Origem Institucional e dependência de
trajetória: os casos do BNDES e do
BCIA
Alessandro Tokumoto1
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Resumo: O artigo tem como objeto a origem institucional de dois bancos de
desenvolvimento, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) e do Banco de Crédito Industrial Argentino (BCIA). Utiliza-se o método
histórico comparativo para identificar quais fatores institucionais e contextuais na
criação dessas instituições são relevantes para compreender a dependência de
trajetória do BNDES, no caso brasileiro, e o caso do BCIA, na Argentina. Os
resultados indicam que variáveis políticas-históricas refletiram no desenho
institucional adotado em cada nação. No caso brasileiro, a forte burocracia
estabelecida possui relação com as raízes técnicas do BNDES e com a orientação
ideacional dos governantes da época. No caso argentino, a debilidade institucional
do BCIA foi historicamente condicionada pelo processo político de criação dessa
agência e pelo baixo grau de autonomia estabelecido ao longo de sua existência.
Palavras-chave: BNDES; BCIA; Burocracia Estatal; Dependência de Trajetória;
Origem Institucional.
1 É cientista social, mestre e doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR), e bolsista da CAPES. Email: letokumoto@gmail.com; ORCID Id: https://orcid.org/00000003-4794-4183
Agenda Política. Revista de Discentes de Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos
Volume 8, Número 3, p. 257-286, setembro-dezembro, 2020
https://doi.org/10.31990/agenda.2020.3.9
1. Introdução
Este artigo assume como objeto dois bancos de desenvolvimento da
América do Sul: o Banco de Crédito Industrial Argentino (BCIA) e o Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico (BNDE)2. A questão central diz respeito ao
momento de criação dessas agências, assim sintetizada: é possível identificar
variáveis no momento de criação desses dois bancos de desenvolvimento e derivar
deste processo uma dependência de trajetória? Com a presente questão, procurase aqui identificar variáveis históricas que condicionaram a posição de relevância
desempenhada pelo BNDES no projeto de industrialização brasileiro e, por outro
lado, a atuação pouco eficaz do BCIA no caso argentino.
Tendo em vista nossa problemática, são dois os principais objetivos da
análise. Primeiro, identificar quais foram os elementos políticos e históricos que
condicionaram a criação dessas instituições. Quais desafios, no âmbito dessas
dimensões, a criação de BCIA e BNDES vieram suprir? Segundo, buscar interpretar
às luzes de outras análises se a origem institucional desses bancos geraram
258
trajetórias distintas, capazes de explicar os diferentes resultados do processo de
construção burocrática dessas agências.
A hipótese central desse trabalho é que características institucionais na
origem desses Bancos de Desenvolvimento nos ajudam a entender o grau de
eficácia/relevância de suas atuações. De forma mais precisa, acreditamos que o
momento de criação dessas agências pode nos revelar condicionantes históricos
que expliquem a presença ou ausência de propriedades burocráticas, via exame do
desenho institucional e da elite dirigente de cada banco.
Brasil e Argentina, durante as décadas que seguiram a crise econômica de
1930, passaram por profundas transformações estruturais de natureza econômica,
política e institucional. No contexto de abalo dos pilares de economias
agroexportadoras, ambas as nações presenciaram a ascensão de novos atores
políticos inseridos num processo de expansão da máquina estatal, comumente
representados pelas figuras/governos dos presidentes Getúlio Vargas e Juan
2 O Banco Nacional de Crédito Industrial Argentino (BCIA), mais tarde seria rebatizado de Banco
Industrial de la República Argentina (BIRA) e de Banco Nacional de Desarrollo (BND), até sua
extinção durante os anos 90. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), desde
1982, teria a pauta social acrescida ao seu nome, passando a se chamar BNDES.
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Domingo Perón. No contexto de modificações macroestruturais, ambas as nações
presenciaram o surgimento de grandes projetos econômicos que assumiram a
necessidade de ampliar a produção industrial, vista como forma de superação do
passado oligárquico. Nesse processo, a criação de bancos de desenvolvimento foi
estabelecida como forma de promoção dessa nova etapa da orientação econômica.
Brasil e Argentina compartilhavam desafios econômicos semelhantes nas
décadas que seguiram a crise mundial de 1929. Ao fim dos anos 50, era perceptível
o acelerado crescimento industrial da economia brasileira, principalmente se
comparado aos resultados obtidos pela vizinha Argentina (FRENCH-DAVIS,
MUÑOZ e PALMA, 1994). Tais diferenças possuem relações com dificuldades
contextuais específicas de cada nação, mas expressam, também, projetos políticoeconômicos distintos 3.
Muitos autores defendem como variável central para a explicação do
problema argentino e, por outro lado, do crescimento brasileiro, as diferenças
entre essas nações no processo de expansão do aparelho estatal. Enquanto no
Brasil, o BNDE é visto como exemplo de instituição autônoma, eficaz e central na
259
história econômica brasileira, o BCIA aparece na literatura como mais um exemplo
de instituição burocraticamente frágil, inserida no instável ambiente político da
Argentina (AMSDEN, 2001).
A investigação se concentra nas origens institucionais e no processo de
criação desses bancos, uma vez que acreditamos que tal período nos revele estes
elementos históricos e condicionantes dos respectivos desenhos institucionais.
Ainda, acredita-se que destes elementos seja possível identificar uma dependência
de trajetória que possa contribuir para a compreensão da já avançada literatura
sobre a história econômica de ambas as nações.
A análise sobre essa etapa do desenvolvimento institucional e político de
Brasil e Argentina parece fundamental, uma vez que a estabilidade burocrática é
vista por grande parte da literatura como elemento chave para compreender o
relativo sucesso da política econômica brasileira no período, assim como a
estagnação econômica argentina. Isso porque a estratégia do insulamento
3 Ressalta-se aqui que o crescimento econômico não é a única variável possível de avaliar um
governo. No caso da Argentina peronista, por exemplo, os documentos exaltavam as políticas
sociais como parâmetro de avaliação de governo.
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burocrático, do caso brasileiro, foi uma forma de blindar um corpo técnico inserido
no aparelho estatal brasileiro, marcado pelas práticas clientelistas. Esse processo
de insulamento do corpo burocrático, tecnicamente orientado, não possui
paralelos no caso Argentina. Nesse sentido, a criação desses bancos são episódios
ainda pouco explorados pela literatura, ainda que tais instituições tenham
desempenhado papel central no sustento ao projeto econômico do período.
Além do olhar mais amplo sobre a história política dessas nações, pretendese aqui contribuir para o tema da burocracia estatal, uma vez que temos no caso
argentino do BCIA, um banco que teve seu escopo de atuação reduzido com o
passar dos anos, até sua extinção durante os anos 90. Um caminho inverso do
BNDE no Brasil, que desde a década de 50, cumpre um papel fundamental nas
atividades de fomento e planejamento da expansão econômica.
O texto se estrutura a partir do método histórico comparativo, com o foco
no contexto político de Brasil e Argentina, no desenho institucional desses bancos
e nos grupos que compuseram a alta cúpula dessas instituições. O recorte
cronológico se concentra no ano de 1944, data de fundação do BCIA, e no ano de
260
1952, quando o BNDE foi criado no Brasil.
O trabalho se divide em três momentos. Na sessão seguinte, estão
sintetizadas algumas referências bibliográficas relevantes ao trabalho sobre a
burocracia argentina e brasileira. Também estão detalhados nessa sessão os
procedimentos metodológicos pelas quais a análise se estrutura. Num segundo
momento, estão presentes uma análise contextual política do momento de criação
desses bancos de desenvolvimento e os grupos sociais representados na primeira
formação desses diretórios. Por fim, serão apresentados os desenhos institucionais
de BNDE e BCIA.
2. Discussão Bibliográfica: por uma comparação histórica de dois
modelos burocráticos
As análises institucionais da burocracia econômica de Brasil e Argentina são
condicionadas por suas experiências históricas, processos políticos e pelos
resultados econômicos específicos destas nações. No que diz respeito ao período
que se estende da década de 30 até os anos 1960, Brasil e Argentina apresentaram
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resultados econômicos inversos. O processo culminou com a economia brasileira
superando a nação vizinha, algo inédito até então.
A literatura brasileira, tendo em vista o processo histórico de expansão
econômica, mobiliza as variáveis da expansão estatal e da estratégia interventora
brasileira como variáveis independentes de um período de rápida expansão
econômica e de ruptura com o passado oligárquico das primeiras décadas do
século. Na Argentina, o período foi de gestação daquela que se tornaria a principal
polarização
da
política
nacional:
de
um
lado
o
nascimento
do
peronismo/justicialismo e de outro, a manutenção do conservadorismo liberal. As
consequências dessa rivalidade política são vistas por muitos estudos como parte
do problema da instabilidade institucional do país, comumente visto como
elemento explicativo para o irregular crescimento da economia nacional, os
chamados ciclos de stop and go.
Apesar de existirem múltiplas interpretações históricas dos acontecimentos
do período, a literatura de ambas as nações compartilham a preocupação com um
elemento visto como fundamental ao desafio de se formular um projeto para o
261
desenvolvimento econômico: a presença de uma burocracia estatal qualificada.
Isso quer dizer: a presença de um corpo de técnicos estatais eficientes,
institucionalizados e autônomos. Desde os trabalhos de Max Weber, muitos
analistas partem destes dois elementos para examinar as qualidades burocráticas
de uma instituição ou nação. Tal como destaca Cingolani (2013), a “capacidade
técnico-administrativa” é o conceito pelo qual o pesquisador procura avaliar o grau
técnico de uma determinada instituição. Assim, nesse tipo de exame, é comum a
mensuração do nível de formação e das experiências contidas na trajetória
profissional. Já o grau de “autonomia”, presente em importantes trabalhos como os
de Geddes (1994) e Willis (1995), diz respeito à capacidade que uma instituição
tem para atuar com menor grau de intervenção de atores externos ao ambiente
institucional, permitindo com que critérios técnicos prevaleçam sobre a lógica
clientelista de outras arenas políticas. Trabalhos dessa natureza enfatizam
elementos como a capacidade de arrecadação de fundos que uma instituição
possui, as promoções internas dos técnicos, e o desenho jurídico-institucional em
relação à capacidade de atores externos influenciarem a agenda institucional.
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A literatura sobre a história da burocracia brasileira comumente associa o
relativo sucesso do planejamento econômico dos governos Vargas e Juscelino
Kubistchek com as instituições burocráticas criadas no período, entre elas o BNDE.
Importantes trabalhos citam o banco de desenvolvimento brasileiro como exemplo
da condição do “insulamento burocrático”, onde o prevalecimento de critérios
técnicos na tomada de decisões reduziram as práticas clientelistas da política
nacional (BRESSER-PEREIRA, 2014; NUNES, 1997; LEOPOLDI, 1992; MARTINS,
1985; LAFER, 1975). A condição é vista como fator fundamental e promotor de
continuidade, uma vez que instabilidade política também esteve presente no caso
brasileiro.
Um segundo grupo de analistas, também focados nos atributos
institucionais do BNDE, buscaram compreender quais condicionantes políticos e
históricos foram centrais para a construção de uma burocracia moderna e eficaz.
Nestes trabalhos, a existência de grupos políticos que apoiavam a intervenção
estatal em prol de um projeto desenvolvimentista, e a inovadora construção
institucional da burocracia do BNDE, aparecem como fatores correlacionados. Isso
262
possibilitou que o banco pudesse exercer de forma autônoma e eficaz sua missão
social (KLÜGER, 2017; Geddes, 1990; Sikkink, 1993).
No caso do BCIA, uma parte dos trabalhos analisa a política creditícia
estabelecida por essa instituição como forma de identificar os parâmetros
macropolíticos assumidos pelos governos, principalmente de Juan D. Perón (19461955)4. O número de análises focadas nos aspectos institucionais do BCIA é
reduzido. Dado o cenário, os trabalhos de Marcelo Rougier (1999, 2001, 2004,
2007, 2011) são os maiores referenciais históricos e de análise institucional desse
banco, hoje extinto. Seguindo os modelos analíticos de North (1990) e de Geddes
(1994), Rougier defende que o BCIA não promoveu o desenvolvimento industrial
da nação, devido tanto a fatores endógenos, quanto exógenos. Assim, a falta de
autonomia e capacidade institucional (fatores endógenos), identificadas pelo autor,
são reflexos de um país instável politicamente (fatores exógenos) (ROUGIER,
2011). A tese da debilidade institucional na Argentina não está presente apenas
nos trabalhos de Rougier. Bonifácio (1985) chama a atenção para a grande
4 São exemplos deste tipo de análise os trabalhos de Altimir, Santamaría e Sourrouille (1967), Jorge
Schvarzer (1987) e Claudio Golonbek (2008).
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instabilidade das agências/ministérios da área econômica no país, constatada
pelos acelerados ciclos de modificações das autoridades.
Não distante, O’Donnell (1982) atribui ao escasso desenvolvimento da
burocracia estatal, refém da instabilidade política, a incapacidade da Argentina
promover o crescimento econômico a longo prazo. Esse é um dos aspectos
utilizados por Amsden (2001): o corpo institucional. Para essa autora, a presença
de um banco de desenvolvimento com um corpo técnico qualificado e com
capacidade de disponibilizar créditos e construir uma infraestrutura básica para o
desenvolvimento industrial é um fator presente no caso brasileiro e ausente no
caso argentino, mesmo com a existência do BCIA.
O processo de construção estatal é um reflexo do legado histórico de cada
nação,
segundo
Sikkink
(1993).
Sua
análise
revela
que
os governos
desenvolvimentistas de Kubistchek, no Brasil, e de Frondizi, na Argentina,
herdaram elites estatais de valores ideacionais diferentes e instituições
burocráticas em estágios distintos de desenvolvimento. No caso brasileiro, a
experiência desenvolvimentista acontece num cenário mais favorável, onde é
263
relevante ressaltar as convergências dos projetos e das agências estatais do
governo de Getúlio Vargas e a aliança política a favor de um projeto
industrializante. Estes fatores não estavam presentes nos anos do governo Arturo
Frondizi.
Tendo em vista a literatura sobre o BCIA e o BNDE, parece nítido a
centralidade que fatores institucionais/burocráticos ocupam na explicação para o
fenômeno da industrialização e dos diferentes papeis exercidos por essas duas
agências de fomento. Tal como ilustra Rougier (2011, p. 57), instituições são como
uma “caixa de ressonância” do contexto político e econômico das nações onde
atuam. Nesse sentido, é plausível defender que elementos endógenos
(institucionais) possuem raízes em elementos exógenos (contexto histórico),
principalmente no momento de criação dessas agências.
Sem dúvidas, essa proposição não é nova e está presente em diferentes
trabalhos orientados pela lógica metodológica da “dependência de trajetória”. Tal
como descreve Margaret Levi (1997), constatar a dependência de uma trajetória
significa que, dado o início de um caminho (processo), o custo de reverter essa
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direção possui custos muito elevados 5. Assim, cada passo numa mesma trajetória,
ou manutenção de uma estratégia ou processo, eleva as chances de se maximizar
os ganhos, evitando a perda da completa alteração destas (PIERSON, 2000). Nesse
sentido, numa lógica institucional, procuramos identificar como a dependência de
trajetória pode explicar, da criação destes bancos, a consolidação do BNDE e a
instabilidade do BCIA.
Utiliza-se da lógica metodológica do método comparativo da diferença em
casos negativos, tal como o proposto no clássico trabalho de John Stuart Mill
(1856). Esta consiste, basicamente, em comparar dois casos semelhantes, onde o
objetivo do analista é isolar a variável explicativa, neste caso histórica, para um
problema de pesquisa social (PERISSINOTTO, 2013). Trazendo ao presente
problema de pesquisa, BCIA e BNDE eram bancos de desenvolvimento de grandes
nações sul-americanas, com economias agroexportadoras, não industrializadas e
que enfrentavam problemas econômicos semelhantes. No entanto, o sucesso da
atuação das instituições brasileiras e o instável papel exercido pelas argentinas,
permite-nos afirmar que tais nações obtiveram, no processo de construção
264
institucional, resultados diferentes.
Tal como Geddes (1994) apresenta, é possível avaliar a capacidade
institucional através de três aspectos que englobam tanto a autonomia, quanto a
capacidade técnico-administrativa: i) recrutamento meritocrático; ii) fonte de
recursos e a proteção desta em relação a rivais do próprio do governo/estado; iii)
estrutura burocrática que permita com que técnicos possam progredir dentro da
hierarquia, fazendo com que seus objetivos pessoais sejam associadas com os
objetivos da agência. Esse modelo nos orientará na análise institucional desses
bancos.
Os dados presentes nesse trabalho foram consultados primeiro via exame
de documentos oficiais e memórias institucionais das duas instituições6. Além
disso, utilizamos também outras análises importantes ao estudo desses bancos de
5 A modificação de estratégia (reversão) possui custos elevados, uma vez que significa reiniciar um
processo com esforços e investimentos já realizados. Assim, o custo de reverter uma estratégia
política tende a ser mais elevado do que dar continuidade a um processo já iniciado.
6 Para o BCIA, a maior fonte são as memórias anuais (BCIA, 1944). Estas podem ser consultadas na
biblioteca do Ministério da Economia da Argentina e do Banco Central de la República Argentina.
Para o BNDE, a série Memórias do Desenvolvimento contém uma série de dados históricos da
instituição (FURTADO, 2010). Além disso, utilizo para o presente trabalho a pesquisa
prosopográfica e ideacional dos dirigentes desses dois bancos. Ver Tokumoto (2018).
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desenvolvimento, uma vez que os dados primários não eram suficientes,
especialmente no que diz respeito aos efeitos econômicos e aos dirigentes dessas
instituições.
O argumento se estrutura via dois capítulos de discussão. Num
primeiro momento (sessão 3), apresento três variáveis históricas (detalhadas a
seguir) em relação ao momento de criação desses bancos. Em seguida (sessão 4),
apresento análises históricas sobre o BCIA e o BNDE, onde procuro estabelecer a
relação entre as variáveis de origem com os aspectos institucionais nessa primeira
fase de atuação dessas instituições.
3. Contexto histórico e a criação de BCIA e BNDE
Nesta sessão, procuro apresentar, em perspectiva histórica, o processo de
criação de BCIA e BNDE, concentrando em três aspectos: (i) o contexto político e
econômico de Brasil e Argentina, com foco especial na discussão sobre indústria,
desenvolvimento econômico e os projetos que a criação desses BDs
representavam; (ii) os principais grupos políticos envolvidos na discussão e no
265
processo de criação dos respectivos BDs; e, por fim, (iii) as instituições
embrionárias, prévias, desses BDs.
3.1.
A criação do BCIA: Um projeto dos militares e dos líderes da UIA
Num cenário de intensas disputas políticas e instabilidade econômica,
ocorrem no Brasil e na Argentina golpes de Estado com significados políticos
distintos (PERISSINOTTO et. al, 2014). Na Argentina, o golpe de 1930 derrubou o
Presidente da Unión Cívica Radical (UCR), Hipólito Yrigoyen (1916-1922 e 19281930), que anos antes seria o primeiro presidente eleito por sufrágio na história da
nação.
A década de 30, na Argentina, representou o retorno de grupos tradicionais
e a adoção de uma política econômica liberal, semelhante ao início do século no
país. Nesse sentido, não há em 1930, na Argentina, um movimento de ruptura, mas
de continuação de uma ordem estabelecida historicamente (ALBERTINI e
CASTIGLIONI, 1985). A chamada “década infame” é marcada por governos eleitos
de forma fraudulenta (Uriburu, Justo, Ortiz e Castillo) e com dificuldades de
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reordenar a economia nacional. O período teve fim em 1943, quando um golpe
militar depôs o presidente Ramón S. Castillo. A “revolución de 1943” é liderada por
setores do exército, notavelmente os líderes do Grupo de Oficiales Unidos (GOU)7,
que num contexto de guerra mundial proclamavam a necessidade de manter o
status de nação autônoma e a posição de neutralidade no conflito (GERCHUNOFF e
LLACH , 2007).
Nesse cenário, a política econômica foi alterada com a ampliação da
intervenção estatal e com a criação de instituições encarregadas de conduzir um
processo de industrialização. Com o objetivo principal de construir uma autonomia
militar argentina, os governos de Pedro Ramirez (1943-1944) e Edelmiro Farrell
(1944-1946) criaram a Dirección de Fabricaciones Militares, o Comité de
Exportación y Estímulo Industrial y Comercial, assim como alteraram a política de
redesconto do Banco Central em prol da indústria nacional8. Assim, projetavam
induzir um processo de industrialização que tinha como intuito fomentar a
construção de fábricas militares e a produção das matérias primas necessárias
para esse setor industrial (metalurgia, siderurgia e produção química), os
266
chamados “requerimentos estratégicos” (ROUGIER, 1999). Além disso, o cenário de
escassez de produtos, devido à guerra, intensificou a industrialização de
manufaturados locais como substituição dessas importações. O fomento ao setor
manufatureiro aparecia como caminho para a modernização nacional, via
diversificação das bases econômicas, até então baseada nos produtos da
agropecuária.
Além do GOU, outro importante grupo alinhado aos governos militares
nesse período era a própria UIA (Unión Industrial Argentina). Jorge Schvarzer
(1991) caracteriza a UIA como uma instituição, acima de tudo, de natureza
patronal, dirigida por grupos tradicionais de ramos econômicos diversos, onde os
principais interesses não eram de promover a modernização e diversificação
industrial. Os líderes dessa organização detinham paralelamente inversões
7 O Grupo de Oficiales Unidos (GOU) era um núcleo de coronéis e tenentes-coronéis argentinos de
ideologia nacionalista, de fortes ambições políticas. Foi a principal organização articuladora do
golpe político de 1943 (LLACH e GERCHUNOFF, 2007)
8 Arturo Rawson (1943) foi o primeiro presidente pós o golpe de 1943. No entanto, sua nomeação
ministerial desagradou parte considerável do GOU, o que decretou sua substituição por Pedro
Ramirez (1943-1944). Esse coloca membros da organização em posições relevantes do aparelho
estatal. Entre eles, os futuros presidentes, Edelmiro Farrell (1944-1946) e Juan Domingo Perón
(1946-1955).
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financeiras, comerciais e, principalmente, agropecuárias. Reunidos na UIA, os
principais empresários da nação defendiam a ampliação das modalidades de
crédito industrial, ao mesmo tempo em que não demandavam nenhuma
modificação estrutural do sistema financeiro, uma vez que o reformismo não
interessava aos seus principais membros.
"[...] industria no era un objetivo a lograr, sino una realidad a
defender; un dato y no un proyecto de futuro. En el espectro de
actitudes posibles, sus posiciones se acercaban más al polo
conservador que a cualquier gradualismo reformista, y nunca
plantearon cambios estructurales (SCHVARZER, 1991, p. 82).
Guillermo O’Donnell (1977) complementa o argumento de Schvarzer
(1991) e afirma que o setor tradicional do empresariado argentino, onde se
destaca os líderes da UIA, se consolidou historicamente através de um impulso
dinamizador da economia que pouco passou pelo Estado. Nesse cenário, a atuação
estatal demonstrava preocupação maior com a manutenção de oligopólios do que
propriamente com o desenvolvimento de uma nova indústria.
No ponto de vista das lideranças da UIA, Luis Colombo e José Maria,
267
notáveis empresários da época, eram figuras que assumiam uma postura cautelosa
em relação à política de diversificação industrial já que representavam o status quo
argentino (BRENNAN e ROUGIER, 2009). Uma ala minoritária da união, composta
por novos empresários, formaram uma importante aliança dos governos militares
pré-peronismo e, posteriormente, seriam importantes na formulação econômica e
na base aliada do governo Perón (1946-1955) (DI TELLA, 1965).
No ponto de vista das instituições econômicas, como ressalta Rougier
(2011), a Argentina carecia de instituições capazes de dar aporte técnico e
financeiro ao processo de industrialização, já que entes estatais e privados
careciam de linhas de créditos a longo prazo, modalidade vista como apropriada
para o incentivo industrial. A primeira tentativa de suprir tais necessidades veio
em agosto de 1943, ainda no governo de Pedro Pablo Ramirez, com a criação do
Sistema de Crédito Industrial9. Esse departamento, criado sob tutela do Banco
Central, reunia em seus objetivos os principais pontos do projeto nacionalista
9 Criado através do decreto federal n° 6.825, o sistema pode ser considerado o primeiro embrião do
futuro Banco de Crédito Industrial Argentino (BCIA), que se tornaria posteriormente o BIRA.
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apoiado pelos militares e pela UIA, e buscava estabelecer um sistema de crédito ao
setor industrial 10 (ROUGIER, 1999).
Dada a demanda de líderes da UIA e os objetivos da junta militar, em abril
de 1944, via decreto n° 8537, o governo de Edelmiro Farrell, através do Ministro
da Fazenda, Cesar Ameghino, anuncia a criação de uma instituição específica para o
financiamento industrial da nação, o Banco de Crédito Industrial Argentino (BCIA).
Como ressalta Rougier (1999), o objetivo oficial era expandir a disponibilidade de
capital circulante a longo prazo e financiar inversões à indústria, notavelmente
para construções e ampliações de edifícios industriais e aquisição de maquinarias.
O BCIA ocuparia assim o espaço anteriormente delegado aos insuficientes
mecanismos do Banco Central e aos bancos privados comerciais.
Nesse sentido, o BCIA foi um BD criado durante os governos militares, com
o apoio e a demanda de líderes da UIA e de frações militares que defendiam a
expansão industrial. Essa estratégia era vista como forma de modernizar e ampliar
as bases produtivas, principalmente de setores relacionados com a indústria
militar e com os setores já instalados, projeto ideologicamente orientado pelo
268
nacionalismo/conservadorismo destes grupos. Como bem ressalta Rougier (2011),
o BCIA teve durante todo o período aqui analisado a ausência de um projeto claro
de desenvolvimento industrial. A delimitação de setores e de objetivos mais claros
e precisos estavam ausentes desde o primeiro balanço anual (BCIA, 1945). As
explicações para essa característica serão centrais ao nosso trabalho e será
apresentada posteriormente. Veremos adiante as diferenças de contexto e de
função pela qual o BNDE foi criado no Brasil, 8 anos mais tarde.
3.2. A criação do BNDE: entre cooperações técnicas e um projeto
industrial
Se o ano de 1930, na Argentina, foi marcado pelo retorno de grupos
tradicionais e a manutenção de uma política econômica liberal, no Brasil se inicia
uma etapa de grande transformação da máquina estatal e das relações políticas,
10 O Ministro da Fazenda argentino, Jorge Santamarina, em 1943, apresentou os fundamentos da
Dirección General de Fabricaciones Militares, onde defendia a necessidade de colaboração dessa
instituição com o recém-criado Sistema de Crédito Industrial (Rougier, 1999).
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embora seja um movimento político também de natureza conservadora, orientado
por setores militares (Martins, 1976). O processo revolucionário brasileiro de
Outubro de 1930 trouxe mudanças estruturais da política econômica decorrente
de dois fatores correlacionados: uma nova elite estatal orientada por um ideário
econômico distinto dos grupos anteriores e, decorrente desse primeiro fator, o
início de um amplo processo de expansão da máquina estatal (PERISSINOTTO et.
al, 2014).
A nova elite estatal brasileira, liderada por Getúlio Vargas, era orientada
pelo
“positivismo
político”,
aspecto
herdado
pelo
Partido
Republicano
Riograndense, onde a ideologia era hegemônica. Além disso, grupos militares,
peças centrais do processo revolucionário, também eram adeptos dessa corrente
ideológica (MARTINS, 1976). O positivismo político sedimentaria os caminhos para
o surgimento do desenvolvimentismo no país, via defesa da intervenção estatal,
com fins para a modernização social, obtida através da industrialização.
Como detalha Fonseca (2004), são quatro grupos ideológicos que compõem
historicamente o desenvolvimentismo brasileiro: o positivismo, o papelismo, os
269
defensores da indústria e o nacionalismo11. O desenvolvimentismo se tornaria
orientação crescente das novas elites estatais brasileiras, onde o projeto partia de
uma reforma institucional, sob bases técnicas, e capaz de reorientar uma nova
política econômica intervencionista. O principal objetivo era a construção de bases
industriais modernas, vistas como caminho para superar um passado oligárquico e
colonial.
No governo de Getúlio Vargas, muitas instituições foram criadas como
forma de estabelecer uma burocracia forte e duradoura, capaz de formular uma
política econômica e administrativa baseada em critérios técnicos. Diversos
autores destacam a criação de instituições como o Departamento Administrativo
do Serviço Público (DASP), as carteira do Banco do Brasil (CEXIM e CACEX), a
11
Permitam-me aqui sintetizar as raízes históricas e as ideias centrais desses grupos identificados
por Fonseca (2004): i) o grupo mais antigo, os nacionalistas, defendiam a unidade e o progresso
nacional, mas que se separavam em dois grupos, um primeiro liberal, defensor da agropecuária, um
segundo, modernizante, defensor da indústria; ii) os defensores da indústria, marcados pelo
pragmatismo, pela negação à condição agrária colonial e pela defesa do protecionismo econômica;
iii) os papelistas, pensadores econômicos que eram contrários à tese hegemônica do equilíbrio
orçamentário e que defendiam uma política econômica com vista nos fins de uma política
financeira; iv) por fim, os postitivistas.
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Petrobrás, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Companhia Vale do Rio
Doce, o Conselho Federal de Comércio Exterior e o próprio banco de
desenvolvimento como exemplos desse processo (MARTINS, 1976; LEOPOLDI,
1992; DRAIBE, 1985).
No caso específico do BNDE, o banco tem sua origem institucional nas
missões de cooperação técnica envolvendo agentes governamentais brasileiros e
norte-americanos. Estes buscavam elaborar um projeto de participação pública na
esfera econômica com o objetivo de expandir a produção industrial12. Destacam-se
aqui a Missão Cooke, de 1942, que já adiantava entre suas diversas sugestões, a
fundação de uma agência de fomento à indústria.
No entanto, tais projetos iniciais de expansão estatal foram freados durante
o governo de Eurico Gaspar Dutra, eleito em 1946, contexto onde as políticas
liberais ganharam fôlego. Em 1948, a Missão Abbink-Bulhões, liderada por John
Abbink e Octávio Gouveia Bulhões, preconizava ainda o desenvolvimento
industrial, mas desta vez partindo de um receituário liberal com ênfase no setor
privado, no controle inflacionário e numa política rígida de expansão de crédito.
270
Vale ressaltar que tanto a missão Cooke quanto a Abbink-Bulhões não garantiam
qualquer compromisso efetivo de aportes financeiros ou de atuação estatal prática.
Foi com o retorno de Getúlio Vargas que o governo brasileiro passaria a
atribuir maior ênfase ao objetivo de obter créditos junto às principais instituições
financeiras dos Estados Unidos, o Eximbank e o Banco Mundial. O maior desafio se
dava pelo fato das autoridades norte-americanas exigirem a elaboração de um
projeto concreto que viabilizasse a utilização dos investimentos almejados e de
uma instituição à altura de gerir os recursos disponibilizados. É nesse contexto que
se instala a nova Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU), de julho de
1951, como etapa intermediária desse processo.
Horácio Lafer, então ministro da fazenda, e o Presidente Getúlio Vargas, se
preocuparam em selecionar um grupo de técnicos altamente qualificados, com
especialistas em diversas áreas, vistas como fundamentais ao desenvolvimento. Na
visão de Vargas, era também relevante que os membros da comissão tivessem bom
12 As memórias do BNDES (FURTADO, 2010) relatam que, após os acordos de Washington de 1939,
diversas missões de cooperação técnica entre agentes norte-americanos e de países latinos
passaram a ser desenvolvidos. É nesse contexto que surgem as missões Cooke e Abbink.
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trânsito com os empresários brasileiros. É por isso que Ary Torres é escolhido
como presidente da comissão. Além disso, foram indicações pessoais de Vargas a
nomeação dos empresários Maciel Filho e Valentim Bouças (FURTADO, 2010).
Como ressalta Bielchowsky (1988), a CMBEU era uma reunião de técnicos
renomados e de indivíduos ligados pessoalmente à Vargas que compartilhavam a
visão do Estado como ativo promotor do desenvolvimento econômico, o
desenvolvimentismo. As diferenças e divergências entre técnicos e empresários se
davam principalmente quanto à participação do capital estrangeiro no processo de
industrialização do país. Desse conflito, Bielchowsky batiza o grupo composto
majoritariamente pelos técnicos de “cosmopolitas”, ala a favor do capital
estrangeiro. Enquanto que o círculo de assessores pessoais de Vargas formavam a
ala “nacionalista” do desenvolvimentismo, contrários ao capital estrangeiro.
A CMBEU herdou as bases de dados das missões anteriores e estabeleceu
projetos setoriais que diagnosticavam os principais entraves que a economia
brasileira enfrentava. A tese dos “pontos de estrangulamento” ressaltava a
necessidade de intervenção econômica em diversos setores que impossibilitavam
271
o desenvolvimento nacional: energia, transporte e indústrias de base.
Foi a partir dos projetos da comissão, dos supostos créditos norteamericanos, assim como da discussão que tramitava pelo Congresso da criação do
Fundo de Reaparelhamento Econômico (FRE), que o governo aprova Lei n°1.628,
que criava o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), em 18 de
Junho de 1952. A nova instituição seria a responsável pela gestão, planejamento e
aplicação dos recursos obtidos pelo FRE e pelos créditos concedidos pelas
instituições financeiras estrangeiras. Seriam reunidos em seu diretório os técnicos
responsáveis por coordenar a CMBEU, sua instituição embrionária.
3.3. Embrião Institucional de BCIA e BNDE: entre semelhanças e
diferenças
Numa visão geral, o contexto histórico de criação dos dois bancos de
desenvolvimento aqui sintetizados possui algumas semelhanças, principalmente
aquelas derivadas da posição que as respectivas nações ocupavam na economia
mundial, como nações agroexportadoras. Nesse sentido, tanto BCIA quanto o BNDE
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foram criados como instituições que pudessem viabilizar a expansão da oferta de
créditos ao setor industrial, num período onde a substituição de importações era
estratégia assumida por ambas as nações.
Brasil e Argentina traçavam estratégias distintas do ponto de vista
ideológico e, em decorrência disso, em seus projetos de expansão burocrática e de
industrialização. A ideologia nacionalista do GOU e de setores da UIA pressionava o
governo militar argentino a expandir a oferta de créditos a longo e médio prazo
para os setores estabelecidos e não demandavam nenhum projeto industrializante,
isto é, sem modificações estruturais. O novo governo argentino trouxe uma
reforma burocrática tímida se comparado ao caso brasileiro. No Brasil, 1930
inaugura um longo período de criação de agências estatais, no contexto de
consolidação do desenvolvimentismo como suporte estrutural de uma nova elite
estatal. Entre nacionalistas e cosmopolitas, esses atores concordavam com o papel
central do Estado, não só no fomento da indústria, mas como principal agente
planejador e formulador de uma política industrial e dos diagnósticos da economia
nacional.
Quadro 1: Contexto de criação do BCIA e do BNDE
272
Argentina (BCIA)
Brasil (BNDE)
Contexto
Dificuldades econômicas pós- Dificuldades
Econômico
1929;
industrialização
via 1929;
econômicas
pós-
industrialização
via
substituição de importações e substituição de importações e
insuficiência
de
capital insuficiência de capital circulante.
circulante.
Motivação
Expansão
da
política por créditos,
oferta
aumentar
a crédito por parte de instituições
trás
da autonomia
criação
do nacional e pressão política do eliminar
BD
da
de Viabilizar a disponibilização de
GOU e da UIA.
indústria financeiras norte-americanas e
os
estrangulamento
pontos
da
de
economia
nacional.
Instituição
Sistema de Crédito Industrial Comissão Mista Brasil-Estados
Embrionária
(Banco Central)
Unidos (CMBEU)
Fonte: Elaboração própria
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Olhando para os embriões institucionais, parte dessas características e
diferenças se tornam explícitas. No caso argentino, o BCIA se desenvolve a partir
de mecanismos de oferta de crédito industrial (Sistema de Crédito Industrial) do
Banco Central. A atuação do BCIA nestes primeiros anos não estava orientada por
um projeto claro, com objetivos setoriais bem definidos. No limite, o banco buscava
suprir demandas que surgiam da insuficiência de crédito privado e público.
Em linhas gerais, a expansão da oferta de créditos também era perseguida
pelo BNDE, mas com motivações e mecanismos distintos. O objetivo de captar
recursos com agências norte-americanas gerou um desafio ao governo brasileiro
de formular um projeto viável para a industrialização. Assim, a criação do BNDE é
resultado dos relatórios da CMBEU e expressava a visão destes técnicos. Além
disso, o banco nasce num contexto onde muitas instituições burocráticas foram
construídas para dar base técnica ao processo de modernização nacional,
característica essa compartilhada pelo recém-criado BNDE.
4. O modelo burocrático e as lideranças de BCIA e BNDE
273
Nessa sessão, nos concentramos propriamente nas variáveis endógenos dos
dois bancos aqui analisados. O objetivo é compreender como o processo de criação
resultou em dois desenhos institucionais, nos concentrando em três aspectos: (i) o
método de formação do diretório destas instituições; (ii) os aspectos do desenho
burocrático destes bancos e a forma como estas instituições gozavam de proteção
institucional em relação aos fundos disponíveis; (iii) a forma de recrutamento de
quadros técnicos estabelecida no momento de criação e nos primeiros anos de
funcionamento.
4.1. O modelo representativo do BCIA e a instabilidade institucional
Se assumirmos como pressuposto que a formação do diretório de
instituições burocráticas é um aspecto relevante para avaliar o desenho e a
autonomia institucional, é possível, de saída, afirmar que tal processo é bastante
distinto no caso argentino do BCIA se compararmos com o BNDE, no Brasil. Tal
como defende Geddes (1994), a estrutura burocrática capaz de limitar os
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interesses pessoais do diretório destes bancos em relação à missão social da
instituição é um elemento relevante da autonomia/capacidade burocrática, uma
vez que garante com que critérios técnicos sobressaiam sobre os pessoais e
clientelistas. Tendo isso em vista, a forma como autoridades são selecionadas,
assim como a possibilidade de burocratas internos dos próprios quadros técnicos
ascenderem às posições do diretório, são dados relevantes para avaliar a
autonomia/capacidade institucional.
No caso do BCIA, a formação de seu primeiro diretório, tendo como base o
balanço anual da instituição 1944, traz em sua composição 10 diretores e 1
presidente. O poder de indicação desses membros era fragmentado entre diversas
instituições estatais e da própria UIA, como representante da sociedade civil. O
presidente da república tinha o poder de nomear o Presidente da instituição e de
acatar as indicações restantes. O Ministério da Marinha, Ministério da Fazenda,
Ministério da Guerra, o Banco Central e o Banco de la Nación Argentina detinham,
cada instituição, a indicação de 1 diretor. Outras duas nomeações eram de
responsabilidade do Ministério da Agricultura e outras três da UIA. O cargo de
274
vice-presidente seria ocupado por aquele diretor escolhido via votação entre os
próprios membros do diretório.
Tendo em vista a formação desse primeiro diretório, três aspectos são
importantes para a nossa comparação. Primeiro, o peso da UIA na formação do
diretório. Os três diretores nomeados em 1944, Aquiles Merlini, Raúl Lamuraglia e
Miguel Miranda, seriam presidentes do BCIA nos anos posteriores. Além disso, o
primeiro presidente do banco era Ernesto Herbin, empresário e vice-presidente da
UIA. Estes eram empresários com perfil distante daquilo que poderíamos chamar,
num primeiro momento, de “técnicos”. A presença de líderes da UIA no diretório
do banco só iria se alterar em 1949, a partir da mudança promovida pelo governo
peronista na carta orgânica da instituição.
Um segundo aspecto é que essa primeira formação trazia a representação
de grupos ideológicos distintos. Os líderes da UIA, Miguel Miranda e Aquiles
Merlini eram membros de um grupo minoritário da união, que mais tarde se
alinhariam ao governo peronista. Estes, juntos com o presidente do BIRA, Ernesto
Herbin e Emílio Llorens, indicado do Ministério da Agricultura, eram adeptos de
um projeto nacionalista, com maior ênfase na indústria, via de superação do atraso
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e da superação do passado oligárquico. Ideias estas precursoras do que mais tarde
seria o núcleo do Peronismo/Justiacialismo13. Por outro lado, a mesma diretoria
abrigava indivíduos alinhados ao conservadorismo argentino. Tais como indicado
pelo Banco Central, Horácio Sanchez Elia14, ex-diretor da Sociedade Rural
Argentina (SRA), um conhecido núcleo conservador do país, e Raúl Lamuraglia,
poderoso empresário e líder da UIA, ligado aos interesses do agronegócio. Este
último, ainda, seria um forte opositor do peronismo, até ser exilado do país em
1947 (SCHNEIDER, 2004)15.
O processo de formação do diretório do BCIA, neste primeiro momento,
aponta para um grupo de indivíduos pouco coesos, com critérios dispersos de
nomeação, já que dependia das diversas instituições que indicavam os membros. O
fato da UIA ter um peso decisivo, com três diretores e o presidente, chama a
atenção já que nenhum destes indivíduos possuíam carreiras técnico-burocráticas
reconhecidas (TOKUMOTO, 2018). Distante disso, eram todos empresários
conhecidos que representavam setores distintos da economia argentina. Como
ressalta Rougier (2011), o BCIA sofreu ao longo da sua história com dois aspectos
275
que resultavam em instabilidade institucional. Primeiro, a constante troca das
autoridades do banco que, segundo o autor, era reflexo da instabilidade econômica
e política, com constantes reformas ministeriais16. Segundo, nenhuma autoridade
da primeira década (1944-1954) de atuação do BCIA havia desempenhado
qualquer atividade na própria instituição ou no Sistema de Créditos do Banco
Central.
Com essa formação, o diretório do BCIA não indicava um desenho
burocrático onde estes líderes pudessem readequar seus interesses em prol de um
projeto nacional condizente com orientações natureza técnica. O resultado disso,
como bem enfatiza Rougier (1999), foi uma atuação orientada por demandas
“naturais” da economia, onde se ausentava um projeto claro de industrialização e
13 Sabe-se que Emílio Llorens fazia parte do grupo de seguidores de Alejandro Bunge, intelectual
argentino com grande influência e que defendia um projeto de industrialização do país, um
contraponto com os liberais (BELINI, 2005).
14 Os dados biográficos foram adquiridos no trabalho de Ferrari (2005).
15 Além dos já citados, completavam o diretório o vice-presidente, Horácio Morixe, representando
do Banco de la Nación, Francisco Lajous do Ministério da Marinha, Julian Martinez do Ministério da
Fazenda, Gerard P. Hardy, do Ministério da Agricultura, e Axel Rolff do Ministério da Guerra.
16 O banco teve, entre os anos 1944 e 1955, 7 presidentes (TOKUMOTO, 2018) e 37 diretores. O
BNDE, entre 1952 e 1962, teve 8 presidentes e 14 diretores.
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de objetivos a longo prazo. Como consequência, os créditos do BCIA foram
destinados de forma bastante fragmentada, sem a definição de setores prioritários.
Ramos já tradicionais da economia argentina, como eram a indústria alimentícia e
têxtil foram os maiores beneficiados.
Para Rougier (2011), a continuidade, ainda que limitada, das políticas
implementadas pelo BCIA ao longo de sua existência se deve principalmente aos
quadros burocráticos intermediários, mesmo com as limitações que estes
encontravam para ascender internamente. Os quadros técnicos do banco, nestes
primeiros anos, foram compostos por funcionários concedidos pelo Banco de La
Nación Argentina, pelo Instituto Movilizador de Inversiones Bancárias e por
indivíduos, vistos como “adequados” aos postos a serem preenchidos (BCIA, 1944).
Fica pouco clara a forma de recrutamento destes técnicos do BCIA, pois não há na
memória anual referências de um concurso público.
Já os recursos do banco, segundo o art. 5 do decreto de criação do Banco,
afirmavam que a instituição funcionaria com 50 milhões de pesos argentinos
aportados pelo Governo Nacional, mediante a negociação de títulos da dívida
276
pública e não definia de forma permanente um fundo específico institucional
(BCIA, 1945). Após 1946, com a ascensão do governo peronista, a autarquia passou
a fazer parte de um sistema financeiro público coordenado pelo Banco Central,
liderado por Miguel Miranda, ex-presidente do BCIA e um dos mentores da política
econômica justicialista.
O BCIA, portanto, perdeu grande parte de sua autonomia e passou a seguir
as orientações gerais do Banco Central (BCIA, 1946). Além dos fundos destinados
pelo Governo Nacional, nos dois primeiros anos, e pelo Banco Central, a partir de
1946, o Banco passou a arrecadar fundos com depósitos ordinários, resultados da
ampliação da modalidade de crédito praticada, agora com créditos de médio e
curto prazo17.
4.2. O BNDE: um banco de raízes técnicas
17 Este aspecto é visto por Rougier (1999) como um desvio da missão inicial do banco, já que
somente créditos a longo prazo são aqueles vistos como essenciais para o desenvolvimento,
natureza de um banco que assuma essa tarefa.
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Como vimos, o BCIA foi criado atendendo demandas da classe industrial,
tanto aquela ligada a setores tradicionais, quanto aos grupos interessados em
promover novos setores, com a UIA sendo um ator político relevante, com grande
participação na própria composição da diretoria dessa nova instituição. A criação
do BNDE possui relação com a intenção do Estado Brasileiro em adquirir
financiamento com a política creditícia norte-americana do pós-guerra. Deste
objetivo, uma comissão técnica foi formada, a CMBEU, e de seus relatórios técnicos
e ideias o BNDE foi criado, em 1952, como instituição responsável por gerir os
fundos adquiridos.
Consciente da importância do BNDE para os próximos passos do
desenvolvimento econômico nacional, o presidente Getúlio Vargas buscou aliar
dois grupos progressistas, crentes na industrialização, mas de alas distintas que
integravam seu governo. Seguindo a distinção de Bielchowsky (1998), os extécnicos da CMBEU formavam uma ala desenvolvimentista pró abertura do
mercado e da participação estrangeira. De outro lado, a assessoria econômica da
presidência constituía uma ala nacionalista do desenvolvimentismo.
277
A partir desse cenário, com uma composição mais enxuta do que a diretoria
do BCIA, o BNDE teve em seu primeiro diretório apenas 4 membros. Na
presidência, o engenheiro civil Ari Frederico Torres, que também era presidente da
CMBEU. Além dele, outros dois técnicos da comissão seriam indivíduos centrais
nessa primeira composição: Glycon de Paiva, um geólogo de destaque no período, e
Roberto Campos, economista e que ainda estava nos estágios iniciais daquela que
seria uma longa trajetória pública. Apesar de serem majoritários, os membros da
CMBEU estavam acompanhados pelo superintendente José Soares Maciel Filho,
jornalista, assessor informal e pessoa próxima a Getúlio Vargas (MARTINS, 1985).
Este, aliás, um perfil distinto dos demais membros do diretório. Talvez, justamente
por isso, divergências com a ala tecnicista do banco foram constantes até o ano de
1954, que encerra o governo Vargas e marca a saída de Maciel Filho.
O BNDE, durante os anos 50, passa de uma nova agência para um pivô da
economia brasileira pelo papel central exercido, não apenas na atividade de
fomento, mas também pela capacidade de planejamento e formulação de projetos
de desenvolvimento. Diferente do BCIA, que não herdava, na primeira formação do
diretório, nenhuma autoridade do Sistema de Crédito Industrial, a CMBEU estava
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representada por 3 das 4 autoridades da cúpula do BNDE. Dos 8 presidentes que o
BNDE teve na primeira década de atuação, 5 haviam ocupado alguma posição
interna e 1 deles, justamente o primeiro, era presidente da CMBEU.
Nestes primeiros anos de funcionamento, o BNDE trabalhava na obtenção
de duas fontes de composição de seus fundos orçamentários. Primeiro, o crédito
estrangeiro, seriam adquiridos como resultado dos relatórios da CMBEU. Estes, no
entanto, nunca atingiram os valores que as autoridades brasileiras acreditavam
que iriam receber. Segundo, a principal fonte do banco nestes anos iniciais, um
adicional do Imposto de Renda, que entrou em vigência a partir de 1952 (BNDE,
1953,). Este mecanismo foi criado para o financiamento do Plano de
Reaparelhamento Econômico (FRE), primeiro plano macroeconômico assumido
pelas autoridades do BNDE. Segundo Prochnik e Pereira (2008), o formato de
arrecadação de fundos era inovador, já que atribuía ao banco um relativo grau de
previsibilidade18 e autonomia de manuseio de seus recursos. Além disso, a autora
ressalta a necessidade de planejamento e eficiência da concessão destes créditos,
dado o compromisso de restituição dos recursos aos contribuintes.
278
Não foi somente dos projetos e do alto escalão dos técnicos da CMBEU que o
BNDE se estruturou. O primeiro quadro de servidores do banco foi parcialmente
constituído pelos técnicos da própria comissão (BNDE, 1953). A partir de 195519, o
BNDE passaria a expandir seus quadros técnicos somente via concursos públicos,
projeto idealizado por Glycon de Paiva e Roberto Campos.
18 Estabelecia-se o adicional por 5 anos, a partir de 1952 (BNDE, 1953)
19 O primeiro concurso do BNDE, de 1955, ganhou notoriedade histórica por admitir indivíduos
que ocupariam posições de destaque posterior. Entre esses técnicos estavam Cleantho de Paiva
Leite, Ewaldo Correia Lima, Américo Barbosa de Oliveira, Jesus Soares Pereira e Ignácio Rangel
(FURTADO, 2010).
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Quadro 2 – Aspectos Institucionais do BCIA e do BNDE no ano de criação
BCIA
BNDE
Formação do Modelo representativo de Técnicos da CMBEU e assessoria
Diretório
instituições públicas e da econômica do Presidente da
sociedade civil (UIA)
Motivação
política
trás
Repasses
do
República
Governo Adicional do Imposto de Renda
por Federal, via renegociação de e criação de fundos.
da títulos da dívida pública.
criação do BD
Instituição
Funcionários do Banco de la Quadro
Embrionária
Nación Argentina
de
Funcionários
da
CMBEU e do IBGE
Fonte: Elaboração própria.
A autonomia do BNDE também era maior se olharmos para os mecanismos
de arrecadação de recursos. O Fundo de Reaparelhamento Econômico (FRE), sob
responsabilidade do banco, atribuía maior capacidade de previsão e relativa
279
autonomia para a atuação do BNDE. No caso do BCIA, os recursos eram aportes
anuais do Governo Federal, o que mudaria apenas em 1946, com a reforma
bancária do governo peronista. Na nova organização dos bancos públicos, o BCIA
ficava limitado às orientações gerais do Banco Central.
Por fim, outro elemento necessário para explicar a continuidade de cada
projeto burocrático são os próprios projetos governamentais de cada nação. No
caso brasileiro, a manutenção do projeto varguista de construção estatal foi
aproveitada pelo governo JK. O corpo técnico do BNDE foi a principal base para a
elaboração do Plano de Metas desse segundo governo (FURTADO, 2010). Pela
coesão ideológica desses dois governos e pelas capacidades técnicas desse banco, a
reutilização dessa instituição já consolidada era o caminho menos custoso para
buscar o desenvolvimento da nação.
No caso argentino, tal como evidenciado em Perissinotto et. al. (2014), o
projeto peronista iniciado em 1946 assumia o objetivo principal de fomentar um
projeto social, onde a industrialização era apenas um suporte da primeira. Nesse
caso, não havia um projeto claro de industrialização e o BCIA, tal como nos anos
iniciais, não formulou uma política estável de fomento ao desenvolvimento
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industrial. O governo peronista não herdou um corpo burocrático consolidado e
modificou, conforme seus objetivos e alianças, a forma de atuação (TOKUMOTO,
2018).
5. Conclusão
A título de conclusão, o presente trabalho nos permitiu, a partir das análises
histórico-institucionais, agregar aos estudos sobre burocracia a origem histórica
de instituições burocráticas. Quanto a este ponto, identifica-se que instituições,
normalmente tratadas através de variáveis endógenas, são também resultado de
conflitos e relações de poder anteriores a ela. Ou seja, aspectos exógenos podem
elucidar problemas que se revelam no interior institucional.
A análise sugere que características burocráticas possuem, tal como
defende parte da literatura, relação com aspectos sociológicos, ideacionais e
históricos do ambiente onde uma determinada instituição está inserida. Neste
caso, avaliar aspectos burocráticos é uma tarefa que vai além da comparação de
280
qualidades institucionais, uma vez que características possuem profundas raízes
no contexto e objetivos políticos perseguidos. Os casos do BCIA e do BNDE são
exemplos de como é historicamente possível verificar aspectos que justificam as
diferenças de modelos burocráticos.
Resgatando nossas hipóteses, a comparação entre dois bancos de
desenvolvimento nos revela que, apesar da semelhante missão social destas, o
BCIA foi resultado da pressão estabelecida por grupos empresariais já
estabelecidos que buscavam a ampliação da política creditícia. Assim, o banco
nasceu com uma orientação generalista, sem estabelecimentos de setores e metas
claras. O objetivo de fomentar a indústria, na prática, esteve destinado aos setores
tradicionais da economia nacional e às dependências naturais do contexto de
escassez de produtos industrializados. Os poucos aspectos burocráticos possíveis
de serem acessados desta instituição, ainda pouco estudada, nos revelam um
modelo institucional pouco condizente com as características destacadas pelos
estudos sobre burocracia e capacidade institucional. Esta característica pode ser
historicamente explicada, uma vez que a instituição não ocupava posição central
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na tarefa de formulação de planos e seu diretório sugeria a representação de
aliados políticos e de interesses de diversificados.
Já o processo de criação do BNDE partia da tarefa de formulação de projetos
e de estabelecimento de metas claras para a industrialização nacional. Soma-se ao
cenário, uma elite política desenvolvimentista, com mentalidade industrializante.
Deste contexto, o BNDE surgiu com modelo burocrático moderno, autônomo, com
o prevalecimento de critérios técnicos.
Dada a origem, o modelo institucional e os estudos citados sobre a atuação
destas agências, o BNDE se manteve como instituição central do processo de
industrialização nacional da década que se seguiu. Já o BCIA esteve suscetível às
bruscas modificações da política econômica argentina, sem a capacidade de manter
alguma continuidade de seus projetos. A lógica apresentada da dependência de
trajetória nos parece útil, uma vez que constatadas o modelo mais autônomo do
BNDE em relação ao BCIA, é possível afirmar que no caso brasileiro a instituição foi
capaz de formular metas a prazos maiores, com sucesso crescente de sua política
creditícia. O BCIA, menos autônomo, teve suas diretrizes modificadas regularmente
281
nos anos seguintes, com trocas constantes de autoridades e pouca continuidade de
seus projetos.
As trajetórias desses bancos de desenvolvimento estão associadas, embora
não expliquem por si só, ao crescimento econômico dessas nações. Autores como
Amsden (2001), Chang (2004) e Evans (1999) destacam a relevância da
atuação/capacidade estatal para o desenvolvimento de nações tardiamente
industrializadas. Nesse sentido, o crescimento mais acentuado da economia
brasileira, no período analisado, em relação a argentina está associado ao papel
mais bem sucedido do BNDE.
A título de hipótese histórica posterior, partindo do trabalho de Dias (2017)
sobre o BNDE, o autor defende que a instituição, via suas qualidades burocráticas,
teve capacidade de se readequar em contextos políticos distintos ao longo de sua
história e se tornou ferramenta eficiente utilizada por diferentes governos, de
diferentes orientações ideacionais. Se isso é verdade, a extinção do BCIA na década
de 90, no auge das políticas de austeridade na Argentina, possivelmente pode ser
analisada também via suas qualidades burocráticas.
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Institutional Origin and path
dependence: the cases of BNDES
and BCIA
Origen institucional y trayectoria
de dependencia: los casos del
BNDES y BCIA
Alessandro Tokumoto
Alessandro Tokumoto
Abstract: This article aims to
analyze the institutional origin of
two development banks: National
Bank for Economic and Social
Development
(BNDES)
and
Argentinean Industrial Bank of
Credit (BCIA). The historicalcomparative method used to
identify institutional and contextual
factors of their creation that are
relevant to understand the path
dependence of BNDES, in the
Brazilian case, and BCIA, in
Argentina. The results indicate that
political-historical variables reflect
in the institutional design adopted
in each nation. In the Brazilian case,
the strong bureaucracy established
is related to the technical roots of
the BNDE and to the ideational
orientation of the government of the
time. In the Argentinean case, BCIA's
institutional
weakness
has
historically been conditioned by the
political process behind the creation
of this agency and by the low degree
of autonomy established throughout
its existence.
Resumen: El artículo tiene como
objeto el origen institucional de dos
bancos de desarrollo, el Banco
Nacional de Desarrollo Económico y
Social (BNDES) y el Banco de
Crédito Industrial Argentino (BCIA).
El método comparativo histórico se
usa para identificar qué factores
institucionales y contextuales en la
creación de estas instituciones son
relevantes para comprender la
dependencia de trayectoria del
BNDES, en el caso brasileño, y el
caso del BCIA, en Argentina. Los
resultados indican que las variables
histórico-políticas se reflejan en el
diseño institucional adoptado en
cada nación. En el caso brasileño, la
fuerte burocracia establecida está
relacionada con las raíces técnicas
del BNDES y con la orientación
ideacional de los gobernantes de la
época. En el caso argentino, la
debilidad institucional del BCIA ha
estado históricamente condicionada
por el proceso político de creación
de esta agencia y por el bajo grado
de autonomía establecido a lo largo
de su existencia.
Keywords: BNDES; BCIA; state
bureaucracy; path dependence;
institutional origin
Palabras clave: BNDES; BCIA;
burocracia estatal; dependencia de
trayectoria; origen institucional
Recebido em 22 de janeiro de 2020
Aprovado em 03 de setembro de 2020
Agenda Política. Revista de Discentes de Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos
Volume 8, Número 3, p. 257-286, setembro-dezembro, 2020
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