Revta brasil. Bot., São Paulo, V.23, n.1, p.87-96, mar. 2000
Estrutura do pericarpo e da semente de Astronium graveolens
Jacq. (Anacardiaceae) com notas taxonômicas
SANDRA M. CARMELLO-GUERREIRO1,3 e ADELITA A. SARTORI PAOLI2
(recebido em 23 de junho de 1999; aceito em 5 de dezembro de 1999)
ABSTRACT - (Pericarp and seed structure of Astronium graveolens Jacq. (Anacardiaceae) with taxonomic notes).
Astronium graveolens is a treelike member of the family Anacardiaceae, spreading from Mexico to the south center of
South America. The fruit is a pseudosamara with a uniseriate exocarp adherent to the endocarp. The mesocarp is
parenchymatic and presents large secretory ducts associated with vascular bundle and arranged side by side, near to the
endocarp. The parenchymatic endocarp is biserial, and the layer enveloping the locule is slightly radially elongated. The
ovule is anatropous, unitegmic, and crassinucellate and has an evident dorsal raphe and a tanniniferous hypostase. It
presents an apical-lateral insertion in the ovary and shows a placentary obturator. The testa which strongly adheres to
the pericarp shows the cells of the inner epidermis with dense cytoplasm, indicative of an endotestal condition. The
mature seed coat is formed from the remaining of the testa, funicle, raphe-chalaza region and hypostase, presenting two
distinct regions: one is dark brown patch pachychalazal and other pale brown tegumentary. The embryo is axial investing.
RESUMO - (Estrutura do pericarpo e da semente de Astronium graveolens Jacq. (Anacardiaceae) com notas taxonômicas). Astronium graveolens é um representante arbóreo da família Anacardiaceae que se distribui desde o México até o
centro-sul da América do Sul. O fruto é uma pseudo-sâmara com exocarpo unisseriado, suberificado e aderido ao
mesocarpo. O mesocarpo é parenquimático, com grandes canais secretores associados aos feixes vasculares e localizados
próximos ao endocarpo. O endocarpo parenquimático é bisseriado, sendo a camada que reveste o lóculo ligeiramente
alongada radialmente. O óvulo é anátropo, unitegumentado, crassinucelado, com rafe dorsal evidente e hipóstase tanífera;
apresenta obturador placentário e está inserido em posição apical-lateral no fruto. A testa, fortemente adnata ao pericarpo,
apresenta as células da epiderme interna pequenas e de conteúdo bastante denso, indicando uma condição endotestal. O
envoltório na semente madura é formado por restos da testa, funículo, região rafe-calazal e hipóstase apresentando duas
regiões distintas: uma paquicalazal de coloração marrom e outra tegumentar de coloração amarelo-clara. O embrião
ocupa posição axial e é do tipo “investing”.
Key words - Anacardiaceae, Astronium graveolens, pericarp, seed, anatomy
Introdução
O gênero Astronium, estabelecido por Jacquin
em 1760 e pertencente à família Anacardiaceae, é
neotropical e reúne espécies arbóreas, com frutos de
cálice persistente e acrescente no fruto, que resulta
em aspecto estrelado, sendo esta característica que
dá nome ao gênero (Santin 1991).
Apesar do gênero ter sido revisado, na região
neotropical, por Barkley (1968), até recentemente,
1.
2.
3.
Departamento de Botânica, Universidade Estadual
de Campinas, Caixa Postal 6109, 13083-930
Campinas, SP, Brasil.
Departamento de Botânica, Instituto de Biociências,
Universidade Estadual Paulista, Caixa Postal 199,
13506-900 Rio Claro, SP, Brasil.
Autor para correspondência: smcg@unicamp.br
apresentava problemas de identificação taxonômica.
O gênero foi dividido por Barkley (1968) em dois
subgêneros, o Euastronium, com 10 espécies e sete
variedades, e o Myracrodruon, com três espécies e
uma variedade. Esta conceituação foi aceita até que
Santin & Leitão-Filho (1991), empregando os caracteres mais aceitos para a delimitação genérica em
Anacardiaceae que são o tipo de fruto e de placentação, retiraram o subgênero Myracrodruon do
gênero Astronium Jacq. restabelecendo o gênero
Myracrodruon Fr. Allem. Segundo os autores, apesar dos dois gêneros serem muito próximos, não
podem ocupar o mesmo táxon genérico devido principalmente ao tipo de fruto que apresentam: o gênero
Astronium possui fruto tipo baga e o gênero
Myracrodruon possui fruto tipo drupa, com endocarpo anguloso.
88
S.M. Carmello-Guerreiro & A.A.S. Paoli: Estrutura do pericarpo e da semente de Astronium graveolens
A classificação do tipo de fruto de Astronium
ainda gera confusões, uma vez que o fruto totalmente
desenvolvido, mas não pronto para a dispersão, apresenta mesocarpo parenquimático com grandes canais secretores e endocarpo não lignificado e,
quando pronto para dispersão, apresenta pericarpo
seco (Santin 1989). Desse modo, as interpretações
para o tipo de fruto de Astronium variam, sendo
classificados como baga (Barroso et al. 1984, Santin
1989, Santin & Leitão-Filho 1991) ou como núcula
(Barroso et al. 1999).
Em vista do exposto, este trabalho teve por
objetivo realizar um estudo morfo-anatômico dos
frutos e sementes de Astronium graveolens em desenvolvimento, visando, principalmente, fornecer
mais subsídios para a tipificação de seus frutos e
esclarecimento dos problemas taxonômicos, além de
um melhor conhecimento da espécie.
Material e métodos
Foram utilizados flores, frutos e sementes de
Astronium graveolens em diversas fases de desenvolvimento, coletados na região de Piracicaba, SP, Brasil.
Os estudos morfológicos e anatômicos foram realizados
em material fresco e em material fixado em FAA 50
(Johansen 1940). Foram utilizadas seções nos diversos
planos anatômicos, obtidas com auxílio de micrótomo
rotativo e então montadas em preparações permanentes.
As lâminas permanentes foram confeccionadas com material incluído em histo-resina (glicol metacrilato),
seguindo-se a técnica descrita por Gerrits (1991). O material foi seccionado em micrótomo manual com navalha
tipo C e as secções coradas com azul de toluidina à 0,05%
em tampão acetato, pH 4,7 (O’Brien et al. 1964) e montadas em resina sintética.
Resultados
Morfologia do fruto e da semente - O fruto, completamente maduro, é uma pseudo-sâmara com cálice
acrescente (figura 1) com ca. de 11,4 mm de comprimento x 2,1 mm de diâmetro.
A semente, única por fruto, é estreitamente elíptica (figura 2) e provém de óvulo anátropo (figura 3).
O envoltório da semente é membranáceo, liso, de
coloração amarelo-clara com uma mancha marromescura.
Na semente madura, a micrópila não é visível,
o endosperma é ausente, o embrião tem posição axial
e é do tipo “investing”, com dois cotilédones carnosos, maciços e planos, com lobos bem marcados;
o eixo hipocótilo-radícula é curto, invaginado entre
os cotilédones e apresenta plúmula pouco desenvolvida (figuras 4 e 5).
Ovário - O ovário é súpero, uniloculado com um
único óvulo (figura 6). A epiderme externa é unisseriada (figura 7) recoberta por cutícula, com células
alongadas no sentido radial e com núcleo evidente.
O mesofilo ovariano é constituído por parênquima e
canais secretores (figura 7) associados aos feixes
vasculares.
A epiderme interna do ovário sofre divisão periclinal resultando em duas camadas celulares com
citoplasma denso e núcleo evidente (figura 8). Na
camada que reveste o lóculo, as células são ligeiramente alongadas radialmente, revestidas por cutícula.
Estrutura do pericarpo - As secções longitudinais e
transversais dos frutos jovens, em fases sucessivas
do desenvolvimento, mostram as seguintes características anatômicas: a) epiderme externa com células de cúbicas a alongadas radialmente, provida de
estômatos (figura 9); b) zona interepidérmica parenquimática, futuro mesocarpo, caracterizada pela presença de grandes canais secretores de distribuição
ordenada, localizados próximos à epiderme interna
e associados aos feixes vasculares (figura 10); c)
epiderme interna bisseriada, sendo a camada mais
externa constituída de células poliédricas e a mais
interna, delimitando o lóculo, ligeiramente alongada
radialmente (figura 11).
A diferenciação das três regiões do pericarpo,
durante o desenvolvimento do fruto, é muito pequena, observando-se a suberificação das células da
epiderme externa, isto é, do exocarpo (sensu stricto)
no fruto maduro e sua permanência aderido ao mesocarpo (figura 12). No mesocarpo, observa-se um
aumento no número e no tamanho dos canais secretores e das células parenquimáticas (figura 12). Os
canais secretores distribuem-se num arranjo compacto e ordenado lado a lado, em contato com o
endocarpo parenquimático bisseriado (figura 12).
Durante a fase de amadurecimento do fruto, o
pericarpo perde água e as células parenquimáticas
colapsadas formam uma fina camada ao redor dos
grandes canais secretores (figura 13). Completado o
amadurecimento, o resultado é um pericarpo com
Revta brasil. Bot., São Paulo, V.23, n.1, p.87-96, mar. 2000
89
Figuras 1-5. 1. Aspecto geral do fruto maduro. 2. Aspecto geral da semente madura (seta indica vestígios de arilo). 3.
Secção longitudinal do óvulo. 4. Aspecto geral do embrião com um dos cotilédones destacados, mostrando plúmula
pouco desenvolvida. 5. Aspecto geral do embrião mostrando eixo hipocótilo-radícula invaginado entre os cotilédones.
CA = calaza, CL = cálice persistente, CO = cotilédone, EE = epiderme externa, FN = funículo, FV = feixe vascular,
HI = hipóstase, HR = eixo hipocótilo-radícula, NU = nucelo, PE = pericarpo, PL = plúmula, RF = rafe, SC = saco
embrionário, TG = tegumento.
90
S.M. Carmello-Guerreiro & A.A.S. Paoli: Estrutura do pericarpo e da semente de Astronium graveolens
Figuras 6-11. 6. Secção longitudinal do ovário mostrando inserção apical-lateral do óvulo (barra = 150 µm). 7. Secção
longitudinal mostrando a parede do ovário (barra = 150 µm). Figura 8. Detalhe da epiderme interna do ovário em divisão
(setas) (barra = 50 µm). 9-11. Secções tranversais da parede do fruto imaturo. 9. Epiderme externa unisseriada. Seta
indica estômato (barra = 150 µm). 10. Zona interepidérmica parenquimática (futuro mesocarpo) (barra = 500 µm). 11.
Epiderme interna bisseriada (barra = 50 µm). CS = canal secretor, EB = epiderme bisseriada, EE = epiderme externa,
EI = epiderme interna, FV = feixe vascular, MO = mesofilo ovariano, OB = obturador placentário, TG = tegumento,
ZP = zona parenquimática.
Revta brasil. Bot., São Paulo, V.23, n.1, p.87-96, mar. 2000
aspecto seco mas com os canais secretores, agora
delimitados por 2-4 camadas estreitas de células,
repletos de secreção. Portanto, trata-se de um pericarpo seco, porém, resinoso (figura 13).
A epiderme bisseriada dá origem ao endocarpo
(sensu stricto), sem que este apresente qualquer esclerificação. No fruto totalmente desenvolvido e
amadurecido, as células do endocarpo apresentamse colapsadas e fortemente adnatas à semente, sendo
difícil sua delimitação (figuras 12 e 13).
Semente - O óvulo anátropo é unitegumentado,
crassinucelado com rafe dorsal evidente, funículo
longo e inserido em posição apical-lateral (figuras 3
e 6). Na região da micrópila, o tegumento único é
constituído por seis a 12 camadas celulares (figura
14). A epiderme externa é formada por células que
variam no formato de poliédrico alongado radialmente ao cúbico e são maiores que as células das
camadas interepidérmicas e epiderme interna (figura
14). Na epiderme interna, as células são pequenas,
cúbicas, de conteúdo denso e arranjo compacto
(figura 14).
Na região da calaza, observa-se um maior número de células, sendo que um grupo de arranjo
compacto apresenta compostos fenólicos e paredes
espessadas, formando um capuz sobre o saco embrionário, constituindo a hipóstase (sensu lato) (figura 15). O funículo longo e a rafe são percorridos
por um feixe vascular (figura 3) anficrival. Uma
protuberância forma-se na placenta, em direção à
micrópila, constituindo o obturador placentário (figura 6).
Na semente madura, o tegumento único (testa)
apresenta-se fortemente adnato ao pericarpo (figura
16) e a estrutura básica do óvulo é mantida ocorrendo
pouca diferenciação.
As regiões da micrópila e anti-rafe apresentam
poucas camadas de células, sendo mais evidentes a
epiderme externa, com células cubóides ligeiramente alongadas radialmente, e a epiderme interna, com
células cubóides pequenas. As células das camadas
interepidérmicas possuem formato variado e espaços intercelulares conspícuos, apresentando, em
muitos locais, células colapsadas e sem qualquer
especialização.
Na região calazal, em corte transversal, o tegumento apresenta um maior número de camadas
celulares. Na epiderme externa, as células são
91
Figuras 12-13. Secções transversais do pericarpo. 12. Pericarpo totalmente desenvolvido mas não amadurecido (barra = 250 µm). 13. Pericarpo amadurecido, após ter perdido
água. Notar canais secretores circundados por fina camada
de células (setas) (barra = 500 µm). CO = cotilédone,
CS = canal secretor, EN = endocarpo, EX = exocarpo,
MS = mesocarpo, PQ = paquicalaza.
cubóides, ligeiramente alongadas radialmente; as
camadas interepidérmicas são constituídas por três a
sete camadas de células parenquimáticas de formatos e tamanhos variados, seguidas por uma rede de
feixes vasculares anficrivais e por um grupo de
92
S.M. Carmello-Guerreiro & A.A.S. Paoli: Estrutura do pericarpo e da semente de Astronium graveolens
células parenquimáticas com parede espessada e
conteúdo tanífero, que constitui a hipóstase
(sensu lato) (figura 17).
O envoltório da semente madura é uma película
muito fina, adnata ao pericarpo, constituída por restos da testa, rafe, calaza e hipóstase (figura 16). Na
Figuras 14-17. 14. Secção longitudinal da semente imatura, na região da micrópila. A seta indica epiderme interna da
testa (barra = 250 µm). 15. Secção longitudinal da semente imatura na região da calaza (barra = 125 µm). 16. Secção
longitudinal do pericarpo aderido à semente. A seta indica o limite entre o pericarpo e a semente (barra = 150 µm). 17.
Secção transversal da semente na região calazal (barra = 50 µm). ED = endosperma, EE = epiderme externa,
EG = embrião globular, EI = epiderme interna, FV = feixe vascular, HI = hipóstase, NU = nucelo, PE = pericarpo,
PQ = paquicalaza, TE = testa.
Revta brasil. Bot., São Paulo, V.23, n.1, p.87-96, mar. 2000
anti-rafe, o envoltório fica constituído apenas pela
epiderme interna da testa, indicando uma condição
endotestal.
As células do funículo, a medida que a semente
se desenvolve, colapsam e restos ficam aderidos ao
envoltório da semente, sugerindo a presença de um
arilo funicular vestigial (figura 2).
Discussão
A família Anacardiaceae distingue-se de famílias aparentadas pela combinação de características
tais como: disco intra-estaminal, presença de canais
resiníferos, ovário geralmente unilocular e frutos
drupáceos (Wannan & Quinn 1990).
Segundo Roth (1977), a classificação dos frutos
ainda é um problema não solucionado. Muitos caracteres diferentes tais como estrutura do ovário,
número de carpelos e sementes, morfologia e anatomia do fruto, dispersão dos frutos e sementes, deiscência ou indeiscência e consistência do pericarpo
são utilizados na caracterização dos diferentes tipos
de frutos. Todavia, o que ocorre freqüentemente é
que alguns autores introduzem vários subtipos na
classificação, gerando confusão.
Os frutos também têm sido classificados, por
muitos autores, de acordo com sua origem, com a
consistência do pericarpo e o modo de deiscência
(McLean & Ivimey-Cook 1968, Radford et al. 1974,
Weberling & Schwantes 1986, Bell & Bryan 1991,
Raven et al. 1992). Santin (1989), considerando o
fruto de Astronium totalmente desenvolvido mas não
amadurecido, utilizou-se desses critérios e classificou-o como baga. Já Barroso et al. (1999), usando
os mesmos critérios, classificou-os como frutos simples, secos indeiscentes, nucóides-núcula.
O exo e o mesocarpo podem variar em espessura
entre as Anacardiaceae. O exocarpo pode ser formado apenas pela epiderme ou pela epiderme mais
a hipoderme e o mesocarpo é formado, principalmente, por células parenquimáticas entremeadas por
canais secretores associados a feixes vasculares e
comumente circundados por grupos de esclereídes
ou células cristalíferas (Wannan & Quinn 1990). Em
Astronium graveolens, o exocarpo é unisseriado e
suberificado e o mesocarpo é totalmente parenquimático no fruto desenvolvido, mas não maduro. No
fruto maduro, as células parenquimáticas perdem
93
água e colapsam, dando aspecto enrugado ao fruto,
e os canais secretores, bem desenvolvidos e cheios
de secreção, caracterizam o mesocarpo como resinoso.
Na descrição do pericarpo, seguindo-se a separação por tribos feita por Engler (1892) em
Spondiadeae, Rhoeae, Dobineeae, Semecarpeae e
Anacardieae, Wannan & Quinn (1990) chegaram a
conclusão que existem dois tipos básicos estruturais
de endocarpo. O primeiro tipo, composto de uma
massa de esclerênquima fortemente lignificada e
irregulamente orientada, designado tipo-Spondias.
O segundo, com arranjo em camadas e, freqüentemente, incluindo esclereídes em paliçada, designado
tipo-Anacardium.
A tribo Rhoeae, a qual pertence Astronium, foi
dividida em três grupos: A, B e C, sendo que os
grupos A e B apresentam endocarpo do tipoAnacardium e o grupo C, do tipo-Spondias. Dentro
do grupo A, estão incluídos os gêneros Astronium,
Cotinus, Euroschinus, Laurophyllus, Loxostylis,
Ozoroa, Rhodosphaera, Rhus, Schinopsis e Schinus
(Wannan & Quinn 1990), além de Lithraea e
Myracrodruon (Carmello-Guerreiro 1996), em que
o endocarpo é composto de quatro camadas celulares, sendo as três mais internas formadas por esclereídes em paliçada, enquanto que a camada mais
externa é formada por células cristalíferas, pequenas
e, algumas vezes, não lignificadas.
O grupo B é composto por três gêneros, Mauria,
Parishia e Pistacia, em que o endocarpo parece ser
derivado do grupo A. Em Mauria e Parishia, o
endocarpo é composto de duas a três camadas celulares parenquimáticas, condição esta resultante da
ausência de uma ou duas camadas em paliçada, uma
vez que a camada de cristais está sempre presente.
Em Pistacia, o endocarpo é lignificado com mais de
quatro camadas, mas não tem um arranjo regular
(Wannan & Quinn 1990).
O grupo C tem endocarpo com esclereídes orientadas irregularmente; não há, no entanto, arranjo
nítido em quatro camadas ou esclereídes em paliçada. A irregularidade na orientação das esclereídes
sugere que estes gêneros são aparentados das
Spondiadeae (Wannan & Quinn 1990).
Os frutos de Astronium apresentam endocarpo
com algumas características semelhantes às do endocarpo do tipo-Anacardium-grupo B, no qual o
94
S.M. Carmello-Guerreiro & A.A.S. Paoli: Estrutura do pericarpo e da semente de Astronium graveolens
endocarpo é uma epiderme bisseriada não esclerificada e sem camada cristalífera. Este resultado é
discordante do apresentado por Wannan & Quinn
(1990), que incluiram o gênero Astronium no grupo
A, juntamente com Myracrodruon. Acredita-se que
esta discordância deva-se ao fato de que Wannan &
Quinn (1990) analisaram Astronium urundeuva, que
só após a revalidação do gênero Myracrodruon por
Santin & Leitão-Filho (1991), passou a ser denominado de Myracrodruon urundeuva.
A ocorrência de endocarpo originado de epiderme bi ou multisseriada não está limitada apenas a
tribo Rhoeae, sendo também encontrado em
Swintonia da tribo Anacardieae, que consiste de duas
ou três camadas celulares, não lignificadas, diferentes do mesocarpo por sua forma colunar, arranjo
regular e ausência de camada cristalífera (Wannan
& Quinn 1990).
Conclui-se que o endocarpo de Astronium
graveolens, na realidade, é uma mistura das características do tipo-Anacardium da tribo Rhoeaegrupo B com de Swintonia da tribo Anacardieae,
apresentando endocarpo constituído por epiderme
bisseriada não esclerificada, sem camada cristalífera, sendo a camada mais interna ligeiramente
alongada radialmente. Além da estrutura do endocarpo, o tipo de fruto de Astronium, uma pseudosâmara, também é coincidente com o de Swintonia
da tribo Anacardieae.
As informações apresentadas reforçam as conclusões de Wannan & Quinn (1990) de que os limites
entre as tribos da família Anacardiaceae e famílias
aparentadas são ainda artificiais, sendo esta conclusão corroborada pela ocorrência de um mesmo tipo
de endocarpo em tribos diferentes e em famílias
aparentadas como Julianiaceae e Blepharocaryaceae.
No pericarpo de A. graveolens, o exo e o mesocarpo são bem delimitados e o endocarpo é representado por uma epiderme bisseriada, sem qualquer
lignificação, que no fruto maduro está colapsada e
adnata à semente. Desta forma, estes frutos não
devem ser tipificados como drupa, discordando de
Barkley (1942, 1957), Bernardi (1959), Soukup
(1969) e Rizzini (1978).
Barroso et al. (1984), Santin (1989) e Santin &
Leitão-Filho (1991) tipificaram os frutos de A.
graveolens, quando maduros mas, ainda, não separa-
dos da planta-mãe, como baga e, Barroso et al.
(1999) tipificou-os como núcula quando separados
da planta-mãe. Entretanto, levando-se em conta as
características morfológicas da unidade de dispersão, as características anatômicas do pericarpo e o
conceito de fruto adotado por Spjut (1994), assumese, neste trabalho, que os frutos de Astronium são
melhor tipificados como pseudo-sâmara, na qual o
antocarpo é circundado por asas distais, com duas ou
mais vezes o comprimento do pericarpo, sendo as
asas formadas pelo cálice acrescente.
Os óvulos de Anacardiaceae são descritos como
anátropos com funículo de inserção basal ou apical.
Em adição a essas duas situações, existe uma intermediária que Copeland (1959) referiu como um
funículo lateral. A inserção dos óvulos é constante
em Dobineeaea (basal) e em Spondieae (apical) mas,
varia em Anacardieae, Semecarpeae e Rhoeae. Nas
Anacardiaceae, os óvulos de inserção apical são
mais comuns, enquanto que os de inserção basal são
considerados uma condição derivada (Wannan &
Quinn 1991, Von Teichman 1993). Os óvulos de
Astronium graveolens têm inserção apical-lateral e
os de Myracrodruon urundeuva têm inserção basallateral (Carmello-Guerreiro 1996), portanto, mais
uma característica de relevância taxonômica que
difere entre os dois gêneros.
O crescimento da placenta em direção à micrópila foi considerado, neste trabalho, como um
obturador placentário, porém, sua função deve ser
investigada uma vez que a entrada e o curso do tubo
polínico é variável em Anacardiaceae (Johri et al.
1992), havendo vários relatos da ocorrência de calazogamia.
A análise anatômica revelou que a testa está
fortemente adnata ao pericarpo, apresentando as
células da epiderme interna pequenas e de conteúdo
denso, indicando uma condição endotestal. O envoltório, na semente madura, é formado por duas
regiões distintas, uma tegumentar, constituida por
restos da testa, e outra calazal ou parcialmente paquicalazal, constituida pelo funículo, região rafe-calazal e hipóstase. A calaza extensa e a hipóstase
(sensu lato) tanífera se manifestam externamente
como uma mancha marrom-escura, isto é, a parte
calazal do envoltório ou paquicalaza parcial.
Segundo Von Teichman (1991a), uma pequena
paquicalaza parcial e a epiderme interna do tégmen
Revta brasil. Bot., São Paulo, V.23, n.1, p.87-96, mar. 2000
lignificada caracterizam as sementes dos membros
da tribo Rhoeae. Essas observações concordam com
Corner (1976), que relatou serem os envoltórios das
sementes das Anacardiaceae pouco ou não especializados, ou apenas endotégmicos ou com traços de
uma condição exotestal. Nas observações apresentadas neste trabalho, pode-se concordar em parte
com os autores acima citados, uma vez que o tegumento da semente de Astronium é, também, pouco
diferenciado, porém, com traços de uma condição
endotestal. A ocorrência de sementes paquicalazais
com envoltórios indiferenciados parece estar intimamente associada a habitats tropicais (Von Teichman
1991a).
A presença de sementes com envoltório membranáceo e liso no qual pode-se dintinguir duas regiões de coloração diferentes, uma amarelo-clara
(tegumentar) e outra marrom-escura (paquicalazal),
é muito comum nas Anacardiaceae e já foi verificada
em outras espécies por Copeland & Doyel (1940),
Copeland (1955, 1959, 1961), Corner (1976), Von
Teichman et al. (1988), Von Teichman & Van Wyk
(1988, 1991), Von Teichman (1988a, b, 1990,
1991a, b, 1992, 1993, 1994) e Carmello-Guerreiro
(1996), parecendo ser uma característica da família
variando apenas o grau de desenvolvimento da paquicalaza.
Além das diferenças no tipo de fruto, estrutura
do pericarpo e placentação entre Astronium e
Myracrodruon, o tipo de embrião também foi uma
característica importante para a separação dos dois
gêneros. Astronium apresenta embrião do tipo “investing”, com cotilédones carnosos, maciços, de lobos bem demarcados e o eixo-hipocótilo-radícula
curto, enquanto que Myracrodruon apresenta embrião dobrado, com cotilédones carnosos, não maciços, e eixo hipocótilo-radícula longo (Santin 1989,
Santin & Leitão-Filho 1991, Carmello-Guerreiro
1996).
Agradecimentos - Agradecemos à CAPES e FAPESP
pelas bolsas de doutorado concedidas a S.M. CarmelloGuerreiro.
Referências bibliográficas
BARKLEY, F.A. 1942. A key to the genera of the
Anacardiaceae. American Midland Naturalist
28:465-74.
95
BARKLEY, F.A. 1957. Generic key to the Sumac family.
Lloydia 20:255-65.
BARKLEY, F.A. 1968. Anacardiaceae: Rhoideae:
Astronium. Phytologia 16:107-52.
BARROSO, G.M., PEIXOTO, A.L., COSTA, C.G.,
ICHASO, C.L.F., GUIMARÃES, E.F., LIMA, H.C.
1984. Sistemática das Angiospermas do Brasil. Imprensa Universitária, Viçosa, v.2.
BARROSO, G.M., MORIM, M.P., PEIXOTO, A.L.,
ICHASO, C.L.F. 1999. Frutos e sementes: morfologia aplicada à sistemática de dicotiledôneas. Editora
da Universidade Federal de Viçosa, Viçosa.
BELL, A. & BRYAN, A. 1991. An illustrated guide to
flowering plant morphology. Oxford University
Press, Oxford.
BERNARDI, L.A. 1959. El genero Astronium. Boletin de
la Sociedad Venezolana de Ciências Naturales
20:348-59.
CARMELLO-GUERREIRO, S.M. 1996. Morfologia,
anatomia e desenvolvimento dos frutos, sementes e
plântulas de Schinus terebinthifolius Raddi, Lithraea
molleoides (Vell.) Engl., Myracrodruon urundeuva
Fr. Allem. e Astronium graveolens Jacq.
(Anacardiaceae). Tese de doutorado, Universidade
Estadual Paulista, Rio Claro.
COPELAND, H.F. 1955. The reproductive structures of
Pistacia chinensis (Anacardiaceae). Phytomorphology 5:440-449.
COPELAND, H.F. 1959. The reproductive structures of
Schinus molle (Anacardiaceae). Madrõno 15:14-24.
COPELAND, H.F. 1961. Observations on the reproductive structure of Anacardium occidentale. Phytomorphology 11:315-325.
COPELAND, H.F. & DOYEL, B.E. 1940. Some features
of the structure of Toxicodendron diversiloba. American Journal of Botany 27:932-939.
CORNER, E.J.H. 1976. The seeds of Dicotyledons. Cambridge University Press, Cambridge.
ENGLER, A. 1892. Anacardiaceae. In Die Naturlichen
Planzenfamilien (A. Engler & K. Prantl, eds.). Englemann, Leipzig, v.3, p.138-178.
GERRITS, P.O. 1991. The application of glycol methacrylate in histotechnology: some fundamental principles. Departament of Anatomy and Embryology
State University Groningen, Netherlands.
JOHANSEN, D.A. 1940. Plant microtechnique. McGrawHill Book, New York.
JOHRI, B.M., AMBEGAOKAR, K.B. & SRIVASTAVA,
P.S. 1992. Comparative embryology of Angiosperms. v.1. Springer-Verlag, New York.
McLEAN, R.C. & IVIMEY-COOK, W.R. 1968. Textbook of theoretical botany. Longman, London.
96
S.M. Carmello-Guerreiro & A.A.S. Paoli: Estrutura do pericarpo e da semente de Astronium graveolens
O’BRIEN, T.P., FEDER, N. & McCULLY, M.E. 1964.
Polychromatic staining of plant cell walls by toluidine blue O. Protoplasma 59:368-373.
RADFORD, A.E., DICKINSON, W.C., MASSEY, J.R. &
BELL, C.R. 1974. Vascular plant systematics. Harper & Row, New York.
RAVEN, P.H., EVERT, R.F. & EICHHORN, S.E. 1992.
Biology of plants. Worth Publishers, NewYork.
RIZZINI, C.T. 1978. Árvores e madeiras úteis do Brasil:
manual de dendrologia brasileira. Edgard Blücher,
São Paulo.
ROTH, I. 1977. Fruits of Angiosperms: encyclopedia of
plant anatomy. Gebrüder Borntraeger, Berlin.
SANTIN, D.A. 1989. Revisão taxonômica do gênero
Astronium Ja cq . e re v alid ação do gênero
Myracrodruon Fr. Allem. (Anacardiaceae). Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
SANTIN, D.A. 1991. Astronium nelson-rosae - nova espécie de Anacardiaceae. Revista Brasileira de Botânica
14:103-106.
SANTIN, D.A. & LEITÃO-FILHO, H.F. 1991. Restabelecimento e revisão taxonômica do gênero
Myracrodruon Freire-Allemão (Anacardiaceae). Revista Brasileira de Botânica 14:133-145.
SOUKUP, J. 1969. The Trigoniaceae, Vochysiaceae, Coriariaceae and Anacardiaceae of Peru, their genera
and list of species. Biota 7:303-404.
SPJUT, R.W. 1994. A systematic treatment of fruit types.
Memoirs of the New York Botanical Garden 70:1-82.
VON TEICHMAN, I. 1988a. Development and structure
of the seed-coat of Lannea discolor (Sonder) Engl.
(Anacardiaceae). Botanical Journal of the Linnean
Society 96:105-117.
VON TEICHMAN, I. 1988b. Notes on the ontogeny and
structure of the seed-coat of Sclerocarya birrea (Richard) Hochst subsp. caffra (Sonder) Kokwaro (Anacardiaceae). Botanical Journal of the Linnean Society
98:153-158.
VON TEICHMAN, I. 1990. Pericarp and seed-coat
structure in Tapirira guianensis (Spondiadeae:
Anacardiaceae). South African Journal of Botany
56:435-4399.
View publication stats
VON TEICHMAN, I. 1991a. The pachychalazal seed of
Protorhus longifolia (Bernh.) Engl. (Anacardiaceae)
and its taxonomic significance. Botanical Bulletin of
Academia Sinica (Taipei) 32:145-152.
VON TEICHMAN, I. 1991b. Ontogeny of seed-coat of
Rhus lancea L. fil., and pachychalazy in the
Anacardiaceae. Botanical Journal of the Linnean Society 107:35-47.
VON TEICHMAN, I. 1992. Notes on the ovule and partially pachychalazal seed of Operculicarya decaryi
H. Perrier (Anacardiaceae) from Madagascar. Botanical Bulletin of Academia Sinica (Taipei) 33:289293.
VON TEICHMAN, I. 1993. Development and structure of
the seed of Ozoroa paniculosa (Anacardiaceae) and
taxonomic notes. Botanical Journal of the Linnean
Society 111:463-470.
VON TEICHMAN, I. 1994. Generic position of Protorhus
namaquensis Sprague (Anacardiaceae): evidence
from seed structure. Botanical Bulletin of Academia
Sinica (Taipei) 35:53-60.
VON TEICHMAN, I. & VAN WYK, A.E. 1988. The
ontogeny and structure of the pericarp and seed-coat
of Harpephylum caffrum Bernh. ex. Kraus
(Anacardiaceae). Botanical Journal of the Linnean
Society 98:159-176.
VON TEICHMAN, I. & VAN WYK, A.E. 1991. Taxonomic position of Rhus problematodes
(Anacardiaceae): evidence from fruit and seed structure. South African Journal of Botany 57:29-33.
VON TEICHMAN, I., ROBBERTSE, P.J. & SCHOONRAAD, E. 1988. The structure of the seed of
Mangifera indica L. and notes on seed characters of
the tribe Mangifereae (Anacardiaceae). South African Journal of Botany 54:472-76.
WANNAN, B.S. & QUINN, C.J. 1990. Pericarp structure
and generic affinities in the Anacardiaceae. Botanical
Journal of the Linnean Society 103:225-52.
WANNAN, B.S. & QUINN, C.J. 1991. Floral structure
and evolution in the Anacardiaceae. Botanical Journal of the Linnean Society 107:349-85.
WEBERLING, F. & SCHWANTES, H.O. 1986. Taxionomia vegetal. EPU, São Paulo.