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Alípio Pinto Alípio Pinto Ana Sofia Moreira Mena* Artigo completo submetido a 30 de dezembro de 2015 e aprovado a 10 de janeiro de 2016. *Portugal, escultora. Estudante de doutoramento. Licenciatura em Artes Plásticas / Escultura, Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL). Mestrado em Escultura Pública, FBAUL. AFILIAÇÃO: Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas Artes, Centro de Investigação e Estudos em Belas Artes (CIEBA). Largo da Academia Nacional de Belas Artes, 1249-058 Lisboa, Portugal. E-mail: ana.mena@fba.ul.pt Resumo: Neste artigo propomo-nos reflectir sobre a obra expressiva de Alípio Pinto que possui um enorme domínio sobre os materiais, sobretudo os metais. Ao longo do percurso verificamos que o escultor trabalha pelo processo construtivo de adição, característica permissível pelas propriedades da matéria seleccionada e da escultura modernista do século XX. Faremos também referência à investigação que tem desenvolvido sobre os tratamentos de superfícies nas suas obras, nomeadamente os procedimentos da galvanoplastia. Palavras-chave: escultura, metais, galvanoplastia. Abstract: In this article we intend to reflect on the significant work of Alípio Pinto who has great power over the materials, especially metals. Along the way we find that the sculptor works with the constructive process of adding, using the properties of the chosenmaterial and of modernist sculpture of the twentieth century. We will also refer to the research that the artist has developed on the surface treatment of his works, in particular the procedures of electroplating. Keywords: sculpture, metals, electroplating Introdução Alípio Pinto (n. Ligares, 1951) licenciou-se em Artes Plásticas - Escultura em 1982 pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, tendo sido aluno de metais do escultor Soares Branco e do escultor António Trindade. No fim da década de oitenta entrou como assistente para a ESBAL onde foi assistente dos Professores Escultores António Trindade (1936-), António Vidigal (1936-) e Hélder Batista (1932-2015). Durante o período que permaneceu na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa leccionou escultura, projecto e metais, e foi Professor Associado até se reformar. Chegou também a ser membro da Academia Nacional de Belas Artes e responsável pelo Acervo de Gessos de Escultura pelo domínio que possui na recuperação, prevenção, conservação e restauro das obras, bem como pelos métodos de inventariação e catalogação. Actuando no campo da tridimensionalidade, a sua obra potencia relações com o lugar desafiando relações de tensão entre a arquitectura e a escultura (Krauss, 1979). O conhecimento em torno dos metais reflecte-se nas suas esculturas criando uma nova linguagem plástica através do recurso do aço, aço corten e aço inox e da policromia destas matérias. Rompe com as patines monocromáticas aplicadas nos antigos bronzes e explora um novo caminho, recorrendo-se das técnicas tradicionais e das novas técnicas que a experiência metalúrgica proporcionou, nomeadamente o processo da galvanoplastia. 1. Escultura Construída Os processos e as técnicas tradicionais na escultura e as novas tecnologias e materiais nas áreas dos metais, foram as áreas de actividade científica que desenvolveu enquanto docente e são até hoje objecto de estudo na sua obra escultórica. Na década de oitenta Alípio Pinto ousou desenvolver dois conjuntos escultóricos em aço inox para cidades diferentes - o Monumento ao Bombeiro Voluntário de Évora, 1984, em Évora (Figura 1) e o Monumento à Aviação Comercial Portuguesa – TAP Portugal, 1985, em Lisboa, dos quais foi distinguido com prémios. Nestas obras verificamos as vantagens que o ferro, mas em especial o aço e neste caso particular o aço inox trouxeram para a escultura do século XX (Badosa, 1987). O aço inox começou a ser escolhido para a realização de esculturas e monumentos pois possui resistência a amplitudes térmicas, mas sobretudo resistência à oxidação atmosférica que é a sua principal característica, sendo mais duradoiro. Todavia é mais atractivo pois suporta uma diversidade de acabamentos de superfície, não liberta manchas de corrosão como acontece com o aço corten permitindo facilmente a sua limpeza que perdura mais tempo que o habitual. O Monumento de Évora é um exemplo do forte apelo visual que o ferro e o aço trouxeram para a modernidade, pois a escultura com onze metros de altura é composta por uma linha curvilínea em aço inox, que está fixa ao capacete do Bombeiro (superfícies em aço policromado de vermelho) em apenas um ponto, transmitindo uma enorme leveza e exaltação. Figura 1. Alípio Pinto, Monumento ao Bombeiro Voluntário de Évora, 1984, construção em aço policromado em vermelho e aço inoxidável, Câmara Municipal de Évora, Évora. Fonte: http://omundodahortense.blogspot.pt/2011_09_01_archive.html Posteriormente o escultor desenvolveu uma série de estudos iconográficos bíblicos para igrejas, através de narrativas tridimensionais em vários metais. O altar-mor da Igreja Matriz da Bidoeira de Cima em Leiria (1993-1997) é composto por três paredes construídas por quadrados unidos por soldadura uns nos outros, criando em algumas partes relevos através da forma construída. Na parede central encontramos a figura de Cristo Crucificado e o sacrário em forma de paralelepípedo rectangular em aço corten. Em frente ao centro, distribui-se o altar e dois candelabros que o rodeiam construídos em conjugação com pedra de lioz e aço (Figura 2). Figura 2. Alípio Pinto, Altar da Igreja da Bidoeira de Cima, 1993-1997, construção em aço e pedra de lioz, Igreja Matriz de Bidoeira de Cima, Leiria. Fonte: fotografia cedida pelo escultor. A parede do lado direito em relevo contempla a pia baptismal, também geométrica, construída em ferro e com texturas obtidas a partir da soldadura por arco eléctrico (Figura 3 e Figura 4). Todos os elementos metálicos foram submetidos a um tratamento de superfície através do recobrimento em cobre, com o objectivo de protecção contra a corrosão e ao mesmo tempo como uniformidade da cor. Figura 3. Alípio Pinto, Pia Baptismal da Igreja da Bidoeira de Cima, 1993-1997, construção em aço, Igreja Matriz de Bidoeira de Cima, Leiria. Fonte: fotografia cedida pelo escultor. 1.1 Tratamento de Superfície – Galvanoplastia Uma escultura não é concluída sem antes se proceder ao acabamento da superfície queconsiste na protecção do metal ao processo natural de oxidação sendo necessário impregnar substâncias aderentes, que evitem o contacto das superfícies com o ar ou a humidade do meio ambiente. Este tratamento pode ser efectuado através de processos de pintura ou processos de galvânicos (Hughes, 1991). Tanto um como o outro são realizados com o objectivo de remover da superfície impurezas que não facilitem o processo e por sua vez prepará-lo para que os produtos aplicados tenham uma boa aderência. Estas técnicas começaram por ser manuais com o uso de vernizes, ceras e tintas recorrendo para isso a trapos, pincéis ou trinchas. Com os avanços tecnológicos surgiram uma série de técnicas industriais para o mesmo fim, como a galvanização. A galvanização é o processo de revestimento de um metal que consiste na aplicação de uma camada de metal fina sobre um outro objecto metálico, tendo como objectivo protegê-lo da corrosão, aumentar a sua durabilidade e condutividade. É uma forma de revestimento de superfícies realizado a partir da electrólise, processo onde o metal a ser revestido funciona como cátodo e o metal que irá revestir a peça funciona como o ânodo. O revestimento de superficies metálicas também pode ocorrer por meio da imersão do metal que se quer revestir no metal fundido que irá revesti-lo. Contudo, o processo electrolitico é melhor pois a superficie fica mais homogenea, embora sejam utilizadas ambas. Neste processo de imersão o controle da espessura do revestimento dá-se pela velocidade com que o objeto passa por um ou mais banhos metálicos e pela temperatura (David, 1963). Os revestimentos podem ser de cromo, níquel, zinco, estanho, ouro, cobre, prata, etc, consoante a coloração que se pretende. Cada metal de revestimento pode conferir características diferentes ao material galvanizado de acordo com suas propriedades, como maior ou menor condutividade, ou ainda resistência a temperaturas extremas. 1.2 Relevo executado a partir da Electrólise O altar-mor da Igreja do Colégio Universitário dos Montes Claros em Lisboa é constituído por um relevo produzido a partir deste processo (Figura 4). O conjunto é composto por cinco painéis, o central de maior escala (cerca de 900cm de altura) figura ao centro Cristo Crucificado Redentor, e os quatro mais pequenos (cerca de 200cm de altura) retratam narrativas da vida de Jesus Cristo do Novo Testamento. Do lado esquerdo temos As Bodas de Canaã e A Sagrada Família na oficina de S. José (Figura 5). Do lado direito A Vocação de S. Mateus e A Primeira Pesca Milagrosa. Figura 4. Alípio Pinto, Relevo da Igreja do Colégio Universitários dos Montes Claros, electrólise de cobre, Igreja do Colégio Universitários dos Montes Claros, Lisboa. Fonte: fotografia cedida pelo escultor. Figura 5. Alípio Pinto, Pormenor do Relevo da Igreja do Colégio Universitários dos Montes Claros, electrólise de cobre, Igreja do Colégio Universitários dos Montes Claros, Lisboa. Fonte: fotografia cedida pelo escultor. O escultor começou por modelar todos os episódios à escala real, obtendo os positivos em gesso. Aos positivos tirou os moldes de silicone com as respectivas madres de gesso. Posteriormente numa metalomecânica, o silicone foi pintado com um spray (que contêm partículas metálicas) e submetido a banhos de cobre electrolítico até atingir a espessura desejada, 0.002mm. Por fim foi necessário cobrir cada relevo com camadas de fibra de vidro e resina para fortalecer a estrutura. A utilização do metal puro neste caso do cobre permite patines que o bronze sendo uma liga metálica nunca permitiu, pois o calor da cor é diferente possui a maciez natural da pigmentação. Não podemos afirmar que o recobrimento electrolítico do cobre poderá ser a evolução da técnica da fundição porque não temos nenhum metal fundido nem enchemos nenhuma forma. Contudo poderá dar a sensação de ser um relevo resultante de uma fundição (Kowal, 1972). Após análise partimos da premissa que as paredes que sustentam o painel não têm estrutura para aguentar o peso se o relevo fosse executado em bronze. Conclui-se que o processo trouxe vantagens para a escultura em metal pois é mais quente em termos cromáticos, leve, rápido e económico em comparação a uma fundição em bronze. Conclusão A prática da escultura desenvolve-se por uma experiência de aprendizagem, sendo a forma de como adquirimos o conhecimento teórico e tecnológico e a forma de como transpomos estes domínios na solução das propostas plásticas apresentadas. Ao longo dos tempos à escolha das matérias, das ferramentas e das técnicas não variavam muito porque apenas se trabalhava com determinadas matérias nobres, a pedra e o bronze. A partir da década de 1960 com o desenvolvimento das novas linguagens plásticas, a utilização de novos materiais como o ferro, o aço e o cimento edevido ao progressivo desuso dos objectos em bronze na arte sacra e funerária, a fundição artística entrou numa crise gradual. As consequências foram várias, desde a perda sistemática doconhecimento artesanal, ao custo elevado, a uma desproporção em relação às novas aquisições tecnológicas da indústria, laser, plasma, etc. As novas tecnologias passaram a dominar a vida quotidiana (desde a indústria e o mercado) e a sociedade contemporânea, sendo imprescindíveis. Para a arte contemporânea não significam o fim, mas um meio à disposição da liberdade do artista, que se somam às técnicas e aos suportes tradicionais para questionar o próprio visível, alterar a perceção, propor um enigma e não uma visão pronta do mundo. Diante da tecnologia a arte reconhece os novos meios para experimentar a linguagem. O escultor Alípio Pinto a par da sua longa experiência e vivência da Academia, no espírito clássico na modelação da figura humana é ao mesmo tempo um escultor abstracto pela solução formal dos monumentos referidos anteriormente da década de oitenta, ou na recente homenagem que realizou ao poeta Frei Jerónimo Baía (16201688) que se encontra no Parque dos Poetas em Oeiras. Uma escultura construída por adição a partir dos seus materiais de eleição, aço inox e aço corten, onde predomina a textura obtida através dos eléctrodos e pelo tratamento de superfície ao aço. É uma escultura notável sobretudo pela solução formal da cabeça que sendo construída não é geometrizada nem apresenta vestígios de repuxado. Podemos afirmar que o escultor foi pioneiro ao recorrer dos tratamentos de superfície nomeadamente na escolha do recobrimento electrolítico para executar ou finalizar as suas obras escultóricas, tornando-se uma referência na história da Escultura Portuguesa. Referências Badosa, Luís (1987) Arte e Industria, Influencia de las Formas Industriales en el Arte del Siglo XX, 1900-1945. (Tesis Doctoral). Universidad del País Vasco. Catálogo I Simpósio de Escultura em Ferro na Amadora (1991). Amadora: Câmara Municipal da Amadora. David, C. W. (1963) Principles of Electrolysis. London: Royal Institute of Chemistry Hughes, Richard (1991) The Colouring, Bronzing and Patination of Metals : a Manual for the Fine Metalworker and Sculptor : cast bronze, cast brass, copper and copper-plate, gilding metal, sheet yellow brass, silver and silver-plate. New York: Watson-Guotill Publications. ISBN-10: 0823007626. Krauss, Rosalind (1979) Sculpture in the Expanded Field. October, Vol. 8. (Spring,). Read, Herbert (1969) O Significado da Arte. Lisboa: Ulisseia.