A EUROPA, O
OCIDENTE E O MAR
EUROPE, THE WEST
AND THE SEA
Isabel Maria Freitas Valente
Carlos Eduardo Pacheco do Amaral
(org.)
2020
Ficha Técnica
Coleção: Euro-atlântico: Espaço de Diálogos, Coordenada por Isabel Maria Freitas Valente e
Iranilson Buriti de Oliveira
Título nr. 10: A Europa, O Ocidente e o Mar / Europe, the West and the Sea
Organização: Valente, Isabel Maria Freitas; Amaral, Carlos Eduardo Pacheco
Conselho Editorial: Carlos Eduardo Pacheco Amaral; Joel Carlos de Souza Andrade; Manuel Lopes
Porto; Maria Manuela Tavares Ribeiro; Regina Coelli Gomes Nascimento; Silede Leila Cavalcante
de Oliveira
Capa e Impressão: Pantone4
Edição Brasileira: Editora da Universidade Federal de Campina Grande - EDUFCG
ISBN Digital: 978-65-86302-19-6
Edição Portuguesa: Imprensa da Universidade de Coimbra - IUC
ISBN Impresso: 978-989-26-2069-5
ISBN Digital: 978-989-26-2070-1
Depósito legal: 429108/17
Ano de Edição: 2020
DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2070-1
Os dados e as opiniões inseridos na presente publicação são da exclusiva
responsabilidade dos seus autores.
Todos os textos recebidos foram objeto de apreciação no âmbito processo de seleção e
revisão por arbitragem científica.
Toda a reprodução desta obra, por fotocópia ou outro qualquer processo, sem a prévia
autorização escrita do Editor, é ilícita e passível de procedimento judicial contra o
infractor.
Apoio institucional:
ÍNDICE
Prefácio
Carlos Eduardo Pacheco do Amaral ................................................................... 9
Europa / Ocidente: Discursos e Representações
Maria Manuela Tavares Ribeiro ..................................................................... 13
Oceanos: Que Futuro?
Ana Cordeiro de Azevedo .............................................................................. 27
Os Açores, a Política Externa Portuguesa e os EUA
Luís Andrade ............................................................................................. 47
Una mirada transatlántica a los inicios de la Guerra Fría. Gilberto
Bosques al frente de la legación de México en Portugal. (1945-1950)
Aurelio Velázquez Hernández ........................................................................ 59
Santa Maria e o Arquicéu dos Açores
António Sousa Monteiro ................................................................................ 79
A política atlântica de Espanha, 1898-1982
Rosa María Pardo Sanz ............................................................................. 107
Kennedy e De Gaulle: convergências e divergências (1961-1963)
Miguel Estanqueiro Rocha ........................................................................... 131
Nota Biográfica Autores .................................................................... 159
P R E FÁC I O
No dizer autorizado de Maria Manuela Tavares Ribeiro o mito constitui, não uma historieta, mais ou menos infantil, cedência à alienação,
ou desvio, ou fuga à realidade, mas um paradigma, disponibilizando
um quadro conceptual capaz de fazer sentido e de explicar o real. Por
essa razão é que vale a pena atender aos mitos – muito para além do
entretenimento fácil. Vale a pena atender ao mito na medida em que
nos abre pistas de compreensão da realidade – em particular quando
não dispomos de quaisquer outras.
É o que se passa com a Europa, e com o Ocidente.
Ao perscrutar as ideias de Europa e de Ocidente e pesquisar as
respectivas origens, é no mito que encontramos as primeiras pistas de
significado. E, de entre os mais antigos, o conhecido mito do rapto de
Europa, apresentado por Mosco, no seu texto Europa, ou a terra em frente, será um dos mais interessantes e pregnantes. Não pela visão, tantas
vezes recuperada, em particular, na arte Ocidental, do rapto da filha de
Agenor, rei da Fenícia, actual Médio Oriente, por Zeus, transformado
em touro. Mas pelo sonho da princesa que, na madrugada do dia em
que viria a ser raptada, por altura do raiar da aurora, num momento em
que o dia e noite se misturam, e, com eles, a realidade e a imaginação,
se vê contestada por dois territórios, por duas pátrias, poderíamos dizer.
A primeira, é a Ásia que a viu nascer e que conhece bem, já que foi na
respectiva matriz civilizacional que cresceu e se formou. E é nela que
vive. A outra, é descrita apenas como sendo a terra em frente. É a terra
em frente da Ásia. A Europa, continente, para onde viria a ser raptada
Europa, princesa. É uma terra que nem nome tem, sendo descrita tão
só como a terra em frente da Ásia. É, à época, o novo mundo, que viria
a receber forma civilizacional a partir da Ásia, berço, portanto, da civilização europeia e Ocidental.
DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2070-1_0
Este momento do mito aponta para a Europa, no seu momento pré-natal, poderíamos dizer. É um momento em que é apenas a terra em
frente, isto é, matéria destituída de forma. É a Europa, antes de o começar a ser. Quando nem nome tem sequer – nem qualquer elemento
identitário.
E o que o mito nos propõe é que a identidade da Europa não lhe
advém dela mesma. Não decorre da posse ou da apresentação desta ou
daquela característica, ou deste ou daquele elemento específico, seja
ele material ou espiritual. Pelo contrário, enquanto terra em frente, no
momento original enunciado pelo mito a Europa apresenta-se destituída
de marcas identitárias, razão pela qual, aliás, o continente se encontra
apto para receber a forma e a identidade que lhe viriam a ser impressas,
já no dia seguinte, por força do enamoramento de Zeus pela bela filha
de Agenor.
É uma abertura à alteridade, ao outro, e ao crescimento através da
adopção das matrizes civilizacionais que valem a pena e que merecem
ser adoptadas que, segundo o mito, se encontram no âmago da própria
identidade europeia e ocidental. É isso, aliás, que explica a recente
destruição, por parte das forças do Estado islâmico de cidades histórias
e de sítios arqueológicos no Médio Oriente: era a herança cultural da
Europa que estava a ser destruída!
Em si mesma, a Europa que o mito nos apresenta é um espaço vazio,
destituído de interesse – uma mera terra em frente, ou o espaço de barbárie, na perspectiva civilizacional, mais tardia, grega e romana. A Europa
emerge na história, passando a valer por ela própria, no momento em
que começa a abrir-se, de forma mais ou menos voluntária, ao exterior e
a receber e incorporar as respectivas matrizes civilizacionais – suméria,
fenícia, grega, romana …
Abertura ao outro, e projecção para o exterior. São estas características matriciais que conduzirão ao surgimento do Ocidente através do
prolongamento da Europa para além do continente que, entretanto,
havia envelhecido – num processo que se viria a iniciar no dealbar da
modernidade e a catapultar a Europa, o agora velho continente, para
uma inusitada condição de preeminência planetária. Ocidente, é a Europa quando se projecta para além do mar. Através do Mar, a Europa
10
foi capaz de, no dizer do poeta, dar novos mundos ao mundo. E de, no
processo, se reconfigurar. Começando pelo nosso próprio país.
Portugal é o Mar, na formulação que Avelino de Meneses elegeu
para um dos seus trabalhos recentes. E, de facto, bloqueado a leste por
Castela, foi em direcção ao sul que Portugal se viria a constituir. Do
mesmo modo que, conquistado o Algarve, foi o mar, a Ocidente, que
disponibilizou ao nosso país ocasião de se cumprir. E é precisamente neste processo que o nosso país acabaria por emergir como rosto
da Europa, na formulação clássica que os mapas antropomórficos do
continente exprimem de forma tão eloquente. Não um rosto qualquer,
mas um rosto fixado no espaço em frente. No Ocidente. Não na terra,
precisamente, mas no mar. Um mar que viria como que a propiciar a
ocasião para a Europa e, nela, o nosso país, se cumprir.
Segundo o relato de Mosco – numa concepção que encontra um paralelo muito curioso na tradição judaico-cristã, começando pelo Antigo
Testamento e, nele, pela repartição do mundo conhecido de então pelos
três filhos de Noé na sequência do dilúvio e do imperativo de repovoamento da terra – a Europa viria a receber forma civilizacional da Ásia. E,
no solo fértil do então novo continente, a matriz civilizacional oriunda
do vale fértil de entre os rios Tigre e Eufrates viria a conhecer um crescimento exponencial, de tal dimensão que, no dealbar da modernidade,
acabaria por conduzir a uma supremacia da Europa, face à Ásia, de onde
havia brotado, e até mesmo a nível planetário. Uma supremacia que
apenas se viria a esboroar nas duas Guerras Mundiais do século vinte –
e desde então, da projecção planetária que conheceu ao longo de toda
a modernidade, apropriando-se de continentes inteiros e prologando-se
pelos quatro cantos do mundo. No século XX, num processo iniciado no
final do século XIX, a Europa acabaria por fixar apenas alguns territórios
dispersos, maioritariamente ilhas e arquipélagos. Espalhados um pouco
pelos oceanos e mares terrestres, estes espaços, mais do que resquícios
de um tempo que já passou, constituem verdadeiros laboratórios de
reprodução civilizacional e postos avançados da Europa.
No dealbar da nossa história civilizacional e política, a Europa emerge
a partir da adopção de um quadro de valores originário da Ásia, mais
propriamente do Médio Oriente, que viriam a conhecer na Europa uma
11
frutificação exponencial. E, de forma particularmente curiosa, com a
modernidade, assistiu-se a uma segunda vaga de exportação civilizacional, de novo para Ocidente. Desta feita, a Europa torna-se o velho
continente, encontrando-se o novo mundo em que se viria a reproduzir
para além dos mares: nas Américas, do Norte e do Sul, em África e na
Oceania – nos continentes, para além, naturalmente, das ilhas e arquipélagos dos respectivos mares. Exportada para estes espaços, a matriz
civilizacional europeia, viria a conhecer um dinamismo tal que os faria
ultrapassar a própria Europa de onde haviam originado. Da mesma maneira que os Açores, no dizer do poeta, constituem a quintessência da
Portugalidade, já que receberam a sua forma civilizacional de Portugal
quando este país era uma potência em marcha, também o novo mundo,
(o Ocidente extra-europeu) constituirá a quintessência da Europa, e
pelas mesmíssimas razões.
A Europa, o Ocidente e o Mar, constituem os grandes pilares de
enfoque da presente publicação – que constitui registo concreto do
trabalho desenvolvido por uma rede interuniversitária luso-espanhola
dedicada precisamente ao estudo do significado de que o grande mar
oceano se reveste para a Europa, muito em particular para os Estados
ibéricos, e dos papéis que poderá vir a desempenhar para o respectivo
cumprimento futuro.
Europa, Ocidente e o Mar – em particular na perspectiva de Portugal
e de Espanha – eis o foco e elemento aglutinador dos sete capítulos que
enformam este livro. Recorrendo à imagem de uma peça musical, dir-se-ia
que o livro disponibiliza ao leitor como que um conjunto de variações,
sobre o tema nuclear que o enforma. O resultado é a oportuna obra que
o leitor tem entre mãos, e que, num quadro transdisciplinar, regista e
explora em cada um dos seus capítulos outros tantos momentos e dimensões da grande saga ibérica de abertura ao mar e de configuração e
reconfiguração dos respectivos Estados e do próprio Ocidente.
Ponta Delgada, Abril de 2020
Carlos E. Pacheco Amaral
E U R O PA / O C I D E N T E –
D I S C U R S O S E R E P R E S E N TA Ç Õ E S
Maria Manuela Tavares Ribeiro, PhD
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7471-2164
Resumo
O impulso das viagens alimenta o conjunto da produção cultural do
século XIX, aglutinando os temas do pensamento da época ao associar-se
o impulso romântico e o conhecimento científico. Nas primeiras décadas
do século XIX, o interesse pela América do Sul é visível nos percursos
dos viajantes. Atraía-os – a geógrafos, a cientistas, a intelectuais – o facto
de o continente da América do Sul estar fechado ao estrangeiro durante
toda a época colonial. É interessante ver como o reconhecimento da
América do Sul no século XIX se faz perante estes olhares a partir da
mediatização das viagens e como elas tiveram um papel importante no
imaginário da época.
Palavras-chave: Europa; Atlântico; Brasil; viagens.
Abstract
The impulse of travel fuels the cultural production of the nineteenth
century, bringing together the themes of the thought of the time by associating the romantic impulse and scientific knowledge. In the first decades of the nineteenth century, the interest in South America is visible
in travelers routes. It attracted them – geographers, scientists, intellectuals – the fact that the continent of South America was closed to foreigners throughout the colonial period. It is interesting to see how the
recognition of South America in the nineteenth century is made from
the media coverage of travel and how they played an important role in
the imaginary of the time.
Keywords: Europe; Atlantic; Brazil; travels.
DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2070-1_1
Viagens nos Dois Mundos
Na Europa Ocidental do fim do século XVIII, e em França particularmente, as peregrinações/viagens dos intelectuais não ficam no campo
da metáfora. Elas manifestam-se pelas deslocações geográficas mais ou
menos ritualizadas. Ou seja, elas são consideradas parte integrante da
formação e aprofundamento da sensibilidade. Alguns desses percursos,
desses caminhos, são tradicionais. É o caso de Jerusalém e dos Lugares
Santos. Também a Itália com as suas ruínas históricas e os seus tesouros
artísticos é a viagem imprescindível aos que se consagram às Letras e às
Belas Artes. Em França, algumas dessas viagens de artistas eram pagas.
No entanto, a viagem era, muitas vezes, a pé, e implicava a travessia
dos Alpes. Por exemplo, o pintor Nicolas-Antoine Taunay (1755-1830),
artista ligado à Manufatura de Estado de Sèvres desde o início do século
XVIII, foi um dos viajantes por conta da Academia Real de Pintura da
Academia Real de Pintura. Artista já reconhecido, a sua viagem a Itália
teve, entretanto, um efeito benéfico no seu trabalho porque aí, em Itália,
reinava um “espírito novo”. O culto da simplicidade das cenas pastorais
e os motivos populares bucólicos, nos quais ele se revia, era coexistente
com a profunda admiração que tinha por Jean Jacques Rousseau1.
Paralelamente ao prestígio desses circuitos, um novo fenómeno surge
no fim do século XVIII. As viagens fazem, então, concorrência às peregrinações. Ou seja, o interesse pelos novos sistemas de organização
social e política, pelas regiões geográficas inexploradas do globo, pelos
povos e culturas exóticas integram-se na prática e no imaginário dos
intelectuais. A viagem é, doravante, entendida não como uma estratégia
de auto-conhecimento, mas como a aquisição de conhecimentos objetivos
e científicos sobre o mundo no quadro de duas grandes correntes que
alimentam, de forma conjunta e contraditória, o século XIX: o Romantismo e o espírito científico. A diferença essencial entre estas duas moda-
1 BENEZIT, Emmnauel – Dictionnaire des peintres, sculpteurs, dessinateurs et
graveurs. Paris: Grund, 1976. Cf. ROLLAND, Dennis, BASTOS, Elide Rugai, RIDENTI,
Marcelo (orgs.) – Intellectuels et politique Brésil – Europe. Paris: L’Harmattan, 2003.
p. 31.
14
lidades de deslocação-peregrinação não reside nem no projeto nem no
destino, mas sim, no impulso para a sua concretização. Explicita-se este
fenómeno, por exemplo, através das deslocações dos franceses para o
Brasil. A viagem caracteriza-se pela descoberta, pelo inédito, pela exploração, pela possibilidade de fazer nascer novas experiências e perceções
individuais e internas, mas também pela exploração de lugares ou de
paisagens até então desconhecidas. Já na peregrinação conhece-se o seu
trajeto e sabe-se onde se vai. Por vezes, conhecem-se os relatos, lidos ou
contados, que podem dar uma envolvência mística ao grupo dos fiéis.
Em ambos os casos, viagem e peregrinação, a deslocação leva a uma
rutura temporária com as origens, mas, em contrapartida, permite alargar o campo de conhecimento, permite revelar os segredos do mundo.
O impulso das viagens alimenta o conjunto da produção cultural do
século XIX, aglutinando os temas do pensamento da época ao associar-se, repito, o impulso romântico e o conhecimento científico. Lembre-se,
por exemplo, as viagens românticas de Chateaubriand ou de Lamartine
em busca de paisagens exóticas. O progresso persistente no reconhecimento da cartografia da terra é estimulado pelas Sociedades de Geografia, bem assim como os esforços dos naturalistas, dos geógrafos, dos
etnólogos, dos desenhadores. O intelectual do século XIX é, ele próprio,
um viajante.
Por exemplo, o naturalista alemão Alexander von Humboldt (17691859) pode ser considerado um paradigma dos viajantes do século XIX.
Mas os relatos de viagem de Chateaubriand são precursores do estilo
do viajante moderno2. É ele que estimula o exotismo, que começa a
estar na moda.
Nas primeiras décadas do século XIX, o interesse pela América do Sul
é visível nos percursos dos viajantes. Atraía-os, a geógrafos e a cientistas,
o facto de o continente da América do Sul estar fechado ao estrangeiro
durante toda a época colonial.
No fim das guerras napoleónicas, a motivação científica, por exemplo
em França, torna-se muito intensa, com um real interesse económico e
2 CHATEAUBRIAND, F. R. – Atala, René (1801-1802), Itinéraire de Paris à
Jérusalem (1811), Les Natchez (1826), Voyages (1827).
15
geopolítico. Lembre-se que as guerras coloniais do fim do século XVIII
haviam alimentado já os movimentos de independência. Para os exploradores e geógrafos franceses ganha particular importância a bacia do
Amazonas e o Rio de la Plata. O decurso da Secessão americana (18611865) é uma ocasião propícia para intervir no continente americano.
Regista-se a multiplicação das viagens, em Oitocentos, que se traduz
no mundo intelectual também pela multiplicação dos pontos de peregrinação. Se Chateaubriand e Humboldt viajaram a custas próprias, os
seus sucessores estavam mais interessados em criar redes de produção
intelectual tradicional sob a égide das academias e das universidades.
É que a especialização científica e a abertura de novos horizontes de
saber encontram o seu lugar nessas instituições. Elas ocupam-se da geografia, da botânica, da etnologia, da antropologia. Assim, o naturalista,
o geógrafo, o explorador, o colono têm lugares mais destacados do que
o autor ou o escritor.
No fim do século XIX, o planeta é melhor conhecido, é melhor delimitado e é melhor descrito. Viaja-se no próprio país pelas redes de
canais ou pelas vias férreas. Ou viaja-se ao serviço do país. Algumas
sociedades científicas tornam-se grupos de opinião ativos a favor da
expansão colonial. Por exemplo, a Sociedade de Geografia de Paris
(1821). Se foi apolítica, no fim do século XIX ela é porta voz da visão
expansionista francesa.
Este fenómeno de multiplicação das agências intelectuais e esta nova
articulação entre as viagens e as peregrinações traduz uma profunda
relação do homem com o mundo da natureza. Jean-Jacques Rousseau,
nas suas Confessions, escritas em 1766, e publicadas em 1782, inaugurara já a autobiografia como género literário e dimensão fundamental do
Eu romântico. Esse mesmo Eu revela-se na viagem, em contacto com o
mundo da Natureza. Leiam-se as palavras de Rousseau:
“Jamais je n’ai tant pensé, tant vécu, tant été moi, si j’ose ainsi dire,
que dans les voyages que j’ai fait, seul et à pied. La marche a quelque
chose qui anime, qui avive mes idées”3.
Nos meados do século XIX, o grande geógrafo romântico Elysée Reclus transforma a relação do homem com a natureza num verdadeiro cul3 ROUSSEAU, J. J. – Les Confessions. Paris: Hachette, 1997. p. 227.
16
to. O hóspede, que anteriormente suportava a solidão e era expatriado,
goza agora de um “prazer” novo. Trata-se da afirmação de si mesmo, da
sua capacidade para vencer os obstáculos naturais. Ao prazer individual
virá opor-se a viagem de massas, anónima, que surgiria com a chegada
do caminho de ferro e da navegação a vapor. Como escreve Reclus:
“D’où vient cette joie profonde qu’on éprouve à gravir les hauts sommets? ... on est maître de soi-même et responsable de sa propre vie…
il est bien moins comme le voyageur transporté par chemin de fer, un
simple colis humain tarifé, étiqueté, contrôlé, puis expédié à heure fixe
sous la surveillance d’employés en uniforme. En touchant le sol, il a
repris l’usage de ses membres et de sa liberté”4.
A missão do homem face à natureza, a apropriação das raízes substitui
a preocupação meramente estética e o sentimento de ser ele próprio o
explorador romântico. É que a missão é assumida como uma obra coletiva e articulada: ciência, espírito de empresa e política governamental.
Sublinhe-se que a metamorfose profunda da relação entre o homem
e a natureza tem uma importante repercussão nos escritos de viagens.
Ao carácter acidental ou fortuito, o viajante do século XIX vai tornar-se inseparável dos seus escritos5. No quadro da literatura, a viagem e
a sua transformação em narrativa, fazem parte dos géneros que colhem
desenvolvimento em Oitocentos.
Assim acontece com o tratado de educação, o conto de viagem, a
autobiografia e o relato de viagem propriamente dito. Ainda que distintos, estes géneros têm um denominador comum – o impulso do autor
que quer partilhar os seus sentimentos, os seus estados de alma, a sua
subjetividade e, muitas vezes, as suas opiniões e os seus conhecimentos
sobre o mundo.
Ora, na viagem motivada e estimulada pela observação das instituições políticas e dos costumes, o relato é fundamental. Trata-se de um
exercício privilegiado de alteridade, motivado pelo conhecimento, pela
experimentação e pela comparação. Por um lado, pode-se apreender a
4 RECLUS, Elysée – “Du sentiment de la Nature dans les sociétés modernes”. In
Revue de deux mondes: recueil de la politique, de l’administration et des moeurs.
Paris, 1900-1929, 2.º fasc., 1866, 2. ème période. p. 354.
5 ROUANET, Maria Helena – Eternamente em berço esplêndido. A fundação de
uma literatura nacional. São Paulo: Siciliano, 1991.
17
diferença em relação ao Outro, mas, muitas vezes, trata-se de reafirmar
a superioridade da cultura e da civilização europeias sobre as dos outros
povos. Observar judiciosamente, construir um juízo crítico, propor reformas, condenar práticas menos civilizadas são aspetos que se veem surgir
neste género de narrativa, mas reforçam, muitas vezes, as identidades
dos compatriotas do viajante. Por isso, o mercado editorial, tal como
as revistas científicas multiplicam os espaços de difusão dos relatos de
viagem e dos testemunhos científicos.
As revistas consagradas às viagens são cada vez mais populares a
ponto de criar um novo horizonte de difusão. Por exemplo, La Revue
des Deux Mondes (1829) ou [Le] tour du monde: nouveau journal des
voyages, Paris, Hachette (1860-1914).
As publicações podem ser, então, de três tipos: de instituições científicas oficiais, que organizam e financiam expedições científicas; das sociedades científicas como Academias, Sociedades de Geografia; de revistas
de grande difusão. A ilustração é profusa, mas é um instrumento pedagógico. A imagética é, portanto, diversificada: desenho, gravura, pintura,
enfim um meio de conhecimento e de informação de valor assinalável.
A Revue des Deux Mondes, fundada em 1830 por Prosper Mauroy e
Ségur-Dupeyron, a “doyenne” das revistas francesas, inclui numerosos
artigos sobre o Brasil, cerca do ano de 1844. Sobre a América de língua
espanhola (economia e política), há muitos artigos sobre México, Argentina, Chile, Venezuela, Perú, Colômbia.
O viajante romântico podia, como J. J. Rousseau o fizera, lamentar não
ter anotado as suas impressões de viagem e de ter preferido viver, em
vez de as registar no papel. Assim escreve Rousseau nas suas Confissões:
“Pourquoi, direz vous, ne les pas écrire? Et pourquoi les écrire?... Que
m’importaient des lecteurs, un public, et toute la terre, tandis que je
planais dans le ciel?”6
Pelo contrário, o viajante cientista é inseparável do seu caderno de notas. A viagem não está completa sem o seu relato. Veja-se, por exemplo,
Auguste de Saint-Hilaire: “J’écrivais tous les jours un journal minutieux...
6 ROUSSEAU, J. J. – Les Confessions. Paris: Hachette, 1997. p. 227.
18
c’est de ce journal, rédigé sur place, que je retire la publication que je
me propose de faire...”.7
A quem se destina essa narrativa, esse relato? – ao grande público,
a uma revista especializada ou a um relato oficial – narrativa ou relato
que traçam diferentes caminhos de peregrinação para o intelectual europeu. Porquê esse público consumidor de relatos de viagem? Porque
ler sobre viagens faz parte da iniciação dos futuros viajantes. Estes, por
sua vez, começarão os seus relatos declarando o seu interesse e a sua
paixão pelas narrativas de viagens. Os géneros literários refletem este
movimento, fazendo do relato de viagens um género polivalente, sempre
e muito diversificado8.
Sabe-se como o movimento romântico esteve ligado às viagens ao
longo do século XIX, pese embora o florescimento do positivismo.
Viagem e Identidade nacional
A relação entre viagens e identidade nacional manifesta-se também
nos países de destino dos viajantes que os governos recebem e acolhem,
na esperança de receber deles o veredictum de uma legitimação externa
e, por vezes, interna.
No caso português, é de sublinhar que, por exemplo, o Brasil, no
período colonial, esteve muito fechado aos viajantes estrangeiros. É
bom lembrar que, nos meados do século XVIII, só timidamente Portugal começou a sua incursão no universo das viagens ilustradas. A
propósito, refira-se a viagem filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira
(1756-1791). Naturalista, originário da Baía, educado em Portugal, este
viajante empreende uma viagem ao centro do Brasil, encomendada pela
Academia das Ciências de Lisboa (1783-1791). Ele descreve uma grande
parte da Baía do Amazonas. A viagem não foi integralmente publicada
7 SAINT HILAIRE, Auguste de – Voyage dans les provinces de Rio de Janeiro et
des Mines Générales. São Paulo: Ed. Nacional, 1938, 2 vol.. p. 14 e p. 229.
8 Leia-se GÓMEZ-GÉRAUD, Marie-Christine et ANTOINE, Philippe – Roman et
récit de voyage. Paris: PUPS, 2001. Veja-se : Wilma Peres – “Voyages et pélérinages:
trajectoires d’intellectuels dans les deux mondes”. In ROLLAND, Dennis, BASTOS,
Elide Rugai, RIDENTI, Marcelo – Intellectuels et politique. Brésil – Europe. Paris:
L’Harmattan, 2003. pp. 27-49.
19
e há documentos nas bibliotecas e arquivos do Brasil, de Portugal e de
outros países europeus9.
Também as expedições fluviais ou as incursões pedestres dos bandeirantes são viagens que não são manifestamente suficientes para
configurar um poder territorial similar ao que o século XIX exige para
constituir uma nação. É preciso um relato escrito, mapas, iconografia.
Em 1808, a presença da corte portuguesa no Brasil é um elemento
essencial a favor da concretização desse imaginário territorial. Com a
formação do Reino Unido de Portugal e do Brasil, em 1816, a estratégia
portuguesa evolui. D. João VI abre o país aos viajantes estrangeiros. Com
que objetivos? Em parte porque eles contribuiriam para fazer reconhecer
o território – o que a Coroa, só por si, dificilmente poderia conseguir.
Tal política atrai a simpatia das nações europeias que ajudam, por
um lado, pelo conhecimento no terreno, a intensificar o suporte territorial continental e, por outro lado, a contrabalançar a influência inglesa.
Deste modo, há permissões que são acordadas na Áustria, a Spix e a
Martius, de 1817 a 1820, através de uma aliança dinástica, e em França
com Saint Hilaire, de 1816 a 1822.
Após a independência do Brasil, em 1822, a estratégia é mantida,
com adaptações políticas. Por exemplo, ela é alargada no seio da Santa
Aliança, à Rússia, e à Expedição Langsdorff, de 1824 a 1829, durante a
fase crítica da consolidação da Independência e da assinatura do Tratado
com a Inglaterra, relativo à extinção do tráfico de escravos. Graças à
Missão Artística Francesa, e na sequência da viagem de Ferdinand Denis,
as relações entre a França e o Reino do Brasil manifestam-se de maneira
intensa e por todo o século XIX10.
9 FERREIRA, Alexandre Rodrigues – Viagem filosófica às Capitanias do GrãoPará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. São Paulo: ed. Edgar de Cerqueira Falcão,
1970, 2 vols. e FERREIRA, Alexandre Rodrigues – “Diário de viagem filosófica pela
Capitania de São José do Rio Negro (1786)”. In Revista do Instituto Geográfico
Brasileiro. Rio de Janeiro. 48 a 51, 1885-1888
10 JANCSÓ, István e PIMENTA, João Pedro Garrido – “Peças de um mosaico:
apontamentos para o estudo da unidade nacional brasileira”. In MOTA, Carlos
Guilherme (org.) – Viagem incompleta. A experiência brasileira (1500-2000),
Formação brasileira. São Paulo: SENAC, 2000.
20
Existe uma política de alianças, que facilita e estimula a circulação
dos viajantes no Brasil. De facto, a interação dos viajantes franceses e
dos residentes cria um instrumento importante de legitimação externa
da Nação brasileira.
O primeiro texto sobre o novo país, descrito e ilustrado é a obra de
Hyppolyte Taunay e de Ferdinand-Jean Denis – Le Brésil, ou Histoire,
moeurs, usages et coutumes des habitants de ce royaume, Paris, Neveu,
1822. De igual modo, as explorações de Auguste Saint Hilaire e as suas
observações sobre a escravatura são de todo o interesse. No entanto,
Ferdinand Denis e os seus textos na Revue des Deux Mondes são uma
fonte privilegiada de conhecimento sobre o Brasil (e dos outros países
da América Latina), útil aos estrangeiros que se interessam por este
país. Não admira, pois, que o Brasil tenha sido destino de numerosas
expedições no decurso do século XIX. Outras viagens, não sendo da
categoria da exploração, nem de aventura, têm a ver com o comércio
negreiro. Estas não são, porém, objeto de relato. Apesar do risco, são
viagens consideradas vitais a uma Nação que se procura impor.
O viajante é considerado uma espécie de auditor pelo país de acolhimento, pelas jovens entidades políticas, que aspiram ao estatuto de
nação que se quer internacionalmente reconhecida.
A monarquia tem, aos olhos das elites políticas brasileiras, uma importância marcante. Se ela funciona como uma espécie de “tampão” protetor
da escravatura, a sua eficácia, estava longe de ser absoluta11. O Estado
monárquico deveria desenvolver uma construção política, incluindo a
formação de intelectuais aptos a conhecer a língua e o universo cultural
das nações europeias. Instituições como a Sociedade Auxiliadora da
Indústria Nacional (1827) ou o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (21.10.1838) funcionam como associações científicas privilegiadas.
Ao traçar novos itinerários de viagem para os seus intelectuais, o
Estado brasileiro do século XIX constrói espaços de troca privilegiados,
11 Luís Felipe de Alencastro utiliza a expressão Estado biombo para designar o
Estado brasileiro na 1.ª metade do século XIX, dada a sua política contra a abolição.
Veja-se, do autor, ALENCASTRO, Luís Felipe de – “La traite négrière a l’unité nationale
brésilienne”. In Revue Française de l’Histoire d’Outre Mer. T. LXVI, n.º 244-245, 1979.
21
sobretudo com a cultura francesa. Na sua formação, o caminho de Paris
substituiria, de certa forma, a via colonial de Lisboa e de Coimbra.
Sublinhe-se que se organizam na 1.ª metade do século XIX, no Brasil,
sociedades científicas segundo o modelo das homólogas europeias. Neste
caso, as viagens dão um contributo essencial e estimulante. De facto, as
permissões e os convites feitos aos viajantes estrangeiros funcionam como
moeda de troca de cariz político não negligenciável. Por outro lado, essas
mesmas permissões ou convites representam um conhecimento científico
estratégico de que o Estado procura apropriar-se e de que se serve com
proveito.
Refira-se que os jovens Estados independentes se fascinavam pela
descoberta das suas raízes latinas de origem europeia, mais do que pelo
panamericanismo do Presidente Monroe (o 5.º Presidente dos EUA,
1817-1825). A latinidade da América suscita paixões, mas também oposições, sobretudo dos que se opunham à política externa francesa, como
portugueses e espanhóis, defensores da hispanidade e do lusitanismo12.
Quanto à escravatura, às rivalidades internas e às disputas, os relatos
de viagem não reproduzem necessariamente a imagem legitimadora
desejada pela Coroa e pelas elites brasileiras.
Neste contexto, em que o viajante é uma espécie de auditor cujo relato, de conteúdo variável, é suscetível de conferir o conceito de “nação”,
o intelectual emergente no seio do Estado brasileiro, tendo sabido e contribuído para estabelecer alguma mudança, vê a sua posição valorizada.
Para as novas nações desejosas de aceitação, que anseiam pelos
mercados e créditos do mundo europeu, o principal caminho passa pela
integração e a capacidade de satisfazer o relato de viagem do explorador estrangeiro. A pouca autonomia do intelectual, que gravita à volta
do poder político, não basta para reduzir a sua importância social. Pelo
contrário. O facto de o intelectual dominar a expressão escrita denota
boa origem social e esta representa um capital inestimável. Ela permite
ao intelectual viajante sair da obscuridade e aceder ao universo das elites,
mesmo para homens sem fortuna pessoal. De igual modo, a formação
12 MINGUET, Charles – “Préface”. In Kirchheiner, Jean-Georges – Voyageurs
francophones en Amérique hispanique au cours du XIX siècle. Répertoire bio-bibliographique. Paris: Bibliothèque Nationale, 1987
22
militar e religiosa, a proteção e o mecenato de talentos por um mecenas
são também caminhos possíveis para a ascensão do viajante.
O talento e a preparação intelectuais são ainda deficitários no Brasil
nos meados do século XIX. Os mecanismos de recompensa imperiais,
sob forma de um reconhecimento público, de uma publicação na imprensa oficial ou de uma oportunidade aberta à carreira política, são
concedidos a todos os que tivessem uma missão civilizadora nos jovens
Estados-Nação da América Latina, como o Brasil. Era necessário cimentar
uma identidade nacional, demonstrá-la aos compatriotas, e projetá-la
na cena das Nações da Europa. Assim, era importante desenvolver um
intercâmbio durável com os viajantes europeus. Tal era notório no Brasil.
Por isso, se inauguram vários caminhos de viagem.
Lembro o papel relevante que o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro exerceu como sociedade científica e se tornou também um espaço
de troca de ideias, de culturas, de experiências entre o saber produzido
pelo viajante e os saberes divulgados para as elites cultas e para a opinião interna letrada. Os chamados “bons” viajantes, os que se revelam
“amigos do Brasil”, veem os seus trabalhos publicados, comentados,
traduzidos, ao passo que os “maus”, detratores do país, que denunciavam a escravidão, os vícios públicos e privados, os que contestavam as
pretensões territoriais da monarquia, eram votados ao silêncio.
Durante e depois do movimento das independências americanas,
o olhar dos viajantes europeus face ao Novo Mundo, além Atlântico,
desloca-se lentamente da esfera biológica para a esfera social e política.
É interessante ver como o reconhecimento da América do Sul no
século XIX se faz perante estes olhares a partir da mediatização das
viagens e como elas tiveram um papel importante no imaginário da
época. Europeus que atravessaram o Atlântico, uns que viajavam para
seu prazer à descoberta de novos horizontes, em busca do pitoresco,
quais turistas “avant la lettre”, outros eram cientistas, homens de cultura,
botânicos, geólogos, engenheiros, médicos, historiadores, missionários,
diplomatas, militares ou mesmo emigrantes (por razões económicas ou
políticas), comerciantes, artistas, proscritos.
As sociedades científicas, verdadeiros microcosmos culturais, tiveram
um papel notável, como a imprensa e as revistas científicas foram gran-
23
des vetores desse reconhecimento numa ação comum – a da ambição
de “cultivar as letras e as ciências”.
Em conclusão, as trajetórias, os discursos, imagens e representações
das viagens e dos viajantes são uma fonte rica de produções que permite apreender a especificidade da atividade intelectual dos países da
América Latina, como é caso, que particularizei, o do Brasil, no século
XIX. Por elas se pode aferir as distâncias e as proximidades entre Dois
Mundos atlânticos, que as viagens e os viajantes põem em contacto.
Mundos intelectuais distintos entre a Europa, “primeiro mundo ocidental”, e o Brasil, “Extremo ocidente”. Viagens, viajantes, trajetórias que
contribuíram para criar e consolidar um saber científico novo alicerçado
em novos instrumentos e em novas noções no processo de legitimação
da Nação e da identidade nacional13.
Bibliografia
ALENCASTRO, Luís Felipe de – “La traite négrière a l’unité nationale
brésilienne”. In Revue Française de l’Histoire d’Outre Mer. T. LXVI, n.º
244-245, 1979.
ALENCASTRO, Luiz Felipe de – O Trato dos Viventes, A Formação do
Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
ANDERSON, Benedict – Imagined Communities, reflections on the origins
and spread of nationalism. Londres: Verso, 1993. p. 15.
BENEZIT, Emmanuel – Dictionnaire des peintres, sculpteurs, dessinateurs
et graveurs. Paris: Grund, 1976.
BERTRAND, Michel et VIDAL, Laurent Vidal (dir.) – À la redécouverte
des Amériques. Les voyageurs européens au siècle des indépendances.
Toulouse: PUM, 2002.
13 COSTA, Wilma Peres – “Voyages et pélérinages: trajectoires d’intellectuels dans
les deux mondes”. In ROLLAND, Dennis, BASTOS, Elide Rugai, RIDENTI, Marcelo –
Intellectuels et politique. Brésil –Europe. Paris: L’Harmattan, 2003. pp. 27-49.
24
CHATEAUBRIAND, F. R. – Atala, René (1801-1802), Itinéraire de Paris
à Jérusalem (1811), Les Natchez (1826), Voyages (1827).
COSTA, Wilma Peres – “Voyages et pélérinages: trajectoires d’intellectuels
dans les deux mondes”. In ROLLAND, Dennis, BASTOS, Elide Rugai,
RIDENTI, Marcelo – Intellectuels et politique. Brésil – Europe. Paris:
L’Harmattan, 2003. pp. 27-49.
FERREIRA, Alexandre Rodrigues – “Diário de viagem filosófica pela
Capitania de São José do Rio Negro (1786)”. In Revista do Instituto
Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro. 48 a 51, 1885-1888.
FERREIRA, Alexandre Rodrigues – Viagem filosófica às Capitanias do
Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. São Paulo: ed. Edgar de
Cerqueira Falcão, 1970, 2 vols.
GELLNER, Ernest – Nações e nacionalismo. Lisboa: Gradiva, 1983.
GÓMEZ-GÉRAUD, Marie-Christine et ANTOINE, Philippe – Roman et
récit de voyage. Paris: PUPS, 2001.
JANCSÓ, István e PIMENTA, João Pedro Garrido – “Peças de um mosaico:
apontamentos para o estudo da unidade nacional brasileira”. In MOTA,
Carlos Guilherme (org.) – Viagem incompleta. A experiência brasileira
(1500-2000), Formação brasileira. São Paulo: SENAC, 2000.
MAGNOLI, Demétrio – O Corpo da Pátria, imaginação geográfica e
política externa no Brasil 1808-1912. São Paulo: Ed. UNESP, 1997.
MINGUET, Charles – “Préface”. In Kirchheiner, Jean-Georges – Voyageurs
francophones en Amérique hispanique au cours du XIX siècle. Répertoire
bio-bibliographique. Paris: Bibliothèque Nationale, 1987. p. 5 e ss.
RECLUS, Elysée – “Du sentiment de la Nature dans les sociétés modernes”.
In Revue de deux mondes: recueil de la politique, de l’administration
et des moeurs. Paris, 1900-1929, 2.º fasc., 1866, 2.ème période. p. 354.
25
RENAN, Ernest – Qu’est-ce qu’une nation?. Paris: Calmann Lévy – Éditeur,
Ancienne Maison Michel Lévy Frères, 1882.
ROLLAND, Dennis (coord.) – Les modèles de l’Europe au Brésil. Paris:
Presses Universitaires de Paris – Sorbonne, 2003.
ROLLAND, Dennis, BASTOS, Elide Rugai, RIDENTI, Marcelo (orgs.) –
Intellectuels et politique Brésil – Europe. Paris: L’Harmattan, 2003.
ROUANET, Maria Helena – Eternamente em berço esplêndido. A fundação
de uma literatura nacional. São Paulo: Siciliano, 1991.
ROUSSEAU, J. J. – Les Confessions. Paris: Hachette, 1997.
SAINT HILAIRE, Auguste de – Voyage dans les provinces de Rio de
Janeiro et des Mines Générales. São Paulo: Ed. Nacional, 1938, 2 vol..
SILVA, Lígia Maria Osório – “Propaganda e Realidade: a imagem do
Império do Brasil nas publicações francesas do século XIX”. In Theomai.
Buenos Aires. N.º 3, 2001. pp. 25-50.
SUSSEKIND, Flora – O Brasil não é longe daqui. São Paulo: Companhia
das Letras, 1990.
TODOROV, Tzvetan Todorov – Nous et les autres. La réfléxion française
sur la diversité humaine. Paris: Seuil, 1989.
26
OCEANOS: QUE FUTURO?
Ana Cordeiro de Azevedo, PhD Candidate
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2832-0666
Resumo
Ao analisar o crescimento e alteração dos perfis populacionais, os
fluxos migratórios e mudanças climáticas, considerando a sua capacidade
para gerar uma pressão acrescida no Planeta, vaticina-se nas próximas
décadas, um novo “Lebensraum” (espaço vital) centrado nos Oceanos.
A concretizarem-se as previsões, muito provavelmente a maior e mais
inexplorada área do Planeta (cerca de 74%), o Oceano, será objeto dum
renovado interesse, na medida em que pode ajudar as suprir muitas
das futuras necessidades de subsistência da população. Nesse caso, os
países com uma forte vertente marítima, como Portugal, irão enfrentar
novas oportunidades e ameaças, que urge antecipar.
Palavras-Chave: Crescimento Populacional; Oceanos; Plataforma
Continental; Portugal.
Abstract
Whilst analysing population growth and its profile changes, migration
flows and climate changes, and considering the pressure they present to
the Planet, we anticipate a new “Lebensraum” (vital space) centred on the
Oceans. If such projections are confirmed, it’s very likely the biggest and
most unexplored part of our Planet (about 74%), the Ocean, will be subject to a renewed interest, once it’s susceptible of providing for a significant part of the future human subsistence requirements. Being the case,
countries with a significant maritime strand, like Portugal, will be placed
before new opportunities and threats that it’s urgent to anticipate.
KeyWords: Population Growth; Oceans; Continental Shelf;
Portugal.
DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2070-1_2
Introdução
Pretende-se com este trabalho justificar uma prospetiva1 sobre a
evolução da Geopolítica nas próximas décadas, onde os Oceanos2 ganham uma relevância até agora inusitada. Este cenário é suportado por
uma análise integrada de estudos em diversas áreas relativas à evolução
da população humana e da sua subsistência na Terra, que nos levam
a pressupor que os paradigmas Geopolíticos atuais tendem a mudar.
Assim, embora o nosso objetivo seja de âmbito Geopolítico, as conclusões são suportadas por dados e projeções no âmbito da Demografia,
Geofísica ou Climatologia, para chegar às conclusões apresentadas no
cenário prospetivo proposto. Há que salientar que, não se tratando de
um trabalho do âmbito destas ciências, a autora não disputa a forma
como foi recolhida e tratada a informação científica citada, partindo do
pressuposto que as fontes são reconhecidas pela sua qualidade técnica e
isenção. Consequentemente, limitar-nos-emos a propor uma interpretação sobre como a informação disponível, analisada de forma conjugada,
é suscetível de influenciar a evolução Geopolítica nas próximas décadas.
Se a Demografia tem sido objeto de muitos estudos, em particular a
partir da segunda metade do século XX, permitindo uma razoável segurança relativamente aos dados recolhidos e às projeções divulgadas, já a
Geofísica e a Climatologia, embora muito estudadas, são ainda campos da
ciência com muito por descobrir. Uma certeza temos, contudo: o nosso
Planeta e o Oceano em particular, ainda escondem muitos segredos que
por enquanto apenas intuímos, mas já conseguimos ter conhecimentos
1 RIBEIRO, S (2001) define o conceito nestes termos: “É, portanto, prospetiva
uma reflexão que analisa o presente numa perspectiva dinâmica do tempo, por
forma a encontrar um panorama mais ou menos alargado de futuros possíveis,…”
2 National Oceanographic and Atmospheric Administration, US (NOAA): “While
there is only one global ocean, the vast body of water that covers 71 percent of the
Earth is geographically divided into distinct named regions. The boundaries between
these regions have evolved over time for a variety of historical, cultural, geographical, and scientific reasons.” https://oceanservice.noaa.gov/facts/howmanyoceans.html
Nesta aceção, por Oceano(s) queremos referir aqui uma massa continua de água
salgada, sem pretender uma caracterização geográfica. Assim, Oceano ou Oceanos,
têm um sentido equivalente neste texto.
28
suficientes para reconhecer o quanto o aprofundamento das ciências é
importante para o futuro da Humanidade.
Falar-se-á ainda brevemente de gestão de recursos e migrações. Aqui,
teremos de estar cientes que estes temas são mais frequentemente abordados de forma política do que científica, pelo que há que evitar cair
na tentação de seguir esse percurso e desviar o discurso dos dados objetivos. Mais uma vez as fontes de informação foram escrutinadas para
assegurar o seu rigor científico e o máximo de isenção.
Falar-se-á ainda da importância da legislação quadro sobre o Direito
do Mar, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar ou UNCLOS3, nomeadamente num dos aspetos com maior relevância para o
futuro e menos considerado pelos Estados, até ao século XXI: a gestão
da Plataforma Continental e a abordagem da zona fora da jurisdição dos
Estados, designada por ‘Área’.
O Nosso Cenário Base
Uma Terra a Transbordar
Os dados das Nações Unidas (UN), Organização Mundial de Saúde
(WHO) ou Banco Mundial (WB), apenas para referir alguns dos organismos de referência com um historial de análise da evolução humana,
confirmam que a Humanidade viveu no último século um período de
crescimento sem precedentes4.
3 UNCLOS, 10 dezembro 1982, http://www.un.org/depts/los/convention_agreements/convention_overview_convention.htm
4 World Population Prospects - The 2018 Revision Key Findings and Advance
Tables, The Department of Economic and Social Affairs of the United Nations
Secretaríat, United Nations, New York, 16 maio 2018. https://www.un.org/development/desa/publications/2018-revision-of-world-urbanization-prospects.html. Para
mais detalhe, podem ainda ser consultados:
United Nations, DESA / Population Division, World Population Prospects 2017,
https://esa.un.org/unpd/wpp/,
World Health Organization, Global Health Observatory data, http://www.who.
int/gho/mortality_burden_disease/life_tables/situation_trends/
World Bank, Indictors, https://data.worldbank.org/indicator/,
Wordometers, http://www.worldometers.info/world-population/.
29
Segundo a informação disponibilizada, em finais de 20175 a população mundial tinha atingido cerca de 7,6 biliões e a expetativa média
de vida à nascença de 72 anos, contrastando, respetivamente, com um
número estimado de 3,03 biliões e uma expetativa de vida à nascença
de não mais de 52,5 anos, apenas em 1960!
Não obstante o crescimento populacional já verificar um abrandamento6, a marca dos 10 biliões de pessoas será provavelmente atingida por
volta do ano de 2055. Este crescimento populacional sem precedentes,
é resultado direto dos avanços registados na ciência e tecnologia, a começar na primeira revolução industrial, mas de forma expressiva, após
a 2ª Guerra Mundial i.e., sensivelmente a partir de meados do século
XX. Uma simples revisão histórica permite-nos concluir que a alimentação nunca foi tão abundante e acessível, a medicina tão evoluída e os
transportes e comunicações tão facilitados, sem o que a população não
poderia ter crescido a um ritmo tão acelerado.
Mas o crescimento populacional também implica um fardo adicional
para o Planeta. Mais pessoas implicam necessariamente mais alimentos,
água, energia, transportes, etc… Mais relevante, esta procura acrescida
não é linear, uma vez que a população mais urbanizada e ‘evoluída’
(numa interpretação ocidental), aumenta os respetivos parâmetros de
consumo, quer em termos quantitativos, quer qualitativos i.e., a diversidade de produtos e serviços procurados é superior ao crescimento
populacional.
Partindo destes considerandos gerais, verificamos em mais detalhe,
que:
• O crescimento populacional concentra-se essencialmente nos ditos
‘países em desenvolvimento’ e, entre estes, nos mais pobres no continente Africano7. Ainda, e em relação direta, as taxas de fertilidade não
só decrescem nos países mais desenvolvidos/ricos, como a população
5 Dados mais atualizados serão divulgados em meados de junho 2019 pelas
Nações Unidas, não se encontrando disponíveis nesta data.
6 World Population Prospects The 2017 Revision, Key Findings and Advance
Tables ESA/P/WP/248, 2017. A UN estima um crescimento em torno de 1,09% no
período 2015-2020, decrescendo a partir daí para níveis inferiores a 1%
7 World Population Prospects The 2017 Revision
30
tem uma vida mais longa e, consequentemente, depende da mão de
obra de outros por mais anos, enquanto crescem as necessidades de
cuidados de saúde e geriátricos.
• Mais de metade da população mundial já reside nas concentrações
urbanas e aparentemente esta tendência continua em crescimento:
“Presentemente, 55% da população mundial reside em áreas urbanas, uma percentagem que se espera aumentar para 68% em 2050.
As projeções indicam que a urbanização, uma mudança gradual de
residência da população humano de zonas rurais para as urbanas,
combinado com o crescimento geral da população, pode adicionar
2,5 biliões de pessoas às áreas urbanas em 2050, com cerca de 90%
deste crescimento a verificar-se na Ásia e África… Algumas cidades
registaram um declínio da população nos últimos anos. A maioria
localiza-se em países com baixos índices de fertilidade na Ásia e
Europa, onde a população em geral estagnou ou reduziu. A contração económica e os desastres naturais também contribuíram para a
redução da população em algumas cidades.”8.
• As migrações intercontinentais são claramente expressas no quadro a
seguir: para além das migrações com destino urbano, regista-se uma
tendência migratória dos continentes mais pobres e politicamente
mais instáveis (América Latina e Caraíbas, Ásia e África), para os
mais ricos (América do Norte, Europa e Oceânia). Cabe referir que
este fenómeno não pode ser dissociado do facto de o maior crescimento populacional se verificar no primeiro grupo, enquanto que
no segundo, com taxas de fertilidade muito baixas, se verifica um
decréscimo populacional que só é colmatado de alguma forma por
estes migrantes (recorde-se a referência anterior, sobre uma população mais idosa necessitar da força de trabalho de terceiros por mais
anos, para assegurar as suas necessidades).
8 Vide World Population Prospects – 2018 Revision, em comentários introdutórios.
31
• Estas migrações apontam para o desaparecimento das economias de
subsistência tradicionais, uma vez que a maioria das pessoas deixa
de poder prover diretamente às suas necessidades alimentares essenciais. Ainda, quanto mais longe a população habita relativamente à
proveniência dos recursos básicos, de mais longe estes têm que ser
transportados até aos consumidores. Isto implica a necessidade de
mais transportes e infraestruturas, mas também de um maior processamento dos produtos para assegurar a sua preservação, o que se
traduz em mais consumo energético e mais poluição e, infelizmente,
num maior impacto climático.
• Campos abandonados e uma urbanização de fraca qualidade nas
zonas onde se concentram as populações mais pobres, aumentam a
dimensão e consequências das inundações, deslizamentos de terras e
incêndios florestais. O ciclo tende a perpetuar-se com mais pessoas a
necessitar de assistência, mais migrantes e mais campos abandonados.
32
• Outro dos efeitos relevantes da tendência de migração urbana referida: esta população vai procurar bens e serviços anteriormente inacessíveis ou simplesmente, não considerados relevantes. Para além da
óbvia necessidade de transportes associados às deslocações diárias,
uma população com acesso a eletricidade vai ambicionar a TV, o
frigorífico e a comida processada (já não produz os seus alimentos e
provavelmente as deslocações para o trabalho não permitem a compra
diária de víveres). Estas novas necessidades vão acrescentar mais uma
camada à programação não linear entre o crescimento populacional
e o aumento da procura de bens e serviços.
• A terra só pode ser explorada dentro de certos limites. Mesmo com
recurso às tecnologias mais sofisticadas (e a sua evolução tem sido
espantosa, aumentando a produção e produtividade para limites inimagináveis apenas há algumas décadas), os terrenos acabam por ficar
exaustos ou os custos de exploração são desencorajadores. Ainda,
quando o aumento da densidade populacional é analisado, especialmente em África na Ásia ou América Latina, é cada vez mais evidente
que os recursos precisam de viajar de distâncias cada vez maiores,
para satisfazer as necessidades dos enormes aglomerados urbanos9.
Em suma, a observação e os dados científicos, levam-nos a concluir
que a população ainda continua em crescimento (embora cada vez mais
devido ao efeito conjugado duma maior expetativa de vida à nascença
e maior longevidade, em detrimento das taxas de fertilidade) e mais de
metade da população já reside em aglomerados urbanos.
O crescimento populacional continua a pressionar os níveis de consumo o que, por sua vez, acarreta mais poluição, mais restrição nos
terrenos agrícolas devido à construção (frequentemente) desordenada
e/ou alterações climáticas.
9 Vide, UN data em File POP/6: Population density by region, sub-region and
country, 1950-2100 (persons per square km), https://esa.un.org/unpd/wpp/Download/
Standard/Population/
33
As observações ainda nos permitem concluir que as grandes concentrações urbanas, frequentemente em terrenos inadequados para construção, e menos campos tratados, conduzem à redução das economias
de subsistência, mas provavelmente mais grave, potenciam o efeito dos
desastres naturais como inundações e fogos florestais.
O Potencial do Oceano
A vida começou no Oceano há muitos milhões de anos e estes continuam a controlar a existência de todos os seres vivos do nosso Planeta10
11. Não obstante, o Oceano é em muitos aspetos menos explorado que o
espaço, mas tudo indica que esta situação terá que ser alterada em breve.
Com uma Terra a transbordar e recursos a escassear, procurar soluções no Oceano é uma sequência natural12. Basta considerar que
o Oceano cobre quase três quartos da superfície da Terra (National
Oceanographic and Atmospheric Administration, NOAA) e contém aproximadamente 1,338 biliões de quilómetros quadrados de água salina
ou seja, em torno de 96,54% dos recursos aquáticos do planeta13. Não
surpreende, portanto, que os Oceanógrafos estimem que não mais do
que 20% do Oceano tenha sido mapeado e 5% objeto de estudos mais
profundos, calculando-se que as 230 mil espécies classificadas, estejam
longe dos milhões existentes. Em paralelo com o potencial biológico,
existe ainda a perspetiva de enormes reservas inexploradas de minérios, e de energias renováveis e não renováveis, ainda por avaliar. Para
exemplificar:
10 NOAA: Fitoplâncton, além de estar na base da cadeia alimentar, é responsável
pela produção de cerca de 80% do oxigénio do nosso planeta e pela limpeza de
mais de 30% do seu dióxido de carbono. Ou https://www.nationalgeographic.com/
environment/habitats/ocean/
11 As correntes Oceânicas são o principal factor de regulação do clima terrestre
https://www.mpimet.mpg.de/en/science/the-ocean-in-the-earth-system/
12 Lloyd’s Register (2013),
ne-trends-2030/
https://www.lr.org/en/insights/global-mari-
13 USGS, “How much water is there on, in, and above the Earth?” https://www.
usgs.gov/special-topic/water-science-school/science/how-much-water-there-earth?qtscience_center_objects=0#qt-science_center_objects
34
•
•
•
•
Segundo a estrutura de missão portuguesa para o estudo da
Extensão da Plataforma Continental (EMPEC)14: a análise primária de algumas chaminés hidrotermais descobertas, designadas
como ‘black smokers’ permitiram identificar uma acumulação de
sulfuretos ricos em cobre, zinco, chumbo, ouro e prata, frequentemente com concentrações superiores aos depósitos terrestres.
Foram ainda encontrados nódulos polimetálicos Fe-Mg (ferro e
manganês), com elevadas concentrações de cobalto, cobre, níquel, zinco, platina, estrôncio, titânio, tálio, bismuto e molibdénio,
entre outros – para ter uma ideia da relevância destas descobertas,
basta recordar que o cobalto é extremamente limitado em terra e
quase que exclusivamente concentrado na República Democrática
do Congo e na Zâmbia.
Não podemos ainda esquecer que a influência dos Oceanos no
clima global é um facto estabelecido, muito embora ainda sejam
necessárias décadas de estudo para entender plenamente esta
influência15.
Contra as expetativas quando se fala da sobre-exploração de
muitas espécies marinhas, a captura de pescado tem-se mantido
razoavelmente estável desde meados dos anos 1990 (cerca de 80
milhões de toneladas de pescado) e espera-se que assim se mantenha, pelo menos até os anos 2030, em parte devido ao aumento
da aquacultura. Não obstante, certas espécies encontrem-se sob
forte pressão devido à sobre-exploração! Contudo, para a OCDE
(The Organisation for Economic Co-operation and Development),
‘talvez a maior ameaça a longo prazo para a captura global de
pescado, seja a mudança climática’16.
A energia representa um desafio com características muito próprias. As reservas de energia fóssil, tanto em terra como off-shore,
14 Dados gentilmente disponibilizados a pedido pela ‘Estrutura de Missão para
a Extensão da Plataforma Continental’ (EMEPC), Portugal
15 https://www.noaa.gov/education/resource-collections/climate-education-resources/climate-change-impacts
16 The Ocean Economy in 2030 (2016)
35
não são, obviamente, distribuídas de forma equitativa, além de
serem limitadas. Um uso racional e a tecnologia já existente
podem permitir uma maior duração dos recursos conhecidos,
melhorando os efeitos poluentes. Mas o pleno aproveitamento
dessas possibilidades iria requerer a boa vontade dos indivíduos
e Países, recorrendo à disponibilidade para racionar o consumo e
pagar mais pela eficiência energética, o que não se afigura uma
perspetiva realista num futuro próximo.
A energia nuclear como alternativa generalizada, para além dos riscos
de contaminação que ainda não conseguiram ser debelados, implica o
risco da alternativa nuclear com fins militares passar a estar disponível
em zonas geopoliticamente sensíveis, o que torna difícil vir a ser considerada aceitável pela comunidade internacional, relativamente a muitas
Regiões / Países.
Assim, a menos que se registe um significativo salto científico, o nosso
futuro inclina-se cada vez mais para as energias renováveis (apesar de
esta alternativa também acarretarem muita controvérsia, pelos potenciais
riscos para o equilíbrio dos ecossistemas e os efeitos na paisagem) e
entre estas, surge o Oceano como um dos grandes recursos.
Atualmente, a capacidade instalada ao nível da energia renovável dos
Oceanos ainda é limitada, mas em meados deste século (sem grandes
avanços tecnológicos), estima-se que a energia das marés e das ondas
possa atingir 337 GW17, com um nível semelhante a ser atingido pela
Conversão Termal de Energia Oceânica (OTEC), ambas suscetíveis de gerar cerca de 1,2 milhões de empregos diretos [16]. Não parece ainda uma
mudança dramática, mas é um sinal do potencial, caso a tecnologia evolua.
•
Sendo atividades longamente estabelecidas, não iremos debater
a relevância do transporte marítimo de mercadorias (o qual representou cerca de 89,6% do volume e 70,1% do valor da carga
mundial em 2008), ou a importância das comunicações interna-
17 Gigawatt ou 1 bilião watts: unidade de potência destinada a quantificar a
transferência de energia
36
cionais através dos Cabos Submarinos18 (estes suportam 99% das
telecomunicações intercontinentais, sendo mais rápidos, económicos e fáceis de operar do que a alternativa por via satélite).
Apesar do já razoável conhecimento do potencial dos recursos Oceânicos, ter condições para os explorar plenamente ainda se depara com
limitações técnicas / de viabilidade económica, frequentemente desencorajadoras. Devemos considerar que a maioria do leito marítimo se
encontra a profundidades de cerca de 3000 metros, com uma pressão
equivalente a 297,4 atmosferas, o que torna a exploração extremamente
dispendiosa. Assim, antes de haver condições para uma exploração em
larga escala e economicamente viável, tornam-se necessários enormes
investimentos em ciência e tecnologia.
A visão da OCDE sobre o futuro da economia dos Oceanos, é contudo
clara [16, p.3 ]: ‘O oceano é essencial para o bem-estar futuro e prosperidade da humanidade. É uma fonte fundamental de alimentos, energia
mineral, lazer e transporte, do qual centenas de milhões de pessoas
dependem… A nova ‘economia do oceano’ é impulsionada por uma
combinação de crescimento populacional, aumento dos rendimentos,
diminuição dos recursos naturais, resposta às mudanças climáticas e
tecnologia pioneira… Mas a atividade económica no oceano é também
caracterizada por uma complexa variedade de riscos que devem ser endereçados. Entre estes salienta-se a preservação da saúde do oceano contra
a sobre-exploração dos recursos, poluição, aumento das temperaturas e
nível do mar, acidificação e perca de biodiversidade…’.
As reflexões da OCDE sobre a economia do Oceano e os riscos a
enfrentar, citadas supra, refletem muitas das preocupações da autora e
motivam a investigação que está na base deste documento!
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar
Não poderíamos discutir o Oceano sem mencionar a peça de legislação internacional mais relevante, o Convenção das Nações Unidas sobre
o Direito do Mar ou UNCLOS[3].
18 Vide detalhes em RODRIGUE, Jean-Paul (2017), e BROWN, David, (2015)
37
Tendo em consideração que falamos de cenários prospetivos, é relevante mencionar as duas vertentes que se afiguram mais relevantes para
a futura exploração do Oceano e se encontram no centro da Geopolítica
dos Oceanos, sendo chave para um novo ‘Eldorado’19: PARTE VI, relativa
à Plataforma Continental (artigos 76-85), onde se aborda a soberania e
exploração dos recursos minerais no solo e subsolo do Oceano, assim
como os organismos vivos sedentários e ainda as previsões relativas à
prospeção e exploração mineral, no que designa por ‘Área’ [Parte XI e
Anexo III, referente ao solo e subsolo fora da jurisdição nacional].
•
•
•
Em traços gerais, a reivindicação da Plataforma Continental por
parte dum Estado, requer uma exaustiva e, consequentemente,
dispendiosa investigação científica, para determinar os respetivos
limites e suportar o ‘dossier’ a ser submetido às Nações Unidas.
Muitos dos países marítimos, particularmente no hemisfério sul,
não dispõem de recursos humanos, técnicos e/ou financeiros
para suportar a submissão da proposta às Nações Unidas, estando
assim limitados na exploração dos seus recursos naturais.
Cabe salientar que esses direitos Soberanos subsistem independentemente de terem sido reclamados ou se registar uma ocupação efetiva (artigo 77 §3.) e não podem, consequentemente,
ser usurpados. Uma eventual dependência de terceiros para as
campanhas exploratórias com vista à reivindicação do direito
Soberano, é algo que não se encontra previsto pela UNCLOS.
Mas a dependência de terceiros para obter receitas dos respetivos recursos, torna os países mais pobres suscetíveis de aceitar
condições que não salvaguardam necessariamente os seus interesses, o que aconselharia a algum tipo de intervenção arbitral
por parte das Nações Unidas.
A Convenção inclui ainda previsões relativas à prospeção e exploração mineral no que designa por ‘Área’. Apesar da já existente
viabilidade tecnológica para a exploração, pode assumir-se que
19 COUTANSAIS, Cyrille (2012)
38
as profundidades acrescidas e distância costeira implicassem, ao
tempo da redação da Convenção, custos de exploração muito elevados que eventualmente tenham sido considerados como travão
para a exploração desta alternativa, justificando eventualmente
o caráter vago das provisões (por exemplo, a ‘salvaguarda dos
interesses da humanidade’ ou o conceito de ‘País menos desenvolvido’, são suscetíveis de ser interpretados de formas diversas).
A precisão do normativo relativo à ‘Área’ é tanto mais relevante,
quanto as barreiras tecnológicas se vão esbatendo rapidamente,
deixando de ser relevantes num futuro próximo.
A proteção dos Estados mais débeis torna-se assim essencial, ao considerarmos a exploração das Plataformas Continentais ou a exploração de
minerais nas zonas não Soberanas da ‘Área’, sob pena de se verificarem
novos conflitos antes do final deste século.
Cabe aqui uma breve referência a Portugal, pela sua situação paradigmática. Admitindo que a proposta para a Extensão da Plataforma
Continental (revista em 2017) é aceite pela Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas, Portugal terá apenas 3% do seu
espaço soberano emerso (92 mil Km2 do Continente e Ilhas), sendo os
restantes 97% espaço oceânico, incluindo 1,6 milhões de Km2 da Zona
Económica Exclusiva (ZEE), a que acrescerão 3,877 milhões Km2 de solo/
subsolo correspondente à Plataforma Continental (valor estimado, já que
os dados desta última proposta permanecem confidenciais; na proposta
original, de 2009, tinham sido reivindicados 2,15 milhões de Km2).
Portugal terá assim que enfrentar desafios muito específicos: se por
um lado tem um enorme potencial de riqueza, tanto mais relevante
quanto a tendência para uma maior dependência dos recursos Oceânicos,
tem por outro lado um escasso território, uma população de menos de
10 milhões de habitantes e um orçamento e recursos económicos dentro
da mesma pequena escala, sendo pois necessário encontrar alternativas
para proteger e explorar os seus recursos.
39
Considerações Prospetivas
Com a eventual exceção do esforço mundial para erradicar a varíola,
os cenários de cooperação global são traços raros da história. Assim, não
temos razões para pensar que esta realidade se irá alterar para preservar
o bem-estar da Humanidade, quando um grande número de indivíduos
e Estados tendem a considerar que ou o problema é dos outros, ou se
os outros não se sacrificam, porque o faremos nós?
Por outro lado e apesar das honrosas exceções (que nos permitimos
exemplificar através das posições do Papa Francisco e do Secretário
Geral das Nações Unidas, Engº António Guterres), a maioria dos líderes políticos tentam não enfrentar as forças que geram empregos e
consequentemente votos, sendo que grande parte da opinião pública
ainda é indiferente ou cética, relativamente à existência e/ou efeitos da
deterioração ambiental.
Nestas condições, a História diz-nos que o mais provável é verificar-se
uma abordagem pragmática. Muito provavelmente os Estados continuarão a ser pressionados para implementar medidas de proteção ambiental,
e adotarão as medidas necessárias para, aqui e ali, resolver os problemas
de poluição mais graves, eventualmente conseguindo mesmo debelar
alguns aspetos. Mas é muito provável que os problemas de fundo gerados
pelo crescimento populacional, migrações, poluição e alteração climática
continuem a crescer nas próximas décadas, acelerando a delapidação
dos recursos.
E Agora?
Se o status quo se mantiver sensivelmente sem alteração até ao final
deste século, devemos começar a enfrentar algumas perguntas pertinentes:
1. As mudanças em curso, nomeadamente ao nível demográfico e climático, são suscetíveis de mudar o eixo Geopolítico de Terra para o
Oceano?
40
Embora as opiniões sejam divergentes relativamente ao facto do
Oceano estar destinado a ser a principal fonte de recursos naturais do
futuro20, é já considerado muito provável converter-se no foco Geopolítico mais relevante das próximas décadas [19]. Sem deixar de ter
em conta que a população mundial tende para um equilíbrio em torno
dos 10 biliões no final do século, este número representa uma grande
pressão para os recursos.
É um facto que a Humanidade não tem precedentes para avaliar
o verdadeiro impacto duma população com estas dimensões e esta
realidade não é suficientemente duradoura para poder prever com rigor
as consequências, mas é pouco provável que a situação deixe de se
deteriorar no nosso tempo de vida.
É lógico presumir a necessidade de obter os recursos mais longe e,
eventualmente, com um maior custo, o que por sua vez pode tornar o
Oceano num novo ‘Eldorado’, como refere Coutansais [19].
Se este interesse acrescido no Oceano é suscetível de o colocar na
primeira linha da Geopolítica, deve ser ponderado como uma hipótese
bastante razoável, face às circunstâncias.
2. Se o Oceano se tornar a mais importante fonte de recursos, como poderá influenciar o contexto Geopolítico, nomeadamente as relações
entre os Estados mais ricos relativamente aos mais pobres?
Pode dizer-se que esta é ‘a questão’ do futuro equilíbrio Mundial.
Como referido, a exploração dos recursos marinhos é uma atividade
dispendiosa, pelo que um número significativo de Estados com elevado potencial, não terão recursos para identificar e/ou explorar as suas
riquezas. Como em qualquer atividade económica, quanto maior for o
investimento, maior tenderá a ser o período contratual necessário para
cobrir o investimento o que, por sua vez, implica um maior risco de
dependência desses Estados relativamente a terceiros.
Os parceiros poderão ser Entidades Públicas ou Privadas, mas nas
negociações com Estados os riscos são sempre elevados para ambos os
20 FRIEDMAN, G (2009), KISSINGER, H (2015), ZEIHAN, P. (2016)
41
parceiros (vide as nacionalizações na Venezuela e em sentido inverso, a
situação da América Central e em especial das Honduras, cuja economia
dependia quase exclusivamente de empresas Americanas, dando origem
ao termo ‘República das Bananas’21, ainda hoje usado). Estes riscos
não são obviamente novos, mas o espectro de países suscetíveis de ser
influenciados por um fenómeno ou outro, será bem mais abrangente.
Provavelmente com exceção dos Impérios Coloniais (séculos XVI e
inícios XX) ou a bipolaridade no período da Guerra Fria e as suas consequências (que ainda vivemos), os interesses de controlo Geopolítico
tendem a focar-se nos espaços circundantes ao Estado que exerce o
controlo, ou num ponto estrategicamente relevante (como os Canais do
Suez ou do Panamá, ou nas regiões com maiores reservas de crude).
Contudo, com a exploração da Plataforma Continental dum outro Estado, ou duma região da ‘Área’, este espaço vital fica virtualmente sem
limites. Assim, a globalização dos espaços suscetíveis de gerar interesse
geopolítico é uma realidade relativamente nova.
Imaginemos um cenário não muito longe da realidade: Portugal orbita
na esfera de influência e é aliado dos EUA. Tem uma vasta e potencialmente muito rica Plataforma Continental. Contudo, os EUA não demonstram muito interesse pelas questões de Segurança e Defesa de Portugal
que, para além de aliado, tem um sistema político democrático e estável.
Mas se Portugal decidisse contratar com a RP da China a exploração
dos recursos na Plataforma Continental, iriam os EUA aceitar tal decisão
sem tentar intervir? E não iria a RP da China tentar tirar partido da presença em grande escala, às portas da costa Atlântica dos EUA? Assim,
o que parece uma mera decisão económica e científica, é suscetível de
causar um desequilíbrio Geopolítico.
Este exemplo simples é uma forte possibilidade para vários outros
países que necessitem de alargar a sua esfera de influência para satisfazer as necessidades fundamentais para a subsistência da população.
Vazios legislativos e conflitos, podem tornar decisões económicas em
21 O termo foi criado por O. Henry, um humorista e cronista dos Estados Unidos,
no livro de contos Cabbages and Kings, de 1904. A história fictícia na América
Central, reportava-se na realidade às Honduras, cuja economia era controladas pelas
empresas United Fruit Company e Standard Company.
42
verdadeiros focos de conflito internacional. Nestes termos e porque
a problemática se intensifica com o escassear de recursos e evolução
tecnológica e científica que viabiliza economicamente explorações que
antes não se consideravam, a probabilidade de conflitos internacionais
tende a alargar-se, tornando mais prioritário a UNCLOS endereçar estas
realidades, tendo em consideração o contexto do século XXI e não o
do século XX.
3. Como equilibrar interesses Económicos, Segurança e Defesa e Desenvolvimento Sustentado, na exploração do Oceano?
O balanço entre interesses Económicos, Segurança e Defesa e Desenvolvimento Sustentado, é necessariamente o corolário das duas questões
anteriores.
Para a autora é inevitável que estes eixos venham a chocar, podendo colocar o Parceiro mais débil perante o dilema de ter de escolher
entre os interesses económicos e de sustentabilidade, ou a Segurança,
(em última análise, afrontar aliados tradicionais, ou converter-se numa
‘República das Bananas’).
Eventualmente, a consciencialização destas questões e a sua abordagem com reforço das garantias internacionais, pode minimizar futuras
problemáticas.
Em qualquer caso, é nossa convicção que o eixo central da Geopolítica mudará para a órbita do controlo do Oceano.
Conclusão
Antes de mais cabe referir que as considerações anteriores não têm
subjacente qualquer intento catastrofista. O seu objetivo é apenas apresentar alguns dos riscos que se antecipam para a Humanidade num
futuro próximo e estimular a reflexão com vista a uma atitude proativa
suscetível de minimizar os efeitos negativos.
Esta postura proativa é especialmente exigida de Portugal: o país
reclamou uma Extensão da Plataforma Continental, que implica que
43
97% do seu espaço Soberano passe a ser no Oceano; devemos ainda
ter presente que se trata de um pequeno país, com recursos limitados e
numa zona estratégica entre continentes, o que torna mais premente que,
desde já, o Estado e os ‘stakeholders’, incluindo empresas, investidores
e academia, pensem estrategicamente e de forma concertada, sobre as
medidas a ser adotadas, respetivas prioridades, recursos necessários e
estratégicas de parceria.
Esperamos com este texto ter estimulado uma reflexão comum sobre
o impacto duma previsível reconfiguração nos paradigmas Geopolíticos,
nomeadamente no que concerne à mudança dos seus eixos de referência
mais importantes e as consequências daí decorrentes para o mundo em
geral, e para Portugal em particular.
Bibliografia
La BLANCHE, Vidal (1908), Tableau de la geographie de la France, Librairie Hachette, Paris – 1st of 28 Volumes collection, edited by Ernest
Lavisse
COUTANSAIS, C (2017) La mer, nouvel eldorado? La Documentation
Française, Paris (2012) Géopolitique des océans, L’Eldorado maritime,
Ellipses, Paris (quotation p. 8)
DIJKINK, G (2015), “Gertjan Dijkink: Geopolitical Visions, National Identity, Balkans, Ethnic Cleansing,” Exploring Geopolitics, Interview by:
Leonhardt van Efferink (Jan 2015),
http://www.exploringgeopolitics.org/interview_dijkink_gertjan_geopolitical_visions_national_identity_balkans_ethnic_cleansing_somalia_piracy/.
FRIEDMAN, G (2009), The Next 100 Years, A Forecast for the 21th Century, Allison & Brusby Ltd, London
MAHAN, T.A., (1890) The Influence of Sea Power upon History, 1660–
1783 (1905, 2 vols.), Sea Power in Relation to the War of 1812
44
RIBEIRO, S, (2001), “Fundamentos Teóricos Da Estratégia,” Geopolítica &
Prospectiva - Relatório SaeR, p.12, Lisboa, quoting JOUVENEL, H. (1999),
“La Démarche Prospective. Un bref guide méthodologique”, Futuribles,
nº 247 November 1999, p. 48
ROYER, P (2012), Géopolitique des mers et des océans – Qui tient la
mer tient le monde, Presse Universitaire de France, Paris, p. 83
RODRIGUE, Jean-Paul (2017), The Geography of Transport Systems,
4th Ed., Routledge, New York; BROWN, David, “10 Facts about the Internet’s Undersea Cables”, November 12, 2015, http://mentalfloss.com/
article/60150/10-facts-about-internets-undersea-cables
VENIER, P (2010), “Les Principaux Courants Théoriques de La Pensée
Géopolitique Au XXe Siècle,” L’espace Politique (Online), 2010, ttps://
doi.org/http://journals.openedition.org/espacepolitique/1714
Les ARÈNE Ed. (2015) La Terre est bleue, atlas de la mer au XXIe siècle,
Paris
KISSINGER, H (2015), World Order, Penguin Books UK, London
ZEIHAN, P. (2016), The Absent Super Power, The Shale Revolution and
a World Without America, Peter Zeihan on Geopolitics, Austin Tx
OECD (2016), The Ocean Economy in 2030, OECD Publishing, Paris,
http://dx.doi.org/10.1787/9789264251724-en.
Lloyd’s Register (2013), Global Maritime Trends 2030, London https://
www.lr.org/en/insights/global-marine-trends-2030/
45
OS AÇORES, A POLÍTICA EXTERNA
P O R T U G U E S A E O S E UA
Luís Andrade, PhD
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4250-6184
Resumo
Este artigo tem como objetivo analisar a problemática relacionada
com os Açores, especificamente da base das Lajes, e a Política Externa
Portuguesa, concedendo especial realce às relações com os Estados
Unidos da América. Neste contexto, dá-se particular atenção à importância geoestratégica do arquipélago desde a Segunda Guerra Mundial
até à atualidade, assim como à necessidade de se proceder à revisão,
senão mesmo, à renegociação, do Acordo de Cooperação e Defesa entre
Portugal e os EUA.
Palavras-chave: Açores; Política Externa Portuguesa; EUA; Acordo
de Cooperação e Defesa.
Abstract
This article has as its main goal, to analyze the problematic concerning the Azores, specifically Lajes air base, and Portuguese Foreign Policy, focusing mainly on the bilateral relationship between Portugal and
the United States of America. Within this context, it is taken into consideration the geostrategic importance of the archipelago of the Azores
since the Second World War until now and the necessity to renegotiate
the bilateral Defense Agreement between the two countries.
Keywords: Azores; Portuguese Foreign Policy; USA; Cooperation
and Defense Agreement.
Introdução
No âmbito das Relações Internacionais, há, em nosso entender, um
pressuposto fundamental a ter em consideração e que tem a ver com o
facto de o poder ser um elemento decisivo no seu seio.
Muito embora entendamos que a ética e a moral são, de facto, essenciais à vida interna e externa dos Estados, na prática, infelizmente, muito
poucas vezes se concretizam ou têm aplicabilidade prática1.
Por outro lado, como escreveu, por exemplo, Pascal Boniface, não há
muito tempo num dos seus livros, o estudo das Relações Internacionais
poderá parecer a muita gente difícil e complexo, estando reservado,
nas palavras dele, apenas a alguns “happy few”2 . Nada mais errado. A
análise das Relações Internacionais em geral e, da Política Internacional,
em particular, muito embora necessite de muito estudo, não tem nada
de verdadeiramente complexo. A própria teorização que é desenvolvida
relativamente às Relações Internacionais parece ser, por vezes, demasiado complicada, afirmam os meus alunos. Em traços muito gerais, ela
assenta, em larga medida, em várias teorias, destacando-se, sobretudo,
a realista e a liberal, muito embora, com o decorrer do tempo, tenham
surgido várias outras, como a neo-realista, a neo-liberal, o cientifismo,
o neo-marxismo, a teoria crítica, o behaviorismo, etc.3.
Este meu contributo surge na sequência de anteriores publicações que
incidiram sobre os Açores, a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria e o
pós-Guerra Fria, na medida em que ainda não existe muita bibliografia
sobre as temáticas que envolvem os Açores nos meandros das Relações
Internacionais.
1 Veja-se o artigo de Nuno Severiano Teixeira intitulado “Ética e Relações
Internacionais” in Maria do Céu Patrão Neves e Nuno Severiano Teixeira (Coord.),
Ética Aplicada – Relações Internacionais, Edições 70, Lisboa, 2018, pp. 34-54.
2 Pascal Boniface, Compreender o Mundo – As Relações Internacionais para
todos, (Trad.), Edições Texto&Grafia, Lda, Lisboa, 2016, p. 11.
3 Veja-se o livro de Victor Marques dos Santos e Maria João Militão Ferreira
intitulado Teorias das Relações Internacionais, Instituto Superior de Ciências Sociais
e Políticas, Universidade Técnica de Lisboa, 2012.
DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2070-1_3
Neste contexto, não posso deixar, todavia, de fazer referência ao
Professor Adriano Moreira, com quem, durante mais de três décadas, tive
o privilégio de trabalhar no âmbito da Ciência Política e das Relações
Internacionais, tendo beneficiado muito da sua sabedoria, bom senso,
inteligência e humanismo.
A Segunda Guerra Mundial e o período do pós-guerra.
A adesão do nosso país à Organização do Tratado do Atlântico Norte, a 4 de abril de 1949, prendeu-se essencialmente com a importância
geoestratégica dos Açores, como se poderá constatar através da análise
da documentação diplomática norte-americana desse período4. Apesar
de o nosso país não ser uma democracia nessa altura, isto não constituiu
impedimento para ser um dos membros fundadores da Aliança Atlântica.
Como é evidente, o que esteve na base desse facto foi, sem dúvida, a
importância geoestratégica dos Açores que constituía uma plataforma
fundamental no que dizia respeito à projecção de forças norte-americanas
para a Europa, para o Médio Oriente assim como para o norte de África.
Em todo este contexto, mais uma vez, o realismo político prevaleceu
relativamente à ética e à moral. Os interesses é que comandam as relações internacionais. Neste contexto, tal como escreveu Lord Palmerston
no século XIX, não há amigos permanentes nem inimigos permanentes,
o que há, de facto, são interesses permanentes. Independentemente da
realpolitik não ser muitas vezes aceite, ou pelo menos bem vista, no que
diz respeito ao estudo das Relações Internacionais, não deixa de ser,
todavia, uma realidade com a qual temos de viver e que a História das
Relações Internacionais tem vindo, sistematicamente, a demonstrar de
forma inequívoca. Um dos muitos exemplos que podem consubstanciar
esta tese tem a ver, como foi escrito anteriormente, com a adesão de
Portugal à NATO em Abril de 1949, como um dos países fundadores,
muito embora não fosse, nessa altura, um país democrático, condição
sine qua non para se pertencer àquela organização internacional.
4 Luís M. Vieira de Andrade, Os Açores, a Segunda Guerra Mundial e a NATO,
Impraçor, S.A., Ponta Delgada, 1992, pp. 219-225.
48
Muito embora já haja uma bibliografia considerável relativamente
à política externa do Estado Português, não existe muita no que diz
respeito concretamente aos Açores e à sua participação nas Relações
Internacionais de Portugal.
Um dos principais objectivos, senão mesmo o mais relevante, da
política externa portuguesa ao longo do século XX e até ao 25 de Abril
de 1974, foi a manutenção do seu império colonial. Neste contexto, quer
ao longo da Segunda Guerra Mundial, quer durante a Guerra Fria, esse
desiderato foi, de facto, evidente por parte de Oliveira Salazar. Pode-se,
inclusivamente, afirmar que o seu maior receio foi a ameaça comunista
e o seu expansionismo. Ele temia, sobretudo, aquilo que designava por
sovietização da Península Ibérica. Daí o apoio às tropas de Franco durante a Guerra Civil espanhola5.
Ao longo da Segunda Guerra Mundial, o nosso país manteve-se neutral, ao contrário do que havia sucedido no primeira conflito mundial.
No entanto, a partir de meados de 1943, Portugal adoptou, nas palavras
de Oliveira Salazar, uma neutralidade colaborante, na medida em que
concedeu facilidades de natureza militar à Grã-Bretanha, que se iniciaram
em outubro daquele ano na ilha Terceira, mais precisamente na Base das
Lajes. Muito embora tais facilidades tivessem sido concedidas ao nosso
mais antigo aliado, Salazar entendia que, apenas por esse facto, Portugal
não tinha perdido o seu estatuto neutral, na medida em que o restante
território nacional mantinha uma atitude de impecável neutralidade. Isto
é, Oliveira Salazar era da opinião de que apenas pelo facto de se terem
concedido facilidades aos britânicos nos Açores, numa área perfeitamente delimitada do ponto de vista geográfico, isto não implicava que
o restante território nacional tivesse perdido o seu estatuto neutral6.
No entanto, é relevante fazer notar, em todo este contexto, que as
várias administrações norte-americanas posteriores à Segunda Guerra
Mundial, “fecharam os olhos” à problemática colonial portuguesa. A
única excepção teve a ver com a Administração Kennedy, ao longo da
5 Luís M. Vieira de Andrade, “A Aliança Inglesa e a Neutralidade Colaborante de
Portugal” in Os Açores e os Desafios da Política Internacional, Assembleia Legislativa
Regional dos Açores, EGA, Ponta Delgada, 2002, pp. 43-66.
6 Luís M. Vieira de Andrade, Neutralidade Colaborante – o caso de Portugal na
Segunda Guerra Mundial, Coingra Lda., Ponta Delgada, 1993, pp.181-194.
49
qual se assistiu ao intensificar da pressão sobre Portugal no sentido
de proceder à autodeterminação das suas colónias. Neste contexto, no
seio da administração norte-americana, assistiu-se a uma divisão entre
os designados Europeístas, por um lado, e os Africanistas, por outro.
Os primeiros entendiam que Portugal estava a prestar um serviço muito
importante ao mundo ocidental na medida em que estava a lutar contra o
expansionismo soviético, designadamente na África austral. Os segundos
não conseguiam entender o facto de os EUA estarem a auxiliar, mais ou
menos diretamente, um país colonial, como era o caso de Portugal. Para
estes não fazia qualquer sentido a nação norte-americana estar ao lado
de uma potência colonial, na medida em que o seu próprio país – os
EUA- também ter sido uma colónia britânica até à segunda metade do
século XVIII (1776). Não nos podemos esquecer, todavia, que vivíamos
o período da Guerra Fria e que os EUA viam com bons olhos o que
Portugal estava a fazer em África, isto é, a luta contra o expansionismo
soviético7. Neste caso concreto, verifica-se, mais uma vez, que os interesses é que comandam as Relações Internacionais.
Ao longo da Guerra Fria, foi evidente o importante contributo que
Portugal prestou aos EUA, designadamente o papel que os Açores desempenharam no que diz respeito à projecção de forças para o Médio
Oriente, para a Europa e para o norte de África. Um exemplo paradigmático disto prendeu-se com o contributo prestado pela base das Lajes
no que diz respeito à Guerra de Yom Kippur, em 1973, durante a qual
aquela base prestou um inestimável apoio aos EUA na sua ajuda militar
a Israel8. As consequências para o nosso país foram, de facto, muito
sérias, designadamente no que diz respeito ao boicote petrolífero por
parte do mundo árabe.
Podemos afirmar, em termos gerais, que a política externa portuguesa tem sido, ao longo dos últimos séculos, caracterizada por ser euro-atlântica. Isto é, desde o século XV, que os desígnios de Portugal se
7 Luís M. Vieira de Andrade, Uma Perspectiva Açoriana da Política Externa
dos EUA e o Atllântico Norte, Publiçor, Letras Lavadas, Ponta Delgada, 2017, p. 75.
8 Adriano Moreira, “O Estado Exíguo e as hipóteses estratégicas” in O Mar em
Perspectiva, Cadernos Navais, Centro de Estudos Estratégicos da Marinha, nº 50,
Outubro-Dezembro de 2018, pp.15-18.
50
têm caracterizado essencialmente pela opção marítima. Veja-se, a título
de exemplo, a aliança com a Inglaterra do final do século XIV, por sinal
a aliança formal mais antiga do mundo.
Por outro lado, a aliança com a potência marítima dominante, inicialmente a Grã-Bretanha, mais tarde os Estados Unidos da América, foi
determinante para essa política externa. Portugal, como pequeno país
que é, necessitou sempre do apoio da potência marítima que controlava o oceano Atlântico, como se poderá constatar ao longo da História.
No que diz respeito ao relacionamento entre os EUA e Portugal,
apenas após a Segunda Guerra Mundial se efectivou um acordo bilateral entre os dois Estados, na medida em que até essa altura não existia
qualquer entendimento formal entre ambos, independentemente da instalação de uma base naval norte-americana em Ponta Delgada durante
a Primeira Guerra Mundial que, segundo alguns estudiosos, constituíu
o primeiro passo no sentido do início das relações bilaterais entre Portugal e os EUA, muito embora, como foi referido, sem qualquer acordo
formal entre os dois Estados, na medida em que foi a Grã-Bretanha que
desempenhou um papel de relevo nesse contexto.
Se analisarmos, de uma forma geral, as relações bilaterais entre os
EUA e Portugal, verificamos que têm sido satisfatórias sobretudo para os
primeiros. Neste contexto, subsistem vários problemas por resolver,como,
por exemplo, o relacionado com a contaminação dos solos circundantes
à base das Lajes na ilha Terceira, assim como a possibilidade de os EUA
terem armazenado, durante algum tempo ao longo da Guerra Fria, armas
nucleares naquela ilha.
Por outro lado, a diminuição acentuada, no decurso dos últimos
anos, da presença norte-americana naquela base teve um impacto muito
negativo na economia da ilha Terceira, de uma forma específica, e nos
Açores, de uma forma geral. As várias alternativas que estão em cima
da mesa das negociações podem vir a colmatar aquela diminuição da
presença norte-americana.
Tanto a criação do designado Air Center, como de um Centro de
Defesa do Atlântico, podem constituir alternativas credíveis no que diz
respeito à utilização futura da base das Lajes. No entanto, o governo
português não pode nem deve deixar de pressionar a administração
51
norte-americana no sentido de, o mais rapidamente possível, chegar a
uma decisão do que quer fazer naquela base. Neste contexto, o Governo
Regional dos Açores deve continuar, em conjunto com as autoridades
nacionais, a desenvolver esforços no sentido de se chegar a uma decisão
satisfatória para a Região Autónoma dos Açores.
O eventual interesse da República Popular da China em desenvolver
projectos de natureza comercial, científica e tecnológica na ilha Terceira, pode e deve ser visto pelas autoridades regionais e nacionais, como
uma possibilidade com muito interesse a explorar por ambos os países.
Como é evidente, não estamos a vislumbrar qualquer possibilidade de
a República Popular da China vir a ter uma presença de natureza militar
nos Açores. Neste momento, pensamos que isto é muito pouco plausível. Desde logo, porque somos um país membro da Aliança Atlântica e,
também, porque temos um acordo bilateral com os EUA que ainda está
em vigor. Por outro lado, não nos parece que a República Popular da
China tenha qualquer interesse, neste momento, em possuir uma base
militar no Atlântico Norte.
No âmbito da nova conjuntura geopolítica mundial que se parece
estar a desenhar, gostaríamos de sublinhar os recentes desenvolvimentos
relacionados com a Coreia do Norte que podem vir a estar na génese de
um apaziguamento, ou se quisermos de um rapprochement, deste país
com os EUA em particular e com o Ocidente em geral.
No entanto, a questão que nos parece mais relevante neste momento
prende-se com o futuro das relações entre Portugal e os EUA, designadamente no que se refere aos Açores e, concretamente, à base das
Lajes. Não nos parece que esse relacionamento se possa restringir apenas
à componente estratégico-militar. Como é evidente, esta permanecerá
sempre como uma das mais relevantes. No entanto, existem outras que
não podemos nem devemos esquecer. Desde logo, as que têm a ver com
aspectos de natureza científica e tecnológica, como, por exemplo, como
foi referido anteriormente, a recente criação pelo Governo da República do Centro de Defesa do Atlântico, que terá a sua localização na ilha
Terceira. Muito embora este Centro tenha uma dimensão inequívoca no
52
âmbito da defesa e da segurança, existe, claramente, uma componente de
natureza científica e tecnológica que não é de forma alguma despicienda.9
Com as transformações decorrentes de uma globalização crescente e
inevitável, os países em geral têm necessariamente de alterar as suas estratégias por forma a poderem competir num mundo cada vez mais sofisticado, sobretudo no que diz respeito aos diferentes tipos de tecnologias
e, em particular, às que têm a ver com a informação e a comunicação.
A título de exemplo, veja-se o que tem vindo a acontecer no âmbito
da ciber-segurança, e os efeitos devastadores que pode ter em muitos
domínios da vida dos Estados.
Por outro lado, chama-se a atenção para o terrorismo transnacional
e as suas consequências, como infelizmente temos vindo a assistir ao
longo dos últimos anos em vários países.
Em todo este contexto, a política externa portuguesa, convém dizê-lo
de novo, tem sido caracterizada por ser euro-atlântica. Isto é, desde há
séculos que o oceano Atlântico tem sido um dos vectores mais relevantes dessa política externa, o que se traduziu, por exemplo, na adesão
à NATO em 1949. Por outro lado, Portugal tem vindo a participar de
uma forma activa no âmbito dos Países Africanos de Expressão Oficial
Portuguesa (PALOP) e com o Brasil, por forma a potenciar essas relações
a vários níveis.
Um aspeto que é muito relevante neste contexto, tem a ver com o
facto de não poder haver segurança no Atlântico Norte se não houver segurança no Atlântico Sul. Esta articulação é, de facto, fundamental e para
que isso aconteça é absolutamente essencial que haja uma conjugação
de esforços por parte de Portugal, dos Países Africanos de Língua Oficial
Portuguesa e, obviamente, do Brasil. Por outro lado, é importante referir
que se fala português nas duas margens do Atlântico Sul. Este aspeto,
constitui, na realidade, uma indiscutível mais valia para o nosso país.10
9 Luís M. Vieira de Andrade, “Os Açores e o Air Center” in Atlântida, Instituto
Açoriano de Cultura, Angra do Heroísmo, 2017, pp. 119-124.
10 Tese defendida pelo Professor Adriano Moreira. Veja-se o artigo do autor
intitulado “Os Açores e o poder funcional de Portugal” in Os Açores, a Política
Externa Portuguesa e o Atlântico, pp. 45-52.
53
Consequentemente, podemos, em traços gerais, referir que a Política
Externa Portuguesa assenta nos seguintes vectores: em primeiro lugar,
parece não suscitar qualquer dúvida que a União Europeia é o espaço
onde nos situamos e que nos merece uma atenção constante. Em segundo lugar, como também já foi referido anteriormente, o Atlântico sempre
foi a área por excelência de actuação do nosso país. Em terceiro lugar,
a manutenção de relações próximas com os países africanos de expressão oficial portuguesa e, obviamente, com o Brasil. Em quarto lugar,
o estreitamento de relações, desde logo económicas e comerciais, com
outros Estados tais como, por exemplo, a República Popular da China e
a India, apenas para citarmos alguns. Neste contexto, a diversificação e
ao mesmo tempo a intensificação dessas relações são muito relevantes.
Esta abertura ao mundo é, de facto, desejável, por um lado, e inevitável, por outro. A geopolítica alterou-se por completo desde, pelo menos,
o fim da Guerra Fria, em novembro de 1989 e a consequente implosão do
império soviético em dezembro de 1991. A globalização que tem vindo a
ter lugar não permite a nenhum país se isolar dos restantes. Veja-se, por
exemplo, o caso dos EUA com a actual administração. O Senhor Donald
Trump tem vindo a cometer vários erros históricos ao criar uma guerra
comercial com vários países, designadamente com os seus vizinhos
(México e Canadá), a União Europeia e a República Popular da China.
No decurso dos cerca de dois anos em que está no poder, o Senhor
Trump tem estado a colocar tudo em causa. Desde logo, o Acordo NAFTA
(North America Free Trade Agreement), o Acordo Transpacífico, o TTIP,
o Acordo de Paris sobre Alterações Climáticas e, mais recentemente, a
saída do Acordo INF (Intermediate Nuclear Forces). São atitudes que,
em nosso entender, não fazem muito sentido e contribuem, inequivocamente, para uma maior instabilidade, imprevisibilidade e perigosidade
das Relações Internacionais.
O Senhor Donald Trump, muito embora não tivesse nenhuma experiência política até chegar à Casa Branca, não pode nem deve agir de
uma forma muito pouco coerente no que diz respeito à política externa
do seu país, que tem, como sabemos, implicações, a todos os níveis no
plano internacional
54
No que diz respeito a Portugal, como pequeno país que é, deve, em
nosso entender, diversificar, como foi referido, o mais possível a sua
política externa, tendo como objectivo fundamental as relações económicas e comerciais, para além das financeiras. Muito embora a União
Europeia seja a região prioritária onde Portugal se insere, ela não pode
nem deve ser a única. Há uma necessidade, cada vez maior, de qualquer
Estado diversificar, o mais possível, o seu relacionamento internacional.
No caso concreto dos Açores, é urgente que se decida claramente o
que os EUA desejam fazer relativamente à base das Lajes. Não é, pois,
aceitável continuarmos com um impasse no que diz respeito àquela
infraestrutura. É evidente que quer o Centro de Defesa do Atlântico
quer o Air Center são projectos interessantes e eventualmente importantes para os Açores, mas é necessário que haja algo de concreto e de
palpável nesse sentido.
Já no âmbito da Aliança Atlântica, as recentes declarações do Presidente Donald Trump, no que diz respeito ao investimento de 2% do
PIB que cada Estado membro deve fazer relativamente à sua defesa, não
caíram bem. Muito embora possa ter alguma razão no que diz, o seu
modus operandi chega a ser, muitas vezes, insultuoso para muitos países.
A forma muitas vezes displicente, arrogante, prepotente e discriminatória com que trata os seus aliados mais próximos é absolutamente
inaceitável. Veja-se, a título de exemplo, o que se passou na cimeira da
NATO que decorreu em Bruxelas no dia 11 de Julho de 2018. O clima
de tensão que se verificou entre os EUA, por um lado, e os restantes
membros da Aliança Atlântica, por outro, era evidente.
Com base no que atrás referimos, é possível afirmar que o mundo está
muito mais instável, imprevisível e, até mesmo, perigoso com Donald
Trump na presidência dos EUA.
No que diz respeito a Portugal, qualquer negociação com a actual
administração norte-americana é, por um lado, muito problemática e,
por outro, muito imprevisível, na medida em que o que o Senhor Trump
afirma hoje amanhã poderá ser algo completamente diferente ou mesmo
antagónico.
Consequentemente, podemos afirmar que as Relações Internacionais
estão profundamente marcadas pelo cunho da presente administração
55
norte-americana que veio, de facto, alterar por completo, os paradigmas
que tinham vindo a caracterizar essas relações.
Independentemente do que a actual administração norte-americana
possa ou não fazer, é nossa obrigação fazer entender aos EUA que não
é possível continuar a protelar sistematicamente a situação em que se
encontra a problemática relacionada com a base das Lajes.
Se este impasse perdurar mais tempo, entendemos que é fundamental
que Portugal faça diligências no sentido de o Acordo de Cooperação e
Defesa ser renegociado, como, aliás, foi defendido recentemente pelo
actual Presidente do Governo Regional dos Açores.
Independentemente de tudo isto, gostaríamos de sublinhar a amizade
que une os nossos dois povos e as excelentes relações que temos. No
entanto, como tivemos a oportunidade de referir no início deste trabalho,
não podemos nem devemos deixar de defender os nossos interesses o
melhor possível, como é, aliás, feito sistematicamente pelas várias Administrações norte-americanas.
É, pois, entendemos nós, no interesse dos açorianos que o Estado
Português solicite à Administração norte-americana o início de
conversações tendentes à renegociação do Acordo de Cooperação e
Defesa entre Portugal e os EUA. Há que enquadrá-lo na actual conjuntura
internacional. Não é mais possível protelar uma situação que já se arrasta
há demasiado tempo.
Bibliografia
ANDRADE, Luís M. Vieira de, Os Açores, a Segunda Guerra Mundial e
a NATO, Coingra, Ponta Delgada, 1992.
ANDRADE, Luís M. Vieira de, Neutralidade Colaborante – o caso de
Portugal na Segunda Guerra Mundial, Coingra, Ponta Delgada, 1993.
ANDRADE, Luís M. Vieira de, Os Açores e os Desafios da Política
Internacional, Assembleia Legislativa Regional dos Açores, EGA, Ponta
Delgada, 2002.
56
ANDRADE, Luís M. Vieira de, Os Açores,a Política Externa Portuguesa
e o Atlântico, Publiçor, Letras Lavadas, Ponta Delgada, 2013.
ANDRADE, Luís M. Vieira de, Uma Perspectiva Açoriana da Política
Externa dos EUA e o Atlântico Norte, Publiçor, Letras Lavadas, Ponta
Delgada, 2017.
ASH, Timothy Garton, Free World – A América, a Europa e o Futuro do
Ocidente, Alêtheia Editores, Lisboa, 2006.
BONIFACE, Pascal, Compreender o Mundo – As Relações Internacionais
para o Futuro (Trad.), Edições Texto&Grafia, Lisboa,2016.
BORGES, João Vieira, O Terrorismo Transnacional e o Planeamento
Estratégico de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América,
Fronteira do Caos Editores, Porto, 2013.
ESPADA, João Carlos, Portugal, a Europa e o Atlântico, Alêtheia Editores,
Lisboa, 2014.
KAPLAN, Robert D., The Revenge of Geography, Random House, Trade
Paperback Edition, New York, 2013.
KENNAN, George F., Memoirs 1925-1950, Pantheon Books, New York,
1967.
MOREIRA, Adriano, Teoria das Relações Internacionais, Livraria
Almedina, Coimbra, 2005.
MOREIRA, Adriano, O Mar em Perspectiva, Cadernos Navais, Centro de
Estudos Estratégicos da Marinha, nº 50, Outubro-Dezembro de 2018.
OS AÇORES na Geopolítica do Atlântico, Comando Operacional dos
Açores, Ponta Delgada, 2010.
57
VIGARIÉ, André, La Mer et la Géostrategie des Nations, Economica, Paris,
1995.
ZAKARIA, Fareed, O Mundo pós-Americano, (Trad.), Gradiva, Lisboa,
2008.
58
U N A M I R A DA T R A N S AT L Á N T I C A A L O S I N I C I O S
DE LA GUERRA FRÍA. GILBERTO BOSQUES AL
FRENTE DE L A LEGACIÓN DE MÉXICO EN
PORTUGAL. (1945-1950)
Aurelio Velázquez Hernández, PhD
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0001-4595
Resumén
A través de una fuente inédita, como son los informes políticos del
embajador mexicano en Lisboa entre 1946 y 1950, Gilberto Bosques,
analizamos la mirada de la posrevolución mexicana sobre el Portugal
Salazarista en un apasionante y convulso momento histórico como es
el comienzo de la Guerra Fría. Gilberto Boques, muy vinculado al Cardenismo y que había desarrollado en Marsella una activa labor a favor
de los exiliados republicanos españoles analiza con una lúcida mirada
la política internacional del Salazarismo y los movimientos de la oposición interior.
Palabras clave: México; Portugal; Guerra Fría; Gilberto Bosques; política exterior,; oposición interna.
Abstract
Through an unpublished source, such as the political reports of
the Mexican ambassador in Lisbon between 1946 and 1950, Gilberto
Bosques, we analyze the view of the Mexican post-revolution on Salazarist Portugal in an exciting and turbulent historical moment such as the
beginning of the War Cold Gilberto Boques, closely linked to Cardenismo and who had developed an active work in Marseille in favor of the
Spanish Republican exiles, analyzes with a lucid glance the international politics of Salazarism and the movements of the internal opposition.
Keywords: Mexico; Portugal; Cold War; Gilberto Bosques; foreign
policy; internal opposition.
DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2070-1_4
Gilberto Bosques, diplomático
Gilberto Bosques Saldívar (1892-1995) es un personaje relevante para
la política exterior mexicana que aún hoy en día continúa suscitando
un enorme interés por parte de los investigadores. No vamos a destacar
aquí más que algunas pinceladas acerca de su extensa biografía. Nacido en el pequeño municipio poblano de Chiautla de Tapia donde fue
educado en casa con su madre. En su juventud se sensibilizaría ante la
carencia de maestros de la zona lo que le llevaría a emprender estudios
normalistas. No obstante, desde pronto se vincularía al proceso revolucionario, en un primer momento vinculado al maderismo y posteriormente, al lado de la figura del general Lázaro Cárdenas. 1 Pero, sin lugar a dudas, la faceta más destacada de la figura de Gilberto Bosques
es la labor que llevó a cabo para el servicio exterior mexicano en la Europa de la segunda Guerra Mundial. Como cónsul de México en Francia durante los difíciles años de 1939 a 1942, y durante un pequeño período de unos meses al frente de la embajada en Francia, estuvo principalmente encargado de las tareas de salvamento y asistencia a miles de
refugiados europeos, fundamentalmente republicanos españoles, pero
también antifascistas de otros países, así como perseguidos por motivos de étnicos, políticos y religiosos.
No obstante, un período mucho más desconocido de la trayectoria
de tan ilustre personaje fue su actuación, finalizada ya la guerra, al frente de la embajada mexicana en Portugal. A finales de 1945, pocos meses después de haber concluido la Segunda Guerra Mundial, el Secretario de Relaciones Exteriores, Francisco Castillo Nájera, ofreció a Gil-
1 Sobre la figura de Gilberto Bosques puede consultarse: GARAY ARELLANO,
Graciela de - Gilberto Bosques: el oficio del gran negociador. México: Secretaría de
Relaciones Exteriores, 1988. También contamos con una segunda edición revisada en
2006; MALGAT, Gérard - Gilberto Bosques: la diplomacia al servicio de la libertad,
Paris-Marsella (1939-1942), México: Vanilla Planifolia, CONACULTA, 2013
HERNÁNDEZ, Elsa María - Gilberto Bosques. Puebla, México: Secretaría de
Cultura de Puebla, 1997; MORALES GALVÁN, Hugo - Gilberto Bosques Saldívar.
México: Comisión de Derechos Humanos del Distrito Federal, 2010; BOSQUES, Laura
(ilustradora) - Gilberto Bosques Saldívar, acervo fotográfico. México: Comisión de
Derechos Humanos del Distrito Federal, 2010.
60
berto Bosques el cargo de Enviado Extraordinario y Ministro Plenipotenciario de México en Portugal. Según el propio Bosques en las entrevistas concedidas a Graciela de Garay, “Portugal era en esos momentos
el punto más estratégico para observar el panorama europeo. Así, Lisboa estaba en una confluencia de información, de personas, de tráfico,
de gente que estaba en la actividad política, comercial y docente”.2 De
esta manera Gilberto Bosques presentaría sus cartas credenciales como
Enviado Extraordinario y Ministro Plenipotenciario de México ante el
gobierno portugués el 23 de febrero de 1946 y permanecería en el cargo durante cuatro años, hasta el 23 de enero de 1950.3 En este estudio
trataremos de comprender la visión de Bosques del Portugal y la política internacional de unos años fundamentales en el que se estaba fraguando el mundo actual a través de los informes políticos de esta etapa.
Las relaciones de México con Portugal
México y Portugal históricamente no fueron países que mantuvieran
unas estrechas relaciones ni en el plano diplomático, así como tampoco en el económico y muy débiles en el cultural. De hecho, sus relaciones estuvieron casi siempre vehiculadas por el enorme vínculo de México con el vecino peninsular. De hecho, hasta el comienzo de la revolución mexicana la legación mexicana en Lisboa se ejercía desde una doble representación en Madrid. De la misma forma, los intereses portugueses en México se centralizaban a través del vecino norteamericano,
y la legación portuguesa se ejercía asimismo desde una doble representación en Washington.4 Esta situación se mantendría durante todos los
años treinta hasta el comienzo de la Guerra Civil en España.
Portugal se convertiría en un punto estratégico desde el que observar el conflicto civil español y por tanto la legación mexicana en Lisboa
2 GARAY ARELLANO, Graciela de - Op. Cit., p. 89.
3 Catálogo de Embajadores de México, Archivo Genaro Estrada de la Secretaría
de Relaciones Exteriores de México.
4 CASTRO BRANDAO, Fernando de - Relaciones Diplomático-Consulares ente
México y Portugal. México: Secretaría de Relaciones Exteriores, 1982, pp. 52-58.
61
pasó a tener mucha más relevancia para México de la que había mantenido hasta ese momento. Por primera vez se nombra un representante mexicano que actuará desde Lisboa sin vinculación con la embajada
en España. Y además, siguiendo la política general del Cardenismo de
situar en los puestos diplomáticos a figuras destacadas de la intelectualidad mexicana se situará como Encargado de Negocios ad interim, a
una figura de máximo prestigio como era la del ilustre Daniel Cosío Villegas.5 Desde esta posición, Cosío Villegas se convirtió en un extraordinario testigo del conflicto español y del manifiesto apoyo del Estado
Novo al bando rebelde.
Se inicia también durante el período de Cosío Villegas una problemática fundamental que marcará en buena medida la etapa de Gilberto
Bosques, el problema de los refugiados políticos españoles. Una vez rotas las relaciones entre el Estado Novo y la República española, la legación mexicana quedó al cargo de los intereses de la República en este
país. Lo que suponía tratar de realizar buenos oficios para favorecer los
intereses de los republicanos españoles. Señalaba Cosío Villegas en sus
informes cómo los refugiados eran todos “simpatizantes del gobierno
constitucional, que venían huyendo de España sin documentos oficiales ni recursos”. El gobierno portugués, por sus antipatías hacia la República española, “se ha limitado a vigilarlos, perseguirlos, encarcelarlos
y [asegura insistentemente] entregarlos a las autoridades de Burgos en
territorio español” se encontraban según Cosío “en una situación desesperada, sin ver posibilidad de solución alguna”.6
Pese a que Cosío fue prematuramente cesado, en marzo de 1937,7 se
sucederían al frente de Legación mexicana en Lisboa, durante los convulsos años de la Segunda Guerra mundial personajes de relevante ta5 Daniel Cosío Villegas (Ciudad de México; 23 de julio de 1898 — Ibídem 10
de marzo de 1976) fue un economista, historiador, sociólogo, politólogo y ensayista mexicano. Fundador del Fondo de Cultura Económica y de la Escuela Nacional
de Economía. Véase ENRIQUEZ PEREA, Alberto (Coomp.) - Daniel Cosío Villegas
y su misión en Portugal. México: El Colegio de México, Secretaría de Relaciones
Exteriores, 1998.
6 ENRIQUEZ PEREA, Alberto (Coomp.) - op. cit., p. 35.
7 LIDA, Clara E., MATESANZ, José Antonio y ZORAIDA, Josefina - La Casa de España
y el Colegio de México. Memoria: 1938-2000, México: El Colegio de México, 2000.
62
lla dentro de la sociedad y la diplomacia mexicana tales como Adalberto
Tejeda (febrero-mayo de 1938),8 Juan Manuel Álvarez del Castillo (19401944) o Luciano Joublanc Rivas, (1945).9
Bosques al frente de la Legación en Portugal
Tras el final de la Segunda Guerra Mundial se complicará la situación de la representación mexicana en Portugal a causa de los refugiados españoles. Una vez perdida la esperanza de una inmediata intervención aliada en la península ibérica el régimen franquista se consolida. Esto impulsa a muchos de los antifranquistas que aún resistían en el
interior a tratar de buscar una salida hacia el exilio. Dado que la frontera francesa estaba mucho más controlada y que Francia no aceptaba
la llegada de más refugiados ante la situación de emergencia humanitaria que ya sufría en la posguerra, América sería el destino más deseado y Lisboa una de las pocas vías de salida disponibles. Además, finalizada la guerra se habían reiniciado las rutas marítimas y el precio de
los pasajes había descendido considerablemente por lo que muchos se
animarían a tratar de cruzar el charco, muchos familiares de exiliados
ya establecidos en América durante el primer gran éxodo de 1939-1941
y que buscaban ahora reunir a la familia dispersa. Por todas estas causas, a partir de 1945 se produjo un notable incremento del número de
españoles que cruzaban ilegalmente la frontera de Portugal y se adentraban en el país tratando de buscar un pasaje hasta américa, y la Legación mexicana en Lisboa sería la primera parada de todos ellos en busca
de ayuda. Entre 1946 y 1950 calculamos que unos 1.270 españoles llegarían a México procedentes de Portugal mientras que en los diez años
anteriores apenas sumaban los dos centenares el número de españoles
8 Militar carrancista llegó a ser Gobernador de Veracruz, durane el Maximato
ocupó varias secretarías entre ellas la de Gobernación al estallar la revuelta cristera.
En 1934 se lanzaría como candidato presidencial frente a Lázaro Cárdenas. Tras la
derrota ocupo varios cargos diplomáticos. NARANJO, Francisco - Diccionario biográfico Revolucionario. México: Imprenta Editorial “Cosmos” edición, 1935.
9 CASTRO BRANDAO, Fernando de - op. cit., pp. 106-111.
63
que habían seguido esta vía.10 Para situar al frente de esta compleja situación el gobierno mexicano buscó a un diplomático con experiencia
en este terreno y en ese sentido se entiende el nombramiento de Gilberto Bosques al frente de la Legación en Lisboa. Bosques trataría de implantar un programa de acción similar al que había implementado desde el consulado en Marsella.
No obstante, paralelamente a la intensa actividad que hubo de desarrollar Gilberto Bosques en favor de los republicanos españoles arribados a Portugal, no desaprovecharía la oportunidad de convertirse en un
observador privilegiado desde Lisboa de una compleja situación como
era la forja del nuevo mundo bipolar y el origen de la Guerra Fría. Bosques partía de unos planteamientos políticos que estaban en las antípodas de los fundamentos teóricos el Estado Novo. Para Gilberto Bosques
el Estado corporativo impuesto por Salazar “no ha resuelto, en largos
veinte años, los problemas de la nación, porque ha cercenado las libertades esenciales del hombre y porque presenta un sistema de ideas que
está en flagrante contradicción con las más elementales aspiraciones
del pueblo y con lo que define, en plano superior, a una sociedad moderna”.11 Sobre Salazar, opinaba que era un político convencido de su
obra y fiel a sus principios; “Cree que los regímenes totalitarios, vencidos en la guerra, serán reivindicados en el porvenir, cuando se convenzan los pueblos de que la democracia y el sistema parlamentario no son
capaces de resolver los problemas políticos internos y la paz social”12 En
sus informes políticos, Bosques no dudaría en criticar los sistemáticos
ataques de Salazar en sus discursos al comunismo internacional y a la
actuación de la Unión soviética. Bosques lamenta en sus informes que
Salazar “llevado por su pasión política realiza consideraciones y juicios
que están débilmente expresados, y no dejan de ser lamentables desvíos
10 Según datos de VELÁZQUEZ, Aurelio - “Gilberto Bosques y la huida de republicanos españoles por Portugal, 1946-1949”, en Estudios de Historia Moderna y
Contemporánea de México, nº 52, 2016, p. 118.
11 Bosques, Gilberto: “Reservado”, Lisboa, 1 de agosto de 1947, en Informes
Diplomáticos México-Portugal 1947-1948, Archivo Genaro Estrada de la Secretaría
de Relaciones Exteriores de México., 960, p. 2.
12 Ídem, p. 9.
64
o caídas del pensamiento en las más estrechas zonas de su horizonte
mental […] que no corresponden a la jerarquía intelectual de un maestro y político universitario.”13
Era Bosques muy consciente de que el tenso clima internacional del
momento estaba beneficiando a los regímenes ibéricos pues: “la «guerra
fría» que se está librando en las cancillerías y en los círculos políticos,
en la prensa, en las reuniones internacionales y en los Estados Mayores,
sirve admirablemente a Portugal y lo coloca en el primer plano del interés de las potencias occidentales, por su situación geográfica continental –la más avanzada de Europa hacia América- y por la situación de
sus islas atlánticas y sus colonias africanas y asiáticas”. Destaca, además, cómo en sus discursos Salazar azuzaba ese terror rojo, cuando en
mayo de 1947, afirmaba que “los rusos podrían estar sin esfuerzo en los
Pirineos, y si allí no se les detiene, llegarían a Lisboa y a toda la orla
portuguesa del Atlántico”.
En este sentido señalaba don Gilberto en sus informes cómo por esos
años Portugal había comenzado a entrar en la órbita política de los Estados Unidos. Los norteamericanos comenzaron por adquirir una posición económica en el país a costa de los intereses británicos y poco a
poco iban creciendo en influencia política, a pesar de que los británicos se esforzaban desde su representación en Lisboa por mantener la
influencia en su aliado secular. La gestión diplomática norteamericana,
según Bosques, se había centrado principalmente en la obtención de
concesiones de tipo militar en las Azores, en el archipiélago de Cabo
Verde, en Macao (que en 1947 había sufrido una sublevación separatista sofocada con la colaboración de las tropas americanas en la zona) y
a, cito, “concertar un convenio de alianza militar, por virtud del cual
puedan los Estados Unidos ocupar el territorio metropolitano en caso de
guerra contra Rusia”.
Además, británicos y americanos pretendían concesiones en Goa,
que fue utilizado por los submarinos alemanes en el conflicto gracias al
13 Bosques, Gilberto: “Reservado”, Lisboa, 15 de mayo de 1948, en Informes
Diplomáticos México-Portugal 1947-1948, Archivo Genaro Estrada de la Secretaría
de Relaciones Exteriores de México., p. 591.
65
consentimiento portugués. La isla de Timor interesaba a Australia como
punto estratégico para su defensa, como se había demostrado tras la
ocupación japonesa y ante la incapacidad protegerla dada la enorme
distancia de la metrópoli.
Señalaba Bosques en 1947 que las negociaciones con EEUU para llegar a un acuerdo militar estaban muy avanzadas y solamente quedaban por cerrarse algunos aspectos secundarios pues, Salazar “con gran
habilidad e inteligencia, trata de obtener las mayores ventajas posibles
para su gobierno y para su país en el orden político, militar y económico”. No obstante, destacaba cómo “las disposiciones que estaba dictando el gobierno portugués sobre la formación del Consejo de Defensa, la
división territorial de zonas militares y sobre movilización civil en caso
de guerra, entre otras, representan un conjunto de actitudes que no pueden ser interpretadas sino como la preparación metódica para participar en una guerra inminente” pues coincidía Bosques con Salazar en
que, en caso de conflicto armado, Portugal sería uno de los primeros
teatros de operaciones.
No obstante, no opinaba el representante mexicano que Salazar estuviera afectado por lo que denominaba “la obsesión de la invasión” sino
que creía que la actitud de Salazar era de “puro cálculo. Hace tiempo
que repasa el mismo tema, agregando solamente el ropaje adecuado a
las circunstancias. Más bien parece que especula con esa neurosis generalizada y sabe lo que ella representa sobre una mesa de negociaciones.”
El archipiélago de las Azores, como es bien sabido, es un punto de
altísimo valor estratégico, por encontrarse en medio del atlántico a medio camino entre Europa y América. Durante la segunda guerra Mundial, Los británicos a pesar de la neutralidad portuguesa habían solicitado en 1943 la utilización de varios aeródromos en las Azores en virtud de la alianza anglo-lusa y los americanos presionarían para obtener
a su vez también la utilización de un aeródromo, lo que conseguirían
tras unas largas negociaciones en noviembre de 1944. Gilberto Bosques
se refiere en sus informes a estos acontecimientos como: “la ocupación
por los americanos de la isla de Santa María, donde instalaron un aeródromo, [y explicaba cómo] Salazar tuvo que aceptar esa política de
hechos consumados y llegar a un acuerdo para la cesión de la isla has-
66
ta un año después de finalizado el conflicto.”14 Posteriormente, señala
Bosques que Portugal, en compensación, podría disfrutar de las instalaciones creadas en Santa María por los americanos pero, a cambio, también tendrían que conceder ciertas facilidades para el tránsito de aviones norteamericanos por el aeródromo de Lajens, en su servicio a las
tropas de ocupación de Alemania y Japón.
Según Bosques el embajador americano John C. Willey, en una conversación confidencial había destacado que “el Dr. Salazar y los funcionarios portugueses del Ministerio de Negocios Extranjeros han demostrado un alto espíritu de estadistas en el curso de las negociaciones […]
en el sentido de una estrecha colaboración para el futuro. Considerando que en la eventualidad de una guerra contra la URRS, Portugal será
país beligerante […] y aportará las mayores facilidades a los Estados Unidos por el valor estratégico de sus territorios” Willey había confirmado
a Bosques que en agradecimiento a todas estas facilidades los Estados
Unidos darían a Portugal “todo su apoyo y su ayuda material más completo” de dicha afirmación Bosques deriva que Portugal obtendría de
los americanos no solamente “toda la asistencia bastante para su preparación defensiva de tipo militar”, sino también “todo el apoyo político
al régimen y cuanto necesite para consolidar su economía y para proveer el abastecimiento del país en materias primas, artículos alimenticios, etc.” Informa Bosques de que el embajador Willey le había confirmado que le serían otorgados a Portugal “todos los créditos que solicite,
dada la carencia de dólares que, como todos los países, padece Portugal”
Para Bosques este extremo se confirmó con la participación de Portugal en la Junta de los dieciséis que, en la Conferencia de París de 1947,
formarían el Comité para la Cooperación Económica Europea, beneficiario del Plan Marshall. Bosques opinaba que era más beneficioso para
Portugal aprovechar directamente esta cooperación americana que acogerse a los “resultados dudosos del plan de auxilio a Europa”15.
14 Bosques, Gilberto: “Informe político”, Lisboa, 10 de noviembre de 1947, en
Informes Diplomáticos México-Portugal 1947-1948, Archivo Genaro Estrada de la
Secretaría de Relaciones Exteriores de México., p. 591.
15 Bosques, Gilberto: “Informe político”, Lisboa, 15 de marzo de 1948, en Informes
Diplomáticos México-Portugal 1947-1948, Archivo Genaro Estrada de la Secretaría
de Relaciones Exteriores de México., p. 56178.
67
Para Bosques, la participación de Portugal en esta conferencia de
París estaba motivada más por razones de carácter político que económico, como un acto de solidaridad para Estados Unidos y con el propósito de defender los Intereses de la España Franquista. Según Bosques
el Ministro de Negocios extranjeros portugués José Caeiro da Matta, tenía instrucciones para: “apoyar el ingreso de España y de las zonas ocupadas de Alemania en el conjunto de las naciones europeas que participarán en las dádivas y empréstitos del Plan Marshall.” Estas afirmaciones parecen en buena medida coincidentes con la ambigua posición
adoptada por Portugal, participando en estas negociaciones, con lo que
se veía reconocida su posición como un miembro del bloque occidental, pero negándose en un primer momento a participar de las ayudas
económicas del plan Marshall.16
En esta misma línea cabe destacar, también las informaciones de Gilberto Bosques acerca de la entrada de Portugal como miembro fundador de la OTAN en 1949. Bosques va dando cuenta a la Secretaría de
Relaciones de las negociaciones para la firma por Portugal del Tratado
del Atlántico Norte y de las dificultades surgidas en este proceso. Según
estos informes, las preocupaciones principales de Portugal eran dos: en
primer lugar, obtener seguridades de que no se incluiría en el pacto ninguna disposición para el establecimiento de bases en tiempo de paz sobre “territorios de especial significación estratégica para la defensa del
Atlántico” como era el archipiélago de las Azores.
La otra gran preocupación portuguesa en este proceso era cómo conjugar esta Alianza con la ya firmada con España con los acuerdos que
configuraron el Bloque Ibérico (pacto Ibérico) en 1939 y 1942. Una vez
más, el representante salazarista trataría de obtener la admisión de España como país signatario del Tratado del Atlántico Norte. Informaba
Bosques de que el embajador franquista, Nicolás Franco, desplegó una
16 Portugal tenía una economía equilibrada y no necesitaba de los créditos
norteamericanos y además dado que sus principales productos de exportación eran
vino, conservas de pescado y cortezas, productos no esenciales, obtenía mejores
ventajas de obtener acuerdos bilaterales no le interesaban los acuerdos multilaterales.
Por tanto, se negaron a participar en la primera fase del programa. Véase ROLLO,
Maria Fernanda: “Portugal e o Plano Marshall: história de uma adesao a contragosto
(1947-1952)”, en Análise Social, vol. XXIX, (128), 1994, pp. 841-869.
68
intensa actividad para ejercer una “amistosa pero obstinada presión en
la Cancillería portuguesa”. Para Don Gilberto estas presiones funcionaron hasta el punto que Portugal llegó a condicionar su propia adhesión
a la inclusión de España. No obstante, recoge cómo la embajada americana hizo saber al gobierno portugués que “debía escoger entre España o Estados Unidos, con todas las consecuencias del caso, y que, por
el momento, era inútil insistir sobre cualquier concesión favorable a su
aliada peninsular”. Finalmente, tras una serie de conversaciones entre
representantes españoles y portugueses el 31 de marzo de 1949 el gobierno de Salazar informó oficialmente de la aceptación de su país a formar parte de los miembros fundadores de la OTAN.17
En sus informes no escatimaría el profesor Bosques en duras críticas a la política norteamericana hacia el régimen de Salazar pues afirma
que dicha política “soslaya deliberadamente el carácter antidemocrático que lo define [al salazarismo], olvida las veleidades nazi-fascistas de
los últimos tiempos y exalta los aspectos positivos de una política internacional suficientemente sagaz para cubrir con ciertas apariencias la
línea sustantiva de su conducta”.18
No obstante, si por algo se caracterizarían los informes de Gilberto Bosques en relación con los de sus predecesores es por su atención
a la política interna portuguesa y concretamente por su interés por las
actividades de la oposición de la que era buen conocedor gracias a sus
contactos con los sectores antisalazaristas. Esta impresión queda patente desde el primer informe político firmado por Gilberto Bosques en junio de 1946.
Para Bosques, la oposición política al salazarismo “ha carecido de
una organización sólida de conjunto. Se apoya en el descontento permanente de las masas, descontento con más resignación que optimismo
[…] muchos grupos de oposición se han invalidado por falta de dina-
17 Bosques, Gilberto: “Informe político”, Lisboa, 10 de abril de 1949, en Informes
Diplomáticos México-Portugal 1949, Archivo Genaro Estrada de la Secretaría de
Relaciones Exteriores de México., 58137, p. 3 y 4.
18 Bosques, Gilberto: “Informe político”, Lisboa, 15 de marzo de 1948, en Informes
Diplomáticos México-Portugal 1947-1948, Archivo Genaro Estrada de la Secretaría
de Relaciones Exteriores de México., 56178., p. 8.
69
mismo, de tácticas eficaces, de intrepidez cívica y de cuadros operantes
dentro de la organización o de un plan”.19
Bosques plantea en sus informes un mapa de las organizaciones políticas de la oposición salazarista. La principal de ellas sería el Movimento de Unidade Democrática (MUD) que conformaría el centro de oposición legal y que se fundó en octubre de 1945 con la autorización del
gobierno de cara a las próximas elecciones. Para Bosques esta organización, heredera de la clandestina Movimento Unidade Nacional Antifascista (MUNAF) representa un intento por “terminar con las dispersiones
de esfuerzos y hacer un frente de oposición a la altura de las circunstancias del momento, juzgadas favorables para terminar con el régimen
de Salazar” esta organización trataba de unir figuras de la vieja oposición que conservan cierto prestigio popular con “elementos jóvenes y capaces, en una organización nueva, de unidad de programa y acción.”
El segundo grupo de oposición que destaca Bosques fue el “Frente
socialista” formado por algunos elementos del antiguo Partido Socialista
que estaba dividido en su seno pues la mayoría de su Comisión ejecutiva no quería actuar de forma que legalizara la posición de Salazar. No
obstante, algunos como Ramada Curte, Alfredo Franco y Augusto Machado, asociados a antiguos miembros del Partido Comunista como José Tinoco y José de Sousa integraban la representación del Partido Socialista en el Frente Socialista.
Junto a estos también participaban en el Frente Socialista Socialistas
independientes y miembros del Partido Laborista Portugués. Aunque estos últimos, no de forma total ni muy firme, pues mientras un sector de
este partido trataba de integrarse en la Unión Nacional Antifascista, otro
sector condicionaba su participación en el Frente Socialista a los planes
revolucionarios que venían preparando en colaboración con otra organización dirigida por el Dr. Ribeiro de Carvalho.
El tercero de los grupos de oposición que menciona Gilberto Bosques es el de los monárquicos portugueses. Según Bosques existían dos
grupos monárquicos: El primero lo denomina “monárquico constitucio19 Bosques, Gilberto: “Situación política en Portugal”, Lisboa, 9 de octubre
de 1946, Archivo Genaro Estrada de la Secretaría de Relaciones Exteriores de
México,853, p. 1.
70
nal” y según informa tiene escaso poder numérico en sus filas y en las
de ejército. Mientras que el segundo grupo, mucho más fuerte sería el
de los “monárquicos legitimistas” que seguían a Duarte Nuno, pretendiente al trono de Portugal. Según Bosques el plan de Nuno era solicitar a Salazar la formación de un “gobierno provisional imparcial, ni monárquico ni republicano, que restablecería las libertades fundamentales y garantizaría las elecciones para una Asamblea Constituyente cuya
composición decidiría el futuro del régimen político portugués”, si Salazar no aceptara dejar el poder Nuno daría la orden a todos sus adeptos “que dice son muy numerosos en el Ejército para luchar con las armas y derribar la dictadura”.
Según informa Bosques a finales de 1946, los monárquicos estaban
realizando movimientos liderados por el Dr. Antonio Sergio para acercarse y tratar de obtener la colaboración del MUNAF y el Frente Socialista a estos planes.20
Para Bosques estos planes de los monárquicos están inspirados por
“agentes del servicio de inteligencia británico que actúan aparentemente al margen de la Embajada británica ofreciendo fondos a cambio de
una oportuna declaración anticomunista” así como los “Los más autorizados representantes del Papa procuran entendimiento con personalidades de la oposición a fin de aprovecharlas para una eventualidad
y para futura constitución partido demócrata cristiano como en Francia o Italia.”21
Así Bosques se refiere a una “sólida alianza de los Estados Unidos,
Inglaterra y el Vaticano para tomar la dirección política del mundo de la
post-guerra oponiendo la democracia cristiana frente al comunismo”.22
Presenta Bosques como una prueba de esta alianza el interés que
muestran los máximos representantes del clero portugués en la evolu-
20 Bosques, Gilberto: “Situación política en Portugal”, Lisboa, 9 de octubre
de 1946, Archivo Genaro Estrada de la Secretaría de Relaciones Exteriores de
México,853, pp. 5 y 6.
21 Bosques, Gilberto: “telegrama cifrado”, Lisboa, 24 de junio de 1946, Archivo
Genaro Estrada de la Secretaría de Relaciones Exteriores de México, 2918, p. 1 y 2.
22 Bosques, Gilberto: “Situación política en Portugal”, Lisboa, 9 de octubre
de 1946, Archivo Genaro Estrada de la Secretaría de Relaciones Exteriores de
México,853, pp. 7.
71
ción democrática del país. Así comenta como el nuncio apostólico en
Lisboa, M. Pietro Ciriaci, se había declarado enemigo de las dictaduras
totalitarias y demócrata socializante, más aún a varios diplomáticos les
había dicho que sentía sinceras simpatías por la Unión Soviética. No
obstante, Bosques define la actitud del Nuncio como “más exploradora
y jesuítica que verdadera”. No obstante, destaca Don Gilberto la actitud
de las dos principales figuras de la Iglesia Portuguesa; el obispo de Évora., D. Manuel Mendes da Conceiçao Santos y el obispo de Oporto, D.
Agostinho de Jesus e Sousa de quienes dice que aseguran la obediencia a las órdenes de Roma, por encima de “cualquier consideración o
conveniencia o ligas de carácter personal”. Para Bosques los representantes de la política vaticana estaban empezando a “actuar subrepticiamente, preparando el terreno favorable para la formación del partido
demócrata-cristiano portugués con elementos de la oposición. El clero
portugués, [cita a sus fuentes de la iglesia] no debe correr la suerte de
Salazar ni comprometer los intereses políticos d la Iglesia por mantener,
a todo trance, su alianza con el dictador.”23
Bosques analiza la situación del régimen que dice encontrarse en
un momento de debilidad tras el final de la Guerra. Sin embargo, afirma que Salazar reacciona hábilmente, tratando de legalizar un grupo de
oposición, como fue el Movimento de Unidade Democratica (MUD) para
presentarse de cara al exterior como un régimen abierto y pluripartidista, “teniendo cuidado de reducir las posibilidades de ésta [la oposición]
a un mínimo compatible con la continuidad del actual gobierno corporativo”. Movimiento que ya fracasó en las elecciones legislativas de noviembre de 1945 cuando el MUD finalmente se retiró pidiendo la abstención y denunciando el proceso electoral como una farsa.
Finalmente, el último sector de posible oposición al régimen que cabe
ser tenido en cuenta para Bosques era el propio ejército portugués. Según el diplomático, “los altos jefes del ejército son completamente adictos al Sr. Presidente Carmona” pese a que respetan a Salazar por haber
23 Bosques, Gilberto: “Situación política en Portugal”, Lisboa, 9 de octubre
de 1946, Archivo Genaro Estrada de la Secretaría de Relaciones Exteriores de
México,853, pp. 9.
72
traído la estabilidad al país y consolidado los principios del golpe de
1926 “convienen en la necesidad de reconciliarse con la opinión democrática del mundo, si es preciso sacrificando al Jefe del Gobierno”. No
obstante, señala que “nada harán de su parte ni ejercerán presión alguna, mientras estén convencidos de que Inglaterra, Estados Unidos y
el Vaticano dan todo su apoyo al Dr. Salazar”. 24
A lo largo de los años que Gilberto Bosques pasó en Portugal fue observando la evolución del régimen y el progresivo decaimiento de los
movimientos de oposición. Si bien a su llegada, a comienzos de 1946
existía un clima generalizado de optimismo en la creencia de que el
triunfo de las democracias den la Guerra implicaría el derrumbamiento del Estado Novo, pronto se hace evidente que el contexto de la Guerra Fría acabará por reforzar el sistema, confirma Bosques en agosto
de 1947 cómo “la política del Presidente Truman respecto de Rusia, ha
acentuado en sus gobernantes el gesto de seguridad y de ostentosa confianza, y se ha traducido en nuevas mutilaciones a la libertad, en mayores represiones de tipo social y político.”25
Y es que en los informes del diplomático mexicano se ponía especial interés en recoger ejemplos de la represión ejercida por el régimen
a opositores políticos: obreros, funcionarios, militares o estudiantes. Se
recogen, asimismo, todos los cambios legislativos que afectan al endurecimiento de las penas contra los opositores.26 Destaca el interés que
causó en nuestro protagonista el campo penal del Tarrafal en Cabo Verde. Se incluyen varios informes en los que se describe el campo y las
condiciones de vida de sus reclusos.27
24 Bosques, Gilberto: “Situación política en Portugal”, Lisboa, 9 de octubre
de 1946, Archivo Genaro Estrada de la Secretaría de Relaciones Exteriores de
México,853, pp. 13.
25 Bosques, Gilberto: “Reservado”, Lisboa, 1 de agosto de 1947, en Informes
Diplomáticos México-Portugal 1947-1948, Archivo Genaro Estrada de la Secretaría
de Relaciones Exteriores de México., 960, p. 2.
26 Decreto sobre condenas por crímenes contra la seguridad interior y exterior
del Estado. Lisboa, 1 de julio de 1947, en Informes Diplomáticos México-Portugal
1947. Archivo Genaro Estrada de la Secretaría de Relaciones Exteriores de México.
27 “Tarrafal”, Lisboa, 19 de febrero de 1947, en Informes Diplomáticos MéxicoPortugal 1947. Archivo Genaro Estrada de la Secretaría de Relaciones Exteriores de
México
73
Ya en 1948, la agenda política del país estaría marcada por la proximidad de las elecciones presidenciales que se celebraron en febrero de
1949. A comienzos de 1948 Bosques recogería en sus informes las protestas por la ilegalización del Movimento de Unidade Democrática (MUD),
al que se acusaba de mantener íntimas conexiones con el MUNAF y por
tanto con el Partido Comunista. Interpretaba Boques que la finalidad era
“indudablemente […] la de nulificar la única organización de carácter político que puede representar un problema para el régimen, como
ocurrió en noviembre de 1945”, también se encargaría el diplomático
mexicano de tratar de negar las conexiones comunistas de esta organización, decía: “son tan conocidas por el pueblo portugués las personalidades que forman los cuadros dirigentes del MUD y tan notoria la composición de sus contingentes, que no era fácil atribuir con éxito una filiación comunista a esta organización figurando como figuran al frente de ella políticos anticomunistas, de tipo liberal o simplemente democrático[…] una agrupación está muy distante de ser de tipo radical o tímidamente socialista”. 28
Bosques realizará un seguimiento muy cercano de la campaña para
las elecciones presidenciales. También realiza un perfil del candidato
opositor, el general Norton do Matos, de quien afirma que “es la única
personalidad que puede capitanear la lucha política contra el régimen.
Es, necesariamente, un candidato sin partido pues el Gobierno no tolera
la existencia de ningún partido que no sea el suyo propio”, No obstante, tras analizar la legislación que fija el sistema electoral confirma que
“El régimen del doctor Salazar no se dejará ganar las elecciones. Tiene
en sus manos un mecanismo electoral cerrado y prácticamente impenetrable a sus enemigos políticos”. 29
En un informe de septiembre de 1948, volverá sobre las elecciones
presidenciales afirmando que la campaña electoral de la oposición pa-
28 Gilberto Bosques, “Informe Político, Lisboa 15 de mayo de 1948, en Informes
Diplomáticos México-Portugal 1948. Archivo Genaro Estrada de la Secretaría de
Relaciones Exteriores de México, 58706, pp. 2 y 3.
29 Gilberto Bosques, “Informe Político”, Lisboa, 12 de agosto de 1948, en Informes
Diplomáticos México-Portugal 1948. Archivo Genaro Estrada de la Secretaría de
Relaciones Exteriores de México, 512499, pp. 4 y 5.
74
recía “seguir canales subterráneos, […] pues ningún signo de actividad
externa se ha manifestado hasta hoy”, afirma que el los círculos cercanos a Salazar advierten de que no se estaban empleando medidas violentas contra los partidarios del candidato oposicionista pero sí que notaba “cierta impaciencia en los medios oficiales por cerrar el paso a la
propaganda de los grupos independientes en favor de la candidatura
del general Norton de Matos”30
En enero de 1949, una vez ya iniciada oficialmente la campaña electoral, informa Bosques de que se había permitido a la oposición ciertas actividades de propaganda. No obstante, no se autorizaban los mítines al aire libre, sino solamente en locales cerrados y con la asistencia
de “representantes de la autoridad o miembros de la policía que tienen
facultades para suspender discrecionalmente estos actos políticos […]
tiende a evitar, según se ha manifestado, a que no se rebasen los límites de la decencia, de la cordura, de la altura moral que se desea para
esta contienda cívica”.
En un extenso informe se analiza las posiciones de todos los sectores
políticos de la oposición respecto de la campaña y se analizan los discursos de los candidatos. Como conclusión Bosques critica el bajo nivel
de la campaña no sólo desde la candidatura oficial sino también de la
opositora que, a pesar de la censura, no ha sabido ofrecer un proyecto alternativo para el país. Afirmaba que “en los discursos de propaganda importa más levantar y sostener el entusiasmo de las masas que especular con teorías, análisis críticos, interpretaciones y soluciones técnicas. La notoria falta de entrenamiento de los intelectuales demócratas para la lucha electoral, los conduce a esta postura mediocre […] lo
que se ha traducido en “desánimo, conformidad y resignación con el
trámite electoral”. 31
30 Gilberto Bosques, “Informe Político”, Lisboa, 10 de septiembre de 1948, en
Informes Diplomáticos México-Portugal 1948. Archivo Genaro Estrada de la Secretaría
de Relaciones Exteriores de México, 51689, p. 1.
31 Gilberto Bosques, “Informe Político”, Lisboa, 1 de febrero de 1949, en Informes
Diplomáticos México-Portugal 1948. Archivo Genaro Estrada de la Secretaría de
Relaciones Exteriores de México, pp. 19-20
75
Finalmente informaría de la retirada de la candidatura de Norton de
matos apenas un día antes de la cita electoral y de cómo la oposición
optó finalmente por la abstención. Y finalmente, pasadas las elecciones la PIDE se encargaría de decapitar a la oposición encarcelando a
quienes se habían destacado en el debate político. Comenta cómo “en
los últimos días de febrero, las prisiones de Lisboa, de Oporto y de casi
todas las capitales de provincia estaban pletóricas de reos políticos”. 32
Unos meses después se informa de la creación del Consejo de Seguridad Pública organismo “encargado de la represión de las actividades
políticas en territorio metropolitano” y que según Bosques responde a
un plan para incrementar el carácter policiaco del régimen y, de esta
forma, cerrar el paso a la oposición de cara a que no entren a disputar
los próximos procesos electorales.33
Los últimos meses del periodo de Bosques al frente de la Legación
mexicana estarían centrados en dos acontecimientos, en primer lugar,
en las noticias sobre las elecciones a Diputados a la Asamblea Nacional en noviembre de 1949. Se renovó el 50% de los representantes de
la asamblea corporativa. Esta campaña tuvo mucha menos polémica
que la anterior pues tan sólo se presentaron las listas de Unión Nacional (Con la excepción de Castelo Branco y Portalegre donde se presentaron dos listas independientes de candidatos monárquicos pero que
no pueden considerarse opositores).34 El otro gran acontecimiento de
ese final de 1949 fue la visita del General Franco a Lisboa. Gilberto Bosques, como la mayor parte del cuerpo diplomático en Portugal se abstendría de acudir a ninguna de las actividades de dicha visita. Recordemos que continuaba vigente el aislamiento internacional al régimen de
Franco decretado por la ONU en 1946 y que México reconocía oficialmente al gobierno de la República Española en el exilio. La lectura que
hace Boques de dicha lectura fue, por descontado, bastante negativa.
32 Gilberto Bosques, “Informe Político”, Lisboa, 2 de marzo de 1949, en Informes
Diplomáticos México-Portugal 1948. Archivo Genaro Estrada de la Secretaría de
Relaciones Exteriores de México, 59160, p. 15.
33 Telegrama cifrado, Lisboa , 1 de julio de 1949, en Informes Diplomáticos
México-Portugal 1948. Archivo Genaro Estrada de la Secretaría de Relaciones
Exteriores de México, 6088.
34 “Correo aéreo confidencial”, Lisboa, 18 de octubre de 1949.
76
Comenta cómo estuvo caracterizado por las grandes medidas de seguridad que fueron necesarias para garantizar la seguridad de los visitantes,
lo que provocó un “profundo disgusto del portugués por la invasión de
más de seiscientos policías españoles […] y por las actitudes de jactancia del general Franco. Históricamente mantiene el pueblo portugués
recelo y malquerencia para todo lo español”. Señala Bosques que Franco expresó su disgusto por la frialdad del recibimiento del pueblo portugués y por la ausencia de los embajadores de las principales potencias, menciona que los discursos fueron arreglados para “dar al exterior una impresión de unidad política y militar entre ambos gobiernos”
y que la única finalidad de dicha visita fue la de “continuar utilizando
a Portugal para las gestiones a favor del fascismo ante los gobiernos de
las grandes potencias”35
Conclusiones
Para finalizar podemos confirmar la impresión inicial de que la representación en Lisboa representó una magnífica oportunidad para un
hombre cultivado e interesado por su tiempo como Gilberto Bosques de
comprender mejor los movimientos internacionales en un nuevo mundo en formación como era el de la guerra Fría.
A pesar de que Gilberto Bosques se encontraba ideológicamente
muy distante del Estado Novo, se desprende de sus informes un gran
respeto por la figura de Salazar como intelectual y como estadista. Observamos cómo desde pronto, Bosques se da cuenta de que el giro que
está sufriendo la política internacional desde el final de la guerra favorece los intereses de un régimen como el portugués y es consciente de
cómo Salazar está sabiendo comprender la situación y maniobrar para
posicionarse del lado de las democracias occidentales.
Admira la capacidad de Salazar para azuzar el fantasma del terror
rojo de forma que pudiera utilizarlo posteriormente en sus negociaciones con los angloamericanos. Comparte también la impresión de que
35 Telegrama cifrado, Lisboa 28 de octubre de 1949, en Informes Diplomáticos
México-Portugal 1949. Archivo Genaro Estrada de la Secretaría de Relaciones
Exteriores de México, 1955.
77
era más beneficioso para un país como Portugal quedarse fuera de las
ayudas del plan Marshall, al que no le auguraba viabilidad, para obtener a cambio acuerdos bilaterales que podrían ser más beneficiosos.
Por otra parte, parece que Bosques le otorgaba una excesiva influencia a la influencia de España y el bloque ibérico en la política exterior
portuguesa. Quizá por su activo antifranquismo, recordemos que había
establecido desde su etapa en Francia una estrecha relación con republicanos españoles, que a su regreso a México le otorgaron toda suerte de homenajes o quizá por la tradicional subordinación para México
de Portugal a las relaciones con España. El caso es que Bosques parece
ver la sombra de Franco en todas las acciones exteriores portuguesas.
Bosques mantuvo estrechos contactos con la oposición portuguesa,
lo que le permitía conocer prácticamente todos sus movimientos e informar de ellos. Gracias a estos contactos comprende que la oposición
no tiene posibilidades de acabar con el régimen, desde el comienzo describe a la oposición política como débil, y desorganizada, carente de líderes capaces de encauzar un movimiento que pueda hacer temblar los
cimientos del sistema. No obstante, a pesar de valorar la fineza y la inteligencia de la política exterior del Estado Novo, tampoco concibe la
posibilidad de que el Estado Novo, así como el franquismo puedan llegar a perdurar. Continuamente, vemos que advierte de la existencia de
planes y movimientos, bien promovidos por agentes británicos o estadounidenses, o bien desde el propio interior del Salazarismo que tratarían de llevar a cabo una transición controlada a un régimen pluripartidista con la predominancia de un partido demócrata cristiano.
Bosques abandonará Lisboa desencantado con las posibilidades de
un cambio democrático en aquel país, toda vez que su situación en el
bloque occidental comienza a normalizarse con su entrada en la OTAN
y cuando la oposición política se ha mostrado completamente incapaz
de hacer frente al Estado Novo.
Bibliografía
BOSQUES, Laura (ilustradora) - Gilberto Bosques Saldívar, acervo fotográfico. México: Comisión de Derechos Humanos del Distrito Federal,
2010.
78
BRAGA DA CRUZ, Manuel - O partido e o Estado no Salazarismo. Lisboa,
Presencia, 1988
CASTRO BRANDAO, Fernando de - Relaciones Diplomático-Consulares
ente México y Portugal. México: Secretaría de Relaciones Exteriores, 1982
DELGADO, Iva - Portugal e a Guerra Civil de Espanha, Mem Martins,
Publicações, Europa-América, 1979.
DUARTE SILVA, A. E - Salazar e o Salazarismo. Lisboa: Publicações
Dom Quixote, 1989
ENRIQUEZ PEREA, Alberto (Coomp.) - Daniel Cosío Villegas y su misión
en Portugal. México: El Colegio de México, Secretaría de Relaciones
Exteriores, 1998
GARAY ARELLANO, Graciela de - Gilberto Bosques: el oficio del gran
negociador. México: Secretaría de Relaciones Exteriores, 1988.
HERNÁNDEZ, Elsa María - Gilberto Bosques. Puebla, México: Secretaría
de Cultura de Puebla, 1997
LIDA, Clara E., MATESANZ, José Antonio y ZORAIDA, Josefina - La
Casa de España y el Colegio de México. Memoria: 1938-2000, México:
El Colegio de México, 2000
LOFF, Manuel - “A memória da Guerra de Espanha em Portugal através
da historiografía portuguesa”, en Ler História, nº 51, 2006, pp. 77-131
MALGAT, Gérard - Gilberto Bosques: la diplomacia al servicio de la
libertad, Paris-Marsella (1939-1942), México: Vanilla Planifolia, CONACULTA, 2013
MORALES GALVÁN, Hugo - Gilberto Bosques Saldívar. México: Comisión
de Derechos Humanos del Distrito Federal, 2010
NARANJO, Francisco - Diccionario biográfico Revolucionario. México:
Imprenta Editorial ”Cosmos” edición, 1935
ROLLO, Maria Fernanda - “Portugal e o Plano Marshall: história de uma
adesao a contragosto (1947-1952)”, en Análise Social, vol. XXIX, (128), 1994
ROSAS, Fernando (coord.) - Portugal e a Guerra Civil de Espanha.
Lisboa: Edições Colibri, 1998.
79
TORRE GÓMEZ, Hipólito de la y SÁNCHEZ CERVELLÓ, Josep - Portugal
en la edad Contemporánea, 1987-2000. Historia y documentos. Madrid:
UNED, 2000.
VELÁZQUEZ HERNÁNDEZ, Aurelio - Empresas y finanzas del exilio. Los
organismos de ayuda a los republicanos españoles en México 1939-1949.
México: El colegio de México, 2014.
VELÁZQUEZ HERNÁNDEZ, Aurelio - “Gilberto Bosques y la huida de
republicanos españoles por Portugal, 1946-1949”, en Estudios de Historia Moderna y Contemporánea de México, nº 52, 2016. Pp. 857-883.
80
S A N TA M A R I A E O A R Q U I C É U D O S A Ç O R E S
António Sousa Monteiro
Resumo
A Ilha de Santa Maria desempenhou um papel determinante no desenvolvimento das tecnologias aeronáuticas no Arquipélago dos Açores,
a partir do final da primeira metade do século XX, como aeroporto de
escala técnica e centro de controlo e comunicações, continuando hoje
a ter uma função preponderante na gestão do tráfego aéreo no Atlântico Norte. Este artigo apresentará o papel desempenhado por esta ilha
na emancipação do mar e subida a terra da aviação num processo de
construção e estruturação do que propomos ser o arquicéu dos Açores,
por sobreposição ao arquipélago.
Palavras chave: Ilha de Santa Maria; Arquipélago dos Açores; Aviação; Soberania; Autonomia.
Abstratct
Santa Maria Island played a relevant role on the development of the
aeronautical technologies in the Azorean Archipelago, after the last days
of World War II, as a pit stop airport for transatlantic aviation and an Atlantic air traffic control center. This paper will address the role played
by this island in the aviation emancipation from sea and its rise upland
in a process of construction and structuring of what we propose to be
called the archi-sky of the Azores, overlapping the archipelago.
Key words: Santa Maria Island; Archipelago of the Azores; Aviation;
Soberany; Autonomy.
DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2070-1_5
arqui pelagus e arquicéus
A palavra arquipélago deriva do grego archi – grande; pelagus – mar.
Será um grande mar ponteado por ilhas que, pela sua proximidade geográfica ou outras condicionantes naturais ou socioculturais, nos permite
ter uma ideia de unidade. Como sugere Veronique Le Ru, “tudo é compreendido em negativo, no sentido do negativo da fotografia”.1 Juntando
aqui a ideia-título de livro de Louis Castex Iles, relais du ciel2, chegamos
à ideia de Arquicéu: esta vasta área de espaço aéreo que serve de canal
de união das ilhas entre si e destas com o mundo; que é observado e
controlado com o apoio das ilhas que o constituem; que funcionam
muitas vezes como espaço de fronteira e de articulação.
Santa Maria faz parte de um destes grandes mares ou arquicéus,
sendo-lhe atribuído um nome plural: Açores. Um conjunto de nove
pequenas ilhas vulcânicas localizadas entre os paralelos 36N e 43N e os
meridianos 25W e 31W, sendo dividido em três grupos de ilhas, com
áreas e orografias muito diversas (ver quadro 1), que surgiram em torno
da microplaca dos Açores, onde se unem as placas Africana, Euroasiática
e Norte-Americana. Espalhadas no centro do tempestuoso Atlântico Norte
numa orientação SE-NW ao longo de seiscentos quilómetros lineares,
essas ilhas localizam-se a aproximadamente 1500 km da Europa e a
2500 km da América do Norte, fato que tornou o acesso e a navegação
entre essas ilhas um grande desafio, tanto por mar como pelos ares.
Este arquipélago, também conhecido por Western Islands ou mesmo
African Isles, está incluído na região da Macaronésia, termo que deriva
das míticas Ilhas Afortunadas, que inclui os arquipélagos da Madeira,
Canárias e Cabo Verde (Manguel; Guadalupi, 2013).
A ilha mais oriental e meridional do Arquipélago dos Açores – Santa
Maria –, situa-se junto ao meridiano 25 W e é atravessada pelo 37º para-
1 “dès lors, si l’Archipel est une mer entrecoupée d’îles, tout est comprendre
en négatif, au sens du négatif d’une photographie”. LE RU, Veronique – «Passes
et passages de l’archipel: la langue grecque au service d’une enquête». In Faria,
Dominique (ed.) Pensée de l’Archipel et Lieux de Passage, Paris : Pétra, 2016, pp.17-32.
2 CASTEX, Louis – Iles, relais du ciel, Paris : VOICI – Univers-Club, Union
Générale d’Editions, 1964.
82
lelo norte na sua costa norte, formando, juntamente com São Miguel – a
maior e mais populosa ilha do Açores –, o Grupo Oriental do Arquipélago
dos Açores. As nove ilhas variam em áreas desde 17km2 a 745,5km2,
totalizando 2.332,9 km2 de área em uma zona econômica exclusiva
(ZEE) de 953.633,0 km2. Santa Maria é a terceira menor (97Km2), com
uma distância mínima de 6 km e máxima de 16 km, localizada a cerca
de 100 km de São Miguel.
Tabela 1: Área de superfície e perímetro das ilhas do
Arquipélago dos Açores
Ilha
Área
(km2)
Santa Maria
97,2
São Miguel
Abaixo
% do
Abaixo
% do Perímetro % do
de 300m
Arquip. de 300m
Arquip.
(km)
Arquip.
(km2)
4,17
85,30%
82,9
7,22
78
8,27
745,5
31,96
51,20%
381,7
33,23
230
24,39
Terceira
403
17,27
54,80%
220,8
19,23
126
13,36
Graciosa
61,1
2,62
94,30%
57,6
5,02
44
4,67
São Jorge
245,8
10,54
30,00%
73,7
6,42
139
14,74
Pico
448
19,20
41,00%
183,7
15,99
153
16,22
Faial
173,6
7,44
53,40%
92,7
8,07
80
8,48
Flores
141,6
6,07
34,60%
49,0
4,27
72
7,64
Corvo
17,1
0,73
38,00%
6,5
0,57
21
2,23
Açores
2332,9
100,00
1148,7
100,00
943
100,00
Dados: Projeto CLIMAAT - URL http://www.climaat.angra.uac.pt/
Ilha de Santa Maria. Entre o Mar e o Ar.
A história geológica peculiar de Santa Maria foi decisiva para o seu
papel na história da aviação, como foi para outros capítulos distintivos
de sua história, desde logo a sua descoberta. Foi a primeira dos Açores a
emergir das profundezas do oceano neste local onde se juntam as placas
euroasiática, africana e americana. Esta ilha era maior do que é agora.
Mas um processo contínuo de erosão neste período onde o nível médio
das águas do mar era mais alto submergiu a maior parte do vulcão e
tornou a ilha plana. Também um severo processo tectónico fez colapsar
83
a parte oriental, tendo o depósito em profundidade dos seus detritos
originado um processo vulcânico explosivo que fez a ilha crescer para
o lado leste, numa orografia bem diferente da ilha original. Isto resultou
na atual ilha dos últimos 2-3 milhões de anos: uma ilha-dupla gerada a
partir de ciclos de explosão-erosão-colapso-explosão. Como resultado,
a ilha conta com duas partes geomorfologicamente distintas separada
por uma cadeia montanhosa de uma altitude máxima de 590 metros: a
oeste, uma plataforma plana abaixo de 100 metros de altitude, com as
marcas de ter sido submersa por milénios; a este, um complexo montanhoso entre 200 e 300 metros de altitude, com a mesma idade geológica
e características de outras ilhas que surgiram na microplaca dos Açores
(São Miguel, Terceira, Graciosa, São Jorge, Pico e Faial) ) e do outro
lado da cordilheira mesoatlântica (Flores e Corvo).
Como ilhas oceânicas, os Açores são profundamente moldados pela
sua história geológica, sua orografia e seu clima. Assim, devido à sua
posição geográfica no sudeste do Atlântico Norte, Santa Maria é – mais
frequentemente do que as outras ilhas do arquipélago – protegida pelo
Anticiclone dos Açores das frentes frias do Atlântico Norte sopradas
pelas correntes de jato da América do Norte para a Europa. Fato que,
juntamente com a sua baixa altitude, faz de Santa Maria a ilha mais seca
dos Açores (Fernandes, 2004). Isto, somado à história geológica da parte
ocidental da ilha – a parte plana –, tornou-a menos fértil que a parte
ocidental, o que provavelmente pode ser a razão para que ela seja a
primeira a ser descoberta (as restantes ilhas eram densas florestas de arroteia mais demorada) e contribuiu para que fosse escolhido, quinhentos
anos mais tarde, como o melhor local para um aeroporto transatlântico.
Sua realidade vulcânica estabilizada, suas condições climáticas e o baixo
valor de seus terrenos para a agricultura concorreram com essa escolha.
1929. Agosto.
Tudo começa a mudar quando no dia 3 de Agosto de 1929 surge um
Zeppelin nos céus do lugar de Malbusca3, em Santa Maria. Este evento e
3 Malbusca tem este nome porque é uma aldeia que fica sobranceira à maior
arriba (a Rocha dos Dependurados) da ilha de Santa Maria e dos Açores onde era
84
o acidente dos aviadores polacos ocorrido na Ilha Graciosa, em Junho de
1929, na sua tentativa de voar entre França e EUA em avião de trem de
aterragem, bem como toda a discussão sobre as aventuras e conquistas
aeronáuticas que a imprensa açoriana acompanhava com muito interesse, parece vir ligar os nós da luta de José Medeiros Moniz, fundador do
jornal O Baluarte, para acordar e fazer ouvir Santa Maria. Ao lado do
seu artigo “Ao Deixar Santa Maria” escreve outro sob o título “Aviação
nos Açores – Um Aeródromo em Santa Maria”4 que acaba por ter eco no
jornal Portugal – Madeira – Açores, publicado em Lisboa e com difusão
nacional. Moniz argumentava que o terreno para um aeroporto na ilha
de São Miguel teria um custo de 3.750.000$00 escudos. Em Santa Maria,
custaria 20.000$00 escudos. Os Açores já contavam com uma década
de eventos aeronáuticos e ainda faltava mais de uma década para Santa
Maria ser chamada a ter um lugar na aviação transatlântica. Mas estava
lançada a semente.
Apesar desta identificação de Santa Maria como local propício a uma
infraestrutura aeronáutica nos Açores no verão de 1929, o processo de
adjudicação das rotas e infraestruturas no império português já estava
em curso. É, pois, em 1929, que Portugal adjudica o monopólio das ligações aéreas no império e que incluía a construção das infraestruturas
terrestres a uma empresa portuguesa de capitais franceses. Nos Açores,
é escolhido o lugar da Achada, na Ilha Terceira, sendo preparado um
campo de aviação neste local. Este contrato acabou por ser denunciado
por incumprimento, em 19335, o que fez voltar aos Açores uma série
de missões da aviação naval das principais potências aeronáuticas da
época, visto que o estádio evolutivo da aviação ainda insistia na aviação
naval para as travessias oceânicas.6
colhida a planta tintureira urzela nos primeiros anos do povoamento da ilha. Os
apanhadores eram dependurados em cordas para colherem as plantas. Aconteciam
acidentes, o que se acredita ser a razão para atribuição deste nome àquela aldeia
junto à rocha onde se ia buscar urzela.
4 “Aviação nos Açores – Um Aeródromo em Santa Maria”, in O Baluarte de
Domingo, 15 de Setembro de 1929, ANO II – Nº 28, p. 2 e 6.
5 PINTO, Manuel Serafim, Transporte Aéreo e Poder Político, Lisboa: Coisas de
Ler, 2010.
6 Como refere Charles Lindbergh no seu relatório para a Pan Am, em 1935:
“Summarizing, I believe that from the standpoint of American aviation, in general,
85
Febre do Atlântico
Este grande mar já apelidado de “rio atlântico”7 foi desde cedo considerado o grande desafio para a aviação que se desenvolvia nos grandes
espaços continentais, sobretudo promovida pelas grandes potências
coloniais. A sua atmosfera tempestuosa, o sentido comum dos ventos e
a falta de pontos de escala seguros leva a que se promovam tecnologias
alternativas à aviação de trem de aterragem: dirigíveis ou hidroaviões.
Charles Lindbergh, o primeiro aviador a atravessar o Atlântico Norte
(1927), na boca de Louis Blèriot, o primeiro a atravessar o Canal da
Mancha (1909), ao ser questionado sobre os Açores, onde havia efetuado
uma viagem de reconhecimento em 1933, terá afirmado ”Não há mais
que montanhas e vulcões!”8
Lucky Lindy e Anne Morrow haviam feito a prospeção aeronáutica
destas ilhas ao serviço da Pan Amercan Airways. Segundo o artigo publicado na National Geographic Magazine9 na sequência desta missão,
existiam dois portos nos Açores, mas sem condições para hidroaviões
transatlânticos: a Horta – “a steep hill behind us and a step cliff ahead of
us” – e Ponta Delgada, com um molhe, ao tempo, insuficiente. Contudo,
no relatório para a Pan American10, Lindbergh não era tão simplista: afir-
as well as for the best interests of Pan American Airways, we should begin operating
trans-oceanic airlines with our present flying boat types, through the experience
gained in their operation, we would study the comparative merit of landplane
operation in the future. “1935 report by Charles A. Lindbergh advocating flying
boats / Colonel Charles A. Lindbergh advisory letter to Pan American Airways Inc.
/ written by Colonel Charles A. Lindbergh while he was Chief Technical Advisor
to Pan American Airways, Inc.” in “APPENDIX “C” – Balboa Shops Printing Pant;
Republic of Panama.
7 ALMEIDA, Onésimo – Rio Atlântico, Edições Salamandra, Colecção Garajau.
Lisboa: Salamandra, 1997, pp. 255.
8 CASTEX, Louis – Iles, relais du ciel, Paris : VOICI – Univers-Club, Union
Générale d’Editions, 1964.
9 “Flying around the north Atlantic”, por Anne Morrow Lindbergh com introdução
de Charles A. Lindbergh, in The National Geographic Magazine, Vol. LXVI, Nº 3,
Setembro de 1934, p. 259-260.
10 “1935 report by Charles A. Lindbergh advocating flying boats / Colonel
Charles A. Lindbergh advisory letter to Pan American Airways Inc. / written by
Colonel Charles A. Lindbergh while he was Chief Technical Advisor to Pan American
Airways, Inc.” in “APPENDIX “C” – Balboa Shops Printing Pant; Republic of Panama.
86
mava que o estádio evolutivo da aviação ainda não permitia a utilização
de aviões (terrestres) nas rotas oceânicas, mas que havia que “ocupar o
espaço” com a tecnologia disponível (o hidroavião), acumulando conhecimento, até que a evolução chegasse. Era, afinal, o que fazia também
a Luft Hansa com os seus hidroaviões catapultados a partir de navios.
Louis Castex, à data veterano da esquadrilha francesa Diables Bleus
da Primeira Guerra Mundial, não aceitou bem aquela ingénua certeza do
seu compatriota Blèriot... até porque, no Pacífico, a Pan Am inaugurara já
a ligação EUA-China, utilizando ilhas como escala dos seus hidroaviões.
O Governo Francês acaba por enviar várias missões aeronáuticas aos
Açores: a de Lucien Bossoutrot, de que resulta um filme-documentário
(disponível em gaumontpathearchives.com); a de Henry Nomy a quem
incumbia procurar um plan d’eau capaz de albergar hidroaviões de
grande tonelagem; e as duas missões de Louis Castex na procura de um
terreno para construção de um aeroporto.11
Na sequência destas missões de Louis Castex aos Açores, é pedida
pelas autoridades francesas a construção de um aeroporto nas Lajes da
Praia da Vitória. No entanto, com a subida ao poder do Frente Popular
em França num ambiente de Guerra Civil Espanhola, Oliveira Salazar fez
orelhas moucas à pretensão gaulesa. Nos verões de 1937, 1938 e 1939,
os hidroaviões da Luft Hansa, em Ponta Delgada e na Horta, e da Imperial Airways, da Pan Am e da Air France Transatlantique, apenas na
Horta, desenvolvem estudos para a implementação de uma rota regular
no Atlântico.12 Será a Pan American World Airways que irá inaugurar a
ligação regular transatlântica, através do Aeroporto Marítimo da Horta
com os seus míticos Clipper B314, em Junho de 1939. Um acordo entre
11 MONTEIRO, António – “Louis Castex e as Missões Aeronáuticas Francesas
aos Açores”. In Atlântida – Revista de Cultura,vol. LX. Angra do Heroísmo, Instituto
Açoriano de Cultura, 2015.
12 WARNER, Guy, Under the Goshawk’s Wings – A History of Aviation in the
Azores. Ponta Delgada: Letras Lavadas, 2017. Em 1938, num dos doze voos da Air
France Transatlantique finalmente autorizados, capitaneados por Henri Guillaumet,
a quem Saint Exupéry dedica A Terra dos Homens e apelida de “o Homem dos
Milagres”, sobrevoa Santa Maria no grande hidroavião Latécoère para verificarem a
extensão da planície mariense, sendo ultrapassados pelo Clipper da Pan American
que havia descolado de Lisboa algum tempo depois, também com destino à Horta,
e que contava com melhores performances.
87
a Imperial Airways, a Pan American World Airways e Portugal que,
junto com o início da Segunda Guerra Mundial, termina um processo
de gestão do poder funcional e geoestratégico do Arquipélago dos Açores – ainda no que toca apenas às águas dos seus portos – que parece
um ensaio da Neutralidade Colaborante13 verificada durante a Segunda
Guerra Mundial.
Segunda Guerra Mundial
É já em plena Segunda Guerra Mundial, em Dezembro de 1941, que
se iniciará uma rigorosa prospeção das ilhas dos Açores liderada pelo,
então, Capitão Humberto Delgado, a pedido das autoridades militares
inglesas, a quem o futuro General “Sem Medo” entregou dois Blue Report.
Segundo o próprio, o primeiro Relatório Azul provou ser de considerável importância, pois alterou completamente a intenção de os ingleses
usarem hidroaviões, dadas as condições de mar ao longo do ano e as
limitações das Lagoas.14
Na sequência destes relatórios, são preparados os campos de aviação,
em Santana, Ribeira Grande, na ilha de São Miguel, onde foi primeiramente ativada a Base Aérea Nr 4, e nas Lajes da Praia da Vitória, na Ilha
Terceira. Seguiu-se a ativação da secular aliança luso-britânica – Tratado
de Windsor –, permitindo às forças inglesas o desembarque em Angra do
Heroísmo para construção de uma base aérea nas Lajes da ilha Terceira,
sem que isto ferisse o estatuto neutral de Portugal. Como reação, após
a cedência das Lajes aos britânicos, logo os EUA pediriam concessões
idênticas, aceitando mal a sua condição de “assistentes técnicos” dos
ingleses. Depois de uma descabida primeira proposta militar americana
que incluía aeroportos e bases navais em quase todas as ilhas, eis que,
habilmente, o então chargé d’affairs George Kennan, propõe a Oliveira
Salazar a construção, por parte de uma empresa privada americana, de
13 ANDRADE, Luís Manuel Vieira de, Neutralidade Colaborante – O Caso de
Portugal na Segunda Guerra Mundial. Ponta Delgada: [sn], 1993.
14 Sobre o desenvolvimento da aviação naval nos Açores, ver o dossier “Asas
Sobre o Atlântico” da Atlântida – Revista de Cultura, vol. LX. Angra do Heroísmo:
Instituto Açoriano de Cultura, 2015.
88
um aeroporto internacional na Ilha de Santa Maria, sendo que o seu
modelo de utilização seria analisado num momento posterior.15
Assim, depois desta conversa entre George Kennan e Salazar, as negociações evoluíram no sentido de Portugal conseguir o seu quid pro
quo [em troca] da autorização para a construção, uso e controlo de um
campo de aviação na Ilha de Santa Maria: o retorno de Timor-Leste à
soberania portuguesa. Esta negociação16 culmina no acordo assinado a
28 de Novembro de 1944 com o título “Acordo entre os Governos de Portugal e dos Estados Unidos da América com vista à participação indireta
de Portugal nas operações do Pacífico”. Em troca do uso e controlo da
Base de Santa Maria que as autoridades americanas já construíam desde
o verão de 1944, estas comprometem-se em fazer regressar Timor-Leste
à soberania portuguesa, ocupado pelas forças nipónicas na sequência
de uma primeira ocupação das forças australianas da Aliança. Este foi
o primeiro acordo entre Portugal e os Estados Unidos da América sobre os Açores e, segundo uma determinada perspetiva, o único acordo
puramente bilateral entre os dois países, neste âmbito. Isto tendo em
conta que o “Acordo de auxílio mútuo para a defesa entre Portugal e os
Estados Unidos”, assinado a 5 de Janeiro de 1951 (o Acordo dos Açores), é já na era NATO, onde, segundo Medeiros Ferreira, “é de realçar
[o] uso subtil do plano bilateral e do plano multilateral na negociação
norte-americana”.17
A Base Aérea de Santa Maria. De Station X a Project 111.
O processo de construção da Base Americana de Santa Maria conta
com vários episódios que nos levam a pensar num processo evolutivo
15 VINTRAS, R. E., The Portuguese Connection – The Secret History of the Azores
Base. Londres: Bachman Turner, 1974, p. 40.
16 Inclui um primeiro acordo secreto apenas referente à autorização de construção
da base aérea (24 de Julho de 1944) e um contrato-fachada com a empresa privada
Pan Am (10 de Agosto de 1944). RODRIGUES, Luís Nuno, “George Kennan e as
Negociações Luso-Americanas sobre os Açores”, in Revista Relações Internacionais,
IPRI, Dezembro de 2004.
17 FERREIRA, José Medeiros – Os Açores na Política Internacional. Lisboa:
Tinta-da-China, 2011, p. 79.
89
com contornos darwinísticos na subida da aviação do mar à terra pelas
mãos do Estado que possuía maiores ferramentas de adaptação. Abordaremos a chegada da primeira missão, a chegada dos primeiros técnicos,
e a deslocação de uma barcaça com uma escavadora desde a Praia da
Vitória (Ilha Terceira) e Santa Maria.18
Em junho de 1944, um grupo de altas patentes e técnicos americanos
chegou à Base das Lajes, por via aérea. Aí embarcaram num arrastão de
14 metros rumo à Horta, onde encontraram os chefes de escala da Pan
American da Horta e de Lisboa, bem como o Comandante Militar de
Santa Maria. No contratorpedeiro Vouga, rumaram todos à ilha Oriental
onde recolheram as informações necessárias para delinear o projeto de
construção da nova base, dando instruções às forças portuguesas para
construção da pista provisória. Voltaram à Horta, de novo a bordo do
Vouga, onde puderam elaborar o projeto que logo foi levado a Lisboa a
bordo de um Clipper da Pan American, para aval do governo português.
A transferência dos primeiros militares americanos assistentes técnicos
na base britânica das Lajes para a “Station X” onde, disfarçados de funcionários da Pan American, instalariam o “Project 111” – futura 1391st
American Air Force Base Unit - North Atlantic Headquarters - North
Atlantic Division – deveria realizar-se já por via aérea, utilizando a pista
provisória construída pelos portugueses. No entanto, a desconfiança em
relação às suas condições fez com que os americanos, cautelosamente,
optassem pelo transporte marítimo, nomeadamente, o “Carvalho Araújo”
da Empresa Insulana de Navegação. Embarcando em Angra do Heroísmo
no dia 2 de agosto e viajando via Ponta Delgada, chegaram a Vila do
Porto ao final do dia 4. Recorrendo a geradores de eletricidade que muito
espantou os locais, em duas horas descarregaram o seu equipamento
para, no dia seguinte, iniciarem a construção do primeiro acampamento e
serviços de meteorologia e comunicações. Com estes serviços instalados,
puderam iniciar-se as frenéticas viagens aéreas entre as Lajes e Santa
Maria e a gradual transferência da capacidade americana. Contudo, antes
da chegada dos Liberty Ships ao velho porto de Santa Maria, havia que
18 Factos recolhidos nos relatórios do historiador da base americana de Santa
Maria, de 1944 a 1946, consultado no Quartel General da do Destacamento Americano
na Base das Lajes, Açores, em Abril de 2012.
90
criar condições para que o gigantesco volume de carga fosse desembarcado e transportado para o local da base, da forma mais expedita.
Para tal, eram necessárias duas peças fundamentais: uma barcaça com
dois motores e uma escavadora, que se encontravam na Ilha Terceira.
Esta épica viagem que ligou a Praia da Vitória a Vila do Porto durou
24 horas. Saíram às 15h00 do dia 16 de Agosto numa rota a passar, por
precaução, a 10 milhas náuticas de Ponta Delgada. Na barcaça foi instalado o equipamento rádio de um avião que acabou por não funcionar
corretamente na emissão, tendo a equipagem de recorrer aos códigos
luminosos para transmitir um noturno O.K.. Finalmente, às 15h30 do
dia 17 de Agosto de 1944, chegaram a Vila do Porto com a escavadora
necessária para abrir a Estrada da Birmânia dos Açores: o largo troço
que liga o mar à “prometedora planície” do Campo Grande de Santa
Maria, evitando o serpenteante caminho de carro-de-bois à medieval
Vila do Porto.
Entre Setembro e Outubro de 1944, seriam descarregados nove Liberty
Ships num total de 35 mil toneladas de carga. A Base de Santa Maria
levou nove meses a ser construída. No maio da Paz de 1945, a Base de
Santa Maria estava pronta a ser a placa giratória do Atlântico Norte. No
dia 2 de Junho de 1946, foi transferida para as autoridades portuguesas
a fim de se tornar “Base da Paz” dedicada à aviação civil. As forças americanas haviam instalado em Santa Maria o estado da arte da tecnologia
aeronáutica da altura e foi com naturalidade que a base construída se
tornou o Quartel General americano nos Açores, sendo o destacamento
americano na Base Britânica das Lajes colocado sob a sua jurisdição.
Base da Paz
Findo o conflito, a questão que se colocava era qual dos aeroportos
serviria a aviação civil internacional que entretanto evoluíra imenso: a
base britânica das Lajes ou a base americana de Santa Maria? Foi neste
sentido que no dia 9 de Maio de 1945 as duas bases receberam a interessante visita de Ogden Pierrot, adido do ar americano que se deslocou
aos Açores para, exatamente, avaliar qual das duas infraestruturas aeroportuárias reunia as melhores condições para desempenhar a função de
91
apoio à aviação civil no pós-guerra. O seu relatório19 parece-nos ajudar
a responder à questão que Medeiros Ferreira colocava frequentemente, afirmando que “não está suficientemente dilucidado (…) o porquê
do movimento que leva a Força Aérea norte-americana a abandonar o
aeroporto de Santa Maria e a preferir instalar-se na base das Lajes na
Ilha Terceira.”20 Segundo Pierrot, as vantagens de Santa Maria sobre as
Lajes eram claras, mas havia um sentimento entre as autoridades lusas
de que um importante aeroporto internacional deveria estar localizado
próximo de um centro populacional mais relevante do que aquele que
se encontra em Santa Maria; que seria preferível incrementar a economia
de uma área mais densamente habitada, como a Terceira, e não numa
ilha como Santa Maria que, “aparentemente”, tem sido posta de parte no
que toca à economia portuguesa e é tida como não tendo, praticamente,
interesse económico nenhum.
Sintetizando o complexo e sinuoso processo de decisão de Oliveira
Salazar, diríamos que, por entre hesitações e procrastinações, determinou
que as duas bases fossem transferidas para jurisdição portuguesa no 2
de Junho de 1946; que o transito de aviões militares seria feito pela base
das Lajes, e que Santa Maria fosse dedicada a uso civil. Desta forma,
concentrou as forças militares numa ilha maior sob controlo das forças
portuguesas, que, a permanecerem em Santa Maria, a afundariam sob
o seu peso; e por outro lado, retirou de Santa Maria as forças militares
deixando sob domínio civil português o estado da arte da tecnologia
aeronáutica instalada pelas forças americanas numa função aeroportuária
que se sabia transitória, enquanto a aviação não tivesse autonomia para
atravessar o Atlântico sem escala para reabastecimento.
19 “Comparative Study of Santa Maria and Lagens Airports – Azores”, comunicação interna da Pan American datada de 17 de Setembro de 1945 que inclui
memorando da própria Pan American sobre o tema, datado de 14 de Setembro de
1945, e o relatório confidencial com o título “Survey of Santa Marai and Lagens
Airbases – Azores by A. Ogden Pierrot, Civil Air Attache”, resultado da sua inspeção
a estas bases efetuada no dia 1 de Maio de 1945.
20 FERREIRA, José Medeiros – Os Açores na Política Internacional. Lisboa: Tintada-China, 2011, p. 79: “A troca da ilha de Santa Maria pelas Lajes na ilha Terceira
depois da II Guerra é um tema interessante mas não se encontra muito estudado.”
92
Geopolítica Açoriana na Era da Aviação
Neste ponto em que temos dois grandes aeroportos construídos nas
ilhas vizinhas de São Miguel, é interessante refletirmos com Medeiros
Ferreira sobre o impacto que esta subida à terra teve na geopolítica dos
Açores. Medeiros Ferreira afirma ser “surpreendente” o “aparecimento
para a navegação aérea de outra ilha em plena Segunda Guerra Mundial
– a Ilha de Santa Maria”.21 Refere ainda que a “realidade arquipelágica
compósita” que predominou nestes quase seiscentos anos de história
dos Açores levou a que estas ilhas estivessem “sob diferentes ‘zonas de
influência’ ou, melhor dizendo, (…) a sua utilização foi repartida entre
as potências, incluindo Portugal, (…) em que sempre avulta a prioridade dada às ilhas de S. Miguel, Terceira e Faial.”22 Refere ainda que um
relatório britânico de Abril de 1942 é muito claro ao afirmar que nos
Açores “só [aquelas] três ilhas têm importância estratégica”23 e que “os
Açores, para os estrategas portugueses da altura, não se defendiam como
um todo, mas sim por ilhas.
Com “a hegemonia da aviação” nos Açores, sobretudo com a subida
à terra da aviação, parece haver uma alteração neste quadro de defesa
territorial das ilhas. Admitindo que a opção pela construção de aeroportos na Terceira e em Santa Maria tem sobretudo a ver com a verificação
das condições geomorfológicas e aerológicas das diferentes ilhas, não
será despiciendo verificar que as ilhas guarnecidas por aeroportos na
Segunda Guerra Mundial são as vizinhas da Ilha de São Miguel. “A
hegemonia da aviação” parece quebrar o fado da defesa de cada ilha
em terra e per si. Somos mesmo levados a especular sobre se a escolha
de Santa Maria para base aérea norte-americana não será já sintoma da
passagem dos Açores de ponto de fronteira e defesa para articulação e
projeção. O facto é que já não se dependia da capacidade de defesa da
porção de terra delimitada por água (onde é fundamental a dimensão,
21 FERREIRA, José Medeiros – Os Açores na Política Internacional. Lisboa :
Tinta-da-China, 2011, p. 58.
22 Ibidem, p. 49.
23 Ibidem, p. 55.
93
a população e capacidade de subsistência da ilha), mas sim da forma
como esta se articula com os global commons, ou seja, no caso, as suas
características geomorfológicas e aerológicas.
É interessante verificar também como este surpreendente
aparecimento de Santa Maria afeta a geopolítica atlântica. Segundo Luís
Nuno Rodrigues, “a partir de meados de 1943, o objetivo fundamental da
política externa norte-americana em relação a Portugal foi a obtenção de
um acordo que permitisse a construção e a utilização de um aeródromo
na ilha de Santa Maria”.24 Para António José Telo, o sentimento americano era de “indignação”, pois achavam que a Inglaterra pretendia obter
“vantagens desleais” nos Açores, o que os levou a “recusar qualquer
papel de intermediário da Inglaterra e tentar obter facilidades nos Açores de forma independente”.25 A tal ponto que, já com a negociação e
a construção da Base de Santa Maria a bom ritmo, a Inglaterra tentou
incluir Santa Maria no âmbito da Aliança. Os americanos aproveitam o
“incidente” para vincarem a sua posição: “prefere[m] desistir de Santa
Maria a aceitar a tutela inglesa ou qualquer tipo de envolvimento britânico”. “Ainda segundo António José Telo, “é um primeiro pé nos Açores,
independente da Inglaterra, sendo evidente que existem objectivos que
excedem a guerra”.26
Pilares do Arquicéu
Mas até aqui os Açores ainda só têm três pilares. Entre 1945 e 1969, o
Arquicéu dos Açores era suportado pela Base das Lajes, pelo Aeroporto
Internacional de Santa Maria e pelo Campo de Aviação de Santana, na
Ribeira Grande, Ilha de São Miguel. Santa Maria era a placa giratória que
recebia a aviação civil internacional em escala técnica e era a porta de
entrada por via aérea nos Açores. Os passageiros com destino Açores
24 RODRIGUES, Luís Nuno, No Coração do Atlântico: os Estados Unidos e
os Açores (1939 – 1948), Colecção Defesa e Relações Internacionais. Lisboa: Ed.
Prefácio, 2005, p. 188.
25 TELO, António José, Os Açores e o Controlo do Atlântico, Lisboa: Edições Asa,
1993, pp. 403 e 438.
26 Ibidem, p. 454.
94
eram distribuídos pela SATA Air Açores para Santana e Lajes e pelos
navios da Insulana de Navegação para as restantes ilhas.
A próxima infraestrutura aeroportuária terrestre nos Açores aparece
no âmbito da Base de Telemetria Balística francesa, na Ilha das Flores.
Inaugurada a 6 de Outubro de 1966, contava com um aeródromo em
Santa Cruz, mas este só foi inaugurado em 1972. Entretanto, também São
Miguel teve um aeroporto condigno. Inaugurado em 1969, vai recebendo beneficiações e ampliações até poder receber tráfego internacional,
autonomizando-se finalmente das ilhas-aeroporto que avizinham o Arcanjo. O Aeroporto da Horta foi inaugurado em 1971. As restantes ilhas
só tiveram direito a aeroportos depois da implantação da Autonomia,
ficando o arquicéu a corresponder ao arquipélago dos Açores em 1983.
Autonomia e Política Aérea
Com o estatuto de autonomia regional conseguido pelos Açores na
sequência do 25 de Abril em Portugal, veio também uma Política Aérea
para os Açores. Em Maio de 1980, tendo em conta a evolução tecnológica das aeronaves e as condições sociopolíticas regionais, o Governo
Regional “resolve optar pelo Aeroporto das Lajes” como “aeroporto de
entrada e saída para os voos intercontinentais regulares”, mantem o
Aeroporto de Santa Maria com funções de aeroporto alternativo e também para escalas técnicas, e resolve, ainda, dar os passos necessários
para que o aeroporto de Ponta Delgada possa receber aviões de maior
capacidade e raio de ação.”27
Em Fevereiro de 1994, argumentando o final da Guerra Fria e os novos
compromissos da adesão à Comunidade Europeia, é publicada a Resolução do Governo Regional dos Açores que vem “Reformula[r] a política
aérea da Região Autónoma dos Açores contida na Resolução n.º36/80,
de 13 de Maio, abrindo os aeroportos de Ponta Delgada, Santa Maria e
Lajes aos voos regulares e não regulares, conforme interesse do operador.
27 Resolução Nº 36/1980 de 13 de Maio. I Série, N.º 17, de 13 de maio de 1980:
Define a função específica de cada um dos aeroportos da Região e implementa as
medidas necessárias ao seu desempenho.
95
Nesta resolução, declara também a posição do Governo Regional para a
“efectiva implementação do projecto NAV 2 em Santa Maria”.28
Espaço Aéreo Oceânico – mais que arquipélagos e arquicéus
A realidade é que o Arquicéu dos Açores era bem maior do que o
conjunto dos seus aeroportos e o espaço entre eles.
Voltando a 1944, apenas nove dias após a assinatura do Acordo de
Santa Maria de 28 de Novembro de 1944, fora assinada, também por
Portugal, a Convenção de Chicago sobre a Aviação Civil Internacional,
criando as Liberdades do Ar e a Organização Internacional da Aviação
Civil (OACI). Tirando partido do estado da arte da tecnologia aeronáutica instalado em Santa Maria pelas forças americanas e com uma
participação ativa na OACI, Portugal pôde ficar responsável pela vasta
zona de informação de voo que engloba, não só o espaço aéreo sobre
as águas territoriais dos Açores, mas também uma vastíssima área de
espaço aéreo sobre águas internacionais, formando a chamada Região de
Informação de Voo de Santa Maria. Portugal ficou, então, com a tutela
sobre duas Regiões de Informação de Voo: Santa Maria e Lisboa (esta
sobre o território continental e respetivas águas territoriais). Nos anos
1990, fora decidido que o Centro de Controlo sedeado em Santa Maria
desde 1946 por delegação da OACI seria transferido para Lisboa, espoletando o protesto das “forças vivas” locais e do Governo Regional para
com o Governo da República então liderado por Aníbal Cavaco Silva.
A situação reverte-se quando António Guterres promete na campanha
eleitoral que o levará a Primeiro Ministro de Portugal que, se fosse eleito,
o Centro de Controlo de Santa Maria, entretanto referido como NAV2,
permaneceria em Santa Maria.
Em 2012, e no âmbito do Céu Único Europeu, esteve sobre a mesa a
junção das duas Regiões de Informação de Voo geridas pela NAV Por-
28 Resolução Nº 27/1994 de 3 de Fevereiro, Jornal Oficial da Região Autónoma
dos Açores, I Série, N.º 5, de Quinta-feira, 3 de Fevereiro de 1994, p. 117: Reformula
a política aérea da Região Autónoma dos Açores contida na Resolução n.º36/80,
de 13 de Maio.
96
tugal – Lisboa e Santa Maria – por forma a contrabalançar com a Região
de Voo de Espanha numa possível imposição de um bloco ibérico. Em
2015, foi decidido não incluir a Região de Voo de Santa Maria no âmbito
do Céu Único Europeu, mantendo Portugal a autonomia na gestão deste
espaço aéreo delegado. Uma área bem maior da que agora Portugal reclama junto das Nações Unidas como Plataforma Continental e que, em
2018, controlou mais de 166 mil voos29. No entanto, também a evolução
tecnológica no controlo de tráfego e comunicações aeronáuticas fazem
com que o impacto no desenvolvimento da comunidade local seja cada
vez menor, tendo a ilha registado nos últimos anos uma população
inferior à do ano de 1900.
Contudo, parece que o processo explosão-erosão-sedimentação-colapso... e nova explosão parece continuar. A partir de 2008, foi instalada
no Monte das Flores, em Santa Maria, uma estação de telemetria da ESA
– European Space Agency, para monitorização da trajetória dos lançadores de satélites lançados a partir da Guiana Francesa. Entretanto, outras
infraestruturas, equipamentos e serviços se adicionaram a esta estação,
sendo já chamada de Teleporto de Santa Maria.30 A partir de 2012, também em Santa Maria, foi criada uma outra estação de geodesia por acordo
entre o Governo Regional dos Açores e o Instituto Geográfico Espanhol,
para cálculo do movimento das placas tectónicas, por triangulação com
objetos estelares31. Entretanto, com o desenvolvimento e democratização
do sector aeroespacial, Portugal encontra um forma de reinvenção do
seu poder funcional no Atlântico, abrindo concurso para uma estação
de lançamento de satélites32 a instalar no lugar da Malbusca, em Santa
Maria, processo que está a decorrer e que já levou à instalação da sede
da Agência Espacial Portuguesa naquela ilha.33
29 https://www.nav.pt/nav/quem-somos/dados-de-tr%C3%A1fego/riv-santa-maria-hist%C3%B3rico/
30 https://www.esa.int/Our_Activities/Operations/Estrack/Santa_Maria_station
31 http://www.oan.es/raege/
32 http://www.atlanticsatelliteprogramme.org/
33 “Agência espacial portuguesa apresentada publicamente esta quinta-feira” in
Jornal Económico, edição online de 28 de Março de 2019.
97
Conclusão
Uma ilha já não é uma ilha hoje
O mar é um espelho fundo
Coagulado
Sobrevoado
Distante
Tão parado
Tão longe já do medo de outras eras
Uma ilha já não é de muros de água
Para livrar-me dela tenho asas
Libertei-me da ilha no meu corpo
Mas tenho-a enquistada na minha alma34
Neste artigo pudemos percorrer o trilho de Santa Maria na sua função de apoio à mobilidade atlântica na era da aviação, não deixando
de o fazer à luz de outros períodos em que desempenhou este papel.
Analisámos também a forma como o surgimento de novas tecnologias
de comunicação alteraram o status quo no Atlântico, tanto ao nível do
domínio dos grandes Estados sobre o macro espaço oceânico como do
surgimento de novas lógicas de Sobreania e Autonomia sobre e no interior dos arquipélagos, permitindo a multiplicação de territórios.
A Ilha de Santa Maria foi a primeira a emergir deste grande mar e
foi a primeira a ser descoberta num cíclico processo de explosão-erosão-sedimentação-colapso-explosão. A sua peculiar história geológica
terá contribuído decisivamente para que tenha sido a primeira a ser
descoberta, servindo de base de apoio e referência para a descoberta
das restantes ilhas do Arquipélago dos Açores, no século XV. Da mesma forma, as suas características geomorfológicas e endafoclimáticas
contribuíram também para que desempenhasse um papel central no
34 “litania do eterno e do finito” in FERIN, Madalena – Prelúdio para um dia
perfeito. Lisboa: Salamandra, 1999, pp. 77-94, p. 87. Madalena Ferin (1929-2010):
poetiza mariense considerada uma das maiores açorianas do século XX. O poema
“litania do eterno e do finito” foi Prémio Irene Pessoa 1999.
98
desenvolvimento da aviação nos Açores e no Atlântico, como ponto de
escalas, placa giratória e centro de controlo responsável pela gestão do
tráfego aéreo de um quinto do Atlântico Norte. Tal como é possível que
tenham emergido outras ilhas antes de Santa Maria, entretanto apagadas
pelo mar; que outras ilhas tenham sido achadas antes da descoberta de
Santa Maria; que tenha acontecido aviação nos Açores antes de Santa
Maria se tornar a ilha-aeroporto, é também natural que a telemetria e
a observação astrológica até agora acontecida nos Açores seja apenas
um prelúdio para a explosão desta Ilha Espacial no aprofundamento do
Arquicéu dos Açores.
Fontes
Arquivo da Força Aérea Portuguesa
Delgado, Humberto – “Apontamentos – Açores”.
Arquivo do Quartel-General do Destacamento Americano na Base
Aérea das Lajes
Historical Report – Santa Maria Azores. Pastas “Santa Maria Airbase”.
Arquivo Oliveira Salazar
Pastas: Facilidades em Santa Maria
The University of Miami Libraries Special Collections - Pan American
World Airways, Inc. Records –
URL: http://scholar.library.miami.edu/digital/exhibits/show/panamerican
Arquivo Pessoal
“1935 report by Charles A. Lindbergh advocating flying boats / Colonel
Charles A. Lindbergh advisory letter to Pan American Airways Inc. /
written by Colonel Charles A. Lindbergh while he was Chief Technical
Advisor to Pan American Airways, Inc.” in “APPENDIX “C” – Balboa
Shops Printing Pant; Republic of Panama.
99
Biblioteca e Arquivo Regional de Ponta Delgada
Hemeroteca
O Baluarte (1928-1930)
Revistas
Arquipélago
Constância, João de Medeiros, «A ilha de Santa Maria: evolução dos
principais aspectos da sua paisagem humanizada (sécs. XV a XIX) » in
Arquipélago, Série Ciências Humanas, Nº. 4 (Jan. 1982), pp. 225-244.
URL: http://repositorio.uac.pt/handle/10400.3/599
ROCHA, Gilberta Pavão Nunes; RODRIGUES, José Damião; MADEIRA,
Artur Boavida; MONTEIRO, Albertino José Ribeiro – «O Arquipélago dos
Açores como Região de Fronteira». in Arquipélago – História, Universidade dos Açores, vols. IX-X, 2005-2006, pp. 105-140. URL: http://hdl.
handle.net/10400.3/414
Atlântida
MONTEIRO, António – «Louis Castex e as Missões Aeronáuticas Francesas
aos Açores». In Atlântida – Revista de Cultura. Angra do Heroísmo. Vol.
LX, 2015, pp. 416-453.
Relações Internacionais
RODRIGUES, Luís Nuno – «George Kennan e as Negociações Luso-Americanas sobre os Açores». In Revista Relações Internacionais do
IPRI – Instituto Português de Relações Internacionais. Lisboa. Dezembro
de 2004, pp. 053-063.
URL: http://www.ipri.pt/publicacoes/working_paper/pdf/Luis_Nuno_Rodrigues.pdf
The National Geographic
HAEBERLE, Arminius T. – «The Azores: Transatlantic Aviators’ Half-way
House». In The National Geographic Magazine, Junho de 1919, pp.
514-545.
100
MORROW, Anne; LINDBERGH, Charles – «Flying around the north Atlantic». In The National Geographic Magazine, Washington D.C.. Vol.
LXVI, Nº 3, Setembro de 1934, pp. 259-260.
Bibliografia
AAVV – Dossier: Aeroporto de Santa Maria: Que Futuro? ou a definição
da política aérea dos Açores e o 22 de Maio – 80 em Santa Maria –
Jornada de Luta. Vila do Porto: Comissão de Luta pelos Interesses de
Santa Maria Santa Maria, Julho de 1981.
AAVV – Livro de Actas do Seminário “Os Açores na Geopolítica do
Atlântico – Comemorações do 17º Aniversário do Comando Operacional
dos Açores”. Ponta Delgada: Universidade dos Açores. 2010.
AAVV – Os Açores e a II Guerra Mundial – actas do colóquio
internacional comemorativo dos 60 anos sobre a capitulação alemã.
Angra do Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura, 2007.
ALMEIDA, Onésimo – Rio Atlântico. Colecção Garajau. Lisboa: Edições
Salamandra, 1997.
ANDRADE, Luís – Os Açores, A Política Externa Portuguesa e o Atlântico.
Ponta Delgada, Letras Lavadas, 2013
ANDRADE, Luís – Neutralidade Colaborante – O Caso de Portugal na
Segunda Guerra Mundial. Ponta Delgada: [sn], 1993.
ANDRADE, Luís – Os Açores a Segunda Guerra Mundial e a NATO. Ponta
Delgada: Impraçor, SA, 1992.
ANDRADE, Luís – Os Açores e os Desafios da Política Internacional.
Horta: Ed. Assembleia Legislativa Regional dos Açores, 2002.
BASTOS, Sérgio Amaro – As Mobilidades Populacionais em Santa Maria:
Suas Evoluções e Tendências. Câmara Municipal de Vila do Porto, 2002.
101
CASTEX, Louis – Iles, relais du ciel. Paris : VOICI – Univers-Club, Union
Générale d’Editions, 1964.
CASTEX, Louis – L’Age de l’Air, Etienne Chiron. Paris : Librarie
Aeronautique, 1945.
CASTEX, Louis – Mon Tour du Monde en Avion. Paris : Librarie Plon,
1948.
COOLEY, Alexander – Base Politics – Democratic Changes and the U.S.
Military Overseas. Nova Iorque: Cornell Hull University Press, 2008.
COSTA, Ricardo Manuel Madruga da – Do Mito Nasceram as Asas…
Uma História da Aviação Civil. Ponta Delgada: SATA Air Açores, 2013.
Costa, Susana Goulart – Açores – Nove Ilhas, Uma História. Berkeley:
Institute of Governmental Studies Press, University of California, 2008.
DAEHNHARDT, Rainer – Dos Açores à Antárctida – Um dos grandes
segredos do séc. XX. Lisboa: Publicações Quipu, 1998.
DOBSON, Alan P. – FDR and Civil Aviation – Flying Strong, Flying Free.
Londres: Palgrave – Macmillan, 2011.
DOBSON, Alan P., Peaceful Air Warfare – The United States, Britain, and
the Politics of International Aviation. Londres: Clarendon Press, 1991.
FARIA, Dominique (ed.) – Pensée de l’Archipel et Lieux de Passage,
Paris : Pétra, 2016.
FERIN, Madalena – Prelúdio para um dia perfeito. Lisboa: Salamandra,
1999.
FERREIRA, José Medeiros – Os Açores na Política Internacional. Lisboa:
Tinta-da-China, 2011.
FERREIRA, José Medeiros – Cinco Regimes na Política Internacional.
Lisboa: Editorial Presença, 2006.
FERREIRA, José Medeiros – Portugal e os EUA nas Duas Guerras
Mundiais: a Procura do Plano Bi-lateral, Grupo de Estudos e Reflexão
102
Estratégica. Lisboa: Edições Culturais da Marinha, Cadernos Navais, nº
9, Março–Junho de 2004.
FIGUEIREDO, Jaime – Ilha de Gonçalo Velho – da Descoberta até ao
Aeroporto!. Vila do Poto: Câmara Municipal de Vila do Porto. 1990.
FRANCO NOGUEIRA – Salazar – As Grandes Crises (1936 – 1945), Vol.
III. Lisboa: Livraria Civilização Editora, 1983.
FREIRE ANTUNES, José – Portugal na Guerra do Petróleo – Os Açores e
as Vitórias de Israel – 1973. Lisboa: Ed. Edeline, 2000.
FREIRE ANTUNES, José – Roosevelt, Churchill e Salazar – A Luta pelos
Açores (1941 – 1945). Lisboa: Ediclube, 1995.
HERZ, Norman – Operation Alacrity – The Azores and the War in the
Atlantic. Indianapolis: Naval Institute Press, 2004. [tradução: Operação
Alacrity – Os Açores e a Guerra no Atlântico, Município de Vila do Porto,
2006].
JACKSON, Joe – Atlantic Fever: Lindbergh, His Competitors and the Race
to Cross the Atlantic. Picador, 2012.
KENNAN, George F. – Memoirs (1925-1950). Little, Brown and Company,
1967.
MARTINS, Manuel – Base Aérea das Lajes (contribuição para a sua
história) / Lajes Air Base, edição de autor, 2006.
MATOS, Artur Teodoro de, MENEZES, Avelino de Freitas de, LEITE,
José Guilherme Reis – História dos Açores – Do descobrimento ao século
XX, Volume I. Angra do Heroísmo: Instituto Açoriano de Cultura, 2008.
MATOS, Artur Teodoro de, MENEZES, Avelino de Freitas de, LEITE, José
Guilherme Reis – História dos Açores – Do descobrimento ao século XX,
Volume II. Angra do Heroísmo: Instituto Açoriano de Cultura, 2008.
MENDES, Armando – Os Açores e a projecção de força nos cenários pós
Guerra-fria. Ponta Delgada: Universidade dos Açores, 2006.
103
MENEZES, Avelino de Freitas de – Coisas de Agora – O Historiador e a
Actualidade. Ponta Delgada: Letras Lavadas, 2012.
MENEZES, Avelino Freitas de (coord) – Das Autonomias à Autonomia e
à Independência – O Atlântico Político entre os Séculos XV e XXI. Ponta
Delgada: Letras Lavadas, 2012.
PEREIRA, Bernardo Futscher – A Diplomacia de Salazar (1932 – 1949).
Lisboa: D. Quixote, 2012.
PINTO, José Filipe – Lisboa, os Açores e a América – Base das Lajes:
Jogos de Poder ou Rapina de Soberania?. Lisboa: Almedina, 2012.
PINTO, Manuel Serafim – Transporte Aéreo e Poder Político. Lisboa:
Coisas de Ler, 2010.
RODRIGUES, Luís Nuno – No Coração do Atlântico: os Estados Unidos
e os Açores (1939 – 1948), Colecção Defesa e Relações Internacionais.
Lisboa: Ed. Prefácio, 2005.
RODRIGUES, Luís Nuno (coord.) – Franklin Roosevelt e os Açores
nas duas Guerras Mundiais. Lisboa: Fundação Luso-Americana para
o Desenvolvimento, 2008; URL: http://www.flad.pt/wp-content/
uploads/2014/05/livro11.pdf
RODRIGUES, Luís Nuno (coord.) – Regimes e Império: As Relações
Luso-Americanas no Século XX. Lisboa: Fundação Luso-Americana,
2006. URL: http://www.flad.pt/wp-content/uploads/2014/05/livro22.
pdf
RODRIGUES, Luís Nuno, DELGADO, Iva, CASTAÑO, David (coord.) –
Portugal e o Atlântico – 60 anos dos Acordos dos Açores. Lisboa: Centro
de Estudos de História Contemporânea Portuguesa – ISCTE, Outubro
de 2005.
RODRIGUES, Luís Nuno – Os Estados Unidos em Santa Maria: O Acordo
Luso-Americano de 1944. Separata ao IV Colóquio “O Faial e a Periferia
Açoriana nos Séculos XV a XX”. Horta: Núcleo Cultural da Horta, 2007.
104
ROSA, Frederico Delgado – Humberto Delgado – Biografia do General
Sem Medo. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2008.
ROSA, Frederico – Humberto Delgado e a Aviação Civil, Edição
Comemorativa do Centenário do Nascimento de Humberto Delgado
e do 60º Aniversário da inauguração da Linha Aérea Imperial. Lisboa:
Edição ANA – Aeroporto de Portugal, SA, 2006.
SILVEIRA, Carlos M. Ramos da – Aeroporto da Horta – 30 Anos (1971 –
2001), Lisboa: ANA - Aeroportos de Portugal, SA, 2001.
SILVEIRA, Carlos Ramos da, FARIA, Fernando, Apontamentos para a
História da Aviação nos Açores. Angra do Heroísmo: Secretaría Regional
dos Transportes e Turismo, Direcção Regional do Turismo, 1986.
SMITH, Richard K. – First Across – The U.S. Navy’s Transatlantic Flight
of 1919. Indianapolis, Naval Institute Press, 1986.
TELO, António José – Os Açores e o Controlo do Atlântico. Lisboa: Edições Asa, 1993.
TELO, António José– Portugal e a NATO – o reencontro da tradição
atlântica. Lisboa: Edições Cosmos, Lisboa, 1996.
VINTRAS, R. E. – The Portuguese Connection – The Secret History of the
Azores Base. Londres: Bachman & Turner, 1974.
WARNER, Guy – Under the Goshawk’s Wings – A History of Aviation in
the Azores. Ponta Delgada: Letras Lavadas, 2017.
Filmes
Santa Maria Connection, de Eberhard Schedl
URL: http://www.rtp.pt/programa/tv/p29625
Filme completo: https://www.youtube.com/watch?v=ast6gKn0tJc
105
Referências Digitais
Atlantic Satellite Programme – URL http://www.atlanticsatelliteprogramme.org/
ANAC – Autoridade Nacional da Aviação Civil – URL: http://www.
anac.pt/
EMEPC – Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma
Continental – URL: http://www.emepc.pt/
Gaumont Pathé Archives
Archipel des Açores (l’) - Les Açores comme escale possible dans la
transatlantique aérienne Nord. Voyage d’études de Bossoutrot et Brut
en 1935. Data de publicação : 1 de Junho de 1935. URL: http://www.
gaumontpathearchives.com/
Projecto CLIMAAT – URL http://www.climaat.angra.uac.pt/
Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores
Resolução Nº 36/1980 de 13 de Maio. I Série, N.º 17, de 13 de maio de
1980: Define a função específica de cada um dos aeroportos da Região
e implementa as medidas necessárias ao seu desempenho. Hiperligação.
Resolução Nº 27/1994 de 3 de fevereiro, Jornal Oficial da Região
Autónoma dos Açores, I Série, N.º 5, de 3 de Fevereiro de 1994:
Reformula a política aérea da Região Autónoma dos Açores contida na
Resolução n.º36/80, de 13 de Maio. Hiperligação.
NAV Portugal EPE Dados de tráfego da Região de Voo de Santa Maria.
URL: https://www.nav.pt/nav/quem-somos/dados-de-tr%C3%A1fego/
riv-santa-maria-hist%C3%B3rico/
Red Atlantica de Estaciones Geodinamicas y Espaciales (RAEGE)
http://www.oan.es/raege/
106
A P O L Í T I C A AT L Â N T I C A D E E S PA N H A ,
1898-1982
Rosa María Pardo Sanz, PhD
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8960-7527
Resumen
El texto versa sobre la politica atlántica española en los siglos XIX y,
sobre todo XX. Revisa el papel de las relaciones con Iberoamérica, Estados Unidos, Portugal y las potencias atlánticas europeas (Francia y Gran
Bretaña) en la diplomacia española y su política de seguridad. Hasta
1945 el marco estratégico fundamental es el eje atlántico-mediterráneo,
en torno al Estrecho, e Iberoamérica, pero desde esa fecha el referente es Estados Unidos, casi hasta el final de la Guerra Fría. Sólo la integración en la OTAN en 1981 va a equilibrar la acción exterior española.
Palabras clave: Política Externa, Atlântico, Espanha, Estados Unidos
Abstract
The text deals with the Spanish Atlantic policy in the 19th and, above
all, 20th centuries. It reviews the role of relations with Latin America, the
United States, Portugal and the European Atlantic powers (France and
Great Britain) in Spanish diplomacy and its security policy. Until 1945,
the fundamental strategic framework was the Atlantic-Mediterranean axis,
around the Strait, and Latin America, but from that date the reference
point is the United States, almost until the end of the Cold War. Only
the integration into NATO in 1981 will balance Spanish foreign action.
Keywords: Foreign Policy, Atlantic, Spain, United States
DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2070-1_6
Abordar un tema como la política atlántica de España en un periodo
de tiempo amplio permite ver las continuidades y cambios fundamentales en la política exterior y de seguridad del país. El ámbito atlántico
ha sido y seguirá siendo un espacio geográfico decisivo para sus intereses nacionales. En la vertiente occidental se encuentran Iberoamérica (el contintente ligado por lazos histórico-culturales) y EEUU (la potencia hegemónica en el XX); en la vertiente oriental, aparecen las potencias europeas de referencia para España durante todo el siglo XIX y
parte del XX (Francia y Gran Bretaña), el Estrecho de Gibraltar (ampliado al eje Canarias, Norte África, Baleares), que otorga al Estado español mucho valor añadido desde el punto de vista geoestratégico, y las
colonias africanas (Guinea, Ifni, Sáhara), mucho menos relevantes para
España que para Portugal, pero que le permiten mantener la condición
de potencia colonial hasta bien entrado el siglo XX.
Se puede explicar como va cambiando la política española en ese espacio atlántico distinguiendo cuatro fases. La inicial, que podría calificarse de “recogimiento” o más bien de “encogimiento defensivo”. Ocuparía los años entre la derrota española frente a EEUU en 1898, hasta la I
Guerra Mundial. En ella el Atlántico es claramente percibido como una
amenaza. La segunda fase podría considerarse como de impulso “regeneracionista” en la política exterior española y llegaría hasta casi el final de la II Guerra Mundial. En ese periodo se busca una presencia más
activa de España en el sistema internacional y se vuelven los ojos hacia
Iberoamérica, aunque el centro de la política española se concentra en
la zona del Estrecho, norte de África y Mediterráneo. La tercera fase se
abre en 1944, cuando el Franquismo diseña una primera una política
nítidamente atlántica en clave anticomunista. El proyecto, con otra formulación, cuaja en 1953 con los acuerdos militares firmados con EEUU,
la potencia hegemónica sobre la que pivotará la diplomacia y la seguridad española hasta 1975. Finalmente, la cuarta fase se abre con la Transición democrática, cuando España encuentra por fin su sitio en Europa y la relación con EEUU se equilibra con el ingreso en la OTAN: una
posición estable, capaz de conjugar con equilibrio los distintos vectores
de la acción exterior español, incluido el Iberoamericano.
108
Las consecuencias de 1898: el encogimiento defensivo.
Tras el brutal impacto de la Guerra de la Independencia contra Francia y la pérdida del imperio americano en la década de 1820, España
quedó reducida a la condición de una pequeña potencia, muy dependiente de Francia y, sobre todo de Gran Bretaña, la gran potencia marítima garante del “equilibrio” contiental europeo salido del Congreso
de Viena. Hasta mediados del XIX, la primacía de los conflictos internos, la debilidad económica y militar y la inestabilidad política interna
forzaron su marginación de los asuntos continentales. Sus gobiernos se
concentraron en proteger y mantener sus últimas colonias en Caribe y
el Pacífico (Cuba Puerto Rico y Filipinas, Guam Carolinas Marianas Palau). Ni siquiera se preocuparon durante décadas de establecer relaciones
diplomáticas con las nuevas repúblicas de sus excolonias americanas1.
Aunque en la segunda mitad del XIX, hubo avances económicos y
un fortalecimiento del Estado, no hubo un cambio de política, más allá
de algunas aventuras militares (1855-1866 Marruecos, Cochinchina, Méjico St. Domingo, guerra Chile-Perú) meras muestras de una política de
prestigio imposible de mantener en el tiempo, que tampoco reportaron
réditos internacionales2. Se renunció a cualquier implicación en problemas europeos, de ahí la posición de neutralidad de España en los conflictos de Crimea (1853-1854) y en la Guerra Franco-Prusiana de 1870.
Fue lo que se llamó política de recogimiento, como la definión el líder
conservador Antonio Cánovas del Castillo3. Aunque, como ha señalado
1 JOVER ZAMORA, José María - España en la política internacional, siglos
XVIII-XX, Madrid, Marcial Pons, 1999. PP. 11-172 y - «La percepción española de
los conflictos europeos: notas históricas para su entendimiento ». In Revista de
Occidente, 57, 1986. PP. 5-42.
2 INAREJOS MUÑOZ, José A. - Intervenciones coloniales y nacionalismo español.
La política exterior de la Unión Liberal y sus vínculos con la Francia de Napoleón
III (1856-1868). Madrid: Silex 2007.
3 ELIZALDE, Mª Dolores - «Política exterior y política nacional de Antonio
Cánovas». In TUSELL, J. y PORTERO, F.- Antonio Cánovas y el sistema político de la
Restauración. Madrid: Biblioteca Nueva, 1998. PP. 233-288; DE LA TORRE, Rosario
- «Del final del Imperio a la búsqueda de un nuevo lugar en el sistema internacional. España ¿potencia media? ». In BENEYTO, J.M. y PEREIRA, J.C. Historia de la
política exterior española en los siglos XX y XXI. Madrid: CEU, 2015, Vol.I. PP. 53-82.
109
Hipólito de latorre, en las dos últimas décadas del siglo XIX ya se empezaron a apuntar los que serían los objetivos diplomáticos nacionales de las siguientes décadas: el interés por Hispanoamérica (convertida para entonces en el espacio de la emigración económica española)
como espacio de influencia (una especie de imperio espiritual) y el intento de poner en valor la geoestratégica posición peninsular con la recuperación de Gibraltar y la influencia sobre Marruecos y sobre Portugal, con un iberismo de formulación liberal, que auspiciaba una futura
unión peninsular por consenso4.
Sin embargo, en esos últimos años de la centuria, la España de la
Restauración no se adaptó a los cambios del sistema internacional. En
Madrid no se percibió que la nueva lógica imperialista había impuesto
nuevas reglas de fuerza que dejaban obsoletos principios como la vieja
solidaridad monárquica o los derechos hisóricos. Nuevas potencias cuestionaban el statu quo internacional, en un momento histórico de redistribución colonial, darwinismo social aplicado a las relaciones internacionales y rearme. En consecuencia, España se encontró sola a la hora
de enfrentarse a Estados Unidos en su ultimátum de 1898 y la guerra
acabó con la pérdida de sus últimas colonias Cuba, Puerto Rico, Filipinas y los otors archipiélagos del Pacífico5.
La derrota dejó a España en una situación muy precaria. El Atlántico se convirtió en un océano hostil. Se temió incluso un ataque norteamericano en algún punto del eje Canarias-Estrecho de Gibraltar, en un
momento en que Washington empezaba a adelantar su línea de defensa estratégica en el Atlántico y el Pacífico, la hegemonía marítima británica se debilitaba y los lazos con Iberoamérica eran aún inconsistentes.
El resultado fue una sensación de indefensión por parte de los gobiernos españoles, dada la situación de rivalidad entre potencias (Alema4 FERNÁNDEZ RODRÍGUEZ, M.- España y Marruecos en los primeros años
de la Restauración, 1875-1894. Madrid: CSIC, 1985; MARTÍN CORRALES, E. (ed.)
- Marruecos y el colonialismo español 1859-1912. De la guerra de África a la penetración pacífica. Barcelona: Bellaterra, 2002.
5 DE LA TORRE, Rosario - «La situación internacional de los años 90 y la política
exterior española» . In FUSI, J.P. y NIÑO, A. Vísperas del 98. Orígenes y antecedentes
de la crisis del 98. Madrid: Biblioteca Nueva, 1997. PP. 173-2013 e - Inglaterra y
España en 1898. Madrid: Eudema, 1988; OFFNER, John L. - An Unwanted War- The
United States & Spain over Cuba, 1895-1898. London: Univ. Carolina Press, 1992.
110
nia frente al bloque de Francia y Gran Bretaña), una competencia que
colocó la zona atlántico-mediterránea (articulada por el control del Estrecho de Gibraltar) en el centro del sistema internacional. España buscó un encaje en la política europea como único recurso para conseguir
una garantía de seguridad. Pero, dada la debilidad española ni Gran
Bretaña ni Francia estaban dispuestas a garantizar la defensa española en una alianza directa. La oportunidad llegó cuando se replanteó la
redistribución colonial de Marruecos, donde se entrecruzaron los intereses de los 3 países: Gran Bretaña quería evitar que Francio o Alemania alterasen el statu quo mediterráneo, Francia deseaba impedir que
Alemania se asentase en Marruecos para mantener el control de ese territorio y España buscaba evitar que Francia copase sus dos fronteras
(norte y sur), amén de lograr una garantía defensiva. En cuento Londres y París llegaron al acuerdo de 1904 frente a la Weltpolitik alemana
de Guillermo II, se firmaron los tratados de Algeciras (1906) y Cartagena (1907), completados por el firmado con Francia en 1912 que determinaba la participación española en el Protectorado sobre Marruecos.
Gran Bretaña y Francia se comprometían a mantener el statu quo de la
zona, lo que suponía una garantía defensiva indirecta que no modificaba el estatus de neutralidad español, lo que permitirá la no partición
en la I Guerra Mundial6.
Desde ese momento la problemática africano-mediterránea absorbió
la política exterior y de seguridad española. Marruecos, devolvía a España la condición de potencia colonial tras la frustración de 1898, pero se
iba a convertir en fuente infinita de problemas, con una larga guerra colonial en en la región pobre del Rif, con costes políticos y sociales inmensos, y causa de crisis politicas decisivas como las de 1909 y 1921 (tras la
6 DE LA TORRE, Rosario - «La crisis de 1898 y el problema de la garantía exterior». In Hispania Vol. XLVI. PP.115-164 y «Recogimiento, crisis del 98 y nueva
orientación internacional». In PEREIRA, J.C. (Coord.) La política exterior de España
1800-2003. Barcelona: Ariel, 2003. PP. 421-436; NIÑO, Antonio - «La superación del
aislamiento español tras el Desastre, 1898-1907». In DE LA TORRE, H. y JIMÉNEZ,
J.C. (eds.) Portugal y España en la crisis de entresiglos (1890-1918). Mérida: UNED,
1994. PP.203-259; MONTERO JIMÉNEZ, José Antonio - «De la crisis de 1898 a la I
Guerra Mundial 1898-1914. Una política exterior para el nuevo siglo». In BENEYTO,
J.M. y PEREIRA, J.C. Historia de la política exterior española en los siglos XX y XXI.
Madrid: CEU, 2015, Vol.I. PP.111-138.
111
derrota militar de Annual). Su secuela fue un sentimiento de francofobia
muy radical que explica por qué los gobiernos españoles iban a jugar
con una alineación internacional alternativa, con los rivales de Francia,
en las dos guerras mundiales y con ofertas de beligerancia a cambio de
ganancias en el Protectorado de Marruecos y en el control de Estrecho7.
Regeneracionismo y política exterior española 1914-1943
Desde los años anteriores a la I Guerra (H. de la Torre situa 1907
como fecha de cambio)8 hay un impulso de regenerar la política exterior
española para tener mayor presencia internacional. Este giro tiene que
ver con una mejora de la situación económica española y con un ambiente cultural nuevo: la llamada Generación de 1914 (J.Ortega y Gasset, Manuel Azaña, Salvador de Madariaga, Pablo de Azcárate, etc) ya
no sólo llora y se lamenta al diagnosticar los males de España (como la
Generación de 1898) sino que plantea soluciones, que se sitúan en un
impulso europeísta, pero también iberoamericanista. En política exterior
y de seguridad, el foco de atención básico se sitúa en la zona del Estrecho-Marruecos-Mediterráneo, con vectores complementarios más específicamente atlánticos. El objetivo diplomático fundamental será recuperar el control -la autonomía geoestratégica- de la península ibérica del
Eje Canarias-Gibraltar-Baleares, mediatizado por el control que ejercen
Gran Bretaña sobre Portugal y Gibraltar y Francia sobre Tánger (a pesar de su estatuto internacional) y sobre el resto de Marruecos. Los objetivos complementarios residen en poner definitivamente en valor los
lazos histórico-culturales con Hispanoamérica (recuperar la esfera de influencia perdida tejiendo relaciones de todo tipo) y recuperar influencia
sobre Portugal aprovechando la crisis política a raíz de lo que supone
el establecimiento de la República en 1910 hasta 19269.
7 NEILA, José Luis - España y el Mediterráneo en el siglo XX De los acuerdos de
Cartagena al proceso de Barcelona. Madrid: Silex, 2012.
8 TORRE, Hipólito de la - «El destino de la regeneración de España 1898-1918».
In Proserpina, nº 1, 1984 PP.9-22.
9 TORRE, Hipólito de la - Antagonismo y fractura peninsular. España-Portugal,
1910-1919. Madrid: Espasa, 1983 y - El imperio del Rey. Alfonso XIII, Portugal y los
ingleses, 1907-1916. Madrid, ERE, 2002.
112
Este proyecto en el que lo atlántico es fundamental, se va modulando
según las coyunturas. Durante la I Guerra Mundial (1914-1918), las repercusiones de la batalla por el control del océano son dramáticas para
la marina mercante española que cruza el Atlántico. Hay tanteos diplomáticos con ambos bandos al objeto de obtener ventajas a cambio de
la beligerancia española en el conflicto (Tánger, Gibraltar, la cuestión
portuguesa). Pero la debilidad española y la dependencia de Gran Bretaña (su control de Canarias es absoluto) y de Francia resulta imposible
de soslayar. A ambas potencias les interesa más la neutralidad española, porque no confían en las capacidades del gobierno para mantener
al país estable y menos para afrontar responsabilidades militares. Por
otra parte, cuando España intenta poner en valor esa posición neutral y
la labor humanitaria y de mediación de Alfonso XIII, estos ensayos se
ven eclipsados por el protagonismo de Estados Unidos desde 191710.
De hecho uno de los legados de la guerra mundial fue la definitiva recuperación de las relaciones hispano-norteamericanas. Gracias al
presidente W.Wilson España consiguió un puesto no permanente en la
flamante Sociedad de Naciones. Desde 1918 la presencia económica de
EEUU en España no dejó de crecer hasta 1943 y pronto se convirtió en
el segundo inversor, detrás de Francia11.
Durante la dictadura del general Miguel Primo de Rivera (1923-1930)
se impulsó con más coherencia la acción exterior española. Se modernizó el aparato del Ministerio de Estado y se le dotó de más medios; se
abrió una nueva política de amistad con Portugal desde 1926 y, sobre
10 GONZÁLEZ CALLEJA, Eduardo y AUBERT, Paul - Nidos de espías. España,
Francia y la I Guerra Mundial, 1914-1919. Madrid: Alianza, 2014; GARCÍA SANZ,
Fernando - España en la Gran Guerra. Espías, diplomáticos y traficantes. Barcelona:
Galaxia Gutenberg, 2014; PONCE, Javier - Canarias en la Gran Guerra: estrategia y
diplomacia. Un estudio sobre la política exterior de España. Las Palmas: Cabildo de
Gran Canaria, 2006; GARCÍA SANZ, Carolina - La I Guerra Mundial en el Estrecho
de Gibraltar: economía, política y relaciones internacionales. Madrid: CSIC, 2011;
FUENTES CODERA, Maximiliano - España en la I Guerra Mundial. Una movilización
cultural. Madrid: Akal, 2014.
11 MONTERO, José Antonio - El despertar de la gran potencia. Las relaciones
entre España y los Estados Unidos 1898-1930. Madrid: Biblioteca Nueva, 2011;
SOLÉ ROMEO, Gloria - «La incorporación de España a la Sociedad de Naciones».
In Hispania, nº 132, 1976. PP.131-169; NEILA, José Luis - «España y el modelo de
integración en la SDN (1919-1939)». In Hispania, nº 176, 1990. PP.1373-1391.
113
todo, hubo una apuesta potente por Iberomérica buscando poner en
valor los lazos histórico-culturales y la presencia de los 3,5 millones de
emigrantes españoles (entre 1880 y 1930). Se crearon más embajadas y
legaciones, se incrementó el personal diplomático y consular, se potenciaron las relaciones culturales, se fundaron nuevas instituciones públicas y privadas (Casa de América, Banco de Crédito Exterior), se instituyó el día de la Raza o de la Hispanidad en 1917, se celebró la II Exposición Iberoamericana en Sevilla (1929) y se manejaron proyectos políticos para liderar un bloque iberoamericano en la SDN. No obstante, en
la cuestión central, el control del Estrecho, hubo pocos avances. Nada
se obtuo de las propuestas de trueque (Ceuta por Gibraltar, ampliar el
hinterland de Ceuta y Melilla por la Zona norte del Protectorado o por
Tánger). El control de esta ciudad, que se convirtió finalmente en la meta
de la dictadura, no se logró. De nada sirvieron las amenazas de acercamiento a la Italia de Mussolini ni los envites en la SDN, donde tampoco se aseguró un puesto permanente en su Consejo12.
Con la II República (1931-1936) se mantuvo el antedicho impulso regeneracionista de la política exterior aunque con un patrón distinto. El
proyecto exterior republicano, con sus principios de renuncia a la guerra y una diplomacia abierta y democrática, se tradujo en un mayor europeísmo y la apuesta por una neutralidad comprometida, de colaboración con la SDN. Ante la falta de medios para la acción exterior, se intentó utilizar esta institución ganar prestigio como potencia mediadora,
con la esperanza de lograr un estatus de potencia mediana si se conseguía liderar un bloque iberoamericano o un bloque de países de neutrales. Se hicieron planes y esfuerzos para seguir reforzando las relacio-
12 SANZ, Ismael: - «Foreign Policy under the dictatorship of Primo de Rivera
». In PRESTON, P. y BALFOUR, S. (eds.) Spain and the Great Powers in the XXth
Century. London: Routledge, 1999. PP.53-72; SEPULVEDA MUÑOZ, Isidro – El sueño
de la Madre Patria Hispanoamericamismo y nacionalismo. Madrid: Marcial Pons,
2005; SUEIRO SEOANE, Susana - España en el Mediterráneo. Primo de Rivera y la
“Cuestión Marroquí”, 1923-1930. Madrid: UNED, 1992 y - «Retórica y realidades del
‘Hispanoamericanismo’ en la dictadura de Primo de Rivera». In Mélanges de la Casa
de Velázquez, XXVIII-3, 1992. PP.143-159; TUSELL, J. y GARCIA QUEIPO DE LLANO,
Genoveva - El Dictador y el Mediador. España-Gran Bretaña, 1923-1930. Madrid: CSIC,
1986; TORRE, Hipólito de la - Del peligro español a la amistad peninsular. España y
Portugal, 1919-1930. Madrid: UNED, 1984.
114
nes con Iberoamérica, sobre todo las culturales. Aunque no se cosecharon muchos frutos por falta de presupuesto y fue imposible competir
con la creciente fortaleza del panamericanismo de EEUU en una coyuntura iberoamericana conservadora que no ayudaba. Las relaciones con
EEUU siguieron siendo amistosas, pero curiosamente su modelo político no llamó entonces la atención de los intelectuales y políticos españoles demócratas porque sus puntos de referencia eran europeos. En
cambio las relaciones con Portugal se enturbiaron por la desconfianza
de Salazar del proyecto republicano13.
En los años treinta, sin embargo, el espacio atlántico perdió cada vez
mayor protagonismo conforme la tensión volvía al continente europeo
y al Mediterráneo por la acción revisionista de Alemania e Italia. Además, con la Guerra Civil (julio de 1936 a abril de 1939) todas las energías del país se concentraron en el conflicto interno. No obstante, ninguno de los dos bandos descuidó el Atlántico en su búsqueda de apoyos: hubo un esfuerzo propagandístico enorme para captar a las colonias de españoles en Iberoamérica y para influir en los gobiernos (incluido el de EEUU) a fin de conseguir reconocimientos diplomáticos y,
sobre todo, armas. Hasta 1939, el bando republicano ganó la batalla propagandística, pero no la político-diplomática14.
13 EGIDO LEON, M. Ángeles - La concepción de la política exterior española
durante la 2ª República. Madrid: UNED, 1987; QUINTANA, Francisco - España en
Europa, 1931-1936. Del compromiso por la paz a la huida de la guerra. Madrid:
Nerea, 1993; NEILA, José Luis - España república mediterránea. Seguridad colectiva y defensa nacional 1931-1936. Madrid: Universidad Complutense, 2002;
TABANERA, Nuria - Ilusiones y desencuentros: la acción diplomática republicana
en Hispanoamérica (1931-1939). Madrid: FCEAL, 1996; PÉREZ GIL, Luis V. - La
política exterior republicano-socialista 1931-1933: idealismo, realismo y derecho
internacional. Barcelona: Atelier, 2004; TORRE GOMEZ, Hipólito de la - La relación
peninsular en la antecámara de la guerra civil de España 1931-1936. Mérida: Centro
Regional de Extremadura, 1988.
14 BERDAH, J.E. - La democracia asesinada. La República española y las grandes potencias. Barcelona: Crítica, 2002; VIÑAS, Ángel (coord..) - «Dossier sobre la
Guerra Civil». In Studia Histórica. Historia Contemporánea, vol.32, 2014; ALPERT,
Michel - Aguas peligrosas. Nueva historia internacional de la guerra civil española.
Madrid: Akal, 1998; AVILES, Juan - Pasión y farsa. Franceses y británicos ante la
guerra civil española. Madrid: Eudema, 1994; HOWSON, Geral - Armas para España.
La historia no contada de la guerra civil española. Barcelona: Península, 2000;
MORADIELLOS, Enrique: La perfidia de Albión. El gobierno británico y la guerra
civil española. Madrid: Siglo XXI, 1996.
115
El Nuevo Estado liderado por Franco no alteró, en un principio, la
Neutralidad española. Con motivo de la crisis de Munich en 1938, Franco ya dejó claro que, en caso de guerra, permanecería neutral y firmó
con Portugal el Tratado Amistad y No Agrasión (maro 1939) para tratar
de mantener la península ibérica al margen del conflicto que se avecinaba. Sin embargo, las victorias del Eje en 1940 en II Guerra Mundial
abrieron la oportunidad al régimen ultranacionalista de Franco de poner
en marcha una ambicioso proyecto revisionista. Con la caída de Francia
y la beligerancia de Italia, España pasó a la No beligerancia, ocupó militarmente Tánger y ofreció a Alemania entrar en la guerra. Con el compromiso de Hendaya (octubre de 1940) rompía la neutralidad a cambio
de ayuda económica y militar, de Gibraltar y de ganancias en el Protectorado de Marruecos; amén de las posibilidades de ofrecer en Hispanoamérica un proyecto político conservador alternativo al democrático
norteamericano, de la mano del Eje. Portugal no estaba incluido en estas contrapartidas iniciales, ni en el programa máximo del revisionismo
español (Reivindicaciones de España, 1940)15.
Sin embargo, el Atlántico volvió a convertirse muy pronto en una
amenaza por la absoluta dependencia económica española de los suministros que llegaban por ese mar (materias primas, alimentos y combustible) y por la indefensión militar ante un posible ataque aliado (o
del Eje) en el Estrecho o en Canarias. Estos elementos, más el hecho de
que Hitler no terminase de garantizar las ambiciones imperiales españolas fueron decisivos para que España no entrase en la guerra y para
que la actitud de Franco se mantuviera más prudente desde el final de
1940. Por otra parte, la política antifascista de EEUU en América Latina
desde 1939, puesta en marcha para laminar la influencia de Italia y sobre todo Alemania en el continente, golpeó de lleno la ambiciosa y desatinada política hispanoamericana desplegada en esos años, teñida de
15 TUSELL, Javier - Franco en la Guerra Civil. Una biografía política. Barcelona:
Tusquets 1992 y - Franco, España y la II Guerra Mundial: entre el Eje y la neutralidad. Madrid: Temas de Hoy, 1995; ROS, Manuel - La guerra secreta de Franco
1939-1945. Barcelona: Crítica, 2002 y - La Gran Tentación. Franco, el Imperio colonial y los planes de intervención en la II Guerra Mundial. Barcelona: Styria 2008;
THOMÁS, Joan María - Roosevelt y Franco. Madrid: Cátedra 2010; MORADIELLOS,
Enrique - Franco frente a Churchill. España y Gran Bretaña durante la II Guerra
Mundial. Madrid: Península 2005.
116
falangismo: el supuesto Spanish cultural imperialism no debía ser instrumento de penetración del eje en América16.
Con la beligerancia de EEUU en la guerra mundial, sobre todo desde
el desembarco en el norte de África en 1942 (operación Torch) se inició
un nuevo giro de la política exterior española hacia una estricta neutralidad. Se fue perfilando una nueva identidad diplomática española más independiente del Eje en la que el Atlántico iba cobrando fuerza y el Mediterráneo desaparecía. El discurso justificativo se vistió de catolicismo y anticomunismo: España sólo era beligerante contra la URSS (para justificar la
División Azul) y neutral en la guerra que enfrentaba al Eje con los Aliados,
como Iberoamérica y Portugal (Bloque Ibérico de diciembre de 1942)17.
La política atlántica como orientación estratégica básica de la
política exterior española, 1944-1975
A finales de 1944, ante el signo de la guerra mundial y la impotencia
española, se definió por primera vez una estrategia plenamente atlantista en clave anticomunista. Asumiendo el nuevo y central papel de
EEUU, se planteó Londres un proyecto de cooperación multilateral entre EEUU, Gran Bretaña, Portugal, España e Iberoamérica. Con el lema
“El Atlántico nos une”, el plan defendía una amistad hispano-británica
que, unida a las especiales relaciones iberooamericanas, luso-británica,
al Bloque Ibérico y a la alianza anglosajona, tejería unos lazos de cooperación que beneficiarían a todos. Sin embargo, era imposible que semejante diseño fuese aceptado entonces, porque no se adaptaba en absoluto a la situación política internacional. De hecho desde el verano
de 1945 la dictadura de Franco se encontró aislada, con la exclusión de
Naciones Unidas y la posterior condena diplomática, con la retirada de
embajadores de 194618.
16 PARDO, Rosa - Con Franco hacia el Imperio. La política exterior de España
en América Latina 1939-1945. Madrid: UNED, 1995.
17 SANZ-FRANCÉS, Emilio - Entre la antorcha y la esvástica. La España de Franco
en la encrucijada de la II Guerra Mundial. Madrid: Actas, 2009.
18 HUALDE, Xabier - El Cerco aliado. Estados Unidos, Gran Bretaña y Francia
frente a la Dictadura Franquista (1945-1953). Leioa: Universidad País Vasco, 2016;
PORTERO, Florentino - Franco aislado. Madrid: Istmo, 1990.
117
La dictadura procedió entonces a un maquillaje politico intenso y
la política exterior española se volvió estrictamente defensiva. El Franquismo se limitó a cultivar a los escasos interlocutores occidentales que
le quedaban: Portugal, Iberoamérica (en particular la Argentina de Perón) y el Vaticano19. El Salazarismo actuó como valedor del franquismo
y defendió sin éxito su incorporación a la OTAN, desde el principio de
la unidad geoestratégica peninsular. En Iberoamérica se utilizó la paradiplomacia católica y la sintonía anticomunista, pero con la clara directriz a los embajadores españoles de colaborar con EEUU en la región,
abandonando rivalidades históricas y antiamericanismo. Esta estrategia,
que ayudó a levantar la condena de Naciones Unidas, no solucionó, sin
embargo, el problema de integración internacional del Régimen. Sólo
la dinámica de la Guerra Fría lo hizo posible, con un nuevo diseño atlántico centrado en Estados Unidos, ya sin la histórica tutela británica20.
La nueva política antisoviética de contención revalorizó la posición
geoestratégica de España: una península en el extremo occidental de
Europa, guardiana del acceso al Estrecho y desde la que se podía plantear una contraofensiva a Moscú gracias a su barrera natural, los Pirineos. En consecuencia,Washington ablandó su posición política de repudio a la dictadura en 1947 y Franco ofreció desde 1948 cooperación
militar a cambio de ayuda económica. Sin embargo, por razones políticas (coherencia ideológica y recelos de sus aliados europeas), la convergencia de intereses con Washington no se produjo en la presidencia Truman: España quedó excluida de la OECE y del Plan Marshall en
1948 y de la OTAN en 1949, a diferencia de lo que sucedió con Portu-
19 TUSELL, Javier - Franco y los católicos. La política interior española entre
1945 y 1957. Madrid: Alianza Editorial, 1984; DELGADO GOMEZ-ESCALONILLA,
Lorenzo - Imperio de papel. Acción Cultural y Política Exterior durante el Primer
Franquismo. Madrid: C.S.I.C., 1992; JIMENEZ REDONDO, Juan Carlos - El ocaso
de la amistad entre las dictaduras ibéricas, 1955-1968. Mérida: UNED, 1996 y Franco e Salazar: as relaçoes luso-espanholas durante a guerra fria Lisboa, 1996;
REIN, Raanan - Franco-Perón. Las relaciones hispano-argentinas, 1943-50. Madrid:
CSIC, 1995.
20 MARTINEZ LILLO, P.A. - « La política exterior de España en el marco de la
Guerra Fría». In J.TUSELL, J.AVILÉS y R.PARDO La política exterior de España en el
siglo XX. Madrid: UNED-Biblioteca Nueva, 2000. PP.323-340.
118
gal, Grecia o Turquía21. Sólo la Guerra de Corea acabó con los últimos
prejuicios políticos antifranquistas norteamericanos: bases militares en
España darían profundidad a la defensa de Europa Occidental, servirían para el uso de los bombarderos nucleares de largo alcance, facilitarían las operaciones bélicas en suelo europeo y mediterráneo y servirían para funciones de retaguardia e inteligencia militar22.
En 1953, ya con Eisenhower, se firmaban unos acuerdos militares,
bajo la fórmula de executive agreements (es decir, sin categoría de tratado aprobado por el Senado), renovables a los diez años y luego cada
cinco, con los que EEUU establecía la mínima relación política con el
Franquismo que permitiera el uso de instalaciones militares, a cambio
de la ayuda militar y económica mínima. Franco quebraba por segunda
vez la tradicional neutralidad española. El país quedaba integrado en el
sistema defensivo occidental (frente al peligro soviético), aunque con
precariedad (fuera del club OTAN y sin garantía de seguridad). EEUU
lograba bases aéreas (Torrejón, Morón, Zaragoza), aeronavales (Rota),
un oleoducto e instalaciones diversas para sus Fuerzas Armadas e indirectamente para la OTAN, con casi total libertad para sus militares en
territorio español, y máxima discrecionalidad para su activación y uso.
Sus cláusulas secretas permitían a EEUU usarlas sin consentimiento y
almacenar armas nucleares. No obstante, las infraestructuras y la ayuda militar sirvieron para modernizar las FFAA españolas. Además, desde el punto de vista económico, tuvieron un impacto positivo innegable; al igual que en otros ámbitos pues la cooperación técnica y cultural ayudó a la modernización del sistema educativo, científico y universitario español, sobre todo en algunos campos como la aeronáutica o
la energía nuclear23.
21 DELGADO GÓMEZ-ESCALONILLA, Lorenzo - «El régimen de Franco, el Plan
Marshall y las potencias occidentales». In Relations Internationales, nº106, été 2001.
PP.213-230.
22LIEDTKE, Boris N. - Embracing Dictatorship. United States Relations with
Spain, 1945-1953 London: MacMillan, 1997.
23 CALVO GONZÁLEZ, Oscar - «Bienvenido Mister Marshall!: La ayuda económica americana y la economía española en la década de 1950». In Revista
de Historia Económica, (2001) PP.253-275; DELGADO, L. DELGADO, Lorenzo y
M.D.ELIZALDE (Eds.) - España y Estados Unidos en el siglo XX. Madrid: CSIC, 2005;
119
Los beneficios político-diplomáticos para el Franquismo de una “amistad estable”24 (como la denominó Fernando Termis) con la potencia dominante fueron enormes. Era la vía de su rehabilitación internacional sobre la base ideológica más cómoda, el anticomunismo, sin concesiones
políticas. Ello permitía al Régimen seguir prescindiendo de Europa occidental, en el cómodo ámbito de lo atlántico, que incluía el Portugal salazarista e Iberoamérica. Los acuerdos, además, terminaron de allanar
la incorporación de la España franquista a muchos organismos internacionales (incluida la ONU en 1955) y a facilitar las relaciones con los
países occidentales europeos. Desde 1957, la política exterior dio un
giro prooccidental, de manera que hasta 1975 la España de Franco apenas se permitió disentir de las posiciones diplomáticas norteamericanas:
sólo en temas menores como Cuba o Israel y, por supuesto, Marruecos.
Las relaciones con EEUU se hicieron mucho más densas, aunque sufrieron sendas crisis en las renegociaciones (l963, 1968-70 y 1975-6) y
hubo un progresivo desencanto de la parte española al tomar conciencia
de los errores cometidos en 1953, sobre todo por la cesión de soberanía (las bases se activaron en la crisis del Líbano de 1958, Cuba en 1962
y en la Guerra de árabe-israelí de 1967). No gustó la actitud promarroquí norteamericana, ni la falta de apoyo en temas como Gibraltar o el
acuerdo de 1970 con la CEE; además del descontento por la escasa ayuda económica y militar recibida, frente al aumento de riesgos aceptado,
que quedó en evidencia en el accidente nuclear de Palomares (1966)25.
PUIG, Nuria - «La ayuda económica norteamericana y los empresarios españoles».
In Cuadernos de Historia Contemporánea. nº 25 (2003). PP.190-129; DELGADO,
Lorenzo - «Modernizadores y tecnócratas. Estados Unidos ante la política educativa
y científica de la España del desarrollo». In Historia y Política. Nº 34, 2015. PP.113146 y – Westerly wind: The Fulbright Program in Spain. Madrid: LID, D.L., 2009;
DELGADO, Lorenzo y LEÓN, Pablo - «Génesis de la asistencia militar a Espaañ en
la Guerra Fría». In VV.AA. La Historia, lost in translation? 2017. PP.1751-1762.
24 TERMIS, Fernando - Renunciando a todo. El régimen franquista y los Estados
Unidos desde 1945 hasta 1963. Madrid: UNED/Biblioteca Nueva 2005.
25 MARQUINA BARRIO, Antonio - España en la política de seguridad occidental,
1939-1986. Madrid: Ed.Ejército, 1986; PARDO, Rosa - «La política norteamericana
de Castiella ». In OREJA, M. y SÁNCHEZ MANTERO, R. (Eds.) Entre la historia y la
memoria. La política exterior de F.Mª Castiella. Madrid: Real Academia de Ciencias
Morales y Políticas, 2007. PP.307-381 y - «EE.UU. y el tardofranquismo. Las relaciones
bilaterales durante la presidencia Nixon». In Historia del presente, nº 6 (2005). PP.11-
120
En las distintas rondas de renegociación se intentó equilibrar la relación. Los objetivos españoles siempre fueron conseguir la integración
en la OTAN, un verdadero tratado de mutua defensa o un sustancial incremento de las ayudas recibidas. Pero la posición negociadora española siempre fue débil, sobre todo por las divergencias internas del Régimen: el Ministerio de Exteriores solía tener dificultades con los ministros militares y con Presidencia de gobierno, siempre más dispuestos a cesiones para mantener la alianza. Aun así, en 1969-70 se logró
hacer desaparecer la cláusula secreta que permitía activar las bases con
una mera comunicación: éstas pasaron a ser exclusivamente españolas
y los norteamericanos se comprometieron a no almacenar armas químicas y biológicas en ellas. En el conflicto del Yom Kippur (1973) los
aviones americanos tuvieron que utilizar las bases de las Azores en vez
de las bases españolas.
En ese periodo 1953-1975, de centralidad del nexo con EEUU, la política iberoamericana no se descuidó. Se lanzó el proyecto de erigir una
Comunidad Hispánica de Naciones, similar a la Commonwealth. El discurso político hispanoamericanista se fue desideologizando en la etapa tecnocrática. La aplicación de la Doctrina Estrada facilitó el mantenimiento de relaciones con todos los países, incluidas la Cuba castrista y
el Chile de Salvador Allende. El Instituto de Cultura Hispánica hizo un
despliegue interesante en política cultural, se firmaron convenios de todo
tipo (comerciales, emigración, culturales, seguridad social, etc.), España
participó en los organismos regionales y creció el comercio. Pero esta
política regional tuvo un carácter muy subsidiario, sobre todo cuando
desde principios de los sesenta, asegurado el nexo con EEUU, la meta de
la diplomacia española fue la reincorporación a Europa comunitaria26.
También se cuidó la relación con Portugal. A pesar de que la España
de Franco abandonó desde 1963 la opción colonialista, para evitar una
42; VIÑAS, Ángel - En las garras del águila. Los pactos de Estados Unidos de Francisco
Franco a Felipe González 1945-1995. Barcelona: Crítica, 2003.
26 HENRÍQUEZ UZAL, Mª José - «El prestigio pragmático: Iberoamérica en la
Política Exterior de Gregorio López Bravo, 1969-1973 ». In Cuaderno de Historia
de las Relaciones Internacionales. nº6 (2008). PP.91-170.
121
nueva condena internacional y defender la causa de Gibraltar, intentó
compensarlo apoyando cuanto pudo al régimen salazarista en Naciones
Unidas y en África, como ha estudiado M.José Tiscar27.
En el flanco atlántico europeo volvieron a cobrar relevancia las relaciones con Francia desde la llegada del general De Gaulle al poder,
que fueron utilizadas como contrapeso de la influencia norteamericana
desde 1963. Francia junto con Alemania fueron los dos países esenciales en el despegue económico de los años sesenta y, desde 1970, también cobraron fuerza las relaciones militares con ambos países, sobre
todo con Francia. En cambio, los vínculos con Gran Bretaña se aflojaron a partir de 1964 por el asunto de Gibraltar. La batalla en Naciones
Unidas por evitar la descolonización del Peñón por la vía de la autodeterminación, como quería Londres, se ganó jurídicamente 1969, pero
Londres hizo caso omiso de las resoluciones. El cierre de las comunicaciones desde la península, como respuesta, incrementó la tensión bilateral hasta bien entrada la Transición28.
Por lo que respecta a los restos coloniales en el Atlántico, la zona Norte del Protectorado se incorporó al Marruecos independiente en 1956,
pero las relaciones con el nuevo estado fueron muy conflictivas, con
un pico de tensión, la Guerra de Ifni (1957-58). Aun así, las FFAA españolas no se retiraron completamente de Marruecos hasta 1961 y Sidi
Ifni no fue devuelto a Marruecos hasta 1969. Se otorgó la independencia a Guinea Ecuatorial en 1968, cuando la colonia suponía ya más un
gasto que una fuente de ingresos, pero no se pudo mantener una relación normalizada con el nuevo estado siguiendo el modelo neocolonial
francés como estaba previsto. Se retuvo, en cambio, el Sáhara Occidental, considerado de importancia estratégica para la defensa del archipiélago de Canarias e interesante por su riqueza mineral (fosfatos y petróleo). Sin embargo, Marruecos aprovechó la crisis final del Régimen
27 TISCAR, Mª José - Diplomacia Peninsular e Operações Secretas na Guerra
Colonial. Lisboa: Edições Colibrí, 2013
28 LABARTA, Carolina - «Las relaciones hispano-británicas bajo el Franquismo,
1950-1973 ». In Studia Historica. Historia Contemporánea nº 22 (2004). PP.85-104;
SANCHEZ SANCHEZ, M. Esther - Rumbo al sur. Francia y la España del desarrollo,
1958-1969. Madrid: CSIC, 2006.
122
en 1975 para lanzar la “Marcha Verde” y forzar el abandono del territorio por parte española. Desde Madrid la prioridad era eliminar riesgos
y focos de tensión para el proceso político que se avecinaba y evitar el
modelo de Portugal. También fue decisiva la posición promarroquí de
Francia y EEUU. A día de hoy, se trata de un problemático proceso de
descolonización inconcluso29.
Un encaje atlántico y europeo desde la Transición a la
Democracia: 1976-1982
Desde 1976, los primeros gobiernos de la Monarquía de Juan Carlos
I buscaron con urgencia definir una nueva política exterior para el proyecto democrático en ciernes: marcar rupturas con la dictadura, legitimar
internacionalmente la transición, recuperar peso en el exterior, decidir
el alineamiento internacional del la Monarquía y, sobre todo, impulsar
el objetivo por antonomasia, la integración en Europa, una apuesta estratégica similar a la de Grecia y Portugal. En el ámbito atlántico había
que, en primer lugar, fortalecer las relaciones de vecindad con Portugal, muy dañadas desde el incendio de la embajada española en Lisboa
de 1975: a ello respondió la firma del Tratado de Amistad y Cooperación de 1977. También era perentóreo renovar la política regional iberoamericana: el viejo Instituto de Cultura Hispánica se remozó y se lanzó como concepto la Comunidad Iberoamericana, para proyectar una
imagen de país nueva (democrática y sin pretensiones hegemónicas),
además de eregir una incipiente plataforma de ayuda al desarrollo30.
29 LEMUS, Encarnación - Estados Unidos y la Transición Española Madrid:
Silex, 2011; GIL PECHARROMÁN, Julio - La política exterior del Franquismo. Entre
Hendaya y El Aaiún. Barcelona: Flor del Viento, 2008.
30 OREJA, Marcelino - Memoria y Esperanza. Relatos de una vida. Madrid:
Esfera, 2011 y ROBLES PIQUER, Carlos - Memoria de cuatro España. República,
guerra, franquismo y democracia. Barcelona: Planeta, 2011; VILLAR, Francisco - La
Transición exterior de España (1976-1996). Del aislamiento a la influencia (19761996). Madrid: Marcial Pons, 2016; POWELL, Charles - «La dimensión exterior de
la transición política española». In Revista del Centro de Estudios Constitucionales,
nº18 (1994). PP.79- 116; ARENAL, Celestino del - Política exterior de España y relaciones con América Latina. Iberoamericanidad, Europeización y Atlantismo en
la política exterior española. Madrid: Fundación Carolina-Siglo XXI, 2011; TUSELL,
123
En cambio la política atlántica centrada en los EEUU, tan esencial
para el Franquismo, iba a perder peso en el ámbito político, eclipsada
por la atracción europeísta, pero no aún en el ámbito de la seguridad. La
aportación de Washington al proceso de Transición no fue tan decisiva
como la ayuda de algunos países europeos, sobre todo Alemania. Pero
los convenios militares seguían siendo básicos: no se podía prescindir
de ellos en una coyuntura política tan delicada, agravada por la tensión
con Marruecos tras la Marcha Verde y pronto con Argelia, por el abandono español de sus obligaciones como potencia colonial en Sáhara. En
enero de 1976 se firmó el acuerdo negociado con EEUU en los meses
finales de la dictadura, para otros 5 años, aunque ya elevado de categoría, como Tratado de Amistad y Cooperación (con ratificación del Senado). Incluía el compromiso de no almacenamiento de armas nucleares
(los submarinos con Polaris salieron de Rota 1979) y mayor relevancia
para otras vertientes de cooperación a fin de disimular la penosa imagen de contrato de alquiler de bases. Esta vez la parte norteamericana
se había mostrado más flexible por el convencimiento de que el arreglo
era provisional, porque España iba a ingresar en la OTAN cuando concluyera el proceso constitucional. La relación militar bilateral quedaría
entonces subsumida en el compromiso multilateral del Tratado de Washington y la situación española dentro del bloque occidental se normalizaría definitivamente.
Pero el camino no fue tan fácil. Los primeros gobiernos de la Transición avanzaron en el proceso de normalización diplomática e impulsaron la opción europeísta sobre la que existía un amplio consenso con
las fuerzas de oposición. En cambio no había acuerdo sobre qué estrategia de seguridad seguir ni qué tipo de nexo establecer con los EEUU,
así que evitaron abrir el tema de la OTAN para no generar enfrentamientos políticos hasta que el proceso democratizador no estuviera más
Javier (coord.) - Transición a la democracia y la España de Juan Carlos I, Historia
de España Menéndez Pidal, vol.XLII, Madrid: Espasa, 2005; JIMÉNEZ REDONDO,
J.C.: - De Suárez a Rodríguez Zapatero: la política exterior de la España democrática. Madrid: Sílex, 2006; PEREIRA, Juan Carlos, ALIJA, Adela y ZAPICO, Misael
Arturo (Eds.) - La política exterior de España. De la transición a la consolidación
democrática 1986-2001). Madrid: Catarata, 2018.
124
asentado. Gran parte del centro político (incluido el Presidente Adolfo
Suárez) y la izquierda visualizaba España en un papel de país no alineado, “puente” entre Norte-Sur, entre Este-Oeste, con quehaceres de mediación y distensión en escenarios mediterráneos o latinoamericanos.
Pesaba mucho la autoimagen nacional de España como un país apartado de las guerras por la tradición de neutralidad previa, la herencia
franquista, el antiamericanismo y sobre todo la falta de una cultura de
seguridad y la dificultad de captar las implicaciones internas de la política exterior tras décadas de precaria integración internacional31.
El tema se pospuso hasta 1981, cuando ya fue ineludible: había muchas dificultades en la negociación para la integración en la Europa comunitaria por el Giscardazo, el veto francés; era inminente renegociación con EE.UU. de nuevos convenios y, sobre todo, el impacto del intento de golpe fallido del 23-F de 1981 obligaba a tomar decisiones para
la democratización y puesta al día de las Fuerzas Armadas Españolas.
En diciembre de 1981, tras obtener la aprobación del Congreso, se envió la petición oficial de ingreso a Bruselas y la respuesta positiva llegó en mayo de 1982. España pasaba a ser miembro de pleno derecho
del bloque militar occidental, conseguía una garantía de defensa plena,
dejaba atrás alineamientos ambiguos y normalizaba las relaciones con
EEUU cerrando el ciclo abierto en 1953. De hecho, el nuevo convenio
hispano-norteamericano firmado unos meses después ya quedaba subordinado al Tratado de Washington.
Aun así, el proceso de incorporación definitivo a la OTAN no fue
tan sencillo. Esta historia no culmina hasta 1986-1988. Por una parte,
las ventajas de la Alianza nunca estuvieron claras para la opinión pública. El gobierno de la Unión de Centro Democrático en crisis perdió
la batalla propagandística sobre el tema frente a la izquierda parlamen31 CAPILLA CASCO, Ana - La OTAN en el diseño de la policía exterior de los
gobiernos de UCD. El papel de Javier Rupérez. Madrid: Instituto Universitario General
Gutierrez Mellado, 2019; PORTERO, Florentino - « Las relaciones con EEUU y la política
de seguridad ». In TUSELL, Javier (Ed.) La Transición a la Democracia y la España
de Juan Carlos I . Tomo XLII de la Historia de España de Menéndez Pidal . Madrid:
Espasa Calpe, 2003; RODRIGO, Fernando - «La inserción de España en la política de
seguridad occidental». In GILLESPIE, R./RODRIGO, F., STORY, J. (eds.). Las relaciones
exteriores de la España democrática. Madrid: Alianza, 1995.
125
taria, que se oponía a la integración atlantista por una mezcla de antiamericanismo, nula percepción de la agresividad soviética, antimilitarismo, pacifismo antinuclear y ecologista de la nueva izquierda en plena segunda Guerra Fría, falta de experiencia internacional por parte de
los líderes del PSOE y oportunismo político de la cúpula del partido.
Cuando el Partido Socialista Obrero Español liderado por Felipe González ganó las elecciones en octubre de 1982, se dispuso a cumplir su
programa electoral consistente en congelar el ingreso en la OTAN argumentando que exacerbaba la tensión entre los bloques, convocar un
referéndum y reducir sustancialmente la presencia militar norteamericana; aunque no defendía romper los convenios con EE.UU. por los costes que podía acarrear32.
Hizo falta un laborioso cambio en la posición de parte del gobierno, convencer después al partido socialista de su bonanza y, finalmente conseguir arrastrar a la mayor parte de la opinión pública. La posición final de González fue que era mejor permanecer en la OTAN, aunque fuera de la estructura militar y dando a la política de seguridad un
tinte europeo con el ingreso en la UEO. Tras ganar el referéndum de
marzo de 1986, convocado tres meses después del definitivo ingreso
en la Comunidad Europea, se pudo normalizar el ingreso en la OTAN.
El proceso se cerró con los acuerdos militares firmados con EEUU en
1988-1989, que implicaron una retirada sustancial de las fuerzas armadas norteamericanas en España33. Definitivamente el vínculo militar con
32 POWELL, Charles - España en democracia, 1975-2000. Barcelona: Plaza y
Janés, 2001. PP.308-12; CAVALLARO, Maria Elena - «L`evoluzione dell’antiamericanismo
nel Partito socialista spagnolo dal franchismo alla transizione ». In CRAVENI, P. e
QUAGLIARIELLO, G. - L’antiamericanismo in Italia e in Europa nel secondo dopoguerra. Roma: Rubbettino, 2004. PP.519-38; JULIA, Santos - Los socialistas en la
política española, 1879-1982. Madrid: Taurus, 1997. PP. 570-586; ARENAL, Celestino
y ALDECOA, Francisco - España y la OTAN. Textos y documentos. Madrid: Tecnos,
1986. PP.305-78; GILLESPIE, Richard - The Spanish Socialist Party. A History of
Factionalism. Oxford: Clarendon, 1989, p.416; VAL CID, Consuelo - Opinión pública
y opinión publicada. Los españoles y el referéndum de la OTAN. Madrid: CIS, 1996.
33 VIÑAS, Ángel - En las garras del águila. Los pactos con EEUU (1945-1995).
Barcelona: Crítica, 2003, PP. 471-510; CAJAL, Máximo - Sueños y pesadillas. Memorias
de un diplomático. Madrid: Tusquets, 2010, PP.151-208 y sobre todo, POWELL,
Charles - El amigo americano. España y Estados Unidos, 1969-1989. Madrid: GalaxiaGutemberg Círculo de Lectores, 2011. PP.586-635.
126
EEUU dejaba de ser un lazo de dependencia y ya no era central para
un país plenamente insertado en el sistema internacional a través de la
OTAN y la futura Unión Europea, con una red equilibrada de relaciones con Iberoamérica y políticas de vecindad armoniosas con Portugal,
incluso con Marruecos.
Conclusiones
El espacio atlántico es central para la política exterior y de seguridad españolas en los siglos XIX y XX. En esta última centuria el la política atlántica está centrada primero en el eje atlántico-mediterráneo,
en torno al Estrecho, y en Iberoamérica; en cambio, desde 1945-1975,
EEUU es el referente y así permanece casi hasta el final de la Guerra
Fría. Sin duda los gobiernos españoles tardaron más que otros países
(como Portugal) en percibir que, para cuidar de los intereses del Estado, es mejor una implicación mayor en el sistema internacional. Durante décadas se evitaron compromisos arriesgados y cuando se aceptaron
(1940 y 1953) se hizo en situación de clara desventaja. Pesaron mucho
los condicionantes que en su día señaló el gran historiador José María
Jover: entre otros la proclividad al aislamiento por la sensación de seguridad que aportaba la geografía peninsular y la percepción de que
para la regeneración nacional había que concentrarse en lo interno. Ese
desinterés por lo externo se conjugó con la incapacidad para asumir la
condición de potencia en declive, así que se culpaba a las grandes potencias (Gran Bretaña y Francia) de la impotencia nacional y, circunstancialmente, se ponían en marcha iniciativas voluntaristas de políticas
de prestigio, mal planificadas y sin medios.
En la etapa democrática que se abrió después de 1975 parece que
tales percepciones se han ido modificando, al menos en gran parte de
la clase politica, aunque el cambio no haya teminado de calar en la opinión pública general. El reflejo neutralista sigue aflorando cada vez que
se producen intervenciones militares (Guerra del Golfo de 1991 y sobre todo Irak en 2004). Tal vez estos elementos hayan dificultado que
España consiguiera desempeñar en el sistema internacional un papel
127
y unas funciones por encima de su fuerza aparente, como sí ha hecho
y hace Portugal34. Sólo llegó temporalmente a ese estadio a principios
de la década de los noventa del siglo XX. Aun así desde década de los
ochenta logró el encaje de una política atlántica equilibrada: anclaje en
la OTAN, con una activa política europea y el complemento de la Comunidad Iberoamericana, que sigue aportando dividendos de protagonismo internacional.
Bibliografía
ARENAL, Celestino del - Política exterior de España y relaciones con
América Latina. Iberoamericanidad, Europeización y Atlantismo en la
política exterior española. Madrid: Fundación Carolina-Siglo XXI, 2011
BENEYTO, J.M. y PEREIRA, J.C. Historia de la política exterior española
en los siglos XX y XXI. Madrid: CEU, 2015.
DELGADO, L., MARTÍN DE LA GUARDIA,R. y PARDO, R. La apertura
internacional de España entre el franquismo y la democracia (19531986). Madrid: Sílex, 2016.
GIL PECHARROMÁN, Julio - La política exterior del Franquismo. Entre
Hendaya y El Aaiún. Barcelona: Flor del Viento, 2008.
HUALDE, Xabier - El Cerco aliado. Estados Unidos, Gran Bretaña
y Francia frente a la Dictadura Franquista (1945-1953). Leioa:
Universidad País Vasco, 2016.
JIMENEZ REDONDO, Juan Carlos - El ocaso de la amistad entre las
dictaduras ibéricas, 1955-1968. Mérida: UNED, 1996 - Franco e
Salazar: as relaçoes luso-espanholas durante a guerra fria Lisboa, 1996
- De Suárez a Rodríguez Zapatero: la política exterior de la España
democrática. Madrid: Sílex, 2006.
34 TELO, A. J. y TORRE, Hipólito de la - Portugal y España en los sistemas internacionales contemporáneos. Mérida: E.R.E., 2003.
128
JOVER ZAMORA, José María - España en la política internacional, siglos
XVIII-XX, Madrid, Marcial Pons, 1999.
LEMUS, Encarnación - Estados Unidos y la Transición Española Madrid:
Silex, 2011.
MARQUINA BARRIO, Antonio - España en la política de seguridad
occidental, 1939-1986. Madrid: Ed.Ejército, 1986.
MONTERO, José Antonio - El despertar de la gran potencia. Las relaciones
entre España y los Estados Unidos 1898-1930. Madrid: Biblioteca Nueva,
2011.
NEILA, José Luis - España y el Mediterráneo en el siglo XX De los acuerdos
de Cartagena al proceso de Barcelona. Madrid: Silex, 2012.
PARDO, Rosa - «La política norteamericana de Castiella». In OREJA, M.
y SÁNCHEZ MANTERO, R. (Eds.) Entre la historia y la memoria. La
política exterior de F.Mª Castiella. Madrid: Real Academia de Ciencias
Morales y Políticas, 2007. PP.307-381.
PEREIRA, J.C. (Coord.) La política exterior de España 1800-2003.
Barcelona: Ariel, 2003.
PORTERO, Florentino - Franco aislado. Madrid: Istmo, 1990.
POWELL, Charles - El amigo americano. España y Estados Unidos, 19691989. Madrid: Galaxia-Gutemberg Círculo de Lectores, 2011.
TORRE, Hipólito de la - Antagonismo y fractura peninsular. EspañaPortugal, 1910-1919. Madrid: Espasa, 1983 - El imperio del Rey. Alfonso
XIII, Portugal y los ingleses, 1907-1916. Madrid, ERE, 2002. - Del peligro
español a la amistad peninsular. España y Portugal, 1919-1930. Madrid:
UNED, 1984.
TUSELL, Javier - Franco, España y la II Guerra Mundial: entre el Eje y
la neutralidad. Madrid: Temas de Hoy 1995.
TUSELL, Javier, AVILÉS, Juan y PARDO, Rosa (eds.) - La política exterior
129
de España en el siglo XX. Madrid: UNED-Biblioteca Nueva, 2000.
VILLAR, Francisco - La Transición exterior de España (1976-1996). Del
aislamiento a la influencia (1976-1996). Madrid: Marcial Pons, 2016.
VIÑAS, Ángel - En las garras del águila. Los pactos de Estados Unidos
de
130
KENNEDY E DE GAULLE: CONVERGÊNCIAS E
DIVERGÊNCIAS (1961-1963)
Miguel de Oliveira Estanqueiro Rocha, PhD
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2147-1130
Resumo
Na década de sessenta do século XX constatou-se uma fase turbulenta
nas relações entre Paris e Washington, apesar da solidariedade demonstrada pela França para com os Estados Unidos nas crises mais temerosas
da Guerra Fria – a Crise de Berlim (1961) e a Crise dos Mísseis de Cuba
(1962). Neste contexto, é mister analisar-se esse período histórico em que
Charles De Gaulle e John F. Kennedy lideraram os respectivos países,
analisando-se os momentos cruciais de convergência e de divergência
e os enfoques diversos sobre assuntos momentosos daquele período –
Europa, África, Vietname e Israel.
Palavras-chave: Relações Transatlânticas; Guerra Fria; Integração
Europeia; Kennedy; De Gaulle.
Abstract
During the sixties of the twentieth century there was a turbulent
phase in the relations between Paris and Washington, despite France’s
solidarity with the United States in the most dangerous crises of the
Cold War - the Berlin Crisis (1961) and the Crisis of the Missiles of Cuba
(1962). In this context, it is necessary/imperative to scrutinize this historical period in which Charles De Gaulle and John F. Kennedy led the
respective countries, analysing the crucial moments of convergence and
divergence and the diverse approaches on momentous subjects of that
period - Europe, Africa, Vietnam and Israel.
Keywords: Transatlantic Relations; Cold War; European integration;
Kennedy; De Gaulle
DOI: https://doi.org/10.14195/978-989-26-2070-1_7
A parceria entre a França e os Estados Unidos (EUA) é singular no
âmbito das relações internacionais: o auxílio militar francês aos revoltosos americanos na guerra pela independência (1775-1783), contribuiu
para a derrota dos ingleses e a independência dos EUA; deste modo, uma
relação especial se estabeleceu entre estes dois países. Os franceses são
os aliados históricos mais antigos dos EUA e essa amizade seria reforçada
durante o século XX, quando os norte-americanos se envolveram na segurança europeia. No entanto, momentos houve em que ambos estiveram
em barricadas opostas – desde a crise do Quase Guerra (1798-1799), às
tensões aquando da Guerra Civil Americana (1861-1865), passando pelos
choques diplomáticos na década de sessenta do século passado, e, em
2003, por causa do Iraque. Porém, apesar destes momentos turbulentos,
os laços históricos que unem Washington e Paris sempre prevaleceram.
As convergências e divergências entre Paris e Washington são abordados neste artigo, analisando os anos em que Charles De Gaulle (18901970) e John Kennedy (JFK, 1917-1963) coincidiram nas lideranças da
França e dos Estados Unidos. Esse período histórico é dos mais dramáticos durante a Guerra Fria entre as duas superpotências dominantes –os
Estados Unidos (EUA) e a União Soviética (URSS) – originando quase
a eclosão de uma confrontação nuclear em Berlim e Cuba. A diplomacia francesa distinguiu-se, durante este período, por um apoio firme
às posições da administração Kennedy; contudo, as relações bilaterais
caracterizaram-se também por grandes divergências, desde a adesão da
Inglaterra ao Mercado Comum, passando por choques entre as duas
diplomacias no Vietname, em África e no Médio Oriente. De Gaulle
ambicionava recuperar o orgulho nacional, dotá-lo de um arsenal nuclear, e isso implicava um maior distanciamento face aos seus aliados
anglo-saxónicos; por seu turno, John Kennedy (JFK) pretendia revigorar
as relações transatlânticas, apoiando o aprofundamento da integração
europeia; o activismo da sua política externa fez-se notar nos diferentes
continentes, desagradando mesmo alguns aliados europeus.
Deste modo, a estrutura deste artigo divide-se em três momentos:
inicio com uma descrição do legado histórico destes dois estadistas e
do seu impacto histórico; depois, abordo o momento em que estas duas
figuras míticas lideraram os seus Estados, as convergências e as diver-
132
gências entre os dois países, a relação de respeito e de admiração que
se criou entre eles, até ao momento do trágico assassinato do Presidente
Kennedy – o Presidente De Gaulle foi um dos dignatários estrangeiros
presentes no funeral do jovem presidente; por último, concluo com as
consequências deste período na evolução posterior das relações franco-americanas durante essa década.
De Gaulle e Kennedy: legados históricos
Charles de Gaulle: “la grandeur” da frança
Charles De Gaulle marcou indelevelmente o século XX francês e
mundial, sendo uma das personalidades cujas acções alteraram radicalmente o rumo da história francesa e mundial. Com um passado de
combatente na I Guerra Mundial, logo o jovem compreendeu, após o
fim desse conflito, que o seu país caminhava para um desastre inglório:
os seus livros publicados na década de trinta –Vers l’Armée de Métier
(1934) e La France et Son Armée (1938) – representaram um alerta ao país
para os perigos que corria ao basear a sua estratégia de defesa na Linha
Maginot, era urgente profissionalizar, modernizar o seu exército para o
conflito que considerava inevitável com a Alemanha Nazi. O establishment político-militar gaulês desprezou estas advertências e quando um
novo conflito mundial eclodiu, logo De Gaulle voltou às forças armadas
para servir o seu país.
No entanto, a superioridade militar alemã evidenciou-se, impondo, em
1940, sucessivas derrotas aos franceses. A incapacidade militar gaulesa,
as divisões existentes no seio do Estado francês, contribuíram para a sua
rendição militar prematura e a celebração de um armistício com Berlim,
em 22 de Junho de 1940, assinado em Paris. O General indignado e revoltado com esta rendição, deixou a França rumo ao Reino Unido, para
encabeçar a resistência aos nazis e ao novo regime de Vichy. Durante a
II Guerra Mundial, este militar simbolizou a honra nacional, lutando pelo
que considerava serem os interesses estratégicos do seu país, quer contra
os seus inimigos, quer contra os seus aliados – ficaram para a história
alguns desatendimentos com Winston Churchill e a incompatibilidade
133
com o Presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt. Quando
a libertação da sua pátria ocorreu em 1944, esta figura lendária da política francesa (FDR) – a mais relevante daquela época – foi nomeada
Presidente do Governo Provisório em Agosto de 1944. As divergências
existentes com os partidos políticos ditaram uma curta permanência no
poder, tendo resignado ao cargo em 1946. No entanto, nem assim desistiu de lutar pelo seu projecto, tendo fundado a RFR, em 1947, antes de
abandonar a vida política em 1953. Iniciava-se uma travessia no deserto
para este político, antes do seu regresso triunfal ao poder.
A instabilidade política constante da IV República, com sucessivas demissões de governos e a incapacidade de Paris em lidar com a
o conflito argelino, ameaçavam mergulhar o país numa guerra civil. A
eclosão do putsch militar de 13 de Maio de 1958, a possibilidade latente
de se iniciar um conflito civil, levou o então Presidente Rene Coty a
lançar um apelo ao regresso de De Gaulle ao poder. A nomeação deste
célebre estadista para Primeiro-Ministro, em 1958, representou a oportunidade para este propor ao país um novo modelo constitucional: a V
República foi aprovada por referendo em 1958 e De Gaulle foi eleito o
primeiro Presidente da V República, por um colégio eleitoral. Uma nova
página se iniciava na história do país – o sistema semipresidencialista
francês da V República ainda se mantém em vigor.
Apesar da sua legitimidade constitucional/histórica, De Gaulle ambicionava alterar o modo de eleição do Chefe de Estado. As circunstâncias
obrigaram-no a adiar tais intentos e só o atentado da OAS (Organisation
Armée Secrète) contra a sua vida, lhe deu o pretexto para avançar com
esta proposta (De Gaulle, 1973: 15-22). Numa comunicação proferida
ao país, em 20 de Setembro de 1962, o Presidente enfatizou a urgência
da reforma constitucional:
“(…) as instituições vigentes desde há quatro anos substituíram, na
acção do Estado a confusão crónica e as crises perpétuas pela continuidade, estabilidade, eficiência e equilíbrio dos poderes (…) ninguém põe
em dúvida que o nosso país em breve se veria arrojado ao abismo e, por
infelicidade, o tornássemos a entregar aos jogos estéreis e irrisórios de
outrora… a pedra angular do nosso regime é a instituição de um presidente da república nomeado pela razão e pelo sentir dos Franceses para
134
que seja o chefe de Estado e o guia da França (…) Depois do terminar
o meu próprio septenato, ou se a morte ou doença o interromperem
antes do seu termo, o Presidente da República passará a ser eleito por
sufrágio universal” ( De Gaulle, 1973: 23-25).
Esta intenção de De Gaulle representava uma alteração radical ao
texto constitucional de 1958, e os franceses pronunciaram-se, por referendo, em 28 de Outubro de 1962, com 62% dos votos favoráveis à
eleição directa, deixando o General visivelmente satisfeito (De Gaulle,
1973: 59-60). Em 1965, após hesitações, De Gaulle candidatou-se à sua
reeleição. No entanto, viu-se forçado a uma segunda volta, sendo reeleito com 54,5% dos votos contra o seu rival François Mitterrand com
45%. (Roussel, 2003: 322) – todas as eleições presidenciais francesas,
desde 1965, implicaram a realização de uma segunda volta entre os dois
candidatos mais votados na primeira volta.
A consolidação deste novo modelo constitucional e a resolução do
conflito na Argélia foram as prioridades do novo Chefe de Estado; era
inviável manter o império e coube a este estadista a decisão histórica de
conceder a independência ao território, lidando com uma oposição feroz
de sectores relevantes da sociedade francesa – com especial destaque
para os Pieds Noirs. Além disso, dotar a França de um arsenal nuclear
era primordial: a explosão da bomba atómica em 1960 representou um
triunfo para o inquilino do Eliseu. Após a concessão da independência da
Argélia e a consolidação da V República, De Gaulle sentiu-se livre para
impor a sua visão na política externa: esta década caracterizou-se por
tensões constantes com Washington e Londres, mantendo uma solidariedade inquebrantável para com os seus aliados na Crise de Berlim, em
1961 e na dos mísseis de Cuba, em 1962. Toda a estratégia da diplomacia
francesa visava engrandecer a nação no cenário internacional e o Presidente não se poupava a gestos ousados, como o que ocorreu no Canadá
quando proferiu o discurso “Vive le Quebec Libre”. A reconciliação com
a República Federal da Alemanha (RFA) de Konrad Adenauer é outro
legado relevante da sua política externa. No entanto, o velho General
opunha-se a uma Europa supranacional, defendendo o conceito de uma
“Europa do Atlântico aos Urais” como modelo alternativo (Roussel, 2003:
165). No Médio Oriente, alterou a política da IV República de simpatia
135
com Israel, com a França ao assumir uma postura mais pró-árabe. A
concepção monárquica do mandato presidencial e as linhas mestres da
política externa gaulesa sobreviveram à sua saída do poder, em 1969,
pois todos os seus sucessores mantiveram as linhas orientadoras da
política gaulista, com ligeiras modificações.
John F. Kennedy: “New Frontier”
Como analisar historicamente John F. Kennedy? O seu assassinato
trágico transformou o jovem Presidente numa figura lendária e deste
então um enorme dilema se colocou diante dos pesquisadores: como
avaliar historicamente um mandato tão curto, que criou tantas expectativas, de um Presidente, idolatrado pelos seus compatriotas? O assassinato do seu irmão Robert F. Kennedy (RFK) em 1968, nas eleições
presidenciais – quando muitos anteviam uma segunda presidência Kennedy – engrandeceu ainda mais a áurea mítica que rodeia este famoso e
trágico clã da política americana. O período inicial após a morte trágica
de JFK produziu uma série de obras quase hagiográficas do jovem Presidente; posteriormente, emergiram livros mais críticos, com uma visão
mais negativa do seu legado, debruçando-se mesmo sobre os aspectos
mais negativos e também obscuros desta presidência. No entanto, mais
recentemente, as biografias são mais realistas, porventura mais justas
desta figura fascinante e enigmática, procurando salientar os méritos e
também alguns fracassos da administração deste Presidente carismático
e enigmático, que marcou uma geração e os seus sucessores. O Presidente Reagan reconheceu num discurso de homenagem ao Presidente
Kennedy, em 1985, esse impacto:
“(…) And when he died, when that comet disappeared over the
continent, a whole nation grieved and would not forget. A tailor in New
York put up a sign on the door - “Closed because of a death in the family.” That sadness was not confined to us. “They cried the rain down
that night,” said a journalist in Europe. They put his picture up in huts
in Brazil and tents in the Congo, in offices in Dublin and Warsaw. That
was some of what he did for his country, for when they honored him
they were honoring someone essentially, quintessentially, completely
136
American. When they honored John Kennedy, they honored the nation
whose virtues, genius - and contradictions -he so fully refleted.” (Tribute
by President Reagan [John F. Kennedy])
A ascensão de Kennedy à Casa Branca representou a eleição do
primeiro – e único, até este momento – católico Presidente dos Estados
Unidos. Esta administração governou o seu país num dos períodos históricos mais interessantes do século XX, e seria redutor limitar apenas
a sua presidência à gestão das crises mais relevantes da Guerra Fria.
Quais serão os méritos mais relevantes desta administração? Muitos salientam que a presidência Kennedy (1961-1963) manteve a paz, apesar
das pressões de círculos político-militares que defendiam um conflito
nuclear, nos momentos mais dramáticos da Guerra Fria (Talbot, 2007:
246); além disso, iniciou a “détente” com a União Soviética, procurando
afastar o espectro de uma guerra nuclear. A defesa da autodeterminação
dos povos granjeou-lhe popularidade no terceiro mundo e o jovem Presidente é considerado o” fundador” da aliança militar entre Washington e
o Estado de Israel (Bass, 2003: 14). Não poderíamos deixar de mencionar
a política de abertura dos Estados Unidos para com os seus vizinhos
do continente americano, com a implementação de um programa de
reformas sociais ousado, “Alianza para el Progreso”. Contudo, ficará
para sempre a dúvida histórica de como teria lidado com o conflito no
Vietname e se teria comprometido neste conflito, como o seu sucessor,
Lyndon Baines Johnson (LBJ). Embora este tema ainda seja motivo de
controvérsia entre os historiadores, uma análise detalhada dos documentos e da gestão das crises na sua política externa pode levar-nos a
especular que teria procurado outras soluções e não se teria envolvido
do mesmo modo que Lyndon Johnson.
No âmbito doméstico, Kennedy foi o precursor de uma nova vaga de
programas sociais que ocorreram durante a década de sessenta: coube
a este Presidente americano propor a reforma do Medicare, sendo esta
chumbada no Senado, em 1962 (Dallek, 2003: 496); avançou ainda com
propostas de reforma no sistema de imigração e dos direitos civis, pugnando na fase final da sua vida, após algumas hesitações, pela defesa
dos direitos dos afro-americanos e o fim da discriminação racial no Sul
dos Estados Unidos. O legado dos Direitos Civis também implicou uma
137
ruptura com consequências políticas para o futuro: o eleitorado conservador do Sul revoltado com o que considerava ser uma tradição do Partido
Democrata, transferiu os seus votos, nos futuros actos eleitorais, para o
Partido Republicano. Todas estas propostas progressistas de Kennedy
seriam aprovadas durante os mandatos de Lyndon Baines Johnson (19631969), que soube explorar habilmente o trauma da morte trágica do seu
antecessor, forçando o Congresso a aprovar a reformas anteriormente
rejeitadas –como o Medicare; aliás, no seu primeiro discurso ao Congresso, em 27 de Novembro de 1963, LBJ enfatizou o legado do “presidente mártir”: “And now the ideas and ideals which [Kennedy] so noble
represented must and will be translated into effective action” (Sabato,
2013: 259). Após a sua vitória retumbante nas eleições presidenciais de
1964, o Presidente obteve do Congresso a aprovação das reformas mais
inovadoras nos Estados Unidos desde o New Deal: Medicare, Medicaid,
Reforming Emigration Act e Voting Rights, entre outras.
Kennedy e de Gaulle: para um consenso (1961-1963)
De Paris a Cuba
O ano de 1960 representou um agravamento nas tensões entre as duas
superpotências mundiais, após as expectativas de um desanuviamento A
visita de Nikita Khruschev aos Estados Unidos, em 1959, fora um sucesso
e estava prevista uma visita do Presidente Eisenhower à União Soviética
no ano seguinte. Nem o debate acalorado entre o Vice-Presidente, Richard Nixon, e Khruschev em 1959 – denominado de “Kitchen debate”
– cada um a defender as virtudes dos seus modelos político-económicos,
indiciaria que se assistiria a um agravamento nas relações entre os dois
blocos. A questão de Berlim permanecia um dossier delicado e a administração Eisenhower não escondia a sua oposição à revolução cubana
que tinha derrubado o regime ditatorial e pró-americano de Fulgêncio
Baptista. Estava marcada uma cimeira para Paris entre o Presidente norte-americano e o líder soviético, que contaria com a presença dos Presidente francês, Charles De Gaulle, o Primeiro-Ministro britânico, Harold
Macmillan, e havia muita expectativa, na opinião pública mundial, de
138
que desse encontro sairiam decisões que permitiriam uma diminuição
nas tensões entre os EUA e a URSS. Todavia, o derrube soviético de um
avião norte-americano de espionagem U2, em Maio de 1960, destruiu
todas as esperanças depositadas numa evolução pacífica da Guerra Fria:
Khruschev acusou os Estados Unidos de espionagem, a administração
Eisenhower viu-se forçada a reconhecer a responsabilidade do seu país
por esse acto; a cimeira na cidade luz colapsou, pois às exigências do
líder soviético de desculpas públicas dos norte-americanos (Roussel,
2003:184) , Eisenhower recusou fazê-lo por uma questão de dignidade
nacional, e a delegação soviética abandonou Paris. De Gaulle e Macmillan solidarizaram-se com o Presidente norte-americano e todas estas
questões delicadas passavam para o sucessor de Eisenhower, que seria
eleito nas eleições presidenciais de 1960.
John F. Kennedy foi o mais jovem a ser eleito para a Casa Branca
–Theodore Roosevelt ascendera à Presidência aos 42 anos, em 1901,
mas tal ocorrer devido ao assassinato do Presidente Mckinley e à natural
sucessão do Vice-Presidente. A sua ascensão não representava apenas a
alternância democrática natural entre o Partido Republicano e o Partido
Democrata, mas também uma mudança geracional no poder (Eisenhower deixava a Casa Branca aos 70 anos e Kennedy tomava posse aos 43
anos). A curta margem de vitória em votos populares, uma diferença de
120 mil votos (Kennedy obteve uma margem mais confortável de vitória
no Colégio Eleitoral, com 303 Grandes Eleitores contra 219 de Richard
Nixon) (Sabato, 2013: 72), não dava ao novo Presidente o capital político
necessário para propor ao Congresso programas sociais ambiciosos à
imagem do New Deal de Franklin Roosevelt; aliás, chocou elementos da
sua campanha, que esperavam uma diferença mais folgada entre os dois
candidatos, subestimando, segundo Robert Dallek, a questão religiosa:
“What they missed was the unyielding fear of having a Catholic in the
White House. Although about 46% of Protestant voted for Kennedy, millions of them in Ohio, Wisconsin, and across the South made his religion
a decisive consideration. It was the first time that a candidate has won
the presidency with a minority of Protestant voters” (Dallek, 2003: 296)
John F. Kennedy sempre demonstrou um maior interesse pelas relações internacionais do que pelas domésticas (Sorensen, 1966: 464) e
139
considerava que lhe seria mais fácil conquistar um lugar relevante na
história pelos seus feitos na política internacional, do que pelos seus
sucessos na frente interna. JFK tinha a grande ambição de conquistar
um lugar no panteão das grandes figuras mundiais, inspirando-se em
personalidades como De Gaulle, Churchill, Abraham Lincoln e Franklin
Delano Roosevelt (Clark, 2013: 128); por isso, dedicou o seu famoso
discurso de posse às questões internacionais, tentando alargar a sua base
de apoio após uma campanha que dividira e apaixonara o seu país. Teve
também o cuidado de escolher quem considerava mais competente para
os postos da nova administração, sendo esta composta por elementos
de grande gabarito, tendo o Presidente o cuidado de a preencher o seu
governo com personalidades republicanas em postos relevantes – o
Secretário do Tesouro, Douglas Dillon e o Secretário de Defesa, Robert
McNamara eram conhecidos pelas suas simpatias para com o “partido
dos elefantes”.
O modelo constitucional da V República consolidava-se, o papel do
Presidente tornava-se mais relevante no sistema político do país e De
Gaulle impunha um estilo monárquico no exercício do seu mandato
presidencial. Além disso, a França ascendia ao clube restrito nuclear
com a explosão da sua primeira bomba atómica, em 13 de Fevereiro
de 1960, e apesar do novo poder político recolher os louros por este
grande feito, muito do mérito cabia aos executivos da IV República que
tomaram a decisão política de dotar a nação do arsenal nuclear (Roussel,
2003: 179). Todavia, o conflito argelino não tinha solução militar, era
necessário chegar a um acordo político e os argelinos tinham que ser
ouvidos e decidir o seu futuro. Esta abertura irritou os sectores militares
e os colonos franceses no território que consideravam traição qualquer
alteração do estatuto colonial. Iniciou-se, deste modo, um período de
grande instabilidade no território francês, com sucessivas insurreições
dos colonos e putschs militares. Porém, apesar de todas as tentativas
desestabilizadoras, De Gaulle impôs a sua política, conseguindo aprovar
por referendo a sua política de autodeterminação e de concessão da independência. O Presidente compreendeu que era altura de reconhecer
a inevitabilidade da independência da Argélia. Mais uma vez cabia ao
140
general a ingrata e árdua tarefa de retirar o seu país de um pântano em
que se atolara e de iniciar a missão histórica de fechar o ciclo colonial,
por mais doloroso que fosse para um homem que sempre fora educado
na importância da preservação do império. Os Acordos de Évian que
estabeleceram as condições para a independência do território foram
assinados a 18 de Março de 1962 e a Argélia libertou-se do domínio
colonial em 5 de Julho de 1962.
O agravamento das tensões internacionais (1961 e 1962) determinaram um alinhamento da França com os Estados Unidos nas crises de
Berlim e de Cuba. Muitos estudiosos defendem que a política externa
gaulista pode ser dividida em três fases: a primeira, de 1958 a 1962, em
que as preocupações se concentram no dossier argelino e na consolidação do modelo semipresidencialista da V República; de 1962 a 1968,
em que as novas prioridades da política externa são implementadas: um
estreitamento nas relações com a República Federal da Alemanha, uma
postura mais crítica face aos aliados anglo-saxónicos e o aprofundamento
do diálogo com a União Soviética; por último, de 1968 a 1969, assistiu-se
uma a reaproximação da França aos Estados Unidos depois dos anos
tensos nas relações bilaterais (Zorgibe, 1990: 240).
Os primeiros meses da nova administração norte-americana mostraram um novo dinamismo na sua política externa e uma maior atenção
aos problemas do terceiro mundo: Kennedy avançou com um programa
inovador para a América Latina, designado de “Alianza para El Progreso”,
que pretendia dissociar o seu país da imagem de alinhamento com as
forças mais conservadoras da América Latina, posicionar Washington
como novo aliado dos anseios populares, desejando assim combater a
popularidade de Fidel Castro no continente americano (Talbot, 2007:
79-81). A autodeterminação dos povos era outra bandeira do novo governo-americano, que votou contra Portugal na resolução da ONU sobre
Angola, em Abril de 1961, desagradando ao poder ditatorial em Lisboa
e abrindo uma crise no seio da Aliança Atlântica – os Estados Unidos
tinham votado ao lado da União Soviética contra um membro da NATO
(Noth Atlantic Treaty Organization). Contudo, o fracasso da invasão da
Baía dos Porcos, em Abril de 1961, feriu o prestígio do novo inquilino
141
na Casa Branca – o Presidente norte-americano, que assumiu publicamente a responsabilidade por este insucesso, embraçando os seus aliados
europeus com tal “aventura”.
JFK desejava reforçar os laços com o continente europeu e pretendia
encontrar-se com alguns dos seus principais líderes, programando-se
uma viagem à Europa, que veio a realizar-se entre Maio e Junho de
1961: a tournée europeia incluiu a França, a Áustria – local designado
para a cimeira com o líder soviético Nikita Khruschev – e o Reino Unido.
Enormes expectativas rodearam o encontro entre os Chefes de Estado
norte-americano e francês: JFK admirava a figura histórica de De Gaulle
e como leitor ávido de história, devorara as memórias de guerra do General, apreciando o seu estilo literário, embora discordasse do excessivo
nacionalismo da sua política externa. Antes de embarcar na sua visita
europeia, o Presidente norte-americano enviou a Paris o seu assessor,
Arthur Schelsinger, com o propósito de recolher mais informações sobre
a personalidade do presidente gaulês: no final de um encontro mantido
com Pierre Mendes France, o antigo Primeiro Ministro francês ironizou
com o assessor do Presidente, dizendo que Kennedy teria de contar com
algum “grau de loucura” nas decisões de De Gaulle, este lhe confidenciara anteriormente: “Tenho dois irmãos: um é louco e outro é normal.
Estou no meio dos dois” (Roussel, 2003: 211).
JFK notabilizara-se com um discurso crítico sobre o domínio francês na Argélia, em 1957. Os esforços gaulistas para a concessão da
independência da Argélia recolhiam a simpatia do novo inquilino na
Casa Branca, tendo o Presidente tido o cuidado de não enfraquecer a
posição de De Gaulle: ordenou que os Estados Unidos se abstivessem
numa resolução crítica na Assembleia Geral das Nações Unidas, aobre
o assunto, afirmando, numa reunião da sua administração: “With all his
faults, the General is the only hope for a solution in Algeria. Tell Adlai
that our sympathy is with the anti-colonial nations; but their cause won’t
be helped by the overthrow of De Gaulle nor our position in Berlin.
Let’s sit this one out”. (Schelsinger, 2005: 207).
A visita a Paris constituiu um triunfo pessoal para o jovem Presidente,
acolhido por multidões na cidade luz e recebido com enorme simpatia
142
pelo Presidente De Gaulle. Durante as reuniões mantidas com o Presidente francês, os dois estadistas tiveram a oportunidade de debater os
dossiers mais delicados da agenda internacional. A questão de Berlim
Ocidental foi abordada, tendo o Presidente Kennedy solicitado a opinião
de De Gaulle sobre o melhor modo de abordar com o líder soviético tema
tão delicado: o Presidente francês replicou que não acreditava que o líder
soviético desejasse iniciar um conflito por causa de Berlim, mas que o
Ocidente tinha de demonstrar aos líderes comunistas que não aceitavam
retirar-se da cidade e que se Moscovo desejasse escalar as tensões até à
eclosão de um conflito, deveria estar preparado para as consequências
que isso acarretaria; segundo De Gaulle, na eventualidade da eclosão
de um conflito, este não se deveria limitar-se apenas à cidade, mas sim
ser global (De Gaulle e Kennedy, Memorandum of Conversation). Kennedy agradeceu os conselhos, concordando com De Gaulle na análise
da situação. As tensões entre os EUA e a URSS, em 1961, sobre Berlim
Ocidental foram dos sensíveis da Guerra Fria e atingiram o seu auge, em
13 de Agosto desse ano, com a construção do Muro de Berlim.
Outro tema debatido foi o conflito em Angola, com os dois estadistas
a assumirem posições opostas: o Presidente norte-americano justificou
o voto dos Estados Unidos contra Portugal na NATO; por seu turno, o
estadista gaulês replicou que, embora discordasse do imobilismo português, a França não acompanharia os Estados Unidos nas críticas a
Lisboa, alertando os americanos para o perigo de uma revolução comunista caso persistisse a pressão sobre o regime português (Mahoney,
1983: 194). Os apoios francês e alemão foram fundamentais para que
Salazar resistisse às pressões norte-americanas para a modificação da
sua política colonial. Como contrapartidas pelo apoio político e militar,
Portugal concedeu à França o uso da base no arquipélago das Flores e
aos alemães a base aérea de Beja. Contudo, apesar da simpatia gaulista
para com o regime português, não deixa de ser interessante este comentário feito por Charles De Gaulle ao seu filho, em 1968, a respeito da
saída de Salazar do poder: “Une dictature, ça commence toujours bien.
Il y a une dynamique qui s’établit et qui écarte le désordre initial. Alors,
les gens adhèrent avec enthousiasme. Mais, petit à petit, cela devient
143
irréversible, l’adaptation ne se fait plus et l’on finit par accumuler des
antagonismes et des haines. Vient ensuite l’heure où les choses tournent
mal” (De Gaulle, 203: 456).
O alinhamento do regime cubano com a União Soviética preocupava
também os aliados europeus dos Estados Unidos; no entanto, enquanto
estes mantinham os seus laços com Cuba, a questão cubana tornava-se irracional em Washington e tudo era feito para derrubar o regime
castrista. A vitória de Fidel Castro na Baía dos Porcos era insuportável
para o establishment norte-americano; na ânsia de o derrubar, os serviços secretos norte-americanos recorreram a todo o tipo artimanhas e de
guerra suja, contando, desde 1960, com o auxílio da Mafia americana,
que colaborou nas tentativas de assassinato do líder cubano. Toda esta
campanha clandestina fracassou, mas muitos em Moscovo e Havana temiam que uma nova invasão norte-americana estivesse a ser planeada.
Deste modo, aprofundaram-se mais os laços entre os dois países, com
a União Soviética a aumentar o seu auxílio financeiro e militar a Cuba;
simultaneamente, os dirigentes norte-americanos preocupados com esse
estreitamento de laços e temerosos de que a ilha cubana se tornasse
numa base soviética, aumentaram as missões do avião de espionagem
U2 ao território cubano; aliás, seria num desses voos que se tiraram
fotografias que provavam a presença de mísseis ofensivos soviéticos na
ilha. O mundo caminhava para a crise mais grave da Guerra Fria.
Do acordo a vetos
Ainda hoje é motivo de debate os motivos pelos quais a URSS provocou os Estados Unidos com a presença de mísseis balísticos ofensivos.
O Presidente Kennedy tivera o cuidado de estabelecer a distinção, no
Verão de 1962, entre a presença de armas soviéticas de cariz defensivo
ou ofensivo, advertindo Moscovo de uma reacção vigorosa no caso de
se confirmar a existência de armas ofensivas; deste modo, os dirigentes soviéticos tinham a noção de que uma provocação destas contaria
com uma resposta firme de Washington. Várias foram as teorias que
procuraram explicar essa instalação, variando desde a sobrevivência
144
do regime cubano até à armadilha, passando pelo poder nuclear, entre
outras (Sorensen, 1966: 597-599). Após ser informado da presença de
mísseis ofensivos em Cuba, Kennedy criou um grupo para debater as
possíveis soluções para ultrapassar esta crise. Enquanto o grupo se reunia e debatia, o Presidente mantinha a sua agenda pública, de modo
a não levantar suspeitas à imprensa da grave crise que se avizinhava.
Diversas soluções foram debatidas, desde não fazer nada até à negociação secreta com a URSS (Sorensen, 1966: 604); mas uma maioria
dos membros preconizava uma solução militar – que podia ir desde
o bombardeamento prévio para depois evoluir para a invasão da ilha;
durante este debate, o Attorney General, Robert F. Kennedy, afirmou-se
como o grande opositor da opção militar, declarando que seria imoral
não só bombardearem um território sem aviso prévio, como atacarem
militarmente um país de pequenas dimensões (Schelsinger, 1978: 509).
Aliás, durante esses debates acalorados, O Procurador-geral, RFK, passou
esta nota escrita ao seu irmão Presidente: “I now know how Tojo felt
when he was planning Pearl Harbour.” (Kennedy, 1969: 31). Depois de
muitos debates acalorados, Robert Francis Kennedy (RFK), sempre em
articulação com o Presidente, conseguiu forjar um consenso pela opção
de quarentena naval à ilha cubana – o discurso oficial da administração
mencionava o bloqueio, dado que a quarentena é considerada um acto
de guerra (a administração procurava ainda uma solução negociada);
assim, o Presidente anunciou ao mundo, em 22 de Outubro de 1962, a
presença de armas ofensivas em Cuba e a implementação de um bloqueio
naval à ilha, exigindo a retirada dessas armas de Cuba.
A administração Kennedy não procedeu a consultas prévias com
os seus aliados europeus sobre a melhor solução para esta crise. O
diferendo tinha por base o continente americano e os Estados Unidos
necessitavam da aprovação deste bloqueio pela Organização de Estados
Americanos (OEA), para poder entrar em vigor (Kennedy, 1969: 57). No
entanto, Kennedy teve o cuidado de informar os seus aliados europeus,
enviando enviados a algumas capitais europeias com as provas da presença militar soviética, procurando obter o apoio do velho Continente.
Neste âmbito, coube a Dean Acheson a tarefa de se encontrar com De
145
Gaulle, mostrar-lhe as evidências e solicitar-lhe o apoio; De Gaulle garantiu ao representante norte-americano o apoio de Paris às decisões de
JFK, chegando mesmo a afirmar que confiava na palavra do Presidente
(Sorensen, 2008:2 91). O posicionamento francês foi considerado o mais
firme e surpreendente dos aliados europeus, demonstrando, uma vez
mais, o General, que apesar das constantes divergências com Washington, Paris posicionava-se ao lado do seu aliado histórico nos momentos
mais graves da sua história.
Durante sete dias, o mundo susteve a sua respiração, “rezando” para
que os líderes das superpotências resolvessem o diferendo pacificamente
e evitassem a II Guerra Mundial. Kennedy procurou sempre uma solução pacífica, resistindo às pressões dos sectores militares para invadir
Cuba: a invasão de Cuba implicaria a eclosão de um conflito nuclear e
o Presidente não tinha ilusões sobre qual seria a reacção de Moscovo a
uma invasão de Cuba e à morte de conselheiros soviéticos. Por isso, enquanto mantinha a firmeza publica procurava nos bastidores um acordo
com a URSS que evitasse o pior. A resistência do Presidente Kennedy,
apoiado pelo seu irmão Robert, constituiu mais um episódio das tensões
contantes entre a Casa Branca e o Pentágono sobre a gestão das crises
da Guerra Fria. Os recentes livros publicados sobre este período e a
presidência Kennedy mostram-nos um cenário de profundas divergências entre JFK e o Pentágono, que atingiu o auge na Crise dos Mísseis
de Cuba. Segundos os críticos do Presidente, não se podia desperdiçar
esta oportunidade única para destruir os mísseis e derrubar o regime
comunista de Havana.
Podemos hoje comprovar esses momentos de tensão em Washington,
com a transcrição de uma intercalação entre Kennedy e o General Curtins Le May, Chief of Staff da Força Aérea Americana, em que o militar
repreendeu o Presidente pela opção do bloqueio, afirmando que,” I
think that a blockade and a political talk would be considered by a lot of
friends and neutrals as being a pretty weak response to this. And I’m sure
a lot of our citizens would feel that way, too. In other words, you are in a
pretty bad fix at the present time (Dallek, 2013: 316)”. Confrontado com
esta crítica, JFK depois de solicitar a Le May que repetisse novamente
as suas críticas, o que o militar fez, respondeu sarcasticamente: “You’re
146
in there with me”. (Dallek, 2013: 316). Esta troca acalorada de palavras
entre o Presidente e as suas chefias militares deixou-o exasperado e
furioso com tal ousadia, chegando mesmo a afirmar a Kenny O’Donnel:
“These brass have one great advantage in their favor. If we …. Do what
they want us to do, none of us will be alive later to tell them that they
were wrong.” (Dallek, 2013: 317).
As negociações entre Robert Kennedy e o embaixador soviético,
Anatoly Dobrynin, representaram o momento decisivo no desfecho desta
crise, tendo o Attorney General alertado o representante soviético de
que Moscovo dispunha apenas de mais algumas horas para evitar um
conflito, sendo que o Presidente norte-americano poderia não conseguir
resistir mais às pressões (Schelsinger, 1978: 521). Os soviéticos exigiam
a retirada dos mísseis americanos da Turquia como contrapartida para
a saída das armas soviéticas de Cuba; por seu turno, os americanos recusavam esta ligação, replicando que os mísseis na Turquia tinham sido
instalados sem recorrer ao sigilo; a URSS fora informada, ao contrário
do que ocorrera em Cuba em que tudo tinha sido feito em segredo. Por
fim, chegou-se a um consenso: os soviéticos retiravam os seus mísseis
ofensivos da ilha e os norte-americanos comprometeram-se a não invadir
o território; além disso, os americanos asseguraram a Moscovo que os
mísseis na Turquia seriam retirados meses depois (Schelsinger, 1978:523),
solicitando apenas que não fosse publicitada esta parte do acordo. O
fim da crise significou um triunfo político do presidente Kennedy, mas
este teve o cuidado de salvaguardar a imagem do dirigente soviético
derrotado, oferecendo concessões relevantes, como a promessa de não
invadir Cuba, o que significava a manutenção de Fidel Castro no poder
– esta promessa foi respeitada por todos os sucessores de Kennedy.
Para muitos círculos em Washington este acordo era mais uma prova
da moleza do Presidente para com o movimento comunista internacional e poderia mesmo ser considerado um acto traiçoeiro aos interesses
norte-americanos.
A Crise dos Mísseis de Cuba simbolizou um ponto de viragem na
Guerra Fria: confrontados quase com a possibilidade de um conflito
nuclear que destruiria o planeta, os Estados Unidos e a União Soviética
iniciaram, em 1963, um período de desanuviamento, conhecido como
147
a détente. Coube a JFK a primeira iniciativa, com o seu discurso inovador, em 10 de Junho de 1963, na “American University”: aí Kennedy
apelou a um reexame da atitude americana perante a União Soviética
(Dallek, 2003:620), enfatizando os laços comuns que juntavam os dois
países, independentemente dos modelos opostos e apelando ao fim das
tensões entre os dois blocos. Os soviéticos ficaram surpreendidos com a
ousadia do Presidente, permitindo a transcrição integral da sua alocução
na imprensa soviética (Dallek, 2003:621). Esta aproximação produziu
efeitos com a assinatura do “Tratado de Interdição Parcial de Ensaios
Nucleares” em Outubro de 1963, entre os Estados Unidos, a União Soviética e o Reino Unido, tendo a França e a China Popular já recusado
aderir a este pacto. Uma nova esperança nascia: muitos pensavam que
não seria utópico imaginar um cenário em que os dois poderes mundiais
colocariam um fim à Guerra Fria. Em Setembro de 1963, o Presidente
americano propôs a Moscovo uma missão conjunta dos dois países à
Lua (Clark, 2013: 182), colocando um fim na competição para ver qual
deles chegaria primeiro à Lua. O assassinato trágico de Kennedy em
Novembro de 1963 e o golpe em Mosvovo que derrubou Khruschev
destruíram a esperança de um maior desagravamento nas tensões da
política mundial. Só no final dessa década é que se criariam condições
para avançar com a détente, que atingiu o seu auge na década de 70,
durante a presidência de Richard Nixon e, a liderança de Leonidas Brejnev no Partido Comunista soviético.
O apoio francês aos Estados Unidos durante a Crise dos Misseis de
Cuba não impediu o Presidente francês de chegar à seguinte conclusão:
sempre que os Estados Unidos se envolvessem em crises fulcrais para
a sua segurança nacional, actuariam isoladamente e não consultariam
previamente os seus aliados europeus (Schelsinger, 2005: 302). Esta perspectiva reforçou-se com o encontro de Kennedy com Macmillan sobre
os Mísseis Polaris, em Dezembro de 1962, e as conclusões dessa reunião
desagradaram profundamente: De Gaulle recusou a oferta americana ao
seu país dos mesmos mísseis, considerando ser uma armadilha com o
propósito de enfraquecer o seu projecto nuclear (Roussel, 2003: 272273). A ligação histórica entre o Reino Unido e os Estados Unidos era
148
mais um obstáculo para o seu projecto de uma Europa menos obediente
aos Estados Unidos (Roussel, 2003: 273).
Deste modo, convencido de que a adesão britânica à CEE (Comunidade Económica Europeia) implicaria um acréscimo da influência norte-americana na organização – e que já era elevada –, De Gaulle decidiu-se
pelo veto à entrada da Grã-Bretanha na Comunidade Económica Europeia. Esta decisão não foi recebida com surpresa em Washington (Roussel, 2003: 274). O desafio gaulês a Washington não se confinou a este
assunto e logo o Presidente francês preparou mais uma “surpresa“para
Washington: a assinatura de um acordo de defesa com a RFA, em Janeiro de 1963, os dois Estados a assumiam a vontade de aprofundar a
cooperação entre dois velhos antagonistas na área da defesa (Freedman,
2000:278). Os americanos responderam a esta provocação na discussão
da ratificação deste Tratado no Bundestag: os outros grupos parlamentares alemães –SPD (Partido Social-Democrata) e FDP (Partido Liberal)
– exigiram, como condição para o aprovar, que fosse incluído no seu
preâmbulo a fidelidade de Bona à aliança com os Estados Unidos e a
NATO (Roussel, 2003: 284-285).
Subjacente a este “confronto”, estavam duas visões opostas sobre o
futuro das relações transatlânticas e da integração na Comunidade Económica Europeia: De Gaulle opunha-se ao aprofundamento da integração
europeia e defendia que eram os Estados que competia decidir qual o
futuro da CEE; por seu turno, Kennedy seguia com interesse o projecto
europeu e preconizava o seu aprofundamento: os contactos mantidos
com Jean Monnet permitiam ao Presidente acompanhar os debates no
Velho Continente; por isso, a 4 de Julho de 1962, proferiu um discurso
em Filadelfia, onde propôs uma nova parceria, entre uma Europa unida
e os Estados Unidos para uma nova agenda transatlântica, que não se
limitaria apenas aos desafios correntes da Guerra Fria.
Este embate prosseguiu durante o ano de 1963, tentando os dois
líderes políticos garantirem apoios para os seus desígnios. A visita de
De Gaulle à RFA em 1961 e 1962 constituíram um êxito para o Chefe
de Estado francês, Kennedy respondeu com uma visita à RFA na sua
viagem europeia de 1963 – a última ao estrangeiro da sua presidência –,
149
que incluiu ainda a Itália, a Irlanda, o Vaticano e o Reino Unido. A visita
do Presidente norte-americano tornou-se célebre pela sua deslocação a
Berlim Ocidental, onde aclamado por uma enorme multidão, proferiu
o discurso “Ich Bin Ein Berliner” – um dos discursos mais célebres do
século passado –, onde salientou a sua ligação ao povo martirizado desta
cidade, prognosticando a unificação da mesma, que era o símbolo da
divisão com a República Democrática Alemã (RDA). Kennedy gozava
de uma enorme popularidade na Alemanha Federal e na Europa; apesar
das “provocações gaulistas”, o sentimento pró-americano continuava
elevado no velho Continente.
Médio Oriente e Sudoeste Asiático
A segurança do Estado judaico foi outra preocupação do estadista
norte-americano. As relações entre Israel e os Estados Unidos tinham uma
dimensão singular desde que Harry Truman reconheceu, a 14 de Maio
de 1948, a independência de Israel, contra a opinião do seu então Secretário de Estado, George Marshall – Marshall garantiu ao Presidente que
não se oporia publicamente a esta decisão (McCullough, 1992: 617-618);
contudo, apesar deste apoio político, os norte-americanos recusavam-se
a vender material militar ao novo Estado e as forças armadas israelitas
compravam o seu equipamento militar nos países ocidentais, com especial destaque para a França e a República Federal da Alemanha. O apoio
militar francês era uma das linhas orientadoras da política externa dos
governos da IV República Francesa. A administração Kennedy tinha uma
agenda para o Médio Oriente e o novo Presidente queria manter um
diálogo construtivo com o controverso Chefe de Estado egípcio, Gamal
Abdel Nasser, para além das relações amistosas mantidas com Israel e a
Arábia Saudita. Durante os dois anos do seu mandato presidencial, JFK
reforçou os laços entre os Estados Unidos e Israel: autorizou a venda de
mísseis Hawk ao Estado israelita, em 1962, o primeiro país não membro
da NATO a receber esta tecnologia (Bass, 2003: 145) além disso, afirmou
que existia uma relação especial entre os dois países à imagem do que
os Estados Unidos mantinham com o Reino Unido (Bass, 2003. 183),
comprometendo-se com a segurança do Estado judaico.
150
No entanto, apesar deste alinhamento com Telavive, o Presidente
norte-americano manifestava o desejo de encontrar uma solução para
os refugiados palestinianos (Bass, 2003: 166), afirmando-se também
como um grande opositor do plano nuclear israelita, ameaçando mesmo
rever a relação bilateral, caso Telavive o mantivesse e não permitisse
mais inspeções à central de Dinona. As pressões norte-americanas são
consideradas como um dos factores, segundo Yuval Ne’eman, que contribuíram para o pedido de demissão do Primeiro-Ministro Israelita,
David Ben Gurion, em 1963, embora outras fontes atribuam essa saída
a motivos de ordem doméstica (Bass, 2003: 220). Não obstantes estas
pressões, Israel conseguiu evitar a aplicação das medidas mais severas
por parte dos Estados Unidos, tendo o Levi Eskol – sucessor de Bem
Gurion na chefia do Governo –, negociado com os norte-americanos
mais inspeções (Bass, 2003: 189).
A presidência de De Gaulle alterou a tradicional política dos executivos da IV República de simpatia para com Israel, defendendo uma postura mais pró-árabe. O Estado francês forneceu urânio a Israel, durante
a década de cinquenta e a diplomacia americano contactou a francesa
sobre este dossier. Aliás, o Ministro francês dos Negócios Estrangeiros,
Couve de Murville, advertiu os Estados Unidos de que esse programa
encontrava-se na sua fase final (Bas, 2003: 208). A Guerra dos Seis Dias,
em 1967, criou o pretexto para que o Presidente francês modificasse o
alinhamento de Paris com Telavive, tomando algumas decisões – como
o embrago de armas – e proferido afirmações que feriram o orgulho
judaico, causando uma enorme controvérsia na opinião pública francesa (Roussel, 2003: 368-369). Esta nova orientação foi recebida com
estupefacção em diversos sectores do establishment político francês,
alguns dos quais não se coibiram de demonstrar publicamente a sua
discordância – assim Giscard d’Estaing, François Mitterrand, entre outros,
subscreverem o apelo do Comité francês de solidariedade para com o
Estado judaico (Roussell, 2003: 369). No auge desse debate, Raymond
Aron publicou um célebre livro sobre esta temática, De Gaulle, Israël
et les Juifs (1968), criticando o que considerava serem gestos hostis de
De Gaulle para com os judeus e inquirindo o porquê dessas decisões.
151
Os Estados Unidos estavam comprometidos com a segurança do Vietname do Sul. O establishment político norte-americano preocupava-se
com a segurança do Sudoeste Asiático, receando a influência comunista
nesta parte estratégica do continente asiático. Kennedy lidou com a
questão do Laos, no início da sua presidência, conseguindo negociar
um acordo que garantiu a neutralização do país, apesar das pressões
dos seus militares para que enviasse tropas de combate. Aliás, o mesmo
dilema de segurança se colocava no Vietname, em que o Presidente
aumentou o número de conselheiros militares que atingiram os 16.000,
em 1963. Permanece hoje uma grande controvérsia histórica sobre este
legado da administração Kennedy e sobre qual teria sido a sua actuação
nos anos subsequentes da década de sessenta. Encontrámos, no âmbito
desta temática, declarações contraditórias de JFK: por um lado, afirmava
acreditar na teoria do dominó e que seria um erro retirar os militares;
por outro lado, enfatizava que o papel primordial no conflito cabia ao
Vietname do Sul; que os Estados Unidos não poderiam substituí-los
nesse esforço. O Presidente confidenciou a amigos, assessores, que os
Estados Unidos retirariam os conselheiros militares do Vietname, mas
apenas depois das eleições presidenciais de 1964 – o National Security
Memorandum (NSC) 263 parece indiciar nesse sentido, com a administração a ordenar a retirada de 1000 conselheiros militares americanos
até final de 1963 (Stone e Kuznick, 2013: 315).
O que podemos concluir destes elementos contraditórios? Um estudo
aprofundado desta presidência Kennedy mostra-nos que ele sempre
evitou o recurso à força militar nas crises da Guerra Fria, privilegiando
as soluções pacíficas; deste modo, podemos especular, com alguma
objectividade, que procuraria outras opções e que não esgotaria os esforços diplomáticos. Além disso, o Presidente desconfiava dos conselhos
da Pentágono; aliás, o posicionamento crítico posterior dos seus irmãos
senadores, Robert F. Kennedy – o mais próximo colaborador do Presidente – e de Edward Kennedy, em relação a este tema, sugerem que
teria sido, provavelmente, outra a abordagem do malogrado político.
Segundo O’Donnell – assessor do Presidente –, JFK garantiu-lhe a saída
do Vietname: “(…) Em 1965, serei dos Presidentes mais impopulares
da história. Vou ser amaldiçoado em todo o lado como apaziguador
152
dos comunistas. Não me interessa. Se tentasse sair já completamente
do Vietname, teríamos outra ameaça vermelha como a de Joe McCarty
entre as mãos, mas posso fazê-lo depois de ser reeleito. Por isso é melhor termos a certeza de que sou mesmo reeleito.” (Talbot, 2007: 241).
De Gaulle afirmou-se um crítico da intervenção norte-americana no
sudoeste asiático. Os norte-americanos cometiam um erro estratégico
intervir militarmente no Vietname; por diversas ocasiões aconselhou os
líderes norte-americanos a retirarem-se do território. Kennedy nunca
esqueceu as advertências e os conselhos de Douglas MacArthur e de
Charles De Gaulle para que não comprometesse as tropas norte-americanas num conflito terrestre no Vietname do Sul (Clark, 2013: 241). Em
1963, o Presidente francês defendeu a unificação do Vietname e o fim da
interferência estrangeira (Schelsinger, 1978: 719); em 1967, num encontro mantido com o Senador Robert Kennedy, recordou-lhe os conselhos
dados ao seu irmão e afirmou que o conflito manchava o prestígio da
América no mundo: “(…) History is at force in Vietnam and the United
States will not prevail against it.” (Schelsinger, 1978: 765)
Conclusão
o assassinato do Presidente Kennedy, em 22 de Novembro de 1963,
é um dos eventos marcantes do Século XX. Quando foi confirmado o
assassinato do Presidente, uma enorme onda de consternação surgiu
nos Estados Unidos e no mundo inteiro. Mesmo em países hostis aos
Estados Unidos, sentiu-se a morte trágica de JFK.: o choque na União
Soviética por estas notícias trágicas foi evidente, tendo mesmo o líder
soviético chorado ao saber do ocorrido. A estupefação inicial da opinião
pública mundial pelos eventos de Dallas evoluiu para uma posição de
suspeição de que algo estava a ser escondido, após o assassinato do
suposto assassino de JFK, Lee Harvey Oswald. A reacção francesa à
morte do Presidente norte-americano surpreendeu mesmo o Presidente
francês De Gaulle, que declarou a um amigo “I am stunned. They are
all over France. It is as if he were a Frenchmen or a member of family
(Clark: 2013: 349). Na reunião do Conselho de Ministros francês, o Presidente declarou que JFK “est mort comme un soldat, sous le feu pour
153
son devoir et au service de son pays. Un grand exemple, une grande
mémoire » (Tournoux, 1979: 313). O Presidente francês confirmou a sua
presença no funeral do estadista norte-americano e com esta viagem,
além de homenagear JFK, pretendia transmitir a solidariedade do povo
francês para com o norte-americano (Roussel, 2002: 292).
De Gaulle não escondia a sua animosidade para com o novo Presidente Lyndon Baines Johnson. Estava prevista uma visita de De Gaulle
a Kennedy, mas o assassinato do Presidente e a presença do estadista
francês no seu funeral em Washington, determinou que considerasse não
ser mais necessária uma visita aos Estados Unidos – De Gaulle só visitou
o território norte-americano, em 1969, para representar o Estado o estado
francês nas exéquias do antigo Presidente dos Estados Unidos, Dwight
Einsehower. As provocações iniciaram-se logo, em 24 de Janeiro de 1964
quando a França reconheceu a China Popular, rompendo as relações
diplomáticas com a Formosas e indispondo Washington (Roussel, 2003:
300). O auge nas tensões bilaterais e os grandes embates entre as duas
diplomacias ocorreriam durante a administração de Lyndon Johnson: as
críticas constantes à intervenção norte-americana no Vietname, com De
Gaulle a proferir discursos violentos e a retirada do país da estrutura
militar da Aliança Atlântica. Confrontado com permanente hostilidade
gaulista, Lyndon Johnson adoptou a postura de o ignorar e de nunca
responder agressivamente às suas preocupações (Roussel, 2003: 305). A
França retirou-se da estrutura militar da NATO, em 1966, permanecendo,
contudo, na aliança. Assistir-se-ia a um degelo nestas relações a partir de
1968, acentuando-se mais com a nova administração de Richard Nixon
(1969-1974), a quem o Presidente francês dispensa um acolhimento
simpático quando o Presidente norte-americano visitou a França, na sua
“tournée” europeia, em Fevereiro de 1969.
Com efeito, Nixon desejava melhorar as relações com a França, depois
dos anos tensos anteriores; além disso, pretendia a colaboração francesa
para dois dos grandes desígnios da sua administração: a aproximação à
China comunista e a procura de uma solução negociada para o conflito
vietnamita: “Most important, I felt that President De Gaulle’s cooperation
would be vital to ending Vietnam War and to my plans for beginning a
new relationship with communist China. Paris had diplomatic relations
154
with Hanoi and Peking, and Paris would be the best place to open secret
channels of communication between us and them.” (Nixon, 1990: 370).
No decurso das conversações entre os dois estadistas, De Gaulle aconselhou Nixon a prosseguir a política de “détente”, afirmando-lhe: “As far
the West is concerned, what choice do we have? Unless you are prepared
to go to war or to break down the Berlin Wall, there is no alternative
policy that is acceptable. To work toward détente is matter of good sense:
if you are not ready to make war, make peace” (Nixon, 1990: 373). O
Presidente francês também o incentivou a dar passos decisivos na política
de reconhecimento da China Popular: “It would be better to recognize
China before you are obliged to do so by the growth of China” (Nixon,
1990: 374). A visita do Presidente Nixon a Paris, permitiu-lhe relembrar
a De Gaulle, num jantar no Palácio do Eliseu, a deslocação ocorrida oito
anos antes, feita por JFK: “I realize that it was just a few years ago that
you entertained another American president, against whom I run for
office and one who came here and sat in the chair I now occupy. We
were members of different parties. We disagreed on some issues. But we
agreed on what was important. We completely agreed, for example, in
the importance of the French-American friendship. And we completely
agreed in our dedication to the ideals which our country stands for, the
ideals that we share with you – ideals of freedom, of equality, of peace
and justice for all nations.” (Matthews, 1997: 277-278).
As relações entre estes dois políticos caracterizaram-se por uma
grande cordialidade: De Gaulle simpatizava com o novo inquilino da
Casa Branca. Nixon admirava a personalidade histórica de De Gaulle,
congratulava-se com a existência da force de frappe francesa e não se
esquecia da confidência que Eisenhower lhe fizera: “Não tivemos a devida consideração por De Gaulle durante a guerra.” (Roussel, 2003: 458).
Lista das principais siglas
CEE (Comunidade Económica Europeia)
EUA (Estados Unidos da América)
FDR (Frankin Delano Roosevelt)
JFK (John Fitzgerald Kennedy)
155
LBJ (Lyndon Baines Johnson)
OAS (Organisation Armée Secrète)
OEA (Organização dos Estados Americanos)
RFA (República Federal da Alemanha)
RFK (Robert Francis Kennedy)
RDA (República Democrática da Alemanha)
URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas).
Bibliografia
ARON, Raymond (2004), De Gaulle, Israel and the Jews. With a new
introduction by Michael Curtis. New Brunsick and London: Transaction
Publishers.
BOZO, Frédéric (2001) De Gaulle, the United States and the Atlantic
Alliance: two strategies for Europe. Oxford: Rowman & Littlefield Publisher.
BROGAN, Hugh (1996), Kennedy, Profiles in Power. Essex: Pearson
education Limited.
BASS, Warren (2003), Support Any Friend, Kennedy’s Middle East and
the making of the US-Israel alliance. Oxford: Oxford University Press.
BROGAN, Hugh (1996), Kennedy, Profiles in Power. Essex: Pearson
education Limited.
CLARK, Thurston (2008), The Last Campaign, Robert F. Kennedy and
82 days that inspired America. New York: Holt Paperbacks.
____ (2013), JFK’s Last Hundred Days, An Intimate Portrait of a Great
President. New York: Penguin Books.
COSTIGLIOLA, Frank (1992), France and the United States: the Cold Alliance since World War II. New York: Macmillan Publishing Company.
DALLEK, Robert (2003), John F. Kennedy, an Unfinished Life 19171963. London: Penguin Books.
____ (2013), Camelot’s Court: Inside the Kennedy White House. New
York: Harper Collins Publishers.
156
FRASER, T.G. and Donette Murray (2002), America and the World since
1945. New York: Palgrave Macmillan.
FREDMAN, Lawrence (2000), Kennedy’s Wars: Berlin, Cuba, Laos and
Vietnam. New York: Oxford University Press.
GAULLE, Charles de (1970), Memórias de Esperança, a Renovação:
1958-1962. Lisboa: Publicações Europa-América.
GAULLE, Charles de (1973), Memórias de Esperança. 2º volume: O esforço
1962-…. Lisboa : Publicações Europa-América.
GAULLE, Philippe de (2003) De Gaulle, Mon Père, Vol.1, Entretiens avec
Michel Tauriac. Paris: Editions Plon.
GAULLE, Philippe de (2004), De Gaulle, Mon Père, Vol.2, Entretiens avec
Michel Tauriac. Paris: Editions Plon.
KENNEDY (1969), Robert, Thirteen Days, A Memoir Of The Cuban
Missiles Crises, With Introduction by Robert S Macnmara and Harold
Macmillan. New York: W.W. Norton & Company.
MAHONEY, Richard D. (1983), JFK: Ordeal in Africa. New York, Oxford:
Orxfod University Press.
MATTHEWS, Christopher (1996), Kennedy and Nixon, the rivalry that
Shaped Postwar America. New York: Touchstone.
MCCULLOUGH, David (1992), Truman. New York: Simon & Schuster.
NIXON, Richard (1990), The Memoirs of Richard Nixon, With a New
Introduction by the Former President. New York: Touchstone Book.
ROUSSEL, Eric (2003), De Gaulle, vol. II, 1945-1970. Lisboa: Verbo.
SABATO, Larry J. (2013), The Kennedy Half Century: The Presidency,
Assassination and Lasting Legacy of John F. Kennedy. Bloomsbury:
New York.
SCHLESINGER, Artur M. (1965), A Thousand Days: John F. Kennedy in
the White House. London: Andre Deutsch.
157
______ (2005), A Thousand Days: John F. Kennedy in the White House.
New York: Black Dog & Levanthal Publishers.
______ (1978), Robert Kennedy and his Times. London: Andre Deutsch.
SIDEY, Hugh (1964), Kennedy Presidente. Barcelona: Editorial Juventud.
SORENSEN, Theodore C. (1965), Kennedy. Lisboa: Aster, s.d.
SORENSEN, Theordore C. (208), Counselor, A Life At The Edge Of History. New York: Harper Publications.
STONE, Oliver E Peter Kuznick (2013, The Untold History Of The United
States. London: Ebury Press.
TALBOT, David (2008), A História Oculta dos Anos Kennedy. Lisboa:
Casa das Letras.
TOURNOUX, Raymond (1979), Le Feu et la Cendre: les années politiques du général de Gaulle, 1946-1970. Paris: Plon.
ZORGIBE, Charles (1990), Dicionário de Política Internacional. Lisboa:
Círculo de Leitores.
Internet:
GAULLE, De e John F. Kennedy, Memorandum of Conversation:
https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1961-63v14/d30
Foundation Charles De Gaulle
JFK Library
REAGAN, Ronald, “Tribute by President Reagan [John F. Kennedy]”:
https://www.jfklibrary.org/about-us/about-the-jfk-library/history/1985tribute-by-president-reagan
158
N O TA B I O G R Á F I C A D O S A U T O R E S
Ana Cordeiro de Azevedo
Licenciada em Direito na Universidade Clássica de Lisboa e foi admitida na ordem como advogada (não exerce atualmente). Completou
um pós-graduação e posteriormente o Mestrado em Estudos Europeus,
na Universidade Católica e foi Auditora no Curso de Defesa Nacional no
Instituto da Defesa Nacional 2018/2019. Presentemente é doutoranda
em Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Católica
Portuguesa, investigadora no respetivo Centro de Investigação (CIEP).
Possui ainda formação complementar nas áreas financeira, económica,
gestão de risco e ‘compliance’.
António Sousa Monteiro
É doutorando em História Moderna e Contemporânea pelo ISCTE –
Instituto Universitário de Lisboa, sendo licenciado em Estudos Europeus
e Política Internacional e mestre em Relações Internacionais pela
Universidade dos Açores, onde defendeu a dissertação com o título
“As Ilhas nas Relações Internacionais: o caso da Ilha de Santa Maria no
Século XX”. As suas áreas de interesse centram-se no internacionalismo
das illhas açorianas, particularmente Santa Maria, com enfoque nas
ligações aéreas das ilhas açorianas ao resto do mundo. Tem experiência
profissional na área do turismo e foi deputado municipal em Vila do
Porto. É co-fundador e atual presidente da direção da LPAZ – Associação
para a Promoção e Valorização do Aeroporto de Santa Maria.
Aurelio Velázquez Hernández
Doctor en Historia por la Universidad de Salamanca. Es Profesor en
la Universidad de Cantabria. Ha disfrutado de una beca posdoctoral en
la Universidad Nacional Autónoma de México y en un Contrato Juan de
la Cierva en la Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED),
159
también ha sido profesor del Departamento de Historia Contemporánea
de la Universidad de Valencia. Del mismo modo, ha realizado estancias
de investigación en varios países como México, Estados Unidos, Argentina, Portugal o Suiza. Es investigador del Centro de Estudios Sobre
Migraciones y Exilios (CEME) de la UNED. Sus investigaciones se han
centrado en la Historia del exilio republicano español en América Latina.
Es especialista en el estudio de los organismos de ayuda a los españoles,
y las redes internacionales de solidaridad con este exilio.
Carlos Eduardo Pacheco do Amaral
Doutor em Filosofia pela Universidade dos Açores (1998) e Mestre em
Direito e Diplomacia pela Fletcher School of Law Diplomacy (Estados
Unidos, 1989). Professor Associado com Agregação na Universidade
dos Açores. Titular da Cátedra Jean Monnet. Presidente do Conselho
Pedagógico e Membro do Conselho Geral assim como Diretor do curso
de Licenciatura em Estudos Europeus e Política Internacional da Universidade dos Açores. Cocoordenador Científico do Grupo de Investigação
Europeísmo, Atlanticidade e Mundialização do CEIS20 – UC. É autor das
seguintes obras: The Political Administrative Systems of the European
Island Regions (1992); Do Estado Soberano ao Estado das Autonomias.
Regionalismo, subsidiariedade e autonomia para uma nova ideia de
Estado (2002). O Liberalismo e os Limites da Justiça (2010). Autonomie
régionale et relations internationales. Nouvelles dimensions de la gouvernance multilatérale. Regional Autonomy and International Relations.
New dimensions of multilateral governance (2011) e Cristianismo e Europa (2015).
Iranison Buriti de Oliveira
Doutor em História. Professor da Universidade Federal de Campina
Grande. Pesquisador-bolsista do CNPq. Avaliador do INEP-MEC. Autor de
diversos livros, dentre os quais ”Leituras do sensível: escritos femininos
e sensibilidades médicas no Segundo Império”, publicado pela EDUFCG.
160
Isabel Maria Freitas Valente
Doutora em Altos Estudos Contemporâneos, Pós-Doutorada pela Universidade de Coimbra, Coordenadora Científica do Grupo de Investigação
Europeísmo, Atlantaticiade e Mundialização do CEIS20-UC, Coordenadora
Científica da Rede de Investigação Internacional Territórios Marítimos,
Ilhas e Regi.es Ultraperiféricas da Uni.o Europeia. Auditora de Defesa
Nacional (CDN18/19). Presidente e Co-coordenadora Científica da Rede
de Investigação Internacional – Visões Cruzadas sobre a Contemporaneidade e Co-coordenadora da Network. Europe: Southern Perspectives.
Between the Atlantic and the Mediterranean. Directora da colecção Euro-Atlantico: Espaço de diálogos e Directora-Executiva da Revista Científica
Debater a Europa. Curriculum e parte da produção científica disponíveis
em: https://www.cienciavitae.pt/portal/6B13-B292-F64E
Luís Andrade
Professor catedrático de Ciência Política e Relações Internacionais
da Universidade dos Açores Pró-Reitor para as Relações Internacionais
e Cooperação Institucional da mesma Universidade Foi coordenador do
Mestrado em História Militar e do Mestrado em Relações Internacionais.
Lecciona várias disciplinas no âmbito da licenciatura em Estudos Europeus e Política Internacional e do mestrado em Relações Internacionais
Colabora na leccionação de um Doutoramento em História Contemporânea na Universidade de Coimbra Publicou vários livros e artigos em
Portugal e no estrangeiro. Proferiu várias conferências em Portugal e
no estrangeiro. Já fez parte de vários júris de provas de mestrado e de
doutoramento na Universidade dos Açores, na Universidade Técnica de
Lisboa, na Universidade Nova de Lisboa, na Universidade de Coimbra
e na Universidade do Minho. É membro do Núcleo de Investigação em
Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade do Minho É
membro associado do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX
da Universidade de Coimbra. Foi Director do Departamento de História,
Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores. Foi Director do
Centro de Estudos de Relações Internacionais e Estratégia da Universidade dos Açores. Foi assessor do Presidente do Governo Regional dos
161
Açores para a Cooperação Externa. Foi o representante dos Açores no
âmbito do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os Estados
Unidos da América Foi adjunto do Ministro da República para a Região
Autónoma dos Açores.
Maria Manuela Tavares Ribeiro
Professora Catedrática Aposentada de História Contemporânea da
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Investigadora do Grupo Europeísmo, Atlanticidade e Mundialização do CEIS20, Membro da
Academia Portuguesa de História, da Academia Internacional da Cultura
Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa, da Associação Portuguesa de História das Relações Internacionais, do Centro de Estudos Ibéricos, da European Community Studies Association, da Rede de História
Contemporânea, da ICHRPI. Directora da Revista Estudos Contemporâneos do Século XX (2004-2014), Directora da Revista Debater a Europa
(online), Directora da Colecção Estudos sobre a Europa, Directora da
Colecção História Contemporânea. Directora do Curso de 3.º Ciclo em
Estudos Contemporâneos CEIS20 (2011- 2014). Coordenadora, et. al., da
obra Pela Paz 1849-1939, Bruxelas, Peter Lang, 2014. Principais áreas
de investigação: história das ideias, história cultural, história das ideias
de Europa, história política, relações internacionais.
Miguel de Oliveira Estanqueiro Rocha
Professor Auxiliar do Departamento de História, Filosofia e Artes da
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade dos Açores.
Lecciona na Licenciatura em Estudos Euro-Atlânticos e no Mestrado de
Relações de Relações Internacionais: o Espaço Euro-Atlântico. É titular
do Grau de Doutoramento (PhD), em 2008, na Universidade de Nottingham; titular do Diploma de Estudios Avanzados, na Universidade de
Santiago de Compostela, em 2001; licenciado em Relações Internacionais,
na Universidade do Minho, em 1998. É também Investigador Integrado
do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX, da Universidade
de Coimbra (CEIS 20), inserido no Grupo Europeísmo, Atlantismo e
Mundialização. As suas áreas de interesse centram-se nas relações transatlânticas, integração europeia, política norte-americana e europeia.
162
Rosa María Pardo Sanz
Profesora titular en el Departamento de Historia Contemporánea de la
UNED. En 1995 publicó su primer libro: Con Franco hacia el Imperio: La
política española en América Latina, 1939-1945. Después ha escrito numerosos artículos y capítulos de libros relacionados con política exterior
española en el siglo XX: política iberoamericana, relaciones bilaterales
con EEUU, descolonización y política árabe, y sobre todo diversos aspectos de la biografía política del Ministro de Asuntos Exteriores Fernando
Mª Castiella (1957-1969). Sus últimas publicaciones se han centrado en
la etapa de la Transición y la Consolidación Democrática y en temas de
política exterior comparada, sobre todo con Portugal. Está trabajando
en temas de la descolonización de Guinea Ecuatorial y en la influencia
internacional sobre la modernización del sistema científico español en
los años sesenta y setenta.
163