Direito
Internacional.
Ambas competências da Corte interessam para esta pesquisa,
uma vez que a Lei da Anistia foi considerada incompatível com o Pacto
de San José no corpo do julgamento de dois casos contra o Brasil: o caso
da Guerrilha do Araguaia, de 2009, e o caso do jornalista Vladmir Herzog, de 2015.
A decisão da Corte sobre a Lei da Anistia não foi acolhida pelo
Supremo Tribunal Federal, demonstrando certa incoerência quanto à sua
posição perante a Corte. Isto porque a Lei da Anistia não foi a primeira
lei brasileira a ser considerada inconvencional. Em 2008, o STF emitiu a
Súmula Vinculante 25, que declarava ilícita, a prisão do depositário infi-
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el, ainda que prevista no ordenamento jurídico brasileiro. Em seus precedentes representativos, a súmula tem a seguinte fala dos ministros Cezar
Peluso e Gilmar Mendes:
(...) diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais
que cuidam da proteção dos direitos humanos, (...) a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, LXVII) não foi revogada (...), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante
desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria (...). Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas
normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior
que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. (...) 2
No entanto, ao se tratar da Lei de Anistia, a fala do ministro Cezar Peluso alterou-se. Em matéria do jornal Estado de São Paulo, Peluso
alega que a decisão da Corte da inconvencionalidade da Lei da Anistia
―não gera efeitos diretos‖ e que se pessoas anistiadas forem processadas e
recorrerem ao STF, receberão habeas corpus ―na hora‖. (JORNAL O ESTADÃO, 2010)
De sua parte, as decisões da Corte reforçam os princípios já supracitados e consideram que, no momento que os crimes ocorreram, a
obrigação de processar e investigar os crimes lesa-humanidade já eram
norma jus cogens, ou seja, consolidada para o ordenamento internacional.
Além dessa, também era considerada norma jus cogens a da imprescritibilidade de tais crimes. (CIDH, 2009, 2015)
O Brasil foi condenado em ambos os casos – de 2009 e 2015. As
recomendações da Corte foram de investigar e punir os perpetradores dos
crimes julgados, bem como reparar as violações do regime e indenizar as
famílias. Em ambas as decisões, a Corte explicitamente recomendou ao
Estado brasileiro que não usasse mais a Lei da Anistia como obstáculo
para as investigações e a responsabilização das atrocidades cometidas
durante a ditadura militar.
Apesar da condenação, as decisões da Corte Interamericana não
são eficazes na sua aplicação. Isso porque não há algum mecanismo para
punir Estados que não cumpram com as recomendações da Corte. No
final, cabe ao Estado decidir se irá cumprir com as recomendações ou
não.
2
RE 466.343, rel. min. Cezar Peluso, voto do min. Gilmar Mendes, P, j. 3-12-2008,
DJE 104 de 5-6-2009, Tema 60.
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3.
Considerações Finais
O Direito Internacional dos Direitos Humanos como matéria se
desenvolveu muito no pós Segunda Guerra, tornando possível que se
responsabilizasse Estados por suas violações de direitos humanos, ainda
que essas fossem legais do ponto de vista do ordenamento jurídico doméstico.
Este fato se torna essencial ao analisarmos a possibilidade de
responsabilizarmos o Estado brasileiro pelas violações contra os direitos
humanos cometidas durante o regime ditatorial-militar, bem como pela
sua omissão em investigar e punir os perpetradores. Os crimes cometidos
são considerados relevantes não apenas para as famílias e para a população brasileira, mas apresentam-se como ponto de interesse para toda a
comunidade internacional.
A Corte IDH é um órgão que, apesar de não considerada como
uma quarta instância, tem a competência reconhecida para julgar os
acontecimentos ocorridos no Brasil durante o período ditatorial – considerando a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade. A Comissão e a Corte podem ser acessadas quando se exaurem as instâncias para
se recorrer a um caso internamente. A Lei da Anistia, que foi acolhida
pela Constituição de 1988 e que tem o apoio doutrinário do STF, é um
obstáculo certo no processamento dos crimes do regime militar internamente. Não é de se admirar, portanto, que casos famosos da ditadura
tenham chegado até a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Infelizmente, a Corte não tem o poder para fazer valer as suas
recomendações ao condenar o Brasil por ambos os casos relacionados ao
regime ditatorial-militar. Novamente, cabe à boa vontade de se fazer
valer das decisões em prol dos direitos humanos que partem da Corte.
O Brasil se encontra em um movimento contrário ao de países
como a Argentina e o Chile que, também condenados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por crimes cometidos durante seus períodos militares, decidiram pelo processamento dos agentes estatais que
cometeram crimes durante a ditadura.
Apesar do exemplo dos vizinhos e de no passado haver recepcionado uma decisão da Corte sobre a nulidade de uma de suas leis em vista
da Convenção Americana de Direitos Humanos, o Supremo nega a exigência da Corte, alegando que as decisões dessas tomam efeito apenas no
âmbito da Convenção.
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Alguns autores argumentam que o motivo da Lei da Anista continuar em vigor também se dá ao fato de o poderio ditatorial ter se infiltrado na democracia. Inclusive, como já citado, a transferência de poder
à aliados foi uma das coisas que permitiu que a transição ocorresse sem
tanta violência. A decisão de manter o esquecimento e a impunidade dos
crimes da ditadura é política e também deliberada. Não interessa às elites
políticas que haja a investigação e o julgamento dos perpetradores do
regime ditatorial: isso interessa às camadas mais baixas que são mais
suscetíveis à violência estatal, bem como àqueles que lutaram durante a
ditadura e as suas famílias.
Partindo de uma análise menos prática da realidade e olhando
para o caso da Lei da Anistia por uma ótica do ―dever-ser‖, é evidente
que há uma enorme demanda para que a Lei da Anistia seja anulada. Os
argumentos brasileiros para a não anulação não apenas vão contra o jus
cogens, mas também contra tratados, acordos e convenções da qual o
Brasil faz parte.
O fortalecimento dos direitos humanos no Brasil ganharia um
impulso deveras grande com a anulação da Lei da Anistia conforme proposto pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Não apenas por
reconhecer as violações de direitos humanos na época da ditadura, mas
também porque o direito à verdade é algo a ser assegurado hoje. A anulação da Lei da Anistia não só garante a punição dos perpetradores, mas
garante os direitos humanos do hoje, de toda a população que não sabe a
verdade sobre os horrores do regime ditatorial.
4.
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DESENVOLVIMENTO REGIONAL NO
BRASIL E A PARTICIPAÇÃO
SOCIAL NESSE PROCESSO
Sidiane dos Santos Alvaristo 1
Cristiane Tonezer 2
Rosana Maria Badalotti 3
Círculo de Diálogo: Democracia e Direitos na América Latina:
crises, consolidação e lutas sociais por direitos.
1. Introdução
Compreender o desenvolvimento regional no Brasil pressupõe o
desafio de pensá-lo em termos da sociedade, que vai além da ocupação e
do desenvolvimento econômico (LIMONAD, 2015). Para tanto, é imprescindível apreender os aspectos históricos relacionados à política de
desenvolvimento regional – que são intrínsecos ao contexto do país, inclusive no que se refere aos regimes políticos. Nesse sentido, analisar a
participação social nesse processo é importante para entender como e a
partir de quais opções o desenvolvimento regional foi se configurando no
decorrer da história no Brasil. Assim, a problemática que se apresenta
neste trabalho busca analisar o seguinte questionamento: as políticas de
desenvolvimento regional levaram em conta a participação social?
A partir das discussões acerca da formação histórica, ocupação
do espaço, dinâmicas regionais e rurais abarcadas pela disciplina de De1
2
3
Mestranda em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais pela UNOCHAPECÓ.
Assistente Social na Prefeitura Municipal de São Lourenço do Oeste/SC. Grupo de
Pesquisa
em
Políticas
Públicas
e
Participação
Social.
Contato
sidiane.santos@unochapeco.edu.br.
Doutora em Desenvolvimento Rural pela UFRGS. Professora da UNOCHAPECÓ e
Coordenadora da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da
UNOCHAPECÓ. Grupo de Pesquisa Dinâmicas Regionais e Desenvolvimento
Rural. Contato: tonezer@unochapeco.edu.br.
Doutora em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Professora da UNOCHAPECÓ e Editora-chefe da Revista Grifos. Grupo de
Pesquisa
Dinâmicas
Regionais
e
Desenvolvimento
Rural.
Contato:
rosana@unochapeco.edu.br.
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senvolvimento Regional e Rural, no âmbito do Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais da
Unochapecó, este trabalho objetiva analisar o desenvolvimento regional
no Brasil e a participação social nesse processo. Para tanto, utilizou-se
como procedimento metodológico a pesquisa bibliográfica. Organizou-se
o presente trabalho inicialmente com uma breve abordagem acerca das
noções de território e desenvolvimento. Em seguida apresentam-se aspectos acerca do desenvolvimento regional no contexto brasileiro para então
analisar a participação social nesse processo e posteriormente realizam-se
as considerações finais do trabalho.
2 Desenvolvimento regional e participação social
Kageyama (2004) ressalta a complexidade do conceito de desenvolvimento econômico, social, cultural e político e aponta que é preciso
realizar a decomposição de alguns de seus aspectos para alcançar sua
definição.
Historicamente em decorrência da agricultura os grupos sociais
passaram a se estabelecer em determinadores espaços e para proteção da
sua produção instituíram a noção de delimitação de fronteiras. Nessa
época do imperialismo, a expansão territorial era interpretada como progresso – primeiro sinônimo de desenvolvimento (RATZEL,1983). Como
uma primeira aproximação ao conceito de território, Souza (1995, p. 78
apud SOUZA, 2015, p. 78) indica que ―(...) é, fundamentalmente, um
espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder‖. Souza
(2015, p. 89) conceitua que os territórios ―não são matéria tangível, palpável, mas sim campos de força que só existem enquanto durarem as
relações sociais das quais eles são projeções especializadas‖. A partir da
noção de território como indissociável das relações sociais e de poder,
Santos (1988) destaca que no contexto da globalização do século XX
pensar território remete a expansão das fronteiras e a entrada de novos
países na competição que estimularam o desenvolvimento de recursos
tecnológicos. De acordo com o referido autor, tais recursos eram criados
para estabelecer novos meios de comunicação e também para aumentar a
eficiência na produção.
A internacionalização da economia permitiu falar de cidades mundiais, verdadeiros nós na cadeia de relações múltiplas que dão um arcabouço à vida social do Planeta. Na verdade, porém, é o espaço inteiro
que se mundializou, e já não existe um único ponto do Globo que se
possa considerar como isolado (SANTOS, 1988, p.12).
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Diferentemente do imperialismo, no contexto capitalista pósrevolução industrial, o acúmulo de capital passou a assumir o significado
de progresso. A prática recorrente era a exploração dos recursos naturais
e a transformação destes em produtos com valor agregado (ROMEIRO,1991). Essa nova ordem global formada no contexto da globalização,
ou mundialização, instituiu ao conjunto regional uma nova perspectiva,
sendo incluído num contexto maior, devendo ser atribuído a ele um estudo detalhado
[...] de sua composição enquanto organização social, política, econômica e cultural, abordando-lhe os fatos concretos para reconhecer como a área se insere na ordem econômica internacional, levando em
conta o preexistente e o novo, para captar o elenco de causas e consequências do fenômeno (SANTOS,1988, p.17).
A dinâmica do desenvolvimento contemporâneo a partir dessa
inclusão do contexto regional na perspectiva mundial, de acordo com
Polany (2000, apud BECKER, 2002), é governada um duplo movimento:
um ditado pela dinâmica da economia de mercado e outro definido por
um comportamento defensivo de uma sociedade que enfrenta mudanças.
Segundo Becker (2002), o primeiro é caracterizado pela reação passiva
e/ou abortada pela economia global, que resulta da incapacidade organizacional dos agentes regionais de superarem as contradições e resolverem
os conflitos, o que impossibilita a construção de um projeto próprio e
específico. O segundo, definido pela reação ativa e/ou nascida da integração social regional é resultado da capacidade organizacional dos agentes regionais de superarem as contradições e resolverem os conflitos através da integração dos interesses locais com os interesses socioambientais
regionalizados.
Becker (2002) ressalta que essa integração somente será possível
se os agentes regionais, enquanto protagonistas diretos do desenvolvimento regional, conceberem e fizerem nascer, naturalmente, um processo
de uma organização social pró-desenvolvimento regional através de uma
crescente participação política. Destarte, o autor considera que algumas
regiões se desenvolvem passivamente e outras ativamente, tendo em vista
que
(...) é em função desse estimulo aos valores culturais acumulados regionalmente, ou do ―capital social‖ regional existente, que algumas regiões conseguem responder positiva e ativamente os desafios regionais
da globalização contemporânea, construindo seus próprios modelos de
desenvolvimento (BECKER, 2002, p. 39).
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Assim, as diferentes dinâmicas do desenvolvimento regional dependem de uma crescente organização social das comunidades regionais
(BECKER, 2002). A partir destas ponderações, compreender o desenvolvimento regional no contexto brasileiro requer ponderar as dicotomias
existentes no país. Os autores Macedo e Porto (2018) conceituam ―(...)
questão regional como desdobramento da problemática do desenvolvimento capitalista e da conformação de padrões de divisão do trabalho
que se diferenciam espacialmente‖ (PACHECO, 1998, p. 220 apud MACEDO; PORTO, 2018, p.680). A partir desta questão regional,
Em resposta aos absurdos crescentes que encontramos na favela, no latifúndio e na fumaça das cidades congestionadas surge, com grande
força, nas últimas décadas, uma tendência das pessoas se organizarem
para tomar em mãos, senão os destinos da nação, pelo menos o destino do espaço que as cerca (DOWBOR, 2016, p. 13).
Segundo Dowbor (2016, p.13), esta tendência compreendida
como espaço local é no Brasil ―(...) o município, unidade básica de organização social, mas é também o bairro, o quarteirão em que vivemos‖.
Nesse sentido, compreender o desenvolvimento regional remete a pensalo como alternativa frente a questão regional – que é inerente a questão
social4 – para que as localidades, a partir de seu potencial, enfrentem seus
desafios.
Em síntese, desenvolvimento territorial pode ser entendido como um
estágio do processo de mudança estrutural empreendido por uma sociedade organizada territorialmente, sustentado na potencialização dos
capitais tangíveis (ou materiais) e intangíveis (ou imateriais) existentes
no local, com vistas à melhoria da qualidade de vida de sua população
(DALLABRIDA; SIEDENBERG; FERNÁNDEZ, 2004, p. 53).
No Brasil as políticas de desenvolvimento regional precisam ser
compreendidas historicamente. Carleial (2014) sinaliza que o desenvolvimento regional brasileiro é observado a partir da escala das macrorregiões. Argumenta que a divisão inter-regional do trabalho que temos hoje é
resultado do processo de crescimento do país no século XX, cujo padrão
é representado por determinadas regiões que são alvo, historicamente, de
políticas compensatórias, mesmo que detentoras de riquezas minerais
imensas (como a região Norte). As escolhas realizadas nesta época, especialmente entre 1950 a 1980, promoveram alguma integração produtiva e
reduziram a sensação de ―ilhas‖ (regiões). No entanto também ocasiona4
De acordo com a concepção marxista, a questão social é entendida como expressão
das desigualdades sociais oriundas do modo de produção capitalista.
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ram entraves ao desenvolvimento brasileiro em seu sentido mais amplo
(CARLEIAL, 2014).
Carleial (2014) pauta que com a intensificação da preocupação
com os problemas regionais – a exemplo da seca na região Nordeste –
instituíram-se as Superintendências5 para acesso a crédito, no entanto
ressalta que essa política ficou restrita aos grandes agricultores – na perspectiva do crescimento econômico. Destaca também que é importante
compreender que nesse período o contexto político do país era marcado
pelo predomínio de regimes autoritários. Na década de 1980 iniciou-se no
país o processo de redemocratização, todavia ocorre o desmantelamento
das políticas regionais, com extinção das superintendências. Os fundos
constitucionais ficaram subordinados à necessidade de controle social,
não sendo aplicados em sua totalidade.
A partir do processo de descentralização administrativa no Brasil, que teve início com a Constituição Federal de 1988, implementou-se
o pacto federativo, com a transferência de responsabilidades e direitos aos
entes federativos, sejam eles estados ou municípios (CARLEIAL, 2014).
Segundo Carleial (2014), esse marco foi relevante ao recuperar para o
Estado o seu poder indutor de desenvolvimento, instituir vários formatos
de participação popular e estabelecer o compromisso com a redução das
desigualdades regionais. Como ressalva, a autora sinaliza a alteração da
legislação no que se refere à cobrança do Imposto sobre circulação de
mercadorias e serviços (ICMS), que deixou de ser cobrado na origem e
passou a ser cobrado no destino. Com base nessas ponderações, a autora
indica o ―perfil bipolar‖ do Estado brasileiro no que se refere à questão
regional: em que ―dá com uma mão e tira com a outra‖ e reforça a divisão inter-regional vigente de macrorregiões de primeira e segunda linha
(CARLEIAL, 2014).
De acordo com Carleial (2014), a crise dos anos 1980 abalou fortemente a indústria brasileira e estabeleceu um ambiente de redução do
poder de financiamento do Estado, com aumento da dívida externa e
inflação. A partir disso adotaram-se políticas de ajustamento – representadas pelo Consenso de Washington e traduzidas na abertura comercial,
privatizações, desregulamentação dos mercados e programas de controle
5
A partir da macrorregionalização no país, institucionalizam-se importantes órgãos de
planejamento regional como a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia
(Sudam), Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco),
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e Superintendência do
Desenvolvimento da Região Sul (Sudesul) (BALBIM; CONTEL, 2013, p.40).
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da inflação. O país passou a ser regido por ações de curto prazo e as políticas de desenvolvimento regional coordenadas nacionalmente desaparecem (CARLEIAL, 2014). A partir da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), instituída no ano de 2007, buscou-se resgatar a
questão regional. Todavia, segundo Carleial (2014), há uma enorme dificuldade de constituir-se no país uma convergência em direção a um projeto próprio de desenvolvimento regional. A autora indica que não há
uma perspectiva ampla que veja a questão regional no âmbito das tendências que a economia brasileira apresenta e de como cada macrorregião poderá participar dessas mudanças (CARLEIAL, 2014).
Com base nessas considerações, analisar a participação social relacionada às políticas de desenvolvimento regional no Brasil remete ao
contexto de luta pelo reconhecimento de direitos coletivos, que a década
de 1980 foi marcada por experiências político-sociais com o ―surgimento
de inúmeros movimentos sociais em todo o território nacional, abrangendo diversas temáticas e problemáticas‖ (GOHN, 1995, p. 126). Além
da luta pelas eleições diretas, eclodiram no país reivindicações pela saúde, educação, moradia e diversas outras, contidas até então pela ditadura
do Regime Militar brasileiro. Gohn (2006) resgata que na década de 1980
a discussão sobre os conselhos populares tinha como centralidade a questão da participação popular, definida na época ―[...] como esforços organizados para aumentar o controle sobre os recursos e as instituições que
controlam a vida em sociedade‖ (GOHN, 2006, p.7). A referida autora
pondera que a participação passou a ser concebida como intervenção
social periódica e planejada, ao longo de todo o circuito de formulação e
implementação de uma política pública, porque as políticas públicas ganharam destaque e centralidade nas estratégias de desenvolvimento,
transformação e mudança social (GOHN, 2006).
Conforme aponta Carleial (2014), reitera-se que o marco de descentralização administrativa instituído com a promulgação da Constituição Federal de 1988 é notório. É também imprescindível reconhecer os
avanços obtidos a partir da Carta Magna na seguridade social brasileira e
também na ampliação dos espaços de participação popular. Em seu trabalho sobre os sentidos e desafios da participação, Lüchmann (2006, p.
23) aponta que a partir do processo de redemocratização do Brasil apostase em uma ―[...] partilha de poder entre o Estado e a sociedade civil na
formulação e decisão do interesse público‖.
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Para Souza (2010, p. 79) ―uma realidade indiscutível é a de que a
participação é processo existencial concreto, se produz na dinâmica da
sociedade e se expressa na própria realidade cotidiana dos diversos segmentos da população‖. A autora chama a atenção para a importância de
considerar alguns aspectos do discurso da participação, sobretudo no que
se refere ao desenvolvimento reduzido tão somente a variáveis de ordem
econômica. Considera que a adesão a um enfoque complementar de desenvolvimento – que tenta minimizar o aumento da distância social gerada pelo crescimento econômico implementado – se dá numa perspectiva
curativa: ―a preocupação maior é para com a ordem social: que ela se
mantenha e facilite o próprio desenvolvimento econômico‖ (SOUZA,
2010, p. 80). Argumenta que no Brasil, a partir dos anos 1950, a implantação de novos projetos econômicos demandaram a redefinição política
de novas formas de dominação: ―a dominação se realiza sobretudo através da aceitação e é mais plena e maior quanto mais as ideologias e práticas políticas em geral levam os segmentos majoritários da população a
aceitarem a dominação e a exploração‖ (SOUZA, 2010, p. 80). Destarte,
aponta que para se manter desigualmente estruturada a sociedade requer
um processo de dominação, que pode ser realizado por meio de vários
instrumentos, inclusive formas de educação institucionalmente criados.
Nesse sentido, Souza (2010) aponta como processo equivocado de participação aquele que suscita na população predisposição para consentir a
dominação, aceitar a contradição, como a de absorver hábitos de consumo criados pelo mercado apesar de permanecer com as mesmas condições sociais.
A ultrapassagem na compreensão da realidade cotidiana e nas ações
sobre ela requer que se tenha uma posição inequívoca sobre a participação. Esta posição não é tão simples, sobretudo quando se considera
a complexidade da dinâmica social. Tal ultrapassagem pode ser trabalhada através de um processo educativo determinado, cujo objetivo é
interferir na dinâmica social da realidade de participação existente em
dada situação social. Define-se como processo educativo de participação: O processo que se expressa através da conscientização, organização e capacitação contínua e crescente da população ante a sua realidade social concreta. Como tal é um processo que se desenvolve a partir do confronto de interesses presentes a esta realidade e cujo objetivo
é a sua ampliação enquanto processo social. (SOUZA, 2010, p. 84).
Ao descrever a evolução das tentativas de efetivar a abordagem
territorial do desenvolvimento rural brasileiro – mas que também são
pertinentes a análise de desenvolvimento regional proposta neste trabalho
– Favareto (2015) indica avanços e ressalta impasses que ainda precisam
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ser superados. O referido autor destaca que no início dos anos 2000 (no
final do governo Fernando Henrique Cardoso) foram introduzidas mudanças que tentavam dialogar com resultados de pesquisas sobre o rural
brasileiro, representadas pela destinação de parte dos recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf/Infraestrutura para projetos de caráter intermunicipal, na tentativa de
introduzir os primeiros componentes de uma política de desenvolvimento
territorial.
Favareto (2015) aponta que posteriormente (já no início do governo Lula) criou-se a Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário. A partir desta iniciativa o autor
constata dois movimentos: primeiro que todos os investimentos passaram
a ser feitos em agregados de municípios; e segundo que em vez de Conselhos Municipais, passou-se a estimular e exigir a criação de Colegiados
Terrirtoriais. Ao analisar a composição dos referidos colegiados, Favareto (2015) sustenta como ponto positivo que as diferentes correntes políticas dos movimentos sociais reconheciam e participavam destas articulações. Todavia, aponta como ressalvas negativas que indígenas e quilombolas ―(...) estavam ausentes das articulações territoriais e, por decorrência, poucas vezes eram alcançados pelos investimentos‖ (FAVARETO,
2015, p. 269). Ademais, também critica a ―ausência de organizações de
jovens agricultores ou da participação individual de agricultores com
estas características nos colegiados territoriais‖ (FAVARETO, 2015, p.
269). O autor explica que estes colegiados provocaram mudanças, mas
não conseguiram envolver as forças sociais mais influentes dos territórios.
A partir desses indicativos, Favareto (2015, p. 271) constata que
se faz necessário com urgência pensar em revisão das ―regras das políticas sociais e aprimorar seus instrumentos‖. O autor destaca ainda a iniciativa inovadora de criação do Territórios da Cidadania no ano de 2008
―como uma tentativa de integrar e dar coesão a um conjunto de ações,
antes dispersas em diversas estruturas do Poder Executivo‖ (FAVARETO, 2015, p. 272). No entanto, Favareto (2015) pondera que este programa se desintegrou e que o território segue sendo percebido como repositório de investimentos. Ressalta que há limitação na amplitude do investimento, mais voltado ao campo econômico do que às questões sociais
– organização e mobilização. Nessa perspectiva, Favareto (2015) recomenda que o desempenho da política de desenvolvimento territorial necessita de incentivos, como o estabelecimento de metas, a diversificação
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dos instrumentos e uma tipologia do Brasil rural, estratégias de desenvolvimento territorial e incentivo a inovação.
Destarte, tais incentivos ao desenvolvimento territorial corroboram com o entendimento acerca da importância do processo educativo da
participação. Ainda de acordo com Favareto (2015), o desenho da política de desenvolvimento regional requer o privilégio da gestão social da
política. Tenório (2016, p. 13) entende gestão social como ―o processo
gerencial participativo onde a autoridade decisória é compartilhada entre
os envolvidos na ação‖. A partir de tais compreensões apreende-se que o
desenho das políticas de desenvolvimento regional no Brasil nem sempre
levaram em conta a participação – concebida como ―intervenção periódica, refletida e constante nas definições e nas decisões das políticas públicas‖ (BAVA, 1994, p. 8, apud TENÓRIO, 2016, p. 21).
Carleial (2014) enfatiza que a divisão inter-regional do trabalho
que temos hoje é resultado do processo de crescimento do país no século
XX, cujo padrão é representado por determinadas regiões que são alvo,
historicamente, de políticas compensatórias. Favareto (2015) indica que o
território segue sendo percebido como depósito de investimentos, desconexo das particularidades territoriais e de planejamento elaborado a partir
das potencialidades e desafios, com o envolvimento dos atores locais. Os
referidos autores enaltecem que a partir da Constituição Federal de 1988
instituíram-se vários formatos de participação popular e que esse elemento é imprescindível para o desenvolvimento regional.
Em sua análise sobre as experimentações e o futuro das políticas
de desenvolvimento territorial e rural no Brasil, Favareto (2015, p. 274),
indica que
Há uma clara aposta de que a criação de espaços participativos levaria
a uma maior eficiência nos investimentos. E isso ocorreria por duas razões: ao haver maior participação, haveria maior controle social sobre
os investimentos, aumentando sua eficácia; e com esta participação as
políticas alcançariam as verdadeiras prioridades, já que as pessoas que
vivem as necessidades de investimentos sinalizariam onde seria melhor
fazê‑los. Estas duas razões estão presentes em todas as iniciativas que
tomam o ―empoderamento‖ dos atores sociais como critério de sucesso.
Segundo Favareto (2015), a introdução de iniciativas que consideraram a participação nas políticas de desenvolvimento regional no
Brasil levou a maior democratização e transparência da política, se comparada com experiências anteriores. Todavia, problematiza que a gestão
social permanece a mesma depois de duas décadas e se mostra limitada:
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não foi refinada e envelheceu. O referido autor indica que a partir das
aprendizagens possibilitadas até então poder-se-iam introduzir inovações
no sentido de mobilizar atores, nas formas de participação social e na
cumulatividade e alcance das definições – ao passo que os instrumentos
como os planos não sejam peças burocráticas, mas sim diretrizes, revisadas e atualizadas periodicamente.
Tudo isso contribuiria para aprimorar a tecnologia da participação social, tornando a política mais aderente às necessidades e à heterogeneidade do Brasil rural. E, ao mesmo tempo, contribuiria também para libertá‑la do risco de restringir‑se somente às forças sociais organizadas
(FAVARETO, 2015, p. 276).
Conforme Becker (2002), devemos entender o processo de desenvolvimento regional como um processo de transformações – econômicas, sociais e políticas – cuja dinâmica é produzida por iniciativa própria
dos sujeitos coletivos.
É também localmente ―que as vontades são determinadas, já no nível
dos interesses materiais e econômicos (...) e passam, objetivamente,
por um processo de universalização [politização] que leva à formação
de sujeitos coletivos‖ (COUTINHO, 1998, P. 35 apud BECKER,
2002, p. 50).
Becker (2002) destaca que isso se concretiza com a crescente participação social e cidadã no processo de decisão e construção regional dos
modelos de desenvolvimento. O autor sinaliza que a participação social
―é um processo formativo lento, uma recuperação coletiva da capacidade
de organizar e de construir uma região‖ (BECKER, 2002, p. 50). Entende-se, portanto, que a participação social é imprescindível para o desenvolvimento regional, como possibilidade de compartilhamento de poder
de decisão sobre as políticas entre Estado e sociedade.
3.
Considerações Finais
Apreende-se que há historicamente no Brasil uma enorme dificuldade de convergência acerca do desenvolvimento regional. Nota-se
que os aspectos relacionados à essa política são marcados pelas opções ou
omissões históricas e intrínsecos ao contexto do país, inclusive no que se
refere aos regimes políticos.
Identifica-se que o desenho das políticas de desenvolvimento regional no Brasil nem sempre levou em conta a participação social. Mesmo as iniciativas que consideraram esse elemento precisam de inovação,
na medida em que a integração regional é fundamental para o enfrenta-
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mento do paradigma de adequação do desenvolvimento que prioriza o
aspecto econômico em detrimento dos demais.
4.
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DISCUSSÕES SOBRE O USO DA MACONHA
MEDICINAL RELACIONADO À DIGNIDADE
HUMANA
Janaína Reckziegel1
Simone Tatiana da Silva2
Círculo de Diálogo: Democracia e Direitos na América Latina:
crises, consolidação e lutas sociais por direitos.
1. Introdução
Este estudo aborda a questão do uso de substância derivada da
maconha para fins medicinais. Estas substâncias não apresentam efeitos
psicotrópicos, e pelo contrário, produzem diversos efeitos benéficos, no
tratamento de doenças. Há registros de que são eficazes no combate a
epilepsia refratária, a ansiedade, nos distúrbios do movimento, também
tem ação antioxidativa e neuroprotetora.
Apesar dos benefícios citados acima, o uso destas substâncias
ainda é controverso, pois se tratam de derivadas de uma droga proibida
no Brasil. Nesse sentido, por muito tempo o canabidiol foi considerado
substância proibida pela ANVISA e os pacientes que dela necessitavam
eram obrigados a procurar à Justiça. Até que em 2015, a substância passou a ser controlada, e os pedidos pela mesma puderam ser feitos diretamente a este órgão regulamentador. No entanto, é grande o número de
pedidos negados e por isso para garantir o tratamento, muitos pacientes
buscam a solução da controvérsia perante o poder Judiciário.
Afinal, o que se pode fazer quando o único tratamento com possibilidade de eficácia utiliza-se do derivado de uma droga? Para respon-
1
2
Pós-Doutora em Direito. Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC.
Professora do Mestrado e Doutorado em Direitos Fundamentais – UNOESC.
Contato: janaina.reck@gmail.com
Mestre em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais. Universidade do Oeste de Santa
Catarina. Acadêmica do Curso de Direito. Contato: simonets12@hotmail.com
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der esta questão, relaciona-se o direito à saúde, determinado pela Constituição de 1988, com a categoria dignidade humana de Kant.
Entende-se que a saúde é necessária para que haja o mínimo de
dignidade humana, e se para obtenção desta dignidade é necessário utilizar-se de medicamento controverso, uma proibição legal não é suficiente
para seu impedimento. Por isso, é necessário que se pensem novas formas
de regulamentação do uso do canabidiol.
2. Desenvolvimento Teórico
2.1 A Utilização Do Canabidiol: Reflexões Históricas
A cannabis sativa, conhecida como cânhamo da Índia ou maconha, é um arbusto dioico pertencente a família Moraceae (WESSLER,
2014). Em suas folhas há glândulas de resina, que contém quantidades
consideráveis de compostos ativos, chamados de canabinóides. Em algumas variedades de cannabis, o canabinóide principal é o componente
delta9-tetrahidrocanabinol (THC) e em outras, há baixa concentração de
THC, havendo predominância de canabidiol (CBD) (ZUARDI, 2008).
Graças as suas caracteristicas, a maconha foi muito utilizada no
decorrer da história, nas mais diversas aplicações. Seu cultivo é muito
antigo, tendo os primeiros indícios de seu uso há 10.000 anos atrás. No
Brasil, em 1917 era comum encontrar derivados da planta em tabacarias
e em farmácias. Por volta de 1930, eram prescritos por médicos e vendidos por herbários e farmacêuticos. Também eram consumidos em cerimônias religiosas derivadas de tradições africanas, indígenas e europeias.
Alguns grupos possuíam a planta cultivada em pequena escala, para uso
em reuniões sociais. A partir de 1960, o hábito de fumar a planta intensificou-se na Europa e nos Estados Unidos, sendo incorporada a sociedade
capitalista. Atualmente há muito temor em relação ao uso da cannabis, já
que é a substância ilícita mais consumida no mundo (WESSLER, 2014).
No que se relaciona ao uso da maconha como medicamento,
Melo e Santos (2016), relatam que o primeiro uso da cannabis para esta
função ocorreu em 2300 a.C., quando o chinês Chen Nong prescreveu a
chu-ma (cânhamo fêmea) para o tratamento de gota, constipação, malária, reumatismo e problemas menstruais, classificando a planta como
―supremo elixir da imortalidade‖. Há também registros do uso da cannabis como remédio para dores de dente, reumatismos e partos no período
medieval da Europa.
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O principal componente da cannabis utilizado como medicamento é o canabidiol (CBD), que foi isolado da maconha em 1940 por Adams
et al., e em 1963, teve a estrutura química elucidada por Mechoulan e
Shvo. Em 1973, um grupo brasileiro informou que a CBD era ativa na
redução ou bloqueio de convulsões produzidas em animais experimentais. No final da década de 70, o mesmo grupo brasileiro testou CBD
para tratamento de epilepsia intratável, dos oito pacientes que receberam
CBD, apenas um não apresentou melhora (ZUARDI, 2008).
Ainda na década de 1970, surgiram evidências de ação sedativa e
em seres humanos com insônia, altas doses de CBD aumentaram a duração do sono. Já em 1974, percebeu-se que a substância poderia atuar
como ansiolítico. A primeira evidência de que a CBD poderia ter efeitos
antipsicóticos foi obtida em 1982. Nos anos 1980, surgiram relatos de
possíveis efeitos do CBD em distúrbios do movimento. No final da década de 1990, foi demonstrado que o canabidiol podia reduzir o dano oxidativo, melhor que outros antioxidantes. As possíveis ações neuroprotetoras, destacam o potencial terapêutico deste composto na doença de
Alzheimer (ZUARDI, 2008).
Em 2000, realizou-se estudo do CBD como agente terapêutico na
progressão da artrite. O CBD também se mostrou efetivo em estados
dolorosos neuropáticos crônicos em ratos. O CBD também foi estudado
na prevenção de danos causados pela isquemia cerebral, apresentando-se
resultados significativos em roedores. Outra doença estudada em relação
ao canabidiol foi o diabetes. Descobriu-se que o tratamento com CBD em
camundongos antes do desenvolvimento da doença reduziu sua incidência em 86%. Em 2000, percebeu-se que o CBD tem efeitos sobre a apoptose em células de leucemia mioblástica humana e sobre inibição do crescimento tumoral (ZUARDI, 2008).
Verfica-se, portanto que, o canabidiol é importante e eficaz no
tratamento de diversas doenças. No entanto, a legislação brasileira, historicamente proíbe o uso da planta, inclusive para fins medicinais. Essa
proibição é derivada dos discursos históricos relacionados à planta, que
serão abordados na sequência deste estudo.
2.2 A Influência Dos Discursos Relacionados À Maconha Em
Relação À Regulação De Seu Uso Em Cárater Medicina
Há a proibição do uso da maconha em parte devido aos discursos históricos sobre a substância. Percebe-se por meio de Rodrigues
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(2008) que nem sempre a substância teve seu uso proibido, já que na
passagem do século XIX para o século XX tanto a maconha, como a
cocaina e a heroína não eram proibidas. A proibição iniciou-se graças a
uma campanha com ideais puritanos, que envolvia preconceitos, racismo
e xenofobia, especialmente nos Estados Unidos.
A partir da Convenção Única de Estupefaciantes da ONU (Organização das Nações Unidas), que o proibicionismo universalizou-se. O
tratado que resultou deste evento determinou como deveria ser uso das
substâncias psicoativas, que teriam cárater estritamente médico (RODRIGUES, 2008). Nesse sentido, a maconha foi alocada na lista I do
documento, que se refere às substâncias que podem causar dependência e
por esta razão tem sua produção, distribuição, prescrições e demais atividades controladas (OLIVEIRA; RIBEIRO, 2017).
A maconha também foi incluída na lista IV da mesma Convenção, de 1961, considerada como droga particularmente perigosa e o seu
uso restrito à indicação médica, inclusive com regulação da quantidade
fabricada e importada da substância. Para realizar a Regulação desta
droga, o país deveria possuir um órgão responsável, que no caso do Brasil
seria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) (OLIVEIRA; RIBEIRO, 2017).
Apesar das considerações da Convenção de Estupefacientes, em
termos mundiais, em muitos países a maconha é permitida. Atualmente
nos Estados Unidos, 22 estados permitem a produção e comercialização
da cannabis para tratar doenças e em dois estados o uso recreativo é permitido (Colorado e Washington). O Reino Unido já produz um medicamento, Sativex (tetrahidrocanabidiol e canabidiol), que é exportado para
20 outros países. Em Israel a droga não é legalizada, mas é possível adquiri-la mediante autorização do governo. Na Holanda a venda e o consumo são permitidos em lugares autorizados (coffee shops) e desde 2003,
a prescrição para uso terapêutico é autorizada e pode-se adquirir a substância na farmácia. No Brasil a situação é diversa, dos países citados
(BUENO, 2014).
No Brasil, de forma geral há uma opinião pública desfavorável
da substância, que ainda em 1932, a maconha foi incluída na Lista de
Substâncias denominadas Cannabis Indica, através do Decreto nº 20.930,
que proibiu o uso da planta em todo território nacional. Em 1936, criouse a Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecente (CNFE), que
tinha como objetivo centralizar todos os esforços na guerra contra as
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drogas e também foi lançada a Campanha Nacional de Repressão ao Uso
e ao Comércio de Maconha (SAAD, 2010). Em 1976, ocorreu a proibição total da exploração, colheita, cultura e plantio da planta no Brasil,
pela Lei n. 6368/76 (BUENO, 2014). Em 2006, foi criada a nova política
antidrogas, que seguiu proibicionista (RODRIGUES, 2009).
No que se relaciona a regulamentação do canabidiol como medicamento, até 2014, a substância era considerada proscrita pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária e estava presente na ―Lista F‖ da Portaria da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde
(SVS/MS) nº 344/1998, o que impedia a importação da substância e
levava os interessados à solicitar administrativamente ou ao Poder Judiciário (MELO; SANTOS, 2016).
Diante do contexto de grande procura pela substância, ainda em
2014, o Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio da Resolução
2113/2014, regulamentou o uso compassivo do canabidiol como terapêutica médica, exclusiva para o tratamento de epilepsia na infância e adolescência refratárias às terapêuticas convencionais. A prescrição foi restringida às especialidades de neurologia e suas áreas de atuação, neurocirurgia e psiquiatria. Ficou vedada a prescrição de cannabis in natura, ou
outros derivados, exceto o canabidiol (CFM, 2014). Esta decisão possibilitou que os pacientes pudessem utilizar esta medicação, desde que a
importassem.
Em 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), decidiu retirar o canabidiol da lista de substâncias proibidas no Brasil, e a partir deste momento o CBD passou a ser uma substância controlada enquadrada na Lista C1 da Portaria 344/98. A decisão foi tomada
considerando que a substância não está associada a dependência e devido
a diversas evidências sobre sua eficácia terapêutica. Como não há produção da substância no Brasil, a ANVISA também aprovou uma Iniciativa
Regulatória para normatizar a importação especifica do CBD (Resolução
de Diretoria Colegiada – RDC nº 17) (ANVISA, 2015).
2.3 Uso Da Maconha Medicinal Frente À Dignidade Humana E
O Direito À Saúde
Anny Fischer, uma menina de 5 anos, portadora da síndrome
CDKL5 (que determina um quadro de epilepsia refratária) sofria convulsões a cada duas horas. Seu caso ganhou grande repercussão na mídia,
tendo sido relatado no documentário ―Ilegal‖. Sua mãe Katiele Fischer
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recorreu a Justiça, em 2014, pelo direito de importar o Canabidiol, sendo
concedido este direito pelo Juiz Bruno César Bandeira Apolinário. O
magistrado entendeu que a ANVISA tem a obrigação de proteger a saúde
da população brasileira, e que no caso da menina Anny, essa proteção
tornava-se possível com a liberação da importação da substância requerida (GRIPP, 2017).
O grupo de epiléticos do estado da Paraíba, motivados pelo caso
de Any Fischer e liderados por Júlio Amarico e Sheila Dantas, conseguiram junto ao Ministério Público Federal a primeira liminar favorável a
um grupo de pessoas para importação de um óleo rico em CBD. Outros
casos em que se obteve decisão judiciária favorável foram o de Juliana
Paolinelli, portadora de dor neuropática, de Gilberto Castro, portador de
esclerose múltipla e de Thais Carvalho, portadora de câncer de ovário
(GRIPP, 2017).
Outros julgados se mostraram favoráveis à importação de canabidiol, considerando que a substância deixou de ser proibida e entrou na
lista de medicações de uso controlado3; e pelo risco de dano irreparável
ou de difícil reparação à vida, bem como pela existência de prescrição
médica4.
Por outro lado, observou-se que há julgados que negam o fornecimento do CBD. É o caso do AGRAVO Nº: 2216305-85.2016.8.26.0000
(TJSP, 2016), em que o paciente portador de Parkinson, solicita que seu
plano de saúde forneça o canabidiol. No entanto, a Justiça considerou
que os relatórios médicos não comprovavam a urgência para utilização
da medicação.5
-AGRAVO
2028403-23.2015.8.26.0000/50000
–
TJSP.
Disponível
em:
https://esaj.tjsp.jus.b r/cjsg/getArquivo .do?cdAcordao=8467909&cdForo=0
-EMBARGOS DE DECLARAÇÃO 2028403-23.2015.8.26.0000/50001 – TJSP.
Disponível
em:
https://esaj.tjsp.ju
s.br/cjsg/getArqui
vo.do?cdAcordao=8611954&cdForo=0 - AGRAVO 2086356-42.2015.8.26.0000 –
TJSP.
Disponível
em:
https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo
.do?cdAcordao=8786106&cdForo=0
4
- AGRAVO 2053978-33.2015.8.26.0000. TJSP. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.
br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=8770223&cdForo=0 - AGRAVO 213625509.2015.8.26.0000.
TJSP.
Disponível
em:
https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=8814928&cdForo=0
AGRAVO
2135642-86.2015.8.26.0000.
TJSP.
Disponível
em:
https://esaj.tjsp.jus.br/cjs g/getArquivo.do ?cdAcordao=8906234&cdForo=0
5
Há também outros casos em que a concessão do medicamento é negada pelo TJSP:
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2000521-52.2016.8.26.0000 (Paciente portadora
de
esclerose
múltipla)
–
Disponível
em:
https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=9275951&cdForo=0
3
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Diante dos casos expostos, acredita-se que haja necessidade de
discutir o uso dessa substância como medicamento, relacionando o tema
ao direito à saúde e a dignidade humana. Afinal, o que vale mais, os
tabus relacionados à maconha, a legislação proibitiva ou o exercício do
direito à vida?
Nesse sentido, verifica-se que o Direito à saúde é expresso por
meio da Constituição Federal de 1988, no art. 6º, no rol dos direitos sociais. No art. 196 da referida Carta Magna, afirma-se que a saúde é um
direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas ao acesso universal e igualitário as suas ações e serviços
(BRASIL, 1988). Dessa forma, entende-se que o direito à saúde é primordial e vincula o poder legislativo, executivo e judiciário na garantia
de sua execução. Portanto, os pacientes que necessitam da medicação
derivada da maconha, estão amparados pela Constituição Federal no que
se refere ao Direito à Saúde. Porém percebe-se a partir dos artigos citados
acima, que há choque entre a legislação proibitiva e a Constituição em
seu art. 196. De um lado pretende-se assegurar a segurança da população,
por meio da proibição da maconha e de outro lado pretende-se garantir
seu uso como medicamento, como forma de garantia ao Direito à Saúde.
No entanto, considera-se que este último é extremamente relevante, já
que se relaciona ao direito à vida e a dignidade humana.
Considerando que o direito à saúde vincula-se diretamente a
questão da dignidade humana, pois a Constituição brasileira a consagra
como principio fundamental (art. 1°, inciso III) e já que sem acesso à
saúde este preceito está desrespeitado, entende-se que há a necessidade de
apresentar uma concepção deste termo. O termo dignidade humana, tem
base filosófica em Immanuel Kant, apresentando a máxima de que o ser
humano não pode ser tratado como simples meio (objeto) para a satisfação de qualquer vontade alheia, mas sempre deve ser tomado como fim
em si mesmo (KANT, 1974). Portanto, manter a proibição apenas para
satisfação legal, em detrimento da saúde de determinado paciente, seria
tratar essa pessoa como objeto, como meio para satisfazer apenas a vontade da lei.
Kant entende que a dignidade humana é uma qualidade congênita e inalienável de todos os seres humanos, que impede sua coisificação e
se materializa através da capacidade de autodeterminação que os indivíduos possuem por meio da razão. Sua existência independe do reconhecimento jurídico, pois é um bem inato e ético, colocando-se acima de
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especificidades culturais e as diversas morais, persistindo mesmo nas
sociedades que não a respeitam (RECKZIEGEL, 2016, p. 234-235).
Sua natureza jurídica pode ser desdobrada em duas máximas:
―não tratar a pessoa humana como simples meio e assegurar as necessidades vitais da pessoa humana‖ (RECKZIEGEL, 2016, p.237). Para
Sarlet; Fensterseifer, 2007 a ideia do ser humano como um fim em si
mesmo está vinculada as questões de autonomia, liberdade, racionalidade
e de autodeterminação inerentes à condição humana.
Sarlet; Fensterseifer (2007) ao tratarem a respeito da dignidade
humana, explicam que este conceito se projeta em uma gama de direitos
de natureza defensiva (negativa), como prestacional (positiva), implicando também em deveres fundamentais. Se relaciona a um leque de posições jurídicas subjetivas e objetivas, com função de tutelar a condição
existencial humana contra quaisquer violações do seu âmbito de proteção, assegurando o livre e pleno desenvolvimento da personalidade de
cada ser humano. Os autores abordam também a dimensão social da
dignidade humana, já que para eles, este conceito não se relaciona apenas
a um individuo, mas à sua relação com o outro. Por fim, Sarlet e Fensterseifer (2007), abordam a dimensão ambiental da dignidade humana, que
contempla a qualidade de vida como um todo, inclusive do ambiente em
que a vida humana se desenvolve.
A dignidade humana pretende proteger as pessoas de violações
no âmbito da proteção, portanto se considerar que o impedimento do uso
da maconha medicinal é prejudicial e viola a proteção à saúde, verifica-se
que incorre-se na violação deste preceito. Além desse aspecto deve-se
considerar a questão ambiental da dignidade humana, que se relaciona a
qualidade de vida. Nesse sentido, deve-se avaliar de que forma, o não uso
do CBD ou THC afeta a qualidade de vida da pessoa portadora de doença, em que seu uso é indicado. É necessário que a qualidade de vida esteja mantida para que se exerça a dignidade humana e o direito à saúde.
Em relação à violação da dignidade humana, Reckziegel (2016,
p.238) apresenta a fórmula desenvolvida por Günter Dürig, que teve base
na matriz kantiana, em que se entende que a dignidade será violada sempre que a pessoa for reduzida à objeto, como um mero instrumento.
Quando não houver respeito à vida, à integridade física e moral, quando
não houver mínimas condições para que o individuo possa levar uma
vida de modo digno, onde os poderes forem ilimitados, quando não hou-
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ver reconhecimento de direitos básicos e fundamentais dos indivíduos a
dignidade humana não estará presente.
Para que o ser humano esteja em exercício de sua dignidade deve
estar pleno em autonomia, ter liberdade, racionalidade e autodeterminação nos mais diversos aspectos, inclusive na questão da saúde. Nesse
sentido, um sujeito, portador de determinada doença, que provoque ataques epiléticos a cada duas horas, e que não encontre melhora nos medicamentos já existentes, não teria direito à buscar uma medicação experimental, mesmo que esta derive de uma droga proibida?
A dificuldade do uso do canabidiol pelos pacientes brasileiros é o
fato de a maconha ser substância que tem comercialização e cultivo proibidos no Brasil, o que consequentemente causa a proibição de produção
de derivados da mesma. No entanto, nos últimos anos é crescente a discussão sobre a regulamentação da substância no país, devido ao grande
número de pacientes que a tem buscado por meio de importação do exterior (DIOTTO, RODRIGUES, 2016).
Outro fator que dificulta o uso do canabidiol são os tabus que
cercam o uso deste medicamento, já que o mesmo deriva de uma droga.
No entanto é preciso que se entenda que a planta não é utilizada integralmente, apenas alguns componentes, com comprovada eficácia no
combate à doenças. A exemplo do que acontece com o canabidiol, podese citar a papoula, que é base da heroína, uma das drogas mais perigosas
do mundo, e que tem extraída de si a morfina, um potente anestésico,
amplamente utilizado (DIOTTO, RODRIGUES, 2016).
Pelo fato de o canabidiol ter uma regulamentação proibitiva, há
uma dificuldade para que os pacientes possam exercer sua dignidade. Por
isso é necessário que sejam pensadas novas formas de regulamentar o uso
dessa substância, bem como a possibilidade de realização de estudos no
país. Afinal a dignidade humana está relacionada com uma atuação positiva estatal, no sentido de ser um dever jurídico fundamental, portanto é
necessário que o Estado se comprometa em repensar a respeito do uso da
maconha medicinal, já que comprovadamente a mesma atua de forma
positiva no tratamento de diversas doenças.
No entanto, a dignidade não deve ser concebida somente como
uma obrigação do Estado, pois a sociedade também pode interferir nesse
bem e por esta razão a população deve estar esclarecida sobre o uso da
substância como medicamento, superando os discursos históricos sobre a
droga. Além disso, a dignidade humana deve ser entendida como um
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direito público subjetivo, direito fundamental do individuo contra o Estado (e contra a sociedade), sendo ao mesmo tempo um encargo constitucional endereçado ao Estado para proteger o indivíduo contra terceiros
(RECKZIEGEL, 2016, p.241).
3.
Considerações Finais
O presente trabalho debateu a questão do uso medicinal da maconha, que apesar de ser comprovadamente eficaz no tratamento de diversas doenças e de ter seu uso permitido em diversos países, no que se
relaciona ao aspecto medicinal, continua sofrendo restrições no Brasil.
Estas restrições dificultaram o tratamento de diversos pacientes, que necessitavam do CBD ou THC para manutenção de qualidade de vida frente a doenças incapacitantes. Nesse sentido, discutiu-se a respeito do direito à saúde, que é garantido pela Constituição de 1988, em seu artigo 196.
Também este direito é necessário para que haja dignidade humana, já
que um sujeito que sofre de ataques epiléticos a cada duas horas, certamente não está em exercício pleno de sua dignidade. Diante disso, para
obter o direito à saúde pode-se considerar errada a atitude de alguém que
recorra ao uso de uma substância derivada de uma droga proibida? Acredita-se que não, já que a regulamentação da ANVISA que ampara essa
proibição necessita de maiores discussões.
Em verdade, a legislação proibitiva em relação à maconha, que
pretende garantir o direito à segurança da população choca-se com o que
consta na Constituição Federal, que pretende garantir o direito à saúde.
Dessa forma, entendeu-se que o direito á saúde que se relaciona a dignidade humana e o direito à vida, deve estar acima de qualquer lei proibitiva.
O uso da maconha medicinal ainda necessita de maior regulamentação no Brasil, regulamentação esta, que considere a importância do
uso da substância no combate as mais diversas doenças. Nesse sentido,
há projetos de lei, que pretendem regular a utilização da maconha (Projeto 7270/14 e 7187/14), no entanto, os mesmo ainda não foram aprovados. Apesar disso, percebe-se que de forma lenta o Brasil tem começado a
discutir sobre o uso da maconha medicinal. Isso porque foi criado o Centro Brasileiro de Estudos com Canabinóides, em 2017, que está em fase
final de testes clínicos para uso de CBD. No entanto, ainda há muito a se
avançar, já que algumas restrições ainda permanecem, nesse sentido, a
discussão sobre a regulamentação dos derivados da cannabis sativa é ne-
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cessária. Estas discussões devem ter como foco a questão do acesso dos
pacientes e o desenvolvimento destas substâncias no país, com produção
própria, além da ampliação de pesquisas a este respeito.
4.
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ESTUDOS PRELIMINARES SOBRE NOVAS
FORMAS DE PENSAR A CONCRETIZAÇÃO
DE DIREITOS EM SOCIEDADES
MULTICULTURAIS A PARTIR DO
RECONHECIMENTO1
Laís Franciele de Assumpção Wagner2
Gabriel Antinolfi Divan3
Victória Faria Barbiero4
Círculo de Diálogo: Democracia e Direitos na América Latina:
crises, consolidação e lutas sociais por direitos.
1. Introdução
A espécie humana sempre se constituiu em redes sociais complexas que tem como base instituições jurídicas e não-jurídicas (inclusive),
que ditam as regras de convivência e dominação. Essas regras, que giram
entorno dos padrões linguísticos, subjetivos, econômicos, etc, sempre
1
2
3
4
O presente trabalho é fruto de conclusões parciais das investigações mantidas junto
ao Projeto de Pesquisa ―Estado de Direito, Sistemas de justiça e crítica jurídica:
horizontes de uma ‗nova política‘‖, junto ao Programa de Pós-Graduação/Mestrado
em Direito da Universidade de Passo Fundo-RS.
Advogada Criminalista. Mestranda e Bolsista da Universidade de Passo Fundo UPF, vinculada à linha de pesquisa de Relações Sociais e Dimensões do Poder.
Especializanda em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais – PUC MINAS. Especialista em Direito Tributário e Empresarial pela
Faculdade Meridional – IMED. Graduada em Ciências Sociais e Jurídicas pela
Universidade de Passo Fundo – UPF.
Doutor em Ciências Criminais (PUCRS). Professor do Programa de PósGraduação/Mestrado em Direito da Universidade de Passo Fundo-RS. Professor do
Programa de Maestría en Criminología Aplicada da Universidad San Carlos de
Guatemala-GUA. Coordenador do Projeto de Pesquisa ―Estado de Direito, Sistemas
de justiça e crítica jurídica: horizontes de uma ‗nova política‘‖, junto ao Programa de
Pós-Graduação/Mestrado em Direito da Universidade de Passo Fundo-RS. Email:
divan.gabriel@gmail.com.
Mestranda em Jurisdição Constitucional e Democracia pelo Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Direito, da Universidade de Passo Fundo. Bolsista
CAPES/CNPq. Graduada em Ciências Sociais e Jurídicas pela Universidade de
Passo Fundo – UPF. E-mail: 142281@upf.br.
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foram predispostas por um grupo social que, de alguma forma, exerceu
um certo protagonismo5. A partir daí, essas padronizações sociais são
chamadas de cultura. Vivemos em um mundo multicultural, em que
diversas culturas se entrelaçam diariamente, principalmente por causa da
globalização econômica, e das pessoas que estão em movimento, pelo
mundo, nesse processo.
Com o presente ensaio jurídico se buscará analisar, num primeiro momento, as diferentes concepções dos termos cultura, multicultural e
culturalismo. Será possível verificar a importância da compreensão destes, que muito embora estejam interligadas entre si, não detêm os mesmos significados. Assim, após a compreensão dos termos acima, busca-se
mesmo que brevemente trabalhar a ideia e necessidade de reconhecimento e como as lutas por elas são comumente travadas. Neste aspecto,
quando se está diante de uma sociedade multicultural, as diferenças ocorrem não apenas no âmbito cultural, social e econômico, mas também são
levadas em conta na relação da representatividade ou sentimento de pertencimento, questões intersubjetivas e morais.
No último tópico será debatido a relação da democracia e o multiculturalismo crítico, isso porque para que uma democracia seja efetiva,
é necessário que haja a devida representatividade e a garantia de direitos
a todos, isto é, mesmo que haja diversidade dentro de um Estado e que a
representatividade governamental seja, em princípio, representado pela
maioria, o multiculturalismo crítico vai trabalhar para que os grupos
minoritários sejam protegidos e detenham garantidos direitos, através de
estratégias afirmativas por parte do Estado.
2.
Multiculturalismo e reconhecimento.
Primeiramente imperioso tecer uma breve consideração acerca
dos termos ―cultura‖, ―multicultural‖ e ―multiculturalismo‖, pois embora
numa primeira vista possam parecer deter o mesmo significado, para o
presente ensaio jurídico, perceber-se-á que cada qual detém uma concepção diferente.
No que se refere à cultura propriamente dita, tem-se que esta está
associada ao uso comum desta terminologia, estando associada à questão
5
SÁNCHEZ RUBIO, David. Encantos e Desencantos dos Direitos Humanos: de
emancipações, libertações e dominações. 1ª ed. Tradução de Ivone Fernandes
Morcilho Lixa, Helena Henkin. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014,
p.15.
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da humanidade. Dito de outro modo, detém especificidades relativas à
ideia de ética, valor, moral ou cognitiva, decorrente muitas vezes de questões históricas associadas à determinada localidade, por exemplo, estando interligada com áreas como a literatura, filosofia, religião, etc6.
Para Hall7, a palavra multicultural é considerada um termo qualitativo, haja vista que descreve algumas características relacionadas ao
social, bem como de problemas decorrentes da governabilidade que se
apresenta em determinadas comunidades culturais.
Já a expressão multiculturalismo para o mesmo autor, é considerada um termo substantivo, pois representam estratégias e políticas adotadas num determinado governo, bem como é terminologia utilizada para
administrar problemas que decorram das diversidades e multiplicidades
que advenham de sociedades multiculturais8. E, apesar de diversas críticas ao termo e conceitos desta nomenclatura, generalizou-se o entendimento de que esta expressão designa as diferenças culturais em um contexto atualmente global e transnacional9.
No entanto, embora detenha um sentido diferente, ambos os
termos podem ser considerados interdependentes, sendo, portanto, difícil
separá-los10, todavia é importante saber a abrangência terminológica para
uma melhor compreensão do assunto.
É possível constatar que muito embora as terminologias citadas
detenham cada qual seu significado, elas estão, de fato, interligadas num
mesmo conjunto, sendo imprescindível o conhecimento de uma para a
interpretação das demais.
Considerando o foco do presente ensaio, relacionado à efetividade dos direitos e da democracia numa sociedade multicultural em que
determinadas políticas estão cada vez mais presentes, não de forma tão
efetivas, para a compreensão da efetivação destes direitos e da própria
cidadania, imperioso registrar as espécies de multiculturalismo utilizado
dentro das diversas sociedades multiculturais.
6
7
8
9
10
SANTOS, Boaventura de Souza Santos. Reconhecer para libertar: os caminhos do
cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 27.
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2009, p. 50.
HALL, Da diáspora..., op cit., p. 50.
SANTOS, Reconhecer..., op. cit., p. 33.
HALL, Da diáspora..., op. cit., p. 50.
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Neste segundo tópico do presente ensaio científico, trabalhar-se-á
a correlação do multiculturalismo e a luta por reconhecimento, com enfoque especial no multiculturalismo crítico ou revolucionário.
No que diz respeito ao reconhecimento, Axel Honneth trabalha a
ideia de uma luta por reconhecimento como forma de um quadro interpretativo crítico de processos de evolução social11. Em sua tese de habilitação, ―A Luta por Reconhecimento‖ (1992), Honneth desenvolveu uma
tipologia de formas de reconhecimento, trabalhando com uma relação
entre teoria da subjetividade e teoria social. A questão do reconhecimento
não se cinge apenas a partir de uma visão histórica, senão na construção
e da compreensão das diversas sociedades multiculturais, incluindo a
relação destas com pensamentos das políticas de multiculturalismo.
Explica-se, quando se tem o multiculturalismo como uma descrição das diferenças culturais ou se subentende nele um meio ou projeto
político de celebração ou de reconhecimento, se tem dois patamares diversos de perspectiva, a primeira, enquanto descritiva, se limita na concepção a partir da ideia de existência de multiplicidade de culturas, seja
no mundo, dentro de um espaço num mesmo Estado-nação, seja de culturas que se interligam transnacionalmente12. Nesse sentido, embora haja
alguma diferenciação terminológica, a essência permanece, geralmente,
dentro destes limites descritivos.
Todavia, quando se está diante do multiculturalismo como meio
ou projeto político de reconhecimento, se abrem margens para críticas
que variam desde ideias conservadoras, liberais ou progressistas, como já
referido de forma resumida no tópico anterior.
No entanto, para a compreensão do multiculturalismo como
forma de política de celebração ou reconhecimento, resta compreender o
que se tem por reconhecimento e qual é o objeto deste dentro de uma
sociedade multicultural. A busca por reconhecimento não advém tão
somente de lutas por direitos de igualdades econômicas ou sociais, mas
muitas são travadas na busca de um reconhecimento de cunho intersubjetivo e moral.
Dito de outro modo, Honneth trabalha a ideia de que atos de rebelião seriam originalmente travados, a partir de um quadro invariante de
experiências morais se que inicia, primeiramente num indivíduo em sua
11
12
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos
sociais. São Paulo: Ed. 34, 2003, p. 269.
SANTOS, Reconhecer... op. cit, p. 28.
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particularidade e que passam a abranger o coletivo, assim a realidade
social passa a ser interpretada, no coletivo, conforme o autor chama de
uma gramática historicamente cambiante de reconhecimento a partir do
desrespeito13.
Assim, é possível constatar que esse reconhecimento a partir da
experiência histórica e cultural de desrespeito, faz surgir um sentimento
de injustiça coletivo, o que motiva conflitos sociais que representam verdadeira luta por reconhecimento, neste caso, dentro do âmbito da moralidade em que o autor vai trabalhar dentro da esfera da eticidade.
Mas nem todas as lutas por reconhecimento se dão de maneira
exclusivamente no campo moral do desrespeito e do sentimento coletivo
de injustiça, embora não se possa separá-las totalmente, esta também se
relaciona com as lutas por reconhecimento de cunho econômico e social,
como a história tem demonstrado, em outras palavras, a luta por reconhecimento dentro da esfera moral não pode substituir as lutas decorrentes de um modelo utilitarista, mas apenas complementá-lo, isso porque
dentro de um conflito social nestes casos, é muito difícil saber o limite do
agir em prol da persecução de interesse ou a lógica da formação da reação moral14.
Nesse sentido, os conflitos sociais, na concepção de Thompson15
nunca são apenas uma forma de exteriorização da miséria econômica, ao
contrário, dentro deste cenário de privação de direitos em que há um
estado insuportável de subsistência econômica, também são medidas
através de expectativas morais que as minorias atingidas expõem à coletividade através destes atos de rebelião.
Por isso, o protesto e a resistência prática só ocorrem em geral
quando uma modificação da situação econômica é vivenciada como uma
lesão normativa desse consenso tacitamente efetivo; nesse sentido, a investigação das lutas sociais está fundamentalmente ligada ao pressuposto
de uma análise do consenso moral que, dentro de um contexto social de
cooperação, regula de forma não oficial o modo como são distribuídos
direitos e deveres entre os dominantes e os dominados16.
Daí a compreensão da interligação entre a luta por reconhecimento numa perspectiva moral dentro de uma modificação fática eco13
Honneth, Luta por... op cit., p. 260.
Honneth, Luta por... op cit., p. 261.
15
Apud Honneth, Luta por... op cit, p. 263.
16
Honneth, Luta por... op cit., p. 266-267.
14
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nômica-social vivenciada por minorias, a qual justifica a sensação de
injustiça que leva a união dos corpos em cooperação à resistência.
Nesse sentido é que o autor17 trabalha a ideia das três formas de
reconhecimento: do amor, do direito e da estima social, estas três formas
justificam a possibilidade de universalização e materialização dentro da
sociedade, de estruturas normativas que possibilitam a acessibilidade
destas minorias, haja vista as experiências de desrespeito vivenciadas e
reclamadas por elas através da luta por reconhecimento daí resultantes.
Assim, numa visão geral a luta por reconhecimento pressupõe
diversos fatores, morais-intersubjetivos, econômicos e sociais. Mas a
maior dificuldade está em efetivar os direitos e deveres dentro de uma
sociedade multicultural em que diversas lutas são travadas constantemente na busca de reconhecimento, grupos os quais detém interesses e intersubjetividades diferentes.
Nesse ponto, imperioso complementar a ideia acima, no sentido
de que nem sempre a busca por reconhecimento se dá na esfera da resistência, mas é possível encontrá-la também diante do reconhecimento
mútuo, em que este é procurado diante de situações simbólicas e experiências pacíficas18.
Nesta seara o reconhecimento se dá a partir de uma visão do outro em sua singularidade e não está necessariamente interligada a apenas
situações de diferenças das minorias culturais, independentemente do seu
sentimento de pertença ou não. Dito de outro modo, a presente questão
está intimamente relacionada na tolerância, em que traz a responsabilidade do eu, ante a mera existência do outro19.
A questão do reconhecimento nas sociedades multiculturais traz
esta complexidade na forma de se obter esta aceitação e o reconhecimento, sentimento de pertença ou a busca de direitos, ante as diferentes questões de diversidades não apenas culturais, mas também econômicas, sociais e de outros fatores como gênero, raça e etc.
Nesse sentido, como efetivar os direitos e mesmo assim garantir
a todos uma democracia inserida em uma sociedade multicultural, quando se está diante da multiplicidade de interesses e intersubjetividades
morais e culturais? É, pois, o que se pretende explanar no seguinte tópico.
17
Honneth, Luta por... op cit., p. 266-267.
Ricouer apud BERTASO, João Martins; HAMEL, Marcio Renan. Ensaios sobre
tolerância e reconhecimento. Santo Ângelo: FuRI, 2016, p. 112.
19
BERTASO; HAMEL. Ensaios sobre... op cit., p. 112-114.
18
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3.
Democracia e multiculturalismo crítico.
O projeto do Estado moderno tem como base uma carta constitucional e um sistema democrático em que o povo exerce a soberania.
Baseado nessas estruturas democráticas, foi opção do povo, por meio do
poder constituinte, que elegeu o teor normativo da constituição, e até
mesmo o próprio surgimento do Estado de direito constitucional. É pela
democracia que o povo continua com esse poder em suas mãos. A democracia vivida contemporaneamente nas sociedades complexas e nações
com grandes extensões territoriais, fez com que o processo decisório fosse
associado ao da representação política, para o funcionamento da democracia no ocidente, em sua maioria. Todavia, o modelo da democracia
representativa tornou-se um instrumento incapaz de dar respostas adequadas às pretensões que se colocam em disputa, tendo em vista a própria diluição das estruturas, forma e fórmulas na modernidade, seja pela
transformação dos sistemas produtivos (capitalismo), ou seja pela negação dos espaços tradicionais de decisão.
Ademais, o próprio multiculturalismo é um ponto de tensão.
Acredita-se que um dos maiores desafios das sociedades multiculturais é
proporcionar políticas de multiculturalismo que venham assegurar os
direitos fundamentais e a própria democracia nos Estados, e também
além deles. Quando se analisa essa realidade a partir da face democrática,
a situação se torna ainda mais complexa. Ao propor a efetivação democrática, também se pressupõe a participação popular, a qual se dá, em
tese, de maneira igualitária, independente de distinção em relação a fatores culturais e de intersubjetividade.
Todavia esta participação popular não se dá apenas com o direito ao voto, mas a questão vai além disso. Democracia também é efetivação dos direitos dispostos na constituição, pois foram direitos escolhidos
pelo povo. Daí a importância e a compreensão de um multiculturalismo
crítico, que assume uma perspectiva contra hegemônica. Dito de outro
modo, o multiculturalismo crítico assume uma referência a liberdade e a
emancipação, defendendo, portanto, que tanto a justiça, a equidade e a
democracia precisam ser continuamente criadas e conquistadas20.
20
OLIVEIRA, Ozerina Victor de. MIRANDA, Cláudia. Multiculturalismo crítico,
relações raciais e política curricular: a questão do hibridismo na Escola Sarã. In:
Revista Brasileira de Educação. Jan /Fev /Mar /Abr, 2004, nº. 25. Disponível em:
<< http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/n25a06>>. Acesso em agosto/2019, p. 70.
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No entanto, nem sempre há o devido reconhecimento para que a
liberdade e a emancipação democrática ocorram como pretende o multiculturalismo crítico. Nessa perspectiva, Butler21 vai além, ao afirmar que
existem seres humanos que são até mesmo irreconhecíveis. São irreconhecíveis pois eles não se adequam às regras dominantes estabelecidas
pelos indivíduos protagonistas, que decidem como será a forma aceita de
pensamento, corporização e até mesmo a pessoalidade. Dessa forma, a
grande dificuldade está quando uma versão dominante dos indivíduos
exclui uma parte deste povo, rompendo com a própria lógica basilar da
democracia, e também do modelo de representatividade.
Para Butler22 o problema está quando se diz que todos os seres
humanos merecem igual reconhecimento, e, nesse sentido há a presunção
de que todos os seres humanos são reconhecíveis, mas no campo regulado pela aparência não se admite todo mundo e nesse sentido há fatores
que demarcam o campo do reconhecível em que há a exclusão de alguns.
Portanto, podemos analisar o problema em duas perspectivas complementares: no campo social, existem pessoas que não são nem mesmo
vistas, irreconhecíveis, pela sociedade que atua no campo da representatividade democrática, ou seja, pessoas que estão aquém dessa lógica,
marginalizados. Bem como, no interior do campo da representatividade
democrática, também existem pessoas que não podem ou não conseguem
participar da própria democracia.
Nesse cenário, a autora salienta que é apenas através de uma
abordagem crítica de normas de reconhecimento que se pode desconstruir
esta realidade. A performatividade das manifestações das massas geram
um (lento) processo de deslocamento das normas já impostas. Apenas
quando se põe em forma insistente de aparecer quando se é apagado, que
esta esfera da aparência dá espaço a visualização e abre novas maneiras
de reconhecimento23.
Assim, retomamos o reconhecimento em Honneth. É difícil pensar apenas na categoria do reconhecimento, tendo em vista todos esses
conjuntos de precariedades que Butler demonstra de maneira singularizada. Honneth até mesmo se aproxima do discurso quando traz o concei-
21
BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria
performativa de assembleia. 2ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018, p.
10-11.
22
BUTLER, Corpos em..., op cit, p. 42.
23
BUTLER, Corpos em... op cit., p. 44.
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to de patologia social, mas ainda assim, é necessário falar sobre redistribuição das riquezas e rompimento dessa lógica capitalista-liberal.
Quem promove esse debate é Fraser24, ao perceber que haveria
uma dissociação entre duas visões do que seria necessário para perfazer o
conceito de justiça. Por um lado, existem os que percebem a economia
como a última causa para a resolução de todas as injustiças, defendendo
a redistribuição como a única forma de saná-las. Por outro, existem aqueles que procuram entender o conjunto das injustiças existentes como
consequências de padrões hierárquicos de valoração cultural, o reconhecimento daqueles que não preenchem esses padrões, mesmo com suas
diferenças25. Porém, sempre há um lado que apenas anseia a redistribuição, e outro só o reconhecimento, não combinando essas diferentes propostas. Todavia, Fraser afirma que a justiça hoje exige tanto a redistribuição, como o reconhecimento26.
Ou seja, é difícil falar de reconhecimento nas sociedades multiculturais se não debatido o próprio problema da marginalização das pessoas e culturas que não se enquadram como as protagonistas e dominantes na sociedade atual, tanto na própria situação de identidade, que necessita reconhecimento, quanto na questão da distribuição material desigual, que fala-se em uma redistribuição de renda. Ambos os conceitos são
complementares, um necessita do outro para perfazer uma sociedade
justa.
Nesse sentido, Hall27 afirma que a partir de uma pressão da existência da diferença multicultural é que os Estados Constitucionais, principalmente na Europa, têm partido para um novo paradigma, através de
um programa reformista atualmente denominada de social-democracia,
neste aspecto o Estado passa a reconhecer a existência de diversos grupos
e outras situações do indivíduo e passa a desenvolver estratégias afirmativas não apenas na seara do reconhecimento, mas também na redistribuição através do apoio público.
Pelas razões expostas acima é que se passa a compreender um
pouco da importância do estudo e da compreensão da questão do reconhecimento nas sociedades multiculturais e a sua influência na efetivida24
FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa
era “pós-socialista”. Cadernos de Campo (São Paulo, 1991), v. 15, n. 14-15, 2006 p.
231-239.
25
FRASER, Da redistribuição…, op cit., p. 229.
26
FRASER, Da redistribuição…, op cit., p. 231.
27
HALL, Da diáspora... op cit, p. 77.
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de de um real estado democrático com efetivação de direitos, que embora
reconhecendo a vontade da maioria, assegura a devida proteção dos grupos minoritários. Portanto, é possível que se discuta a situação das sociedades multiculturais e dos grupos marginalizados oriundos dessa lógica a
partir da questão do reconhecimento, e, bem como, dado os limites da
própria ideia, a redistribuição. Com isso, a proposta é que não apenas o
reconhecimento ou a redistribuição seriam suficientes, mas ambos os
projetos, a fim de perfectibilizar uma sociedade mais justa.
4.
Considerações Finais
Através do presente ensaio jurídico se pretendeu analisar a questão
da democracia e da efetividade dos direitos dentro de uma sociedade multicultural, com um enfoque no reconhecimento de grupos minoritários.
Constatou-se a importância de compreender a forma como o reconhecimento e a redistribuição se dão dentro destes Estados multiculturais a fim de verificar como o Estado pode desenvolver estratégias afirmativas que visem o aumento da participação igualitária para auferir o reconhecimento e efetividade dos direitos fundamentais.
Diante disso, os grupos minoritários dentro de uma sociedade
democrática devem ser reconhecidos e protegidos, pois apenas dessa
maneira é que se pode falar em real democracia. Nesse sentido, verificase que o multiculturalismo crítico é um das estratégias políticas que visam
garantir os direitos destes grupos minoritários e que a social democracia
como política governamental é a que parece deter melhores estratégias no
âmbito do reconhecimento e redistribuição.
5.
Referências
BERTASO, João Martins; HAMEL, Marcio Renan. Ensaios sobre
tolerância e reconhecimento. Santo Ângelo: FuRI, 2016.
BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para
uma teoria performativa de assembleia. 2ª ed., Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2018.
FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da
justiça numa era “pós-socialista”. Cadernos de Campo (São Paulo,
1991), v. 15, n. 14-15, 2006
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2009.
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HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos
conflitos sociais. São Paulo: Ed. 34, 2003.
OLIVEIRA,
Ozerina
Victor
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MIRANDA,
Cláudia.
Multiculturalismo crítico, relações raciais e política curricular: a
questão do hibridismo na Escola Sarã. In: Revista Brasileira de
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http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/n25a06>>.
Acesso
em
agosto/2019
SÁNCHEZ RUBIO, David. Encantos e Desencantos dos Direitos
Humanos: de emancipações, libertações e dominações. 1ª ed. Tradução
de Ivone Fernandes Morcilho Lixa, Helena Henkin. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2014.
SANTOS, Boaventura de Souza Santos. Reconhecer para libertar: os
caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003.
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OS DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS E O
DESENVOLVIMENTO REGIONAL:
O CASO DO ALTO URUGUAI, RIO GRANDE
DO SUL - 1988-2018
Anacleto Zanella 1
Círculo de Diálogo: Democracia e Direitos na América Latina:
crises, consolidação e lutas sociais por direitos
1. Introdução
Os direitos sociais garantidos em lei no Brasil foram conquistas
tardias para a população que vive em situação de vulnerabilidade social
no meio urbano ou rural. A maior parte deles foi escrita no texto da
Constituição Federal promulgada em 1988, a chamada ―Carta Cidadã‖,
há apenas 30 anos, atendendo demandas populares oriundas das grandes
mobilizações ocorridas naquele período histórico.
A efetivação da cidadania no Brasil e no mundo, no entanto, é
muito complexa. Sua concepção foi desenvolvida historicamente no
mundo ocidental e inclui várias dimensões - traduzidas em direitos civis,
políticos e sociais - difíceis de serem praticadas e, por isso, exigem a mobilização social permanente em sua defesa/implementação em cada país.
Assim, uma cidadania plena, que combine liberdade, participação e
igualdade para todos, é quase inatingível, mas serve de parâmetro para
julgar a qualidade de cidadania vivenciada em cada lugar e em cada momento histórico. (CARVALHO, 2016, p. 15).
Com base nisso, adota-se aqui uma visão de ―desenvolvimento
como liberdade‖ (SEN, 2010, p. 16-17), ou seja, o desenvolvimento é
visto como expansão de liberdades substantivas para o ser humano, o que
exige a remoção de todas as fontes de privação de liberdade, como a
1
Mestre e Doutorando em História pela Universidade de Passo Fundo (UPF).
Integrante do grupo de pesquisa Núcleo de Estudos Históricos do Mundo Rural –
NEHMuR. Contato: anacletoverpt@yahoo.com.br
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pobreza, a tirania, a carência de oportunidades econômicas, políticas,
sociais, culturais e ambientais.
Partindo dessas premissas, o presente artigo tem por objetivo
analisar o efeito do processo de conquista e de efetivação dos direitos
sociais escritos na Constituição Federal de 1988, especialmente dos direitos previdenciários, para a população residente nos 32 municípios que
compõem a Associação dos Municípios do Alto Uruguai (AMAU), no
norte do Rio Grande do Sul2, conforme o Mapa 1, abaixo.
Nesse sentido, o artigo procura identificar os impactos principais
da aplicação dos direitos sociais no processo de desenvolvimento dessa
região, caracterizada por pequenos municípios. Para tal verificação, fazse uma pequena revisão de literatura e são utilizadas as informações dos
Censos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), das Leis Orçamentárias Anuais (LOAS), da evolução do Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal (IDHM) e especialmente dos dados relativos à Previdência Social.
A escolha desta temática relacionada à Previdência Social justifica-se no fato de que é um dos principais direitos que beneficia a população brasileira, passa atualmente por uma profunda reforma constitucional
em tramitação no Congresso Nacional e, consequentemente, é uma das
questões mais debatidas no presente.
Já a escolha da região da AMAU como objeto de estudo é explicada porque esse lugar possui três significativas características. A primeira tem base no fato de que os municípios pertencentes à essa região possuem expressiva população rural/camponesa (agricultores de base familiar), apesar do processo de urbanização crescente ocorrido nas últimas
décadas (isso será visto com maior profundidade no próximo tópico)3. Ou
2
3
Os municípios da AMAU compõem o Conselho Regional de Desenvolvimento do
Norte (Corede Norte). Os Conselhos Regionais de Desenvolvimento – COREDEs -,
criados oficialmente pela Lei estadual 10.283 de 17 de outubro de 1994, no Rio
Grande do Sul, são fóruns de discussão para a promoção de políticas e ações que
visam o desenvolvimento regional no território rio-grandense.
Foi nesse lugar que foi implantada a Colônia Erechim, em 1908, em ato do
Presidente do Rio Grande do Sul, Carlos Barbosa, inserido na política de imigração e
colonização que, no período, o governo estadual implementava (CASSOL, 1979,
p.28). Particularmente em sua porção norte, essa região possui um relevo mais
acentuado o que facilitou o desenvolvimento da agricultura de base familiar. Assim,
os agricultores encontraram aí um refúgio, não no sentido de estarem livres do
domínio do capital, mas como um lugar ―privilegiado‖ para a sua não exclusão
(PIRAN, 2001, p. 39).
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seja, estudar o impacto gerado pela aplicação dos direitos sociais na qualidade de vida das famílias pertencentes a essa categoria profissional – os
agricultores familiares – nessa região, possibilita, de alguma forma, por
analogia, compreender o quanto foi essencial a implementação dos direitos previdenciários para a população rural/camponesa presente em todo
o território brasileiro.
Mapa 1: Municípios que integram a AMAU ou o Corede Norte do Rio Grande do
Sul
Fonte: Diário Oficial Rio Grande do Sul. Elaboração: Seplag/Deplan.
A segunda característica relaciona-se ao fato de que a maior parte dos municípios integrantes da AMAU possuem população menor que
10 mil habitantes, situação essa que se identifica com a realidade vivenciada em muitos lugares no país.
E a terceira característica significativa é o fato de que nessa região, a partir de 1979-1980, através da mediação de setores da Igreja Católica ligados à Teologia da Libertação, desenvolveu-se um processo de
mobilização social, especialmente no meio rural, que desencadeou o
surgimento de novos movimentos sociais, como o sindicalismo rural
ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB) e o Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR). Além disso, esses Movimentos Sociais tiveram
atuação destacada no processo de mobilização popular ocorrido no país
inteiro na década de 1980, inclusive no processo constituinte que culminou na promulgação da Constituição de 1988.
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Dessa forma, acredito, o artigo aponta elementos que contribuem
para o debate proposto por este Círculo de Diálogo, Democracia e Direitos
na América Latina: crises, consolidação e lutas sociais por direitos, pois apresenta um pequeno retrato da realidade brasileira, estudando os avanços e
impasses ocorridos no processo de conquista e efetivação dos direitos
sociais para a população que reside no interior do Brasil, a partir da experiência prática vivida nos pequenos municípios pertencentes à AMAU,
no norte do Rio Grande do Sul. O próximo tópico inicia com a apresentação de pequeno histórico sobre o processo de conquista dos direitos
sociais nessa região.
2
Desenvolvimento teórico
2.1 A agricultura de base familiar e os direitos sociais
O norte do Rio Grande do Sul, no qual está situada a região da
AMAU, foi um território de complexa ocupação histórica, sob o signo
dos conflitos pela terra entre os diversos sujeitos sociais (TEDESCO;
VANIN, 2017). Ao longo do tempo, os povos indígenas e caboclos foram
as primeiras vítimas da exclusão, para dar lugar ao desenvolvimento da
agricultura de base familiar, através do processo de colonização com
povos imigrantes e seus descendentes.
O crescimento demográfico nessa região e o esgotamento da fertilidade natural dos solos provocou, especialmente a partir do fim da II
Guerra Mundial, um processo de seleção/exclusão de agricultores que
ainda não teve fim (PIRAN, 2001, p. 182). Os resultados preliminares do
censo agropecuário do IBGE, realizado em 2017, confirmam isso: o pessoal ocupado (com e sem laço de parentesco com o produtor) nos estabelecimentos agropecuários reduziu-se em 9,2% no Brasil (eram 16.568.205
pessoas em 2006 e passou para 15.036.978 em 2017) e em 20,1% no Rio
Grande do Sul (eram 1.231.825 pessoas em 2006 e passou para 983.751
em 2017).
Apesar disso, a agricultura de base familiar ainda tem papel destacado na economia regional. Dois fatos comprovam isso: de um lado,
grande parcela dos setores urbanos industriais, comerciais e de serviços
dessa região possuem relação direta com o campo, como é o caso das
indústrias de suínos, aves, laticínios, indústrias de máquinas, cooperativas de produção e comercialização; e, de outro, a população rural nessa
região é bem superior, em termos percentuais, comparativamente à popu-
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lação total no Rio Grande do Sul e no Brasil, como pode ser visto na
tabela abaixo, com os dados do Censo Demográfico 2010 do IBGE.
Tabela 1 Município
2010
Aratiba
6.565
Áurea
3.665
B.Cotegipe
6.529
B. R. Azul
2.003
B. C. Sul
2.307
C. do Sul
5.506
C. Gomes
1.607
Centenário
2.965
Charrua
3.471
Cruzaltense
2.141
E. R. Sul
3.080
Erebango
2.970
Erechim
96.087
E. Grande
5.163
Estação
6.011
Faxinalzinho 2.567
Total AMAU
% AMAU
Total RS
% RS
Total Brasil
% Brasil
População dos municípios que compõem a AMAU
Rural Urbana Município
2010
Rural
Urbana
3.249 3.316
F. Peixoto
2.018
1.726
292
2.128 1.537
Gaurama
5.862
2.474
3.388
2.563 3.966
G. Vargas
16.154
2.292
13.862
1.600
403
Ip. do Sul
1.944
1.265
679
1.966
341
It. do Sul
4.171
2.442
1.729
1.289 4.217
Jacutinga
3.633
1.060
2.573
1.229
378
M. Ramos
5.134
2.412
2.722
2.016
949
M. Moro
2.210
1.057
1.153
2.887
584
P. Bento
2.196
1.602
594
1.652
489
P. Preta
1.750
1.238
512
950
2.130
Q. Irmãos
1.775
859
916
1.012 1.958 S.Valentim
3.632
1.888
1.744
5.535 90.552
Sertão
6.294
2.907
3.387
2.473 2.690 S. Almeida
3.842
2.443
1.399
892
5.119
T. Arroios
2.855
1.828
1.027
1.294 1.273
Viadutos
5.311
2.668
2.643
221.418
62.896
158.522
100%
28,4%
71,6%
10693929
1593638
9100291
100%
14,9%
85,1%
190755799 29829995 160925804
100%
15,64%
84,36%
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. Tabela organizada pelo autor.
Em 2010, como pode ser observado, a população rural da região
da AMAU, percentualmente, era de 28,4%, enquanto que no Rio Grande
do Sul era de 14,9% e no Brasil, 15,64%. A tabela acima revela também
que dezessete municípios dessa região possuíam maior população na área
rural do que na urbana. Além disso, 21 municípios possuíam menos de
cinco mil habitantes e nove, de cinco a 10 mil, ou seja, é uma região caracterizada por pequenos municípios.
Apesar da economia regional ter como base a agricultura de base
familiar, foi na área urbana que, primeiramente, foram efetivados os
direitos sociais, fruto da implementação, entre 1930 e 1945, da legislação
sindical, trabalhista e previdenciária brasileira, criada durante o governo
de Getúlio Vargas (ZANELLA, 2004, p. 63). Historicamente, portanto,
os direitos sociais demoraram a chegar no meio rural. Foi somente nas
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décadas de 1950 e 1960, a partir de lutas sociais, como as desenvolvidas
pelas Ligas Camponesas no nordeste e o Movimento dos Agricultores
Sem Terra (Master) no sul, que os trabalhadores rurais começaram a
exigir uma legislação social para a sua proteção. (CARVALHO, 2016,
p.142).
No Rio Grande do Sul, nesse período, constituíram-se dois movimentos: de um lado, o Master, liderado pelo então governador Leonel
Brizola (PTB); e, de outro, a Frente Agrária Gaúcha (FAG), liderada pela
Igreja Católica (BASSANI, 2009). Na região da AMAU, apesar da força
de Brizola e do PTB, foi a FAG quem organizou os sindicatos de trabalhadores rurais, a partir de 1962 (ZANELLA, 2004, p. 112).
Com o golpe civil-militar de 1964, algumas organizações dos trabalhadores, como o Master e as Ligas Camponesas, passaram a ser duramente perseguidas no Brasil. Assim, os direitos previdenciários rurais
começaram a sair do papel somente em 1971-1972, sob a outorga dos
governos militares. Através da Lei Complementar nº 11, de 25.05.1971, é
instituído o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Prorural),
regulamentado pelo Decreto 69.919, de 11 de janeiro de 1972.
No entanto, os benefícios eram restritos, pois apenas um membro da família tinha direito a acessar o Prorural, o ―chefe da família‖,
geralmente o homem. Além disso, concedia-se somente aposentadoria
por velhice aos 65 anos, invalidez, pensão por morte e auxílio-funeral. O
valor era menor que os benefícios urbanos. Assim, os agricultores eram
beneficiados pelo valor de meio salário mínimo para aposentadorias e
30% para pensões. A Lei Complementar 16 (1973), dispôs que a pensão,
a partir de 1974, passaria a ser de 50% do salário mínimo (BERWANGER, 2011).
A partir do final dos anos 1970 e na década de 1980, acontece no
Brasil ampla mobilização da sociedade brasileira que exigiu o fim do
regime militar e a redemocratização do país. Esse processo culminou
com a promulgação da nova Constituição (1988) e com as eleições diretas
para presidente da República (1989).
Impulsionadas pelos fatos nacionais e pela mediação de setores
da Igreja Católica local, ligados à Teologia da Libertação, as mobilizações sociais efervesceram também na região da AMAU. Nesse lugar, o
sindicalismo reorganizou-se e novos movimentos sociais rurais afirmaram-se, como o Movimento Sindical Rural ligado à CUT, o Movimento
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das Mulheres da Roça (CUT)4, o Movimento da Mulher Camponesa
(Fetag) e a Comissão Regional de Atingidos por Barragens (CRAB)5.
Entre as principais ações desenvolvidas por esses atores sociais,
nesse período, estava a participação ativa na organização de mobilizações
locais, estaduais e caravanas a Brasília (DF), em defesa dos direitos sociais (entre eles, a aposentadoria ao homem e à mulher rural, educação e
saúde públicas, gratuitas e de qualidade). Resultado das mobilizações
ocorridas em todo o Brasil e também em nível local, o direito à aposentadoria rural aos 55 anos para a mulher e aos 60 para o homem foi alcançado e fez parte do texto promulgado na Constituição de 1988.
Além disso, os direitos à saúde, à educação e à assistência social
foram também afirmados. Assim, a Constituição brasileira de 1988 foi
reconhecida como ―Constituição Cidadã‖, devido aos avanços sociais e
democráticos obtidos, inéditos na história brasileira até então (CARVALHO, 2016, p. 201). A sua efetivação nos anos seguintes beneficiou a
população brasileira. Na região, proporcionou melhoria na renda e nas
condições de vida de milhares de famílias, como demonstrado a seguir.
2.2 A Previdência Social e o desenvolvimento regional
Historicamente, o pensamento teórico e político do Brasil esteve
impregnado pela ideia de que é a modernização técnica e o crescimento
econômico que explicam e motivam o desenvolvimento brasileiro
(DELGADO; THEODORO, 2009, p. 409), ou seja, a igualdade como
princípio basilar do desenvolvimento esteve sempre ausente.
Essa crítica sobre o modelo de desenvolvimento carrega identidade com a proposição de Sen (2010, p. 16): ―desenvolvimento como
4
5
Na região da AMAU, no decorrer da década de 1980, surgiram duas organizações de
mulheres rurais: de um lado o Movimento das Mulheres Camponesas, liderado pela
professora e vereadora do PMDB, Carlinda Poletto Farina, que manteve forte
vínculo com a Federação dos Trabalhadores Rurais no estado (Fetag); e, de outro, a
Organização das Mulheres da Roça, que se reunia com o apoio dos Sindicatos de
Trabalhadores Rurais e Oposições Sindicais ligados à CUT, à CRAB e ao MST. Em
1989, a Organização das Mulheres da Roça constituiu-se no Movimento de Mulheres
Trabalhadoras Rurais (MMTR), em nível regional e estadual.
A CRAB surgiu, em 1979, com o intuito de organizar as famílias de agricultores que
seriam atingidas com o plano governamental de construção de diversas barragens no
rio Uruguai, causando desalojamento de muitas famílias de agricultores em
territórios do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Sua sede ficou localizada em
Erechim e recebeu o apoio de setores da Igreja Católica ligados à Teologia da
Libertação, de alguns professores, sindicatos e de outros movimentos sociais. Mais
tarde, em 1991, transforma-se em Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) em
nível nacional.
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liberdade‖, tratada na introdução. Seguindo essa visão, acredito que o
desenvolvimento com equidade tem como ponto de partida a igualdade
de oportunidades, de capacidades ou de resultados. Isso significa que os
grupos sociais historicamente excluídos às condições produtivas, aos
benefícios do crescimento econômico e às garantias de um sistema de
proteção social devem ter acesso a tais direitos.
Nesse sentido, a política social brasileira, em vigor a partir da
Constituição Federal de 1988, apesar de restrita, contribui diretamente
para um desenvolvimento mais justo do país. Pelas informações dispostas
na sequência, penso que foi isso que aconteceu na região da AMAU. A
aplicação da universalização da educação básica, do Sistema Único de
Saúde (SUS), dos direitos da Previdência Social e da Assistência Social
representou conquistas imensas à população.
Conforme Berwanger (2011, p. 174), as aposentadorias e pensões
abrangem 71,2% do total de rendimentos das famílias que vivem no campo no Nordeste e 41,5% no Sul, o que ocasiona impacto social e econômico para a população rural. Em consequência, para os pequenos municípios, os benefícios previdenciários injetam valores superiores ao que é
repassado pela União através do Fundo de Participação dos Municípios
(FPM). Isso também é constatado na região da AMAU. Pelos dados da
ANFIP (2019, p. 178-190), que utiliza dados de 2017, percebe-se que para
75% dos municípios dessa região, o investimento realizado pelos Benefícios Previdenciários foi superior ao volume de recursos recebido pelo
FPM. Em percentual, o valor relativo ao FPM corresponde a 23,57% do
que a população desses 32 municípios recebeu através dos benefícios
previdenciários naquele ano.
Isso também é constatado na Tabela 2, abaixo, relativa aos valores dos benefícios emitidos pela Previdência Social, em 2018, para a população residente na região da AMAU. Os valores dos benefícios rurais
correspondem a 36,6% do valor total e os urbanos alcançam 63,4%. Caso
forem retirados os valores relativos a Erechim (o município-polo dessa
região), ficando apenas com os valores dos demais 31 municípios, os
benefícios urbanos somariam R$ 229.880.902 e os benefícios rurais R$
307.827.782. Os últimos correspondem, nesse caso, a 57,2%. Isso indica a
força da agricultura nessa região e o peso que os benefícios rurais têm
nesse lugar.
A partir das informações relativas aos municípios integrantes da
AMAU constantes na tabela a seguir, é fácil concluir que a Previdência
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cumpre papel preponderante, pois, além de garantir melhor qualidade de
vida para as famílias urbanas e rurais, impulsiona o desenvolvimento dos
pequenos municípios.
Tabela 2 - Valores dos benefícios emitidos pelo Instituto Nacional de Previdência
Social (INSS) que contemplaram a população dos municípios da AMAU (urbana e
rural) em 2018
Benef.
Benef.
Benef.
Benef.
Município
TOTAL Município
TOTAL
Urbanos
Rurais
Urbanos
Rurais
Aratiba 11988668 25592136 37580804 F. Peixoto 601131
4624086
5225217
Áurea
4565835 15280826 19846661 Gaurama 15259024 13375129 28634154
B.Cotegipe 11668818 14727151 26395969 G. Vargas 63318304 29313809 92632113
B. R. Azul 1157532 5294223 6451755 Ip. do Sul 2428761 5557384
7986144
B. C. Sul 1088873 4890103 5978976 It. do Sul 3339880 12017778 15357658
C. do Sul 15655893 24111415 39767309 Jacutinga 7982769 12485041 20467810
C. Gomes 242239
480997
723236 M.Ramos 11465390 12026072 23491462
Centenário 2360569 10147879 12508447 M. Moro 2979318 6270408
9249726
Charrua
929995 5212258 6142253 P. Bento 1848143 4475333
6323476
Cruzaltense 213309 1077477 1290786
P. Preta
795231
2701593
3496824
E. Rios Sul 6235284 7016902 13252186 Q. Irmãos 1254295 2122147
3376442
Erebango 4126017 3129360 7255377 S.Valentim 6037796 14130779 20168575
Erechim 404615552 58919032 463534584 Sertão
12061012 12920142 24981154
E. Grande 5914302 13040835 18955137 S. Almeida 6233287 11754136 17987423
Estação 12001142 2028631 14029773 T. Arroios 2961496 8745252 11706748
Faxinalz. 2074019 4847345 6921364 Viadutos 11092570 18431155 29523724
TOTAL
AMAU 634496454 366746814 1001243267
Fonte: Secretaria da Previdência, Ministério da Economia. Tabela organizada pelo autor.
Além disso, com o intuito de medir o impacto que os benefícios
previdenciários têm no desenvolvimento regional, fiz um levantamento
dos valores previstos para a arrecadação municipal deste ano (2019), nas
Leis Orçamentárias Anuais (LOAS), nos 32 municípios da Amau. O
resultado indicou que os valores dos benefícios previdenciários emitidos
em 2018 pela Previdência Social superam a arrecadação municipal prevista nos orçamentos dos municípios da AMAU para 2019, pois o total
das receitas estimadas nas LOAS, quando somados os valores dos 32
municípios, corresponde a R$ 968.462.232, ou seja, um percentual de
0,96% em relação ao que foi pago pelos benefícios previdenciários em
2018, R$ 1.001.243.267 (Tabela 2).
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Além disso, os dados de outubro de 20186 indicam que a população beneficiada do sexo feminino (40.651 benefícios) corresponde a
58,02%. Isso significa que as mulheres têm um peso superior ao dos homens na conquista de benefícios previdenciários e, consequentemente, na
injeção de recursos em cada município. Ainda, caso forem somados os
benefícios emitidos em favor dos homens e das mulheres nos 32 municípios, o número totaliza 70.064 benefícios. Como a população estimada
para essa região, em 2018 (IBGE), foi de 224.124 pessoas, pode-se dizer
que 31,26% da população regional é beneficiada diretamente pela Previdência Social. Por isso, acredito que os benefícios previdenciários, somados aos demais investimentos nas áreas sociais (como saúde, educação e
assistência social), praticados no país após a aprovação da Constituição
Federal de 1988, impulsionam o desenvolvimento regional economicamente (renda e movimentação da economia regional) e geram maior
qualidade de vida para a sua população.
Isso foi constatado também na evolução do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM)7, ocorrido entre 1991 e 2010 nesses
municípios, em comparação com o Rio Grande do Sul e o Brasil (Atlas,
2013). Somadas as três dimensões do IDHM consideradas - Renda, Educação e Longevidade -, em 1991, os municípios da AMAU estavam situados na faixa Muito Baixo IDHM (27 municípios) e Baixo IDHM (cinco
municípios). Em 2000, existia apenas um município na faixa Muito Baixo
IDHM; 15 municípios na faixa Baixo IDHM e 16 já estavam na faixa
Médio IDHM. E, em 2010, os municípios estavam assim situados: na
faixa Médio IDHM (sete municípios), Alto IDHM (22 municípios) e Muito
Alto IDHM (três municípios).
Consideradas individualmente essas dimensões, o resultado foi:
1) na dimensão Renda, em 1991, seis municípios estavam com Muito Bai6
7
As informações foram buscadas na página da Secretaria da Previdência, vinculada
atualmente
ao
Ministério
da
Economia.
Disponível
em:
<http://www.previdencia.gov.br/dados-abertos/estatisticas-municipais-2018/>.
Acesso em: 18 abr. 2019.
O IDHM é uma medida composta por indicadores de três dimensões do
desenvolvimento humano: longevidade, educação e renda, seguindo as mesmas três
dimensões do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), adotado pelo Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O IDHM é um número que
varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano de
uma unidade federativa ou município. As faixas são as seguintes: muito baixo = até
0,499; baixo = 0,500 a 0,599; médio = 0,600 a 0,699; alto = 0,700 a 0,799; muito alto
=
acima
de
0,800.
Disponível
em:
<http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/o_atlas/idhm/>. Acesso em: 10 jul. 2019.
847
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xo IDHM, 17 com Baixo e nove com Médio IDHM; em 2010, todos melhoraram: seis com Médio, 23 com Alto e três Muito Alto IDHM; 2) na
dimensão Educação, em 1991, os 32 municípios estavam na faixa Muito
Baixo IDHM; em 2010, três continuavam na faixa Muito Baixo, mas 10
evoluíram para Baixo, 18 para Médio e um para Alto IDHM; 3) na dimensão Longevidade, em 1991, dois municípios estavam com Médio IDHM, 17
com Alto e 13 Muito Alto; em 2010, os 32 municípios estavam localizados
na faixa Muito Alto IDHM.
Dessa forma, concluo que, entre 1991 e 2010, a aplicação de investimentos públicos municipais, estaduais e federais na área social Previdência, Educação, Saúde, Assistência e outras políticas públicas garantiu impacto significativo na qualidade de vida da população residente nessa região. A evolução do IDHM nas suas três dimensões comprova
isso.
3.
Considerações finais
A análise feita aqui aponta que os benefícios previdenciários emitidos mensalmente pelo INSS (70.064 benefícios, outubro 2018), favorecem diretamente 31,26% da população residente nos 32 municípios da
AMAU. Além disso, viu-se que o valor injetado na economia regional
atingiu, em 2018, mais de um bilhão de reais, superando o valor total de
arrecadação prevista nas Leis Orçamentárias Anuais. Além disso, as
informações relativas à evolução do IDHM municipal demonstram claramente que os municípios da região evoluíram da faixa Muito Baixo e
Baixo IDHM, em 1991, para Médio, Alto e Muito Alto IDHM, em 2010. E
essa evolução ocorreu nas três dimensões consideradas - Renda, Educação e Longevidade.
O levantamento realizado aponta, portanto, que os benefícios da
Previdência Social, somados aos demais investimentos sociais (nas áreas
da Educação, da Saúde, da Assistência, entre outros), entre 1991 e 2010,
geraram resultados importantes na melhora da qualidade de vida da população residente nessa região, especialmente para as pessoas mais pobres e para aquelas do meio rural. Por isso, concluo que os direitos sociais
implementados a partir da promulgação da Constituição de 1988, além
de serem importantes para a melhora da qualidade de vida da população
dessa região e para o desenvolvimento dos pequenos municípios, são
relevantes também para o conjunto da população brasileira. A evolução
dos índices do IDHM estadual e nacional nesse período comprovam isso.
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Dessa forma, apesar dos limites desse estudo, apresentam-se argumentos que indicam o quanto o Estado brasileiro é fundamental para a
indução do desenvolvimento econômico e social. O Brasil é um país muito desigual e precisa muito da ação do Estado. Além disso, aponta-se, a
partir de uma visão humana de desenvolvimento, que as reformas do
Estado sempre precisam levar em consideração o quanto as políticas
públicas implementadas na área social contribuem para elevar a qualidade de vida da população urbana e rural, especialmente a de menor renda.
Além disso, acredito que o estudo indica que o sindicalismo, os movimentos e as forças sociais e políticas da sociedade organizada desempenharam nesse período histórico um papel relevante no processo de ampliação de direitos e no alargamento da cidadania especialmente para as
pessoas que mais precisam.
4.
Referências
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gaúcho, 1937-2003. Passo Fundo: UPF, 2004.
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REGIONALIZAÇÃO NA POLÍTICA PÚBLICA
DE SAÚDE MENTAL:
UMA REVISÃO
Tiago Luiz Pereira 1
Círculo de Diálogo 10: Democracia e Direitos na América Latina: crises, consolidação e lutas sociais por direitos
1. INTRODUÇÃO
Desde meados dos anos 1970, a partir da experiência Italiana,
surgiu e se fortaleceu no Brasil o movimento pela reforma psiquiátrica,
formado incialmente por trabalhadores de saúde insatisfeitos com as
condições de tratamento oferecidos a pessoas internadas em hospitais
psiquiátricos, bem como ao aporte de recursos públicos destinados a iniciativa privada para os cuidados em saúde mental da população. Além da
insatisfação com a qualidade dos serviços prestados e com o destino de
recursos públicos, o movimento também questionava a abrangência e a
efetividade do modelo centrado no Hospital Psiquiátrico, visto que parte
considerável da população não tinha acesso aos serviços. O movimento
foi ganhando força, principalmente a partir da Constituição Federal de
1988 e da consequente criação do Sistema Único de Saúde (SUS), culminando, a partir de experiências exitosas, com a aprovação da Lei
10.216/2011, conhecida como a lei da reforma psiquiátrica, tendo como
principal proposta a substituição do modelo de cuidado manicomial e
hospitalocêntrico pelo modelo de cuidado centrado no território e na
comunidade, humanizado e alinhado aos princípios do SUS (BRASIL,
2005).
A organização do cuidado a partir do território foi se estruturando e novas portarias permitiram a construção e ampliação de uma rede
de cuidados, envolvendo graus de complexidade compatíveis com as
1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Políticas Sociais e
Dinâmicas Regionais da Unochapecó (tiagopereira@unochapeco.edu.br).
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necessidades particulares dos usuários, com vistas à integralidade do
atendimento e buscando priorizar o cuidado de base comunitária por
meio do estabelecimento de redes de cuidado envolvendo o território.
Tais esforços têm como objetivo promover serviços de qualidade no âmbito da saúde mental por um lado e evitar internações psiquiátrica desnecessárias, atribuindo grande importância ao tratamento proposto em
equipamentos de base comunitária, conforme proposto na Lei da Reforma psiquiátrica (Brasil, 2004).
A Regionalização da Política de Saúde no Brasil surge como estratégia que visa garantir a organização e oferta de serviços, acesso, eficiência, redução de custos, satisfação do usuário, minimizar as desigualdades, produzir impactos positivos nas condições sanitárias e na vida das
populações. Busca superar a fragmentação na oferta de serviços de saúde
através da ação cooperativa entre municípios, respeitando a diversidade
dos contextos regionais, as diferenças socioeconômicas e necessidades de
saúde da população que as permeiam (SANTOS e CAMPOS, 2015).
O presente artigo, baseado em uma revisão bibliográfica, busca
trazer um panorama da legislação no campo da saúde mental, em atenção às portarias mais recentes, buscando fortalecer a organização regional
dos serviços, assim como vislumbrar o cenário atual, no que se refere à
legislação, em um momento de intensas discussões e mudanças substanciais nas propostas e no alinhamento da Rede de cuidado. A partir da
contextualização da política pública de saúde, mais especificamente de
saúde mental, por meio de Revisão de bibliografias e da legislação concernentes ao tema, buscou-se um diálogo entre o que é proposto e o que é
implementado em relação ao tema, contemplando a regionalização como
ponto importante para a efetivação da política de saúde. Para tanto, o
artigo contextualiza os seguintes assuntos: Regionalização das Políticas
Públicas, Histórico das políticas públicas de Saúde, Reforma Psiquiátrica,
Legislação no Campo da Saúde Mental, Legislação Referente a Rede de
Atenção Psicossocial (RAPS) e Considerações Finais.
2.
REGIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
O interesse pela questão regional brasileira tem uma longa história, embora haja uma enorme dificuldade para estabelecer consenso sobre
um projeto próprio de desenvolvimento. A partir da consciência em relação a complexidade e das especificidades do país, dos gargalos históricos
estruturais que existiram e ainda existem, porém, o momento permite um
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respeito às referidas especificidades, possibilitando rejeitar implantes de
experiências externas, seja de outros países ou mesmo de outras regiões,
diante de um novo quadro socioeconômico e político que permite inovações em práticas institucionais que venham a alterar o quadro regional
posto. A Constituição de 1988 propõe um processo de inovação política,
de ―baixo para cima‖, através da luta de movimentos sociais e de anseios
democratizantes, estabelecendo o Estado Democrático de Direito, recuperando ao estado seu poder indutor de desenvolvimento por meio da
descentralização, da participação popular e do compromisso da redução
das desigualdades regionais (CARLEIAL, 2014).
A ruptura com a tradicional concepção centralizadora que dominou períodos anteriores, no que se refere às políticas regionais no país,
com ações federais ditadas de cima para baixo, estabeleciam os rumos da
política e da intervenção sobre o território, geralmente associadas à implantação de grandes projetos de investimentos e sem participação dos
grupos sociais na definição das políticas e suas prioridades. Apesar de
alguma eficácia econômica, tais políticas foram pouco democráticas e
não permitiram a participação das populações locais, que eram as principais afetadas. No período de redemocratização, buscou-se uma abordagem inversa, valorizando o espaço local, aproveitando as diversidades
territoriais e a riqueza sociocultural do país como um ativo a ser considerado em cada uma das regiões, além da participação e do controle social
(MACEDO e PORTO, 2017).
O ordenamento do território se apresenta, essencialmente, como
uma questão política, baseada em objetivos e um processo amplamente
ideológico, que remete a associações políticas e concertações federativas
ou nacionais. Os territórios, constituídos por lugares reais e regiões construídas social e historicamente, devem ser amplamente valorizados, tanto
na percepção quanto na ação de estratégicas para o desenvolvimento
social, somente assim poderão ser estabelecidos os marcos de uma política de desenvolvimento regional que beneficie toda a população brasileira.
Dessa forma, o ordenamento do território é percebido como mecanismo
político no sentido de assegurar formas de coesão e relações nas particularidades das regiões. Essa perspectiva corrobora com a regionalização de
ações e serviços da saúde proposta no âmbito do SUS, baseado na Constituição Federal de 1988, assegurando assim a coesão e as relações entre
lugares e regiões que avalizem os princípios de universalidade, equidade e
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integralidade da atenção à saúde a todos os brasileiros, com vistas a diminuir as desigualdades regionais (DUARTE et al, 2017).
2.1 Histórico das políticas públicas de saúde
A constituição cidadã, em seus artigos 196, 197 e 198 ofereceu
sustentação para, em 1990, serem aprovadas as Leis nº 8.080 e nº 8.142
que dispõem sobre a participação da comunidade na gestão e do financiamento do SUS. Diante da responsabilidade do Estado em garantir a
saúde aos cidadãos sob um modelo de cuidado que os envolva no processo e ao mesmo tempo ofereça cuidados no vasto campo da saúde, considerando sua participação tanto como protagonistas da própria saúde,
como usuários de um sistema de base comunitária e também participando no controle, na fiscalização e nas decisões que envolvem os serviços
por meio de conselhos comunitários e conferências (BRASIL, 1988).
A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, em seu Capitulo II,
Artigo 7º, Inciso IX, bem como no artigo 8º, ao abordar sobre os princípios e diretrizes do SUS, dispõe sobre a descentralização dos serviços
para os municípios e da regionalização e hierarquização em níveis de
complexidade crescente na rede de serviços de saúde, em seu âmbito
geral, dando base para a legislação específica sobre saúde mental que,
naquele momento ainda não havia sido proposta. Na mesma linha, a
legislação específica de saúde mental mantem-se fiel às diretrizes apresentadas pelo SUS, entretanto, a legislação que possibilitou maior estruturação sobre as demandas de saúde mental somente se tornou mais robusta a
partir da Lei nº 10.216, promulgada em 06 de abril de 2001. Conhecida
como Lei da Reforma Psiquiátrica, a mesma conferiu proteção e direitos
às pessoas portadoras de transtornos mentais e redirecionou o modelo
assistencial no campo da saúde mental, após ter tramitado durante 12
anos até sua aprovação. A referida Lei, no entanto, não instituiu claros
mecanismos para a progressiva extinção dos manicômios, mas conferiu
um novo impulso à reforma psiquiátrica no Brasil e deu base para portarias e regulamentações posteriores (BRASIL, 2005).
No que se refere a descentralização e regionalização do SUS como um todo, é fundamental citar a Norma Operacional Básica –
NOB/SUS 01/1996 e Norma Operacional de Assistência à Saúde –
NOAS/SUS de 2001. A primeira propôs, em momento importante da
implantação do SUS, a municipalização dos serviços, contextualizando a
importância da gestão municipal dos serviços de saúde em conexão com
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as esferas estaduais e federal, entendida como descentralização. Já a
NOAS, em 2001, propõe uma ampliação na organização dos serviços de
saúde, considerando seus graus de complexidade, visando a oferta de
atendimento circunscrito em uma realidade regional, a regionalização.
2.2 Reforma psiquiátrica
A Declaração de Caracas (Opas, 1990) evidenciou uma realidade
que se mostrava insustentável em toda a América Latina. Na ocasião da
Conferência Regional para a Reestruturação da Atenção Psiquiátrica
dentro dos sistemas locais de saúde para a América Latina, organizações,
associações, autoridades de saúde, profissionais de saúde mental, legisladores e juristas propuseram o enfrentamento de situações que configuravam uma realidade avassaladora no que diz respeito aos tratamentos
oferecidos no campo da saúde mental. Conforme segue na referida declaração, "Que a assistência psiquiátrica convencional não permite alcançar
objetivos compatíveis com um atendimento comunitário, descentralizado, participativo, integral, contínuo e preventivo.‖ Ainda: "Que a reestruturação da assistência psiquiátrica na região implica em revisão crítica do
papel hegemônico e centralizador do hospital psiquiátrico na prestação
de serviços‖ (OPAS, 1990).
No Brasil, o ano de 1978 marca um importante episódio da Reforma Psiquiátrica, com o surgimento o Movimento dos Trabalhadores
em Saúde Mental (MTSM) formado por trabalhadores integrantes do
movimento sanitário, além de associações de familiares, sindicalistas,
associações de profissionais e pessoas com histórico de longas internações
psiquiátricas. O movimento passa a denunciar a violência dos manicômios, a mercantilização da loucura, os processos hegemônicos que envolviam uma rede privada de assistência e construir coletivamente uma
crítica ao chamado saber psiquiátrico e ao modelo hospitalocêntrico na
assistência às pessoas com transtornos mentais. A experiência de desinstitucionalização em psiquiatria realizada na Itália ofereceu importante
inspiração ao movimento brasileiro e revelou a possibilidade de uma
ruptura com o modelo até então praticado e assim começaram a emergir
propostas para a reorientação da assistência (BRASIL, 2005).
O ano de 1987 marca a II Conferência do MTSM e a realização
da I Conferência Nacional de Saúde Mental no Rio de janeiro. No final
dos anos 1980 também surgem os primeiros CAPS (Centros de Atenção
Psicossocial) e NAPS (Núcleos de Atenção Psicossocial), enquanto inici-
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ativas independentes, constituindo-se como uma importante construção
enquanto serviço substitutivo ao modelo hospitalocêntrico. Essas experiências se tornam conhecidas a nível nacional e se mostram claramente
alinhadas às propostas apresentadas posteriormente na Declaração de
Caracas. Em 1989 entra no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Deputado Paulo Delgado (PT/MG) que propõe a regulamentação de direitos às pessoas portadoras de transtornos mentais e a gradativa extinção de
manicômios no país. A referida lei foi aprovada somente em 2001, sob nº
10.216 (BRASIL, 2015).
Entre os anos de 1990 e 2001, algumas regulamentações no campo da saúde mental foram propostas, a partir do ministério da saúde, no
sentido de garantir recursos, embora de forma ainda insuficiente e também regulamentar inicialmente a atuação dos hospitais psiquiátricos no
território e iniciar o processo de reorientação da assistência (BRASIL,
2005). Algumas regulamentações se destacaram nesse período. Inicialmente, a Portaria SNAS nº 189/1991 se propôs a aprovar os Grupos e
Procedimentos da Tabela do SIH-SUS, na área de Saúde Mental, mobilizando recursos, a partir de procedimentos realizados nos serviços, para
assim dar sustentação financeira aos serviços substitutivos que eram timidamente implantados. A Portaria também discorria sobre a necessidade
de que os estabelecimentos de saúde que prestavam serviços de saúde
mental, integrantes do Sistema Único de Saúde, seriam submetidos periodicamente à supervisão, controle e avaliação, por técnico dos níveis
federal, estadual e municipal, portanto trazendo alguma vigilância às
condições dos serviços de saúde mental vinculados ao SUS.
A Portaria SNAS nº 224/1992, pela primeira vez, propõe diretrizes e normas tanto para os dispositivos de saúde mental que surgiam
naquele momento (CAPS e NAPS) quanto para os hospitais psiquiátricos
ainda em funcionamento, além de iniciar um processo de substituição de
leitos em hospitais psiquiátricos por dispositivos comunitários de atenção
à saúde mental. Em observância à Declaração de Caracas, a portaria
224/1992 propunha equipes e possibilidades de tratamentos a serem oferecidos às pessoas portadoras de transtornos mentais em serviços regionalizados, portanto, localizados em territórios estabelecidos de acordo com
a proximidade e necessidade dos usuários ao mesmo tempo em que estabelecia importante rigor aos serviços prestados por hospitais psiquiátricos
vinculados ao SUS, estabelecendo metas de substituição de leitos psiquiátricos por serviços comunitários de saúde mental.
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As regulamentações editadas durante a década de 1990 se propuseram basicamente a cumprir com as demandas reclamadas pela Declaração de Caracas, amparadas pelas Leis nº 8.080 e n.º 8.142, no sentido de
tornar a oferta de cuidados em saúde descentralizada, regionalizada, comunitária, buscando garantir acesso aos usuários e a efetividade do cuidado. Entretanto, ao final desse período, as iniciativas ainda se mostravam
insuficientes, visto que 93% das verbas do Ministério da Saúde para Saúde
Mental ainda eram direcionadas a hospitais psiquiátricos, além de contar
com 208 CAPS em funcionamento do país (BRASIL, 2005).
2.3 Legislação no campo da saúde mental no SUS
A partir da vigência da Lei Orgânica do SUS, que apresentou diretrizes generalistas que formataram o Sistema Único de Saúde, surge,
diante dos movimentos pela reforma psiquiátrica e de inciativas que propunham serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos, a necessidade
de regulações mais específicas para a saúde mental, enquanto campo
específico da saúde. A reforma psiquiátrica pôde se tornar mais efetiva a
partir da aprovação da Lei nº 10.216/2001 e da regulamentação de mecanismos que estabeleceram padrões de estrutura, equipes mínimas e
funcionamento para os serviços substitutivos, a progressiva extinção de
hospitais psiquiátricos, o oferecimento de leitos psiquiátricos em hospitais
gerais e a garantia de financiamento para os serviços de base comunitária,
a exemplo da Portaria MS 336/2002.
A lei da reforma psiquiátrica, além de conferir direitos às pessoas
portadoras de transtornos mentais, teve como objetivo redirecionar o
modelo assistencial em saúde mental, ou seja, estabelecer definitivamente
uma nova forma de fazer saúde mental no país, a partir de mais de uma
década de experiências exitosas em serviços de base comunitária, e o
abandono do modelo hospitalocêntrico na Saúde Mental. Complementada posteriormente pela Portaria MS 336, de 19 de fevereiro de 2002, que
discorre sobre as modalidades de CAPS em sua estrutura física, equipes
mínimas, população de abrangência, horários de funcionamento, público
preferencial, enfim, ordena uma série de informações no sentido de instrumentar os serviços, adequando-os as realidades regionais.
A Lei 10.216/2001 constitui um marco fundamental para a assistência no campo da saúde mental, um exemplo disso é que, no ano de
2004, 64% dos recursos respectivos à saúde mental eram destinados a
hospitais psiquiátricos (BRASIL, 2005). Além disso, a expansão dos ser-
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viços substitutivos nesse período é notável. O primeiro salto de crescimento do número de CAPS no Brasil ocorreu pelo grande número de
serviços implantados em capitais e em municípios de menor porte logo
após a Lei nº 10.216/2001 ser aprovada. Os saltos seguintes resultaram
do considerável número de serviços implantados nos municípios de pequeno porte, indicando intenso processo de interiorização dos CAPS no
país, particularmente em localidades com menos de 50 mil habitantes.
Verificou-se também um cenário de interiorização dos leitos psicossociais, o que indica um movimento importante no processo de desinstitucionalização, mediante a ampliação da oferta de cuidados nesse nível de
atenção ocorrendo fora do eixo das grandes cidades e principais capitais
brasileiras (MACEDO et al, 2017).
Entretanto, alguns pontos importantes, que dizem respeito a particularidades demográficas brasileiras, acabaram por manter populações
desassistidas em termos de atenção psicossocial e serviços especializados
no campo da saúde mental. De acordo com a Portaria 336/2002, apenas
municípios com mais de 20.000 habitantes poderiam contar com cobertura de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os quais constituem importante estratégia de substituição de leitos psiquiátricos por meio do
atendimento das demandas de saúde mental inserido nas comunidades.
Nesse caso, uma parte considerável dos municípios brasileiros, acabam
desprovidos de equipes especializadas e capacitadas a atender demandas
específicas e com maior grau de complexidade no campo da saúde mental, o que se entende como vazio assistencial. Além disso, as equipes
responsáveis pela atenção as demandas de saúde mental da população,
no caso de municípios pequenos a atenção básica, não dão conta dessas
demandas devido insuficiência de profissionais qualificados, fragilidades
no processo de acolhimento das demandas e na avaliação dos casos, insuficiência ou nulidade de atividades referentes ao cuidado em saúde mental, propostas de cuidado desconexas com as necessidades e desconhecimento por parte dos profissionais em relação à realidade da população
(DIMENSTEIN et al, 2018).
Vazios assistenciais compreendem determinadas regiões do país
que não contam com qualquer ponto da RAPS, com exceção de alguns
serviços vinculados à atenção primária ou que possuem estrutura insuficiente em relação ao padrão mínimo esperado no que se refere à cobertura nos territórios de saúde (MACEDO et al, 2017).
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Diante dessa realidade, frente a necessidade de enfrentamento da
situação, surgem recentemente outras regulamentações com o objetivo de
dar conta dos vazios assistenciais por meio da organização e regionalização dos serviços, bem como do estabelecimento da Rede de Atenção
psicossocial, a RAPS.
2.4 Legislação referente a Rede de Atenção Psicossocial
(RAPS)
A Portaria nº 3.088/2011 institui a Rede de Atenção Psicossocial
(RAPS) com a criação, ampliação e articulação de pontos de atenção à
saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do
SUS. Estabelece também quais são os serviços que compõe a RAPS,
desde a atenção básica, passando por hospitais e serviços de Reabilitação
psicossocial, bem como estabelece a integração entre tais serviços de
maneira a ampliar a qualidade e abrangência dos serviços prestados.
Em 2017 foi publicada a Portaria nº 3.588, que propõe novos
serviços para compor a RAPS, a citar o CAPS AD IV para populações a
partir de 500.000 habitantes e capitais dos estados e as Equipes Multiprofissionais de Atenção Especializada em Saúde Mental, além de possibilitar a formação de equipes em Unidades de Referência especializada em
Hospital Geral e Unidades de Referência em Hospital Geral.
Algumas críticas importantes se fazem em relação às duas últimas portarias, à 3088/2011 surgem questões referentes a legitimidade de
se incluir os Hospitais Psiquiátricos na RAPS, uma vez que a Lei da Reforma Psiquiátrica, em seu artigo 4º propõe justamente o contrário. O
que deveria ter acontecido ou estar acontecendo seria a extinção dessas
instituições quando na verdade, diante das últimas regulamentações, se
vê um fortalecimento das mesmas, bastante em razão de falhas na implantação dos serviços substitutivos por motivos variados, entre eles as
lacunas na própria RAPS e equipes insuficientes, além dos estigmas ainda presentes na sociedade em relação as pessoas portadoras de transtornos mentais e os obstáculos que as impedem de se inserir socialmente
(SOUSA e JORGE, 2019).
A mesma crítica pode ser aplicada sobre a Portaria 3588, que inclusive foi alvo de recomendação de revogação pelo Conselho Nacional
de Saúde (Recomendação 001/2018) - o que não aconteceu, pelo motivo
de contrariar o disposto na lei da Reforma Psiquiátrica na medida em que
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cria instrumentos que incentivam as internações psiquiátricas e ao mesmo
tempo não incentivam o fortalecimento e financiamento dos serviços
substitutivos a hospitalização (SOUSA e JORGE, 2019).
A atenção psicossocial, consideravelmente pautada na regionalização dos serviços, a partir da pactuação dos serviços tanto nos municípios, quanto nas regiões de saúde, se vê limitada diante de dificuldades
na atuação de maneira articulada por equipes que compõe a RAPS. Embora, a partir das legislações que regulamentaram a rede substitutiva tenha ocorrido um processo de ampliação e interiorização dos serviços
psicossociais atingindo 86% de cobertura, parte do território brasileiro
permanece com importantes fragilidades na assistência à saúde mental.
Essas fragilidades são atribuídas a desarticulação dos serviços que compõe a Rede, além das limitações na formação de profissionais e até mesmo da insuficiência de profissionais em determinados territórios, bem
como da dificuldade de colaboração entre municípios, do subfinanciamento dos serviços públicos e da alta dependência de serviços privados,
diante de um processo de reforma psiquiátrica insipiente (SOUSA e
JORGE, 2019).
A Portaria 336/2002, que regulamenta os serviços substitutivos
aos Hospitais psiquiátricos, prevê a criação de CAPS em municípios com
população superior a 20.000 habitantes, o que basicamente deixa boa
parte dos municípios do país sem a possibilidade de oferecer serviços
especializados na atenção à saúde mental para sua população, o chamado
vazio assistencial. Em 2011, foi publicado o Decreto Presidencial nº
7.508 que, ao regulamentar a Lei orgânica da Saúde, dispõe sobre a regionalização da Política de Saúde visando a integralidade do atendimento à
população.
No que se refere a questões concernentes aos vazios assistenciais,
acabou ficando sob responsabilidade dos estados buscar formas de superar as limitações estabelecidas nas legislações federais, a partir do Decreto
7.508. No estado de Santa Catarina, por exemplo, a nível de Secretaria de
Estado de Saúde, surge, a partir de Deliberações do Comitê Intergestores
Bipartite, a exemplo da Deliberação 53/CIB/2011, a possibilidade da
criação e o incentivo, por parte da secretaria de Estado de Saúde, de
CAPS Microrregionais para o atendimento de mais de um município, em
observância as exigências expressas na Portaria 336/2002, assim como a
possibilidade de criar Equipes Multiprofissionais de Atenção Especializada em Saúde Mental, estabelecidas pela própria portaria 3588/2017. O
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objetivo das referidas deliberações seguem no sentido de buscar superar
os vazios na Rede Assistencial a nível de estado, visto o elevado número
de municípios de pequeno porte em seu território.
3.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os processos que envolvem a regionalização da política pública
se estabelecem como condição fundamental para a sua implementação. A
vastidão territorial, assim como dos processos sociohistóricos que permeiam a realidade brasileira desafiam a integralidade dos serviços de
saúde ofertados à população, assim como desafiam as estratégias de coordenação dos serviços. Considerando sua importância estratégica, a
regionalização surge no âmago do SUS e busca, por meio de vários dispositivos legais, regulamentar esse processo que encontra obstáculos pelo
caminho, alguns deles ligados à complexidade territorial do país.
Mesmo diante de um conjunto de legislações que compõe a política pública de saúde, com o objetivo de atingir a integralidade do atendimento, quase duas décadas após a regulamentação da reforma psiquiátrica, a mesma ainda se mostra incipiente, também diante de uma série de
obstáculos, alguns deles ainda conectados a conflitos de interesse que
estão na base da própria reforma psiquiátrica. Muito se avançou em relação aos cuidados oferecidos a pessoas portadoras de transtorno/sofrimento mental, no entanto há considerável parcela da população
brasileira que segue não recebendo a devida assistência no campo da
saúde mental devido fragilidades que vão desde legislações que não dão
conta da complexidade das realidades de cada região do país, passando
por questões que envolvem a coordenação do cuidado e a insuficiência de
recursos humanos e financeiros.
Ainda há pela frente longa caminhada para que a reforma psiquiátrica, que iniciou seu movimento a década de 1970, foi regulamentada no início do século e ainda não atingiu seus objetivos em grande parte,
possa se dizer fortalecida, principalmente diante de contextos políticos
recentes que já se manifestam nas publicações legais, deixando interrogações sobre como se dará o processo nos próximos anos.
4.
REFERÊNCIAS
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AS DEFICIÊNCIAS NORMATIVAS ACERCA
DO TRABALHO INFANTIL ARTÍSTICO NO
ORDENAMENTO BRASILEIRO
Karina Cofferri 1
Lisandra Tais Amorim 2
1.
INTRODUÇÃO
A evolução do conceito de trabalho é, em todo o decurso da história, aliada às transformações vividas pelas sociedades. Para fins de
Direito de Trabalho, e deste artigo, se considera tão apenas as relações de
trabalho subordinado, as relações de emprego, escapando de sua alçada
as demais significações de ―trabalho‖. Assim, nem toda atividade considerada como trabalho é regulada pelo Direito do Trabalho, mas sim somente àqueles que preenchem seus requisitos de sujeitos (empregado e
empregador), fundamentos (proteção jurídica do trabalhador) e características.
Com a regulamentação das normas trabalhistas, o Direito do
Trabalho se fixou ―como estrutura de proteção do trabalhador e entra em
um processo de evolução contínua e dinâmica, tendo em vista a própria
dinamicidade das relações sociais e econômicas que dele são inseparáveis‖ (ROMAR, 2018).
No presente artigo, aborda-se o histórico do Direito do Trabalho,
e, como tanto as organizações mundiais quanto as instituições pátrias se
mobilizaram, ao longo da história, para garantir e efetivar os direitos das
crianças. Desse histórico, é possível inferir que ao Direito coube evoluirse a fim de proporcionar o adequado amparo e a efetivação de direitos
fundamentais a seus entes, visto que as realidades e necessidades da sociedade é que fazem com que o Direito prospere no decorrer da história da
1
2
Graduanda em Direito pelo
karinacofferri@hotmail.com
Graduanda em Direito pelo
lisandra.tais.amorim@gmail.com
Instituto
Federal
do
Paraná.
Contato:
Instituto
Federal
do
Paraná.
Contato:
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humanidade, ainda mais, porque, como ensina CAMARGO (2014,
p.71), ―a representação social da infância sofreu profundas transformações ao longo da história‖ e, na pós-modernidade, a criança passou ―a
ocupar um lugar de destaque, notadamente diante do interesse econômico.‖
No mais, trata-se ainda acerca das disposições celetistas e constitucionais que se chocam com normas internacionais, dos princípios que
tangem o Direito do Trabalho, enfatizando o trabalho dos menores e as
tendências legislativas, vez que, por ora, o ordenamento jurídico brasileiro é omisso e deficiente quanto da regulamentação e execução da fiscalização acerca do trabalho infantil artístico.
2. BREVE HISTÓRICO DE DIREITO DO TRABALHO E
DO TRABALHO INFANTIL
O termo "trabalho" deriva do latim tripalium, que se remete a
uma espécie de instrumento de tortura ou uma canga que pesava sobre os
animais. (MARTINS, 2000, p. 168). Essa noção de castigo por muito
tempo acompanhou a ideia de trabalho, principalmente se considerado a
extensão histórica da legalidade do instituto da escravidão, por exemplo.
O Direito do Trabalho, contudo, tem suas origens nos movimentos sociais que que causaram e que resultaram da Revolução Industrial,
no século XVII e XIX. Para ROMAR (2018, p. 42), ―como consequência
das mudanças sociais e econômicas, as relações de trabalho também se
modificaram. A Revolução Industrial fez surgir o trabalho humano livre,
por conta alheia e subordinado, e significou uma cisão clara e definitiva
entre os detentores dos meios de produção e os trabalhadores. ‖
Porém, sob essa perspectiva de aparente desenvolvimento, surgia
também um cenário de injustiça social, que deu origem a uma crise social, colocando em xeque a não interferência estatal nas relações individuais e gerando um debate ideológico e social, defendendo a intervenção do
Estado na ordem econômica e social, a fim de ―fixar normas coativas,
com condições mínimas de proteção, que deveriam ser respeitadas pelos
empregadores‖, que resultou no surgimento de uma legislação a fim de
estabelecer normas mínimas de proteção ao trabalhador. (ROMAR,
2018)
Ao que tange o trabalho infantil, para MOMII e OLIVA (2008,
p. 03), a Inglaterra foi a pioneira na edição de leis de proteção ao trabalho
das crianças, que, entre outras medidas, proibiu o trabalho infantil notur-
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no, obrigou à frequência escolar e institui tempo de jornada máxima.
Mas foi apenas em 1917, no México, que os direitos trabalhistas começam a ganhar caráter constitucional. O art. 123 da Constituição Mexicana de 1917 estabelecia, entre outras garantias, a proibição do trabalho de
menores de 12 anos e a limitação da jornada dos menores de 16 anos a
seis horas.
Na Europa, é a Constituição de Weimar, em 1919, na Alemanha, que inaugura a constitucionalização dos direitos sociais e trabalhistas. No mesmo ano, previsto pelo Tratado de Versalhes, teve a criação da
OIT – Organização Internacional do Trabalho, que, em 1946, quando
vinculada à ONU – Organização das Nações Unidas, solidificou seu
objetivo em promover a justiça social, formulando e aplicando normais
internacionais do trabalho.
No Brasil, o ―primeiro marco simbólico importante da história
do surgimento da normatização do trabalho foi em 1888 com a extinção
da escravatura‖. (ASSIS, p.04). Tal medida trouxe consequências e uma
nova realidade para sociedade, uma vez que acarretou um aumento da
oferta de mão de obra e desemprego. MOMII e OLIVA (2008, p.03)
relatam que ―com a abolição da escravatura, as crianças órfãs e pobres
passaram a ser exploradas e abusadas, trabalhando nas fazendas e casa
grande dos senhores, sendo que com a crise econômica o trabalho precoce era estimulado.‖
Diante deste cenário foi promulgada a Constituição Federal de 1891,
onde se garantiu a liberdade no exercício da qualquer profissão, da
mesma forma que se assegurou a liberdade de associação. No mesmo
ano, foi editado o Decreto 1.313/91, onde se proibiu o trabalho do
menor de 12 anos em fábricas, fixando a jornada de trabalho em 7 horas para menores entre 12 e 15 anos do sexo feminino e entre 12 e 14
anos do sexo masculino. (CASTRO, 2019)
Os anos seguintes, também, foram marcados por conquistas sociais e trabalhistas. Em 1934, a Constituição daquele ano, conforme assinala SILVA NETO (2006, p. 55), elevou os direitos trabalhistas brasileiros ao patamar constitucional, garantindo e inscrevendo os direitos sociais e incorporando o sentido social do direito. Conforme esclarece Arnaldo Süssekind (2015, p. 60), ―a multiplicidade de normas legais no campo
do trabalho, sancionadas ou decretadas em distintas fases de nossa evolução jurídico-política‖, exigia que o ordenamento pátrio dispusesse das
previsões trabalhistas num único texto. Assim, em janeiro de 1942, foi
nomeado uma comissão que ficou encarregada da elaboração do projeto
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de Consolidação das Leis do Trabalho e Previdência Social. Decretada em 01º
de maio de 1943, a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] unificou
toda a legislação trabalhista então existente no Brasil e foi um marco por
inserir, de forma definitiva, os direitos trabalhistas na legislação brasileira. (TRT 24, 2013).
O fim do regime militar e a promulgação da Constituição de
1988 iniciou uma nova fase da história do Direito do Trabalho no Brasil.
A nova carta constitucional prevê a idade mínima para o trabalho, a proibição do trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos que ainda não tenham completado 18 anos, vedando a distinção de salários em função da
idade. Além disso, logo em seguida à promulgação da Carta de 88, a Lei
nº 8069/90 instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual representa um grande avanço na regulamentação e efetividade dos direitos
da criança e do adolescente.
Em 2017, houve a reforma das Leis Trabalhistas, que, entre outros pontos, versa sobre a prevalência do negociado sobre o legislado,
previsão do trabalho intermitente, terceirização, hora in itinere e rescisão
do contrato por acordo, terão reflexos significativos na própria estrutura
do Direito do Trabalho e inauguram um novo momento das relações de
trabalho no Brasil.
3. CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DA PROTEÇÃO
LEGAL DO TRABALHO INFANTIL ARTÍSTICO
Desde sua instalação, a OIT, ao que tange o trabalho infantil,
tem dado especial atenção, defendendo a erradicação deste trabalho e
procurando, através de convenções e recomendações, universalizar a
idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho (DIAS, 2007,
p.27).
Em 1959, a ONU editou a Declaração dos Direitos da Criança,
que trouxe consigo dez postulados estruturantes da Doutrina da Proteção
Integral. São eles: o gozo de direitos e liberdade; a proteção e oportunidades especiais a fim de lhe facultar seu desenvolvimento de forma sadia,
conforme os melhores interesses da criança; o direito ao nome e à nacionalidade; a previdência social, saúde, alimentação, recreação e cuidados
médicos; os cuidados especiais à criança com deficiência; o amor e a
compreensão; a educação gratuita e compulsória – pelo menos até o primeiro grau; a prioridade do recebimento de tratamento diferenciado para
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a criança; a proibição ao trabalho infantil e a proteção contra atos de
discriminação.
Logo, torna-se notório a preocupação global e o interesse nacional em garantir o melhor interesse do menor e a proteção integral inclusive quanto as relações trabalhistas. A exemplo tem-se as disposições celetistas (art. 403) e as do ECA (art. 67, III) que vedam o trabalho realizado
em locais prejudiciais à formação e ao desenvolvimento físico, psíquico,
moral e social do menor e em locais que não lhe permitam frequentar a
escola. O parágrafo 3º do artigo 405 da CLT arrola as situações que considera prejudicial à moralidade do menor, e logo em seguida (art. 406)
trata da possibilidade de autorização judicial para os trabalhos dispostos
no artigo anterior.
Da análise desses artigos, e considerando que o disposto as letras
―a‖ e ―b‖ do §3º do art. 405 da CLT versam os trabalhos artísticos, nasceu vários debates sociais, jurisprudenciais e doutrinários, vez que a
Constituição veda, salvo se na condição de aprendiz, qualquer trabalho a
menores de 16 anos. Porém, o artigo 5º, IX, acerca dos Direitos e Garantias Fundamentais, prevê a livre expressão artística, mesmo que dentro
do contexto de uma relação de trabalho, sugerindo uma ligação à atividade artística infantil. (ANDRADE, ARAÚJO, 2016) Da mesma forma,
o artigo 208, V, preza pelo dever do Estado em garantir o "acesso aos
níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um‖ e o artigo 215, diz que ―o Estado garantirá
a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais‖.
Ao tratar do trabalho infantil artístico parece existir certa tolerância popular acerca de sua execução, que, para os defensores do direito
costumeiro como fonte paralela e subsidiária, legitimaria as atividades
laborais artísticas realizadas pelas crianças. Nesse sentido, o trabalho
infantil artístico não possui a finalidade econômica, que afetaria negativamente o desenvolvimento e formação dos menores, mas gozaria de
uma função lúdica, de desenvolvimento dos dons naturais e espontâneos
da criança e do adolescente.
Por outro lado, aqueles que defendem a proibição de qualquer
trabalho infantil se fundamentam nas disposições constitucionais sobre o
assunto. Esse lado da doutrina alega ainda que ―a arte e a cultura teriam
perdido a sua essência e a sua identidade, diante dos efeitos da industria-
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lização, do crescimento imoderado do capitalismo e do nascimento de
uma sociedade extremamente voltada ao consumo. ‖ (VIERO apud Juste
Camargo, 2015, p. 85)
Juste Camargo (2014, p. 73) sobre o assunto, diz que
O Estatuto da Criança e do Adolescente, bem assim a Consolidação
das Leis do Trabalho não esgotam as condições a serem necessariamente observadas para a proteção dos direitos fundamentais em risco
no caso do trabalho artístico, dedicando-se quase que exclusivamente
às características dos locais em que pode vir a ocorrer, circunstância
que atrai a firme atuação do Estado-juiz para a garantia de eficácia da
teoria da proteção integral e prioridade absoluta, por intermédio do
imperativo de tutela, na análise de cada caso concreto. Daí a importância de regulamentação específica do trabalho artístico para menores
de 16 anos, como fixação de jornada de trabalho e intervalos, locais
onde possa ocorrer, garantia de acompanhamento do responsável, reforço escolar, assistência médica, odontológica e psicológica, previsão
de percentual para caderneta de poupança, benefícios previdenciários,
dentre outros.
A CLT, que, além de conferir proteção a todos os trabalhadores,
apresenta um capítulo específico – Capítulo IV, ―Da proteção do trabalho
do menor‖ – para disciplinar o trabalho do menor, trazendo medidas de
proteção, compatíveis com a Teoria da Proteção Integral. A proteção
especial ao menor busca assegurar o pleno desenvolvimento da criança e
do adolescente, evitando danos que esta exposição precoce pode causar
na parte física, psicológica e social. (REIS, 2015; p.123)
Quando se analisa o trabalho infantil nos meios de comunicação,
é necessário distinguir conceitualmente e juridicamente o trabalho e a
atividade artística. De acordo com Martinez (2016, p.193), o trabalho se
entende por aquele que é remunerado e para o sustento próprio, enquanto
que a atividade em sentido estrito, em regra, não tem uma contraprestação pecuniária, por visar o aprendizado, como no caso dos contratos de
estágio. Para Arruda (2010), quando o trabalho artístico se inserir no art.
3º da CLT, deverá ser abolido por ser considerado ilegal.
Reis (2015, p.130) considera que devido ao fato dos programas
veiculados na mídia terem viés econômico e não cultural ou lúdico, faz
com que as crianças e adolescentes estejam expostas sim ao trabalho
infantil, sendo este prejudicial, assim como qualquer outra forma de trabalho.
Assim, para os casos de trabalho artístico, sob pena de se potencializar a aceitação de outras formas de exploração infantil, é necessário
que haja, caso a caso, a avaliação da legitimidade do trabalho, ―assegu-
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rando sua realização apenas e tão somente nas condições em que salvaguarde a formação destes seres em peculiar fase de desenvolvimento,
quais sejam, aquelas condições ‗suficientemente eficientes‘ a conferir
concretude aos direitos fundamentais, em especial a dignidade humana
que os inspira e que atende à demanda por tutela absoluta e integral.‖
(CAMARGO, 2014, p.74)
4. A COMPETÊNCIA PARA AUTORIZAR O TRABALHO
DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E A FUNÇÃO DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO E JUSTIÇA NA PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL
No ordenamento jurídico, o Decreto nº 82.385, que regulamenta
a Lei nº 6.533, versa sobre o registro de trabalho do artista. O contrato
deve conter prazo de vigência, título do programa, personagem a ser
interpretado, local, jornada de trabalho. Apesar de não apresentar disposições a respeito do trabalho infantil, a ele também se aplica, pois a criança artista presta a atividade de forma personalíssima, subordinada ao
empregador, mediante remuneração. (VIERO, 2015).
Existe, porém, uma discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da competência judiciária para a autorização do trabalho de crianças e
adolescentes, vez que, conforme enfatiza Viero, a competência da Justiça
do Trabalho foi ampliada com a Emenda Constitucional n.º 45/2004,
assim, em que pese a previsão da CLT em atribuir a competência para
autorizar o menor a trabalhar ao Juiz de Menores, enquanto o ECA diz
caber ao Juiz de Infância e Juventude tal competência, é a Justiça do
Trabalho que possui competência para autorizar o trabalho infantil artístico, mesmo que este não atenda todas os requisitos do art. 3º da CLT.
(BARRETO, 2016, p. 47)
A atuação da Justiça do Trabalho no tema deve levar em conta
os princípios de proteção ao trabalhador, proteção integral da criança e
do adolescente. Magistrados e Ministério Público devem observar a Convenção 182 da OIT, que proíbe as piores formas de trabalho infantil, bem
como as regras do direito pátrio.
Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, criado originalmente para se buscar e efetivar o melhor interesse do menor, em sua
essência trata da proteção do melhor interesse do menor, o que traduz
uma forma de intervenção do Estado que passa a atuar como guardião da
criança ou adolescente em razão de sua vulnerabilidade. Para isso, o
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ECA elege como elemento central para a efetivação dos direitos a integração ente família, sociedade e Estado, sem a eleição de uma única figura responsável pelo atendimento dos interesses de crianças e adolescentes
(REIS, 2015, p. 144)
É nesse sentido que REIS (2015, p. 143) afirma que se estruturou
um sistema de garantias de direitos, que devem ser prezados a partir da
―integração e articulação entre Estado, família e sociedade. ‖
Para a autora, em prol da proteção desses direitos, destacam-se:
1. o Conselho Tutelar, que, vinculado ao Poder Público, com atuação direta na sociedade, deve cumprir as medidas administrativas necessárias em caso de ameaça ou violação das prerrogativas infanto-juvenis;
2. o Ministério Público, que, com viés tanto judicial quanto extrajudicial, deve assegurar a efetividade e a exigibilidade dos direitos no caso concreto;
3. e o Poder Judiciário, ao qual compete atuar nas situações em
que já ocorreu a violação ou a lesão ao direito.
Independente da discussão acerca da competência para a autorização do trabalho, certo é que não apenas as entidades públicas devem
agir em prol de garantir os direitos das crianças, mas também a sociedade
deve engajar-se a combater o trabalho infantil.
5. INSUFICIÊNCIA NORMATIVA ACERCA DO TRABALHO ARTÍSTICO DESEMPENHADO POR CRIANÇAS E
ADOLESCENTES
Pelo exposto, principalmente ao que tange a vedação constitucional a todo e qualquer trabalho realizado por indivíduos menores de 14
anos, denota-se que há uma deficiência no ordenamento jurídico, vez que
várias crianças e adolescentes participam de trabalhos artísticos regularmente, o que torna necessário uma garantia legislativa em prol dos direitos de crianças e adolescentes artistas.
A prática da realidade social vem mostrando que essa proibição
constitucional não é absoluta, existem exceções embasadas no ECA, na
CLT e na Convenção n.º 138 da OIT, que permitem a realização do trabalho infantil artístico, com algumas condições para esta realização, conforme estabelecido em capítulos anteriores do presente artigo.
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Viero (2015, p.88) entende que as autorizações emitidas por autoridades competentes não são capazes de atender de forma eficiente a
proteção dos direitos e garantias trabalhistas dessas crianças e adolescentes, sendo necessário que estejam abarcadas por algum texto legal específico. A autora sustenta a ideia da criação de uma legislação capaz de
atender de forma específica a questão do trabalho infanto-juvenil artístico, buscando um desenvolvimento físico e mental amplo desses indivíduos, visto que hoje, o trabalho do artista é regulamentado pela Lei nº
6533/78, que não aborda a prática por crianças e adolescente. Isso não
exclui a necessidade de uma análise caso a caso pela autoridade competente no momento da emissão do alvará de permissão.
Existe, no Brasil, uma lenta movimentação legislativa acerca da
regulamentação deste tema. Apensados ao Projeto de Lei nº 3974/12,
que propõe atribuir a competência para autorizar as exceções em relação
a idade mínima para o trabalho, inclusive o trabalho artístico à Justiça do
Trabalho, existem os projetos de lei nº 4253/12, que busca conferir competência para autorizar o trabalho infantil artístico tanto ao Juiz do Trabalho quanto ao Juiz da Infância e Juventude; nº4968/13, que visa proibir qualquer trabalho infantil por menores de 14 anos, inclusive proibindo
as autorizações judiciais, com exceção do trabalho artístico e o Projeto de
Lei nº 8088/14, que objetiva apurar a exploração do trabalho infantil no
Brasil, inclusive na atividade artística, quando não respeitados alguns
requisitos, como anuência do juiz do trabalho, dos pais ou responsáveis,
comprovação de frequência escolar, depósito de 50% da remuneração em
caderneta de poupança do menor.
6.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar da proteção integral e da prioridade absoluta que a Constituição e o ECA garantem, ainda existem fortes formas de violação e
ameaças a estes direitos, como a questão do trabalho infantil, que além
de tudo, é uma violação aos direitos humanos, trazendo consequências
para o desenvolvimento dos menores.
O caso do trabalho infanto-juvenil nos meios de comunicação
gera a falsa ideia de uma mera representação artística, associada ao lúdico e ao pedagógico. Essa ilusão somada à falta de previsão expressa a
respeito do tema, fazem com que o Poder Judiciário conceda autorizações embasadas na representação artística, quando na verdade, o que [as
crianças e adolescentes] estão exercendo é trabalho, visto estarem presen-
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tes os requisitos para se configurar uma relação empregatícia, tendo as
mesmas obrigações que um ator adulto, por exemplo.
É importante salientar que a proibição de forma irrestrita não é a
solução, visto que o que torna a experiência positiva ou negativa ao artista mirim é a forma como é conduzida por aqueles que tem o dever de
zelar pelo bem-estar da criança, visando não comprometer o seu desenvolvimento.
A resposta para tal problema possui alternativas relacionadas a
elaboração de instrumentos normativos e novos programas. As ações
estratégicas para o enfrentamento, podem ser propostas com o aprimoramento normativo, incluindo o trabalho artístico infanto-juvenil de forma expressa nos dispositivos legais, com uma maior normatização e
ampla fiscalização dos órgãos responsáveis, porque a ―observância do
princípio da proteção integral da criança e do adolescente é devida pela
família, pela sociedade e pelo Estado, assegurando os direitos fundamentais e proteção contra toda forma de discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, com total e absoluta prioridade.‖ (MOMII e
OLIVA, p. 05)
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da regulamentação a ele aplicável. 2015, p. 56-57
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Círculo de Diálogos 11
Manifestações e práticas culturais
na América Latina
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EXISTE UM LUGAR PARA
INTERCULTURALIDADE NA PÓSMODERNIDADE?
Jaílson Bonatti 1
Gerson Junior Naibo2
1.
Introdução
A presente escrita parte de indagações constantes sobre a necessidade de um lugar próprio para as discussões sobre a perspectiva intercultural no tempo pós-moderno. Apresentamos como justificativa a necessidade histórica de rever conceitos e teorias que desde sempre nos foram entregues como presentes em sinal de troca das nossas riquezas milenares: os
saberes míticos dos povos originários. Na atualidade trabalhamos a partir
de uma possibilidade decolonial da produção e divulgação de saberes
produzidos na periferia do conhecimento mundial. Necessitamos revisitar
nossos ancestrais e discutir de perto com nosso passado, para a partir deste
contexto elaborarmos consistentes discussões em torno da legitimidade do
conhecimento latino-americano intercultural decolonial.
O objetivo desse texto de perfil ensaístico é tecer relações com a
noção de pós-modernidade, enquanto conceito de discussão teórica na
academia, relacionado com a perspectiva intercultural que nasce de uma
vertente que busca legitimar processos de justiça cultural e histórica de
povos originários, bem como de práticas e manifestações de costumes,
tradições e ritos populares que se desenvolveram a partir das relações
coloniais. Para isso, no item que segue, discutiremos algumas reflexões
1
2
Mestrando em Educação, Universidade Comunitária da Região de Chapecó Unochapecó. Membro do Grupo de Pesquisa Desigualdades Sociais, Diversidades
Socioculturais e Práticas Educativas - Unochapecó/SC e do Grupo de Pesquisa:
Políticas Públicas e Gestão - URI/RS. Contato: jailson.1bio@gmail.com.
Estudante de Geografia - Licenciatura, Universidade Federal da Fronteira Sul UFFS, Campus Chapecó, Bolsista de Iniciação Científica (CNPq). Integrante do
Núcleo de Estudos Território, Ambiente e Paisagem - UFFS/SC e do Grupo de
Pesquisa
Espaço,
Tempo
e
Educação
UFFS/SC.
Contato:
gersonjrnaibo@outlook.com.
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iniciais sobre a relação entre pós-modernidade e interculturalidade com
base na ideia de presenças manifestantes de culturas diversas e plurais no
cenário da América Latina.
2.
Pós-modernidade e interculturalidade: algumas reflexões
Na atualidade, podemos perceber como os conflitos identitários
presentes em diferentes contextos de legitimação cultural ainda são difusos, conturbados e oscilantes. Essas realidades são das mais distintas
formas, expressões e difusões, combinam noções de heterogeneidade e
homogeneidade cultural na forma como a civilização contemporânea está
se portando frente ao avanço da tecnologia globalizada, sobretudo dos
meios de comunicação, dos modos de produção do conhecimento, e etc.
Para Weissmann (2019), esses fatos demonstram como as tecnologias e
as informações globalizadas operadas por um sistema capitalista liberal,
reorganizaram e incidiram fortemente sobre antigas fronteiras culturais,
repaginando símbolos de culturas locais e transformando-as em símbolos
para culturas de massas ou populares (JAMENSON, 1983).
Para Canclini (2015) há uma miscelânia de diferentes culturas,
histórias e políticas que compõem o que ele denomina como hibridação
cultural. Enfim, o que podemos entender, é que o momento atual nos
apresenta uma forma de (com)viver, perceber e estar muito diferente
daquilo que as linhas filosóficas e históricas de origem ocidental estavam
refletindo e teorizando. Nas afirmações de Bonatti e Huáman (2019) a
sociedade se encontra em um momento de transformações de valores e
normas acerca do convívio social, ademais, os autores pontuam um desafio pertinente: o de escolher decisões em relação às formas de entender e
experimentar o mundo social e cultural.
Neste sentido, a noção antropológica de cultura reflete muitos
significados, tanto como ferramenta de significação simbólica de produtos humanos, assim como objeto de venda e troca de valores dentro do
mercado global. No dicionário de filosofia o conceito clássico de cultura
remete a ideia da formação humana num projeto de convívio social
(ABBAGNANO, 2000). Por este fato, cultura não se entende apenas
como um conceito de formação simbólica do humano como um ideal, tal
manifestação da cultura contemporânea assume diferentes formas de
negociação e trocas de aspectos culturais em diferentes grupos na comunidade global.
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Não há mais fronteiras intransponíveis, e nem distâncias entre os
diferentes tipos de cultura, pois hoje já se reconhece modos de viver
transponíveis de cultura para cultura, como é o exemplo do próprio misticismo de culturas afros e indígenas que perfazem nossa bagagem de
vivências culturais. A partir disso, traz-se à tona a perspectiva intercultural, em que grupos globais realizam contatos e aprendizados em diferentes estágios da produção epistêmica, política e cultural, assim como da
manifestação e legitimação de suas práticas culturais identificadas, principalmente, no movimento indígena em toda a América Latina.
A região sul do Brasil, contexto da escrita desse ensaio, possui
inúmeras comunidades indígenas da etnia Kaingang. Anos de pesquisa
sobre indígenas e suas interações com a comunidade não indígena, permitem-nos afirmar a necessidade de colocar em diálogo a perspectiva
intercultural do nosso tempo contemporâneo. Os movimentos de afirmação e as lutas empreendidas por esses povos provam um giro decolonial
do pensamento (CASTRO-GÓMEZ e GROSFOGUEL, 2007; BALESTRIN, 2013), assim como a contestação de legitimidade do espaço autêntico na marginalidade das identidades colonizadas por mais de cinco
séculos, e por isso é fato afirmar a importância desse campo – de vozes e
saberes – que se choca com discursos históricos de opressão e dominação.
Reside então na necessidade de escuta e fala, e da produção de nossos
próprios referenciais livres de dominação e imposição de pensamentos
alheios a nossa realidade latino-americana, e por isso devemos
―[...] ejercitar la reflexión, luego debemos aprender a dialogar y a intercambiar ideas y, cuando hayamos logrado todo ello, armados de
nuestra identidad y autenticidad, reafirmaremos nuestro pensamiento
en diálogo con los otros, para finalmente, alcanzando una alta cultura
espiritual, traspasemos el individualismo y el regionalismo para buscar
la unidad y la igualdad humanas.‖ (HUÁMAN, 2005, p. 212).
Outro exemplo de manifestação cultural e presença de identidades periféricas existe também no movimento de luta e afirmação por
representatividade e direitos da comunidade LGBTQI+, que adentram o
espaço e o imaginário simbólico de uma sociedade preconceituosa e retrógrada em relação ao afeto, cuidado e amor entre sujeitos do mesmo
sexo. Nomes muito comentados na mídia como Pabllo Vittar, Gloria
Grove, Mateus Carilho, Aretuza Lovi, Urias3 e muitos outros artistas
3
Pabllo Vittar, Gloria Groove e Aretuza Lovi são artistas, cantorxs brasileirxs, drags e
performistas que nos últimos anos conquistaram destaque na produção audiovisual,
representando um giro das manifestações e lutas por direitos da diversidade sexual.
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dessa comunidade, representam a presença de uma construção simbólica
e cultural da diversidade sexual na contemporaneidade. Tal espaço é
fruto de lutas históricas de ocupação e representatividade cultural no
cenário pós-moderno. Dessa forma, quais são os tipos de trocas e negociações culturais que esses grupos perfazem na sociedade ao encenar e
narrar discursos e histórias que ainda não foram contadas e contestadas?
É correto afirmar que a interculturalidade abre-se como um pano de fundo para compreender tais processos de manifestação desse tipo de representação cultural e identitária?
Neste sentido, para Canclini (2009, p. 41) a cultura e a questão
da representatividade se apresentam, então, como ―processos sociais‖ dos
quais, torna-se difícil estudar e buscar uma definição universal. Dessa
forma, é preciso compreender constantes atualizações entre recepção e
apropriação de bens culturais na sociedade contemporânea nos mais
diversos grupos sociais. Tais contrastes influenciam na leitura de definições que não são estáticas em torno das representações culturais, e assim
destituir a universalidade de um conceito de cultura hegemônica, tecendo
possibilidades receptivas em torno da diferença enquanto marca de representação cultural de distintos grupos humanos.
À luz destes fatos percebemos que a interculturalidade se apresenta como um espaço para abarcar esses movimentos, e de algum modo
explicá-los e orientá-los nessa miscelânea de produção cultural. A interculturalidade, nesta perspectiva, ―[...] procura estimular o diálogo entre
os diferentes saberes e conhecimentos, e trabalha a tensão entre universalismo e relativismo no plano epistemológico, assumindo os conflitos que
emergem deste debate‖. (CANDAU, 2012, p. 245).
Compreender o movimento intercultural enquanto eixo articulador e de tradução de tais manifestações culturais, é perceber os limites de
tensionamentos presentes na ideia de superação da representação cultural
da modernidade, através de um movimento político, cultural e estético: a
Mateus Carillo, também um cantor, lançou-se como representante artístico e musical
da comunidade LGBTQI+. E Urias, uma cantora e artista transexual, mostrou-se
impactante ao cantar músicas que denunciam a realidade de sujeitxs travestis e
transexuais no Brasil, músicas de alto teor crítico e denúncia explicita da violência e
preconceito da sociedade brasileira em relação à diversidade sexual. Poderíamos
listar muitxs outrxs artistas que compõem o cenário da representação e manifestação
cultural da diversidade sexual no Brasil, contudo, deixamos este processo para outra
escrita.
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pós-modernidade. Sobre o entendimento da pós-modernidade Bhabha
(1998) afirma:
O "pós-moderno" [...] é um termo duplamente inscrito. Como a nomeação de um acontecimento histórico – capitalismo tardio multinacional
– a pós-modernidade oferece a narrativa periodizante das transformações globais do capital. Mas esse esquema de desenvolvimento é radicalmente desestabilizado pelo pós-moderno como processo estéticoideológico de significação do "sujeito" do acontecimento histórico.
(BHABHA, 1998, p. 238)
No entendimento de Jamenson (1983, p. 128) a pósmodernidade se caracteriza também como uma ―[...] erosão de velhas
distinções entre alta cultura e a cultura popular ou de massa.‖ Tais distinções se constroem entre as cisões e diferenças por classificação de culturas
populares e culturas de vanguarda moderna (assim uma classificação
possível), isto é, a superação das narrativas da modernidade. Neste sentido, Ribeiro (2018, p. 396) sinaliza que a pós-modernidade também ―[...]
privilegia a heterogeneidade e a diferença, valoriza a indeterminação, a
fragmentação, o efêmero, o descontínuo, o inacabado [...]‖, enquanto
características que marcam os referenciais heterotópicos que constituem a
organização social, bem como as manifestações culturais de nosso tempo.
Então as indagações que se fazem necessárias: onde está o velho
e o novo, o início e o fim, a causa e o efeito? Onde começa um e termina
outro movimento? O que é moderno e pós-moderno? Tais indagações são
fundamentais, e se tornam o cerne das reflexões do nosso tempo. Trata-se
em conceber que os sujeitos não constroem apenas suas legitimações
identitárias, mas há uma preocupação constante em elaborar fenômenos
culturais que transversalizem e dialoguem dentro de um mosaico de fenômenos sociais localizados – historicamente – sob o nome de interculturalidade.
A equação é um tanto complexa. Por isso é preciso entender a
importância do diálogo e uma representação simbólica dos valores, ética(s) e identidades, que se elaboram através dos contrastes e diversidades
de uma nova maneira de ver o mundo, a sociedade e a si mesmo. Devemos nos distanciar de uma concepção hegemônica e histórica de entender
a organização de nossas sociedades, que culturalmente foram concebidas
a margem de um padrão ocidental dominante e opressor. De acordo com
Laraia, (2007, p. 67), herança essa ―[...] desenvolvida através de inúmeras
gerações, sempre nos condicionou a reagir depreciativamente em relação
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ao comportamento daqueles que agem fora dos padrões aceitos pela maioria da comunidade [...]‖.
Para o autor Canclini (2015) é evidente que a pós-modernidade
ainda carece de uma identidade de caráter intercultural, pois para o autor
―[...] la escasez de estúdios empiricos sobre el lugar de la cultura en los procesos
llamados posmodernos ha llevado a reincidir en distorsiones del pensamiento prémoderno [...]‖ (1989, p. 19). Para Bhabha, que adentra uma linha teórica
de cunho pós-colonialista, a pós-modernidade ainda não encontrou seu
local de fixação, mas, ele entende que a tradição imperialista e dos antigos mundos coloniais, hoje travestidos com outra roupagem, evidenciam
um processo de superação da modernidade, pois para ele:
As perspectivas pós-coloniais emergem do testemunho colonial dos países do Terceiro Mundo e dos discursos das "minorias" dentro das divisões geopolíticas de Leste e Oeste, Norte e Sul. Elas intervêm naqueles
discursos ideológicos da modernidade que tentam dar uma "normalidade" hegemônica ao desenvolvimento irregular e as histórias diferenciadas de nações, raças, comunidades, povos (BHABHA, 1998, p.
239).
Outra indagação que se faz pertinente é se a pós-modernidade
ainda não encontrou seu lugar ou espaço de legitimidade, como então
pensar a questão da localização da perspectiva intercultural nesse processo? A resposta é complexa, necessita talvez de uma concepção de tradução de mundos culturais que se reorganizam em nosso tempo, sustentados em uma estrutura de imediaticidade dos contatos que se desenvolvem
desde as relações coloniais.
Nesse sentido, as lentes culturais que utilizamos para analisar
como as culturas em si estão situadas e sendo produzidas no lócus histórico da nossa civilização, através de uma perspectiva intercultural, é traduzido sob uma mediatização de fenômenos sociais como a globalização
das informações. Tal processo pode ser identificado nas culturas de massas ou populares, das quais observamos movimentos importantes como o
surgimento de debates em torno de direitos de visibilidade social e cultural das manifestações artísticas, sejam elas tradicionais como é o caso das
populações indígenas, ribeirinhas e camponesas ou contemporâneas no
caso das manifestações pop, funk e performatividade LGBTQI+.
Não apenas as culturas, mas também os movimentos identitários
que surgem dentro do contexto histórico social vivido pelo sujeito e pelo
grupo a que este pertence, bem como das suas manifestações culturais,
como é o caso das questões de diversidades culturais contemporâneas,
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sejam elas de caráter feminista, indígena, negras ou LGBTQI+, misturam-se em um mosaico de representatividade, colocando em dúvida
quais as fronteiras ultrapassadas e distâncias superadas. Tal reflexão traz
à tona um questionamento pertinente, como estamos retratando as relações coloniais que ainda são pano de fundo para estas manifestações
culturais na pós-modernidade? É possível ter um lugar para discutirmos a
interculturalidade nesse processo? Há interculturalidade legítima e presente nas relações sociais de significação, representação e produção identitária e cultural na contemporaneidade?
Entendemos que neste complexo de constantes questionamentos
que circundam nosso tempo como os conflitos de legitimação de espaços
culturais dentro do movimento histórico da pós-modernidade, leva-nos a
elaboração de significação de representações simbólicas híbridas sob a
égide da interculturalidade, que ―[...] fortalece a construção de identidades dinâmicas, abertas e plurais, assim como questiona uma visão essencialidade de sua constituição [...]‖. (CANDAU, 2012, p. 245). Nas palavras de Candau:
―[...] interculturalidade aponta a construção de sociedades que assumam as diferenças como constitutivas da democracia e sejam capazes
de construir relações novas, verdadeiramente igualitárias entre os diferentes grupos socioculturais, o que supõe empoeirar aqueles que foram
historicamente inferiorizados‖. (CANDAU, 2012, p. 244).
Seguindo esse pensamento, por outro lado, nas ideias de FornetBetancourt (2004) existe ainda uma pendência intelectual com a interculturalidade, pois vale ressaltar que ela não é fruto exclusivo do movimento
pós-moderno, por isso justificamos que a interculturalidade não detém
um lugar na pós-modernidade, embora ela seja fundamental para lermos
como as manifestações culturais são elaboradas. Deste modo, o autor
entende que a perspectiva intercultural é ―[...] uma demanda de justiça
cultural que se vem formulando há séculos na história social e intelectual
da América Latina [...]‖. (FORNET-BETANCOURT, 2004, p. 13). A
partir disso, como rogar um lugar e direito de aparecer à questão intercultural na pós-modernidade, quando a interculturalidade já é um movimento que apareceu ainda na modernidade?
Com este cenário, observamos a possível presença de não-lugares
para conceitos mal compreendidos e carregados ainda de misticismo
intelectual, bem como de conflitos de presença e administração teórica
para produzir e significar os processos de identidades, e movimentos de
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hibridação cultural a partir das manifestações culturais que se mesclam
no tempo pós-moderno. Para isso, faz-se fundamental compreender:
―[...] a cultura como produção irregular e incompleta de sentido e valor, frequentemente composta de demandas e práticas incomensuráveis, produzidas no ato da sobrevivência social. A cultura se adianta
para criar uma textualidade simbólica, para dar ao cotidiano alienante
uma aura de individualidade, uma promessa de prazer [...]‖.
(BHABHA, 1998, p. 240).
Deste modo, é salutar entender que a noção de cultura(s) empreende um movimento de (re)significação dos modos de compreensão e
elaboração de mitos, tradições e costumes. Portanto, a cultura enquanto
unidade fundamental de significados do fazer e do ser humano, convoca
sempre que possível e necessário, signos e símbolos que se adequem às
novas exigências de determinados grupos e contextos históricos. Isso é
fato observável, sempre que levarmos em consideração a colonização
bárbara e opressiva a que foram submetidos os povos originários da América Latina. E, portanto,
Desde la óptica indígena podríamos responder manifestando que nuestro pensamiento aún no está cultivado y entre otras cosas, nuestros propios centros académicos deben conceder un espacio para dichos discursos, o como lo estamos haciendo algunos filósofos indígenas, abrirnos espacios de diálogo en la universidad y los otros medios de comunicación social. (HUÁMAN, 2005, p. 215).
Contudo, apesar da intensa frente de colonização destes povos,
da frenética e violenta opressão cultural, sempre houve significativa proteção, adequação e continuidade de suas práticas culturais ancestrais,
sem que estas fossem extintas, mas sempre revisitadas por estes povos.
Sobretudo, a questão do conhecimento legítimo, reapresentado e formulado a partir de intelectuais de origem periférica, contrasta as oferendas
epistemológicas que desde sempre nos foram entregues como modelos de
pensar e agir sem possibilidade de serem questionados. Porém, conforme
nos traz Huamán (2005), há o ressurgimento e a visibilidade de pensadores contemporâneos que buscam espaço e legitimidade intercultural de
suas formas subalternas e periféricas de pensar e produzir conhecimentos
autênticos, destituídos de qualquer pressão da colonialidade do saber
(Quijano, 2005).
Julgamos ser a partir daqui o início de um diálogo sob uma perspectiva intercultural, compreender que as trocas e a hibridação cultural
são fatores primordiais do fazer humano no mundo que é a cultura, ou
seja, a noção de contatos interculturais é um meio e fim, pelo qual o ser
humano constrói seus signos e simbologias, e que no fazer-se e refazer-se
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diários em grupo, desenvolvem o complexo cultural capaz de inseri-los
no mundo das tradições, costumes e ritos, constituindo o que deveríamos
entender agora como uma hibridização de culturas e saberes humanos na
contemporaneidade. Assim, Canclini nos apresenta:
Una tercera línea de hipótesis sugiere que esta mirada transdisciplinaria sobre
los circuitos híbridos tiene consecuencias que desbordan la investigación cultural. La explicación de por qué coexisten culturas étnicas y nuevas tecnologias,
formas de producción artesanal e industrial puede ilumínar processos políticos;
por ejemplo las razones por las que tanto las capas populares como las élites
combinan la democracia moderna con relaciones arcaicas de poder. Encontramos en el estudio de la heterogeneidad cultural una de las vías para explicar los
poderes oblicuos que entreveran instituciones liberales y hábitos autoritários,
movimientos sociales democráticos con regímenes paternalistas, y las transacciones de unos con otros. (CANCLINI, 2015, p. 15).
Nesta linha de pensamento, ao abordarmos a questão do lugar da
interculturalidade na pós-modernidade, a partir de uma noção híbrida de
manifestações culturais, entendemos que o fazer humano no mundo atual
está muito mais em contato com diversas formas de ser e estar do que em
outras épocas e momentos históricos da civilização humana. E na concepção de Canclini (2015) podemos observar que a hibridização das culturas é o caminho que o fazer humano está percorrendo neste momento
histórico, ou seja, estamos construindo através da técnica uma dialetização de diferentes culturas, tendo sob fundo uma perspectiva de contato
intercultural. Um exemplo prático, dado a história de conformação da
nação brasileira, seria observar as populações originárias que neste território viviam e possuíam sociedades complexas e altamente organizadas
em fenômenos sociais próprios. No entanto, desde o século XV e mais
fortemente no século XVI, podemos observar que essas culturas originárias sofreram um contato muito próximo, e porque não dizer violento,
das culturas europeias.
Com esse exemplo, podemos perceber o quanto a hibridização
cultural ocorreu de forma corrente entre tais culturas, principalmente a
partir do século XX, uma traduzindo à outra, modos de vida, ritos e tradições, não havendo a extinção de uma ou outra, o que houve foi apenas
uma supressão violenta quando em casos extremos.
Por este motivo, torna-se fundamental traçar um acompanhamento teórico com pano de fundo crítico reflexivo a fim de compreendermos os atuais impasses acerca do conhecimento produzido sob a ideia
de pós-modernidade, bem como, observar como as traduções culturais
que acontecem instantaneamente no mundo de hoje moldam as relações
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interculturais de diferentes movimentos identitários e de manifestações
culturais na pós-modernidade.
3
Considerações Finais
Ao final deste ensaio seria fundamental apresentar alguns possíveis fechamentos em torno do que foi discutido. Contudo, elegemos por
deixar em aberto e propor algumas inquietações que podem servir enquanto elementos para dar continuidade a esta investigação.
A partir de um contexto histórico-cultural, marcado primeiro pela imposição de uma cultura hegemônica e subordinação de outra, consequentemente na divisão de práticas culturais superiores e inferiores em
um mecanismo de pensamento abissal (Santos, 2007), marcamos nosso
tempo presente como um espaço para a presença da ideia de pluralidade
de manifestações culturais, principalmente àquelas relacionadas a povos
ancestrais e comunidades que nascem da relação colonial que perpetrou
historicamente no espaço latino-americano. Em segundo lugar, rogamos
espaço legítimo para discutir e referenciar aportes para a interculturalidade desde o tempo pós-moderno, o qual é identificado pela imediaticidade
e fragilidade com as questões teóricas da modernidade, enquanto que
observamos a mescla de representações identitárias e culturais que sinalizam importantes movimentos em nível de cultura e sociedade na globalização contemporânea. E terceiro, dar voz, vez e sentido as diferentes
sinalizações de projetos emancipatórios e reconhecimento por valorização cultural e simbólica de comunidades indígenas, tradicionais, afrodescendentes, LGBTQI+, e etc.. Por este motivo, concluímos questionando
qual seria o movimento necessário para eleger um espaço afirmativo,
autônomo e livre de estereótipos teóricos para a interculturalidade a partir da noção de pós-modernidade?
4.
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Eliana Lourenço de Lima Reis e Gláucia Renate Gonçalves. Belo
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NARRAR A SI:
QUANDO O CINEMA EMERGE NA
DOCÊNCIA
Daniela da Silva1
Círculo de Diálogo: Manifestações e práticas culturais na América Latina (Literatura, Cinema, museu, artes, música...)
1. Introdução
A linguagem para Foucault não é um instrumento ligado ao nosso pensamento, no sentido de compor a arte de pensar, mas sim como o
próprio processo do pensamento, ―do sentido que damos às coisas, à
nossa experiência, ao mundo‖ (2005, p. 107-108). Desse modo, a centralidade discursiva deste texto são os enunciados dos professores Lorelai,
Elena e Gabriel2, extraídos das materialidades empíricas de uma experiência de pesquisa de mestrado, defendida no Programa de PósGraduação em Educação da UNOCHAPECÓ. A seleção desses ditos se
dá na medida em que relatos pedagógicos se misturam a memórias afetivas, de quando o cinema escapa a sala de aula e atinge uma espécie de
arte de viver.
Tomar a entrevista narrativa, como metodologia de coleta de dados da investigação supracitada, teve como pressuposto a sua energia
para ―reconstruir as significações que os sujeitos atribuem ao seu processo de escolarização, pois falam de si, reinventando o passado, ressignificando o presente e o vivido para narrar a si mesmos‖ (ANDRADE,
2014, p. 177). Logo, suas falas não são abordadas na dimensão de ―[...]
1
2
Mestre em Educação pela UNOCHAPECÓ. Doutoranda em Educação no
PPGEDU/UFRGS. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – CNPq. Contato: danidasilva@unochapeco.edu.br.
No preceito de que a teoria e a prática não se separam, como nos aponta Foucault,
bem como para salvaguardar a privacidade dos professores entrevistados, os nomes
que aparecem ao longo deste artigo são fictícios, inspirados em nomes de
personagens de obras cinematográficas caras para a autora, tal como os são seus
personagens de pesquisa.
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um dado fixo, estável, igual a todos os outros e ancorado em práticas
sociais e culturais que se querem mais ou menos precisas e iguais‖ (ANDRADE, 2014, p. 179). Segundo Andrade (2014), as histórias, as memórias, os discursos que emergem nas entrevistas,
[...] não são dados prontos ou acabados, mas documentos produzidos
na cultura por meio da linguagem, no encontro entre pesquisadora e
sujeitos da pesquisa que adquirem diferentes significados ao serem analisados no contexto de determinado referencial teórico, época e circunstância social e cultural (2014, p. 178).
Com isso, as lentes Foucaultianas direcionam nosso olhar para
um cuidado de si, presente quando docentes ao narrarem experiências
educativas, são também interpelados por experiências estéticas ordinárias, cotidianas e afetivas. Rosa Maria Bueno Fischer, em 2016, ao elaborar um texto para a revista Pedagógica, apresenta esta intrínseca relação
das artes com sua carreira docente e de pesquisa, da Educação Básica à
Pós-Graduação, nos campos da filosofia, letras e da comunicação. A
autora se revela entregue a beleza estética e de pensamento, nas suas
variadas dimensões, ―[...] seja em textos teóricos, seja em obras poéticas e
ficcionais, da literatura, das artes visuais, do cinema, do desenho, da
fotografia‖ (FISCHER, 2016, p. 107). O certo é que durante nossa trajetória de estudante, em diferentes níveis, esses desejos primeiros nos
acompanham, no ponto onde abraçamos o nosso sensível. Onde teoria e
prática, não se separam.
2. Uma semiótica dos ambientes ou breves crônicas escolares
2.1 Elena 3
Poucos minutos haviam passado das 15h, quando no segundo
andar de uma escola estadual, à esquerda da escadaria e à direita do primeiro corredor, após a parede decorada com um desenho de cores vibrantes sobreposta com a frase ―Arte é vida‖, se localiza a sala de sociologia (SILVA, 2018). Lá Elena espera. No cenário corriqueiro das suas
aulas, a trilha da entrevista é o murmurinho comum de um ambiente
escolar e o sinal que toca a cada 40 minutos. Ao compartilhar os modos
como escolhe os filmes que exibe em sala de aula, ela conta que a todo
momento é professora, não apenas quando está na escola. Por isso, tudo
3
Inspirado na personagem elena andrade do documentário/autobiográfico ―Elena‖,
dirigido por Petra Costa (2012).
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o que consome e considera significativo acaba sendo levado para os alunos:
Essa semana eu fugi bastante do meu repertório, fui bastante para essa coisa de
humor, até pelos problemas que eu estou passando. Enfim, que aí você tenta dar
uma descontraída em tudo isso, mas normalmente eu assisto filmes que façam
reflexões. [...] Aí você para e pensa, será que os meus alunos estão assistindo, será que eles vão refletir sobre aquilo?! Assim, eu não me desligo, eu não sou „Profe‟ só aqui em sala de aula, entende?! [Elena] (SILVA, 2018, p. 111-112)
Didi-Huberman (2012), inspirado por Goethe e Baudelaire, apresenta que o sentido constitutivo da imaginação está em sua capacidade de
realização e na sua intrínseca potência de realismo que a distingue, por
exemplo, da fantasia ou da frivolidade.
É o que fazia Goethe dizer: „A Arte é o meio mais seguro tanto de alienar-se do
mundo como de penetrar nele‟. É o que fazia Baudelaire dizer que a imaginação
é essa faculdade „que primeiro percebe (...) as relações íntimas e secretas das coisas, as correspondências e as analogias, [de maneira] que um sábio sem imaginação é apenas um falso sábio, ou pelo menos um sábio incompleto‟ (DIDIHUBERMAN, 2012, p. 208).
A partir da narrativa de Elena, o cinema aparece e pode ser pensado como um saber-experiência, trabalhado em sala de aula, que apresenta não apenas um conteúdo composto por informação, mas também
na sua porção repleto de espírito que emerge em um primeiro momento
no professor. E, da incapacidade de ficar alheio a isso que o acontece, ele
reveste suas disciplinas e seus elementos instrutivos, ampliando aquilo
―que carregam de imprecisão, de mistério e de poético até‖ (FISCHER,
2016, p. 107). Dessa maneira, em primeiro plano é possível considerar a
presença do cinema na vida de Elena e na sua prática docente, de modo
vertical pensamos com Foucault (2010) a estética como uma arte de viver
e atuar nos espaços públicos, como cidadãos que cuidam de si e dos outros.
Este cuidado, como uma prática de si, são os meios pelos quais o
sujeito é capaz de se constituir, construir um ethos, uma maneira de conduzir sua existência diante de si e do mundo, ―[...] exercício de si sobre si
mesmo através do qual se procura elaborar, se transformar e atingir um
certo modo de ser‖ (FOUCAULT, 2010, p. 265). Foucault acenava ainda, para o desejo de que ―[...] a pintura, a música e o teatro, as teorias e
os saberes históricos ultrapassassem as formas tradicionais e impregnassem em profundidade a vida cotidiana [...]‖, sendo parte dos modos de
viver, sentir prazer e enfrentar lutas (FOUCAULT, 2011, p. 67-68).
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No decorrer de seu pensamento Foucault nos traz contribuições
singulares para pensar o sujeito, elemento central de sua prática filosófica. Na obra ―A hermenêutica do sujeito‖, encontramos um deslocamento
dos jogos de verdade outrora voltados às práticas coercitivas, agora para
as práticas ascéticas. O autor acentua os diversos significados atribuídos
ao cuidado de si no curso da história, e destaca este conceito como uma
atitude para consigo e para com os outros: ―[...] uma atitude geral, um
certo modo de encarar as coisas, de estar no mundo, de praticar ações, de
ter relações com o outro [...]‖ (FOUCAULT, 2010, p. 12). Ao pensar na
docência, o ‗cuidar de si‘ diz respeito a uma atitude do professor de converter o olhar que possui do exterior, dos outros, dos estudantes, da escola, da família e do mundo, para si.
2.1 Gabriel 4
De volta à escola de Educação Básica, pelo mesmo trajeto que
leva à sala de Sociologia, mas situada do outro lado do corredor, está a
sala de Geografia. Gabriel mexe no computador em um espaço decorado
com mapas, globos e cartazes. Apenas após o professor fechar seu diário
de classe, tem início a sua entrevista. Em meio a uma e outra referência a
filmes e vídeos, Gabriel recorre ao computador alocado na mesa a sua
frente, em uma espécie de tentativa de ilustrar as memórias e os fatos
narrados. No decorrer de suas falas fica clara a intrínseca relação do docente com as imagens em movimento, dentro e fora da escola (SILVA,
2018).
Gabriel gosta de filmes brasileiros, e com o Última Parada –
5
174 , busca trabalhar questões a nível de mundo, especificidades da realidade brasileira e por consequência elementos da geografia. É um dos
principais filmes presente em suas práticas de exibição. O docente explica
que a partir do cenário no qual a história se desenvolve, é possível pensar
questões sobre a favela, a cidade, a população, o espaço em si, que possibilitam compreender como a geografia é cambiante, para tratar questões
estruturais, mas também sociais (SILVA, 2018).
4
5
Inspirado no personagem Gabriel Buchmann do longa-metragem de drama ―Gabriel
e a montanha‖, dirigido por Felipe Barbosa (2017).
ÚLTIMA PARADA - 174. Direção: Bruno Barreto. Produção: Moonshot Pictures.
Roteiro: Bráulio Montovni. Música: Marcelo Zarvos. Brasil: Paramount Pictures,
2008. (108 min), son., color.
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Já quando Gabriel conta acerca das motivações que o fazem incorporar com tanta frequência a linguagem audiovisual em
suas aulas, o docente prontamente realiza uma viagem no tempo,
relembrando as grandes salas de cinema por ele visitadas em viagens pelo Brasil:
Então, eu sempre frequentei o cinema. Quando eu saí de Chapecó também fui
em cinemas, fui em cinemas nos anos 1980. Cinema grande! Fui no cinema em
Goiânia. Quando eu morei no Mato Grosso, a primeira coisa que eu fazia no
sábado, no dia de folga, era procurar um cinema. Em Cinople tinha o Cine Nacional, lá nos anos 1980, acho que o governo tinha essas salas enormes de cinema. Passava uma sessão por cinema e eu estava lá para assistir. E depois, filmes
nacionais, eu sempre gostei de filmes brasileiros, sempre gostei. [Gabriel] (SILVA, 2018, p. 113)
Desde que iniciou a carreira como docente, Gabriel possui equipamentos próprios, como retroprojetores para levar aos espaços quando
eles ainda não eram comuns, ou mesmo, uma câmera filmadora, quando
os celulares ainda não existiam ou eram tão populares entre os estudantes. Interpelado por suas experiências pessoais, Gabriel incentiva os alunos a criar vídeos artesanais, tendo como fio condutor os temas trabalhos
em sala de aula. A forma como o professor observa a linguagem audiovisual, está intimamente ligada a uma experiência de si, aquilo que o cinema e o audiovisual foram capazes de constituir e, em certa medida, transformar na sua vida pessoal e escolar.
A experiência diz respeito a esse instante de transmissão, de algo
que nos passa, nos acontece, nos toca e por isso precisa ser passado a
diante. Larrosa (2002) embasado por Walter Benjamin chama atenção
para este mundo, cada vez mais, organizado para que as coisas passem e
nada nos aconteça.
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque,
requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos
tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar
para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais
devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir
os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter
paciência e dar-se tempo e espaço. (LARROSA, 2002, p. 24)
Fischer (2016) pensa a experiência na dimensão da possibilidade
de colocar em ato, palavra e história isso que em um dado momento da
vida ocorre, nos transforma e se faz sabedoria em nós. Para a autora, isso
ocorre na medida em que um saber-experiência se torna plenamente dis-
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ponível para o outro, e é ―radicalmente transmitido a ele, com as cores,
as formas e as imagens que permitam, a esse outro, ser de algum modo
interpelado e, mais do que isso, ser por aquela escuta também transformado‖ (FISCHER, 2016, p. 107). Este outro, que pode ser o narrador, o
professor, o mestre, o orientador, o escritor ―[...] e que irresistivelmente
será agora parte de sua própria experiência – até porque se deu ali um
encontro radical de alteridades‖ (FISCHER, 2016, p. 108).
2.2 Lorelai 6
Imaginem Lorelai se esgueirando pelo corrimão, enquanto sobe
mais de vinte degraus até o local marcado para sua entrevista. Há tempos
ela sente uma lesão no joelho que surgiu, mais ou menos, quando sua
carreira no magistério chegava a uma década. Na época deste encontro
acabara de ultrapassar os 30 anos na Educação Básica. A correria do
semestre fez com que a Professora de história conseguisse um tempo para
conversar, apenas algumas horas antes do desfile de 7 setembro. Dali ela
seguiria para a praça acompanhar seus alunos. Nos seus enunciados o
tempo, o espaço e a formação emergem como uma tríade contra ela, que
observou os primeiros VHS chegarem no ensino público, filmes entregues
e tomados abrupta e imprudentemente, práticas de ―passar filme, por
passar‖ (SILVA, 2018).
Eu acho que interpretar um filme, até os livros trazem: como usar um filme,
como usar documentário, como interpretar uma tela, imagens históricas, coisa e
tal. Agora, o problema não é fazer aquelas questões ou aquela organização perante o filme, a questão de fundo, a escola que eu quero, o mundo que eu quero
é esse, e, esse filme me ajuda a entender. [Lorelai] (SILVA, 2018, p. 108)
Ao enfatizar a vontade de organizar uma exibição de ―Superman: O retorno7 nas aulas de história, sobretudo na companhia dos colegas de outras áreas, a docente revela seu interesse pela linguagem audiovisual e suas possibilidades de sensibilização (SILVA, 2018). Contudo,
para Lorelai assistir sua prática é bem diferente do que sua teoria, especialmente, por questões relacionadas ao tempo e o currículo da escola. Para
Larrosa (1994, p. 43), pensar a experiência de si, não significa analisar
6
7
Inspirado na personagem Lorelai Gilmore do seriado televisivo ―Gilmore Girls‖,
escrito por Amy Sherman-Palladino (2003-2017).
Superman - O Retorno. Direção: Bryan Singer. Produção: Chris Lee, Gilber Adler,
Jon Peters, Stephen Jones. Roteiro: Bryan Singer, Dan Harris, Jerry Siegel, Joe
Shuster, Michael Dougherty. Estados Unidos Da América: Warner Bros, 2016. (154
Min), Son., Color.
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apenas os comportamentos, as ideias, as sociedades ou suas ideologias,
mas sim tensionar, rever e discutir as problematizações ―através das quais
o ser se dá como podendo e devendo ser pensado, e as práticas a partir
das quais essas problematizações se formam‖.
O autor explica ainda, que quando falamos em experiência de si,
é necessário observar para além dos aspectos ‗exteriores‘ e ‗impessoais‘,
[...] tais como as decisões práticas que se tomam, os comportamentos
explícitos na sala de aula, ou os conhecimentos pedagógicos que se
têm, mas, sobretudo, aspectos mais ‗interiores‘ e ‗pessoais‘, como atitudes, valores, disposições, componentes afetivos e emotivos, etc. Dito
de outro modo, o que se pretende formar e transformar não é apenas o
que o professor faz ou o que sabe, mas, fundamentalmente, sua própria
maneira de ser em relação ao seu trabalho. Por isso, a questão prática
está duplicada por uma questão quase existencial e a transformação da
prática está duplicada pela transformação pessoal do professor (1994,
p. 49-50).
Logo, no exercício de refletir seu cotidiano, Lorelai compartilha
também um desejo de dividir experiências cinematográficas com seus
alunos, e abre passagem para suas memórias de infância, dos bancos
feitos de madeira e do feno no chão da sala de cinema improvisada de
seu pai (SILVA, 2018). Ao narrar a si o professor compartilha suas práticas e permite que sejam acessadas experiências de si, que são resultado de
um ―[...] complexo processo histórico de fabricação no qual se entrecruzam os discursos que definem a verdade do sujeito, as práticas que regulam seu comportamento e as formas de subjetividade nas quais se constitui sua própria interioridade‖ (LARROSA, 1994, p. 43).
Nessa perspectiva, parece indispensável pensar de que modo os
espaços educacionais, mas não somente, instigam nossos encontros com
a arte. Foucault (2010) entende que devemos apostar em uma arte de
viver e atuar nos espaços públicos, como cidadãos que cuidam de si e dos
outros, sendo esta uma forma rica e instigante maneira de formação de
nós mesmos. Este cuidado, como uma prática de si, é o meio pelos quais
o sujeito é capaz de se constituir, ―são esquemas que ele encontra em sua
cultura, sua sociedade, seu grupo social‖ (FOUCAULT, 2004, p. 276).
No exercício de observar os preceitos conceituais da ética e da estética na tradição filosófica, aparecimentos e rupturas do pensamento
ocidental possibilitam olhar de outro modo para o ato educativo, pois há
uma fronteira a ser superada entre a arte e a ciência que ―[...] nos proíbe
considerar o processo educativo como um processo de estruturação estética [...]‖ (HERMANN, 2015, p. 14). Segundo Hermann (2015), lutar
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pela emancipação dos sentidos e liberá-los, foi uma tentativa estética
desde seu estabelecimento como disciplina filosófica. A autora embasada
por Dieter Lenzen, explica que através da ampliação desta ideia, ocorreu
―[...] uma mudança cultural radical, com o corpo e os sentidos tornandose tão importantes quanto o intelecto e a razão‖ (HERMANN, 2015, p.
14).
3
Considerações Finais
À experiência, ao longo deste texto, é atribuído um espaço especial, como um ato de suspensão, as veredas de algo capaz de sensibilizar,
ultrapassar, transcender, ora, talvez, transformar. Em conceito e ato, a
experiência aparece aqui contada por cenas escolares e roteiros de educação, vividos por docentes e decodificados no conjunto de suas palavras,
mas não somente, pois são conjunções repletas de gestos, cheias de vida e
oferecidas a nós, especialmente, na medida em que escapam das paredes
escolares e invadem os preceitos particulares de sujeitos, que nunca deixam de ser docentes, mesmo fora da escola.
Lorelai, Gabriel e Elena, quando narram suas experiências de cinema e de escola, nos permitem acessar a rotina apressada de professores
de uma escola estadual, um espaço, muitas vezes, incompatível com o
tempo na dimensão das linguagens sensíveis. Mas, no âmbito do cuidado
de si e da experiência, estas práticas não se separam e constituem os sujeitos que delas se ocupam. A exemplo do que nos acontece a partir de uma
aula, de um filme, de uma música ou de uma pintura, momentos nos
quais testemunhamos e vivemos experiências, que nos imprimem na
impossibilidade de voltar a ser como éramos.
Ao refletir suas práticas com o cinema em sala de aula, os docentes refletem demonstram um cuidado de si, um modo pelo qual as experiências estéticas, na sua porção de sensibilidade e afeto são capazes de
revestir suas vidas e disciplinas, e com isso produzir modos de ser e estar
no mundo. Mesmo quando a escola com seus traços modernos e as linguagens sensíveis em sua essência transgressora parecem antagônicos, os
professores encontram espaços, rupturas, condições de possibilidade.
Demonstrando, que em uma sociedade marcada pela identidade e a diferença, é fundamental pensar a estética e a arte como ato educativo.
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Referências
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pesquisas educacionais pós-estruturalistas. In: MEYER, Dagmar
Estermann; PARAÍSO, Marlucy Alves (Orgs.). Metodologias de
pesquisas pós-críticas em educação. Belo Horizonte: Mazza Edições,
2014. p.175-196.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Quando as imagens tocam o real. Revista
Pós, Belo Horizonte, Ano 2 - Número 4 – Novembro de 2012. p. 204 219.
HERMANN, Nadja. Ética e Estética: a relação quase esquecida. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2005.
LARROSA, Jorge Bondía. Tecnologias do eu e educação. In: SILVA,
Tomaz Tadeu da. O sujeito da educação. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 3586.
______. Notas sobre experiência e saber de experiência. Revista
Brasileira de Educação, Rio de Janeiro: Autores Associados, Ano XIX.
Jan./Abr. 2002.
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Gestos, fragmentos, atalhos: linhas de
força de uma trajetória acadêmica. Revista Pedagógica, Chapecó, Ano
XIII - Número 37 - Jan./Abr. de 2016. p. 104-130.
______. Cinema e Pedagogia: uma experiência de formação éticoestética. Revista Percursos [online]. Florianópolis, Ano XII - Número I Jan./jun. de 2011. p. 139 - 152.
FOUCAULT, Michel. A estética do cuidado de si como prática da
liberdade. In. Ética, Sexualidade, Política. Col. Ditos e escritos V. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
______. Arte, epistemologia, filosofia e história da medicina. Ditos &
Escritos VII. Trad. Vera Lucia Avellar Ribeiro. São Paulo: Martins
Fontes, 2011.
______. A Hermenêutica do Sujeito. Trad. Márcio Alves da Fonseca,
Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
SILVA, Daniela da. Hoje tem filme: a abordagem da diversidade em
experiências com o cinema na educação. 2018. 145f. Dissertação
(Mestrado em Educação) - Universidade Comunitária da Região de
Chapecó, Chapecó, 2018.
VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault & a Educação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2005.
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OS REGIONALISMOS E A TRADUÇÃO:
UMA ABORDAGEM TRADUTÓRIA
Giovana Santos da Silva1
Rosane N. Meneghetti Silveira2
Círculo de Diálogo: Manifestações e práticas culturais na América Latina (Literatura, Cinema, museu, artes, música...)
1. Introdução
De maneira geral, este trabalho busca refletir sobre algumas teorias da tradução e sobre o gênero de texto literário, abordando o processo
de tradução em obras literárias.
Para isso, é realizada a análise de corpus literário com finalidade
de comparar a tradução de termos regionalistas para o idioma Inglês. O
texto literário escolhido que possibilita essa análise é de autoria do escritor Erico Verissimo, sendo extraídos de sua obra Um Certo Capitão Rodrigo
trechos de diálogos que contenham regionalismos com a finalidade de
explorar o objeto de estudo.
Mais especificamente, com essa pesquisa objetiva-se contrapor
ideias sobre tradução que possibilitem entendermos a maneira como os
regionalismos, termos específicos de uma cultura, são traduzidos, ou de
que teorias o tradutor se vale para traduzir termos tão singulares.
Além disso, para o desenvolvimento desta pesquisa foi importante identificar quais as modalidades de tradução aplicadas a traduções de
regionalismos. Ou, se é possível identificá-las e aplicá-las levando-se em
conta os aspectos culturais ligados a tais termos.
1
2
Especialista em Revisão de textos. Graduanda em Letras pela Universidade
Comunitária
da
região
de
Chapecó
–
UNOCHAPECÓ.
Contato:
gio.ss@hotmail.com
Mestre em Literatura pela UFSC e professora do curso de Letras da Universidade
Comunitária
da
região
de
Chapecó
–
UNOCHAPECÓ.
Contato:
rosanems@unochapeco.edu.br
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2.
Aspectos teóricos da tradução na contemporaneidade
Falar em tradução não é tão fácil quanto parece, pois ela tem sido objeto de debate por longo tempo, sendo lançadas a seu respeito várias
opiniões e teorias que ora se completam, ora divergem completamente.
Não tão fácil, também, é tentar estabelecer a que área pertence, porque,
de acordo com a ênfase que damos a ela, pode facilmente transitar entre a
Linguística, Linguística Aplicada e Literatura.
Titoni (1983, p. 130) sugere que os problemas relativos à tradução são interessantes não só aos docentes de línguas, mas também aos
linguistas, psicolinguistas. Aos linguistas caberia o interesse em contrastar
dois sistemas linguísticos. Já aos psicolinguistas o que atrai é o processo
de tradução concebido como um canal de transmissão e não só apenas
isso, mas pela ―série de processos e pela variedade das modalidades que
caracterizam o ato de traduzir.‖
No entanto, conforme Oustinoff (2011, p. 53), ―a tradução foi
dotada de uma teoria própria. Tanto quanto para a literatura ou para a
linguística, existem várias teorias da tradução.‖
Para alguns, o domínio de outro idioma basta para traduzir. Para
outros, é necessário também o domínio da técnica. Sendo assim,
Segundo essa concepção, bastaria ser, ao mesmo tempo, um bom linguista para conhecer a ―língua de partida‖[…] e dominar suficientemente a ―língua de chegada‖[…] para chegar a uma tradução que representa o original sob uma forma equivalente, sem considerar a diferença das línguas. Trata-se de uma condição necessária, mas não suficiente. (OUSTINOFF, 2011, p. 14)
Nesse sentido, a tradução envolve um conjunto de habilidades e
conhecimentos muito mais complexos, como sugere Thaïs Flores Nogueira Diniz (1994), em sua tese de doutorado, ao se apoiar em conceitos
das teorias modernas de tradução, dizendo que:
[...] a unidade de tradução não seja a palavra, nem o texto, nem o significado, mas a cultura, definida não apenas como o sistema de signos
que organiza estruturalmente a vida social do homem e que se expressa
num sistema de restrições e prescrições, mas também como um complexo que inclui crenças, arte, leis, moral, enfim todos os sistemas significativos, permitindo que um grupo humano se torne coeso (DINIZ,
1994, p 25)
Ao que parece a questão da tradução no sentido do que se traduz
e como se traduz é um tema que preocupa os grandes teóricos há muito
tempo, isso porque são frequentes algumas indagações como: é possível
obter equivalência textual em traduções cujas culturas são tão dispares?
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Se as unidades de tradução não devem se deter apenas na Linguística, em
aspectos sintáticos, semânticos, etc. como então traduzir os termos específicos de uma região, os ditos regionalismos?
Ainda, para Titone (1983, p. 133) tal tradutor, que além de bilíngue, conheça história e cultura de seu país como do país que traduz, não
passa de uma utopia, pois tal pessoa seria perfeita. Esse autor destaca que
―os meios linguísticos estão subordinados ao conteúdo semântico. Este é
que se encontra no centro da atividade da tradução.‖
Segundo um dos estudos de Camargo, intitulado Uma análise de
semelhanças e diferenças na tradução de textos técnicos, jornalísticos e literários,
embora na contemporaneidade os conceitos de tradução venham passando por uma reforma no que diz respeito à passagem entre culturas e ideologias em que o tradutor não deve buscar apenas termos equivalentes de
ordem léxico-sintáticas, ainda, ―a tradução sempre se expressará em orações, sintagmas e palavras.‖ (CAMARGO, 2004, p.7)
A grande questão é a de que não existe molde para tradução.
Não existe equivalência tamanha que permita que tudo em uma língua
seja traduzida para outra sem que se perca significado ou que se reconheça uma versão cultural exata em duas línguas. Como se todo o processo
tradutório fosse meramente mecânico. Para Oustinoff (2011, p. 18) ―uma
língua[…] não é feita exclusivamente de palavras: cada uma encerra uma
―visão‖ de mundo própria [...]‖
Para falar em equivalência não podemos deixar de citar Eugene
E. Nida que criou um conceito próprio denominado de equivalência
dinâmica e que pode ser entendido como uma questão de provocar efeito
semelhante para leitores do texto de chegada, bem como para leitores que
recebem o texto na língua de partida. (BARBOSA, 2004)
No entanto, esse conceito não é aplicável, considerando que uma
tradução não recupera a totalidade de um texto original devido a revelação de uma leitura ou interpretação de texto prévia por parte do tradutor
que não é capaz apenas de decodificar os signos de maneira controlada e
mecânica.
Historicamente, a tradução ou o ato de traduzir considerava seu
produto como mera imitação que permitia aos tradutores a liberdade de
alterar o texto a ser traduzido como bem entendiam. Na verdade, uma
discussão entre o que se entendia de tradução literal e tradução livre o
que culminava quase sempre em adaptações e imitações. (OUSTINIOFF,
2011)
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Contudo, Oustinoff (2011, p. 39), revela que ―o termo ―plágio‖
só vai se tornar pejorativo no século XVIII, […] com efeito as fronteiras
entre a imitação, tradução e adaptação variam conforme as épocas.‖ Isso
configura certa relatividade às traduções que não contemplavam fidelidade ao texto.
Neste recorte de tempo, entre os séculos XVII e XVIII, é possível
justificar essa infidelidade tradutória considerando que se levava, primeiramente, em conta apontamentos estéticos das obras. É por isso que nessa época as traduções ou os tradutores procuravam embelezar ou corrigir
as carências de estilo de autores.
Tempos mais tarde, conheceríamos os pioneiros contemporâneos
nos estudos de tradução: Vinay e Dalbernet. Sua teoria baseia-se especialmente no estruturalismo saussuriano, enumerando uma nomenclatura
que definirá aspectos tradutórios.
Essa nomenclatura tem diversas nomeações de acordo com os
autores e teóricos que se seguiram após Vinay e Dalbernet. Há quem use
a nomenclatura de modalidades de tradução para se referir aos tipos de
técnicas de tradução. Outros preferem utilizar o termo procedimento
técnico de tradução, como é o caso de Barbosa (2004). Diferentemente,
Oustinoff (2011), refere-se utilizando o termo operações da tradução.
Dessa forma considerando a relevância do trabalho realizado por
Vinay e Dalbernet que é frequentemente citado na bibliografia atual e por
tomar como parâmetro as pesquisas realizadas por Camargo (2004), adotaremos a nomenclatura de modalidades de tradução ao nos referir à
forma que determinados termos são traduzidos, especialmente no gênero
literário.
Nesse sentido, é necessário adentrarmos e explorarmos o gênero
literário para compreender mais do processo de tradução em obras literárias que contribuem para a evolução intelectual dos indivíduos.
3.
Texto literário x Modalidades de tradução
Se a tradução em si é uma arte conflitante entre suas diversas teorias, não seria diferente para a tradução literária, como bem aponta o
título do artigo de Cusatis (2008). Esse conflito nasce da diferença entre
―texto fechado‖ e ―texto aberto‖. Tendo em vista que aquele não oferece
uma grande variedade de interpretações ao leitor e este, por sua vez, oferece inúmeras acepções a ele. Logo, o problema disso para Cusatis
(2008), é determinar as possibilidades da produção de versões literárias.
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Para esse autor, o processo de tradução desse gênero textual pode conter riscos. Isso porque, além das competências linguísticas e culturais, bem como ideologias, o tradutor é tido também como leitor, o que
condicionará a tradução de acordo com suas visões e experiências de
mundo. (CUSATIS, 2008)
Almeida e Pinho (2009) também faz referência a esse tipo de
pensamento quando fala das marcas especiais do autor, ou seja, o estilo
individual de escrita. O estilo é tido como uma forma de linguagem que
influencia o meio ao qual está inserido, ou que se insere.
Portanto, o texto literário torna-se complexo em seu processo de
tradução, pois necessita de cuidado redobrado em corresponder os padrões de comunicação mantendo, ainda, as normas literárias e estilos da
autoria sem que as deduções do tradutor como leitor influenciem na tradução da obra literária. (ALMEIDA E PINHO, 2009)
Brandão (2009) usa o conceito de traduzibilidade para refletir
acerca dos vínculos entre tradução e teoria literária de forma a realizar
um estudo de aproximações e contrastes sobre problemas tradutórios.
Segundo o seu pensamento, a traduzibilidade vem a ser um termo que
conceitua amplamente a tradução e que enfatiza a ―condição de ser traduzível‖. Ele acredita que esse conceito designa aos termos a serem traduzidos graus variáveis, ou seja, termos traduzíveis e não traduzíveis.
(BRANDÃO, 2009)
Tal conceito nos seria precioso no que diz respeito a tradução
quando os termos que se encontram no texto literário não estão diretamente ligado à cultura de sua língua de origem, pois como definir um
grau de traduzibilidade para a cultura?
Por isso, para Cusatis (2008, p.16), ―a tradução acaba por
criar influências, [...]. Quanto mais esta cultura é diferente da nossa mais precisa a intervenção da tradução.‖ Essas afirmações são
preocupantes partindo do ponto de vista literário acerca do estilo
da autoria original e ideia expressa por ela.
A partir desse ponto de vista, retornamos às considerações feitas
por Camargo (2004), em que são apresentadas algumas modalidades de
tradução, as quais foram utilizadas e que definem a forma de realização
do processo de tradução.
Para exemplificar essas modalidades apresentaremos as escolhas
do tradutor ao traduzir expressões regionais contidas na narrativa e diá-
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logos de Um certo Capitão Rodrigo, comparando nos dois idiomas, os regionalismos e a transposição cultural realizada.
Os dados serão apresentados e organizados de acordo com o
processo tradutório apontado pelos estudiosos Vinay & Darbelnet, revisado por Aubert, resultando nas modalidades de tradução. Essas modalidades apresentadas serão as que, conforme os estudos realizados por
Aubert, 1998, e Camargo, 2004, ocorrem com mais frequência em textos
tidos como literários.
Embora as modalidades se prestem a uma análise quantitativa, o
presente trabalho terá foco qualitativo, justamente por se tratar de estudo
dedicado ao cotejo de textos literários e que, portanto, nos possibilita
uma análise de cunho interpretativo. Isso ocorre, sobretudo, porque observaremos termos regionais, pertencentes a uma cultura e que foram
retratados na literatura. A literatura por sua vez é tida como arte, passível
de interpretações e diferentes comentários críticos por parte de seus leitores e estudiosos.
Ainda, em relação aos trechos dos textos analisados, além das
modalidades técnicas de tradução, será considerado o quanto de traço
regional foi mantido ou alterado através da tradução, que é o objetivo
principal deste estudo.
Talvez uma das ocorrências que mais chame a atenção nesse estudo seja esta que segue. Isso porque não há um padrão ao qual o tradutor siga, ou melhor, não há como identificar uma predileção do tradutor
em explicitar informações de determinadas expressões a outras que estão
implícitas e que para nós são facilmente compreendidas, tendo em vista
que vivenciamos a cultura retratada na obra analisada, e que para pessoas
de outras regiões, que não a nossa, ocasionaria na dificuldade em assimilar e criar sentido aos termos traduzidos.
Alguns termos são mantidos no texto de chegada, com a mesma
escrita do texto de partida, com a diferença que são destacados pela fonte
posta em itálico e por meio de aposto explicativo, ora colocado entre
vírgulas e ora entre travessões, demonstrando dessa forma a modalidade
de tradução nomeada como Explicitação/Implicitação.
Para exemplificar essa modalidade, apresentamos o termo
―Bombacha‖ que surge pela primeira vez no texto de partida, na
página 7, quando o autor descreve as características físicas de Rodrigo Cambará e a maneira como está vestido quando chega ao
povoado de Santa Fé. Já no texto de chegada, na página 158, o
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termo é traduzido da seguinte forma: “[...]bombachas – the wide gaúcho breeches – [...]”, ou seja, ―bombachas – uma calça larga de gaúcho‖.
Nesse exemplo o tradutor sente a necessidade de explicar no
próprio texto o que são ―bombachas‖, optando por explicitar seu significado no próprio texto, descartando a criação de uma nota de rodapé ou,
ainda, a utilização do glossário apresentado ao final da obra traduzida,
em que constam vários significados para tantos outros termos que no
texto de chegada aparecem na forma em itálico, mas que não trazem sua
significação explicita no texto.
Outro exemplo dessa modalidade encontra-se na página 135 do
texto em português a qual se refere a algumas danças típicas do Rio
Grande do Sul, como ―meia-canha, a tirana, o tatu, a chimarrita‖. No
texto em inglês aparece o aposto explicativo para as danças: ―[...]the meiacanha, a round dance polka music; tirana, a variety of the fandango, the tatu, or
“armadillo”, and the chimarrita, singing dance.” (VERISSIMO, 1951, p.260)
Nesse último exemplo, diferentemente do primeiro, em que o leitor do texto de chegada poderá ter uma visualização aproximada do que
seja uma bombacha, as danças descritas perdem seu real sentido quando
o tradutor tenta explicitar seu significado. Isso ocorre porque algumas
características das danças citadas são mais importantes do que as que o
tradutor explicitou.
A explicação disso se dá ao observarmos, por exemplo, a meiacanha, em que para o tradutor é uma dança com estilo de polca, referindo-se ao compasso da música ditada pelo ritmo de 2 por 4, e dançada em
roda. De certa forma a explicitação está correta, mas a peculiaridade da
dança não está apenas no que o tradutor optou por explicitar, mas, sim,
no fato de esta ser uma dança em que os pares têm a oportunidade de
trocar versos que podem indicar uma rezinga entre os homens e mulheres, uma rixa entre homens ou, ainda, a declaração romântica a alguém.
(CÔRTES; LESSA, 1956, p. 72)
Observemos agora a dança tirana, que para o tradutor é uma variedade do fandango. Essa ideia se dá porque a tirana é uma dança com
sapateado. Como nada, além disso, é explicado, o leitor do texto traduzido pode interpretar a dança como sendo alegre. Ocorre, porém, que a
dança é interpretada em tom de lamúria e dor, em que os pares flertam e
o homem é sempre descartado pela dama escolhida.
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Igualmente, é interessante observar que a dança tirana já é citada
anteriormente por Verissimo, na página 70, e traduzida, na página 208 do
texto de chegada, sem que seja feita uma explicitação acerca da dança. O
mesmo termo, ainda, é utilizado no texto de partida, na página 38, mas
não se referindo à dança como podemos observar: ―[...] falava duma
tirana que lhe havia roubado o coração[...]‖. Na tradução, desse trecho,
página 182, encontramos: ―[...] singing of a tyrant who had stolen his heart[...]”. Embora esse exemplo não se refira à dança, o termo possui relação com a mesma, pois a partir da ideia de que tirana é uma mulher cruel
e esquiva, podemos visualizar o sentido da dança que se contextualiza
como lamurienta e dolorosa para o homem que tem o ―coração roubado
por uma tirana‖.
A ideia de pares flertando, contudo alegres, em que a procura pelo olhar um do outro é importante, também ocorre na dança chimarrita,
em que no texto de chegada o tradutor optou apenas por explicar que é
uma dança cantante. Sem muitas explicações, também a explicitação da
dança tatu não revela qualquer significado para o leitor que não compreenderá a alegria da dança, pois terá como parâmetro apenas o animal
tatu.
Possivelmente, se essas danças fossem explicadas no glossário ou
em nota de rodapé do livro, poderiam conter maiores informações e serem melhor compreendidas pelo seu público alvo, no país para o qual o
livro foi traduzido, e a transposição cultural poderia ser mais exata.
A transposição é outra modalidade de tradução característica de
textos literários e é explicada principalmente pelo desdobramento de
palavras para um termo e vice-versa. Com o desdobramento, pode haver,
ou não, a alteração gramatical, e o termo que pertenceria a determinada
classe gramatical no texto de partida, no texto de chegada poderá pertencer a outra.
A exemplo disso, temos os termos ―barbicacho‖, traduzido como
“chin cord loosened”, ―chilenas‖ como “huge purs”, ―Era o diacho‖ para “It
was a deuce”, em que todas as opções de tradução sofreram desdobramentos no texto de chegada.
Além desses exemplos, outro chama a atenção pela alteração de
significado que implicará no texto de chegada. O substantivo ―entrevero‖, citado na página 66 - TP, é traduzido por “hand-to-hand combat”, p.
205 - TC. A significação do termo ―entrevero‖ contextualizado ao texto
de partida assume o sentido de alguma confusão, desordem, o que, po-
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rém, não é alcançado no texto de chegada em que o tradutor opta por se
referir a um combate de luta corporal.
Embora em outro contexto ―entrevero‖ pode vir a significar uma
briga, uma luta individual e até mesmo um prato típico, não são esses os
sentidos que se observam no texto original em português. Logo, a opção
do tradutor por “hand-to-hand combat” deixa a desejar, pois poderá desviar
a compreensão do leitor do texto de chegada.
Apesar de a mudança de sentido ser perceptível em ocorrências
da modalidade de tradução de modulação, não podemos confundir essa
modalidade com a de transposição, pois no último exemplo apresentado
o desdobramento do termo regional na tradução não permite recuperar
seu real sentido considerando o contexto do texto de chegada.
Podemos observar, na tradução de Um Certo Capitão Rodrigo, a
modalidade de modulação, que consiste em uma mudança na estrutura
semântica de um segmento textual com a recuperação do sentido contextual.
Logo, podemos exemplificar a modulação com a expressão regional ―perdesse a tramontana‖ que no texto de partida ocorre na página
70 e que no texto de chegada foi traduzido, na página 208, como “lose the
Pole Start”. Tramontana nessa ocasião refere-se mais a direção, rumo do
que propriamente a estrela polar. No entanto, através do contexto em que
se insere a tradução, o leitor pode perceber que ―Pole Star‖ está se referindo apenas a um destino e uma orientação.
Outro exemplo diz respeito ―as charqueadas‖, foi traduzido como “the slaughterhouse”, que nomeia em inglês um abatedouro. No entanto, ―charqueada‖ é o lugar onde se faz o charque, carne seca e salgada.
Embora o processo que resultará no charque pressuponha o abate, fazendo com que o contexto recupere o sentido de charqueadas, o termo
“slaughterhouse” sugere algo muito genérico para o preparo específico do
charque. O mesmo ocorre com o termo em ―guaxo‖ traduzido para o
inglês como “maverick”, em que este último termo denota alguém inconformista. Pelo contexto o leitor poderá assimilar como alguém independente que cresceu sem mãe, significado este de ―guaxo‖, mas de maneira
muito geral o sentido cultural da expressão não poderá ser alcançado de
maneira completa.
Apesar dessa modalidade apresentada permitir a recuperação do
sentido de determinado termo através do contexto, provavelmente esta
seja a modalidade que mais afasta a transposição da cultura do texto de
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partida para o texto de chegada, pois generaliza os termos e não possibilita manter as características regionais na tradução. Afinal, o tradutor opta
por adequar a cultura de partida à cultura de chegada em que, nesses
casos, nem sempre existirão termos equivalentes, mas, sim, termos apenas aproximados de sentido.
A exemplificação de transposição com modulação se dá com o
termo regionalista ―guapo‖. Em uma passagem do texto de Verissimo
(2005, p. 22) encontra-se o verso que se reproduz abaixo:
Sou valente com as armas,
Sou guapo como um leão,
Índio velho sem governo
Minha lei é o coração.
Ao cotejarmos o segundo verso ―Sou guapo como um leão‖ verificaremos que o mesmo foi traduzido para o inglês como “as a lion I am
smart”. E por mais literal que possa parecer essa tradução, ela caracterizase como uma transposição, pois não constitui um segmento textual estruturalmente literal a nível sintático e ao mesmo tempo o termo “smart”
altera o sentido de ―guapo‖, mas pode ser recuperado pelo contexto da
estrofe:
I‟m as valiant as my weapons,
As a lion I am smart,
Wild, ungoverned, roving Indian,
I heed my one law: my heart.‖
Isso ocorre porque, para manter o ritmo poético da estrofe, o tradutor optou por iniciar a frase pelo final, havendo assim uma alteração
sintática na oração em questão, que visa que o termo “smart” rime com a
palavra “heart”, no verso seguinte dessa estrofe. No entanto, o sentido de
―guapo‖ perde-se ao ser traduzido por “smart”, tendo em vista que o termo pode ser entendido em português como bravo, forte, o que com a
palavra ―brave‖ em inglês estaria mais adequado.
Contudo, percebe-se que o tradutor teve que optar por manter
uma característica do texto de partida: ou o seu sentido, ou a sua métrica.
Optando pela segunda, o tradutor afasta o sentido de ―guapo‖, embora
sem desviar por completo a compreensão do leitor, que poderá através do
contexto e dos outros versos perceber a intenção da escrita. Ainda, em
outra ocasião, o termo ―guapo‖ aparece traduzido como “good-looking”, o
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que nos remete a um sentido mais habitual da palavra na região sul. No
entanto, a tradução não ocorre pela modalidade de transposição com
modulação.
Outro exemplo dessa modalidade se dá na p. 127 – TP, ―percorrer as invernadas‖ traduzido, p. 253 - TC, como “inspect all the winter pastures”. Ocorre algo grave nessa transposição com modulação que ao
mesmo tempo em que torna o termo genérico especifica uma estação do
ano. É possível retomar o sentido de “winter pastures” como pastos no/do
inverno, ou pastos invernais. Porém, invernadas não faz referência, quanto ao sentido, para a estação do inverno. As ―invernadas‖ são, apenas,
pastos ou campos extensos, próprios para a criação de gado.
Logo, o desdobramento dessa oração com alteração no sentido
permitirá para o leitor o desvio cultural e temporal, tendo em vista que o
leitor poderá compreender que percorrer os campos ou inspecioná-los,
como indica o verbo escolhido pelo tradutor, é uma prática que acontece
apenas no inverno.
Ocorre empréstimo quando um termo ou expressão do texto de
partida é reproduzido tal qual no texto de chegada, podendo haver ou
não destaque do termo ou expressão com aspas, modo itálico ou negrito.
Em relação aos textos de análise, o empréstimo acontece em
quase todas as palavras contidas no glossário da versão traduzida que tem
seus termos correspondentes no TC destacados em itálico e reproduzidos
como no TP.
A exemplo dessa modalidade, temos: ―truco‖, ―bisca‖, ―voltarete‖ que designam jogos de carta. Ainda, destacamos os termos ―churrasco‖ e ―mate‖. Acerca deste último observamos que o termo ―chimarrão‖
contido na página 91 - TP, é traduzido por ―mate‖, p. 225 - TC. Isso
causa estranheza, pois o tradutor poderia optar por deixar o termo ―chimarrão‖ como empréstimo já que isso ocorreu em ―mate‖, p. 89 – TP e
p. 223 – TC.
Logo, o tradutor demonstra incoerência em algumas ocasiões em
que opta pelo empréstimo e em outras não, sem que haja um motivo
específico identificável nos textos de análise ou nas teorias estudadas.
Além disso, como já observamos no item 3.1, alguns termos desses destacados pela forma itálico vêm acompanhados de aposto explicativo, sem
que haja um critério teórico para a opção de uma modalidade a outra.
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Outro exemplo marcante da modalidade de empréstimo que poderia ser traduzida de forma literal ou trazer um aposto explicativo, de
maneira a explicitar o significado, se encontra na p.65 – TP:
Era uma língua cantante, por assim dizer apertada, cheia de ss chiados,
aa surdos, ee mudos, ao passo que Rodrigo Cambará pronunciava todas as letras, falava uma linguagem clara, como que quadrada no seu
escandir de sílabas, e cheias de castelhanismos trazidos da Banda Oriental. Para o moço de Porto Alegre uma moça era uma ―rapariga‖; para seus avós, uma ―cachopa‖; mas para Rodrigo, uma mulher moça
era às vezes ―muchacha‖ ou, quando ele queria depreciar a jovem,
―piguancha‖. Quando o noivo desejava exprimir agradecimento, dizia
respeitosamente e quase solenemente: ―Obrigado a vossa mercê‖; mas
Rodrigo soltava um ―Gracias!‖rápido, casual e quase insolene.
Essa passagem teve empréstimos em todas as expressões regionalistas, como podemos observar no texto de chegada, p. 204, 205:
It was a lilting tongue, full of palatal s‘s, close a‘s, mute e‘s, while Rodrigo Cambará pronounced all the letters, spoke a clear language, one might say ―squared‖
in its syllable stress, and full of Castilianisms brought from the Banda Oriental.
For the youth from Pôrto Alegre a girl was a rapariga; for his grandparents, a
cachopa; but for Rodrigo, a young woman was at times muchacha or, when he
wished to show scorn for the one referred to, piguancha. When the bridegroom
wished to express thanks, he would say respectfully and almost solemnly, ―Obrigado a vossa mercê‖; but Rodrigo uttered a quick, careless, and almost insolent
―Gracias!
Questionamo-nos se não haveria expressões inglesas que denotassem maior formalidade a outras e que pudessem ser incorporadas ao
texto de chegada, visto que da maneira que ocorreu a tradução, o leitor
poderá não realizar uma significação adequada do trecho, pois pode não
compreender as expressões na língua original visto que não a domina,
ficando assim como palavras soltas no meio do texto.
Além desse exemplo, outro em que ao cotejar os textos sofre
perda de sentido deixando de expressar uma brincadeira com as palavras,
proposta pelo autor, é o que se encontra na p. 114 – TP, em que se refere
a expressão ―temporal‖, uma na fala da personagem de Pe. Lara, com o
sentido restrito de tempo. E, outra, na fala de Cap. Rodrigo, com o sentido de tempestade, mau tempo no sentido meteorológico.
O jogo de palavras se dá justamente na fala de Rodrigo que diz:
―temporal pra mim é mau tempo‖, mas que, por não haver na língua de
chegada palavras iguais com sentidos diferentes que pudessem equivaler
ao texto de partida, pode levar o leitor a outra compreensão e estruturação da personagem de Rodrigo em sua mente, tendo em vista que no
texto de chegada o trecho tornou-se: “temporal, to me means bad weather.”.
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Uma conclusão, possivelmente já esperada, é que a tradução literal quase não ocorre entre os dados de regionalismos coletados e analisados nos textos. Isso porque é impossível transpor uma cultura literalmente, palavra por palavra, preservando a ordem sintática dos termos, sem
que ocorram desdobramentos e, além disso, manter o sentido equivalente
de acordo com as opções lexicais feitas pelo tradutor para outra cultura.
Essa limitação se dá, principalmente em textos literários, porque,
conforme o já citado autor Cusatis, 2008, esses textos oferecem uma variedade de interpretações por serem textos ―abertos‖. Afinal, em textos de
teor técnico – científico, ou textos ―fechados‖, a tradução literal não apenas é mais propícia, quanto, frequentemente, necessária.
Nem na famosa primeira fala de Capitão Rodrigo, ―Buenas e me
espalho! Nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho!‖/ “‟D
Afternoon and here‟s my quip: little „uns with the flat of my knife I whip, the big
„uns I face with the tip!”, conseguimos ter uma tradução literal; embora o
sentido do léxico escolhido pelo tradutor nos remeta a algo literal e não
cultural, podemos perceber um esforço por parte do tradutor em manter o
ritmo da fala da personagem, apesar de ocorrem desdobramentos de ordem sintática.
Ocorre, porém, na frase ―os castelhanos estavam fresquitos‖,
p.18 – TP, uma possível tradução literal, como podemos observar:
OS CASTELHANOS ESTAVAM FRESQUITOS
THE CASTILIANS WERE FRESH
No entanto, a palavra ―fresquitos‖ que identifica o falar da região sul, pelo sufixo –ito em determinados vocábulos, não pode ser mantido em uma tradução literal. Indicando, portanto, a não transposição
cultural do termo, mesmo que o tradutor tenha escolhido uma palavra
equivalente para o uso no texto de chegada.
4.
Considerações Finais
Ao analisar como ocorre a transposição cultural por meio da tradução de textos em idiomas diferentes, podemos descobrir que os regionalismos muitas vezes perdem, de algum modo, seu sentido em outro
idioma. Isso pode causar espanto e preocupação para nós, acadêmicos e
futuros profissionais, que ensinaremos nossos alunos e traremos para a
sala de aula diferentes obras literárias, inclusive obras estrangeiras. Possivelmente porque, sendo os regionalismos marcas que identificam uma
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cultura, que contribuem para a formação de um herói que transmitirá
uma ideia aos leitores da obra, em uma tradução não poderemos chegar à
ideia originalmente pensada pelo autor.
Muito embora, alguns autores como Walter Benjamin (2008) já
indicam o que foi exposto problematizando a questão em torno da traduzibilidade, torna-se compreensível que o traduzível é diferente na obra
original e na traduzida. Para esse autor a intenção em transmitir o sentido
do que se encontra na obra original é atingida na sua menor escala para
que possa seguir ―a liberdade do movimento da língua.‖ Além disso,
Benjamin (2008) não concorda que o ato de traduzir deva ser realizado
pensando no receptor da obra, para ele essa é uma característica da má
tradução.
O que se observa, entretanto, no resultado desta pesquisa não
advém de erros nas escolhas lexicais do tradutor, mas pela própria complexidade da transposição cultural que por muitas vezes têm desregionalizado termos e expressões de determinada língua. Na análise realizada
na obra de Erico Verissimo e em sua tradução para o inglês, percebemos
que os termos sofreram uma desregionalização que dificultou a preservação da cultura sul rio-grandense ao leitor do texto de chegada.
O leitor não habituado com nossa cultura pode não alcançar os
reais sentidos dos regionalismos do texto de Verissimo e, por conseguinte, ter a compreensão desviada e a estruturação das personagens impedida, por causa de uma interpretação errônea do apelo social – regional de
suas personagens.
Essa desregionalização pode ocorrer com os textos literários que
apresentaremos aos nossos alunos em sala de aula, e precisamos estar
cientes das modalidades técnicas de tradução, utilizadas por tradutores,
para esclarecermos dúvidas e alcançarmos uma compreensão cultural
adequada que permita interpretarmos as lacunas que precisam ser preenchidas pelos leitores de obras literárias.
Embora as modalidades aqui apresentadas, de acordo com estudos de Albert e Camargo, sejam as modalidades mais acusadas em textos
literários, ainda é necessário identificar maneiras de trabalhar com problemas tradutórios relacionados à transposição cultural, visando manter a
cultura de origem no texto traduzido.
A teoria apresentada que propõe modalidades de tradução, em
si, não parece apresentar vantagens ou desvantagens nessa análise, mas
traz limitações quanto à transposição da cultura que não é alcançada no
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texto de chegada, por não haver uma similaridade nítida entre as línguas
e as culturas dos textos cotejados, motivo pelo qual ocorreu, em muitos
exemplos aqui citados, a desregionalização.
Dessa maneira, torna-se relevante dar continuidade a pesquisas
na área de tradução que poderão auxiliar no desenvolvimento de técnicas
ou na melhor utilização das modalidades de tradução, para que as situações identificadas por essa pesquisa sejam retomadas, reavaliadas e canalizadas para o aproveitamento efetivo na leitura, interpretação e atribuição de sentido aos textos literários em sala de aula.
5.
Referências
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Cadernos de Tradução, UFSC: Florianópolis/SC, v. 2, n. 24, 2009, p. 115128.
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AUBERT, Francis Henrik. Modalidades de tradução: teoria e resultados.
TradTerm: Revista do centro Interdepartamental de Tradução e
Terminologia FFLCH – USP, v.5, n. 1, p. 99 – 128, 1998. Disponível em:
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BARBOSA, Heloísa Gonçalves. Procedimentos Técnicos da Tradução. 2
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BRANDÃO, Luis Alberto. Teoria Literária e Tradução. Cadernos de
Tradução, UFSC: Florianópolis/SC, v. 1, n. 23, 2009, p. 9-21. Disponível
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IV Congresso Internacional Pluralismo Jurídico, Constitucionalismo, Buen Vivir, e Justiça Ambiental na América Latina
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RESUMOS
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CÍRCULO: GÊNERO, DIVERSIDADE
SEXUAL E FEMINISMO NA AMÉRICA
LATINA
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QUESTÕES DE GÊNERO E PRODUÇÃO DE
SUBJETIVIDADE NO SISTEMA ÚNICO DE
SAÚDE
Estéfani Barbosa de Oliveira Medeiros1
Heloísa Derkoski Dalla Nora2
Eliane Cadoná3
Círculo de Diálogo: Gênero, diversidade sexual e feminismo na
América Latina.
Resumo: Nessa produção discutiremos sobre como as questões de gênero
estão atravessadas nas políticas públicas, mais especificamente, no Sistema Único de Saúde (SUS). Por meio de aportes teóricos, como o Construcionismo Social (GERGEN, 2009; SPINK, 2013; IÑIGUEZ, 2002) e
os estudos de gênero de abordagem Pós-Estruturalista (BUTLER apud
SALIH, 2012), iremos refletir sobre como os conceitos que temos de,
saúde e gênero influenciam em nossas práticas cotidianas e funcionam
como produtores de subjetividade. Não entendemos o sujeito como algo
estável, que já está dado, mas sim como uma construção sócio-histórica
que acontece nas relações, atravessado por instituições e práticas discursivas que vão o ―moldando‖ durante o tempo. Concordando com essa
ideia, entendemos que gênero não é algo que somos, algo natural e que
está de acordo com nosso sexo biológico, e sim algo que fazemos, é o
efeito de um devir sem fim. Precisaremos também procurar na história
aspectos que influenciaram na construção da ideia de políticas públicas
como ela é hoje, responsabilidade do Estado e direito do cidadão. Essa
noção é de extrema importância para entendermos e contextualizarmos a
aprovação das Leis Orgânicas da Saúde (Lei nº 8.080 e Lei nº 8.142) em
1990, ano em que o país ainda está em um processo de transição da dita1
2
3
Graduanda de Psicologia na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões – Campus de Frederico Westphalen. Contato: estefani-tefi@outlook.com
Psicóloga. Mestranda em Educação pela URI – Campus de Frederico Westphalen.
Contato: heloisadallanora@yahoo.com.br
Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Docente na URI – Campus de Frederico Westphalen. Contato: eliane@uri.edu.br
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dura política para um Estado democrático. Ainda, iremos nos aprofundar
em como o SUS, sistema que tem como princípio a integridade e humanização do cuidado, da conta das questões de gênero e discutir se as práticas nesse contexto condizem com o que as Leis privilegiam. Esse tema
discutido, além da violência contra a mulher, aborda outras questões de
saúde pública como os direitos e cuidados com a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgênero). Durante a
discussão, ficou evidente que discursos provindos do sistema capitalista e
de uma ciência positivista, amplificados todos os dias pela mídia, produziram modos exigentes e excludentes de viver. Parte dos problemas enfrentados pelas políticas públicas são resultados de uma ciência que tentou dar conta dos sujeitos os dividindo e classificando em grupos normais
e patológicos, sempre legitimando práticas de violência de uns sobre os
outros (IÑIGUEZ, 2002). Infelizmente ainda há muito o que se avançar
em termos de busca do atendimento integral que o SUS prioriza. A Política Nacional de Humanização (HumanizaSUS) existe desde 2003 e tem
como objetivo buscar outras formas de cuidado no âmbito da saúde, priorizando o vínculo e a garantia dos direitos do usuário, e parece um ponto
chave para melhorar o acolhimento no sistema, já que parece que os
profissionais não conseguem acompanhar e até mesmo entender os avanços que a legislação vem tendo em relação as questões de gênero (PEDRINI; ROCON; RODRIGUES; ZAMBONI, 2016). O SUS pode ser
uma das mais fortes estratégias de enfrentamento a essas questões se conseguirmos repensar algumas práticas dentro dele. Nosso sistema de saúde
é onde a equidade, a universalidade e o atendimento integral e mais humano deveriam reinar. É necessário desconstruir essa ideia que oprime,
exclui e adoece pessoas todos os dias.
Palavras-chave: Gênero. Políticas Públicas. Sistema Único de Saúde.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm>. Acesso em 20
set. 2019.
BRASIL. Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8142.htm>. Acesso em 20
set. 2019.
BRASIL. Ministério da Saúde. O HumanizaSUS na Atenção Básica.
Brasília, 2010.
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GERGEN, Kenneth J. O movimento do construcionismo social na
psicologia
moderna.
Revista
Internacional
Interdisciplinar
INTERthesis. Florianópolis, vol.06, n.01, jan/jul. 2009.
IÑIGUEZ, Lupicinio. A Pós-modernidade: O novo Zeitgeist de Nosso
Tempo. In: MARTINS, João Batista (org). Temas em análise
institucional e em construcionismo social. São Carlos: Fundação
Araucária, 2002.
PEDRINI, Mateus Dias; ROCON, Pablo Cardozo; RODRIGUES,
Alexsandro; ZAMBONI, Jésio. Dificuldades vividas por pessoas trans no
acesso ao Sistema Único de Saúde. Ciência e Saúde Coletiva. Rio de
Janeiro, vol.21, n.8, ago, 2016.
SALIH, Sara. Judith Butler e a teoria queer. 1. Ed. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2013.
SPINK, Mary Jane (org). Práticas discursivas e produção de
subjetividade no cotidiano. Rio de Janeiro: Cortez, 2013.
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RESISTÊNCIA, MOBILIZAÇÃO E AÇÃO: AS
MULHERES DIZEM #ELENÃO
Diulia Luísa Hartmann Soares
4
Círculo de Diálogo: Gênero, diversidade sexual e feminismo na
América Latina
Resumo: A organização feminina em torno do movimento #EleNão ,
inaugurado Duran e as Eleições 2018 no Brasil, chama a atenção devido
às proporções que tomou e também em relação a uma articulação que
emerge do online e toma as ruas do país para dizer ―Ele não!‖, referindose ao então candidato às eleições presidenciais Jair Bolsonaro (PSL).
Neste contexto, analisar o Movimento #EleNão emerge como fundamental para olharmos para este momento, que é provavelmente a maior
mobilização das mulheres na história do Brasil - ou, ao menos, a maior
mobilização suscitada no ambiente online. Insere-se esta análise sob a
ótica da Quarta Onda do Feminismo porque o movimento se conecta ao
―fenômeno do ativismo digital, que tem como pano de fundo o feminismo em sua vertente contemporânea‖ (ROCHA, 2017, p. 11). Este resumo faz parte do trabalho de dissertação em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal da Fronteira Sul. Os dados a serem analisados para buscar
compreender o #EleNão são oriundos das mídias sociais digitais e de
portais de notícia online, colocando a internet em um espaço de protagonismo, o que já pôde ser visto durante o supracitado pleito. A pesquisa
em andamento trabalha a partir da perspectiva da Teoria Fundamentada
(AMARAL, FRAGOSO e RECUERO, 2011), que parte de uma perspectiva empirista de aproximação e compreensão dos dados que serão analisados; uma espécie de movimento que exige do pesquisador o contrário
do tradicionalmente realizado. Além disso, o #EleNão também será
relacionado a outros movimentos por meio de pesquisa bibliográfica, o
que, para Elias (2006), é fundamental, pois a ideia de que presente e passado não estão conectados é um equívoco. Além disso, situar este acontecimento na contemporaneidade reforça sua importância, que também se
encontra n a ―consideração fundamental da materialidade dos meios e
4
Mestranda do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas pela
Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Erechim. Contato:
diuliasoares@gmail.com
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dos contextos históricos nos quais eles emergiram.‖ (ZIELINSKI, 2006,
p. 5 apud FELINTO, 2011, p. 52). A escolha das mídias sociais, especialmente o Twitter, deu-se em função do engajamento dos indivíduos em
torno do tema. Castells (2006) chama isso de Mass Self Communication,
advento que se assemelha à comunicação de massa, mas coloca o indivíduo no centro do processo. A partir dessa perspectiva, somada ao olhar
trazido pelos portais de notícia, esperamos construir uma visão ampla,
abrangente e minuciosa do que representou, para o momento, o movimento #EleNão no Brasil. A presente pesquisa deve passar por banca de
qualificação em novembro de 2019.
Palavras-chave: #EleNão. Feminismo. Ativismo Digital. Eleições 2018.
Mídias sociais.
Referências Bibliográficas
AMARAL, Adriana; RECUERO, Raquel; FRAGOSO, Suely. Métodos
de Pesquisa para a internet. Porto Alegre: Sulina, 2011. 239 p. – (Coleção
Cibercultura)
CASTELLS, Manuel. A era da Intercomunicação. Disponível em:
https://diplomatique.org.br/a-era-da-intercomunicacao/. Acesso em 05
abr. 2018.ELIAS, Norbert. Escritos e ensaios: 1. estado, processo,
opinião pública. Organização e apresentação: Federico Neiburg e
Leopoldo Waizbort. 1 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
FELINTO, Erick. Em busca do tempo perdido. O sequestro da história
na cibercultura e os desafios da teoria da mídia. Matrizes [en linea] 2011,
4
(Janeiro
junho).
Disponivel
em:
http://www.redalyc.org
/articulo.oa?id=143018637003. ISSN 1982-2073. Acesso em: 22 abr
2018.
ROCHA, Fernanda De Brito Mota. A quarta onda do movimento
feminista: o fenômeno do ativismo digital. Repositório Digital da
Biblioteca da Unisinos, São leopoldo/RS, 2017. Disponível em:
http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/unisinos/6728.
Acesso
em: 12 jun. 2019.
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O KAMÉ E O KANHRU NA ORGANIZAÇÃO
SOCIAL KAINGANG (KANHGÁG AG JAMÃ
KI KAMẼ MRÉ KANHRU KRẼ AG)
Getulio Narsizo5
Adroaldo Antonio Fidelis6
Cláudia Battestin7
Círculo de Diálogo: Culturas e saberes dos povos afros, caboclos e indígenas.
Resumo: Desde a chegada dos europeus no Brasil, muitos povos indígenas foram reduzidos a algumas dezenas de pessoas e em muitos casos
foram completamente dizimados pelos colonizadores. Os remanescentes
desses povos perderam parcialmente ou completamente sua cultura e suas
praticas tradicionais, principalmente a organização social tradicional.
Temos como principal objetivo nesse trabalho dar visibilidade á cultura
de nosso povo nos colocando como autores pesquisadores de nosso próprio modo de ser e de se organizar. Através da pesquisa bibliográfica,
documental, etnográfica e auto etnográfica, buscamos embasamento
teórico, fazendo uma comparação e diferenciação do modo atual de organização social e do modo tradicional. Apresentamos nesse trabalho
parte da especificidade Kaingang no que se refere a sua organização social, tendo como ponto de partida seus heróis mitológicos Kamé (sol) e
Kanhru (lua). Segundo contam os mais velhos (kujá-Kofa) o povo Kaingang é descendente direto dos irmãos Kamé e Kanhru. Apesar do longo
processo de pacificação e integração com que o povo Kaingang foi obrigado a passar, é falso afirmar que a cultura se manteve inalterada, pois
muitos dos costumes dos colonizadores foram integrados aos costumes
5
6
7
Estudante do curso de Mestrado em Educação da Unochapecó. Professor da Escola
Indígena de Educação Básica Cacique Vnahkre. Grupo de pesquisa, Desigualdades
sociais, diversidades socioculturais e práticas educativas (Unochapecó). Contato:
kainguangue@gmail.com
Mestrando em educação pela Universidade Comunitária da Região de ChapecóUNOCHAPECO. Coordenador pedagógico da EIEI Cacique Pirã: Grupo de pesquisa:
Desigualdades Sociais, Diversidades Socioculturais e Práticas Educativas. Contato:
adroaldoantoniofidelis@gmail.com
Professora do mestrado em educação da Unochapecó. Orienta as dissertações dos co
autores desta escrita. Grupo de pesquisa, Desigualdades sociais, diversidades
socioculturais
e
práticas
educativas
(Unochapecó).
Contato:
claudiabattestin@hotmail.com
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indígenas através da aculturação. A continuidade e remanescência do
povo depende muito do respeito aos costumes antigos, pois desde a antiguidade os velhos ensinam que um dos pilares culturais que garantem a
continuidade do povo é o casamento, sendo uma sociedade exogamica,
dualista e patrilinear, ou seja, os Kaingang se casam com as metades
opostas, uma regra indiscutível. Sendo o Kamé e o Kanhru os clãs originários, acontecendo casamento entre Kamés ou mulher do grupo Kamé
com outro grupo étnico surge um terceiro clã fraco que é considerado
escravo ou filhos do erro chamados e denominados Vãjenky ou
Jenkymág (boca grande – traço comprido da boca até a orelha), da mesma forma quando ocorre o casamento de uma mulher do clã Kanhru
com outro Kanhru ou de outro grupo étnico nasce outro clã fraco, os
Votor ou Votoro (os de marcas redondas aberta). No passado Jenkymág
ou Votor não poderiam ser lideranças ou caciques. Como o Kaingang é
um povo de continuidade patrilinear era inaceitável o comando do grupo
por alguém de origem fraca ou ―impura‖. Mesmo sendo uma sociedade
patrilinear a mulher tem um importante papelna organização social, pois
além de ser a conselheira do homem é a responsável pela primeira educação, aos meninos até a idade de doze anos, idade que já é considerado
um adulto e a menina até o casamento, onde passa a ser além de genitora
a responsável pela continuidade do grupo clãnico de seu marido. As escolhas das lideranças no passado eram por força e quantidade clãnica e por
isso haviam além dogrande grupo, que variavam de trezentos a quinhentos indivíduos, haviam e ainda existem os núcleos familiares, que geralmente são chefiados pelo casal mais velho do grupo. Por fim, esperamos
demostrar nesse trabalho os principais aspectos culturais que resistiram
ao tempo e continuam vivos no modo de organização social da cultura
Kaingang.
Palavras-chave: Cultura. Organização Social. Kaingang. Remanescência.
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CONSAGRANDO NA OPY8:
UMA ETNOGRAFIA DA
CONSTRUÇÃO DO SAGRADO
9
Beatriz Fernanda das Chagas Regis
10
Adiles Savoldi
Círculo de Diálogo 2: Culturas e saberes dos povos afros, caboclos e indígenas
Resumo: O propósito desse estudo é refletir sobre a experiência ritualística Guarani na construção e vivência da Opy, na Terra indígena Toldo
Chimbangue, em Chapecó, SC. A interação em campo se caracteriza
pela observação participante nas experiências cotidianas relacionadas à
Opy. Para tanto, busca-se entender os princípios norteadores da configuração do sagrado nas práticas e vivências na casa de oração. Trata-se de
uma pesquisa em andamento, desenvolvida para o trabalho de Conclusão
de Curso em Ciências Sociais da Universidade Federal da Fronteira Sul.
A religiosidade Guarani se fundamentou em seus mitos e é constantemente atualizada conforme os dramas e conflitos vivenciados pelo grupo.
A pesquisa bibliográfica parte das referências de Nimuendajú (1987-1993)
e Clastres (1990). Os Guarani sediados na Terra Indígena Toldo Chimbangue vivem há quase duas décadas aguardando o retorno para a sua
terra ancestral. Nesse contexto de relações interétnicas os Guarani mencionam sobre os desafios tanto da construção,como da manutenção da
Opy, há uma massiva investida de instituições evangélicas neopentecostais que intencionam ampliar seu campo de atuação e, direta ou indiretamente, rivalizam com a forma de vivenciar o sagrado Guarani. A expropriação que viveram e vivem reitera os argumentos de Brighenti
(2010) de que foram e são tratados como estrangeiros na própria Terra.
Palavras-chave: Guarani. Sagrado. Ritual.
8
9
10
Casa de reza Guarani
Aluna do curso de Licenciatura em Ciências Sociais da UFFS. E-mail:
beatrizfernandachagas@gmail.com
Professora da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Doutoranda em
Antropologia do PPGA da Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail:
adilesav@yahoo.com.br
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BRIGHENTI, Clovis Antonio. Estrangeiros na própria terra: presença
Guarani e Estados Nacionais. Florianópolis: EdUFSC; Chapecó: Argos,
2010.
CLASTRES, P. A Fala Sagrada: mitos e contos sagrados dos índios
guarani. Campinas, SP: Papirus, 1990.
NIMUENDAJÚ, Curt. Etnografia e indigenismo. Sobre os Kaingang, os
OfaiéXavante e os Índios do Pará. Campinas, SP: Unicamp, 1993.
______. Lendas da criação e destruição do mundo como fundamento da
religião dos Apapocúva-Guarani.São Paulo: Hucitec/Edusp, 1987
[1914].
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“O SILÊNCIO DOS HOMENS”:
REFLEXÕES SOBRE MASCULINIDADE(S)
Fernanda Arno1
Círculo de Diálogo: Gênero, diversidade sexual e feminismo na
América Latina.
Resumo: Este trabalho tem por objetivo refletir sobre a construção de
novas masculinidades no Brasil a partir do documentário ―O silêncio dos
homens‖ (disponível no site Youtube). Este documentário, lançado no
ano de 2019, foi produzido pelo site Papo de Homem, com apoio da
ONU Mulheres e Campanha #ElesporElas, tendo como base uma pesquisa realizada com mais de 47.000 homens em todo o país. A metodologia deste trabalho se dará partir de uma matriz feminista de gênero para
a compreensão e o avanço nos estudos referentes a homens e masculinidades, conforme proposto por Medrado e Lyra (2008), e procurando
mapear as masculinidades tidas como hegemônicas e periféricas, conforme Connel e Messerschmidt (2013), identificadas a partir dos discursos e
analisadas levando em consideração questões que envolvem outros recortes sociais, como raça e classe, por exemplo. E, ao retomar o trabalho de
Joan Scott (1995) que entende gênero como a primeira forma de identificação socialmente percebida, procuro observar os obstáculos, avanços e
bloqueios que permeiam estas construções de novos modelos de masculinidades. Assim, procuro discutir sobre as masculinidades apresentadas,
através das falas dos homens que compõe o documentário, problematizando novas formas de ser/existir que possibilitem uma transformação
social relacionada a quebra de estereótipos de gênero e que esteja alinhada com um projeto de igualdade social, tendo como atores principais
aqueles que, historicamente, são os detentores de privilégios utilizados
para reproduzir as opressões sociais.
Palavras-chave: Gênero. Masculinidades. Transformação social.
Referências Bibliográficas
CONNEL, R.; MESSERSCHMIDT, James. Masculinidade hegemônica:
repensando o conceito. In Revista Estudos Feministas, Florianópolis,
21(1): janeiro-abril/2013, pp 241-282.
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MEDRADO, Benedito; LYRA, Jorge. Por uma matriz feminista de
gênero para os estudos sobre homens e masculinidades. In Revista
Estudos Feministas, Florianópolis, 16(3): setembro-dezembro/2008, pp.
809-840.
OLIVEIRA, Pedro Paulo. Discursos sobre a masculinidade. In Revista
Estudos Feministas, Florianópolis, 6(1): 1998, pp. 91-112.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In:
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A PSICOLOGIA SOCIAL CRÍTICA COMO
INSTRUMENTO DE DESCONSTRUÇÃO DA
IDEIA COLONIAL DE GÊNERO
Sandro Ronei Golçalves11
Valdemir José Debastiani12
Círculo de Diálogo: Gênero, diversidade sexual e feminismo na
América Latina
Resumo: O trabalho tem como tema as contribuições da Psicologia Social Crítica como instrumento de reflexão para a desconstrução das ideias
coloniais no que se refere as questões de gênero. Muitas vezes a própria
psicologia enquanto ciência serve como instrumento de reprodução de
relações perversas de gênero. Por sua vez, vê-se na Psicologia Social Crítica importante instrumento de reflexão e conscientização como forma de
desconstruir ideias coloniais de patriarcado. O problema de pesquisa
interroga: quais as contribuições da psicologia social crítica na desconstrução da naturalização das relações dominantes de gênero? Objetivos:
Analisar as possíveis contribuições da psicologia social nas questões inerentes ao processo decolonial da América Latina. Aporte teórico: A
teoria da colonialidade se apresenta como uma das questões centrais dos
debates na América Latina, alternativo ao debate de caráter europeu,
uma nova forma de re/descobrir a América Latina. Quijano propõe pensar a modernidade como um sistema de dominação e exploração global,
capitalista onde a classificação racial e étnica da população opera em
diferentes níveis e escalas (QUIJANO, 2000). Cotidianamente a colonialidade do gênero se apresenta através da intersecção de gênero/classe/raça como construtos centrais do sistema de poder capitalista
mundial, porque a noção de homem e mulher é retrabalhada no capitalismo e o patriarcalismo adquire contextos específicos na dinâmica entre
capital e trabalho. Como consequência tem-se a naturalização das desigualdades nas relações de poder impostas pelo dominadores. (HOUN11
12
Acadêmico do 10º semestre do curso de psicologia da Universidade do Contestado UNC, campus de Concórdia. Contato: sandroronei@hotmail.com
Mestre em Educação pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões - URI campus de Frederico Westphalen professor na Universidade do
Contestado - UNC, campus de Concórdia – sc, integrante do grupo de pesquisas
dimensões do poder, gênero e diversidade do PPG Direito da Universidade de Passo
Fundo – UPF. Contato: vdebastiani@hotmail.com
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TONDJI, 2009). Diante disto, a psicologia social apresenta-se como uma
das formas de questionar verdades perenes e hegemônicas, através de um
processo de reflexão crítica. O processo de ruptura das situações de
opressão/dominação/exploração das relações de gênero, se inicia com a
conscientização dos sujeitos da ocorrência de tais situações. Ter consciência das relações perversas é o ponto de partida para toda mudança
social que se faz necessária (GUARESCHI, 2005). É dessa forma que
Dussel pensa a libertação da mulher dentro de um processo orgânico e
articulado com o processo de libertação política latino-americano, exigindo que a libertação da mulher chegue até a vida cotidiana e afetiva.
Procedimentos metodológicos: A pesquisa abrange discussões teóricas,
utilizando-se o método dedutivo e abordagem qualitativa, por meio da
técnica de pesquisa bibliográfica. Resultados: O trabalho demonstra a
necessidade da Psicologia Social Crítica, enquanto campo de pesquisa,
formação e atuação relacionada ao ser humano, contribuir no que se
refere à desconstrução das desigualdades sociais e de gênero, através da
compreensão das suas bases estruturantes, possibilitando auxiliar os indivíduos na retomada da consciência para um processo de liberdade. Novos olhares à sociedade demandam novas lentes. As intersecções entre as
ciências, humanas e sociais, possibilita outros enfoques para as complexidades das relações, voltadas para um projeto decolonial.
Palavras-chave: De/colonialidade. Gênero. Psicologia Social Crítica.
Referências Bibliográficas
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A INFORMALIDADE DAS MULHERES
NEGRAS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
PELA PERSPECTIVA DA
INTERSECCIONALIDADE
Ana Claudia Rockemback
13
Círculo de Diálogo: Gênero, Diversidade Sexual e Feminismo
na América Latina
Resumo: A diáspora africana causada pelo colonialismo trouxe consequências irreparáveis que ainda subsistem e mantém opressões. Memórias essas que remetem os povos negros à uma época violenta e intransigente. A pesquisa propõe uma análise não tão somente ao racismo estrutural que condiciona a invisibilidade negra, mas aos outros eixos discriminatórios que se interseccionam, como é o exemplo do sexo e da classe.
O estudo epistemológico da interseccionalidade é o ponto de partida
dessa investigação, que busca compreender como o feminismo negro
dialoga com demais avenidas identitárias, que é o caso do cisheteropatriarcado, capitalismo e racismo. Mesmo vivendo à luz de uma sociedade
democrática, esta não impede que haja desafios nas demandas de inclusão dos grupos subalternizados, visto que impera socialmente uma identidade branca e heterossexual que aduz privilégios e atribuições positivas,
enquanto minorias raciais e sexuais permanecem estereotipadas por conta
das generalizações e universalismos normativos. A análise teórica das
bases de opressões que constituem o conceito de interseccionalidade é
direcionada para a crítica da matriz colonial moderna, com isso, o presente trabalho pretende identificar se a intersecção de estruturas opressoras contribui com a invisibilidade das mulheres negras no mercado formal
de trabalho. Após entender o conceito de interseccionalidade, a pesquisa
visa integrar os estudos teóricos com os desdobramentos sociais, trazendo
percentuais das mulheres negras e brancas que estão em situação de informalidade laboral e fazer um comparativo entre elas. O intuito dessa
comparação é comprovar a existência do aprisionamento que condiciona
as mulheres negras a determinados papéis sócio-ocupacionais e as man13
Bacharel em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina - Unoesc. Aluna
especial no Programa de Pós-Graduação Mestrado Interdisciplinar em Ciências
Humanas da UFFS – Campus Erechim. E-mail: acrokemback@gmail.com
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tém dependentes dos trabalhos informais. O estudo sobre os problemas
estruturais que envolvem classe, raça e gênero é necessário para compreender os motivos que levam a mulher negra à informalidade. Trata-se de
pesquisa com abordagem metodológica que confere aspectos analíticos e
hermenêuticos na compreensão das práticas discriminatórias responsáveis pela perpetuação da subordinação racial. Conclui-se parcialmente,
que o índice de informalidade das mulheres negras nas relações de trabalho é um fator social construído a partir do um contexto histórico do
racismo, contribuindo significativamente com as desigualdades sociais.
Palavras-chave: Interseccionalidade. Mulheres Negras. Relações de Trabalho.
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POTENCIALIDADES E DESAFIOS PARA
EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DAS
MULHERES EM 5 CHAPECÓ
Vanusa Borsoi14
Liége Santin15
Irme Bonamigo16
Círculo de Diálogos 1: Gênero, diversidade sexual e feminismo
na América Latina
Resumo: O processo de universalização dos direitos humanos iniciou
com o movimento ―Direito Internacional dos Direitos Humanos‖ e os
acordos foram firmados em nível internacional (PIOVESAN apud PITANGY, 2000). Entretanto, segundo a ONU (2018), nenhum país do
mundo tem plena igualdade de gênero, necessitando assim desenvolver
ações, para combater a desigualdade e a discriminação que atinge mulheres e meninas no mundo inteiro. No Brasil, a Constituição Federal 1988 e
a Lei Maria da Penha 2006, são considerados marcos para os direitos das
mulheres. A lei Maria da Penha, vigente há treze anos, dispõe ferramentas e procedimentos necessários ao acolhimento e encaminhamentos para
a efetivação dos direitos das mulheres. Apesar das legislações existentes,
segundo a Agência Assembleia Legislativa do estado de Santa Catarina,
Chapecó figurou no ano de 2017, como a terceira cidade mais violenta
para mulheres viverem. Assim sendo, o objetivo deste trabalho é identificar as potencialidades e os desafios na atuação da Delegacia de Proteção
à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (DPCAMI), na efetivação dos
direitos das mulheres em Chapecó. Para isso, foi analisado o relatório
14
15
16
Vanusa Borsoi, graduada em Serviço Social pela Unochapecó. Mestranda do Programa
de Pós-Graduação stricto sensu em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais da
Unochapecó. Grupo de Pesquisa: Políticas Públicas, processos de gestão e Participação
Social. Contato: vanusa.borsoi@unochapeco.edu.br.
Liége Santin, bacharela em Direito pela Unochapecó. Mestranda do Programa de PósGraduação stricto sensu em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais da Unochapecó.
Fogueira:
Grupo
de
Estudos
e
Pesquisas
de
Gênero.
Contato:
liege@unochapeco.edu.br.
Irme Salete Bonamigo. Doutora em Psicologia Social pela Universidade Estadual do
Rio de Janeiro (UFRJ), com pós-doutorado em Psicologia pela UFRJ. Docente do
Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais e
do curso de Psicologia da Universidade Comunitária da Região de Chapecó
(Unochapecó). Contato: bonamigo@unochapeco.edu.br.
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elaborado em 2019 pelo Conselho Municipal dos Direitos da Mulher
(CMDM), de Chapecó, enquanto órgão deliberativo e fiscalizador, elaborado após a visita realizada à DPCAMI, neste mesmo ano. O CMDM
avalia, no relatório, que o espaço físico da delegacia não supre as necessidades, apresentando estrutura precária e enfatiza que o número de servidores não condiz com a demanda dos atendimentos, que é superior. No
documento, o conselho gestor também apresenta sugestões, indicando a
necessidade de mudança de local, ampliação do número de servidores e
atendimento 24 horas, de modo a corresponder à demanda do município
em questão. Propôs inclusive a criação de Delegacia Especializada de
Atendimento à Mulher (DEAM). Analisando a Lei Maria da Penha e os
apontamentos do relatório do CMDM, percebe-se que a lei contempla
ações e ferramentas para o enfrentamento da violência contra a mulher.
Entretanto, a contrapartida do Estado não é suficiente para o pleno cumprimento das políticas públicas na perspectiva dos direitos das mulheres.
Como é o caso da DPCAMI, com relação aos equipamentos, estrutura
física e o número do efetivo disponível. Apesar dos direcionamentos
previstos na lei Maria da Penha, na prática, a DPCAMI conta com espaço inadequado e número insuficiente de servidores habilitados, para o
desenvolvimento do trabalho. Estes fatores, além de diminuírem a qualidade dos atendimentos, podem prejudicar a saúde física e mental dos
servidores, pois o excesso de trabalho, em condições desfavoráveis pode
ocasionar o adoecimento dos mesmos, agravando o contexto do serviço
e, por conseguinte, prejudicando a efetivação dos direitos do público
correspondente. A lei Maria da Penha ainda não atingiu a sua completude, um dos exemplos é a não vigência do atendimento especializado nas
delegacias somente para mulheres, como prevê a legislação. Portanto, o
levantamento realizado reafirma ser fundamental que o Estado garanta à
população o acesso às determinações previstas nos tratados, nos pactos,
nos planos e nas leis, para que estes sejam aplicados de fato.
Palavras-chave: Direitos das mulheres. CMDM. DPCAMI. Lei Maria
da Penha.
Referências Bibliográficas
AGÊNCIA
ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA.
Disponível
em:
<http://agenciaal.alesc.sc.gov.br/index.php/radioal/noticia_single_radi
oal/chapeco-ocupa-o-3-lugar-no-ranking-de-violencia-contra-mulheresem-sc> acesso em 13 jul. 2019.
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CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA MULHER-CMDM.
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<https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/08/PositionPaper-Direitos-Humanos-das-Mulheres.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2018.
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democracia e sociedade brasileira. São Paulo: Fundação Carlos
Chagas/Editora 34, 2002.
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MULHERES E O CUIDADO COM A VIDA: AS
TERRITORIALIDADES FEMININAS COMO
LEITURA DO TERRITÓRIO DO
ASSENTAMENTO DOM JOSÉ GOMES
(CHAPECÓ/SC).
Janaína Gaby Trevisan17
Círculo de Diálogo: Gênero, diversidade sexual e feminismo na
América Latina.
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar e refletir sobre os
movimentos que estão sendo construídos pelas mulheres camponesas/assentadas do Assentamento Dom José Gomes, localizado no município de Chapecó (região Oeste de Santa Catarina). O desdobramento
desse projeto parte da premissa de um movimento que é embrionado
dentro do próprio Assentamento, isto é, as próprias mulheres assentadas
têm organizado espaços coletivos de discussões e atividades práticas de
autoconhecimento, no que tange a questão do corpo, sexualidade, terra,
luta e trabalho, em encontros coletivos que passaram a ser denominados
terapias coletivas. Tais encontros têm como pano de fundo as lutas nos
cotidianos de mulheres que possibilitam uma leitura outra do que se está
ressignificando na questão agrária e dentro do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, a partir das resistências cotidianas que são germinadas pela lente feminina e pelo contato com suas várias escalas de
reprodução, desde o corpo (primeiro território), do trabalho (tendo como
princípio a agroecologia) e da comunidade (na importância do recorte de
gênero através dos trabalhos coletivos de e para mulheres). Assim, a tentativa desse projeto, é iniciar a construção e a discussão de uma constelação
de possibilidades que possam manifestar nas mulheres camponesas (ou
no feminino) um caminho unificador e alternativo às maneiras de se pensar o desenvolvimento, o trabalho e a vida nos territórios, destacando a
importância de práticas como essas - que colocam a vida como centralidade no cotidiano - em uma região marcada pela hegemonia do modelo
de desenvolvimento agrário capitalista, fortemente verticalizado. A me17
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do
Paraná (UFPR). Integrante do Coletivo de Estudos sobre Conflitos pelo Território e
pela Terra (ENCONTTRA). E-mail para contato: janainaggt@gmail.com
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todologia a ser utilizada destaca a pesquisa participante, envolvendo
trabalhos de campo que se estendem em observação e participação dos
encontros das/nas terapias coletivas e entrevistas por meio da história
oral, que irão dialogar com leituras que permitam demonstrar a prática
vivida e sua importância na territorialidade das mulheres camponesas e
nas ações sobre os lugares que ocupam. Espera-se com essa pesquisa,
investigar e compreender no que e em como essas práticas têm corroborado para ações políticas de resistência e empoderamento das mulheres
do Assentamento Dom José Gomes, nas suas diversas concretudes e
densidades de vida que se materializam em seus diversos territórios, pensando em ações posteriores que possam se ramificar em outros espaços
organizativos e de formação do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra. Além disso, pretende-se a construção de uma cartografia
feminista do território, isto é, almeja-se realizar um mapeamento com
base no cotidiano das mulheres, demonstrando como as práticas e os
saberes podem propor outra forma de existir e resistir no Assentamento.
Palavras-chave: Mulheres. Potencialidades. Cuidado. Territorialidades.
Feminismo camponês e popular.
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REPRESENTACIÓN HISTÓRICA Y
CULTURAL DE LAS MUJERES INDÍGENAS
KAINGANGS EN MEDIOS IMPRESOS
Cláudia Battestin18
Jaílson Bonatti19
Las poblaciones indígenas Kaingang se distribuyeron originalmente en
regiones que hoy corresponden a los estados de São Paulo, Paraná, Santa
Catarina y Rio Grande do Sul. En las regiones del sur, los Kaingangs, así
como sus antepasados, tenían una cultura concebida alrededor de la floresta Atlántica, y también viajaron por ríos importantes, siendo fundamentales para la subsistencia de estos pueblos. Históricamente, las poblaciones indígenas se integraron con otras culturas, en el siglo XIX los ―aldeamientos‖ comenzaron a aislar y controlar los aspectos culturales y las
costumbres de estos pueblos. El siglo XX entra en un intenso proceso de
colonización en el sur de Brasil, y los pueblos indígenas sufren la expulsión y la represión del colonizador. A partir de este proceso histórico,
buscamos observar cómo los pueblos indígenas comenzaron a ser estereotipados e informados por la comunidad no indígena, especialmente la
representación de mujeres indígenas que siempre se resistieron en una
cultura patriarcal. Para dar verdad y legitimidad a esta investigación,
buscamos noticias publicadas entre 1990 y 2010 en el Centro de Documentación e Investigación Histórica del Alto Uruguay - CEDOPH, relacionadas con la imagen de la mujer Kaingang de la Tierra Indígena Guarita, ubicada en el estado de Rio Grande do Sul. La metodología utilizada
fue el análisis textual discursivo de una cantidad de 15 noticias identificadas en la colección. Los resultados, esencialmente, retratan la condición
marginalizada de estas mujeres, así como la cultura Kaingang en diferentes maneras. Por esta razón, está claro que la representación cultural de la
mujer Kaingang es constituida y representada casi exclusivamente (si no
18
19
Professora da Área de Ciências Humanas e Jurídicas da Universidade Comunitária da
Região de Chapecó. Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas.
Membro do Grupo de Pesquisa Desigualdades Sociais, Diversidades Socioculturais e
Práticas Educativas - Unochapecó/SC.
Mestrando em Educação, Universidade Comunitária da Região de Chapecó Unochapecó. Bolsista CAPES/PROSUC. Membro do Grupo de Pesquisa
Desigualdades Sociais, Diversidades Socioculturais e Práticas Educativas Unochapecó/SC e do Grupo de Pesquisa: Políticas Públicas e Gestão - URI/RS.
Contato: jailson.1bio@gmail.com.
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en su mayoría) por los no indígenas, dejándolas fuera de sus propias
realidades culturales, revelando así la subversión de sus identidades, deslegitimando cualquier forma de representación que existe o puede existir
y reiterada por ellas. Además, es digno de mención que el conjunto de
noticias reveló una situación más allá de la periferia, una realidad en la
que las mujeres son "objetivadas" en nombre de un mercado sexual, y
una "prostituta indígena" retiene el deseo de una sociedad patriarcal y
misógina, que se apropia de este tipo de explotación sexual en muchas
comunidades de la región cerca de la Tierra Indígena Guarita. En este
escenario, es necesario comprender y analizar cómo el proceso de colonización aún está latente en esta región, lo que requiere protección y atención frente a la vulnerabilidad social de las mujeres indígenas no solo acá,
pero en toda América Latina.
Palabras clave: Mujer. Indígena. Kaingang. Medios de comunicación.
Culturas e saberes dos povos afros, caboclos e indígenas
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UMA EXPERIENCIA INTERCULTURAL NA
SEMANA CULTURAL INDÍGENA NA TERRA
INDÍGENA TOLDO PINHAL-SC
Adroaldo Antonio Fidelis20
Cláudia Battestin21
Geziane dos S22
Círculo de Diálogo: Manifestações e práticas culturais na América Latina
Resumo: Essa escrita é resultante de uma pesquisa bibliográfica, documental e de história oral, que buscou resgatar através da memória e trajetória a história da cultura e tradições da Terra Indígena Toldo Pinhal,
localizada no município de Seara- SC. Mostrar a história indígena através
de um protagonista indígena, possibilita uma clareza e fidelidade nas
fontes, uma vez que, os rituais, a rotina, as dificuldades e desafios, só
podem ser sentidos no dia a dia da comunidade indígena. A Semana
Cultural chamada Troca de Saberes e Sabores, acontece anualmente no
mês de outubro, devido ao fato de ser uma época em que se tem abundancia de brotos, larvas e frutas. É o momento mais esperado do ano pela
comunidade, pelo fato de todos estarem envolvidos na organização e
divulgação da cultura, das danças, cantos, rituais de cura, batismo Kaingang e muita culinária típica. A semana cultural Troca de saberes e sabores, conta com a participação de visitantes da região, ampliando a possibilidade de troca de alimentos, sabores e sabores, ou seja, cada cultura
que visita a semana cultural, deverá partilhar alguma vivencia, experiência e principalmente um alimento típico da cultura proveniente. Por
exemplo, a cultura alemã e italiana participa desde o ano de 2014, proporcionando através das danças e dos alimentos partilhados, uma experi20
21
22
Mestrando em educação pela universidade Comunitária da Região de ChapecóUNOCHAPECO. Coordenador pedagógico da EIEI Cacique Pirã: Grupo de pesquisa:
Desigualdades Sociais, Diversidades Socioculturais e Práticas Educativas. Contato:
adroaldoantoniofidelis@gmail.com
Doutora em Educação. Professora do Programa de pós-graduação em Educação pela
UNOCHAPECO. Atua na Secretaria de Educação de Chapecó/SC. Grupo de
Pesquisa. Desigualdades Sociais, Diversidades Socioculturais e Práticas Educativas
Contato: battestin@unochapeco.edu.br
Graduada em Pedagogia pela universidade Comunitária da região de ChapecóUNOCHAPECÓ. Atua como professora das séries iniciais, ensino fundamental.
Contato: geziane.santos@unochapeco.edu.br
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ência gratificante e intercultural para todos. Diante desta experiência, a
comunidade do Toldo Pinhal tem buscado mostrar a importância da
cosmovisão indígena, dos saberes, da educação, da língua, das comidas
típicas, das danças afim de fortalecer e buscar dar visibilidade a nossa
história. Desta forma, essa escrita espera poder contribuir para manter
viva a luta pela conquista da terra, a luta pela resistência e sobrevivência
dos povos indígenas que ainda resistente.
Palavras - Chave: Indígena. História. Toldo Pinhal. Cultura.
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A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NA
SUSTENTABILIDADE DO ARTESANATO DA
ALDEIA CONDÁ CHAPECÓ
Graciela Novakowski23
Fabiane Schonell Roman24
Silvia Baggio25
Círculo de Diálogo: Cultura e Saberes dos Povos afros, caboclos e indígenas.
Resumo: O trabalho tem como objetivo criar condições para a sustentabilidade do modo de vida Kaingangs na comunidade da aldeia Condá localizada a cerca de 8 km da cidade de Chapecó Oeste de Santa Catarina,
com área total de 2.300 hectares, na área rural. De acordo com o último
censo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2010) o estado de Santa Catarina possui uma população indígena de
16.041 pessoas. Já no município de Chapecó (IBGE 2010) são 1.455
indígenas, o que representa 7,9% da população. Destes, 243 estão na área
urbana da cidade e 1.212 na área rural do município. Procurando garantir
e fortalecer o sentimento de identidade étnica, bem como valorizar a
cultura local em todos os seus aspectos. Em face deste contexto, o presente trabalho visa desenvolver mecanismos, acessórios e artefatos para otimizar o beneficiamento da matéria prima e propiciar melhor rendimento
na produção do artesanato indígena. O artesanato pode ser definido como atividade predominantemente manual de produção de um bem que
requeira criatividade e/ou habilidade pessoal, podendo ser utilizadas
ferramentas e máquinas (TROMBINI, 2017). Sendo assim, considera-se
algo muito oportuno adaptar a produção dos artigos indígenas, com o
23
24
25
Doutoranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul
UNISC,Mestre em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais pela Universidade
Comunitária da Região de Chapecó (2013), membro no grupo de pesquisa Dinâmicas
Regionais e Desenvolvimento Rural, atua como docente, Assistente Social na
Mitracoop RS, Técnica de Extensão na Universidade Comunitária da Região de
Chapecó – UNOCHAPECÓ.
Especialista em Gestão de Pessoas pela Universidade Comunitária da Região de
Chapecó – UNOCHAPECÓ., Assistente Social na Universidade Comunitária da
Região de Chapecó – UNOCHAPECÓ. fabiroman@unochapeco.edu.br
Especialista em Cultura e Criação pelo SENAC, Porto Alegre. Graduada em Artes
Visuais pela UNOESC Campus Xanxerê, atua como consultora na área do Artesanato
Cultural pelo Sebrae SC. Contato: silbaggio@hotmail.com
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apoio de ferramentas, equipamentos e máquinas, que contemplem mecanismos para maximizar a produção dos artigos indígenas sem retirar a
sua essência. A ideia é possibilitar aos indígenas a autonomia para que
possam viver à sua maneira, com uma infraestrutura comunitária adequada, boas condições de saúde e educação, e o maior grau possível de
autossuficiência na produção de alimentos. O trabalho vem sendo desenvolvido pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares ITCP da
Universidade da Região de Chapecó - Unochapecó, é um dos programas
permanentes de extensão e atua na promoção e desenvolvimento do empreendedorismo social, visando à sustentabilidade econômica, social e
ambiental dos empreendimentos. A ITCP atua desde 2003 no desenvolvimento de projetos na região Oeste de Santa Catarina. A Unochapecó
vem atuando com o público indígena desde o início da sua vida acadêmica, sempre buscando parceria para o desenvolvimento das comunidades,
pautando suas ações pelo reconhecimento do seu valor, da sua cultura e
no seu legado para a sociedade brasileira. Neste contexto de abordagem
da prática artesanal indígena, interessa-nos trazer olhares acerca da importância entre a ética e a estética que está presente nessas intervenções,
as quais podem ser incluídas dentro de uma esfera mais ampla de inovação social - justamente por envolverem uma comunidade marcada por
elementos culturais que caracterizam a essência deste povo. Os caminhos
nessas intervenções devem ser cuidadosos e principalmente estar atrelado
às particularidades locais. Desta forma, os eixos para estas abordagens
pressupõem: Identidade e diversidade cultural, melhoria das condições
técnicas e potencialidade dos materiais locais, a construção de marca identidade visual, bem como ações combinadas para melhores resultados.
Neste período de intervenção já temos como mensurar os resultados sendo: Estímulo à formação de parcerias, reuniões do grupo artesãos com a
comunidade indígena para execução das atividades, comercialização do
artesanato participação em eventos: que fomentem a comercialização dos
produtos artesanais. Para atender ao projeto há uma equipe multidisciplinar interna composta por assistentes sociais, pedagogo, advogado,
administrador, engenheiro agrônomo e acadêmicos. Esta equipe trabalha
de forma articulada. A maior parte dos recursos são próprios da Universidade.O artesanato é sinônimo de identidade cultural e uma das formas
mais espontâneas de expressão do povo brasileiro.
Palavras-chave: Sustentabilidade, Indígenas, Artesanato.
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Científico Conhecer - Goiânia, v.14 n.25; p. 2017 1928
TROMBINI, F. A realidade do artesão no Brasil. Disponível em: .
Acesso em: 14 fev. 2017
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EDUCAÇÃO TRADICIONAL E A
PEDAGOGIA KAINGANG
Josias Loureiro de Mello26
Círculo de Diálogo: Culturas e Saberes dos Povos afros, caboclos e indígenas
Está trabalho está vinculado à pesquisa de mestrado desenvolvida na
Terra Indígena Nonoai, localizada ao norte do Rio Grande do Sul. Mostro como se dá a Pedagogia Kaingang, as diferentes formas de ensinar e
aprender que é própria do povo kaingang. Zaqueu Key Claudino (2013,
p.59) diz que estas práticas educacionais ―podem ser consideradas como
―um saber a partir da tradição‖, que tem como base a cosmologia e segue
os princípios da liberdade, do respeito e da coletividade. É através da
magia da oralidade, da mata, do estar junto, de compartilhar o mesmo
espaço sem olhar para as diferenças etárias que os kaingang constroem
conhecimento, lembrando que a oralidade é o principal instrumento para
essa Pedagogia. Como diz Claudino (p. 53): ―a oralidade é que nos guia
pelos caminhos do saber, através das experiências coletivas que nos encaminham ao mundo dos conhecimentos a partir da tradição‖. Mello
(2015) descreve as práticas pedagógicas vivenciadas por ele, na madrugada, ao redor do fogo de chão, enquanto mateava, seu avô lhe contava os
costumes e a tradição de seus ancestrais. Revela o autor que o espaço
familiar e comunitário, os rios, os animais, assim como os demais elementos da natureza, são educadores, responsáveis pela formação da pessoa kaingang. Do mesmo modo, Bruno Ferreira (2014, p. 66), falando
sobre a Pedagogia Kaingang, diz: ―uma atividade, ou mesmo as brincadeiras das crianças não são somente brincadeiras, e sim uma verdade,
pois as crianças utilizam instrumentos de verdade. Assim, produzem de
verdade, tendo um significado real‖. A pesquisa foi realizada por meio de
convivência na aldeia, roda de conversa com anciões da comunidade
comprometidos com a educação dos netos e filhos. Igualmente, busquei
inspiração em pesquisadores indígenas conhecedores da cultura, dos
26
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, (UFRGS);
Licenciado em Pedagogia pela mesma Universidade. Integra o grupo de pesquisa
(CNPq)
PEABIRU:
Educação
ameríndia
e
interculturalidade.
(josiasplanalto@gmail.com).
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costumes, da história; ―parentes‖ que são exemplos para os jovens kaingang, responsáveis pela transmissão da Pedagogia kaingang.
Referências bibliográficas
CLAUDINO, Zaqueu Key. A formação da pessoa nos pressupostos da
tradição – Educação Indígena kaingang. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Programa de Pós-Graduação em educação, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, 2013.
MELLO, Josias Loureiro de. A língua portuguesa na sociedade
kaingang: um estudo na Terra Indígena Serrinha, RS. Trabalho de
Conclusão de Curso. UFRGS, 2015.
FERREIRA, Bruno. Educação Kaingang: processos próprios de
aprendizagem e educação escolar. Dissertação (Mestrado em Educação)
– Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.
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EDUCAÇÃO INDÍGENA: UM
INSTRUMENTO DE LUTA POR DIREITOS
Adiles Savoldi27
Andreza Bazzi28
Eloise Kist Hoss29
Círculo de Diálogo 2: Culturas e saberes dos povos afros, caboclos e indígenas
Resumo: A proposta da pesquisa consistiu em refletir sobre as diferentes
formas de luta pela implementação de direitos empreendidas pelos estudantes, professores e moradores da Terra Indígena Toldo Chimbangue,
localizada no interior do município de Chapecó-SC, com base em distintas inserções em campo, realizadas pelas pesquisadoras que utilizaram
entrevistas e observação participante para coleta dos dados. A região foi,
e ainda é fortemente marcada por tensões oriundas de um processo de
colonização que produziu exclusão e resistência indígena. No presente,
como mencionou Souza Lima (2012, p. 171) as formas de ação política
dos povos indígenas podem substituir ―arcos e flechas, bordunas ou enxadas e machados por canetas, computadores e diplomas‖. A resistência
juvenil no processo político de ocupação da Escola Indígena de Ensino
Fundamental Fen'Nó, em 2016, evidenciou que os estudantes indígenas
interpretaram as implicações da Emenda Constitucional -E.C. 95/2016,
conhecida como a Proposta de Emenda da Constituição - PEC do Teto
de gastos, e a Lei 13.415/2017, que reforma o Ensino Médio, assim como a Lei 13.467/2017, que altera a Consolidação das leis do Trabalho CLT, como um ataque aos direitos de pessoas indígenas e não indígenas
garantidos pela Constituição de 1988, engajando-se, portanto, no debate
público que as contestava, como ocorreu em mais de 1.100 escolas e universidades brasileiras. São recorrentes as narrativas, durante as Semanas
Culturais que acontecem anualmente na Escola Fen´Nó, sobre os direitos
27
28
29
Professora da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Doutoranda em
Antropologia do PPGA da Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail:
adilesav@yahoo.com.br.
Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em História, Mestrado em História da
Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS Campus Chapecó. E-mail:
andreza_bazzi@hotmail.com.
Acadêmica do curso de Licenciatura em Ciências Sociais na UFFS Campus Chapecó. Email: hosseloise@gmail.com.
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constitucionais de 1988, como uma conquista oriunda dos múltiplos movimentos indígenas pelo país, no entanto, muitos direitos derivados desta
Carta Magna ainda não foram integralmente implementados. Os processos de construção do Estado brasileiro não envolvem apenas os governantes, mas também aqueles que se organizam e reivindicam direitos.
Conforme O‘Dwyer (2018, p. 177) ―o Estado brasileiro tem sido atualmente tanto experimentado quanto desfeito na ilegibilidade de suas próprias práticas administrativas, que reconfiguram novas práticas de governança‖. O desrespeito às normas constitucionais tem afetado sobretudo
as populações indígenas. A população do Toldo Chimbangue tem frequentemente acionado a linguagem do direito, buscando a manutenção
de direitos conquistados e, principalmente, a ampliação do acesso a estes,
como no caso do direito à saúde indígena, política pública gestada no
âmbito da Secretaria Especial de Saúde Indígena - SESAI, e à Educação
Indígena Diferenciada, aplicado por meio da Escola Fen‘Nó, que reverencia o legado da principal liderança feminina e propicia além dos conteúdos previstos na Base Curricular Nacional, o aprendizado de saberes
tradicionais no ambiente escolar, entendendo que estes saberes são também ciência, e portanto, devem ser constantemente acionados e preservados. Os professores e os jovens indígenas têm entendido o acesso à educação formal, inclusive a formação superior e a Pós-Graduação como um
importante instrumento de fortalecimento, tanto para o seu desenvolvimento profissional, quanto para a valorização de sua identidade étnica e
da História de luta e de resistência, empreendida por seus ancestrais.
Palavras-chave: Educação. Resistência. Saberes.
Referências:
O‘DWYER, Eliane Cantarino. Antropologias praticadas em contextos
do Nation-Building e questões de ética na pesquisa. In: OLIVEIRA, João
Pacheco; MURA, Fabio; SILVA, Alexandra Barbosa. Laudos antropológicos em Perspectiva; Brasília – DF: ABA, 2015.
SOUZA LIMA, Antônio Carlos de. Apresentação. Dossiê Fazendo Estado. In: Revista de Antropologia. São Paulo: USP, v.55, nº2, 2012.
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INFÂNCIAS E CRIANÇAS: PROCESSO DE
SOCIABILIDADE DAS CRIANÇAS
INDÍGENAS KAINGANG DA TERRA
INDÍGENA TOLDO PINHAL
Cristiane Noeli Pinheiro Lemes 30
Geziane dos Santos 31
Silvia Maria Alves de Almeida 32
Resumo: O tema da pesquisa, que trata das crianças indígenas Kaingang,
é resultado de uma caminhada profissional e acadêmica. A entrada na
escola e academia nos possibilitou perceber parte do universo da criança
com um outro olhar, de professoras e pesquisadoras. A criança indígena
como sujeito de sabedoria, desde o seu nascimento tem contato com a
natureza, o pai é quem escolhe o lugar para enterrar o seu umbigo, geralmente árvore mais forte, percebemos que desde então ela é respeitada e
ouvida por todos. Neste período ela é um ser em formação a ser cativada
para que o espírito permaneça na terra capaz de aprender e ensinar. A
pesquisa teve como objetivos identificar o processo de sociabilidade das
crianças indígenas da comunidade Toldo Pinhal e o papel do adulto e das
crianças neste processo. A pesquisa foi realizada na terra indígena Toldo
Pinhal, Seara -SC, com crianças pertencentes à comunidade. Para coleta
de dados utilizamos de observação participante do cotidiano das crianças,
a fim de relatar o processo de sociabilidade pertencentes a sua educação,
registro do dia a dia das crianças com imagens no diário de campo. A
partir dos dados percebemos que o dia a dia das crianças ocorre com uma
certa regularidade, há uma preocupação com a criança como alguém que
dará continuidade aos costumes e valores, pois através dela se inaugura a
relação com o outro. A pesquisa nos colocou a perceber que as crianças
indígenas se relacionam com diferentes elementos da natureza, brincam,
dividem, constroem conhecimento sobre o tempo e o espaço a sua volta e
se perguntam sobre o que não lhes é conhecido. Portanto, a criança indígena é elemento-chave na sociedade e interpretação dos grupos sociais,
30
31
32
Graduanda
na
Licenciatura
Intercultural
Indígena
Email.camillieduarda99@gmail.com
Graduanda
na
Licenciatura
Intercultural
Indígena
Email.gezisantos123@gmail.com
Mestre em Educação. Email.silvia@unochapeco.edu.br
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em
Pedagogia.
em
Pedagogia.
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onde os adultos reconhecem as suas capacidades, que as permitem ocupar espaços como sujeitos plenos e produtores de conhecimento.
Palavras-chave: Kaingang. Crianças indígenas. Relação criança-criançaadulto.
Referências bibliográficas:
BROSTOLIN, Marta Regina e OLIVEIRA, Evelyn Aline da Casta de. A
criança terrena: um olhar para a infância, o brincar e os sentimentos do
aprender indígena. Rev. Eletrônica. Santos, 2014.
COHN, Clarice. Concepção de infância e infâncias: um estado da arte
da antropologia de criança no Brasil. São Paulo. SP. Brasil, 2013.
FANCISCHINI, Rosângela e FERNANDES,Natália. Os desafios da
pesquisa ética com crianças. Campinas: Estudo de Psicologia I, 2016.
GARLET, Marinez. Entre cestos e colares, faróis e parabrisas: crianças
Kaingang em meio urbano. Dissertação Mestrado Serviço Social,
PUCRS. Porto Alegre, 2010.
LOPES, Jader Janer Moreira. As crianças, suas infâncias e suas
histórias: mas por onde anda suas geografias. Juiz de Fora: Educ. foco,
2009.
LIMA, Patricia de Moraes. Infância e Experiência: As narrativas infantis
e a arte-de-viver o cuidado. Tese, URGS, Porto Alegre, 2008.
SANTOS, Milton. METAMORFOSES DO ESPAÇO HABITADO,
fundamentos Teórico e metodológico da geografia. Hucitec. São Paulo.
2014.
SOUSA, Emilene Leite de. Umbigos enterrados. Corpo, pessoa e
identidade Capuxu através da infância. UFSC: Florianópolis, 2017.
SILVA, Aracy Lopes e NUNES Angela, Contribuição da etnologia
indígena brasileira a antropologia da criança. In: SILVA, Aracy Lopes
da, MACEDO, Ane Vera Lopes de Silva, crianças Indígenas ensaios
antropológicos. Globo: São Paulo 2002
TASSINARI, Antonella. Concepções indígenas de infância no Brasil:
revista. Tellus. Campo Grande, 2007
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INCLUSÃO DA CULTURA AFRICANA E
AFRO BRASILEIRA NA ESCOLA E A
ELABORAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO
Dyonathan de Morais33
Marinilse Netto 34
Luiz Carlos Pires35
Círculo de Diálogo 2: Culturas e saberes dos povos afros, caboclos e indígenas.
Resumo: Este trabalho esta situado no campo das artes e apresenta uma
proposta de composição de material didático sobre arte e cultura dos
povos africanos e afro-brasileiros. Entendendo que a escola é um espaço
para reflexão e promoção do respeito às diferentes ideias e manifestações
culturais e que a legislação brasileira (Lei 10.639/03 alterada pela Lei
11.645/08) tornou obrigatório o ensino da cultura afro-brasileira e indígena na Educação Básica, este trabalho valoriza e incentiva a produção
de materiais didáticos destinados ao ensino da cultura africana e afro
brasileira na escola. Nas ultimas décadas, houve um importante avanço
no que se refere à cultura negra na sociedade, mas apesar da legislação
vigente que institui a obrigatoriedade de conteúdos escolares sobre o tema
‗Africanidades‘, esse conteúdo nem sempre está presente no cotidiano da
escola, por vezes, não sendo contemplado no currículo. De acordo com
Chagas (2017) há projetos nas escolas que debatem a cultura afrobrasileira, mas por vezes, são tratados de modo pontual ou descontínuo.
O que se vê na escola e na sociedade em geral, é uma forte resistência por
parte de pais, alunos e até mesmo professores que, por falta de conhecimento sobre a sua importância, ou ainda, por falta de interesse, não tratam o tema em toda sua riqueza e diversidade. Ainda, há materiais didáticos e atividades escolares com visões distorcidas que contribuem para o
preconceito e a intolerância. Entende-se por material didático um conjunto viabilizador de estudos, práticas e experiências para o conhecimento e
33
34
35
Estudante de Pós-graduação em Contação de Histórias. Estudante do Curso de Música
– Licenciatura. Graduado em Artes Visuais – Licenciatura da Unochapecó. Contato:
dyonathanmorais@unochapeco.edu.br
Professora Doutora do Curso de Artes Visuais – Licenciatura da UNOCHAPECÓ.
Contato: marinilse@unochapeco.edu.br
Graduado em Artes Visuais – Licenciatura da Unochapecó. Contato:
luiz.c.prs@unochapeco.edu.br.
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segundo Araujo (2016, p. 25), ―podemos perceber que é necessário uma
articulação com a lei e seus princípios norteadores com os materiais didáticos‖. Como base metodológica o presente trabalho propõe a elaboração
de material didático tendo como referência mitos africanos e afrobrasileiros. A elaboração de cenários e fantoches para a narração dos
mitos coloca em voga o papel do Artista Professor, que aliado à pesquisa,
desenvolve sua própria metodologia, pautado em um contexto artístico/poético que oportuniza ao educando uma vivência significativa dos
conteúdos abordados, torna a sala de aula um espaço de investigação
através do pensamento e do fazer artístico (PIMENTEL, 2010). A Abordagem Triangular, desenvolvida por Barbosa (2009) e Barbosa e Cunha
(2010) contribui para fundamentação dessa proposta, tendo em vista que
seus três eixos: contextualização histórica, fazer artístico e leitura do fazer
do fazer complementam a metodologia do artista professor. No caso da
produção do material didático, a contextualização histórica acontece
durante a narrativa dos mitos sendo retomado na devolutiva dos educandos da leitura do fazer, que é síntese do que lhes foi apresentando, a leitura de imagem o apreciação do material construído, e a contemplação dos
resultados das práticas propostas. Ao ser desenvolvido na escola, o tema
contribui para a valorização da cultura afro-brasileira, inibindo o preconceito e intolerância acerca das Africanidades. Ressalta-se, portanto, a
importância da elaboração de materiais didáticos coerentes com a história da cultura africana e afro-brasileira de modo que possa combater questões racistas e promover uma educação voltada para debates sobre o lugar
e espaço do negro na sociedade.
Palavras-Chave: Arte. Inclusão. Mitos africanos. Mitos afro-brasileiros.
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Referências Bibliográficas
ARAUJO, Tiago da S. O ensino da história e cultura afro-brasileira e
africana na escola municipal de Capistrano - CE: Lei 10.639/2003.
Monografia. Universidade da integração Internacional da Lusofonia
Afrobrasileira – UNILAB. Especialização em Educação e Relações
Raciais. 2016, 33f.
BARBOSA, Ana M. A imagem do ensino da arte: anos 1980 e novos
tempos. 7 ed. São Paulo: Perspectiva, 2009.
BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2008/lei/l11645.htm>. Acesso em 16 de abril de 2018.
CHAGAS, Waldeci F. História e Cultura Afro-brasileira e Africana na
Educação Básica da Paraíba. Educação & Realidade, v.42, n.1, 2017.
PIMENTEL, Bruno R. Fruir, contextualizar e experimentar como
possível estratégia básica para investigação e possibilidade de diversidade
no ensino da arte: o contemporâneo, de vinte anos. In: BARBOSA. Ana
M; CUNHA, Fernanda P. da. A abordagem triangular no ensino das
artes e cultura visuais. São Paulo: Cortez, 2010, p. 211-225.
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KIKI, RITUAL PARA OS MORTOS E
PAICHINUCHIGA, A DANÇA DO ESPÍRITO:
INCLUSÃO DA CULTURA INDÍGENA NA
ESCOLA E A ELABORAÇÃO DE MATERIAL
DIDÁTICO
Lucas Oliveira Araujo36
Marinilse Netto37
Círculo de Diálogo 2: Culturas e saberes dos povos afros, caboclos e indígenas.
Resumo: Este trabalho esta situado no campo das artes e dos estudos
multiculturais. Apresenta uma proposta de composição de material didático sobre arte e cultura dos povos indígenas Ticuna e Kaingang, com
foco em seus rituais. Os grupos indígenas que ocupam praticamente todo
território brasileiro possuem distinções que caracterizam seus modos de
fazer, desde a produção do artesanato até a representação de seus rituais.
De acordo com Almeida (2013) os rituais indígenas são carregados de
símbolos e o mito possui tamanha força na sociedade Kaingang que é
possível perceber estes traços da narrativa em toda organização social
deste povo. (JAENISCH, 2010). No senso comum, os indígenas são vistos de forma genérica, como se cada grupo étnico se torna apenas um
grande grupo conhecido como indígenas, ou seja, não se olha para um
―indígena‖ e refere-se aquele indivíduo como um pertencente aos Kaingang, guaranis, charrua ou Ticuna. Também não se percebe a sua diversidade na língua, na organização social e no modo como enfeitam ou
pintam seus corpos. Por se constituir uma grande diversidade indígena há
elementos singulares, particulares, respectivos a cada etnia e localização
geográfica. A Lei 11.645/2008 (BRASIL, 2008) prevê conteúdos sobre a
cultura indígena no contexto escolar, buscando resgatar elementos que ao
longo do tempo estão sendo negligenciados. Contudo, de modo geral, as
escolas não possuem em seus currículos ‗um lugar‘ para conhecer a diversidade cultural brasileira. Quando se trata de enfocar o ‗conteúdo‘ indígena na escola, que se vê são atividades relacionadas ao seu modo de
36
37
Graduado em Artes Visuais – Licenciatura. Contato:
Professora Doutora do Curso de Artes Visuais – Licenciatura da UNOCHAPECÓ.
Contato:
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vestir, o que comem, onde vivem sem o contexto geral que os define. Por
vezes a escola repete informações distorcidas, carregadas de preconceito
numa visão genérica que não expõe a riqueza e diversidade destes povos.
O estudo de Rodrigues (2016) aponta um novo olhar sobre cultura indígena na escola. Como base metodológica o presente artigo seleciona e
analisa dois rituais indígenas caracterizando elementos similares e próprios em cada uma das etnias estudadas. O primeiro elemento de análise
é um documentário produzido pela Margot Produções em parceria com
vários outros projetos e instituições, o vídeo aborda um dos mais significativos rituais da cultura indígena kaingang, o ritual do kiki, realizado em
2011 na Aldeia Condá, no oeste catarinense. Já o segundo elemento de
análise trata-se de um documentário retirado da plataforma de vídeos
YouTube, que foi produzido pela Canoa Films em 2012 na comunidade
de Puerto Nariño, Amazônia Colombiana e aborda a cerimônia da Paichinuchiga (La Danza del Espíritu). Os rituais possuem elementos similares, o culto aos mortos, a dança e a apropriação de elementos espirituais.
Como resultado, este trabalho propõe a elaboração de conteúdos didáticos que mostrem a riqueza e a diversidade dos povos indígenas brasileiros, contribuindo para desmistificar a visão de que todos os indígenas
possuem as mesmas características e universos simbólicos. Ao ser desenvolvido na escola, o tema enriquece a visão da comunidade escolar em
relação aos povos que formaram a sociedade brasileira, garante a valorização da pluralidade e respeito, propõe espaço para garantir as prerrogativas dos direitos humanos e cidadania.
Palavras-Chave: Arte. Inclusão. Indígenas. Materiais didáticos.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Arthur M. de. Rituais indígenas na contemporaneidade
brasileira: a (re)significação de práticas corporais do povo Bororo. Revista Sociedade e Estado, v. 28, n. 2, 2013.
BRASIL. Lei nº 11. 645, de 10 de março de 2008. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2008/lei/l11645.htm>. Acesso em 16 de abril de 2018.
JAENISCH, Bregalda D. A arte kaingang da produção de objetos, corpos e pessoas: Imagens de relações nos territórios das Bacias do Lago
Guaíba e Rio dos Sinos, 2010. 176 p. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas programa de
pós-graduação em antropologia social. UFRGS. 2010.
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RODRIGUES, Walace. O ambiente escolar e a valorização cultural indígena. Periferia, Educação, Cultura & Comunicação, v.8, n.1, p. 106-122,
2016.
Vídeo Ritual do Kiki. Margot Produções, 2011.
Vídeo La danza del Espiritu. Canoa Films, 2011. Disponível:
https://www.youtube.com/watch?v=BKbSieAT8vM.
Acesso
em
12/04/2019
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POVOAMENTO PRÉ-COLONIAL DE XAXIM
(SC): A TRADIÇÃO TAQUARA-ITARARÉ E A
FASE XAXIM
Valdirene Chitolina
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SIMPÓSIO 4: Saberes e Lutas por Direitos: Bem Viver e Saberes
Indígenas
Resumo: esta pesquisa trata sobre o povoamento pré-colonial de Xaxim.
Ela oferece aos leitores abordagens sobre o grupo portador das antigas
tradições Taquara-Itararé (fase Xaxim), pertencentes ao tronco linguístico
dos Jê, atualmente reconhecidos pelas etnias Kaingang e Xokleng. Mencionam-se os sítios arqueológicos xaxinenses, que serão observados sob a
ótica dos pesquisadores Walter Fernando Piazza e Pedro Ignácio Schmitz, além de outros. Para tanto, as pesquisas bibliográfica, documental e
a história oral foram fundamentais na constituição do texto.
Palavras-chave: Xaxim. Fase Xaxim. Tradição Taquara-Itararé. Sítios
Arqueológicos.
38
Graduada em História pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Palmas (1992),
mestre em História Regional pela Universidade de Passo Fundo (2008), doutoranda em
História pela UPF, com a modalidade de bolsa Fupf 100%. Vínculo profissional:
Prefeitura de Xaxim. E-mail: <valdirenechitolina@yahoo.com.br>.
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O CONCEITO DE BUEN-VIVIR COMO UM
NOVO PARADIGMA PARA A RELAÇÃO
COM A NATUREZA
Claudemir Stanqueviski39
Círculo de Diálogo 2: Culturas e saberes dos povos afros, caboclos e indígenas
Resumo: A crise do modelo civilizatório ocidental se apresenta e se acentua sobre a lógica do capitalismo e suas nuances de desigualdades e destruição. Como alternativa para amenizar essas ações depredadoras, o
sistema capitalista apresenta a ideia de desenvolvimento sustentável, que
carrega dentro de si contradições irreconciliáveis com a preservação da
natureza (VIZEU, KANASHIRO MENEGHETTI, & SEIFERT, 2012;
FORNET-BETANCOURT, 2004). A ideia de continuidade desse sistema de produção e exploração, nutrida pela concepção das pessoas de
‗viver melhor‘, carrega em si a necessidade de consumo de mais produtos
e consequentemente perpetuando os problemas socioambientais. Trazemos a pesquisa bibliográfica que apresenta a ideia de Buen-Vivir ou Sumak Kawsak (DE JAEGHER, 2017; HOUTART, 2011), como um novo
paradigma para a vida em comunidade. Originária da cosmovisão dos
povos andinos, essa é uma concepção do mundo da vida a partir do contato com a natureza, substituindo a visão antropocêntrica de crescimento
econômico, pela visão biocêntrica, de harmonia com a natureza. ―El
Sumak Kawsay sería la vida en plenitud, la vida en excelencia material y
espiritual.‖ (PÉREZ-MORÓN & CARDOSO-RUIZ, 2014, p. 56), sendo
que na sociedade indígena se apresenta como um projeto de vida em
construção por meio da prática social. Tanto o governo boliviano, quanto
o equatoriano discutiram e acrescentaram em suas cartas magnas esse
princípio como fundador da sociedade. Essa é uma mudança da concepção civilizatória que apresenta um novo paradigma para a concepção
ocidental da relação de pessoas com a natureza, por meio da vida em
―comunidad, en condiciones de igualdad, de equidad, sin abusar de la
naturaleza y garantizando su equilíbrio‖ (PHÉLAN & GUILLÉN, 2012,
p. 182). Pensar uma nova sociedade – mais justa, solidária e sustentável,
39
Mestre em Educação. Professor do curso de Pedagogia da FAMA. Membro do Grupo
de Pesquisa PALAVRAÇÃO, documentação e registro ambiental. Contato:
stanqueviski@gmail.com
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a partir da concepção do Buen-Vivir significa reconhecer a natureza a
partir da outridade, e, portanto, com direitos. Uma proposta inovadora,
que vem dos povos andinos no contexto da crise ambiental para a construção de uma sociedade responsável pelo planeta através de um novo
pacto, que une a sociedade e a natureza por meio do Summak Kawsay.
Palavras-chave: Buen-Vivir. Summak Kawsay. Paradigma. Educação
Ambiental.
Referências Bibliográficas
DE JAEGHER, C. S. (31 de Janeiro de 2017). Dialogando la dignidad
para la Naturaleza a través del Suma Kawsay, Suma Qamaña y Kvme
Moge. RIDH, pp. 129-148.
FORNET-BETANCOURT, R. (2004). É a sustentabilidade uma perspectiva
interculturalmente sustentável? Elementos para a crítica de um conceito bem
intencionado porém insuficiente. Concordia.
HOUTART, F. (02 de Junho de 2011). El concepto de sumak kawsai
(buen vivir) y su correspondencia con el bien común de la humanidad .
ALAI, América Latina en Movimiento , pp. 10-25.
PÉREZ-MORÓN, L. Y., & CARDOSO-RUIZ, R. P. (31 de Janeiro de
2014). Construcción del Buen Vivir o Sumak Kawsay en Ecuador: una
alternativa al paradigma de desarrollo occidental. Cuenca: PYDLOS.
PHÉLAN, M., & GUILLÉN, A. (2012). Construyendo el Buen Vivir.
PYDLOS, pp. 293-311.
VIZEU, F., KANASHIRO MENEGHETTI, F., & SEIFERT, R. E. (07
de Setetmbro de 2012). Por uma crítica ao conceito de desenvolvimento
sustentável. Cad. EBAPE.BR, pp. 569–583.
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REARTICULAÇÃO DAS ESCOLAS
PÚBLICAS DO CAMPO NA REGIÃO
SUDOESTE DO PARANÁ: CAMINHOS DE
FORTALECIMENTO E FORMAÇÃO
Cecília Maria Ghedini40
Círculo de Diálogo 3: Saberes e cultura dos povos do campo e da cidade.
Resumo: Este trabalho discorre sobre um processo em curso na região
sudoeste do Paraná, iniciado em 2015, articulado em duas frentes de
ação: a rearticulação das Escolas Públicas do Campo na perspectiva da
modalidade da Educação do Campo e a criação de uma rede de formação continuada de professores do campo, vinculado UNIOESTE por um
projeto permanente de extensão imbricado com a pesquisa e se propõe-se
a atender a demanda das Escolas Públicas do Campo da rede estadual de
ensino - Ensino Fundamental anos finais e Ensino Médio. Objetivando
fortalecer as escolas públicas do campo com risco de fechamento, propondo-se para isso superar as lógicas da educação rural historicamente
existentes. Essa reorganização é político-pedagógica, no sentido de propor conteúdo e forma à modalidade educacional do campo e potencializar sua relação com o trabalho na perspectiva da agroecologia. A primeira frente toma por base a modalidade da Educação do Campo garantida
em Lei desde 2010 (Resolução MEC/CNE/CEB 04/2010), e atua com
os fundamentos e métodos da Educação do Campo nas práticas pedagógicas, com práticas que possibilitam a (re) inserção da escola na realidade
local e, regional, por meio de espaços possibilitados pelo Núcleo Regional de Educação (NRE) e a Articulação Sudoeste de Educação do Campo. A segunda frente de ação voltou-se para a formação continuada de
professores organizados pela Refocar – Rede de Formação de Professores
das Escolas Públicas do Campo – que, neste ano de 2019, passa a contar
com uma Plataforma on line que abriga a rede com o objetivo ampliar o
alcance da formação aos municípios e escolas, e responder às necessidades de conhecimento dos professores que atuam nas escolas públicas do
campo. Com esta descentralização e organização on line, atualmente
temos 180 professores organizados em 12 grupos de estudos. A partir dos
40
Professora adjunta do Curso de Pedagogia da UNIOESTE – Campus de Francisco
Beltrão. Grupo de pesquisa Educação, Formação Humana e Movimentos Sociais
Populares - GFHEMP. Contato: cemaghe@gmail.com
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processos em curso produziu-se um caderno que registrou as práticas a
fim de subsidiar o trabalho das escolas e no ano de 2018, realizou-se um
evento que reuniu as escolas: o I Encontro Nacional das Escolas Públicas
do Campo – I Enepuc, a partir do qual constituiu-se um Grupo de Trabalho que passou a produzir uma proposta para as escolas com risco de
fechamento, com diversas parcerias. Por todos os elementos acima expostos, acreditamos que este Projeto fortalece, de forma específica, o compromisso social da instituição e de seus professores com a Educação do
Campo.
Palavras-chave: Escolas Públicas do Campo; Fechamento de Escolas;
Educação do Campo.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação.
Resolução nº 4, de 13 de julho de 2010. Define Diretrizes Curriculares
Nacionais Gerais para a Educação Básica. Brasília: MEC, 2010.
Disponível
em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=articl
e&id=12992&Itemid=866>. Acesso em: 31 dez. 2012.
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EU QUERO UMA ESCOLA DO CAMPO QUE
TENHA A VER COM A VIDA DA GENTE41:
CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA
EXPERIÊNCIA EXTENSIONISTA DE
EDUCAÇÃO DO CAMPO EM NOVA
ITABERABA-SC
Willian Simões42
Locenir T. de Moura Selivan43
Juliana Bianchi Gilioli44
Airton Kerbes45
Círculo de Diálogo: Saberes e culturas dos povos do campo e da
cidade
Resumo: Objetivamos, com este trabalho, socializar resultados parciais
de uma experiência extensionista que vem ocorrendo desde o ano de
2018 junto à Escola do Campo em Tempo Integral Bela Vista (ECTI),
localizada no espaço rural do município de Nova Itaberaba, Região Geográfica Imediata de Chapecó, Santa Catarina. A referida experiência em
andamento faz parte de um programa de formação continuada de professores intitulado ―Nos Caminhos da Práxis‖, resultado de uma articulação
Trecho da música ―Construtores do Futuro‖, de autoria de Gilvan Santos, da obra
―Cantares da Educação do Campo‖. Expressa, neste texto, o sentimento dos
educadores, educadoras e da comunidade de Nova Itaberaba apreendida ao longo de
nossas oficinas de produção, para que os saberes e os fazeres comunitários sejam
respeitados nos processos de ensinar e aprender, que o conhecimento científico-didático
esteja compromissado com a vida no campo na sua relação com a cidade, que a escola
esteja compromissada com a formação integral de cada estudante, para que todos
possam arriscar voos mais altos – na ciência, na cultura, no trabalho e na produção de
tecnologia – tendo orgulho de suas origens, cultura, trabalho e identidade. A estes
professores e comunidade, nossos agradecimentos pela oportunidade de diálogo e
trabalho. Nossos agradecimentos, também, ao professor e prefeito da cidade Marciano
Mauro Pagliarini e ao secretário de educação Odenir Petroli.
42
Doutor em Geografia. Professor dos programas de Graduação e Pós-Graduação em
Geografia
da
Universidade
Federal
da
Fronteira
Sul.
Contato:
willian.simoes@uffs.edu.br
43
Mestra em Educação. Assessora em Educação na AMOSC. Graduada em Pedagogia pela
UNOCHAPECÓ. Contato: mouraloci@gmail.com
44
Pós-graduada em Psicopedagogia. Diretora de Escola Municipal em Nova Itaberaba.
Graduada em Pedagogia pela UDESC. Contato: julianabgilioli@yahoo.com.br
45
Pós-Graduado em Gestão Pedagógica. Orientador Pedagógico da Rede Municipal de
Ensino em Nova Itaberaba. Contato: op@novaitaberaba.sc.gov.br>
41
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entre a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS, Campus Chapecó), a Associação dos Municípios do Oeste de Santa Catarina (AMOSC)
e a gestão municipal de Nova Itaberaba. Trata-se de uma experiência que
nasceu com o objetivo de manter a escola supramencionada ofertando
escolarização no campo, da educação infantil aos anos iniciais do ensino
fundamental. Escolarização ancorada nos pressupostos da educação do
campo (SOUZA, 2016; GHEDINI, 2017; SIMÕES, 2018), da educação
integral e de jornada ampliada (de tempo integral) (CORÁ; LOSS; BEGNINI, 2012). Assim, consideramos essa uma experiência emblemática,
também, pelas contribuições que ela pode oferecer enquanto alternativa
político-pedagógica às políticas educacionais que induzem ao puro e
simples fechamento de escolas no espaço rural brasileiro e aos processos
de nuclearização nas sedes dos municípios. A matriz curricular passou a
ser composta por duas partes: uma, mais voltada aos componentes curriculares da Base Nacional Comum Curricular e; outra, constituída pelo
que estamos denominando de Atividades Curriculares de Tempo Integral
(ACTI), estas são oficinas pedagógicas que passaram a ser ofertadas no
período contraturno. Estas duas partes estão articuladas por macrocampos de conhecimentos, em que cada macrocampo é composto por um
conjunto de temáticas de interesse (ementa temática) que podem ser tomadas para o trabalho pedagógico interdisciplinar, tanto nos componentes como nas oficinas. É no ementário de alguns destes macrocampos que
podemos evidenciar a intencionalidade pedagógica em articular melhor o
processo de escolarização e os conhecimentos científico-didáticos aos
territórios de vida dos sujeitos do campo, neste caso: filhos e filhas da
agricultura familiar. A experiência em andamento, por meio de atividades pedagógicas já desenvolvidas por estudantes e professores – a exemplo da construção de uma horta escolar com base nas práticas e saberes
das famílias, da criação e cuidado de pequenos animais, da realização de
oficinas que trataram de assuntos como o cuidado com o solo e as sementes, os quintais produtivos, a alimentação saudável e a história da comunidade – nos permitem evidenciar que o território enquanto ―construção
coletiva e multidimensional, com múltiplas territorialidades‖, ou ainda
enquanto ―apropriação social do ambiente; ambiente construído com
múltiplas variáveis e relações recíprocas‖ (SAQUET, 2009) passou a ser,
ainda que de forma não tão consciente até o presente momento, um importante espaço-dispositivo capaz de contribuir em processos de ensino e
aprendizagem mais significativos aos estudantes. A ECTI Bela Vista já
conta, neste primeiro semestre de experiência, com cerca de 105 crianças
matriculadas (registrando um aumento inicial de, pelo menos, 30 novas
matrículas) e tem previsão de chegar em 2020 a 130 matrículas. Há em
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torno de 25 estudantes que estão percorrendo, por meio do transporte
escolar, o trajeto cidade-campo. O que tem permitido vivenciar a experiência de que uma escola do campo, com investimento, pode ser sim uma
referência aos que vivem no urbano. Sua matriz curricular, conforme
mencionado, assim como o desenvolvimento de atividades pedagógicas
já realizadas, tem nos permitido evidenciar relações escola-território de
vida, levando em consideração nos processos de ensinar e aprender na
escola, os saberes, as práticas, a cultura, o trabalho e as relações políticas
comunitárias, bem como, o desenvolvimento integral das crianças. Esta
ação vem se destacando na região e instigando outras iniciativas, como é
o caso do município de Águas Frias que implantou esta proposta no segundo semestre letivo. Outro dado relevante desta iniciativa, que a mesma, atende uma das metas do Plano Nacional e Municipal de Educação
que prevê a oferta em tempo integral das escolas públicas.
Palavras-chave: Escola do Campo; Escola de Tempo Integral; Educação
do Campo.
Referências
CORÁ, Elcio José; LOSS, Adriana Salete; BEGNINI, Sergio (Org.).
Contribuições da UFFS: para a educação integral em jornada
ampliada. Chapecó: Palotti, 2012.
GHEDINI, Cecília Maria. A Produção da Educação do Campo no
Brasil: das referências históricas à institucionalização. Jundiaí: Paco
Editorial, 2017.
SIMÕES, Willian. A Educação do Campo e desafios na atual conjuntura
política brasileira. In. TEDESCO, João Carlos; SEMINOTTI, Jonas
José; ROCHA, Humberto José da. Movimentos e lutas sociais pela
terra no sul do Brasil: questões contemporâneas. Chapecó: Ed. UFFS,
2018.
SAQUET, Marcos Aurélio. Por uma abordagem territorial. In.
SAQUET, Marcos Aurélio; SPOSITO, Eliseu Savério (Org.). Territórios
e territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Expressão
Popular: UNESP. Programa de Pós-Graduação em Geografia, 2009.
SOUZA, Maria Antônia de. Educação e movimentos sociais do campo:
a produção do conhecimento no período de 1987 a 2015. 2ª ed. Curitiba:
Ed. UFPR, 2016.
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O PAPEL DA CASA FAMILIAR RURAL DO
MUNICIPIO DE SAUDADES-SC NO
FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA
FAMILIAR E NA PERMANÊNCIA DOS
JOVENS NO CAMPO
Renata Hübner46
Willian Simões 47
Círculo de Diálogo 3: Saberes e cultura dos povos do campo e
da cidade
Resumo: Diante da crescente redução e envelhecimento da população
rural no Brasil, a permanência dos jovens no campo e a sucessão das
propriedades rurais se apresentam como um dos grandes desafios da
atualidade. Com o intuito de minimizar a problemática do êxodo rural e
frente à ameaça às condições de permanência no campo e de reprodução
social do campesinato, cresce a partir do final dos anos de 1990 um conjunto de reivindicações por políticas educacionais específicas voltadas aos
sujeitos do campo: a Educação do Campo. Caldart (2008) aponta que a
proposta de educação do campo impulsionada através das lutas dos movimentos sociais, busca estabelecer uma escola no espaço rural comprometida com a diversidade dos modos de vida dos agricultores e capaz de
fortalecer a identidade camponesa. No entanto, ao mesmo tempo em que
cresce a preocupação em estabelecer uma educação que também tenha
ancoragem nos territórios e territorialidades dos sujeitos do campo, o que
se observa é que ao longo dos últimos anos o número de estabelecimentos
de ensino na área rural esta diminuindo consideravelmente. Segundo o
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), em
2010, no Brasil o número de escolas em áreas rurais totalizava 79.388
unidades, já no ano de 2018, esse numero caiu para 57.609 estabelecimentos, isso demonstra uma diminuição de 27,43%, de escolas localizadas em áreas rurais no país nos últimos 8 anos. Um modelo de pratica
educativa que busca constantemente resistir nas áreas rurais e surge nesta
46
47
Mestranda em Geografia pela UFFS. Participa do Grupo de Pesquisa ―Espaço, Tempo
e Educação‖. Contato: renatahubnner@gmail.com
Doutor em Geografia pela UFPR. Professor nos cursos de Graduação e Pós-Graduação
em Geografia na UFFS. Membro do Grupo de Pesquisa ―Espaço, Tempo e Educação‖
e do Coletivo Enconttra. Contato: willian.simoes@uffs.edu.br
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proposta de construção da educação voltada à realidade do campo são as
Casas Familiares Rurais (CFR), situação geográfica em análise nesta
pesquisa. De maneira geral, estas escolas apostam no método da pedagogia de alternância, que consiste em alternar a formação dos jovens rurais
entre um tempo escolar e o tempo comunidade. Nessa perspectiva, por
meio desta pesquisa, busca-se analisar a experiência da CFR do município de Saudades, que surge como uma alternativa voltada à realidade e as
necessidades do campo e que exerce um papel alternativo à formação de
jovens agricultores da região oeste catarinense ao se propor articular o
trabalho com os conhecimentos científicos-escolares ao trabalho na agricultura familiar. Objetiva-se refletir sistematicamente em que medida a
referida CFR contribui com a permanência dos jovens no campo e potencializa as possibilidades de sucessão familiar das propriedades rurais no
município. Para isso, pretende-se analisar os Projetos Profissionais de
Vida desenvolvidos pelos jovens agricultores estudantes da CFR. Visando
atender os objetivos desta pesquisa, o desenvolvimento deste trabalho irá
envolver, além da pesquisa bibliográfica, o levantamento, análise de dados e informações de fonte primária e secundária, assim como pesquisas
de campo junto aos jovens estudantes e egressos da CFR. Cabe salientar
que esta proposta de pesquisa resultará em Dissertação de Mestrado junto
ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal
da Fronteira Sul (UFFS).
Palavras-chave: Êxodo rural. Juventude Rural. Casa Familiar Rural.
Sucessão familiar.
Referências Bibliográficas
CALDART, Roseli Salete. Sobre Educação do Campo. In:
FERNANDES, Bernardo Mançano [et al.]. Educação do Campo:
campo-políticas públicas-educação (org.), Clarice Aparecida dos Santos.
--Brasília: INCRA; MDA, 2008.
CATAIA, Márcio Antônio; RIBEIRO, Luis Henrique Leandro. Análise
de Situação Geográfica: notas sobre metodologia de pesquisa em
Geografia. In. Revista da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Geografia (Anpege), p. 9-30, v.11, n.15, jan-jun. 2015.
INSTITUTO NACIONAL
EDUCACIONAIS ANÍSIO
DE
ESTUDOS
E
PESQUISAS
TEIXEIRA. Sinopse Estatística da Educação Básica 2010. Brasília, DF,
2010. Disponível em: <http://inep.gov.br/sinopses-estatisticas-daeducacao-basica>. Acesso em: 02 abr. 2019.
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INSTITUTO NACIONAL
EDUCACIONAIS ANÍSIO
DE
ESTUDOS
E
PESQUISAS
TEIXEIRA. Sinopse Estatística da Educação Básica 2018. Brasília, DF,
2018. Disponível em: <http://inep.gov.br/sinopses-estatisticas-daeducacao-basica>. Acesso em: 02 abr. 2019.
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EDUCAÇÃO POPULAR E EDUCAÇÃO DO
CAMPO: OS SUJEITOS COMO ELO ENTRE
OS SABERES.
Raquel Ferron Lassig48
Círculo de Diálogo: Saberes e cultura dos povos do campo e da
cidade
Resumo: O texto busca compreender alguns aspectos na formação da
Educação Popular e o elo existente entre ela e a Educação do Campo. O
objetivo principal é investigar as contribuições dos saberes populares,
oriundos das experiências do estudante, no processo de aprendizagem
escolar, e, em especial, de que maneira os saberes cotidianos e os conhecimentos prévios dos educandos são tratados dentro das escolas do campo, como eles podem influenciar, ou não, na constituição da formação de
uma escola do e no campo. Ao resgatar a historicidade da Educação
Popular no Brasil, destacamos a importância do processo na criação de
políticas públicas educacionais, na formação de espaços de construção
coletiva. Percebe-se que a Educação Popular e a Educação do Campo se
complementam, tanto em suas bases teóricas quanto em práticas educacionais, que respaldam a formação sujeito. Segundo Ribeiro (2013, p.43):
―[...] a expressão campo remete às lutas históricas do campesinato, educação popular carrega o sentido das organizações populares do campo e
da cidade que, na sua caminhada histórica, participam, realizam e sistematizam experiência de educação popular‖. Dessa forma, reivindica-se
que a educação seja para todos, como Paulo Freire frisa e traz em várias
obras, fazendo a definição do que se espera de todos os sujeitos, que atrelado aos seus saberes possam consigo ter sua emancipação. Neste sentido, Freire (2015) diz que: ―a educação popular caracteriza-se por uma
forma de educar horizontal, dialógica, que respeita os saberes dos educandos e tem como princípios a ética, a solidariedade e a transformação
social‖. Nesse sentido é necessário contextualizar de que educação estamos tratando, de que sujeitos estamos atrelando nessa formação. São
sujeitos de pequenas comunidades, sujeitos esses do campo, que buscam
48
Mestranda do Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação da Universidade
da Fronteira Sul – Campus Erechim, vinculada à linha de pesquisa Não-formal: Práticas
Político-sociais. Acadêmica do Curso Interdisciplinar em Educação do Campo:
Ciências da Natureza. Contato:raquelferron@hotmail.com
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conciliar a teoria dos livros com a prática da vida cotidiana. A autora
Roseli S. Caldart frisa que a educação deve ser DO e NO campo. ―NO,
pois o povo tem direito a ser educado no local onde vive; DO: o povo
tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação, vinculada à sua cultura e as suas necessidades humanas e sociais‖ (CALDART, 2002, p.26). A partir dessa contextualização, Brandão
(2007), afirma que a educação vai além da escola, passando de geração
em geração por meio do convívio no meio social, em tantas formas que
muitas vezes parece ser invisível. Crianças e jovens são educados a partir
de sua presença nos momentos mais importantes de uma comunidade:
observar os rituais religiosos realizados pelos adultos, compreender as
regras e normas sociais de convívio em sociedade: isso também é educação e conhecimento, para além dos saberes escolares (BRANDÃO,
2007). Perante a essa condição, em que os indivíduos foram marcados
pela opressão e pela desigualdade social, há na sua contradição a formação dos sujeitos que lutam dia a dia para uma libertação, uma resistência
e uma ação transformadora capaz de ser ―fecunda, polêmica e diversificada‖ (BRANDÃO,2002). Desse modo, pode-se descrever a educação
popular como concepção pedagógica, com estratégias voltadas para a
realidade e a identidade cultural e cidadã de cada sujeito.
Palavras-chave: Educação Popular. Saberes populares. Educação do
Campo.
Referências Bibliográficas
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. 51. reimpr. São
Paulo: Brasiliense, 2007.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50. ed. rev e atual. Rio de
Janeiro: Paz e Terra,2011.
CALDART, Roseli Salete et al. (Org.). Dicionário da Educação do
Campo. Rio de Janeiro; São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venãncio; Expressão Popular, 2012, p.239-246.
RIBEIRO, Marlene. Movimento camponês, trabalho e educação:
liberdade, autonomia,
emancipação: princípio/fins da formação humana. São Paulo: Expressão
Popular, 2013.
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REFUGIADOS E MIGRAÇÕES FORÇADAS,
DIREITOS E DIGNIDADE HUMANA
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IMIGRAÇÃO, ENVELHECIMENTO E
INTERCULTURALIDADE NO BRASIL
Suelyn Maria Longhi de Oliveira49
Maria de Lourdes Bernardt50
Círculo de Diálogo: Refugiados e Migrações forçadas, Direitos e dignidade humana
Resumo: O presente estudo tem por objetivo refletir, de modo introdutório,
sobre o processo imigratório, contemplando a imigração como fator de equilíbrio econômico no Brasil, abordando conceitos junto ao envelhecimento populacional, e, em virtude dessa fator, um desequilíbrio econômico financeiro,
além do enfoque das relações de interculturalidade construídas no processo
imigratório. Compreender a relação da transição demográfica seja na esfera
nacional, estadual ou municipal com o processo de envelhecimento da população é essencialmente importante no contexto deste artigo. Nesse sentido, a
mobilidade consiste em um dos grandes desafios de todos os povos, pois o ser
humano, por inúmeras razões, está em constantes travessias cada vez mais
longas e distantes. Para isso, realizou-se um estudo do tipo exploratório, com
aporte na pesquisa bibliográfica, por meio da revisão de literatura sobre imigração, economia, envelhecimento e interculturalidade. A discussão ocorreu através da reflexão de diversos autores de bases teóricas de livros e artigos, caracterizando-se como uma abordagem qualitativa sobre o tema, na premissa de
reflexão sobre o impacto da migração perante o crescente envelhecimento
populacional e a estabilidade econômica do pais frente a essa demanda, bem
como as relações de interculturalidade possíveis advindo dessa questão. Os
resultados encontrados apontam para o processo migratório como perspectiva
de equilíbrio econômico no Brasil, sendo que esses contemplados por diversos
povos oriundos de outros países. Um fator importante é a inter-relação entre
imigração e a expressiva interculturalidade que acontece por meio da troca de
valores e experiências entre as diversas nacionalidades as quais contribuem
significativamente com a formação da cultura local.
Palavras-chave: Imigração. Envelhecimento. Interculturalidade.
49
50
Doutoranda em Desenvolvimento Regional pela. UTFPR. Grupo de pesquisa em
direitos humanos e envelhecimento. Contato: suelynlonghi@hotmail.com
Doutora em .Educaçõ Educação Coordenadora do Programa de Pós Graduação,
mestrado e doutorado em Desenvolvimento Regional na Universidade Federal
tecnológica do Paraná, campus Pato Brarnco.
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O ACESSO DE REFUGIADOS AO ENSINO
SUPERIOR BRASILEIRO NO ÂMBITO DA
CÁTEDRA SÉRGIO VIEIRA DE MELLO
(ACNUR)
Caroline Vidal Cabezas51
Irme Salete Bonamigo52
Círculo de Diálogo: Refugiados e Migrações forçadas, Direitos
e dignidade humana
Resumo: Refletir sobre políticas que promovam a integração social e
econômica das pessoas em situação de refúgio faz-se cada mais necessário a fim de que se promova um acolhimento sustentável de indivíduos
oriundos de contextos políticos e estruturais, muitas vezes, extremamente
diversos e detentores de sua própria bagagem de conhecimentos e culturas. Segundo o Relatório ―Turn the Tide – Refugee Education in Crisis‖
elaborado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados - ACNUR em 2017 com dados da UNESCO referentes a 2016, em
termos mundiais, apenas 1% dos refugiados consegue acessar o ensino
superior. Considerando esse cenário as universidades brasileiras têm
proposto políticas internas com o intuito de oferecer acesso ―facilitado‖ à
formação de nível superior, com base na Lei nº 9.474/1997. Nesse sentido, a ACNUR por meio da Cátedra Sérgio Vieira de Mello em parceria
com 11 instituições de ensino brasileiras (Fundação Casa de Ruy Barbosa; Universidade Católica de Santos-Unisantos; UnB; Universidade de
Vila Velha -UVV; UNICAMP; UFRR; UFSM; UFABC; UFES; UFPR
e; UFRGS), têm proposto entre outras ações, o ingresso facilitado de
pessoas em situação de refúgio a cursos de nível superior. A iniciativa
busca promover a integração e uma maior igualdade no acesso à educação por meio de processos diferenciados de ingresso, ficando a critério de
cada instituição a especificação das formas de análise, avaliação e sele51
52
Mestranda no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestrado Profissional em
Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais pela Universidade Comunitária da Região de
Chapecó (UNOCHAPECÓ). Contato: caroline.cabezas@unochapeco.edu.br
Doutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Pesquisadora e Professora Titular do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais e do curso de Psicologia da Universidade
Comunitária
da
Região
de
Chapecó
(Unochapecó).
Contato:
bonamigo@unochapeco.edu.br
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ção. Dessa forma, este estudo buscou analisar as informações disponibilizadas pelas instituições de ensino superior que possuem parceria com a
ACNUR quanto à essa possibilidade e por meio de análise dos Editais,
Resoluções e outros instrumentos disponíveis investigar sobre como se
dão os procedimentos de ingresso facilitado propostos e se, de fato, tais
procedimentos podem ser considerados acessíveis e inclusivos. Para isso,
foi realizada análise documental referente a legislação específica e demais
instrumentos utilizados na implementação das políticas de ingresso de
refugiados disponibilizados nas páginas da internet das 11 universidades
brasileiras que possuem parceria com a ACNUR. Os resultados obtidos
demonstraram que os Editais demonstraram-se abrangentes, incluindo
outras categorias além dos refugiados, como imigrantes em situação de
vulnerabilidade, solicitantes de refúgio e ingressantes no país decorrentes
de reunificação familiar. Contudo, observou-se que ainda há ausência de
informações relativas a oferta da possibilidade de ingresso facilitado por
parte de algumas instituições, assim como faltam informações precisas,
especialmente no que se relaciona à exigência do idioma, tanto para a
elaboração e entrega de Requerimentos e cartas para candidatura quanto
para a proficiência para acompanhamento das aulas, no caso de aprovação. Os Editais, as Resoluções e informações referentes ao tema nas páginas das instituições pesquisadas não são facilmente encontradas, podendo dificultar o acesso por pessoas que já possuem restrições quanto ao
idioma e quanto ao conhecimento das estruturas das instituições de ensino, mesmos fatores que também complexificam o cumprimento dos procedimentos para candidatura. No entanto, sugere-se outros estudos que
possam, a partir de uma consulta personalizada com cada instituição de
ensino,considerar informações que eventualmente não estejam disponibilizadas em meio on-line.
Palavras-chave: Refugiados. Direitos humanos. Ingresso facilitado. Ensino superior.
Referências bibliográficas:
ACNUR (Brasil) (Ed.). Relatório Anual 2017: Cátedra Sérgio Vieira de
Mello.
São
Paulo:
Acnur,
2017.
Disponível
em:
<https://www.acnur.org/portugues/wpcontent/uploads/2018/02/C%C
3%A1tedraS%C3%A9rgio-Vieira-DeMello_Relat%C3%B3rioAnual_ACNUR-2017.pdf>. Acesso em:11 jun. 2019.
BRASIL (Estado). Lei nº 9.474, de 24 de julho de 1997. Define
Mecanismos Para A Implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951,
e Determina Outras Providências. Brasília.
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SENTIDOS DA DISCURSIVIDADE: O QUE
NOS (RE)VELARAM AS CRIANÇAS
HAITIANAS QUE VIVENCIAM O PROCESSO
IMIGRATÓRIO ATUAL.
Jucélia Borsati53
Círculo de Diálogo 4: Refugiados e Migrações forçadas, Direitos e dignidade humana
Ao propormos compor esse estudo, buscamos compreender a produção
de sentidos e de subjetividades que emergem das práticas discursivas.
Para isso, nossa filiação teórico-analítica impulsionou-nos à linha ‗Práticas Discursivas e Subjetividades‘, justamente pelo que essa pesquisa se
propõe a investigar: a produção de sentidos e de subjetividades na perspectiva discursiva através da análise dos processos de significação e de
constituição de sujeitos em diferentes materialidades significantes. Deste
modo, a presente pesquisa se ampara no dispositivo teórico-analítico da
Análise de Discurso pecheutiana e por alguns fios na perspectiva de desconstrução derridiana, já que é por Derrida que constituímos a concepção
de ‗estrangeiro‘. O corpus constituiu-se por entrevistas semiestruturadas,
realizadas com nove crianças haitianas em situação imigratória inseridas
na rede municipal de ensino de Concórdia, cidade da região oeste do
estado de Santa Catarina. Ante o corpus, compreendemos as entrevistas
como a ‗escritura de si‘, ou seja, um modo do sujeito se dizer, de contar
sua história, buscando identificar-se: com o lugar, com a(s) língua(s) e
com o(s) outro(s). Ao escolhermos para a pesquisa o contexto imigratório
atual, ou seja, especificamente as crianças haitianas, essa pesquisa tinha
tudo para ser por ―Love‖, já que ―Love‖ seria a primeira aluna imigrante
haitiana a ingressar na escola da rede municipal de Concórdia no ano de
2016. Contudo, seus pais em diáspora, movimento esse considerado próprio dos povos haitianos, partiram de nossa cidade sem ser possível sabermos se retornaram ou não ao seu país de origem. Mas, mesmo sem
―Love‖, toda a escritura dessa nossa pesquisa constitui u-se no que traduzimos: em ‗amor‘. Salientamos que, ao longo do estudo, para fazermos
53
Mestre em Estudos Linguísticos pela UFFS – Campus Chapecó. Professora da
Educação Básica – Anos Finais no Município de Concórdia - Santa Catarina. Contato:
juceliaborsati@hotmail.com.
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referência do lugar social ocupado pelas ‗crianças haitianas‘, as mesmas
foram tomadas como ‗sujeitosimigrantes‘. Postulamos que os sujeitos
imigrantes constituem-se no entre-línguas, pois, ao emigrarem, se veem
em um outro lugar, uma vez que estão em contato não apenas com outra
língua que não a sua (o entre-línguas), mas também com outras culturas
(o entre-culturas). Por isso, pressupomos que da ‗escritura de si‘ do sujeito imigrante possam emergir marcas e efeitos de sentido que (re)velam
identificações, colocando-o em um não-lugar: o do conflito e do estranhamento. Diante disso, objetivamos interpretar os efeitos de sentido
produzidos por esses sujeitos-imigrantes,que (re)velam identificações com
a inserção nesse novo contexto. Pelas nossas análises foi possível evidenciarmos que o sujeito-imigrante, situando-se no espaço entre-línguas, se
vê em meio ao estranho: o lugar, o(s) outro(s), a(s) língua(s), a cultura,
tudo pode lhe causar estranhamento. Diante dos dizeres desses sujeitosimigrantes causou nos inquietação, pois percebemos que ao falar de si, de
um modoou outro, nos (re)velaram ser conflitante viver esse processo
imigratório, como também encontraram dificuldades de identificarem-se
nesse novo lugar.
Palavras-chave: Crianças Haitianas. Entre-línguas. Entre-culturas. Nãolugar. Processos de identificação.
Referências Bibliográficas
CORACINI, Maria José. A celebração do outro: arquivo, memória e
identidade: línguas (materna e estrangeira), plurilingüismo e tradução.
Campinas, SP: Mercado de Letras, 2007.
DERRIDA, Jacques. Anne Dufourmantelle convida Jacques Derrida a
falar da hospitalidade. São Paulo: Escuta, 2003.
ECKERT-HOFF, Beatriz Maria. (Dis)sabores da Língua Ma(e)terna: os
conflitos de um entre-lugar. In: CORACINI, M. J.; ECKERT -HOFF, B.
M. (Orgs.). Escrit(ur)a de si e alteridade no espaço papel-tela:
alfabetização, formação de professores, línguas materna e estrangeira.
Campinas, SP: Mercado de Letras, 2010.
______. Sujeitos entre-línguas em contextos de imigração: incidências na
subjetividade. Letras & Letras (Online), v. 32, p. 135-147, 2016.
Disponível
em
<http://www.seer.ufu.br/index.php/letraseletras/article/view/33640/1
9144 >. Acesso em 08 out. 2017.
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______. O discurso do Sujeito Professor em Formação: (Des)construindo
Subjetividades. Caderno Cedes. V. 35, n. 95, p. 91-106, jan. abr.,
Campinas: 2015.
ORLANDI, E. Puccinelli. Análise de Discurso:
procedimentos. 8. ed., Campinas: Pontes, 2009.
princípios
&
PAYER, Maria Onice. Memória da língua: Imigração e nacionalidade.
Tese de Doutorado pela Universidade Estadual de Campinas - Instituto
de Estudos da Linguagem. São Paulo: Unicamp, 1999.
PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do
óbvio. Trad. De Eni P. Orlandi. 3. ed., Campinas: Unicamp, 1997.
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IMIGRAÇÃO PARA O BRASIL: DESAFIOS
VIVENCIADOS POR IMIGRANTES
HAITIANOS
Sandra Buaski54
Maria de Lourdes Bernartt55
Círculo de Diálogo: Refugiados e Migrações forçadas, Direitos
e dignidade humana.
Resumo: Este estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla, em vista
disso, neste espaço, fez-se um recorte objetivando refletir sobre os principais desafios enfrentados no processo de imigração haitiana para o Brasil.
Para isso, foi realizado um estudo do tipo exploratório, com aporte de
pesquisa bibliográfica, por meio de materiais de diversos estudiosos da
área. Percebe-se que a vinda desses haitianos, para o Brasil, ocorreu a
partir do ano de 2010, contudo, segundo Zamberlam, et al (2014), esses
imigrantes, cuja migração faz parte de sua história, não tinham, a princípio, o Brasil como destino, mas como rota alternativa. Ao chegarem em
Manaus e Brasileia foram acolhidos por religiosos Scalabrinianos, e encaminhados para trabalhar em indústrias brasileiras que, à época, necessitavam de mão de obra. No Brasil esses imigrantes haitianos passaram a
buscar condições para ter uma vida melhor e uma oportunidade de emprego para auxiliar seus familiares que ficaram em seu país de origem,
contando com o acolhimento de entidades religiosas e da sociedade civil,
tais como Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), sediado em
Brasília(DF), Serviço Pastoral dos Migrantes, ONGs, órgãos governamentais e também pela população local. De acordo com Pereira (2016,
p.101), ―a acolhida a emigrante e refugiados constitui uma questão social,
ética, politica, cultural, econômica, humanitária‖. Nesse processo imigratório os haitianos têm se deparado com inúmeras dificuldades, dentre elas
a falta do domínio da língua portuguesa. Segundo Giacomini (2017), por
falarem o crioulo haitiano e alguns dominarem outros idiomas diferentes
do português, a necessidade de realizarem cursos específicos para conse54
55
Pedagoga. Docente da Escola Sant‘Ana. Mestranda do Programa de Pós-Graduação
em Desenvolvimento Regional, da UTFPR Câmpus Pato Branco. Contato:
sandrabuaski@yaoo.com.br
Doutorado em Educação. Docente do Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento
Regional,
UTFPR
Câmpus
Pato
Branco.
Contato:
marialbernartt@gmail.com
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guirem aprender a língua portuguesa colocou-se como fator fundamental
para a inserção no mercado de trabalho e na comunidade local. Outro
desafio destacado refere-se ao preconceito demonstrado por parte de
alguns nacionais, conforme Zamberlam et al (2014), os imigrantes são
considerados como ―usurpadores de postos de trabalho‖; e ainda alguns
empresários brasileiros consideram-nos como ―uma mão de obra barata‖.
Mesmo com as dificuldades vivenciadas, muitos haitianos estão conseguindo ter uma vida digna e passam a informar outros sobre vagas de
trabalho existentes. Notou-se também que a maioria trabalha em agroindústrias, nos comércios locais, e alguns deles já têm seus próprios empreendimento. Mesmo com dificuldades, eles têm conseguido enviar remessas de dinheiro para suas famílias, e a maioria já trouxe os filhos e esposa
por meio da reunificação familiar, além disso, outros tantos já estão nascendo neste País que os acolheu.
Palavras-chave: Imigração. Haitianos. Acolhimento. Desafios.
Referências Bibliográficas
GIACOMINI, Taize. Experiências de ensino de língua portuguesa para
haitianos em contexto educativo formais e não formais: um estudo no
município de pato Branco (PR) – Dissertação (mestrado) – Universidade
de Pós Graduação em desenvolvimento Regional. Pato Branco, PR,
2017.
PEREIRA, José Carlos. Acolhida a migrantes e refugiados: a ética da
pastoral do migrante e desafios para a democracia no Brasil.
TRAVESSIA – Revista do Migrante – n 79 – Julho – Dezembro / 2016.
ZAMBERLAM, Jurandir, et al. Os Novos rostos da imigração no
Brasil: haitianos no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Solidus, 2014.
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A TUTELA DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA: AMPARO AO ESTRANGEIRO NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Ana Paula Bullé Nunes de Carvalho56
Amanda Santa Rosa Dornelles57
Anna Letícia Maneli Dietrich58
Círculo de Diálogo: Refugiados e Migrações forçadas, Direitos
e dignidade humana.
Resumo: O princípio da proteção da dignidade humana representa uma
superação da intolerância, da discriminação e principalmente da incapacidade de aceitar o diferente. Segundo Barroso (2010, p. 254), a dignidade
humana está no núcleo essencial dos direitos fundamentais e a partir dela
se extrai a tutela do mínimo existencial e da personalidade humana. O
presente estudo, utilizando-se do método de pesquisa bibliográfico, tem
como objetivo analisar a maneira em que o estrangeiro é aceito em nosso
ordenamento jurídico, essencialmente através da perspectiva do supraprincípio da proteção da dignidade da pessoa humana. O texto constitucional também é conhecido e difundido como ―Constituição Cidadã‖, em
razão de seu rol extenso de direitos e garantias, sendo notório que os
cidadãos brasileiros possuem um aporte de instrumentos com a finalidade
de assegurarem a tutela da dignidade. A carta magna nos traz em seu art.
3º como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a promoção do ―bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação‖. Ademais, o art. 4º se
encarrega de tratar dos princípios que regem as relações internacionais,
destacando-se a prevalência dos direitos humanos, a cooperação entre
povos para o progresso da humanidade e a concessão de asilo político.
No entanto, em contraposto à este panorama, a Lei nº 6.815 de 1980,
instituidora do chamado Estatuto do Estrangeiro, que possuía como objetivo a regulamentação da situação jurídica do estrangeiro no Brasil, adu56
57
58
Graduanda pelo IFPR-Campus Palmas. Atua como estagiária voluntária no Cartório
Cível da Comarca de Palmas/PR. Contato: apcarvalho536@gmail.com
Graduanda pelo IFPR-Campus Palmas. Atua como estagiária na Delegacia de Polícia
Civil da cidade de Palmas/PR. Contato: asrdornelles@outlook.com
Graduanda pelo IFPR-Campus Palmas. Atua como estagiária do Ministério Público do
Estado
do
Paraná
no
da
Comarca
de
Mangueirinha/PR.
Contato:annaleticiamd@gmail.com
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zia logo no art. 1º um enfoque na segurança nacional, nos remetendo
uma ideia de hostilidade em relação ao visitante, tratando-o como diferente e com menor zelo que o cidadão nacional. Da redação de tal estatuto, era possível evidenciar que o estrangeiro representava uma ameaça
para a segurança nacional. Tal lei foi revogada pela Lei nº 13.445 de 2017
que instituiu a Lei de Migração, ao contrário do Estatuto do Estrangeiro
é possível verificar uma redação mais pacífica, à fim da promoção de
políticas públicas para o migrante e o visitante. Nesse viés, o art. 4º da
Lei de Migração estabelece ao migrante as mesmas garantias no território
nacional em condição de igualdade com os nacionais, assegurando à este
os direitos fundamentais. O século XXI nos trouxe o fenômeno da globalização como um grande marco. Tal fenômeno representa um movimento caracterizado pela aproximação de informações, de etnias e de povos.
Segundo Douglas Cesar Lucas (2013, p. 167), tal processo promove uma
deslocalização das relações sociais, fazendo com que as delimitações
territoriais percam sua força enraizadora, se tornando cada vez mais
difícil visualizar limites de cada povo e de cada cultura. À vista disso, é
notório que a migração tem se tornado cada vez mais frequente, é manifesto que a discriminação ao estrangeiro estaria em dissonância com a
nossa constituição, uma vez que o texto constitucional promove à promoção de igualdade à todos. A nova Lei de Migração traz uma proposta
completamente diferente do Estatuto Estrangeiro, trazendo um enfoque
maior aos direitos e garantia do migrante, rechaçando à discriminação e a
desigualdade.
Palavras-chave: Migração. Dignidade Humana. Estrangeiro. Garantias.
Referências Bibliográficas
BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional
Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção do novo
modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil.
Brasília,
DF:
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Federal,
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
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______. Decreto nº 9199, de 24 de maio de 2017. Lei de Migração.
Brasilia,
DF,
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20152018/2017/lei/l13445.htm>. Acesso em: 18 set. 2019.
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ISBN: 978-65-86218-01-5
______. Estatuto nº 6815, de 19 de agosto de 2019. Estatuto do
Estrangeiro.
Brasília,
DF,
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6815.htm>. Acesso em:
18 set. 2019.
LUCAS, Douglas Cesar. Direitos Humanos e Interculturalidade: um
diálogo entre a igualdade e a diferença. 2. ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2013. 320
p.
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REFUGIADOS E IMIGRANTES: A VIDA
LONGE DE CASA
Paulo Roberto Dalla Valle59
Sandra Pischeker60
Décio Pandolfi61
Círculo de Diálogo: Refugiados e Migrações forçadas, Direitos
e dignidade humana
Resumo: Este trabalho analisa uma reportagem do Jornal Folhasete de
Seara cujo objetivo era refletir sobre os motivos que atraem imigrantes
estrangeiros e de outras regiões do Brasil, em especial da região nordeste,
para o município de Seara/SC. Este aprofundamento investigativo empírico, apresenta algumas nuances desconhecidas pela própria comunidade
local, ampliando a compreensão dos motivos que contribuíram para que
estes ―desconhecidos‖ passassem gradativamente a pertencer à população
deste município. Foram colhidas informações in loco no Centro de Educação de Jovens e Adultos de Seara, por meio entrevistas, onde constataram-se histórias de superação, desafios, sonhos e de busca por melhores
condições de vida e oportunidades. Relatos que estampam no rosto as
marcas de lutas, de sofrimento. Imbuídos pelo desejo de um futuro melhor estima-se, de acordo com os dados apurados junto a Secretaria Municipal de Assistência Social do município de Seara, que aproximadamente 1.500 pessoas compõem a chamada população flutuante de Seara,
pessoas que, deixando para trás familiares, cultura e muitas histórias
almejam reconstruir suas vidas neste pequeno município. Dentre os aspectos mais comuns observados destacam-se: a fluência em vários idiomas, o que contribui para a diversidade cultural e social, as idênticas
histórias de vida e objetivos que convergem no desejo de melhorar as
59
60
61
Mestrando em Educação na Unochapecó. Professor da Rede Estadual de Ensino de
Santa Catarina, atuando como Integrador Regional de Educação na Supervisão
Regional de Educação de Seara. Grupo de pesquisa: Formação de Professores,
Produção do Conhecimento e Processos Pedagógicos/PPGE- Unochapecó. Contato:
paulodallavalle@unochapeco.edu.br
Jornalista Profissional – Graduada em Comunicação Social com Habilitação em
Jornalismo pela Universidade do Contestado, (UnC) Campus - Concórdia. Atua na
Editora
Belos
Montes
–
Jornal
Folhasete
de
Seara-SC.
Contato:
sandra.pischke@gmail.com
Jornalista profissional com registro no Ministério do Trabalho. Graduado em
Administração de Empresas e MBA em Gestão Empresarial. Sócio proprietário da
Editora Belos Montes – Jornal Folhasete. Contato: decio@seara.psi.com.br
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condições de vida, mesmo que longe de seu país ou estado de origem.
Atraídos pela possibilidade de conseguir emprego, muitos destes refugiados e imigrantes veem na educação a possibilidade de inserção no mercado de trabalho, uma vez que na maioria dos casos é preciso aprender o
português para conseguir interagir e se comunicar. A diversidade de línguas, culturas e histórias de vida que contrastam com as peculiaridades
de um povo do interior revela a necessidade de um olhar para estas diferenças. Observou-se que a maioria dos estrangeiros, refugiados e imigrantes são provenientes do Haiti, Marrocos, Síria, Egito, Senegal, Gana,
Paquistão, Venezuela, e, apesar das condições favoráveis de vida aqui,
não encontram, conforme dados obtidos, um programa municipal de
acompanhamento aos imigrantes, revelando fragilidade nas políticas
públicas de acolhimento, atenção e inserção destes na sociedade. Dentre
os vários motivos que levaram os imigrantes a deixarem seus países e
estados de origem estão as dificuldades financeiras, as difíceis condições
de vida e até mesmo a busca por refúgio das guerras e conflitos. Apontam
que um dos maiores problemas encontrados por aqui é a dificuldade de
comunicação e a inserção no mercado de trabalho, principalmente por
aqueles com maior escolaridade, ao passo que a hospitalidade e a não
discriminação são fatores apontados como relevantes. Pelo exposto, podemos inferir que a vida longe de casa de imigrantes e refugiados constituísse numa questão social, e que o uso dos meios de comunicação, especialmente os impressos, tendem a sensibilizar a população local, despertando o sentimento de inclusão, valorização, respeito à diferença e diversidade, buscando ainda reafirmar a necessidade de políticas públicas e
garantia dos direitos humanos como forma de tornar a sociedade mais
justa e igualitária, inserindo-os em nossa sociedade com a percepção de
pertencimento à mesma.
Palavras-chave: Imigrantes. Refugiados. Inserção social. Educação.
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EDUCAÇÃO SOCIAL E HISTÓRIA ORAL:
CONTRIBUIÇÕES PARA A DIGNIDADE
HUMANA
Lidiane Tania Ronsoni Maier
Círculo de Diálogo: Refugiados e Migrações forçadas, Direitos
e dignidade humana
Resumo: Migrar é um direito humano garantido pela Declaração Universal dos direitos do homem desde 1948. A Migração é um fenômeno
mundial. É histórica, permanente e necessária. Entende-se por migrante
aquele que se desloca; imigrante aquele que chega; e emigrante aquele
que sai. Apesar do atual cenário brasileiro, de disputas, desrespeito à
democracia e falta de alteridade, podemos identificar situações interessantes de interação entre a sociedade civil, empresas privadas e entidades
beneficentes no intuito de resgatar a dignidade humana, através de diretos básicos como o da Educação. Neste sentido, este artigo tem como
objetivo principal discutir uma experiência educacional desenvolvida no
município de Nova Erechim - SC, através de um projeto social de ensino
de língua portuguesa para migrantes Haitianos, desenvolvido em parceria
com a Prefeitura Municipal de Nova Erechim por meio da Assistência
Social e Secretaria de Educação, com a CIITY - Centro de Ensino de
Águas Frias - SC, com a empresa Daico Móveis, com a empresa KK
Móveis e com a Pastoral do Migrante. O relato de experiência se dará em
função da metodologia utilizada pela professora por meio de procedimentos que envolvem a História Oral, gravando depoimentos dos alunos, os
quais foram transcritos, textualizados e posteriormente utilizados como
documentos históricos, uma vez que utilizando estes procedimentos produzimos fontes orais, as quais possuem a mesma validade de qualquer
documento produzido e publicado, uma vez que a parcialidade destes
documentos é de conhecimento de toda sociedade educacional. O projeto
está em desenvolvimento desde meados do mês de agosto e conta com
uma turma de 27 haitianos, sendo 7 trabalhadores da empresa Daico
Móveis, 8 trabalhadores da empresa KK Móveis e 12 alunos encaminhados pela Pastoral do Migrante. Os resultados parciais mostram que as
maiores dificuldades enfrentadas pelos estudantes em seus atuais trabalhos giram em torno da dificuldade da língua, e isso gera um desentendimento em vários processos de comunicação entre chefia imediata e traba-
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lhador. Neste sentido tem se trabalhado na alfabetização e vocabulário da
Língua Portuguesa o que tem se mostrado uma prática interessantíssima
de troca de aprendizagem da língua e principalmente da cultura. O resgate das raízes, da cultura e o acolhimento educacional destes alunos tem
desenvolvido uma moção local, o que tem contribuído para o despertar e
para o interesse da sociedade local pelos resultados do projeto.
Palavras-chave: Migração Haitiana. Educação. Direito Educacional.
Mercado de Trabalho
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ATIVIDADES LÚDICAS NO ENSINO DO
IDIOMA PORTUGÊS PARA IMIGRANTES
HAITIANOS
Hildegard Susana Jung62
Charlene Bitencourt Soster Luz63
José Alberto Antunes de Miranda 64
Círculo de Diálogo: Refugiados e Migrações forçadas, Direitos
e dignidade humana
Resumo: Os fluxos imigratórios estão ocorrendo no contexto global e o
Brasil está acolhendo diferentes etnias, inclusive haitianos. Entretanto,
não basta o país receber essas pessoas, é preciso proporcionar oportunidades de aprendizado na educação formal e também de atuação profissional. O fato de o Haiti ter o francês como idioma oficial dificulta a comunicação com os brasileiros. Para contribuir nesse sentido, uma universidade comunitária do Rio Grande do Sul lançou um projeto para ensinar
o idioma português com foco específico aos imigrantes haitianos. Assim,
esse estudo tem como objetivo apresentar um relato de experiência das
aulas de português com uso de material lúdico para uma turma de imigrantes haitianos. O material lúdico foi compreendido como forma de
humanizar o ensino e proporcionar interação entre os estudantes para
que se sintam acolhidos, visto que deixaram seu país, na maioria dos
casos pela busca de maiores oportunidades. Como aporte teórico utilizou-se os seguintes autores: Alves e Zuse (2004) abordando o papel do
professor nas instituições, Santos (2007) tratando do lúdico na formação
do professor com, Santos (2005) mostrando o lúdico na aprendizagem de
língua estrangeira. Também foram utilizados Morán (2005) com as metodologias ativas e Ausubel (1982) com a aprendizagem significativa,
Freire (1996, 1997, 2000) com a pedagogia da autonomia do sujeito e
62
63
64
Doutora em Educação. Docente no curso de Pedagogia na Universidade La
Salle/Canoas. Integrante do grupo de Pesquisa Gestão nos Diferentes Contextos.
Contato: hildegard.jung@unilasalle.edu.br
Mestranda em Educação pela Universidade La Salle/Canoas. Contato:
charlenebs@gmail.com
Doutorado em Estudos Estratégicos. Assessor de Assuntos Interinstitucionais e
Internacionais e professor permanente do Programa de Pós-graduação em Direito e
Sociedade e do Curso de Relações Internacionais da Universidade La Salle. Contato:
jose.miranda@unilasalle.edu.br
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Muniz (2001) que discorre sobre a relação entre educador e educando.
Quanto ao lúdico, Castilho e Tonus (2008) tratam o lúdico na educação
de jovens e adultos e Fialho (2008) e Moratori (2003) mostram o lúdico
na aprendizagem e os jogos pedagógicos. Para a metodologia foi utilizado Gil (2008) e Yin (2001). O Termo de Cooperação a universidade e
com o acolhimento social também foi utilizado para essa pesquisa. Esse
estudo é de cunho qualitativo e a metodologia utilizada foi um estudo de
caso com relato de experiência e revisão de literatura. Dessa forma, foram realizadas observações na turma de trinta imigrantes haitianos, sendo vinte e oito homens e duas mulheres, com idade entre vinte e cinco e
quarenta anos. A maioria da turma está no Brasil há mais de três anos e a
intenção de estudar português é conseguir a proficiência no idioma para
recolocação profissional e cursar a graduação. Os resultados mostraram
que os materiais lúdicos contribuem para o desenvolvimento das habilidades linguísticas de ouvir, falar, ler e escrever; as atividades lúdicas possibilitam a compreensão do idioma português na rotina de vida dos estudantes; a aprendizagem do novo idioma é uma forma de aproximação da
cultura brasileira. Concluímos que a universidade brasileira não pode
ficar alheia ao tema da imigração e dos refugiados que, dia após dia,
batem à porta de outros países em busca de melhores oportunidades de
vida. Neste cenário, o ensino do idioma português para os imigrantes
haitianos colabora com o desenvolvimento pessoal e profissional, pois
possibilita melhores oportunidades no Brasil.
Palavras-chave: Ensino do idioma português, Atividades lúdicas, Imigrantes haitianos.
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fazeres. Disciplinarum Scientia. Série: Ciências Humanas. v..5, n.1, p.
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BICALHO, Delaine Cafiero.
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des-linguisticas. Acesso em: 16 set. 2019.
985
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ESTUDO COMPARATIVO ENTRE
CURRÍCULOS DO ENSINO FUNDAMENTAL
DO BRASIL E HAITI
Karin Aline Henzel 65
Círculo de Diálogo: Saberes e Lutas por Direito: Povos Migrantes e
Refugiados
Resumo: O referido estudo Objetiva comparar os currículos oferecidos
no Ensino Fundamental do Haiti e do Brasil, e as possíveis discrepâncias
e ou semelhanças entre os mesmos, uma vez que as crianças e jovens
haitianos que aqui chegam são inseridos nos anos (etapas) de acordo com
as turmas que frequentavam no seu país de origem. Com o intuito de
realizar uma revisão bibliográfica e documental e a partir destas, comparar os currículos do Ensino Fundamental do Haiti com os do Brasil, verificar se há diferenças e semelhanças curriculares entre os dois países,
analisar a influência destas possíveis disparidades no nível de educação
destas pessoas, quando inseridos no Ensino Fundamental brasileiro e
observar em que medida o currículo persegue a questão da equidade,
buscando atender a todos os educandos, de acordo com suas necessidades e dificuldades de aprendizagem. Propõe-se uma investigação com a
finalidade de contribuir mostrando as possíveis diferenças entre os currículos e sistemas de ensino dos países Haiti e Brasil. Busca-se a averiguação das implicâncias destas possíveis disparidades na educação de crianças e jovens imigrantes haitianos quando inseridos no Ensino Fundamental no Brasil. Quanto à relevância acadêmica e social, o presente estudo
visa contribuir na produção científica, para que as equipes pedagógicas e
professores observem se há disparidades na educação básica entre os dois
países, e busquem diminuir ou até mesmo sanar as possíveis lacunas
curriculares deixadas por esta mudança entre os sistemas de ensino. O
conhecimento sobre o problema, permitirá a busca de alternativas para
promover uma educação de qualidade para todos, inclusive os imigrantes
haitianos inseridos no contexto escolar brasileiro. Este estudo pretende
realizar a coleta e análise comparativa de documentos oficiais dos currículos do Haiti e do Brasil com enfoque qualitativo e bibliográfico, observando delineamentos, pressupostos e características dos mesmos. Serão
65
Mestranda em Educação pela UFFS. Professora de Ciências no Ensino Fundamental
no Município de Pinhalzinho/SC. Contato: karin.henzel@estudante.uffs.edu.br
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analisadas as etapas do Ensino Fundamental de ambos os países, bem
como os conteúdos existentes em cada etapa. Indico que este estudo está
em andamento, na sua elaboração e coleta de materiais para posterior
análise.
Palavras-chave: Currículo. Estudo Comparado. Imigrantes Haitianos.
Patrimônio, sustentabilidade e justiça ambiental
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EXPOSIÇÃO ERA TUDO MATO: REFLEXÕES
SOBRE O PATRIMÔNIO CULTURAL E
NATURAL A PARTIR DE ATIVIDADE DE
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
André Luiz Onghero66
Aline Bertoncello67
Mirian Carbonera68
Círculo de Diálogo: Patrimônio, sustentabilidade e justiça ambiental
Resumo: Esta apresentação aborda uma das atividades educativas desenvolvidas pelo Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina (CEOM/Unochapecó), a partir de um trabalho interdisciplinar entre história
e biologia e do diálogo entre projetos de extensão e cursos de graduação,
que resultou na exposição ―Era tudo mato: Impactos da atividades humana na biodiversidade ao longo da história do oeste catarinense‖. A
exposição teve como objetivo possibilitar a reflexão sobre o patrimônio
cultural e natural da região analisando as características de flora e fauna
da região e os resultados das ações humanas desenvolvidas no século XX.
A concepção da exposição ocorreu através realização de um estágio por
estudante do curso de Ciências Biológicas da Unochapecó no CEOM/Unochapecó, por meio de diálogo entre estudante e equipe técnica
do centro. Após o processo de elaboração e montagem da exposição, que
também contou com o apoio do Museu de Ciências Naturais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais, foram desenvolvidas
as práticas educativas com grupos escolares. As práticas consistiram em
explanação sobre a história da colonização da região oeste de SC, focando nos impactos sobre a biodiversidade. Em seguida, realizava-se a mediação na exposição e, por fim, professores e alunos respondiam questionários referente ao atendimento prestado. Dessa forma, no período entre
março e maio de 2018 foram atendidas aproximadamente 900 pessoas, e
66
67
68
Mestre em Educação pela Unicamp. Historiador do CEOM/Unochapecó. Contato:
andreo@unochapeco.edu.br
Mestranda em Ciências Ambientais pela Unochapecó. Educadora Patrimonial do
CEOM/Unochapecó. Contato: alinebert@unochapeco.edu.br
Doutora em Arqueologia. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Ambientais
e
coordenadora
do
CEOM/Unochapecó.
Contato:
mirianc@unochapeco.edu.br
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preenchidos 48 questionários. De modo geral, o retorno dos questionários foi positivo, com elogios ao atendimento adaptado às diferentes linguagens, atividades de fixação e a temática da exposição. Os professores
demonstraram entender que o CEOM contribui para aliar suas práticas à
valorização do patrimônio cultural e natural da região. As respostas propiciaram compreender o perfil dos visitantes, e adaptar as ações educativas às necessidades dos professores. Com base nestes elementos, foi possível concluir que as ações educativas realizadas em espaços informais de
ensino, como museus, podem contribuir para uma percepção mais abrangente sobre a biodiversidade, o patrimônio cultural e natural, bem como
as problemáticas associadas, de forma a estimular um maior comprometimento pela busca de mudanças ou tentar diminuir os impactos causados
pelas ações humanas sobre o ambiente. Esse trabalho permitiu socializar
o conhecimento histórico a partir de um diálogo interdisciplinar, proporcionando um olhar crítico aos problemas vivenciados pela sociedade
atual.
Palavras-chave: educação patrimonial, educação ambiental, biodiversidade.
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PATRIMÔNIO, LEGISLAÇÃO E
LICENCIAMENTO AMBIENTAL: ANÁLISE
DAS AÇÕES DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
EM PROJETO DE ARQUEOLOGIA
REALIZADOS NO OESTE CATARINENSE
(2012-2018)
Aline Bertoncello69
Mirian Carbonera70
Arlene Anélia Renk71
Círculo de Diálogo: Patrimônio, Sustentabilidade e Justiça
Ambiental
Este trabalho aborda a pesquisa em desenvolvimento no Mestrado em
Ciências Ambientais (Unochapecó). Tem como objetivo analisar as mudanças e adequações nas ações de Educação Patrimonial (EP) que são
desenvolvidas nos projetos de arqueologia vinculados ao licenciamento
ambiental, fazendo uma comparação entre as ações realizadas na vigência da portaria 230/2002 e as realizadas sob a Portaria nº 137, de 28 de
abril de 2016 e a Instrução Normativa 001/2015, todas lançadas pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Justifica-se o trabalho pela demanda crescente de projetos de impacto ambiental que exigem pesquisas arqueológicas e EP, bem como pela alteração de
diretrizes e exigências das portarias e do decreto mencionados acima. O
recorte para análise abrange ações de EP realizadas no oeste catarinense
entre 2012 e 2018. Serão analisadas ações de EP nos processos de arqueologia produzidos pelas empresas de arqueologia e entregues ao IPHAN.
Como resultado espera-se conhecer as atividades que vêm sendo realizadas na região e constatar se efetivamente houve mudanças a partir das
novas exigências impostas pela Portaria nº 137, de 28 de abril de 2016 e a
69
Mestranda em Ciências Ambientais pela Unochapecó. Técnica em Educação Patrimonial
do Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina (CEOM/UNochapecó) Contato:
alinebert@unochapeco.edu.br
70
Doutora em Arqueologia pela USP. Professora do Programa de Pós Graduação em
Ciências Ambientais e Responsável pelo CEOM/Unochapecó. Contato:
mirianc@unochapeco.edu.br
71
Doutora em Antropologia Social pela UFRJ Professora do Programa de Pós Graduação
em Ciências Ambientais. Contato: arlene@unochapeco.edu.br
992
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Instrução Normativa 001/2015. Com a análise dos instrumentos normativos vigentes e analisados até o momento, percebe-se o aumento da rigorosidade, no sentido de não mais aceitar ações pontuais que antes eram
concebidas como EP, incentivar e promover a participação da comunidade, a exigência de um profissional da área da Educação para compor a
equipe, entre outras exigências. Na prática, não foram percebidas mudanças, as atividades continuam sendo desenvolvidas de forma muito
semelhante ao que era feito anteriormente, muito voltadas ao público
escolar, por sua vez, o IPHAN apresentou ínfimas intervenções e solicitação de complementação das atividades. Fonte financiadora: CAPES.
Palavras-chave: Patrimônio Cultural, Licenciamento Ambiental, Arqueologia.
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O PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO
CATARINENSE: PROJETO:
RECADASTRAMENTO DE SÍTIOS
ARQUEOLÓGICOS DAS MESORREGIÕES
OESTE E PLANALTO DO ESTADO DE
SANTA CATARINA
Mirian Carbonera72
Vanessa B. Quintana73
Círculo de Diálogo: Patrimônio, sustentabilidade e justiça ambiental
Resumo: Pela importância que tem para a memória de nosso país, os
vestígios arqueológicos são parte integrante do patrimônio brasileiro e
protegidos por leis federais, através do Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional - IPHAN. O objetivo deste trabalho é apresentar os
dados parciais do projeto de recadastramento de sítios arqueológicos das
mesorregiões Oeste e Planalto do Estado de Santa Catarina desenvolvido
pelo CEOM/Unochapecó a pedido da 11 SR do IPHAN/SC. As principais metodologias aplicadas são: revisão bibliográfica, análise de imagens
satelitais e a visita aos sítios arqueológicos, visando atualizar os dados de
localização e principalmente seu estado de conservação. Até o momento
foram visitados mais de 170 sítios do tipo: céu-aberto, grutas, estruturas
subterrâneas e estruturas anelares. Estes sítios abrangem uma cronologia
que vai de 11 mil anos atrás até aproximadamente 300 anos antes do
presente, os vestígios referem-se a grupos de caçadores-coletores e de
sociedades complexas das unidades arqueológicas Guarani e ItararéTaquara. Dentre as principais formas de destruição e alteração dos sítios
está a agricultura, seguida de empreendimentos hidrelétricos. Há mais de
30 anos a legislação brasileira prevê o estudo e o resgate dos bens arqueológicas em áreas a serem impactadas por grandes projetos, entretanto, em
geral o salvamento é feito de forma parcial tendo em vista a quantidade e
o tamanho dos sítios, além disso como no estado de Santa Catarina boa
parte da bacia hidrográfica do rio Uruguai foi transformada em reservató72
73
Doutora em Arqueologia. PPGCA e CEOM/Universidade Comunitária da Região de
Chapecó (Unochapecó).
Mestre em História. Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó).
994
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IV Congresso Internacional Pluralismo Jurídico, Constitucionalismo, Buen Vivir, e Justiça Ambiental na América Latina
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rios, grandes áreas foram submersas e com isso muitos sítios estão submergidos. No tocante a destruição dos sítios pela agricultura, além da
dificuldade da gestão desses bens, está à falta de sentimento de pertencimento e conexão das comunidades com o patrimônio arqueológico. No
caso do oeste catarinense, a relação entre os bens arqueológicos e a sociedade é ainda mais acentuada e delicada tendo em vista os conflitos por
terras envolvendo agricultores e indígenas.
Palavras-chave: Sítios arqueológicos, preservação, estado de Santa Catarina.
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GEOENGENHARIA CLIMÁTICA,
PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E PARIDADE
DE PARTICIPAÇÃO: INTER-RELAÇÕES
NECESSÁRIAS PARA O FUTURO DO
PLANETA
Janyara Inês de Gasperi74
Tainá Rafaela Bigaton75
Henrique Lucas Rotava76
Círculo de Diálogo: Patrimônio, Sustentabilidade e Justiça Ambiental
Resumo: A baixa eficácia da política internacional de combate ao aquecimento global tem legitimado o aumento do interesse de atores não governamentais na busca por uma estratégia alternativa de salvação do
planeta: a geoengenharia climática. Geoengenharia é a tecnologia que
manipula o clima em larga escala para combater e reduzir as alterações
climáticas antropogênicas indesejadas (MARQUES; REIS, 2018). Não
há consenso científico sobre os efeitos potenciais dessa atividade sobre o
clima do planeta, que poderão ser favoráveis ou não. Essa incerteza científica é o campo de incidência do princípio da precaução (ARAGÃO,
2008). Por isso, o princípio da precaução deve nortear as pesquisas nessa
área, a qual exige regulamentação. A regulamentação da geoengenharia
climática deve partir de uma abordagem internormativa, coerente com os
potenciais efeitos que essa tecnologia irradia sobre diversas áreas, como
economia, meio ambiente e direitos humanos. Quando aplicada ao princípio da precaução, a internormatividade leva à combinação de três abordagens diferentes, mas complementares: a filosófica (a ética subjacente ao
risco aceitável), a econômica (o custo economicamente aceitável) e a
científica (os limites da definição ou técnicas de gerenciamento do risco).
Tais abordagens devem ser permeadas pela ponderação dos interesses em
jogo (GIUDICELLI-DELAGE; MANACORDA; D'AMBROSIO,
2016). O resultado da aplicação internormativa do princípio da precaução
deve se coadunar com a realização da Justiça Ambiental, que pressupõe a
paridade de participação das comunidades bivalentes (FRASER, 2011).
No contexto global, as comunidades bivalentes são identificadas como os
76
Mestrando em Direito pela UNOCHAPECÓ. Grupo de pesquisa Direito, Democracia
e Participação Cidadã. Contato: henrique.rotava@unochapeco.edu.br
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pobres do mundo, cuja capacidade de absorção de impactos negativos da
geoengenharia é reduzida (HOURDEQUIN, 2018). O objetivo do estudo
é analisar as inter-relações entre o princípio da precaução e a paridade de
participação na regulamentação da geoengenharia climática. A pesquisa
desenvolve-se através de uma abordagem qualitativa, de caráter exploratório e com enfoque construtivista social. Como técnica, adota-se a pesquisa bibliográfica e documental (CRESWELL, 2010). O resultado final
da pesquisa é de que a regulamentação da geoengenharia depende da
aplicação do princípio da precaução, aliado à paridade de participação
das comunidades vulneráveis mais afetadas por eventos climáticos, que é
um pressuposto de realização da Justiça Ambiental.
Palavras-chave: Geoengenharia climática. Riscos tecnológicos. Justiça
Ambiental.
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A PROPOSIÇÃO DAS GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE
PROPRIEDADE NA PÓS-MODERNIDADE
Mateus Andrade Gonzato77
Thiago Luiz Rigon de Araujo78
Resumo: O objeto do presente trabalho é a análise da relação da propriedade e a pós-modernidade com as principais fontes que lhe deram causa,
tendo como ponto de partida a percepção do Direito Romano de propriedade como o ponto de partida desse instituto, e sendo essa a base de
contraposição desta pesquisa, no sentido de ser uma nova forma de pensar a estrutura da propriedade na pós-modernidade. Para a realização
deste trabalho de pesquisa, utilizou-se método hipotético-dedutivo, tendo
como abordagem a perspectiva sistêmica, e, o procedimento metodológico utilizado foi da pesquisa bibliográfica e documental. A pesquisa bibliográfica acerca do Direito de propriedade pressupõe perquirir sua natureza para que então seja possível partir para alçadas maiores em relação as
peculiaridades da estrutura da propriedade pós-moderna. Contudo, o
presente trabalho trás a lume a relação conflituosa entre fatos relacionados com a propriedade e/ou a posse e as normas que as regulam na pós
modernidade, principalmente no que tange ao processo de elaboração e
efetividade das normas munidas por valores históricos precipuamente
individualistas. Nesse liame, é válido contrapor o Direito Romano como
dirigente do resultado individualista da propriedade, uma vez que este se
consolidou na common law, e após tornar-se civilista, infestou-se das
mais diversas influencias peregrinas, sendo a codificação assim uma necessidade e não uma convenção. Dessa forma, justifica-se a utilização de
um sistema aberto de normas baseado no caso concreto além de evitar o
leito de Procusto e o férreo monismo em relação a norma, levando em
consideração a reprodução sociocultural e valorizando a diversidade
étnica e a dimensão multicultural. Assim sendo, as inovações legislativas
no sentido de inéditas funções e papeis da propriedade (Ex: Plano diretor
participativo) fazem-se fundamentais a evitar a diluição do valor das
normas em um sistema político-normativo que prima pelo individualismo
e no acumulo de capital. Destarte, conclui-se haver a necessidade da
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superação da perspectiva do Direito Romano acerca da propriedade para
que assim possamos usá-lo como possibilidade para a amenização de
litígios e engendramento da lei. Ademais, a individualização da propriedade gerada pela revolução francesa e agravada pelo sistema capitalista
de produção responsável pela legitimação da desigualdade faz-se inevitável, e encontra seu contraposto nas garantias constitucionais e nas propriedades especiais e por isso normas inéditas voltadas a guarida destes
direitos são por sua vez fundamentais tal qual a função social da propriedade.
Palavras-chave: Direito de Propriedade; Constituição Federal; Pósmodernidade.
1000
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LIBERALISMO ECONÔMICO A QUALQUER
CUSTO? UMA ANÁLISE DO DISCURSO
LIBERAL DO MERCADO FRENTE A
SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL
Ana Paula Camargo79
Francieli Boito80
Maria Paula Zanchet de Camargo81
Círculo de Diálogo: Patrimônio, sustentabilidade e justiça ambiental.
Introdução: O direito constitucional ao meio ambiente equilibrado reflete
em diversos instrumentos e incentivos que visam à promoção da sustentabilidade a fim de que tal educação atravesse as gerações brasileiras,
garantindo e buscando equidade de acesso a todos os brasileiros e a inclusão do fator social ao meio ambiente natural. A contemporaneidade nacional, porém, expressou grandes descontentamentos sociais com ações
do governo principalmente na economia e nos programas sociais de cuidados com a natureza, criando – como uma tentativa de solução pátria -,
o discurso liberal do mercado como sendo uma solução para a cólera
econômica do Brasil, atribuindo mais liberdade ao mercado e aos empregadores com a mínima atuação do Estado sobre sua regulação e atos. O
liberalismo econômico possui a proposta do protagonismo do mercado
na sociedade, como o único ator capaz de regularizar a boa fluência da
economia e assim, o bem estar dos cidadãos, usando a livre concorrência
industrial e comercial, propriedade produtora sem fiscalização ostensiva
de leis, e quase extinção do pagamento de tributos. Esse atraente desiderato surge apresentando-se face aos princípios ambientais ecológicos,
79
80
81
Graduada em Direito pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó Unochapecó. Integrante do grupo de pesquisa em Relações Internacionais Direito e
Poder: Cenário e protagonismo dos atores estatais e não estatais da Unochapecó.
Contato: anadecamargo7@gmail.com
Doutoranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul –
UNISC. Integrante do grupo de pesquisa em Relações Internacionais Direito e Poder:
Cenário e protagonismo dos atores estatais e não estatais da Unochapecó Contato:
francieliboito@unochapeco.edu.br.
Graduanda em Direito pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó Unochapecó. Integrante do grupo de pesquisa em Relações Internacionais Direito e
Poder: Cenário e protagonismo dos atores estatais e não estatais da Unochapecó.
Contato: maria.camargo@unochapeco.edu.br
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uma vez que a essência daquele demonstra preocupação com o crescimento econômico puro, livre das algemas legais das regras do Estado e
outras matérias que não sobre vantagens de capital. É nesse cenário que a
problemática deste estudo se mostra a analisar, o mercado e a produção
usam como engrenagem recursos naturais para fabricar; transportar; e
descartar produtos, os quais todo dia geram milhares de toneladas de
material in natura colhido e lixo não orgânico, dando origem a obscura
relação entre a ideologia de promessas solucionadoras de livre mercado e
o futuro da sustentabilidade. Com isso, busca-se analisar uma proposta
que corresponda à necessidade dos dois polos e assim encontrar uma
solução benéfica. Metodologia: A base da pesquisa foi obras bibliográficas, seguida da análise de artigos e outros estudos das áreas das ciências
ambientais e econômicas, assim como suas atualidades. Resultados e
discussão: A emergência do novo modelo econômico no globo e no Brasil se mostra uma alternativa empiricamente segura e satisfatória contra
problemas de crise do país, obstante, a falta de controle estatal sobre os
processos de produção das indústrias pode causar graves impactos negativos de curto e longo prazo na natureza e sua manutenção sustentável.
Ao estabelecer tal equação, procurou-se o resultado mais favorável a
ambas as partes, para que seu desenvolvimento ocorra de forma transparente e respeitável. Conclusão: A pesquisa apresenta-se em andamento,
motivo que os objetivos não foram alcançados em sua totalidade.
Palavras-chave: Liberalismo econômico. Sustentabilidade ambiental.
Solução benéfica.
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A FRAGILIDADE DO PROJETO DE LEI
N°5051/2019 FRENTE À PROTEÇÃO
AMBIENTAL NA ERA DA INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL
Francieli Boito82
Maria Paula Zanchet de Camargo83
Ana Paula Camargo84
Círculo de Diálogo: Patrimônio, sustentabilidade e justiça ambiental.
Resumo: Com o avanço tecnológico e a intensificação do fenômeno da
globalização no cenário internacional, consequentemente, ocorreram
diversas transformações na sociedade global. Com isso, visualiza-se a
nova reconfiguração da arena mundial através da inserção de tecnologias
disruptivas e a crescente utilização da inteligência artificial (IA) no cotidiano da população, em especial, do território brasileiro. Assim, nota-se a
necessidade perante o Estado para o controle e limitação desses novos
mecanismos no espaço nacional, uma vez que o progresso no uso de
software, computação quântica e maquinários esteja avançando significativamente no setor laboral, social e ambiental. Dessa forma, criou-se o
Projeto de Lei n°5051/2019, que estabelece os princípios da utilização da
inteligência artificial no Brasil, o qual encontra-se em tramitação. Porém,
a partir do texto do presente projeto, identifica-se a precariedade protetiva
no âmbito ambiental, visto que não resta mencionado as garantias para o
futuro do desenvolvimento sustentável, nem a preocupação com o meio
ambiente diante dessas novas modalidades tecnológicas inseridas em
82
83
84
Doutoranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul –
UNISC. Bolsista Capes. Integrante do grupo de pesquisa em Relações Internacionais
Direito e Poder: Cenário e protagonismo dos atores estatais e não estatais da
Unochapecó Contato: francieliboito@unochapeco.edu.br
Graduanda em Direito pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó Unochapecó. Bolsista de Iniciação Científica (PIBIC/FAPE). Integrante do grupo de
pesquisa em Relações Internacionais Direito e Poder: Cenário e protagonismo dos
atores
estatais
e
não
estatais
da
Unochapecó.
Contato:
maria.camargo@unochapeco.edu.br
Graduada em Direito pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó Unochapecó. Integrante do grupo de pesquisa em Relações Internacionais Direito e
Poder: Cenário e protagonismo dos atores estatais e não estatais da Unochapecó.
Contato: anadecamargo7@gmail.com
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todo o planeta, o que por sua vez encontram-se totalmente inexploradas,
sendo demonstrada a urgência para criação de medidas efetivas na proteção ambiental no século XXI. Este estudo tem abordagem qualitativa,
utilizando-se o método dedutivo e a técnica de pesquisa bibliográfica. O
objeto de pesquisa é contemporâneo e de extrema importância para a
evolução e compreensão da sociedade internacional contemporânea. A
existência da inteligência artificial não é recente, porém, seu crescimento
repercutiu em diversas nações globalizadas nos últimos anos, fazendo
com que o progresso desse método se tornasse incontrolável e desenfreado. Dessa maneira, analisa-se a emergência da regulação estatal em torno
do tema, bem como elencando nos artigos do PL n°5051/2019 a necessidade de preservação e valorização para o desenvolvimento saudável do
meio ambiente no território nacional. Conclui-se, de modo preliminar,
uma vez que trata-se de uma pesquisa em andamento, a relevância da
inteligência artificial para o avanço da humanidade, todavia, é inegável a
indispensabilidade do interesse, principalmente, das autoridades formais,
na apreciação da dimensão ambiental para inclusão nas novas regulações
legislativas a serem criadas e sancionadas no Brasil, para que a sociedade
evolua sustentavelmente no contexto atual.
Palavras-chave: Projeto de lei n°5051/2019. Proteção ambiental. Inteligência Artificial.
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO
ESTRATÉGIA PARA MINIMIZAR O
IMPACTO DA OBSOLESCÊNCIA
TECNOLÓGICA PROGRAMADA NA
SOCIEDADE GLOBALIZADA: UM CASO NA
CIDADE DE CHAPECÓ/SC
Maria Paula Zanchet de Camargo85
Ana Paula Camargo86
Francieli Boito87
Círculo de Diálogo: Patrimônio, sustentabilidade e justiça ambiental.
Introdução: A obsolescência tecnológica programada tornou-se um instrumento fundamental das empresas para acelerar o fluxo de vendas e
estimular o consumo, diminuindo a vida útil dos produtos, motivo pelo
qual, são rapidamente descartados muitas vezes incorretamente produzindo um grande número de resíduos sólidos. Desse modo, ações educativas que envolvam comunidades e instituições locais objetivando estabelecer uma consciência ecológica são fundamentais para o desenvolvimento de práticas que estimulem a transformação comportamental dos indivíduos e empresas diante essa prática. Assim, com o estudo, pretende-se
apresentar a educação ambiental como método para minimizar o impacto da obsolescência tecnológica programada na cidade de Chapecó/SC.
Busca-se ainda, analisar o contexto histórico da obsolescência tecnológica
programada na região e suas consequências; desenvolver uma cartilha
com o objetivo de promover a educação ambiental e o conhecimento
85
86
87
Graduanda em Direito pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó Unochapecó. Integrante do grupo de pesquisa em Relações Internacionais Direito e
Poder: Cenário e protagonismo dos atores estatais e não estatais da Unochapecó.
Contato: maria.camargo@unochapeco.edu.br
Graduada em Direito pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó - Unochapecó. Integrante do grupo de pesquisa em Relações Internacionais Direito e Poder: Cenário e protagonismo dos atores estatais e não estatais da Unochapecó. Contato: anadecamargo7@gmail.com
Doutoranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul –
UNISC. Integrante do grupo de pesquisa em Relações Internacionais Direito e Poder:
Cenário e protagonismo dos atores estatais e não estatais da Unochapecó Contato:
francieliboito@unochapeco.edu.br
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sobre essa estratégia empresarial e seus meios de mitigação. A cartilha
poderá ser apresentada e distribuída em escolas municipais. Metodologia: Trata-se de pesquisa exploratória, com técnica bibliográfica, análise
documental e entrevistas (se necessário) com instituições locais (governamentais e privadas). Resultados e discussão: O conceito de obsolescência já é conhecido e praticado pela indústria catarinense, contribuindo
para resultados alarmantes quanto ao acúmulo e produção de resíduos
sólidos na cidade de Chapecó/SC. Essa estratégia é pouco conhecida
pela sociedade local o que torna a pesquisa importante e fundamental
para minimizar seu impacto e alcançar os objetivos do desenvolvimento
sustentável propostos pela Agenda 2030 da ONU. Conclusão: Por tratarse de uma pesquisa em andamento, não é possível ainda que de maneira
preliminar apresentar as devidas conclusões.
Palavras-chave: Educação ambiental. Obsolescência tecnológica programada. Chapecó.
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RAIA, FRONTEIRA E CONSERVAÇÃO
AMBIENTAL: UMA ABORDAGEM
GEOGRÁFICA SOBRE AS UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO NA REGIÃO FRONTEIRIÇA
DO NORTE GAÚCHO
Eliezer Bosa88
Reginaldo José de Souza89
Círculo de Diálogo: Patrimônio, sustentabilidade e justiça ambiental
Resumo: O presente trabalho é resultado de uma investigação sobre as
relações socioambientais na fronteira Rio Grande Do Sul/Brasil com a
província de Missiones/Argentina, a partir da ligação entre as unidades
de conservação: Parque Estadual do Turvo e Parque Provincial Saltos del
Moconá. Compreendemos que as unidades de conservação ecológica acima citadas, modificam/intensificam as relações de fronteira, sendo muito
além de um limite geométrico que divide os dois países. Estes parques
expressam as de maneira continua as dinâmicas da natureza, e são um
forte elo entre os territórios. O trabalho teve dois objetivos mais amplos:
1) identificar as diferenças legais que se refletem nos respectivos gerenciamentos das Unidades de Conservação, localizadas no município de
Derrubadas e El Soberbio. 2) entender a fronteira além de simples limite
administrativo. Os objetivos específicos da pesquisa foram: compreender
qual é a importância das referidas unidades de conservação na dinâmica
social dos municípios em que estão localizadas; configurar a raia como
um importante espaço e categoria de análise na Geografia, por ela ser o
lócus de relações socioambientais de aproximação entre os países; propor
ações e iniciativas que reforcem as relações raianas na região. Assim, os
procedimentos metodológicos foram: análise de documentos referentes a
leis e normas ambientais no Brasil e na Argentina. Levantamento bibliográfico, sobre conceitos estruturantes do trabalho, como: Raia, fronteira,
paisagem e conservação ambiental. Realização de trabalho de campo e
88
89
Mestrando do Programa de Pós Graduação em Geografia, na Universidade Federal da
Fronteira Sul (PPGGEO/UFFS). Contato: eliezerbosa@hotmail.com
Doutor em Geografia pela Unesp, Professor do curso de Geografia na Universidade
Federal da Fronteira Sul campus Erechim – RS. Contato: reginaldo.souza@uffs.edu.br
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visitas técnicas às sedes dos parques, que possibilitaram aprofundar o
conhecimento sobre as semelhanças paisagísticas que podem muito mais
unir do que separar o Brasil da Argentina nesse segmento da fronteira.
Dentro de nossa pesquisa bibliográfica destacamos o conceito de raia,
entendendo que, como defendido por Souza (2015), a raia expressa as
continuidades paisagísticas e culturais entre os territórios sendo lócus de
relações socioambientais, tendo sempre um elo entre os territórios, em
suma podemos entender que a raia expressa a semelhança entre os territórios vizinhos, em contraste a fronteira que expressa diferenças. Após
aplicarmos a metodologia, constatamos que a fronteira em questão é de
fato uma raia, que caracteriza-se por uma continuidade paisagística, marcada pela dominância de vegetação do bioma Mata Atlântica, preservada
na região. Outros aspectos importantes a serem comentados são as semelhanças culturais e históricas entre os municípios da raia. Porém percebese a ausência de políticas que potencializem estas relações socioambientais na raia estudada, a fim de dinamizar a região raiana, esta ausência de
políticas neste sentido reflete na pouco comunicação entre as unidade de
conservação (que fazem fronteira), e ausência de estruturas políticoadministrativas nos acessos entre os municípios raianos. Por fim, levantamos algumas proposições visando o aproveitamento das potencialidades da raia/raya, destacamos neste resumo duas propostas. A primeira, e
mais factível, seria a implantação de um posto de policiamento em território brasileiro, o que facilitaria a entrada legal de argentinos no país via
El Soberbio/Tiradentes do Sul. A segunda diz respeito à junção das unidades de conservação, tornando-se assim um parque binacional, explorando as potencialidades do ecoturismo na região.
Palavras-chave: Raia. Fronteira. Conservação ambiental.
Referências Bibliográficas:
SOUZA, Reginaldo José de. Raia Divisória ou Raia Sócioambiental?
Uma (re)definição baseada na análise da paisagem através do sistema
GTP. 2015. 166 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de
Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente
Prudente, 2015.
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SAÚDE, SEGURANÇA ALIMENTAR,
AGROECOLOGIA E
SOCIOAMBIENTALISMO
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O PAPEL DO CHEF DE COZINHA E A
IMPORTÂNCIA DA GASTRONOMIA COMO
INSTRUMENTO NA PROMOÇÃO DO
DIREITO À ALIMENTAÇÃO DE
QUALIDADE
Erika Sales Rocha Marques90
Círculo de Diálogo: Saúde, segurança alimentar, agroecologia e
socioambientalismo.
Resumo: O trabalho destaca a Gastronomia como fundamental para
alimentação adequada, de qualidade, balanceada e saudável como meio
garantidor do direito fundamental ao Ser Humano. Destaca o papel da
gastronomia na cadeia alimentar, ao considerar que a gastronomia, segundo Brillat-Savarin, ―(...) é o conhecimento fundamentado de tudo que
se refere ao homem, na medida em que ele se alimenta. E tem como objetivo ‗zelar pela conservação do homem por meio da melhor alimentação
possível‖ (2004). Muitos chefs e gastrônomos procuram, atualmente, em
seus restaurantes, fazer parte de movimentos que visam estreitar a relação
com o pequeno produtor agrícola, e ser, consequentemente, a ligação
com os consumidores e, assim, garantir uma alimentação mais saudável,
o acesso a um preço justo e a manutenção da biodiversidade. O direito à
alimentação de qualidade está na Declaração da ONU de 1948, contemplado no artigo 25 e, também na Constituição Federal (1988), por isso é
um tema que merece discussões e análises. A gastronomia assume um
papel de grande importância na alimentação. Os chefs de cozinha e gastrônomos estão envolvidos com tudo relacionado ao ato de comer. O
objetivo deste resumo é discutir a importância e a abordagem da gastronomia em relação Acesso à Alimentação. Complementarmente, avaliar
suas formas de contribuição para ampliar o acesso das pessoas a uma
alimentação adequada e de qualidade.
Palavras-chave: Gastronomia. Direito Fundamental. Alimentação. Qualidade.
90
Mestranda em Política Social e dinâmicas regionais pela Universidade Comunitária da
Região de Chapecó – UNOCHAPECÓ. Professora da Gastronomia da
UNOCHAPECÓ. Contato: erika@unochapeco.edu.br
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Referências Bibliográficas
Constituição
Federal.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>
Acesso em 15 de julho.2019
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <
https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf>.
Acesso em 15 de julho. 2009
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AGRICULTURA FAMILIAR E
GASTRONOMIA: PRODUÇÃO,
INGREDIENTES LOCAIS E A
RESSIGNIFICAÇÃO DA COZINHA
Erika Sales Rocha Marques91
Círculo de Diálogo: Saúde, segurança alimentar, agroecologia e
socioambientalismo.
Resumo: A gastronomia é um instrumento de transformação social. Aliada a agricultura familiar torna-se um mercado potencial, e, por isso, o
objetivo desse trabalho é aproximar a agricultura familiar do curso de
gastronomia da Unochapecó através da inserção dos alunos nas etapas da
produção e na cozinha pedagógica. Para a realização desse objetivo, são
importantes as seguintes ações: parcerias com o curso de agronomia e
associações de agricultores; realização de oficinas culinárias; aulas práticas e de campo; eventos gastronômicos; uso de ingredientes provenientes
da agricultura familiar nas disciplinas. Diante disso, iniciar-se-á discussões sobre a valorização dos insumos do pequeno produtor, pouco explorado nos restaurantes e pelo curso de gastronomia da Unochapecó, pois
este, tanto produz para subsistência, com para o mercado local. A universidade tem um papel importante na formação desses profissionais, pois
serão eles os sujeitos fundamentais nos restaurantes, na elaboração de
pratos, na escolha do cardápio e dos fornecedores de insumos ou na gestão dos estabelecimentos. A proximidade com a agricultura familiar e a
valorização do seu modo de produção artesanal tem sido pauta de muitas
discussões na atualidade e tem movimentado a gastronomia contemporânea que vem utilizando de maneira crescente ingredientes locais e/ou
orgânicos (ZANETTI E SCHENEIDER, 2019). É valioso (re)conectar
quem produz com quem transforma e consome. Instigar os futuros profissionais a olhar o alimento além do fornecimento de nutrientes, elaboração e resultado de receitas, faz com que se respeite todas as funções que
carregam histórias, tradições e cultura de um povo. Em Chapecó faltam
iniciativas que demonstrem a importância da gastronomia na promoção
do desenvolvimento regional, pois observa-se uma homogeneização nos
91
Mestranda em Política Social e dinâmicas regionais pela UNOCHAPECÓ. Professora
da Gastronomia da UNOCHAPECÓ. Contato: erika@unochapeco.edu.br
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cardápios dos restaurantes. Há uma forte preocupação com preço e quantidades das porções oferecidas, além de servirem em quase todos os estabelecimentos ―os mesmos alimentos‖ (pizzas, xis, etc.). Portanto, há uma
ausência de comida regional e tipicamente cultivada pela agricultura
familiar – esta cheia de significados e simbologia. O papel do chef e da
gastronomia vem mudando nos últimos anos (DÓRIA, 2014). Seu protagonismo vai além do ato de cozinhar, pois cozinhar transforma a correlação entre produção e consumo na vida das pessoas (POULAIN, 2014).
Os profissionais da cozinha assumem o desafio e são figuras importantes
no mundo alimentar, pois são elos e articuladores das relações entre agricultores, consumidores e mídia. Atribuem valor aos alimentos e os ressignificam e mobilizam outros atores da sociedade para as questões voltadas ao consumo alimentar, promovendo os agricultores e suas produções em seus restaurantes (DORIGON, 2019). A metodologia utilizada
para o artigo foi pesquisa documental, revisão bibliográfica e artigos relacionados ao tema. Complementarmente, foram realizadas visitas à feiras
de produtos coloniais e agroecológicos da cidade, e uma atividade proposta para os alunos da disciplina de cozinha contemporânea em julho de
2019. Preliminarmente, foi observado na atividade desenvolvida que
apenas uma família de produtores fornece seus insumos para dois estabelecimentos que trabalham com serviço de alimentação. Pertinentemente,
surge o questionamento sobre a não valorização dos ingredientes locais
nos restaurantes e quais barreiras existem para que a relação entre a produção familiar e a gastronomia.
Palavras-chave: Gastronomia. Ingredientes. Cozinha. Valorização.
Agricultura Familiar.
Referências Bibliográficas
DORIA, Carlos Alberto. Formação da culinária brasileira. São Paulo:
Três estrelas, 2014.
DORIGON, Caio Bonamigo. Da roça ao restaurante: um estudo sobre
redes alimentares de qualidade diferenciada na Serra Gaúcha. Programa
de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. 2019.
POULAIN, Jean-Pierre. Sociologias da Alimentação: Os comedores e o
espaço
social alimentar. Florianópolis: Editora da UFSC, 2004.
ZANETI, Tainá, SCHNEIDER, Sérgio. Brasil: A contribuição da
gastronomia para o fortalecimento da agricultura familiar. Disponível
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ISBN: 978-65-86218-01-5
em
http://fidamercosur.org/claeh/experiencias/experiencias-en-laregi%C3%B3n/831-brasil-a-contribui%C3%A7%C3%A3o-dagastronomia-para-o-fortalecimento-da-agricultura-familiar>. Acesso em
17 abril.2019.
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VEGETARIANOS À MESA: TRANSIÇÃO
ALIMENTAR, CONFLITOS E RESISTÊNCIAS
Gerson Junior Naibo92
Tayane de Oliveira93
Claiton Marcio da Silva94
Círculo de Diálogo: Saúde, segurança alimentar, agroecologia e socioambientalismo.
Resumo: O vegetarianismo é uma alternativa por um estilo de vida. Segundo Nelson Pedro (2009), o consumo de sua dieta é composto por
alimentos de origem predominantemente vegetal, e ―muitas são as razões
que levam os indivíduos a adotarem a dieta [...]‖ (COUCEIRO;
SLYWITCH; LENZ, 2008). A transição para tal hábito alimentar resulta
em uma reorganização no cardápio, que muitas vezes implica diretamente nas relações sócio-afetivas, no círculo familiar e de amizades, nos quais
os sujeitos estão inseridos. Tal inserção, em alguns momentos, se apresenta como restritiva: esses hábitos passam a ser antagônicos e heterogêneos já que o diálogo com as diferenças no mundo contemporâneo se
mostram intolerantes, acirrando as diferenças no meio cultural – desde a
diversidade étnica, de gênero, alimentar e social. De acordo com Laraia
(2007), a prática de discriminar aqueles que pensam e agem diferente por
pertencerem a outro grupo é comum de ser avistado dentro de uma mesma sociedade. Desta forma, este trabalho tem por objetivo, analisar os
conflitos originados pelo processo de transição alimentar de pessoas vegetarianas, por meio das experiências vivenciadas e de observações realizadas com o Coletivo Vegetariano da Universidade Federal da Fronteira
Sul – UFFS, Campus Chapecó. Sendo que, no período de transição a
resistência social é mais perceptível e posterior a isso, as pessoas com as
quais se estabelecem relações mais próximas (família e amigos) se tornam
mais harmônicas e naturalizadas. A não aceitação das diferenças ainda é
92
Estudante de Geografia - Licenciatura, Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS,
Campus Chapecó, Bolsista de Iniciação Científica (CNPq). Integrante do Núcleo de
Estudos Território, Ambiente e Paisagem – UFFS/SC e do Grupo de Pesquisa Espaço,
Tempo e Educação - UFFS/SC. Contato: gersonjrnaibo@outlook.com.
93
Estudante de Geografia - Licenciatura, Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS,
Campus Chapecó, Bolsista de Iniciação à Docência (CAPES), Subprojeto Geografia.
Contato: tayaneoli_veira@hotmail.com.
94
Doutor em História. Professor da UFFS. Integrante do Fronteiras: Laboratório de
História Ambiental da UFFS. Contato: claiton@uffs.edu.br.
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presente após este período inicial de identificação como vegetariano,
mesmo que em menor intensidade e impacto psicossocial as divergências
não deixam de existir, se tratando de um conflito identitário. Essas discórdias e conflitos se estabelecem por meio das relações cotidianas, com a
mais vasta amplitude de ideias e relações sociopolíticas, tais como: comentários e ―piadas‖ inconvenientes e que desconsideram as pautas defendidas pelos vegetarianos, muitas com o intuito de deslegitimar e sobrepor as suas próprias ideias de forma violenta e ofensiva, tornando
essas relações frágeis e tênues. Outros conflitos são percebidos pela falta
de conhecimento da sociedade em geral, exemplo disso são os serviços
oferecidos em lojas de produtos alimentícios, bem como bares, restaurantes e lanchonetes, onde é comum ouvir frases que ferem a própria identidade do vegetariano, tais como: ―temos salgado de presunto e queijo,
aceita?‖ e ―Mas você ainda come peixe, certo?‖. Nestas frases e outras,
que se repetem inúmeras vezes na vida de um vegetariano, fica explícito o
desconhecimento do que é ser um vegetariano e do que é considerado
carne ou derivado desta matéria prima. Desta forma, conclui-se que há
uma carência de conhecimento por parte das pessoas onívoras, que na
maioria das vezes não compreendem quais são os motivos e nem como
são as restrições alimentares de um vegetariano. Deste modo, promovem
atitudes prejudiciais aos mesmos. Elencamos também, neste sentido, que
a mídia tem um grande potencial para disseminar o conhecimento que na
maioria das vezes se torna limitado a uma parcela da sociedade, que são
as próprias pessoas que aderem a tal hábito.
Palavras-chave: Vegetarianismo. Relações sócio-afetivas. Intolerância.
Referências Bibliográficas
COUCEIRO, Patricia; SLYWITCH, Eric; LENZ, Franciele. Padrão
alimentar da dieta vegetariana. Einstein, v. 6, n. 3, p. 365-373, 2008.
Disponível
em:
<http://www.cookie.com.br/site/wpcontent/uploads/2014/11/padrao_alimentar_da_dieta_vegetariana.pdf>
. Acesso em 28 ago. 2019.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar 21. ed., 2007.
PEDRO, Nelson. Dieta vegetariana: factos e contradições. Medicina
Interna, v. 17, n. 3, p. 173-178, jul./set. 2010. Disponível em:
<https://www.spmi.pt/revista/vol17/vol17_n3_2010_173_178.pdf>.
Acesso em: 01 set. 2019.
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O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO
ADEQUADA: UMA NORMA JURÍDICA
CONTRA O NEOLIBERALISMO
Ana Carolina Avelino95
Josiane Aparecida Grossklaus96
Thais Aparecida Cordeiro97
Círculo de Diálogo: Saúde, segurança alimentar, agroecologia e
socioambientalismo
Resumo: Na legislação brasileira, a alimentação é um direito de nível
constitucional e é posto na Constituição como um direito social no art.
6º. O Brasil também é um dos países signatários do Pacto de São José da
Costa Rica que possui em seu protocolo adicional, no artigo 12º, a alimentação como direito. Já na legislação brasileira infraconstitucional, a
efetividade da alimentação é regulada pela Lei nº. 11.346/06 que criou o
Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) com
vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada que não só
ratifica a garantia da alimentação como um direito, mas dita as regras
que servem de diretrizes para a criação de políticas públicas para que o
alimento se faça presente na vida dos brasileiros atendendo as exigências
da segurança alimentar e nutricional (SAN). Essa normatização jurídica
se faz imprescindível em nossa economia cada vez mais neoliberal, porque o Estado se omite em regular a produção alimentícia, por exemplo,
deixa de financiar a produção dos agricultores, e assim, possibilita um
ambiente livre para que as Corporações, como a Cargill, façam esse financiamento (GOLDFARB, 2014, p. 73) e em contrapartida exigir um
padrão de grãos que barateie o processamento do produto na indústria
para lançar no mercado uma comida-porcaria, acessível a todas as rendas, que vai maximizar os seus lucros. No Brasil, esse movimento de
financiamento privado se verificou com a ascensão neoliberal na década
Graduanda em Direito pelo Instituto Federal do Paraná (IFPR) - Campus Palmas – Atua
como estagiária na Coordenação Contábil Financeira e Orçamentária do IFPR Campus Palmas/PR. Contato: anacarolinaavelino@outlook.com
96
Graduanda em Direito pelo Instituto Federal do Paraná (IFPR) - Campus Palmas – Atua
como assessora parlamentar na Assembleia Legislativa do Paraná. Contato:
jogrossklaus@gmail.com
97
Graduanda em Direito pelo Instituto Federal do Paraná (IFPR) - Campus Palmas.
Contato: thaiscordeiroc@gmail.com
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de 80, que possibilitou uma reorganização dos agentes econômicos agropecuários (MAZZALI, 1995, p. 8). Neste sentido, a produção de alimentos no modelo neoliberal não atende as demandas da SAN, pois não
produz alimentos com qualidade nutricional, tanto é, que podemos ver a
adição de vitaminas em produtos industrializados, que em tese, já deviam
possui-las, e senão, essa não seria sua fonte natural. No mesmo sentido, a
produção e distribuição massificada (CANESQUI, et al, 2005, p. 10)
característica do neoliberalismo exclui o caráter social da alimentação
que possui a função de firmar a identidade alimentar dos povos, justamente porque massificam e homogeneízam tudo, inclusive os alimentos.
Portanto, a importância de tal regramento da Lei nº. 11.346/06 se mostra
porquanto esse direito não se trata somente sobre possuir alimento para
consumir, mas principalmente, quais são as quantidades disponíveis do
alimento e seu nível de qualidade nutricional. Por isso, quando tratamos
do direito humano à alimentação, inserimos o adjetivo ―adequada‖ para
expressar o entendimento acerca do direito à alimentação que assegura
que ela seja saudável em quantidade e qualidade nutricional, e que respeite o aspecto social de cada cultura alimentar. Para tanto, foi utilizado a
pesquisa bibliográfica, e por fim, constata-se que direito humano à alimentação adequada e neoliberalismo não se complementam, mas se
excluem, e desde sua ascensão, o neoliberalismo impede que o alimento
assegurado nos ditames da SAN faça-se presente na vida das pessoas.
Palavras-chave: Direito Humano à Alimentação Adequada. Segurança
Alimentar e Nutricional. Neoliberalismo.
Referências Bibliográficas
BRASIL, Lei nº 11.346/06 de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em
assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras
providências.
BRASIL. Decreto Nº 3.321 de 30 de dezembro de 1999. Protocolo
Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria
de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador).
CANESCHI, Ana Maria; GARCIA, Rosa Wanda Diez (org) et al.
Antropologia e nutrição: um diálogo possível. Rio de Janeiro: Editora
FIOCRUZ, 2005.
GOLDFARB, Y. Financeirização, poder corporativo e expanção da
soja no estabelecimento do regime alimentar corporativo no Brasil e
Argentina: o caso da Cargill. 2013. 212 f. Dissertação (Doutorado em
1018
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ISBN: 978-65-86218-01-5
Geografia Humana). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
MAZZALI, L. O Processo Recente de Reorganização Agroindustrial:
do complexo a organização em rede. 1995. 293 f. Dissertação
(Doutorado em Economia de Empresas) - Escola de Administração de
Empresas, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 1995.
1019
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GRAN PALADARE:
ATIVIDADE LEITEIRA E
DESENVOLVIMENTO RURAL
Daiane Pavão98
Círculo de diálogo: Saúde, segurança alimentar, agroecologia e
socioambientalismo.
O presente trabalho procura discutir as razões estratégicas para a inserção
da atividade leiteira na agricultura familiar da região do Oeste Catarinense e como a agricultura familiar vem se reinventando com o tempo e se
desenvolve. Para tal diagnóstico será estudado o caso da empresa Gran
Paladare. O leite no Oeste catarinense passou a ser nos últimos anos, a
principal atividade de geração e agregação de renda no contexto da agricultura familiar, como nós salienta Bavaresco (2018). Segundo o autor, as
propriedades de mão de obra familiar encontram na produção leiteira
possibilidades de ocupação e manutenção da família no campo (Bavaresco 2018,p.307). A produção leiteira tem sido uma opção para o pequeno
produtor, em função do retorno quinzenal ou mensal, tem garantido de
certa forma algum tipo de retorno. Porém, a atividade sofre com a flexibilidade do mercado, com falta de políticas públicas específicas e com as
exigências cada dia mais caras do mercado leiteiro. Para além da venda
do leite para empresas leiteiras, atualmente o Oeste Catarinense tem presenciado o surgimento de indústrias familiares voltada para a produção
de derivados do leite. Como é o caso da Gran Paladare, situado na linha
Faxinal dos Rosas, município de Chapecó, no Oeste de Santa Catarina.
A Gran Palare Indústria e Comércio de lácteos comercializa produtos
artesanais por todo estado de Santa Catarina e alguns estados brasileiros.
A Gran Paladare tem como diferencial o a produção de queijos artesanais, produzidos a partir do leite cru. A metodologia utilizada se dará
através da revisão bibliográfica de livros e artigos relacionados ao tema.
Será realizada a análise do discurso oral do Sr. Jorge Zanotto proprietário
da agroindústria Gran Paladare. O trabalho será dividido em três capítulos. No primeiro capítulo será discutido os conceitos de agricultura familiar. buscando inicialmente uma revisão teórica sobre o conceito de agri98
Mestranda do programa de pós-graduação stricu sensu em Política Sociais e Dinâmicas
Regionais da Unochapecó. Professora da educação básica no município de Caxambu
do Sul\SC. Contato: daianepavao@hotmail.com
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cultura familiar. No sentido de encontrar elementos para entender esse
ator social tão complexo e quem vem se transformando nas últimas décadas, deixando assim ainda mais difícil sua identificação e definição. No
segundo capítulo será abordado os ciclos socioeconômicos vivenciados
ao longo da história do Oeste de Santa Catarina. Bem como, os elementos históricos que culminaram com o destaque da produção do leite frente
as demais atividades econômicas da região. No terceiro capítulo será feita
a análise e reflexões a partir do discurso proferido pelo proprietário da
empresa Gran Paladare. Buscando conhecer de forma sucinta a história
de fundação da empresa. Bem como, identificar através da visão do entrevistado quais são os principais desafios enfrentados pela indústria do
leite atualmente, Quais os desafios que a agroindústria familiar Gran
Paladare vivência.
Palavras-chave: Agricultura familiar, Gran Paladare, Atividade leiteira,
agroindustrial.
Referências bibliográficas
BAVARESCO, Paulo Ricardo. A história econômica do oeste
catarinense. In: Mirian Carbonera et al. Chapecó 100 anos: histórias
plurais. 2ªed. atual. Chapecó, SC: Argos, 2018. Pp. 281-312
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DIREITOS DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS
Débora Vogel da Silveira Dutra99
Eduarda Roell100
Círculo de Diálogo 6: Saúde, segurança alimentar, agroecologia
e socioambientalismo
Resumo: Com base na teoria do especismo, o ser humano pressupõe que
o animal não-humano é submisso ao seu domínio existindo apenas para
suprir interesses e necessidades dos homens e mulheres. Nessa lógica,
muitos seres humanos praticam atos de crueldade e maus-tratos para com
os demais seres vivos, reflexo de uma concepção deturpada que defende a
ideia de que animais não têm sentimentos, desprezando toda e qualquer
defesa do bem-estar animal. Justamente por isso, existe a necessidade de
se promover a defesa e a proteção jurídica daqueles que não podem expressar-se sozinhos. Segundo Ataide Junior (2018) a dignidade animal é
oriunda do fato biológico da senciência, que é a capacidade do animal
sentir sensações e sentimentos, bem como sentir dor, sofrimentos físicos e
psíquicos. Quando aplicada em confronto com ações humanas condenase práticas que submetam os animais à crueldade, pela regra fundamental
do Direito Animal. Aqui o principal objetivo é o de identificar a bibliografia já existente a respeito deste tema para fortalecer uma análise para
segura acerca dos direitos dos animais na legislação brasileira no século
XXI. A metodologia pautada teve como base a pesquisa de caráter bibliográfico tendo em vista como comparativo a análise da legislação contemporânea, trabalhando no histórico dos direitos dos animais e nas alterações legais produzidas no decorrer deste século XXI em prol da causa
animal. Os resultados desta pesquisa evidenciam a participação cada vez
mais ativa dos animais na vida do ser humano, a começar dos tempos
pré-históricos em que a relação entre homem e animal partia do principio
de proteção para a sobrevivência, ao longo do tempo a domesticação de
algumas espécies passou a ter caráter afetivo, constantemente criando
99
Mestre em Direito pela UFSC. Bacharel em Direito; Licenciada em História e Ciências
da Religião. Membro do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos e Cidadania da
UNOCHAPECÓ e do PECJur –Projeto de Extensão Comunitário jurídico. Docente na
UNOCHAPECÓ. Docente da Rede Pública do Estado de Santa Catarina desde 1996.
100
Graduanda em Medicina Veterinária pela UNOCHAPECÓ. Membro do Grupo de
Pesquisa Direitos Humanos e Cidadania. Bolsista do UNIEDU. Contato:
eduarda.roell@unochapeco.edu.br
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laços afetivos. Concluímos nesta pesquisa que o Direito Animal ainda é
um vasto campo a ser abordado uma vez que existe um aumento significativo de ativistas em prol da defesa da causa animal, e que esse processo
de amadurecimento e conscientização social tem influenciado na ampliação da legislação voltada para o meio ambiente e para a fauna no Brasil.
Urge uma mudança de cultura, de mentalidade e de compreensão que o
ser humano depende para viver diretamente do equilíbrio que ele pode
estabelecer para com os demais seres vivos do planeta. Portanto, é preciso
divulgar o respeito e o reconhecimento de que os animais são seres sencientes para consolidar a defesa dos mesmos com capacidade de estarem
em juízo tutelados e protegidos na defesa de sua integridade física e psíquica.
Palavras-chave: Animais. Direitos. Animal não-humano.
Referências Bibliográficas
ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. Introdução ao direito animal
brasileiro. Revista Brasileira de Direito Animal. Salvador, v.13, n. 03, p.
48-78, set-dez 2018.
1023
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MULHERES E GERAÇÃO DE RENDA COM
AGROECOLOGIA: ANÁLISE DA GERAÇÃO
DE RENDA ATRAVÉS DA
COMERCIALIZAÇÃO DE CESTAS DO
GRUPO DE MULHERES DO
ASSENTAMENTO ELI VIVE 2 – LONDRINA
PR
Paulo Daniel José101
Vanderlei Franck Thies102
Valtemir Santos Nascimento103
Círculo de Diálogo: Saúde, segurança alimentar, agroecologia e
socioambientalismo
Resumo: Assim como em outros ambientes da sociedade, no meio rural
as mulheres as sofrem com o pouco reconhecimento de suas atividades.
No campo as condições de desigualdade são bem visíveis. Na maioria
dos casos, elas trabalham tanto nos cultivos como em casa, cerca de 12
horas semanais a mais que os homens. Ainda assim, somente 20% delas
são proprietárias de terras (FAO, 2018). As mulheres constituem cerca de
43% da mão de obra agrícola nos países em desenvolvimento e mais de
70% da força de trabalho em algumas economias baseadas fundamentalmente na agricultura. Além de trabalhar como agricultoras, trabalhadoras
assalariadas e empresárias, as mulheres rurais também assumem, de maneira desproporcional a tarefa de manter os cuidados da família do campo. O MST é um dos movimentos que mais mobiliza mulheres no Brasil,
é uma organização que se propõe a reunir famílias para lutar pela melhor
distribuição de terras e igualdade social (MST, 2010). A FAO reconhece
a importância da igualdade de gênero e do empoderamento das mulheres
rurais, porém ainda assim é necessária luta frequente das agricultoras.
Nesse contexto de empoderamento das agricultoras, a pesquisa possui o
objetivo e analisar o a geração de renda do grupo de mulheres do assenGraduando em Agronomia, UFFS – Erechim / Instituto Educar – Pontão (RS). Contato:
paulodanieldj@gmail.com
102
Doutorando em Desenvolvimento Rural, PGDR/UFRGS. Contato: vftc@ig.com.br
103
Graduando em Agronomia, UFFS – Erechim / Instituto Educar – Pontão (RS). Contato:
valtemir.snacimento@gmail.com
101
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tamento Eli vive 2, onde as mesmas se dedicam a produção de hortaliças
agroecológicas. O trabalho busca analisar a renda gerada a partir da venda de cestas de produtos em relação as rendas o restante da unidade de
produção. Para se chegar à renda familiar das agricultoras participantes
do grupo, os dados foram coletados em fevereiro de 2019, através de
entrevistas, com uso de questionário semiestruturado com amostragem
de 70% das famílias integrantes do grupo. Os dados foram coletados e
vem sendo analisados conforme as orientações de Lima et al. (2005). O
assentamento Eli vive 2 ocupado em 2013 (JACOBS, 2010), antes o que
era uma fazenda voltada para pecuária extensiva, hoje possui grande
variedade de cultivos pertencentes as famílias do MST, e o grupo de mulheres se destaca com sua produção sem utilização de Agrotóxicos. Dados primários apontaram que o projeto trabalhado pelo grupo das mulheres acrescentou de 5 a 36% da renda familiar da propriedade. Essas mulheres estão mostrando, com sua ação, que é possível resistir, organizarse, construindo-se como protagonistas no campo, buscando condições de
vida melhores.
Palavras-chave: Assentamento. Mulheres. Agroecologia. Renda familiar.
Referências Bibliográficas
FAO, O. D. N. U. Nações Unidas do Brasil. Trabalho das Mulheres
Rurais é Essencial para a Segurança Alimentar no Mundo, 2018.
Disponivel em: <https://nacoesunidas.org/fao-trabalho-das-mulheresrurais-e-essencial-para-a-seguranca-alimentar-no-mundo/>. Acesso em:
17 out. 2018.
JACOBS, L. Londrina ganha assentamento para 600 famílias em
Lerroville. Prefeitura de Londrina, Londrina, 2010. Disponivel em:
<http://www.londrina.pr.gov.br/index.php?option=com_content&view
=article&id=8693:londrina-ganha-assentamento-para-600-familias-emlerroville&catid=85:cidades&Itemid=972>. Acesso em: 01 maio 2019.
LIMA, A. P. Adiministração da Unidade de Produção Familiar:
modalidades de trabalho com agricultores. 3°. ed. Ijuí: Unijuí, 2005. 224
p.
PLOEG, D. V. D. Camponeses e impérios alimentäres: lutas por
autonomia e sustentabilidade. Porto Alegre: UFRGS, 2008.
SILIPRANDI, E. Mulheres e agroecologia: Transformando o Campo,
as Florestas. Rio de Janeiro: UFRJ, 2015. 352 p.
1025
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PRODUÇÃO DE ALIMENTOS E RENDA
FAMILIAR: ANÁLISE DAS FAMÍLIAS DO
ASSENTAMENTO BOM JESUS – BAHIA
Valtemir Santos Nascimento104
Vanderlei Franck Thies105
Paulo Daniel José 106
Círculo de Diálogo: Saúde, segurança alimentar, agroecologia e
socioambientalismo
Resumo: O processo de modernização da agricultura brasileira implicou
na ampliação da sua mercantilização, sendo fundamentada em monocultivos, com emprego de tecnologias que tornam os agricultores cada vez
mais dependentes do mercado e refém das grandes empresas multinacionais (ALMEIDA, 2011). Mesmo tendo aumentado a produtividade,
prevalecem no campo a concentração das terras e riquezas, além do êxodo rural. Os assentamentos da reforma agrária têm grande importância
na produção de alimentos, tanto para o autoconsumo das famílias, como
para venda. A produção de autoconsumo define-se como a parcela da
produção que é gerada pelas famílias e destinada ao consumo familiar
(GRISA, 2007; FONTOURA, 2012). Ela favorece a permanecia dos
agricultores no campo, amplia a estabilidade econômica e a segurança
alimentar (PLOEG, 2008; DOMBEK 2006). Nesse contexto, o objetivo
do presente trabalho é analisar a relação entre a produção para autoconsumo e para a venda, com a compra de alimentos e seus efeitos na renda
das famílias assentadas no sul da Bahia. Para tal, foi realizado estudo de
caso junto as famílias do Assentamento Bom Jesus, em Igrapiúna – Bahia, sendo os dados coletados em fevereiro de 2019, através de entrevistas, com uso de questionário semiestruturado. Os dados foram coletados
e analisados conforme as orientações de Lima et al. (1995) e as contribuições de FAO/INCRA (1999). O assentamento Bom Jesus foi constituído
em 2004, resultado da luta organizada do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra - MST, sendo instalado na área de uma fazenda onde
Graduando em Agronomia, UFFS – Erechim / Instituto Educar – Pontão (RS). Contato:
valtemir.snacimento@gmail.com
105
Doutorando em Desenvolvimento Rural, PGDR/UFRGS. Contato: vftc@ig.com.br
106
Graduando em Agronomia, UFFS – Erechim / Instituto Educar – Pontão (RS). Contato:
paulodanieldj@gmail.com
104
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só havia a monocultura do cacau, o qual segue com grande importância
nos sistemas produtivos das famílias, porém, durante esses quinze anos
os assentados(as) conseguiram desenvolver outras atividades agrícolas.
Assim, se observou maior diversidade no assentamento, além da produção de autoconsumo que é bastante expressiva, sendo composta por vinte
tipos de produtos, com destaque para a produção vegetal de espécies
frutíferas (cupuaçu, graviola, mamão, rambutan, goiaba, jaca, bananas e
laranjas) e olerícolas (tomate, pimentão, jiló, quiabo, abobora, pepino,
couve, salsa, coentro, cebolinha, hortelã e maxixe). A produção vegetal
para venda é formada, especialmente, por guaraná e seringueira. A produção animal é pouco expressiva, tanto para autoconsumo como para
venda. A renda total do conjunto das famílias é formada por: renda agrícola, 75%; transferências socias do Programa de Bolsa Família, 15,9%;
pensão por invalidez e alimentícia, 9,5%. A renda total dos assentados(as) varia de R$ nove mil até R$ 22 mil. Chama atenção o valor da
renda que é gasta com alimentação comprada fora das unidades de produção que, na média das famílias absorve um terço da renda, mas em
alguns casos alcança metade desse valor.
Palavras-chave: Assentamento. Autoconsumo. Compra de alimentos.
Renda familiar.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, J. A Modernização da Agricultura. Porto Alegre: UFRGS.
2011.
DOMBEK, L. A. Autoconsumo e segurança alimentar em
assentamentos rurais do Pontal do Paranapanema. 2006. 106 f.
Dissertação (Mestrado em engenharia Agrícola) - Programa de PósGraduação em Engenharia Agrícola, UNICAMP, Campinas, 2006.
FAO/INCRA. Guia Metodológico – Diagnóstico de Sistemas Agrários.
(Org.) Danilo Prado Garcia Filho, Brasília, DF, 1999.
FONTOURA, A. F. A produção para autoconsumo: características e
importância para os sistemas de produção de pecuária familiar da
Fronteira Oeste do RS. 2012. 152 f. Dissertação (Mestrado em Extensão
Rural) - Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural, Universidade
Federal de Santa Maria, Sant Maria, 2012.
GRISA, C. A produção “pro gasto”: um estudo comparativo do
autoconsumo no Rio Grande do Sul. 2007. 200 f. Dissertação (Mestrado
em Desenvolvimento Rural) - Programa de Pós-Graduação em
1027
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ISBN: 978-65-86218-01-5
Desenvolvimento Rural, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, 2007.
LIMA, A. J. P. BASSO, N. NEUMANN, P. S. SANTOS, A. C.
MÜLLER, A. G. Administração da Unidade de Produção Familiar:
modalidades de trabalho com agricultores. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1995.
PLOEG. J. D. van der. Camponeses e Impérios Alimentares. Porto
Alegre: UFRGS, 2008.
1028
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EDUCAÇÃO EM SAÚDE EM UMA
ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL,
COM VISTAS À PREVENÇÃO DE
ACIDENTES NA INFÂNCIA: UM RELATO DE
EXPERIÊNCIA
Karen Cristina Kades Andrigue107
Letícia Loureiro Nunes108
Sara Lindner109
Círculo de Diálogo: Saúde, segurança alimentar, agroecologia e
socioambientalismo.
Resumo
Introdução: milhares de crianças morrem anualmente devido a acidentes. Além dos óbitos, milhões de vítimas demandam atendimento por
ferimentos. Neste viés, a Enfermagem se destaca na prevenção de acidente por estar envolvida nos cuidados diretos as crianças. Promover educação em saúde em uma Organização Não Governamental (ONG), com
vistas a prevenção de acidentes na infância. Relato de Prática Assistencial
(PA), a qual realizou-se em duas etapas, primeiramente a inserção ao
cenário e a seguir a execução do plano assistencial. A promoção em saúde fortaleceu o protagonismo das crianças, por meio do pensamento crítico, com o qual instigou-se o mapeamento dos espaços cotidianos e a
identificação dos fatores de risco para acidentes e quais as medidas necessárias para a proteção. A PA, fortaleceu a prevenção à acidentes entre os
participantes e ainda contribuiu para a formação profissional por permitir
a aproximação ao campo de atuação.
Palavras-chave: Infância. Acidentes. Enfermagem. Prevenção.
107
Doutoranda em Ciências da Saúde. Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da
UNOCHAPECÓ. . Grupo de pesquisa – Formação e Trabalho em Saúde. Contato:
karenandrigue@unochapeco.edu.br
108
Enfermeira graduada pela UNOCHAPECÓ. Contato: leticianunes@unochapeco.edu.br
109
Enfermeira graduada pela UNOCHAPECÓ. Contato: saralinder@unochapeco.edu.br
1029
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DIREITOS DA CIDADANIA, INCLUSÃO,
ACESSIBILIDADE E DIVERSIDADE
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ANÁLISE PARA IMPLEMENTAÇÃO DE UM
SELO DE QUALIDADE EM UMA
ASSOCIAÇÕES DE MATERIAIS
RECICLÁVEIS NO MUNICÍPIO DE
CHAPECÓ/SC
Direitos da Cidadania, Inclusão, Acessibilidade
Natieli Bauermann110
Elisangela Pinheiro111
Ana Maria Pereira Puton112
Resumo: Implantar ferramentas de gestão e da qualidade além de métodos e procedimentos organizacionais voltados a qualidade no âmbito da
extensão. Motivar a visão empreendedora na busca ao desenvolvimento
de produtos agregando valor aos mesmos. Possibilitar melhorias contínuas nos processos para maximizar a eficiência produtiva e aumentar a
receita. Muito se fala a respeito do consumo exacerbado e o descarte
incorreto de resíduos sólidos assim uma forma de amenizar esses impactos ambientais, é a reciclagem. As práticas de reciclagem ainda que, de
forma tímida, auxiliam no processo de conter os impactos, infelizmente
uma das formas ainda não assumidas pela população é uma consciência
ambiental que possa transformar-se numa cultura. A reciclagem, além de,
contribuir ambientalmente, é fonte de renda, onde diversas famílias tiram
seu sustento. O trabalho realizado pelos catadores, nem sempre foi valorizado, o reconhecimento da profissão é recente e crescente no Brasil,sendo um dos fatores o estigma social, embora o catador seja um
exemplo de base para o desenvolvimento de uma cultura de separação do
lixo, como prática de educação ambiental. O início das suas atividades
ocorrem de forma precária, com poucos ou nenhum equipamento de
proteção individual (EPI´s), sabe-se que o uso de equipamento é impor110
111
112
Acadêmica do curso Bacharelado em Engenharia de Produção – UNOCHAPECÓ. Email: nbnatieli@unochapeco.edu.br
Mestre em Engenharia de Produção e docente no curso de Engenharia de Produção da
Universidade Comunitária da região de Chapecó - UNOCHAPECÓ. E-mail:
e.pinheiro@unochapeco.edu.br
Mestranda em Educação. Orientador Dr. Edivaldo José Bortoleto. Especialista em
Gestão de Pessoas, Pedagoga e Técnica de Extensão da Universidade Comunitária da
região de Chapecó - UNOCHAPECÓ. anampp@unochapeco.edu.br
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tante, pois melhora as condições de trabalho, saúde e segurança na execução da atividade. As dificuldades encontradas no processo de triagem
são inúmeras, partem desde o operacional até a forma de gestão da organização. Essas problemáticas são visíveis no processo de trabalho das
associações atendidas pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Unochapecó. Educação Popular, Empreendedorismo, Lei nº
12.305/10, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS),
atuação/sistematização das ações com empreendimentos econômicos
solidários. Atuação da equipe de trabalho de forma direta com as associações através de ações de incubação na perspectiva da construção participativa, buscando a implantação das etapas, gerando autonomia dos grupos. As fases da proposta são ascendentes, possuem cronograma de implantação e acompanhamento dos níveis que vão sendo conquistados
pelas associações, metodologias participativas Implantação de um Selo
de Qualidade que traga reconhecimento às associações de catadores de
material reciclável que se destacam na gestão e obtenção de bons resultados; na implantação de ferramentas da qualidade; em medidas de segurança do trabalho; em resultados alinhados com a inovação, conforme os
critérios definidos no Guia do Sistema de Gestão de Qualidade e Inovação. As associações candidatas terão modalidades de reconhecimento e o
projeto tem como missão promover a qualificação entre as associações de
catadores de material reciclável em Chapecó/SC. Considera-se um passo
importante pois, espera-se a melhoria na qualidade de vida, através da
busca pela excelência na autogestão com foco na sustentabilidade e inovação nas associações de catadores.
Palavras-chave: Qualidade. Selo. Sustentabilidade. Gestão.
1032
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ESTATUTOS MILITARES E A (IN)
CONSTITUCIONALIDADE FEDERAL
Yasmim de Oliveira Luz113
Círculo de Diálogo: Direitos da cidadania, Inclusão, Acessibilidade e Diversidade
Resumo: O presente estudo objetivou analisar leis e estatutos militares à
luz da Constituição Federal e do garantismo penal militar. Com o fim de
assegurar, ao mínimo, a continuidade do debate acerca dos direitos fundamentais dos agentes de segurança pública do país – com enfoque nos
policiais militares – a pesquisa apresenta-se por meio de entrevistas com
os profissionais da área, debates com docentes do componente curricular
―Direitos Humanos‖ em instituição de ensino superior, bem como pela
análise de preceitos constitucionais, utilizando-se para tanto a ―lei seca‖ e
a doutrina garantista. A grande questão quando se inicia a discussão nos
mais variados fóruns é, ―quais são os direitos fundamentais dos militares?
‖. De saída, anota-se que os direitos humanos, por meio de sua Declaração Universal, cartas e acordos, têm como propósito caucionar vida digna à todos. Ainda, a classificação dessa ordem de direito (a inalienabilidade, a imprescritibilidade, a indisponibilidade, a irrenunciabilidade, a
indivisibilidade, a interdependência e a universalidade) permite que sejam
oferecidos independentemente de quem seja o paciente e de qual seja a
função exercida por este sendo neste caso agentes de segurança pública –
policiais militares – não são excluídos da abrangência dos tantos direitos
fundamentais, inclusive aqueles elencados no art. 5º da norma maior. Daí
porque conclui-se, por exemplo, ser inconstitucional a necessidade, prevista no Estatuto Militar Brasileiro, de esgotar todas as tentativas de resolução de conflitos no âmbito administrativo antes de poder recorrer ao
Poder Judiciário (previsão do art. 51, § 3.º, da Lei n.º 6.880/80). O entendimento é de que os princípios da hierarquia e disciplina, expostos na
Constituição Federal e regulados no art. 14 e seus incisos da supracitada
lei, são, de forma incontestável, a base para a consagração da organização militar brasileira. Entretanto, não são suficientes para admitir a negativa de acesso à justiça. Neste sentido, averiguou-se julgamentos e decisões pacíficas de Tribunais Regionais Federais e Superior Tribunal Mili113
Graduando em Direito pela UNOCHAPECÓ. Estagiária do TJSC. Grupo de Pesquisa
de Direitos Humanos e Cidadania. Contato: yasmim.luz@unochapeco.edu.br
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tar, no que diz respeito à incompatibilidade e consequente revogação de
artigos com este mesmo teor no ordenamento jurídico brasileiro.
Palavras-chave: Militar. Direitos Humanos. Constitucionalidade.
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PROJETO R.U.A: REVITALIZAÇÃO URBANA
ARTÍSTICA
Sonia Monego114
Eliana Teixeira dos Santos115
Círculo de Diálogo 7: Direitos da cidadania, Inclusão, Acessibilidade e Diversidade
Introdução: Entendendo a arte como fator de transformação e humanização dos indivíduos em seres críticos e conscientes de seu papel social,
desenvolvemos o projeto denominado ―R.U.A: Revitalização Urbana
Artística‖, com o intuito de promover a autoestima e sentimento de pertencimento dos moradores da Rua Eduardo Pedroso da Silva, fundos da
Unochapecó, proporcionando melhorias nas moradias através de ações
de revitalização das fachadas das casas, almejando a inovação estética do
local, através da limpeza, restauração e pintura das residência em cores
vivas e vibrantes. O Objetivo da ação foi: Proporcionar a transformação
social da comunidade, elevando a autoestima dos moradores a partir da
revitalização das casas e meio de convivência. Metodologia: Considerando os valores éticos e sociais da instituição, percebemos a necessidade
irremediável de mudar essa realidade tão próxima da Universidade, entendendo a instituição como uma entidade filantrópica e educativa, que
deseja formar profissionais comprometidos com o ambiente social e cultural, com um perfil crítico, inovador e criativo. Tendo como referencias
projetos sociais com foco em revitalizar áreas urbanas periféricas a exemplo do Bairro ―El Caminito‖, em Buenos Aires, Argentina, ―Tudo de Cor
Para Você‖, da fabricante de Tintas Coral, que acontece em favelas do
Brasil e a ―Vila Kampung Wonosari‖, que passou a ser chamada Kampung Wonosari, significando Vila Arco-Íris, na Indonésia, surgiu o Projeto R.U.A – Revitalização Urbana Artística. Com este projeto conseguimos realizar reuniões com os moradores e debater em conjunto suas necessidades e propor a revitalização das casas, transformando seus espaços
e suas concepções de vida, uma vez que o processo criativo não transforma somente a arte criada, mas seu criador. Resultados alcançados:
114
115
Mestre em História Pela UPF – Universidade de Passo Fundo. Professora da
Unochapecó – Universidade Comunitária da Região de Chapecó. Grupo de pesquisa:
Arte, Visualidade e Cultura. Contato: sonia@unochapeco.edu.br
Graduanda do Curso de Artes Visuais na Unochapecó.
Contato:
eliana.teixeira@unochapeco.edu.br
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envolvimento e diálogo da comunidade sobre seu entorno, aproximação
da Universidade com o Bairro e o interesse na manutenção do meio convertendo o que seria apenas uma transformação visual de moradias, em
uma ação de transformação de comportamento com sentimentos de pertencimento.
Palavras-chave: Arte. Revitalização Urbana. Transformação Social.
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JUVENTUDE, ESPAÇO PÚBLICO E O
DIREITO À CIDADE: APONTAMENTOS
PRELIMINARES SOBRE O LAZER NOTURNO
NA CIDADE DE CHAPECÓ/SC116
Vitor Hugo Batista Santos117
Cauã dos Santos Guido118
Círculo de Diálogo: Direitos da cidadania, Inclusão, Acessibilidade e Diversidade.
Resumo: A presente pesquisa faz parte do Projeto ―Observatório de Juventudes: Territórios Contestados‖, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Espaço, Tempo e Educação (GPETE) da Universidade Federal da
Fronteira Sul (UFFS). A pesquisa do projeto temático volta-se as formas
de utilização de espaços públicos, especialmente ruas e calçadas, como
espaço de permanência por parte do público jovem e consumidor da cidade de Chapecó. O objetivo do estudo é identificar as formas de interação entre os jovens nos espaços públicos comuns, analisar suas práticas
espaciais e entender como quais são os tipos de tratamento que recebem
da segurança pública do estado e sociedade. A pesquisa contemplou diferentes fontes com dados pertinentes ao assunto de interesse, como: livros
e dissertações. Também foram feitas observações e registros fotográficos
das formas de ocupação do espaço público urbano pelo público jovem
durante o lazer noturno. Estudos já realizados até o presente momento,
nos permitem afirmar que a convivência em sociedade impõe regulações
e limites para a satisfação parcial de diferentes interesses sociais, sendo
que o público se constitui de uma reunião de entes, indivíduos, com interesses, valores e projetos diversos (GOMES, 2018). Por isso, espaços
públicos são canais de comunicação e de visibilidade de oposições. Sendo
que a calçada, por exemplo, pode ser vista como sendo um ponto funda116
117
118
O presente trabalho vem sendo realizado no âmbito do Observatório de Juventudes
Territórios Contestados, coordenado pelo Prof. Dr. Willian Simões, pertencente ao
Grupo de Pesquisa Espaço, Tempo e Educação da Universidade Federal da Fronteira
Sul, Campus Chapecó-SC.
Acadêmico de graduação em Geografia pela Universidade Federal da Fronteira Sul.
Núcleo de estudos e pesquisas sobre região, urbanização e desenvolvimento (NERUD).
Contato: vitor.batista@estudante.uffs.edu.br
Acadêmico de graduação em Geografia pela Universidade Federal da Fronteira Sul.
Contato: caua.guido@estudante.uffs.edu.br
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mental dentro de um sistema de rede urbana, como espaços de encontros,
confrontos e passagens. A ligação entre juventude, ruas e calçadas sempre
foram relativamente muito próximas, isso se deve por justificativas que
vão além dos percursos feitos entre casa e escola, e outros afazeres da
vida cotidiana do jovem estudante, por exemplo. Conforme Keschner
(2017), em questão de consumo, o espaço público entre vias e calçadas
assumem extrema importância para o público juvenil, ―pois em geral é
um grupo que ainda não se estabeleceu economicamente e não dispõe de
condições financeiras para ocupar um espaço de sociabilidade pago, ou
espaço de consumo‖. Durante os momentos de lazer, muitos dos jovens
reúnem-se depois das aulas noturnas, sendo um dos casos mais emblemáticos um dos estabelecimentos mais frequentados por esse público na
cidade, localizado na Av. Fernando Machado, no centro de Chapecó. A
pesquisa vem nos permitido observar que rondas realizadas pelo aparato
militar em torno das proximidades ficaram mais frequentes de acordo
com a maior concentração de jovens no ambiente, gerando algo parecido
com um toque de recolher, pois consiste em coibir a presença em vias,
logradouros e estabelecimentos públicos em determinadas horas. Percebemos que a utilização dos espaços de passagem por jovens durante o
período noturno o transforma em lugar. Conforme comenta Andreis (p.
219), o lugar diz respeito a uma vivência, relacionada com uma localidade dinâmica, remetendo-se a realização, acontecimento ou vivência, e
por isso, não se trata apenas de um local. Ainda segundo a autora, o lugar incorpora e as relações espaço temporais de fixos, fluxos e de vivências humanas em uma dialética entre forças centrípetas e centrífugas,
confluindo em ―nodais de processos socioespaciais‖.
Palavras-chave: Juventude. Lazer Noturno. Espaço Público. Chapecó.
Referências Bibliográficas
GOMES, Paulo Cesar da Costa. Espaço Público, Espaços Públicos. In;
GEOgraphia. Niterói: UFRJ. Vol.20, No 44, 2018: set./dez.
KESCHNER, Bruna. Espaços (Semi)Públicos De Sociabilidade Juvenil
Em Chapecó. Chapecó: UFFS. 2017.
ANDREIS, Adriana Maria. Cotidiano: uma categoria geográfica para
ensinar e aprender na escola (Tese de Doutorado). Ijuí:Unijuí. 2014.
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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: UMA
DIVERSIDADE QUE NECESSITA SER
RECONHECIDA
Daiane Altenhofen119
Círculo de Diálogo: Direitos da Cidadania, Inclusão, Acessibilidade e Diversidade
Resumo: Nos tempos educacionais da contemporaneidade surgem situações importantes e desafiadoras no contexto escolar, as quais, consequentemente acabam pondo em jogo questionamentos acerca da estrutura de
ensino e métodos de avaliação dessas instituições. Este é o caso das dificuldades de aprendizagem que acometem cerca de 15% a 20% dos escolares do primeiro ano, podendo chegar a 50% nos primeiros seis anos de
alfabetização (OHLWEILER; RIESGO; ROTTA, 2016). Alunos que
não atingem a média escolar instituída são reprovados. Crahay (2007),
que traz em seu estudo o desenvolvimento de várias pesquisas que evidenciam a repetência escolar como ineficaz, aonde os alunos repetentes
evoluem menos do que alunos promovidos do mesmo ano. Portanto, sob
uma análise bibliográfica e qualitativa, o estudo objetiva dialogar sobre
uma diversidade que compõe parte do currículo oculto da educação, as
dificuldades de aprendizagem e qual a influência dos processos de ensinoaprendizagem nesse fenômeno. Pensar em estratégias superadoras é um
processo indispensável para evitar uma exclusão social derivada da repetência no âmbito educacional. A evasão escolar é ocasionada, entre os
principais motivos, pelas dificuldades de aprendizagem e o sentimento de
incapacidade que o segue, o que é um dos fatores desencadeadores da
pobreza, uso de álcool e drogas (CARDOSO; MALBERGIER, 2014).
Repensar a didática evidenciase como uma ação de inclusão desses educandos uma vez que, conforme o dicionário online Michaelis, o termo
significa incluir o indivíduo em um grupo, socialmente abordando, trazer
para as diferentes dimensões da vida aquele que é excluído por algum
motivo. Compreender que há uma inter-relação entre as dificuldades de
aprendizagem e os processos de ensino, uma vez que esta abarca aspectos
119
Pós-Graduada em Educação Física e Psicomotricidade Funcional. Mestranda em
Educação pela UNOCHAPECÓ. Professora da Educação Básica do Município de
Maravilha. Grupo de pesquisa Ensino e formação de professores, do(a) Universidade
Comunitária da Região de Chapecó. Contato: daya_tita@hotmail.com
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pedagógicos, sociais, emocionais e familiares, os quais fazem parte do
contexto escolar e cotidiano do aluno. (ALMEIDA, 2001). Diante disso,
para desenvolver estratégias que visem a superação desse fenômeno,
primeiramente é preciso desvendar o problema do aluno que ―não aprende‖, devendo também analisar as práticas daquele que o ensina, ou seja,
requer uma pesquisa na qual ocorra uma investigação do processo de
ensino -aprendizagem. (GIMENEZ, 2005; BOCK; AGUIAR, 2003).
Contudo, um dos maiores desafios, conforme Osti (2010), reside nos
atores desse contexto. Como o autor descreve em seu estudo, após realizar entrevistas com 20 professores efetivos da rede municipal de São Paulo, constatouse que 70% destes estão despreparados para lidar com esta
situação e alegam não ter tido uma formação adequada, falta de interesse
da secretaria em promover capacitações acerca do tema e a incumbência
de tais problemas exclusivamente ao professor. Paralelamente, Laterman
(2006) explana em sua dissertação que o número de alunos a ser atendido
pelo centro especializado é muito maior do que a capacidade da organização, tornando-o lento e portanto, não refletindo significativamente no
ambiente escolar. Mediante ao exposto, acredita-se na necessidade de
ampliar o debate acerca das dificuldades de aprendizagem no contexto
escolar, de forma que a dimensão dessa diversidade seja reconhecida e
considerada como fator de relevância de estudos e medidas que visem
estratégias de superação de tais desafios educacionais.
Palavras-chave: Dificuldades de aprendizagem. Repetência. Inclusão.
Diversidade.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, SFC de. O psicólogo escolar e os impasses da educação:
implicações da (s) teoria (s) na atuação profissional. Psicologia Escolar e
Educacional-Saúde e qualidade de vida, v. 1, p. 43-57, 2001.
BOCK, Ana Mercês B.; AGUIAR, WMJ de. Psicologia da educação: em
busca de uma leitura crítica e de uma atuação compromissada. A
perspectiva sócio-histórica na formação em psicologia. Petrópolis: Vozes,
p. 132-60, 2003.
CARDOSO, L.; MALBERGIER, André. Problemas escolares e o
consumo de álcool e outras drogas entre adolescentes. Revista
Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e
Educacional, SP. v. 18, n. 1, Janeiro/Abril de 2014, p .27-34.
CRAHAY, M. Qual a pedagogia para os alunos em dificuldade escolar?.
Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 130, p. 181-208, jan./abr. 2007.
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GIMENEZ, E.H.R. Dificuldade de aprendizagem ou distúrbio de
aprendizagem?. Revista de Educação, Campinas: Vol. VIII, nº 08,
setembro, 2005.
LATERMAN, Ilana. Alunos que não acompanham o ensino: reflexões
sobre o ensino público e serviços de atendimento. In: MALUF, Maria
Irene. Aprendizagem: trams do conhecimento, do saber e da
subjetividade. Petrópolis, RJ: Vozes: São Paulo: ABPp, 2006
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A CIDADANIA ATRAVÉS DA FOTOGRAFIA:
UM PROJETO DE PROMOÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS DE PESSOAS EM
SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO NA CIDADE
DE PONTA DELGADA, AÇORES,
PORTUGAL
Eduardo José da Silva Tomé Marques120
Adriana Regina Vettorazzi Schmitt121
Círculo de Diálogo: Direitos da cidadania. Inclusão. Acessibilidade e Diversidade.
Resumo: Apresentar-se-á o projeto ―PHOTOVOICE‖ que é técnica participativa de investigação-ação e inclusão social desenvolvida por Wang e
Burris, em 1992. A solução dos problemas passa por incluir a participação dos ―assistidos‖ no processo de investigação e sua capacitação enquanto ―atores‖ na transformação da sua própria vida. Desse modo, foi
realizado o projeto ―PHOTOVOICE‖ que decorreu entre 2018/2019
com pessoas sem-abrigo na cidade de Ponta Delgada – Açores em Portugal. Envolveu um grupo de 8 pessoas sem-abrigo, acompanhadas pela
divisão de ação social do Câmara Municipal de Ponta Delgada e orientada pelo coordenador do curso de Serviço Social da Universidade dos
Açores – Portugal, doutor Eduardo Marques. A situação dos sem-abrigo
na cidade de Ponta Delgada – Açores em Portugal, tem características
particulares que se prendem com a história, território, cultura, desenvolvimento económico, mas também pelo fenômeno dos repatriados açoreanos que são expulsos dos USA e do Canadá, e que vivenciam a situação
como uma segunda condenação. O projeto piloto buscou diagnosticar
problemas, tendo como objetivo poder contribuir para o desenvolvimento
de estratégias de intervenção social, que possam promover a resolução
dos mesmos. Esse projeto passou por várias fases típicas de um Photovoice, designadamente: constituição do grupo, recolha de fotografias e sua
discussão em contexto individual e de grupo (showed), estas já concluí120
121
Doutorado em Serviço Social pela Universidade Complutense de Madrid. Diretor do
curso de serviço social da Universidade dos Açores. eduardo.js.marques@uac.pt.
Mestranda em Educação pelo ProfEPT. Assistente Social pelo IFSC – câmpus de São
Miguel do Oeste. adrianarschmitt@gmail.com
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das. Os resultados do projeto serão apresentados no Dia Internacional
para a Erradicação da Pobreza celebrado no dia 17 de outubro de 2019,
(Conferência Inovação Social na Intervenção com População sem Abrigo) a realizar em Ponta Delgada nos Açores. A última etapa consiste na
apresentação pública dos resultados, discussões, defesa e proposições
pelos próprios atores da intervenção, pessoas sem abrigo, para a classe
política do município, profissionais e estudantes da área social, interventores locais no atendimento às demandas sociais, e a mídia, buscando dar
visibilidade ao apelo por mobilização e investimentos em moradia digna,
assim como para a garantia de direitos fundamentais aos sem-abrigo. A
discussão e contextualização trazidas à tona através das imagens apresentam os problemas vividos pelos sem-abrigo, que se encontram à margem
da sociedade, invisíveis ás agendas políticas, e principalmente, sem representação local nas instancias de reinvindicações de direitos sociais junto
ao Estado. Constatou-se que a falta de habitação, o desemprego agravado, o inócuo atendimento à saúde física e mental, os estigmas/rotulação
e o desprezo social a que estão expostos os atores, são os principais problemas vividos por este grupo. Como consequência, a dificuldade de
constituir manter uma família e uma vida independente, essas situações
que conjugadas configuram situações de severa exclusão social e também
da negação de direitos humanos fundamentais. Dessa forma, reitera-se
que, este também é um apelo social. O projeto ora apresentado, foi exitoso ao que se propôs, em clarificar e dar visibilidade e vós aos cidadão
sem-abrigo de Ponta Delgada, que são os pobres dos pobres, sem expectativas de uma vida melhor, condenados a viver a custas dos apoios sociais
administrados pelas instituições. A vantagem do método Photovoice
resulta que o mesmo pode ser modificado para se adequar a praticamente
qualquer grupo, localização ou circunstância (Jarldorn, 2019, p.12).
Palavras-chave: Direitos Humanos; Photovoice; Metodologias Participativas.
Referências Bibliográficas
Jarldorn, Michele. Photovoice Handbook for Social Workers. Method,
Practicalities and Possibilities for Social Change. Cham, Switzerland:
Palgrave Pivot, 2019.
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POLÍTICAS DE AMIZADE E O DIREITO AO
ENVELHECIMENTO ATIVO: O CASO DA
CERTIFICAÇÃO DE PATO BRANCO COMO
CIDADE AMIGÁVEL À PESSOA IDOSA
Maria de Lourdes Bernartt122
Aruanã Antonio dos Passos123
Carolina Rodrigues da Silva124
Círculo de Diálogo: Direitos da cidadania, inclusão, acessibilidade e diversidade.
Resumo: O trabalho historiciza as políticas de amizade e as políticas
públicas voltadas a população idosa em contexto internacional e nacional. Para tanto, analisamos a constituição geral de políticas públicas voltadas aos idosos com ênfase na Rede Global de Cidades Amigáveis a
Pessoas Idosas coordenada pela Organização Pan-Americana da Saúde
(OPAS), órgão da Organização Mundial da Saúde (OMS). As politicas
de amizade se originam numa tradição de pensamento e ideias bastante
longa (pelo menos ao século XVIII, BEAUVOIR, 2018, p. 190), no entanto, o conceito se mostra fundamental para compreensão de um conjunto de programas e políticas públicas que, desde a década de 1960, se
preocupam com o crescimento demográfico e o envelhecimento ativo da
população mundial. No contexto brasileiro, a última década manifestou
atenção especial ao envelhecimento de sua população. Nesse sentido, a
Rede Global começa a ser introduzida no Brasil e, em nosso caso, na
cidade de Pato Branco-PR (que recebeu a certificação em 2018). Procuramos, dessa maneira, problematizar a recepção desse conjunto de ideias
e analisar sua amplitude na gestão demográfica e na governamentalidade
122
Doutora em Educação. Docente do Departamento de Ciências Humanas e do Programa
de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR) da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), campus Pato Branco. Contato:
marial@utfpr.edu.br.
123
Doutor em História. Docente do Departamento de Ciências Humanas da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), campus Pato Branco. Contato:
aruanaa@utfpr.edu.br.
124
Graduada em História e Pedagogia. Mestranda em Desenvolvimento Regional pelo
Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR) da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), campus Pato Branco. Contato:
carolinarrsd@gmail.com.
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(FOUCAULT, 1984) à luz da realidade brasileira, contribuindo assim,
para uma política de amizade justa e humana voltada aos idosos.
Palavras-chave: Políticas de amizade. Envelhecimento ativo. Cidades
Amigáveis à Pessoa Idosa. Pato Branco.
Referências Bibliográficas
BEAUVOIR, S. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018.
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 4. ed. Rio de Janeiro: Graal,
1984.
OMS. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Guia Global
Cidade Amiga do Idoso. Suíça, 2008. Disponível em:
http://www.who.int/ageing/. Acesso em mar/2017.
________. Para que as cidades sejam mais amigáveis aos idosos: O guia
da OMS. Programa de Envelhecimento e Curso de Vida (ALC). Rede
Internacional de Envelhecimento de Genebra (GINA). Genebra – Suíça:
OMS,
2007.
Disponível
em
https://www.who.int/ageing/publications/Age_friendly_brochure_Port
uguese.pdf Acesso em maio/2019. Acessado em 03/03/2019.
PREFEITURA MUNICIPAL DE PATO BRANCO. Plano Municipal
da Pessoa Idosa do Município de Pato Branco – PMPI (2018-2021).
Secretaria Municipal de Assistência Social. Pato Branco-PR, 2017.
URIC. Centro Regional de Informação das Nações Unidas. Rede
mundial de ―Cidades Amigas das Pessoas Idosas‖. Disponível em:
https://www.unric.org/pt/envelhecimento/28604-rede-mundial-decidades-amigas- das-pessoas-idosas Acesso em junho de 2019.
WHO
(2007).
Global
Age-friendly
Cities:
A
Guide
<https://www.who.int/ageing/publications/Global_age_friendly_cities_
Guide_English.pdf> Acessado em 10/05/2019.
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ATLETAS DE GOALBALL DE SANTA
CATARINA: CONTRIBUIÇÕES DA
EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR
Milene da Silva Oliveira125
Deizi Domingues da Rocha126
Juliane Janaina Brancher127
Círculo de Diálogo: Direitos da Cidadania, Inclusão, Acessibilidade e Diversidade.
Resumo: Incluir a pessoa com deficiência visual nas aulas de Educação
Física (EF) não é somente adaptar as atividades, mas garantir o acesso e
a aprendizagem dos conhecimentos da área, reconhecendo e valorizando
os sujeitos na sua individualidade. Este texto apresenta um recorte de
Trabalho de Conclusão de Curso em Licenciatura em EF. Verificou-se a
percepção dos atletas de goalball referente às contribuições das aulas de
EF escolar para sua trajetória esportiva. De abordagem qualitativa do
tipo descritiva, contou com a colaboração de 18 atletas titulares da modalidade esportiva de goalball do estado de Santa Catarina, sendo nove
atletas masculinos e nove no feminino. Para coleta de dados utilizou-se
entrevista semiestruturada, que foram realizadas individualmente durante
os Jogos Paradesportivos do Estado – PARAJASC/2013. Os dados foram analisados através da análise de conteúdo. Para preservar a identidade dos colaboradores utilizamos os codinomes de ―Marias‖ e ―Joses‖
seguido de número cardinal de 1 a 9. De acordo com Chicon (2008) a
inclusão de alunos com deficiência visual nas aulas de EF está predominantemente ligada a aspectos procedimentais e atitudinais. Questionamos
os atletas sobre suas participações nas aulas de EF. Maria 2 respondeu
que: ―[...] na escola nunca participei da Educação Física [...]. Maria 4: “eu não
era de participar muito das aulas de educação física, os professores não cooperavam”. Maria 6 pontua que “na escola comum, não tinha um professor bem
especializado [...]. Foi só na Entidade. Hoje com 49 anos, eu acredito que o meu
125
126
127
Mestranda em Educação pela UNOCHAPECÓ. Professora da Educação Básica no
Município de Chapecó/SC. Contato: mileoliveira@unochapeco.edu.br
Mestra em Educação pela UNOCHAPECÓ. Atua na Secretaria de Educação de
Chapecó/SC (setor de educação especial). Contato: deizirocha@unochapeco.edu.br
Mestranda em Educação pela UNOCHAPECÓ. Atua na Secretaria de Educação de
Chapecó/SC
(setor
de
Educação
especial).
Contato:
julianebrancher@unochapeco.edu.br
1046
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desempenho, seja por causa dessa aula”. Segundo Maria 8 “nas aulas agente
jogava vôlei, jogava caçador, pulava corda, fazia corrida em um campinho lá no
interior [...]‖.. Nota-se que a maioria das Marias não participavam das
aulas por diferentes motivos, principalmente por não enxergarem. As
narrativas dos ―Josés‖, indicam que ouve maior participação destes nas
aulas de EF. José 2 relatou participar das aulas antes de perder a visão de
forma significativa. Salienta que no ensino médio teve um professor que
adaptava algumas atividades “ele sempre me explicava separadamente como
que era os movimentos”. Nos aponta José 1: “[...] eu participava de algumas
atividades”, referindo-se a corrida, pular corda e jogar futebol. José 3 ressaltou que naquele tempo não tinha dificuldades em participar das aulas,
por ter sua visão ―normal‖. José 4 “[...] eu sempre pratiquei futebol na escola e
com os amigos”. Conclui-se que os atletas masculino tiveram maior participação nas aulas de EF escolar do que as atletas da equipe feminino. Os
atletas que participaram das aulas de EF disseram que a mesma contribuiu para a prática do Goalball, destacando contribuições para: consciência
corporal, prática de atividade física, mais agilidade para realizar os movimentos, percepção do espaço e também aspectos voltados para questões
sócioafetivas. Os conheccimentos a serem trabalhados na EF escolar com
pessoas com deficiência visual são os mesmos trabalhados em ―qualquer
outra aula de EF‖, o que diferencia são os métodos/estratégias de oportunizar a estes alunos a terem acesso aos conhecimentos teóricos e práticos.
Palavras-chave: Educação Física. Goalball. Participação.
Referências Bibliográficas
CHICON. Jose Francisco. F. Inclusão e exclusão no contexto da educação física escolar. Revista Movimento, Porto Alegre, 2008.
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(IN)ACESSIBILIDADE AO AMBIENTE
EDUCACIONAL: DESAFIOS ÀS PESSOAS
COM DEFICIÊNCIA
Anna Letícia Manelli Dietrich128
Ana Paula Bullé Nunes de Carvalho129
Amanda Santa Rosa Dornelles130
Círculo de Diálogo: Direitos da cidadania, Inclusão, Acessibilidade e
Diversidade.
Resumo: Sendo o direito à educação considerado fundamental à formação do indivíduo, há que se reconhecer que trata-se de um direito social
que estende-se a todos os seres humanos, englobando as pessoas com
deficiência. A educação especial pressupõe a presença e participação
plena do aluno em todas as práticas pedagógicas, sendo necessário para
tanto, que o ambiente educacional seja inclusivo e esteja plenamente
preparado para receber este indivíduo. Conforme leciona Aceti (2007),
deve-se assegurar à pessoa com deficiência não só a aparente igualdade
(física ou psicológica), mas também a igualdade das coisas, dos meios de
informação, de ensino, das oportunidades e do acesso (como locomoção
e comunicação). Destarte, o direito constitucional à acessibilidade, conforme preceitua a Lei nº 10.098/2000, consiste na possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços
físicos, informações, sistemas e tecnologias, pela pessoa com deficiência
ou com mobilidade reduzida (BRASIL, 2000). À vista disso, o escopo do
presente trabalho é destacar a importância da acessibilidade no âmbito
escolar e acadêmico como forma de garantir a inclusão, ao passo que o
direito constitucional à acessibilidade, neste caso, serve como alicerce
para o exercício pleno do direito social à educação, diante das dificuldades ainda encontradas pelo aluno com deficiência no meio escolar. Desta
forma, realizou-se a análise da legislação brasileira que versa sobre o
128
129
130
Graduanda em Direito pelo Instituto Federal do Paraná (IFPR). Atua como estagiária
no Ministério Público do Estado do Paraná (MPPR), no município de
Mangueirinha/PR. Contato: annaleticiamd@gmail.com
Graduanda em Direito pelo Instituto Federal do Paraná (IFPR). Atua como estagiária
no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), no município de Palmas/PR.
Contato: apcarvalho536@gmail.com
Graduanda em Direito pelo Instituto Federal do Paraná (IFPR). Atua como estagiária
na Delegacia de Polícia Civil do município de Palmas/PR. Contato:
asrdornelles2@gmail.com
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tema em voga, bem como buscou-se proceder uma explanação do histórico e de como a questão da acessibilidade vem sendo aplicada nos ambientes de ensino. Para isso, o método de abordagem empregado foi o dedutivo, utilizando-se de pesquisa bibliográfica e documental de cunho
qualitativo. Com base no estudo realizado, concluiu-se que há uma preocupação por parte do Estado no que se refere à efetivação da acessibilidade para as pessoas com deficiência, conforme vislumbrou-se dos decretos
e leis retratados, porém, nota-se que há a necessidade do efetivo exercício
do disposto no texto positivado. O direito à acessibilidade não se resume
apenas à construção de rampas, adequação de espaços e melhorias na
estrutura física da instituição, é necessária a capacitação de profissionais
e docentes, a adaptação dos métodos pedagógicos, com melhorias no
transporte, nos recursos didáticos, tecnológicos e na comunicação, para
que assim ocorra, efetivamente, a inclusão escolar. Sendo assim, há que
se reconhecer que há muitas melhorias e avanços a serem realizados, os
quais devem ser efetuados pelo corpo social como um todo, mas principalmente pelas próprias instituições de ensino, ambiente no qual se efetivam direitos imprescindíveis para o desenvolvimento e formação do ser
humano.
Palavras-chave: Acessibilidade. Educação. Deficiência. Inclusão.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 dez. 2000. Seção 1, p.
2.
ACETI, D. C. S. O amparo legal aos portadores de necessidades
especiais. Anuário de Produção Acadêmica Docente - ANUDO, 2007.
Disponível
em:
<http://sare.unianhanguera.edu.br/index.php/anudo/issue/view/35/sh
owToc> Acesso em: 15 set. 2019.
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EDUCAÇÃO ESPECIAL:
INCLUSÃO DO PÚBLICO DE ALTAS
HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO-AH/SD
Roseli Ana Fabrin
Círculo de Diálogo 7: Direitos da Cidadania, Inclusão, Acessibilidade e Diversidade
Resumo: A educação especial passou por inúmeras mudanças a partir do
século XX, refletindo na educação brasileira em todos os níveis e modalidades, desde a educação infantil até o ensino superior, para atender a
legislação vigente. O objetivo deste trabalho é analisar a educação especial: inclusão do público de altas habilidades/superdotação-AH/SD como
um direito do aluno, tendo em vista as mudanças na modalidade da educação especial entre aos anos de 1990 e 2000, apresentadas em documentos nacionais e internacionais. A metodologia de análise utilizada para a
elaboração deste trabalho foi a histórico-crítica e a pesquisa é bibliográfica e documental de caráter qualitativo. A educação inclusiva reafirma
seus princípios com a promoção de sistemas de apoio e ofertas de inúmeros serviços especializados e recursos para o alunado, a fim de que tenham seus direitos à aprendizagem. Os termos educação regular e especial prenunciam uma variedade de significados, presentes nas múltiplas
fases históricas da educação e referem-se a tudo que diz respeito à inclusão escolar e à expansão dos AEE para o público-alvo inserido na rede
regular de ensino. Nesta perspectiva, a educação regular e especial passou
por inúmeras modificações no Brasil a partir da implantação dos Núcleos
de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação - NAAH/S em 2005 e
posteriormente com os AEE em 2006, para as pessoas que apresentam os
indicadores de Altas Habilidades/Superdotação – AH/SD. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que o número de pessoas
com indicadores de superdotação pode alcançar até 5% da população
geral, isso quando considerado somente superdotados do tipo acadêmico
aqueles facilmente identificados nos testes de desempenho intelectual e
pelo alto rendimento escolar. O próprio censo escolar de Santa Catarina
apresenta em seus dados de 2015, apenas 314 alunos com AH/SD quando, na verdade, esse número deveria alcançar aproximadamente 50 mil
alunos. De acordo com Censo Escolar de 2018, em Santa Catarina os
atendimentos para o público identificado com AH/SD entre os anos de
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2010 e 2018 teve um aumento aproximado de 3.618%, sendo que em
2010 foram atendidos 28 alunos e no ano de 2018 foram atendidos 1.013
alunos. Os resultados apontam que inúmeras mudanças na área da educação regular e especial ocorreram a partir dos anos 1990, com inúmeros
documentos e atendimentos especializados, mas ainda é um processo a
ser ampliado para todos os alunos com indicadores de AH/SD, pois os
dados do censo escolar de 2018 denunciam poucos atendimentos em
Santa Catarina para o público-alvo. O movimento da educação inclusiva
está carregado de ações políticas, culturais, sociais, econômicas e pedagógicas, primando pelo direito de todos os estudantes receberem os atendimentos garantidos pelas legislações vigentes. Apesar do aumento significativo, ainda é uma pequena parcela de alunos da educação básica que
recebem o atendimento, então muitos estudantes podem camuflar sua
habilidade, devido à falta dos AEE em suas escolas, isto pode interferir
negativamente na sociedade.
Referências Bibliográficas
CENSO
ESCOLAR:
Núcleos
de
Atividades
de
Altas
Habilidades/Superdotação. Fundação Catarinense de Educação
Especial. São José, SC: FCEE, 2018.
FREITAS,
S.
N.
&
Habilidades/Superdotação:
ABPEE, 2012.
PÉREZ,
S.
G.
P.
B.
Altas
atendimento especializado. Marília:
Santa Catarina. Secretaria de Estado da Educação. Fundação
Catarinense de Educação Especial. Altas habilidades/Superdotação Rompendo as barreiras do anonimato/Secretaria de Estado da
Educação. Fundação Catarinense de Educação Especial, - 2ª ed.
Revisada e Ampliada - Florianópolis: DIOESC, 2016.
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PROTAGONISMO DE UN SUJETO CON
SÍNDROME DE TALIDOMIDA EN LA
ESCUELA Y PROCESO PROFESIONAL 131
Jesse Budin132
Elcio Cecchetti133
Círculo de Diálogo: Direitos da cidadania, Inclusão, Acessibilidade e Diversidade
Resumo: La talidomida fue un medicamento producido en Alemania
occidental en la década de 1950 por la compañía Chemie Grunenthal
para el tratamiento de algunas disfunciones orgánicas, como los cambios
dermatológicos, principalmente indicados para las náuseas en mujeres
embarazadas. El medicamento comenzó a comercializarse en aproximadamente 46 países en sus primeras etapas, vendiéndose sin receta médica,
causando el nacimiento de miles de niños con problemas físicos, auditivos, musculares, visuales y cardíacos (ROCHA et al, 2018), también
llamados de bebés de talidomida o con síndrome de talidomida. Durante
mucho tiempo, las personas con discapacidad fueron vistas como incapaces de participar de manera efectiva en la sociedad, incluida la institución
escolar, y en cierta medida fueron marginadas. En los últimos años, en
todo el mundo, el tema de la inclusión ven ganando evidencia e importancia, convirtiéndose en un movimiento social, especialmente político,
que intenta garantizar los derechos de las personas con discapacidad
(PCD), permitiendo así el pleno ejercicio de lo que es justo, como, por
ejemplo: accesibilidad, inserción en el mundo laboral, acceso a la cultura
y educación. (FIGUEREDO, et al, 2011). Actualmente, las políticas
131
132
133
Este trabajo resulta de las clases del componente curricular Educación Intercultural y
(De)Colonialidad en Latinoamérica, enseñado por los profesores Claudia Battestin y Elcio
Cecchetti, ofrecido bajo el Programa de Posgrado en Educación de la Unochapecó en el
segundo semestre de 2019.
Especialista en Educación Especial. Estudiante de maestría en Educación en la
Unochapecó. Miembro del Grupo de Investigación Desigualdades Sociales,
Diversidades Socioculturales y Prácticas Educativas (Unochapecó). Contacto:
jessebudin@hotmail.com
Doctorado en Educación por la UFSC. Profesor del Máster de Educación de la
Unochapecó. Vice líder del Grupo de Investigación Ethos, Alteridad y Desarrollo
(GPEAD/FURB) y del Grupo de Investigación Desigualdades Sociales, Diversidades
Socioculturales
y
Prácticas
Educativas
(Unochapecó).
Contacto:
elcio.educ@hotmail.com
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públicas apoyan a esas personas para que se incluyan principalmente en
la escuela. Gomes y Souza (2012) apuntan algunas cifras significativas
sobre la diversidad de personas con discapacidad en Brasil. Afirman que
hay más de 24,5 millones de personas en esta condición, que representan
el 14,5% de toda la población brasileña. Hay entre ellos 48% con discapacidad visual; 23% motora; 17% de audición; 8% intelectual y 4% físico.
Las personas con síndrome de talidomida, con la ayuda de las políticas
públicas, están buscando su espacio en la vida social; sin embargo, para
una participación efectiva en la comunidad, las formas y padrones preestablecidos deben transformarse. El presente estudio analiza la experiencia
vivida de un sujeto con síndrome de talidomida en el proceso de enseñanza formal y no formal. La investigación es de carácter cualitativa, con
informes de experiencias personales y de la historia de la droga, basados
en estudios bibliográficos que contextualizan el proceso de inclusión en la
educación básica, superior y profesional. Concluimos que la vida de un
sujeto con síndrome de talidomida en el proceso escolar y profesional es
demarcado por luchas por derechos. Además, enfrenta los retos de una
sociedad que se niega a aceptar la diversidad, lo que indica la necesidad
de un aprendizaje intercultural para el reconocimiento del outro(a) en su
diversidad.
Palabras-clave: Síndrome. Talidomida. Inclusión.
Referencias
FIGUEIREDO, A.C. et al. Acessibilidade e vida universitária:
pontuações sobre a educação inclusiva. In: SAMPAIO, Sonia Maria
Rocha. org. Observatório da vida estudantil: primeiros estudos [online].
Salvador: Edufba, 2011, pp. 187-207
GOMES, C; SOUZA, V.L.T. Psicologia e inclusão escolar: reflexões
sobre o processo de subjetivação de professores. Psicologia: Ciência e
Profissão, v.32, n.3, p.588- 603, 2012.
ROCHA, A.P; et. al. L.S. Talidomida: riscos e benefícios. Revista
Saberes, v.7, n.1, p.01-11, jan-jul, 2018.
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DIÁLOGOS ENTRE O TRANSPORTE
RODOVIÁRIO DE PASSAGEIROS E A
ACESSIBLIDADE ÀS CIDADES: DA
CIDADANIA AO DIREITO À MOBILIDADE
João Henrique Zöehler Lemos
134
Círculo de Diálogo: Direitos da cidadania, inclusão, acessibilidade e diversidade
Resumo: A acessibilidade às cidades é um elemento que condiciona de
maneira significativa as práticas espaciais, sendo um meio para uma
apreensão mais justa das possibilidades ligadas ao lugar, entendido a
partir da cidade ou do campo. Como meio para a realização das articulações entre diferentes áreas urbanas e entre essas e as áreas rurais, o transporte rodoviário de passageiros (TRP) por ônibus é um modal de transporte importante para a efetivação dessa mobilidade, potencializando a
articulação de diversos espaços. No caso brasileiro, sobretudo, esta se
destaca como uma das atividades de significância central nas interações
produto-produtoras da rede urbana. Nesse contexto, emergem necessárias
reflexões acerca da existência, frequência e, em certas situações, ausências relativas dos serviços de transporte coletivo que interligam diferentes
localidades. Quando há, a distribuição irregular ou desproporcional corrobora com uma maior dificuldade no acesso a certos serviços, como os
representados por equipamentos de uso coletivo, com funcionalidades
concentradas apenas nos centros urbanos de maior complexidade, tais
como as cidades médias. No modo de vida urbano contemporâneo, a
conformação dos meios individuais para a realização dos deslocamentos,
entre e nas cidades, mostra-se relevante para a problematização da materialidade efervescente das múltiplas espacialidades contemporâneas. Isso
se dá, em partes, pela imposição de valores e ideias circundantes à ideologia neoliberal, de um lado, que atua em variadas escalas. Diante desses
temas mencionados, compreende-se que entre as fundamentações teóricas pertinentes para essa análise, a noção de justiça espacial contribui
134
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGGeo), Universidade Federal da
Fronteira Sul, sob orientação do Prof. Dr. Igor Catalão. Membro do Núcleo de estudos e pesquisas
sobre região, urbanização e desenvolvimento (nerud). E-mail para contato:
joao.zoehler@estudante.uffs.edu.br.
1054
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para a identificação da existência, localização, distribuição e intensidade
das operações do transporte rodoviário de passageiros, em escalas intermunicipal e interestadual, além das operações no espaço citadino. É possível referir-se, desde já, a algumas questões para o debate, no tocante à
acessibilidade (em escala ampla), frequência e, de fato, existência de serviços de transporte coletivo nas cidades de diferentes portes, funções e
papéis. Em meio ao preâmbulo dessas reflexões, envolvendo a revisão
bibliográfica, uso de estudos e pesquisas anteriores, execução de trabalhos de campo, bem como as análises de dados e mapas, este trabalho
visa estabelecer discussões que extrapolam a visão convencional da tríade
circulação-acessibilidade-mobilidade. Enfatiza-se desde já que se vislumbra, em um plano teórico, a reflexão acerca do efetivo direito à mobilidade e acessibilidade em termos de uma justiça espacial, considerando o
transporte coletivo como um elemento de intermediação para esta essa
possibilidade.
Palavras-chave: Urbanização e transportes. Justiça espacial. Cidades
médias. Transporte rodoviário de passageiros.
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IDENTIDADE E DIFERENÇA: OS
ESTUDANTES DE SUCESSO OU INSUCESSO,
NAS NARRATIVAS DOCENTES
Ivanete Maria Weber135
Profª. Dra. Tania Mara Zancanaro Pieczkowski 136
Círculo de Diálogo: Direitos da Cidadania, Inclusão, Acessibilidade e Diversidade
Resumo: O estudo objetiva compreender como os professores de anos
iniciais do ensino fundamental, atuantes na escola pública, concebem e
narram os estudantes considerados exemplos de sucesso ou de insucesso.
A investigação, numa perspectiva pós-estruturalista, adotou entrevistas
narrativas, direcionadas a docentes de anos iniciais, gravadas, transcritas
e examinadas pela perspectiva da análise do discurso, com referenciais
foucaultianos, resultando na dissertação de mestrado em Educação. Para
analisar discursos na perspectiva foucaultiana, de acordo com Fischer
(2001, p. 198), ―[...] precisamos antes de tudo recusar as explicações
unívocas, as fáceis interpretações e igualmente a busca insistente do
sentido último ou do sentido oculto das coisas - práticas bastante comuns
quando se fala em fazer o estudo de um ―discurso‖. Devemos estar
atentos, pois os discursos podem ―[...] admitir um jogo complexo e
instável em que o discurso pode ser, ao mesmo tempo, instrumento e
efeito de poder‖ (FOUCAULT, 2005, p. 96. O problema de que orientou
a pesquisa assim se constitui: Como os professores de anos iniciais do
ensino fundamental atuantes em escolas públicas concebem e narram os
estudantes considerados exemplos de sucesso ou de insucesso? Desse
problema de pesquisa, surgem as seguintes questões: Como e quais
fatores externos à escola contribuem para o sucesso ou insucesso dos
estudantes dos anos iniciais, na perspectiva docente? Como e quais os
fatores internos à escola contribuem para o sucesso ou insucesso dos
estudantes dos anos iniciais, na perspectiva docente? Que fatores
inerentes aos estudantes contribuem para o sucesso ou insucesso escolar?
Como a cultura escolar de identidade e diferença contribui para
135
136
Mestra em Educação pela Unochapecó. Professora da Educação Básica do Estado de
Santa Catarina. Grupo de pesquisa: Desigualdades Sociais, Diversidades
Socioculturais e Práticas Educativas.. Contato: ivanete.weber@unochapeco.edu.br
Doutora em Educação. Vínculo Institucional: Professora e Coordenadora no PPGE
Unochapecó. Grupo de Pesquisa: Desigualdades Sociais, Diversidades Socioculturais
e Práticas Educativas. Contato: taniazp@unochapeco.edu.br
1056
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classificar os estudantes com sucesso ou insucesso? As teorizações, a
partir de Foucault e seus seguidores, compõem a fundamentação teórica,
evidenciando noções como subjetivação e poder. Salientamos que para
Foucault, o poder, ―[...] não é detido por alguns e despossuído por outros
e nem atua somente como uma força que diz ‗não‘; ao contrário, produz
saber, gera discursos e práticas, constitui formas de subjetivação‖
(EIZIRIK, 2005, p. 82). Revel salienta que o termo subjetivação, para
Foucault, designa ―[...] um processo pelo qual se obtém a constituição de
um sujeito, ou, mais exatamente, de uma subjetividade‖ (REVEL, 2005,
p. 82). O estudo permite concluir, que os professores, frequentemente,
adotam estereótipos ao caracterizar o que consideram estudantes de
sucesso ou de insucesso. Os discursos legais, midiáticos, educacionais,
enaltecem a escola inclusiva e a educação para todos, mas, as narrativas
evidenciam a crença de que o trabalho docente é exitoso,
predominantemente, quando a criança segue as normas e a família é
―estruturada‖ e está presente na escola, desconsiderando as desigualdades
sociais e os desafios da sociedade/família contemporânea. As narrativas
docentes se constroem carregadas por marcas da governamentalidade,
subjetivação e poder, além destas, outras noções foucaultianas também
foram evicenciadas no decorrer do estudo.
Palavras-chave: Cultura Escolar, Sucesso Escolar, Insucesso escolar.
Perspectiva docente.
Referências Bibliográficas
EIZIRIK, Marisa Faermann. Michel Foucault: um pensador do
presente. 2. ed. rev. ampl. Ijuí: Unijuí, 2005.
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Foucault e a análise do discurso em
educação. Cadernos de pesquisa. Porto Alegre: UFRGS, n. 114, p. 197223, nov. 2001.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. 16.
ed. Rio de Janeiro: Graal, 2005.
REVEL, Judith. Foucault: conceitos essenciais. Tradução de Maria do
Rosário Gregolin, Nilton Milanez e Carlos Piovesani. São Carlos: Clara
Luz, 2005.
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LETRAMENTO E INCLUSÃO DIGITAL NAS
COMUNIDADES RURAIS DE BARRA
BONITA – SC: CENÁRIO ATUAL ENTRE
JOVENS E ADULTOS
Júnior José Mix Gonçalves137
Hieda Maria Pagliosa Corona 138
Rosana Maria Badalotti 139
Círculo de Diálogo: Direitos da cidadania, Inclusão, Acessibilidade e Diversidade.
Resumo: Atualmente, o número de pessoas sem acesso as TIC‘s (Tecnologias da Informação e Comunicações) é inexpressivo frente ao total de
indivíduos que estão inseridos de algum modo na era digital. Mas tal fato
não se repete nas comunidades rurais, onde a falta de políticas públicas
que levem, por exemplo, o acesso à internet a essas comunidades ou que
capacitem o pequeno agricultor, é notória. Mesmo quando essas políticas
existem, esbarram muitas vezes na resistência da população, a qual tem
uma forte relação com sua herança cultural. Através de um questionário,
avaliar-se-á a relação do público alvo com as tecnologias digitais. O objetivo do mesmo é entender quais os fatores que prejudicam a adoção dessas tecnologias pelos agricultores. Outro fator a ser avaliado, é se a relação com o mundo digital permanece a mesma nas novas gerações. Os
jovens rurais, apesar de terem nascido em uma época altamente tecnológica, ainda enfrentam barreiras ao utilizar as TIC‘s. Tais barreiras podem
colocar essa população em desvantagem, visto que a adoção de tecnologias pode agregar valor à produção, e fazer com que o mesmo participe
de maneira mais competitiva no mercado. Por fim, chega-se ao entendimento de que a ainda muito para avançar, tanto nas políticas públicas
quanto na usabilidade de tecnologias, para assim legitimar a inclusão
digital no campo.
Palavras-chave: tecnologias, inclusão, agricultor.
137
138
139
Mestrando em Tecnologia e Gestão da Inovação (PPGTI), UNOCHAPECÓ. Contato:
jrjunior2@unochapeco.edu.br
Dra., Professora, Programa de Pós-graduação em Políticas Sociais e Dinâmicas
Regionais (PPGPS) – UNOCHAPECÓ. Contato: rosana@unochapeco.edu.br
Dra., Professora, Programa de Pós-graduação em Políticas Sociais e Dinâmicas
Regionais (PPGPS) – UNOCHAPECÓ. E-mail: hiedacorona@hotmail.com
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O ENSINO DA LÍNGUA BRASILEIRA DE
SINAIS PARA CRIANÇAS SURDAS NOS
ANOS INICIAIS
Taise Dall‟Asen140
Tania Mara Zancanaro Pieczkowski141
Círculo de Diálogo: Educação Especial
Resumo: Atender às necessidades linguísticas e de escolarização de crianças surdas impõe desafios às famílias e à escola. Como uma possibilidade, vislumbra-se o bilinguismo: a abordagem predominantemente adotada nos dias atuais, cujo objetivo é propiciar à criança surda a aquisição
da Libras, como primeira língua e do português escrito, como segunda
língua. A Libras é reconhecida linguisticamente por possuir suas particularidades, como gramática, semântica, pragmática, sintaxe e todos os
demais elementos que caracterizam e formam qualquer língua. Assim, o
sujeito surdo possui por direito legal que o processo de escolarização seja
realizado através da língua de sinais. Conforme o Decreto n. 5.626, de 22
de dezembro de 2005, que regulamentou a Lei n. 10.436/2002, conhecida
como a Lei de LIBRAS, no seu Art. 2º, define que ―considera-se pessoa
surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o
mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS‖ (BRASIL,
2005). O problema de pesquisa que orienta este estudo assim se constitui:
Como acontece a apropriação da língua de sinais por crianças surdas,
desde os primeiros anos de vida até a aquisição do português escrito nos
anos iniciais da educação básica? Do problema de pesquisa derivam as
seguintes perguntas de estudo: Como foram propiciados os primeiros
contatos com a língua de sinais para a criança surda? A criança surda se
comunica com a família em Libras? Como a criança surda teve/tem acesso à língua de sinais na escola de educação básica? A criança surda teve/tem acesso à educação bilíngue na escola? Como acontece esse processo? O estudo apresenta como objetivo geral: Compreender como acontece a aprendizagem da língua de sinais por crianças surdas, desde os
140
Mestranda em Educação pela UNOCHAPECÓ. Bolsista CAPES/ PROSUC. Grupos de
Pesquisa. Contato: taisedallasen@hotmail.com
141
Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da UNOCHAPECÓ –
Orientador. Contato: taniazp@unochapeco.edu.br
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primeiros anos de vida até a aquisição do português escrito nos anos
iniciais da educação básica. A pesquisa se caracteriza como qualitativa
numa perspectiva pós-estruturalista. Serão adotadas entrevistas narrativas
com famílias de crianças surdas e professores atuantes com esse público.
As materialidades empíricas serão organizadas em agrupamentos temáticos e analisadas pela perspectiva da Análise do Discurso com base em
Foucault. Analisar discursos, para Foucault, é compreender ―[...] por que
aquilo é dito, daquela forma, em determinado tempo e contexto, interrogando sobre as ‗condições de existência‘ do discurso‖ (SALES, 2012, p.
125). Para Foucault, ao analisarmos discursos, devemos estar atentos,
pois estes podem ―[...] admitir um jogo complexo e instável em que o
discurso pode ser, ao mesmo tempo, instrumento e efeito de poder‖
(FOUCAULT, 2005, p. 96). Esta pesquisa está em andamento, portanto
não é possível apresentar com exatidão todos os resultados. Porém, algumas reflexões já podem ser evidenciadas no que se refere ao sentimento
de estrangeirismo dos sujeitos surdos em seu próprio país. Sendo assim, é
relevante que desde os primeiros anos de vida a criança surda aprenda a
língua de sinais de seu país e seja protagonista no seu processo de aprendizagem.
Palavras-chave: Educação de surdos. Educação bilíngue. Libras.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Presidência da
República. Casa Civil. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de
2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS, e o art.
18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 dez. 2005. Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004
2006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso em: 10 nov. 2018.
FOUCAULT, M. História da sexualidade I: a vontade de saber. 16. ed.
Rio de Janeiro: Graal, 2005.
SALES, S. R. Etnografia + análise do discurso: articulações metodológicas para pesquisar em Educação. In: MEYER, D. E.; PARAÍSO, M. A.
(orgs.). Metodologias de pesquisas pós-críticas em educação. Belo Horizonte: Mazza, 2012. p. 111-132.
1060
II SIDIAL - Seminário Internacional Diálogos Interculturais na América Latina: saberes populares
IV Congresso Internacional Pluralismo Jurídico, Constitucionalismo, Buen Vivir, e Justiça Ambiental na América Latina
ISBN: 978-65-86218-01-5
FORMAÇÃO DE PROFESSORES,
CURRÍCULO E PRÁTICAS EDUCATIVAS EM
DIFERENTES ESPAÇOS
1061
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IMPLANTAÇÃO DO PROJETO ESCOLA
COM‟ PAIS: A EXPERIÊNCIA DE UMA
ESCOLA PÚBLICA DE CAÇADOR-SC
Elisamara Gaspar da Silva142
Circe Mara Marques143
Círculo de Diálogo: Formação de professores, Currículo e práticas educativas em diferentes espaços.
Resumo: Este resumo trata do processo de implantação do projeto
ECOMPAIS144 em uma escola pública de Educação Básica, em um município do centro-oeste catarinense. É decorrente de uma pesquisa de
Mestrado Profissional em Educação Básica que objetivou potencializar a
‗conversa‘ entre pais e professores sobre a educação das crianças. Considerando tal contexto, bem como as normativas legais apresentadas, a
pergunta que mobilizou tal estudo consistiu em saber de que modo às
escolas públicas, através de seus gestores e professores, podem potencializar a participação das famílias na educação de seus filhos. Nesse sentido,
a pesquisa teve como objetivo implantar, em 2018, a ECOMPAIS na
Escola Municipal de Educação Básica, de Caçador/SC, para fortalecer a
‗conversa‘ entre pais e professores sobre temáticas relacionadas à educação das crianças. Para detectar os modos como as famílias e os professores lidam com a construção de normas de convivência, foi aplicado um
questionário com o propósito de coletar dados sobre a ideia de criança e
de infância e sobre os modos como pais e professores lidam com os limites. A categorização desses dados norteou as discussões que foram realizadas nos três encontros da ECOMPAIS. Para produzir as análises foram
tomados como referência os estudos de Áries (1981), Dornelles (2015),
Dornelles e Marques (2015), Marques e Wachs (2015), Sarmento e Gouvea (2008), Tonucci (2005), Parolin (2006, 2007, 2010, 2012), Finco,
Barbosa e Goulart (2015), Fernandes (2018), entre outros. Os resultados
mostraram que pais e professores apresentam uma concepção moderna
de infância que carece de ser problematizada no sentido de reconhecer as
142
143
144
Mestre em Educação pela Universidade Alto Vale do Rio do Peixe- UNIARP,
Caçador, SC. E-mail: elisamara_gaspar@hotmail.com
Doutora em Educação (UFRGS/RS). Professora-pesquisadora dos Mestrados
Profissional em Educação Básica e Acadêmico em Desenvolvimento e Sociedade da
UNIARP-Caçador, SC. E-mail: circemaramarques@gmail.com
Escola com Pais.
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crianças como sujeitos de direitos, que podem participar ativamente do
processo de aprendizagem das normas de convivência social. Deixamos
claro que não tínhamos a pretensão de ‗ensinar os pais‘ sobre como educar seus filhos, mas o desejo de escutá-los e, a partir dessa escuta, abrir
um canal de ‗conversa‘ onde todos se sentissem seguros e confiantes para
perguntar e contar suas experiências. No primeiro encontro a conversa
abarcou a importância da parceria família-escola, no segundo falamos
sobre a construção das normas de convivência com as crianças em casa e
no ambiente escolar, já no terceiro atentamos para os direitos das crianças e o protagonismo infantil. Ao iniciar a pesquisa constatou-se que não
havia menção da parceria entre a escola e a família no Projeto Político
Pedagógico PPP, sendo que agora a ECOMPAIS já se tornou parte integrante do PPP, e no ano de 2019 já foram realizados mais dois encontros
e vale ressaltar que a parceria entre a escola e a família vem se fortalecendo a cada dia e trazendo muitos benefícios para nossos alunos.
Palavras-chave: Escola. Família. Normas de Convivência.
Referências Bibliográficas
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Janeiro: LTC, 1981.
DORNELLES, Leni Vieira. Infâncias que nos escapam: da criança na
rua à criança cyber. Petrópolis: Vozes, 2005.
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Atravessamento de múltiplos olhares na Educação Infantil. Revista
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FINCO Daniela, BARBOSA S. C Maria, GOULART L. Ana. Uma
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contribuições italianas para inventar um currículo de educação infantil
brasileiro. Campinas, SP: Edições Leitura Crítica, 2015.
MARQUES, Circe Mara; WACHS, Manfredo Carlos. Paz e Educação
Infantil: escutando a voz das crianças. São Paulo: Paulinas, 2015.
(Coleção Pedagogia e Educação).
PAROLIN, Isabel Cristina Hierro. Pais e Educadores: é proibido proibir.
Porto Alegre: Mediação, 2006
PAROLIN, Isabel Cristina Hierro. Pais e Educadores: quem tem tempo
de educar? Porto Alegre: Mediação, 2007.
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PAROLIN, Isabel. Professores formadores: a relação entre a família, a
escola e a aprendizagem. São José dos Campos. 2° ed: Pulso Editorial,
2010
PAROLIN, Isabel. Limites-respeito e superação. Curitiba:Expoente,
2012.
SARMENTO, Manuel Jacinto. “Sociologia da Infância: Correntes e
Confluências‖. In.: SARMENTO, Manuel Jacinto e GOUVÊA, Maria
Cristina Soares de (org.). Estudos da Infância: educação e práticas
sociais. Petrópolis. Vozes, 2008, p.17-39.
SOARES, Natalia Fernandes. Os Direitos das crianças nas encruzilhadas
da proteção e da participação. Zero a Seis. Florianópolis: v. 7, n. 12,
2005.
Disponível
em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/zeroseis/article/view/2100.
Acesso em 09 de nov. 2018.
TONUCCI, Francesco. Quando as crianças dizem: agora chega!;
tradução Alba Olmi. – Porto Alegre: Artmed,2005.
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A EXPERIÊNCIA POÉTICA EM PINTURA NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES-ARTISTAS:
DESDOBRAMENTOS DO ATELIÊ
Bruna Nátali da Rosa145
Ana Paula de Oliveira Cunico146
Ricardo de Pellegrin (Ricardo Garlet)147
Círculo de Diálogo: Formação de professores, Currículo e práticas educativas em diferentes espaços.
Resumo: Introdução: Os ateliês sempre foram espaços de aprendizagem.
Na tradição clássica estes eram espaços reclusos onde um mestre produzia rodeado de discípulos, transmitindo seu conhecimento. No contexto
da formação acadêmica em Artes Visuais os ateliês assumem o caráter
didático das salas de aula, permitindo que a experiência poética surja
como uma estratégia para atingir a aprendizagem significativa e transformadora, rompendo com a dicotomia entre teoria e prática, bem como,
com os paradigmas tradicionais do ateliê. Objetivos: O presente texto
objetiva apresentar um estudo que foi desenvolvido em meio ao alargamento da compreensão didática das funcionalidades do ateliê de pintura
do curso de Artes Visuais na Unochapecó, evidenciando a polivalência e
a relevância da experiência poética com a linguagem pictórica para a
formação de professores de Artes Visuais. Procedimentos Metodológicos:
A pesquisa possui caráter experimental, qualitativo e bibliográfico, empregando, como metodologia de pesquisa, a a/r/tografia. O campo de
estudo foi o componente curricular Pintura, realizado no primeiro semestre de 2019, ministrado pelo professor mestre Ricardo de Pellegrin, que
integra o quadro de disciplinas obrigatórias do curso de Artes Visuais
Licenciatura da Unochapecó. A fundamentação teórica foi estruturada
145
146
147
Graduanda em Artes Visuais - Licenciatura pela UNOCHAPECÓ. Professora da
Educação Básica do Estado de Chapecó. Grupo de pesquisa Arte, Visualidade e
Cultura - Unochapecó. Contato: brunarosa@unochapeco.edu.br
Graduanda em Artes Visuais - Licenciatura pela UNOCHAPECÓ. Professora da
Fundação Catarinense Educação Especial - Quilombo. Grupo de pesquisa Arte,
Visualidade e Cultura - Unochapecó. Contato: ana.cunico@unochapeco.edu.br
Mestre em Artes Visuais. Professor do curso de Artes Visuais - Licenciatura da
Unochapecó. Doutorando em Artes Visuais pela UFMS. Atua na Secretaria de Cultura
de Chapecó/SC e como professor da Unochapecó. Grupo de Pesquisa MomentosEspecíficos - UFSM e Pesquisa Arte, Visualidade e Cultura - Unochapecó. Contato:
ricardoppgart@gmail.com
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especialmente nos pressupostos de: Dewey (2010), Irwin (2013), Lampert
& Nunes (2014) e Pellegrin (2017). Resultados Parciais ou finais: No
decorrer do semestre a metodologia adotada partiu da experiência poética
em pintura como premissa para o ensino-aprendizagem, onde os acadêmicos foram instigados a desenvolver uma série pessoal de pinturas alinhadas aos pressupostos da Arte Contemporânea, fundamentando o
processo em técnicas aprendidas em semestres anteriores e em temáticas
particulares. Os projetos individuais foram orientados pelo docente que
auxiliava na compreensão e expansão de conceitos sobre a pintura e o
uso do ateliê se apresentou como espaço de investigação do artistapesquisador, proporcionando discussões sobre aspectos técnicos e conceituais da pintura. Ao término do componente foi realizada uma exposição
no ateliê, proporcionando uma vivência de curadoria aos acadêmicos,
colocando o espaço em uma realidade não atribuída originalmente ao
mesmo, elevando assim suas possibilidades como ambiente criativo e
conceitual. O processo poético em pintura, que abarca a vivência em
ateliê, permitiu experienciar a perspectiva do artista-professorpesquisador, pois este ao mesmo tempo envolve as etapas de concepção,
experimentação, produção, conceituação e exposição do trabalho. Assim,
o profissional formado amplia seus recursos para diferentes campos de
atuação, como a didática (ensino), a poética (criação), a estética (teorização) e a crítica (análise), ressaltando, diante desta perspectiva, a importância da vivência múltipla do atelier prático para o discente e o docente
da área de Artes Visuais.
Palavras-chave: Arte-educação. Professor-artista. Ateliê.
Referências Bibliográficas
DEWEY, John. A arte como experiência. Trad. Vera Ribeiro. São Paulo:
Editora Martins, 2010.
LAMPERT, Jociele; NUNES, Carolina Ramos. Entre a prática
pedagógica e a prática artística: Reflexões sobre Arte e Arte Educação.
Revista Digital do LAV. Santa Maria: UFSM, vol. 7, n.3, p. 100-12,
set./dez,
2014.
Disponível
em:
<http://dx.doi.org/10.5902/1983734814258>. Acesso em: 30/03/2018.
IRWIN, Rita L.. A/r/tografia. In: DIAS, Belidson; IRWIN, Rita L.
(Orgs.). Pesquisa educacional baseada em arte: a/r/tografia. Santa
Maria: UFSM, 2013, p. 27-35.
PELLEGRIN, Ricardo de. O ateliê de pintura como espaço pedagógico
colaborativo: práticas do artista-professor no ensino superior. In:
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MORENO, Márcia; MONEGO, Sonia (Org.). Pesquisa e Prática em
Artes. Chapecó: Editora Argos, 2017. p. 35-46.
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A TEORIA DA COMUNICAÇÃO DE JURGEN
HABERMAS SOB O PANORAMA DA
GESTÃO ESCOLAR.
Mayara Maria Ariotti148
Joel Haroldo Baade149
Círculo de Diálogo: Formação de professores currículo e práticas educativas em diferentes espaços.
Resumo: O presente artigo tem como objetivo explicitar a relação no dia
a dia escolar e a teoria da comunicação de Jurgen Habermas. O instrumento constitui-se em um poderoso alicerce para a gestão democrática e
participativa dessa estrutura, mostrando a importância que o ser humano
inconscientemente atribuiu à comunicação, a qual a humanidade dispõe
para resolver seus conflitos e encontrar alternativas de solução para seus
problemas. A concepção de racionalidade como um processo que se desenvolve, centrado no sujeito, validando os saberes e pretensões em torno
do agir comunicativo, ajuda a entender o processo de burocratização da
escola. A gestão escolar é o cerne da instituição, o mecanismo principal
para delinear o todo da instituição, a relação entre os participantes é designo das necessidades e limitações é o pressuposto da ação comunicativa. A teoria da ação comunicativa ajuda a entender o processo de burocratização da escola, assim como a influência saneadora exercida por
mecanismos que trazem o poder de decisão sobre a comunidade escolar.
A metodologia consiste em uma análise dos dados coletados durante um
período de seis meses em uma instituição de ensino de Educação Infantil
na cidade de Caçador/Santa Catarina. O desenrolar desse projeto, em
conjunto com pais, professores, alunos e comunidade delineou a autonomia da instituição e destacou a relação da teoria de Habermas com a
gestão democrática. Um projeto elaborado pensando na realidade da
instituição trará um significado para todos os participantes, fomentando
dessa forma a contribuição na formação de cidadãos críticos. O caminho
percorrido foi construtivo e desafiador, descobertas e análises demostra148
149
UNIARP-Universidade do Alto Vale do Rio do Peixe. Mestre em Educação pela
UNIARP. Atua como Especialista em Assuntos Educacionais no município de
Caçador. Contato: mayaraariotti31@gmail.com
UNIARP- Universidade do Alto Vale do Rio do Peixe. Professor Doutor da
Universidade no Programa de Mestrado em Educação Básica. Contato:
baadejoel@gmail.com
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ram interesse por parte dos profissionais em fazer a diferença. Os pais
contribuíram na entrega dos questionários, mesmo não atingindo uma
grande parcela, mas o resultado desses envolvidos, mostrou a satisfação
no trabalho que a entidade desenvolve.
Palavras-chave: Educação, Democrática, Comunicação.
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POLÍTICAS EDUCACIONAIS:
FORMAÇÃO DOCENTE
Manon Aparecida Pereira de Jesus150
Solange Ciqueira Haetinger151
Círculo de Diálogo: Formação de professores, currículo e práticas educativas em diferentes espaços.
Resumo: O intuito deste trabalho é verificar o que a legislação hodierno
traz sobre a formação de professores. A formação de um professor não é
estática, finita, ao contrário, ela é dinâmica e permanente. Para Geraldi
(2010), ―nos formamos professores ao longo de alguns anos de estudos de
certos conteúdos, que adquirimos, que encorpamos, e que nos remodelam, nos tornam a pessoa que não éramos‖. Ou seja, é um processo contínuo. Para Tardif (2012, p.31) ―parece banal, mas um professor é, antes
de tudo, alguém que sabe alguma coisa e cuja função consiste em transmitir esse saber a outros‖. Historicamente, segundo Saviani, foi após a
Revolução Francesa, que a formação de professores ganhou força, quando houve a necessidade de instruir a população. Para o autor, no Brasil, a
formação docente fica evidente após a independência. No que tange às
leis, vários documentos oficiais fazem menção a formação de professores.
Sobre formação inicial e continuada, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 9394/96, trata a questão em seu art. 62. No atual Plano
Nacional de Educação (PNE), com vigência decenal de 2014 a 2024, das
vinte metas propostas, quatro delas fazem menção à formação docente,
são elas: Metas 15, 16, 17 e 18. As Diretrizes Curriculares Nacionais para
Educação Básica, citam a formação docente em seu art. 42. Buscando
atender a legislação atual, em outubro de 2017, o Ministério da Educação
(MEC) lançou a Política Nacional de Formação de Professores. Com a
política, também foi realizado o lançamento da ―Residência Pedagógica‖, fazendo parte da modernização do Programa Institucional de Bolsa
de Iniciação à Docência (Pibid) cujo objetivo é ―a melhoria da qualidade
150
151
Bolsista UNIEDU/FUNDES da Pós Graduação em Fundamentos e Organização
Curricular da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó).
Contato: manon@unochapeco.edu.br
Mestranda em Educação pela UNOCHAPECÓ. Atua como designer educacional e
docente
na
Educação
a
Distância
da
Unochapecó.
Contato:
cpedagogia@unochapeco.edu.br
1070
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da formação inicial e uma melhor avaliação dos futuros professores, que
contarão com acompanhamento periódico.‖. (MEC, 2017). A formação
de professores está presente na legislação atual, dessa forma, as políticas
educacionais, bem como os programas, precisam atender as leis vigentes,
pois, muitas são as considerações necessárias que precisam ser feitas com
relação a formação inicial e continuada dos professores do país, considerando a diversidade do campo educacional e o cenário atual. Sabemos
que muitos ainda são os desafios que precisam ser enfrentados. Indiferentemente do formato das práticas pedagógicas, a educação precisa cumprir
com sua função social, avançando de acordo com as demandas sociais,
culturais, econômicas, inclusivas e tecnológicas, reconhecendo e valorizando o docente, investindo em estratégias conforme a necessidade, visualizando uma sociedade justa, democrática e sustentável na formação de
profissionais competentes.
Palavras-chave: Legislação. Políticas Educacionais. Formação Docente.
Referências bibliográficas
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica.
Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.
BRASIL. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 2016. Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Brasília, DF, 20 dez 2016. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em
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BRASIL. Lei nº 13.005 de 02 de junho de 2014. Plano Nacional de
Educação.
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DF,
02
jun
2014.
Disponível
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20112014/2014/lei/l13005.htm> Acesso em 04 nov. 2018.
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educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção Leitura).
GERALDI, João Wanderley. A aula como acontecimento. São Carlos:
Pedro & João Editores, 2010.
PRETTO, Nelson de Luca. Uma escola sem/com futuro. Campinas, SP:
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SILVA,Jackson Ronie Sá, ALMEIDA, Cristóvão Domingos de,
GUINDANI, Joel Felipe. Pesquisa documental: pistas teóricas e
metodológicas. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Ano I Número I - Julho de 2009. p.1-15.
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TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 13ª Ed.
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religião e ensino religioso em diálogo. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2007,
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A FORMAÇÃO EM ARTES E O USO DE
PIGMENTOS NATURAIS COMO APORTE
PARA A DESCONSTRUÇÃO DO DESENHO
NO ENSINO ESCOLAR
152
Márcia Moreno
153
Andressa Luiza DellaBetta Foralosso
Círculo de Diálogo: Formação de professores, Currículo e práticas educativas em diferentes espaços.
Resumo: Este projeto busca desconstruir os estereótipos que são historicamente averiguados no ensino do desenho em espaços de educação
formal, tendo como aporte teórico a pesquisadora Ana Mae Barbosa
(2012), e implementando o uso de tintas naturais como base para experimentação e criação do aluno atuante no ensino fundamental. O objetivo
desta pesquisa tem como premissa a interdisciplinaridade, bem como a
ressalva da importância de projeções sustentáveis e acessíveis ao cotidiano escolar. O assunto aqui apresentado, fomenta a prática a partir de
autores como Lowenfeld e Brittain (1977) onde salientam a importância
de desenvolver e instigar a capacidade criadora na criança, bem como
Maria Lucina Busato Bueno (1997), pesquisadora que desenvolveu uma
técnica criativa para extração de diversas cores, por intermédio de métodos apropriados, considerando a necessidade vigente em cada material. O
projeto acontecerá no ensino básico, com atividades a serem desenvolvidas, as quais serão pensadas e elaboradas em planos de ensino, possuindo
como enfoque central a pesquisa qualitativa, utilizando para sua análise o
método fenomenológico no Ensino Infantil e o método sócio152
Doutoranda em Artes Visuais (UDESC); Mestre em Educação pela UFSM; Professora e
Coordenadora do Curso de Artes Visuais da Unochapecó; Vice líder do grupo de
pesquisa "Artes, Cultura e Visualidade" (Unochapecó); Membro do grupo de pesquisa
"Entre paisagens" (UDESC). Contato: moremar@unochapeco.edu.br
153
Graduanda em Artes Visuais - Licenciatura (Unochapecó), Membro do Grupo "Artes,
Cultura e Visualidade" (Unochapecó) Contato: andressaforalosso@unochapeco.edu.br
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interacionista no Ensino Fundamental. Visto que a pesquisa está em
processo, tem-se como hipótese a importância em estimular a espontaneidade e a criatividade do aluno, possibilitando à ele o universo experimental, associado à prática do seu cotidiano e experiências, sejam elas
pessoais e/ou coletivas. O entendimento sobre as diversas replicações as
quais não constituem, na maioria das vezes, reflexões a partir de seus
processos criativos durante o desenvolvimento nos espaços escolares,
espera-se que esta pesquisa possibilite o inverso, contribuindo assim, para
com a formação do aluno. Sendo assim, considerando a problemática de
desenvolver entendimentos e capacidades aos alunos, que de alguma
forma são apontadas no ensino atual, far-se-á uso da abordagem triangular de Ana Mae Barbosa para possibilitar ao aluno liberdade de explorar e
criar a partir do que lhe foi mediado, tendo o desenho e os pigmentos
naturais como linguagem para tal processo.
Palavras-chave: Desenho. Experimentos. Pigmentos. Cotidiano.
Referências Bibliográficas
BARBOSA, Ana Mae.Arte-Educação no Brasil.7. ed. São Paulo:
Perspectiva,2012.
BUENO, Maria Lucina Busato. Tintas naturais: uma alternativa à
pintura artística. 2. ed. Passo Fundo: Ediupf, 1998.
LOWENFELD, Viktor ; BRITTAIN, W. Lambert. Desenvolvimento da
Capacidade Criadora.São Paulo: Editora Mestre Jou, 1970.
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DESCOLONIALISMO EM “THE WALKING
DEAD”: A SÉRIE TELEVISIVA COMO
ALTERNATIVA NAS DISCUSSÕES EM SALA
DE AULA
João Pietro Bridi154
Diulia Luísa H. Soares155
Círculo de Diálogo: Formação de professores, Currículos e práticas educativas em diferentes espaços
Resumo: O padrão tradicional de ensino-aprendizagem, onde o professor
é como o detentor do conhecimento e os alunos um depósito de informações, vai ao encontro do que se entende, aqui, como colonialismo do
saber. Ou seja, uns sabem e pensam enquanto outros aguardam o benefício. Na busca por novas práticas educativas e na elucidação do colonialismo, este trabalho busca expor como as produções audiovisuais podem
ser entendidas como espaço de reflexão e aprendizagem diferenciado. De
forma mais específica, o trabalho traz a iniciativa em pesquisar a série
televisiva ―The Walking Dead‖ e como ela apresenta perspectivas descoloniais.
Levando em conta o sucesso mundial da série - na TV156 e serviços de
streaming157 - é possível vislumbrar um aceite por parte dos alunos. No
início da história do cinema e também da televisão, as produções audiovisuais tinham por principal objetivo o entretenimento. Superando essa
perspectiva, entende-se que os gêneros discursivos (BAKHTIN, 2003)
―filme‖ e ―série televisiva‖ podem ser uma forma de ensino e, portanto,
forte aliada das práticas educativas. Ainda, leva-se em conta a perspectiva
da ―multimodalidade‖, entendida como a (co)ocorrência de diversos
modos semióticos, ou linguagens, que contribuem para produzir sentidos.
(KRESS E VAN LEEUWEN, 2001). Sob essa ótica, o uso da série televi154
155
156
157
Aluno especial do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas
pela Universidade Federal da Fronteira Sul - Campus Erechim. Contato:
jota.pietro@gmail.com
Mestranda do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas pela
Universidade Federal da Fronteira Sul - Campus Erechim. Contato:
diuliasoares@gmail.com
Rede norte-americana de televisão por assinatura.
Uma forma de distribuição de conteúdo digital. Uma das plataformas mais conhecidas
é a Netflix.
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siva e de suas diferentes linguagens - imagética, musical, verbal, escrita como ferramenta de ensino pode contribuir no entendimento dos estudos
descoloniais - e do próprio colonialismo. O descolonialismo é entendido
como um processo que busca transcender historicamente a colonialidade
e supõe um projeto com outro mais profundo para o presente de subversão do padrão do poder colonial (RESTREPO E ROJAS, 2010). Uma
representação desse processo é o apocalipse zumbi - ocorrido na série
supracitada - que contamina a população e a transforma em mortos-vivos
após o falecimento. A série, conhecida pelo embate entre vivos e mortosvivos, na verdade retrata o colapso da sociedade diante do fim de tudo
que lhes é conhecido e imposto até então. Ela mostra os primeiros impactos do descolonialismo no mundo sociocultural158: o caos nas cidades, a
percepção de um novo mundo, o fim das leis e dos preconceitos instaurados pelo eurocentrismo - racismo, xenofobia, machismo e demais ideais
de superioridade (QUIJANO, 2005). Ou seja, se adequa ao pensamento
descolonial "comprometido com a superação das relações de colonização, colonialismo e colonialidade" (BALLESTRIN, 2013, p. 91). A análise, que será aprofundada em artigo para a disciplina ―Educação e Direitos Humanos - perspectivas decoloniais‖ ofertada pela UFFS-Erechim em
seu programa de Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas, terá
como base os estudos detalhados da multimodalidade a partir da Gramática do Design Visual de Kress e Van Leeuwen e da Análise Crítica do
Discurso (ACD) de Fairclough (2001), revisitada pelas autoras brasileiras
Resende e Ramalho (2004). De acordo com elas, na perspectiva da ACD,
o discurso é compreendido como uma forma de prática social, um modo
de ação sobre o mundo e a sociedade. A série televisiva e seus discursos,
portanto, podem ser uma alternativa de promover o aprendizado e criar
uma atmosfera colaborativa de discussão.
Palavras-chave: Discurso. Educação. Linguagem. Multimodalidade.
Televisão.
Referências Bibliográficas
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.
FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2001.
158
Observado numa breve análise da primeira temporada da série - estreada em 2010 com
seis episódios -, a KKKKK#$ 8partir do que a multimodalidade representa.
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QUIJANO, Aníbal. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências
sociais.Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005.
Disponível
em:
http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/sursur/20100624103322/12_Quijano.pdf. Acesso em 04 de setembro de
2019.
RESENDE, V. D. M; RAMALHO, V. C. V. S. Análise de Discurso
Crítica, do modelo tridimensional à articulação entre práticas:
implicações teórico-metodológicas. Linguagem em (Dis)curso. Santa
Catarina, v. 5, n. 1, p. 185-208, dez./2005. Disponível
em:http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Linguagem_Dis
curso/article/view/3 07. Acesso em: 05 de setembro de 2019.
RESTREPO, Eduardo; ROJAS, Axel. Inflexión decolonial: fuentes,
conceptos y cuestionamentos. Popayán: Editorial Universidad de Cauca,
2010.
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ACOLHIMENTO DE IMIGRANTES
HAITIANOS NA ESCOLA: RELATO DE
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
INTERCULTURAIS
Fabíola Cardoso Cecchetti159
Círculo de Diálogo: Formação de professores, Currículo e práticas educativas em diferentes espaços
Resumo: Desde 2010, a cidade de Chapecó vem recebendo um contingente significativo de imigrantes haitianos, que são atraídos pelas vagas
de emprego nas agroindústrias, frigoríficos e empresas da região. Ocupam, na maioria das vezes, postos de trabalho braçais e recebem os mais
baixos salários. Segundo dados da Polícia Federal, atualmente há mais 5
mil haitianos vivendo na cidade. Por conta de sua proximidade com uma
agroindústria de alimentos, o bairro São Cristóvão, onde está localizada a
Escola de Ensino Fundamental Neiva Maria Andreatta Costella, tornouse lugar de residência de muitas famílias de imigrantes haitianos. Por
consequência, o número de matrículas de estudantes haitianos vem aumentando nos últimos anos. Face a isso, este trabalho relata práticas
pedagógicas desenvolvidas para acolhimento de imigrantes haitianos em
turmas dos anos iniciais do ensino fundamental na referida escola. Partimos do pressuposto de que os educadores têm um papel fundamental no
sentido de construir currículos e práticas que considerem as identidades
culturais, contribuindo para uma cultura de reconhecimento das diferenças (DORNELLES, 2007). Por isso, relataremos algumas estratégias
realizadas em classe para coordenar as tensões e desafios que aparecem
no cotidiano escolar considerando a relação entre os diferentes. No caso
em tela, constatamos que o reconhecimento e inclusão dos imigrantes
exige a adoção de pedagogias interculturais, inserindo os docentes ante o
dilema do arco-íris ou do fio da navalha (CORTESÃO, 2004). De acordo
com essa autora, a primeira situação representa a complexidade que está
mascarada sob uma aparente simplicidade, qual seja: a presença de diferentes culturas no cotidiano escolar, as quais muitas vezes são difíceis de
159
Mestranda em Educação pela UFSC. Professora dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental da rede estadual de ensino de Santa Catarina. Contato: fabiolacardosos@hotmail.com
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entender ou de atender adequadamente. Reconhecer o arco-íris de culturas
implica em considerar que as diferenças são uma riqueza, pois abrem
caminhos fecundos de compreensão do Outro(a) e de si mesmo, estabelecendo pontes de comunicação e aprendizagem mútua. Por sua vez, o fio
da navalha remete à dificuldade, ao risco de escolher um caminho que
pode negligenciar ou excluir. Cada decisão, mesmo que aparentemente
pouco importante, pode ter efeitos inesperados, revelando a urgência de
decodificar significados e de agir com precaução. O risco a que todo educador se depara, bem como o próprio sistema educativo em sua totalidade, está na concepção ou no modo como o Outro(a) é considerado e tratado. Concluímos que, além do desenvolvimento de uma sensibilidade
intercultural, os educadores necessitam construir práticas diversificadas
que considerem os estudantes imigrantes com respeito e cuidado que
todas as pessoas merecem.
Palavras-chave: Imigração. Interculturalidade. Práticas pedagógicas.
Escola pública.
Referências Bibliográficas
CORTESÃO, L. O arco-íris e o fio da navalha: problemas da educação
face às culturas – um olhar crítico. Grifos, n. 15, p. 89-103, 2004.
DORNELLES, L. V. Apresentação. In: _______. (Org.). Produzindo
pedagogias interculturais na infância. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 19-40.
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ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA
ESTRANGEIROS: DESAFIOS E
POSSIBILIDADES
Jacinta Lúcia Rizzi Marcom160
Paulo Roberto Dalla Valle161
Círculo de Diálogo: Formação de professores, Currículo e práticas educativas em diferentes espaços
Resumo: O aumento crescente do número de refugiados que chegam aos
municípios do oeste catarinense vem chamando atenção da sociedade e
das instituições escolares brasileiras. Compreende-se que diversos são os
motivos que fazem dessa região o refúgio para muitos venezuelanos,
senegaleses, cubanos, haitianos, angolanos, dentre outras nacionalidades.
Destaca-se a possibilidade de inserção no mercado de trabalho como
fator preponderante para a escolha de nossa região como espaço para
recomeçarem suas vidas. Entretanto, mesmo com a possibilidade de conseguir trabalho em agroindústrias, empresas terceirizadas, serviços gerais,
muitos são os problemas enfrentados por esses sujeitos quando se instalam em nossos municípios. Percebe-se que uma das maiores dificuldades
encontradas está na comunicação, uma vez que os imigrados não dominam o português e a população local não compreende o inglês e o francês, língua utilizada pelos refugiados que aqui desembarcam. De acordo
com Vial (2004) não existe sociedade sem comunicação e esta por sua vez
significa informação, compreensão e ato de comunicar, dando sentido à
vida em sociedade. Assim, procurando alternativas para empoderar esse
significativo número de estrangeiros a Secretaria de Estado da Educação
de Santa Catarina propôs um curso de Língua Portuguesa voltado especificamente a esse público. O curso proposto visa promover uma interface
multicultural com temáticas de seu cotidiano cujo objetivo é facilitar a
execução de atividades cotidianas como: tirar carteira de trabalho, procu160
161
Mestranda em Educação pela UNOCHAPECÓ. Pedagoga do IFSC – Câmpus São
Miguel
do
Oeste.
Grupo
de
Pesquisa
Formação
de
professores.
Contato: jacinta.marcom@ifsc.edu.br
Mestrando em Educação na Unochapecó. Professor da Rede Estadual de Ensino de
Santa Catarina, atuando como Integrador Regional de Educação na Supervisão
Regional de Educação de Seara. Contando com a colaboração da Diretora do CEJA,
Rejane Buth Heemann e da Professora de Língua Portuguesa Ione Terezinha Filippi
Buth. Contato: paulodallavalle@unochapeco.edu.br
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rar um emprego, expressar-se no posto de saúde, solicitar informações,
realizar operações bancárias, alugar um imóvel, fazer compras, etc. A
proposta do curso em nível básico se materializa através do Centro de
Educação de Jovens e Adultos (CEJA) de Seara, que objetiva contribuir
no favorecimento da inserção social, da cidadania, da inclusão e do pertencimento do outro no contexto social e local. O curso em nível básico,
está sendo realizado com a participação de 13 alunos estrangeiros que
imersos na língua portuguesa, tem potencializadas as oportunidades de
melhoria de suas condições de vida, bem como um olhar para as diferenças e dificuldades que se apresentam no contexto analisado. Com o desenvolvimento dessa formação, observa-se pelo acompanhamento na
turma que os estudantes estrangeiros têm interagido de forma mais efetiva com as atividades propostas pois, estas são contextualizadas com temas, assuntos e vivências que consideram a própria realidade em que
estão inseridos. Infere-se pela observação e pelo aumento na procura de
novos estrangeiros por matrícula na turma para aprender Português, que
a experiência no desenvolvimento da proposta em tela tem relevância
social e possibilita mais oportunidades àqueles que estão em busca de sua
autonomia e inserção social. Neste mesmo viés, aponta-se a educação
como suporte para a emancipação e transformação social.
Palavras-chave: Centro de Educação de Jovens e Adultos. Educação.
Imigrantes. Inserção social.
Referências Bibliográficas
VIAL, Sandra Regina Martini. et al. Sociedade contemporânea: o
paradoxo da inclusão/exclusão social no contexto da Global. Direitos
sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul:
EDUNISC, 2004.
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DESIGUALDADES DE COR E GÊNERO NA
EDUCAÇÃO ESCOLAR DE SÃO JOSÉ NO
FINAL DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO
SÉCULO XX – DESVELANDO A
COLONIALIDADE E VISLUMBRANDO E
DECOLONIALIDADE
Janaína Amorim da Silva162
Círculo de diálogo: Formação de professores, currículo e práticas educativas em diferentes espaços
RESUMO: A presente pesquisa pretende se debruçar sobre a educação
escolar de São José, na Grande Florianópolis, do final do século XIX
anterior a abolição até meados do século XX percebendo como as mulheres e a população negra tiveram negado ou dificultado seu acesso à educação escolar, reafirmando o racismo estrutural presente em nossa sociedade. Como objetivo destacam-se o propósito de identificar a colonialidade presente nos programas curriculares, legislações, jornais e fotografias do período correspondente, percebendo quais os discursos e interesses
da escolarização formal com a inserção da população negra e feminina
na educação, bem como identificar nas narrativas das professoras e estudantes das escolas de São José da primeira metade do século XX, suas
memórias, branquitudes e experiências sobre o cotidiano escolar com
relação às estudantes femininas e negras compreendendo que diferenças e
desigualdades permeavam o controle dos corpos femininos e negros nas
instituições escolares a partir das fotografias, narrativas e documentos
legais. O aporte teórico será nos autores decoloniais latino-americanos,
que auxiliarão na compreensão do panorama das estratégias hegemônicas
que convergem para a manutenção da colonialidade do saber e do poder.
A metodologia buscará romper com os modelos de pesquisa científica
convencionais que objetificam os sujeitos, num exercício de escrever com
eles e sobre eles, inserindo outras linguagens de fontes históricas além dos
documentos escritos, tais como as fontes orais e as fotografias, percebendo na expressão verbal e corporal a como foi se consolidando a constru162
Doutoranda no Programa de Educação pela UFSC, atua como professora de História da
Rede Municipal de São José, vinculada ao grupo de pesquisa PAMEDUC. Contato:
janainayemanja_@hotmail.com.
1082
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ção da branquitude e do racismo. A presente pesquisa encontra-se atualmente em seu estágio inicial na coleta dos primeiros depoimentos e documentos que já permitem traçar o trajeto dessa proposta, mas que, no
entanto, já tem a pretensão de poder contribuir para pensar na construção
de uma educação escolar que supere o epistemicídio e que verse pela
pluriversalidade.
PALAVRAS CHAVES: Educação. Colonialidade. Racismo. Gênero.
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PRÁTICAS EDUCATIVAS E CURRÍCULO:
SABERES NECESSÁRIOS FRENTE AOS
DESAFIOS DA DOCÊNCIA
Vanderlei Külkamp163
Josiane Crusaro Simoni164
Círculo de Diálogo: Formação de professores, Currículo e práticas educativas em diferentes espaços.
Resumo: A presente proposta trata da relação entre as práticas educativas
e o currículo, com atenção especial aos saberes e desafios da docência na
contemporaneidade. A clareza quanto aos aportes curriculares e o conhecimento relativo aos saberes da docência são indispensáveis, porém insuficientes, haja visto que o contemporâneo é marcado pela complexidade e
por rápidas transformações, exigindo do professor uma atualização permanente. A questão que nos intriga é que, mesmo diante desta exigência
crescente, muitos profissionais da educação demonstram resistência na
realização de estudos, pesquisas e formação continuada. A atitude investigativa e a disposição para aperfeiçoar-se contribuem no processo de
construção do conhecimento, refletindo na aprendizagem dos estudantes
e nas práticas educativas em diferentes espaços sociais. O docente necessita, em muitas situações, ressignificar as suas práticas pedagógicas e
buscar novas metodologias a fim de construir novo sentido para o pensarfazer pedagógico, sem fixar-se demasiadamente em orientações curriculares, mas recriando ou ensaiando o currículo como vivência e experimentação do mundo, materializado no contexto do estudante. No contexto
atual, a prática docente pressupõe a superação do fazer tradicional, mecânico, da transmissão de conhecimentos pelo método impositivo, onde o
professor é o ―dono do saber‖. A realidade educacional contemporânea
exige dos docentes práticas e metodologias dinâmicas, ativas, facilitadoras da aprendizagem, que deem ênfase à formação intelectual, psíquica e
cidadã de cada um/a. O docente necessita construir uma prática educativa que priorize os processos interativos de reflexão, de questionamentos,
163
Pós Graduação em Filosofia pela UNIASSELVI. Professor da Educação Básica do
Estado
de
Santa
Catarina.
Contato:
vanderleikulkamp1@gmail.com;
vanderleikulkamp@ibest.com.br
164
Mestra em Educação pela Unochapecó. Professora de Ensino Religioso na Secretaria de
Estado
da
Educação
de
Santa
Catarina
(SED/SC).
Contato:
professorajosianeensino@gmail.com
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de debates que proporcionem aos estudantes, acadêmicos, pesquisadores
e outros, o enriquecimento do seu ―capital cultural‖, conforme expressão
de Bourdieu (NOGUEIRA, C.; NOGUEIRA, C. 2015). Há professores
que acreditam não ser necessária a formação continuada, cujo objetivo é
o de revisar e renovar as concepções e práticas educativas. Por outro
lado, há os que, apesar de todos os empecilhos anunciados no país, continuam acreditando, lutando e produzindo conhecimento científico e
filosófico articulado ao currículo, aos saberes e a prática da docência.
Por fim, consideramos que as práticas educativas nos diferentes espaços
só serão fortalecidas mediante o exercício da pesquisa, atitude investigativa que favorece a elaboração de novos pressupostos epistemológicos e
curriculares e favorecem a autonomia, o espírito crítico e inventivo, a
responsabilidade social e a ética.
Palavras-chave: Formação. Docência. Práticas educativas. Currículo.
Pesquisa.
Referências Bibliográficas
NOGUEIRA, Claudio M. M.; NOGUEIRA, Maria Alice. Os herdeiros:
fundamentos para uma sociologia do ensino superior. In: Educ. Soc. V.
36, nº 130, p. 47 - 62, jan.mar., 2015.
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GARATUJANDO A INFÂNCIA AMERÍNDIA
A PARTIR DE GILBERTO FREYRE.
Silvana Teresinha Bernieri
165
Círculo de Diálogo: Formação de professores, currículo e práticas educativas em diferentes espaços.
Resumo: O ponto de partida para as reflexões que se seguem é a obra
Gilberto Freyre Casa Grande e Senzala, que traz à lume o seguinte questionamento: Como se configurou a infância ameríndia no Brasil e suas
contribuições para a infância brasileira? Esta questão fez surgir em mim à
vontade de conhecer com mais profundidade e de forma sistematizada, a
partir das análises educacionais, sociais e historiográficas, sobre a infância da tradição brasileira, já que tal nó e nexo foi discretamente silenciado, impondo-nos uma cultura de infância eurocêntrica. Para tanto, o
objetivo se esquadrinha em uma tentativa de pensar aportes teóricos a
partir de diálogos entre a semiótica e os escritos de Gilberto Freyre a fim
de compreender a infância brasileira, não como especificidade de uma
época ou uma cultura, mas como uma condição de linguagens/signos
entre as infâncias, pois, toda cultura se manifesta e se constrói em processos contínuos, de pluralidades em determinados tempos e espaços. Lendo
Freyre percebo o quanto a infância ameríndia necessita ser trazida à luz
de nossos diálogos para que se possa compreender como a mesma veio
sendo constituída historicamente em nosso país. Desta forma percebe-se
que muitas das linguagens/signos da infância ameríndia estão ainda presentes na infância do contemporâneo. Ainda em nossa cultura encontramos resquícios e que perdurou/perduram por muito tempo o brinquedo
bodoque e o alçapão com rodelas de banana para pegar as aves e criá-las
de forma a domesticá-las para que fiquem mansas e não fujam do convívio das pessoas. Ainda as brincadeiras de arremessos com bolas, o próprio jogo da bola, com cabeçadas, com movimentos nas costas e outros.
Brincavam desenfadadíssimos, graciosos, sem queixumes, pelejas e, como Freyre relata, sem pulhas, ou nomes ruins, e desavenças. Podemos
mencionar que é também da tradição ameríndia que vieram grandes contribuições dos jogos infantis para esportes europeus e brasileiros. Com
isso, percebe-se que a infância das crianças ameríndias em seus diversos
165
Mestranda em Educação na Universidade Comunitária da Região de Chapecó. E-mail:
silvanabernieri@hotmail.com .
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ciclos, estiveram movidas pela influência europeia, que, de maneira forçada, se comunicaram com a cultura do invasor e, que pelo olhar de
Freyre, só fez deformar a cultura ameríndia. Não os destruiu. As várias
vivências da tradição das crianças ameríndias aparecem, ainda em nossos
dias, nas diversas regiões do Brasil, como: o folclore, a imaginação, o
gosto pelos animais, os jogos, o esporte, a higiene das crianças, as brincadeiras, os mitos, a alimentação, a questão pedagógica, as danças, as canções de ninar, entre outros.
Palavras-chave: Educação. Infância ameríndia. Tradição brasileira. Semiótica.
Referências Bibliográficas
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. 51ª. Edição. São Paulo.
Global Editora, 2006.
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HABILIDADES SOCIOEMOCIONALES EN
LA ESCUELA: ¿APRENDER A VIVIR? O
APRENDER A MANEJAR LAS
EMOCIONES?166
Patrícia Grando167
Elcio Cecchetti168
Círculo de Diálogo: Formacíon docente, Currículum y prácticas
educativas en diferentes espacios.
En el contexto de la Base Nacional Comum Curricular (BNCC), específicamente en el componente curricular de la lengua portuguesa, se definió
un conjunto de competencias específicas para mejorar el desarrollo de
habilidades que les permitan a los estudiantes comprender el lenguaje
como un sistema simbólico, para comprender y transforma tus realidades.
Desde esta perspectiva, hubo un reajuste del currículo de la disciplina,
priorizando el estudio de los géneros textuales y sus diversos matices
comunicativos. A BNCC (BRASIL, 2018) entiende el lenguaje desde un
punto de vista enunciativo-discursivo, y los textos orales y escritos deben
seleccionarse y abordarse desde las prácticas del lenguaje. Sin embargo,
entre el conjunto de habilidades mencionadas anteriormente, hay socioemocionales. Estos se entienden como una novedad en el campo curricular brasileño y tienen como objetivo el desarrollo de habilidades de relación interpersonal a través del manejo de las emociones personales. En
vista de esto, preguntamos: ¿los profesores de portugués pueden mediar
en el proceso de "aprender a vivir juntos" o están manejando sus emociones y las de sus alumnos en sus prácticas pedagógicas? El objetivo de este
trabajo es investigar cómo se están desarrollando las habilidades sociales
166
Este trabajo resulta de las clases del componente curricular Educación Intercultural y
(De)Colonialidad en Latinoamérica, enseñado por los profesores Claudia Battestin y Elcio
Cecchetti, ofrecido bajo el Programa de Posgrado en Educación de la Unochapecó en el
segundo semestre de 2019.
167
Mestranda em Educação pela UNOCHAPECÓ. Atua como professora de Língua
Portuguesa no Centro de Educação – CEIB. Membro do grupo de pesquisa:
Desigualdades sociais, diversidades socioculturais e práticas educativas da
Universidade Comunitária da Região de Chapecó. Contato: patiy@unochapeco.edu.br
168
Doctor en Educación por la UFSC. Profesor del Máster de Educación de la Unochapecó.
Vice líder del Grupo de Investigación Ethos, Alteridad y Desarrollo (GPEAD/FURB)
y del Grupo de Investigación Desigualdades Sociales, Diversidades Socioculturales y
Prácticas Educativas (Unochapecó). Contacto: elcio.educ@hotmail.com
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y emocionales en las clases de componentes del idioma portugués en las
escuelas públicas de la ciudad de Chapecó/SC. Para ello, se analizarán
los materiales didácticos utilizados en el aula que se identifiquen como
"de acuerdo con el BNCC". Los resultados preliminares indican que los
materiales inducen a los maestros y estudiantes a controlar sus emociones
para promover el desarrollo de la capacidad de "aprender a vivir".
Palabras clave: BNCC, Habilidades socioemocionales, Lengua Portuguesa.
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CONCLUSIONES SOBRE EL CURRÍCULO
BASE DE EDUCACIÓN INFANTIL Y
EDUCACIÓN FUNDAMENTAL DEL
TERRITORIO CATARINENSE: LA
DIVERSIDAD COMO PRINCIPIO
FORMATIVO EN LA EDUCACIÓN BÁSICA169
Andréia Stochero Binelo170
Jorge Alejandro dos Santos171
Círculo de diálogo 8: formación de profesores, plan de estudios
y prácticas educativas en diferentes espacios
Resumen: La presente propuesta de análisis crítico es el resultado de una
investigación documental que busca reflexionar sobre cómo se presentan
los temas de diversidad en el Currículo Base del territorio de Santa Catarina, que se lanzó este año, pero aún no se aprobó. Fue construido por un
en colectivo elegido, por medio de un edital de inscripción lo cual los
profesionales podrían inscribirse y seleccionados. A la luz de la Base de
Currículo Nacional Común (BNCC) (BRASIL, 2017), el Currículo está
diseñados para mejorar los resultados en evaluaciones externas, sin estar
necesariamente relacionados con la acumulación de conocimiento. El
plan de estudios de Santa Catarina tiene la tarea de guiar, fundamentar y
organizar las prácticas pedagógicas de los maestros. Propone implementar diferentes formas de uso de los horarios y espacios de enseñanza para
garantizar la calidad del sistema educativo en todas las unidades escolares. El Currículo relaciona la diversidad como un principio formativo,
explicitando en la presentación del documento que reflexionara sobre la
169
Este trabalho decorre das aulas do componente curricular Educación Intercultural y
(De)Colonialidad en Latinoamérica, ministrado pelos professores Cláudia Battestin e
Elcio Cecchetti, oferecido no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Unochapecó, no segundo semestre de 2019.
170
Estudiante de maestría en Educación por la Unochapecó. Profesora de Educación
Básica de la ciudad de Chapecó y Asistente de Educación de la red pública de Santa
Catarina. Miembro del Grupo de Investigación: Docencia y formación docente.
Contacto: binelo@unochapeco.edu.br
171
Posdoctorando en Unochapecó, Santa Catarina, Brasil.Abogado y PhD en Filosofía por
la Universidad de Buenos Aires. Profesor en la Maestría de Estudios Culturales de
América Latina (MECAL) FFyL-UBA. Becario CAPES, Brasil. Contacto: jorgesantosuba@gmail.com
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diversidad. No hay nueva conceptuación sobre la diversidad y nos trae
conceptos de documentos anteriores, detallando cada temática y conceptuando. Algunas temáticas citan el objeto de conocimiento, habilidades y
contenido que debe desarrollarse en cada disciplina. Se concluye que la
reflexión sobre la diversidad se presenta en separado de las áreas de conocimiento y de los componentes curriculares. Sin embargo, entendemos
que en el trabajo en el aula no se separa la diversidad de los componentes
curriculares. Todas las áreas deben tener claro cómo deben incluir estos
temas, porque si no se incluye la diversidad en las habilidades y competencias de cada área y de cada componente, el trabajo no es intrínseco al
mismo y se corre el riesgo de que los maestros no lo incluyan en su trabajo. Por lo tanto, debe ser compromiso de todos, cada maestro debe insertar esta temática, relacionada con las competencias y habilidades de cada
área y de cada proyecto de trabajo.
Palabras clave: Currículum. Educación. Diversidad.
Referencias Bibliográficas
SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação. Currículo
Base Da Educação Infantil e do Ensino Fundamental do Território
Catarinense. Florianópolis, SC, 2019.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base
Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2017.
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O PAPEL DO PROFESSOR NO
DESENVOLVIMENTO VOCACIONAL DO
ESTUDANTE: EDUCAÇÃO PARA A
CARREIRA E FORMAÇÃO DE
PROFESSORES NO BRASIL
Sandy Carla Pilatti172
Odilon Luiz Poli173
Círculo de Diálogo: Formação de professores, Currículo e práticas educativas em diferentes espaços
Resumo: A construção da carreira inicia na infância e, por conta disto, a
escola representa um espaço propício para o desenvolvimento de atitudes
e habilidades para o trabalho e carreira. A Educação para a Carreira,
modalidade de orientação profissional inserida no contexto escolar, de
modo sistemático, com o objetivo de relacionar educação, trabalho e
carreira, refere-se à atuação planejada, em que escola, comunidade e
família trabalham em prol do desenvolvimento vocacional do aluno desde a primeira infância. A Educação para a Carreira é aliada tanto do
estudante que desenvolve aspectos de sua carreira, desde o início da escolarização, quanto do professor que tem um papel essencial no desenvolvimento vocacional dos seus alunos, já que é visto como um modelo para
os estudantes. Com eles compartilha suas concepções sobre trabalho e
carreira, além de participar de sua preparação para a vida no trabalho. A
implantação dessa modalidade nas escolas, contudo, implica na necessidade de formação dos professores para o desenvolvimento desses temas e
atividades. O objetivo deste trabalho é discutir em que medida a atual
estrutura de formação de professores favorece a inserção da Educação
para a Carreira nos currículos de formação de professores no país. O
estudo se baseia na perspectiva da pedagogia histórico-crítica de Saviani
(2000) e outros, utilizando conceitos como o de escola unitária de
172
173
Mestranda em Educação pela UNOCHAPECÓ. Atua no Programa de Orientação
Profissional – POP Unochapecó. Grupo de Pesquisa: Formação de professores,
produção
do
conhecimento
e
processos
pedagógicos.
Contato:
sandycarla@unochapecó.edu.br.
Doutor em Educação pela UNICAMP. Professor de Graduação e Pós-Graduação na
Unochapecó. Grupo de Pesquisa: Formação de professores, produção do conhecimento
e processos pedagógicos. Contato: odilon@unochapeco.edu.br.
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Gramsci (1982) e educação omnilateral de Frigotto (2012), além dos
autores que desenvolvem a abordagem de educação para a carreira
(MUNHOZ, 2010 e UVALDO; SILVA, 2010) e formação de professores
(SAVIANI, 2009 e GATTI E BARRETO, 2009). Para atender ao objetivo, utilizou-se como método a pesquisa bibliográfica. As evidências levantadas indicam que a atual estrutura dos cursos de formação de professores no Brasil dificulta a inserção desta modalidade de orientação profissional nos currículos da educação básica, uma vez que predomina um
modelo de formação baseado na visão tecnicista, com currículos fragmentados e dissociação entre teoria e prática. Apesar dessas dificuldades,
a literatura também indica que a sociedade atual, caracterizada por ambiente de rápidas mudanças, inovações e incertezas, revela-se bastante propícia à inserção dessa modalidade no processo de educação escolar na
educação básica, bem como nos processos de formação, inicial e continuada, dos professores. Contudo, para isso, será necessária uma profunda
transformação na estrutura dos cursos de licenciatura. Ademais, vale
registrar que as atuais propostas de Educação para a Carreira apresentam
algumas limitações, o que implica na necessidade de ampliação das pesquisas em torno do tema, em vista da ampliação e aperfeiçoamento da
sua teoria.
Palavras-chave: Educação para a carreira. Formação de professores.
Desenvolvimento vocacional. Orientação profissional. Educação básica.
Referências Bibliográficas
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Salete; et. al (Orgs.). Dicionário da educação do campo. Rio de Janeiro,
São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão
Popular, 2012.
GATTI, Berandete Angelina; BARRETTO, Elba Siqueira (Coord).
Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: UNESCO, 2009.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. 4. ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
MUNHOZ, Izildinha Maria Silva. Educação para a carreira e
representações sociais de professores: limites e possibilidades na
educação básica. 2010. 363 f. Tese (Doutorado em Psicologia) –
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade
de São Paulo, Ribeirão Preto, 2010.
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teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de
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SAVIANI,
Dermeval.
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Helena Penna. Orientação vocacional ocupacional. 2. Ed. Porto Alegre:
Artmed, 2010.
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DIVERSIDAD RELIGIOSA EN EL
CONTEXTO ESCOLAR: CONTRIBUCIONES
DE LA EDUCACIÓN RELIGIOSA NO
CONFESIONAL174
Neuzair Cordeiro Peiter175
Elcio Cecchetti176
Círculo de Diálogo: Formação de professores, Currículo e práticas educativas em diferentes espaços.
Resumen: Estamos insertos en un mundo culturalmente diverso, en el
cual las religiones y religiosidades son elementos simbólicos de gran influencia social. Por lo tanto, los fenómenos religiosos deben ser estudiados como fenómenos sociales y patrimonios culturales de la humanidad.
La sociedad brasileña es caracterizada por una valiosa diversidad religiosa, donde lo sagrado se manifiesta en diferentes formas. Sin embargo, a
menudo las personas hacen comentarios distintos sobre la religiosidad de
los demás, en gran medida de manera despreciativa. De esto viene el
prejuicio, la discriminación y la intolerancia a lo diferente. Este trabajo
intenta discutir acerca de la diversidad cultural religiosa en el espacio
escolar, con el fin de salvaguardar la libertad de expresión y el respeto por
todas las formas de religiosidad. Con este fin, analiza cómo las clases de
Educación Religiosa impartidas en escuelas públicas ubicadas en Chapecó/SC promueven la interculturalidad, el reconocimiento de la diversidad
religiosa y la superación de los prejuicios, discriminaciones y la intolerancia. Concluimos que la Educación Religiosa, siempre y cuando se enseñe
en esta perspectiva, contribuye para que la escuela se convierta en un
espacio de respeto a las diferencias, de ejercicio del diálogo y la libertad
174
Este trabajo resulta de las clases del componente curricular Educación Intercultural y
(De)Colonialidad en Latinoamérica, enseñado por los profesores Claudia Battestin y Elcio
Cecchetti, ofrecido bajo el Programa de Posgrado en Educación de la Unochapecó en el
segundo semestre de 2019.
175
Estudiante de maestría en Educación en la Unochapecó. Profesora efectiva en la
Secretaria Municipal de Educación de Chapecó. Miembro del Grupo de Investigación
Desigualdades Sociales, Diversidades Socioculturales y Prácticas Educativas
(Unochapecó). Contacto: neuzair@unochapeco.edu.br
176
Doctor en Educación por la UFSC. Profesor del Máster de Educación de la Unochapecó.
Vice líder del Grupo de Investigación Ethos, Alteridad y Desarrollo (GPEAD/FURB)
y del Grupo de Investigación Desigualdades Sociales, Diversidades Socioculturales y
Prácticas Educativas (Unochapecó). Contacto: elcio.educ@hotmail.com
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de expresión. Por lo tanto, en el contexto escolar, la Educación Religiosa
no confesional asume el papel de promover el respeto por las diferentes
formas y expresiones religiosas, sin ningún tipo de proselitismo. Busca
desarmar verdades incuestionables que con el tiempo han sido cristalizadas en las representaciones sociales. Teniendo en cuenta la diversidad
religiosa que existe hoy en día, es inaceptable que haya intolerancia religiosa, porque todos deben ser respetados dentro de su conocimiento y en
sus diferentes formas de expresiones religiosas. Es el diálogo con las diferencias que crecemos y nos construimos como seres humanos.
Palabras-Clave: Diversidad religiosa; Escuela; Educación religiosa.
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EDUCADORES DE CALLE: PERCURSOS
METODOLÓGICOS INTERCULTURAIS
Dyonathan de Morais177
Micheli Cristina Marsango178
Luiz Carlos Pires179
Círculo de Diálogo 8: Formação de professores, Currículo e
práticas educativas em diferentes espaços.
Resumo: Este trabalho apresenta o relatado de um intercâmbio social,
realizado na cidade de Ica, Peru, no Programa Educadores de Calle,
contemplando uma ação em Arte Ecologia em prol da consciência ambiental assim como o processo de ensino aprendizagem tornou mais significativo as descobertas interculturais dos intercambistas através das metodologias que nortearam a pesquisa e a prática. O Programa Educadores
de Calle têm como objetivo diminuir o trabalho infantil tendo como público crianças e adolescentes dos 06 aos 18 anos inseridas no mercado de
trabalho ou que correm risco de vulnerabilidade social. Sua principal
metodologia é através da intervenção espaços, usados para integração e
socialização. O educador de rua deve levar em consideração três pontos:
1: a análise, 2: a mediação, 3: intervenção . A análise da realidade baseiase na observação direta dos espaços em que acontecem os programas,
nela percebeu-se que um dos principais problemas da cidade de Ica é o
excesso de lixo descartado em vias públicas e rios. A mediação é detectar
as habilidades e aptidões das pessoas que compõe o grupo, sendo elas
exploradas na etapa três, a intervenção, que oportuniza a transformação
dos espaços através da ação e reflexão. As ações em Arte Ecologia deram-se a partir de diálogos, leitura de imagem e fazer artístico, contemplando as linguagens do desenho, pintura e intervenção urbana. Fundamentada na Abordagem Triangular, desenvolvida pela professora Ana
Mae Barbosa para o ensino da Arte, seus três eixos: contextualização
histórica, fazer artístico e leitura do fazer se relacionam com os três pon177
178
179
Estudante de Pós-graduação em Contação de Histórias. Estudante do Curso de Música
– Licenciatura. Graduado em Artes Visuais – Licenciatura da Unochapecó. Contato:
dyonathanmorais@unochapeco.edu.br
Estudante de Pós-graduação em Contação de Histórias. Graduada em Administração –
Bacharel Unochapecó. Contato: michelimarsango@unochapeco.edu.br
Estudante de Pós-graduação em Contação de Histórias. Licenciatura.Graduado em
Artes Visuais – Licenciatura da Unochapecó. Contato: luiz.c.prs@unochapeco.edu.br.
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tos que norteiam a metodologia do educador de rua, tornando mais significativo o processo de ensino aprendizagem, já que para contextualizar e
analisar, o intercambista precisa se inserir no meio e na cultura local,
facilitando sua adaptação e aperfeiçoamento pessoal/profissional. A
análise e o fazer artístico promovem o fortalecimento de vínculos e superação de desafios, reforçado pela intervenção e leitura do fazer, que amplia a troca intercultural de saberes e o aprimoramento da língua local.
Dessa forma, essas relações permeiam entre o princípio de pertencimento
a um determinado local, comunidade ou cultura, tendo em vista a troca
de experiência entre os voluntários e as crianças, que reforçam o seu sentimento de pertencimento ou origem, mas permite aprender e de alguma
forma, se inserir na cultura do outro. Os contextos sociais se aproximam
uma vez que as fronteiras são rompidas e ressignificadas pelas relações
intersociais, em síntese, o mundo vivido, através do conhecer, problematizar e transformar a realidade, o mundo percebido, descoberto pelas
vivências e percepções e o mundo imaginário e simbólico que abraça os
sonhos e objetivos que envolve cada pessoa e suas descobertas através da
arte.
Palavras-chave: Intercâmbio Social. Arte Educação. Voluntariado. Educadores de Calle. Educação ambiental.
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Referências Bibliográficas
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tempos. 7 ed. São Paulo: Perspectiva, 2009.
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no ensino das artes e culturas visuais. São Paulo: Cortez, 2010.
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en médio aberto. Asociacinón de Educadores Las Alamedillas. Fevereiro de 2015.
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modelo teórico. Rev. Adm. Mackenzie. 2015, vol. 16, n.1, p 124-156.
COSTA, Fábio José Rodrigues da. Das utopias à realidade: é possível
uma didática específica para a formação inicial de artes visuais? A abordagem triangular no ensino das artes e culturas visuais. São Paulo:
Cortez, 2010. p. 125-140.
MARQUES, Isabel. De tripé: o caleidoscópio no ensino de dança. A
abordagem triangular no ensino das artes e culturas visuais. São Paulo:
Cortez, 2010. p. 52-63.
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ATENDIMENTO DE JOVENS E ADULTOS
COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: AS
PERSPECTIVAS DE PRÁTICAS EDUCATIVAS
INOVADORAS
Luciana Artuso180
Dunia Cormelatto181
Os processos de aprendizagem de jovens e adultos com deficiência intelectual têm sido discutidos no âmbito das Associações de Pais e Amigos
dos Excepcionais (Apaes). Emerge assim a necessidade de inovar na
implementação de práticas educativas junto aos usuários e seus familiares, na perspectiva de fortalecer aprendizagens formativas, habilidades,
autonomia e melhores condições de desenvolvimento humano e social. A
construção de uma proposta curricular inovadora desafia professores e
familiares envolvidos no sentido de romper com concepções e práticas
conservadoras e discriminatórias, que ainda persistem e afetam as pessoas
com deficiência intelectual, em especial. Organizar rede de serviços, ampliar mecanismos de socialização, intercambiar experiências exitosas,
apostar na realização de planejamento participativo visando a participação e decisão no que se refere à proposições pedagógicas, configuram-se
estratégias e ações possíveis de serem implementadas, de modo a assegurar qualidade e caráter inovador no atendimento dessas pessoas. Nesse
sentido, pretende-se promover ações e estratégias pedagógicas, junto dos
professores das Apaes circunscritas à 3ª Coordenadoria Regional de Educação do estado de Santa Catarina, que estimulem a adoção de práticas
educativas inovadoras e qualificadas, voltadas ao atendimento de jovens
e adultos com deficiência intelectual e seus familiares. Utilizar-se da
abordagem participativa, ao eleger como ferramenta o Planejamento
Estratégico Situacional (PES) e ao optar pela pesquisa-ação para desenvolver a proposta de intervenção ora apresentada. O trabalho com grupos
se constitui num mecanismo mobilizador dos atores a serem envolvidos
180
181
Mestranda no Programa de Pós-Graduação strico sensu em Política Sociais e Dinâmicas
Regionais, vinculado à Universidade Comunitária da Região de Chapecó
(Unochapecó)
e
Diretora
da
Apae
Campo
Erê/SC.
E-mail:
lucianaartuso@yahoo.com.br.
Docente no Programa de Pós-Graduação strico sensu Mestrado em Política Sociais e
Dinâmicas Regionais, vinculado à Universidade Comunitária da Região de Chapecó
(Unochapecó). Email:dunia@unochapeco.edu.br
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no processo de intervenção desta proposta. De um lado, a realidade de
atendimento das pessoas com deficiência ainda evidencia a reprodução
de práticas educativas convencionais, provocando acomodações profissionais e desestímulo na participação dos usuários. De outro, as Apaes têm
se organizado a partir de turmas com número reduzido de usuários, oportunizando atendimentos mais individualizados com apoio de equipes
multiprofissionais. ―A prática educativa é algo mais que a expressão do
simples ofício dos professores, é algo que se compartilha com outros
agentes, algumas vezes em relação de complementariedade e de colaboração, e, em outras, em relação de atribuições‖ (SACRISTAN, 1999, p.
91). Práticas educativas requerem qualidade do ensino-aprendizagem
oferecidos aos usuários, ênfase na participação ampliada dos sujeitos em
atividades programadas, as quais devem ser acessíveis e compreendidas;
cooperação e respeito mútuos aos sistemas de apoio que funcionem como
facilitadores para desenvolver processos e práticas inovadores de aprendizagem.
Palavras-chave:. Deficiência Intelectual. Apaes. Práticas Educativas.
Inovação.
Referência
SACRISTÁN, J.G. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Tradução
Horn M.G.S.; Rosa E.F.F. Porto Alegre: Editora Artmed, 1999.
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A CRISE DAS IDENTIDADES DOCENTE NA
MODERNIDADE TARDIA
Giovana Boicko Poli 182
Odilon Luiz Poli183
Circe Mara Marques184
Círculo de Diálogo 8: Formação de professores, Currículo e
práticas educativas em diferentes espaços
Resumo: Na modernidade tardia, as demandas sociais por educação e o
perfil do público escolar transformaram-se profundamente, enquanto as
condições para o desempenho da docência pouco se modificaram, gerando o que a literatura define como mal-estar docente (ESTEVE, 1999).
Nessas condições, o exercício da docência complexificou-se, exigindo a
reconstrução da identidade docente. Este estudo busca compreender essa
crise da identidade docente no contexto das transformações ocorridas,
com o advento da modernidade tardia. O problema de pesquisa ficou
assim definido: como os professores estão reconstruindo a identidade
docente, no contexto da modernidade tardia, segundo a literatura? Tratase de uma pesquisa bibliográfica. Evidenciamos que, na perspectiva nominalista de identidade (DUBAR, 2009), adotada no presente estudo, as
identidades são dinâmicas e são (re)construídas por meio da interação
dos sujeitos com o meio em que se encontram inseridos. Esta
(re)construção perpassa pelo modo do docente reagir frente aos fatos e
pelas características do seu meio social, entre outros fatores. Dada à intensidade das mudanças em curso e das transformações das condições de
exercício da docência, dependendo das interpretações feitas, muitos professores vivem esse processo como sofrimento, chegando, por vezes, ao
adoecimento. Contudo, existem professores que conseguem superar esta
crise, reelaborar sua própria identidade profissional e sentir-se felizes,
influenciando positivamente seus alunos. O estresse positivo, aquele em
que a pessoa se sente engajada, motivada a encontrar soluções para os
182
183
184
Mestranda em Educação pela UNOCHAPECÓ. Professora da Educação Básica do
Estado de Santa Catarina. Contato: giovanaboicko@yahoo.com.br
Doutor em Educação pela Unicamp. Professor do quadro permanente do Programa de
Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UNOCHAPECÓ. Grupo de Pesquisa:
Ensino e formação de Professores. Contato: odilon@unochapeco.edu.br
Doutora em Educação pela UFRGS. Professora no Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE) da UNOCHAPECÓ. Contato: circe@unochapeco.edu.br
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desafios que aparecem, é denominado de eustrés (ESTEVE, 1999). Em
sentido inverso, o estresse negativo, denominado pelo mesmo autor como
distrés, caracteriza a situação em que o professor tem dificuldades de aceitar e se adaptar aos diversos desafios e pressões impostas na contemporaneidade, chegando, por vezes, a desenvolver algum tipo de patologia.
Vários estudos confirmam a existência dessas possibilidades, havendo,
contudo o predomínio e situações de distrés. Ante os resultados, concluise pela importância de se aprofundar pesquisas sobre fatores que contribuem para o desenvolvimento do bem-estar (eustrés) e mal-estar (distrés)
docente, em vista de subsidiar o desenvolvimento de políticas e estratégias de gestão da atividade docente, contribuindo para melhorar a qualidade de vida do professor e, consequentemente, melhorar a qualidade da
educação, visto que o professor é o ator principal do ensino e seu bemestar influência na qualidade educacional.
Palavras Chaves: Identidade. Identidade Docente. Crises Identitárias.
REFERÊNCIA
DUBAR, C. A crise das identidades: a interpretação de uma mutação.
São Paulo: Edusp, 2009.
ESTEVE, José M. O mal-estar docente: a sala-de-aula dos professores e
a saúde dos professores. Bauru, SP: EDUSC, 1999.
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DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA DOS
PROCESSOS DE INCLUSÃO DE CRIANÇAS
COM DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL
Circe Mara Marques
185
Círculo de Diálogo: Formação de professores, Currículo e práticas educativas em diferentes espaços
Resumo: A pesquisa em desenvolvimento, com apoio financeiro do CNPq,
trata da documentação dos processos de inclusão na escola de educação
infantil. A obrigatoriedade de matrícula a partir dos 4 anos, a inclusão das
crianças com deficiência na escola regular e a determinação de expedição de
documento escolar que ateste os processos de desenvolvimento e aprendizagem são inovações que impactam a educação infantil. Assim, pretende-se
conhecer os propósitos e modos como os professores de educação infantil
documentam os processos de inclusão, bem como problematizar os efeitos
dessa documentação na produção do sujeito infantil a/normal. A investigação está sendo realizada em escolas de educação infantil de Santa Catarina e
Rio Grande do Sul. A metodologia consiste em análise de discurso, sendo
que a produção de dados abarca entrevistas semiestruturadas com os representantes da educação infantil na SMED, de observações nas turmas de 4-5
anos frequentadas por crianças com deficiência, rodas de conversa com os
professores e análise dos documentos produzidos por esses profissionais acerca dos processos de inclusão. O estudo transita no campo teórico da Sociologia da Infância e na perspectiva Pós-moderna, em especial os estudos foucaultianos. Os resultados parciais vêm mostrando que o registro de ações cotidianas vividas pelas crianças com deficiência no contexto escolar de certo modo é negligenciada e/ou produzida em momentos pontuais, destacando as
necessidades e dificuldades em detrimento de suas aprendizagens. A documentação pedagógica das experiências cotidianas vividas pelas crianças com
deficiência no contexto escolar lança outros modos de incluir e de produzir
sujeitos-infantis.
Palavras-chave: Educação Infantil. Educação Inclusiva. Documentação
Pedagógica.
185
Doutora em Educação pela UFRGS. Professora no PPGE da Universidade
Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ) e no PPGE da Universidade
Alto Vale do Rio do Peixe (UNIARP). Contato circe@unochapeco.edu.br
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DECOLONIALIDADE DO SABER NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES: O ESPAÇO
DA PERGUNTA E DA ATITUDE
INTERPRETATIVA DO MUNDO
Adecir Pozzer186
Círculo de Diálogo 8: Formação de professores, Currículo e
práticas educativas em diferentes espaços
Resumo: No contexto dos estudos cultural surgidos na segunda metade
do século XX, a colonialidade do saber é concebida intrínseca à colonialidade do poder, do ser e do viver (QUIJANO, 1992). Se caracteriza por
desviar e viciar as melhores energias do humano, tornando-o des-realizado
(arrebatado de sua realidade) (FORNET-BETANCOURT, 2017) e reprodutor de concepções e práticas socioculturais orientadas pela lógica
utilitarista e mercantil. A (de)colonialidade do saber, enquanto um processo dialético, pressupõe certa desobediência epistêmica (GROSFOGUEL
& CASTRO-GÓMEZ, 2007; MIGNOLO, 2008) e ruptura com o pensamento único na organização da formação de professores, incidindo na
produção do conhecimento educacional, nas escolhas metodológicas e no
uso dos aportes teóricos. Implica compreender interculturalmente o
mundo na sua complexidade e dinamicidade, numa constante releitura
crítica dos processos históricos e educativos, com atenção aos hibridismos, entre-lugares (BHABHA, 2013) e ao pensamento de fronteira
(MIGNOLO, 2008). Emerge daí a necessidade de fomentar e fortalecer o
espaço da pergunta. Por trás da pergunta estão implícitos dois aspectos
muito caros à formação de professores. Primeiro, que todo conhecimento
passa pela pergunta, isto é, pelo reconhecimento de um ―não-saber‖, e
isso só é possível ao que tem consciência (ou humildade) de que não sabe
tudo. ―Para perguntar, temos que querer saber, isto é, saber que não se
sabe‖ (GADAMER, 1997, p. 535). Segundo, que a pergunta, além de
gerar aprendizagem, é abertura ao diálogo e à continuidade do pensamento. E o diálogo é nutrido pela insatisfação de respostas prontas e
186
Doutorando em Educação pela UFSC (Bolsista FUMDES). Assistente técnicopedagógico da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina. Pesquisador do
Grupo de Pesquisa Ethos, Alteridade e Desenvolvimento (GPEAD/FURB) e do Grupo
de Pesquisa Hermenêuticas da Cultura, Mundo e Educação (PPGE/UFSC). E-mail:
pozzeradecir@hotmail.com
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acabadas, pelo desejo de saber mais e pela generosidade em ouvir e acolher o outro em sua alteridade, o que pressupõe um desarme cultural (PANIKKAR, 1993). Todo processo formativo que provoca perguntas e estimula o diálogo contribui com o desenvolvimento da atitude interpretativa do mundo, isto porque o mundo não é algo meramente dado, mas
um estar-sendo dinâmico e imprevisível, assim como é o próprio humano.
Deste modo, nosso percurso metodológico se alimenta da reflexão crítico-hermenêutica, perspectiva que mantém aberturas ao inusitado e ao
diverso, imprescindível à decolonialidade do saber na formação de professores que, antes de mais nada, é sempre um questionamento interno
sobre nós mesmos e sobre as ―bases‖ através das quais elaboramos nossas
argumentações, defesas e significações. Concluímos que a decolonialidade do saber na formação de professores implica nos sujeitos se liberarem
de posturas etnocêntricas, logocentradas e autossuficientes (PANIKKAR,
1993). Tem a ver com o reconhecimento intercultural de distintas racionalidades, formas de construir e legitimar o conhecimento educacional, e,
ainda, com a capacidade de conviver com crises de sentido, tanto em
níveis pessoais quanto coletivos. Por fim, a decolonialidade do saber na
formação de professores ocorre na medida em que cada sujeito desenvolve atitudes interpretativas do mundo agindo no mundo de forma interdependente frente àquilo que a todo momento a sociedade de mercado e as
próprias instituições formativas procuram ditar ou impor enquanto padrão a ser seguido.
Palavras-chave: Decolonialidade do Saber. Formação de Professores.
Pergunta. Atitude Interpretativa. Mundo.
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FORNET-BETANCOURT, R. Elementos para una crítica intercultural
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GADAMER, H-G. Verdade e Método: traços fundamentais de uma
hermenêutica filosófica. 3. ed. Trad. Flávio Paulo Meurer. Petrópolis:
Vozes, 1997.
GROSFOGUEL, R.; CASTRO-GÓMEZ, S. (Orgs). El giro decolonial:
reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo
global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Universidad Central,
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Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos y Pontificia Universidad
Javeriana, Instituto Pensar, 2007.
MIGNOLO, W. Desobediencia epistémica: retórica de la modernidad,
lógica de La colonialidad y gramática de La descolonialidad. Argentina:
Edicionesdel Signo, 2008.
PANIKKAR, R. Paz y desarme cultural. Santander: Sal Terrae, 1993.
QUIJANO, A. Colonialidad y modernidad-racionalidad. Bogotá, 1992.
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EDUCAÇÃO POPULAR, MOVIMENTOS
SOCIAIS, PLURALISMO JURÍDICO E
CONSTITUCIONALISMO NA AMÉRICA
LATINA
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UMA EDUCAÇÃO BASEADA NA CULTURA
DO BEM VIVER: SERÁ POSSÍVEL?
Gabriel Borges dos Santos187
Maria Aparecida Lucca Caovilla188
Círculo de Diálogo: Educação Popular, Movimentos Sociais, Pluralismo Jurídico e Constitucionalismo na América Latina.
Resumo: Na América Latina, o processo de colonização ocorreu de modo diferente da história que conhecemos. As culturas dos povos que aqui
viviam, foram sufocadas, forçando-os a aderir uma nova cultura, e os que
rejeitaram foram escravizados ou mortos. Atualmente ainda existem
povos que sofrem pobreza, fome, miséria, por influência dessa forma que
os europeus introduziram no passado, mas também há os que resistem e
buscam por seus direitos e pela preservação das culturas de seus antepassados. Sempre existiram lutas para recuperar essa cultura que foi deixada
para trás por meio de diferentes movimentos sociais, um exemplo é do
movimento zapatista, que aconteceu no México, onde diferentes classes
sociais foram em busca de seus direitos e após muito sofrimento conseguiram êxito. Outros países como Equador e Bolívia, com suas novas
constituições (2008 e 2009), apostam na cultura do bem viver, uma concepção ancestral de origem andina, que se mantém em vigor em muitas
comunidades até hoje. Essa nova cultura propõe uma reeducação da
sociedade, uma nova forma de viver em comunidade, uma construção
coletiva de saberes com o pensamento no outro. A educação tem um
importante papel na comunidade, é através dela que se pode obter grandes mudanças, esse modelo baseado no bem viver é uma forma de aprender a viver juntos, desenvolvendo conhecimentos acerca dos outros, das
tradições e espiritualidade e a partir disso criar um novo sentido para a
educação, não só uma transferência de saberes em que o educando
187
188
SANTOS, Gabriel Borges. Acadêmico do curso de Direito da Unochapecó. Integrante
do Grupo de Pesquisa Direitos Humanos e Cidadania. Bolsista de Iniciação Científica,
Edital N.13/Reitoria/2019 com concessão de Bolsas de Pesquisa do Programa de
Bolsas Universitárias de Santa Catarina (UNIEDU), vinculado ao Programa de PósGraduação (Mestrado) em Direito - PPGD, na linha de pesquisa Direito, Cidadania e
Socioambientalismo. E-mail: Gabrielsantos@unochapeco.edu.br
CAOVILLA, Maria Aparecida Lucca. Doutora em Direito, Política e Estado pela
UFSC.Docente do Curso de Graduação e da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da
Unochapecó. Lide rdo Grupo de Pesquisa ―Direitos Humanos e Cidadania‖. E-mail:
Caovilla@unochapeco.edu.br
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aprenderá a repetir, mas algo que o mude também interiormente, e o faça
diferente, para saber enfrentar os problemas sociais presentes na nossa
sociedade. A pesquisa tem o propósito de verificar se uma proposta de
educação baseada na cultura do bem viver pode ser realizada no Brasil,
igual como ocorreu no Equador e na Bolívia. Será possível abandonar a
influência europeia, valorizando nossas próprias culturas, percorrendo
caminhos para uma epistemologia do Sul? Na Constituição do Equador,
o bem viver promove uma melhor qualidade de vida às pessoas, trata a
natureza como sujeito de direitos, uma parte essencial da proposta é viver
em comunidade, mas para isso é preciso desconstruir algumas ideias de
estado, economia, educação. É como aprender a desaprender, desenvolver a ideia de criticidade, para assim questionar as estruturas atuais e o
sistema de ensino. Desenvolvendo o senso crítico e acompanhando às
mudanças ao nosso redor, talvez seja possível promover a cultura do bem
viver, como forma de libertação dos oprimidos, de descolonização do ser,
do saber e do poder, à construção de um mundo em que ``caibam todos e
todas´´ abandonando o modelo antropocêntrico e excludente que o sistema capitalista reforça. Para a realização da pesquisa utilizar-se-á o método dedutivo de análise, a fim de estabelecer um raciocínio dedutivo
com base no referencial teórico a ser pesquisado.
Palavras-chave: Educação. Bem viver. Comunidade. Movimentos Sociais.
Referências Bibliográficas:
CAOVILLA, Maria A. L. Descolonizar O Direito Na América Latina,
o modelo do pluralismo e a cultura do bem viver. Chapecó: Argos, 2016.
SANTOS, Juliana Silva Dos. O Movimento Zapatista e a Educação:
direitos humanos, igualdade e diferença. Teses.usp.br, 2008. Disponível
em:
<https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde13032009-160126/publico/Juliana_da_Silva_Santos.pdf>. Acesso em: 19
Set. 2019.
ASAMBLEA CONSTITUYENTE. Constitución de la República del
Ecuador,
28
de
setembro
de
2008.
Disponível
em:
<http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalStfInternacional/newslett
erPortalInternacionalFoco/anexo/ConstituicaodoEquador.pdf>. Acesso
em: 19 Set. 2019.
ASAMBLEA CONSTITUYENTE. Constituicíon Política del Estado,
07
de
fevereiro
de
2009.
Disponível
em:
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ISBN: 978-65-86218-01-5
<https://www.oas.org/dil/esp/Constitucion_Bolivia.pdf>. Acesso em:
19 Set. 2019.
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LA CULTURA SOLIDARIA DEL OESTE
CATARINENSE COMO ÁREA FECUNDA
PARA EL MOVIMIENTO DE LA ECONOMÍA
SOLIDARIA189
Ana Maria Pereira Puton 190
Jorge Alejandro Santos191
Educação Popular, Movimentos Sociais, Pluralismo Jurídico,
Constitucionalismo da América Latina.
Resumo: En este trabajo intentamos destacar la importancia de las raíces
históricas de la relación solidaria en las organizaciones locales, como
rasgos culturales resultantes de un modelo de la colonización y desarrollo, que se constituye como un factor indispensable para el semillero de la
experiencia del Economía Solidaria – Ecosol, en lo Oeste del Santa Catarina. Asimismo intentamos mostrar las dificultades que presenta el movimiento en el actual contexto económico, político y social. La Economía
Solidaria como sistema alternativo a los principios capitalistas es difundida y registrada desde hace poco tiempo, especialmente a partir de los
años 2005 y 2007. El mapeamiento de estas experiencias se realizó en el
proyecto Sistema Nacional del Economía SolidariaSIES, sostenido por la
Secretaria Nacional de Economía Solidária, establecida en 2003 en él, ya
extinguido, Ministério do Trabalho yEmprego. Los datos der Sur de lo
Brasil, en particular, Santa Catarina son respaldados a partir de ese período. La relación económica y de producción con base en la solidariedad, cooperación respeto y ayuda mutua, es desarrollada por los colectivos, a partir de objetivos comunes. Precisa además de un liderazgo apto o
189
190
191
Este trabalho decorre das aulas do componente curricular Educación Intercultural y
(De) Colonialidad en Latinoamérica, ministrada pelos professores Claudia Battestin e
Elcio Cecchetti, oferecido no âmbito do Programa de Pós graduação em Educação da
Unochapecó. 2019/2.
Especialista em Gestão de Pessoas, Pedagoga. Mestranda em Educação pela
Unochapecó (Orientador Dr. Edivaldo José Bortoleto). Técnica de Extensão do
Diretoria de Extensão e Pós Graduação da Unochapecó. Grupo de pesquisa
Desigualdades Sociais,diversidades culturais e práticas educativas. Contato:
anampp@unochapeco.edu.br.
Abogado y PhD en Filosofía por la Universidad de Buenos Aires. Profesor en la
Maestría de Estudios Culturales de América Latina (MECAL) FFyL-UBA. Becario
CAPES, Brasil. Posdoctorado en UNOCHAPECÓ, Santa Catarina, Brasil. Página
web: http://jorgesantos.byethost18.com/
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dispuesto capacitarse, un sentido del responsabilidad colectiva. Las relaciones económicas del Oeste Camarinense se caracterizan por la manera
solidaria adoptada en las relaciones de la cooperación, organización comunitaria y familiar. En estas se empleaba el sistema de intercambio,
―escambo‖ / trueque, ya que por tratarse del familias empobrecidas, no
disponían del dinero con facilidad. La producción, necesaria para la subsistencia familiar, era seriamente ejecutada, resultando en ocasiones una
gran cosecha, permitiendo la comercialización o negociación de ese sobrante. Es un hecho que la solidariedad como rasgo latente en nuestra
región ha permitido y ayudado en el proceso del desarrollo de grupos de
la Ecosol, aunque muchos emprendimientos que muestran prácticas enlazadas en los principios de la Ecosol, no se reconozcan como parte de
ella. Se usa la concepción dialéctica, dentro del enfoque histórico – critico. Los datos surgen de laobservación participante, a partir de la actuación en la Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares - ITCP
Unochapecó. Actualmente se percibe el desaliento de las actuaciones en
espacios de representación colectivas como los fóros. Desde del 2015
muchos cambios, sobretodo en lo campo político afectaron el proyecto.
Los sectores y propuestas del gobierno que fortalecían la Ecosol perdieran
espacios del actuación y, se evidencia una dilución de las actividades
delcuño solidario. En la perspectiva neoliberal la economía solidaria no
tiene un espacio pautado como modelo económico, por lo que estas políticas desarticulan prácticas y haceres solidarios. Los valores y prácticas de
una población facilitan o entorpecen los procesos de inserción de formaciones de aprendizajes solidarios. La solidaridad es un rasgo de la cultura
que fue percudido y ejercido en las prácticas sociales, económicas e culturales y el Oeste durante mucho tiempo. El debilitamiento de prácticas
sociales solidarias, amenazan arruinar las estructuras culturales tradicionales. Resta entender si el actual debilitamiento del a Ecosol es generado
solo por la mudanza política económica, y/o por la pérdida de los rasgos
sociales de las bases solidarias en nuestra región.
Palabras – llave: Solidariedad. Economía Solidaria. Rasgos culturales.
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DO ILÍCITO AO MENOS INJUSTO? TERMO
DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA EM
CONTRATOS DE ARRENDAMENTO EM
TERRAS INDÍGENAS, DA TEORIA DO FATO
JURÍDICO À OUTRA HERMENÊUTICA
JURÍDICA
Ângela Irene Farias de Araújo Utzig192
Carlos Alberto Lunelli193
Círculo de Diálogo: Educação popular, movimentos sociais,
pluralismo jurídico e constitucionalismo na América Latina
RESUMO: Tanto o Estatuto do Índio (Lei n. 6.001, de 19 de dezembro
de 1973), no artigo 18 e parágrafos, quanto a Constituição Federal Brasileira de 1988 proíbem, em terras tradicionalmente ocupadas por povos
indígenas, contratos de arrendamento ou qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade indígena, além de vedar pessoas estranhas aos ditos povos à prática de atividades de caça, pesca ou coleta de frutos ou atividades agropecuárias e
extrativas. No entanto, a prática de contratos de arrendamento em terras
indígenas entre índios e não índios vem se avolumando no Brasil, pela
monocultura em larga escala, incluindo a transgenia, igualmente vedada
pela Lei n. 11.460, de 21 de março de 2007. Porém, o Ministério Público
Federal não tem aplicado a Teoria do Fato Jurídico (negócio jurídico
192
Doutoranda em Direito na Universidade de Caxias do Sul; Mestre em Direito Ambiental
pela Universidade Federal do Pará; Professora do quadro permanente do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá; membro dos grupos de
pesquisa: Metamorfose Jurídica: (UCS), http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/
6434013055052660; Interdisciplinaridade, cidades e desenvolvimento: planejamento
sustentável do meio ambiente (UCS), http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhorh/0008209413;
Linguagem, Educação e Sustentabilidade – LES,dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/
1504736739546967 (UFT). Contato: utzangela569@gmail.com.
193
Pós-Doutor pela Universitàdegli Studi di Padova, UNIPD, Itália: Doutor em Direito e
Mestrado em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Professor
titular da Universidade de Caxias do Sul, no Mestrado em Direito, ministrando a
disciplina Tutela Jurisdicional do Ambiente. No Curso de Direito, ministra a disciplina
de Direito Processual Civil. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito
Processual Civil, atuando principalmente nas seguintes áreas: Direito Processual Civil,
Direito Ambiental, Processo Constitucional e Políticas Públicas. Contato:
calunelli@gmail.com.
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inexistente e demais consequências advindas do ato nulo por não ter
força legal para produzir efeitos jurídicos) ao firmar termos de ajustamento de conduta, optando por uma postura supostamente menos gravosa
aos indígenas, ao determinar a venda da safra e reversão de parte dos
resultados aos povos indígenas. Essa perspectiva implica numa equivocada consideração do ato ilícito. O presente trabalho busca examinar de
qual hermenêutica jurídica o Ministério Público Federal tem se valido
para propor Termos de Ajustamento de Conduta Ambiental em casos de
contratos de arrendamento em terras tradicionalmente ocupadas por
povos indígenas. Para tanto, foi feito um estudo de caso do TAC decorrente do Inquérito Civil n. 1.33.002.000450/2013-17, firmado pelo MPF
com a liderança da Terra Indígena Xapecó, e a Associação dos Produtores Rurais parceiros da Terra Indígena Xapecó, em Chapecó (SC). A
hipótese é a de que o MPF tem ignorado a Teoria do Fato Jurídico e
buscado atuar com uma interpretação jurídica menos radical, mas nem
por isso acredita-se que a prática dos arrendamentos ilícitos em terras
indígenas resulte em maiores benefícios aos povos indígenas, especialmente, em razão de que o dano não restou reparado, tampouco as obrigações de fazer e de não fazer constantes do TAC intimidam os participantes. Em torno dessa questão tramitam atualmente no TRF da 4ª Região 11 processos. Disso, resta a impressão que, de um lado, o TAC não
tem efetividade, porque não inibe novos contratos entre índios e não
índios, nem resguarda os direitos dos povos indígenas na condição de
usufrutuários exclusivos das terras que tradicionalmente ocupam, passando a sensação de que o ato ilícito torne-se, aparentemente, menos
injusto, alcançando anômala condição de convalidável, o que sugere
insegurança jurídica.
PALAVRAS-CHAVE: Teoria do Fato Jurídico. Termo de Ajustamento
de Conduta. Contratos de arrendamento. Terras indígenas. Ato ilícito.
Insegurança jurídica.
Referências bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
publicada no DOU de 05 out. 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.
Acesso em: 17 set. 2019.
_______. Decreto n. 5.051, de 19 de abril de 2004. Promulga a
Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT
sobre Povos Indígenas e Tribais, publicado no DOU de 20 abr. 2004.
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Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2004/decreto/d5051.htm. Acesso em: 18 set. 2019.
_______. Lei n. 11.460, de 21 de março de 2007, dispõe sobre o plantio
de de organismos geneticamente modificados em unidades de
conservação, acrescenta dispositivos à Lei n. 9.985, de 18 julho de 2000 e
à Lei n. 11.105, de 24 de março de 2005, revoga dispositivo da Lei n.
10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências, publicada
no
DOU
de
22
mar.
2007.
Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2007/Lei/L11460.htm. Acesso em: 17 set. 2019.
_______. Lei n.6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o
Estatuto do Índio, publicada no DOU de 21 dez. 1973. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6001.htm. Acesso em: 17
set. 2019.
MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia,
1ª parte. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
_______. Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico: plano da validade.
6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
_______. Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico: plano da
existência. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.Termo de Compromisso de
Ajustamento de Conduta, ref. Inquérito Civil n. 1.33.002.000450/201317.
Disponível
em:http://www.mpf.mp.br/atuacaotematica/ccr6/grupos-de-trabalho1/demarcacao/documentos/tac/tac_arrendamento_ti-xapeco.pdf.
Acesso em: 25 jul. 2019.
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LA PERSPECTIVA INTERCULTURAL DE LA
FILOSOFÍA EN AMÉRICA LATINA COMO
PROPUESTA DE INTEGRACIÓN
Maria Luz Mejias Herrera194
Resumen: Una de las perspectivas más abordadas teóricamente en el
contexto latinoamericano hoy día, lo constituye la reflexión en torno a la
interculturalidad. La Filosofía, en su accionar teórico y práctico recaba en
nuestra región de un saber intercultural, de una direccionalidad en torno
a problemáticas culturales que han recorrido el devenir de las ideas en
este continente. Aunque la interculturalidad no muestra solamente sus
líneas esenciales en análisis propiamente filosóficos, desde el propio ejercicio filosófico el tributo e incentivo a los temas sobre la cultura, sus valores, el diálogo y reconocimiento entre estas, es un imperativo necesario
bajo las condiciones en que vivimos. Dicho en otros términos, la filosofía
en nuestro contexto necesita reflexionar y ponerse en función de los problemas que históricamente han sido consustanciales a nuestro pensamiento. El presente trabajo reflexiona sobre algunas ideas en función del giro
intercultural atribuido a la Filosofía en función de lograr un acercamiento
a la problemática cultural desde diversas perspectivas.
Palabras claves: Filosofía intercultural. Filosofía latinoamericana. Cultura. Integración.
194
Profesora visitante da Universidad Federal de Integración Latinoamericana –UNILA e
da Universidad Central Marta Abreu de Las Villas – CUBA. Email:
maria.herrera@unila.edu.br
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PEDAGOGIA DA TERRITORIALIZAÇÃO E
A RESISTENCIA NAS ESCOLAS DO MST
Yohana Marcela Sierra Casallas195
Circulo De Diálogo: Educação popular, movimentos sociais,
pluralismo jurídico e constitucionalismo na América Latina
Resumo: este trabalho é parte de uma pesquisa vinculada ao Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, linha de Pesquisa dos Movimentos Sociais, Política e Educação Popular, campus Cuiabá, com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES). Com o objetivo de apresentar a pedagogia da resistencia que é implementada nas escolas dos assentamentos
do MST. A educação escolar rural no Brasil esteve por muito tempo associada a uma percepção e concepção preconceituosa dos camponeses,
tidos como uma população ignorante, atrasada e incivilizada (Caldart,
2012). Por isso, justificava-se a intervenção internacional para vinculá-la
às dinâmicas do progresso e do desenvolvimento social e econômico do
país, isso é, do sistema econômico capitalista. Por meio dos programas
educativos fora do contexto camponês. O fracasso desses programas na
América Latina especificamente no Brasil é por que parte de uma visão
particular da realidade sem ter em conta a opinião e contribuição das
populações que sabe quais são suas necessidades e qual é sua realidade
(Freire,1997). Com o surgimento dos movimentos sociais, especialmente
o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a ampliação
da luta pela distribuição equitativa da terra, e pelo reconhecimento de
seus diretos, por meio da reforma agrária, surge um novo paradigma
educativo para a população camponesa. Trata-se do que convencionou
chamar-se de ―educação do campo‖. Nesta direção, está é uma pesquisa
de caráter qualitativo desenvolvida com os professores da escola Estadual
Florestan Fernandes no assentamento doce de outubro, município de
Claudia Estado de Mato Grosso. As ferramentas investigativas foram:
das entrevistas semi-estruturadas, a observação participante e os diários
de campo. O referencial teórico está composto por os aportes de: Roseli
Caldar (2012) João Stedile (2012) Lia Pinheiro (2015) e outros referências
teóricos nós quais o MST também se baseia, além das contribuições de
195
Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso. Licenciada em
Ciências Sociais em Colômbia. Contato yohamarsierra@gmail.com
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Paulo Freire (1997) e outros aportes da decolonialidade como: Aníbal
Quijano, (2000) Enrique Dussel (1994) Edgardo Lander (1999) Silvia
Rivera (2010) Boaventura de Sousa (2009) Catherine Walsh (2013) e
Raul Zibechi, (2015). Os resultados parciais demostram que o MST construiu uma epistemologia educativa decolonial em suas escolas, posto que
os conteúdos, práticas e a teoria, está relacionada com a cotidianidade e o
entorno dos educandos, es dizer uma educação que rompe com as velhas
estruturas eurocêntricas. Por tanto se pode afirmar que o Movimento
implementa uma pedagogia da territorialização e a resistência.
Palavras-chave: MST. Educação decolonial. Territorialização. Resistencia. Educação do campo.
Referências Bibliográficas
Caldart, Roseli. Pedagogia do Movimento Sem Terra. São Pablo:
Expressão Popular, 2012.
DUSSEL, Enrique. 1942 El encubrimiento del otro: Hacia el origen del
"mito de la modernidad". La Paz: Plural editores; facultad de
humanidades y ciencias de la educación UMSA, 1994.
Freire, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1997.
LANDER, Edgardo. Pensar en los intersticios: teoría y práctica de la
crítica pós-colonial: Eurocentrismo y colonialismo en el pensamiento
social Latinoamericano. Bogotá: Instituto pensar, 1999.
PINHEIRO, Lia. Educación, resistencia y movimientos sociales: la
praxis educativo-política de los Sin Tierra y de los Zapatistas. Mexico:
Universidad Nacional Autónoma de México Programa de Posgrado en
Estudios Latinoamericanos Unidad de Posgrado, 2015.
QUIJANO, Anibal. La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias
sociales. Perspectivas latino-americanas: Colonialidad del poder,
eurocentrismo y América Latina. 201-248. Buenos Aires: Consejo
Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2000.
RIVERA, SILVIA. Ch‟ixinakax utxiwa: una reflexión sobre prácticas y
discursos descolonizadores. Buenos Aires: Tinta Limón, 2010.
SOUSA, B. Descolonizar el saber, reinventar el poder. Uruguay:
Ediciones Trilce, 2009.
Stedile, João. Brava gente: a trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil.
São Pablo: Expressão Popular, 2012.
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WALSH, Catherine. Pedagogías Decoloniales: Prácticas insurgentes de
resistir, (re)existir y (re)vivir. Tomo I. Quito: Ediciones Abya-Yala, 2013.
ZIBECHI, Raul. Descolonizar el pensamiento crítico y las practicas
emancipatórias. Bogotá: Ediciones Desde abajo, 2015.
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MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO NA BUSCA DA
EDUCAÇÃO POPULAR
Silvana Pires de Matos196
Alexandra Carniel197
Círculo de Diálogo: Educação popular, movimentos sociais,
pluralismo jurídico e constitucionalismo na América Latina
Resumo: Embora a educação seja amparada por leis Federais, é preciso
analisar os diferentes contextos sociais e concepção de educação. Sob esta
afirmação verifica-se que historicamente a década de 1970 foi marcada
por movimentos em prol da educação, associado também a luta pela
Reforma Agrária, neste contexto o objetivo principal era que as políticas
públicas olhassem para as camadas populares, onde há uma organização
social específica, assim se lutou por alternativas pedagógicas que se identificavam com a cultura, modo de vida e necessidade dos grupos sociais.
Nos registros históricos observa-se que a luta por terra e por educação
popular do campo foi reprimida pelo Governo Militar que naquele momento vigorava, porém passou-se a perceber os altos índices de analfabetismo no país, então se cria mecanismos de alfabetização em massa. Porém a luta por uma educação popular do campo não deixa de existir, os
movimentos sociais como MST (Movimento Nacional dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra), da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da CONTAG
(Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) continuam
na busca por uma educação que contemple a realidade do campesinato.
Nesse sentido propõe-se o desenvolvimento na pesquisa de dissertação de
Mestrado em Geografia identificar como ocorreu a territorialização da
Educação Popular no Rio Grande do Sul e suas contribuições para a
organização territorial da região, partindo da compreensão de Educação
Popular, suas bases, princípios e estrutura, assim como as organizações
populares do campo estão organizadas na luta pela educação e direitos
sociais. O trabalho é de caráter qualitativo, partindo de revisão bibliográfica que norteará a pesquisa. Realizou-se Estado da Arte na página da
196
197
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia, na linha de pesquisa
Desenvolvimento Econômico e Dinâmicas Territoriais pela Universidade Estadual do
Oeste
do
ParanáUNIOESTE,
campusFrancisco
Beltrão.
E-mail:
sil26pires@gmail.com
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia, na linha de pesquisa
Educação e Ensino de Geografia pela Universidade Estadual do Oeste do ParanáUNIOESTE, campus-Francisco Beltrão. E-mail: carnielalexandra@gmail.com
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Capes, em revistas de níveis A1, A2, B1 e B2 de Educação, do período de
2013 à 2016, posteriormente será realizado Estado da Arte em bibliotecas
públicas e privadas do Rio Grande do Sul, com recorte espacial a ser
definido. Alguns autores que serão utilizados como base teórica serão
Roseli Salete Caldart (2012), Paulo Freire (1987, 1967, 2001), Elza Maria
Fonseca Falkembach (2011), Maria Glória Ghon (1997), Marlene Ribeiro e Gestine Cássia Trindade (2002). Como resultados parciais destaca-se que pesquisa de Estado da Arte, aponta que estudos acerca dos
Movimentos Sociais e seu envolvimento com a Educação Popular não
têm grande produção teórica, porém, indica uma fonte importante de
informações sobre a produção de pesquisas no âmbito da historicidade
dos Movimentos Sociais urbanos e rurais, seja de camponeses, negros,
ribeirinhos ou indígenas, e referente a Educação Popular há poucas pesquisas, visto que há um esforço maior na produção sobre à Educação do
Campo. Os dados preliminares reafirmam a relevância de estudos sobre
como a Educação Popular encontra-se estruturada atualmente e como é
pensada e posta em prática junto aos Movimentos Sociais do campo.
Ademais, a pesquisa de Estado da Arte na página da Capes norteou caminhos a seguir e reflexões a serem feitas ao longo da dissertação, sendo
relevante pensar como ocorreu e ocorre a territorialização das organizações populares e da educação não-formal no Rio Grande do Sul.
Palavras-chaves: Educação Popular. Movimentos Sociais. Territorialização.
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ÁLVARO VIERA PINTO E O PENSAMENTO
DECOLONIAL: PRINCÍPIOS PARA PENSAR
A UNIVERSIDADE BRASILEIRA
Cristian Cipriani 198
Silvana Teresinha Bernieri 199
Círculo de Diálogo: Educação Popular, movimentos sociais,
pluralismo jurídico e constitucionalismo na América Latina.
Resumo: O pensamento decolonial tem se tornado, especialmente nas
últimas décadas, uma das principais lentes para se pensar, desde o Brasil,
a existência na América Latina-Caribenha. Em termos gerais, o conceito
de decolonialidade se insere em uma perspectiva teórica que busca uma
epistemologia crítica e transdisciplinar e tem como fundamento os povos
subalternizados pela modernidade capitalista. Não obstante, o pensamento decolonial também se caracteriza como força política para se contrapor
às tendências acadêmicas dominantes de perspectiva eurocêntrica de
construção do conhecimento histórico e social. (OLIVEIRA, 2019). Nessa seara, Anibal Quijano (1992) e Walter Mignolo (1995) apontam que
com o início do colonialismo na América se inicia não apenas a organização colonial do mundo, mas, simultaneamente a constituição de colonização dos saberes, das linguagens, da memória e do imaginário. Em
vista disso, este texto tem por objetivo analisar, a partir das lentes da
epistemologia decolonial, as críticas de Álvaro Vieira Pinto sobre o projeto colonizador imposto às universidades brasileiras. Para tanto, este estudo está ancorado no livro intitulado de: A questão da universidade
(1986). Na obra escrita no alvorecer da década de 1960 e resultante de
uma conferência realizada, na UFMG, a pedido da UNE, Vieira Pinto
questiona o problema das relações entre sociedade e universidade, assim
como aponta que uma universidade brasileira, para ser expressão de seu
198
199
Mestre em Educação pela Unochapecó. Doutorando em Educação pela Escola de
Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Bolsista CAPES/PROEX. Professor da área de Comunicação Social e Design do
Centro Universitário Univel (UNIVEL). Coordenador do Grupo de pesquisa
Speculative and Critical Design: Proposições a partir de Álvaro Vieira Pinto e a Escola
de Frankfurt (UNIVEL). Membro da Rede de Estudos sobre Álvaro Vieira Pinto.
Contato: cristiancipriani87@gmail.com.
Licenciada em Pedagogia pela Unochapecó. Mestranda em Educação pela
Unochapecó. Professora de Educação Infantil no munícipio de Coronel Freitas/SC.
Contato: silvanabernieri@hotmail.com
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próprio país, deve estar voltada à responsabilidade e ao compromisso
com os interesses da população trabalhadora, bem como deve incentivar
e produzir um pensamento crítico e autóctone. Não obstante, para o
filósofo do terceiro mundo, as universidades sediadas em nosso país precisam ser transformadas na essência, isto é, precisam deixar de ser um
centro distribuidor da alienação cultural, para converter-se em instrumento de criação de uma nova consciência social, direta e exclusivamente
interessada em mudar as estruturas sociais antigas e injustas. Nesses termos, a proposta alvariana é de sacudir o jugo das pressões imperialistas
que entravam a universidade nacional e viabilizar a ela, com plena liberdade, a valorização e criação de uma cultura (cosmológica, epistemológica, ontológica, tecnológica) desde o sul. Sem o intuito de findar o assunto, é possível concluir que o pensamento alvariano se aproxima do que
atualmente se convencionou chamar de decolonialismo. Na obra A questão da universidade (1986), é possível estabelecer uma relação direta entre
a crítica alvariana e o pressuposto de descolonização do saber apontado,
por exemplo, por Quijano e Mignolo.
Palavras-chave: Álvaro Vieira Pinto. Educação. Universidade. Decolonial.
Referências Bibliográficas
OLIVEIRA, Luiz Fernandes de. O que é uma educação decolonial ?.
Disponível
em:
https://www.academia.edu/23089659/O_QUE_%C3%89_UMA_EDU
CA%C3%87%C3%83O_DECOLONIAL?auto=download. Acesso em 13
de set. 2019.
MIGNOLO, Walter. The Darker Side of the Renaissance. Literacy,
Territoriality and Colonization. USA: Ann Arbor: Michigan University
Press, 1995.
QUIJANO, Aníbal. ‗Raza‟, „etnia‟ y „nación‟ en Maritegui: Cuestiones
Abiertas em Juan Carlos Maritegui y Europa. La otra cara del
descubrimiento. Lima: Amauta, 1992.
VIEIRA PINTO, Álvaro. A questão da Universidade. São Paulo:
Editora Cortez, 1986.
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PAULO FREIRE NA PÓS-GRADUAÇÃO EM
EDUCAÇÃO: RELAÇÃO ORIENTADORORIENTANDO
Marta Zanette200
Ivo Dickmann201
Círculo de Diálogo 9: Educação popular, movimentos sociais, pluralismo jurídico e constitucionalismo na América Latina.
Resumo: Da experiência de Freire como orientador na pós-graduação
podemos extrair contribuições para uma práxis diferenciada no fazer da
pós-graduação, como desdobramento da relação educador-educando,
como relação orientador-orientando. Tem-se como objetivo, investigar a
práxis de Paulo Freire como orientador na pós-graduação como fundamento teórico-prático para a docência no Ensino Superior. Os objetivos
específicos são: a) localizar na biografia de Paulo Freire a sua trajetória
como orientador; b) entrevistar os ex-orientandos de Paulo Freire; c)
explicitar nos discursos dos orientandos as contribuições para práxis docente no Ensino Superior hoje. A abordagem teórica da pesquisa dialoga
com as bases epistêmico-metodológicas freirianas: o marxismo nãoortodoxo presente da Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 2011) até a
Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 2018) onde está uma leitura atualizada e crítica do materialismo histórico-dialético, o hegelianismo da dialética senhor-escravo traduzido para uma compreensão da educação
(WOHLFART, 2013), a intencionalidade da consciência a partir dos
estudos fenomenológicos de Husserl (BRUTSCHER, 2005) e o existencialismo humanista cristão (JASPER, 1997; MARCEL, 1955). A metodologia que está sendo utilizada é a entrevista semiestruturada aplicada aos
orientandos de Freire, tendo em vista que os sujeitos da pesquisa estão
espalhados por quatro estados do Brasil (MS, SP, SC, PE) utilizamos
recursos da internet para fazer as entrevistas e e-mails para aprofundar
pontos que julgamos necessários esclarecer. Faremos análise de conteúdo
200
201
Mestranda em Educação pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó Unochapecó. Professora da Educação Infantil no município de Cordilheira Alta-SC.
Membro do Palavração – Grupo de pesquisa em educação. Contato:
martinhazanette@hotmail.com
Doutor em educação. Professor no Mestrado em Educação da Unochapecó. Líder do
Palavração
–
Grupo
de
pesquisa
em
educação.
Contato:
educador.ivo@unochapeco.edu.br
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(BARDIN, 2009) para extrair das falas subsídios para a construção de
uma práxis referenciada na pedagogia freiriana, no trabalho de orientação da pós-graduação em educação. Até o momento, podemos afirmar
que são três as principais contribuições freirianas: a) educar pelo exemplo
a partir da autoridade do conhecimento, como dimensão epistemológica
da práxis docente; b) relação orientador-orientando, profundamente dialógica na construção do conhecimento; c) presença amorosa e com rigor
científico em sala de aula e nas orientações, como dimensão estética da
práxis docente.
Palavras-chave: Pós-graduação em Educação. Práxis docente. Relação
orientador-orientando. Paulo Freire.
REFERÊNCIAS
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2009.
BRUTSCHER, Volmir José. Educação e conhecimento em Paulo
Freire. Passo Fundo: IFIBE; Instituto Paulo Freire, 2005.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50. ed. São Paulo: Paz e Terra,
2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática
educativa. 56. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2018.
JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo:
Cultrix, 1997.
MARCEL, Gabriel. Los hombres contra lo humano. Buenos Aires:
Hachette, 1955.
WOHLFART, João Alberto. Fundamentos dialéticos da Pedagogia do
Oprimido. Passo Fundo: IFIBE, 2013. (Coleção Diálogos; 18).
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PEDAGOGÍAS DEL BUEN-VIVIR
APORTES FREIRIANOS
Ivo Dickmann202
Claudemir Stanqueviski203
Círculo de Diálogo 9: Educação popular, movimentos sociais, pluralismo jurídico e constitucionalismo na América Latina
Resúmen: La crisis ambiental que se encuentra en el mundo, ocurre,
esencialmente, por la ausencia de conexión entre los seres humanos y su
naturaleza primera. Ello exige la construcción de uma reubicación, llevando las gentes a se percibiren en sus realidades ambientales con la seguridad de pertenecer a ese medio y, portanto, por él responsables. Las
necesidades consumistas del modo de producción actual echaron nuestra
vida a un círculo de producción, uso y descarte de productos que tiene
originado grande destrucción. Tal realidad echa, además de los recursos
ambientales, a las propias personas para uma exclusión, que pone al margen y las excluen a todos y todas que no consiguen acompañar las exigencias consumistas. Paulo Freire (2018), pensador brasilero, expresa en
su obra maestra, Pedagogía del Oprimido (2018), la necesidad de libertación de la percepción opresora y conllama hombres y mujeres a teorías y
prácticas libertadoras y emancipatórias, superando la lógica del capital
(MÉSZÁROS, 2008). Pero, sus contribuciones para la ideia de un BuenVivir, no se limitan a ello, conforme nos enseña en su ensayo Dickmann
(2018), Paulo Freire apresenta várias formas de pensar al Buen-Vivir en
sus textos, através de la transformación de su método de alfabetización en
una epistemología de la educación, donde piensa a una nueva sociedad –
mas justa, solidária y sostenible. La necesidad de esperanzar al mundo, en
un movimiento de crédito en la posibilidad de construcción de la nueva
realidad; de autonomía, donde las personas tienen condiciones de aprenderen a pensar autonomamente; práxis, donde agir y pensar se completan; amorosidad, al respeto al diálogo y al encuentro con los demales;
todas pedagogías que llevam a una formación integral del ser humano y
202
203
Doutor em educação. Professor no Mestrado em Educação da Unochapecó. Líder do
Palavração
–
Grupo
de
pesquisa
em
educação.
Contato:
educador.ivo@unochapeco.edu.br
Mestre em Educação. Profesor del curso de Pedagogía de FAMA. Miembro del Grupo
de Pesquisa PALAVRAÇÃO, documentación y registro ambiental. Contacto:
stanqueviski@gmail.com
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del Buen-Vivir, y en el encuentro con los otros, pues como nos afirma
Dussel (2012), somos seres de comunidad. Finalmente, percibimos que
Paulo Freire todavía se presenta como una gran y rica referéncia para el
Buen-Vivir, mientras pensador que nos enseña y llama al encuentro con
los demales y con la naturaleza como forma de entender y vivir las relaciones socio ambientales.
Palabras llave: Paulo Freire. Bien-Vivir. Educación Ambiental. Sostenibilidad.
Referéncias Bibliográficas
DICKMANN, Ivo;. (2018). Pedagogia do bem-viver: breve ensaio sobre
as contribuições de Paulo Freire. In: CAOVILLA, Maria Aparecida
Lucca; MACHADO, Lucas; CANZI, Idir (orgs.) Constitucionalismo,
Direitos Humanos, Justiça e Cidadania na América Latina. São Leopoldo:
Karywa, (pp. 245-258).
DUSSEL, E. (13 de novembro de 2012). El indivíduo siempre fue
comunidad.
Fonte:
YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=xxWNOSIjfUA
FREIRE, P. (2018). Pedagogia do Oprimido (65ª Edição ed.). Rio de
Janeiro: Paz e Terra.
MÉSZÁROS, I. (2008). A educação para além do Capital. São Paulo:
Boitempo.
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DEMOCRACIA E DIREITOS NA AMÉRICA
LATINA: CRISES, CONSOLIDAÇÃO E
LUTAS SOCIAIS POR DIREITOS
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A OCUPAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA EM
QUESTÃO: CONTEXTO, REIVINDICAÇÕES,
MOBILIZAÇÃO E (AUTO)ORGANIZAÇÃO
ESTUDANTIL
Gabriela Maria Pires204
Gerson Junior Naibo205
Larissa Ritter Pedroso206
Willian Simões207
Círculo de Diálogo: Democracia e Direitos na América Latina:
crises, consolidação e lutas sociais por direitos.
Resumo: No Brasil, podemos dizer que o ano de 2016 foi marcado por
um golpe parlamentar-jurídico-midiático (FRIGOTTO, 2017) que vem
resultando em um realinhamento, sobretudo, das forças políticas e econômicas em torno da barbarização do neoliberalismo e a disseminação de
seus pressupostos em diferentes escalas da vida humana. No campo educacional, vem se consolidando a hegemonia e os interesses de determinados grupos empresariais e financeiros (FREITAS, 2018). Mudanças nos
rumos das políticas públicas já podem ser observadas, a exemplo da criação de um teto para o custeio de políticas públicas (sobretudo as políticas
sociais), a Reforma Trabalhista, a Lei de Terceirização, a Lei de Liberdade Econômica, Flexibilização de Leis Ambientais e a Reforma da Previdência, o que, neste contexto, elevou o número de manifestações e protestos contrários por parte de representações de entidades de classe: mo204
205
206
207
Estudante de Pedagogia - Licenciatura, Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS
Campus Chapecó, Bolsista de Iniciação à Docência (CAPES), Subprojeto Pedagogia.
Integrante do Observatório de Juventudes Territórios Contestados e componente do
Grupo de Pesquisa Espaço, Tempo e Educação - UFFS/SC. Contato:
gabihmpires@gmail.com.
Estudante de Geografia - Licenciatura, Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS,
Campus Chapecó, Bolsista de Iniciação Científica (CNPq). Integrante do Núcleo de
Estudos Território, Ambiente e Paisagem - UFFS/SC e do Grupo de Pesquisa Espaço,
Tempo e Educação - UFFS/SC. Contato: gersonjrnaibo@outlook.com.
Estudante de Pedagogia – Licenciatura, Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS
Campus Chapecó. Integrante do Observatório de Juventudes Territórios Contestados,
Grupo
de
Pesquisa
Espaço,
Tempo
e
Educação.
Contato:
larissamariaritter@gmail.com.
Professor da Área de Ensino de Geografia, Universidade Federal da Fronteira Sul.
Integrante do Observatório de Juventudes Territórios Contestados, Grupo de Pesquisa
Espaço, Tempo e Educação – UFFS/SC. Contato: willian.simoes@uffs.edu.br.
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vimentos estudantis, sociais e sindicais. A partir deste cenário, em 2015 e
2016, ocorreram inúmeras mobilizações estudantis em todo o território
brasileiro (BOUTIN e FLACH, 2017; TEIXEIRA, HENNING e FREITAS, 2019). As reivindicações surgiram a partir de um número de aflições, em algumas situações possuíam escala mais local, como é o caso da
CPI da Merenda em São Paulo-SP, mas também levaram em consideração pautas de escala nacional, como a PEC 55/2016, a reforma do Ensino Médio e o projeto Escola Sem Partido. Partimos do pressuposto de
que a ocupação da escola e seus desdobramentos (estrutura, dinâmica,
relações de cooperação e de conflitos) proporciona às juventudes o diálogo de saberes e experiências, o desenvolvimento de um conjunto de
aprendizagens que contribuem para sua (auto)formação enquanto sujeito
político. A partir deste contexto é que a presente pesquisa objetiva compreender melhor os impactos das ocupações na reconstituição dos/as
ocupas – jovens que ocuparam escolas e universidades – como sujeitos
políticos. Na região Oeste de Santa Catarina, nosso recorte espacial de
análise, neste mesmo período, foram as manifestações que aconteciam
em âmbito secundarista e universitário, que resultou na ocupação de
cinco escolas estaduais, uma escola municipal, uma escola de ensino
técnico e profissionalizante e uma universidade, sendo ela a Universidade
Federal da Fronteira Sul – UFFS, Campus de Chapecó e Reitoria. Na
UFFS, os/as ocupas também pautavam respostas aos cortes orçamentários que, consequentemente, acarretariam em contingenciamento de bolsas de pesquisa e extensão. Assim, também, os manifestantes solicitavam
maior participação de toda a comunidade acadêmica na elaboração dos
planos orçamentários. Neste trabalho, apresentaremos resultados parciais
de um estudo que vêm sendo realizado sobre as publicações dos/as ocupas na UFFS em 2016 em Ciberespaço (MAGNONI e FIGUEIREDO,
2019), página do Facebook, buscando compreender melhor quem eram
os sujeitos ocupas, o que suas publicações dizem sobre seu perfil socioeconômico e identitário, suas práticas políticas, seus saberes e experiências. Trata-se de dois grupos públicos intitulados: ―Ocupa Reitoria –
UFFS‖ e ―Ocupa UFFS – Chapecó. Para este estudo, nos ancoramos
metodologicamente na netnografia (MONTARDO e PASSERINO,
2006; AMARAL; NATAL e VIANA, 2008; FERRO, 2015). Nossas
análises já nos permitem afirmar que, em sua maioria, os ocupantes eram
oriundos de diferentes regiões e estados do país, já que a UFFS possibilita
tal deslocamento por ser uma instituição que realiza a seleção dos estudantes por meio do Sistema de Seleção Unificada – SISU. Grande parte
dos ocupantes da universidade se colocavam como filhos de trabalhadores e agricultores oriundos de classe social de renda baixa, pertencendo a
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grupos políticos progressistas e também de perspectivas autônomas, em
alguns casos, possuindo orientação sexual e gêneros opostos ao da grande
massa hegemônica da população. Além disso, foi possível observar que
os/as ocupantes se organizavam de maneira horizontal, com a composição de comissões que visavam o melhor funcionamento e organização do
espaço em ações básicas como alimentação, limpeza e comunicação.
Todas as decisões eram tomadas em assembleias deliberativas. Durante o
período de ocupação, que durou mais de 40 dias, os estudantes realizavam aulas públicas, rodas de conversa e oficinas de diversas temáticas,
com objetivo de discutir e debater assuntos pertinentes à situação e ao
momento político atual. Por fim, nossos estudos têm nos permitido evidenciar que as ocupações se mostraram como um ato político de luta e
resistência em todo o Brasil, com diferentes pautas e demandas, mas
todas com um único objetivo, a luta por uma educação pública, gratuita,
popular, de qualidade e emancipatória.
Palavras-chave: Movimento Estudantil. Juventude e Resistência. Educação e Política.
Referências Bibliográficas
AMARAL, Adriana; NATAL, Geórgia; VIANA, Luciana. Netnografia
como aporte metodológico da pesquisa em comunicação digital. In. Sessões do imaginário, cinema, cibercultura e tecnologias da imagem.
Porto Alegre, nº 20, Famecos/PUCRS, dezembro de 2008.
BOUTIN, Aldimara Catarina Delabona Brito; FLACH, Simone de Fátima. O movimento de ocupações de escolas públicas e suas contribuições
para a emancipação humana. In. Inter-Ação, Goiânia, v. 42, n. 2, p.429446, maio/ago. 2017.
FRIGOTTO, Gaudêncio. A gênese das teses do Escola sem Partido:
esfinge e ovo da serpente que ameaçam a sociedade e a educação. In.
FRIGOTTO, Gaudêncio (Org.). Escola “sem” Partido: esfinge que
ameaça a educação e a sociedade brasileira. Rio de Janeiro: UERJ,
LPP, 2017.
FREITAS, Luiz Carlos de. A reforma empresarial da educação: nova
direita, velhas ideias. São Paulo: expressão popular, 2018.
FERRO, Ana Paula Rodrigues. A netnografia como metodologia de
pesquisa: um recurso possível. Educação, Gestão e Sociedade, v. 5, n.
19, ago. 2015.
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MAGNONI, Maria das Graças Mello; FIGUEIREDO, Wellington dos
Santos. Geografia e Tecnologia: o Ciberespaço como dimensão socioespacial. In. Ciência Geográfica, Bauru, ano XXIII, vol. XXIII, (2):
jan/dez, 2019.
MONTARDO, Sandra Portella; PASSERINO, Liliana Maria. Estudos
dos Blogs a partir da Netnografia: possibilidades e limitações. Novas
Tecnologias na Educação, v.4, n. 2, dez. 2006.
TEIXEIRA, Juliana Cotting; HENNING, Paula Corrêa; FREITAS,
Gustavo da Silva. Ocupações secundaristas no Sul do Brasil: problematizando a produção de subjetividades jovens em meio à ação política. In.
Práxis Educativa, Ponta Grossa, Ahead of Print, v. 14, n. 3, set/dez. 2019.
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A ASCENSÃO DA EXTREMA DIREITA E OS
DESAFIOS PARA A CONSOLIDAÇÃO DA
DEMOCRACIA NA AMÉRICA LATINA
João Vitor Bueno Corso 208
Círculo de diálogo: Democracia e Direitos na América Latina:
crises, consolidação e lutas sociais por direitos
Resumo: A recente redemocratização dos países latinos americanos,
período marcado pela ausência de mecanismos para incorporação e participação dos atores sociais marginalizados e consequentemente pela
expansão de movimentos com concepções nacionalistas excludentes e
pelo discurso da ordem moral, do anticomunismo e da família constituem os pilares de uma nova fase latino americana, marcada pela ascensão
da extrema direita. David Harvey (1993), defende que desde os anos de
1970, vem ocorrendo uma mudança no plano da cultura – mas que possui rebatimentos no social, econômico e político. Essa crise, começa a
produzir nesse período uma nova experiência na maneira como as sociedades experimentam o tempo e o espaço, ruindo a confiança em juízos
científicos e morais até então estabelecidos, fazendo a estética triunfar
sobre a ética, a dominância das imagens em detrimento das narrativas, a
precedência da fragmentação e da efemeridade. Nesses tempos de incertezas e de inseguranças, movimentos da sociedade se voltam para promessas de novas explicações a esses fenômenos e buscam modos de conservar o estabelecido – modos que recebem uma roupagem de desejo de
transformação. Nesse cenário, o presente artigo visa analisar como a
extrema direita utiliza das massas populacionais para alavancar o aparelhamento de opiniões. Por meio de um estudo exploratório e descritivo,
qualitativo, buscou-se conhecer de que forma a ascensão de um novo
projeto político marcado por características extremistas desafia a consolidação democrática na contemporaneidade. Por fim, é possível afirmar
que o discurso conservador se apropria da vida cotidiana para chegar às
narrativas de diferentes populações, como destaca Barroco (2009) ao
208
Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Pesquisador PIBIC/CNPQ no projeto ―Sistemas Internacionais de Proteção aos
Direitos Humanos‖ e pesquisador fundador do Observatório de Democracia e Direitos
Humanos, grupo de pesquisa e extensão pertencente ao Centro de Ciências Jurídicas UFSC. Contato: joaobuenocorso@gmail.com
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afirmar que a utilização da moral como base do discurso, passa a representar, no conservadorismo, um sentido moralizador, objetivando a restauração da ordem e da autoridade, do papel da família, dos valores morais e dos costumes tradicionais. Assim, a extrema direita utiliza a população como instrumento para alavancar uma crise representativa a fim de
alcançar o poder e consequentemente passa a fomentar uma crise democrática.
Palavras-chaves: Democracia. América Latina. Extrema Direita. Conservadorismo.
Referências Bibliográficas
HARVEY, David (1993). Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as
origens da mudança cultural. São Paulo: Edições Loyola
BARROCO, Maria Lúcia Silva (2009). Ética: fundamentos sóciohistóricos. São Paulo: Cortez.
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DIREITO DAS FAMÍLIAS:
PLURALIDADE DE TIPOLOGIAS?
Mylenna Roman209
Silvia Ozelame Rigo Moschetta210
Círculo de Diálogo: Democracia e Direitos na América Latina:
crises, consolidação e lutas sociais por direitos
Resumo: A família brasileira tem sua tipologia marcada pela cultura
indígena, europeia e africana. Sua evolução normativa evidencia-se com
a vigência dos Códigos, refutando um contexto eminentemente patriarcal
e recepcionando novos arranjos marcados pela diversidade cultural. Indaga-se se o reconhecimento jurídico plural com viés democrático no
âmbito do direito das famílias recebe influência da diversidade cultural?
Utilizando o método científico dedutivo, observa-se que a família, precipuamente, funda-se em premissas solidárias e de reciprocidade, sempre
com vistas à lhaneza. Esse ―reconhecimento‖ de família advém de uma
ordem jurídica, moral, religiosa, política, social e filosófica que vai além
da normatividade existente, mas que foi influenciada pela cultura indígena, europeia e africana. Apresenta-se, um modelo de família que se tornou estereotipado por vários séculos, levando a sociedade e seus sujeitos
a respeitarem os ditames patriarcais, rígidos. Embora a noção de ―família‖ estivesse atrelada aos aspectos econômicos, sociais, políticos, religiosos e culturais de cada região e época, é possível admitir que ―[...] uma
definição de Família se faz prescindível para o entendimento do seu funcionamento. O que importa é a aná lise dos valores que ela transmite,
bem como sua sistemática, desde que esteja contextualizada‖ (TEIXEIRA, 2005, p. 13). Para Fachin (2015b, p. 32), a realidade presente nesses
processos de adaptação social e jurídica vingou para o que ele chama de
―necejo ‖ (necessidade mais desejo), em que o casar/divorciar seria uma
ambiguidade da Modernidade. Giddens (1991, p. 53) faz uma reflexão:
209
210
Bolsista Edital de Pesquisa Unochapecó nº13/REITORIA/2019; Acadêmica do 6º
período do curso de Direito da Unochapecó, campus Chapecó-SC. E-mail:
mylenna.r@unochapeco.edu.br.
Doutora em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade
Federal de Santa Catarina (PPGD/UFSC). Mestra em Direito Público e Evolução
Social - Universidade Estácio de Sá – RJ. Docente permanente do Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Direito – PPGD/UNOCHAPECÓ e docente titular de
graduação
em
Direito
Civil
–
UNOCHAPECÓ.
Advogada.
silviaorm@unochapeco.edu.br.
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de que a Modernidade é ―ela mesma profunda e intrinsecamente sociológica‖, importando em afirmar que a família e o casamento foram sociologizados e psicologizados, a ponto de significativos processos de mudanças, por exemplo, nas posições sociais entre homens e mulheres e os
costumes sexuais, serem determinantes na afirmação de seus desejos. A
reforma do Código Civil de 1916 requeria não somente uma nova codificação, mas proposições que repensassem os alicerces e os fundamentos
da ordenação social, do privado ao público, e do público ao social (FACHIN, 1998, p. 66). Percebe-se então como grande marco - da evolução
das relações familiares bem como a seguridade dos direitos das mulheres,
crianças e adolescentes – a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil
de 2002. A previsão constitucional de que o casamento, a união estável e
a monoparentalidade indicam os formatos familiares brasileiros não deixa de demonstrar senão a influência cultural presente nas relações interpessoais. Entretanto, além das tipologias previstas, outras se apresentam
no cenário brasileiro e recebem reconhecimento jurídico via Poder Judiciário: a) casamento e união estável homoafetiva; b) multiparentalidade –
coexistência de filiação biológica e afetiva no registro de nascimento.
Findando-se tal apreciação é possível observar que depois de longos anos
históricos a ―família tradicional brasileira‖ tem novos liames, voltados
então para a proteção igual de todos os membros , anelando pessoas que
busquem conviver em família por vínculo afetivo. Mesmo que a modernidade disseminou a ideia de uma vida privada e solitária, apresenta-se
uma família pós-moderna que é plural e democrática amalgamada pela
afetividade, fruto da diversidade cultural presente nos arranjos brasileiros.
Palavras-chave: Direito de Família. Pluralidade. Reconhecimento Jurídico.
Referências Bibliográficas
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Dissertação de mestrado da Universidade de Brasília. Brasília, 2015.
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Social com Famílias Indígenas. Brasília, 2017.
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BRASIL. Senado Notícias. Lobby do Batom: marco histórico no
combate
à
discriminações.
Disponível
em:
<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/03/06/lobbydo-batommarcohistorico-no-combate-a-discriminacoes>. Acesso em 29
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CASTILHO, Ela Wiecko. Direitos Humanos das Populações Indígenas.
In: Revista Direitos Humanos, da Secretaria Especial de Direitos
Humanos/Presidência da República, nº 3, setembro de 2009.
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brasileira sob o regime da economia patriarcal. 51. ed. São Paulo: Global,
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GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. Tradução de
Raul Fiker. São Paulo: Unesp, 1991. 193 p.
GROSSI, Paolo. El orden jurídico medieval. Traducción de Francisco
Tomás y Valiente y Clara Álvaez. Madrid: Marcial Pons, Ediciones
Jurídicas y Sociales S. A., 1996. 256 p.
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Etnologia –Antrolopogia. Petrópolis: Vozes, 1997.
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Povos Indígenas. Rio de Janeiro, 2007.
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de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos, 1917. 557 p.
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hierarquia familiar pela paridade nas relações conjugais e suas
implicações para a família brasileira contemporânea. Santa Maria:
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TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade
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TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA:
CRISE NA CONSOLIDAÇÃO DO PRINCÍPIO
DA LEGALIDADE
Amanda Santa Rosa Dornelles211
Ana Paula Bullé Nunes de Carvalho212
Anna Letícia Maneli Dietrich213
Círculo de Diálogo: Democracia e Direitos na América Latina:
crises, consolidação e lutas sociais por direitos.
Resumo: A teoria da cegueira delibera ―vem sendo utilizada em países de
sistema common law, muito em razão da inexistência de dolo eventual
naquele, o que terminou por reduzir a discussão sobre a teoria em nosso
país‖ (CALLEGARI, 125). O doutrinador André Callegari aponta que o
conceito de Willful blindness é amplo e há diversos doutrinadores que
buscaram ―(...) dar o devido fechamento conceitual e a consequente possibilidade da aplicação da teoria‖ (CALLEGARI, 2017,132). No presente
trabalho que possui uma metodologia bibliográfica, tem-se como objetivo
examinar que em virtude da incompatibilidade entre os sistemas jurídicos, americano e brasileiro, bem como a aplicação da teoria estrangeira
em alguns casos emblemáticos no Brasil, resultou em uma expansão punitivista do poder judiciário de forma que os tribunais brasileiros ao aplicarem a teoria estrangeira desconsideraram o princípio da legalidade, o
qual é fundamental no Direito Penal pátrio. Observa-se que o Poder Judiciário ao utilizar-se de uma teoria incompatível com o ordenamento
jurídico brasileiro deixa de consolidar garantias de imputação criminal,
eis que ―se limita a identificar situações em que pode ser reconhecido o
dolo‖ (LUCCHESI, 2018, 188), porém ―(...) é imprescindível que no
direito brasileiro qualquer conduta em que se reconheça a existência da
cegueira deliberada pelo autor seja praticada dolosamente, caso contrário
não poderá ser considerada punível‖ (LUCCHESI, 2018, 188). Diante
isso, não existe na dogmática penal justificativa para a aplicabilidade da
211
212
213
Graduanda pelo IFPR-Campus Palmas. Atua como estagiária na Delegacia de Polícia
Civil da cidade de Palmas/PR. Contato: asrdornelles@outlook.com
Graduanda pelo IFPR-Campus Palmas. Atua como estagiária voluntária no Cartório
Cível da Comarca de Palmas/PR. Contato: apcarvalho536@gmail.com
Graduanda pelo IFPR-Campus Palmas. Atua como estagiária do Ministério Público do
Estado do Paraná no da Comarca de Mangueirinha/PR. Contato:
annaleticiamd@gmail.com
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teoria da cegueira deliberada sem que se exceda a limitação determinada
pela legislação brasileira, e isso decorre apenas da incompatibilidade das
justificativas utilizadas na aplicação da teoria pelo sistema jurídico americano e brasileiro. O princípio da Legalidade, expresso no art. 5º,
XXXIX, CF, é utilizado como balizador do Estado Democrático de Direito como forma de regulamentar as ações punitivas do Estado, sendo
no direito penal uma norma de equilíbrio entre a medida punição e a
segurança jurídica daquele que é acusado, entretanto ao ser desconsiderado pelos tribunais gera uma insegurança jurídica aos indivíduos da
sociedade. A Constituição Federal de 1988 ao irradiar seus princípios a
todas as áreas do direito trouxe o princípio da legalidade, especialmente
ao direito penal, como uma regra de ―exigência de segurança jurídica e
de garantia individual‖ (GRECO, 2016, 143), entretanto ao ser desvalorizado na aplicação da teoria da cegueira deliberada traz como possibilidade ao magistrado uma ampliação de poder decisório para deixar de se
considerar os limites legais para encontrar uma decisão que melhor se
adapte ao caso com a finalidade de alcançar condutas que seriam impuníveis pela dogmática penal brasileira, ocasionando diversos prejuízos as
garantias sociais.
Palavras-chave: Direito Penal. Crise. Princípio da Legalidade. Teoria da
Cegueira Deliberada.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, de 05 de outubro de 1988. Constituição
Federal.
Disponível
em:
<http://
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>.
Acesso em: 15 setembro 2019.
CALLEGARI, André Luís. Lavagem de dinheiro. 2. ed. São Paulo:
Editora Atlas Ltda, 2017. 240 p.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 18. ed. Niterói:
Editora Impetus Ltda, 2016
LUCCHESI, Guilherme Brenner. Punindo a culpa como dolo: O uso da
cegueira deliberada no Brasil.São Paulo: Marcial Pons, 2018.
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O MITO DO DIREITO PENAL IGUALITÁRIO
Josiane Aparecida Grossklaus214
Thais Aparecida Cordeiro215
Ana Carolina Avelino216
Círculo de Diálogo: Democracia e Direitos na América Latina:
crises, consolidação e lutas sociais por direitos.
Resumo: O ideal de igualdade de todos perante a lei está previsto na
Constituição Federal, em seu artigo 5º, caput, in verbis: ―Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]‖. Este princípio
subdivide-se em igualdade formal, definida como igualdade jurídica ou
perante a lei, donde se busca estabelecer o tratamento igualitário a todos,
independentemente de cor, sexo, religião, etc., e igualdade material, observada como a adequação da lei aos casos concretos a fim de que todos
os indivíduos sejam tratados de maneira igual na medida de suas desigualdades, admitindo que a lei penal eleja alguns critérios de diferenciação dentre os indivíduos, a fim de se alcançar a isonomia e corrigir distorções (COSTA, 2017). José Afonso da Silva (2003) entende não se tratar apenas de uma aplicação homogênea de uma mesma pena para os
mesmos delitos, sem antes se considerar as circunstancias de cada caso
concreto. Destaca, porém, que, apesar das tentativas de equiparação, a
realidade demonstra que o encarceramento continua sendo uma alternativa apenas para os economicamente desfavorecidos, ―muito mais sujeitos aos rigores da justiça penal que os mais aquinhoados de bens materiais‖. Verifica-se a não observância deste princípio no Direito Penal brasileiro ao longo da cadeia de todo o sistema, uma vez que possui um caráter seletivo presente na norma criminal desde o ato de sua criação, ao
rotular determinadas condutas como criminosas em detrimento de outras, até o momento efetivo da aplicação da norma, expressa na perseguição estatal a determinados estereótipos, enquanto outros saem ilesos.
Positivado como mecanismo de controle social, é assim que o Direito
está posto em nossa sociedade, aprisionando aqueles que rotula como
desviantes e resguardando a estrutura social pré-determinada de acordo
214
215
216
Graduanda em Direito pelo IFPR-Campus Palmas. Assessora Parlamentar na
Assembleia Legislativa do Paraná. Contato: jogrossklaus@gmail.com
Graduanda pelo IFPR-Campus Palmas. Contato: thaiscordeiroc@gmail.com
Graduanda pelo IFPR-Campus Palmas. Estagiária no IFPR. Contato:
anacarolinaavelino@outlook.com
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com os interesses daqueles que ocupam o topo da pirâmide social. Michel
Foucault (2004) mostra que o direito penal tem como público majoritário
os indivíduos excluídos e da classe social mais baixa (com foco claro em
seus delitos característicos) como mecanismo de controle e vigilância
minuciosa de pessoas que, por serem numericamente superiores, se organizados poderiam representar um perigo à hegemonia da classe social
dominante. Isso fica evidente quando analisamos o perfil da população
encarcerada no país. De acordo com as informações de órgãos oficiais,
como DEPEN e CNMP, em sua grande maioria, a população carcerária
é formada por homens, negros e pardos, pobres, envolvidos com tráfico
de drogas, roubos e furtos. Salvo raras exceções, essas pessoas estão presas em condições sub-humanas num sistema prisional falido, caracterizado por celas superlotadas, úmidas, sem acesso a água potável, saneamento, vestuário, produtos de higiene, trabalho, estudo, alimentação adequada, enfim, ambientes impiedosamente precários (DEPEN, 2016; CNMP,
2018). Mesmo assegurado pela Constituição Federal, a referida igualdade
não passa de um mito, uma vez que muitos indivíduos, principalmente os
hipossuficientes, não conseguem se sobressair em relação à rigidez do
sistema, sendo encarcerados e deixados à própria sorte em proporção
muito maior do que aqueles de maior poder aquisitivo (COSTA, 2017).
Palavras-chave: Isonomia. Encarceramento. Direito Penal. Constituição
Federal.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, de 05 de outubro de 1988. Constituição
Federal.
Disponível
em:
<http://
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>.
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CNMP. Sistema Prisional em números. Conselho Nacional do
Ministério
Público.
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Disponível
em:
<http://www.cnmp.mp.br/portal/relatoriosbi/sistema-prisional-em
numeros>. Acesso em 15 de junho de 2019
COSTA, Aelia Camila. O mito do direito penal igualitário: uma análise
da seletividade do sistema criminal brasileiro. Trabalho de Conclusão de
Curso (Graduação em Direito) – Fundação Universidade Federal de
Rondônia - Cacoal, RO, 2017. Acesso em 03 de junho de 2019
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões.
28ª Edição. Editora Vozes. 2004
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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22.
ed. Rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003.
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A ORGANIZAÇÃO DA REDE DE SERVIÇOS
DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A
PROTEÇÃO DE FAMÍLIAS EM SITUAÇÃO
DE RISCO PARA AS VIOLÊNCIAS
Sara Ripplinger217
Deborah Cristina Amorim218
Murilo Cavagnoli219
Círculo de Diálogo: Democracia e Direitos na América Latina:
crises; consolidação e lutas sociais por direitos.
Resumo: A intenção desta pesquisa surgiu do diálogo construído com
profissionais que atuam no contexto da assistência social de média complexidade (CREAS I) de Chapecó-SC, sendo lançado o questionamento
de como é feita a organização dos serviços de assistência social na atenção básica para a proteção dos usuários encaminhados para esse serviço.
Entendeu-se que a complexidade envolvida em questões de violências
recai no cotidiano dos serviços, sendo importante refletir sobre o processo
de acolhimento desses usuários considerando seu ponto de vista e do
ponto de vista dos profissionais envolvidos cotidianamente nessa intervenção. O objetivo desta pesquisa foi compreender a organização da rede
de serviços das políticas públicas para a proteção e acolhimento de famílias em situação de risco para as violências na região da Efapi. A pesquisa, de caráter qualitativo, lançou mão de procedimentos metodológicos
relacionados à pesquisa-intervenção. Inicialmente foi desenvolvida análise documental de atendimentos realizados no CREAS I, possibilitando a
identificação de situações que apontavam para a importância do desenvolvimento de entrevistas no âmbito da atenção básica. Assim, foram
ouvidos um usuário e quatro profissionais dos CRAS do território da
Efapi. A seleção dos entrevistados se deu por amostragem aleatória sim217
218
219
Graduanda em Psicologia pela UNOCHAPECÓ. Grupo de pesquisa Estudos Sobre
Violências
NESVI
e
Projeto
de
Extensão
RAIA.
Contato:
sara.ripplinger@unochapeco.edu.br
Doutora em Serviço Social pela UFSC. Docente da Unochaecó. Grupo de Pesquisa
Estudos Sobre Violências - NESVI e Projeto de Extensão RAIA. Contato:
deborah@unochapeco.edu.br
Doutor em Psicologia pela UFSC. Docente da Unochaecó. Grupo de Pesquisa Estudos
Sobre Violências – NEVI, Grupo de Pesquisa Práticas Psicológicas e Projeto de
Extensão RAIA. Contato: Murilocavagnoli@unochapeco.edu.br
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ples, contando com a adesão dos usuários que foram convidados. A análise dos dados quantitativos possibilitou conhecimentos acerca das violências envolvidas em cada atendimento e apontando para a seleção dos
participantes da pesquisa. Verificou-se que nem todas as famílias são
contrarreferenciadas para a atenção básica, mas somente situações em
que os serviços percebem ainda vulnerabilidades. O usuário, na entrevista
realizada, afirma que, em sua percepção, existe um trabalho preventivo
realizado pelos serviços, o que ocorreu em relação à situação que envolveu sua família, pontuando o atendimento multiprofissional e interdisciplinar. Houve o levantamento de que o trabalho preventivo e em rede
ocupa um lugar central nas intervenções dos profissionais, sendo um
importante meio para que a violência não se estabeleça e também para
que ela possa ser superada, estando ambos relacionados igualmente ao
baixo índice de situação de risco no território, o que permite afirmar que
os serviços estão acolhendo e se organizando para a superação da violência e violações de direitos. Por fim, os profissionais entrevistados apontaram para há dificuldades com relação à aderência dos usuários contrarreferenciados do CREAS I para o CRAS, visto que muitos não continuam
a frequentar o serviço por considerar que a situação de violência foi superada ou por terem estabelecida uma ideia de que o atendimento deve ser
individualizado.
Palavras-chave: Políticas Públicas. Violências. Direitos Humanos.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Orientações técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência
Social - CREAS. Brasília, DF: Gráfica e Editora Brasil LTDA, p. 120,
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FARAJ, S. P.et al. Rede de proteção: o olhar de profissionais do sistema
de garantia de direitos. Temas em Psicologia, v. 24, n. 2, p. 727-741,
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<https://www.scielosp.org/pdf/csc/2006.v11suppl0/1313-1322/pt>.
Acesso em: 15 de setembro de 2019.
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JUDICIÁRIO DE VITRINE220
Flávia Candido da Silva221
Jefferson Aparecido Dias222
Wilson André Neres223
Círculo de Diálogo: Democracia e Direitos na América Latina:
crises, consolidação e lutas sociais por direitos
Resumo: O presente estudo justificou-se por conta das reiteradas denúncias públicas que vem sendo feitas contra o Supremo Tribunal Federal
brasileiro, afirmando que na condução dos seus trabalhos há conversões
de supra ou paralegalidade, ora nas decisões, ora na demora em se decidir, por interesses próprios ou de terceiros, avessos àqueles determinados
pela Constituição Federal. Este trabalho relativizou o poder concedido
aos Ministros ocupantes de cadeiras no STF, entendido em suas razões
históricas e sociais brasileiras, no entanto atualmente convergido para
super-poderes, lido aqui como a ausência de limitação da atuação do
Colegiado e dos Ministros individualmente, e teve como objeto de estudo
as recentes decisões censurantes advindas de Ministros, que não admitem
críticas à condução de seu trabalho. Utilizou como repertório teórico os
textos de Oscar Vilhena e Marcos Roitman Rosenmann, que analisam,
sucessivamente, as decisões judiciárias baseadas em agendas usurpantes
do espírito da justiça, e a ótica da democracia vista como uma vitrine,
com itens a serem listados e cumpridos sem, no entanto, atentar-se ao
perfil etimológico de seu significante. O artigo apontou que na realização
220
221
222
223
Texto produzido a partir das discussões da disciplina ―Teorias da Democracia e
Regulação‖, ministrada pelo professor Dr.Jefferson Aparecido Dias, no programa de
Doutorado da Universidade de Marília – UNIMAR.
Doutoranda em Direito pela UNIMAR - Universidade de Marília-SP. Mestra em
Ciências Sociais pela UNESP. Especialista em Antropologia e Direito Tributário.
Graduada em Direito. Docente do Instituto Federal do Paraná –IFPR. Email:
<flaviacandido_adv@hotmail.com>
Doutorado em Direitos Humanos e Desenvolvimento pela Universidade Pablo de
Olavide, de Sevilha, Espanha, cujo diploma foi revalidado pela Universidade Federal
de Santa Catarina. Procurador da república do Ministério Público Federal em Marília.
Professor permanente do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da UNIMAR
(Universidade de Marília).
Doutorando em Direito pela Universidade de Marília-SP (UNIMAR). Mestre em
Direito Publico pela Universidade do Rio dos Sinos (UNISINOS). Especialista em
Direito Constitucional pela Unipar de Cascavel-PR. Bacharel em Direito pelas
Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu-PR (UNIFOZ). Advogado. Professor de
Direito Penal. E-mail: <wilsonneres79@outlook.com>
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dos trabalhos como órgão judiciário ou nas decisões individuais dos Ministros há flagrantes ameaças ao processo de guarda da Constituição e
dos valores Republicanos contidos nela. Para tal análise, foi utilizado o
método dedutivo a partir de pesquisas historiográficas sobre decisões
recentes do órgão e decisões isoladas de cada Ministro. Foram confrontados o artigo 3º, inciso I, 5º, inciso XXXVII, e 102, caput da Constituição Federal, especialmente no que tange ao espírito de liberdade, justiça e
solidariedade. Como resultado objetivo, se discutiu o que é a atuação do
órgão no cenário brasileiro atual, especificamente no funcionamento da
máquina da democracia, enviesada de interesses e rivalidades. Concluiuse que o STF com decisões omissas ou usurpadas, por conta de ceder à
essas agendas que não fazem parte do que seria o espírito da justiça, mas
somente a vontade de uns poucos, não cumpriu os preceitos constitucionais. Defendeu-se ainda, nesse sentido, que o Supremo acaba sendo em
alguns momentos vítima e em outros o algoz da sua própria ação vitrinista.
Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal. Limites. Democracia.
Referências Bibliográficas
ROITMAN, MARCOS R. Democracia sin demócratas y otras
invenciones. Madrid: Sequitur, 2007.
VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. São Paulo: Revista de Direito
da FGV, 2008.
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DISPOSITIVOS DEMOCRÁTICOS COMO
RESISTÊNCIA À BIOPOLÍTICA NAS
POLÍTICAS PÚBLICAS: A EXPERIÊNCIA DA
RAIA EM CHAPECÓ - SC
Murilo Cavagnoli224
Gabriela Costacurta225
Deborah Cristina Amorim226
Círculo de Diálogo: democracia e direitos na América Latina:
crises; consolidação e lutas sociais por direitos.
Resumo: as políticas públicas, conjunto de instituições e ações ordenadas
pelo estado, dirigidas à garantia de direitos e a redução das desigualdades, são cenário de constante embate político sobre suas diretrizes e suas
práxis. Foucault (1979), com sua leitura sobre as relações poder saber e a
biopolítica, e Rancière (1996), que situa o plano político no jogo entre
―polícia‖ e ―política‖, permitem perceber a persistência, no acões do
estado, de mecanismos disciplinares de controle e ordenamento das populações, que suprimem lógicas democráticas excluindo certos grupos da
negociação dos sentidos dos próprios direitos. Considerando tal problemática, o objetivo deste resumo é situar experiência do projeto de extensão RAIA, da Unochapecó, na consolidação de dispositivos democráticos transversais a garantia de direitos fundamentais e do paradigma da
proteção integral na Rede de Atendimento à Infância e Adolescência do
município. A metodologia sustenta-se na pesquisa-intervenção cartográfica (Passos, Kastrup e Tedesco, 2014), que permitiu incursão da equipe do
projeto de extensão a distintos setores e espaços de encontro da rede, na
região dos bairros Efapi e Líder e em reuniões ampliadas, junto ao Ministério Público, em Chapecó, desde 2016 até o presente momento. Considerando o momento atual, no qual as políticas públicas encontram-se
atravessadas por lógicas neoliberais e esbarram no pensamento ultracon224
225
226
Doutor em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSC.
Professor do curso de Psicologia da Unochapecó. Projeto de Extensão Raia. Contato:
murilocavagnoli@unochapeco.edu.br
Graduanda em Psicologia pela Unochapecó. Bolsista do projeto de extensão Raia.
Contato: gabriela.costacurta@unochapeco.edu.br
Doutora em Serviço Social pela UFSC. Professora da área de Ciências Humanas e
Jurídicas
da
Unochapecó.
Projeto
de
Extensão
RAIA.
Contato:
deborah@unochapeco.edu.br
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servador e individualista, é fundamental mobilizar processos de experimentação política das prerrogativas do trabalho em rede, de seus sentidos
e das transformações necessárias frente às demandas concretas. Concordamos com Mouffe (2005), quando situa o político como atravessado
pela hegemonia e por relações de poder. Frente à diferentes perspectivas
relacionadas ao paradigma da proteção integral, o projeto de extensão,
junto aos distintos atores da rede, tem considerado o paradigma da proteção integral enquanto eixo político ―comum‖ (SAWAIA, 2018), investindo na construção de ―dispositivos democráticos‖ que permitam encontros entre formas de compreensão e ação distintas, fomentando o dissenso e a e experimentação. Considerando o risco de paralisação da política
e reprodução de estratégias biopolíticas pela instauração de consensos
reguladores (Rancière, 1999; Mouffe, 2005), dispositivos permanentes da
rede como as reuniões por território e as reuniões ampliadas, representam
contextos micropolíticos democráticos, permitindo exercício do agonismo, postura política na qual considera-se a existência de perspectivas
distintas sobre o objeto comum em questão, fomentando a gênese de
―consensos precários‖ (Mouffe, 2005). Tanto reuniões, quanto projetos
de pesquisa-intervenção e ações extensionistas tem servido como dispositivos à serviço da construção de processos de subjetivação política. Investindo no dissenso e no pluralismo, pode-se criar espaço de deliberação
que atravessam as ações do estado, favorecendo experiências éticas e
horizontalizadas. A emergência de sujeitos políticos outros, capazes de
integrar seu olhar ao contexto que forma a própria rede, e a formação de
perspectivas coletivas que considerem os dissensos emergentes, tem sido
resultados do investimento ético e político na democracia, ampliando
percepções sobre distintas posições, ações e demandas relacionadas à
infância e adolescência e fortalecendo o papel da rede no controle social e
na garantia de direitos.
Palavras-chave: Dispositivos Democráticos; Trabalho em Rede; Infância
e Adolescência.
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MACHADO, Roberto. Por uma Genealogia do Poder. In: FOUCAULT,
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PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; TEDESCO, Silvia. Pistas do
método da cartografia: a experiência da pesquisa e o plano comum.
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RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento. Editora 34, 1996.
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DEBATE PARADIGMÁTICO: A QUESTÃO
AGRÁRIA E AS DISPUTAS NO CAMPO
Luiz Henrique Dalcanton
Resumo: O debate paradigmático é uma proposta para se compreender
os pensamentos que se defendem os modelos de desenvolvimento do
agronegócio e da agricultura familiar e camponesa. O que nos conduz ao
debate é tanto a intenção de defender nossas visões de mundo, nossos
estilos de pensamentos, nossos paradigmas, nossas posições políticas,
quanto a de conhecer outras posições teóricas-políticas e suas visões de
mundo. A discussão sobre os conceitos tem um papel importante dentro
do debate paradigmático, pois traz a luz as intencionalidades dos pensadores e revelam suas posições políticas. Somente é possível realizar o
debate paradigmático aqueles que estão abertos ao diálogo para melhor
compreensão das razões. Nossa opção, assim, pelo método materialista
dialético significa ter uma posição definida nos territórios imateriais formados pelos paradigmas. O paradigma da questão agrária tem como
ponto de partida as lutas de classes para explicar as disputas territoriais e
suas conflitualidades na defesa de modelos de desenvolvimento que viabilizem a autonomia dos camponeses. Entende-se que os problemas agrários fazem parte da estrutura do capitalismo, de modo que a luta contra o
capitalismo é a perspectiva de construção de outra sociedade (Fernandes,
2008). O paradigma da questão agrária está disposto em duas tendências:
a proletarista, que tem como ênfase as relações capital-trabalho, entende
o fim do campesinato como resultado da territorialização do capital no
campo; a campesinista que tem como ênfase as relações sociais camponesas e seu enfrentamento com o capital. Para o paradigma do capitalismo
agrário, as desigualdades geradas pelas relações capitalistas são um problema conjuntural e pode ser superado por meio de políticas que possibilitem a ―integração‖ do campesinato ou ―agricultor de base familiar‖ ao
mercado capitalista. Nessa lógica, campesinato e capital compõem um
mesmo espaço político fazendo parte de uma totalidade - sociedade capitalista - que não os diferencia, tendo em vista que a luta de classes não é
elemento desse paradigma (Abramovay, 1992). Este paradigma possui
duas vertentes, a tendência da agricultura familiar que acredita na integração ao capital e a vertente do agronegócio que vê a agricultura familiar como residual. Em síntese: para o paradigma da questão agrária, o
problema está no capitalismo e para o paradigma do capitalismo agrário,
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o problema constitui no campesinato. Esses paradigmas tem contribuído
para a elaboração de distintas leituras sobre o campo brasileiro, realizadas pelas universidades, pelos governos, pelas empresas e organizações
do agronegócio e pelos movimentos sociais. O paradigma do capitalismo
agrário é hegemônico e o grande desafio do paradigma da questão agrária
é formular propostas para criar novos espaços e construir as condições
que possibilitem a construção de planos de desenvolvimento para o campesinato. Neste ponto, necessita-se desconstruir o conceito de políticas
públicas a partir da compreensão das conflitualidades geradas pelas disputas por modelos de desenvolvimento para compreender se são políticas
de subordinação ou políticas emancipatórias, a fim de alterar o modelo
estabelecido.
Palavras-chaves: Questão Agrária. Paradigmas. Campesinato.
Referências Bibliográficas
FERNANDES,
B.M.
Questão
Agrária:
conflitualidade
e
desenvolvimento territorial. In. BUAINAIN, A.M. (Ed.). Luta pela
Terra, Reforma Agrária e Gestão de Conflitos no Brasil, Campinas:
Editora da Unicamp, 2008, p. 173-224.
ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em
questão. Campinas: Hucitec/Anpocs/Editora da Unicamp,
1992.
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MANIFESTAÇÕES E PRÁTICAS CULTURAIS
NA AMÉRICA LATINA (LITERATURA,
CINEMA, MUSEU, ARTES, MÚSICA).
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O TEMPO EM CRISE:
O CONFLITO ENTRE O TEMPO QUE CRIA O
SUJEITO E O SUJEITO QUE CRIA O TEMPO
Ricardo Francisco dos Santos e Dias227
Mario Mejia Huamán228
Círculo de Diálogo: Manifestações e práticas culturais na América Latina
Resumo: O tempo, uma dimensão basilar da construção de nossa subjetividade, onde nos percebemos imersos ainda antes de nosso nascimento,
mas que apesar de toda nossa experiencia individual e tendo a herança de
séculos de estudos e pesquisas a respeito, escapa por entre nossos dedos
quando pretendemos contê-la em uma definição universal e definitiva.
Seria a nossa percepção do tempo um processo biológico e, universal, ou
será que para além deste tempo natural possuímos um sentido particular
e único do tempo. A pesquisa busca compreender como o conceito e a
percepção do tempo individual ou coletivo se constitui em um campo de
embate entre diferentes, pessoas e culturas, que apesar de suas matrizes
geográficas e/ou temporais distintas, convivem em um mesmo tempo e
espaço, fazendo emergir relações de dominação ou de conciliação de
uma forma de vivenciar e sentir o tempo perante a outra. Usamos os
termos clássicos da cultura grega Chronos para nos referirmos, ao tempo
cronológico, da matéria, das fábricas, escolas, industrias, medido pelos
relógios e calendários. E Kairós, o tempo subjetivo, imensurável, do instante, da sensação, do prazer e momento. Historicamente construímos
inúmeros sistemas de vivenciar o tempo coletivamente, onde os novos
modelos foram se mesclando com os antigos sem, no entanto, fazê-los
desaparecer por completo. Na modernidade o tempo Chronos, reinou
absoluto, dando a entender que a humanidade tinha agora a posse e o
controle do tempo, mas o tempo como afirmou Heller (1989) é insuprimível da esfera da particularidade e na vida cotidiana sempre prevalecerá como
uma experiência subjetiva. Na atualidade naquilo que Bauman (2001)
chama de pós-modernidade a solidez do conceito do tempo dado pelas
227
228
Estudante do curso de Psicologia pela Universidade Comunitária da região de
Chapecó- Unochapecó. Bolsista de iniciação científica - PIBIC/FAPE. Email:
ricardo.dias@unochapeco.edu.br
Professor da Universidade Ricardo Palma Peru. Email: mejiahuaman@gmail.com
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estruturas e pelos sistemas sociais, se desfez, deixando-nos a vivenciar o
tempo líquido, onde precisamos lidar com a angústia de encontrar uma
percepção do tempo. Ante a liquidez do tempo, o futuro se torna instável,
tolhendo de nós o sentimento de esperança, ao não saber para onde vamos, buscamos nos modelos do passado as respostas que preencham as
lacunas do presente.
Palavras-chave: Tempo. Cultura. Temporalidade. Subjetivação.
Referências Bibliográficas
BAUMAN, Zigmunt. Modernidade liquida. Tradução de Plínio
Dentzien, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
HELLER, A. Cotidiano e história. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1989.
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IMPRESSÕES DE AMAR EM CANÇÕES SEM
METRO: MANIFESTAÇÕES E PRÁTICAS
CULTURAIS NA AMÉRICA LATINA
(LITERATURA, CINEMA, MUSEU, ARTES,
MÚSICA...)
Angela Maria dos Santos Busatta229
Priscyla Schultz 230
Canções Sem Metro é considerada a primeira obra do gênero poesia em
prosa no Brasil, de autoria do escritor fluminense Raul Pompeia lançada
no ano de 1900.O presente trabalho analisa o segundo capítulo da obra,
Amar, que mescla aspectos do Simbolismo com noções do Romantismo
que inspira o autor nas estações para o Amar. Pompeia, devido a influência de autores europeus, apresenta um gênero distinto: a prosa poética. O
estilismo de sua linguagem e expressividade do impressionismo traz uma
nova essência à literatura brasileira. Em uma época em que autores produziam sonetos, versos metrificados, Pompeia explorou sonoridades e
sinestesias apresentando o universo interior do ser humano. A pesquisa
foi realizada por meio de leitura de livros e artigos produzidos por críticos
literários.
Palavras-chave: Sidial.Literatura. Amar.Prosa.Poética
229
230
BUSATTA, Angela Maria dos. Tecnólogo em Processos Gerenciais pela Universidade
Norte do Paraná-UNOPAR. Acadêmica de Letras na Unochapecó. Contato:
angela.b@unochapeco.edu.br.
SCHULTZ, Priscyla. Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em
Jornalismo pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó-UNOCHAPECÓ.
Acadêmica de Letras na Unochapecó.Contato: priscylaschultz@unochapecó.edu.br.
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MU (SEU): ESPAÇO DE CONEXÃO COM O
PÚBLICO
Aline Tavares da Silva231
Matheus Eduardo Borsa232
Círculo de Diálogo: Manifestações e práticas culturais na América Latina (Literatura, Cinema, museu, artes, música...).
Resumo: Trazendo o cotidiano do Museu de História e Arte de Chapecó
e Museu Antonio Selistre de Campos com a exposição de longa duração
―Rios de Cultura e Memória‖ que versa sobre a formação cultural, econômica e política de Chapecó e região Oeste de Santa Catarina, surgiu à
ideia da prática educativa ―construindo o museu que eu quero‖. A ação é
uma oportunidade de tornar a História lúdica, para que os visitantes possam entender a importância dos aspectos culturais dos povos que formaram nossa região e que dessa forma identifiquem-se com o Museu. A
prática educativa também visa, fundamentalmente, gerar reflexão sobre
Museu e público não exercerem uma relação neutra e imparcial, menos
ainda naturalizada, já que o visitante pode ser um criador e parte da construção de um espaço no qual ele sinta-se representado. Dar voz ao público é reafirmar o museu como um espaço em movimento, espaço vivo que
se transforma. Sendo assim articular arte e liberdade é fundamental na
construção de novos moldes para o museu, ouvir as crianças é uma forma
de tocar outros públicos de outras faixas etárias.
Palavras-chave: Museu. Educação em museu. Público.
Referências Bibliográficas
KNAUSS, Paulo. Quais os desafios dos museus em face da história
pública? In: MAUAD, Maria; SANTIAGO, Ricardo; BORGES,
Viviane. Que História Pública Queremos? - São Paulo: Letra e Voz,
2018. p. 141-145.
231
232
Bacharel em Museologia, UFPel. Especialista em Administração Pública e Gerência de
Cidades, UNINTER. Museóloga da Prefeitura de Chapecó. Contato:
alineufpel@gmail.com.
Graduando em História, UFFS. Estagiário da Prefeitura de Chapecó. Contato:
matheusborsa@gmail.com
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TOJAL, Amanda Pinto da Fonseca. Ação educativa inclusiva e
comunicação museológica: Mudança de Paradigmas. Cadernos tramas
da memória – Acessibilidade e Linguagens, ano 3 – São Paulo, 2015. p.
15-39.
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EXPERIENCIAS INTERCULTURALES CON
AMÉRICA LATINA EN EL PROCESO DE
INTERNACIONALIZACIÓN DE
UNOCHAPECÓ PARA LA MIRADA DE LOS
ESTUDIANTES233
Liana Sonza dos Santos234
Jorge Alejandro Santos235
Odilon Luiz Poli236
Círculo de diálogo: manifestaciones y prácticas culturales en
América Latina
Introducción: la internacionalización es el compromiso de desarrollar
acciones que promuevan una dimensión internacional en una institución.
La movilidad académica es una forma de internacionalización que puede
traer beneficios mutuos para el intercambio de estudiantes e instituciones,
especialmente en la formación de ciudadanos globales, capaces de interactuar en entornos multiculturales. Este artículo tiene como objetivo
analizar los beneficios y desafíos de las experiencias de movilidad académica llevadas a cabo en Unochapecó con estudiantes de América Latina, en la percepción de los estudiantes involucrados. Caracterizado como
un relevamiento cualitativo, el trabajo se desarrollará aplicando un cuestionario a todos los estudiantes que participaron en acciones de movilidad académica provenientes o destinadas a países latinoamericanos. El
estudio tiene como objetivo caracterizar las experiencias de movilidad
académica que involucran a los países latinoamericanos, desde la percepción de los estudiantes; Identificar los diferentes aspectos que están rela233
234
235
236
Este trabalho decorre das aulas do componente curricular Educación Intercultural y
(De)Colonialidad en Latinoamérica, ministrado pelos professores Cláudia Battestin e
Elcio Cecchetti, oferecido no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Unochapecó, no segundo semestre de 2019.
Lato Sensu em Tradução: Teoria e Prática. Analista de Relações Nacionais e
Internacionais da Unochapecó. Mestranda em Educação pela UNOCHAPECÓ. Grupo
de pesquisa: Ensino e formação de professores. Contato: lianasz@unochapeco.edu.br
Pós-doutorado em Educação na Unochapecó. Professor na Universidad Buenos Aires.
Grupo de Pesquisa: Desigualdades Sociais, Diversidades Socioculturais e Práticas
Educativas. Contato: jorgesantosuba@gmail.com
Doutor em Educação pela Unicamp. Professor do quadro permanente do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Unochapecó. Grupo de pesquisa: Ensino e formação
de professores. Contato: odilon@unochapeco.edu.br
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cionados con la experiencia de movilidad académica para los estudiantes
entrantes y salientes; analizar temas relacionados con la adaptación lingüística y cultural, así como los impactos en la vida académica, personal
y profesional; analizar los beneficios percibidos, así como los principales
desafíos que enfrentan en la realización de su experiencia. La movilidad
académica tiene que estar presente para promover cada vez más el intercambio de experiencias entre los estudiantes, pero especialmente para
fortalecer valores como la flexibilidad, la tolerancia, el respeto mutuo y la
comprensión de las diferencias culturales, siempre reconociendo su propia cultura. El análisis de estos factores es importante para mejorar la
experiencia de intercambio y las formas de apoyo ofrecidas por las instituciones a los estudiantes de intercambio, en vista de su adecuación a las
necesidades de los involucrados.
Palabras clave: Internacionalización. América Latina. Movilidad académica.
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SOBRE CANTIGA DE FINDAR DE JULIÁN
HERBERT
Fernando Azevedo Neckel Junior237
Círculo de Diálogo: Manifestações e práticas culturais na América Latina (Literatura, Cinema, museu, artes, música ...)
Resumo: O romance Cantiga de findar, de Julián Herbert, tem como narrador e personagem uma versão ficcionalizada do próprio autor. A obra
do autor mexicano, originalmente intitulada Canción de Tumba, foi publicada no Brasil pela editora Rocco em uma coleção intitulada Otra Lingua,
ela tem como intenção a divulgação de autores que poderíamos chamar
de alternativos ou que não pertencem ao círculo literário de maior prestígio mundial. A narrativa centra em Herbert e na sua relação com a mãe
moribunda e ecoa, de alguma maneira, os tradicionais romances de formação. Entretanto, temos uma narrativa um tanto mais fragmentada do
que comumente encontramos nesses romances. Canción divide-se em três
seções com um enredo não-linear. No texto, a mãe do narrador tem leucemia e agoniza em um hospital. Ao refletir sobre a condição de sua mãe
e a sua própria, o narrador vai contar também a história de sua pátria, o
México. Este trabalho tem por objetivo traçar uma relação entre esses
elementos. Como se trata de uma narrativa de autoficção, não há clareza
na distinção entre ficção e história, mas o paralelo construído entre essas
duas é presente na história do narrador, de sua mãe e de sua pátria. Como pano de fundo da discussão, usaremos o texto Mother, Nation, and Self:
Poetics of Death and Subjectivity in Julián Herbert‟s Canción de Tumba, de
Raúl C. Verduzo. Nesse texto, o autor argumenta que a busca por um
sentido significativo do self na narrativa passa pela associação da história
de sua mãe com a história do México. Desta forma, o narrador mergulha
em histórias não-oficiais de repressão, subjugação ou traição para desmistificar histórias, oficiais e não-oficiais, e refletir o paralelo entre a forma
impessoal que o corpo de sua mãe é tratado no hospital e o corpo da
nação é tratado pelo governo.
Palavras-chave: Mãe. Pátria. México
237
Doutorando em Letras pela Universidade de Santa Maria (UFSM). Professor da
Educação Básica da Rede Municipal de Chapecó, SC. Participante do grupo de
pesquisa Drama, poesia e pensamento entre os séculos 15 e 17. Contato:
fernando.neckel.jr@gmail.com
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Referências Bibliográficas
BECERRIL, Ivonne Sánchez. Canción de tumba de Julián Herbert. Iberoamerica Vol. 15. No. 1. 2013. p. 313-321.
HERBERT, Julián. Cantiga de findar. Trad: Miguel Del Castillo. 1. ed.
Rio de Janeiro: Rocco Digital, 2014.
PEÑAL, Lilia Leticia García La diversidad familiar en el México contemporáneo desde las narrativas literarias. Confluenze. Vol. 8. No. 1.
2016. p. 163-183
VERDUZCO, Rául Carlos. Mother, Nation, and Self: Poetics of Death
and Subjectivity in Julián Herbert‘s Canción de Tumba. In: BOTERO,
Beatriz L. (ed.). Women in Contemporary Latin American Novels:
Psychoanalysis and Gendered Violence. Madison: Palgrave Macmillan,
2018, p. 79-109.
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