PROLEGÔMENOS A UMA PRAGMÁTICA
DO DESPERDÍCIO
JONY SILVA
Cada fala
Cada palavra cala
E ganha um signovosignificado para mim
Desperta dor
Apaga dor
Vai embora
Fica
Meu amor
(Karina Buhr, Cara palavra)
I
“Cada fala / Cada palavra cala”, diz Karina Buhr, marcando os versos iniciais da música “Cara palavra”, primeira faixa de seu disco Longe de onde,
lançado em 2011. Esses versos nos fazem lembrar do pensamento do filósofo
inglês John L. Austin quando profere sua chamada teoria dos atos de fala. Os
versos chamam atenção para o ato de fazer proporcionado por uma palavra, por
um dizer. A essa atenção, Austin (1990 [1962]) destinou suas conferências na
Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, em 1955, que postumamente
originaram seu livro How to Do Things with Words. Se há alguma referência
direta entre o pensamento de Karina Buhr e o de Austin, ainda não sabemos. Por
ora, apenas os avizinhamos, a fim de compor algum pensamento acerca da
linguagem, considerando-a como ação performativa antes de sua função informativa ou comunicativa1.
Uma postura performativa da linguagem tem em Austin (1990) um
grande agitador. Sob uma filosofia da linguagem ordinária, como ficou conhecida
uma sublinha da filosofia analítica, o filósofo promove uma ruptura com todo um
1
Doutor em linguística aplicada pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Email: jkcastro
silva@gmail.com.
Este texto é um recorte (com algumas modificações) de uma tese de doutorado defendida em
2019. A tese diz respeito a uma pragmática do desperdício presente no livro Desperdiçando
rima, da artista brasileira Karina Buhr (cf. Silva, 2019).
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pensamento vigente em torno da linguagem. A ruptura consiste na problematização da suposta distinção entre atos constativos e atos performativos. Até então,
entende-se que atos constativos são os que possuem como critérios de validade
serem correspondentes com fatos no mundo, podendo ser verdadeiros ou falsos;
e performativos, os atos que não possuem tais critérios de valor de verdade, mas
podendo encerrar felicidades ou infelicidades. Logo, constativos são atos que têm
como premissa descrever algo existente no mundo, e os performativos, realizar
alguma ação.
No entanto, Austin (1990) mostra que sentenças declarativas, compreendidas como um tipo de ato constativo, são, na verdade, performativos mascarados. Dizer “O gato está sobre o tapete” — um de seus famosos exemplos —, em
um determinado contexto de uso da fala, não descreve necessariamente uma situação. Em vez de uma descrição, o ato pode realizar uma ação — talvez o falante
queira que seu interlocutor vá até o tapete em que o gato está e retire o animal de
cima.
Tomando este exemplo como um ato performativo, determinadas condições são requeridas para que o ato obtenha sucesso, felicidade. Essas condições,
como quem fala ter autoridade para fazer o proferimento, existir o objeto do
discurso proferido, quem escuta poder realizar a ação etc., são requisitos para o
sucesso de um ato de fala performativo. Caso algum requisito falhe, o ato foi infeliz, houve alguma das infelicidades: nulidade do ato, abuso da fórmula ou quebra
de compromisso (Austin, 1998). As infelicidades de um ato dizem respeito a maus
usos, execuções ou invocações deste.
Mas como reconhecer se um ato de fala é constativo ou performativo? Eis
a pergunta que Austin (1990) tenta responder, elencando possíveis critérios para
qualificar atos performativos. Chega, porém, à conclusão da impossibilidade de
um critério puramente formal, segundo um princípio gramatical. Mesmo com o
princípio que elege, de que o verbo performativo deve vir conjugado no presente
do indicativo do singular da voz ativa (e.g. “Eu lhe ordeno”) ou, se não vir, poder
ser transposto para esta fórmula, este princípio não está livre de exclusão, como
afirma Rajagopalan (2016). No fim das contas, o princípio serve apenas para diferenciar performativos primários de performativos explícitos, ou se quisermos,
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de constativos de performativos. Um performativo primário se caracteriza por
sua imprecisão, e o explícito, por sua forma precisa.
No lugar de constativos e performativos, melhor dizermos performativoconstativo (Austin, 1998). Com isso, a distinção dá lugar aos sentidos que um ato
de dizer potencializa quando dito: um significado locucionário, uma força ilocucionária e um efeito perlocucionário. Há uma mudança de ponto de vista sobre o
problema, a partir da ideia de que, quando se diz, se faz alguma coisa. Agora, um
ato de fala compõe-se de três atos que correspondem a: dizer é fazer algo (ato
locucionário); ao dizer, se faz algo (ato ilocucionário); e por dizer, se faz algo (ato
perlocucionário). “E ganha um signovosignificado para mim / Desperta dor /
Apaga dor”, canta Karina Buhr (2011), seguindo os versos citados anteriormente,
quando nos fala dos efeitos de uma palavra que cala. Austin (1990) chama esses
efeitos de atos perlocucionários.
Mas é bom frisarmos que atos perlocucionários não são consequências
diretas de atos ilocucionários. Do mesmo modo, atos ilocucionários não são consequências essencialmente linguísticas de atos locucionários.
A força ilocucionária responsável por fazer algo, ao proferir um ato de
fala, advém de sua característica convencional, ou seja, deve-se às circunstâncias
sociais do proferimento. Ela somente produz efeito se o interlocutor “apreender”
a força ilocucionária, se houver o que chamamos de uptake. Quando um uptake
ocorre de acordo com a força ilocucionária dispensada, temos um performativo
feliz. E, uma vez aceito o ato ilocucionário, este pode gerar efeitos diversos, propiciados pela impossibilidade de se reconhecer totalmente onde começam e terminam as convenções que regem uma força ilocucionária e pelo não controle dos
efeitos perlocucionários.
Dessa impossibilidade, percebemos a criatividade e a dimensão crítica do
performativo-constativo. Se os consideramos distintos, abstraímos ora o ato locucionário, ora o ato ilocucionário de um proferimento. Portanto, desfaz-se a
ideia de que um performativo não pode possuir um valor de verdade, quando o
que está em jogo, na realidade, relaciona-se à adequação de um proferimento aos
seus fins, a um contexto de uso da linguagem. O par verdadeiro/falso em representação para com fatos do mundo se desdobra no que é adequado em determinada situação, num uso interventor e criativo da linguagem, possibilitando cria-
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ção de mundo. Com o performativo-constativo, temos uma irredutibilidade ao
par natureza/cultura (Rajagopalan, 2016), pois uma naturalização (a natureza),
ou um constativo, acontece pela força de um performativo via repetição e pressão
social (a cultura).
Na história da filosofia, John L. Austin faz parte da filosofia da linguagem
ordinária ou filosofia linguística, um ramo da filosofia analítica desenvolvida em
meados do século XX, principalmente no território austro-anglo-saxão. Além do
filósofo inglês, destacam-se Gilbert Ryle, Peter Strawson e Ludwig Wittgenstein.
Contrapondo o pensamento vigente da filosofia da linguagem proposto no escopo
da filosofia analítica, as ideias articuladas por Austin e por Wittgenstein (no
segundo momento de sua filosofia), por exemplo, focalizam a linguagem no seu
uso ordinário, as palavras como são usadas no dia a dia; e a não pretensão de
chegar a universais, objetivo não desejado por uma filosofia da linguagem ideal
da filosofia analítica. Interessa à filosofia linguística as palavras em si, o que se
faz com elas, e não enquanto meios para encontrar universais e resolver, assim,
todos os problemas da filosofia.
Acontece que o mainstream da filosofia analítica tratou de conter a filosofia linguística e seus consequentes abalos, como diz Rajagopalan (2010).
Transformaram Wittgenstein em dois: o primeiro, representado pelo seu livro
Tractatus logico-philosophicus, quando ecoa traços universais apoiando-se num
pensamento logicista — marca de um pensamento digno de consideração para a
filosofia analítica —; e o segundo, pelo livro Investigações filosóficas — não muito
digno de uma filosofia da linguagem, ao compreender a significação atrelada ao
uso —, colocando de lado a idealidade de uma linguagem almejada anteriormente. Isso apenas para falarmos em dois Wittgenstein, quando se fala na existência de até quatro momentos diferentes do autor. Já com Austin, o mainstream
fez diferente.
Segundo Rajagopalan (2010), Austin e seu pensamento foram completamente domesticados pela leitura dita oficial da teoria dos atos de fala. Uma figura
central dessa leitura é o filósofo americano John Searle. Tido como herdeiro
intelectual do filósofo inglês — por ter convivido pessoalmente e ocupado mais
tarde na Universidade da Califórnia, em Berkeley (EUA), uma vaga de professor
destinada a Austin que não pôde ocupar em virtude de seu falecimento —, Searle
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talhou o pensamento do filósofo inglês em prol de uma filosofia da linguagem
ideal considerada pela filosofia analítica. Um exemplo disso foi sua proposta de
um conteúdo proposicional anterior a todo ato ilocucionário, o que possibilitaria
uma taxonomia dos verbos performativos que Austin, de acordo com a leitura
oficial, não teve tempo de elaborar como deveria.
Contra essa leitura oficial, intelectuais como o filósofo Jacques Derrida e
a crítica literária Shoshana Felman, nos anos 1972 e 1980, respectivamente, fizeram uma leitura de Austin ao largo do pensamento searliano que se creditou ser
o de Austin2. No Brasil, o linguista Kanavillil Rajagopalan, desde a década de
1980, também faz uma leitura não searliana da teoria dos atos de fala, mostrando
como o pensamento austiniano foi domesticado pela leitura oficial. Para uma (e
sobre uma) nova leitura de Austin, sem amarras e não a favor de uma filosofia da
linguagem ideal, Rajagopalan (2010) propõe o termo nova pragmática, em seu
livro Nova pragmática: fases e feições de um fazer.
Essa nova leitura coaduna com um pensamento sobre a pragmática linguística contemporânea que se desvincula de antigos postulados teóricos na disciplina (e.g. a leitura oficial da teoria dos atos de fala) para encarar a linguagem
em toda sua complexidade. Rajagopalan (2014) afirma essa ideia no prefácio de
outro livro importante, em português brasileiro, sobre essa perspectiva de considerar a linguagem em uso: Nova pragmática: modos de fazer, organizado por
Daniel do Nascimento e Silva, Dina Maria Martins Ferreira e Claudiana Nogueira
de Alencar. Nesse livro, percebemos a marca “de um caráter nitidamente anticartesiano e antiplatônico” (Rajagopalan, 2014, p. 13) que caracteriza a pragmática
linguística contemporânea, avessa a qualquer teorização a priori para a pesquisa
em torno da linguagem em uso.
Por uma pragmática que se volte para uma prática linguística, o adjetivo
nova quer dizer junto ao termo pragmática. Isso requer toda uma problematização epistemológica e política do quadro geral de racionalidade que baseia os
problemas e resoluções na pesquisa pragmática, como a questão do contexto, um
tema caro à pragmática. Para mapear uma prática linguística, Silva, Alencar e
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Nos referimos à primeira publicação do texto “Signature événement contexte”, de Derrida (1991
[1972]), em seu livro Marges de la philosophie; e à publicação de Le Scandale du corps parlant:
Don Juan avec Austin, ou, la séduction en deux langues, de Felman (2003 [1980]).
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Ferreira (2014) sugerem uma vigilância etnográfica, para saber o que as pessoas
fazem com as palavras e o que falam sobre o que fazem com elas, ou seja, uma
pragmática e uma metapragmática do uso. Uma problematização da linguagem
nessa direção leva em conta a dimensão ética e política que subjaz ao uso e ao
trabalho sobre/com a linguagem.
Nesse sentido, a nova pragmática mantém uma conexão com a filosofia
linguística, não somente por praticar uma nova leitura de Austin (1990), mas por
dar importância a um antigo princípio crítico que já se encontrava no pensamento do filósofo no que diz respeito à verdade: uma matéria de efeito e não de
fato. Por isso, talvez, a colocação de aspas em nova pragmática, no título do
prefácio de Rajagopalan (2014).
Uma nova pragmática para antigos problemas, como dizem Silva, Alencar e Ferreira (2014), consiste numa virada radical do constativo para o performativo como outro olhar para a pesquisa em pragmática linguística. Esse olhar
compreende a pragmática como perspectiva de estudos para a linguagem, indo
além de um campo definido tradicionalmente ao lado da sintaxe e da semântica
(Morris, 1985).
Compreender a pragmática como uma perspectiva de estudos no lugar de
uma simples componente ou disciplina da linguística solicita modos de fazer que
privilegiem, acima de tudo, a linguagem em uso. É o caso da pragmática cultural
(Alencar, 2014), sobre a qual falamos a seguir.
II
Em diálogo com a filosofia da linguagem ordinária e uma linguística crítica (Rajagopalan, 2003) norteada por uma relação ética e responsável para com
a linguagem e com quem a usa, a pragmática cultural propõe uma visada antropológica no âmbito dos estudos críticos da linguagem. Acrescentamos ainda a esse
diálogo a relação com os estudos culturais, com os estudos pós-coloniais e decoloniais, e com a antropologia linguística. Aqui, nos detemos apenas na sua relação
com a filosofia da linguagem ordinária e na sua postura de uma nova pragmática,
potencializada pelo pensamento de Rajagopalan (2010).
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O pensamento do linguista indiano-brasileiro pode ser visto num texto
relevante para a proposta de uma pragmática cultural e seu caráter epistêmicopolítico: Por uma ‘nova pragmática emancipatória’, de Martins Ferreira e Nogueira de Alencar (2013). Como dizem as autoras, o acréscimo de emancipatória
à nova pragmática “[é] um alargamento, senão uma hipérbole, de sentido ao que
propõe como ‘nova’” (Martins Ferreira; Nogueira de Alencar, 2013, p. 274). Esse
acréscimo acontece à medida que consideramos dois caminhos: (1) quando a
pragmática deixa de ser serva enquanto componente ou disciplina linguística, não
mais compactuando com um pensamento modular em torno da linguagem, seja
por uma via internalista ou externalista; e (2) quando devém uma emancipação
intelectual, por meio de uma liberdade criativa relacionada a uma exterioridade
social.
Na efetuação do primeiro caminho, temos uma perspectiva pragmática
atualizando a filosofia da linguagem ordinária. Rajagopalan (2010) pontua que a
origem da pragmática linguística que conhecemos, perfazendo uma subárea,
encontra-se na filosofia analítica, moldada por uma linguagem ideal. Na filosofia,
coube à filosofia da linguagem ordinária deixar de lado esse parâmetro da linguagem ideal. Com os atos de fala performativos de Austin (1990) e os jogos de
linguagem de Wittgenstein (1999 [1953]), ocorre uma virada linguísticopragmática (Oliveira, 2006), uma perspectiva pragmática para a semantização da
linguagem até o momento operada pela filosofia. Na linguística, experimenta-se
esse abandono em seu campo aplicado, na Linguística Aplicada (LA), com uma
nova pragmática.
A aproximação entre pragmática e LA se faz presente quando problematizamos aquela como uma nova postura para os estudos linguísticos. E longe da
armadilha que o termo linguística aplicada carrega, pois não se trata mais de
aplicação nem de filiação eterna para com o campo teórico da linguística e seus
postulados. Se pensa antes por problema do que por teorema, diriam os filósofos
Deleuze e Guattari (2012 [1980]). De forma semelhante, o pragmaticista holandês Jacob Mey, quando perguntado em entrevista como se pode atuar em pesquisa pragmática por um viés crítico e, ao mesmo tempo, ir de encontro a uma visão
estreita da pragmática, nos fala citando o trabalho de Paulo Freire: “Acho que a
abordagem dele [Paulo Freire] é típica de como uma investigação pragmática
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deveria proceder. Ele começa com um problema” (Silva; Mey, 2014, p. 169, grifo
nosso).
De um ponto de vista epistemológico, para os estudos da língua(gem),
pensar ou começar com um problema implica primeiramente uma desnaturalização do objeto chamado língua. A língua enquanto objeto de estudo da linguística, paradigma que define esta como ciência, proposto por Saussure (2012
[1916]), não passa de uma invenção; não existe in natura, é fruto de uma invenção
moderna (e colonial) sob um positivismo lógico (Rajagopalan, 2014). Blommaert
(2014) denomina essa política de ideologia artefatual da língua, que determina
a língua a partir de sua redução a um conjunto de formas e regras responsáveis
por suas combinações. Podemos dizer que essa ideologia discrimina a língua em
módulos que podem ser estudados e descritos separadamente, como a sintaxe, a
semântica e a pragmática.
Numa sentença, a sintaxe daria conta das relações entre as palavras; a
semântica, das relações entre as palavras e sua significação, tendo como validade
a correspondência com o mundo; e a pragmática, das relações entre a significação
e quem usa a língua. Segundo uma ordem de importância, o que a sintaxe não
resolver a semântica soluciona, e caso esta não consiga, apela-se para o significado de quem fala, para quem usa a língua.
Desse modo, em nome de um componente modular, a pragmática muitas
vezes foi (e ainda é) chamada quando a semântica e a sintaxe não conseguem
dominar um fenômeno linguístico. Outra maneira de não lhe darem relevância
advém quando lhe tentam impor regras que explicariam racionalmente o significado ou a intenção de quem fala ao proferir um determinado ato. Nesse caso, o
movimento decrescente de importância que parte da sintaxe parece inexistente,
mas, ao contrário do que se imagina, a ordem de importância permanece quando
prevalece o olhar de “dentro para fora” (Rajagopalan, 2010) acerca da língua, no
processo de investigação.
O olhar de “dentro para fora” é um olhar do teorema, que prescreve uma
teoria a priori. O caminho inverso, de “fora para dentro”, diz respeito ao olhar do
problema, que coloca a pragmática em primeiro plano, como perspectiva. O fora,
cunhado de contexto em certas teorias pragmáticas, significou (e ainda significa)
a diferença entre semântica e pragmática. Se a pragmática se refere à relação
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exclusiva entre a significação e quem usa a língua, o contexto de produção e sua
força de criação de sentido podem ser deixados de lado via o olhar de “dentro para
fora”, reduzindo a relação a uma explicação quase sempre semântica com herança
na lógica clássica. Diferentemente, a pragmática, ao se servir do problema, leva a
sério seu aspecto social na produção de significado.
Com esse caráter, a pragmática e sua atenção em quem usa a língua sofre
um deslocamento conceitual, quando “olha [...] para a voz a partir do modo como
ela é societalmente produzida, condicionada, moldada, estruturada” (Silva; Mey,
2014, p. 168). Perguntamos, assim, de onde vem um enunciado e quais são as
condições sociais para a sua produção. O interesse da pragmática passa a ser o
social que, antes relegado numa visão internalista da língua (com o indivíduo
isolado, senhor de si, detentor da língua em potencial) e numa visão externalista
(com o social adentrando à análise linguística como mero anexo), agora está em
uma relação de imanência para com a língua. Temos o uso da língua e seu construtivismo social, o que reivindica para a ocupação da pragmática um posicionamento político.
Esse posicionamento traz para a pragmática uma qualidade contrahegemônica, desencadeada ao menos em dois movimentos: o primeiro, contra a
postura de considerar a pragmática como apêndice da semântica; e o segundo,
contra a postura de relegar o social e o político dos estudos linguísticos. Os dois
movimentos vão em direção a um único centro: a ideologia artefatual da língua e
seu modus operandi. Compreende-se, portanto, o uso da língua como prática social, uma forma de ação que constitui sistemas de crença e conhecimento, relações de poder e produção de subjetividade. A língua se desvincula de sua ideia de
instrumento de informação ou comunicação para se fazer como ação, discurso
(Foucault, 2014).
Conceber a língua como prática social e seu estudo a partir do uso remete,
comumente, à diferença levantada entre linguística e LA. Assim como à pragmática, interessa ao campo aplicado o uso da língua como prática social, daí uma
aproximação e um distanciamento das duas em relação à linguística. E uma vez
que a língua(gem) passa a ser entendida como discurso, “diversos aspectos culturais, históricos e sociais que lhe são próprios” (Martins Ferreira; Nogueira de
Alencar, 2013, p. 271-272) têm de ser levados em conta nos estudos da linguagem,
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necessitando, para tanto, de novos olhares e modos de fazer pesquisa. Novos
olhares e modos de fazer que solicitam uma interdisciplinaridade ou uma transdisciplinaridade, pois o “objeto” chamado língua(gem) não mais compete a uma
única disciplina, e sua “natureza” complexa requer abordagens que ultrapassem
fronteiras disciplinares.
Na LA, encontramos ideias que se conectam com esse pensamento, chamadas de indisciplinar (Moita Lopes, 2006), de pensamento crítico, transgressivo (Pennycook, 2006), e/ou da desaprendizagem (Fabrício, 2006). Na pragmática, esse pensamento parece visível fora do campo da pragmática linguística
como disciplina, quando vemos a teoria dos atos de fala traçando diálogos com a
antropologia, a sociologia, a ciência política e outras áreas (Rajagopalan, 2010).
Ou seja, quando consideramos a pragmática como perspectiva de estudos da
linguagem, reivindica-se um olhar e um modo de fazer para além de uma disciplina, porque se a linguagem e o social estão imbricados, abordagens de estudos
que atentem para a linguagem e seus aspectos políticos, culturais, históricos e
sociais são mais do que importantes.
Partindo disso, a pragmática cultural (Alencar, 2014) pretende uma abordagem antropológica ao se valer do conceito de jogos de linguagem, do filósofo
da linguagem ordinária Ludwig Wittgenstein. Descartando a filosofia da linguagem ideal que ajudou a construir com seu Tractatus logico-philosophicus (1968
[1921]), Wittgenstein (1999) diz que a significação de uma determinada palavra
está em seu uso.
No lugar de se portar como representação do que ocorre no mundo, de
seus fatos em estados de coisas, a significação de uma palavra acontece pelo seu
uso envolvido num jogo de linguagem. Não mais para uma qualidade semântica,
mas para uma qualidade pragmática, o filósofo austríaco atenta em suas Investigações filosóficas (1999). Essa qualidade pragmática tem no conceito de jogos
de linguagem sua característica social, ratificado na ideia de que corresponde a
(ou que faz parte de) uma forma de vida. Dessa maneira, o uso carrega em sua
composição marcas sociais, históricas e culturais.
Como modo de fazer, a pragmática cultural se apoia no que Silva, Alencar
e Ferreira (2014) sugerem de vigilância etnográfica, utilizando-se da etnografia e
da cartografia como métodos de pesquisa viáveis para uma abordagem da lingua-
11
gem em uso3. Há uma relação profícua entre linguística e antropologia, ao dar
importância à análise de práticas culturais como jogos de linguagem. Essa relação
suscita um alargamento do que normalmente se entende por linguística antropológica como campo de estudo circunscrito a etnologia linguística — no Brasil, a
línguas indígenas.
Indo a campo, a pragmática cultural focaliza a significação a partir de um
processo e não de um produto, o que equivale a uma ruptura para com a representação, privilegiando a ação (Alencar, 2014) na língua(gem). Outra ruptura se
dá com a velha dicotomia linguístico/extralinguístico: com os jogos de linguagem,
vemos uma contingência entre uma microrrelação e uma macrorrelação, isto é,
entre o visível-dizível e o invisível-indizível numa prática linguística, condicionando uma gramática cultural.
Ao ter como intuito o estudo da linguagem em uso, consequentemente,
sua inserção político-social, os estudos em pragmática cultural se destacam pelas
pautas minoritárias, pelo diálogo com movimentos sociais e de periferia, com
questões de classe, raça e gênero. No trabalho com a linguagem, esse modo de
fazer não se limita a um caráter desconstrutor das desigualdades de poder e saber
sustentadas pelo discurso. Não é uma análise do discurso como simples descortina das palavras. É um modo de fazer que se satisfaz de uma conduta intervencionista, quando pensa na criação de novas formas de vida que vão de encontro
às formas impostas por uma lógica dominante de poder e saber (Foucault, 2017).
Por isso, a compreensão da pragmática como um paradigma emergente
e um lugar de militância, como dizem Nogueira de Alencar e Martins Ferreira
(2016) ao traçarem a nova pragmática (Rajagopalan, 2010) como epistemologia
política decolonial. Segundo as autoras, a nova pragmática vem combater uma
sacralização do texto operada pela leitura oficial dos atos de falas de Austin e todo
um corolário conceitual que sustenta uma ideologia artefatual da língua nos estudos da linguagem.
3
A diferença entre etnografia e cartografia em trabalhos em pragmática cultural, até o momento,
parece ser no grau de envolvimento que cada uma possibilita com o (e ao) “objeto” de estudo,
guiadas pela concepção de linguagem enquanto processo. O método etnográfico utilizado advém
da antropologia, sua área de origem; e o cartográfico, de uma mescla entre etnografia e pesquisaintervenção.
12
Enquanto modo de fazer em nova pragmática, a pragmática cultural se
volta “para o cotidiano, para os problemas reais de pessoas reais que agem pela
linguagem” (Nogueira de Alencar; Martins Ferreira, 2016, p. 620). Essa prática
liga o primeiro caminho ao segundo, dos porquês da atribuição do termo emancipatória à nova pragmática, ditos anteriormente e que repetimos: quando a pragmática devém uma emancipação intelectual por meio de uma liberdade criativa
relacionada a uma exterioridade social. A liberdade criativa se vincula a um modo
de ocupação da partilha do sensível (Rancière, 2009): um modo sociopolítico de
repartir o visível-dizível e o invisível-indizível, a existência de um comum, de
onde uma intervenção social se faz possível.
Assim, segue-se o que Rajagopalan (2010, p. 44) diz a respeito do porvir
nos estudos em pragmática: “A estrada à frente há de ser pavimentada, portanto,
com considerações políticas”.
III
Dissemos que na letra da música “Cara palavra” de Karina Buhr, citada
no início desse texto, emerge uma atenção ao caráter performativo da linguagem,
quando um dizer é um fazer: a palavra desperta dor, apaga dor. Além de forças
ilocucionárias, presenciamos efeitos perlocucionários. Tais efeitos são descritos a
partir de um signovosignificado vindo de uma palavra que fala e cala, despertando e apagando dor. Se a pragmática como subárea da linguística se detém
sobre a relação entre significação e quem usa a língua, presenciamos na letra
dessa música uma reflexividade de quem usa, acerca de um signovosignificado.
Um signo é experimentado no corpo, ao aumentar e/ou diminuir dor, promovendo resistência e/ou aceitação: “Vai embora / Fica”.
Considerando o pensamento saussuriano que elege a língua como objeto
de estudo extraído da linguagem, Pinto (2012) diz que a pragmática consiste no
estudo da linguagem e não da língua (langue). A pragmática se interessa pelo
resto: o desperdício, o que fica de fora da língua, como a fala, o corpo, a classe, a
raça e o gênero. O objetivo é explicar a língua(gem) em uso, não descartando nenhum elemento não convencional.
13
Mas é preciso cuidado quando usamos o termo linguagem. Quase sempre
escorregamos e o traduzimos na lógica do significante/significado saussuriano, o
que acreditamos não ser o esperado por Pinto (2012). Espera-se ter ao lado mais
o pensamento de Charles S. Peirce, o pai da semiótica, do que o de Ferdinand de
Saussure, o pai da linguística: um dos desafios para uma LA adulta, pontuado por
Silva (2015). Diferente do projeto de Saussure (2012), o signo para Peirce (2010)
não deixa de lado o papel de quem o interpreta (interpretante) no processo de
significação.
Isso está na origem do termo pragmática, a relação entre significação e
quem usa (interpreta), como proposta por Morris (1985) sob a influência do pensamento peirciano. A pragmática, nesse sentido, possui uma atenção na prática
linguística, em quem usa; e outra nas condições do uso, conforme Pinto (2012).
A autora sugere três grupos principais de estudos em seu âmbito: (a) o pragmatismo norte-americano; (b) os estudos de atos de fala; e (c) os estudos pragmáticos interdisciplinares. O pragmatismo norte-americano, representado por nomes como Charles S. Peirce, William James e Charles Morris, enfatiza essa relação entre signo e quem o usa, à luz da experiência. Os estudos de atos de fala
partem das ideias de John L. Austin, como descritas em linhas anteriores. E um
híbrido desses dois grupos compõe os estudos pragmáticos interdisciplinares.
A nova pragmática e um de seus modos de fazer, a pragmática cultural,
encaixa-se nesse último grupo. Nossa proposta aqui é de aliança com essa perspectiva, com algumas diferenças. A aliança acontece na consideração da linguagem como prática social e política, entremeada com os conflitos existentes na
sociedade. Não entendemos a linguagem somada com uma dimensão social e política, quando o extralinguístico é chamado para explicar o linguístico. Seria
reverberar uma visão externalista nos estudos da linguagem. Entendemos a
linguagem enquanto dimensão social e política, e o signo como semiótico, para
além do linguístico. A diferença para com uma pragmática cultural se dá no uso
de alguns conceitos e no tratamento que melhor respondem ao que chamamos de
desperdícios.
Em “Cara palavra”, experimenta-se um signo e se decide em seguida
sobre ele: “Vai embora / Fica”. Essa experimentação passa pelo corpo, que aceita
e/ou reage a uma determinada fala ou palavra que cala. Aprendemos que a prag-
14
mática linguística se dedica ao uso da linguagem num contexto, à relação entre
linguagem e quem a usa — quem definido, na maioria das vezes, a partir de um
modelo ideal, o usuário. Se a significação se encontra na relação dada por circunstâncias entre um signo e quem o usa ou o experimenta, sua idealização
(totalização) confere uma identidade à pragmática. A presença dessa identidade
se deve à posição epistêmico-política em voga: quando se parte de “dentro para
fora”.
Por essa razão, fazemos questão de flexionar o gênero quando nos referimos a quem usa ou experimenta um signo: usuário, usuária ou, mais recente,
usuárie. Ao contrário da posição de “dentro para fora”, de “fora para dentro” um
desperdício tensiona flexões. Flexionar não significa uma simples escolha entre
um polo e outro de um par (e.g. usuário ou usuária), mas a produção de uma
dobra devindo com um fora. Quem usa ou experimenta um signo sofre tensões,
forças podem produzir uma dobra e modificar quem se relaciona com ele.
Sob um modelo ideal, o que vem de fora e produz tensões talvez não interesse à manutenção de um padrão e, logo, seja um desperdício. Os desperdícios
nesse modelo apenas servem quando precisam ser desperdiçados em nome de
um padrão a ser replicado, para manter um status quo. O corpo, o gênero e a raça
são alguns desperdícios à efetuação dessa produção de subjetividade. Certo pensamento ocidental efetua uma política moderna e colonial com os desperdícios
quando os descarta ou os recicla segundo sua lógica. No entanto, outra política se
expressa quando contamos com os desperdícios na alteração desse modelo operacional que os desperdiça, ou seja, quando usamos desperdícios para alterar um
descarte.
Experimenta-se um signo no mínimo com um desperdício: um corpo. Um
signo passa pelo corpo, tensionando uma flexão em quem o experimenta, uma
resposta entre aceitar e/ou reagir. Não há, portanto, como se guiar por uma
identidade de usuário numa pesquisa em pragmática quando consideramos o
desperdício. Desperdiçamos alguma coisa se nos guiarmos. Também não devemos pensar que nada é desperdiçado, desperdiçamos sempre algo. Todavia, a
questão não é desperdiçar ou não desperdiçar, e sim a lógica política envolvida
no desperdício quanto à vida em sua potência: existe uma lógica que faz da vida
um desperdício e uma lógica que não a desperdiça. Esta última não figura uma
15
reciclagem em direção à primeira, consiste num outro uso dos desperdícios no
desperdício da vida que aquela produz, uma afirmação da vida no lugar de uma
negação.
Karina Buhr faz isso em seu livro Desperdiçando rima. “Algumas cartas,
recados, bilhetes falseados, mixados, esticados, encolhidos e costurados com as
coisas que nasceram aqui mesmo, no festejo, na guerra, na saudade, no desperdiçar de rimas” (Buhr, 2015, p. 8). Dizemos que a artista faz uma cartografia do
desperdício, constrói um mapa do desperdício e seus processos de produção, traçando linhas de uma política que nega a vida e linhas de uma política que a afirma.
Uma política que desperdiça a vida se serve de uma significação, de um
corpo e de uma subjetividade ideais, e uma política que não a desperdiça se vale
de uma criação de sentido, de corpo e de subjetividade. Com a primeira política,
a artista nos apresenta a operação do poder com suas variáveis de significação,
corpo e subjetividade; e com a segunda política, a sua resistência a essas variáveis.
Em seus textos, signos implicam essas políticas em uso ou experimentação, confeccionando traços de uma cartografia ou pragmática do desperdício. Como então
se aproximar dessa cartografia? Produzindo também uma.
Imediatamente, poderá se argumentar uma não cientificidade nesse “método”, mas esse argumento não se sustenta. Porque, se a pragmática deve partir
de “fora para dentro”, uma cartografia se faz necessária. A necessidade se justifica
naquilo que Silva (2015) chamou atenção para uma reflexividade de quem usa a
língua, sugerindo uma perspectiva poliédrica para os estudos da linguagem. Essa
perspectiva se contrapõe a um primeiro truísmo em LA: a evidência empírica monolítica, quando a prática de pesquisa não focaliza tanto a vida social de um texto,
seu objeto. Sem essa atenção, “a vida do texto e do discurso fecha-se sobre si mesmo” (Silva, 2015, p. 355). Uma perspectiva poliédrica significa prezar pelos caminhos e circuitos que os textos fazem, transformando-se ao se repetirem, e pelo
diálogo com quem os produz.
Com essa perspectiva, enfatizamos uma qualidade interacional como origem do texto, possibilitada por uma atenção etnográfica às trajetórias textuais.
Podemos afirmar que a cartografia enquanto “método” de pesquisa se caracteriza
como um empirismo poliédrico, mas um empirismo que se interessa na criação
de pensamento e não numa epistemologia. Perguntamos: O que nos faz pensar?
16
O encontro com um signo, diria Deleuze (2010), quando se experimenta um signo. O empirismo inscrito pela cartografia não considera que se experencia um
signo (e.g. um ato de fala), mas se experimenta, cria-se pensamento com ele.
Essa concepção de empirismo desloca qualquer postura epistêmica que
aposta num olhar privilegiado para com um objeto, desbancando o par sujeito/objeto e a transcendência do primeiro para com o segundo. Dessa maneira,
mesmo que afirmemos uma vigilância etnográfica, precisamos estar atentos a
qual empirismo colocamos em funcionamento4.
Ligado de certo modo a um empirismo ainda como “descrição da realidade”, à luz da experiência, há um uso da cartografia na pesquisa linguística próximo ao que se entende como etnografia — aliás, um tipo de etnografia. Com uma
preocupação mais epistêmica do que com uma criação de pensamento, o fora decantado pela pragmática é muitas vezes confundido com uma exterioridade. O
fora, porém, não é uma exterioridade (Deleuze, 2013). Não se exterioriza o fora,
porque esse se faz como força, aquilo que nos força a pensar; e pensamos a partir
de um efeito de um signo. Ao confundirmos fora e exterioridade, esquecemos o
caráter performativo que caracteriza a pragmática como perspectiva: que é não
se prestar unicamente a descrever performances de linguagem em uso, e que uma
performance de pensamento seja feita com o que a força pensar.
Posturas positivistas ajudaram a construir a ciência linguística, como a
eleição da língua, seu objeto de estudo. Isso constitui a ideologia artefatual da
língua, o segundo truísmo em LA (Silva, 2015). Para a sua idealização, operou-se
uma extração da linguagem, retirando apenas aquilo merecedor de um sistema,
de um padrão. A ideologia também perfez uma postura exclusivista, com a seleção
de uma única pessoa capaz de interpretar e explicar os fatos linguísticos: profissional linguista, afastando assim toda reflexão leiga sobre a língua(gem).
Essa mesma ideologia artefatual da língua se apresenta na
LA,
segundo
Silva (2015). Tomando a língua como artefato, estuda-se a língua como modelo.
Assim, se a
4
LA
se interessa pelo “estudo de práticas específicas de uso da lin-
Deleuze (2012) nos fala que o significado corrente de empirismo nos remete à relação entre
sujeito que conhece um objeto pela experiência — um empirismo kantiano, transcendente. De
encontro a esse significado, um sujeito/objeto emerge com a prática num empirismo não
kantiano, imanente. A mudança de uma transcendência para uma imanência realoca a questão
da relação entre os termos e suas ideias, passando de uma interioridade para uma exterioridade.
17
guagem em contextos específicos” (Signorini, 1998, p. 91) — a língua in vivo, sua
pragmática —, a metapragmática se faz in vitro quando guiada por um modelo.
Com a valorização dessa política da ideologia artefatual da língua, presenciamos
pouca reflexividade de agentes das práticas linguageiras. A pouca presença constitui o terceiro truísmo em LA (Silva, 2015).
Voltamos ao que havíamos dito sobre o esquecimento de Peirce (2010)
por parte dos estudos da linguagem, em valorização do pensamento de Saussure
(2012). Enquanto o projeto saussuriano deixa de fora quem usa a língua(gem) no
processo de significação — lembremos que um significante e um significado formam sua concepção de signo —, Peirce (2010) lhe atribui importância em seu
projeto, a relação entre signo e interpretante. Nesse aspecto, uma
LA
com uma
orientação pragmática não pode dispensar uma reflexividade de quem usa a
língua.
Concordando e ampliando a definição de Signorini (1998) no parágrafo
anterior, dizemos, para finalizar, que o estudo de práticas específicas de uso da
linguagem deve caminhar com quem as usa. A cartografia possibilita esse pensar
com, como tentativa de fazer metapragmático in vivo, quando se propõe a uma
performance de pensamento.
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