Copyright Editora Mackenzie, 2020
Título: Narrativas, Interdisciplinaridade e Cultura Digital
Organização: Gláucia Davino
Capa: Polyana Zappa
Editoração e Projeto Gráfico: Henrique Silva Conceição
Texto revisado segundo novo Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa, 2020
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
N234
Narrativas, interdisciplinaridade e cultura digital [livro eletrônico] /
organizadora: Gláucia Davino. – São Paulo : Editora Mackenzie,
2020.
16,4 MB : il. PDF
Inclui referências bibliográficas.
ISBN 978-65-0013525-1
1. Narrativa. 2. Cultura. 3. Cultura digital. 4. Linguagem e
Comunicação. 5. Oralidade. I. Davino, Gláucia, organizadora. II.
Título.
CDD 808.8023
Bibliotecária Responsável: Andrea Alves de Andrade - CRB 8/9204
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dos organizadores da obra, dos editores, da revisora, nem das instituições envolvidas
nessa produção. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada
a fonte.
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
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Rev. Dr. Robinson Grangeiro Monteiro
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CENTRO DE EDUCAÇÃO, FILOSOFIA E TEOLOGIA – CEFT
Diretor
Prof. Dr. Mário Sérgio Batista
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História
da Cultura
Profª. Drª. Rosana Maria Pires Barbato Schwartz
SUMÁRIO
Prefácio ....................................................................................................................................................................... 01
Capítulo 1: Narrativas, Memórias e Oralidade Negra: Um Espaço a Desvendar na Universidade ..... 02
Capítulo 2: A Linguagem Narrativa e suas Intersecções na Contação de Histórias ................................ 12
Capítulo 3: Linguagens e Aprendizagens num Mundo Digital ....................................................................... 29
Capítulo 4: Comunicação Construtiva: Uma proposta Narrativa para o Jornalismo do Século XXI ..... 45
Capítulo 5: Festivais de Cinema em Tempos Pandêmicos: As Novas Experiências em Plataformas
Digitais .................................................................................................................................................... 57
Capítulo 6: Humanidades Digitais - Netnografia ............................................................................................... 78
Capítulo 7: Narrativas Digitais nas Artes: Dispositivos e Interfaces ............................................................... 89
Capítulo 8: A Linguagem no Contexto das Redes Sociais ................................................................................ 100
Sobre os Autores ........................................................................................................................................................ 109
PREFÁCIO
01
LIVRO LABORATÓRIO
Este Livro Laboratório é o resultado mais emblemático dos Processos e Procedimentos ArtísticoCientíficos desenvolvidos pelo Laboratório de Humanidades Digitais (LHuDi) por meio de Ensino Remoto
Hibridizado (ERH) no contexto de pandemia de Covid-19 em 2020. A disciplina Humanidades Digitais,
ministrada pela Professora Doutora Gláucia Davino no segundo semestre de 2020, foi o espaço para a
reflexão pontual e circunstancial quanto às mudanças da produção laboratorial interdisciplinar e a
movimentação de conceitos a serem ressignificados quanto à produção não institucional de linguagens e
narrativas produzidas por meio de dispositivos digitais móveis e/ou fixos e a apropriada disseminação. A
metodologia da Linha de Pesquisa Linguagens e Tecnologias alimentou as diversas linhas da Área de
Concentração: Educação, Arte e História da Cultura - processos interdisciplinares com a discussão e
experimentação dos paradigmas de cunho histórico-crítico das linguagens e das tecnologias nos
processos de comunicação humana, seus impactos nas áreas das artes, da história e da educação, tendo
como eixo as expressões das novas mídias.
O Grupo de Pesquisa Núcleo Audiovisual (NAV) apoiou a disciplina Humanidades Digitais na reflexão
crítica das linguagens e narrativas de seu campo de conhecimento com base nos protótipos de realização
do livro. O NAV viabilizou a aplicação reflexiva de metodologia de ensino-aprendizagem no ensino remoto
hibridizado no contexto de pandemia de Covid-19 com práticas pedagógicas inovadoras, metodologias
ativas, protagonismo discente, inteligência coletiva, cultura de compartilhamento. Curso dinâmico,
orientando os alunos na superação das adversidades e no aprimoramento de suas pesquisas e relatos, foi
estribado na construção do conhecimento sintético com base no conhecimento sincrético passando pelo
conhecimento analítico. O curso foi conduzido em três blocos norteadores: o que era quando eu entrei
(síncrese); o que estou discutindo (análise); o que sou agora no final do curso, como pesquisador, como
pessoa (síntese).
O LHuDi se configurou como ambiente de acolhimento e compartilhamento para alunos de todas as
linhas de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação, Artes e História da Cultura (PPGEAHC)
da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), sendo o cyberespaço para exploração, experimento,
descoberta (especialmente a serendipidade). Em uma reedição universitária do “Livro da Vida”, este
aplicado ao ensino básico pelo educador francês Célestin Freinet no início do século XX, os alunos
reconhecem suas vivências na pós-graduação, repletas de “humanidades”, estampadas nas “digitais”
páginas deste Livro Laboratório, verdadeiro autorretrato desta particular turma da disciplina. Uma bela
“selfie em grupo” para os tempos de redes sociais acadêmicas! A expectativa de aprendizado crítico de
pós-graduação se materializa neste produto digital na forma de livro, acolhendo o processo de escolha de
temas individuais no compartilhamento coletivo da turma. Há envolvimento e pertencimento nos
trabalhos em grupo, nas atividades individuais, nas várias etapas do processo de confecção do e-book, no
ensino-aprendizagem da metodologia de pesquisa no curso de pós-graduação. A disciplina Humanidade
Digitais torna-se o ponto de encontro em forma de amálgama dos mais diversos stakeholders:
mestrandos, doutorandos, professores doutores, pesquisadores, profissionais, acrônimos institucionais
(LHuDi, PPGEAHC UPM, NAV, ERH). Agora, o Livro Laboratório segue seu caminho até as prateleiras das
humanidades digitais.
Pelópidas Cypriano
Prof. Dr. Livre-Docente - Instituto de Artes - Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Líder do Grupo de Pesquisa ARTEMÍDIA E VIDEOCLIPE
CAPÍTULO 1: NARRATIVAS, MEMÓRIAS E
ORALIDADE NEGRA: UM ESPAÇO A DESVENDAR
NA UNIVERSIDADE
02
Lilian Soares da Silva
INTRODUÇÃO
Com um relato pessoal e o lugar de fala no contexto da educacional inicia-se este
texto, construído através de uma minibiografia, que também poderia ser considerada uma
poesia:
Sou uma mulher negra, professora e sonhadora.
Sonho com a realização de todas as minhas conquistas,
que um dia quem sabe, estará em um livro.
Nascida em São Paulo, capital,
em uma família gaúcha e paulistana que com muito amor me criou.
A minha mãe guerreira que por anos me sustentou.
Sustentou não só os meus sonhos,
mas me amparou desde o momento em que meu pé na Bahia tocou.
Chegar até aqui não foi fácil,
mas também proporcionou muito conhecimento,
não só acadêmico, mas de vida.
03
Vida de São Paulo e Vida na Bahia.
Não tem como explicar, tem de viver, tem de se abrir para conhecer.
Chegar até aqui não foi fácil,
mas também foi de muito aprendizado,
não só pela professora ou professor,
mas por toda a Comunidade que me ensinou.
A formação acadêmica começou com a Pedagogia,
passou pelo Turismo, continuou com a Geografia, até chegar ao Mestrado.
Mestrado que muito propiciou e ainda propiciará muitos frutos,
empoderamento pessoal, acadêmico e profissional,
onde as crianças não ganham apenas uma nova Professora,
mas uma nova Pessoa,
com novas perspectivas de vida ampliadas pelo Mestrado.
Vida que propicia a inserção dos conteúdos acadêmicos, referências e teorias
para a fala simples, adequada e lúdica da Educação Infantil,
dos projetos pedagógicos e das brincadeiras em sala de aula
que são uma mera reprodução do "mundão"
que encontrarão ao sair desse casulo.
Mestrado não é o fim,
mas o início de um novo caminhar a ser trilhado.
Que venha o Doutorado.
(AUTORIA PRÓPRIA).
A construção da poesia ou minibiografia foi escrita quando fui chamada pelo
Mestrado em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas pela Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) para a atualização da Plataforma Sucupira ou dados
estatísticos do Programa de Pós Graduação no ano de 2019. Ano de conclusão com altos e
baixos, assim como qualquer outra formação, formação essa que não me propiciou apenas
um diploma de Mestre, mas uma experiência de vida que em São Paulo nunca teria.
Experiências essas que constroem as narrativas docentes negras, formando-nos como
indivíduos perpassados por situações, acontecimentos e percalços que podemos (e
devemos) transformar em novas construções para as nossas carreiras acadêmicas,
profissionais e pessoais.
Pautando-se nas trajetórias das narrativas docentes negras o presente trabalho é a
compilação de referenciais sobre os estudos acadêmicos realizados por diferentes
pesquisadoras e pesquisadoras, no qual o lugar de fala como apresenta a escritora Djamila
Ribeiro é fundante para trilhar, escrever e delinear o desenvolvimento do trabalho.
04
A primeira parte constituirá o arcabouço teórico das narrativas, das trajetórias e da
História como área de conhecimento para a oralidade como teoria e prática. Seguindo o
contexto de identidade étnico racial que perpassa a todos os campos do conhecimento, se
não sei quem eu sou, como poderei ocupar o meu lugar? Se não sei a minha origem, como
posso reivindicar a minha ancestralidade? Se não sei a minha história de vida e as
trajetórias da minha família, como poderei dar (ou ser) o exemplo desse processo
historiográfico.
Para finalizar, o campo da Educação Básica, especificamente o Ensino Superior e os
quadros Docentes Negros das universidades públicas ou privadas, não somente como uma
legislação de cotas e garantidos pela via legal e jurídica, mas um espaço de poder, de
dominação e de hegemonia do conhecimento cientifico, no qual, alguns espaços são de
“mérito”, mas como promover a equidade do mérito e do reconhecimento para que as
nossas e nossos professores negros ocupem o quadro de “servidores”. “Servidores” entre
aspas, porque também será um termo a ser analisado com suas intersecções e
terminologias no processo histórico do território brasileiro.
EDUCAÇÃO BÁSICA: O ENSINO SUPERIOR VERSUS DOCÊNCIA NEGRA
Nota-se uma situação bastante emblemática para mulheres negras na
discussão sobre a presença feminina no espaço científico. No que se refere
especificamente à inserção da mulher negra no universo acadêmico,
percebe- -se que nos anos iniciais, há uma sobreposição de mulheres em
relação aos homens. Quando se chega, porém, aos graus superiores, nota-se
pouca ou quase nenhuma presença do segmento racial negro. Em
determinadas situações, a representação de negros e negras encontra-se
direcionada a cursos de menor prestígio na sociedade. (SILVA; EUCLIDES,
2018, p. 3).
Nesta perspectiva da Educação Básica com a modalidade da Educação Infantil é
majoritariamente composta por mulheres, que em sua função cotidianamente são tratadas
como “tias”, sejam pelas crianças ou por suas famílias. O conceito de Professora é
transferido para os níveis posteriores de ensino, no qual, o que deveria ser a base de todo
o processo formativo do indivíduo é entendido como um espaço de cuidado, de zelo e de
estadia para que as famílias possam dedicar-se ao mercado de trabalho.
05
Mercado de trabalho que, no segmento educacional do Ensino Superior conforme
apresentado por Silva e Euclides (2018), “a representação de negros e negras encontra-se
direcionada a cursos de menor prestígio social’, o que se entende por prestígio social
quando falamos das universidades públicas e privadas no território brasileiro? Qual os
cursos com Docentes Negras e Negros em seu quadro funcional ou de servidores? essas
palavras “servidores”, remete a servidão no processo historiográfico na colonização do país,
servidão que ainda é presente nos diferentes contextos educacionais, dos setores
trabalhistas e empregos informais.
A servidão não é uma narrativa ou construção de um passado distante e que não
mais existe, ela é presente no cotidiano das grandes e pequenas cidades.
Quando Francis foi embora de Garamá tinha apenas nove anos de idade.
Nunca mais voltou a morar na pequena aldeia de Serra Leoa, que tinha então
200 habitantes, mas também nunca se desligou de lá. Passados 60 anos,
Garamá hoje soma 500 moradores. [...] O menino que saiu de casa para
estudar numa cidade maior, ainda em Serra Leoa, já adolescente migrou para
os Estados Unidos, novamente em busca de estudos. Tinha planos de voltar,
o que até hoje não aconteceu. Quando achou que o faria, Serra Leoa entrava
numa guerra civil que devastaria o país. Sua aldeia foi atingida e a família
passou anos andando de um lado a outro, em busca de segurança.
(ANDRADE, 08/06/2020).
A narrativa do Prof. PHD Francis Musa Boakari da Universidade Federal do Piauí (UFPI)
ressalta uma trajetória de vida, evidenciando a migração e emigração das populações
negras para adquirir a formação acadêmica e desenvolvimento profissional. De tal modo
que, a entrevista continua apresentando o processo de colonização no território de Serra
Leoa:
06
Com cerca de 16 grupos étnicos, cada um com sua língua oficial e seus
dialetos tribais, Serra Leoa foi primeiro explorada por portugueses e depois
colonizada por ingleses, que expulsaram os portugueses. Nessa época o país
se tornou um importante centro de comércio transatlântico de escravizados
e o idioma inglês foi imposto como oficial, mas as línguas originais nunca
deixaram de ser faladas. Francis carrega até hoje as dores da colonização,
mas é com bom humor e ironia que conta sobre o percurso que faz
anualmente quando volta a sua aldeia: “Primeiro o avião para em Lisboa – eu
tenho que marcar presença. De Lisboa vou para Londres – marco outra
presença (risos). De Londres vou para Freetown (Cidade da liberdade), capital
de Serra Leoa. De lá pego um ônibus e cerca de 10 horas depois estou em
Garamá”. É também com humor que ele completa: “Acho que no período que
chamavam pré-história bastava pegar uma canoa e ir de um continente a
outro, né?” (ANDRADE, 08/06/2020).
Por outro lado, um outro fator de influência nas universidades e à docência negra é
a questão de gênero, isso porque,
A problemática do racismo e do machismo, infelizmente, não são fatos
recentes, pelo contrário, são oriundos de uma sociedade adoecida pelo
sistema patriarcal e escravista. Há uma mentalidade provinciana, até os dias
atuais, que renega os grupos não brancos. [...] Estamos mergulhando contra
corrente, ao contrário de uma biografia intelectual clássica, o nosso objetivo é
analisar sociologicamente a relação entre biografia e intelectuais negras,
identificando as diferentes estratégias de inserção em um campo intelectual,
estruturado dentro de um determinado momento histórico, e sua influência
na produção/reflexão de uma pensadora singular, em nosso caso, Ângela
Figueiredo. Segundo Figueiredo e Grosfoguel (2007), após a implementação
dos sistemas de cotas nas Universidades Federais tivemos um crescente
aumento do número de pesquisadores negros (mestres e doutores),
contudo, há uma ausência de professores negros das universidades públicas
brasileiras. (SANTOS, 2020, p. 266).
A contracorrente não está apenas nas universidades e na carreira docente, ela
perpassa a Educação Básica em todas as suas modalidades, da Educação Infantil ao Ensino
Superior, no qual, as trajetórias de professoras negras e professores negros ainda não
ocupam todas as áreas de conhecimento na Academia, não estão em grau de proporção
nos quadros docentes e discentes das universidades públicas ou particulares, mas
estamos galgando novos espaços, tornando possível a inserção das nossas/nossos, seja
por intermédio das cotas raciais em concursos públicos e por merecimento conquistado a
muito suor, trabalho e noites sem dormir.
07
A carreira acadêmica não é fácil, principalmente quando a sua cor e raça impera
neste contexto, alguns dizem que “você por ser mulher e por ser negra, tem que ser dez
vezes melhor dos que os outros”, ou, minha mãe sempre diz que “meus pais sempre
quiseram que eu estudasse em primeiro lugar e, foi o que fiz até os meus 19 anos de
idade”. A educação de uma criança, jovem e um adulto negra ou negro perpassam por
meandros que a articulação vida de trabalho e vida escolar, muitas vezes não coadunam
para um mesmo caminho a ser trilhado, onde em certo momento existe uma escolha a ser
realizada – uma bifurcação – que não é simplesmente mudar o rumo, mas trilhar alguns
caminhos que talvez impactem positiva ou negativamente para sempre a sua vida e de
toda a sua família.
Apesar da vida acadêmica aparecer com alguma força para mim desde à
época da graduação, visto que meu envolvimento com a vida universitária era
grande desde lá, não parecia ainda que ser professora universitária era um
horizonte possível de ser sonhado por mim. Eu era uma ótima estudante e
apesar de saber que eu poderia ir além de dar aulas na educação básica caso
continuasse os estudos, eu não pensava nisso, não ainda. Não há uma
explicação única para isso, mas talvez não ter tido outras referências
familiares ou pessoas próximas pode ter colaborado para não planejar um
futuro a médio e longo prazo. Estar viva e estudando satisfazia-me muito aos
19 anos, e não lembro de imaginar para além do fim da graduação. Hoje, é
com emoção que ouço algumas estudantes universitárias negras já no
primeiro semestre dizerem a mim que querem ser professoras universitárias
“como eu”. Lembro-me ainda que, certa vez, ao fim de uma dessas aulas, um
estudante negro escreveu-me que gostaria de ser como eu quando
crescesse; eu respondi-lhe que, igualmente, gostaria de ter sido como ele em
sua idade, tamanha determinação que possui em meio a tempos difíceis.
(NUNES, 2020, p. 285).
A trajetória docente ainda continua:
08
Aos 15 anos, entrei para um curso de magistério numa escola pública de um
bairro de classe média em Salvador. Minha mãe havia feito todo o esforço
possível para que eu pudesse estudar numa escola com melhores condições
durante o ensino médio, visto que as escolas por onde passei na educação
básica, situadas em bairros pobres de Salvador e no interior da Bahia, sofriam
o descaso político com a educação para a população pobre e negra na
cidade. Foram três anos de descobertas importantes: aprendi a andar de
ônibus na capital, conheci outros lugares que não aqueles por onde passei
durante toda a minha infância e adolescência, tomando contato assim com o
fosso social/racial que separavam as pessoas. Passei a me relacionar com
mais pessoas fora do círculo familiar e do grupo da igreja que eu frequentava
quando era adolescente; durante essa época, conheci professoras/es e
técnicos da escola que também iam me mostrando outros jeitos de ler o
mundo e aprender novas coisas. [...] Fazer magistério deu-me a possibilidade
de logo cedo começar a trabalhar, em escolas particulares de pequeno porte
no bairro em que eu morava em Pau da Lima, bairro empobrecido de
Salvador. [...] Ser professora universitária lá em 2012, apesar de já parecer ser
possível, não era um objetivo necessário do ponto de vista da realização
pessoal ou financeiro; realizei o mestrado como uma estudante, mais do que
como uma aspirante à professora do magistério superior. Eu estava
aprendendo a ser pesquisadora, algo que hoje eu percebo como vital à
prática da minha profissão, já que, atualmente, ministro aulas no setor de
estudos de metodologia num curso de Pedagogia, na Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, UNILAB, Campus dos
Malês, BA. (NUNES, 2020, p.285).
Trajetórias não são apenas escritos e escrevivências como dizia Carolina Maria de
Jesus, mas são os caminhos que lhes constituíram como Ser Humano, um indivíduo ou o
coletivo e, principalmente como Docente. Docente que, não está no posto da hierarquia
social por “QI” (quem indica), e sim por esforço, merecimento, estudos e oportunidades na
vida. Oportunidades que são aparecendo dia a dia, em um evento aqui, outro ali e assim
sucessivamente vamos construindo o que conhecemos como uma lista de contatos,
contatos não só acadêmicos, mas de pessoas e anjos que são colocados em seu caminho
para lhe auxiliar, mesmo que naquele momento você não perceba isso. Percepção outro
ponto fundamental, são as nossas intuições e as cosmopercepções de saberes ancestrais,
de modelos e de familiares (carnais ou espirituais) que nos mostraram a trajetória.
09
Para finalizar, sempre digo que todos os cursos, formações e graduações foram
trilhadas de oportunidades e de percursos que não foram pensados ou programados a
longo prazo, mas por acasos da vida, quando ingresso no Prouni para a Pedagogia em uma
instituição de ensino superior no mesmo município onde trabalhava (Santo André/SP),
depois o Turismo – ressalto que só ingressei na segunda aprovação, porque a primeira
simplesmente fiz o vestibular (FATEC), esqueci e nada acompanhei – no Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia (IFSP) completando com a especialização técnica de Guia
em Turismo. Mais dois anos de Geografia que são interrompidos para cursar o Mestrado
em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas na Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia (UFRB) – nascida e criada em São Paulo, somente com a minha mãe,
parto para um novo caminho e desconhecido no território baiano -, retorno para São Paulo
por questões profissionais – depois de dois anos de experiencias de vida, de
conhecimentos e aprendizados que me tornaram mais forte, tanta força que em mim
desconhecia essa coragem, desprendimento e garra que não estavam em mim, mas cada
dia, a cada dificuldade enfrentada na pós graduação e no trabalho de campo mostravam
ser possível, que logo, logo e em breve retornaria a Bahia. Ainda não aconteceu, mas no
momento certo e no momento de Deus a concretização dos meus sonhos estará a
caminho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas considerações finais, começo com a minha trajetória acadêmica. Hoje, estou em
São Paulo, como Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Educação, Arte e História
da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (não sei até quando, espero que em
breve eu consiga a bolsa. Sempre tive o sonho de estudar no Mackenzie, mas antes
sonhava com o Direito, hoje me vejo no nível mais alto da formação, o Doutorado). Outro
percurso ainda não concluído, mas nas etapas finais é a Especialização em Educação de
Jovens e Adultos e Formação de Docentes para o Ensino Médio no Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) e iniciando uma nova Especialização de
Educação em Direitos Humanos (UFABC ou UNIFESP) neste mês de Outubro/2020. Digo
que, as oportunidades foram me levando para cada uma dessas formações, hoje não
percebo o real motivo, mas muitas vezes não precisamos entender ou compreender os
desígnios de Deus, precisamos apenas viver e nunca desistir. Desistir é uma palavra que
não encontro em meu vocabulário, como uma boa taurina (signo e ascendente) sou
“teimosa”, na verdade sou “persistente” e quando começo algo vou até o final.
10
Ressalto que, a formação docente não é uma carreira que se construa somente com
a conclusão da Pedagogia ou do Magistério, mas é a cada dia, como dizem “no chão da sala
de aula”. Chão este que, muitas vezes é frio, perverso e duro, duro em todos os sentidos
das palavras, palavras que doem, ferem e magoam, e que também nos impulsionam
quando nos dizem que não somos capazes. Capacidade todas e todos temos de chegar
onde quer que almejamos, nossos sonhos podem estar nos mais íntimo do coração e em
seu tempo certo todo o universo o fará concretizar e aproveitar as oportunidades para tais
objetivos alcançar.
REFERÊNCIAS:
ANDRADE, Samária. Entrevista: Aprendiz de Ubuntu. Revista Revestrés, Horto Florestal,
8 jun. 2020. Disponível em: <http://www.revistarevestres.com.br/entrevista/ aprendiz-deubuntu/>. Acesso em: 3 nov. 2020.
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MONTEIRO; BRASIL (2018). Cultura negra vol. 2: trajetórias e lutas de intelectuais
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NUNES, Míghian Danae Ferreira (2020). A mulher negra que se vê de perto e com as
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11
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v. 34, n. 70, p. 51-66, jul./ago. 2018. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/
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SANTOS, Elísia Maria de Jesus (2020). Sociologia negra: o olhar das sociólogas negras
docentes nas universidades federais da Bahia. In: FELIPE, Delton Aparecido [et al].
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(Trajetórias Negras na Universidade; v.1). Disponível em:
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RIBEIRO, Djamila (2019). Lugar de fala. / Djamila Ribeiro. – São Paulo: Sueli Carneiro;
Polén, 2019. 112p.(Feminisnos plurais/ coordenação Djamila Ribeiro).
WEIMER (2018). É possível escrever a biografia da rainha Jinga? Reflexões sobre o
gênero biográfico a partir da pesquisa sobre uma rainha negra no litoral do Rio
Grande do Sul (c. 1887-1980). / Rodrigo de Azevedo Weimer. In: ABREU; XAVIER;
MONTEIRO; BRASIL (2018).
Cultura negra vol. 2: trajetórias e lutas de intelectuais negros / Organização de Martha
Abreu, Giovana Xavier, Lívia Monteiro e Eric Brasil. – Niterói: Eduff, 2018. (Pesquisas, 6b).
Disponível em: <http://www.eduff.uff.br/ebooks /Cultura-negra-2.pdf>.
CAPÍTULO 2: A LINGUAGEM NARRATIVA E SUAS
INTERSECÇÕES NA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS
12
Henrique Silva Conceição, Lilian Soares da Silva e Moises Izaías Prado
INTRODUÇÃO
A primeira parte abordará a contação de histórias e o percurso historiográfico, das
narrativas que poderiam surgir dos mitos, lendas e fábulas, sendo elas acontecimentos
engraçados, assustadores ou podem contar as mais variadas aventuras. Por um lado, o ato
de contar uma história é bem diferente de ler essa história, atualmente nas escolas há
espaço para as duas modalidades. Por outro lado, os professores podem se tornar os
contadores de histórias e aos poucos se apropriam de suas particularidades e dar vida a
cada uma delas.
No segundo momento, apresenta-se a leitura não advém somente da linguagem
visual e as imagens, mas de um contexto incluindo a escrita, letra, figura, disposição do
texto e outros aspectos que se completam com o processo criativo de uma história.
13
Por último trataremos “As narrativas para crianças surdas”, partindo o ato de narrar
história como potencializador para contribuir no processo de alfabetização, escrita e
aprendizagem, bem como outros benefícios são despertar a memorização, promover a
coordenação motora, postura corporal, ampliação do vocabulário e criação de vínculos
afetivos, sociais e cognitivos.
Em suma, com base nos estudos acadêmicos e referenciais teóricos possibilitamos
a construção de uma narrativa para as crianças surdas, na qual será apresentada como
encerramento do artigo. Ressaltando que, a história e a ilustração são autorais e serão
interpretadas com a contação na Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS).
CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS
14
A contação de histórias ocupa a imaginação do Ser Humano desde os tempos mais
remotos, essa prática está presente em sociedade muito antes da invenção da escrita. A
narração vem sendo passada de geração em geração de uma forma a recriar e ensinar as
tradições. Por meio dela as pessoas podiam compreender as condutas e ações nas
comunidades, nas quais estavam inseridas e com elas também absorverem os costumes e
valores no convívio.
Os povos mais antigos também utilizavam a contação de histórias como troca de
experiência, confraternização e como forma de passarem o tempo e enfrentarem
o tédio. Estas histórias serviam para que as pessoas pudessem se expressar, o que
muitas vezes não era possível em narrativas de cunho realista. As histórias
também serviam como preservação da cultura e identidade destes povos, tornandoas primordial para o processo de evolução do sujeito.
Qualquer pessoa pode desenvolver a arte de contar histórias desde que queira se
envolver com elas, tenha memória e seja criativo na forma de transmiti-las. O contador
desperta as sensações, desenvolve e cria imagens e aguça os sentidos humanos: audição,
tato, paladar, olfato e visão.
A autora Girardello (2003), descreve a sensação despertada pelas histórias:
Durante a narração, a troca não ocorre apenas no plano da linguagem, mas
também através do ar: pelo sopro compartilhado em que vibra a voz de
quem fala no ouvido de quem escuta, pelo calor físico gerado pelos gestos
de quem conta e de quem reage, pela vibração motriz involuntária –
arrepios, suspiros, sustos – causadas pelas emoções que a história
desencadeia. Chegaremos ao plano da conspiração, onde poderemos
entender a partilha narrativa como um “respirar junto” cuja intimidade
irrepetível gera uma forma muito particular de confiança (GIRARDELLO,
2003, p.3).
15
A absorção da cultura está ligada à contação de histórias e durante muito tempo
serviu como forma de comunicação entre as pessoas. Com esse interesse, desperta de
emoções e imaginação das pessoas como foi mencionado, percebeu-se também que as
pessoas absorvem valores sociais e morais. Neste contexto entra a sua importância
contexto entra a sua importância como prática pedagógica na educação.
O ato de contar uma história é bem diferente de ler essa história, atualmente nas
escolas há espaço para as duas modalidades. O contador junto ao seu público recria o
conto, e faz o espectador participar efetivamente da história em sua imaginação, as
histórias surpreendem e emocionam pela forma como são contadas. As crianças vivenciam
nas escolas experiências muito significativas e duradouras.
16
A narrativa é um processo muito importante no desenvolvimento cognitivo das
crianças. Segundo Murray (2003), a narrativa é um dos mecanismos cognitivos primários
que nos ajudam a compreender o mundo. É uma forma de nos relacionarmos em
comunidade. ONG (1998) aponta que:
A narrativa está em toda parte, desde as culturas primárias até a cultura
escrita e o processamento eletrônico da informação. Em certo sentido a
narrativa “é a mais importante de tantas outras formas artísticas, muitas
vezes até as mais abstratas. Até mesmo por trás das abstrações da ciência
está a narrativa” (ONG, 1998, p. 158).
Alguns tipos de narrativas falam sobre crenças e deuses, são nomeados mitos,
explicações que os povos deram para a origem do mundo, e estão geralmente ligadas a
religião.
Os contos populares ou folclore são uma outra forma de histórias que surgem nas
mais variadas culturas. Em alguns casos podem parecer com os mitos, estas narrativas
podem ser engraçadas, assustadoras ou podem contar as mais variadas aventuras. As
cantigas infantis, contos de fadas, fábulas e outras brincadeiras fazem parte das narrativas
do povo.
17
Contar histórias também desperta o lado lúdico das crianças e isto é uma
característica valiosa em seu desenvolvimento. Contribui para a sua criatividade e seu
senso crítico e serve como uma poderosa ferramenta portanto as escolas deste jeito
promovem o hábito de contar histórias e a leitura de livros. De acordo com autora Murray
(2003):
Ao contar histórias se apresenta uma vasta tábula rasa implorando para ser
preenchida com tudo o que interessa à vida. Há a oportunidade de contar
histórias a partir de múltiplas perspectivas privilegiadas e de brindar o público
com narrativas entrecruzadas que formam uma rede densa e de grande
extensão (MURRAY, 2003, p. 97).
Durante a contação, as crianças exercitam a imaginação e a fantasia isto gera uma
forma de promover a leitura, possibilidade de produção de seus próprios textos e a sua
fluência na escrita, a criança em contato com a leitura amplia seu vocabulário e horizontes.
Os professores podem se tornar os contadores de histórias, eles aos poucos se
apropriam das histórias e suas particularidades e dão vida a elas. É importante que os
professores façam uma leitura prévia das histórias, analisem seus personagens, imaginem
como vai ser a sequência narrativa e quais cenas serão tratadas na contação e
principalmente o conteúdo pedagógico que será aprendido nessa atividade.
18
A contação de histórias transmite conhecimento e valores, serve como forma de
instigar os alunos, é importante no processo de ensino e aprendizagem e auxilia o
professor a deixar mais produtivas as suas aulas.
Podemos considerar então a contação de histórias uma arte, devendo haver magia
e mistério, instigando tanto o professor quanto o aluno a debates que girem em torno de
compreender histórias, ler e produzir textos. As crianças mudam o mundo através da
leitura e da escrita e quem ganha é a sociedade.
LINGUAGEM TEXTUAL E IMAGÉTICA
19
Ainda durante o medievo, a pintura, que foi fortemente explorada em toda a
Europa, também enfatizou a importância, da palavra enquanto complemento
ao entendimento da imagem. [...] A partir do século XV, ao propiciar o
aprimoramento da tipografia, o alemão Johannes Gutemberg criou o primeiro
livro impresso em 1436, o qual representou um grande avanço no quesito de
criação e circulação de textos. A redução dos custos e do tempo empregados
na reprodução de conteúdos permitiu não apenas seu desenvolvimento, mas
também novas possibilidades de expressão. (ALVES, 2017, p. 65).
A expressão é uma das linguagens, por intermédio das palavras, das formas e da
produção imagética. Imagens essas que refletem o texto em uma possibilidade visual ou
transformação de códigos alfabéticos e alfanuméricos em histórias.
De acordo com o público alvo e a temática as histórias podem se desenvolver nos
livros impressos ou ebooks, nas livrarias ou plataformas virtuais, nos documentos ou
livretos, nos jornais ou revistas, nos sebos ou no Kindle, ampliando-se a difusão e
divulgação dos conteúdos e suas múltiplas linguagens. Linguagens que assumem um
caráter informativo, lúdico ou ensino aprendizagem.
Nos dias atuais, o professor precisa estar preparado para lidar com as
diferentes linguagens, sobretudo aqueles com as quais os alunos têm mais
contato. Porém, também deve apresentar-lhes outras linguagens igualmente
e das quais talvez estejam afastando-se. A utilização de novas linguagens no
ensino de História ocorreu especialmente a partir das décadas de 1980 e
1990 (Oliveira, 2012, p. 266-267). Essas linguagens podem ser entendidas
como os diversos produtos culturais de nossa sociedade e compreendem
imagens, músicas, literatura, desenhos, filmes, programas de TV e de rádio,
internet, jogos eletrônicos e jogos analíticos, entre outros elementos que
permitem desenvolver atividades didaticamente significativas para o ensino
de História (Oliveira, 2012, p. 26). Como recursos didáticos, esse conjunto de
novas linguagens permite dinamizar o processo de ensino, tornando-o mais
interessante e interativo. (ANDRIONI, 2019, p. 91).
20
Ressaltando o trecho supramencionado “diversos produtos culturais de nossa
sociedade e compreendem imagens, músicas, literatura, desenhos, filmes, programas de
TV e de rádio, internet, jogos eletrônicos e jogos analíticos, entre outros elementos”
(Oliveira, 2016, p. 26. In: Andrioni, 2019, p.9), neste ponto, as imagens, desenhos e a
literatura são fundantes para a construção desse trabalho com a contação de histórias.
Contação que não é apenas um livro e sua leitura, mas diferentes comportamentos,
contextos e intersecções constroem-se ao longo do percurso. O caminho é iniciado
primeiramente com a ideia (tempestade de ideias ou brainstorm), o texto escrito, o
desenho ou seleção das imagens, a diagramação e a história estarão concluídas. Não é tão
simples como escrito nessas palavras, mas um breve delineamento poderá ser
apresentado dessa maneira.
Por um lado, a percepção imagética é uma das linguagens que transforma o contexto
e o texto:
21
Às práticas pedagógicas ressalta a natureza textual da imagem na literatura
infantil e constitui-se, primeiro, num esforço em dar visibilidade à presença
da linguagem visual nessas obras e, como tal, promover a necessidade de
conhecê-la melhor, para tratá-la como texto legível, no mesmo nível de
importância atribuída à linguagem verbal, em decorrência, pautar o ensino
nessa direção. [...] Os apontamentos pedagógicos mostram a necessidade da
interação com a linguagem visual, de estudos específicos, bem como
discussões sobre a aplicação de uma teoria da significação aos processos de
leitura. [...] Além disso, considerar que o quadro de referências individuais e
culturais são pontos de apoio à identificação inicial das variações de
contrastes e posições de objetos, ou seja, identificar e refletir sobre os
componentes da linguagem visual que organizam a imagem e seus contextos.
Logo, cada texto imagético possui especificidades, marcas próprias, que
definem as diferentes categorias priorizadas e as relações estabelecidas na
atribuição de significados. Uma concepção da visualidade como linguagem
considera estratégias de leitura que propiciam a utilização de
reconhecimentos e novos conhecimentos, inferências, estados afetivos. Tudo
isso integrado e em relação, tendo como centro a imagem, como um discurso
que produz efeitos de sentido e acolhe o exercício da atribuição de
significados. RAMOS, 2015, p. 58.
Por outro lado, a leitura não advém somente da linguagem visual e as imagens,
mas de um contexto incluindo a escrita, letra, figura, disposição do texto e outros aspectos
que se completam com o processo criativo de uma história. História que,
Portanto, a caligrafia, essa arte da escrita, engloba em sua natureza, ao
mesmo tempo a dimensão verbal e a visual. Além da singularidade verbovisual, elemento que deixa marcas e aberturas para a construção de imagens
dos interlocutores envolvidos com esses textos, outros aspectos
dimensionam a historicidade e exigem dos destinatários de hoje diversos
procedimentos para acesso às formas verbais, aos conteúdos, às
competências linguísticas, enunciativas, discursivas dos enunciadores. Se
num primeiro momento, e por força da caligrafia, a memória mobilizada é a
sensível, a afetiva, construída com as reminiscências de um tempo vivido ou
apenas entrevisto nas conversas familiares, adentrar esses textos exige
outros movimentos, outras posições. BRAIT, 2010, p. 203
22
A escrita tem um processo de construção que se efetiva com a imagética e a
interrelação do texto e da imagem, uma junção que promove o encadeamento das ideias,
dos traços, dos contornos e das tonalidades. Cores, formatos e delineamentos que são
fundantes para a contação de histórias, propiciando uma atenção e observação atenta do
receptor com o gesto visual do intérprete ou interlocutor das narrativas, narrativas que
permeiam o texto e o contexto, onde um não é isolado, mas um conjunto.
O domínio da linguagem visual, a qual se mostra como organização textual
suficiente para a leitura complexa e aprofundada. Na contemporaneidade, o
sistema visual abrange um universo comunicativo amplo e diversificado; a
produção de significação aguarda ser estudada, discutida e explorada em
seus múltiplos contextos e aspectos, desde o aprofundamento científico da
pesquisa acadêmica aos passeios visuais de olhares curiosos de adultos às
crianças da Educação Infantil. RAMOS, 2015, p. 58.
Em suma, a linguagem visual é “organização textual suficiente para a leitura
complexa e aprofundada”, no qual, a interpretação do texto poderá ocorrer por
intermédio das palavras, da narrativa ou simplesmente a imagem. Imagem que sua
reprodução na contação das histórias poderá seguir (ou não) o que efetivamente está
escrito. Mas por outro lado, a imagem também é outra narrativa que através da Língua
Brasileira de Sinais poderá ser reinterpretada, reestruturada e criando vida, animação e
movimentação a um texto “parado”, “sem vida”, que com a linguagem gesto-visual
apresenta contornos, expressões, movimentos e potencialidades para o processo de
ludicidade.
AS NARRATIVAS PARA CRIANÇAS SURDAS
23
A contação de histórias proporciona inúmeros benefícios para as crianças na
Educação Infantil, isso porque, os gêneros narrativos estimulam o desenvolvimento integral
da criança. Quando uma criança escuta uma história é estimulado a imaginação,
curiosidade, cognição e estado emocional do qual atinge várias áreas da vida.
O ato de narrar história é tão potencializador, que desenvolve atenção da criança,
bem como contribui para processo de alfabetização, processo de escrita e aprendizagem.
Outro benefício deste instrumento, é despertar a memorização e promover a coordenação
motora da criança, pois ao sentar-se, a criança precisa estar em posição ereta e bem
acomodada.
As crianças que escutam história desenvolvem muito mais vocabulário e ainda por
cima, aprendem palavras novas, palavras que não ouviam, se torna parte do seu
vocabulário e como resultado, desenvolvem a linguagem. Ademais, a narração de história
também cria vínculos, podendo aumentar a proximidade dos seus familiares com seus
filhos.
Nessa perspectiva, as crianças surdas precisam ser expostas as narrativas, contos e
histórias desde sua tenra idade, “a não participação em tais atividades prejudica a
constituição de conhecimentos de mundo e língua, disponível comumente às crianças
ouvintes antes da escolarização (SÃO PAULO, 2007, p.8)
Durante a narração de história, as crianças
se identificam com os personagens,
possibilitando trabalhar conflitos internos,
pois quando a criança não consegue se
expressar, ela se reconhece na narração da
história contribuindo para diminuir futuras
angústias e ansiedades.
24
Há quem conte histórias para enfatizar mensagens, transmitir
conhecimentos, disciplinar, até fazer uma espécie de chantagem – “se ficarem
quietos, conto uma história” - quando o inverso é que funciona. A história
aquieta, serena, prende a atenção, informa, socializa, educa. O compromisso
do narrador é com a história, enquanto fonte de satisfação de necessidades
básicas das crianças. [...] Permite a auto-identificação, favorece a aceitação de
situações desagradáveis, ajuda a resolver conflitos, acenando com a
esperança (COELHO, 2004, p. 12).
Nessa visão, percebemos o quão é importante a contação de história, tanto para
crianças ouvintes e quanto para crianças surdas, pois há um grande desenvolvimento na
linguagem e como consequência na organização de pensamento.
Para Vygotsky (1934), a linguagem é uma ferramenta responsável pela estruturação
do pensamento, desde as concepções mais simples às mais complexas, Rosa (2003) afirma
que é por meio da linguagem e de uma língua compartilhada que o ser humano materializa
sentidos e significações, (re) significando conceitos numa relação entre o mundo exterior e
sua própria consciência.
As crianças com surdez não deveriam restringir-se às literaturas ouvintistas, o que
poderia torná-las socialmente incapacitadas ao acesso à cultura. No Brasil, a literatura
surda ainda se encontra em processo de organização e tem progredido a passos lentos, o
que a torna uma definição em construção. Todavia, é importante evidenciar que a literatura
surda não se dá apenas por meio do silêncio, mas por uma literatura não auditiva.
A literatura é uma parte considerável e valiosa de qualquer cultura e, para os surdos,
não é diferente. Essa parte da cultura ajuda a explorar a identidade, as crenças e os modos
de vida das pessoas com surdez, sendo apreciada e compartilhada não somente por essa
comunidade.
Em relação ao conceito de literatura surda, vale apenas trazer a importância
de que esta literatura se constitui na perspectiva de quem vive na
comunidade surda e é usuário da língua de sinais como sua L1.(SANTOS;
LIMA, 2016, p. 3).
25
A narração em língua brasileira de sinais (Libras) não é uma linguagem oral, cuja
comunicação se leva em conta aplicação da entonação de voz para os ouvintes, mas leva
em consideração outras metodologias, que fazem parte da cultura surda, em vez de
oralizadas ou escritas, utiliza outros meios como das mãos, corpo e as expressões faciais.
Para Karnopp (2008, p. 14-15):
[...] a literatura surda está relacionada com a cultura, contada na língua de
sinais de determinada comunidade linguística, constituída pelas histórias
produzidas em língua de sinais pelas pessoas surdas, pelas histórias de vida
que são frequentemente relatadas.
No momento presente, não se encontra disponível uma variedade de livros
próprios à literatura surda no Brasil, mas podemos encontrar versões adaptadas ou
transcritas por meio digital (em vídeo) pelos mais variantes meios eletrônicos, como o
YouTube, blogs e Facebook nos quais é possível buscar, como em qualquer literatura,
materiais de ótima qualidade para que todas as crianças surdas tenham acesso do que é
produzido na cultura da infância em nosso país.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto a contação de histórias instiga tanto alunos quanto professores a
dialogarem sobre as histórias, compreende-las e entender como são feitas, qual
mensagem queremos passar por meio delas. A imagem da narrativa que pode estar
presente no imaginário da criança ou vista por exemplo na linguagem gesto-visual com
usos da LIBRAS, também serve com um pilar muito importante na construção da
ludicidade, seja com expressões movimentos, contornos ou até no desenvolvimento das
suas próprias narrativas.
No Brasil ainda é muito escasso o conteúdo literário impresso para crianças
surdas, por outro lado podemos encontrar bons materiais digitais, em alguns casos
versões adaptadas de literaturas clássicas. A contação de histórias tem um grande valor
para a formação destes futuros cidadãos e contribui no processo de ensino-aprendizagem
de crianças ouvintes e surdas.
26
A MENINA QUE QUERIA SER RAINHA
A história começa com uma menina....
Uma menina que pensava em ser Rainha...
Não uma simples Rainha ou Princesa como nas outras
estórias, mas....
Uma Rainha de rara beleza....
Uma Rainha que nunca se viu no planeta...
Uma Rainha com uma aparência que a todos encanta,
por onde quer que ela ande....
Uma Rainha tão bela, entre as mais belas..
Uma Rainha que poderia ser você. Eu???
Sim, você mesmo.
Todos temos uma beleza rara, porque não somos
e nunca seremos iguais,
Igual, só conheço aquele sinal (=)
Todo o resto sempre será diferente ( ).
REFERÊNCIAS:
27
ANDRIONI, Fabio Sapragonas (2019). Produção de recursos em história [livro
eletrônico] / Fabio Sapragonas Andrioni. Curitiba, PR: InterSaberes, 2019. Disponível em:
<https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/ Publicacao/177776/pdf/0>.
ALVES, Vanessa da Silva (2017). Histórias em quadrinhos: gênero entre a imagem e a
palavra / Vanessa da Silva Alves. Tese (Mestrado em Ciências Humanas) - Universidade de
Santo Amaro. Orientador: Prof. Dr. Antônio Jackson de Souza Brandão. São Paulo, SP:
UNISA, 2017. Disponível em: < http://dspace.unisa.br/bitstream/handle/123456789/147/
Vanessa%20da%20Silva%20Alves.pdf?sequence=1&isAllowed=y>
BEHARES, L. E. Língua e Identificações: as crianças surdas entre o “sim e o “não” In:
SKILIAR, C. (org.) Atualidade da educação bilingue para surdos. Porto Alegre: Mediação,
1999.
BRAIT, Beth (2010). Literatura e outras linguagens / Beth Brai. - São Paulo, SP: Contexto,
2010.
COELHO, Betty. Contar histórias: uma arte sem idade. Editora Ática: São Paulo, 2004.
ESCRITA DE SINAIS. Cinderela Surda e Rapunzel Surda. 30 ago. 2010. Disponívelem:
<https://escritadesinais.wordpress.com/2010/08/30/cinderela%C2%A0surda-e-rapunzelsurda/>. Acesso em: 29 out.2020.
GIRARDELLO, Gilka. Voz, presença e imaginação: a narração de histórias e as
crianças pequenas. REUNIÃO DA ANPED, 26., 2003. Disponível em
<https://www.anped.org.br/reunioes/26/trabalhos/gilkagirardello.rtf>. Acesso em outubro.
2020.
KARNOPP, L. B. Literatura Surda. Florianópolis: UFSC, 2008. Disponível em:
<http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/literaturaVisual/ass
ets/369/Literatura_Surda_Texto-Base.pdf >. Acesso em: 29 out.2020
MURRAY, Janet H. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa
no ciberespaço. São Paulo: Itaú Cultural: UNESP, 2003.
28
ONG, Walter. Oralidade e cultura escrita: a tecnologização da palavra. Campinas:
Papirus, 1998.
RAMOS, Flávia Brocchetto, 1966 -. Mergulhos de leitura: a compreensão leitora da
literatura infantil / Flávia Brocchetto Ramos, Neiva Senaide Petry Panozzo. Caxias do Sul,
RS: Edusc, 2015.Disponível em:
<https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/30806/pdf/0>.
SANTOS, A. B.; LIMA, S. A. A. Literatura Surda: algumas considerações. In: ENCONTRO
INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 10.,2016, Aracaju.Anais.Aracaju:UNIT,
2016. Disponível em:
<https://eventos.set.edu.br/index.php/enfope/article/viewFile/5309/1793>. Acesso em:29
out.2020.
SÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Educação. Cadernos de apoio e
aprendizagem: Libras: livro do professor. São Paulo: SME/DOT, 2012.
ROSA, E.Z. “Da rua para a cidadania: a construção de sentidos na travessia”. In:
OZELLA, S. (org.) Adolescências construídas: a visão da psicologia socio histórica. São
Paulo: Cortez, 2003.
VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1934/1999.
CAPÍTULO 3: LINGUAGENS E APRENDIZAGENS
NUM MUNDO DIGITAL
29
Claudeci Martins da Silva, Juliana Cristhina Murari Assunção e Renata Gerhardt
Gomes Roza
A aprendizagem passa obrigatoriamente pela linguagem, que pode se processar de
diversas formas: oral, escrita, simbológica, digital, e, por múltiplas formas de expressão. De
forma simplista, é possível inferir, que pessoas, situações, objetos e experiências “falam”
quando algum tipo de interação é estabelecida. Dentro da perspectiva da educação básica
é imperativo refletir sobre como a linguagem interfere nos processos de ensino e
aprendizagem. E dessa vertente de pensamento, diversas indagações emergem no campo
da docência: como aprender e ensinar num mundo de múltiplas linguagens e diferentes
interfaces? Quais linguagens precisam ser dominadas? Como superar as diferenças de
vivências atribuídas as gerações? Como prender a atenção do aluno num mundo digital?
Como motivar os estudantes?
Nunca fomos expostos a tantas informações como nos dias atuais. Grande parte
dessa exposição deve-se ao desenvolvimento da tecnologia. Com isso, mudanças
significativas nas formas de comunicação, de trabalho, de ensinar e de aprender podem
ser observadas.
30
No momento atual, a linguagem digital tem se destacado no campo da educação.
Enquanto alguns educadores e estudiosos da educação defendem sua entrada e
permanência no âmbito educacional, ainda é possível encontrar resistência de outros
educadores. Entretanto, tal fato exige uma análise criteriosa dos elementos que a envolve:
ferramentas digitais, metodologias, a práxis docente, dentre outros. Tais questões e
considerações envolvem uma trama de teorias e pensamentos que aqui serão abordadas
no intuito de refletir sobre o assunto. Nesse sentido, buscou-se traçar um percurso teórico
analítico na perspectiva da Educação.
AS NOVAS LINGUAGENS DO ENSINO: TECNOLOGIAS DIGITAIS
DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TDICS)
31
A sociedade contemporânea é demarcada por uma série de transformações no
âmbito político, econômico e social. Tais mudanças se mostram entrelaçadas ao progresso
da ciência e da tecnologia (TORTAJADA; PELÁEZ, 1997). A utilização de equipamentos como
o telefone, a televisão e o computador alteraram o modo de vida das pessoas, sobretudo,
dos mais jovens. Os nascidos a partir da década de 1990, encontram-se circundados por
um mundo repleto de instrumentos ligados à rede e, portanto, digitais. O uso constante e
diário, desses equipamentos ampliaram as possibilidades de informação e comunicação.
Em decorrência disso, foi preciso repensar o processo de ensino-aprendizagem. De acordo
com Kenski (2003, p. 04):
Na atualidade, as tecnologias digitais oferecem novos desafios. As novas
possibilidades de acesso à informação, interação e de comunicação,
proporcionadas pelos computadores (e todos os seus periféricos, as redes
virtuais e todas as mídias), dão origem a novas formas de aprendizagem. São
comportamentos, valores e atitudes requeridas socialmente neste novo
estágio de desenvolvimento da sociedade.
Os novas formas de ensinar e aprender são, muitas vezes, mediadas pelas
tecnologias de informação e comunicação, também denominadas “TIDICs”. Estas, podem
ser compreendidas, a grosso modo, como um conjunto de equipamentos e aplicações
tecnológicas que geralmente utilizam a internet, tais como o uso de computadores, tablets,
celulares e apps. Do mesmo modo, se enquadram nessa definição o uso de sites, redes
sociais, periódicos eletrônicos, programas de edição e de programação. Segundo Tortajada
e Peláez (1997, p. 207) “as tecnologias digitais de informação e comunicação envolvem
técnicas, instrumentos, métodos que permitem obter, transmitir, reproduzir, transformar
ou mudar a informação.”
Quando pensadas dentro do processo educativo, as “TIDICs” são vistas como
ferramentas para promover a aprendizagem significativa e interativa do aluno, e
representam uma nova linguagem no ensino. Atualmente, grande parte das escolas
contam com ferramentas tecnológicas, tais como: o uso de tablets, lousa digital, livros
digitais e plataformas online, que permitem a interação entre professor e aluno.
32
O ensino deixa de ser respaldado, somente, pelo discurso do professor e sua
representação gráfica no quadro, antes “negro” e com giz, depois “branco” e com caneta. A
linguagem agora é múltipla, complexa e aberta. A informação e comunicação deixam de
ser locais e passam a ser globais, conectadas à rede. Torna-se possível acessar
informações e conhecimentos do mundo todo, atuais e historicamente construídos.
Em 2014 a UNESCO lançou o documento intitulado: “Diretrizes de políticas da
UNESCO para a aprendizagem móvel”, o qual foi escrito por especialistas de mais de 20
países, dirigido à educação de nível básico e superior, com o intuito de contribuir com
práticas pedagógicas inovadoras, que possam enriquecer as oportunidades educacionais
em diversos ambientes. De acordo com o texto:
Atualmente, um volume crescente de evidências sugere que os aparelhos
móveis, presentes em todos os lugares – especialmente telefones celulares e,
mais recentemente, tablets – são utilizados por alunos e educadores
em todo o mundo para acessar informações, racionalizar e simplificar a
administração, além de facilitar a aprendizagem de maneiras novas e
inovadoras (UNESCO, 2014, p. 07).
Um dos benefícios apresentados pela Organização das Nações Unidas para
Educação, Ciência e Cultura no que se refere à utilização das “TIDICs” é a possibilidade de
expandir o acesso à educação e ao conhecimento em áreas onde escolas, livros e
computadores são escassos, ou em casos de comunidades isoladas geograficamente, na
medida em que os estudantes poderiam utilizar os recursos móveis para estudar, tais
como celulares e tablets. Desse modo, seria possível contribuir com a equidade e
qualidade da educação.
É importante lembrar que as novas tecnologias presentes na prática pedagógica,
não visam a exclusão das metodologias anteriormente existentes, pelo contrário, podem
ser utilizadas como apoio e complementação da prática docente e promoção de novas
habilidades e competências dos alunos.
33
Essas aprendizagens, no entanto, vão além das capacidades e habilidades
adquiridas por meio de memorização e reprodução do que lhes é
transmitido
e
ensinado,
como
era
exigido
nas
sociedades
predominantemente orais. Também vão além dos procedimentos de
compreensão, aplicação e análise existentes nos processos de ensino das
sociedades da escrita. Sem abandonar nenhum desses processos, o ensino
mediado pelas NTICs [1] se caracteriza pelo envolvimento de todos esses
procedimentos, em um processo de síntese e o surgimento de novos estilos
de raciocínio - como a simulação e o compartilhamento de informações além do estímulo ao uso de novas percepções e sensibilidades (KENSKI, 2003,
p. 07).
Nesse sentido, por meio do uso dos equipamentos digitais, a mera reprodução e
memorização dos conteúdos deixa de ser prioridade e espera-se que o educando se
engaje e demonstre interesse pelo conteúdo a ser apreendido. Do mesmo modo, torne-se
autônomo e responsável pelo processo de aquisição do conhecimento.
Fonte: https://media.giphy.com/media/KyBsgI7jQ01VRjGhm1/giphy.gif
[1] NTICs - sigla como são conhecidas as “novas tecnologias de comunicação e informação”.
COMO APRENDER E ENSINAR NUM MUNDO DE MÚLTIPLAS
LINGUAGENS E DIFERENTES INTERFACES
34
Diante desse novo cenário, é imperativo pensar, na forma de aprender e ensinar
com tantas complexidades. Moran (2007, p. 43) dentro dessa perspectiva ressalta que:
Caminhamos para a sociedade do conhecimento e este é tão complexo, frágil,
instável! Nunca tivemos tanta informação disponível e, ao mesmo tempo,
nunca foi tão difícil conhecer. O que selecionar? O que vale a pena entre
tantas opções? O que é importante e o que é descartável? O que é um
modismo passageiro e o que nos faz avançar? O que estudamos hoje será útil
amanhã? O que estou aprendendo profissionalmente poderá ser aplicado tal
como me ensinaram? Num mundo que evolui tão rapidamente, o que posso
aproveitar do passado?
Antes os educandos recebiam orientações e formação para usar a tecnologia, hoje
a tecnologia é usada no processo ensino e aprendizagem de modo que uma infinidade de
possibilidades emergem, como o uso de videoaulas, plataformas, aplicativos, entre outras
ferramentas. Um cardápio de conteúdos e interações. Sandholtz (1997) ressalta que:
A tecnologia não é uma panacéia para a reforma do ensino, mas ela pode ser
um canalizador significativo para a mudança. Para aqueles que procuram
uma solução simples e inovadora, a tecnologia não é resposta. Para aqueles
que procuram uma ferramenta poderosa para apoiar ambientes de
aprendizagem colaborativos a tecnologia tem um enorme potencial
(SANDHOLTZ, 1997, p.175).
35
O que implica dizer que as relações dentro do processo de ensino e aprendizagem
passaram por sensíveis mudanças com a inserção de elementos tecnológicos na práxis
docente. Numa análise simples e comparativa verifica-se que a mudança do ensino
tradicional para práticas construtivistas, por exemplo, propiciou uma alteração no fluxo de
informação das interações entre os atores envolvidos no processo (figura 1 e 2), ou seja,
nas relações estabelecidas dentro do contexto de sala de aula. No entanto, quando
ferramentas digitais e outros elementos tecnológicos são adicionados ao processo, verificase um redimensionamento de todas as interações e novas interfaces são estabelecidas. De
modo que o fluxo de informação e aprendizagem adquire uma maior proporção (figura 3).
Figura 1: Fluxo de informação da educação tradicional
Figura 2: Fluxo de informação na perspectiva construtivista
36
Figura 3: Fluxo de informação na Educação na Era Digital
Aprende-se com o professor. Aprende-se com o aluno. Aprende-se com o colega
e com o desconhecido. Aprende-se com quem está perto e com quem está longe.
Aprende-se fazendo. Aprende-se com a observação. Aprende-se sendo. Aprende-se na
escola e fora da escola. Aprende-se com o livro, com a imagem e com o aplicativo. Enfim,
aprende-se com o quê e quem estiver disponível e acessível dentro do processo de
aprendizagem. Essa perspectiva corrobora com o que ressalta Kenski (2009):
A tecnologia digital rompe com as formas narrativas circulares e repetidas da
oralidade e com o encaminhamento contínuo e sequencial da escrita e se
apresenta como um fenômeno descontínuo, fragmentado e, ao mesmo
tempo, dinâmico, aberto e veloz (KENSKI, 2009, p. 32).
E vai de encontro com o estabelecido por Stumpenhorst (2018):
Muitas ferramentas disponíveis permitem que os professores apresentem e
compartilhem informação em uma variedade de formatos. Isso ajuda a lançar
uma rede maior para envolver e interessar os estudantes. Ainda mais
importante a tecnologia dá aos alunos opções e escolhas sobre como
demonstrar e documentar seu aprendizado. (STUMPENHORST, 2018, p. 98)
Todas essas possibilidades produziram mudanças significativas nos papéis
desenvolvidos por docentes e discentes, de modo que, o aprender e o ensinar adquiriu
novas configurações. Para os estudantes, por exemplo, pode propiciar a construção de
trajetórias de aprendizagens que passa por viasias distintas, mas que interligadas se
conectam de alguma forma para a construção de novos saberes (figura 4).
37
Figura 4: Trajetórias de aprendizagem do discente
Por outro lado exige dos docentes uma série de quebra de paradigmas e retirada
de suas zonas de conforto. Fagundes (2009) ao discorrer a respeito das da tecnologias de
informação e comunicação (TICs) reforça a ideia ao afirmar que:
A primeira utilização de uma nova tecnologia sempre consiste em um esforço
para fazer melhor o que se fazia antes, e por isso é razoável esperar que as
TICs ajudem a melhorar as práticas já existentes na escola. Porém, o que se
pode entender hoje por inovações na escola? Não se trata apenas de
melhorar as práticas tradicionais, porque a mudança que está ocorrendo
representa uma mudança de paradigma.
E essa mudança nem sempre é fácil, mas possível, desde que os atores envolvidos
se apropriem da ideia e colaborem para sua implantação. Por exemplo, seguindo essa
vertente, verifica-se que um dos elementos fortemente impactado pelo
redimensionamento provocado pela adoção da tecnologia foi o processo de avaliação.
Para Hoffmann (2005) avaliar em meio aos novos paradigmas educacionais e culturais é
dinamizar oportunidades de ação-reflexão, em um acompanhamento permanente do
professor. Tal fato é percebido pelo aumento da qualidade e quantidades de feedback das
atividades avaliativas..
38
Nesse novo contexto, o ensino deixa de percorrer apenas uma via, desenvolvendo
meandros de linguagens e interfaces, surgindo a necessidade de desenvolvimento de
recursos didáticos adequado para os inúmeros segmentos e possibilidades emergentes,
sem comprometer os currículos e ementas e através de um processo colaborativo. Moran
(2018) destaca que a interconexão entre aprendizagem pessoal e colaborativa, em um
movimento contínuo e ritmado, ajuda o aluno a avançar muito além do que seria possível
sozinho ou em grupo.
Essa interconexão e movimento, podem ser percebidos nos novos formatos de
ensino, como por exemplo, no Ensino Híbrido, mediado pelo uso de Tecnologias de
informação e comunicação (TDICs). Tais recursos se estabelecem como novas formas de
linguagens e aprendizagens na educação e constituem parte do projeto de uma escola
integrada à cultura digital.
Levy (1999) considera Interfaces todos os aparatos materiais que permitem a
interação entre o universo da informação digital e o mundo ordinário. De forma
complementar Maissiat et al. (2011) define Interface digital como veículo que o usuário irá
interagir com determinado sistema tanto fisicamente, perceptivamente assim como
conceitualmente. Esse conceito permite verificar a complexidade que envolve a construção
de espaços digitais de aprendizagem, bem como a diversidade de recursos que podem ser
utilizados. Dito isso, é preciso considerar a importância de uma equipe multidisciplinar
para construção desses “espaços” e ferramentas. Designers gráficos e digitais, docentes
conteudistas, programadores e outros profissionais especialistas são necessários,
considerando as múltiplas exigências e necessidades.
ENSINO HÍBRIDO: UMA NOVA FORMA DE LINGUAGEM NA EDUCAÇÃO?
A imersão e naturalização do uso das Tecnologias digitais de informação e
comunicação possibilitaram a criação de espaços virtuais de aprendizagens. Em face disso,
a compreensão de espaço e tempo também se altera. Nem todos os espaços exigem a
presença do aluno em sala de aula, de modo presencial. Do mesmo modo, as atividades
designadas pelo professor, não precisam mais ser executadas com a presença dele, em
um momento determinado. Em face disso, o ensino híbrido tem sido visto como um modo
de proporcionar novas estratégias, ampliando as possibilidades aprendizagem, e tornando
significativa a compreensão dos conteúdos, assim como a contextualização e reflexão
sobre os mesmos.
39
De acordo com Staker e Horn (2012) o ensino híbrido ou blended learning pode
ser definido como um programa de educação formal, no qual, é realizado em parte por
meio online, onde o aluno possa ter controle do tempo, lugar e/ou ritmo da atividade a ser
realizada; agregado a uma parte supervisionada pelo professor e que pode ocorrer na
escola e/ou longe dela.
Fonte: STAKER e HORN. Disponível em
<<https://www.christenseninstitute.org/wp
content/uploads/2013/04/Classifying-K-12blended-learning.pdf>>.
Nesse sentido, o método blended learning busca combinar práticas pedagógicas
do ensino presencial e do ensino a distância, com o objetivo de melhorar o desempenho
dos alunos (MENDONÇA, 2016). Nessa organização as propostas são realizadas em um
movimento cíclico e dissociável, que combina atividades em momentos assíncronos e
síncronos da sala de aula, ou seja, o aluno de posse de um roteiro de estudo é direcionado
para propostas de autoestudo e momentos de interação com o professor.
A aprendizagem se torna individualizada e é construída de modo flexível. O
percurso no processo de aquisição do conhecimento é diversificado e mescla saberes
considerados tradicionais, tal como o livro didático, e a aula expositiva do professor, com
instrumentos inovadores, tal como vídeos, sites e periódicos disponíveis na rede. Além
disso, a aula pode ser realizada por meio de plataformas digitais, tais como: o Google
Meeting, Zoom e Moodle.
40
A avaliação da aprendizagem também se torna possível de modo assíncrono, como
por exemplo, a partir da resolução de questionários online, no Google Forms, de entrega
de apresentações no Canva, Powerpoint, Prezi, Google apresentações, entre outros.
Por meio das formas síncronas e assíncronas de comunicação, as pessoas
definem seus próprios caminhos de acesso às informações desejadas,
afastando-se de modelos massivos de ensino e garantindo aprendizagens
individualizadas. A flexibilidade da navegação no ambiente virtual dá
oportunidade para a diversificação e personalização dos caminhos e a
articulação entre saberes formais e não formais (KENSKI, 2003).
Para Moran (2013, p. 3) uma aprendizagem ativa pode ser construída em três
momentos: “a construção individual – em que cada aluno percorre seu caminho -; a grupal
– em que aprendemos com os semelhantes, os pares e a orientada, em que aprendemos
com alguém mais experiente, com um especialista um professor”.
Desse modo, o processo de aprendizagem ultrapassa a sala de aula tradicional, e
depende dos interesses do educando. Uma vez que as tecnologias de informação e
comunicação expandem as fronteiras espaço-temporais, o aluno poderia personalizar seu
próprio ensino, podendo escolher quando e onde realizar suas atividades e entrar em
contato com os conteúdos prescritos pelo professor. Além disso, esse mesmo aluno, pode
determinar o seu modo de aprender, uma vez que conhece suas habilidades e sabe como
ocorre seu processo de aprendizagem. Assim, ele poderia optar por áudios, podcasts, caso
considere aprender melhor ouvindo; ou por vídeo aulas, slides, textos, caso necessite da
imagem e a visualização seja o que lhe atinge. Dentro desse aspecto, cada aluno poderia
estar empenhado em diferentes atividades, com expectativas e motivações diversas.
Todavia, esse processo precisa ser guiado pelo professor mediador e buscar,
constantemente, cumprir com os objetivos de aprendizagem delineados por ele. Acerca
disso, Moran (2013) afirma:
Trabalhar com desafios hoje é mais complexo, porque cada um dos alunos
envolvidos têm expectativas diferentes, motivações diferentes, atitudes
diferentes diante da vida. O educador precisa descobrir quais são as
motivações profundas de cada um, o que o mobiliza mais para aprender, os
percursos mais adequados para sua situação e combinar atividades grupais e
pessoais de aprendizagem cooperativa e competitiva, de aprendizagem
tutorada e autônoma, com tecnologias próximas da vida dos alunos. E isso
exige mediadores muito experientes e preparados (MORAN, 2013, p. 3).
41
Em decorrência disso, o professor se torna um orientador dentro de práticas
individuais e coletivas, em momentos conjuntos e dispersos, em processos educacionais
formais e informais, colaborando com a criatividade e empreendedorismo do aluno.
A educação Blended Learning pode estimular os alunos, provocando desafios,
integrando espaços físicos e virtuais de aprendizagens. Utilizando as tecnologias
disponíveis, os alunos e o professor ampliam as possibilidades de pesquisa e de aquisição
de conhecimento. Assim, as tecnologias digitais desempenham um papel importantíssimo
no contexto da educação, pois fazem com que a educação vá além das fronteiras da
escola, da cidade ou de seu país. O Ensino Híbrido, executado por meio das tecnologias de
informação e comunicação, promovem a capacidade de uma educação cultural global e
atemporal, facilitando acesso rápido a uma grande quantidade de informações e deixando
as aulas e as atividades acadêmicas mais dinâmicas, interessantes e criativas.
Sabe-se que a implementação desse método de ensino, ainda enfrenta muitas
dificuldades no Brasil, devido uma série de empecilhos econômicos, sociais e políticos.
Contudo, é preciso refletir sobre seus benefícios e as possibilidades de sua efetivação,
quando se vislumbra uma educação voltada para o século XXI e adequada à cultura digital.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto é preciso considerar toda complexidade que envolve as
linguagens e aprendizagens num mundo digital. Apesar dos avanços, ainda existe um longo
caminho à frente e certamente muitos desafios. Torna-se necessária, inclusive, a reflexão
que a inovação não cabe apenas à inserção das “TIDICs” no âmbito escolar, e, que para um
ensino inovador exige-se muito mais da mudança de postura do docente e dos processos
educacionais do que dos recursos por estes utilizados.
Ao refletirmos sobre as linguagens e aprendizagens em um mundo digital
encontramos uma multiplicidade de recursos, e, nessa diversidade caminhamos para as
mais diferentes formas de aprender. A busca por recursos tecnológicos, inserção de
tecnologias digitais e formas de linguagem na educação pode proporcionar, em um
ambiente que antes parecia ser habitado por uma única forma de pensar e falar a
aprendizagem em todas as suas formas e por seus diferentes atores.
42
Um dos aspectos mais interessantes e importantes na adoção de tecnologias na
educação é a construção de uma aprendizagem colaborativa. O que podemos destacar
como uma de suas principais contribuições para a educação, marcada pela participação
efetiva e eficaz dos seus atores e pelo desenvolvimento de habilidades de autogestão,
favorecido pela adequação dos ritmos de aprendizagem de cada um.
Os ambientes virtuais, ferramentas de aprendizagem, implementação de
equipamentos tecnológicos nas escolas e diferentes modelos de ensino remoto precisam
estar adequadas para atender aos diversos públicos e aos diferentes cursos que podem
ser oferecidos com o uso das tecnologias digitais. O Ensino Híbrido tem se destacado
dentro dessas novas linguagens, possibilitando a administração do tempo e criando
processos de ensino personalizados, adequados as habilidades de cada discente.
Portanto, frente às novas possibilidades surgem também novos questionamentos:
nosso modelo educacional está preparado para essa autonomia de docentes e discentes?
Um estudante da educação básica no sistema de ensino brasileiro atual tem sido
incentivado ao protagonismo que a inserção do Ensino Híbrido exige? Como devem ser
desenvolvidos tal protagonismo e autonomia nas diferentes etapas da educação básica?
Este artigo não visa responder todas as perguntas, mas levantar reflexões frente às
transformações que, muita das vezes, são vistas de forma positivadas como melhoria e
inovação no ensino. Todavia, deve ser ressaltado, que uma efetiva melhoria e
transformação do ensino, não depende apenas da disponibilidade de recursos mas,
principalmente, de um conjunto de medidas, que estimule novos modos, atitudes
REFERÊNCIAS:
43
FAGUNDES, Léa da Cruz. As condições da inovação para a incorporação de TIC à
educação. In: Roberto Carneiro, Juan Carlos Toscano y Tamara Díaz, OEI – Fundación
Santillana, Espanha, 2009.
HOFFMANN, J. (2005). O jogo do contrário em avaliação. Porto Alegre, RS: Mediação.
KENSKI, Vani M. Tecnologias e tempo docente. Campinas, SP: Papirus, 2013.
KENSKI, V. M. (2003). Aprendizagem mediada pela tecnologia. Revista Diálogo
Educacional, 2003, v.4, n.10. Disponível
<<https://periodicos.pucpr.br/index.php/dialogoeducacional/article/view/6419/6323>>
Acesso: 08/10/2020.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
MAISSIAT, Jaqueline; MACHADO, Leticia Rocha; BIAZUS, Maria Cristina V. ; BEHAR, Patricia
Alejandra; BERCHT, Magda. Interfaces digitais em objetos de aprendizagem:
implicações na educação. Nuevas Ideas en Informática Educativa, TISE 2011 1.
Disponível em: <http://www.tise.cl/volumen7/TISE2011/Documento19.pdf> Acesso em: 08
out 2020.
MENDONÇA, Bruno. O que é e como funciona o blended learning? Disponível em:
<<https://www.edools.com/blended-learning/>> Acessado em 10 out. de 2020.
MORAN, José Manuel. A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá.
2. ed. Campinas, SP: Papirus, 2007.
__________________. Metodologias ativas para uma aprendizagem mais profunda. São
Paulo, 2013. Disponível em: <<http://www2.eca.usp.br/moran/wpcontent/uploads/2013/12/metodologias_moran1.pdf>> Acesso em: 12/10/2020.
SANDHOLTZ, Judith H. Ensinando com as tecnologias: criando sala de aula centrada
nos alunos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
44
STAKER, H.; HORN, M. B. Classifying K-12 blended learning. Mountain View: Innosight
Institute, 2012. Disponível em: <https://www.christenseninstitute.org/wp
content/uploads/2013/04/Classifying-K-12-blended-learning.pdf> Acesso em: 08 out. 2020
STUMPENHORST, J. A nova revolução do professor. Editora Vozes. Petropolis, RJ, 2018.
TORTAJADA, José; PELÁEZ, Antonio (Eds.). Ciencia, tecnologia y sociedad. Madrid:
Sistema, 1997.
UNESCO. Diretrizes de políticas da UNESCO para a aprendizagem móvel. Paris, 2014.
Disponível em:
<<https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000227770/PDF/227770por.pdf.multi>>
Acesso em: 12/10/2020.
CAPÍTULO 4: COMUNICAÇÃO CONSTRUTIVA:
UMA PROPOSTA NARRATIVA PARA O
JORNALISMO DO SÉCULO XXI
45
Louise Teixeira Diório
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo estudar a prática de comunicação construtiva,
com enfoque principal nas técnicas narrativas do Jornalismo Literário Avançado,
desenvolvido por Edvaldo Pereira Lima (2009), para traçar um panorama sobre o
desenvolvimento das atividades dos comunicadores nos dias atuais.
A partir da produção de um conteúdo transmídia, o leitor poderá acompanhar os
conceitos levantados ao decorrer do trabalho em formato de vídeo e texto em múltiplas
plataformas.
Segundo Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Fernanda Castilho (2018), narrativas
transmídia desenvolvem-se a partir de conteúdos interativos que propõe o engajamento
dos receptores, levando-os de um conteúdo ao outro para adquirir informações sobre
determinado assunto. Nesse contexto, as mídias sociais se destacam por suas múltiplas
plataformas, ferramentas, recursos e grande gama de público – podendo atingir pessoas
de maneira regional, nacional e até global.
46
Com isso, o objetivo deste trabalho transmídia e laboratorial é visitar os conceitos
do jornalista e pesquisador Edvaldo Pereira Lima a respeito do Jornalismo Literário
Avançado e da Comunicação Construtiva e, a partir disso, gerar narrativas em linguagens
de diferentes plataformas.
De caráter qualitativo e análise modesta, a presente pesquisa obteve como
metodologia referências bibliográficas a respeitos de transmídia, jornalismo literário
avançado e comunicação construtiva, além de projetos laboratoriais e experimentais de
interatividade entre diferentes plataformas. Para tal, tem-se como justificativa o avanço da
cultura digital e as novas formas de comunicação que surgem a cada dia e que movem os
profissionais constantemente à atualização e aperfeiçoamento do mercado.
Em meio a um cenário de convergência digital e de globalização a “indústria midiática
orienta-se cada vez mais pelo surgimento de formas culturais que não estão mais
baseadas em um medium, mas em um conjunto, sendo assim transferíveis de uma
plataforma para outra” (LOPES; CASTILHO. 2018, p. 42).
Portanto, para compor o conteúdo deste capítulo de e-book, foi produzido conteúdo
em mais duas plataformas: no YouTube e no portal Fala Universidades. A primeira consiste
em uma entrevista com Edvaldo Pereira Lima, dividida em três episódios: 1) Trajetória de
vida do autor; 2) O que é Comunicação Construtiva?; 3) Formas Narrativas no Jornalismo
Literário Avanço. Enquanto isso, na segunda plataforma o leitor terá disponível uma análise
da obra de não-ficção “O Mentor: a jornada inspiradora de Roberto Shinyashiki, um homem
movido por transformar a vida das pessoas” (2018), escrita por Edvaldo Pereira Lima e
publicada pela Editora Gente.
Com isso, desejo que este conteúdo contribua para a construção de conhecimento
dos profissionais da comunicação, estudantes e pesquisadores, bem como pessoas em
geral (afinal todos somos comunicadores de algo) e convido a todos os leitores para
percorrer por essas narrativas transmidiáticas e, assim, conhecer novas formas e
linguagens embasadas em uma comunicação mais positiva, consciente e responsável.
HUMANIDADES DIGITAIS E NARRATIVAS TRANSMÍDIAS
47
O conceito de Humanidades Digitais ganhou ascensão global na última década ao
ser utilizado pela primeira vez por um professor universitário estadunidense, John
Unsworth, em 2002, e reconhecido dois anos depois, após a publicação do livro
Companion to Digital Humanities. Um dos motivos que marcou o sucesso do termo foi a
gama de designações que foi abarcado em apenas um conceito, tais como: Computação
para as Humanidades, Informática Aplicada à História, Linguística Computacional,
Patrimônio e Computação, Arte Digital, dentre outras. (ALVES, 2016, p. 1)
Há diferentes conceitos e visões quanto à definição de Humanidades Digitais. Susan
Hockey define como um uma área acadêmica interdisciplinar com metodologias para
tecnologias digitais que incorporam investigações nas humanidades. Segundo Alves (2016,
p,2), “A tônica aqui assenta na sua função de agregação ou ligação, juntando várias
disciplinas das Humanidades e estas com as duas áreas da Computação e Informática”.
Contudo, Dan Cohen, com uma visão mais ampla, define o termo como estímulo para a
investigação, ensino e métodos digitais das humanidades.
O conceito de Humanidades Digitais aborda um senso de comunidade, evidenciado
com mais força após 2005, com a explosão da Web 2.0 e o advento das redes sociais
como, por exemplo: Orkut, Twitter, Youtube, dentre outras. De acordo com Alves (2016, p.3)
essas ferramentas “podem ajudar a transformar as nossas disciplinas e a nossa forma de
trabalhar, sendo a facilidade em criar redes, em partilhar resultados, em encetar trabalhos
colaborativos e interdisciplinares perspectivas a valorizar”.
Em concordância com a visão de Alves (2016), conforme publicado no The Digital
Humanities Manifesto 2.0 (tradução livre, p. 4), as humanidades digitais “defendem os
direitos dos criadores de conteúdo [...] de exercer controle sobre suas criações e evitar a
exploração não autorizada; mas esse controle não deve comprometer a liberdade de
retrabalho, crítica e uso para fins de pesquisa e educação”. Ou seja, há um senso de
comunidade latente, de contribuição e compartilhamento do conhecimento em suas
diversas área e especialidades e democratização da cultura.
48
Por meio de uma observação do comportamento social, é nítida a influência da
cultura digital na sociedade. Na atualidade estamos cercados de produtos tecnológicos dos
mais variados tipos: celular, tablete, computador, videogame, dentre outros. Do mesmo
modo em que as invenções tecnológicas permitem a conexão de milhares de pessoas às
mais variadas informações, incorpora também práticas geradas a partir dessas novas
tecnologias.
Segundo Bortolazzo (2016, p. 5), a palavra “mídia” pode ser considerada no sentido
visto em jornalismo – mídia impressa, mídia online, mídia televisa, etc. – porém, no sentido
mais abrangente da palavra, uma “mídia” pode ser considerada uma vestimenta, gestos,
expressões faciais e outros produtos culturais e institucionais.
“É possível continuar pensando a mídia nas formas descritas anteriormente,
no entanto, em vista de um cenário esboçado por mudanças efêmeras e
contínuas, as categorias assumidas são constantemente desafiadas. Um
exemplo é a transmidia, em que migrações de conteúdos e de propriedade
intelectual ocorrem através de vários meios, forçando os produtores a
colaborar uns com os outros. Outro exemplo é a hipermídia – conjunto de
meios que permite o acesso simultâneo a textos, sons e imagens de uma
maneira interativa, e no qual os usuários podem controlar a navegação.”
(Bortolazzo, 2016, p. 4)
49
Esse exemplo de transmídia pode ser visto claramente na comunicação feita
atualmente pelo jornalismo. Como ocorre, por exemplo, no jornal O Estado de S. Paulo.
Hoje em dia não basta apenas ter a notícia impressa, mas também disseminar sua
mensagem em outras plataformas digitais e, cada uma, em sua respectiva linguagem
habitual. Além do jornal impresso, o Estadão mantém o site de notícias no ar, além de
conta no Twitter, Instagram, YouTube e Facebook. Cada mídia recebe o mesmo conteúdo,
porém em formato e linguagem diferente. O jornal fica com a notícia tradicional, seguindo
o lead e a mensagem objetiva. O Twitter com pequenas frases que traduzem o conteúdo
principal e mais chamativo da pauta. O Instagram possui um vídeo interativo e um apelo
mais leve. Já o YouTube exibe os bastidores da equipe de reportagem ou os conteúdos
mais densos, porém em formato audiovisual.
Ao ponderar o exemplo do jornal O Estado de S. Paulo em relação ao conceito de
McLuhan (1997) como “o meio é a mensagem”, conferimos na prática a importância de se
comunicar com o público em suas respectivas linguagens. Ou seja, cada plataforma (meio)
necessita de uma linguagem específica. O modo de escrever (mensagem) no jornal
impresso (meio) não é o mesmo que gravar stories (mensagem) no Instagram.
Entretanto, como contraponto a esse pensamento, há a definição de Williams (1975)
que não recomenda misturar os dois termos -meio e tecnologias - em um só. De acordo
com Bortolazzo (2016, p. 9) “é verdade que está implícito no pensamento de Williams que
um meio está atravessado, de alguma maneira, pela utilização específica de uma
determinada tecnologia, quer dizer, o meio também se dá pelos usos, pelas intenções e
pelos propósitos dessas mesmas tecnologias. No entanto, um meio é mais do que a sua
tecnologia. Os meios dependem, também, das práticas.”
JORNALISMO LITERÁRIO AVANÇADO
“Viagem. O jornalismo literário é uma viagem de descoberta pelo território do
real, por todos os mundos que constituem aquilo que achamos que éa
realidade. A literatura do real muda, desenvolvendo-se dinamicamente ao
longo do tempo, como tudo o que existe. Nada é estático, apenas nossos
olhos aceitam ilusões. Tudo está em movimento. O tempo todo.” (LIMA, 2009,
p. 436)
50
Que bela metáfora para iniciar esse tópico a respeito de jornalismo literário. A
partir do momento que um repórter ou jornalista parte para o campo em busca de
desenvolver na prática suas ideias, questionamentos e curiosidades a respeito de um
assunto específico, ele começa uma verdadeira viagem para novos mundos, novos saberes,
novas pessoas e novos desafios.
Na obra “Páginas Ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e
da literatura” (2009), o autor Edvaldo Pereira Lima investiga as práticas narrativas do
jornalismo literário, desde suas origens, fundamentos, conceitos e exemplos práticos, até
estabelecer sua proposta de Jornalismo Literário Avançado para o século XXI.
Os principais alicerces do jornalismo, utilizados até hoje, foram esclarecidos por
Otto Groth a partir do século XX e correspondem a: atualidade; periodicidade;
universalidade; e difusão coletiva. Ou seja, a notícia deveria ser do momento presente; com
uma regularidade nas informações; de diferentes campos do conhecimento e da
sociedade; e circulação ampla, para todas as camadas sociais, geográficas, culturais, etc.
Em complemento, Lima (2009, 12) explica que, conforme as definições de Groth na década
de 1940, “o jornalismo serve para informar e orientar sobre os fatos da atualidade,
mantendo um vínculo de contato periódico com a audiência que é dispersa geográfica e
socialmente.”
Para Lima (2009, p. 436) a tradição do jornalismo literário traz uma bagagem bem
construída quando se trata da tecnologia narrativa, porém necessita de algumas
modificações e avanços que ampliem a consciência da espécie humana [...] abandone o
patamar vigente do pensamento simples e linear.”
Diante de uma inquietação pessoal, de alguém que observava que “a leitura de
mundo prendia-se a um viés racionalista, excessivamente cerebral e lógico, aos meus
olhos, que traduzia no fundo um entendimento raso, simplista, da realidade” (LIMA, 2013,
p. 70), surgiu a proposta conceitual intitulada por Edvaldo Pereira Lima como Jornalismo
Literário Avançado.
51
O primeiro alicerce do Jornalismo Literário Avançado corresponde a
transdisciplinaridade, movimento epistemológico que une a ciência, a arte, a filosofia e as
tradições. De acordo com Lima (2009, p. 440), “a realidade é um processo, não uma
situação estática, congelada, como nossa cultura nos quis fazer entender durante séculos.”
Em seguida há os aportes: da física quântica, a partir de princípios metafóricos que
apresentam compreensões sutis e concretas a respeito da realidade; dos campos
morfogenéticos, que advém da biologia e corresponde a uma ligação não racional entre
espécies; da psicologia humanista, a partir de conceitos psicossíntese de Roberto Assaglioli
e Carl Gustav Jung; e por fim da jornada do herói, criada a partir de estudos de Joseph
Campbell e Jung, sistematizada por Christopher Vloger.
Pode-se dizer que diante da proposta do Jornalismo Literário Avançado, o objetivo
principal é impulsionar a prática de narrativas de transformação “capazes de estimular a
ampliação de consciência do leitor” (LIMA, 2009, p. 444).
No tópico a seguir, abordaremos maneiras narrativas e de linguagem para produzir
conteúdos menos destrutivos e que desempenhem um papel social transformativo.
NARRATIVAS PARA UMA COMUNICAÇÃO CONSTRUTIVA
“Não basta, hoje, diante dos problemas sérios que o mundo atravessa,
exigindo respostas eficazes baseadas numa nova visão da realidade, que as
narrativas fiquem presas a apenas relatar as misérias da sociedade ou o lado
sombrio das pessoas, como faz boa parte da mídia periódica, assim como
uma parcela dos livros-reportagem. Não serve ficarmos embevecidos pelo
componente estético de uma boa narrativa, apenas, sem nos perguntarmos
também “para que serve, que função está cumprindo do elevar, de fato, o
nível de entendimento do leitor?” Não basta criticar, apontar mazelas. Isso é
um papel importante, mas precisamos dar um salto além.” (LIMA, 2009, p.
445)
A Comunicação Construtiva pode ser encontrada nas áreas da educação e
empresarial, assim como na comunicação em geral, seja ela profissional ou da vida
cotidiana. No caso deste artigo, focaremos nos conceitos levantados por Edvaldo Pereira
Lima a partir do Jornalismo Literário Avançado que em geral abrange o conteúdo para
comunicadores de diferentes áreas, porém nos atentaremos apenas ao jornalismo.
52
O conceito de Comunicação Construtiva tem sido pesquisado e elaborado por
Edvaldo Pereira Lima desde a década de 1980, inserido a princípio em sua tese intitulada
de Jornalismo Literário Avançado.
Segundo Lima (2020) a Comunicação Construtiva “é uma arte narrativa centrada
na pessoa” e, para entender e compreender melhor os personagens de uma determinada
história, sejam eles reais ou baseadas na realidade, “convém ao comunicador ampliar seus
processos de percepção e criação, desenvolvendo seu poder cognitivo. Isso inclui, além do
pensamento, a inteligência emocional, a intuição e outros prováveis sentidos mais sutis.
Isto significa que o desenvolvimento das habilidades profissionais caminha ao lado da
ampliação do autoconhecimento”.
Como este e-book tem caráter transmídia, antes de continuar a leitura, assista a
seguir a entrevista com o professor universitário, jornalista e escritor, Edvaldo Pereira Lima,
dividida em três episódios:
Edvaldo Pereira Lima: Trajetória de Vida | Parte 1 de 3
53
O que é Comunicação Construtiva? | Parte 2 de 3
Há duas formas narrativas no conceito de Jornalismo Literário Avançado de enxergar
de modo prático a capacidade da comunicação construtiva na trajetória de vida de
pessoas: biografia e perfil.
De forma simplificada e sucinta, a biografia tem o objetivo de narrar a vida de um
determinado personagem sem se ater muito aos detalhes. De modo geral, foca em uma
trajetória de vida dentro da cronologia e superficialidade, traçando aspectos de
nascimento, vida e morte. Enquanto isso, o perfil se propõe a ir mais a fundo, a
compreender tão bem o protagonista de modo que seu perfil psicológico seja traçado. Ou
seja, vai além do nascimento, vida e morte e caminha pelo contexto em que a história
acontece, os valores daquele indivíduo, seus medos, fracassos, alegrias e sucesso.
Para exemplificar com maior clareza as diferenças narrativas entre biografia e perfil,
elaborei uma análise a respeito da obra “O mentor: a jornada inspiradora de Roberto
Shinyashiki, um homem movido por transformar a vida das pessoas” (2018), escrita por
Edvaldo Pereira Lima e publicada pela Editora Gente.
A respectiva obra de não ficção possui um caráter textual híbrido e entrelaça as
técnicas narrativas - biografia e perfil - em uma só. Para ler, acesse o site do portal Fala
Universidades:
54
A vida por trás do “fenômeno Shinyashiki”
Acesse o Link.
Em seguida, assista ao 3º episódio da entrevista com Edvaldo Pereira Lima e saiba
mais sobre o processo criativo por trás do livro-reportagem:
Jornalismo Literário Avançado | Parte 3 de 3
CONSIDERAÇÕES FINAIS
55
Segundo LIMA (2009, p. 445), é necessário “nivelar os olhos, apertar as mãos e
ultrapassar as barreiras do preconceito.” Como? De acordo com o autor (ibidem), ousando
“mergulhar no mundo novo que se descortina com os novos paradigmas em ascensão.” A
exemplo, considera como algo do “passado” elevar as celebridades apenas por seus status
vazios e sugere como alternativa narrativas reais, que “escapem da futilidade do pão e
circo” e “abandonem o território auto-repetitivo das comezinhas lutas de poder habitantes
dos palácios de Estados e governantes obtusos.”
A partir da presente pesquisa, nota-se a importância da comunicação na cultura
digital. Inserida na dinâmica das Humanidades Digitais, a prática da comunicação, com
enfoque principal nas técnicas narrativas do Jornalismo Literário Avançado desenvolvido
por Edvaldo Pereira Lima (2009), traz para discussão o desempenho dos comunicadores
na emissão das mensagens. Alicerçada em pilares que tornam a prática de jornalismo mais
equilibrada, a Comunicação Construtiva oferece novos modos de enxergar o mundo e
transmitir notícias. Vai além de notícias boas. Traz à tona reflexões sobre como atuamos na
profissão e se estamos fazendo bem ou mal às pessoas ou, melhor, como diz um famoso
provérbio, se geramos vida ou morte com a mensagem que emitimos ao mundo.
REFERÊNCIAS:
ALVES, Daniel. As Humanidades Digitais como uma comunidade de práticas dentro do
formalismo académico: dos exemplos internacionais ao caso português. Ler História
[online], n.69, 2016. Disponível em: http://journals.openedition.org/lerhistoria/2496>
Acesso em 20 ago 2020.
BORTOLAZZO, Sandro Faccin. O Imperativo da Cultura Digital: entre novas tecnologias e
estudos culturais. Caderno de Comunicação: Universidade Federal de Santa Maria, v. 20,
n. 10, art. 1, p1., 2016.”
CASATTI, Denise. Ferramentas de Comunicação ajudam a sociedade a enfrentar a
pandemia, medo e intolerância. São Carlos: Jornal da USP, 23 de jun de 2020. Disponível
em: <http://www.saocarlos.usp.br/ferramentas-de-comunicacao-ajudam-sociedade-aenfrentar-pandemia-medo-e-intolerancia/> Acesso em 29 de out de 2020.
56
CASTILHO, Fernanda; LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Recepção transmídia:
perspectivas teóricometodológicas e audiências de ficção televisiva online. São
Paulo: Galáxia ECA-USP, n. 39, set/dez de 2018. Disponível em
<https://doi.org/10.1590/1982-255435151> Acesso em 29 de out de 2020.
LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas: o livro-reportagem como extensão do
jornalismo e da literatura. 4ª ed. Barueri, São Paulo: Editora Manole, 2009.
______. O mentor: a jornada inspiradora de Roberto Shinyashiki, um homem
movido por transformar a vida das pessoas. São Paulo, Editora Gente, 2018.
______. Comunicação Construtiva para uma sociedade mais consciente. São Paulo:
LinkedIn,15 de mai de 2020. Disponível em:
<https://www.linkedin.com/pulse/comunica%C3%A7%C3%A3o-construtiva-para-umasociedade-consciente-pereira-lima-1f/> Acesso em 29 de out de 2020.
The Digital Humanities Manifesto 2.0. 2019. Disponível em:
<file:///C:/Users/samsung/Documents/Mestrado/2%20sem/Humanidades%20digitais/Aula
%202/Manifesto_V2.pdf> Acesso em 20 ago 2020.
TELLES, Heloysa Viana. História Digital, Sociologia Digital E Humanidades Digitais:
Algumas questões metodológicas. Revista Observatório, Vol. 3, nº 4, 2018. Disponível
em: <https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/observatorio/article/view/3810>
Acesso em 20 ago 2020.
CAPÍTULO 5: FESTIVAIS DE CINEMA EM TEMPOS
PANDÊMICOS: AS NOVAS EXPERIÊNCIAS EM
PLATAFORMAS VIRTUAIS
57
Davi Marques Camargo de Mello
INTRODUÇÃO
O cinema sempre se estendeu para além do aparato de registro, e, sendo assim,
institucionaliza-se como atração coletiva e ritualística – a sala escura, a projeção, a mímese
em sombras – e comercial – a venda de ingressos, bebidas, pipocas e doces, além da
exploração publicitária que antecede os filmes. Ao longo dos anos, trava concorrência com
equipamentos domésticos e autônomos, da televisão ao videocassete, do computador ao
smartphone, e revisa sua produção, distribuição e cadeia mercadológica com o advento
digital.
Com a generalização das telas, novos modos de assistir a um filme são implantados
cotidianamente, seja no aparelho celular, ou numa sala expositiva de uma galeria. A
migração de um filme para espaços museológicos, por exemplo, passa por uma nova
mutação, a qual Philippe Dubois chama de efeito cinema, isto é, a presença da imagem
cinematográfica em variadas instalações de arte contemporânea, um mecanismo de
desterritorialização do cinema: o deslocamento de sua práxis – o princípio da caverna
platônica – para uma disposição espacial diferenciada, de circulação, interatividade e
contemplação. Desse modo, o filme de galeria continua carregando a gramática identitária
do cinema (seus códigos, narrativas, desenrolar de imagens e montagem), mas ocupa uma
58
câmara de exposição-instalação cujo trajeto é raramente linear, permitindo que o
espectador se torne um flâneur, ou, como define Dubois, um andarilho-narrador, capaz de
criar suas próprias narrativas à medida de seu percurso (DUBOIS, 2009, p. 211).
Se durante uma exposição perdemos a experiência clássica do cinema, do
espectador passivo defronte à projeção de imagens numa sala escura, ciente de que
assistirá a um filme sem interrupções, um filme que foi pago para aquele horário específico
e condizente à programação já definida de seu alojamento, o quanto absorvemos com a
experiência doméstica? As plataformas digitais também estariam passando por um efeitocinema? Por certo, é um questionamento que se alimenta com o crescimento exponencial
de serviços de streaming, da Netflix e a Amazon Prime às mais recentes Apple TV e Disney+.
Como bem irozinam André Grandreault e Philippe Marion, pesquisadores sobre
a genealogia das mídias, “o cinema nunca termina e morrer... Ou, dito de outra forma, e
melhor, o cinema não cessaria nunca de se ver declarado morto!” (2016, p. 40). Ainda que
ressurja dentro de suas especificidades, os seus formatos de produção e difusão estão em
constantes transformações com a hibridização dos meios.
Da proliferação dos televisores à generalização do controle remoto, o ato de
assistir a um filme não se reduziu a uma experiência linear, sendo cada vez mais
fragmentária. Sendo assim, no ano de 2020, momento em que o todo o mundo enfrenta
uma de suas maiores crises sanitárias, a pandemia do vírus Covid-19, alguns desses
apontamentos entraram novamente em discussão, uma vez que a paralisação da indústria
cinematográfica afetou a todos os seus setores.
Seguindo as normas da Organização Mundial da Saúde (OMS) (INDÚSTRIA..., 2020),
como forma de conter a propagação do vírus, salas de cinema em todo o mundo foram
fechadas, como também ocorreu com os teatros, museus, centros culturais e demais
estabelecimentos que não são definidos como serviços essenciais, sob o risco de
aglomeração social e potencial contaminação.
59
Com a facilidade do digital, no entanto, novos métodos de produção são
experimentados diariamente. Em pouco mais de sete meses de quarentena, peças teatrais
tem sido exibidas diretamente da casa de seus atores por intermédio de redes sociais. O
mesmo ocorre com a produção de curtas e longas-metragens independentes, assumindo
sua condição de isolamento. É o caso, por exemplo, do Programa Convidar [1], promovido
pelo Instituto Moreira Salles, no qual mais de 120 artistas individuais e coletivos foram
convidados a apresentarem suas visões e criações neste período de pandemia. Artistas
importantes participaram do projeto, como a cineasta e dramaturga Grace Passô, a atriz e
diretora Júlia Katharine, o cineasta Karim Aïnouz, entre outros.
Já o longa britânico Host (2020, Rob Savage), foi um dos maiores sucessos da
plataforma Shudder, serviço on demand especializado em produções de horror. Simulando
uma videochamada no programa Zoom, aplicativo de conversas online que se popularizou
neste período do vírus, o filme possui 57 minutos e levou 12 semanas para ser feito. As
filmagens duraram cinco dias e foram os próprios atores que prepararam os cenários, suas
maquiagens e demais elementos de produção (DENCK, 2020).
Se por um lado as produções encontram maneiras de continuarem sua atividade,
certamente a maior dificuldade continua sendo ao que se refere à distribuição. Os festivais
de cinema, importantes vitrines e mercados para novos filmes, vivem um momento de
experimentações e adaptações. Um festival de cinema não explora comercialmente um
filme, mas certamente ajuda-o a encontrar o seu público e potenciais distribuidores. A
exibição física garante uma exclusividade à obra, além de permitir uma maior integração
com o mercado: um selo de festival valoriza e legitima um filme como arte e produto.
No entanto, ainda que festivais tradicionais e conceituados sejam resistentes a uma
iniciativa online, diversos eventos cinematográficos adotaram o formato virtual e
alcançaram bons resultados, como o Festival Internacional de Curtas-Metragens de
Oberhausen (Alemanha), o mais importante quando se refere a curtas-metragens, e o
Visions du Réel, consagrada vitrine de documentários da Suíça (MELLO, 2020) . As exibições
foram abertas em segmentos diferentes para não prejudicarem o lançamento de seus
filmes em salas de cinema após o fim da pandemia. Oberhausen cobrou uma taxa de € 9
para acesso completo a mais de 350 filmes, enquanto o Visions du Réel limitou suas
exibições aos profissionais do mercado, servindo, então, como plataforma de negócios –
embora tenha disponibilizado alguns filmes de edições
[1] Disponível em https://ims.com.br/convida/. Acesso em: 04 novembro 2020.
60
anteriores com acesso livre em seu site.
Outro projeto que obteve um bom retorno de público ocorreu em maio. O We Are
One: A Global Film Festival reuniu mais de vinte festivais de cinema de todo o mundo e
transmitiu dezenas de filmes em um canal próprio no YouTube. As produções exibidas
passaram por curadorias dos festivais de Cannes, Berlim, Veneza, Tribeca, entre outros
conceituados eventos cinematográficos. Por mais que as exibições fossem gratuitas, a
iniciativa da Tribeca Enterprises obteve doações dos espectadores, destinadas ao Fundo de
Reação de Solidariedade da Covid-19 da Organização Mundial da Saúde (OMS) (MAIORES…,
2020).
Diante de tal perspectiva, é um avanço para a Cultura Digital, já que uma prática
social recebe um novo significado com o advento digital e tecnológico, ampliando redes
culturais. Como explica Sandro Bortolazzo, “as Novas Tecnologias de Comunicação e
Informação não só incitam as formas pelas quais enxergamos e experimentamos o mundo,
mas produzem e são os próprios produtos da sociedade em que vivemos” (BORTOLAZZO,
2016). A expansão geográfica desses festivais é o que garante um maior engajamento de
público e crítica. As plataformas digitais encontraram um novo espaço de visionamento de
produções audiovisuais inéditas, fornecendo segurança e serviços de qualidade.
OS FESTIVAIS BRASILEIROS DURANTE A PANDEMIA
Observando o bom êxito dos festivais internacionais que migraram sua programação
física para o ambiente virtual, festivais brasileiros também apostaram no formato para
manterem suas edições em 2020. Um dos primeiros a adotar uma programação online foi
o Curta Taquary - Festival Internacional de Curtas Metragens de Taquaritinga do Norte. Em
sua 13ª edição, o festival recebeu a inscrição de 774 filmes, dos quais 82 foram
selecionados e programados em sete mostras competitivas, disponibilizadas de 22 a 25 de
abril no site do evento (FESTIVAL..., 2020).
Inicialmente, os festivais que experimentaram uma programação virtual ainda
pesquisavam as melhores formas de disponibilização dos filmes. O Curta Taquary, o Curta
Caicó, o Guarufantástico, o Cine Tamoio, entre outros, aproveitaram os próprios links de
visionamento fornecidos pelos realizadores e produtores dos filmes selecionados. Sendo
61
assim, não houve um aluguel de plataformas específicas para a hospedagem dos curtasmetragens, os quais foram vinculados aos sites dos festivais a partir de endereços
hospedados em players do Vimeo ou do YouTube.
O ineditismo é uma das obrigatoriedades de muitos festivais de cinema. Existem
normas específicas quanto à geolocalização das exibições, aos números de visualizações
(caso o filme tenha sido exibido online), e, principalmente, quanto ao vazamento das
produções. Pensar em medidas que assegurem o deferimento dos filmes em festivais de
programações físicas contribui com as negociações entre os organizadores dos eventos e
os produtores das obras audiovisuais. Vídeos hospedados em plataformas livres e
gratuitas como Vimeo, Dailymotion e Youtube são facilmente pirateados com o auxílio de
extensões de navegadores de internet, além de aplicativos e sites que dispensam
instaladores. Para a segurança das produções, espera-se que o material esteja hospedado
em uma plataforma criptografada, dificultando compartilhamentos externos.
O XVI Fantaspoa – Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre, principal
vitrine dedicada ao cinema de gênero fantástico na América Latina, adotou maiores
medidas de segurança. Todos os 138 filmes selecionados e advindos de mais de 35 países
foram disponibilizados na plataforma Darkflix, serviço de streaming especializado em filmes
de horror, fantasia e ficção científica. Além de restringir a programação apenas para
usuários localizados em território brasileiro, o visionamento dos filmes exigia um cadastro
prévio. Também foi definido um número limite de visualizações por filme. Ao atingir cinco
mil visualizações, independente se o título alcançasse esse número antes do fim do evento,
o mesmo ficaria indisponível para exibição (XVI..., 2020).
Segundo os diretores e produtores do Fantaspoa, João Fleck e Nicolas Tonsho, a
edição online do festival foi a mais desafiadora em todos os dezesseis anos de sua
trajetória:
Depois de nove anos sendo patrocinado, o Fantaspoa não recebeu nenhum
patrocínio neste 2020, tendo que recorrer ao financiamento coletivo e
aportes próprios. Entretanto, e por meio de diversas parcerias, foi possível
realizar a edição mais inclusiva do festival, resultando na maior audiência de
sua história: somando todas as atividades oferecidas, o conteúdo do
Fantaspoa foi acessado por aproximadamente 67 mil pessoas de todo o
Brasil - o que representa mais de seis vezes o número de espectadores do
festival do ano passado, no formato presencial (FLECK, TONSHO in
FANTASPOA..., 2020).
62
Um dos benefícios de um evento virtual é a descentralização das exibições e a
expansão da programação para localidades diversas. Dessa maneira, ocorre um processo
que visa a democratização do acesso aos filmes. Se por um lado perde-se o contato
coletivo dentro da sala escura ou de um auditório, o ambiente virtual facilita o acesso em
regiões onde sequer existem salas de cinema.
Os festivais também costumam ser importantes pontos de encontros e debates
entre realizadores e o público. A burocracia de se levar membros da equipe aos festivais
coincide, também, com planejamentos logísticos e orçamentários, ao que incluem gastos
com passagens, traslados, estadias e alimentação dos convidados. O formato online, por
sua vez, reduz os custos da produção desses encontros. Exibidos nas mais diversas
plataformas e redes sociais, frequentemente em mais de uma rede simultâneamente, os
debates virtuais são igualmente interativos – os espectadores podem fazer perguntas no
chat das plataformas e os mediadores as conduzem aos entrevistados. De todo modo, o
dinheiro antes previsto para viagens, debates e demais encargos relacionados, agora é
investido em suportes tecnológicos para assegurar programações virtuais.
A verba de um festival é obtida por editais públicos e leis de fomento, além de
parcerias e patrocínios de empresas privadas. O interesse perpassa o incentivo à cultura, a
garantia de renúncia fiscal ou a veiculação de uma marca ao evento, situação esta que
beneficia os patrocinadores com divulgações em materiais promocionais dos festivais. Sua
promoção auxilia o processo de formação de uma audiência qualificada, visando o sucesso
de público. Eventos mais antigos e tradicionais mobilizam milhares de pessoas anualmente,
como o Festival de Cinema de Gramado, Festival do Rio e a Mostra Internacional
de Cinema de São Paulo, alguns dos mais importantes festivais de cinema do país. Sendo assim,
os festivais são produtos rentáveis não só para a indústria audiovisual, como também para o
turismo local.
Rafael Carniel, presidente da Gramadotur, autarquia municipal de Turismo e Cultura,
comentou sobre a adaptação atípica do Festival de Cinema de Gramado:
63
Neste ano de pandemia, a gente manteve o Festival de Cinema de Gramado
em respeito a uma indústria que gera R$ 25 bi de faturamento, quase 2% do
PIB brasileiro. É um mercado que antes da pandemia crescia em média 7%,
até mais do que o turismo. São aproximadamente 13 mil empresas que
geram em torno de 300 mil postos de trabalho. São cerca de 100 profissões
ligadas à indústria do audiovisual. Mas mais do que isso eu pergunto: qual o
valor da indústria que muito além de gerar números, toca a vida das pessoas?
No contexto de pandemia ela tem formado opiniões, tem tirado o mundo da
ignorância, interrompido a cegueira sobre a realidade do outro. Qualificado,
emocionado, aliviado a dor das pessoas (CARNIEL in KING..., 2020).
A 48ª edição do Festival de Gramado adotou um sistema de multiplataformas. Os
espectadores acompanharam os 51 filmes concorrentes, entre longas e curtas-metragens,
pela programação do Canal Brasil e pelo seu serviço de streaming. As transmissões dos
longas nacionais da Mostra Competitiva foram únicas e exclusivas para assinantes do
canal, enquanto os longas gaúchos e os curtas-metragens nacionais ficaram por mais
tempo na plataforma online. Ocupando o chamado “horário nobre” (entre 20h e 21h), cada
sessão que integrou a grade do Canal Brasil foi composta por por um curta-metragem e
um longa em competição, antecedidos por um vídeo de apresentação com depoimentos
de seus realizadores.
Para André Saddy, diretor geral do Canal Brasil, a adaptação do Festival de Gramado
contribuiu com o debate sobre a democratização do acesso, além de aproximar o público
da experiência de um festival de cinema.
Temos a clara sensação de estar escrevendo a história e comemoramos
juntos a edição mais popular do festival. Como se convidássemos todos que
acompanham a cada ano o tapete vermelho e fãs do cinema brasileiro
espalhados por todo país para dentro do Palácio dos Festivais (SADDY in
KING..., 2020).
64
Simular uma programação de cinema semelhante ao de um espaço físico, ou seja,
com filmes projetados em horários específicos, também foi uma solução encontrada para
aproximar a experîencia virtual da sala de cinema. À contracorrente de algumas mostras
que disponibilizaram todos os títulos de uma só vez para serem vistos a qualquer hora do
dia, o 25º Festival É Tudo Verdade, importante festival de documentários sediado em São
Paulo e Rio de Janeiro, disponibilizou os filmes de sua programação em dias e horários
definidos em uma grade de programação. Com acesso gratuito, o espectador necessitava
ter um cadastro na plataforma Looke, serviço de streaming que hospedou os títulos desta
edição. Amir Labaki, diretor do festival, assinala que é crescente essa tendência em
solidificar parcerias entre a televisão a cabo, os serviços de streaming e o produtor
independente de documentários, favorecendo não só a sua circulação como também a
coprodução desses filmes (LABAKI in PRINCIPAIS..., 2020).
Outro já tradicional festival que faz parte calendário da cidade de São Paulo, o Curta
Kinoforum (Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo), também firmou parceria
com uma plataforma virtual, a InnSaei.TV, inaugurada com a edição online do festival.
Seguindo a linha programática, o Curta Kinoforum planejou duas sessões de cada uma de
suas mostras, as quais compunham quatro a oito curtas-metragens – a depender de suas
durações – que ficavam disponíveis para visionamento durante 24h. Entre os dias 20 e 30
de agosto de 2020, foram exibidos 212 filmes de 46 países, além de lives com importantes
nomes do cinema brasileiro: Laís Bodanzky, Tata Amaral, Anna Muylaert, Jorge
Furtado e Beto Brant (MERTEN, 2020).
Em setembro, a mineira CineOP - Mostra de Cinema de Ouro Petro também migrou
sua programação para o ambiente online. A 15ª edição do evento foi recordista de público,
somando mais de 100 mil acessos vindos de 54 países. A mostra teve uma ampla
programação, contemplando shows, lives, debates e oficinas sobre os três eixos centrais da
programação: Preservação, História e Educação. Segundo a organização do festival, foram
contratadas 69 empresas que atuaram na prestação de serviço para a CineOP, e estima-se
que foram gerados mais de 500 empregos diretos e indiretos, o que reforça a importância
e a rentabilidade da cultura (15ª..., 2020). Como declara Raquel Hallak, coordenadora geral
da mostra e diretora da Universo Produção,
65
A Universo Produção conseguiu realizar todas as atividades previstas para a
edição presencial. Assim, tanto o público que já conhecia a CineOP, quanto
aqueles que nunca puderam ir à mostra estão tendo a oportunidade de
desfrutar de uma programação diferenciada e conceituada, já que é a única
Mostra de Cinema dedicado à preservação, história e educação realizada no
país e no mundo. Em 2020, a CineOP continua forte, convicta de seu
propósito de tratar cinema como patrimônio e ser um empreendimento de
reflexão e luta pela salvaguarda do rico e vasto patrimônio audiovisual
brasileiro em diálogo com a educação e em intercâmbio com o mundo
(HALLAK in 15ª..., 2020)
Para quem realiza um festival de maneira independente, no entanto, a adaptação
para o virtual foi mais do que um susto. Pedro Tavares, cineasta, curador e diretor do
Festival Ecrã de Experimentações Audiovisuais (Rio de Janeiro), cuja programação acolhe
propostas
experimentais nos formatos de vídeo, filme e instalações, revela que todo o planejamento
do festival, previsto para julho, teve de ser cancelado. “Isso incluí vindas de convidados,
palestras e, o principal, o patrocínio.” (TAVARES, 2020).
Por outro lado, Tavares decidiu realizar o festival com recursos próprios, buscando
soluções para convencer os realizadores a manterem os seus filmes na programação,
ainda que virtualmente.
Alguns filmes/realizadores/produtores optaram por não ter o filme no festival
por escolherem esperar o retorno dos cinemas e a experiência clássica de
cinema, o que pode prejudicar a carreira do filme, pois estamos mais
próximos de 2021 e a única saída foi, de fato, ir para o formato online. Foram
poucos, a maioria entendeu e aceitou exibir online e fizemos o possível para
coagir qualquer tipo de vazamento de filmes (TAVARES, 2020).
Além de uma navegação de design elegante e eficiente, a criptografia de segurança
do Festival Ecrã foi um diferencial dentre outras mostras e festivais. Hospedados em players
próprios e não vinculados à plataformas livres, os experimentos audiovisuais só podiam ser
acessados após um rápido cadastro que registrava e-mail, nome e IP do usuário. Ao dar
play em um vídeo, estes dados coletados pelo servidor ressurgiam na tela do espectador,
como marcas-d’água. Com isso, caso o espectador usasse algum programa de captação de
tela para copiar os filmes, o arquivo gerado viria com todas essas informações pessoais
embutidas na imagem. Em contrapartida, nas redes sociais, enquanto internautas
elogiavam o sistema de segurança do festival , outros usuários
66
reclamavam da frequência com que as marcas-d´água surgiam na imagem, alegando
serem elementos de distração durante o visionamento dos filmes.
Pedro Tavares ainda reforça que a migração para a web fez com que mais pessoas
descobrissem o Festival Ecrã, e, por conseguinte, os filmes que compuseram sua
programação.
A internet tem a vantagem de amplitude desses impactos. Tudo que
recebemos fomos em dobro, triplo. Um filme como Sertânia[2], por exemplo,
foi assistido por 4 mil pessoas no festival. Isso significa que todas as sessões
presenciais do festival estariam lotadas e todas estariam com Sertânia na
tela. As respostas foram imediatas via Facebook, Twitter e Instagram. Sabíamos
o que funcionava, ou não, ali, na hora mesmo, e dava para ajustarmos para
uma próxima atração, no caso das lives e debates (TAVARES, 2020.
O alcance de filmes brasileiros foi um destaque nessa rápida expansão de festivais
durante a pandemia. Os eventos online ajudaram a divulgar produções que estavam há
muito tempo prontas e que não conseguiram espaços de exibição, ou que foram afetadas
pelo adiamento de suas estreias no circuito comercial. Cabeça de Nêgo (2020, Déo Cardoso)
foi um dos filmes mais comentados da Mostra Tiradentes SP 2020. A oitava edição do
festival, prevista para acontecer presencialmente entre 26 de março e 1º de abril no
Cinesesc, precisou ser adiada por conta do isolamento social, ganhando uma versão online
na primeira semana do mês de outubro. A programação gratuita foi disponibilizada na
plataforma Sesc Digital.
[2] Sertânia (2019, Geraldo Sarno).
67
O boca-a-boca provocado por Cabeça de Nêgo incentivou que novos espectadores
procurassem pelo filme em outro festival que o acolheu, o Olhar de Cinema de Curitiba.
Por mais que as sessões do Olhar fossem pagas (R$ 5,00 o ingresso digital), muitos dos
títulos da programação esgotaram rapidamente. Com geolocalização restrita ao Brasil e
com um limite de visualizações bem abaixo das políticas adotadas por outros festivais,
contando com cerca de 150 ingressos por sessão, o Olhar de Cinema foi o evento que mais
chegou próximo das diretrizes de uma sala de cinema, pensando a limitação de poltronas.
Eduardo Valente, curador de longa-metragens do Olhar, disse que desde março,
quando os primeiros festivais internacionais sinalizavam adiamentos ou adaptações em
versões digitais, a organização do festival começou a estudar as melhores formas de uma
possível migração. De abril a julho, observaram as experiências de outros festivais, como o
Festival Ecrã e o Kinoforum, para colherem opiniões não só como organizadores, mas
também como espectadores.
Foi necessário retomar do zero, desde a questão da detenção dos direitos
dos filmes, até pensar todas as decisões de como exibir online. Desde
escolher a plataforma, saber como ela funciona e quais são as questões
práticas que a envolvem, como o pagamento de ingresso e a coleta do cartão
de crédito, até o acesso aos dados de segurança dos filmes (VALENTE, 2020).
Valente também revela que poucos produtores desistiram de ceder seus filmes à
seleção, pois tanto os realizadores quanto os detentores dos direitos das produções
perceberam que a única alternativa de fazer as obras circularem este ano – e a isso não se
restringe apenas o Brasil – seria no formato online. Para isso, investiram numa plataforma
de alta capacidade e qualidade de exibição.
68
Isso implica em uma questão que muitas vezes passa desapercebida das
pessoas de fora, mas que é muito importante. A maioria dos festivais já
vinham encontrando dificuldades bem grandes de financiamento nos últimos
anos para a sua realização normal. A realização online implica em outros
gastos, que tem a ver com segurança, armazenamento de informação (...), e,
principalmente, com a qualidade do streaming. Posso garantir que foi um
trabalho de muita pesquisa do Olhar, observando experiências anteriores (...),
para garantir que os filmes não travassem durante sua exibição. Isso para
nós era central, pois seria inaceitável em uma sala de cinema se as pessoas
pagassem um ingresso e o filme fosse mal exibido. Logo, no festival online
isso também é inaceitável. Isso tudo necessita de um investimento financeiro
razoável, e geralmente é um investimento feito com empresas do exterior,
principalmente no que implica armazenamento e capacidade de
processamento, o que significa gastos em dólar e gastos em euro (VALENTE,
2020).
Além das sessões virtuais, à medida que algumas salas são reabertas seguindo
rígidas políticas de segurança, alguns países voltam à experiência de um cine drive-in,
prática não muito comum no novo século, mas de muito sucesso nas décadas de 1950 e
1960. São projeções ao ar livre, geralmente em parques ou estacionamentos, onde os
espectadores assistem aos filmes de dentro de seus veículos, reduzindo o risco de
contágio do vírus (MELLO, 2020). A nova tendência já chegou inclusive no Brasil, como o
Belas Artes Autorama Drive-in, em São Paulo. Como aponta a jornalista Juliana Domingos de
Lima, no mundo pós-pandemia, tal prática pode ser estudada para outros eventos, como
formaturas, cultos de igrejas e shows musicais (LIMA, 2020).
Polyana Zappa, diretora do Cinefest Gato Preto, mostra de cinema que ocorre
anualmente na cidade de Lorena (São Paulo), conta que a edição de 2020 procurou manter
a essência das sessões físicas, como os debates com os realizadores após a exibição de
seus filmes – dessa vez por intermédio de lives –, e a garantia de duas sessões presenciais
em um cine drive-in.
No caso do Cinesfest Gato Preto, vamos manter o formato semelhante ao
presencial. (...) O que tivemos de diferente foram duas sessões, 15 dias antes
do festival, no Cine Drive-in (sábado e domingo) com uma hora de duração.
Foram selecionados oito curtas e quatro videoclipes para este "esquenta". (...)
Acredito que o hibridismo será adotado por diversos festivais. Provavelmente,
teremos o presencial e online casados nas próximas edições do Cinefest Gato
Preto, pois as vantagens do virtual são bem-vindas, mas o presencial é
fundamental para nosso festival. Vamos encontrar caminhos com a
convergência entre o virtual e o presencial, sem que percam as suas
particularidades (ZAPPA, 2020).
69
Assim como o Cinefest Gato Preto, outros festivais nacionais incluíram em sua
programação ao menos uma exibição em cine drive-ins. A 44ª Mostra Internacional de Cinema
de São Paulo, além de disponibilizar 198 filmes em multiplataformas [3], também contou
com projeções no Belas Artes Autorama Drive-in e no CineSesc Drive-in. A tradicional exibição
de encerramento no Parque do Ibirapuera, no entanto, foi adaptada.
Foi criada uma estrutura de Bike-in na área externa do parque, cumprindo todos os
protocolos de segurança das autoridades sanitárias. A cerimônia de encerramento contou
com a entrega do Troféu Bandeira Paulista aos filmes vencedores e aos homenageados da
edição. Após a cerimônia, o público conferiu a estreia nacional do longa-metragem Another
Round (2020, Thomas Vinterberg). A sessão foi realizada em parceria com a Spcine e a
Secretaria Municipal de Cultura (CERIMÔNIA..., 2020).
[3] Mostra Play (R$6,00 cada filme), Spcine Play e Sesc Digital (gratuitos).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
70
Até o fechamento deste artigo, pelo menos 25 festivais nacionais de cinema
adotaram uma programação virtual no ano de 2020, e outros seis importantes festivais
estão por acontecer, como o Festival do Rio (Rio de Janeiro), o Indie Festival (São Paulo), o
Festival de Vitória (Espírito Santo), o Kinoarte (Paraná), o Festival Mix Brasil (São Paulo) e o
Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo (São Paulo).
Isso comprova que a procura pelos filmes e festivais online tem se intensificado,
como também que essa fórmula pode chegar a sua exaustão, uma vez que mais de um
evento digital acontece seguidamente, ou de forma simultânea. O hibridismo será uma
tendência, um importante alicerce no que tange principalmente aproximações geográficas,
todavia, ainda passará por revisões e novas experimentações de formatos. A experiência
em uma sala de cinema, portanto, não é substituída unicamente por encontros virtuais. O
cinema afirma a sua necessidade de contato social e coletivo.
Como sinalizam diversos festivais no Brasil e no mundo, a partir do próximo ano
parte de suas programações continuarão no ambiente online. A democratização das
imagens é um tema imprescindível nestes tempos pandêmicos, no entanto, é necessário
pensarmos para além do alcance; é necessário pensarmos na desigualdade do acesso,
também, aos suportes, propondo novas políticas de inclusão aos meios digitais. O Brasil
não dispõe de uma estrutura tecnológica facilitada para todos. O acesso aos suportes de
exibição, aos dispositivos portáteis e computadores com conexão à internet, ainda não é
uma realidade na casa de milhões de brasileiros e estudantes. Portanto, se não há acesso
sequer ao ensino híbrido, a arte também não encontra a sua moradia.
REFERÊNCIAS:
15ª CINEOP REGISTRA ALCANCE DE MAIS DE 100 MIL ACESSOS DE 54 PAÍSES EM CINCO
DIAS DE EVENTO. [S. l.], 2020. Disponível em: https://cineop.com.br/noticia/15a-cineopregistra-alcance-de-mais-de-100-mil-acessos-de-54-paises-em-cinco-dias-de-evento/.
Acesso em: 1 nov. 2020.
BORTOLAZZO, Sandro. O imperativo da cultura digital:: Entre novas tecnologias e estudos
culturais. Host: filme de terror gravado no Zoom vira febre na internet, Santa Maria,
v. 20, ed. 1, p. 1-24, 24 jan. 2016. DOI http://dx.doi.org/10.5902/2316882X22133. Disponível
em: https://periodicos.ufsm.br/ccomunicacao/article/view/22133. Acesso em: 1 set. 2020.
71
CERIMÔNIA de encerramento e premiação da Mostra acontece no dia 4 com exibição de
Another Round. [S. l.]: Jornal da Mostra, 1 nov. 2020. Disponível em:
https://44.mostra.org/jornal-da-mostra/encerramento-44a-mostra. Acesso em: 4 nov. 2020.
DENCK, Diego. Host: filme de terror gravado no Zoom vira febre na internet. [S. l.]:
Tecmundo, 17 ago. 2020. Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/culturageek/156623-host-filme-terror-gravado-zoom-febre-internet.htm. Acesso em: 1 set. 2020.
DUBOIS, Philippe. Um “efeito cinema” na arte contemporânea. In: COSTA, Luiz Cláudio da
(org.). Dispositivos de registro na arte contemporânea. Rio de Janeiro: Contra Capa,
2009. p.179-216.
FANTASPOA anuncia resultados e premiados da 16º edição. Porto Alegre, 12 ago. 2020.
Disponível em: https://www.fantaspoa.com/2020/noticias/1/103/fantaspoa-anunciaresultados-e-premiados-da-16o-edicao. Acesso em: 1 nov. 2020.
FESTIVAL Curta Taquary 2020 é realizado de forma virtual em Taquaritinga do Norte. G1
Caruaru, 17 abril 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/pe/caruaruregiao/noticia/2020/04/17/festival-curta-taquary-2020-e-realizado-de-forma-virtual-em
taquaritinga-do-norte.ghtml. Acesso em: 1 nov. 2020.
GRAUDREAULT, André; MARION, Philippe. O fim do cinema?: Uma mídia em crise na era
digital. 1. ed. Campinas: Papirus Editora, 2016.
INDÚSTRIA do cinema é uma das mais afetadas pela crise do novo coronavírus. São Paulo:
CNN, 10 maio 2020. Disponível em:
https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/2020/05/10/industria-do-cinema-e-uma-dasmais-afetadas-pela-crise-do-coronavirus. Acesso em: 28 maio 2020.
KING Kong en Asunción é o melhor filme brasileiro e La Frontera é o vencedor na categoria
longa estrangeiro. Gramado, 27 set. 2020. Disponível em:
http://www.festivaldegramado.net/king-kong-en-asuncion-e-o-melhor-filme-brasileiro-e-lafrontera-e-o-vencedor-na-categoria-longa-estrangeiro/. Acesso em: 1 nov. 2020.
72
LIMA, Juliana Domingos de. Como a pandemia ressuscitou os cinemas drive-in. [S. l.]:
Nexo Jornal, 29 maio 2020. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/
2020/05/29/Como-a-pandemia-ressuscitou-os-cinemas-drive-in. Acesso em: 6 jul. 2020.
MAIORES festivais de cinema do mundo se unem para evento de streaming de filmes por
dez dias. [S. l.]: G1/Reuters, 27 abr. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/poparte/cinema/noticia/2020/04/27/maiores-festivais-de-cinema-se-unem-para-evento-globalde-streaming-de-filmes-por-dez-dias.ghtml. Acesso em: 28 maio 2020.
MELLO, Davi Marques Camargo de. O cinema durante a Covid e a memória ressignificada
no Experimento Odradek. Revista Z Cultural: Dossiê "Escritas da Intimidade", Rio de
Janeiro (UFRJ), v. 3, 2020. Disponível em: http://revistazcultural.pacc.ufrj.br/o-cinemadurante-a-covid-e-a-memoria-ressignificada-no-experimento-odradek/. Acesso em: 4 nov.
2020.
FESTIVAL Internacional de Curtas de São Paulo começa hoje com 212 títulos de 46 países.
[S. l.]: O Estado de S.Paulo, 20 ago. 2020. Disponível em: https://cultura.estadao.com.br/
noticias/cinema,festival-internacional-de-curtas-de-sao-paulo-comeca-hoje-com-212titulos-de-46-paises,70003406501. Acesso em: 1 nov. 2020.
PRINCIPAIS festivais de cinema do Brasil acontecem on-line. [S. l.]: G1, 22 set. 2020.
Disponível em: http://g1.globo.com/globo-news/jornal-das-dez/videos/t/todos-osvideos/v/principais-festivais-de-cinema-do-brasil-acontecem-on-line/8878476/. Acesso em:
1 nov. 2020.
TAVARES, Pedro. Questionário: Festivais online. Mensagem recebida por
davimcmello@gmail.com> em 12 outubro 2020.
VALENTE, Eduardo. [Olhar de Cinema online]. WhatsApp. 22 outubro 2020. 13:56. 1 mensagem de
WhatsApp.
XVI Fantaspoa será totalmente online e gratuito. Porto Alegre, 13 jul. 2020.
Disponível em: https://www.fantaspoa.com/2020/noticias/1/102/xvi-fantaspoa-sera-totalmente-online-egratuito. Acesso em: 1 nov. 2020.
ZAPPA, Polyana. Questionário: Festivais online. Mensagem recebida por
<davimcmello@gmail.com> em 29 outubro 2020.
ANEXO 1:
73
Questionário enviado a curadores de festivais brasileiros de cinema:
1) Sabemos que a indústria cinematográfica foi bastante afetada com a pandemia. Além da
paralisação das gravações, grande parte dos principais lançamentos do ano teve a sua
estreia adiada, ou incluída diretamente em plataformas virtuais. Os festivais de cinema,
importantes vitrines para os realizadores, assim como para o mercado de distribuição,
precisaram se adaptar a novos formatos digitais. Qual é a principal dificuldade quando se
toma esta decisão, de migrar a experiência física para o virtual?
2) O ineditismo é uma das obrigatoriedades de muitos festivais. Existem normas
específicas quanto às exibições geográficas, aos números de visualizações (caso o filme
tenha sido exibido online por um curto período), e, principalmente, quanto ao vazamento
das produções. Como foi negociar com os produtores e realizadores para convencê-los a
exibirem seus filmes em plataformas virtuais? Quais políticas de segurança foram
implantadas para assegurá-los? (Comente, se possível, se ainda assim os números de
filmes inscritos se manteve, ou se houve uma diminuição/desistência).
3) O êxito de um festival também se dá com a troca do público. Uma exibição nãopresencial pode afastar o espectador de uma melhor imersão, no entanto, abre um leque
de possibilidades para além dos filmes, incluindo debates, lives e entrevistas com os
realizadores, tudo concedido de forma remota. Baseando-se em sua experiência, como
tem sido essa recepção? Tais materiais ajudam na divulgação e no fomento do interesse do
público?
4) A vantagem de um festival online, contudo, é também de expandir territórios. Pela
primeira vez, festivais regionais conseguem chegar a outros estados, e, em certos casos,
com acessos liberados igualmente em outros países. Você notou um maior entrosamento
do público? A procura pelo festival e pela sua programação aumentou? (Se tiver alguns
dados e previsões, por favor, especifique).
5) Festivais de cinema mais tradicionais também se adaptaram às necessidades de
exibição e distribuição em plataformas virtuais. Recentemente, o Festival de Oberhausen
anunciou novas seleções, exclusivamente online, para as próximas edições. Com isso,
abrem-se mais espaços para filmes que ficariam de fora de uma seleção de exibição física.
Você considera que essa experiência durante a pandemia mudará de vez o cenário dos
festivais? O festival para o qual você programa pretende seguir com exibições online?
Pedro Tavares Cineasta - crítico e curador do
Festival Ecrã de Experimentações Audiovisuais
74
1) Como fomos pegos de surpresa, todo planejamento que tínhamos para o festival
presencial, que seria em julho, foi cancelado. Isso inclui vindas de convidados, palestras e, o
principal, o patrocínio. Não esperávamos isso e tampouco nossos apoiadores, que, ainda
ligados ao mundo analógico, decidiram não apoiar o festival em sua versão online. Essa
decisão não durou muito tempo, pois muitas marcas e instituições decidiram apoiar outros
eventos online - vendo como única possibilidade para o momento. Sobre a produção,
tivemos que correr e nos readaptar, mas no fim creio que deu certo.
2) Alguns filmes/realizadores/produtores optaram por não ter o filme no festival por
escolherem esperar o retorno dos cinemas e a experiência clássica de cinema, o que pode
prejudicar a carreira do filme, pois estamos mais próximos de 2021 e a única saída foi, de
fato, ir para o formato online. Foram poucos, a maioria entendeu e aceitou exibir online e
fizemos o possível para coagir qualquer tipo de vazamento de filmes. Sobre o número de
inscritos, ele cresceu. Quando a quarentena começou, estávamos na metade do processo
de inscrições e a partir disso recebemos filmes feitos na quarentena sobre o isolamento.
3) A internet tem a vantagem de amplitude desses impactos. Tudo que recebemos fomos
em dobro, triplo. Um filme como Sertânia, por exemplo, foi assistido por 4 mil pessoas no
festival. Isso significa que todas as sessões presenciais do festival estariam lotadas e todas
estariam com Sertânia na tela. As respostas foram imediatas via Facebook, Twitter e
Instagram. Sabíamos o que funcionava ou não, ali, na hora mesmo, e dava para ajustar
para uma próxima atração, no caso das lives e debates.
4) Nosso público cresceu muito com esse novo alcance através da plataforma online. O
boca-a-boca virtual fez muita diferença e com isso notamos que os filmes mais vistos foram
os brasileiros. Sertânia, Cavalo e É Rocha e Rio, Negro Leo. Tivemos público de diversos
países e o segundo país com mais acessos foram os Estados Unidos. Pensávamos que
seria um país latino-americano, mas os norte-americanos estão interessados no cinema de
vanguarda, o que é uma boa surpresa.
5) Mudará, certamente. Não saberemos o cenário que encontraremos no pós-pandemia a
respeito da vida dos cinemas físicos. Quais sobraram? E como estão sobrevivendo? Ainda
não discutimos sobre a nossa próxima edição, pois não saberemos como será o
desenvolvimento da vacina, mas uma atenção para o formato online certamente terá. É
uma forma pungente de alcance e de debate; a possibilidade da pessoa conseguir ver mais
75
filmes e ter a possibilidade de alcance dos braços comuns de um festival, como os debates
pós-sessão via redes sociais e lives com diretores, é muito interessante. Foi uma ótima
surpresa para nós.
Polyana Zappa Pesquisadora - professora e diretora
do Cinefest Gato Preto
1) As primeiras questões levantadas pela equipe foram: “Faremos o festival em 2020? Será
que no final do ano tudo vai ter acabado e conseguiremos a realização presencial?” E
outras tantas questões diante de uma circunstância totalmente nova e que, de certa forma,
quebra a característica do Cinesfest Gato Preto, o qual é o encontro entre público,
realizadores e equipe. Acredito que a principal dificuldade foi entender que o virtual dá
conta do que temos no presencial. Ou melhor, é possível realizar o festival virtualmente e
fazê-lo e acontecer de uma outra forma que possibilitará um olhar novo sobre a coisa.
2) No caso do Cinesfest Gato Preto, vamos manter o formato semelhante ao presencial.
Efetivamente, os curtas serão exibidos durante a sessão virtual, seguido pelo debate com
os realizadores daquela sessão. Portanto, as exibições dos curtas se mantiveram no
período do festival, como combinado. O que tivemos de diferente foram duas sessões, 15
dias antes do festival, no Cine Drive-in (sábado e domingo) com uma hora de duração.
Foram selecionados oito curtas e quatro videoclipes para este "esquenta". Neste caso,
entramos em contato com os realizadores destes curtas e solicitamos as autorizações para
a exibição.
3) O virtual apresenta novos desafios, realmente, e um deles é a troca mencionada na
pergunta. Para o Cinefest Gato Preto, esta troca é fundamental, porque é a marca do
festival. Partimos para as lives com os curadores, pequenos vídeos nas redes sociais com
os profissionais envolvidos no festival, e vamos manter os debates com os realizadores
após as sessões. Positivamente, com o virtual conseguimos uma participação maior da
parte dos realizadores. No presencial, encontrávamos as dificuldades de distâncias
geográficas e os choques de datas.
76
4) Recebemos curtas do Brasil todo e foram selecionados 61 filmes de 17 estados
brasileiros, reafirmando que o cinema nacional é feito da pluralidade de narrativas e
representatividades, expansões de visão e amor. Como o festival efetivamente acontecerá
depois desta entrevista, ainda estou na expectativa do evento, mas confiante de que novos
olhares são necessários diante daquilo que nos foi apresentado, e, talvez, o virtual também
seja uma alternativa futura para o Cinefest Gato Preto.
5) Acredito que o hibridismo será adotado por diversos festivais. Provavelmente, teremos o
presencial e o online casados nas próximas edições do Cinefest Gato Preto; as vantagens
do virtual são bem-vindas, mas o presencial é fundamental para o nosso festival. Vamos
encontrar caminhos com a convergência entre o virtual e o presencial, sem que percam as
suas particularidades
77
ANEXO 2:
EDUARDO VALENTE
PEDRO TAVARES
POLYANA ZAPPA
CAPÍTULO 6: HUMANIDADES DIGITAIS
- NETNOGRAFIA
78
Jorge Martins Muzy
O objetivo deste trabalho é apresentar um resumo da obra “NETNOGRAFIA –
REALIZANDO PESQUISA ETNOGRÁFICA ONLINE” do consagrado autor Robert V. Kozinets.
As experiências sociais online são significativamente diferentes das experiências
sociais face a face, e a experiência de estudá-las etnograficamente é significativamente
diferente (p. 12).
O que está acontecendo em nossa sociedade não é simplesmente uma mudança
quantitativa no modo como a internet é usada, mas uma mudança qualitativa. À medida
que mais pessoas usam a internet, elas a usam como um dispositivo de comunicação
altamente sofisticado que permite e fortalece a formação de comunidades. Para muitos,
essas comunidades, como a própria internet, têm sido consideradas indispensáveis. Elas
estão se tornando “lugares” de pertencimento, informação e apoio emocional, sem os
quais as pessoas não ficam. Bater papo e conferir com os membros de sua comunidade
online antes de uma compra, uma consulta médica, uma decisão acerca da criação dos
filhos, um comício político ou um programa de televisão está se tornando algo instintivo (p
21).
A netnografia difere de outra pesquisa qualitativa na internet porque ela oferece,
sob a rubrica de um único termo, um conjunto rigoroso de diretrizes para a realização de
etnografia mediada por computador e também, de maneira importante, sua integração
com outras formas de pesquisa cultural (p. 23).
Uma vez que a netnografia é uma pesquisa observacional participante, os dados
netnográficos podem assumir três formas:
a) dados coletados diretamente pelo pesquisador;
b) dados gerados pela captura e registro de eventos e
interações comunitários online; e
c) dados que o pesquisador inscreve.
79
Em seu estudo dos relacionamentos e amizades online, Carter (2005) apresenta
o argumento de que algumas pessoas estão investindo tanto tempo e esforço em
relacionamentos online quanto em outros relacionamentos. Seu estudo, focado em um
site etnográfico chamado Cybercity, fornece evidências de que “muitas das amizades
formadas no Cybercity estão rotineiramente sendo transferidas para a vida fora da rede”, e,
em consequência disso, “as pessoas estão ampliando suas redes de relacionamentos
pessoais para incluir o ciberespaço. Nesse aspecto, o ciberespaço não é mais distinto e
separado da vida real. Ele faz parte da vida cotidiana, na medida em que esses
relacionamentos estão sendo embutidos na vida cotidiana” (2005, p. 164). Contudo, a
natureza dos relacionamentos e amizades pode estar mudando em função das diferentes
formas e liberdades disponíveis por meio das comunicações mediadas por computador (p.
42).
Investigações etnográficas nos ensinam sobre as variedades de estratégias e
práticas usadas para criar um senso comunal e também nos ensinam sobre as variedades
e a substância da participação, dos membros, dos estilos de participação e das formas das
comunidades eletrônicas. Recentes acontecimentos na pesquisa etnográfica online
revelam o quanto as comunidades eletrônicas estão mudando as noções de self, os
sistemas de apoio social, as relações pessoais e de trabalho, o poder institucional e o
ativismo social (p. 44).
A aplicação de levantamentos usando páginas da internet ou outros formatos
online é chamada de método de levantamento online. [...] Praticamente partindo do zero,
tornaram-se os principais métodos para investigar uma ampla variedade de questões
sociais. [...] Existem dois tipos de levantamentos online que se destacam nessa discussão.
Primeiro, são pesquisas que tratam de tópicos de comunidades online, e nos revelam
aspectos dessas comunidades e da cultura online. Segundo, são levantamentos que tratam
de outros tópicos não diretamente relacionados a essas comunidades ou culturas virtuais,
mas que estudam tópicos relacionados aos membros de uma comunidade online. [...]
Enquanto a pesquisa tradicional por correio ou telefone excluía muitos pesquisadores
potenciais das coletas de dados em grande escala (Couper, 2000), levantamentos online
são muito mais acessíveis e fáceis de usar (p. 47).
80
Em um nível mais básico, uma entrevista é uma conversa, um conjunto de
perguntas e respostas entre duas pessoas que concordam que uma delas assumirá o
papel de perguntador e a outra o de respondedor. A única diferença entre uma entrevista
online e uma entrevista face a face é que aquela ocorre com a mediação de algum
aparelho tecnológico. [...] A entrevista online tornou-se o principal elemento da pesquisa
netnográfica, presente como parte do método desde os primeiros trabalhos nesse campo
(p. 49).
Um grupo de pessoas, conectadas por determinadas relações sociais, tais como
parentesco, amizade, trabalho conjunto, hobby compartilhado ou interesse comum, ou
intercambiando qualquer tipo de informação, pode ser considerado uma rede social. [...]
Assim, a análise de redes sociais lida com dados relacionais e, embora seja possível
quantificar e analisar estatisticamente essas relações, a análise de rede também “consiste
em um corpo de medidas qualitativas da estrutura de rede” (Scott, 1991, p. 3). Existe,
consequentemente, uma relação muito natural entre uma abordagem estrutural da
etnografia, ou netnografia, e a abordagem de análise de redes sociais (p. 53).
O que é etnografia, exatamente? Etnografia é uma abordagem antropológica que
adquiriu popularidade na sociologia, nos estudos culturais, no marketing e na pesquisa de
consumo, e em muitos outros campos das ciências sociais. O termo se refere ao ato de
fazer trabalho de campo etnográfico e às representações baseadas em tal estudo. [...]
popularidade da etnografia provavelmente decorre de sua qualidade aberta bem como do
rico conteúdo de seus resultados. [...] A sua flexibilidade permitiu que ela fosse usada por
mais de um século para representar e compreender os comportamentos das pessoas
pertencentes a quase todas as raças, nacionalidades, religiões, culturas e faixas etárias. [...]
Qualquer etnografia, portanto, já é uma combinação de múltiplos métodos – muitos dos
quais nomeados separadamente, tais como entrevistas criativas, análise de discurso,
análise visual e observações – sob uma designação (p. 61).
81
A netnografia é pesquisa observacional participante baseada em trabalho de
campo online. Ela usa comunicações mediadas por computador como fonte de dados para
chegar à compreensão e à representação etnográfica de um fenômeno cultural ou
comunal. Portanto, assim como praticamente toda etnografia, ela se estenderá, quase que
de forma natural e orgânica, de uma base na observação participante para incluir outros
elementos, como entrevistas, estatísticas descritivas, coletas de dados arquivais, análise de
caso histórico estendida, videografia, técnicas projetivas como colagens, análise semiótica e
uma série de outras técnicas, para agora também incluir a netnografia. [...] A netnografia
tem seus próprios conjuntos de práticas e procedimentos exclusivamente adaptados que a
distinguem da conduta de etnografia face a face. [...] A netnografia, portanto, segue estes
seis passos da etnografia: planejamento do estudo, entrada, coleta de dados,
interpretação, garantia de padrões éticos e representação da pesquisa. (p. 61-62).
82
A essência da netnografia – o que a diferencia de uma coleta e codificação de
dados online qualitativos – é que ela é uma abordagem participativa para o estudo de
culturas e comunidades online (p. 74).
Podemos iniciar essa discussão de modo proveitoso com um exemplo ilustrativo
de uma entrada netnográfica malograda. Um professor adjunto novo – e possivelmente
ávido – que deseja realizar um projeto de pesquisa sobre boicotes online, publica uma
mensagem que diz algo assim:
Olá a todos: Sou professor na [Universidade X] em [cidade]. Eu e um
colega começamos a pesquisar boicotes a partir do ponto de vista do
consumidor. Estamos interessados em descobrir mais sobre o envolvimento
do indivíduo (sic) em boicotes e atualmente estamos usando a internet para
tentar reunir alguma informação.
Acreditamos que essas informações ajudarão todos aqueles que se
interessam em ajudar a compreender como os boicotes são percebidos e
compreendidos pelas pessoas que são persuadidas (ou não) por eles. Isso
incluiria qualquer pessoa que organize ou apoie boicotes, e poderia
contribuir para aumentar a efetividade de futuros esforços. Estamos
dispostos a compartilhar nossos resultados com você individualmente, caso
esteja interessado em participar nessa área de pesquisa muito importante.
Todas as respostas serão totalmente sigilosas. Caso citado, você receberá
um “pseudônimo” para que permaneça sempre anônimo. *Se* você já
participou de um boicote, apreciaríamos muito se você tirasse alguns
minutos para enviar-me por correio eletrônico [ávido-adjunto@email.com]
suas respostas a estas TRÊS perguntas bastante sucintas: [3 perguntas aqui].
Muito obrigado por sua participação nessa “ciber-entrevista”. Reiteramos,
por favor, para que envie as respostas por correio eletrônico [endereço] (ou,
se preferir, você pode publicá-las neste grupo de discussão). Responderemos
a todos que derem um retorno ao nosso pedido de ajuda. Atenciosamente,
[ávido-adjunto@nome anônimo]. P.S.: Caso você tenha alguma pergunta
sobre essa pesquisa, sinta-se à vontade para fazê-la no grupo ou enviá-la a
mim (p. 76).
83
Se você é um pesquisador acadêmico, você vai precisar obter a aprovação de um
conselho de revisão institucional (em inglês, Institutional Rewiew Board) ou comitê de ética
em pesquisa de sujeitos humanos (em inglês, Human Subjects Research Ethics Commitee)
para poder iniciar sua netnografia (p. 88).
Coleta de dados em netnografia significa comunicar-se com membros de uma
cultura ou comunidade. Essa comunicação pode assumir muitas formas. Mas, qualquer
forma que ela assuma implica envolvimento, engajamento, contato, interação, comunhão,
relação, colaboração e conexão com membros da comunidade – não com um website da
rede, servidor ou teclado, mas com as pessoas no outro extremo (p. 93).
Existem muitas formas de extrair dados netnográficos, mas essas abordagens
podem ser classificadas em duas estratégias básicas: interação comunal e entrevista. Essas
duas estratégias básicas podem ser misturadas e combinadas de diferentes maneiras para
produzir diversos níveis interessantes de envolvimento e discernimento dos membros da
comunidade (p. 102).
Postar perguntas perspicazes, relevantes, oportunas, interessantes e dignas de
nota em um determinado fórum corretamente identificado, ou enviando, de forma direta,
solicitações por correio eletrônico a determinadas pessoas (tais como blogueiros) pode
servir como base para um entrevistador habilidoso. Boas perguntas postadas em um
fórum ou grupo de discussão, ou em seu próprio website, também podem render
excelentes respostas. Como em todas as entrevistas e pesquisas com levantamento de
dados, a clareza na formulação da pergunta é importante (p. 105).
Escrever notas de campo no instante em que usufrui das experiências sociais
online interativas é importante por que esses processos de aprendizagem, socialização e
aculturação são sutis e nossa recordação deles rapidamente se dilui no decorrer do tempo
(p. 110).
84
As pessoas na outra extremidade de um website de rede social ou em mundos
virtuais não são menos reais do que as pessoas com as quais falamos no telefone, os
autores dos livros que lemos, ou daqueles que nos escrevem cartas. É verdade que a
comunicação textual omite muitos aspectos da comunicação pessoal, com suas mudanças
de tom, pausas, vozes roucas, desvios do olhar, e assim por diante. Contudo, ela pode
incluir outras importantes expressões simbólicas impossíveis de transmitir por meio do
corpo. Em uma realidade textual, o anonimato, às vezes vantajoso para a obtenção de
revelações, também pode impedir-nos de ter a confiança de que entendemos o contexto
de nossas comunicações (p. 124).
Ética da pesquisa na internet (ou IRE, do inglês, internet research ethics) é “um
campo de pesquisa emergente e fascinante”. [...] As questões tratadas pela IRE são
dinâmicas e complexas; elas tocam em questões filosóficas, interesses comerciais,
tradições acadêmicas de prática e método de pesquisa e organizações institucionais, bem
como supervisão de órgãos legislativos e reguladores. Como um todo, as preocupações da
IRE vão desde questões legais, como “responsabilidade por negligência” e “dano à
reputação”, noções convencionais de ética na pesquisa, como “consentimento do usuário”
e “respeito”, até questões maiores, inclusive sociais, tais como autonomia, o direito à
privacidade e as várias diferenças em normas e leis internacionais relacionadas (p. 131).
De acordo com o Code of Federal Regulations, Título 45, Parte 46, Protection of
Human Subjects (2009), que rege os IRBs nos Estados Unidos, pesquisa com seres
humanos é aquela em que há uma intervenção ou interação com outra pessoa com a
finalidade de coleta de informações, ou em que a informação é gravada por um
investigador de tal forma que uma pessoa possa ser identificada por ela direta ou
indiretamente. Assim, a netnografia, na qual o netnógrafo convive online com os membros
da comunidade, se encaixa claramente no modelo de pesquisa com seres humanos (p.
133).
Analisar comunicações de comunidades ou culturas online ou seus arquivos não é
pesquisa com seres humanos se o pesquisador não registrar a identidade dos
comunicadores e se ele puder obter acesso de maneira fácil e legal a essas comunicações
ou arquivos. [...] Obter consentimento informado dos participantes de pesquisa é a base
fundamental da realização ética de pesquisa (p. 134).
85
Devido à natureza persistente e acessível das comunicações online, a ética está
envolvida desde o começo de sua decisão de realizar uma netnografia até muito tempo
depois de sua publicação e distribuição final. [...] A base de uma netnografia ética é a
honestidade entre o pesquisador e os membros da comunidade online (p. 138).
Assim, desde o início da pesquisa até o fim, a boa ética na pesquisa netnográfica
determina que o pesquisador:
1. se identifique abertamente e com precisão, evitando qualquer engano;
2. descreva abertamente e com precisão seu propósito de pesquisa para interagir com
membros da comunidade; e
3. forneça uma descrição acessível, relevante e exata de seu foco e interesse de pesquisa.
Finalmente, é altamente recomendável que o netnógrafo crie uma página Web de
pesquisa, provendo uma identificação positiva, bem como uma explicação mais detalhada
do estudo e sua finalidade, e talvez deva eventualmente compartilhar os resultados de
pesquisa iniciais, intermediários e finais, com membros da comunidade online (p. 139).
Quatro questões difíceis foram apresentadas como fundamentais para nossa
compreensão da ética em pesquisa netnográfica:
1. se comunidades eletrônicas devem ser tratadas como espaços públicos ou
privados;
2. como obter consentimento informado dos membros da comunidade online;
3. a necessidade de evitar danos aos membros da comunidade; e
4. como retratar os dados relativos aos participantes da pesquisa netnográfica.
Quatro procedimentos gerais abordam essas questões:
1. identificar e informar;
2. pedir permissão;
3. obter consentimento; e
4. citar e reconhecer (p. 146).
86
O conhecimento é inegavelmente um empreendimento cumulativo, com base em
fundamentos históricos. Em qualquer iniciativa de pesquisa, um primeiro passo importante
é uma revisão completa da literatura acadêmica passada em áreas afins. Maior
credibilidade e visão são as habituais consequências de uma pesquisa profunda e
detalhada da literatura. O critério de conhecimento é, portanto, definido como a medida
em que o texto netnográfico reconhece e é conhecedor da literatura e das abordagens de
pesquisa que são relevantes para sua investigação. Para ser útil, a pesquisa deve estar
ligada a questões, problemas e debates centrais no seu campo (p. 154).
Uma vez realizada uma análise penetrante da literatura e da teoria do passado sobre um
tema ou campo, a pesquisa de qualidade leva isso um passo adiante, buscando ampliar o
atual conhecimento e criar algo anteriormente não realizado. Essa contribuição pode ser
maior ou menor, mas padrões convencionais de todas as ciências determinam que seja
algo novo. O critério de inovação é, portanto, definido como a medida em que as
construções, ideias, estruturas e forma narrativa da netnografia oferece novas e criativas
maneiras de compreensão dos sistemas, estruturas, experiências ou ações.
Ideias inovadoras sobre as culturas e comunidades online são propensas a ajudar um
inquérito complementar melhor, se eles estão ligados a questões e definições que são
predominantes na literatura. Em casos extremos, a inovação é o critério último, a mudança
profunda de paradigma que permite ao leitor compreender o mundo de uma forma
totalmente nova e diferente. Fundamental para a inovação é o papel da criatividade e
mesmo do talento artístico na forma da netnografia e sua narrativa. Nas melhores
netnografias, a qualidade da escrita não só irá dar visibilidade aos novos avanços do
conhecimento proposto nos resultados da investigação, mas também incluirá uma
evocação, um frescor e vivacidade no estilo de escrita (p. 156).
A capacidade emancipatória, autorizadora e conscientizadora em inspirar a ação social é
outro critério para a qualidade etnográfica. As avaliações de Guba e Lincoln (1989) sobre
“autenticidade” invocam novos critérios de:
87
Justeza: a capacidade de lidar com participantes da pesquisa com imparcialidade.
Autenticidade ontológica: a capacidade da pesquisa de ampliar construções pessoais.
Autenticidade educativa: a capacidade de levar a uma melhor compreensão das
construções dos outros.
Autenticidade catalítica: a capacidade de estimular a ação.
Autenticidade tática: a capacidade de fortalecer a ação.
Com o impacto e o poder das TIC alterando nossa sociedade global, cabe aos
netnógrafos examinarem os fenômenos relacionados com um olhar pragmático sobre suas
implicações sociais. Não podemos ser iludidos por “ideologias de tecnologia” resultando
em interações online e implicando possibilidades intrínsecas, utópicas, eficientes e
expressivas, mas devemos examinar, em contextos situados, essas poderosas alusões
(Kozinets, 2008). Ao mesmo tempo, devemos continuamente nos esforçar para entender
como a tecnologia pode não só apaixonar, mas realmente fortalecer a ação social e o
ativismo, e contribuir, por meio da nossa erudição, para que isso aconteça de maneira
positiva. Atentar para o critério da práxis, definida como a medida em que o texto inspira e
fortalece a ação social, pode ajudar em algumas dessas mudanças tão necessárias (p. 159).
Os websites de redes sociais são outro fascinante campo para estudos de comunidade
online. [...] O acesso e a participação nos muitos grupos e atividades de interesse –
incluindo jogos online – é relativamente simples. A divulgação da identidade como
pesquisador é crítica nessas etapas iniciais. Essa informação pode aparecer em perfis
alheios e provavelmente em outros lugares, e é possível que isso modere ou altere
algumas das respostas recebidas (p. 167).
PARA CONCLUIR: SURFANDO COM ANTROPÓLOGOS
88
Nós, este grupo, esta comunidade de antropólogos conectados, temos a capacidade
de rastrear interações culturais onde elas se manifestam. Nós, os netnógrafos da rede, os
caçadores e coletores de URLs e mecanismos, perfumes e figuras, olhares e capturas.
Atravessamos oceanos, não de água, mas de uma infinidade de fluxos de dados que
correm, rugem, e se cruzam. Detetives digitais, bricoleurs em bits e bytes, estamos
constantemente adaptando, instalando, programando, ligando, questionando,
interpretando, refletindo, observando. Seguindo a mistura (p. 169).
A internet mudou nossa realidade: a realidade de ser um membro da sociedade, um
cidadão, um consumidor, um pensador, um falante, um denunciante, um blogueiro, um
amigo, um fã, um organizador, um fazedor. Um estudioso, um colega, um pai, um
estudante.
Talvez você faça sua própria netnografia. Talvez você leia e aprecie netnografias, ou
as analise e avalie, ou lute para entender ou trabalhar com elas. Seja qual for o seu vínculo,
eu espero que você encontre alegria e inspiração nessa nova e emocionante área de
interconexão humana. Pois, talvez, tão importante quanto nosso rigor científico, seja nossa
diversão. A netnografia – como a etnografia – deve ser, na maior parte do tempo, uma
alegre e irrestrita busca de descobertas, novas relações e novos relacionamentos (p. 170).
REFERÊNCIAS:
KOZINETS, Robert V. Netnografia: realizando pesquisa etnográfica online. Porto
Alegre. Penso, 2014.
NARRATIVAS DIGITAIS NAS ARTES:
DISPOSITIVOS E INTERFACES
89
Polyana Zappa
INTRODUÇÃO
A palavra ‘narrativa’ está relacionada à ação ou ao processo de narrar, ou seja,
expor um acontecimento por palavras ou imagens, reais ou fictícias. Se olharmos na
história da humanidade, perceberemos que o ato de contar um fato, sempre nos
acompanhou. Desde as cavernas com seus registros gráficos, depois com a escrita, livros e
posteriormente, com os filmes, o homem sempre contou uma história.
No campo da Arte, as narrativas visuais, transitam como registros de uma
humanidade que esteve “aqui” como também uma forma de expressar emoções,
testemunhar e representar o mundo.
A partir da década de 1960, as redes de computadores estabeleceram-se com
potência nas comunicações. Passados vinte anos, totalmente informatizada, a novidade
eram os computadores pessoais difundidos em todas as áreas: empresariais,
educacionais, institucionais. Na década seguinte, a internet, surgiu como uma grande
revolução e o número de usuários foi surpreendente. O mundo se apresentava cada vez
mais analógico caminhando para uma Era digital.
90
Os artistas já contaminados pelo espírito duchampiano, não perderam tempo e as
suas produções artísticas trilharam do tecnológico ao digital.
Segundo CAUQUELIN (2005), a arte definida como tecnológica apresentam-se em
duas práticas: meios de comunicação tradicionais (vídeoarte, arte postal, intervenções
pictóricas...) e a outra, com computadores como suporte, as tecnoimagens.
As tecnoimagens estabelecem a migração para universo digital e assim, temos as
narrativas digitais na Arte.
1. PARADIGMA DA IMAGEM
No processo evolutivo de produção de imagem, a filósofa brasileira Lúcia Santaella
em parceria com o filósofo alemão Winfred Nörth estabeleceram três paradigmas da
imagem: o pré-fotográfico, o fotográfico e o pós-fotográfico.
No primeiro paradigma, denominado como pré-fotográfico, entende-se as imagens
artesanalmente feitas à mão. Para isto, necessita do agente, que como quase um
“demiurgo”, o sujeito criador, irá por meio de sua subjetividade, trazer a imaginação para a
figuração. O suporte para este primeiro paradigma será único e também perecível ao
tempo, matérico. A natureza da imagem será figurar o visível e o invisível com o uso da
mimese. São os desenhos, pinturas, gravuras (no limiar do pré-fotográfico para o
fotográfico), esculturas. O acesso a estas imagens será por museus, galerias e templos.
Cabe ao receptor a contemplação e se estabelece a áurea de sua unicidade.
Imagem 1: Pré-Fotográfica
[Mãos em negativo na Cueva de as Manos, Argentina
Fonte: https://www.todamateria.com.br/arte-rupestre/
91
No segundo paradigma, o fotográfico, encontra-se as imagens produzidas por uso de
máquina de registro e implica no objeto preexistente. O suporte para o registro é um
fenômeno químico ou eletromagnético que colidiram opticamente e produzirá a imagem
por meio da captação da luz sobre o objeto escolhido, enquadrado. Há um recorte na
imagem que será fixada e reprodutível inúmeras vezes, por seu negativo. Requer do agente
percepção e prontidão ao registrar o visível. De caráter documental, estabelece o registro
do mundo. São as fotografias, cinema e vídeo.
A fotografia não nasceu de uma invenção súbita, pois ela é a filha mais
legítima da câmara obscura, tão popular no Quattrocento, cujo
aperfeiçoamento permitiu estender a automatização até a própria inscrição
da imagem, afastando do pintor a tarefa de nela colocar sua mão. O que
faltava à câmera obscura eram um suporte sensível à luz para a captura
automática da imagem, de um lado, e o negativo para automatização da
reprodução dessa imagem original, de outro. Ambos chegaram com a
fotografia. (SANTAELLA, 2001, p. 164)
O negativo do filme e as fitas magnéticas do vídeo deram ao fotográfico a possibilidade de
durabilidade e também ser reprodutível. A imagem deixa a unicidade como no préfotográfico, mas ganha na eternidade, pois uma imagem deteriorada, com o seu negativo
possibilita ter outra igual.
Imagem 2: Fotográfica
[Jeff Widener, O Homem dos Tanques, 1989
Fonte: https://mundointrigante.com/fotografias-mais-famosas-historia/
92
No terceiro paradigma, o pós-fotográfico, está relacionado as imagens sintéticas ou
infográficas, totalmente calculadas por computação. São produzidas numa matriz de
números em pixels visualizados na tela dos computadores, celulares e tablets. O mundo da
simulação, do simulacro, do virtual.
Imagem sintética, completamente independente de qualquer objeto
existente em qualquer espaço real. É por isso que a noção de simulação
caberia estritamente à imagem sintética, só podendo ser aplicada à imagem
videográfica ou holográfica de uma maneira muito metafórica. (SANTAELLA,
2001, p.162)
Com o pré-fotográfico, a criação da imagem acontece de forma artesanal. No
fotográfico, por meio de processos automáticos de captação de imagem e já no pósfotográfico, os processos são matemáticos na geração da imagem.
O meio de produção é uma derivação via matriz numérica, as palavras-chaves deste
paradigma são virtualidade e simulação. Os meios de armazenamento e, portanto, a
durabilidade da imagem, fica na memória do computador e é mais acessível que os outros
paradigmas. Antes o agente era o sujeito criador e agora passa para sujeito manipulador
que representa o pensamento lógico. Cabe ao receptor a interação, imersão e navegação
ao mundo virtual do pós-fotográfico, reiniciável a todo instante.
Antes de ser uma imagem visualizável, a imagem infográfica é uma realidade
numérica que só pode aparecer sob forma visual na tela do vídeo porque
esta é composta de pequenos fragmentos discretos ou pontos elementares
chamados de pixels, cada um deles correspondendo a valores numéricos que
permitem ao computador dar eles uma posição precisa no espaço
bidimensional da tela no interior de um sistema de coordenadas geralmente
cartesianas. (SANTAELLA, 2001, p.166)
A imagem sintética parte de uma abstração no mundo virtual, não existindo no
presencial. Mas aparece ao espectador semelhante aos outros dois paradigmas.
93
Disponíveis e acessíveis nos terminais de computadores, as imagens pósfotográficas se inserem dentro de uma nova era, a de transmissão individual
e ao mesmo tempo planetária da informação. Indefinidamente conserváveis,
as imagens infográficas são quase completamente indegradáveis, eternas e
cada vez mais facilmente colocadas à disposição do usuário em situações
corriqueiras e cotidianas, em qualquer tempo e lugar. (SANTAELLA, 2001,
p.174)
A mudança de um paradigma para o outro não se dá de forma brusca, as alterações
acontecem gradativamente. pois alguns elementos permanecem presentes.
2. ARTE TECNOLÓGICA A DIGITAL
Entende-se por tecnológico tudo que for uma prótese extensiva do corpo que
possibilita realizar bens e serviços. Do grego, está relacionado a técnica, ofício, estudo.
Na arte, os artistas usaram também de recursos tecnológicos e a partir dos anos de
1960, se intensificou o uso de filmes e áudios como suporte artístico. Instalações,
performances e a participação do espectador com a arte, possibilitou a diversidade de
formas de apresentar as obras.
A vídeoarte foi um caminho escolhido por alguns artistas que incorporam em seu
processo criativo a tecnologia do vídeo portátil. Som e imagem em movimento sem ou com
atores com a duração variável de segundos, minutos ou horas. Com a particularidade
diferenciada das produções audiovisuais vigente como o cinema, que envolve narrativas e
enredo, esta expressão artística, contava com a sintaxe da linguagem televisiva para
apontar os perigos deste meio de comunicação.
O artista sul-coreano Nam June Paik (1932-2006) foi um grande representante da
vídeoarte, mas outros nomes como Bruce Nauman, Gilbert & George, Matthew Barney e
Bill Viola também fizeram história com suas instalações.
94
Em Surgimento (2002) (imagem 4), o artista Viola inspirado no afresco Pietá (1424) do
pintor italiano Masolino, reproduz em vídeo gravado em uma única tomada, um filme de 35
mm. Inicialmente, temos a cisterna ao centro com duas mulheres sentadas nas laterais,
como numa vigília, surge um jovem que no afresco retrata Jesus Cristo, no vídeo
representa o ciclo da vida, do nascimento à morte.
Imagem 3: Vídeo Arte
Esquerda: Surgimento de Bill Viola,
2002, 11'40 ". Projeção traseira de
vídeo colorido de alta definição em
uma tela montada na parede em uma
sala
escura.
Intérpretes:
Weba
Garretson, John Hay, Sarah Steben,
213x213 cm. À direita: Pietá de
Masolino 1424. Afresco, 280x118 cm,
Empoli, Museu da Igreja Colegiada de
Sant'Andrea.
Fonte:
https://www.fpmagazine.eu/ita/news/L
a_classicita_video_di_Bill_Viola-1268/
Cada período da história da arte no Ocidente tem sido marcado pelos meios
que lhe são próprios. A cerâmica e a escultura no mundo grego, a tinta a óleo
no Renascimento, a fotografia no século XIX. Um dos desafios do artista é dar
corpo novo para manter acesa a chama dos meios e das linguagens que lhe
foram legados pelo passado. Por isso mesmo, é sempre possível continuar a
fazer escultura, pintura a óleo, fotografia, reinventando essa
continuidade...cada fase da história tem seus próprios meios de produção de
arte. (SANTAELLA, 2010, p. 152)
Na década de 1970, a videoarte totalmente incorporada no universo da arte, surgiram
as videoinstalações, ambientes multimídias, projeções em telas gigantes e no meados de
1980, o termo arte digital, surge com o artista Harold Cohen, que utiliza de um programa
Aaron, que ensinava um robô a criar desenhos, utilizando a inteligência artificial, IA, para
gerar obras artísticas.
95
O termo arte digital, é utilizado para designar à arte criada exclusivamente com um
computador, fotografias manipuladas usando programas de edição de imagens e também
à arte criada para internet.
devemos distinguir duas práticas. A primeira utiliza meios de comunicação
tradicionais: o correio, os envios postais, como suporte de uma atividade
artística livre, cujo princípios são os de figuração. Ou ainda técnica mistas
como as que aliam nas instalações imagens de vídeo, de televisão e
intervenções pictóricas...a segunda prática joga com as possibilidades do
computador como suporte de imagens, mas, sobretudo, como instrumento
de composição. Outro universo é explorado a partir dos softwares; uma
segunda realidade se constrói pouco a pouco, enquanto se constrói também
uma relação nova no processo da obra, no ambiente social e na realidade
virtual. (CAUQUELIN, 2005, p. 151)
O artista George Legrady, em 2011, apresentou ao público a instalação Pockets Full
of Memories, (imagem 5), uma instalação interativa de duas salas com metodologias
avançadas de programação de computador, como mapas auto organizáveis e algoritmos
de rastreamento. Em tempo real, era possível, gerar um arquivo com objetos de quem
visitava a exposição. A interação começava quando o espectador, colocava algum objeto
que estivesse portando, num terminal-scanner que o digitalizava. O espectador também
classificava o valor pessoal deste após o processo de digitalização. O público interage
contribuindo com a imagem do objeto escaneado, criando um arquivo que cresce ao longo
da duração da exposição. As imagens são armazenadas em um banco de dados e são
projetadas na parede. Os objetos digitalizados se movem procurando por outros de
descrição semelhante. No começo da exposição o banco de dados está vazio e cresce
conforme as interações do público. O algoritmo organiza e define os dados recebidos.
Imagem 5: Media Art
George Legrady, Pockets Full
of Memories, 2011
Fonte:https://www.fondationlanglois.org/html/e/page.php?
NumPage=329
96
As novas imagens, as tecnoimagens, são as imagens numéricas, virtuais e como
SANTAELLA (2001), definiu, as imagens sintéticas ou infográficas, que surgem no pósfotográfico.
O que temos com esta nova realidade é umas grandes mudanças no campo da arte, pois a
área que se exerce a atividade artística se vê abalada com as tecnoimagens. A unicidade do
autor e da obra se desaparece, a obra digital pode se multiplicar e se modificar a todo
momento. Como se dará a recepção estética das tecnoimagens? O que investigaremos,
não será mais a imagem, mas o processo de elaboração, portanto, uma nova gramática e
vocabulário despontará.
3. DISPOSITIVOS E INTERFACES
No universo digital, duas palavras são comumente utilizadas: interface e dispositivo.
Segundo LEVY (1999), para todos os aparatos materiais que permitem a interação
entre a informação digital e o mundo ordinário, são denominados de interface.
Já na definição do dicionário, encontramos que, interface é:
1.elemento que proporciona uma ligação física ou lógica entre dois sistemas
ou partes de um sistema que não poderiam ser conectados diretamente. 2.
área em que coisas diversas (dois departamentos, duas ciências etc.)
interagem. (OXFORD LANGUAGES)
Os dispositivos são instrumentos, aparelhos e no âmbito da informática, são
mecanismos ou componentes que conectados ao computador, transferem, armazenam e
processam dados. Os teclados, mouses, superfícies sensíveis ao toque (touch), samplers,
scanners de imagens e textos, leitores ópticos, sensores de movimentos e corpos, entre
outros que surgem a cada momento, são dispositivos.
97
Os primeiros computadores exibiam apenas caracteres nas telas e hoje, temos telas
sensíveis ao toque, e outras tantas evoluções das interfaces que contribuíram para o
número crescente de usuários no mundo digital. No campo da interface, há duas
pesquisas: a realidade virtual e a realidade ampliada.
A “realidade virtual” é usada, em particular, nos domínios militar, industrial,
médico e urbanístico. Nesta abordagem das interfaces, o humano é
convidado a passar para o outro lado da tela e a interagir de forma sensóriomotora com modelos digitais. Em outra direção de pesquisa, chamada de
“realidade ampliada”, nosso ambiente físico natural é coalhado de sensores,
câmeras, projetores de vídeo, módulos inteligentes, que se comunicam e
estão interconectados a nosso serviço. Não estamos mais no relacionando
com um computador por meio de uma interface, e sim excutamos diversas
tarefas em um ambiente “natural” que nos fornece sob demanda os
diferentes recursos de criação, informação e comunicação dos quais
precisamos. (LEVY, 1999, p.38)
Teremos cada vez mais uma diversidade e ao mesmo tempo, uma simplificação das
interfaces, combinadas com progressos da digitalização, que facilitará a inserção ao
ciberespaço.
Segundo Flusser, a noção de dispositivo como aparelho que são máquinas que não
visam tanto mudar o mundo quanto dar-lhe significado. No campo da arte, o artista passa
a ser o operador/propositor de dispositivos.
Vídeo 1:
Polyana Zappa, Ar de
Paris invadindo o
ciberespaço, 2020.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
98
A Arte sempre acompanhou as mudanças da história da humanidade. Novos
suportes e formas de apresentar as linguagens artísticas foram surgindo e com as
tecnologias não foi diferente.
Desde do uso de maquinas copiadoras, a projeções de imagens, vídeos e áudios
incorporados em obras e instalações. As vanguardas artísticas, são realmente a frente do
tempo que desponta. A realidade digital chegou e conquistou o seu espaço.
Com o advento da internet, tudo se transformou e ajustou para esta nova
circunstância e o contemporâneo vai tomando a forma que segundo, LEVY ( 2015) será o
Noolítico, idade da pedra do espírito. A pedra aqui entendida como silício dos
microprocessadores e da fibra óptica na Era do Espaço do Saber.
A figura do artista vai cedendo ao do programador que fará uso do pensamento
computacional, que é a habilidade fundamental para todos na navegação dos desafios do
século XXI. Será preciso, a competência digital e o letramento computacional, que oferece
a compreensão mais ampla relacionado às tecnologias digitais e as mídias.
No pós-fotográfico, as imagens agora sintéticas são a virtualidade de uma realidade
que parece existir, mas são apenas algoritmos.
REFERÊNCIAS:
BAIO, Caio. O artista e o dispositivo: rumo a outros audiovisuais possíveis.
Disponível em: https://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/apc g/edicao10/Cesar.baio.pdf.
Acesso em 31 de outubro de 2020.
CAUQUELIN, Anne. Arte contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins, 2005.
DEWPSEY, Amy. Estilos, Escolas e Movimentos. São Paulo: Cosac Naify: 2003.
FARTHING, Stephen. Tudo sobre arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.
99
FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da
fotografia. São
Paulo: Annablume, 2011.
LEVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São
Paulo: Edições Loyola, 2015.
___________. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 2010.
SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à
cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003.
SANTAELLA, Lucia; NÖTH, Winfred. Imagem: cognição, semiótica, mídia. 3ª. Ed. São
Paulo: Iluminuras, 2001.
CAPÍTULO 8: A LINGUAGEM NO CONTEXTO
DAS REDES SOCIAIS
100
Sandro Valérius dos Santos
A humanidade existe e se relaciona por meio da linguagem, a comunicação é base
de uma sociedade ativa, e por milênios essa linguagem evolui, se modifica, se adapta, se
transforma. Os meios de comunicação mudam, e com eles, símbolos, sons, sinais gráficos
entalhados, escritos ou projetados fazem parte dessa evolução. É no cenário da maior
transformação na comunicação que se já tem registrado que este trabalho se propõe a
questionar a comunicação desenvolvida nas redes sociais e os novos formatos de
linguagem nesse novo milênio.
A HUMANIDADE E A LINGUAGEM
O ser humano é uma máquina complexa e por isso se comunica de maneira
complexa. No entanto, o ser humano ao se comunicar cria relações, e nas relações se
socializa, e é justamente dentro da estrutura social que a comunicação e a linguagem
criam formas, desenvolvem sistemas e padrões, assim:
Todas as esferas da atividade humana estão relacionadas com o uso dos
diferentes sistemas de linguagem e a multiformidade social se reflete no
emprego dessas variadas maneiras de o homem aprender, vivenciar e
significar o mundo em que se situa e age. (SIMIS, 2014)
101
Ao longo da história da humanidade, os meios de comunicação desenvolvidos são
variadas, envolvendo desde símbolos, desenhos, objetos, ruídos, gestos até elementos
gráficos com significados específicos, a escrita e leitura desses símbolos, quando
representam fonemas, constitui a comunicação escrita, foco desse estudo.
Quanto a comunicação escrita, afirma Daniel Everett que ela
se torna então, a interação entre significado, condições de uso, propriedades
físicas do inventário de sons, gramática, fonologia, morfologia, princípios
organizacionais conversacionais do discurso, informações e gestos. (EVERETT,
2019, p. l. 390)
SOCIEDADE DIGITAL
Vivemos uma realidade digital muito interessante, os meios de comunicação, de
produção e comercio são completamente acessíveis em meios digitais, se considerarmos
que os computadores diminuíram de tamanho e atualmente cabem na palma da mão, e
nos dão acesso ao mundo utilizando a internet, dando acesso a notícias, rede de
relacionamentos e de negócios, não estamos falando de um universo, não no qual
adentramos, mas num universo que nos envolve. Viver numa sociedade digital não é uma
opção, é uma necessidade. Uma pessoa que não está conectado a essa rede digital, é
alguém sem documentos, sem conta bancária, sem plano de saúde ou sem carteira de
trabalho, é um ermita numa realidade digital.
Essa sociedade digital está em crescente evolução e revolucionou a sociedade,
mudando a maneira como vivemos, pensamos e como nos comunicamos (COSTA, 2019, p.
93). Através das TDICs o tempo de envio e resposta de uma informação é instantânea. O
que antigamente acontecia apenas via satélite em reportagens ao vivo pela televisão,
passou a ser uma realidade funcional e muito comum.
INTERNETÊS
Todas as vezes que se fala sobre a escrita na internet fala-se sobre a comunicação
escrita nas redes sociais como facebook, twitter, instagram, ou em aplicativos de
mensagens como whatsapp ou telegram, e nessas redes e aplicativos, usa-se uma maneira
específica de escrever, chegando a ser uma linguagem própria, denominada por alguns
autores Internetês (BEZERRA, 2013, p. 2) o mesmo nome que usaremos neste trabalho.
102
Considerar o advento do internetês uma nova forma de linguagem, faz todo o sentido,
por sua forma, estrutura, tipologias, e comunidade de internet que a utilizam como meio
de comunicação, o que não significa que seja algo inédito (BEZERRA, 2013, p. 3), pois a
internet não inaugurou uma nova maneira de escrever o português, em outros contextos
de comunicação também se formalizou formas diferentes de escrita da língua com o
objetivo de simplificar ou agilizar a comunicação.
CARACTERÍSTICAS DO INTERNETÊS
As novas tecnologias trazem inúmeras facilidades, dentre elas, agilidade na
comunicação, essa agilidade traz consigo novas formas de se produzir conteúdo, onde o
Internetês é usado com muita frequência. Não falamos de uma nova língua, mas no
português que conhecemos, mas com variações na sua construção. Em geral, essas
mudanças são intuitivas e fáceis de serem concebidas, pois há apenas simplificação de
palavras, omissão de vogais, onomatopeias que em muito substituem ou até mesmo dão
novos significados às exclamações (BARBOSA, 2017, p. 5).
Além dessas simplificações, o internetês dispensa o uso de variações de caixa alta
nos enunciados, pontuações e acentuação. Usa-se o menor número de letras possíveis, é
há uma preferência por consoantes (FIORIN, 2008, p. 4). Uma outra característica é que
muitas vezes o internetês registra a oralidade dos fonemas (FIORIN, 2008, p. 8), o que não
significa que seja uma linguagem baseada na oralidade (BEZERRA, 2013, p. 17).
Barbosa (2017, p. 6) sugere um pequeno dicionário internetês:
Aki ............ Aqui
Blz ............ Beleza
Cmg ......... Comigo
Eh ............. É
Hj .............. Hoje
Kd ............. Cadê
Naum ....... Não
Nd ............ Nada
Pq ............. Porque
Q .............. que
Qdo .......... Quando
Qq ............ Qualquer
Rs ............. Risos
T+ ............. Até mais
Tb ............. Também
Tc ............. Teclar
Td ............. Tudo
Vc.............. Você
Vlw ........... Valeu!
kkk ........... Risos
103
Outra característica do internetês é a influência de termos em inglês. É evidente, cada
vez mais há termos emprestados de outros idiomas e que são agregados ao vocabulário
internetês e até chegam a ser considerados nos dicionários para a forma culta. Exemplos
como feedback, down, flip chart, mouse, etc, não são mais termos usados apenas na
internet, mas já ocupam parágrafos em teses, notícias, textos jurídicos, contratos de
prestação de serviço, etc. Algumas dessas palavras são até conjugadas, como deletar,
baseado no inglês delete.
Uma última característica a ser destacada, é que o internetês, até mesmo por ser
desenvolvido num ambiente mais despojado, tecnológico, jovial, algumas vezes subversivo,
é também muito marcado pela informalidade (FIORIN, 2008, p. 8).
LINGUAGEM E CONTEXTO
Nos exercícios de criptografia de mensagens no exército brasileiro, preenche-se um
campo no formulário de mensagens onde é identificado a importância da mensagem,
geralmente é colocado a letra “U” de “urgente” ou “UU” de “urgente urgentíssimo”. No
contexto do exército é comum dizer que uma informação ou ação é “UU”, e nesse
contexto, faz todo o sentido. No entanto, fora do ambiente militar, essas duas letras não
possuem significado algum.
Todos os textos são produzidos dentro de um contexto, à internet reserva-se um
contexto específico, assim como no exército, na escola, no jornal, na entrevista de
emprego. O contexto[1] sugere vocábulos, sistemas, fonemas, abreviações, gestos, ruídos,
símbolos e cores (FIORIN, 2008, p. 5).
No entanto, há de se observar que houve um momento em que um interlocutor
dentro do seu contexto, enunciou uma forma de comunicação inédita, e o coletivo por sua
vez a assumiu criando uma nova maneira de aplicar esse enunciado. Isso acontece em
todos os contextos, mas em função da internet se desenvolver no meio tecnológico, a
velocidade e a frequência com que a comunicação se estabelece e atualiza é muito maior.
104
Um outro fenômeno que agrava essa realidade é que os contextos em via de regra
resumem um grupo de indivíduos, quando citamos o exército como exemplo, nesse
contexto se desenvolvem formas de comunicação específicas, mas nem todos fazem parte
do exército, assim como nem todos os indivíduos fazem parte do contexto da medicina, ou
de profissionais da educação, paraquedistas, bombeiros, policiais, atletas, etc... mas todos
esses contextos citados estão conectados na internet, e é nessa intersecção que se
fundem todas as formas específicas de cada contexto.
Antes ninguém se importaria com o fato de alunos de pedagogia abreviarem o
substantivo “criança” por “cça” nas suas anotações, mas agora que as “anotações” se
encontram na internet, diz-se que essa nova forma de escrita pode prejudicar a ortografia.
O ambiente faz diferença, não se escreve um e-mail, da mesma forma que se posta
um recado no facebook ou como se escreve um currículo para uma vaga de emprego
(BARBOSA, 2017, p. 2).
OS EQUÍVOCOS SOBRE O INTERNETÊS
As críticas sobre o uso do internetês são muitas. Alguma delas já observamos como
características da linguagem, no entanto, embora muitas das preocupações sejam
legítimas, há muitos equívocos, como os analisados a seguir.
Critica-se o uso do internetês por substituir vocábulos do português pelo inglês, que
de fato é muito comum. Há duas considerações a serem feitas nesse caso, a primeira delas
é que esse fenômeno não é proposital, ninguém pensou um dia “vamos substituir as
palavras do nosso idioma por outro”, mas simplesmente porque o inglês é uma língua
universal e todos os produtos tecnológicos, e linguagens de computador usam o inglês
como base, assim, quando falamos de internet, falamos de tecnologia, e o inglês acabada
sendo muito utilizado e aos poucos absorvido, existem substantivos no inglês que nem
mesmo chegaram a ter uma tradução no português como é o caso do “mouse”, ninguém
chega numa loja de eletrônicos para comprar um “rato” para o computador. A segunda
consideração a ser feita, é o pressuposto de que a língua portuguesa é pura, como se
houvesse um conjunto de palavras puramente portuguesas que formam nosso idioma,
esquecendo-se que nossa língua possui origem românica, latina, germânica, arábica,
helenista (FIORIN, 2008, p. 4), sem contar que obedece aos instrumentos de flexões
105
provocados por sufixos e prefixos de outras línguas, como o latim e o grego. Nesse
sentido, dizer “deletar” ao invés de “apagar”, não significa estar degradando a língua
portuguesa, significa que continuamos a construi-la com o empréstimo de outras línguas,
da mesma forma como ela se originou no passado.
Outra crítica muito comum é quanto a ortografia, diz-se que o internetês pode
criar vícios ortográficos, prejudicando a escrita, mas a ortografia é uma forma de
representar, por meio de símbolos, um fonema. O que necessariamente não significa
mudar o fonema (FIORIN, 2008, p. 4). No caso do internetês, a ortografia exerce
exatamente esse papel, ela representa o fonema através de símbolos, simplificando a
ortografia já conhecida, usando abreviações, criando novos símbolos para essa
representação gráfica (FIORIN, 2008, p. 4), o que, diga-se de passagem não é exclusivo do
internetês, pois as abreviações, em muitos outros contextos, fazem parte da nossa cultura,
como por exemplo “Sta” no lugar de “Santa”, “sr” no lugar de “senhor”, e nem por isso, há
algum registro de que as pessoas passaram a não saber mais como se escreve a palavra
“Santa”, ou “senhor”.
Finalmente, uma das críticas quanto ao uso do internetês, relaciona-se com a
informalidade textual. E, de fato, no contexto da internet, observa-se uma informalidade na
escrita, mas há de se perceber que essa não é uma tendência exclusiva do internetês, a
informalidade da língua portuguesa tem início no modernismo, como comenta José Luiz
Fiorin (2008, p. 8) dizendo que “a práxis enunciativa caminha no sentido de que os textos
percam a solenidade, construída com um léxico preciosista e com uma sintaxe arcaizante”,
motivo pelo qual todas as formas escritas, aos poucos, assumem traços de informalidade.
Textos jornalísticos, jurídicos, acadêmicos, cartas pessoais, etc, todos os contextos ao longo
dos anos, adquirem uma certa dose de informalidade.
ESCREVENDO ERRADO OU NO LUGAR ERRADO
O maior conflito se dá no momento em que o comunicador, que vive o contexto de
internet, traz para outro contexto o internetês. O problema não é necessariamente não
saber escrever, mas o fato de que os contextos foram misturados, o mesmo aconteceria se
de repente em uma festa de amigos, alguém resolvesse usar uma linguagem arcaica e
rebuscada que aprendeu lendo um texto de Rui Barbosa.
106
Aliás, o próprio Rui Barbosa traz em sua história um memorável momento em que
usa a linguagem do seu contexto cotidiano, num confronto com ladrões que roubavam
galinhas no seu quintal, diz o conto que Rui Barbosa respondeu assim ao assaltante:
— Não o interpelo pelos bicos de bípedes palmípedes, nem pelo valor
intrínseco dos retrocitados galináceos, mas por ousares transpor os umbrais
de minha residência. Se foi por mera ignorância, perdôo-te, mas se foi para
abusar da minha alma prosopopéia, juro pelos tacões metabólicos dos meus
calçados que dar-te-ei tamanha bordoada no alto da tua sinagoga que
transformarei sua massa encefálica em cinzas cadavéricas. O ladrão, todo
sem graça, perguntou: — Mas como é, seu Rui, eu posso levar o frango ou
não?
Como se pode observar, muitas vezes o problema não está em conhecer ou não a
forma culta da língua, mas em misturar os contextos usando o internetês nos meios de
comunicação onde essa linguagem não se aplica.
A LÍNGUA ESTÁ EM CONSTANTE MUDANÇA
A língua portuguesa vive em constante mutação, por exemplo os tratamentos
usados no século XIV para com autoridades a quem se dirigia a “mercê” ou “vossa mercê”.
Este era um tratamento especial reservado à nobres e pessoas da alta sociedade, mas que
ao longo dos anos se vulgarizou, não apenas na forma escrita e no fonema, mas até
mesmo no emprego, quanto a afetividade e distância. Se chama de “você” aquele que está
perto, mas que não é “senhor” ou “senhora”. A trajetória desse tratamento atravessou
séculos, e é um exemplo simples de como uma linguagem ativa na sociedade pode sofrer
mudanças de contexto, valor, forma e fonema. (NASCENTES, 1956, p. 115).
Tanto no processo do “você” quanto nas mudanças no uso do internetês, existe
uma resistência natural entre os falantes da língua, tem-se a primeira ideia de que a língua
está sendo empobrecida pelas novas formas abreviadas, uso de vocábulos de outros
idiomas ou neologismos. (FIORIN, 2008, p. 2).
107
É certo que muitos vendo exemplos do internetês descreem de um processo de
evolução de linguagem, quando na verdade, parece mais que estamos fragmentando,
distorcendo, desvalorizando a mesma. No entanto, é preciso lembrar que a língua falada é
viva, e por assim mesmo, em constante mudança, como é a vida, pois se o objetivo fosse
manter a língua estática, usaríamos latim como na ciência, aliás, a ciência faz uso de uma
língua morta justamente pela natureza estável da mesma.
Reconhecendo que não se trata de degradar a língua ou apenas de um modismo
efêmero, Fiorin (2008, p. 3) apud Ferdinand de Saussure afirma que:
Esse complexo de relações constitui um objeto que se basta em si mesmo,
pois conhece apenas sua ordem. Se o sistema se basta a si mesmo, se há em
cada estado da língua um equilíbrio entre as partes, a mudança não pode ser
considerada nem degeneração nem melhoria, mas um processo pelo qual as
línguas “passam de um estado de organização a outro” Altera-se o modo
como o sistema se configura, mas a organização não deixa de existir. As
línguas não decaem nem progridem, elas mudam.
CONCLUSÃO
O internetês é, de certa forma, resultado de uma evolução da linguagem escrita no
contexto da internet. Não está relacionado com o falar e escrever errado, pois mesmo em
internetês, a língua portuguesa mantem seu padrão, pois trata-se de um conjunto de
abreviações e novas formas de escrita, que simplificam e aceleram a escrita e leitura.
Essa é uma realidade que envolve a sociedade atual e todos os contextos de
comunicação numa gigante avenida chamada internet, nosso ponto de intersecção.
REFERÊNCIAS:
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para o ensino de Língua Portuguesa. Anais IV SINALGE. Campina Grande: Realize
Editora. 2017.
BEZERRA, B. G. O discurso acadêmico sobre lingua e linguagem na internet. 5º
Simpósio Hipertexto e Tecnologias na Educação e 1º Colóquio Internacional de Educação
com Tecnologias. São Paulo: Universidade Federal de Pernambuco. 2013. p. 1-20.
108
COSTA, G. S. D. A linguagem utilizada nas redes sociais e seu impacto nas aulas de língua
portuguêsa. Caderno Intersaberes, v. 8, n. 16, 2019. ISSN 2317-692X.
EVERETT, D. L. Linguagem: a história da maior invensão da humanidade. São Paulo:
Contexto, 2019.
FIORIN, J. L. A internet vai acabar com a língua portuguesa. Revista Texto Livre, Belo
Horizonte, v. 1, n. 1, Outuno 2008. ISSN 1983-3652.
NASCENTES, A. O tratamento de "você" no Brasil. Revista Letras, Curitiba, v. 5, junho
1956. ISSN 0100-0888.
SANTOS, S. V. O que é Letramento Digital, São Carlos, 16 Dezembro 2017. Disponivel em:
<https://youtu.be/S1xAeBHhMgU>. Acesso em: 10 Novembro 2020.
SIMIS, A. et. al. O. Comunicação, Cultura e linguagem. São Paulo: Editora UNESP;
Cultura Acadêmica, 2014.
SOBRE OS AUTORES
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Glaucia Davino - Doutora em Ciências da Comunicação - USP. Mestre
em Artes - USP. Bacharel em Comunicação Social-Cinema - USP.
Experiência profissional em audiovisual. Docente no Programa de Pós
Graduação Interdisciplinar Educação, Arte e História da Cultura, na
Universidade Presbiteriana Mackenzie. Líder do Grupo de Pesquisa NAV Núcleo Audiovisual. Participa da RED INAV (Narrativas Audiovisuais).
Realiza pesquisa sobre roteiro audiovisual desde 1989, narrativas
audiovisuais, humanidades digitais, cultura digital. Investiga temas nas
áreas de linguagens relacionadas ao audiovisual às mídias e tecnologias
contemporâneas, com enfoque em procedimentos criativos. E-mail:
glaucia.davino@mackenzie.br
http://lattes.cnpq.br/9376577557864810
Lilian Soares da Silva - Mestre em História da África, da Diáspora e dos
Povos Indígenas na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB
- (2019). Pós Graduanda em Formação Pedagógica de Docentes para a
Educação Profissional de Nível Médio (2019) . Pós-Graduanda em
Educação Profissional Integrada à Educação Básica na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos - PROEJA - (2017) e Licencianda em
Geografia (2015) pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
de São Paulo - IFSP. E-mail:liliansoares.sp@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/7265091945630944
Henrique Silva Conceição - Possui graduação em Ciência da
Computação pela Universidade São Judas Tadeu e em Design pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduação em Computação
Gráfica pelo Centro Universitário SENAC. É mestrando em "Educação,
Arte e História da Cultura" pela universidade Mackenzie e tem como
tema de pesquisa: "Livro infantil digital sobre arte para crianças surdas".
Atualmente é web designer da Universidade Presbiteriana Mackenzie e
trabalha com EAD. Tem experiência na área de Desenho Industrial, com
ênfase em Programação Visual. E-mail: hennrique.silvaa@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/1856392219059800
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Moisés Izaias Prado - Mestrando em Educação, Arte e História da
Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2020). É licenciado
em História pelo Centro Universitário UNIFIEO (2012) e Pedagogia pela
Faculdade Itaquá (2018). Tem especialização no Ensino de Libras pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie (2014), Educação Especial com
ênfase no aluno com deficiência auditiva no Centro Universitário
Clarentiano (2017), Psicopedagogia Educacional pela Universidade
Anhembi Morumbi (2019), MBA em Gestão Escolar pelo Centro
Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas ? FMU (2019). Atuou
como professor na rede municipal de São Paulo na educação bilíngue
para Surdos ? EMEBS (2019). E-mail: moisesisaiasprado@yahoo.com.br
http://lattes.cnpq.br/7754430715221132
Claudeci Martins da Silva - Doutoranda em Educação, Arte e História
da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em
Tecnologia Ambiental pela Universidade Federal Fluminense. Especialista
em Educação Ambiental Urbana pela Escola Superior do Brasil.
Graduada em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro e Zootecnia pela Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro. Atualmente é professora da Rede Estadual de Educação
(SEEDUC) e Articuladora Acadêmica e mediadora presencial do Curso de
Licenciatura em Ciências Biológicas no Polo UAB/CEDERJ - Resende – RJ.
E-mail: claudeci.martins@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/7700354087371129
Juliana Cristhina Murari Assunção - Doutoranda em Educação, Arte e
História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre
em Educação pela Universidade Estadual de Maringá. Especialista em
Educação com ênfase na Filosofia e Sociologia pela Faculdade
Educacional da Lapa. Licenciatura em Filosofia pela Universidade
Estadual de Maringá. Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Norte
do Paraná. Há 10 anos atua como Professora de Filosofia da rede
particular de ensino. E-mail: jumurari87@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/0498311140479368
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Renata Gerhardt Gomes Roza - Professora de matemática do colégio
Mackenzie SP, doutoranda em Educação, arte e história da cultura pela
Mackenzie/SP, mestra em Ensino de ciências e matemática pelo
CEFET/RJ, especialista em Educação matemática e licenciada em
Matemática pelo UGB/RJ. E-mail: prof.renatagerhardt@outlook.com
http://lattes.cnpq.br/6442647433107414
Louise Teixeira Diório - Paulistana, 22 anos, Mestranda em Educação,
Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
(2021), Bacharel em Jornalismo pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie (2019) e Técnica em Logística pela ETEC Zona Leste - Centro
Paula Souza (2016). Vencedora do "Prêmio de Jornalismo do Centro de
Comunicação e Letras (UPM) 2º/2019", a partir da produção do livro
"Eternas Falas de Esther de Figueiredo Ferraz". Tem como projeto de
pesquisa na pós-graduação Stricto Sensu a "Trajetória cultural de Esther
de Figueiredo Ferraz" e atua como pesquisadora nas seguintes áreas do
conhecimento: história cultural e comunicação.
E-mail: louisediorio@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/1567265153026193
Davi Marques Camargo de Mello - Doutorando em Educação, Arte e
História da Cultura na Universidade Presbiteriana Mackenzie, Mestre em
Comunicação pela Universidade Anhembi Morumbi e Bacharel em
Cinema e Audiovisual pela mesma instituição (UAM). Também atua como
cineasta e possui curtas-metragens exibidos em mais de 80 festivais,
como o Festival do Rio, Festival Latino-Americano de São Paulo,
Kinoforum, Bogoshorts (Colômbia), Fest New Directors | New Films
(Portugal), entre outros. E-mail: davimcmello@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/5664331060343415
112
Jorge Martins Muzy - Piloto da Força Aérea Brasileira. Bacharel em
Teologia pela Universidade presbiteriana Mackenzie. MBA em Gestão e
Tecnologia da Informação pela Fundação Getúlio Vargas. PDG em
Conselhos de Administração pela Fundação dom Cabral. Mestrando do
curso de Educação, Arte e História da cultura pelo Programa de Pós
graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
E-mail: jorge@muzy.com.br
http://lattes.cnpq.br/2021100305255741
Polyana Zappa - Doutoranda (2019) e Mestre em Educação, Arte e
História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2008).
Especialista em Teoria e Prática em Arte Contemporânea , UNIFATEA.
Professora Titular da UNIFATEA- Centro Universitário Teresa DAvila.
Coordenadora do Centro Cultural Teresa DÁvila - UNIFATEA. Cenógrafa
na Companhia Teatral Palco da História. Professora de Artes no Ensino
Médio, Fundamental I e II nos Colégios Drummond, Genesis, Fênix.
Diretora do XVI Cinesfest Gato Preto em 2020. Diretora artística da
Fundação Olga de Sá. E-mail: polyanazappa@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/7237416852251360
Sandro Valérius dos Santos - Licenciado em Processamento de Dados
pela FATEC e pelo Centro Paula Souza. Bacharel em Teologia pelo
Seminário Presbiteriano do Sul e pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie. Pós-Graduando em Novas Tecnologias para Educação pelo
iBra. Mestrando em Educação, Arte e História da Cultura pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor no Ensino Médio
Técnico e Coordenador de Projetos para Educação à Distância no Centro
Paula Souza e Tutor Presencial nas Faculdades de Ciências Sociais e
Aplicadas e Ciências da Informação na Universidade Presbiteriana
Mackenzie. E-mail: sandro.santos@mackenzie.br
http://lattes.cnpq.br/0336429639654149