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Copyright Editora Mackenzie, 2020 Título: Narrativas, Interdisciplinaridade e Cultura Digital Organização: Gláucia Davino Capa: Polyana Zappa Editoração e Projeto Gráfico: Henrique Silva Conceição Texto revisado segundo novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, 2020 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) N234 Narrativas, interdisciplinaridade e cultura digital [livro eletrônico] / organizadora: Gláucia Davino. – São Paulo : Editora Mackenzie, 2020. 16,4 MB : il. PDF Inclui referências bibliográficas. ISBN 978-65-0013525-1 1. Narrativa. 2. Cultura. 3. Cultura digital. 4. Linguagem e Comunicação. 5. Oralidade. I. Davino, Gláucia, organizadora. II. Título. CDD 808.8023 Bibliotecária Responsável: Andrea Alves de Andrade - CRB 8/9204 A responsabilidade pelos textos, opiniões, dados, fontes, citações, imagens, referências utilizadas nos respectivos artigos e demais direitos legais são de inteira responsabilidade de seus autores, em todas as sessões dessa publicação. Tais textos não refletem a opinião dos organizadores da obra, dos editores, da revisora, nem das instituições envolvidas nessa produção. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte. UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Chanceler Rev. Dr. Robinson Grangeiro Monteiro Reitor Prof. Dr. Marco Tullio de Castro Vasconcelos Pró-Reitor de Controle Acadêmico Prof. Dr. Cleverson Pereira de Almeida Pró-Reitora de Graduação Prof.ª Dr.ª Janette Brunstein Pró-Reitor de Extensão Prof. Dr. Marcelo Martins Bueno Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Prof. Dr. Felipe Chiarello De Souza Pinto Pró-Reitor de Planejamento e Administração Prof. Dr. Luiz Carlos Lemos Júnior CENTRO DE EDUCAÇÃO, FILOSOFIA E TEOLOGIA – CEFT Diretor Prof. Dr. Mário Sérgio Batista Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura Profª. Drª. Rosana Maria Pires Barbato Schwartz SUMÁRIO Prefácio ....................................................................................................................................................................... 01 Capítulo 1: Narrativas, Memórias e Oralidade Negra: Um Espaço a Desvendar na Universidade ..... 02 Capítulo 2: A Linguagem Narrativa e suas Intersecções na Contação de Histórias ................................ 12 Capítulo 3: Linguagens e Aprendizagens num Mundo Digital ....................................................................... 29 Capítulo 4: Comunicação Construtiva: Uma proposta Narrativa para o Jornalismo do Século XXI ..... 45 Capítulo 5: Festivais de Cinema em Tempos Pandêmicos: As Novas Experiências em Plataformas Digitais .................................................................................................................................................... 57 Capítulo 6: Humanidades Digitais - Netnografia ............................................................................................... 78 Capítulo 7: Narrativas Digitais nas Artes: Dispositivos e Interfaces ............................................................... 89 Capítulo 8: A Linguagem no Contexto das Redes Sociais ................................................................................ 100 Sobre os Autores ........................................................................................................................................................ 109 PREFÁCIO 01 LIVRO LABORATÓRIO Este Livro Laboratório é o resultado mais emblemático dos Processos e Procedimentos ArtísticoCientíficos desenvolvidos pelo Laboratório de Humanidades Digitais (LHuDi) por meio de Ensino Remoto Hibridizado (ERH) no contexto de pandemia de Covid-19 em 2020. A disciplina Humanidades Digitais, ministrada pela Professora Doutora Gláucia Davino no segundo semestre de 2020, foi o espaço para a reflexão pontual e circunstancial quanto às mudanças da produção laboratorial interdisciplinar e a movimentação de conceitos a serem ressignificados quanto à produção não institucional de linguagens e narrativas produzidas por meio de dispositivos digitais móveis e/ou fixos e a apropriada disseminação. A metodologia da Linha de Pesquisa Linguagens e Tecnologias alimentou as diversas linhas da Área de Concentração: Educação, Arte e História da Cultura - processos interdisciplinares com a discussão e experimentação dos paradigmas de cunho histórico-crítico das linguagens e das tecnologias nos processos de comunicação humana, seus impactos nas áreas das artes, da história e da educação, tendo como eixo as expressões das novas mídias. O Grupo de Pesquisa Núcleo Audiovisual (NAV) apoiou a disciplina Humanidades Digitais na reflexão crítica das linguagens e narrativas de seu campo de conhecimento com base nos protótipos de realização do livro. O NAV viabilizou a aplicação reflexiva de metodologia de ensino-aprendizagem no ensino remoto hibridizado no contexto de pandemia de Covid-19 com práticas pedagógicas inovadoras, metodologias ativas, protagonismo discente, inteligência coletiva, cultura de compartilhamento. Curso dinâmico, orientando os alunos na superação das adversidades e no aprimoramento de suas pesquisas e relatos, foi estribado na construção do conhecimento sintético com base no conhecimento sincrético passando pelo conhecimento analítico. O curso foi conduzido em três blocos norteadores: o que era quando eu entrei (síncrese); o que estou discutindo (análise); o que sou agora no final do curso, como pesquisador, como pessoa (síntese). O LHuDi se configurou como ambiente de acolhimento e compartilhamento para alunos de todas as linhas de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação, Artes e História da Cultura (PPGEAHC) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), sendo o cyberespaço para exploração, experimento, descoberta (especialmente a serendipidade). Em uma reedição universitária do “Livro da Vida”, este aplicado ao ensino básico pelo educador francês Célestin Freinet no início do século XX, os alunos reconhecem suas vivências na pós-graduação, repletas de “humanidades”, estampadas nas “digitais” páginas deste Livro Laboratório, verdadeiro autorretrato desta particular turma da disciplina. Uma bela “selfie em grupo” para os tempos de redes sociais acadêmicas! A expectativa de aprendizado crítico de pós-graduação se materializa neste produto digital na forma de livro, acolhendo o processo de escolha de temas individuais no compartilhamento coletivo da turma. Há envolvimento e pertencimento nos trabalhos em grupo, nas atividades individuais, nas várias etapas do processo de confecção do e-book, no ensino-aprendizagem da metodologia de pesquisa no curso de pós-graduação. A disciplina Humanidade Digitais torna-se o ponto de encontro em forma de amálgama dos mais diversos stakeholders: mestrandos, doutorandos, professores doutores, pesquisadores, profissionais, acrônimos institucionais (LHuDi, PPGEAHC UPM, NAV, ERH). Agora, o Livro Laboratório segue seu caminho até as prateleiras das humanidades digitais. Pelópidas Cypriano Prof. Dr. Livre-Docente - Instituto de Artes - Universidade Estadual Paulista (UNESP) Líder do Grupo de Pesquisa ARTEMÍDIA E VIDEOCLIPE CAPÍTULO 1: NARRATIVAS, MEMÓRIAS E ORALIDADE NEGRA: UM ESPAÇO A DESVENDAR NA UNIVERSIDADE 02 Lilian Soares da Silva INTRODUÇÃO Com um relato pessoal e o lugar de fala no contexto da educacional inicia-se este texto, construído através de uma minibiografia, que também poderia ser considerada uma poesia: Sou uma mulher negra, professora e sonhadora. Sonho com a realização de todas as minhas conquistas, que um dia quem sabe, estará em um livro. Nascida em São Paulo, capital, em uma família gaúcha e paulistana que com muito amor me criou. A minha mãe guerreira que por anos me sustentou. Sustentou não só os meus sonhos, mas me amparou desde o momento em que meu pé na Bahia tocou. Chegar até aqui não foi fácil, mas também proporcionou muito conhecimento, não só acadêmico, mas de vida. 03 Vida de São Paulo e Vida na Bahia. Não tem como explicar, tem de viver, tem de se abrir para conhecer. Chegar até aqui não foi fácil, mas também foi de muito aprendizado, não só pela professora ou professor, mas por toda a Comunidade que me ensinou. A formação acadêmica começou com a Pedagogia, passou pelo Turismo, continuou com a Geografia, até chegar ao Mestrado. Mestrado que muito propiciou e ainda propiciará muitos frutos, empoderamento pessoal, acadêmico e profissional, onde as crianças não ganham apenas uma nova Professora, mas uma nova Pessoa, com novas perspectivas de vida ampliadas pelo Mestrado. Vida que propicia a inserção dos conteúdos acadêmicos, referências e teorias para a fala simples, adequada e lúdica da Educação Infantil, dos projetos pedagógicos e das brincadeiras em sala de aula que são uma mera reprodução do "mundão" que encontrarão ao sair desse casulo. Mestrado não é o fim, mas o início de um novo caminhar a ser trilhado. Que venha o Doutorado. (AUTORIA PRÓPRIA). A construção da poesia ou minibiografia foi escrita quando fui chamada pelo Mestrado em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) para a atualização da Plataforma Sucupira ou dados estatísticos do Programa de Pós Graduação no ano de 2019. Ano de conclusão com altos e baixos, assim como qualquer outra formação, formação essa que não me propiciou apenas um diploma de Mestre, mas uma experiência de vida que em São Paulo nunca teria. Experiências essas que constroem as narrativas docentes negras, formando-nos como indivíduos perpassados por situações, acontecimentos e percalços que podemos (e devemos) transformar em novas construções para as nossas carreiras acadêmicas, profissionais e pessoais. Pautando-se nas trajetórias das narrativas docentes negras o presente trabalho é a compilação de referenciais sobre os estudos acadêmicos realizados por diferentes pesquisadoras e pesquisadoras, no qual o lugar de fala como apresenta a escritora Djamila Ribeiro é fundante para trilhar, escrever e delinear o desenvolvimento do trabalho. 04 A primeira parte constituirá o arcabouço teórico das narrativas, das trajetórias e da História como área de conhecimento para a oralidade como teoria e prática. Seguindo o contexto de identidade étnico racial que perpassa a todos os campos do conhecimento, se não sei quem eu sou, como poderei ocupar o meu lugar? Se não sei a minha origem, como posso reivindicar a minha ancestralidade? Se não sei a minha história de vida e as trajetórias da minha família, como poderei dar (ou ser) o exemplo desse processo historiográfico. Para finalizar, o campo da Educação Básica, especificamente o Ensino Superior e os quadros Docentes Negros das universidades públicas ou privadas, não somente como uma legislação de cotas e garantidos pela via legal e jurídica, mas um espaço de poder, de dominação e de hegemonia do conhecimento cientifico, no qual, alguns espaços são de “mérito”, mas como promover a equidade do mérito e do reconhecimento para que as nossas e nossos professores negros ocupem o quadro de “servidores”. “Servidores” entre aspas, porque também será um termo a ser analisado com suas intersecções e terminologias no processo histórico do território brasileiro. EDUCAÇÃO BÁSICA: O ENSINO SUPERIOR VERSUS DOCÊNCIA NEGRA Nota-se uma situação bastante emblemática para mulheres negras na discussão sobre a presença feminina no espaço científico. No que se refere especificamente à inserção da mulher negra no universo acadêmico, percebe- -se que nos anos iniciais, há uma sobreposição de mulheres em relação aos homens. Quando se chega, porém, aos graus superiores, nota-se pouca ou quase nenhuma presença do segmento racial negro. Em determinadas situações, a representação de negros e negras encontra-se direcionada a cursos de menor prestígio na sociedade. (SILVA; EUCLIDES, 2018, p. 3). Nesta perspectiva da Educação Básica com a modalidade da Educação Infantil é majoritariamente composta por mulheres, que em sua função cotidianamente são tratadas como “tias”, sejam pelas crianças ou por suas famílias. O conceito de Professora é transferido para os níveis posteriores de ensino, no qual, o que deveria ser a base de todo o processo formativo do indivíduo é entendido como um espaço de cuidado, de zelo e de estadia para que as famílias possam dedicar-se ao mercado de trabalho. 05 Mercado de trabalho que, no segmento educacional do Ensino Superior conforme apresentado por Silva e Euclides (2018), “a representação de negros e negras encontra-se direcionada a cursos de menor prestígio social’, o que se entende por prestígio social quando falamos das universidades públicas e privadas no território brasileiro? Qual os cursos com Docentes Negras e Negros em seu quadro funcional ou de servidores? essas palavras “servidores”, remete a servidão no processo historiográfico na colonização do país, servidão que ainda é presente nos diferentes contextos educacionais, dos setores trabalhistas e empregos informais. A servidão não é uma narrativa ou construção de um passado distante e que não mais existe, ela é presente no cotidiano das grandes e pequenas cidades. Quando Francis foi embora de Garamá tinha apenas nove anos de idade. Nunca mais voltou a morar na pequena aldeia de Serra Leoa, que tinha então 200 habitantes, mas também nunca se desligou de lá. Passados 60 anos, Garamá hoje soma 500 moradores. [...] O menino que saiu de casa para estudar numa cidade maior, ainda em Serra Leoa, já adolescente migrou para os Estados Unidos, novamente em busca de estudos. Tinha planos de voltar, o que até hoje não aconteceu. Quando achou que o faria, Serra Leoa entrava numa guerra civil que devastaria o país. Sua aldeia foi atingida e a família passou anos andando de um lado a outro, em busca de segurança. (ANDRADE, 08/06/2020). A narrativa do Prof. PHD Francis Musa Boakari da Universidade Federal do Piauí (UFPI) ressalta uma trajetória de vida, evidenciando a migração e emigração das populações negras para adquirir a formação acadêmica e desenvolvimento profissional. De tal modo que, a entrevista continua apresentando o processo de colonização no território de Serra Leoa: 06 Com cerca de 16 grupos étnicos, cada um com sua língua oficial e seus dialetos tribais, Serra Leoa foi primeiro explorada por portugueses e depois colonizada por ingleses, que expulsaram os portugueses. Nessa época o país se tornou um importante centro de comércio transatlântico de escravizados e o idioma inglês foi imposto como oficial, mas as línguas originais nunca deixaram de ser faladas. Francis carrega até hoje as dores da colonização, mas é com bom humor e ironia que conta sobre o percurso que faz anualmente quando volta a sua aldeia: “Primeiro o avião para em Lisboa – eu tenho que marcar presença. De Lisboa vou para Londres – marco outra presença (risos). De Londres vou para Freetown (Cidade da liberdade), capital de Serra Leoa. De lá pego um ônibus e cerca de 10 horas depois estou em Garamá”. É também com humor que ele completa: “Acho que no período que chamavam pré-história bastava pegar uma canoa e ir de um continente a outro, né?” (ANDRADE, 08/06/2020). Por outro lado, um outro fator de influência nas universidades e à docência negra é a questão de gênero, isso porque, A problemática do racismo e do machismo, infelizmente, não são fatos recentes, pelo contrário, são oriundos de uma sociedade adoecida pelo sistema patriarcal e escravista. Há uma mentalidade provinciana, até os dias atuais, que renega os grupos não brancos. [...] Estamos mergulhando contra corrente, ao contrário de uma biografia intelectual clássica, o nosso objetivo é analisar sociologicamente a relação entre biografia e intelectuais negras, identificando as diferentes estratégias de inserção em um campo intelectual, estruturado dentro de um determinado momento histórico, e sua influência na produção/reflexão de uma pensadora singular, em nosso caso, Ângela Figueiredo. Segundo Figueiredo e Grosfoguel (2007), após a implementação dos sistemas de cotas nas Universidades Federais tivemos um crescente aumento do número de pesquisadores negros (mestres e doutores), contudo, há uma ausência de professores negros das universidades públicas brasileiras. (SANTOS, 2020, p. 266). A contracorrente não está apenas nas universidades e na carreira docente, ela perpassa a Educação Básica em todas as suas modalidades, da Educação Infantil ao Ensino Superior, no qual, as trajetórias de professoras negras e professores negros ainda não ocupam todas as áreas de conhecimento na Academia, não estão em grau de proporção nos quadros docentes e discentes das universidades públicas ou particulares, mas estamos galgando novos espaços, tornando possível a inserção das nossas/nossos, seja por intermédio das cotas raciais em concursos públicos e por merecimento conquistado a muito suor, trabalho e noites sem dormir. 07 A carreira acadêmica não é fácil, principalmente quando a sua cor e raça impera neste contexto, alguns dizem que “você por ser mulher e por ser negra, tem que ser dez vezes melhor dos que os outros”, ou, minha mãe sempre diz que “meus pais sempre quiseram que eu estudasse em primeiro lugar e, foi o que fiz até os meus 19 anos de idade”. A educação de uma criança, jovem e um adulto negra ou negro perpassam por meandros que a articulação vida de trabalho e vida escolar, muitas vezes não coadunam para um mesmo caminho a ser trilhado, onde em certo momento existe uma escolha a ser realizada – uma bifurcação – que não é simplesmente mudar o rumo, mas trilhar alguns caminhos que talvez impactem positiva ou negativamente para sempre a sua vida e de toda a sua família. Apesar da vida acadêmica aparecer com alguma força para mim desde à época da graduação, visto que meu envolvimento com a vida universitária era grande desde lá, não parecia ainda que ser professora universitária era um horizonte possível de ser sonhado por mim. Eu era uma ótima estudante e apesar de saber que eu poderia ir além de dar aulas na educação básica caso continuasse os estudos, eu não pensava nisso, não ainda. Não há uma explicação única para isso, mas talvez não ter tido outras referências familiares ou pessoas próximas pode ter colaborado para não planejar um futuro a médio e longo prazo. Estar viva e estudando satisfazia-me muito aos 19 anos, e não lembro de imaginar para além do fim da graduação. Hoje, é com emoção que ouço algumas estudantes universitárias negras já no primeiro semestre dizerem a mim que querem ser professoras universitárias “como eu”. Lembro-me ainda que, certa vez, ao fim de uma dessas aulas, um estudante negro escreveu-me que gostaria de ser como eu quando crescesse; eu respondi-lhe que, igualmente, gostaria de ter sido como ele em sua idade, tamanha determinação que possui em meio a tempos difíceis. (NUNES, 2020, p. 285). A trajetória docente ainda continua: 08 Aos 15 anos, entrei para um curso de magistério numa escola pública de um bairro de classe média em Salvador. Minha mãe havia feito todo o esforço possível para que eu pudesse estudar numa escola com melhores condições durante o ensino médio, visto que as escolas por onde passei na educação básica, situadas em bairros pobres de Salvador e no interior da Bahia, sofriam o descaso político com a educação para a população pobre e negra na cidade. Foram três anos de descobertas importantes: aprendi a andar de ônibus na capital, conheci outros lugares que não aqueles por onde passei durante toda a minha infância e adolescência, tomando contato assim com o fosso social/racial que separavam as pessoas. Passei a me relacionar com mais pessoas fora do círculo familiar e do grupo da igreja que eu frequentava quando era adolescente; durante essa época, conheci professoras/es e técnicos da escola que também iam me mostrando outros jeitos de ler o mundo e aprender novas coisas. [...] Fazer magistério deu-me a possibilidade de logo cedo começar a trabalhar, em escolas particulares de pequeno porte no bairro em que eu morava em Pau da Lima, bairro empobrecido de Salvador. [...] Ser professora universitária lá em 2012, apesar de já parecer ser possível, não era um objetivo necessário do ponto de vista da realização pessoal ou financeiro; realizei o mestrado como uma estudante, mais do que como uma aspirante à professora do magistério superior. Eu estava aprendendo a ser pesquisadora, algo que hoje eu percebo como vital à prática da minha profissão, já que, atualmente, ministro aulas no setor de estudos de metodologia num curso de Pedagogia, na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, UNILAB, Campus dos Malês, BA. (NUNES, 2020, p.285). Trajetórias não são apenas escritos e escrevivências como dizia Carolina Maria de Jesus, mas são os caminhos que lhes constituíram como Ser Humano, um indivíduo ou o coletivo e, principalmente como Docente. Docente que, não está no posto da hierarquia social por “QI” (quem indica), e sim por esforço, merecimento, estudos e oportunidades na vida. Oportunidades que são aparecendo dia a dia, em um evento aqui, outro ali e assim sucessivamente vamos construindo o que conhecemos como uma lista de contatos, contatos não só acadêmicos, mas de pessoas e anjos que são colocados em seu caminho para lhe auxiliar, mesmo que naquele momento você não perceba isso. Percepção outro ponto fundamental, são as nossas intuições e as cosmopercepções de saberes ancestrais, de modelos e de familiares (carnais ou espirituais) que nos mostraram a trajetória. 09 Para finalizar, sempre digo que todos os cursos, formações e graduações foram trilhadas de oportunidades e de percursos que não foram pensados ou programados a longo prazo, mas por acasos da vida, quando ingresso no Prouni para a Pedagogia em uma instituição de ensino superior no mesmo município onde trabalhava (Santo André/SP), depois o Turismo – ressalto que só ingressei na segunda aprovação, porque a primeira simplesmente fiz o vestibular (FATEC), esqueci e nada acompanhei – no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFSP) completando com a especialização técnica de Guia em Turismo. Mais dois anos de Geografia que são interrompidos para cursar o Mestrado em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) – nascida e criada em São Paulo, somente com a minha mãe, parto para um novo caminho e desconhecido no território baiano -, retorno para São Paulo por questões profissionais – depois de dois anos de experiencias de vida, de conhecimentos e aprendizados que me tornaram mais forte, tanta força que em mim desconhecia essa coragem, desprendimento e garra que não estavam em mim, mas cada dia, a cada dificuldade enfrentada na pós graduação e no trabalho de campo mostravam ser possível, que logo, logo e em breve retornaria a Bahia. Ainda não aconteceu, mas no momento certo e no momento de Deus a concretização dos meus sonhos estará a caminho. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nas considerações finais, começo com a minha trajetória acadêmica. Hoje, estou em São Paulo, como Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (não sei até quando, espero que em breve eu consiga a bolsa. Sempre tive o sonho de estudar no Mackenzie, mas antes sonhava com o Direito, hoje me vejo no nível mais alto da formação, o Doutorado). Outro percurso ainda não concluído, mas nas etapas finais é a Especialização em Educação de Jovens e Adultos e Formação de Docentes para o Ensino Médio no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) e iniciando uma nova Especialização de Educação em Direitos Humanos (UFABC ou UNIFESP) neste mês de Outubro/2020. Digo que, as oportunidades foram me levando para cada uma dessas formações, hoje não percebo o real motivo, mas muitas vezes não precisamos entender ou compreender os desígnios de Deus, precisamos apenas viver e nunca desistir. Desistir é uma palavra que não encontro em meu vocabulário, como uma boa taurina (signo e ascendente) sou “teimosa”, na verdade sou “persistente” e quando começo algo vou até o final. 10 Ressalto que, a formação docente não é uma carreira que se construa somente com a conclusão da Pedagogia ou do Magistério, mas é a cada dia, como dizem “no chão da sala de aula”. Chão este que, muitas vezes é frio, perverso e duro, duro em todos os sentidos das palavras, palavras que doem, ferem e magoam, e que também nos impulsionam quando nos dizem que não somos capazes. Capacidade todas e todos temos de chegar onde quer que almejamos, nossos sonhos podem estar nos mais íntimo do coração e em seu tempo certo todo o universo o fará concretizar e aproveitar as oportunidades para tais objetivos alcançar. REFERÊNCIAS: ANDRADE, Samária. Entrevista: Aprendiz de Ubuntu. Revista Revestrés, Horto Florestal, 8 jun. 2020. Disponível em: <http://www.revistarevestres.com.br/entrevista/ aprendiz-deubuntu/>. Acesso em: 3 nov. 2020. PINTO (2018). Tudo preto: identidade negra, teatro e educação na experiência artísticas de Chocolat (Rio de Janeiro, 1920) - Rebeca Natacha de Oliveira Pinto. In: ABREU; XAVIER; MONTEIRO; BRASIL (2018). Cultura negra vol. 2: trajetórias e lutas de intelectuais negros / Organização de Martha Abreu, Giovana Xavier, Lívia Monteiro e Eric Brasil. – Niterói: Eduff, 2018. (Pesquisas, 6b). Disponível em: <http://www.eduff.uff.br/ebooks/Cultura-negra-2.pdf>. NUNES, Míghian Danae Ferreira (2020). A mulher negra que se vê de perto e com as outras: trajetória de vida de uma professora universitária. In: FELIPE, Delton Aparecido [et al]. Trajetórias negras na universidade: o impacto das cotas raciais no ensino superior /Organizadores Delton Aparecido Felipe [et al]. Maringá: Uniedusul, 2020. 348 p.: tab. Color. (Trajetórias Negras na Universidade; v.1). Disponível em: < https://www.uniedusul.com.br/wp-content/uploads/2020/05/Livro-1-Trajetórias-Negras-NaUniversidade-O-impacto-das-cotas-raciais-no-ensio-superior.pdf>. Acesso em 03 nov. 2020. 11 SILVA; EUCLIDES (2018). Falando de gênero, raça e educação: trajetórias de professoras doutoras negras de universidades públicas dos estados do Ceará e do Rio de Janeiro (Brasil). / Joselina da Silva; Maria Simone Euclides. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, v. 34, n. 70, p. 51-66, jul./ago. 2018. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/ er/v34n70/0104-4060-er-34-70-51.pdf>. SANTOS, Elísia Maria de Jesus (2020). Sociologia negra: o olhar das sociólogas negras docentes nas universidades federais da Bahia. In: FELIPE, Delton Aparecido [et al]. Trajetórias negras na universidade: o impacto das cotas raciais no ensino superior / Organizadores Delton Aparecido Felipe [et al]. Maringá: Uniedusul, 2020. 348 p.: tab. Color. (Trajetórias Negras na Universidade; v.1). Disponível em: <https://www.uniedusul.com.br/wp-content/uploads/2020/05/Livro-1-Trajetórias-NegrasNa-Universidade-O-impacto-das-cotas-raciais-no-ensio-superior.pdf>. Acesso em 03 nov. 2020. RIBEIRO, Djamila (2019). Lugar de fala. / Djamila Ribeiro. – São Paulo: Sueli Carneiro; Polén, 2019. 112p.(Feminisnos plurais/ coordenação Djamila Ribeiro). WEIMER (2018). É possível escrever a biografia da rainha Jinga? Reflexões sobre o gênero biográfico a partir da pesquisa sobre uma rainha negra no litoral do Rio Grande do Sul (c. 1887-1980). / Rodrigo de Azevedo Weimer. In: ABREU; XAVIER; MONTEIRO; BRASIL (2018). Cultura negra vol. 2: trajetórias e lutas de intelectuais negros / Organização de Martha Abreu, Giovana Xavier, Lívia Monteiro e Eric Brasil. – Niterói: Eduff, 2018. (Pesquisas, 6b). Disponível em: <http://www.eduff.uff.br/ebooks /Cultura-negra-2.pdf>. CAPÍTULO 2: A LINGUAGEM NARRATIVA E SUAS INTERSECÇÕES NA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS 12 Henrique Silva Conceição, Lilian Soares da Silva e Moises Izaías Prado INTRODUÇÃO A primeira parte abordará a contação de histórias e o percurso historiográfico, das narrativas que poderiam surgir dos mitos, lendas e fábulas, sendo elas acontecimentos engraçados, assustadores ou podem contar as mais variadas aventuras. Por um lado, o ato de contar uma história é bem diferente de ler essa história, atualmente nas escolas há espaço para as duas modalidades. Por outro lado, os professores podem se tornar os contadores de histórias e aos poucos se apropriam de suas particularidades e dar vida a cada uma delas. No segundo momento, apresenta-se a leitura não advém somente da linguagem visual e as imagens, mas de um contexto incluindo a escrita, letra, figura, disposição do texto e outros aspectos que se completam com o processo criativo de uma história. 13 Por último trataremos “As narrativas para crianças surdas”, partindo o ato de narrar história como potencializador para contribuir no processo de alfabetização, escrita e aprendizagem, bem como outros benefícios são despertar a memorização, promover a coordenação motora, postura corporal, ampliação do vocabulário e criação de vínculos afetivos, sociais e cognitivos. Em suma, com base nos estudos acadêmicos e referenciais teóricos possibilitamos a construção de uma narrativa para as crianças surdas, na qual será apresentada como encerramento do artigo. Ressaltando que, a história e a ilustração são autorais e serão interpretadas com a contação na Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS 14 A contação de histórias ocupa a imaginação do Ser Humano desde os tempos mais remotos, essa prática está presente em sociedade muito antes da invenção da escrita. A narração vem sendo passada de geração em geração de uma forma a recriar e ensinar as tradições. Por meio dela as pessoas podiam compreender as condutas e ações nas comunidades, nas quais estavam inseridas e com elas também absorverem os costumes e valores no convívio. Os povos mais antigos também utilizavam a contação de histórias como troca de experiência, confraternização e como forma de passarem o tempo e enfrentarem o tédio. Estas histórias serviam para que as pessoas pudessem se expressar, o que muitas vezes não era possível em narrativas de cunho realista. As histórias também serviam como preservação da cultura e identidade destes povos, tornandoas primordial para o processo de evolução do sujeito. Qualquer pessoa pode desenvolver a arte de contar histórias desde que queira se envolver com elas, tenha memória e seja criativo na forma de transmiti-las. O contador desperta as sensações, desenvolve e cria imagens e aguça os sentidos humanos: audição, tato, paladar, olfato e visão. A autora Girardello (2003), descreve a sensação despertada pelas histórias: Durante a narração, a troca não ocorre apenas no plano da linguagem, mas também através do ar: pelo sopro compartilhado em que vibra a voz de quem fala no ouvido de quem escuta, pelo calor físico gerado pelos gestos de quem conta e de quem reage, pela vibração motriz involuntária – arrepios, suspiros, sustos – causadas pelas emoções que a história desencadeia. Chegaremos ao plano da conspiração, onde poderemos entender a partilha narrativa como um “respirar junto” cuja intimidade irrepetível gera uma forma muito particular de confiança (GIRARDELLO, 2003, p.3). 15 A absorção da cultura está ligada à contação de histórias e durante muito tempo serviu como forma de comunicação entre as pessoas. Com esse interesse, desperta de emoções e imaginação das pessoas como foi mencionado, percebeu-se também que as pessoas absorvem valores sociais e morais. Neste contexto entra a sua importância contexto entra a sua importância como prática pedagógica na educação. O ato de contar uma história é bem diferente de ler essa história, atualmente nas escolas há espaço para as duas modalidades. O contador junto ao seu público recria o conto, e faz o espectador participar efetivamente da história em sua imaginação, as histórias surpreendem e emocionam pela forma como são contadas. As crianças vivenciam nas escolas experiências muito significativas e duradouras. 16 A narrativa é um processo muito importante no desenvolvimento cognitivo das crianças. Segundo Murray (2003), a narrativa é um dos mecanismos cognitivos primários que nos ajudam a compreender o mundo. É uma forma de nos relacionarmos em comunidade. ONG (1998) aponta que: A narrativa está em toda parte, desde as culturas primárias até a cultura escrita e o processamento eletrônico da informação. Em certo sentido a narrativa “é a mais importante de tantas outras formas artísticas, muitas vezes até as mais abstratas. Até mesmo por trás das abstrações da ciência está a narrativa” (ONG, 1998, p. 158). Alguns tipos de narrativas falam sobre crenças e deuses, são nomeados mitos, explicações que os povos deram para a origem do mundo, e estão geralmente ligadas a religião. Os contos populares ou folclore são uma outra forma de histórias que surgem nas mais variadas culturas. Em alguns casos podem parecer com os mitos, estas narrativas podem ser engraçadas, assustadoras ou podem contar as mais variadas aventuras. As cantigas infantis, contos de fadas, fábulas e outras brincadeiras fazem parte das narrativas do povo. 17 Contar histórias também desperta o lado lúdico das crianças e isto é uma característica valiosa em seu desenvolvimento. Contribui para a sua criatividade e seu senso crítico e serve como uma poderosa ferramenta portanto as escolas deste jeito promovem o hábito de contar histórias e a leitura de livros. De acordo com autora Murray (2003): Ao contar histórias se apresenta uma vasta tábula rasa implorando para ser preenchida com tudo o que interessa à vida. Há a oportunidade de contar histórias a partir de múltiplas perspectivas privilegiadas e de brindar o público com narrativas entrecruzadas que formam uma rede densa e de grande extensão (MURRAY, 2003, p. 97). Durante a contação, as crianças exercitam a imaginação e a fantasia isto gera uma forma de promover a leitura, possibilidade de produção de seus próprios textos e a sua fluência na escrita, a criança em contato com a leitura amplia seu vocabulário e horizontes. Os professores podem se tornar os contadores de histórias, eles aos poucos se apropriam das histórias e suas particularidades e dão vida a elas. É importante que os professores façam uma leitura prévia das histórias, analisem seus personagens, imaginem como vai ser a sequência narrativa e quais cenas serão tratadas na contação e principalmente o conteúdo pedagógico que será aprendido nessa atividade. 18 A contação de histórias transmite conhecimento e valores, serve como forma de instigar os alunos, é importante no processo de ensino e aprendizagem e auxilia o professor a deixar mais produtivas as suas aulas. Podemos considerar então a contação de histórias uma arte, devendo haver magia e mistério, instigando tanto o professor quanto o aluno a debates que girem em torno de compreender histórias, ler e produzir textos. As crianças mudam o mundo através da leitura e da escrita e quem ganha é a sociedade. LINGUAGEM TEXTUAL E IMAGÉTICA 19 Ainda durante o medievo, a pintura, que foi fortemente explorada em toda a Europa, também enfatizou a importância, da palavra enquanto complemento ao entendimento da imagem. [...] A partir do século XV, ao propiciar o aprimoramento da tipografia, o alemão Johannes Gutemberg criou o primeiro livro impresso em 1436, o qual representou um grande avanço no quesito de criação e circulação de textos. A redução dos custos e do tempo empregados na reprodução de conteúdos permitiu não apenas seu desenvolvimento, mas também novas possibilidades de expressão. (ALVES, 2017, p. 65). A expressão é uma das linguagens, por intermédio das palavras, das formas e da produção imagética. Imagens essas que refletem o texto em uma possibilidade visual ou transformação de códigos alfabéticos e alfanuméricos em histórias. De acordo com o público alvo e a temática as histórias podem se desenvolver nos livros impressos ou ebooks, nas livrarias ou plataformas virtuais, nos documentos ou livretos, nos jornais ou revistas, nos sebos ou no Kindle, ampliando-se a difusão e divulgação dos conteúdos e suas múltiplas linguagens. Linguagens que assumem um caráter informativo, lúdico ou ensino aprendizagem. Nos dias atuais, o professor precisa estar preparado para lidar com as diferentes linguagens, sobretudo aqueles com as quais os alunos têm mais contato. Porém, também deve apresentar-lhes outras linguagens igualmente e das quais talvez estejam afastando-se. A utilização de novas linguagens no ensino de História ocorreu especialmente a partir das décadas de 1980 e 1990 (Oliveira, 2012, p. 266-267). Essas linguagens podem ser entendidas como os diversos produtos culturais de nossa sociedade e compreendem imagens, músicas, literatura, desenhos, filmes, programas de TV e de rádio, internet, jogos eletrônicos e jogos analíticos, entre outros elementos que permitem desenvolver atividades didaticamente significativas para o ensino de História (Oliveira, 2012, p. 26). Como recursos didáticos, esse conjunto de novas linguagens permite dinamizar o processo de ensino, tornando-o mais interessante e interativo. (ANDRIONI, 2019, p. 91). 20 Ressaltando o trecho supramencionado “diversos produtos culturais de nossa sociedade e compreendem imagens, músicas, literatura, desenhos, filmes, programas de TV e de rádio, internet, jogos eletrônicos e jogos analíticos, entre outros elementos” (Oliveira, 2016, p. 26. In: Andrioni, 2019, p.9), neste ponto, as imagens, desenhos e a literatura são fundantes para a construção desse trabalho com a contação de histórias. Contação que não é apenas um livro e sua leitura, mas diferentes comportamentos, contextos e intersecções constroem-se ao longo do percurso. O caminho é iniciado primeiramente com a ideia (tempestade de ideias ou brainstorm), o texto escrito, o desenho ou seleção das imagens, a diagramação e a história estarão concluídas. Não é tão simples como escrito nessas palavras, mas um breve delineamento poderá ser apresentado dessa maneira. Por um lado, a percepção imagética é uma das linguagens que transforma o contexto e o texto: 21 Às práticas pedagógicas ressalta a natureza textual da imagem na literatura infantil e constitui-se, primeiro, num esforço em dar visibilidade à presença da linguagem visual nessas obras e, como tal, promover a necessidade de conhecê-la melhor, para tratá-la como texto legível, no mesmo nível de importância atribuída à linguagem verbal, em decorrência, pautar o ensino nessa direção. [...] Os apontamentos pedagógicos mostram a necessidade da interação com a linguagem visual, de estudos específicos, bem como discussões sobre a aplicação de uma teoria da significação aos processos de leitura. [...] Além disso, considerar que o quadro de referências individuais e culturais são pontos de apoio à identificação inicial das variações de contrastes e posições de objetos, ou seja, identificar e refletir sobre os componentes da linguagem visual que organizam a imagem e seus contextos. Logo, cada texto imagético possui especificidades, marcas próprias, que definem as diferentes categorias priorizadas e as relações estabelecidas na atribuição de significados. Uma concepção da visualidade como linguagem considera estratégias de leitura que propiciam a utilização de reconhecimentos e novos conhecimentos, inferências, estados afetivos. Tudo isso integrado e em relação, tendo como centro a imagem, como um discurso que produz efeitos de sentido e acolhe o exercício da atribuição de significados. RAMOS, 2015, p. 58. Por outro lado, a leitura não advém somente da linguagem visual e as imagens, mas de um contexto incluindo a escrita, letra, figura, disposição do texto e outros aspectos que se completam com o processo criativo de uma história. História que, Portanto, a caligrafia, essa arte da escrita, engloba em sua natureza, ao mesmo tempo a dimensão verbal e a visual. Além da singularidade verbovisual, elemento que deixa marcas e aberturas para a construção de imagens dos interlocutores envolvidos com esses textos, outros aspectos dimensionam a historicidade e exigem dos destinatários de hoje diversos procedimentos para acesso às formas verbais, aos conteúdos, às competências linguísticas, enunciativas, discursivas dos enunciadores. Se num primeiro momento, e por força da caligrafia, a memória mobilizada é a sensível, a afetiva, construída com as reminiscências de um tempo vivido ou apenas entrevisto nas conversas familiares, adentrar esses textos exige outros movimentos, outras posições. BRAIT, 2010, p. 203 22 A escrita tem um processo de construção que se efetiva com a imagética e a interrelação do texto e da imagem, uma junção que promove o encadeamento das ideias, dos traços, dos contornos e das tonalidades. Cores, formatos e delineamentos que são fundantes para a contação de histórias, propiciando uma atenção e observação atenta do receptor com o gesto visual do intérprete ou interlocutor das narrativas, narrativas que permeiam o texto e o contexto, onde um não é isolado, mas um conjunto. O domínio da linguagem visual, a qual se mostra como organização textual suficiente para a leitura complexa e aprofundada. Na contemporaneidade, o sistema visual abrange um universo comunicativo amplo e diversificado; a produção de significação aguarda ser estudada, discutida e explorada em seus múltiplos contextos e aspectos, desde o aprofundamento científico da pesquisa acadêmica aos passeios visuais de olhares curiosos de adultos às crianças da Educação Infantil. RAMOS, 2015, p. 58. Em suma, a linguagem visual é “organização textual suficiente para a leitura complexa e aprofundada”, no qual, a interpretação do texto poderá ocorrer por intermédio das palavras, da narrativa ou simplesmente a imagem. Imagem que sua reprodução na contação das histórias poderá seguir (ou não) o que efetivamente está escrito. Mas por outro lado, a imagem também é outra narrativa que através da Língua Brasileira de Sinais poderá ser reinterpretada, reestruturada e criando vida, animação e movimentação a um texto “parado”, “sem vida”, que com a linguagem gesto-visual apresenta contornos, expressões, movimentos e potencialidades para o processo de ludicidade. AS NARRATIVAS PARA CRIANÇAS SURDAS 23 A contação de histórias proporciona inúmeros benefícios para as crianças na Educação Infantil, isso porque, os gêneros narrativos estimulam o desenvolvimento integral da criança. Quando uma criança escuta uma história é estimulado a imaginação, curiosidade, cognição e estado emocional do qual atinge várias áreas da vida. O ato de narrar história é tão potencializador, que desenvolve atenção da criança, bem como contribui para processo de alfabetização, processo de escrita e aprendizagem. Outro benefício deste instrumento, é despertar a memorização e promover a coordenação motora da criança, pois ao sentar-se, a criança precisa estar em posição ereta e bem acomodada. As crianças que escutam história desenvolvem muito mais vocabulário e ainda por cima, aprendem palavras novas, palavras que não ouviam, se torna parte do seu vocabulário e como resultado, desenvolvem a linguagem. Ademais, a narração de história também cria vínculos, podendo aumentar a proximidade dos seus familiares com seus filhos. Nessa perspectiva, as crianças surdas precisam ser expostas as narrativas, contos e histórias desde sua tenra idade, “a não participação em tais atividades prejudica a constituição de conhecimentos de mundo e língua, disponível comumente às crianças ouvintes antes da escolarização (SÃO PAULO, 2007, p.8) Durante a narração de história, as crianças se identificam com os personagens, possibilitando trabalhar conflitos internos, pois quando a criança não consegue se expressar, ela se reconhece na narração da história contribuindo para diminuir futuras angústias e ansiedades. 24 Há quem conte histórias para enfatizar mensagens, transmitir conhecimentos, disciplinar, até fazer uma espécie de chantagem – “se ficarem quietos, conto uma história” - quando o inverso é que funciona. A história aquieta, serena, prende a atenção, informa, socializa, educa. O compromisso do narrador é com a história, enquanto fonte de satisfação de necessidades básicas das crianças. [...] Permite a auto-identificação, favorece a aceitação de situações desagradáveis, ajuda a resolver conflitos, acenando com a esperança (COELHO, 2004, p. 12). Nessa visão, percebemos o quão é importante a contação de história, tanto para crianças ouvintes e quanto para crianças surdas, pois há um grande desenvolvimento na linguagem e como consequência na organização de pensamento. Para Vygotsky (1934), a linguagem é uma ferramenta responsável pela estruturação do pensamento, desde as concepções mais simples às mais complexas, Rosa (2003) afirma que é por meio da linguagem e de uma língua compartilhada que o ser humano materializa sentidos e significações, (re) significando conceitos numa relação entre o mundo exterior e sua própria consciência. As crianças com surdez não deveriam restringir-se às literaturas ouvintistas, o que poderia torná-las socialmente incapacitadas ao acesso à cultura. No Brasil, a literatura surda ainda se encontra em processo de organização e tem progredido a passos lentos, o que a torna uma definição em construção. Todavia, é importante evidenciar que a literatura surda não se dá apenas por meio do silêncio, mas por uma literatura não auditiva. A literatura é uma parte considerável e valiosa de qualquer cultura e, para os surdos, não é diferente. Essa parte da cultura ajuda a explorar a identidade, as crenças e os modos de vida das pessoas com surdez, sendo apreciada e compartilhada não somente por essa comunidade. Em relação ao conceito de literatura surda, vale apenas trazer a importância de que esta literatura se constitui na perspectiva de quem vive na comunidade surda e é usuário da língua de sinais como sua L1.(SANTOS; LIMA, 2016, p. 3). 25 A narração em língua brasileira de sinais (Libras) não é uma linguagem oral, cuja comunicação se leva em conta aplicação da entonação de voz para os ouvintes, mas leva em consideração outras metodologias, que fazem parte da cultura surda, em vez de oralizadas ou escritas, utiliza outros meios como das mãos, corpo e as expressões faciais. Para Karnopp (2008, p. 14-15): [...] a literatura surda está relacionada com a cultura, contada na língua de sinais de determinada comunidade linguística, constituída pelas histórias produzidas em língua de sinais pelas pessoas surdas, pelas histórias de vida que são frequentemente relatadas. No momento presente, não se encontra disponível uma variedade de livros próprios à literatura surda no Brasil, mas podemos encontrar versões adaptadas ou transcritas por meio digital (em vídeo) pelos mais variantes meios eletrônicos, como o YouTube, blogs e Facebook nos quais é possível buscar, como em qualquer literatura, materiais de ótima qualidade para que todas as crianças surdas tenham acesso do que é produzido na cultura da infância em nosso país. CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto a contação de histórias instiga tanto alunos quanto professores a dialogarem sobre as histórias, compreende-las e entender como são feitas, qual mensagem queremos passar por meio delas. A imagem da narrativa que pode estar presente no imaginário da criança ou vista por exemplo na linguagem gesto-visual com usos da LIBRAS, também serve com um pilar muito importante na construção da ludicidade, seja com expressões movimentos, contornos ou até no desenvolvimento das suas próprias narrativas. No Brasil ainda é muito escasso o conteúdo literário impresso para crianças surdas, por outro lado podemos encontrar bons materiais digitais, em alguns casos versões adaptadas de literaturas clássicas. A contação de histórias tem um grande valor para a formação destes futuros cidadãos e contribui no processo de ensino-aprendizagem de crianças ouvintes e surdas. 26 A MENINA QUE QUERIA SER RAINHA A história começa com uma menina.... Uma menina que pensava em ser Rainha... Não uma simples Rainha ou Princesa como nas outras estórias, mas.... Uma Rainha de rara beleza.... Uma Rainha que nunca se viu no planeta... Uma Rainha com uma aparência que a todos encanta, por onde quer que ela ande.... Uma Rainha tão bela, entre as mais belas.. Uma Rainha que poderia ser você. Eu??? Sim, você mesmo. Todos temos uma beleza rara, porque não somos e nunca seremos iguais, Igual, só conheço aquele sinal (=) Todo o resto sempre será diferente ( ). REFERÊNCIAS: 27 ANDRIONI, Fabio Sapragonas (2019). Produção de recursos em história [livro eletrônico] / Fabio Sapragonas Andrioni. Curitiba, PR: InterSaberes, 2019. Disponível em: <https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/ Publicacao/177776/pdf/0>. ALVES, Vanessa da Silva (2017). Histórias em quadrinhos: gênero entre a imagem e a palavra / Vanessa da Silva Alves. Tese (Mestrado em Ciências Humanas) - Universidade de Santo Amaro. Orientador: Prof. Dr. Antônio Jackson de Souza Brandão. São Paulo, SP: UNISA, 2017. Disponível em: < http://dspace.unisa.br/bitstream/handle/123456789/147/ Vanessa%20da%20Silva%20Alves.pdf?sequence=1&isAllowed=y> BEHARES, L. E. Língua e Identificações: as crianças surdas entre o “sim e o “não” In: SKILIAR, C. (org.) Atualidade da educação bilingue para surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999. BRAIT, Beth (2010). Literatura e outras linguagens / Beth Brai. - São Paulo, SP: Contexto, 2010. COELHO, Betty. Contar histórias: uma arte sem idade. Editora Ática: São Paulo, 2004. ESCRITA DE SINAIS. Cinderela Surda e Rapunzel Surda. 30 ago. 2010. Disponívelem: <https://escritadesinais.wordpress.com/2010/08/30/cinderela%C2%A0surda-e-rapunzelsurda/>. Acesso em: 29 out.2020. GIRARDELLO, Gilka. Voz, presença e imaginação: a narração de histórias e as crianças pequenas. REUNIÃO DA ANPED, 26., 2003. Disponível em <https://www.anped.org.br/reunioes/26/trabalhos/gilkagirardello.rtf>. Acesso em outubro. 2020. KARNOPP, L. B. Literatura Surda. Florianópolis: UFSC, 2008. Disponível em: <http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/literaturaVisual/ass ets/369/Literatura_Surda_Texto-Base.pdf >. Acesso em: 29 out.2020 MURRAY, Janet H. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Itaú Cultural: UNESP, 2003. 28 ONG, Walter. Oralidade e cultura escrita: a tecnologização da palavra. Campinas: Papirus, 1998. RAMOS, Flávia Brocchetto, 1966 -. Mergulhos de leitura: a compreensão leitora da literatura infantil / Flávia Brocchetto Ramos, Neiva Senaide Petry Panozzo. Caxias do Sul, RS: Edusc, 2015.Disponível em: <https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/30806/pdf/0>. SANTOS, A. B.; LIMA, S. A. A. Literatura Surda: algumas considerações. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 10.,2016, Aracaju.Anais.Aracaju:UNIT, 2016. Disponível em: <https://eventos.set.edu.br/index.php/enfope/article/viewFile/5309/1793>. Acesso em:29 out.2020. SÃO PAULO (município). Secretaria Municipal de Educação. Cadernos de apoio e aprendizagem: Libras: livro do professor. São Paulo: SME/DOT, 2012. ROSA, E.Z. “Da rua para a cidadania: a construção de sentidos na travessia”. In: OZELLA, S. (org.) Adolescências construídas: a visão da psicologia socio histórica. São Paulo: Cortez, 2003. VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1934/1999. CAPÍTULO 3: LINGUAGENS E APRENDIZAGENS NUM MUNDO DIGITAL 29 Claudeci Martins da Silva, Juliana Cristhina Murari Assunção e Renata Gerhardt Gomes Roza A aprendizagem passa obrigatoriamente pela linguagem, que pode se processar de diversas formas: oral, escrita, simbológica, digital, e, por múltiplas formas de expressão. De forma simplista, é possível inferir, que pessoas, situações, objetos e experiências “falam” quando algum tipo de interação é estabelecida. Dentro da perspectiva da educação básica é imperativo refletir sobre como a linguagem interfere nos processos de ensino e aprendizagem. E dessa vertente de pensamento, diversas indagações emergem no campo da docência: como aprender e ensinar num mundo de múltiplas linguagens e diferentes interfaces? Quais linguagens precisam ser dominadas? Como superar as diferenças de vivências atribuídas as gerações? Como prender a atenção do aluno num mundo digital? Como motivar os estudantes? Nunca fomos expostos a tantas informações como nos dias atuais. Grande parte dessa exposição deve-se ao desenvolvimento da tecnologia. Com isso, mudanças significativas nas formas de comunicação, de trabalho, de ensinar e de aprender podem ser observadas. 30 No momento atual, a linguagem digital tem se destacado no campo da educação. Enquanto alguns educadores e estudiosos da educação defendem sua entrada e permanência no âmbito educacional, ainda é possível encontrar resistência de outros educadores. Entretanto, tal fato exige uma análise criteriosa dos elementos que a envolve: ferramentas digitais, metodologias, a práxis docente, dentre outros. Tais questões e considerações envolvem uma trama de teorias e pensamentos que aqui serão abordadas no intuito de refletir sobre o assunto. Nesse sentido, buscou-se traçar um percurso teórico analítico na perspectiva da Educação. AS NOVAS LINGUAGENS DO ENSINO: TECNOLOGIAS DIGITAIS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TDICS) 31 A sociedade contemporânea é demarcada por uma série de transformações no âmbito político, econômico e social. Tais mudanças se mostram entrelaçadas ao progresso da ciência e da tecnologia (TORTAJADA; PELÁEZ, 1997). A utilização de equipamentos como o telefone, a televisão e o computador alteraram o modo de vida das pessoas, sobretudo, dos mais jovens. Os nascidos a partir da década de 1990, encontram-se circundados por um mundo repleto de instrumentos ligados à rede e, portanto, digitais. O uso constante e diário, desses equipamentos ampliaram as possibilidades de informação e comunicação. Em decorrência disso, foi preciso repensar o processo de ensino-aprendizagem. De acordo com Kenski (2003, p. 04): Na atualidade, as tecnologias digitais oferecem novos desafios. As novas possibilidades de acesso à informação, interação e de comunicação, proporcionadas pelos computadores (e todos os seus periféricos, as redes virtuais e todas as mídias), dão origem a novas formas de aprendizagem. São comportamentos, valores e atitudes requeridas socialmente neste novo estágio de desenvolvimento da sociedade. Os novas formas de ensinar e aprender são, muitas vezes, mediadas pelas tecnologias de informação e comunicação, também denominadas “TIDICs”. Estas, podem ser compreendidas, a grosso modo, como um conjunto de equipamentos e aplicações tecnológicas que geralmente utilizam a internet, tais como o uso de computadores, tablets, celulares e apps. Do mesmo modo, se enquadram nessa definição o uso de sites, redes sociais, periódicos eletrônicos, programas de edição e de programação. Segundo Tortajada e Peláez (1997, p. 207) “as tecnologias digitais de informação e comunicação envolvem técnicas, instrumentos, métodos que permitem obter, transmitir, reproduzir, transformar ou mudar a informação.” Quando pensadas dentro do processo educativo, as “TIDICs” são vistas como ferramentas para promover a aprendizagem significativa e interativa do aluno, e representam uma nova linguagem no ensino. Atualmente, grande parte das escolas contam com ferramentas tecnológicas, tais como: o uso de tablets, lousa digital, livros digitais e plataformas online, que permitem a interação entre professor e aluno. 32 O ensino deixa de ser respaldado, somente, pelo discurso do professor e sua representação gráfica no quadro, antes “negro” e com giz, depois “branco” e com caneta. A linguagem agora é múltipla, complexa e aberta. A informação e comunicação deixam de ser locais e passam a ser globais, conectadas à rede. Torna-se possível acessar informações e conhecimentos do mundo todo, atuais e historicamente construídos. Em 2014 a UNESCO lançou o documento intitulado: “Diretrizes de políticas da UNESCO para a aprendizagem móvel”, o qual foi escrito por especialistas de mais de 20 países, dirigido à educação de nível básico e superior, com o intuito de contribuir com práticas pedagógicas inovadoras, que possam enriquecer as oportunidades educacionais em diversos ambientes. De acordo com o texto: Atualmente, um volume crescente de evidências sugere que os aparelhos móveis, presentes em todos os lugares – especialmente telefones celulares e, mais recentemente, tablets – são utilizados por alunos e educadores em todo o mundo para acessar informações, racionalizar e simplificar a administração, além de facilitar a aprendizagem de maneiras novas e inovadoras (UNESCO, 2014, p. 07). Um dos benefícios apresentados pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura no que se refere à utilização das “TIDICs” é a possibilidade de expandir o acesso à educação e ao conhecimento em áreas onde escolas, livros e computadores são escassos, ou em casos de comunidades isoladas geograficamente, na medida em que os estudantes poderiam utilizar os recursos móveis para estudar, tais como celulares e tablets. Desse modo, seria possível contribuir com a equidade e qualidade da educação. É importante lembrar que as novas tecnologias presentes na prática pedagógica, não visam a exclusão das metodologias anteriormente existentes, pelo contrário, podem ser utilizadas como apoio e complementação da prática docente e promoção de novas habilidades e competências dos alunos. 33 Essas aprendizagens, no entanto, vão além das capacidades e habilidades adquiridas por meio de memorização e reprodução do que lhes é transmitido e ensinado, como era exigido nas sociedades predominantemente orais. Também vão além dos procedimentos de compreensão, aplicação e análise existentes nos processos de ensino das sociedades da escrita. Sem abandonar nenhum desses processos, o ensino mediado pelas NTICs [1] se caracteriza pelo envolvimento de todos esses procedimentos, em um processo de síntese e o surgimento de novos estilos de raciocínio - como a simulação e o compartilhamento de informações além do estímulo ao uso de novas percepções e sensibilidades (KENSKI, 2003, p. 07). Nesse sentido, por meio do uso dos equipamentos digitais, a mera reprodução e memorização dos conteúdos deixa de ser prioridade e espera-se que o educando se engaje e demonstre interesse pelo conteúdo a ser apreendido. Do mesmo modo, torne-se autônomo e responsável pelo processo de aquisição do conhecimento. Fonte: https://media.giphy.com/media/KyBsgI7jQ01VRjGhm1/giphy.gif [1] NTICs - sigla como são conhecidas as “novas tecnologias de comunicação e informação”. COMO APRENDER E ENSINAR NUM MUNDO DE MÚLTIPLAS LINGUAGENS E DIFERENTES INTERFACES 34 Diante desse novo cenário, é imperativo pensar, na forma de aprender e ensinar com tantas complexidades. Moran (2007, p. 43) dentro dessa perspectiva ressalta que: Caminhamos para a sociedade do conhecimento e este é tão complexo, frágil, instável! Nunca tivemos tanta informação disponível e, ao mesmo tempo, nunca foi tão difícil conhecer. O que selecionar? O que vale a pena entre tantas opções? O que é importante e o que é descartável? O que é um modismo passageiro e o que nos faz avançar? O que estudamos hoje será útil amanhã? O que estou aprendendo profissionalmente poderá ser aplicado tal como me ensinaram? Num mundo que evolui tão rapidamente, o que posso aproveitar do passado? Antes os educandos recebiam orientações e formação para usar a tecnologia, hoje a tecnologia é usada no processo ensino e aprendizagem de modo que uma infinidade de possibilidades emergem, como o uso de videoaulas, plataformas, aplicativos, entre outras ferramentas. Um cardápio de conteúdos e interações. Sandholtz (1997) ressalta que: A tecnologia não é uma panacéia para a reforma do ensino, mas ela pode ser um canalizador significativo para a mudança. Para aqueles que procuram uma solução simples e inovadora, a tecnologia não é resposta. Para aqueles que procuram uma ferramenta poderosa para apoiar ambientes de aprendizagem colaborativos a tecnologia tem um enorme potencial (SANDHOLTZ, 1997, p.175). 35 O que implica dizer que as relações dentro do processo de ensino e aprendizagem passaram por sensíveis mudanças com a inserção de elementos tecnológicos na práxis docente. Numa análise simples e comparativa verifica-se que a mudança do ensino tradicional para práticas construtivistas, por exemplo, propiciou uma alteração no fluxo de informação das interações entre os atores envolvidos no processo (figura 1 e 2), ou seja, nas relações estabelecidas dentro do contexto de sala de aula. No entanto, quando ferramentas digitais e outros elementos tecnológicos são adicionados ao processo, verificase um redimensionamento de todas as interações e novas interfaces são estabelecidas. De modo que o fluxo de informação e aprendizagem adquire uma maior proporção (figura 3). Figura 1: Fluxo de informação da educação tradicional Figura 2: Fluxo de informação na perspectiva construtivista 36 Figura 3: Fluxo de informação na Educação na Era Digital Aprende-se com o professor. Aprende-se com o aluno. Aprende-se com o colega e com o desconhecido. Aprende-se com quem está perto e com quem está longe. Aprende-se fazendo. Aprende-se com a observação. Aprende-se sendo. Aprende-se na escola e fora da escola. Aprende-se com o livro, com a imagem e com o aplicativo. Enfim, aprende-se com o quê e quem estiver disponível e acessível dentro do processo de aprendizagem. Essa perspectiva corrobora com o que ressalta Kenski (2009): A tecnologia digital rompe com as formas narrativas circulares e repetidas da oralidade e com o encaminhamento contínuo e sequencial da escrita e se apresenta como um fenômeno descontínuo, fragmentado e, ao mesmo tempo, dinâmico, aberto e veloz (KENSKI, 2009, p. 32). E vai de encontro com o estabelecido por Stumpenhorst (2018): Muitas ferramentas disponíveis permitem que os professores apresentem e compartilhem informação em uma variedade de formatos. Isso ajuda a lançar uma rede maior para envolver e interessar os estudantes. Ainda mais importante a tecnologia dá aos alunos opções e escolhas sobre como demonstrar e documentar seu aprendizado. (STUMPENHORST, 2018, p. 98) Todas essas possibilidades produziram mudanças significativas nos papéis desenvolvidos por docentes e discentes, de modo que, o aprender e o ensinar adquiriu novas configurações. Para os estudantes, por exemplo, pode propiciar a construção de trajetórias de aprendizagens que passa por viasias distintas, mas que interligadas se conectam de alguma forma para a construção de novos saberes (figura 4). 37 Figura 4: Trajetórias de aprendizagem do discente Por outro lado exige dos docentes uma série de quebra de paradigmas e retirada de suas zonas de conforto. Fagundes (2009) ao discorrer a respeito das da tecnologias de informação e comunicação (TICs) reforça a ideia ao afirmar que: A primeira utilização de uma nova tecnologia sempre consiste em um esforço para fazer melhor o que se fazia antes, e por isso é razoável esperar que as TICs ajudem a melhorar as práticas já existentes na escola. Porém, o que se pode entender hoje por inovações na escola? Não se trata apenas de melhorar as práticas tradicionais, porque a mudança que está ocorrendo representa uma mudança de paradigma. E essa mudança nem sempre é fácil, mas possível, desde que os atores envolvidos se apropriem da ideia e colaborem para sua implantação. Por exemplo, seguindo essa vertente, verifica-se que um dos elementos fortemente impactado pelo redimensionamento provocado pela adoção da tecnologia foi o processo de avaliação. Para Hoffmann (2005) avaliar em meio aos novos paradigmas educacionais e culturais é dinamizar oportunidades de ação-reflexão, em um acompanhamento permanente do professor. Tal fato é percebido pelo aumento da qualidade e quantidades de feedback das atividades avaliativas.. 38 Nesse novo contexto, o ensino deixa de percorrer apenas uma via, desenvolvendo meandros de linguagens e interfaces, surgindo a necessidade de desenvolvimento de recursos didáticos adequado para os inúmeros segmentos e possibilidades emergentes, sem comprometer os currículos e ementas e através de um processo colaborativo. Moran (2018) destaca que a interconexão entre aprendizagem pessoal e colaborativa, em um movimento contínuo e ritmado, ajuda o aluno a avançar muito além do que seria possível sozinho ou em grupo. Essa interconexão e movimento, podem ser percebidos nos novos formatos de ensino, como por exemplo, no Ensino Híbrido, mediado pelo uso de Tecnologias de informação e comunicação (TDICs). Tais recursos se estabelecem como novas formas de linguagens e aprendizagens na educação e constituem parte do projeto de uma escola integrada à cultura digital. Levy (1999) considera Interfaces todos os aparatos materiais que permitem a interação entre o universo da informação digital e o mundo ordinário. De forma complementar Maissiat et al. (2011) define Interface digital como veículo que o usuário irá interagir com determinado sistema tanto fisicamente, perceptivamente assim como conceitualmente. Esse conceito permite verificar a complexidade que envolve a construção de espaços digitais de aprendizagem, bem como a diversidade de recursos que podem ser utilizados. Dito isso, é preciso considerar a importância de uma equipe multidisciplinar para construção desses “espaços” e ferramentas. Designers gráficos e digitais, docentes conteudistas, programadores e outros profissionais especialistas são necessários, considerando as múltiplas exigências e necessidades. ENSINO HÍBRIDO: UMA NOVA FORMA DE LINGUAGEM NA EDUCAÇÃO? A imersão e naturalização do uso das Tecnologias digitais de informação e comunicação possibilitaram a criação de espaços virtuais de aprendizagens. Em face disso, a compreensão de espaço e tempo também se altera. Nem todos os espaços exigem a presença do aluno em sala de aula, de modo presencial. Do mesmo modo, as atividades designadas pelo professor, não precisam mais ser executadas com a presença dele, em um momento determinado. Em face disso, o ensino híbrido tem sido visto como um modo de proporcionar novas estratégias, ampliando as possibilidades aprendizagem, e tornando significativa a compreensão dos conteúdos, assim como a contextualização e reflexão sobre os mesmos. 39 De acordo com Staker e Horn (2012) o ensino híbrido ou blended learning pode ser definido como um programa de educação formal, no qual, é realizado em parte por meio online, onde o aluno possa ter controle do tempo, lugar e/ou ritmo da atividade a ser realizada; agregado a uma parte supervisionada pelo professor e que pode ocorrer na escola e/ou longe dela. Fonte: STAKER e HORN. Disponível em <<https://www.christenseninstitute.org/wp content/uploads/2013/04/Classifying-K-12blended-learning.pdf>>. Nesse sentido, o método blended learning busca combinar práticas pedagógicas do ensino presencial e do ensino a distância, com o objetivo de melhorar o desempenho dos alunos (MENDONÇA, 2016). Nessa organização as propostas são realizadas em um movimento cíclico e dissociável, que combina atividades em momentos assíncronos e síncronos da sala de aula, ou seja, o aluno de posse de um roteiro de estudo é direcionado para propostas de autoestudo e momentos de interação com o professor. A aprendizagem se torna individualizada e é construída de modo flexível. O percurso no processo de aquisição do conhecimento é diversificado e mescla saberes considerados tradicionais, tal como o livro didático, e a aula expositiva do professor, com instrumentos inovadores, tal como vídeos, sites e periódicos disponíveis na rede. Além disso, a aula pode ser realizada por meio de plataformas digitais, tais como: o Google Meeting, Zoom e Moodle. 40 A avaliação da aprendizagem também se torna possível de modo assíncrono, como por exemplo, a partir da resolução de questionários online, no Google Forms, de entrega de apresentações no Canva, Powerpoint, Prezi, Google apresentações, entre outros. Por meio das formas síncronas e assíncronas de comunicação, as pessoas definem seus próprios caminhos de acesso às informações desejadas, afastando-se de modelos massivos de ensino e garantindo aprendizagens individualizadas. A flexibilidade da navegação no ambiente virtual dá oportunidade para a diversificação e personalização dos caminhos e a articulação entre saberes formais e não formais (KENSKI, 2003). Para Moran (2013, p. 3) uma aprendizagem ativa pode ser construída em três momentos: “a construção individual – em que cada aluno percorre seu caminho -; a grupal – em que aprendemos com os semelhantes, os pares e a orientada, em que aprendemos com alguém mais experiente, com um especialista um professor”. Desse modo, o processo de aprendizagem ultrapassa a sala de aula tradicional, e depende dos interesses do educando. Uma vez que as tecnologias de informação e comunicação expandem as fronteiras espaço-temporais, o aluno poderia personalizar seu próprio ensino, podendo escolher quando e onde realizar suas atividades e entrar em contato com os conteúdos prescritos pelo professor. Além disso, esse mesmo aluno, pode determinar o seu modo de aprender, uma vez que conhece suas habilidades e sabe como ocorre seu processo de aprendizagem. Assim, ele poderia optar por áudios, podcasts, caso considere aprender melhor ouvindo; ou por vídeo aulas, slides, textos, caso necessite da imagem e a visualização seja o que lhe atinge. Dentro desse aspecto, cada aluno poderia estar empenhado em diferentes atividades, com expectativas e motivações diversas. Todavia, esse processo precisa ser guiado pelo professor mediador e buscar, constantemente, cumprir com os objetivos de aprendizagem delineados por ele. Acerca disso, Moran (2013) afirma: Trabalhar com desafios hoje é mais complexo, porque cada um dos alunos envolvidos têm expectativas diferentes, motivações diferentes, atitudes diferentes diante da vida. O educador precisa descobrir quais são as motivações profundas de cada um, o que o mobiliza mais para aprender, os percursos mais adequados para sua situação e combinar atividades grupais e pessoais de aprendizagem cooperativa e competitiva, de aprendizagem tutorada e autônoma, com tecnologias próximas da vida dos alunos. E isso exige mediadores muito experientes e preparados (MORAN, 2013, p. 3). 41 Em decorrência disso, o professor se torna um orientador dentro de práticas individuais e coletivas, em momentos conjuntos e dispersos, em processos educacionais formais e informais, colaborando com a criatividade e empreendedorismo do aluno. A educação Blended Learning pode estimular os alunos, provocando desafios, integrando espaços físicos e virtuais de aprendizagens. Utilizando as tecnologias disponíveis, os alunos e o professor ampliam as possibilidades de pesquisa e de aquisição de conhecimento. Assim, as tecnologias digitais desempenham um papel importantíssimo no contexto da educação, pois fazem com que a educação vá além das fronteiras da escola, da cidade ou de seu país. O Ensino Híbrido, executado por meio das tecnologias de informação e comunicação, promovem a capacidade de uma educação cultural global e atemporal, facilitando acesso rápido a uma grande quantidade de informações e deixando as aulas e as atividades acadêmicas mais dinâmicas, interessantes e criativas. Sabe-se que a implementação desse método de ensino, ainda enfrenta muitas dificuldades no Brasil, devido uma série de empecilhos econômicos, sociais e políticos. Contudo, é preciso refletir sobre seus benefícios e as possibilidades de sua efetivação, quando se vislumbra uma educação voltada para o século XXI e adequada à cultura digital. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto é preciso considerar toda complexidade que envolve as linguagens e aprendizagens num mundo digital. Apesar dos avanços, ainda existe um longo caminho à frente e certamente muitos desafios. Torna-se necessária, inclusive, a reflexão que a inovação não cabe apenas à inserção das “TIDICs” no âmbito escolar, e, que para um ensino inovador exige-se muito mais da mudança de postura do docente e dos processos educacionais do que dos recursos por estes utilizados. Ao refletirmos sobre as linguagens e aprendizagens em um mundo digital encontramos uma multiplicidade de recursos, e, nessa diversidade caminhamos para as mais diferentes formas de aprender. A busca por recursos tecnológicos, inserção de tecnologias digitais e formas de linguagem na educação pode proporcionar, em um ambiente que antes parecia ser habitado por uma única forma de pensar e falar a aprendizagem em todas as suas formas e por seus diferentes atores. 42 Um dos aspectos mais interessantes e importantes na adoção de tecnologias na educação é a construção de uma aprendizagem colaborativa. O que podemos destacar como uma de suas principais contribuições para a educação, marcada pela participação efetiva e eficaz dos seus atores e pelo desenvolvimento de habilidades de autogestão, favorecido pela adequação dos ritmos de aprendizagem de cada um. Os ambientes virtuais, ferramentas de aprendizagem, implementação de equipamentos tecnológicos nas escolas e diferentes modelos de ensino remoto precisam estar adequadas para atender aos diversos públicos e aos diferentes cursos que podem ser oferecidos com o uso das tecnologias digitais. O Ensino Híbrido tem se destacado dentro dessas novas linguagens, possibilitando a administração do tempo e criando processos de ensino personalizados, adequados as habilidades de cada discente. Portanto, frente às novas possibilidades surgem também novos questionamentos: nosso modelo educacional está preparado para essa autonomia de docentes e discentes? Um estudante da educação básica no sistema de ensino brasileiro atual tem sido incentivado ao protagonismo que a inserção do Ensino Híbrido exige? Como devem ser desenvolvidos tal protagonismo e autonomia nas diferentes etapas da educação básica? Este artigo não visa responder todas as perguntas, mas levantar reflexões frente às transformações que, muita das vezes, são vistas de forma positivadas como melhoria e inovação no ensino. Todavia, deve ser ressaltado, que uma efetiva melhoria e transformação do ensino, não depende apenas da disponibilidade de recursos mas, principalmente, de um conjunto de medidas, que estimule novos modos, atitudes REFERÊNCIAS: 43 FAGUNDES, Léa da Cruz. As condições da inovação para a incorporação de TIC à educação. In: Roberto Carneiro, Juan Carlos Toscano y Tamara Díaz, OEI – Fundación Santillana, Espanha, 2009. HOFFMANN, J. (2005). O jogo do contrário em avaliação. Porto Alegre, RS: Mediação. KENSKI, Vani M. Tecnologias e tempo docente. Campinas, SP: Papirus, 2013. KENSKI, V. M. (2003). Aprendizagem mediada pela tecnologia. Revista Diálogo Educacional, 2003, v.4, n.10. Disponível <<https://periodicos.pucpr.br/index.php/dialogoeducacional/article/view/6419/6323>> Acesso: 08/10/2020. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. MAISSIAT, Jaqueline; MACHADO, Leticia Rocha; BIAZUS, Maria Cristina V. ; BEHAR, Patricia Alejandra; BERCHT, Magda. Interfaces digitais em objetos de aprendizagem: implicações na educação. Nuevas Ideas en Informática Educativa, TISE 2011 1. Disponível em: <http://www.tise.cl/volumen7/TISE2011/Documento19.pdf> Acesso em: 08 out 2020. MENDONÇA, Bruno. O que é e como funciona o blended learning? Disponível em: <<https://www.edools.com/blended-learning/>> Acessado em 10 out. de 2020. MORAN, José Manuel. A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá. 2. ed. Campinas, SP: Papirus, 2007. __________________. Metodologias ativas para uma aprendizagem mais profunda. São Paulo, 2013. Disponível em: <<http://www2.eca.usp.br/moran/wpcontent/uploads/2013/12/metodologias_moran1.pdf>> Acesso em: 12/10/2020. SANDHOLTZ, Judith H. Ensinando com as tecnologias: criando sala de aula centrada nos alunos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. 44 STAKER, H.; HORN, M. B. Classifying K-12 blended learning. Mountain View: Innosight Institute, 2012. Disponível em: <https://www.christenseninstitute.org/wp content/uploads/2013/04/Classifying-K-12-blended-learning.pdf> Acesso em: 08 out. 2020 STUMPENHORST, J. A nova revolução do professor. Editora Vozes. Petropolis, RJ, 2018. TORTAJADA, José; PELÁEZ, Antonio (Eds.). Ciencia, tecnologia y sociedad. Madrid: Sistema, 1997. UNESCO. Diretrizes de políticas da UNESCO para a aprendizagem móvel. Paris, 2014. Disponível em: <<https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000227770/PDF/227770por.pdf.multi>> Acesso em: 12/10/2020. CAPÍTULO 4: COMUNICAÇÃO CONSTRUTIVA: UMA PROPOSTA NARRATIVA PARA O JORNALISMO DO SÉCULO XXI 45 Louise Teixeira Diório INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objetivo estudar a prática de comunicação construtiva, com enfoque principal nas técnicas narrativas do Jornalismo Literário Avançado, desenvolvido por Edvaldo Pereira Lima (2009), para traçar um panorama sobre o desenvolvimento das atividades dos comunicadores nos dias atuais. A partir da produção de um conteúdo transmídia, o leitor poderá acompanhar os conceitos levantados ao decorrer do trabalho em formato de vídeo e texto em múltiplas plataformas. Segundo Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Fernanda Castilho (2018), narrativas transmídia desenvolvem-se a partir de conteúdos interativos que propõe o engajamento dos receptores, levando-os de um conteúdo ao outro para adquirir informações sobre determinado assunto. Nesse contexto, as mídias sociais se destacam por suas múltiplas plataformas, ferramentas, recursos e grande gama de público – podendo atingir pessoas de maneira regional, nacional e até global. 46 Com isso, o objetivo deste trabalho transmídia e laboratorial é visitar os conceitos do jornalista e pesquisador Edvaldo Pereira Lima a respeito do Jornalismo Literário Avançado e da Comunicação Construtiva e, a partir disso, gerar narrativas em linguagens de diferentes plataformas. De caráter qualitativo e análise modesta, a presente pesquisa obteve como metodologia referências bibliográficas a respeitos de transmídia, jornalismo literário avançado e comunicação construtiva, além de projetos laboratoriais e experimentais de interatividade entre diferentes plataformas. Para tal, tem-se como justificativa o avanço da cultura digital e as novas formas de comunicação que surgem a cada dia e que movem os profissionais constantemente à atualização e aperfeiçoamento do mercado. Em meio a um cenário de convergência digital e de globalização a “indústria midiática orienta-se cada vez mais pelo surgimento de formas culturais que não estão mais baseadas em um medium, mas em um conjunto, sendo assim transferíveis de uma plataforma para outra” (LOPES; CASTILHO. 2018, p. 42). Portanto, para compor o conteúdo deste capítulo de e-book, foi produzido conteúdo em mais duas plataformas: no YouTube e no portal Fala Universidades. A primeira consiste em uma entrevista com Edvaldo Pereira Lima, dividida em três episódios: 1) Trajetória de vida do autor; 2) O que é Comunicação Construtiva?; 3) Formas Narrativas no Jornalismo Literário Avanço. Enquanto isso, na segunda plataforma o leitor terá disponível uma análise da obra de não-ficção “O Mentor: a jornada inspiradora de Roberto Shinyashiki, um homem movido por transformar a vida das pessoas” (2018), escrita por Edvaldo Pereira Lima e publicada pela Editora Gente. Com isso, desejo que este conteúdo contribua para a construção de conhecimento dos profissionais da comunicação, estudantes e pesquisadores, bem como pessoas em geral (afinal todos somos comunicadores de algo) e convido a todos os leitores para percorrer por essas narrativas transmidiáticas e, assim, conhecer novas formas e linguagens embasadas em uma comunicação mais positiva, consciente e responsável. HUMANIDADES DIGITAIS E NARRATIVAS TRANSMÍDIAS 47 O conceito de Humanidades Digitais ganhou ascensão global na última década ao ser utilizado pela primeira vez por um professor universitário estadunidense, John Unsworth, em 2002, e reconhecido dois anos depois, após a publicação do livro Companion to Digital Humanities. Um dos motivos que marcou o sucesso do termo foi a gama de designações que foi abarcado em apenas um conceito, tais como: Computação para as Humanidades, Informática Aplicada à História, Linguística Computacional, Patrimônio e Computação, Arte Digital, dentre outras. (ALVES, 2016, p. 1) Há diferentes conceitos e visões quanto à definição de Humanidades Digitais. Susan Hockey define como um uma área acadêmica interdisciplinar com metodologias para tecnologias digitais que incorporam investigações nas humanidades. Segundo Alves (2016, p,2), “A tônica aqui assenta na sua função de agregação ou ligação, juntando várias disciplinas das Humanidades e estas com as duas áreas da Computação e Informática”. Contudo, Dan Cohen, com uma visão mais ampla, define o termo como estímulo para a investigação, ensino e métodos digitais das humanidades. O conceito de Humanidades Digitais aborda um senso de comunidade, evidenciado com mais força após 2005, com a explosão da Web 2.0 e o advento das redes sociais como, por exemplo: Orkut, Twitter, Youtube, dentre outras. De acordo com Alves (2016, p.3) essas ferramentas “podem ajudar a transformar as nossas disciplinas e a nossa forma de trabalhar, sendo a facilidade em criar redes, em partilhar resultados, em encetar trabalhos colaborativos e interdisciplinares perspectivas a valorizar”. Em concordância com a visão de Alves (2016), conforme publicado no The Digital Humanities Manifesto 2.0 (tradução livre, p. 4), as humanidades digitais “defendem os direitos dos criadores de conteúdo [...] de exercer controle sobre suas criações e evitar a exploração não autorizada; mas esse controle não deve comprometer a liberdade de retrabalho, crítica e uso para fins de pesquisa e educação”. Ou seja, há um senso de comunidade latente, de contribuição e compartilhamento do conhecimento em suas diversas área e especialidades e democratização da cultura. 48 Por meio de uma observação do comportamento social, é nítida a influência da cultura digital na sociedade. Na atualidade estamos cercados de produtos tecnológicos dos mais variados tipos: celular, tablete, computador, videogame, dentre outros. Do mesmo modo em que as invenções tecnológicas permitem a conexão de milhares de pessoas às mais variadas informações, incorpora também práticas geradas a partir dessas novas tecnologias. Segundo Bortolazzo (2016, p. 5), a palavra “mídia” pode ser considerada no sentido visto em jornalismo – mídia impressa, mídia online, mídia televisa, etc. – porém, no sentido mais abrangente da palavra, uma “mídia” pode ser considerada uma vestimenta, gestos, expressões faciais e outros produtos culturais e institucionais. “É possível continuar pensando a mídia nas formas descritas anteriormente, no entanto, em vista de um cenário esboçado por mudanças efêmeras e contínuas, as categorias assumidas são constantemente desafiadas. Um exemplo é a transmidia, em que migrações de conteúdos e de propriedade intelectual ocorrem através de vários meios, forçando os produtores a colaborar uns com os outros. Outro exemplo é a hipermídia – conjunto de meios que permite o acesso simultâneo a textos, sons e imagens de uma maneira interativa, e no qual os usuários podem controlar a navegação.” (Bortolazzo, 2016, p. 4) 49 Esse exemplo de transmídia pode ser visto claramente na comunicação feita atualmente pelo jornalismo. Como ocorre, por exemplo, no jornal O Estado de S. Paulo. Hoje em dia não basta apenas ter a notícia impressa, mas também disseminar sua mensagem em outras plataformas digitais e, cada uma, em sua respectiva linguagem habitual. Além do jornal impresso, o Estadão mantém o site de notícias no ar, além de conta no Twitter, Instagram, YouTube e Facebook. Cada mídia recebe o mesmo conteúdo, porém em formato e linguagem diferente. O jornal fica com a notícia tradicional, seguindo o lead e a mensagem objetiva. O Twitter com pequenas frases que traduzem o conteúdo principal e mais chamativo da pauta. O Instagram possui um vídeo interativo e um apelo mais leve. Já o YouTube exibe os bastidores da equipe de reportagem ou os conteúdos mais densos, porém em formato audiovisual. Ao ponderar o exemplo do jornal O Estado de S. Paulo em relação ao conceito de McLuhan (1997) como “o meio é a mensagem”, conferimos na prática a importância de se comunicar com o público em suas respectivas linguagens. Ou seja, cada plataforma (meio) necessita de uma linguagem específica. O modo de escrever (mensagem) no jornal impresso (meio) não é o mesmo que gravar stories (mensagem) no Instagram. Entretanto, como contraponto a esse pensamento, há a definição de Williams (1975) que não recomenda misturar os dois termos -meio e tecnologias - em um só. De acordo com Bortolazzo (2016, p. 9) “é verdade que está implícito no pensamento de Williams que um meio está atravessado, de alguma maneira, pela utilização específica de uma determinada tecnologia, quer dizer, o meio também se dá pelos usos, pelas intenções e pelos propósitos dessas mesmas tecnologias. No entanto, um meio é mais do que a sua tecnologia. Os meios dependem, também, das práticas.” JORNALISMO LITERÁRIO AVANÇADO “Viagem. O jornalismo literário é uma viagem de descoberta pelo território do real, por todos os mundos que constituem aquilo que achamos que éa realidade. A literatura do real muda, desenvolvendo-se dinamicamente ao longo do tempo, como tudo o que existe. Nada é estático, apenas nossos olhos aceitam ilusões. Tudo está em movimento. O tempo todo.” (LIMA, 2009, p. 436) 50 Que bela metáfora para iniciar esse tópico a respeito de jornalismo literário. A partir do momento que um repórter ou jornalista parte para o campo em busca de desenvolver na prática suas ideias, questionamentos e curiosidades a respeito de um assunto específico, ele começa uma verdadeira viagem para novos mundos, novos saberes, novas pessoas e novos desafios. Na obra “Páginas Ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura” (2009), o autor Edvaldo Pereira Lima investiga as práticas narrativas do jornalismo literário, desde suas origens, fundamentos, conceitos e exemplos práticos, até estabelecer sua proposta de Jornalismo Literário Avançado para o século XXI. Os principais alicerces do jornalismo, utilizados até hoje, foram esclarecidos por Otto Groth a partir do século XX e correspondem a: atualidade; periodicidade; universalidade; e difusão coletiva. Ou seja, a notícia deveria ser do momento presente; com uma regularidade nas informações; de diferentes campos do conhecimento e da sociedade; e circulação ampla, para todas as camadas sociais, geográficas, culturais, etc. Em complemento, Lima (2009, 12) explica que, conforme as definições de Groth na década de 1940, “o jornalismo serve para informar e orientar sobre os fatos da atualidade, mantendo um vínculo de contato periódico com a audiência que é dispersa geográfica e socialmente.” Para Lima (2009, p. 436) a tradição do jornalismo literário traz uma bagagem bem construída quando se trata da tecnologia narrativa, porém necessita de algumas modificações e avanços que ampliem a consciência da espécie humana [...] abandone o patamar vigente do pensamento simples e linear.” Diante de uma inquietação pessoal, de alguém que observava que “a leitura de mundo prendia-se a um viés racionalista, excessivamente cerebral e lógico, aos meus olhos, que traduzia no fundo um entendimento raso, simplista, da realidade” (LIMA, 2013, p. 70), surgiu a proposta conceitual intitulada por Edvaldo Pereira Lima como Jornalismo Literário Avançado. 51 O primeiro alicerce do Jornalismo Literário Avançado corresponde a transdisciplinaridade, movimento epistemológico que une a ciência, a arte, a filosofia e as tradições. De acordo com Lima (2009, p. 440), “a realidade é um processo, não uma situação estática, congelada, como nossa cultura nos quis fazer entender durante séculos.” Em seguida há os aportes: da física quântica, a partir de princípios metafóricos que apresentam compreensões sutis e concretas a respeito da realidade; dos campos morfogenéticos, que advém da biologia e corresponde a uma ligação não racional entre espécies; da psicologia humanista, a partir de conceitos psicossíntese de Roberto Assaglioli e Carl Gustav Jung; e por fim da jornada do herói, criada a partir de estudos de Joseph Campbell e Jung, sistematizada por Christopher Vloger. Pode-se dizer que diante da proposta do Jornalismo Literário Avançado, o objetivo principal é impulsionar a prática de narrativas de transformação “capazes de estimular a ampliação de consciência do leitor” (LIMA, 2009, p. 444). No tópico a seguir, abordaremos maneiras narrativas e de linguagem para produzir conteúdos menos destrutivos e que desempenhem um papel social transformativo. NARRATIVAS PARA UMA COMUNICAÇÃO CONSTRUTIVA “Não basta, hoje, diante dos problemas sérios que o mundo atravessa, exigindo respostas eficazes baseadas numa nova visão da realidade, que as narrativas fiquem presas a apenas relatar as misérias da sociedade ou o lado sombrio das pessoas, como faz boa parte da mídia periódica, assim como uma parcela dos livros-reportagem. Não serve ficarmos embevecidos pelo componente estético de uma boa narrativa, apenas, sem nos perguntarmos também “para que serve, que função está cumprindo do elevar, de fato, o nível de entendimento do leitor?” Não basta criticar, apontar mazelas. Isso é um papel importante, mas precisamos dar um salto além.” (LIMA, 2009, p. 445) A Comunicação Construtiva pode ser encontrada nas áreas da educação e empresarial, assim como na comunicação em geral, seja ela profissional ou da vida cotidiana. No caso deste artigo, focaremos nos conceitos levantados por Edvaldo Pereira Lima a partir do Jornalismo Literário Avançado que em geral abrange o conteúdo para comunicadores de diferentes áreas, porém nos atentaremos apenas ao jornalismo. 52 O conceito de Comunicação Construtiva tem sido pesquisado e elaborado por Edvaldo Pereira Lima desde a década de 1980, inserido a princípio em sua tese intitulada de Jornalismo Literário Avançado. Segundo Lima (2020) a Comunicação Construtiva “é uma arte narrativa centrada na pessoa” e, para entender e compreender melhor os personagens de uma determinada história, sejam eles reais ou baseadas na realidade, “convém ao comunicador ampliar seus processos de percepção e criação, desenvolvendo seu poder cognitivo. Isso inclui, além do pensamento, a inteligência emocional, a intuição e outros prováveis sentidos mais sutis. Isto significa que o desenvolvimento das habilidades profissionais caminha ao lado da ampliação do autoconhecimento”. Como este e-book tem caráter transmídia, antes de continuar a leitura, assista a seguir a entrevista com o professor universitário, jornalista e escritor, Edvaldo Pereira Lima, dividida em três episódios: Edvaldo Pereira Lima: Trajetória de Vida | Parte 1 de 3 53 O que é Comunicação Construtiva? | Parte 2 de 3 Há duas formas narrativas no conceito de Jornalismo Literário Avançado de enxergar de modo prático a capacidade da comunicação construtiva na trajetória de vida de pessoas: biografia e perfil. De forma simplificada e sucinta, a biografia tem o objetivo de narrar a vida de um determinado personagem sem se ater muito aos detalhes. De modo geral, foca em uma trajetória de vida dentro da cronologia e superficialidade, traçando aspectos de nascimento, vida e morte. Enquanto isso, o perfil se propõe a ir mais a fundo, a compreender tão bem o protagonista de modo que seu perfil psicológico seja traçado. Ou seja, vai além do nascimento, vida e morte e caminha pelo contexto em que a história acontece, os valores daquele indivíduo, seus medos, fracassos, alegrias e sucesso. Para exemplificar com maior clareza as diferenças narrativas entre biografia e perfil, elaborei uma análise a respeito da obra “O mentor: a jornada inspiradora de Roberto Shinyashiki, um homem movido por transformar a vida das pessoas” (2018), escrita por Edvaldo Pereira Lima e publicada pela Editora Gente. A respectiva obra de não ficção possui um caráter textual híbrido e entrelaça as técnicas narrativas - biografia e perfil - em uma só. Para ler, acesse o site do portal Fala Universidades: 54 A vida por trás do “fenômeno Shinyashiki” Acesse o Link. Em seguida, assista ao 3º episódio da entrevista com Edvaldo Pereira Lima e saiba mais sobre o processo criativo por trás do livro-reportagem: Jornalismo Literário Avançado | Parte 3 de 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS 55 Segundo LIMA (2009, p. 445), é necessário “nivelar os olhos, apertar as mãos e ultrapassar as barreiras do preconceito.” Como? De acordo com o autor (ibidem), ousando “mergulhar no mundo novo que se descortina com os novos paradigmas em ascensão.” A exemplo, considera como algo do “passado” elevar as celebridades apenas por seus status vazios e sugere como alternativa narrativas reais, que “escapem da futilidade do pão e circo” e “abandonem o território auto-repetitivo das comezinhas lutas de poder habitantes dos palácios de Estados e governantes obtusos.” A partir da presente pesquisa, nota-se a importância da comunicação na cultura digital. Inserida na dinâmica das Humanidades Digitais, a prática da comunicação, com enfoque principal nas técnicas narrativas do Jornalismo Literário Avançado desenvolvido por Edvaldo Pereira Lima (2009), traz para discussão o desempenho dos comunicadores na emissão das mensagens. Alicerçada em pilares que tornam a prática de jornalismo mais equilibrada, a Comunicação Construtiva oferece novos modos de enxergar o mundo e transmitir notícias. Vai além de notícias boas. Traz à tona reflexões sobre como atuamos na profissão e se estamos fazendo bem ou mal às pessoas ou, melhor, como diz um famoso provérbio, se geramos vida ou morte com a mensagem que emitimos ao mundo. REFERÊNCIAS: ALVES, Daniel. As Humanidades Digitais como uma comunidade de práticas dentro do formalismo académico: dos exemplos internacionais ao caso português. Ler História [online], n.69, 2016. Disponível em: http://journals.openedition.org/lerhistoria/2496> Acesso em 20 ago 2020. BORTOLAZZO, Sandro Faccin. O Imperativo da Cultura Digital: entre novas tecnologias e estudos culturais. Caderno de Comunicação: Universidade Federal de Santa Maria, v. 20, n. 10, art. 1, p1., 2016.” CASATTI, Denise. Ferramentas de Comunicação ajudam a sociedade a enfrentar a pandemia, medo e intolerância. São Carlos: Jornal da USP, 23 de jun de 2020. Disponível em: <http://www.saocarlos.usp.br/ferramentas-de-comunicacao-ajudam-sociedade-aenfrentar-pandemia-medo-e-intolerancia/> Acesso em 29 de out de 2020. 56 CASTILHO, Fernanda; LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Recepção transmídia: perspectivas teóricometodológicas e audiências de ficção televisiva online. São Paulo: Galáxia ECA-USP, n. 39, set/dez de 2018. Disponível em <https://doi.org/10.1590/1982-255435151> Acesso em 29 de out de 2020. LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. 4ª ed. Barueri, São Paulo: Editora Manole, 2009. ______. O mentor: a jornada inspiradora de Roberto Shinyashiki, um homem movido por transformar a vida das pessoas. São Paulo, Editora Gente, 2018. ______. Comunicação Construtiva para uma sociedade mais consciente. São Paulo: LinkedIn,15 de mai de 2020. Disponível em: <https://www.linkedin.com/pulse/comunica%C3%A7%C3%A3o-construtiva-para-umasociedade-consciente-pereira-lima-1f/> Acesso em 29 de out de 2020. The Digital Humanities Manifesto 2.0. 2019. Disponível em: <file:///C:/Users/samsung/Documents/Mestrado/2%20sem/Humanidades%20digitais/Aula %202/Manifesto_V2.pdf> Acesso em 20 ago 2020. TELLES, Heloysa Viana. História Digital, Sociologia Digital E Humanidades Digitais: Algumas questões metodológicas. Revista Observatório, Vol. 3, nº 4, 2018. Disponível em: <https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/observatorio/article/view/3810> Acesso em 20 ago 2020. CAPÍTULO 5: FESTIVAIS DE CINEMA EM TEMPOS PANDÊMICOS: AS NOVAS EXPERIÊNCIAS EM PLATAFORMAS VIRTUAIS 57 Davi Marques Camargo de Mello INTRODUÇÃO O cinema sempre se estendeu para além do aparato de registro, e, sendo assim, institucionaliza-se como atração coletiva e ritualística – a sala escura, a projeção, a mímese em sombras – e comercial – a venda de ingressos, bebidas, pipocas e doces, além da exploração publicitária que antecede os filmes. Ao longo dos anos, trava concorrência com equipamentos domésticos e autônomos, da televisão ao videocassete, do computador ao smartphone, e revisa sua produção, distribuição e cadeia mercadológica com o advento digital. Com a generalização das telas, novos modos de assistir a um filme são implantados cotidianamente, seja no aparelho celular, ou numa sala expositiva de uma galeria. A migração de um filme para espaços museológicos, por exemplo, passa por uma nova mutação, a qual Philippe Dubois chama de efeito cinema, isto é, a presença da imagem cinematográfica em variadas instalações de arte contemporânea, um mecanismo de desterritorialização do cinema: o deslocamento de sua práxis – o princípio da caverna platônica – para uma disposição espacial diferenciada, de circulação, interatividade e contemplação. Desse modo, o filme de galeria continua carregando a gramática identitária do cinema (seus códigos, narrativas, desenrolar de imagens e montagem), mas ocupa uma 58 câmara de exposição-instalação cujo trajeto é raramente linear, permitindo que o espectador se torne um flâneur, ou, como define Dubois, um andarilho-narrador, capaz de criar suas próprias narrativas à medida de seu percurso (DUBOIS, 2009, p. 211). Se durante uma exposição perdemos a experiência clássica do cinema, do espectador passivo defronte à projeção de imagens numa sala escura, ciente de que assistirá a um filme sem interrupções, um filme que foi pago para aquele horário específico e condizente à programação já definida de seu alojamento, o quanto absorvemos com a experiência doméstica? As plataformas digitais também estariam passando por um efeitocinema? Por certo, é um questionamento que se alimenta com o crescimento exponencial de serviços de streaming, da Netflix e a Amazon Prime às mais recentes Apple TV e Disney+. Como bem irozinam André Grandreault e Philippe Marion, pesquisadores sobre a genealogia das mídias, “o cinema nunca termina e morrer... Ou, dito de outra forma, e melhor, o cinema não cessaria nunca de se ver declarado morto!” (2016, p. 40). Ainda que ressurja dentro de suas especificidades, os seus formatos de produção e difusão estão em constantes transformações com a hibridização dos meios. Da proliferação dos televisores à generalização do controle remoto, o ato de assistir a um filme não se reduziu a uma experiência linear, sendo cada vez mais fragmentária. Sendo assim, no ano de 2020, momento em que o todo o mundo enfrenta uma de suas maiores crises sanitárias, a pandemia do vírus Covid-19, alguns desses apontamentos entraram novamente em discussão, uma vez que a paralisação da indústria cinematográfica afetou a todos os seus setores. Seguindo as normas da Organização Mundial da Saúde (OMS) (INDÚSTRIA..., 2020), como forma de conter a propagação do vírus, salas de cinema em todo o mundo foram fechadas, como também ocorreu com os teatros, museus, centros culturais e demais estabelecimentos que não são definidos como serviços essenciais, sob o risco de aglomeração social e potencial contaminação. 59 Com a facilidade do digital, no entanto, novos métodos de produção são experimentados diariamente. Em pouco mais de sete meses de quarentena, peças teatrais tem sido exibidas diretamente da casa de seus atores por intermédio de redes sociais. O mesmo ocorre com a produção de curtas e longas-metragens independentes, assumindo sua condição de isolamento. É o caso, por exemplo, do Programa Convidar [1], promovido pelo Instituto Moreira Salles, no qual mais de 120 artistas individuais e coletivos foram convidados a apresentarem suas visões e criações neste período de pandemia. Artistas importantes participaram do projeto, como a cineasta e dramaturga Grace Passô, a atriz e diretora Júlia Katharine, o cineasta Karim Aïnouz, entre outros. Já o longa britânico Host (2020, Rob Savage), foi um dos maiores sucessos da plataforma Shudder, serviço on demand especializado em produções de horror. Simulando uma videochamada no programa Zoom, aplicativo de conversas online que se popularizou neste período do vírus, o filme possui 57 minutos e levou 12 semanas para ser feito. As filmagens duraram cinco dias e foram os próprios atores que prepararam os cenários, suas maquiagens e demais elementos de produção (DENCK, 2020). Se por um lado as produções encontram maneiras de continuarem sua atividade, certamente a maior dificuldade continua sendo ao que se refere à distribuição. Os festivais de cinema, importantes vitrines e mercados para novos filmes, vivem um momento de experimentações e adaptações. Um festival de cinema não explora comercialmente um filme, mas certamente ajuda-o a encontrar o seu público e potenciais distribuidores. A exibição física garante uma exclusividade à obra, além de permitir uma maior integração com o mercado: um selo de festival valoriza e legitima um filme como arte e produto. No entanto, ainda que festivais tradicionais e conceituados sejam resistentes a uma iniciativa online, diversos eventos cinematográficos adotaram o formato virtual e alcançaram bons resultados, como o Festival Internacional de Curtas-Metragens de Oberhausen (Alemanha), o mais importante quando se refere a curtas-metragens, e o Visions du Réel, consagrada vitrine de documentários da Suíça (MELLO, 2020) . As exibições foram abertas em segmentos diferentes para não prejudicarem o lançamento de seus filmes em salas de cinema após o fim da pandemia. Oberhausen cobrou uma taxa de € 9 para acesso completo a mais de 350 filmes, enquanto o Visions du Réel limitou suas exibições aos profissionais do mercado, servindo, então, como plataforma de negócios – embora tenha disponibilizado alguns filmes de edições [1] Disponível em https://ims.com.br/convida/. Acesso em: 04 novembro 2020. 60 anteriores com acesso livre em seu site. Outro projeto que obteve um bom retorno de público ocorreu em maio. O We Are One: A Global Film Festival reuniu mais de vinte festivais de cinema de todo o mundo e transmitiu dezenas de filmes em um canal próprio no YouTube. As produções exibidas passaram por curadorias dos festivais de Cannes, Berlim, Veneza, Tribeca, entre outros conceituados eventos cinematográficos. Por mais que as exibições fossem gratuitas, a iniciativa da Tribeca Enterprises obteve doações dos espectadores, destinadas ao Fundo de Reação de Solidariedade da Covid-19 da Organização Mundial da Saúde (OMS) (MAIORES…, 2020). Diante de tal perspectiva, é um avanço para a Cultura Digital, já que uma prática social recebe um novo significado com o advento digital e tecnológico, ampliando redes culturais. Como explica Sandro Bortolazzo, “as Novas Tecnologias de Comunicação e Informação não só incitam as formas pelas quais enxergamos e experimentamos o mundo, mas produzem e são os próprios produtos da sociedade em que vivemos” (BORTOLAZZO, 2016). A expansão geográfica desses festivais é o que garante um maior engajamento de público e crítica. As plataformas digitais encontraram um novo espaço de visionamento de produções audiovisuais inéditas, fornecendo segurança e serviços de qualidade. OS FESTIVAIS BRASILEIROS DURANTE A PANDEMIA Observando o bom êxito dos festivais internacionais que migraram sua programação física para o ambiente virtual, festivais brasileiros também apostaram no formato para manterem suas edições em 2020. Um dos primeiros a adotar uma programação online foi o Curta Taquary - Festival Internacional de Curtas Metragens de Taquaritinga do Norte. Em sua 13ª edição, o festival recebeu a inscrição de 774 filmes, dos quais 82 foram selecionados e programados em sete mostras competitivas, disponibilizadas de 22 a 25 de abril no site do evento (FESTIVAL..., 2020). Inicialmente, os festivais que experimentaram uma programação virtual ainda pesquisavam as melhores formas de disponibilização dos filmes. O Curta Taquary, o Curta Caicó, o Guarufantástico, o Cine Tamoio, entre outros, aproveitaram os próprios links de visionamento fornecidos pelos realizadores e produtores dos filmes selecionados. Sendo 61 assim, não houve um aluguel de plataformas específicas para a hospedagem dos curtasmetragens, os quais foram vinculados aos sites dos festivais a partir de endereços hospedados em players do Vimeo ou do YouTube. O ineditismo é uma das obrigatoriedades de muitos festivais de cinema. Existem normas específicas quanto à geolocalização das exibições, aos números de visualizações (caso o filme tenha sido exibido online), e, principalmente, quanto ao vazamento das produções. Pensar em medidas que assegurem o deferimento dos filmes em festivais de programações físicas contribui com as negociações entre os organizadores dos eventos e os produtores das obras audiovisuais. Vídeos hospedados em plataformas livres e gratuitas como Vimeo, Dailymotion e Youtube são facilmente pirateados com o auxílio de extensões de navegadores de internet, além de aplicativos e sites que dispensam instaladores. Para a segurança das produções, espera-se que o material esteja hospedado em uma plataforma criptografada, dificultando compartilhamentos externos. O XVI Fantaspoa – Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre, principal vitrine dedicada ao cinema de gênero fantástico na América Latina, adotou maiores medidas de segurança. Todos os 138 filmes selecionados e advindos de mais de 35 países foram disponibilizados na plataforma Darkflix, serviço de streaming especializado em filmes de horror, fantasia e ficção científica. Além de restringir a programação apenas para usuários localizados em território brasileiro, o visionamento dos filmes exigia um cadastro prévio. Também foi definido um número limite de visualizações por filme. Ao atingir cinco mil visualizações, independente se o título alcançasse esse número antes do fim do evento, o mesmo ficaria indisponível para exibição (XVI..., 2020). Segundo os diretores e produtores do Fantaspoa, João Fleck e Nicolas Tonsho, a edição online do festival foi a mais desafiadora em todos os dezesseis anos de sua trajetória: Depois de nove anos sendo patrocinado, o Fantaspoa não recebeu nenhum patrocínio neste 2020, tendo que recorrer ao financiamento coletivo e aportes próprios. Entretanto, e por meio de diversas parcerias, foi possível realizar a edição mais inclusiva do festival, resultando na maior audiência de sua história: somando todas as atividades oferecidas, o conteúdo do Fantaspoa foi acessado por aproximadamente 67 mil pessoas de todo o Brasil - o que representa mais de seis vezes o número de espectadores do festival do ano passado, no formato presencial (FLECK, TONSHO in FANTASPOA..., 2020). 62 Um dos benefícios de um evento virtual é a descentralização das exibições e a expansão da programação para localidades diversas. Dessa maneira, ocorre um processo que visa a democratização do acesso aos filmes. Se por um lado perde-se o contato coletivo dentro da sala escura ou de um auditório, o ambiente virtual facilita o acesso em regiões onde sequer existem salas de cinema. Os festivais também costumam ser importantes pontos de encontros e debates entre realizadores e o público. A burocracia de se levar membros da equipe aos festivais coincide, também, com planejamentos logísticos e orçamentários, ao que incluem gastos com passagens, traslados, estadias e alimentação dos convidados. O formato online, por sua vez, reduz os custos da produção desses encontros. Exibidos nas mais diversas plataformas e redes sociais, frequentemente em mais de uma rede simultâneamente, os debates virtuais são igualmente interativos – os espectadores podem fazer perguntas no chat das plataformas e os mediadores as conduzem aos entrevistados. De todo modo, o dinheiro antes previsto para viagens, debates e demais encargos relacionados, agora é investido em suportes tecnológicos para assegurar programações virtuais. A verba de um festival é obtida por editais públicos e leis de fomento, além de parcerias e patrocínios de empresas privadas. O interesse perpassa o incentivo à cultura, a garantia de renúncia fiscal ou a veiculação de uma marca ao evento, situação esta que beneficia os patrocinadores com divulgações em materiais promocionais dos festivais. Sua promoção auxilia o processo de formação de uma audiência qualificada, visando o sucesso de público. Eventos mais antigos e tradicionais mobilizam milhares de pessoas anualmente, como o Festival de Cinema de Gramado, Festival do Rio e a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, alguns dos mais importantes festivais de cinema do país. Sendo assim, os festivais são produtos rentáveis não só para a indústria audiovisual, como também para o turismo local. Rafael Carniel, presidente da Gramadotur, autarquia municipal de Turismo e Cultura, comentou sobre a adaptação atípica do Festival de Cinema de Gramado: 63 Neste ano de pandemia, a gente manteve o Festival de Cinema de Gramado em respeito a uma indústria que gera R$ 25 bi de faturamento, quase 2% do PIB brasileiro. É um mercado que antes da pandemia crescia em média 7%, até mais do que o turismo. São aproximadamente 13 mil empresas que geram em torno de 300 mil postos de trabalho. São cerca de 100 profissões ligadas à indústria do audiovisual. Mas mais do que isso eu pergunto: qual o valor da indústria que muito além de gerar números, toca a vida das pessoas? No contexto de pandemia ela tem formado opiniões, tem tirado o mundo da ignorância, interrompido a cegueira sobre a realidade do outro. Qualificado, emocionado, aliviado a dor das pessoas (CARNIEL in KING..., 2020). A 48ª edição do Festival de Gramado adotou um sistema de multiplataformas. Os espectadores acompanharam os 51 filmes concorrentes, entre longas e curtas-metragens, pela programação do Canal Brasil e pelo seu serviço de streaming. As transmissões dos longas nacionais da Mostra Competitiva foram únicas e exclusivas para assinantes do canal, enquanto os longas gaúchos e os curtas-metragens nacionais ficaram por mais tempo na plataforma online. Ocupando o chamado “horário nobre” (entre 20h e 21h), cada sessão que integrou a grade do Canal Brasil foi composta por por um curta-metragem e um longa em competição, antecedidos por um vídeo de apresentação com depoimentos de seus realizadores. Para André Saddy, diretor geral do Canal Brasil, a adaptação do Festival de Gramado contribuiu com o debate sobre a democratização do acesso, além de aproximar o público da experiência de um festival de cinema. Temos a clara sensação de estar escrevendo a história e comemoramos juntos a edição mais popular do festival. Como se convidássemos todos que acompanham a cada ano o tapete vermelho e fãs do cinema brasileiro espalhados por todo país para dentro do Palácio dos Festivais (SADDY in KING..., 2020). 64 Simular uma programação de cinema semelhante ao de um espaço físico, ou seja, com filmes projetados em horários específicos, também foi uma solução encontrada para aproximar a experîencia virtual da sala de cinema. À contracorrente de algumas mostras que disponibilizaram todos os títulos de uma só vez para serem vistos a qualquer hora do dia, o 25º Festival É Tudo Verdade, importante festival de documentários sediado em São Paulo e Rio de Janeiro, disponibilizou os filmes de sua programação em dias e horários definidos em uma grade de programação. Com acesso gratuito, o espectador necessitava ter um cadastro na plataforma Looke, serviço de streaming que hospedou os títulos desta edição. Amir Labaki, diretor do festival, assinala que é crescente essa tendência em solidificar parcerias entre a televisão a cabo, os serviços de streaming e o produtor independente de documentários, favorecendo não só a sua circulação como também a coprodução desses filmes (LABAKI in PRINCIPAIS..., 2020). Outro já tradicional festival que faz parte calendário da cidade de São Paulo, o Curta Kinoforum (Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo), também firmou parceria com uma plataforma virtual, a InnSaei.TV, inaugurada com a edição online do festival. Seguindo a linha programática, o Curta Kinoforum planejou duas sessões de cada uma de suas mostras, as quais compunham quatro a oito curtas-metragens – a depender de suas durações – que ficavam disponíveis para visionamento durante 24h. Entre os dias 20 e 30 de agosto de 2020, foram exibidos 212 filmes de 46 países, além de lives com importantes nomes do cinema brasileiro: Laís Bodanzky, Tata Amaral, Anna Muylaert, Jorge Furtado e Beto Brant (MERTEN, 2020). Em setembro, a mineira CineOP - Mostra de Cinema de Ouro Petro também migrou sua programação para o ambiente online. A 15ª edição do evento foi recordista de público, somando mais de 100 mil acessos vindos de 54 países. A mostra teve uma ampla programação, contemplando shows, lives, debates e oficinas sobre os três eixos centrais da programação: Preservação, História e Educação. Segundo a organização do festival, foram contratadas 69 empresas que atuaram na prestação de serviço para a CineOP, e estima-se que foram gerados mais de 500 empregos diretos e indiretos, o que reforça a importância e a rentabilidade da cultura (15ª..., 2020). Como declara Raquel Hallak, coordenadora geral da mostra e diretora da Universo Produção, 65 A Universo Produção conseguiu realizar todas as atividades previstas para a edição presencial. Assim, tanto o público que já conhecia a CineOP, quanto aqueles que nunca puderam ir à mostra estão tendo a oportunidade de desfrutar de uma programação diferenciada e conceituada, já que é a única Mostra de Cinema dedicado à preservação, história e educação realizada no país e no mundo. Em 2020, a CineOP continua forte, convicta de seu propósito de tratar cinema como patrimônio e ser um empreendimento de reflexão e luta pela salvaguarda do rico e vasto patrimônio audiovisual brasileiro em diálogo com a educação e em intercâmbio com o mundo (HALLAK in 15ª..., 2020) Para quem realiza um festival de maneira independente, no entanto, a adaptação para o virtual foi mais do que um susto. Pedro Tavares, cineasta, curador e diretor do Festival Ecrã de Experimentações Audiovisuais (Rio de Janeiro), cuja programação acolhe propostas experimentais nos formatos de vídeo, filme e instalações, revela que todo o planejamento do festival, previsto para julho, teve de ser cancelado. “Isso incluí vindas de convidados, palestras e, o principal, o patrocínio.” (TAVARES, 2020). Por outro lado, Tavares decidiu realizar o festival com recursos próprios, buscando soluções para convencer os realizadores a manterem os seus filmes na programação, ainda que virtualmente. Alguns filmes/realizadores/produtores optaram por não ter o filme no festival por escolherem esperar o retorno dos cinemas e a experiência clássica de cinema, o que pode prejudicar a carreira do filme, pois estamos mais próximos de 2021 e a única saída foi, de fato, ir para o formato online. Foram poucos, a maioria entendeu e aceitou exibir online e fizemos o possível para coagir qualquer tipo de vazamento de filmes (TAVARES, 2020). Além de uma navegação de design elegante e eficiente, a criptografia de segurança do Festival Ecrã foi um diferencial dentre outras mostras e festivais. Hospedados em players próprios e não vinculados à plataformas livres, os experimentos audiovisuais só podiam ser acessados após um rápido cadastro que registrava e-mail, nome e IP do usuário. Ao dar play em um vídeo, estes dados coletados pelo servidor ressurgiam na tela do espectador, como marcas-d’água. Com isso, caso o espectador usasse algum programa de captação de tela para copiar os filmes, o arquivo gerado viria com todas essas informações pessoais embutidas na imagem. Em contrapartida, nas redes sociais, enquanto internautas elogiavam o sistema de segurança do festival , outros usuários 66 reclamavam da frequência com que as marcas-d´água surgiam na imagem, alegando serem elementos de distração durante o visionamento dos filmes. Pedro Tavares ainda reforça que a migração para a web fez com que mais pessoas descobrissem o Festival Ecrã, e, por conseguinte, os filmes que compuseram sua programação. A internet tem a vantagem de amplitude desses impactos. Tudo que recebemos fomos em dobro, triplo. Um filme como Sertânia[2], por exemplo, foi assistido por 4 mil pessoas no festival. Isso significa que todas as sessões presenciais do festival estariam lotadas e todas estariam com Sertânia na tela. As respostas foram imediatas via Facebook, Twitter e Instagram. Sabíamos o que funcionava, ou não, ali, na hora mesmo, e dava para ajustarmos para uma próxima atração, no caso das lives e debates (TAVARES, 2020. O alcance de filmes brasileiros foi um destaque nessa rápida expansão de festivais durante a pandemia. Os eventos online ajudaram a divulgar produções que estavam há muito tempo prontas e que não conseguiram espaços de exibição, ou que foram afetadas pelo adiamento de suas estreias no circuito comercial. Cabeça de Nêgo (2020, Déo Cardoso) foi um dos filmes mais comentados da Mostra Tiradentes SP 2020. A oitava edição do festival, prevista para acontecer presencialmente entre 26 de março e 1º de abril no Cinesesc, precisou ser adiada por conta do isolamento social, ganhando uma versão online na primeira semana do mês de outubro. A programação gratuita foi disponibilizada na plataforma Sesc Digital. [2] Sertânia (2019, Geraldo Sarno). 67 O boca-a-boca provocado por Cabeça de Nêgo incentivou que novos espectadores procurassem pelo filme em outro festival que o acolheu, o Olhar de Cinema de Curitiba. Por mais que as sessões do Olhar fossem pagas (R$ 5,00 o ingresso digital), muitos dos títulos da programação esgotaram rapidamente. Com geolocalização restrita ao Brasil e com um limite de visualizações bem abaixo das políticas adotadas por outros festivais, contando com cerca de 150 ingressos por sessão, o Olhar de Cinema foi o evento que mais chegou próximo das diretrizes de uma sala de cinema, pensando a limitação de poltronas. Eduardo Valente, curador de longa-metragens do Olhar, disse que desde março, quando os primeiros festivais internacionais sinalizavam adiamentos ou adaptações em versões digitais, a organização do festival começou a estudar as melhores formas de uma possível migração. De abril a julho, observaram as experiências de outros festivais, como o Festival Ecrã e o Kinoforum, para colherem opiniões não só como organizadores, mas também como espectadores. Foi necessário retomar do zero, desde a questão da detenção dos direitos dos filmes, até pensar todas as decisões de como exibir online. Desde escolher a plataforma, saber como ela funciona e quais são as questões práticas que a envolvem, como o pagamento de ingresso e a coleta do cartão de crédito, até o acesso aos dados de segurança dos filmes (VALENTE, 2020). Valente também revela que poucos produtores desistiram de ceder seus filmes à seleção, pois tanto os realizadores quanto os detentores dos direitos das produções perceberam que a única alternativa de fazer as obras circularem este ano – e a isso não se restringe apenas o Brasil – seria no formato online. Para isso, investiram numa plataforma de alta capacidade e qualidade de exibição. 68 Isso implica em uma questão que muitas vezes passa desapercebida das pessoas de fora, mas que é muito importante. A maioria dos festivais já vinham encontrando dificuldades bem grandes de financiamento nos últimos anos para a sua realização normal. A realização online implica em outros gastos, que tem a ver com segurança, armazenamento de informação (...), e, principalmente, com a qualidade do streaming. Posso garantir que foi um trabalho de muita pesquisa do Olhar, observando experiências anteriores (...), para garantir que os filmes não travassem durante sua exibição. Isso para nós era central, pois seria inaceitável em uma sala de cinema se as pessoas pagassem um ingresso e o filme fosse mal exibido. Logo, no festival online isso também é inaceitável. Isso tudo necessita de um investimento financeiro razoável, e geralmente é um investimento feito com empresas do exterior, principalmente no que implica armazenamento e capacidade de processamento, o que significa gastos em dólar e gastos em euro (VALENTE, 2020). Além das sessões virtuais, à medida que algumas salas são reabertas seguindo rígidas políticas de segurança, alguns países voltam à experiência de um cine drive-in, prática não muito comum no novo século, mas de muito sucesso nas décadas de 1950 e 1960. São projeções ao ar livre, geralmente em parques ou estacionamentos, onde os espectadores assistem aos filmes de dentro de seus veículos, reduzindo o risco de contágio do vírus (MELLO, 2020). A nova tendência já chegou inclusive no Brasil, como o Belas Artes Autorama Drive-in, em São Paulo. Como aponta a jornalista Juliana Domingos de Lima, no mundo pós-pandemia, tal prática pode ser estudada para outros eventos, como formaturas, cultos de igrejas e shows musicais (LIMA, 2020). Polyana Zappa, diretora do Cinefest Gato Preto, mostra de cinema que ocorre anualmente na cidade de Lorena (São Paulo), conta que a edição de 2020 procurou manter a essência das sessões físicas, como os debates com os realizadores após a exibição de seus filmes – dessa vez por intermédio de lives –, e a garantia de duas sessões presenciais em um cine drive-in. No caso do Cinesfest Gato Preto, vamos manter o formato semelhante ao presencial. (...) O que tivemos de diferente foram duas sessões, 15 dias antes do festival, no Cine Drive-in (sábado e domingo) com uma hora de duração. Foram selecionados oito curtas e quatro videoclipes para este "esquenta". (...) Acredito que o hibridismo será adotado por diversos festivais. Provavelmente, teremos o presencial e online casados nas próximas edições do Cinefest Gato Preto, pois as vantagens do virtual são bem-vindas, mas o presencial é fundamental para nosso festival. Vamos encontrar caminhos com a convergência entre o virtual e o presencial, sem que percam as suas particularidades (ZAPPA, 2020). 69 Assim como o Cinefest Gato Preto, outros festivais nacionais incluíram em sua programação ao menos uma exibição em cine drive-ins. A 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, além de disponibilizar 198 filmes em multiplataformas [3], também contou com projeções no Belas Artes Autorama Drive-in e no CineSesc Drive-in. A tradicional exibição de encerramento no Parque do Ibirapuera, no entanto, foi adaptada. Foi criada uma estrutura de Bike-in na área externa do parque, cumprindo todos os protocolos de segurança das autoridades sanitárias. A cerimônia de encerramento contou com a entrega do Troféu Bandeira Paulista aos filmes vencedores e aos homenageados da edição. Após a cerimônia, o público conferiu a estreia nacional do longa-metragem Another Round (2020, Thomas Vinterberg). A sessão foi realizada em parceria com a Spcine e a Secretaria Municipal de Cultura (CERIMÔNIA..., 2020). [3] Mostra Play (R$6,00 cada filme), Spcine Play e Sesc Digital (gratuitos). CONSIDERAÇÕES FINAIS 70 Até o fechamento deste artigo, pelo menos 25 festivais nacionais de cinema adotaram uma programação virtual no ano de 2020, e outros seis importantes festivais estão por acontecer, como o Festival do Rio (Rio de Janeiro), o Indie Festival (São Paulo), o Festival de Vitória (Espírito Santo), o Kinoarte (Paraná), o Festival Mix Brasil (São Paulo) e o Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo (São Paulo). Isso comprova que a procura pelos filmes e festivais online tem se intensificado, como também que essa fórmula pode chegar a sua exaustão, uma vez que mais de um evento digital acontece seguidamente, ou de forma simultânea. O hibridismo será uma tendência, um importante alicerce no que tange principalmente aproximações geográficas, todavia, ainda passará por revisões e novas experimentações de formatos. A experiência em uma sala de cinema, portanto, não é substituída unicamente por encontros virtuais. O cinema afirma a sua necessidade de contato social e coletivo. Como sinalizam diversos festivais no Brasil e no mundo, a partir do próximo ano parte de suas programações continuarão no ambiente online. A democratização das imagens é um tema imprescindível nestes tempos pandêmicos, no entanto, é necessário pensarmos para além do alcance; é necessário pensarmos na desigualdade do acesso, também, aos suportes, propondo novas políticas de inclusão aos meios digitais. O Brasil não dispõe de uma estrutura tecnológica facilitada para todos. O acesso aos suportes de exibição, aos dispositivos portáteis e computadores com conexão à internet, ainda não é uma realidade na casa de milhões de brasileiros e estudantes. Portanto, se não há acesso sequer ao ensino híbrido, a arte também não encontra a sua moradia. REFERÊNCIAS: 15ª CINEOP REGISTRA ALCANCE DE MAIS DE 100 MIL ACESSOS DE 54 PAÍSES EM CINCO DIAS DE EVENTO. [S. l.], 2020. Disponível em: https://cineop.com.br/noticia/15a-cineopregistra-alcance-de-mais-de-100-mil-acessos-de-54-paises-em-cinco-dias-de-evento/. Acesso em: 1 nov. 2020. BORTOLAZZO, Sandro. O imperativo da cultura digital:: Entre novas tecnologias e estudos culturais. Host: filme de terror gravado no Zoom vira febre na internet, Santa Maria, v. 20, ed. 1, p. 1-24, 24 jan. 2016. DOI http://dx.doi.org/10.5902/2316882X22133. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/ccomunicacao/article/view/22133. Acesso em: 1 set. 2020. 71 CERIMÔNIA de encerramento e premiação da Mostra acontece no dia 4 com exibição de Another Round. [S. l.]: Jornal da Mostra, 1 nov. 2020. Disponível em: https://44.mostra.org/jornal-da-mostra/encerramento-44a-mostra. Acesso em: 4 nov. 2020. DENCK, Diego. Host: filme de terror gravado no Zoom vira febre na internet. [S. l.]: Tecmundo, 17 ago. 2020. Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/culturageek/156623-host-filme-terror-gravado-zoom-febre-internet.htm. Acesso em: 1 set. 2020. DUBOIS, Philippe. Um “efeito cinema” na arte contemporânea. In: COSTA, Luiz Cláudio da (org.). Dispositivos de registro na arte contemporânea. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2009. p.179-216. FANTASPOA anuncia resultados e premiados da 16º edição. Porto Alegre, 12 ago. 2020. Disponível em: https://www.fantaspoa.com/2020/noticias/1/103/fantaspoa-anunciaresultados-e-premiados-da-16o-edicao. Acesso em: 1 nov. 2020. FESTIVAL Curta Taquary 2020 é realizado de forma virtual em Taquaritinga do Norte. G1 Caruaru, 17 abril 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/pe/caruaruregiao/noticia/2020/04/17/festival-curta-taquary-2020-e-realizado-de-forma-virtual-em taquaritinga-do-norte.ghtml. Acesso em: 1 nov. 2020. GRAUDREAULT, André; MARION, Philippe. 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MAIORES festivais de cinema do mundo se unem para evento de streaming de filmes por dez dias. [S. l.]: G1/Reuters, 27 abr. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/poparte/cinema/noticia/2020/04/27/maiores-festivais-de-cinema-se-unem-para-evento-globalde-streaming-de-filmes-por-dez-dias.ghtml. Acesso em: 28 maio 2020. MELLO, Davi Marques Camargo de. O cinema durante a Covid e a memória ressignificada no Experimento Odradek. Revista Z Cultural: Dossiê "Escritas da Intimidade", Rio de Janeiro (UFRJ), v. 3, 2020. Disponível em: http://revistazcultural.pacc.ufrj.br/o-cinemadurante-a-covid-e-a-memoria-ressignificada-no-experimento-odradek/. Acesso em: 4 nov. 2020. FESTIVAL Internacional de Curtas de São Paulo começa hoje com 212 títulos de 46 países. [S. l.]: O Estado de S.Paulo, 20 ago. 2020. Disponível em: https://cultura.estadao.com.br/ noticias/cinema,festival-internacional-de-curtas-de-sao-paulo-comeca-hoje-com-212titulos-de-46-paises,70003406501. Acesso em: 1 nov. 2020. PRINCIPAIS festivais de cinema do Brasil acontecem on-line. [S. l.]: G1, 22 set. 2020. Disponível em: http://g1.globo.com/globo-news/jornal-das-dez/videos/t/todos-osvideos/v/principais-festivais-de-cinema-do-brasil-acontecem-on-line/8878476/. Acesso em: 1 nov. 2020. TAVARES, Pedro. Questionário: Festivais online. Mensagem recebida por davimcmello@gmail.com> em 12 outubro 2020. VALENTE, Eduardo. [Olhar de Cinema online]. WhatsApp. 22 outubro 2020. 13:56. 1 mensagem de WhatsApp. XVI Fantaspoa será totalmente online e gratuito. Porto Alegre, 13 jul. 2020. Disponível em: https://www.fantaspoa.com/2020/noticias/1/102/xvi-fantaspoa-sera-totalmente-online-egratuito. Acesso em: 1 nov. 2020. ZAPPA, Polyana. Questionário: Festivais online. Mensagem recebida por <davimcmello@gmail.com> em 29 outubro 2020. ANEXO 1: 73 Questionário enviado a curadores de festivais brasileiros de cinema: 1) Sabemos que a indústria cinematográfica foi bastante afetada com a pandemia. Além da paralisação das gravações, grande parte dos principais lançamentos do ano teve a sua estreia adiada, ou incluída diretamente em plataformas virtuais. Os festivais de cinema, importantes vitrines para os realizadores, assim como para o mercado de distribuição, precisaram se adaptar a novos formatos digitais. Qual é a principal dificuldade quando se toma esta decisão, de migrar a experiência física para o virtual? 2) O ineditismo é uma das obrigatoriedades de muitos festivais. Existem normas específicas quanto às exibições geográficas, aos números de visualizações (caso o filme tenha sido exibido online por um curto período), e, principalmente, quanto ao vazamento das produções. Como foi negociar com os produtores e realizadores para convencê-los a exibirem seus filmes em plataformas virtuais? Quais políticas de segurança foram implantadas para assegurá-los? (Comente, se possível, se ainda assim os números de filmes inscritos se manteve, ou se houve uma diminuição/desistência). 3) O êxito de um festival também se dá com a troca do público. Uma exibição nãopresencial pode afastar o espectador de uma melhor imersão, no entanto, abre um leque de possibilidades para além dos filmes, incluindo debates, lives e entrevistas com os realizadores, tudo concedido de forma remota. Baseando-se em sua experiência, como tem sido essa recepção? Tais materiais ajudam na divulgação e no fomento do interesse do público? 4) A vantagem de um festival online, contudo, é também de expandir territórios. Pela primeira vez, festivais regionais conseguem chegar a outros estados, e, em certos casos, com acessos liberados igualmente em outros países. Você notou um maior entrosamento do público? A procura pelo festival e pela sua programação aumentou? (Se tiver alguns dados e previsões, por favor, especifique). 5) Festivais de cinema mais tradicionais também se adaptaram às necessidades de exibição e distribuição em plataformas virtuais. Recentemente, o Festival de Oberhausen anunciou novas seleções, exclusivamente online, para as próximas edições. Com isso, abrem-se mais espaços para filmes que ficariam de fora de uma seleção de exibição física. Você considera que essa experiência durante a pandemia mudará de vez o cenário dos festivais? O festival para o qual você programa pretende seguir com exibições online? Pedro Tavares Cineasta - crítico e curador do Festival Ecrã de Experimentações Audiovisuais 74 1) Como fomos pegos de surpresa, todo planejamento que tínhamos para o festival presencial, que seria em julho, foi cancelado. Isso inclui vindas de convidados, palestras e, o principal, o patrocínio. Não esperávamos isso e tampouco nossos apoiadores, que, ainda ligados ao mundo analógico, decidiram não apoiar o festival em sua versão online. Essa decisão não durou muito tempo, pois muitas marcas e instituições decidiram apoiar outros eventos online - vendo como única possibilidade para o momento. Sobre a produção, tivemos que correr e nos readaptar, mas no fim creio que deu certo. 2) Alguns filmes/realizadores/produtores optaram por não ter o filme no festival por escolherem esperar o retorno dos cinemas e a experiência clássica de cinema, o que pode prejudicar a carreira do filme, pois estamos mais próximos de 2021 e a única saída foi, de fato, ir para o formato online. Foram poucos, a maioria entendeu e aceitou exibir online e fizemos o possível para coagir qualquer tipo de vazamento de filmes. Sobre o número de inscritos, ele cresceu. Quando a quarentena começou, estávamos na metade do processo de inscrições e a partir disso recebemos filmes feitos na quarentena sobre o isolamento. 3) A internet tem a vantagem de amplitude desses impactos. Tudo que recebemos fomos em dobro, triplo. Um filme como Sertânia, por exemplo, foi assistido por 4 mil pessoas no festival. Isso significa que todas as sessões presenciais do festival estariam lotadas e todas estariam com Sertânia na tela. As respostas foram imediatas via Facebook, Twitter e Instagram. Sabíamos o que funcionava ou não, ali, na hora mesmo, e dava para ajustar para uma próxima atração, no caso das lives e debates. 4) Nosso público cresceu muito com esse novo alcance através da plataforma online. O boca-a-boca virtual fez muita diferença e com isso notamos que os filmes mais vistos foram os brasileiros. Sertânia, Cavalo e É Rocha e Rio, Negro Leo. Tivemos público de diversos países e o segundo país com mais acessos foram os Estados Unidos. Pensávamos que seria um país latino-americano, mas os norte-americanos estão interessados no cinema de vanguarda, o que é uma boa surpresa. 5) Mudará, certamente. Não saberemos o cenário que encontraremos no pós-pandemia a respeito da vida dos cinemas físicos. Quais sobraram? E como estão sobrevivendo? Ainda não discutimos sobre a nossa próxima edição, pois não saberemos como será o desenvolvimento da vacina, mas uma atenção para o formato online certamente terá. É uma forma pungente de alcance e de debate; a possibilidade da pessoa conseguir ver mais 75 filmes e ter a possibilidade de alcance dos braços comuns de um festival, como os debates pós-sessão via redes sociais e lives com diretores, é muito interessante. Foi uma ótima surpresa para nós. Polyana Zappa Pesquisadora - professora e diretora do Cinefest Gato Preto 1) As primeiras questões levantadas pela equipe foram: “Faremos o festival em 2020? Será que no final do ano tudo vai ter acabado e conseguiremos a realização presencial?” E outras tantas questões diante de uma circunstância totalmente nova e que, de certa forma, quebra a característica do Cinesfest Gato Preto, o qual é o encontro entre público, realizadores e equipe. Acredito que a principal dificuldade foi entender que o virtual dá conta do que temos no presencial. Ou melhor, é possível realizar o festival virtualmente e fazê-lo e acontecer de uma outra forma que possibilitará um olhar novo sobre a coisa. 2) No caso do Cinesfest Gato Preto, vamos manter o formato semelhante ao presencial. Efetivamente, os curtas serão exibidos durante a sessão virtual, seguido pelo debate com os realizadores daquela sessão. Portanto, as exibições dos curtas se mantiveram no período do festival, como combinado. O que tivemos de diferente foram duas sessões, 15 dias antes do festival, no Cine Drive-in (sábado e domingo) com uma hora de duração. Foram selecionados oito curtas e quatro videoclipes para este "esquenta". Neste caso, entramos em contato com os realizadores destes curtas e solicitamos as autorizações para a exibição. 3) O virtual apresenta novos desafios, realmente, e um deles é a troca mencionada na pergunta. Para o Cinefest Gato Preto, esta troca é fundamental, porque é a marca do festival. Partimos para as lives com os curadores, pequenos vídeos nas redes sociais com os profissionais envolvidos no festival, e vamos manter os debates com os realizadores após as sessões. Positivamente, com o virtual conseguimos uma participação maior da parte dos realizadores. No presencial, encontrávamos as dificuldades de distâncias geográficas e os choques de datas. 76 4) Recebemos curtas do Brasil todo e foram selecionados 61 filmes de 17 estados brasileiros, reafirmando que o cinema nacional é feito da pluralidade de narrativas e representatividades, expansões de visão e amor. Como o festival efetivamente acontecerá depois desta entrevista, ainda estou na expectativa do evento, mas confiante de que novos olhares são necessários diante daquilo que nos foi apresentado, e, talvez, o virtual também seja uma alternativa futura para o Cinefest Gato Preto. 5) Acredito que o hibridismo será adotado por diversos festivais. Provavelmente, teremos o presencial e o online casados nas próximas edições do Cinefest Gato Preto; as vantagens do virtual são bem-vindas, mas o presencial é fundamental para o nosso festival. Vamos encontrar caminhos com a convergência entre o virtual e o presencial, sem que percam as suas particularidades 77 ANEXO 2: EDUARDO VALENTE PEDRO TAVARES POLYANA ZAPPA CAPÍTULO 6: HUMANIDADES DIGITAIS - NETNOGRAFIA 78 Jorge Martins Muzy O objetivo deste trabalho é apresentar um resumo da obra “NETNOGRAFIA – REALIZANDO PESQUISA ETNOGRÁFICA ONLINE” do consagrado autor Robert V. Kozinets. As experiências sociais online são significativamente diferentes das experiências sociais face a face, e a experiência de estudá-las etnograficamente é significativamente diferente (p. 12). O que está acontecendo em nossa sociedade não é simplesmente uma mudança quantitativa no modo como a internet é usada, mas uma mudança qualitativa. À medida que mais pessoas usam a internet, elas a usam como um dispositivo de comunicação altamente sofisticado que permite e fortalece a formação de comunidades. Para muitos, essas comunidades, como a própria internet, têm sido consideradas indispensáveis. Elas estão se tornando “lugares” de pertencimento, informação e apoio emocional, sem os quais as pessoas não ficam. Bater papo e conferir com os membros de sua comunidade online antes de uma compra, uma consulta médica, uma decisão acerca da criação dos filhos, um comício político ou um programa de televisão está se tornando algo instintivo (p 21). A netnografia difere de outra pesquisa qualitativa na internet porque ela oferece, sob a rubrica de um único termo, um conjunto rigoroso de diretrizes para a realização de etnografia mediada por computador e também, de maneira importante, sua integração com outras formas de pesquisa cultural (p. 23). Uma vez que a netnografia é uma pesquisa observacional participante, os dados netnográficos podem assumir três formas: a) dados coletados diretamente pelo pesquisador; b) dados gerados pela captura e registro de eventos e interações comunitários online; e c) dados que o pesquisador inscreve. 79 Em seu estudo dos relacionamentos e amizades online, Carter (2005) apresenta o argumento de que algumas pessoas estão investindo tanto tempo e esforço em relacionamentos online quanto em outros relacionamentos. Seu estudo, focado em um site etnográfico chamado Cybercity, fornece evidências de que “muitas das amizades formadas no Cybercity estão rotineiramente sendo transferidas para a vida fora da rede”, e, em consequência disso, “as pessoas estão ampliando suas redes de relacionamentos pessoais para incluir o ciberespaço. Nesse aspecto, o ciberespaço não é mais distinto e separado da vida real. Ele faz parte da vida cotidiana, na medida em que esses relacionamentos estão sendo embutidos na vida cotidiana” (2005, p. 164). Contudo, a natureza dos relacionamentos e amizades pode estar mudando em função das diferentes formas e liberdades disponíveis por meio das comunicações mediadas por computador (p. 42). Investigações etnográficas nos ensinam sobre as variedades de estratégias e práticas usadas para criar um senso comunal e também nos ensinam sobre as variedades e a substância da participação, dos membros, dos estilos de participação e das formas das comunidades eletrônicas. Recentes acontecimentos na pesquisa etnográfica online revelam o quanto as comunidades eletrônicas estão mudando as noções de self, os sistemas de apoio social, as relações pessoais e de trabalho, o poder institucional e o ativismo social (p. 44). A aplicação de levantamentos usando páginas da internet ou outros formatos online é chamada de método de levantamento online. [...] Praticamente partindo do zero, tornaram-se os principais métodos para investigar uma ampla variedade de questões sociais. [...] Existem dois tipos de levantamentos online que se destacam nessa discussão. Primeiro, são pesquisas que tratam de tópicos de comunidades online, e nos revelam aspectos dessas comunidades e da cultura online. Segundo, são levantamentos que tratam de outros tópicos não diretamente relacionados a essas comunidades ou culturas virtuais, mas que estudam tópicos relacionados aos membros de uma comunidade online. [...] Enquanto a pesquisa tradicional por correio ou telefone excluía muitos pesquisadores potenciais das coletas de dados em grande escala (Couper, 2000), levantamentos online são muito mais acessíveis e fáceis de usar (p. 47). 80 Em um nível mais básico, uma entrevista é uma conversa, um conjunto de perguntas e respostas entre duas pessoas que concordam que uma delas assumirá o papel de perguntador e a outra o de respondedor. A única diferença entre uma entrevista online e uma entrevista face a face é que aquela ocorre com a mediação de algum aparelho tecnológico. [...] A entrevista online tornou-se o principal elemento da pesquisa netnográfica, presente como parte do método desde os primeiros trabalhos nesse campo (p. 49). Um grupo de pessoas, conectadas por determinadas relações sociais, tais como parentesco, amizade, trabalho conjunto, hobby compartilhado ou interesse comum, ou intercambiando qualquer tipo de informação, pode ser considerado uma rede social. [...] Assim, a análise de redes sociais lida com dados relacionais e, embora seja possível quantificar e analisar estatisticamente essas relações, a análise de rede também “consiste em um corpo de medidas qualitativas da estrutura de rede” (Scott, 1991, p. 3). Existe, consequentemente, uma relação muito natural entre uma abordagem estrutural da etnografia, ou netnografia, e a abordagem de análise de redes sociais (p. 53). O que é etnografia, exatamente? Etnografia é uma abordagem antropológica que adquiriu popularidade na sociologia, nos estudos culturais, no marketing e na pesquisa de consumo, e em muitos outros campos das ciências sociais. O termo se refere ao ato de fazer trabalho de campo etnográfico e às representações baseadas em tal estudo. [...] popularidade da etnografia provavelmente decorre de sua qualidade aberta bem como do rico conteúdo de seus resultados. [...] A sua flexibilidade permitiu que ela fosse usada por mais de um século para representar e compreender os comportamentos das pessoas pertencentes a quase todas as raças, nacionalidades, religiões, culturas e faixas etárias. [...] Qualquer etnografia, portanto, já é uma combinação de múltiplos métodos – muitos dos quais nomeados separadamente, tais como entrevistas criativas, análise de discurso, análise visual e observações – sob uma designação (p. 61). 81 A netnografia é pesquisa observacional participante baseada em trabalho de campo online. Ela usa comunicações mediadas por computador como fonte de dados para chegar à compreensão e à representação etnográfica de um fenômeno cultural ou comunal. Portanto, assim como praticamente toda etnografia, ela se estenderá, quase que de forma natural e orgânica, de uma base na observação participante para incluir outros elementos, como entrevistas, estatísticas descritivas, coletas de dados arquivais, análise de caso histórico estendida, videografia, técnicas projetivas como colagens, análise semiótica e uma série de outras técnicas, para agora também incluir a netnografia. [...] A netnografia tem seus próprios conjuntos de práticas e procedimentos exclusivamente adaptados que a distinguem da conduta de etnografia face a face. [...] A netnografia, portanto, segue estes seis passos da etnografia: planejamento do estudo, entrada, coleta de dados, interpretação, garantia de padrões éticos e representação da pesquisa. (p. 61-62). 82 A essência da netnografia – o que a diferencia de uma coleta e codificação de dados online qualitativos – é que ela é uma abordagem participativa para o estudo de culturas e comunidades online (p. 74). Podemos iniciar essa discussão de modo proveitoso com um exemplo ilustrativo de uma entrada netnográfica malograda. Um professor adjunto novo – e possivelmente ávido – que deseja realizar um projeto de pesquisa sobre boicotes online, publica uma mensagem que diz algo assim: Olá a todos: Sou professor na [Universidade X] em [cidade]. Eu e um colega começamos a pesquisar boicotes a partir do ponto de vista do consumidor. Estamos interessados em descobrir mais sobre o envolvimento do indivíduo (sic) em boicotes e atualmente estamos usando a internet para tentar reunir alguma informação. Acreditamos que essas informações ajudarão todos aqueles que se interessam em ajudar a compreender como os boicotes são percebidos e compreendidos pelas pessoas que são persuadidas (ou não) por eles. Isso incluiria qualquer pessoa que organize ou apoie boicotes, e poderia contribuir para aumentar a efetividade de futuros esforços. Estamos dispostos a compartilhar nossos resultados com você individualmente, caso esteja interessado em participar nessa área de pesquisa muito importante. Todas as respostas serão totalmente sigilosas. Caso citado, você receberá um “pseudônimo” para que permaneça sempre anônimo. *Se* você já participou de um boicote, apreciaríamos muito se você tirasse alguns minutos para enviar-me por correio eletrônico [ávido-adjunto@email.com] suas respostas a estas TRÊS perguntas bastante sucintas: [3 perguntas aqui]. Muito obrigado por sua participação nessa “ciber-entrevista”. Reiteramos, por favor, para que envie as respostas por correio eletrônico [endereço] (ou, se preferir, você pode publicá-las neste grupo de discussão). Responderemos a todos que derem um retorno ao nosso pedido de ajuda. Atenciosamente, [ávido-adjunto@nome anônimo]. P.S.: Caso você tenha alguma pergunta sobre essa pesquisa, sinta-se à vontade para fazê-la no grupo ou enviá-la a mim (p. 76). 83 Se você é um pesquisador acadêmico, você vai precisar obter a aprovação de um conselho de revisão institucional (em inglês, Institutional Rewiew Board) ou comitê de ética em pesquisa de sujeitos humanos (em inglês, Human Subjects Research Ethics Commitee) para poder iniciar sua netnografia (p. 88). Coleta de dados em netnografia significa comunicar-se com membros de uma cultura ou comunidade. Essa comunicação pode assumir muitas formas. Mas, qualquer forma que ela assuma implica envolvimento, engajamento, contato, interação, comunhão, relação, colaboração e conexão com membros da comunidade – não com um website da rede, servidor ou teclado, mas com as pessoas no outro extremo (p. 93). Existem muitas formas de extrair dados netnográficos, mas essas abordagens podem ser classificadas em duas estratégias básicas: interação comunal e entrevista. Essas duas estratégias básicas podem ser misturadas e combinadas de diferentes maneiras para produzir diversos níveis interessantes de envolvimento e discernimento dos membros da comunidade (p. 102). Postar perguntas perspicazes, relevantes, oportunas, interessantes e dignas de nota em um determinado fórum corretamente identificado, ou enviando, de forma direta, solicitações por correio eletrônico a determinadas pessoas (tais como blogueiros) pode servir como base para um entrevistador habilidoso. Boas perguntas postadas em um fórum ou grupo de discussão, ou em seu próprio website, também podem render excelentes respostas. Como em todas as entrevistas e pesquisas com levantamento de dados, a clareza na formulação da pergunta é importante (p. 105). Escrever notas de campo no instante em que usufrui das experiências sociais online interativas é importante por que esses processos de aprendizagem, socialização e aculturação são sutis e nossa recordação deles rapidamente se dilui no decorrer do tempo (p. 110). 84 As pessoas na outra extremidade de um website de rede social ou em mundos virtuais não são menos reais do que as pessoas com as quais falamos no telefone, os autores dos livros que lemos, ou daqueles que nos escrevem cartas. É verdade que a comunicação textual omite muitos aspectos da comunicação pessoal, com suas mudanças de tom, pausas, vozes roucas, desvios do olhar, e assim por diante. Contudo, ela pode incluir outras importantes expressões simbólicas impossíveis de transmitir por meio do corpo. Em uma realidade textual, o anonimato, às vezes vantajoso para a obtenção de revelações, também pode impedir-nos de ter a confiança de que entendemos o contexto de nossas comunicações (p. 124). Ética da pesquisa na internet (ou IRE, do inglês, internet research ethics) é “um campo de pesquisa emergente e fascinante”. [...] As questões tratadas pela IRE são dinâmicas e complexas; elas tocam em questões filosóficas, interesses comerciais, tradições acadêmicas de prática e método de pesquisa e organizações institucionais, bem como supervisão de órgãos legislativos e reguladores. Como um todo, as preocupações da IRE vão desde questões legais, como “responsabilidade por negligência” e “dano à reputação”, noções convencionais de ética na pesquisa, como “consentimento do usuário” e “respeito”, até questões maiores, inclusive sociais, tais como autonomia, o direito à privacidade e as várias diferenças em normas e leis internacionais relacionadas (p. 131). De acordo com o Code of Federal Regulations, Título 45, Parte 46, Protection of Human Subjects (2009), que rege os IRBs nos Estados Unidos, pesquisa com seres humanos é aquela em que há uma intervenção ou interação com outra pessoa com a finalidade de coleta de informações, ou em que a informação é gravada por um investigador de tal forma que uma pessoa possa ser identificada por ela direta ou indiretamente. Assim, a netnografia, na qual o netnógrafo convive online com os membros da comunidade, se encaixa claramente no modelo de pesquisa com seres humanos (p. 133). Analisar comunicações de comunidades ou culturas online ou seus arquivos não é pesquisa com seres humanos se o pesquisador não registrar a identidade dos comunicadores e se ele puder obter acesso de maneira fácil e legal a essas comunicações ou arquivos. [...] Obter consentimento informado dos participantes de pesquisa é a base fundamental da realização ética de pesquisa (p. 134). 85 Devido à natureza persistente e acessível das comunicações online, a ética está envolvida desde o começo de sua decisão de realizar uma netnografia até muito tempo depois de sua publicação e distribuição final. [...] A base de uma netnografia ética é a honestidade entre o pesquisador e os membros da comunidade online (p. 138). Assim, desde o início da pesquisa até o fim, a boa ética na pesquisa netnográfica determina que o pesquisador: 1. se identifique abertamente e com precisão, evitando qualquer engano; 2. descreva abertamente e com precisão seu propósito de pesquisa para interagir com membros da comunidade; e 3. forneça uma descrição acessível, relevante e exata de seu foco e interesse de pesquisa. Finalmente, é altamente recomendável que o netnógrafo crie uma página Web de pesquisa, provendo uma identificação positiva, bem como uma explicação mais detalhada do estudo e sua finalidade, e talvez deva eventualmente compartilhar os resultados de pesquisa iniciais, intermediários e finais, com membros da comunidade online (p. 139). Quatro questões difíceis foram apresentadas como fundamentais para nossa compreensão da ética em pesquisa netnográfica: 1. se comunidades eletrônicas devem ser tratadas como espaços públicos ou privados; 2. como obter consentimento informado dos membros da comunidade online; 3. a necessidade de evitar danos aos membros da comunidade; e 4. como retratar os dados relativos aos participantes da pesquisa netnográfica. Quatro procedimentos gerais abordam essas questões: 1. identificar e informar; 2. pedir permissão; 3. obter consentimento; e 4. citar e reconhecer (p. 146). 86 O conhecimento é inegavelmente um empreendimento cumulativo, com base em fundamentos históricos. Em qualquer iniciativa de pesquisa, um primeiro passo importante é uma revisão completa da literatura acadêmica passada em áreas afins. Maior credibilidade e visão são as habituais consequências de uma pesquisa profunda e detalhada da literatura. O critério de conhecimento é, portanto, definido como a medida em que o texto netnográfico reconhece e é conhecedor da literatura e das abordagens de pesquisa que são relevantes para sua investigação. Para ser útil, a pesquisa deve estar ligada a questões, problemas e debates centrais no seu campo (p. 154). Uma vez realizada uma análise penetrante da literatura e da teoria do passado sobre um tema ou campo, a pesquisa de qualidade leva isso um passo adiante, buscando ampliar o atual conhecimento e criar algo anteriormente não realizado. Essa contribuição pode ser maior ou menor, mas padrões convencionais de todas as ciências determinam que seja algo novo. O critério de inovação é, portanto, definido como a medida em que as construções, ideias, estruturas e forma narrativa da netnografia oferece novas e criativas maneiras de compreensão dos sistemas, estruturas, experiências ou ações. Ideias inovadoras sobre as culturas e comunidades online são propensas a ajudar um inquérito complementar melhor, se eles estão ligados a questões e definições que são predominantes na literatura. Em casos extremos, a inovação é o critério último, a mudança profunda de paradigma que permite ao leitor compreender o mundo de uma forma totalmente nova e diferente. Fundamental para a inovação é o papel da criatividade e mesmo do talento artístico na forma da netnografia e sua narrativa. Nas melhores netnografias, a qualidade da escrita não só irá dar visibilidade aos novos avanços do conhecimento proposto nos resultados da investigação, mas também incluirá uma evocação, um frescor e vivacidade no estilo de escrita (p. 156). A capacidade emancipatória, autorizadora e conscientizadora em inspirar a ação social é outro critério para a qualidade etnográfica. As avaliações de Guba e Lincoln (1989) sobre “autenticidade” invocam novos critérios de: 87 Justeza: a capacidade de lidar com participantes da pesquisa com imparcialidade. Autenticidade ontológica: a capacidade da pesquisa de ampliar construções pessoais. Autenticidade educativa: a capacidade de levar a uma melhor compreensão das construções dos outros. Autenticidade catalítica: a capacidade de estimular a ação. Autenticidade tática: a capacidade de fortalecer a ação. Com o impacto e o poder das TIC alterando nossa sociedade global, cabe aos netnógrafos examinarem os fenômenos relacionados com um olhar pragmático sobre suas implicações sociais. Não podemos ser iludidos por “ideologias de tecnologia” resultando em interações online e implicando possibilidades intrínsecas, utópicas, eficientes e expressivas, mas devemos examinar, em contextos situados, essas poderosas alusões (Kozinets, 2008). Ao mesmo tempo, devemos continuamente nos esforçar para entender como a tecnologia pode não só apaixonar, mas realmente fortalecer a ação social e o ativismo, e contribuir, por meio da nossa erudição, para que isso aconteça de maneira positiva. Atentar para o critério da práxis, definida como a medida em que o texto inspira e fortalece a ação social, pode ajudar em algumas dessas mudanças tão necessárias (p. 159). Os websites de redes sociais são outro fascinante campo para estudos de comunidade online. [...] O acesso e a participação nos muitos grupos e atividades de interesse – incluindo jogos online – é relativamente simples. A divulgação da identidade como pesquisador é crítica nessas etapas iniciais. Essa informação pode aparecer em perfis alheios e provavelmente em outros lugares, e é possível que isso modere ou altere algumas das respostas recebidas (p. 167). PARA CONCLUIR: SURFANDO COM ANTROPÓLOGOS 88 Nós, este grupo, esta comunidade de antropólogos conectados, temos a capacidade de rastrear interações culturais onde elas se manifestam. Nós, os netnógrafos da rede, os caçadores e coletores de URLs e mecanismos, perfumes e figuras, olhares e capturas. Atravessamos oceanos, não de água, mas de uma infinidade de fluxos de dados que correm, rugem, e se cruzam. Detetives digitais, bricoleurs em bits e bytes, estamos constantemente adaptando, instalando, programando, ligando, questionando, interpretando, refletindo, observando. Seguindo a mistura (p. 169). A internet mudou nossa realidade: a realidade de ser um membro da sociedade, um cidadão, um consumidor, um pensador, um falante, um denunciante, um blogueiro, um amigo, um fã, um organizador, um fazedor. Um estudioso, um colega, um pai, um estudante. Talvez você faça sua própria netnografia. Talvez você leia e aprecie netnografias, ou as analise e avalie, ou lute para entender ou trabalhar com elas. Seja qual for o seu vínculo, eu espero que você encontre alegria e inspiração nessa nova e emocionante área de interconexão humana. Pois, talvez, tão importante quanto nosso rigor científico, seja nossa diversão. A netnografia – como a etnografia – deve ser, na maior parte do tempo, uma alegre e irrestrita busca de descobertas, novas relações e novos relacionamentos (p. 170). REFERÊNCIAS: KOZINETS, Robert V. Netnografia: realizando pesquisa etnográfica online. Porto Alegre. Penso, 2014. NARRATIVAS DIGITAIS NAS ARTES: DISPOSITIVOS E INTERFACES 89 Polyana Zappa INTRODUÇÃO A palavra ‘narrativa’ está relacionada à ação ou ao processo de narrar, ou seja, expor um acontecimento por palavras ou imagens, reais ou fictícias. Se olharmos na história da humanidade, perceberemos que o ato de contar um fato, sempre nos acompanhou. Desde as cavernas com seus registros gráficos, depois com a escrita, livros e posteriormente, com os filmes, o homem sempre contou uma história. No campo da Arte, as narrativas visuais, transitam como registros de uma humanidade que esteve “aqui” como também uma forma de expressar emoções, testemunhar e representar o mundo. A partir da década de 1960, as redes de computadores estabeleceram-se com potência nas comunicações. Passados vinte anos, totalmente informatizada, a novidade eram os computadores pessoais difundidos em todas as áreas: empresariais, educacionais, institucionais. Na década seguinte, a internet, surgiu como uma grande revolução e o número de usuários foi surpreendente. O mundo se apresentava cada vez mais analógico caminhando para uma Era digital. 90 Os artistas já contaminados pelo espírito duchampiano, não perderam tempo e as suas produções artísticas trilharam do tecnológico ao digital. Segundo CAUQUELIN (2005), a arte definida como tecnológica apresentam-se em duas práticas: meios de comunicação tradicionais (vídeoarte, arte postal, intervenções pictóricas...) e a outra, com computadores como suporte, as tecnoimagens. As tecnoimagens estabelecem a migração para universo digital e assim, temos as narrativas digitais na Arte. 1. PARADIGMA DA IMAGEM No processo evolutivo de produção de imagem, a filósofa brasileira Lúcia Santaella em parceria com o filósofo alemão Winfred Nörth estabeleceram três paradigmas da imagem: o pré-fotográfico, o fotográfico e o pós-fotográfico. No primeiro paradigma, denominado como pré-fotográfico, entende-se as imagens artesanalmente feitas à mão. Para isto, necessita do agente, que como quase um “demiurgo”, o sujeito criador, irá por meio de sua subjetividade, trazer a imaginação para a figuração. O suporte para este primeiro paradigma será único e também perecível ao tempo, matérico. A natureza da imagem será figurar o visível e o invisível com o uso da mimese. São os desenhos, pinturas, gravuras (no limiar do pré-fotográfico para o fotográfico), esculturas. O acesso a estas imagens será por museus, galerias e templos. Cabe ao receptor a contemplação e se estabelece a áurea de sua unicidade. Imagem 1: Pré-Fotográfica [Mãos em negativo na Cueva de as Manos, Argentina Fonte: https://www.todamateria.com.br/arte-rupestre/ 91 No segundo paradigma, o fotográfico, encontra-se as imagens produzidas por uso de máquina de registro e implica no objeto preexistente. O suporte para o registro é um fenômeno químico ou eletromagnético que colidiram opticamente e produzirá a imagem por meio da captação da luz sobre o objeto escolhido, enquadrado. Há um recorte na imagem que será fixada e reprodutível inúmeras vezes, por seu negativo. Requer do agente percepção e prontidão ao registrar o visível. De caráter documental, estabelece o registro do mundo. São as fotografias, cinema e vídeo. A fotografia não nasceu de uma invenção súbita, pois ela é a filha mais legítima da câmara obscura, tão popular no Quattrocento, cujo aperfeiçoamento permitiu estender a automatização até a própria inscrição da imagem, afastando do pintor a tarefa de nela colocar sua mão. O que faltava à câmera obscura eram um suporte sensível à luz para a captura automática da imagem, de um lado, e o negativo para automatização da reprodução dessa imagem original, de outro. Ambos chegaram com a fotografia. (SANTAELLA, 2001, p. 164) O negativo do filme e as fitas magnéticas do vídeo deram ao fotográfico a possibilidade de durabilidade e também ser reprodutível. A imagem deixa a unicidade como no préfotográfico, mas ganha na eternidade, pois uma imagem deteriorada, com o seu negativo possibilita ter outra igual. Imagem 2: Fotográfica [Jeff Widener, O Homem dos Tanques, 1989 Fonte: https://mundointrigante.com/fotografias-mais-famosas-historia/ 92 No terceiro paradigma, o pós-fotográfico, está relacionado as imagens sintéticas ou infográficas, totalmente calculadas por computação. São produzidas numa matriz de números em pixels visualizados na tela dos computadores, celulares e tablets. O mundo da simulação, do simulacro, do virtual. Imagem sintética, completamente independente de qualquer objeto existente em qualquer espaço real. É por isso que a noção de simulação caberia estritamente à imagem sintética, só podendo ser aplicada à imagem videográfica ou holográfica de uma maneira muito metafórica. (SANTAELLA, 2001, p.162) Com o pré-fotográfico, a criação da imagem acontece de forma artesanal. No fotográfico, por meio de processos automáticos de captação de imagem e já no pósfotográfico, os processos são matemáticos na geração da imagem. O meio de produção é uma derivação via matriz numérica, as palavras-chaves deste paradigma são virtualidade e simulação. Os meios de armazenamento e, portanto, a durabilidade da imagem, fica na memória do computador e é mais acessível que os outros paradigmas. Antes o agente era o sujeito criador e agora passa para sujeito manipulador que representa o pensamento lógico. Cabe ao receptor a interação, imersão e navegação ao mundo virtual do pós-fotográfico, reiniciável a todo instante. Antes de ser uma imagem visualizável, a imagem infográfica é uma realidade numérica que só pode aparecer sob forma visual na tela do vídeo porque esta é composta de pequenos fragmentos discretos ou pontos elementares chamados de pixels, cada um deles correspondendo a valores numéricos que permitem ao computador dar eles uma posição precisa no espaço bidimensional da tela no interior de um sistema de coordenadas geralmente cartesianas. (SANTAELLA, 2001, p.166) A imagem sintética parte de uma abstração no mundo virtual, não existindo no presencial. Mas aparece ao espectador semelhante aos outros dois paradigmas. 93 Disponíveis e acessíveis nos terminais de computadores, as imagens pósfotográficas se inserem dentro de uma nova era, a de transmissão individual e ao mesmo tempo planetária da informação. Indefinidamente conserváveis, as imagens infográficas são quase completamente indegradáveis, eternas e cada vez mais facilmente colocadas à disposição do usuário em situações corriqueiras e cotidianas, em qualquer tempo e lugar. (SANTAELLA, 2001, p.174) A mudança de um paradigma para o outro não se dá de forma brusca, as alterações acontecem gradativamente. pois alguns elementos permanecem presentes. 2. ARTE TECNOLÓGICA A DIGITAL Entende-se por tecnológico tudo que for uma prótese extensiva do corpo que possibilita realizar bens e serviços. Do grego, está relacionado a técnica, ofício, estudo. Na arte, os artistas usaram também de recursos tecnológicos e a partir dos anos de 1960, se intensificou o uso de filmes e áudios como suporte artístico. Instalações, performances e a participação do espectador com a arte, possibilitou a diversidade de formas de apresentar as obras. A vídeoarte foi um caminho escolhido por alguns artistas que incorporam em seu processo criativo a tecnologia do vídeo portátil. Som e imagem em movimento sem ou com atores com a duração variável de segundos, minutos ou horas. Com a particularidade diferenciada das produções audiovisuais vigente como o cinema, que envolve narrativas e enredo, esta expressão artística, contava com a sintaxe da linguagem televisiva para apontar os perigos deste meio de comunicação. O artista sul-coreano Nam June Paik (1932-2006) foi um grande representante da vídeoarte, mas outros nomes como Bruce Nauman, Gilbert & George, Matthew Barney e Bill Viola também fizeram história com suas instalações. 94 Em Surgimento (2002) (imagem 4), o artista Viola inspirado no afresco Pietá (1424) do pintor italiano Masolino, reproduz em vídeo gravado em uma única tomada, um filme de 35 mm. Inicialmente, temos a cisterna ao centro com duas mulheres sentadas nas laterais, como numa vigília, surge um jovem que no afresco retrata Jesus Cristo, no vídeo representa o ciclo da vida, do nascimento à morte. Imagem 3: Vídeo Arte Esquerda: Surgimento de Bill Viola, 2002, 11'40 ". Projeção traseira de vídeo colorido de alta definição em uma tela montada na parede em uma sala escura. Intérpretes: Weba Garretson, John Hay, Sarah Steben, 213x213 cm. À direita: Pietá de Masolino 1424. Afresco, 280x118 cm, Empoli, Museu da Igreja Colegiada de Sant'Andrea. Fonte: https://www.fpmagazine.eu/ita/news/L a_classicita_video_di_Bill_Viola-1268/ Cada período da história da arte no Ocidente tem sido marcado pelos meios que lhe são próprios. A cerâmica e a escultura no mundo grego, a tinta a óleo no Renascimento, a fotografia no século XIX. Um dos desafios do artista é dar corpo novo para manter acesa a chama dos meios e das linguagens que lhe foram legados pelo passado. Por isso mesmo, é sempre possível continuar a fazer escultura, pintura a óleo, fotografia, reinventando essa continuidade...cada fase da história tem seus próprios meios de produção de arte. (SANTAELLA, 2010, p. 152) Na década de 1970, a videoarte totalmente incorporada no universo da arte, surgiram as videoinstalações, ambientes multimídias, projeções em telas gigantes e no meados de 1980, o termo arte digital, surge com o artista Harold Cohen, que utiliza de um programa Aaron, que ensinava um robô a criar desenhos, utilizando a inteligência artificial, IA, para gerar obras artísticas. 95 O termo arte digital, é utilizado para designar à arte criada exclusivamente com um computador, fotografias manipuladas usando programas de edição de imagens e também à arte criada para internet. devemos distinguir duas práticas. A primeira utiliza meios de comunicação tradicionais: o correio, os envios postais, como suporte de uma atividade artística livre, cujo princípios são os de figuração. Ou ainda técnica mistas como as que aliam nas instalações imagens de vídeo, de televisão e intervenções pictóricas...a segunda prática joga com as possibilidades do computador como suporte de imagens, mas, sobretudo, como instrumento de composição. Outro universo é explorado a partir dos softwares; uma segunda realidade se constrói pouco a pouco, enquanto se constrói também uma relação nova no processo da obra, no ambiente social e na realidade virtual. (CAUQUELIN, 2005, p. 151) O artista George Legrady, em 2011, apresentou ao público a instalação Pockets Full of Memories, (imagem 5), uma instalação interativa de duas salas com metodologias avançadas de programação de computador, como mapas auto organizáveis e algoritmos de rastreamento. Em tempo real, era possível, gerar um arquivo com objetos de quem visitava a exposição. A interação começava quando o espectador, colocava algum objeto que estivesse portando, num terminal-scanner que o digitalizava. O espectador também classificava o valor pessoal deste após o processo de digitalização. O público interage contribuindo com a imagem do objeto escaneado, criando um arquivo que cresce ao longo da duração da exposição. As imagens são armazenadas em um banco de dados e são projetadas na parede. Os objetos digitalizados se movem procurando por outros de descrição semelhante. No começo da exposição o banco de dados está vazio e cresce conforme as interações do público. O algoritmo organiza e define os dados recebidos. Imagem 5: Media Art George Legrady, Pockets Full of Memories, 2011 Fonte:https://www.fondationlanglois.org/html/e/page.php? NumPage=329 96 As novas imagens, as tecnoimagens, são as imagens numéricas, virtuais e como SANTAELLA (2001), definiu, as imagens sintéticas ou infográficas, que surgem no pósfotográfico. O que temos com esta nova realidade é umas grandes mudanças no campo da arte, pois a área que se exerce a atividade artística se vê abalada com as tecnoimagens. A unicidade do autor e da obra se desaparece, a obra digital pode se multiplicar e se modificar a todo momento. Como se dará a recepção estética das tecnoimagens? O que investigaremos, não será mais a imagem, mas o processo de elaboração, portanto, uma nova gramática e vocabulário despontará. 3. DISPOSITIVOS E INTERFACES No universo digital, duas palavras são comumente utilizadas: interface e dispositivo. Segundo LEVY (1999), para todos os aparatos materiais que permitem a interação entre a informação digital e o mundo ordinário, são denominados de interface. Já na definição do dicionário, encontramos que, interface é: 1.elemento que proporciona uma ligação física ou lógica entre dois sistemas ou partes de um sistema que não poderiam ser conectados diretamente. 2. área em que coisas diversas (dois departamentos, duas ciências etc.) interagem. (OXFORD LANGUAGES) Os dispositivos são instrumentos, aparelhos e no âmbito da informática, são mecanismos ou componentes que conectados ao computador, transferem, armazenam e processam dados. Os teclados, mouses, superfícies sensíveis ao toque (touch), samplers, scanners de imagens e textos, leitores ópticos, sensores de movimentos e corpos, entre outros que surgem a cada momento, são dispositivos. 97 Os primeiros computadores exibiam apenas caracteres nas telas e hoje, temos telas sensíveis ao toque, e outras tantas evoluções das interfaces que contribuíram para o número crescente de usuários no mundo digital. No campo da interface, há duas pesquisas: a realidade virtual e a realidade ampliada. A “realidade virtual” é usada, em particular, nos domínios militar, industrial, médico e urbanístico. Nesta abordagem das interfaces, o humano é convidado a passar para o outro lado da tela e a interagir de forma sensóriomotora com modelos digitais. Em outra direção de pesquisa, chamada de “realidade ampliada”, nosso ambiente físico natural é coalhado de sensores, câmeras, projetores de vídeo, módulos inteligentes, que se comunicam e estão interconectados a nosso serviço. Não estamos mais no relacionando com um computador por meio de uma interface, e sim excutamos diversas tarefas em um ambiente “natural” que nos fornece sob demanda os diferentes recursos de criação, informação e comunicação dos quais precisamos. (LEVY, 1999, p.38) Teremos cada vez mais uma diversidade e ao mesmo tempo, uma simplificação das interfaces, combinadas com progressos da digitalização, que facilitará a inserção ao ciberespaço. Segundo Flusser, a noção de dispositivo como aparelho que são máquinas que não visam tanto mudar o mundo quanto dar-lhe significado. No campo da arte, o artista passa a ser o operador/propositor de dispositivos. Vídeo 1: Polyana Zappa, Ar de Paris invadindo o ciberespaço, 2020. CONSIDERAÇÕES FINAIS 98 A Arte sempre acompanhou as mudanças da história da humanidade. Novos suportes e formas de apresentar as linguagens artísticas foram surgindo e com as tecnologias não foi diferente. Desde do uso de maquinas copiadoras, a projeções de imagens, vídeos e áudios incorporados em obras e instalações. As vanguardas artísticas, são realmente a frente do tempo que desponta. A realidade digital chegou e conquistou o seu espaço. Com o advento da internet, tudo se transformou e ajustou para esta nova circunstância e o contemporâneo vai tomando a forma que segundo, LEVY ( 2015) será o Noolítico, idade da pedra do espírito. A pedra aqui entendida como silício dos microprocessadores e da fibra óptica na Era do Espaço do Saber. A figura do artista vai cedendo ao do programador que fará uso do pensamento computacional, que é a habilidade fundamental para todos na navegação dos desafios do século XXI. Será preciso, a competência digital e o letramento computacional, que oferece a compreensão mais ampla relacionado às tecnologias digitais e as mídias. No pós-fotográfico, as imagens agora sintéticas são a virtualidade de uma realidade que parece existir, mas são apenas algoritmos. REFERÊNCIAS: BAIO, Caio. O artista e o dispositivo: rumo a outros audiovisuais possíveis. Disponível em: https://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/apc g/edicao10/Cesar.baio.pdf. Acesso em 31 de outubro de 2020. CAUQUELIN, Anne. Arte contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins, 2005. DEWPSEY, Amy. Estilos, Escolas e Movimentos. São Paulo: Cosac Naify: 2003. FARTHING, Stephen. Tudo sobre arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2011. 99 FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo: Annablume, 2011. LEVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Edições Loyola, 2015. ___________. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 2010. SANTAELLA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003. SANTAELLA, Lucia; NÖTH, Winfred. Imagem: cognição, semiótica, mídia. 3ª. Ed. São Paulo: Iluminuras, 2001. CAPÍTULO 8: A LINGUAGEM NO CONTEXTO DAS REDES SOCIAIS 100 Sandro Valérius dos Santos A humanidade existe e se relaciona por meio da linguagem, a comunicação é base de uma sociedade ativa, e por milênios essa linguagem evolui, se modifica, se adapta, se transforma. Os meios de comunicação mudam, e com eles, símbolos, sons, sinais gráficos entalhados, escritos ou projetados fazem parte dessa evolução. É no cenário da maior transformação na comunicação que se já tem registrado que este trabalho se propõe a questionar a comunicação desenvolvida nas redes sociais e os novos formatos de linguagem nesse novo milênio. A HUMANIDADE E A LINGUAGEM O ser humano é uma máquina complexa e por isso se comunica de maneira complexa. No entanto, o ser humano ao se comunicar cria relações, e nas relações se socializa, e é justamente dentro da estrutura social que a comunicação e a linguagem criam formas, desenvolvem sistemas e padrões, assim: Todas as esferas da atividade humana estão relacionadas com o uso dos diferentes sistemas de linguagem e a multiformidade social se reflete no emprego dessas variadas maneiras de o homem aprender, vivenciar e significar o mundo em que se situa e age. (SIMIS, 2014) 101 Ao longo da história da humanidade, os meios de comunicação desenvolvidos são variadas, envolvendo desde símbolos, desenhos, objetos, ruídos, gestos até elementos gráficos com significados específicos, a escrita e leitura desses símbolos, quando representam fonemas, constitui a comunicação escrita, foco desse estudo. Quanto a comunicação escrita, afirma Daniel Everett que ela se torna então, a interação entre significado, condições de uso, propriedades físicas do inventário de sons, gramática, fonologia, morfologia, princípios organizacionais conversacionais do discurso, informações e gestos. (EVERETT, 2019, p. l. 390) SOCIEDADE DIGITAL Vivemos uma realidade digital muito interessante, os meios de comunicação, de produção e comercio são completamente acessíveis em meios digitais, se considerarmos que os computadores diminuíram de tamanho e atualmente cabem na palma da mão, e nos dão acesso ao mundo utilizando a internet, dando acesso a notícias, rede de relacionamentos e de negócios, não estamos falando de um universo, não no qual adentramos, mas num universo que nos envolve. Viver numa sociedade digital não é uma opção, é uma necessidade. Uma pessoa que não está conectado a essa rede digital, é alguém sem documentos, sem conta bancária, sem plano de saúde ou sem carteira de trabalho, é um ermita numa realidade digital. Essa sociedade digital está em crescente evolução e revolucionou a sociedade, mudando a maneira como vivemos, pensamos e como nos comunicamos (COSTA, 2019, p. 93). Através das TDICs o tempo de envio e resposta de uma informação é instantânea. O que antigamente acontecia apenas via satélite em reportagens ao vivo pela televisão, passou a ser uma realidade funcional e muito comum. INTERNETÊS Todas as vezes que se fala sobre a escrita na internet fala-se sobre a comunicação escrita nas redes sociais como facebook, twitter, instagram, ou em aplicativos de mensagens como whatsapp ou telegram, e nessas redes e aplicativos, usa-se uma maneira específica de escrever, chegando a ser uma linguagem própria, denominada por alguns autores Internetês (BEZERRA, 2013, p. 2) o mesmo nome que usaremos neste trabalho. 102 Considerar o advento do internetês uma nova forma de linguagem, faz todo o sentido, por sua forma, estrutura, tipologias, e comunidade de internet que a utilizam como meio de comunicação, o que não significa que seja algo inédito (BEZERRA, 2013, p. 3), pois a internet não inaugurou uma nova maneira de escrever o português, em outros contextos de comunicação também se formalizou formas diferentes de escrita da língua com o objetivo de simplificar ou agilizar a comunicação. CARACTERÍSTICAS DO INTERNETÊS As novas tecnologias trazem inúmeras facilidades, dentre elas, agilidade na comunicação, essa agilidade traz consigo novas formas de se produzir conteúdo, onde o Internetês é usado com muita frequência. Não falamos de uma nova língua, mas no português que conhecemos, mas com variações na sua construção. Em geral, essas mudanças são intuitivas e fáceis de serem concebidas, pois há apenas simplificação de palavras, omissão de vogais, onomatopeias que em muito substituem ou até mesmo dão novos significados às exclamações (BARBOSA, 2017, p. 5). Além dessas simplificações, o internetês dispensa o uso de variações de caixa alta nos enunciados, pontuações e acentuação. Usa-se o menor número de letras possíveis, é há uma preferência por consoantes (FIORIN, 2008, p. 4). Uma outra característica é que muitas vezes o internetês registra a oralidade dos fonemas (FIORIN, 2008, p. 8), o que não significa que seja uma linguagem baseada na oralidade (BEZERRA, 2013, p. 17). Barbosa (2017, p. 6) sugere um pequeno dicionário internetês: Aki ............ Aqui Blz ............ Beleza Cmg ......... Comigo Eh ............. É Hj .............. Hoje Kd ............. Cadê Naum ....... Não Nd ............ Nada Pq ............. Porque Q .............. que Qdo .......... Quando Qq ............ Qualquer Rs ............. Risos T+ ............. Até mais Tb ............. Também Tc ............. Teclar Td ............. Tudo Vc.............. Você Vlw ........... Valeu! kkk ........... Risos 103 Outra característica do internetês é a influência de termos em inglês. É evidente, cada vez mais há termos emprestados de outros idiomas e que são agregados ao vocabulário internetês e até chegam a ser considerados nos dicionários para a forma culta. Exemplos como feedback, down, flip chart, mouse, etc, não são mais termos usados apenas na internet, mas já ocupam parágrafos em teses, notícias, textos jurídicos, contratos de prestação de serviço, etc. Algumas dessas palavras são até conjugadas, como deletar, baseado no inglês delete. Uma última característica a ser destacada, é que o internetês, até mesmo por ser desenvolvido num ambiente mais despojado, tecnológico, jovial, algumas vezes subversivo, é também muito marcado pela informalidade (FIORIN, 2008, p. 8). LINGUAGEM E CONTEXTO Nos exercícios de criptografia de mensagens no exército brasileiro, preenche-se um campo no formulário de mensagens onde é identificado a importância da mensagem, geralmente é colocado a letra “U” de “urgente” ou “UU” de “urgente urgentíssimo”. No contexto do exército é comum dizer que uma informação ou ação é “UU”, e nesse contexto, faz todo o sentido. No entanto, fora do ambiente militar, essas duas letras não possuem significado algum. Todos os textos são produzidos dentro de um contexto, à internet reserva-se um contexto específico, assim como no exército, na escola, no jornal, na entrevista de emprego. O contexto[1] sugere vocábulos, sistemas, fonemas, abreviações, gestos, ruídos, símbolos e cores (FIORIN, 2008, p. 5). No entanto, há de se observar que houve um momento em que um interlocutor dentro do seu contexto, enunciou uma forma de comunicação inédita, e o coletivo por sua vez a assumiu criando uma nova maneira de aplicar esse enunciado. Isso acontece em todos os contextos, mas em função da internet se desenvolver no meio tecnológico, a velocidade e a frequência com que a comunicação se estabelece e atualiza é muito maior. 104 Um outro fenômeno que agrava essa realidade é que os contextos em via de regra resumem um grupo de indivíduos, quando citamos o exército como exemplo, nesse contexto se desenvolvem formas de comunicação específicas, mas nem todos fazem parte do exército, assim como nem todos os indivíduos fazem parte do contexto da medicina, ou de profissionais da educação, paraquedistas, bombeiros, policiais, atletas, etc... mas todos esses contextos citados estão conectados na internet, e é nessa intersecção que se fundem todas as formas específicas de cada contexto. Antes ninguém se importaria com o fato de alunos de pedagogia abreviarem o substantivo “criança” por “cça” nas suas anotações, mas agora que as “anotações” se encontram na internet, diz-se que essa nova forma de escrita pode prejudicar a ortografia. O ambiente faz diferença, não se escreve um e-mail, da mesma forma que se posta um recado no facebook ou como se escreve um currículo para uma vaga de emprego (BARBOSA, 2017, p. 2). OS EQUÍVOCOS SOBRE O INTERNETÊS As críticas sobre o uso do internetês são muitas. Alguma delas já observamos como características da linguagem, no entanto, embora muitas das preocupações sejam legítimas, há muitos equívocos, como os analisados a seguir. Critica-se o uso do internetês por substituir vocábulos do português pelo inglês, que de fato é muito comum. Há duas considerações a serem feitas nesse caso, a primeira delas é que esse fenômeno não é proposital, ninguém pensou um dia “vamos substituir as palavras do nosso idioma por outro”, mas simplesmente porque o inglês é uma língua universal e todos os produtos tecnológicos, e linguagens de computador usam o inglês como base, assim, quando falamos de internet, falamos de tecnologia, e o inglês acabada sendo muito utilizado e aos poucos absorvido, existem substantivos no inglês que nem mesmo chegaram a ter uma tradução no português como é o caso do “mouse”, ninguém chega numa loja de eletrônicos para comprar um “rato” para o computador. A segunda consideração a ser feita, é o pressuposto de que a língua portuguesa é pura, como se houvesse um conjunto de palavras puramente portuguesas que formam nosso idioma, esquecendo-se que nossa língua possui origem românica, latina, germânica, arábica, helenista (FIORIN, 2008, p. 4), sem contar que obedece aos instrumentos de flexões 105 provocados por sufixos e prefixos de outras línguas, como o latim e o grego. Nesse sentido, dizer “deletar” ao invés de “apagar”, não significa estar degradando a língua portuguesa, significa que continuamos a construi-la com o empréstimo de outras línguas, da mesma forma como ela se originou no passado. Outra crítica muito comum é quanto a ortografia, diz-se que o internetês pode criar vícios ortográficos, prejudicando a escrita, mas a ortografia é uma forma de representar, por meio de símbolos, um fonema. O que necessariamente não significa mudar o fonema (FIORIN, 2008, p. 4). No caso do internetês, a ortografia exerce exatamente esse papel, ela representa o fonema através de símbolos, simplificando a ortografia já conhecida, usando abreviações, criando novos símbolos para essa representação gráfica (FIORIN, 2008, p. 4), o que, diga-se de passagem não é exclusivo do internetês, pois as abreviações, em muitos outros contextos, fazem parte da nossa cultura, como por exemplo “Sta” no lugar de “Santa”, “sr” no lugar de “senhor”, e nem por isso, há algum registro de que as pessoas passaram a não saber mais como se escreve a palavra “Santa”, ou “senhor”. Finalmente, uma das críticas quanto ao uso do internetês, relaciona-se com a informalidade textual. E, de fato, no contexto da internet, observa-se uma informalidade na escrita, mas há de se perceber que essa não é uma tendência exclusiva do internetês, a informalidade da língua portuguesa tem início no modernismo, como comenta José Luiz Fiorin (2008, p. 8) dizendo que “a práxis enunciativa caminha no sentido de que os textos percam a solenidade, construída com um léxico preciosista e com uma sintaxe arcaizante”, motivo pelo qual todas as formas escritas, aos poucos, assumem traços de informalidade. Textos jornalísticos, jurídicos, acadêmicos, cartas pessoais, etc, todos os contextos ao longo dos anos, adquirem uma certa dose de informalidade. ESCREVENDO ERRADO OU NO LUGAR ERRADO O maior conflito se dá no momento em que o comunicador, que vive o contexto de internet, traz para outro contexto o internetês. O problema não é necessariamente não saber escrever, mas o fato de que os contextos foram misturados, o mesmo aconteceria se de repente em uma festa de amigos, alguém resolvesse usar uma linguagem arcaica e rebuscada que aprendeu lendo um texto de Rui Barbosa. 106 Aliás, o próprio Rui Barbosa traz em sua história um memorável momento em que usa a linguagem do seu contexto cotidiano, num confronto com ladrões que roubavam galinhas no seu quintal, diz o conto que Rui Barbosa respondeu assim ao assaltante: — Não o interpelo pelos bicos de bípedes palmípedes, nem pelo valor intrínseco dos retrocitados galináceos, mas por ousares transpor os umbrais de minha residência. Se foi por mera ignorância, perdôo-te, mas se foi para abusar da minha alma prosopopéia, juro pelos tacões metabólicos dos meus calçados que dar-te-ei tamanha bordoada no alto da tua sinagoga que transformarei sua massa encefálica em cinzas cadavéricas. O ladrão, todo sem graça, perguntou: — Mas como é, seu Rui, eu posso levar o frango ou não? Como se pode observar, muitas vezes o problema não está em conhecer ou não a forma culta da língua, mas em misturar os contextos usando o internetês nos meios de comunicação onde essa linguagem não se aplica. A LÍNGUA ESTÁ EM CONSTANTE MUDANÇA A língua portuguesa vive em constante mutação, por exemplo os tratamentos usados no século XIV para com autoridades a quem se dirigia a “mercê” ou “vossa mercê”. Este era um tratamento especial reservado à nobres e pessoas da alta sociedade, mas que ao longo dos anos se vulgarizou, não apenas na forma escrita e no fonema, mas até mesmo no emprego, quanto a afetividade e distância. Se chama de “você” aquele que está perto, mas que não é “senhor” ou “senhora”. A trajetória desse tratamento atravessou séculos, e é um exemplo simples de como uma linguagem ativa na sociedade pode sofrer mudanças de contexto, valor, forma e fonema. (NASCENTES, 1956, p. 115). Tanto no processo do “você” quanto nas mudanças no uso do internetês, existe uma resistência natural entre os falantes da língua, tem-se a primeira ideia de que a língua está sendo empobrecida pelas novas formas abreviadas, uso de vocábulos de outros idiomas ou neologismos. (FIORIN, 2008, p. 2). 107 É certo que muitos vendo exemplos do internetês descreem de um processo de evolução de linguagem, quando na verdade, parece mais que estamos fragmentando, distorcendo, desvalorizando a mesma. No entanto, é preciso lembrar que a língua falada é viva, e por assim mesmo, em constante mudança, como é a vida, pois se o objetivo fosse manter a língua estática, usaríamos latim como na ciência, aliás, a ciência faz uso de uma língua morta justamente pela natureza estável da mesma. Reconhecendo que não se trata de degradar a língua ou apenas de um modismo efêmero, Fiorin (2008, p. 3) apud Ferdinand de Saussure afirma que: Esse complexo de relações constitui um objeto que se basta em si mesmo, pois conhece apenas sua ordem. Se o sistema se basta a si mesmo, se há em cada estado da língua um equilíbrio entre as partes, a mudança não pode ser considerada nem degeneração nem melhoria, mas um processo pelo qual as línguas “passam de um estado de organização a outro” Altera-se o modo como o sistema se configura, mas a organização não deixa de existir. As línguas não decaem nem progridem, elas mudam. CONCLUSÃO O internetês é, de certa forma, resultado de uma evolução da linguagem escrita no contexto da internet. Não está relacionado com o falar e escrever errado, pois mesmo em internetês, a língua portuguesa mantem seu padrão, pois trata-se de um conjunto de abreviações e novas formas de escrita, que simplificam e aceleram a escrita e leitura. Essa é uma realidade que envolve a sociedade atual e todos os contextos de comunicação numa gigante avenida chamada internet, nosso ponto de intersecção. REFERÊNCIAS: BARBOSA, L. M. Reflexões Linguísticas obre as novas tecnologias e suas implicações para o ensino de Língua Portuguesa. Anais IV SINALGE. Campina Grande: Realize Editora. 2017. BEZERRA, B. G. O discurso acadêmico sobre lingua e linguagem na internet. 5º Simpósio Hipertexto e Tecnologias na Educação e 1º Colóquio Internacional de Educação com Tecnologias. São Paulo: Universidade Federal de Pernambuco. 2013. p. 1-20. 108 COSTA, G. S. D. A linguagem utilizada nas redes sociais e seu impacto nas aulas de língua portuguêsa. Caderno Intersaberes, v. 8, n. 16, 2019. ISSN 2317-692X. EVERETT, D. L. Linguagem: a história da maior invensão da humanidade. São Paulo: Contexto, 2019. FIORIN, J. L. A internet vai acabar com a língua portuguesa. Revista Texto Livre, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, Outuno 2008. ISSN 1983-3652. NASCENTES, A. O tratamento de "você" no Brasil. Revista Letras, Curitiba, v. 5, junho 1956. ISSN 0100-0888. SANTOS, S. V. O que é Letramento Digital, São Carlos, 16 Dezembro 2017. Disponivel em: <https://youtu.be/S1xAeBHhMgU>. Acesso em: 10 Novembro 2020. SIMIS, A. et. al. O. Comunicação, Cultura e linguagem. São Paulo: Editora UNESP; Cultura Acadêmica, 2014. SOBRE OS AUTORES 109 Glaucia Davino - Doutora em Ciências da Comunicação - USP. Mestre em Artes - USP. Bacharel em Comunicação Social-Cinema - USP. Experiência profissional em audiovisual. Docente no Programa de Pós Graduação Interdisciplinar Educação, Arte e História da Cultura, na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Líder do Grupo de Pesquisa NAV Núcleo Audiovisual. Participa da RED INAV (Narrativas Audiovisuais). Realiza pesquisa sobre roteiro audiovisual desde 1989, narrativas audiovisuais, humanidades digitais, cultura digital. Investiga temas nas áreas de linguagens relacionadas ao audiovisual às mídias e tecnologias contemporâneas, com enfoque em procedimentos criativos. E-mail: glaucia.davino@mackenzie.br http://lattes.cnpq.br/9376577557864810 Lilian Soares da Silva - Mestre em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB - (2019). Pós Graduanda em Formação Pedagógica de Docentes para a Educação Profissional de Nível Médio (2019) . Pós-Graduanda em Educação Profissional Integrada à Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA - (2017) e Licencianda em Geografia (2015) pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - IFSP. E-mail:liliansoares.sp@gmail.com http://lattes.cnpq.br/7265091945630944 Henrique Silva Conceição - Possui graduação em Ciência da Computação pela Universidade São Judas Tadeu e em Design pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduação em Computação Gráfica pelo Centro Universitário SENAC. É mestrando em "Educação, Arte e História da Cultura" pela universidade Mackenzie e tem como tema de pesquisa: "Livro infantil digital sobre arte para crianças surdas". Atualmente é web designer da Universidade Presbiteriana Mackenzie e trabalha com EAD. Tem experiência na área de Desenho Industrial, com ênfase em Programação Visual. E-mail: hennrique.silvaa@gmail.com http://lattes.cnpq.br/1856392219059800 110 Moisés Izaias Prado - Mestrando em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2020). É licenciado em História pelo Centro Universitário UNIFIEO (2012) e Pedagogia pela Faculdade Itaquá (2018). Tem especialização no Ensino de Libras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2014), Educação Especial com ênfase no aluno com deficiência auditiva no Centro Universitário Clarentiano (2017), Psicopedagogia Educacional pela Universidade Anhembi Morumbi (2019), MBA em Gestão Escolar pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas ? FMU (2019). Atuou como professor na rede municipal de São Paulo na educação bilíngue para Surdos ? EMEBS (2019). E-mail: moisesisaiasprado@yahoo.com.br http://lattes.cnpq.br/7754430715221132 Claudeci Martins da Silva - Doutoranda em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Tecnologia Ambiental pela Universidade Federal Fluminense. Especialista em Educação Ambiental Urbana pela Escola Superior do Brasil. Graduada em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Zootecnia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Atualmente é professora da Rede Estadual de Educação (SEEDUC) e Articuladora Acadêmica e mediadora presencial do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas no Polo UAB/CEDERJ - Resende – RJ. E-mail: claudeci.martins@hotmail.com http://lattes.cnpq.br/7700354087371129 Juliana Cristhina Murari Assunção - Doutoranda em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá. Especialista em Educação com ênfase na Filosofia e Sociologia pela Faculdade Educacional da Lapa. Licenciatura em Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá. Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Norte do Paraná. Há 10 anos atua como Professora de Filosofia da rede particular de ensino. E-mail: jumurari87@gmail.com http://lattes.cnpq.br/0498311140479368 111 Renata Gerhardt Gomes Roza - Professora de matemática do colégio Mackenzie SP, doutoranda em Educação, arte e história da cultura pela Mackenzie/SP, mestra em Ensino de ciências e matemática pelo CEFET/RJ, especialista em Educação matemática e licenciada em Matemática pelo UGB/RJ. E-mail: prof.renatagerhardt@outlook.com http://lattes.cnpq.br/6442647433107414 Louise Teixeira Diório - Paulistana, 22 anos, Mestranda em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2021), Bacharel em Jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2019) e Técnica em Logística pela ETEC Zona Leste - Centro Paula Souza (2016). Vencedora do "Prêmio de Jornalismo do Centro de Comunicação e Letras (UPM) 2º/2019", a partir da produção do livro "Eternas Falas de Esther de Figueiredo Ferraz". Tem como projeto de pesquisa na pós-graduação Stricto Sensu a "Trajetória cultural de Esther de Figueiredo Ferraz" e atua como pesquisadora nas seguintes áreas do conhecimento: história cultural e comunicação. E-mail: louisediorio@gmail.com http://lattes.cnpq.br/1567265153026193 Davi Marques Camargo de Mello - Doutorando em Educação, Arte e História da Cultura na Universidade Presbiteriana Mackenzie, Mestre em Comunicação pela Universidade Anhembi Morumbi e Bacharel em Cinema e Audiovisual pela mesma instituição (UAM). Também atua como cineasta e possui curtas-metragens exibidos em mais de 80 festivais, como o Festival do Rio, Festival Latino-Americano de São Paulo, Kinoforum, Bogoshorts (Colômbia), Fest New Directors | New Films (Portugal), entre outros. E-mail: davimcmello@gmail.com http://lattes.cnpq.br/5664331060343415 112 Jorge Martins Muzy - Piloto da Força Aérea Brasileira. Bacharel em Teologia pela Universidade presbiteriana Mackenzie. MBA em Gestão e Tecnologia da Informação pela Fundação Getúlio Vargas. PDG em Conselhos de Administração pela Fundação dom Cabral. Mestrando do curso de Educação, Arte e História da cultura pelo Programa de Pós graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: jorge@muzy.com.br http://lattes.cnpq.br/2021100305255741 Polyana Zappa - Doutoranda (2019) e Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2008). Especialista em Teoria e Prática em Arte Contemporânea , UNIFATEA. Professora Titular da UNIFATEA- Centro Universitário Teresa DAvila. Coordenadora do Centro Cultural Teresa DÁvila - UNIFATEA. Cenógrafa na Companhia Teatral Palco da História. Professora de Artes no Ensino Médio, Fundamental I e II nos Colégios Drummond, Genesis, Fênix. Diretora do XVI Cinesfest Gato Preto em 2020. Diretora artística da Fundação Olga de Sá. E-mail: polyanazappa@gmail.com http://lattes.cnpq.br/7237416852251360 Sandro Valérius dos Santos - Licenciado em Processamento de Dados pela FATEC e pelo Centro Paula Souza. Bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul e pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-Graduando em Novas Tecnologias para Educação pelo iBra. Mestrando em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor no Ensino Médio Técnico e Coordenador de Projetos para Educação à Distância no Centro Paula Souza e Tutor Presencial nas Faculdades de Ciências Sociais e Aplicadas e Ciências da Informação na Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: sandro.santos@mackenzie.br http://lattes.cnpq.br/0336429639654149