UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
POPULISMOS
CARINA BARBOSA GOUVÊA Ə PEDRO H. VILLAS BÔAS CASTELO BRANCO
apresentação
Henderson Fürst
prefácio
Oscar Vilhena Vieira
Copyright © 2020 by Editora Letramento
Diretor Editorial | Gustavo Abreu
Diretor Administrativo | Júnior Gaudereto
Diretor Financeiro | Cláudio Macedo
Logística | Vinícius Santiago
Comunicação e marketing | Giulia Staar
Produção Editorial | Laura Brand
Designer Editorial | Gustavo Zeferino e Luís Otávio Ferreira
Conselho Editorial | Alessandra Mara de Freitas Silva; Alexandre Morais da Rosa; Bruno Miragem; Carlos María
Cárcova; Cássio Augusto de Barros Brant; Cristian Kiefer da Silva; Cristiane Dupret; Edson Nakata Jr; Georges
Abboud; Henderson Fürst; Henrique Garbellini Carnio; Henrique Júdice Magalhães; Leonardo Isaac Yarochewsky;
Lucas Moraes Martins; Luiz Fernando do Vale de Almeida Guilherme; Nuno Miguel Branco de Sá Viana Rebelo;
Renata de Lima Rodrigues; Rubens Casara; Salah H. Khaled Jr; Willis Santiago Guerra Filho.
Todos os direitos reservados.
Não é permitida a reprodução
desta obra sem
aprovação do Grupo Editorial Letramento.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
G719p
Gouvêa, Carina Barbosa
Populismos / Carina Barbosa Gouvêa, Pedro H. Villas Bôas Castelo
Branco. - Belo Horizonte, MG : Casa do Direito, 2020.
208 p. ; 15,5cm x 22,5cm.
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-86025-95-8
1. Ciências políticas. 2. Populismo. I. Branco, Pedro H. Villas Bôas
Castelo. II. Título.
CDD 320
CDU 32
2020-2975
Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410
Índice para catálogo sistemático:
1. Ciências políticas 320
2. Ciências políticas 32
Belo Horizonte - MG
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Bairro Caiçara
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Casa do Direito é o selo jurídico do
Grupo Editorial Letramento
SOBRE OS AUTORES
CARINA BARBOSA GOUVÊA
Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal de Pernambuco ( PPGD / UFPE ); Pós
Doutora em Direito Constitucional pela Universidade Federal
de Pernambuco (PPGD/UFPE); Doutora e Mestre em Direito pela
UNESA. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Teoria da
Separação dos Poderes e Crise do Sistema Democrático Brasileiro
vinculado ao PPGD/UFPE.
PEDRO H. VILLAS BÔAS CASTELO BRANCO
Professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro(IESP- UERJ); Professor
do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Veiga
de Almeida (PPGD/UVA). Doutor em Ciência Política (IUPERJ),
Mestre em Direito (PUC-Rio). Coordenador do Laboratório de
Estudos Políticos de Defesa e Segurança Pública (LEPDESP/UERJ).
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NOTA DOS AUTORES
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APRESENTAÇÃO À OBRA “POPULISMOS” DE CARINA BARBOSA
GOUVÊA E PEDRO H. VILLAS BÔAS CASTELO BRANCO
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PREFÁCIO
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INTRODUÇÃO
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1. O QUE SERIA POPULISMO? COMPREENDENDO
ALGUMAS DIMENSÕES SEMÂNTICAS
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1.1. DEMOCRACIA E O MOVIMENTO DAS ONDAS POPULISTAS
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1.2. POPULISMO COMO MOVIMENTO E IDEOLOGIA: A VISÃO DE LACLAU
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2. “WE THE PEOPLE” VS. “WE THE POPULAR MASS”
2.1. O POPULISMO E O PROGRESSISMO PELA LENTE DE BALKIN
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2.1.1. CARACTERÍSTICAS INICIAIS DO MOVIMENTO POLÍTICO POPULISTA
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2.1.2. CARACTERÍSTICAS DO MOVIMENTO POLÍTICO PROGRESSISTA
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3. TOTALITARISMO E POPULISMO NO SÉCULO XX:
COMPREENDENDO AS DIMENSÕES DO TOTALITARISMO
SEGUNDO A VISÃO DE HANNAH ARENDT
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4. HARMONIZANDO UM MÉTODO ESTRUTURANTE
PARA A COMPREENSÃO DAS DIMENSÕES DE
POPULISMO NA CONTEMPORANEIDADE
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4.1. O VÁCUO SEMÂNTICO DE POPULISMO
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4.2. POPULISMO E SUA MANIFESTAÇÃO NO LIMBO DA DEMOCRACIA LIBERAL
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4.3. EXTRAINDO O LEQUE SEMÂNTICO DE “POPULISMOS”
À INFLEXÃO DE SEUS SENTIDOS
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5. INDICADORES PRIMÁRIOS DE GÁBOR TÓTH E O
MOVIMENTO DE JAIR MESSIAS BOLSONARO: ASPECTOS
FORMAL E INFORMAL, DIRETO E INDIRETO
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5.1. A FORJA DE UMA PSEUDOCONSTITUIÇÃO
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5.2. MANTENÇA DE UM EQUILÍBRIO INSTITUCIONAL DE FACHADA
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5.3. A QUEBRA DAS TRADIÇÕES DEMOCRÁTICAS BRASILEIRAS
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5.4. CONSTRUÇÃO DE UM HIPEREXECUTIVO COM AMPLIAÇÃO
DAS COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS, MANDATO
GOVERNAMENTAL E AMPLIAÇÃO DAS JUSTIFICATIVAS PARA
INSTITUIR UM ESTADO DE EXCEÇÃO. RIVAIS COMO INIMIGOS
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5.5. RESTRIÇÕES IMPOSTAS AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
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6. CONTEXTUALIZANDO AS PROPRIEDADES VARIÁVEIS
DE POPULISMOS NO GOVERNO BOLSONARO
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6.1. DO USO DO MORALISMO POLÍTICO E RELIGIOSO
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6.2. DO USO E IMPULSIONAMENTO DESENFREADOS
DE DESINFORMAÇÕES E FAKE NEWS
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6.3. DA POLARIZAÇÃO DA POLÍTICA
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6.4. DA MILITARIZAÇÃO DA POLÍTICA
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7. ABORDAGENS ESTRUTURAIS POLÍTICAS E JURÍDICAS
EM OPOSIÇÃO À GOVERNANÇA POPULISTA
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CONCLUSÃO
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REFERÊNCIAS
NOTA DOS AUTORES
A publicação da obra Populismos foi realizada com o apoio do
Programa de Apoio à Pós-Graduação (PROAP-CAPES) e da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) –
Código de Financiamento 001.
A pesquisa foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação (PPGD/
UFPE) na linha de pesquisa 1.1. Jurisdição e Processos Constitucionais
junto à disciplina “Constitucionalismo Global, Processos Constitucionais e Mudanças em Tempos de Crise do Estado de Direito”, nos
semestres 2018.2 e 2020.3, ministrada pela Profª. Carina B. Gouvêa e
tendo como Professor Convidado o Prof. Pedro H. Villas Bôas Castelo
Branco. A disciplina contemplava as seguintes temáticas: “Populismo,
Constitucionalismo Populista, Jurisdição Populista e a Crise da
Democracia” e “Estado de exceção, Populismos e a Militarização da
Política na pandemia da COVID-19”, tendo sido realizada, respectivamente, nos Programas de Pós-Graduação de Ciência Política do
IESP-UERJ e Programa de Pós-Graduação da Universidade Veiga de
Almeida (PPGD/UVA).
Contou, também, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e colaboração do Laboratório de
Estudos Políticos de Defesa e Segurança Pública (LEPDESP) e do Grupo
de Estudos de Pesquisa Teoria da Separação dos Poderes e Crises do
Sistema Democrático Brasileiro (PPGD/UFPE).
Gostaríamos de agradecer o apoio incondicional de todos que, direta
ou indiretamente, colaboraram para a materialização da pesquisa, especialmente à Coordenação do PPGD/UFPE, nas pessoas das Professoras
Doutoras Mariana Fischer e Manuela Abath, e à Pro-Reitoria para
Assuntos de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal de
Pernambuco (PROPESP/UFPE).
Outubro de 2020
CARINA BARBOSA GOUVÊA & PEDRO H. VILLAS BÔAS CASTELO BRANCO
7
APRESENTAÇÃO À OBRA
“POPULISMOS” DE CARINA
BARBOSA GOUVÊA E PEDRO H.
VILLAS BÔAS CASTELO BRANCO
por Henderson Fürst1
Algumas palavras possuem a mesma dificuldade de interpretação,
compreensão e manuseio, tal qual as grandes navegações tiveram por
muitos anos com os instrumentos de geolocalização e mapas disponíveis à época. Uma destas palavras é “populismo”.
Populismo pode ser tomado por diversos conceitos e utilizado para
expressar diversas estruturas políticas, com as mais diversas orientações ideológicas e finalidades. Daí a sua dificuldade de estabelecer
precisamente seu conteúdo, tal como a dificuldade de se estabelecer
precisamente a geolocalização de uma navegação pré-moderna.
Este fenômeno estabelece o termo populismo na questão posta filosoficamente por John L. Austin, em especial em sua obra How to do things
with words, na qual, logo em sua primeira parte, recebe o tratamento
conceitual do termo performativo (performative)2.
Na teoria dos atos de fala (speech acts), o termo performático englobaria as expressões linguísticas que seriam frequentemente vazias de
sentido nelas próprias (um sem sentido). Os enunciados performáticos
não descrevem ou registram nada, por consequência, eles não são nem
1 Doutor em Filosofia do Direito pela PUC- SP. Doutor e mestre em Bioética
pelo CUSC. Bacharel em Direito pela UNESP. Professor dos programas de Direito
Constitucional da PUC-Campinas. Editor científico e advogado. Presidente da
Comissão Especial de Bioética e Biodireito da OAB Nacional.
2 AUSTIN, John L. How to do things with words. 2. ed. Cambridge: Harvard
University, 1975, p. 4 e ss.
CARINA BARBOSA GOUVÊA & PEDRO H. VILLAS BÔAS CASTELO BRANCO
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verdadeiros nem falsos. Ademais, o ato de expressar a oração é realizar
uma ação, ou parte dela, ação que, por sua vez, não seria normalmente
descrita como consistente em dizer algo3.
Os enunciados performáticos, fora das circunstâncias apropriadas,
são indiscutíveis: eles não dizem ou significam nada, não podem ser
submetidos a um teste de validade. Por exemplo, a expressão “viva”.
Ela sozinha não significa praticamente nada, pode ser um comando
para que alguém continue vivendo, pode ser uma expressão de exclamação para algo positivo etc. Essa é a característica dos enunciados
performáticos eles são indiscutíveis não provam nada e não podem ser
refutados considerados verdadeiros ou falsos4.
Dessa forma, na teoria de Austin, a dignidade humana é um termo
performativo, pois, isoladamente, não se pode determinar seu conteúdo. Não servem para relatar algo, mas performar, já que seu conteúdo
apenas é compreensível quando ambientado entre outras palavras, conceitos e atos.
Ou seja, por mais que muito já se tenha teorizado sobre a dignidade
humana, por melhores textos que se encontrem sobre o tema, seja
pela erudição de seus fundamentos, seja pela poesia de seus conceitos,
pouco haverá de contribuição à aproximação do conceito hermenêutico fundamental, pois a verificação definitiva da compreensão se dará
apenas diante da forma como é performativamente empregada. É dessa
forma que se pode justificar a possibilidade de que dois interlocutores defendendo posições antagônicas possam igualmente fundamentar
seus argumentos na dignidade humana.
Austin é quem introduz, portanto, a ideia de uma “concepção performativa de linguagem”. Sua proposta sistemática, posteriormente
desenvolvida por Pierce, expressa que a linguagem pode ser tratada de
modo sistemático, desde que se adotem as categorias adequadas para
isso, em outras palavras, desde que a linguagem seja tratada como uma
forma de ação e não de mera representação do real ou da descrição de
fatos no mundo5.
A distinção da qual parte Austin é referente à dicotomia dos termos
constativos e performativo, em outras palavras, entre o uso de senten3 Idem, p. 4-5
4 Idem, p. 6.
5 SOUZA FILHO, Danilo Marcondes de. A teoria dos atos de fala como concepção pragmática de linguagem. Revista de Filosofia da Unisinos, São Leopoldo,
Unisinos, p. 219-229 (220-221), set./dez. 2006.
10 POPULISMOS
ças para descrever fatos e eventos e sentenças que são usadas para realizar (to perform) algo, e não para descrever ou relatar. Por essa razão,
os termos constativos podem ser verdadeiros ou falsos em relação aos
fatos que descrevem; já um performativo não é realmente nem verdadeiro nem falso, pois não descreve um fato, mas deve ser considerado
como bem ou mal sucedido, dependendo das circunstâncias e consequências da realização do ato6.
É neste sentido que podemos observar a polissemia do termo populismo – motivo pelo qual os autores da presente obra fizeram bem
em usá-la no plural. Apenas a título de exemplo, podemos indicar o
conceito dado pelo dicionário Duden, em que populismo é conceituado
como “política definida pelo oportunismo, popular, amiúde demagógica […] que tem por objetivo angariar, por meio da dramatização da
situação política, o favor das massas (com vistas às eleições)”7. Tal
conceito demonstra a facilidade que o conceito pode ser utilizado em
ocasiões de disputa política, atribuindo-se uma pecha a algum dos candidatos por seus inimigos políticos. E, nisso, o termo não requer explicações, pois parece já trazer consigo elementos de pré-compreensão
que fazem toda a comunidade reconhecer como algo negativo8. Outra
forma de se compreender o populismo é, ao contrário, como algo bom,
tal como as associações feitas a correntes políticas na transição do séc.
XIX ao XX, quando agricultores tiveram parte de suas reivindicações
atendidas em legislações antitruste e no New Deal9.
O panorama da presente obra é este: um mar semântico de árdua navegação, um caleidoscópio teórico impreciso. E, da mesma forma que instrumentos de precisão foram criados com base em marcadores externos
constantes, possibilitando segurança à navegação, assim seus autores possibilitaram no âmbito da teoria e conceituação dos populismos, apresentando um preciso mapa teórico das múltiplas formulações e utilizações
feitas das palavras populismo, demonstrando que há vários populismos.
Os debates em Ciência Política e em Direito Constitucional acerca
dos populismos, seus efeitos e riscos à Democracia, passam a contar
6 Idem, p. 224-225.
7 KUNKEL-RAZUM, Kathrin et al. (eds). Duden. Die Deutsche Rechtschreibung.
27.ed., 2017.
8 VOGKUHLE, Andreas. Defesa do Estado Constitucional Democrático em tempos de populismo. Brasília: IDP, 2020, p. 25.
9 EICHENGREEN, Barry. Die Entwincklung des Populismus in den Vereinigten
Staaten. Leviathan, n. 45, p. 180, 2017.
CARINA BARBOSA GOUVÊA & PEDRO H. VILLAS BÔAS CASTELO BRANCO
11
com um inestimável instrumento teórico que guia e estrutura marcadores seguros na compreensão e aprofundamento do tema. Os leitores
dessa obra encontrarão um referencial teórico imprescindível nas páginas que se seguirão.
Usualmente, uma apresentação diz de seus autores. Essa missão é
fácil, à medida que tenho o privilégio de conviver com as personalidades marcantes que escrevem essa obra, mas igualmente difícil, vez que
a grandiosidade de suas criatividades, mentes e almas torna qualquer
tentativa de reduzir a termo insuficiente.
Para respeitar o protocolo das apresentações acadêmicas, quero registrar que Carina Barbosa Gouvêa é Professora permanente do
Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de
Pernambuco (PPGD/UFPE), tem estágio Pós Doutoral - Universidade
Federal de Pernambuco (PPGD/UFPE); é doutora e mestre em Direito
pela UNESA. Coordena o Grupo de Estudos em “Teoria da separação
dos poderes e a crise do sistema democrático brasileiro” do Programa
de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco
(PPGD/UFPE). Advogada, tenho o privilégio de compartilhar a presidência da Comissão Especial de Bioética e Biodireito do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil com ela.
Por sua vez, Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco é professor
adjunto do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro ( IESP - UERJ ) e do Programa de
Pós-Graduação em Direito da Universidade Veiga de Almeida (UVA).
Coordena o Laboratório de Estudos Políticos de Defesa e Segurança
Pública (LEPDESP), uma parceria entre IESP-UERJ e Escola Superior
de Guerra ( ESG). É coordenador do grupo de trabalho de Teoria
Política e Pensamento Político Brasileiro da Associação Nacional
de Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS). Foi professor adjunto do Departamento de Direito Público da Universidade Federal
Fluminense (UFF) entre 2009 e 2014 e professor adjunto da Escola de
Ciência Política da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO) entre 2010 e 2014. Doutorou-se em Ciência Política pelo
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (antigo IUPERJ
atual IESP-UERJ), em 2009. Durante o doutorado, estudou com bolsa de extensão no convênio DAAD/CAPES no Otto-Suhr-Institut für
Politikwissenschaft (Instituto de Ciência Política Otto Suhr) na Freie
Universität Berlin (Universidade Livre de Berlim), na Alemanha. Tem
experiência de ensino e pesquisa na área de Teoria Política, Teoria
12 POPULISMOS
do Estado, Teoria do Direito e Segurança Pública. É autor do livro
Secularização Inacabada: Política e Direito em Carl Schmitt, publicado
em 2011 no Brasil e também na Alemanha, em 2013, com o título Die
unvollendete Säkularisierung. Politik und Recht im Denken Carl Schmitts.
Advogado, é membro consultor da Comissão Especial de Bioética e
Biodireito do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Como anteriormente mencionei, a presente obra que o leitor tem
em mãos nasce já como um referencial teórico para a complexa análise do tema. E digo isso acrescentando que, para mim, a leitura desta
obra foi fundamental para ampliar meus horizontes teóricos e poder
avançar minhas pesquisas no sentido de identificar a existência de um
biopopulismo. Trata-se de uma forma de populismo em que se vale
das ciências biotecnológicas tanto como instrumento apropriado ideologicamente para sustentar medidas contrárias ao constitucionalismo
liberal, tanto como um tema narrativo para se valer como tópica em
torno do qual se agregam valores de parte expressiva da sociedade,
normalmente de cunho conservador.
A apropriação das ciências biotecnológicas não implica num discurso científico, que pressupõe margem de erro, evidências científicas,
refutabilidade, replicabilidade, verificabildiade e outras características
que marcam o conhecimento científico contemporaneamente. Basta
que soe verossímil e extraído de um suposto conhecimento científico
para atingir as finalidades necessárias. Com isso, o biopopulismo corresponde a uma faceta contemporânea no complexo poliédrico que é
o populismo, possibilitada pelo contexto da pós-verdade e do crescimento de fake news na comunicação de massa, pois não importa que a
técnica ou o discurso que se apropriam da biotecnociência seja verdadeira, importa que seja suficientemente verossímil para ter aderência
popular e alcançar os objetivos propostos.
Trata-se, portanto, de mais um modo de proceder do populismo, em
que se usa a biopolítica e as implicações do biopoder para atingir as
finalidades maiores de quem dela se vale.
Desejo aos leitores uma agradável leitura, esperando que a possa a
pesquisa alcançar cada vez mais.
CARINA BARBOSA GOUVÊA & PEDRO H. VILLAS BÔAS CASTELO BRANCO
13
PREFÁCIO
Populismos, de Carina Barbosa Gouvêa e Pedro Hermílio Villas Bôas
Castelo Branco, oferece ao leitor brasileiro um minucioso e sofisticado levantamento do debate acadêmico em torno da mais recente vaga
populista que vem se impondo a muitos países na última década. Com
um amplo domínio da literatura jurídica e da ciência política contemporânea sobre o novo populismo, os autores apresentam um panorama
complexo desse fenômeno multifacetado que vem colocando em risco
democracias liberais nos diversos continentes, inclusive onde elas estavam enraizadas, como nos Estados Unidos, ou pareciam estabilizadas
como Índia e Brasil. Embora a derrota de Donald Trump nas eleições
de 2020 possa sinalizar algum arrefecimento da onda populista, a permanência das dificuldades estruturais apresentadas pelas democracias
liberais num contexto de crescente desigualdade, que favorece a ascensão de líderes populistas, indica que teremos que conviver por um
bom tempo com esse tipo específico de ameaça à democracia.
O populismo contemporâneo, de acordo com os autores, emergiu em
um contexto de crises econômicas e financeiras e de uma crise mais
profunda da democracia liberal. A ascensão da desigualdade econômica e intensificação da descrença na política representariam o fracasso
de elites liberais em cumprir sua promessa de uma prática política
baseada na moderação e no consenso, no reconhecimento de direitos
de minorias e na tolerância mútua. Isso levou à crise da democracia
liberal. Nesse contexto, o populismo apresenta premissas muito distintas das que fundamentam o liberalismo pluralista, como a polarização
da política, em detrimento da busca de consenso; a homogeneização
popular, em detrimento do reconhecimento da heterogeneidade dos
grupos da comunidade política; a sobreposição de valores conservadores e excludentes sobre o progressismo.
14 POPULISMOS
Carina Barbosa Gouvêa e Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco
não se contentam, no entanto, em realizar uma primorosa revisão da
bibliografia sobre populismo contemporâneo. O objetivo desses jovens autores é mais ambicioso. A partir da concepção de Gábor Tóth,
que define populismo como uma forma de iliberalismo, procuram verificar se as condutas de Bolsonaro e seu governo podem ser configuradas como populistas. Tomando emprestado de diversos autores
um conjunto de indicadores do populismo, se lançam na empreitada
de analisar o comportamento de Bolsonaro e seu governo. De acordo
com Gouvêa e Castelo Branco, a tentativa de Bolsonaro de forjar uma
“pseudo-constituição”, desde o início de seu governo; de estabelecer
um “equilíbrio institucional de fachada”; de “quebrar as tradições democráticas”; e de construir um “hiper-executivo”, o colocariam claramente no campo antiliberal. Mais do que isso, o recurso ao moralismo
político religioso, o impulsionamento de notícias falsas (fake news),
bem como a polarização e a militarização da política, não deixariam
dúvida sobre a natureza populista de Bolsonaro.
Tendo a compreender o populismo, em sintonia com os autores,
como uma síndrome da democracia contemporânea, que nasce da
desconfiança nas instituições representativas, do ressentimento com
as elites que as habitam e da percepção de que a democracia liberal
não tem sido capaz de cumprir com suas promessas (Muller 2017,
Bobbio, 1989). Líderes populistas se apresentam como representantes diretos e autênticos da vontade popular e intérpretes exclusivos
do bem comum. Não se trata propriamente de uma ideologia política
ou econômica, mas, antes de tudo, de uma estratégia para alcançar
e manter no poder. A história abriga múltiplas expressões do que se
convencionou chamar populismo, como deixam claro os autores. Em
suas versões originais e mais benignas, foram chamados de populistas
políticos movimentos progressistas que desafiaram elites oligárquicas
que se apoderam das instituições representativas, em benefício próprio. O termo também é usado no campo econômico para designar
políticas fiscais heterodoxas. Nas variantes autoritárias, o populismo
está intimamente ligado ao fascismo, como uma força empenhada em
destruir as instituições liberais e o pluralismo político, lançando uma
guerra contínua contra o estado de direito, o sistema representativo, os
partidos, a imprensa livre e os direitos de todos aqueles que, de alguma
forma, se contrapõem ao exercício arbitrário do poder do líder.
CARINA BARBOSA GOUVÊA & PEDRO H. VILLAS BÔAS CASTELO BRANCO
15
Entre o populismo como mera expressão antielitista e o populismo
fascista encontram-se inúmeras trajetórias e experiências, tanto à esquerda quando à direita, que fazem uso de estratégias e práticas populistas de maneira mais ou menos radical, mas sempre em tensão com
as instituições democráticas, o pluralismo político, o império da lei e
os direitos de grupos alçados a posição de inimigos.
Populistas autoritários apresentam-se como encarnação autêntica
e exclusiva da vontade popular e dos interesses legítimos da nação.
Todos aqueles que dele discordam são apresentados como inimigos
a serem combatidos e, no extremo, eliminados. Ao se aproximar da
concepção schmittiana de política, que consiste numa constante batalha entre amigos e inimigos, em que o objetivo final é a eliminação do
outro (Schmitt, 2015), o populismo se transforma numa antítese da
democracia constitucional.
A face jurídica do populismo, em muitos países, como a Hungria
ou Polônia, tem sido uma espécie de “legalismo autocrático” (Kim
Scheppele, 2017). Assim como se utilizam das franquias e procedimentos democráticos para alçar ao poder e subverter a democracia
representativa, uma vez no governo, populistas autoritários também
passam a empregar procedimentos jurídicos e prerrogativas institucionais com o objetivo de subjugar a legalidade e capturar as instituições jurídicas, subvertendo a própria essência do rule of law (Lon
Fuller, 1965).
Embora em regimes autoritários, instalados por golpes de Estado,
o sistema jurídico e as instituições de aplicação da lei também sejam sistematicamente empregadas como instrumento do governo
(Loewenstein, 1942; Antony Pereira, 2005), o enredo da subversão do
estado de direito não é o mesmo. Enquanto nos regimes autoritários,
tout court, temos a ruptura constitucional, marcada por um período de
exceção, seguido pelo estabelecimento de uma ordem autoritária, que
pode utilizar o sistema jurídico e suas instituições, em maior ou menor
medida, como ferramenta de governo (rule by law), no novo populismo o caminho é mais sinuoso. O que se pode observar nessa onda de
populismo, lastreada em maioria eleitoral, é o emprego sistemático de
prerrogativas institucionais para fragilizar as regras eleitorais, o sistema de freios e contrapesos, os direitos dos grupos indesejáveis ao sistema, assim como para capturar em instrumentalizar as instituições de
aplicação da lei. Os espaços de discricionariedade vão sendo expandi16 POPULISMOS
dos, as autoridades responsáveis por aplicar a lei vão sendo substituídas e as instituições finalmente subjugadas ou cooptadas. Trata-se de
um processo mais lento, pelo qual as condicionantes para o exercício
e as regras de alternância no poder, os procedimentos de participação
da sociedade, a transparência na condução da coisa pública, a independência das instituições de aplicação da lei, as garantias do estado
de direito e, em especial, os direitos de grupos vistos como inimigos
do regime vão sofrendo um processo de contínua erosão. O ritmo e a
profundidade desse processo dependerão da capacidade das instituições, da oposição e de setores da sociedade civil de colocar limites aos
avanços autoritários.
No capítulo final de Populismos, os autores apresentam um longo
repertório de mecanismos que entendem poderiam contribuir para
conter o populismo, com a ressalva de que seria necessário adaptá-los
às particularidades de cada contexto, entre os quais destacaria: fortalecer limites ou obstáculos ao emendamento constitucional/substituição
constitucional; fortalecimento dos partidos políticos como guardiões
da democracia; aumento do controle legislativo na edição de decretos e medidas provisórias; criação de uma burocracia racional baseada
em competência e expertise, e não no carisma e tradição, de modo
a aumentar o controle sobre a discricionariedade do Executivo; fortalecimento de uma democracia deliberativa , por meio da abertura
e estímulo ao debate com a sociedade civil; criação de instâncias de
controle social destinadas a monitorar a democracia; incorporação de
ferramentas de proteção Internacional; fortalecimento do sistema de
freios e contrapesos, por exemplo, por meio da preservação e aumento da independência judicial; ou ampliação da cooperação e integração entre as democracias, identificando vulnerabilidade e protegendo
seus princípios.
Evidente que o leitor não precisa concordar com o diagnóstico ou
ainda com as propostas elaboradas pelos autores para reduzir os riscos do avanço do populismo. A riqueza de Populismos está, sobretudo,
no caminho trilhado por Carina Barbosa Gouvêa e Pedro Hermílio
Villas Bôas Castelo Branco. Impressiona a leitura atenta, ao mesmo
tempo crítica e respeitosa, de uma imensa literatura sobre o fenômeno
do populismo contemporâneo. Como isso ampliam, de forma generosa, os horizontes desse do sobre o populismo no Brasil. Também
deve-se destacar o esforço dos autores para investigar as ações do go-
CARINA BARBOSA GOUVÊA & PEDRO H. VILLAS BÔAS CASTELO BRANCO
17
verno Bolsonaro em direção ao iliberalismo. A leitura de Populismos
certamente contribuirá para que seus leitores tenham mais ferramentas
conceituais para analisar esse fenômeno global que ameaça o edifício
do constitucionalismo democrático, assim como para compreender
como o crescimento do populismo está associado as próprias fragilidades da democracia liberal e das promessas por ela não cumpridas,
como já nos alertava Norberto Bobbio no final dos anos 1980.
Novembro de 2020
OSCAR VILHENA VIEIRA
Professor de Direito Constitucional da FGV Direito SP e membro
fundador da Conectas e da Comissão Arns de Direitos Humanos
18 POPULISMOS