A comunidade transnacional
de arte contemporânea
Camila Campelo Bechelany*
RESUMO
o presente
artigo investiga a formação de um universo cognitivo,
em nível internacional, do gosto artístico contemporâneo, de modo
a refletir os limites de uma comunidade artística transnacional. Para
tanto, constrói um modelo teórico que procura definir os meios de
atribuição de valor às obras de arte, a partir de sua circulação por
canais transnacionais de troca. Verificamos, a partir da análise da
consagração de valores e da atuação do curador de arte, a delimitação de um universo marcado pela "cultura da globalidade".
Palavras-chave: Fluxos transnacionais de valores; Comunidade de
sentido; Política do gosto.
to, nas últimas décadas, o alargamento espacial e o encurtamento temtrocasdosculturais
entre
os povos não
são nenhuma
poral
fluxos de
informações
e idéias
ampliaramnovidade.
os canaisNo
de entantroca,
e o intercâmbio de valores (materiais e simbólicos) tornou-se um processo
transnacional. A partir disso, a delimitação de uma comunidade artística internacional se fez possível. Essa comunidade propaga o gosto estético contemporâneo, tendo como base o universo simbólico internacional de artes
visuais.
As
Acreditamos que a formação desse gosto estético contemporâneo é permeada por determinadas regras e regularidades de um jogo político. 1 Como a
e
. Bacharel em Relações Internacionais pela PU Minas.
I A idéia de jogo político aqui remonta à tese de Pierre BOURDIEU (1998) I que constrói
o conceito como um arco de forças e relações de poder que instituem valores.
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comunidade internacional articula e organiza esse jogo é nossa indagação primeira. Para respondê-Ia pretendemos compreender:
1) a atribuição subjetiva de valor às obras de arte no tempo;
2) as contingências da circulação dos valores (simbólicos e materiais) pelo
meio artístico internacional; e
3) o processo, decorrente, de composição do gosto.
Em um segtJndo momento, faremos uma análise de discurso de três formadores de opinião dentro do mundo internacional da arte, os curadores
Okwui Enwezor, Alfons Hug e Francesco Bonami. A partir dessa análise,
tentaremos verificar as possibilidades de constituição de um universo simbólico compartilhado - nosso propósito fundamental de pesquisa.
TRADIÇÃO,
REPRODUTIBILIDADE
E CIRCULAÇÃO
Concepções filosóficas acerca da experiência estética colocam-na no nível da percepção, sem intermediação racional ou explicação possível em outros termos. No entanto, veremos que a experiência estética e a formação do
juízo estético podem ser vinculados às circunstânCias históricas e espaciais
nas quais a obra de arte está inserida. A compreensão do universo intersubjetivo que envolve a obra torna-se palpável enquanto fenômeno social, relacionado à partilha de sentido e ao contexto cultural no qual os valores estéticos
são formados, no caso da arte contemporânea, o contexto internacional.
Para Pierre Bourdieu (1996), a "etnologia histórica", que reconstrói o tempo
e o espaço da obra para demonstrar com quais propósitos o artista produzia a
sua representação pictórica do mundo, é o método de conhecimento que
permite à ciência "decifrar os códigos artísticos que constituem a obra de
arte para proceder a uma análise fiel da percepção das obras" (p. 351). A
percepção e os códigos artísticos, historicamente concebidos, por sua vez,
revelam a compreensão de um grupo distinto ou uma comunidade de sentido/ que é responsável pela atribuição e difusão dos valores que orientam o
2
Por comunidade de sentido ou comunidade interpretativa
Stanley FISH (1995) que a define por um conjunto de
sentido às ações dos indivíduos e servem à organização de
Sempre se está envolto em determinadas circunstâncias
mento e a distinção dos significados.
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utilizamos a compreensão de
percepções e valores que dão
um determinado grupo social.
que condicionam o entendi-
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mundo das artes e que acabam por estabelecer a própria definição do que é
arte. É nas instâncias de consagração - museus de arte, exposições, mostras e
feiras internacionais, publicações especializadas -, espaços de convergência
dessa comunidade, que as trocas simbólicas3 acontecem e as atribuições subjetiva e objetiva de valores se dão num jogo dinâmico.
Durante a Segunda Grande Guerra, o centro propagador do gosto se transferiu da Europa para os Estados Unidos. Um dos principais centros de arte
moderna e contemporânea foi criado em Nova lorque, o MoMA (Museum
of Modern Art) e, paralelamente, uma discussão estética substancial foi levantada. No ano de 1942, Peggy Guggenheim (1898-1979), à época uma importante colecionadora americana, organizava uma exposição dos artistas europeus refugiados em Nova lorque em razão da perseguição nazista. A partir
desse mesmo ano, muitas galerias e museus se lançaram nos Estados Unidos,
criando espaço não só ao contingente de artistas europeus emigrados, mas
também à original arte moderna americana.
Frente a um esquema bem organizado de galerias e iniciativas governamentais de incentivo à arte americana na Europa e no resto do mundo (parte
do Plano Marshall), 4 a produção artística se viu reinventada e o mercado europeu, por sua vez, não se recuperou, mesmo com o retorno da maioria dos
artistas a partir de 1945. Por parte da vanguarda artística da época "tratavase de afirmar que a arte européia estava tão caduca quanto a vocação histórica da Europa no plano político" (COMPAGNON,
1999, p. 83).
Dessa forma, concepções relativas à função da arte na sociedade foram
revistas, problematizou-se o próprio estatuto da arte e sua relação com a
cultura de massa. A transferência do eixo central da criação para Nova lorque foi crucial para o processo de evolução da arte moderna e de sua dessacralização.
3
4
O conceito de trocas simbólicas é usado por Arjun APPADURAI (1995, p. 17-29), para
se referir a um tipo de troca no qual o valor do bem é simbólico, definido na própria troca. Por exemplo, quando lidamos com relíquias, antigüidades ou objetos de arte, os valores comerciais atribuídos a esses objetos se devem a um valor simbólico anterior, subjetivo, que depende da "história de vida particular do objeto".
No final da década de 40 e início da década de 50, os grandes produtores culturais americanos, estimulados pelo governo, fomentaram muitas atividades artísticas no estrangeiro. A Bienal de São Paulo, por exemplo, foi criada com o apoio do MaMA, em 1951.
A Bienal de Veneza, em 1948, abrigou a coleção nova-iorquina de Peggy Guggenheim, o
que acabou resultando na instalação de um museu americano de arte na cidade de Veneza, o Museu Gugenheim de Veneza.
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A partir desse processo, o gosto artístico sofreu mudanças radicais e a
aproximação da arte com a vida - proposta da arte moderna - foi potencializada pela reprodutibilidade técnica. A intensificação da reprodutibilidade
mercantilizadora na arte confundiu a produção artística com a produção industrial. E o resultado disso foi a Indústria Cultural que, na década de 1930,
legitima a obra de arte enquanto produto, o que, segundo Jameson (1'996), é
o "fetichismo~ 4a mercadoria" que, uma vez assimilado pela cultura, resulta
em produtos culturais fetichizados. Em suas palavras:
o que ocorreu
é que a produção estética está integrada à produção das mercadorias em geral: a urgência desvairada da economia em produzir novas séries
de produtos que cada vez mais pareçam novidades (de roupas a aviões), com
um ritmo de turn over cada vez maior, atribui uma posição e uma função
estrutural cada vez mais essenciais à inovação da estética e ao experimentalismo. (p. 30)
A sobreposição dos limites da alta cultura e da cultura de massa tornou a
distinção do "artístico" uma tarefa difícil e, mais do que nunca, a opinião dos
experts se tornou imprescindível para diferenciar arte, produto, artefato, utensílioetc. e, conseqüentemente, para dotar a própria comunidade artística do
poder de reconhecer, legitimar e controlar os canais de troca de valores e
significados. Sabemos que os objetos de arte conferem status aos indivíduos
e, diferenciando-os ou aproximando-os dentro da comunidade, nas circunstâncias postas pelo advento da indústria cultural, a distinção dentro do campo artístico se tornou mais importante do que nunca na história da arte.
No começo do século XX, apareceram os primeiros trabalhos a que podemos chamar de arte papo A arte pops é um segmento da arte conceitual6 relacionada à arte de massa, e seus ícones são conhecidos pela reprodução de
caráter industrial das obras. Todas as tentativas das vanguardas de fazer crítica ao mercado são derrubadas pela arte pop, que aciona a destruição da arte.
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6
A arte pop (ou pop art) é um movimento que teve início nos Estados Unidos na década
de 50 e remonta a Robert Rauschenberg e Jasper Johns. Sua intenção principal era expressar a sociedade de consumo e o vazio do indivíduo. O principal recurso consiste em
retirar objetos do cotidiano e aplicá-Ias sobre as pinturas. Dentro do mesmo movimento, mas já imbuído de outras referências, na década de 60, Andy Warhol fazia uso de
símbolos e imagens publicitárias para a produção de obras e Claes Oldenburg reproduzia objetos do cotidiano, transformando-os em esculturas.
Na arte conceitual a noção de belo fica totalmente dispensada. A proposta é representar
um conceito por meio da forma; a forma em si não quer transmitir mensagem alguma.
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o americano
Rauschenberg (Port Arthur, Texas, 1925), em 1953, realizou
um trabalho que consistia em apagar um desenho de Willen De Kooning (Rotterdã, Países Baixos, 1904), ação que levou um mês de trabalho. O resultado final exibido ao público foi uma folha de papel borrada e suja, o título vinha abaixo: Erased De Kooning drawing. O artista coloca o espectador numa
situação embaraçosa, defronte da própria negação da arte, constrangendo-o a
renunciar à experiência estética tradicional. Naquele momento a arte toma
uma outra conotação, e o que dá a qualidade de arte a uma ação ou objeto
passa a ser a afirmação do próprio artista e não a "beleza" ou poder de representação. Para Antoine Compagnon (1999), o processo de ressignificação
empreendido pelo conceitualismo significou reduzir a arte à instituição e ao
mercado, sendo arte o que o artista chama de tal e o que as galerias expõem.
A legitimação da arte estaria apoiada, desde então, num critério de valor
embasado no indivíduo. A comunidade artística, no entanto, dispõe de suas
formas de consagração e distinção e, naquele momento, o mecanismo capaz
de unir a arte e a cultura de massa, de modo a recodificar o objeto artístico,
foi o mercado. De acordo com Compagnon (1999):
Enquanto a tradição moderna, desde a metade do século XIX e, sobretudo,
desde que as vanguardas históricas do início do século XX reagiram contra a
exclusão da arte em relação à vida moderna, contra a religião da arte, qualificada como burguesa porque sacraliza o gênio e venera a originalidade na produção de um objeto único, autônomo e eterno, essa mesma tradição, longe de
alcançar a cultura de massa e a arte popular, se isolou, sem dúvida, cada vez
mais, no universo do que se chama em inglês o connaísseurshíp, ou seja, o
meio elitista e confinado dos museus e das universidades, da crítica e das galerias. A tradição moderna não aboliu, pois, a distinção (...) entre hígh e low
art, a arte de elite e a arte de massa (...); paradoxalmente, "ela reforçou essa
posição até o aparecimento de formas como a arte pop, nos anos 60, encenando a morte da arte, quer dizer, aproveitando o domínio do mercado para fazer
a completa identificação entre as obras de arte e os bens de consumo". (p. 8182; aspas nossas)
No entanto, dependendo da sociedade, a cultura de massa na arte foi
percebida não como uma renovação, mas como uma contestação da própria
sociedade de consumo. Na França, a arte pop, seguindo a tradição moderna,
contest~u a própria instituição artística, fazendo dos mecanismos de mercado o resgate da própria arte.
Marcel Duchamp é um personagem central no processo de dessacralização da arte. Em 1913, Duchamp expôs, em Nova Iorque, o Nu descendo
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uma escada? que havia sido recusado no Salão dos Independentes de Paris,
em 1912. A partir de então, suas obras estariam desprovidas de símbolos,
carregadas apenas de uma idéia e da forma no espaço (CABANNE, 1997). O
artista rompe não só com a representação, mas também com o conteúdo da
obra de arte - arte puramente conceitual, ou ainda, nominalista. Com sua
crítica à forma acabada e por meio da desconstrução da própria forma, ele dá
início a uma revolta contra o culto à beleza, à concepção sublime de arte e ao
mito do artista e vai mais profundamente nisso do que qualquer outro artista. Com seus ready-mades,8 a substituição do plástico pelo lingüístico, o objeto artístico passa a remeter não a uma imagem, mas a uma idéia, geralmente
apontada no título poético da obra. Começa-se a crer que a atitude do artista
importa mais do que a obra em si. Na visão do próprio Duchamp (apud
COMPAGNON, 1999):
Já que não trabalha mais para um patrão ou um mecenas, o artista moderno é
antes um pequeno empresário. Ele produz objetos desprovidos de função ou
sem valor de uso, e no mercado onde os entrega, a demanda não precede a
oferta. Cabe pois ao artista decidir sozinho o que fabricará, e o colecionador
se pronunciará em seguida, escolhendo comprar ou não. (p. 91)
Ou seja, o artista decide o quê e como produz, mas o mercado tem que
consagrá-Io como arte e, de fato, o "ato artístico" - com intenção de provocação ou ruptura - atado a uma tradição artística particular a partir de Duchamp, é consagrado como arte nas instâncias de celebração da comunidade.
Para Bourdieu (1996), comentando o momento em que Duchamp assina seu
nome em um ready-made:
Seu ato não seria nada mais que um gesto insensato ou insignificante sem o
universo dos celebrantes e dos crentes que estão dispostos a produzi-Ia como
dotado de sentido e de valor por referência a toda tradição da qual suas categorias de percepção e de apreciação são o produto. (p. 195)
7
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O Nu descendo uma escada consistia em uma tela que apresentava conjuntos de lâminas chatas, dispostas paralelamente, como a representação estática de um corpo em
movimento.
Os ready-mades são "objetos manufaturados, modificados ou não, assinados, dotados
de título e expostos, promovidos assim ao nível de objetos de arte apenas pela decisão
única e arbitrária do artista (... )" (COMPAGNON,
1999, p. 93) Como exemplos podemos citar a Roda de bicicleta, 1913: uma roda de bicicleta fixada a um tamborete; A
fonte, 1917/1964: um mictório; Em antecipação ao braço partido, 1915: pá para neve.
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A manutenção da antiarte como forma de emancipação e originalidade no
campo artístico só será possível pelo reconhecimento dela como tâl pela comunidade artística. Não nos vale crer num etéreo, quase mágico, poder criador
do artista, antes de residir na gravidade criativa intrínseca à obra; para Bourdieu (1996), a eficácia dos atos de consagração reside no próprio campo.
Desde o impressionismo, a arte abdicou da procura pela representação
fiel para captar tia fisionomia das coisas, quer dizer, sua consideração subjetiva, por oposição a uma consideração objetiva, que visa apreender a natureza
delas" (LÉVI-STRAUSS apud MATTEI, 2002, p. 31). Passando pelo geometrismo e pela abstração radical, a arte se desvencilha da forma e da própria
obra para dar lugar à expressão do sujeito, à liberdade do artista. Nesse momento, o que conta na arte é a proposta do produtor da obra, o objeto artístico é suprimido e o que se vê exposto é um conceito, uma mensagem ou,
simplesmente, o vazio - a ausência da própria obra.
Também a atividade de recepção da obra se torna mais racional do que sensitiva, demonstrando uma correspondência/identificação
entre produtor e
espectador. Como afirma Umberto Eco (1972), a crítica passou de uma cr~tica estética para uma crítica intelectual:
No percursq da crítica da arte moderna percebemos que o problema da arte
prevaleceu sobre o problema da obra enquanto coisa feita e concreta, a maneira de fazer tornou-se mais importante do que o que se faz, a forma é fruída
enquanto exemplo de um modo de formar e a hipótese que se coloca é a seguinte: "o prazer estético se alterou com o contexto histórico: de prazer de
natureza emotiva e intuitiva passou para prazer intelectual, o que de certa forma é uma morte da arte". (p. 248-249; aspas nossas)
As mudanças históricas, portanto, acarretaram mudanças na percepção
estética e na atribuição de valores. Na modernidade, obra de arte e mercadoria terminaram por se confundir. A atribuição de valores subjetivos (de culto,
de exposição e de troca/mercadoria), que definem algo como objeto de arte,
acontece no seu reconhecimento por especialistas e sua exposição em instâncias próprias e adequadas, que permitem a circulação desses valores nos canais de troca da comunidade interpretativa.9
O desenvolvimento da indústria cultural mudou os modos e relações de
absorção do objeto artístico e colocou em evidência duas dinâmicas de difu9
A comunidade interpretativa partilha de um entendimento comum de significados devido à correspondência "dos modos de pensamento e modos de vida que implicam um
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são: a dinâmica da produção -linear e unidirecional- e a da circulação/troc<
- intrínseca à mercadoria. É na circulação das obras por fluxos transnacionai:
e na atribuição de sentido que acontece nessa movimentação ampliada qm
vislumbramos os contornos da comunidade artística globalizada, compost,
por agentes organizadores das interpretações em torno do gosto estético in·
ternacional.
~.
A intera'Ç~o social é compreendida, em Bourdieu (1996), a partir de cam·
pos distintos de atuação: o campo artístico, o campo político, o campo religi·
oso e o campo econômico, por exemplo. Tais campos são como estruturas in·visíveis, que contêm certas "condições de existência" objetivamente deter·
minadas, que uma vez articuladas, correspondem a uma posição específicé .
em relação à cultura (ou aos produtos culturais) que o agente ocupa no cam·
po. A posição social do agente é orientada pelo que Bourdieu chama de habi·
tus. O conceito de habitus permite compreender a função do gosto, na comu·
nidade de valores, e os modos de articulação de práticas sociais de produçãc
e apreciação das obras.
Analisemos, então, as seguintes colocações de Bourdieu (1984):
o habitus
é, ao mesmo tempo, o princípio gerador dos juízos objetivamente
classificados e o sistema de classificação (princípio divisor) das práticas. É, na
relação entre "as duas capacidades que definem o habitus, a capacidade de
produzir práticas e obras passíveis de classificação, e a capacidade de diferenciar e apreciar estas práticas e produtos (gosto)", que o mundo socialmente
representado, isto é o espaço de estilos de vida, é constituído. (...) 1/0 habitus
é a necessidade internalizada e convertida numa disposição que gera práticas
dotadas de significados e percepções doadoras de significados"; é uma disposição geral transponível, que carrega uma aplicação sistemática universal além dos limites do que foi aprendido - da necessidade inerente nas condições de aprendizagem. (p. 70; trad. livre; aspas nossas)
I
o habitus
é, portanto, um arranjo bidimensional de práticas, composto
simultaneamente por uma estrutura objetiva (princípio gerador) dada pelo
campo direcional e de uma estrutura subjetiva, que é o que chamamos de
gosto. Podemos pensá-Io também como um sistema de esquemas adquiridos, que funciona no nível prático como categorias de percepção e de apreciação e/ou como os próprios princípios de classificação e como os princípios
internalizados organizadores da ação. Bourdieu (1998) acrescenta ainda que
o habitus se configura numa "estrutura estruturante", que dimensiona as
percepções e as práticas, e uma "estrutura estruturada", que é dada a priori
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pela posição que o agente ocupa na estrutura. Ele é ao mesmo tempo, o princípio gerador da classificação e o próprio sistema de classificação.
Tanto a produção quanto as percepções das obras estarão atreladas à posição que os agentes - colecionadores, marchands, apreciadores, críticos, curadores, artistas, artistas-curadores - ocupam dentro do campo. As alterações
de percepções e práticas dentro do campo artístico estão relacionadas à mudança de posição dos agentes e à interposição de práticas originárias de outros campos, como o campo econômico e o campo político. A mercantilização da arte, por exemplo, pode ser entendida como um processo desencadeador de violentos deslocamentos nas condições de existência dentro do
campo artístico. As resignificações acionadas por esses desvios de objetos artísticos para a forma de mercadoria são diferenciadas e dependem também
da posição que o agente ocupa no campo.
Desvios no campo, como o advento da reprodutibilidade técnica e o conseqüente desmantelamento da aura da obra, provocaram alterações não só
na percepção, mas também na forma de produção e no gosto. Podemos dizer
ainda que o que produz esses desvios diferenciais é o próprio gosto, que, tendo sido revisto e reinventado, com seus elementos recombinados, reflete as
diferenças inscritas nas condições de existência. O gosto é, portanto, fonte
das distinções e, para Bourdieu (1998), mais especificamente:
Gosto é o operador prático de transmutação das coisas em signos distintos e
distintivos, de distribuições contínuas em oposições descontínuas. Ele transforma práticas objetivamente classificadas em práticas classificatórias, ou seja,
em uma expressão simbólica da posição de classe, pela percepção delas em
sua relação mútua e em termos de esquemas sociais classificatórios. (...)
"O gosto" é, portanto, a "fonte do sistema de características distintas", que
deve ser percebido como a "expressão sistemática de uma classe particular de
condições de existência", assim como um estilo de vida diferenciado por qualquer um que possuir conhecimento prático das relações entre signos e posições distintos nas distribuições (de poder). (...)
Esse sistema classificatório, que é o produto da internalização da estrutura do
espaço social é o gerador de práticas ajustado às regularidades inerentes de
uma condição. Ele transforma, continuamente, necessidades em estratégias,
constrangimentos em preferências, e, sem qualquer determinação mecânica,
geraogrupos de escolhas, constituindo estilos de vida, os quais retiram seu significado assim como seu valor de sua posição num sistema de oposições e correlações. É uma virtude feita de necessidade que transforma, continuamente,
necessidade em virtude, através da indução de escolhas que correspondam à
condição da qual ela é o produto. (p. 174-175; trad. livre; aspas nossas)
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Para Bourdieu,lo a posição que um agente ocupa em relação às práticas
obras culturais é o que define o seu estilo de vida: burguês, pequeno burguês,
aristocrata, trabalhador etc. Atitudes de admiração a objetos artísticos definem a burguesia como uma classe social diferenciada; a posse de relíquias ê
antigüidades dá à aristocracia seu status diferenciado de admiradora e proprietária da capacidade de reconhecimento da arte. As mercadorias têm estreita relação com a vida social,ll cada classe, a partir de suas condições de
existência no campo, toma para si uma posição diferenciada em relação à
cultura e às outras classes sociais - isso se configura, segundo Bourdieu (1998),
como a distribuição de capital culturallZ entre as classes.
O jogo de poder dentro da comunidade artística prevê o controle e restrição da circulação de determinadas obras para que o status quo seja mantido
assim como certos valores.13 Se considerarmos que o valor é um juízo subjetivo acerca dos objetos e não uma propriedade intrínseca a eles (SIMMEL
apud APPADURAI, 1995, p. 3), podemos considerar também que o juízo
c::
subjetivo se modifica de acordo com a alteração das referências subjetivas
que fundamentam a comunidade artística responsável pela disseminação dos
valores estéticos - alteração de condições de existência leva à alteração de
habitus e de gosto dentro do campo.
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BOURDIEU coloca a discussão do gosto e da percepção em termos de distinção de
classe, trazendo-a para o nível da prática e das articulações ideológico-sociais. Para nossa análise, no entanto, os conceitos-chave de BOURDIEU são importantes para dar luz
à dinâmica social das trocas culturais de valores e percepções que distinguem os agentes na comunidade artística transnacional.
De acordo com APPADURAI (1995), as me'rcadorias têm por si só uma vida social,
considerando seu potencial de troca ou sua retirada de circulação - a negação da sua
característica básica - que lhe confere status de relíquia ou de objeto precioso.
Capital cultural é entendido por BOURDIEU como o potencial de reconhecimento
que confere ao agente uma posição específica no campo.
Com APPADURAI (1995), podemos compreender melhor como ocorre o controle
das trocas por parte da comunidade: a restrição à mercantilização dos objetos. Essa
restrição acontece com mercadorias que têm as características abaixo e que podem ser
relacionadas a obras de arte:
a. os poderes de aquisição que representam são altamente específicos;
b. sua distribuição é controlada de muitas formas;
c. As condições que orientam sua emissão criam um conjunto de relações do tipo patrão-cliente;
d. sua principal função é dar condições necessárias para a tomada de posições sociais
elevadas, de manutenção da classe ou para combinar ataques no status;
e. os sistemas sociais nos quais elas funcionam estão sendo controlados para eliminar
ou reduzir a competição dos interesses de padrão de status fixo. (p. 25)
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o status
do sistema é mantido pela restrição de equivalências e trocas,
num universo estável de mercadorias. No sistema de trocas simbólicas da
arte o que é restringido e controlado é o gosto, num contexto de mutabilidade constante, que traz a ilusão da "intercambialidade" e acesso irrestrito.
O que ocorre é um processo de "comoditização pelo desvio", quando o
valor no mercado de arte é realçado ou intensificado pela colocação de objetos e coisas em contextos não-usuais. Quando pensamos no look high-tech inspirado pela Bauhaus, a funcionalidade de objetos, utensílios domésticos e locais de trabalho é desviada para a "estética". Esta é a estética da descontextualização (APPADURAI, 1995) que também se faz presente no âmbito da
arte contemporânea, em que os artefatos culturais e objetos "exóticos" constantemente são considerados obras de arte contemporânea.
A arte pop, por exemplo, não cria imagens, mas redimensiona-as, podendo representar um desvio dentro do próprio campo. Tal desvio não é só um
instrumento de "desmercantilização" do objeto, mas também de intensificação (potencial) da mercantilização pelo deslocamento do valor que acompanha esse desvio. A intensificação da mercantilização na arte faz com que o
habitus seja alterado e conseqüentemente
o próprio gosto também.
Na classificação de Appadurai, há quatro tipos diferentes de mercadorias
enquanto produtos estéticos. Elas são:
1. mercadorias por destinação: projetadas pelo seu produtor principalmente
para a troca, como é o caso de uma obra encomendada por alguma instituição;
2. mercadorias por metamorfose: objetos projetados para outros usos e que
se encontram no estado de mercadoria. Qualquer obra que esteja sendo
comercializada passa por este estado;
3. mercadorias por desvio: objetos colocados na condição de mercadoria apesar de serem originalmente protegidos disso. É o caso dos ready-mades,
que foram feitos em pequena quantidade para não serem explorados comercialmente, no entanto, acabam sendo comercializados como qualquer
outra obra;
4. ex-mercadorias: objetos retirados temporária ou permanentemente do seu
estado de mercadoria e colocados em algum outro estado, como acontece
com antigüidades ou relíquias, ou ainda na arte pop, que retira objetos do
cotidiano para transformá-Ios em obras. (MAQUET apud APPADURAI,
1295,p.16)
.
As obras de arte podem ser posicionadas em qualquer uma das classes
acima, dependendo de sua condição momentânea na coletividade - sua circulação ou retirada de circulação.
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No campo artístico, encontram-se, pois, duas disposições simultâneas que
orientam a política em prol da formação do mercado dos bens simbólicos: as
rotas vigentes e o desvio dessas rotas. Para Appadurai, a origem da política
em relação às mercadorias é a tensão entre estas duas tendências:
1) um interesse da elite (ou dos experts) em paralisar completamente o fluxo
de bens, criando um universo fechado de mercadorias e um conjunto rígido
de regula,Çõesde como elas devem se mover (como preço, barganha etc.); e
2) a natureza competitiva dos que estão no poder. O desvio é sempre sinal de
criatividade ou crise, tanto estética quanto econômica, e é estimulado pela
tendência das mercadorias de romper os padrões de circulação, provocar o
relaxamento das regras e a expansão do próprio conjunto de bens. (APPADURAr, 1995, p. 56-57)
A ampliação progressiva dos fluxos e canais de troca dá lugar a inúmeros
desvios e distinção de valores. No contexto de circulação transnacional, em
que múltiplas possibilidades de troca são possíveis, lidamos com um universo simbólico amplo e complexo. No entanto, as condições de existência podem nos oferecer pistas em direção à formação de suposto gosto estético
internacional.
Como vimos, o campo é modificado de acordo com a maneira pela qual as
posições são ocupadas e mobilizadas, as posições são negociadas entre os
agentes em termos de trocas de capital cultural. Há, portanto, espaço para a
livre agência, que pode, inclusive, alterar a disposição dos elementos estruturais. Ao mesmo tempo, o "intérprete" da comunidade está envolto em determinadas circunstâncias (condições de existência) que condicionam a recepção e a distinção que se faz dos significados. Voltemos então ao habitus: podemos pensá-Io enquanto uma predisposição do agente em ocupar determinado espaço social no campo. Conforme Fish (1995), podemos compreender a formação do gosto pelo intérprete da seguinte forma:
1) a atividade de atribuição de valores tem lugar a partir do sistema de significados de que participa o intérprete;
2) aqueles que participam da valoração o fazem de forma imperativa e não
condicional (eles não são relativistas); e
3) a despeito de sua atitude imperativa se enraizar em um conjunto de crenças, essas crenças não são individuais ou idiossincráticas, mas sim convencionais (o intérprete não é solipsista). (p. 321)
Dessa forma, se torna possível, a partir de circunstâncias transnacion~lÍs,
criar "interpretações transnacionais" e "significados transnacionais".
18
Fronteira, Belo Horizonte, v. 4, n. 7, p. 7-35, jun. 2005
A
No campo artístico
ais ou subjetivos,
formações
motivados
contemporâneo,
dão-se dentro
comunidade transnacional de arte contemporânea
as "negociações"
de fluxos transnacionais
de valores, materide circulação
de in-
e mercadorias. Tais fluxos são, acima de tudo, economicamente
e, muitas vezes, as práticas e negociações ocorrem como transaçõ-
es comerciais.
Nestes termos,
a troca é a origem do valor e não o oposto/ e a
política (num sentido amplo) é o que liga valor e troca na vida social das mercadorias.
As trocas simbólicas
finindo:
se dão a partir de um amplo conjunto
de acordos de-
I) o que é desejável, ou seja, o que é artístico (o gosto);
2) o que uma troca razoável de sacrifícios abarca, ou seja, o que essa troca poderá significar em termos de capital cultural;
3) quem está autorizado a exercer determinado tipo de demanda efetiva e em
quais circunstâncias - quem são os experts, consumidores etc. e quais as
instâncias de consagração legitimadas. (APPADURAI, 1995)
Esses atributos
delimitam
o campo artístico,
ou ainda, as circunstâncias
nas quais a comunidade interpretativa
opera.
Para determinar os limites do que é arte, produto
ou utensílio,
a comuni-
dade interpretativa
se vale da consagração de alguns dos cânones (como
Duchamp, por exemplo) que se tornam símbolos de identidade e identificação da própria comunidade,
preservando-a.
Tal canonização, que orienta as
preferências e contra a qual se orientam os desvios dentro do campo, é um
instrumento
político de preservação do gosto/ e acontece pela consagração
de obras e nomes, principalmente
por mecanismos de exposição e difusão
das imagens. Os espaços de consagração - exposições e mostras internacionais - são locais de atuação dos experts, onde a comunidade como um todo se
faz presente/operando
suas práticas do gosto.
Visto isto, podemos avançar na identificação
das formas de atuação da
comunidade interpretativa
por meio da análise de seus campos de atuação e
da agência de um de seus atores: o curador.14
de consagração
14
Procuramos
dos valores por meio das exibições
esclarecer
os meios
internacionais;
notada-
Curadores, críticos e marchands são os canalizadores de capital cultural para o artista e
cuidam de posicionar os trabalhos artísticos no mercado dos bens simbólicos, através
da sua exposição devidamente calculada em locais de consagração. Esses agentes são
intermediários do artista com o mercado de arte, cumprindo as funções de promoção e
comercialização das obras e articuladores dos mecanismos de diferenciação e destaque
do artista dentro do campo.
Fronteira,
Belo Horizonte, v. 4, n. 7, p. 7-35, jun. 2005
19
Camila Campelo Bechelany
mente três entre as mais de 50 foram escolhidas
nacionalidade
e pelo favorecimento
Documenta de Kassel (2002),
de São Paulo (2002).
pelo seu potencial
da arte contemporânea.
de inter-
São elas a XI
a soa Bienal de Veneza (2003)
e a 25a Bienal
INSTÂNCIAS 'QE CONSAGRAÇÃO
Como vimos com Bourdieu
(1996),
um trabalho
ou atitude
artística
não
tem valor, ou não é reconhecido como tal, a menos que seja celebrado pela
comunidade - consagrado como o produto de uma tradição do gosto. Portanto, as obras e nomes precisam ser valorizados pela comunidade
para serem
consagrados.
Uma forma de conferir valor aos objetos em sua fase de mercadoria se dá
pelos torneios de valor,l5 que são eventos periódicos
da rotina da vida econômica.
te, a disposição
dos símbolos
Nestes,
complexos,
o que está em questão
de valor na sociedade.
destacados
é, principalmen-
A participação
nos tor-
neios é um privilégio dos que estão no poder, e uma forma de embate entre
eles ocorre em tempo
importantes
e espaço específicos,
para amplas realidades
mas seus resultados
e formas são
de poder e valor na vida comum,
desde
as mais ordinárias (BAUDRILLARD
apud APPADURAI, 1995).
Uma forma óbvia de torneio é o leilão de arte; outras formas que também
guardam características
semelhantes
são as exposições,
as feiras e outras
mostras nacionais ou internacionais - espaços de performance
da comunidade. O leilão seria uma prática concreta de troca entre os pares, muito diferente de operações comerciais calcadas em rivalidades econômicas e igualdades formais, em que cada um se guia pelo próprio cálculo de apropriação individual. Nessas instâncias de disputa (os torneios de valor), não importa
quem seja o vencedor do desafio, a função essencial do leilão é a instituição
de uma comunidade de privilegiados que se definem como tais por uma especulação agonística, de acordo com um corpo de sinais restrito. "( ...) A paridade da aristocracia não está meramente na posse de poder, mas no ato cole-
15
Com seus aspectos lúdicos, rituais e recíprocos, os torneios dizem respeito "a todos os
processos de transmutação dos valores, de uma lógica para outra lógica de valor que é
observada em determinados lugares e instituições" (BAUDRILLARD, 1981 apud APPADURAI, 1995, p. 22).
20
Fronteira, Belo Horizonte, v. 4, n. 7, p: 7-35, jun. 2005
A comunidade
transnacional de arte contemporânea
tivo e importante de produzir e trocar valores simbólicos" (BAUDRILLARD
apud APPADURAI, 1995, p. 22).
Como vimos, a partir da Revolução Industrial e do desenvolvimento dos
métodos de reprodução de imagens, as obras ganharam status de mercadorias. Paralelamente à erosão de seu valor de culto, a produção artística foi
imersa, de forma progressiva, em fluxos transnacionais cada vez mais densos,
potencializando seu valor de exposição. A distribuição das obras pelo sistema
segue a lógica de mercado. Não raro, a arte se confunde e se funde à publicidade, partilhando muitas vezes de suas estratégias de marketing. No entanto, o culto à obra de arte, capaz de retirá-Ia dos fluxos regulares de troca de
mercadorias, permanece como uma possibilidade aberta para a relação entre
espectador e obra (BENJAMIM, 1987; APPADURAI, 1995).
O alargamento dos canais de troca de mercadorias, informações e idéias
em escala global, ocorrido, principalmente, nas três últimas décadas, ampliou as possibilidades de conformação de fluxos transnacionais de obras de
arte. A acessibilidade às obras de arte foi "democratizada" com a multiplicação dos meios de difusão das artes visuais. O contato se dá de forma instantânea por meio da Internet, por exemplo, de forma extremamente dinâmica
na web art ou em diferentes tipos de instalações, nas quais o receptor participa da própria obra, quase como um co-autor. Assim, a obra é viva em sua
própria circulação; no trânsito pelos canais de informação; é fluida e toma
forma no momento de contato com o receptor.
Nessa conformação de cenários, a comunidade elabora novos meios de
canonização e de valorização, as instâncias de consagração do gosto tomam
lugar em ambientes internacionalizados, organizados de forma complexa e
ilustrativa. Não só os locais de exibição são desfronteirizados, como a própria
produção artística assimila essa dimensão e.se apropria dela. Teremos, assim,
obras classificadas na categoria de arte global e a comunidade que a legitima,
a comunidade artística global.
As interpretações e finalidades atribuídas às obras de arte variam, como vimos, de acordo com o tempo e o espaço nos quais se situam e pelos quais elas
circulam. As possibilidades são muito variadas, sendo que cada experiência é
particular, dentro de um processo de fragmentação da identidàcle dos sujeitos
que oc·ôrre paralelo ao processo de homogeneização - duas direções simultâneas dentro do processo de globalização (FEATHERSTONE, 1995). A orientação para o movimento de globalização no campo das artes visuais produz
uma comunidade interpretativa permeada por uma "cultura da globalidade".
Fronteira, Belo Horizonte, v. 4, n. 7, p. 7-35, jun. 2005
21
Camila Campelo Bechelany
Há um movimento global de circulação de valores simbólicos e econômicos, que parte dos principais centros produtores, notadamente, Europa e Estados Unidos da América, e um movimento de recriação, de resgate da tradição local, que talvez se delineie nas margens desse movimento global. O movimento das margens tem lugar nas grandes exposições e bienais internacionais. O arranjo da comunidade artística internacional aventa a possib.ilidade
de uma repet~ção criadora nos termos de Benjamim - um movimento marginal que estranhà o centro com uma nova possibilidade de criação no seu momento presente. Ou, pode ser o contrário, uma repetição estéril, um movimento do centro em direção ao próprio centro, que abarca minorias e excluídos num processo unificador dos fluxos culturais.
Nossa perspectiva não se prende nem a uma nem a outra possibilidade,
ela compreende as duas e entende os fluxos transnacionais de arte como espaços complexos nos quais convivem forças divergentes - desvios e tendências.
Os
INTERCÂMBIOS
SIMBÓLICOS
Nos fluxos transnacionais de arte uma rede global de trocas toma forma a
partir da interação dos diferentes agentes. As rotas de circulação das obras se
materializam nas publicações especializadas, nas mostras de galerias, nos leilões e feiras, na Internet - meios de difusão de obras16 (ou de suas representações digitalizadas) e de nomes - e nas exposições internacionais: instâncias
de consagração da comunidade interpretativa.
As bienais, trienais e outras exposições periódicas internacionais, entretanto, têm uma particularidade: são entre cruzamentos e aglutinações de todas as rotas de circulação das mercadorias artísticas. São espetáculos,!7 com
data e hora marcada, em torno dos quais as demandas e propostas de todos
os agentes envolvidos no jogo simbólico do gosto se conformam: há publicações (por vezes mais do que apenas o catálogo), há projetos especiais de ar-
16
17
Como é o caso da web art, modalidade que contou com espaços especiais de exibição
nas três exposições analisadas neste artigo.
Segundo Guy DEBORD (1972), o espetáculo apresenta-se como uma enorme positividade indiscutível e inacessível. Ele nada mais diz que "o que aparece é bom, o que é
bom aparece". A atitude que ele exige por princípio é esta aceitação passiva que de fato
ele já obteve pela sua maneira de aparecer sem réplica, pelo seu monopólio da aparência (p. 16).
22
Fronteira, Belo Horizonte, v. 4, n. 7, p. 7-35, jun. 2005
A comunidade transnacional de arte contemporânea
tistas, há fóruns de discussão, discussão de conceitos, iniciativas de educação
e há transações comerciais, não de compra e venda de obras, mas de valorização e desvalorização econômica.
Muito embora a dístância entre marchand e colecionador venha diminuindo gradativamente, a exposição permanece como prática necessária à legitimação do trabalho dos artistas, uma função que vai além do simples suprimento do mercado ou regulação dos preços (HUYSSEN, 1994). Quando
um artista é convidado para expor em grande exibição internacional, seu nome entra para uma rota de circulação privilegiada. A partir de então, ele é
um nome consagrado pelo meio internacional de arte e o preço de sua obra
na galeria cresce, bem como 00 valor simbólico dela. A circulação dos bens
simbólicos pelo sistema está, portanto relacionada à consagração de obras e
nomes, que por sua vez é submetido ao escrutínio do curador.
As exposições reúnem - abrigando simultaneamente, tempos e espaços
diversos em forma de obras de arte - todos os elementos necessários ao ritual da consagOraçãodos cânones: um ambiente grandioso, artistas, experts,
espectadores e obras. A exposição é um espaço performático da comunidade
artística, onde se confrontam os agentes do campo artístico e seu observador
mais alheio e mais rigoroso - justamente, por não partilhar/compreender
as
peculiaridades do universo da arte - o espectador. O jogo do gosto vai sendo
desdobrado, de forma dinâmica, com a participação do espectador, que por
sua vez está disposto a se inserir na disputa de reconhecimento de valores
que é operada por todos.
Podemos pensar a exposição como um lugar de contemplação, que proporciona a experiência estética, no sentido de experimentação do objeto artístico. Essa contemplação, no entanto, é orientada pela narrativa construída
pela exibição, que relaciona os objetos dotando-os de circunstâncias específicas e retirando-os de seu contexto original. Como afirma Moriconi (1997):
A história de dessublimação na arte tem sua própria complexidade. Relaciona-se de cara com a mercantilização do objeto de arte. (...) O que a função estética faz é justamente separar um conjunto de mercadorias e revesti-Ias da
aura do sublime, destinando-a a outros usos, relacionados com a transmissão
(ou seja, a reprodução social) - transmissão do saber coletivo, transmissão do
patrimônio. O objeto de troca é investido de novos valores - torna-se objeto de
ascese, de disciplinarização, de culto laico, de memória afetiva individual
coletiva. (p. 68; grifos nossos)
Há três elementos determinantes
Fronteira, Belo Horizonte,
Vo
e
numa exibição: a audiência e suas qua-
4, n. 7, p. 7-35, jun. 2005
23
Camila Campelo Bechelany
lidades culturais, determinantes da demanda em relação ao que ela espera
encontrar; o objeto e a intenção do artista expressa por meio dele; e a própria
leitura estética e classificação do objeto feitas pelo exibidor. O que se configura nesse cenário é uma tensão constante entre as expectativas e práticas de
cada agente. Em decorrência desse jogo, o gosto vai sendo legitimado e "apresentado" à audiência. Ainda com Moriconi (1997):
,.
Na esfera da cultura, tal como definida pela sociologia e pela antropologia, os
valores são estratégias discursivas para a afirmação de forças e para a contestação de forças por outras forças. Essas forças atravessam transversalmente
todos os corpos pulsionais - individuais, grupais, territoriais. (...) O que está
em permanente alteração são as relações entre as forças. Todas as esferas
práticas, cada qual na sua jurisdição, estão constantemente distri1;mindoe redistribuindo os fluxos pulsionais através da disputa entre valores. (p. 69-70;
grifos nossos)
De fato, em alguma medida, a exibição é uma instância independente dos
objetos exibidos, uma vez que "the mode of installation, the subtle messages
communicated through design, arrangment, and assemblage, can either aid
or impede our appreciation and understanding of the visual, cultural,social
and political interest of the objects and stories exhibited in museums (or
exhibitions)" (KARP; LAVINE 1991, p. 13-14). Assim, uma exibição é capaz
de legitimar um objeto enquanto arte ou não, tornando-se uma instância de
consagração. A inserção do objeto e sua colocação pensada e construída em
uma exposição internacional de arte contemporânea desloca-o para a categoria de objeto de arte contemporânea internacionalmente reconhecido. Esse
objeto contará, a partir de então, com um reconhecimento de autenticidade
por parte da comunidade interpretativa.
Esse poder de legitimação das exibições remonta aos museus modernos,
que transformavam ostentações de poder material em ostentações de poder
espirituaC de forma que os objetos de arte representavam o produto da genialidade. Essa recodificação tornou-se possível pelo advento da nova disciplina de "história da arte" utilizada pelos estados modernos como um instrumento de pedagogia nacional. Dessa forma os museus de arte representam o
gosto e as concepções estéticas da comunidade interpretativa artística, contando também com uma identidade específica.
A consagração da arte contemporânea nos espaços de exibição supõe necessariamente uma alusão aos cânones. Os cânones são nomes consagrados
no meio e que servem como referência à classificação da comunidade.
24
As
Fronteira, Belo Horizonte, v. 4, n. 7, p. 7-35, jun. 2005
A comunidade
transnacional de arte contemporânea
Bienais de Veneza e de São. Paulo. co.ntam sempre
co.m algum espaço. para a
expo.sição. de câno.nes da arte mo.derna e/o.u co.ntempo.rânea.
A equipe curado.ra co.nstrói uma narrativa que será "lida" pelo. espectado.r.
As práticas de exibição. po.dem exaltar o.u deturpar o. valo.r estético. de uma
peça. O lugar do. o.bjeto. dentro. da expo.sição., a luz e o.utro.s aparato.s técnico.s
são. elemento.s necessariamente
levado.s em co.nsideração. nas expo.sições de
arte. No. caso. da arte recente feita, muitas vezes, co.m o. fim único. de exibição., a narrativa po.de se to.rnar mais instantânea
o.u rarefeita,
influente. Não. há exibição. sem uma pro.po.sição., um tema,
mento., não. há exibição. neutra.
mas não. meno.s
um questio.na-
It seems axio.matic that it is no.t po.ssible to. exhibit o.bjets witho.ut putting a
co.nstructio.n upo.n them. Lo.ng befo.re the stage o.f verbal exposition by label
o.r catalogue, exhibitio.n embo.dies o.rdering pro.po.sitio.ns. There is no. exhibitiori witho.ut construction and therefo.re - in a extended sense - appropriation.
(BANXADALL, 1991, p. 34)
O mo.do. co.mo. as mo.stras são. mo.ntadas,
histórico.,
o.s patro.cinado.res
e entusiastas,
sua estrutura
e meto.do.lo.gia, seu
seu pro.cesso. de institucio.naliza-
ção. são. demento.s que po.dem indicar co.ncepções so.bre o. go.sto. e o.s valo.res
simbólico.s da co.munidade internacio.nal de arte co.ntempo.rânea. Co.mo. vimo.s, as expo.sições são. co.mo. narrativas
o.s valo.res simbólico.s são. repro.duzido.s
Os
da co.munidade,
e nego.ciado.s.
no. âmbito. das quais
INTÉRPRETES DA COMUNIDADE E AS
PRÁTICAS DE ELABORAÇÃO DO GOSTO
A co.mplicada co.labo.ração.e co.mpetição
entre os experts do. mundo. da arte, nego.ciado.res, intelectuais, e co.nsumidores é
parte da economia po.lítica do. go.sto. (APPADURAI, 1995, p. 45)
Go.~ando. de um alto. grau de capital simbólico.,I8 o.s agentes reco.nhecido.s
co.mo. experts têm po.sições privilegiadas dentro. do. campo. artístico.. Desses
18
''J'appelle capital symbolique n'importe quelle espece de capital (économique, culturel, scolaire ou social) lorsqu' elle est perçue selon des catégories de perception, des
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25
Camila Campelo Bechelany
experts, aqueles que atuam como curadores dispõem de grande influência, já
que operam como os agenciadoresl9 do gosto. Para ma~ter sua posição e se
proteger dos constrangimentos políticos implicados, a comunidade interpretativa controla as trocas simbólicas cada vez mais dinâmicas.
A curadoria apareceu no final do século XX como atividade administrativa e de gestão financeira dos projetos artísticos. Com o tempo, o :Gurador
passou a contribuir na construção do próprio evento, exercendo funções diversas, tais como "criticismo, interpretação, mediação pública e até mesmo
mise-en-scéne" (HUYSSEN, 1994, p. 41), o que pode ser um resultado da
popularização das exposições de arte. Com as mudanças ocorridas em meados do século XX e a utilização da reprodutibilidade técnica na arte - marcando o início da pós-modernidade - o habitus desse agente que antes estava
ligado somente ao campo econômico se conforma diferentemente: o curador
passa a ter um nível de capital social mais elevado no campo artístico, ganhando largo espaço de atuação e assumindo novas funções, dentre elas a de
conceber um tema e escolher artistas para as exposições ou salões.
Para Andreas Huyssen, o ato de "curar" hoje não significa desempenhar a
função de guardião de coleções como no passado. "Pelo contrário, curar significa mobilizar coleções, colocá-Ias em ação nas paredes dos museus particulares em todo o mundo e, principalmente, na cabeça dos espectadores"
(HUYSSEN, 1994, p. 42). O curador é um colecionador: alguém que se
apropria do objeto artístico dando-lhe um caráter particular articulado à sua
tese (BENJAMIM, 1995). Concebendo o tema, dispondo as peças no espaço
expositivo ou compondo uma coleção, o curador constrói uma narrativa que
será lida pelos espectadores e, nesse processo, não preserva as obras. Reinventa-as num trabalho de interpretação a partir de suas condições de existência no campo.
No caso das mostras internacionais de arte contemporânea, o trabalho
curatorial se desdobra a partir de um tema previamente elaborado e em torno do qual se constrói a tese curatorial: um argumento em relação à arte conprincipes de vision et de division, des systemes de classement, des schemes classificatoires, des schemes cognitifs, qui sont, au moins pour une part, le produit de l'incorporation des structures objectives du champ considéré, c-à-d de Ia structure de Ia distribution du capital dans le champ considéré." (BOURDIEU, Pierre. Raisons pratiques.
Seuil, 1994, p. 161 Disponível em: <http://www.homme-moderne.org/societe/socio/
bourdieu/lexique/index2.html>.
Acesso em: 15/5/2003).
19 Agenciadores no sentido de suas práticas implementarem
uma articulação entre a estrutura do gosto e a intervenção individual.
26
Fronteira, Belo Horizonte, v. 4, n. 7, p. 7-35, jun. 2005
A comunidade
transnacional de arte contemporânea
temporânea e seus questionamentos frente à realidade, que define os propósitos da exibição. A tese curatorial é concebida pela equipe de curadores que
orienta a montagem e define a disposição das obras no espaço da exposição,
seguindo determinadas técnicas e práticas de montagem que respondem à
construção da narrativa. O curador contemporâneo é responsável:
1) pela administração do evento (ou, ao menos, pela parte artística deste);
2) pela concepção do tema; e
3) pela seleção dos artistas e das obras.
Atuando diretamente nas instâncias de consagração do mundo da arte,
formando e propagando o gosto por meio de suas escolhas e estratégias de
exposição, o curador tem grande responsabilidade na atribuição de valores
aos bens simbólicos do campo. As escolhas e opiniões em relação ao que é artístico ou não, ao que deve ser exposto ou não, estão relacionadas às "condições de existência" que orientam as práticas de escolha e as teses curatoriais
(BOURDIEU, 1996). Transitando entre o campo artístico e o campo mercadológico, o curador é um articulador da circulação de obras e de nomes, ele
é um conasseur acima de tudo. Conhecedor da história da arte e conhecedor
do meio, está próximo dos artistas e dos diretores de instituições.
A escolha de um artista por um curado r respeitado no meio internacional
pode consagrá-Io dentro do meio. O caso do escultor congolês Bodys Isek
Kingelez é ilustrativo. Em 1992, suas obras foram exibidas na Casa das Culturas do Mundo,2° sob curadoria de Alfons Hug. A exposição foi considerada
um exotismo à época. A partir de então o artista foi convidado a participar de
várias bienais, inclusive da 2Sa Bienal de São Paulo (HUG, 2002).
Um importante meio de circulação dos valores no campo da arte contemporânea são as publicações, principalmente catálogos de exposiçoes e monografias ou resonnés de artistas, que difundem as imagens fotográficas das
obras, acompanhadas de textos ilustrativos ou descritivos, geralmente escritos por curadores e críticos. Os catálogos têm a função de registro literário e
histórico das exposições internacionais, o que é particularmente importante
na arte contemporânea, que utiliza freqüentemente suportes desmaterializados.21 Essas publicações, veículos de difusão e legitimação da comunidade,
são instrumentos
auxiliares na comoditização das obras .
(
.
•..
20
2]
A Casa das Culturas do Mundo é um dos principais espaços para exposição de artes
visuais de Berlim.
É importante observar que a grande parte das obras contemporâneas tem caráter exibitório, como instalações, performances e vídeos (mais de 80% das obras expostas na
Fronteira, Belo Horizonte, v. 4, n. 7, p. 7-35, jun. 2005
27
Camila Campelo Bechelany
Neste artigo utilizamos catálogos de três exposições como meio de contato com nosso objeto empírico - a comunidade interpretativa - e fazemos, a
partir deles, uma leitura do discurso de seu personagem modelar: o curador.
As teses curatoriais de três curadores internacionais exemplares - Okwui
Enwezor,22 Francesco Bonami23 e Alfons Hug24 - são nossa matéria-prima
última Docurh~nta de Kassel (2002) foram vídeos, na Bienal de Veneza 2003 foram
40% de vídeos e na Bienal de São Paulo 20%). Há outros trabalhos que se desfazem em
pouco tempo, aqueles com materiais orgânicos por exemplo, ou performances e outros
trabalhos conceituais presenciais.
22 Enwezor foi o diretor
artístico da Documenta lI, em Kassel, na Alemanha, de 8 de junho a 15 de setembro de 2002, tendo sido o primeiro curador não-europeu da exposição. Nascido em 1963 em Kalaba, Nigéria, uma pequena cidade na fronteira com a República de Camarões.
• Cresceu em Enugu, no leste da Nigéria, e em 1983 mudou-se para Nova Yçrk para
começar seus estudos em Ciências Políticas, no Jersey City State College. E poeta,
crítico e curador de arte.
• Em 1997 dirigiu a Segunda Bienal de Joanesburgo e contribuiu com o catálogo da 473
Bienal de Veneza.
• Em 2001, durante a montagem da Documenta 11 vivia entre Nova York, Chicago,
Londres e Kassel.
• Atualmente trabalha como curador adjunto de Arte Contemporânea do Art lnstitute
o] Chicago.
um periódico
• E editor e fundador do Nka: Journal ofContemporaryAfrícanAtt,
de crítica artística co-editado pelo African Studies Center da ComeU University. É o
primeiro periódico internacional desse tipo dedicado ao estudo científico e exibição
de arte contemporânea africana e de descendentes africanos. (Informações disponíveis em <www.universes-in-universe.de>,
<http://www.camwood.org/pguest2.htm>
e, http://www.ihc. ucsb.edu/ events/ current/ enwezorsympl) >.
23 Bonami foi o diretor artístico
da 503 Bienal de 1Ieneza, de junho a setembro de 2003.
• Nascido em 1955 em Florença, Itália.
• Vive nos Estados Unidos desde 1987.
• Atualmente, é o curador sênior no Museu de Arte Contemporânea de Chicago, membro da junta permanente da Manifesta (Bienal Européia).
• Foi membro do comitê científico da primeira Trienal de Yokohama de 2001.
• Participou da curadoria do Aperto 93 da Bienal de Veneza.
• Foi curador da Segunda Bienal de Santa Fé, da Bienal Européia e da Manifesta 3 e de
várias outras exposições na Europa e Estados Unidos.
• Publicou os livros Echoes: contemporary art at the age of endless conclusion, ed.
Monacelli, e Sogni/Dreams com colaboração de Hans Ulrich Obrist. Também contribuiu com muitos artigos e entrevistas em periódicos e catálogos de arte contemporânea. (Disponível em < http://www.labiennale
.org/ en/visualarts/ director/ > )
24 Alfons Hug foi curador da 253 Bienal de São Paulo (2002) e será o curador da 263 (2004).
Ele foi o primeiro estrangeiro a ocupar o cargo de curador geral da Bienal de São Paulo,
o que causou um impacto negativo no meio artístico brasileiro.
• Nascido em 1950, em Hochdorf na Alemanha .
• Estudou Lingüística e Literatura Comparada em Freiburg, Berlim, Dublin e Moscou.
• De 1984 a 2000, foi diretor do Goethe Institute de Lagos, Medelín, Brasília, Caracas
e Moscou.
28
Fronteira, Belo Horizonte, v. 4, n. 7, p. 7-35, jun. 2005
A
comunidade transnacional de arte contemporânea
para investigar práticas de operação do gosto. Pretendemos, através desse
recurso, aproximarmo-nos da compreensão do funcionamento da "comuni- .
da de de arte global", como ela mesmo se denomina.
Em nossa leitura dos discursos, procuramos responder às seguintes perguntas: quais as categorias de classificação que orientam as escolhas de um
curador internacional? Qual a concepção de arte contemporânea de cada
um? Qual a função de uma exposição internacional de arte dentro da comunidade e como se configuram as intenções desses curadores ao construir a
exposição? Qual a relação da globalização com a arte contemporânea?
Em geral, as teses curatoriais das grandes exposições internacionais objetivam retratar o panorama mundial da arte contemporânea. O curador cumpre esta tarefa de dar conta da diversidade do mundo por meio da construção de narrativas, embasadas por suas teses curatoriais, que refletem os processos artísticos contemporâneos.
Há uma concepção difundida dentro da comunidade artística contemporânea de que a atividade do curador, seu intérprete, deve transmitir fielmente a mensagem da obra, sem mediação e sem leituras precedentes. O sistema
de significados a que esta concepção corresponde parece remeter à idéia da
exposição contemporânea de Huyssen (1994), que institui "um terreno que
oferece múltiplas narrativas de significados, num tempo em que a metanarrativa da modernidade perdeu sua persuasão (...); quando a identidade assumiu um aspecto múltiplo e estratificado" (p. 54).
A preservação das identidades culturais e a tentativa de estabelecer um
panorama geral da realidade permeiam as teses curatoriais das mostras internacionais; a construção de uma narrativa singular seria vista como excludente e particularista por esses curadores. Para Francesco Bonami (2003), a curadoria contemporânea deve refletir a diversidade e as contradições da própria realidade. Segundo ele:
• Foi diretor do departamento de artes visuais da Casa das Culturas do Mundo em
Berlim de 1994 a 1998, quando realizou várias curadorias de arte africana, latinoamericana e· européia. Dentre elas, a da exposição "The other modem", de 1997,
com 30 artistas contemporâneos da América Latina, Ásia e África.
• Foi diretor do Instituto Goethe (Instituto de Cultura Alemã) em: Lagos, Medellín,
Brasilia, Caracas e Moscou, de 1994 a 2000.
• Realiza projetos no Brasil desde 1992 e atualmente (desde 2002) é o diretor do
Instituto Goethe do Rio de Janeiro.
• Foi curador da representação brasileira da Bienal de Veneza de 2003 (com obras de
Rosângela Rennó· e Beatriz Milhazes) e realizou também parte da curadoria da Bienal
do Mercosul 2003.
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A cura to r accepting his or her own limitations should present an understanding of a world articulated through contradictions inherent in a multiplicity
and diversity of ideas. The 'Grand Show' of the 21 st century must allow multiplicity, diversity and contradiction to exist inside the structure of an exhibition. It must reflect this new complexity of contemporary reality, vision and
emotions. (p. XXI; grifos nossos)
..
Na tese d:e::Enwenzor
(2002)
podemos
vez que, para o curador, a exposição
sidade do mundo contemporâneo:
perceber
a mesma
inflexão,
do novo milênio deve configurar
uma
a diver-
(...) the exhibition couterpoises the supposed purity andautonomy of the art
object against a rethinking of modernity based on ideas of transculturality.Thus,
the exhibition project of the fifth Platform is less a rceptac1e of commodityobjects than a container of a plurality of voices, a material reflection on a
series of disparate and interconnected actions and processes. (p. 55; grifos
nossos)
Em Hug esta mesma compreensão revela-se em sua preocupação defavorecer artistas do hemisfério sul que, em princípio, contam com um déficit de
participação nas rotas de circulação dos bens simbólicos globais.
Os curadores estudados aqui demonstram
a preocupação
em não oferecer respostas
e não construir
uma narrativa pré-concebida
as obras exibidas em torno de um único conceito.
que conecte todas
A participação
do especta-
dor aparece sempre como uma questão crucia!. Para Bonami e Enwezor, o
espectador é a peça central de uma exibição de arte.
Há uma sensação de incompletude,
de infinitude na construção dos textos que parece carregar a certeza de liberdade
O curador
distancia-se
o máximo
xando o público à vontade
individual para a infinidade
grande porte oferece.
total na fruição do espectador.
possível da relação obra/espectador,
dei-
para construir sua própria narrativa, seu texto
de imagens e estímulos que uma exposição de
To make an exhibition of art, I would insist on the proposal that the spectatorship is central and fundamental to all forms of valuation of the visual content of an exhibition. Spectatorship is that dimension of subjectivity and consciousness that defines the relation of power to acts of cognition and valuation.
Spectatorship, which takes the carnivalesque as its mo de of enunciation, can
only function productively in a democratic, open system. (ENWEZOR, 2002,
p.54)
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A comunidade
transnacional de arte contemporânea
A preocupação com a diversidade e a preservação das identidades culturais nas exposições internacionais são sintomas da transformação do objeto
de arte em objeto de cultura ou, na perspectiva de James Clifford (1994), o
contrário. Para ele:
Um aspecto crucial da história recente do conceito de cultura tem sido a
aliança (e a divisão do trabalho) desta com a "arte". A cultura, mesmo sem c
maiúsculo, tende para a forma e autonomia estéticas. (...) as idéias de cultura
e as idéias de arte modernas funcionam conjuntamente num sistema de artecultura. (p. 80; grifos do autor)
Vemos, cada vez mais, dentro das esferas de trocas simbólicas da arte, a
extinção dos conceitos de alta e baixa cultura, ou ainda, mais especificamente, de high art e low art. A Documenta XI (exposição periódica internacional
de arte contemporânea em Kassel, Alemanha, 2002) exibia objetos produzidos por comunidades étnicas em que não há a classificação de indivíduos
como artistas. Esse também é o caso da 43 Bienal do Mercosul (2003), cujo
tema é "Etnografias Contemporâneas": artefatos culturais como utensílios
históricos são dispostos ao lado de obras de arte contemporânea. Retiram-se
objetos de seu contexto original e atribuem-se a eles a função de exibição
(prática museológica comum no século XIX), identificando-os à concepção
de arte do Ocidente, que tem a exibição como característica intrínseca. A
questão da aproximação entre high e low art envolve a discussão da oposição
entre Ocidente e Oriente e do centro e da periferia e, portanto, toca no
problema da inclusão de indivíduos (artistas) e culturas, distanciados e marginalizados nas instâncias de consagração da arte internacional.
Com a emergência de artistas e curadores com orientações não-ocidentais, ou melhor, não-europeus, a questão dos limites entre o que é objeto de
arte e artefato de cultura se confundiu e a definição da própria arte global
inclui essa questão. Identificamos uma compreensão difundida de que a arte
contemporânea deve questionar a massificação pelo excesso de informações
visuais que provoca a alienação do olhar. Essa concepção não foge à idéia de
que "o objeto de arte seria aquele capaz de por si romper o fluxo indistinto e
incessante
., das imagens compensatórias continuamente ofertadas pelos tecnocircuitos da diversão e da informação" (MORICONI, 1997, p. 66; grifo do
autor) .
A consagração de artistas de fora do circuito convencional das artes visuais nas exposições internacionais contemporâneas pode representar um des-
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vio dentro
dos fluxos da comunidade,
a desvalorização
da mercadoria
no entanto,
artística,
tal desvio não desencadeia
mas ,ao contrário,
ele é intensifica-
dor da mercantilização
através do deslocamento
do artefato cultural para a
esfera da arte contemporânea.
A partir daí, o objeto circula por rotas consagradas e ganha um valor de troca diferenciado.
A vida social desse objeto se
altera e seu valor simbólico poderá conferir, àqueles que articulam suà circulação, o stat1is de conhecedores
e, conseqüentemente,
membros da comunidade interpretativa.
Os membros dá comunidade são os articuladores
tanto, evitar os desvios; no entanto, transformando
nantes, acabam por preservar
do gosto e devem, pordesvios em rotas domi-
o status quo da comunidade.
Em seu texto
desmanche da cultura", Mike Featherstone,
a certa altura, descreve
"reações ao processo de globalismo". Uma delas é a seguinte:
"O
algumas
(... ) existem aqueles intelectuais cosmopolitas e intermediários culturais, sobretudo os pertencentes à geração pós-Segunda Guerra Mundial que não procuram julgar as culturas locais em termos de seu progresso em direção a algum ideal derivado da modernidade, mas que se contentam em interpretá-Ias
para platéias cada vez maiores, compostas por pessoas que tiveram acesso à
educação superior, pertencentes à nova classe média, e platéias mais amplas,
integradas à cultura do consumo. Eles têm a capacidade de reapresentar o
exotismo de outras culturas, dos "lugares surpreendentes"
e das diferentes
tradições para platéias ansiosas por ter uma experiência. São capazes de trabalhar e viver em terceiras culturas, bem como parecem ter a capacidade de
apresentar as culturas locais a partir de seu interior, "falando sobre elas do
ponto de vista do nativo". Esse grupo pode ser considerado pós-nostálgico e pode relacionar-se com platéias cada vez maiores de uma classe média desejosa
de ter experiências com um jogo cultural, que renunciou a ir ao encontro do autêntico e do real, que se contenta em ser I/pós-turistal/, aprecia a reprodução do
efeito do real, a imersão nele, de maneira controlada ou lúdica, e o exame daquelas regiões que se situam nos bastidores de um palco em que este real se
apóia. (FIEFER, 1985 apudFEATHERSTONE,
1995, p. 138-139; grifos nossos)
Nessa passagem, os intelectuais cosmopolitas são os curadores internacionais de arte contemporânea;
as platéias, os públicos das exposições concebidas por eles; e o palco, as próprias exposições:
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o espetáculo
da "cultura global".
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A comunidade
transnacional de arte contemporânea
ABSTRACT
This article investigates the constitution of an international cognitive universe concerning contemporary artistic preferences, so as to
reflect the limits of a transnational artistic community. In order to
.do so, it constructs a theoretical model aimed at defining the means
of attributing value to works of art, starting from their circulation
through transnatiorial exchange channels. We verify, based on the·
analysis of value consecration and the curator's activity, that a 'culture of globalism' marks this cognitive universe.
Key words: Transnational flows of values; Sense community; Politics of taste.
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